Upload
phungtuyen
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
CARLA BARBOSA ALVES
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO NA REDE MUNICIPAL DE
UBERLNDIA: IMPLANTAO, ORGANIZAO E DESENVOLVIMENTO
Uberlndia
2015
CARLA BARBOSA ALVES
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO NA REDE MUNICIPAL DE
UBERLNDIA: IMPLANTAO, ORGANIZAO E DESENVOLVIMENTO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao da Universidade
Federal Uberlndia, como requisito parcial
para obteno do ttulo de Mestre em
Educao.
Linha de Pesquisa: Saberes e Prticas
Educativas.
Orientadora: Professora Dra Maria Irene
Miranda
Uberlndia
2015
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
A474A
2015
Alves, Carla Barbosa, 1980-
Atendimento educacional especializado na rede municipal de
Uberlndia : implantao, organizao e desenvolvimento / Carla
Barbosa Alves. - 2015.
172 f. : il.
Orientadora: Maria Irene Miranda.
Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Uberlndia,
Programa de Ps-Graduao em Educao.
Inclui bibliografia.
1. Educao - Teses. 2. Educao especial - Teses. 3. Professores de
educao especial - Formao - Teses. 4. Educao especial - Uberlndia
(MG) - Teses. I. Miranda, Maria Irene. II. Universidade Federal de
Uberlndia. Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.
CDU: 37
CARLA BARBOSA ALVES
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO NA REDE MUNICIPAL DE
UBERLNDIA: IMPLANTAO, ORGANIZAO E DESENVOLVIMENTO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao da Universidade
Federal Uberlndia, como requisito parcial
para obteno do ttulo de Mestre em
Educao.
Linha de Pesquisa: Saberes e Prticas
Educativas.
Uberlndia, 27 de agosto de 2015.
BANCA EXAMINADORA:
DEDICATRIA
Primeiramente a Deus, s Ele de fato sabe o que passa em meus
pensamentos e em meu corao, me dando foras para que eu possa
realizar tudo o que desejo. Deus, a minha vida est e sempre esteve
em tuas mos, conduze-a para onde ela deve ir a todos os momentos...
Aos meus pais, Jos Gaspar Barbosa e Maria Aparecida Oliveira
Barbosa que me deram a vida e dedicaram/dedicam as suas vidas a
mim, ensinando-me os caminhos do bem, da verdade e da f.
Obrigada pelo apoio incondicional e por acreditarem em mim
sempre, ajudando-me toda vez que eu precisei/preciso.
minha famlia, riqueza constituda h 12 anos. Ao meu amor e
companheiro de todas as horas Wyllis, aos meus filhos amados, Joo
Gabriel e Luiz Gustavo, tesouros que Deus me deu. Obrigada a vocs
por fazerem parte da minha vida e por viverem comigo mais este
momento to importante e que s tem sentido por vocs existirem e
fazerem parte disso comigo.
Aos meus irmos, Leonardo e Renato, e em contrapartida, minha
cunhada (uma irm na realidade) querida Karla, que mesmo de longe
me deram palavras de incentivo e amor. Obrigada a vocs por tudo.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, quero agradecer a Deus pelo amor incondicional minha vida, pela
forma zelosa com que tem me conduzido s oportunidades de crescimento pessoal e
profissional.
minha famlia, Wyllis, meu esposo amado; Joo Gabriel e Luiz Gustavo, filhos
amados e queridos. Agradeo a pacincia e o entendimento nos momentos que precisei estar
ausente e o quanto foram compreensveis. Obrigada!!!
Professora Doutora Maria Irene Miranda que humildemente me aceitou como
sua orientanda tendo um equilbrio e pacincia admirveis nos meus momentos de ansiedade,
ensinando-me que nem sempre as coisas acontecem da forma que queremos, mas que
acontecem da maneira que tm que ser. Obrigada por compreender e aceitar as minhas ideias
e desejos da pesquisa, pois em momento algum deixou de respeitar as minhas opinies e,
principalmente, a minha forma de escrita. A sua trajetria acadmica e profissional em muito
contribuiu com o meu trabalho. Obrigada!!!
Professora Doutora Mirlene Ferreira Macedo Damzio, minha referncia
profissional e minha amiga de hoje e de sempre. O seu exemplo e as oportunidades a mim
dadas me conduziram onde estou hoje. Obrigada por fazer parte da minha histria de vida e de
minha construo profissional.
s minhas colegas do NADH e em nome de todas aqui representado pela minha
amiga Maria Isabel. Em todos os momentos em que estivemos juntas lutamos pelo ideal da
Educao Inclusiva e, embora no estejamos juntas neste momento, cada uma dissemina por
onde passa este ideal. Obrigada pelo incentivo e por acreditarem sempre em mim e no meu
trabalho.
Aos docentes do Programa de Ps Graduao agradeo as contribuies ao longo
das disciplinas que em muito contriburam para a minha pesquisa e concluso da dissertao.
E obrigada aos discentes representados pelos colegas Aparecida Rossi, Bill Robson e Ricardo
Ferreira companheiros nas disciplinas, nos trabalhos e nos momentos de descontrao.
Aos sujeitos da pesquisa e pedagogas do AEE das escolas pesquisadas. Sou grata
pelo acolhimento e disponibilidade, pois se no houvessem participado deste processo a
pesquisa no existiria e no teria sentido algum.
Banca de Qualificao, professoras Doutoras Lzara Cristina da Silva e Arlete
Aparecida Bertoldo Miranda, o meu muito obrigada. Ambas foram minhas professoras no
meu processo formador e agradeo por compartilharem dos seus conhecimentos e
experincias, contribuindo com a melhoria da dissertao.
Banca de Defesa, obrigada professora Doutora Arlete Aparecida Bertoldo
Miranda por aceitar novamente o convite em participar de mais esta etapa do trabalho,
registro o meu carinho e admirao por voc. professora Doutora Rita Vieira de Figueredo,
obrigada por aceitar o convite para compor a banca de defesa e contribuir com seus
conhecimentos e experincia.
Aos meus alunos de ontem e de hoje, obrigada por fazerem com que eu me
tornasse/torne uma profissional e uma pessoa cada vez melhor. Foi na vivncia e convivncia
com os meus alunos e, em especfico com os alunos com deficincia, que foi possvel adentrar
na Educao Especial e descobrir o quanto somos pequenos diante das adversidades e, que
por detrs de todas as diferenas, h em primeiro lugar um ser humano com todas as suas
limitaes e infinitas possibilidades.
Fim do discurso. De tudo o que se ouviu
o resumo este: Tema a Deus e observe
seus mandamentos, porque esse o dever de
todo homem. Deus julgar toda obra, at
mesmo a que estiver escondida,
seja boa, seja m.
(Eclesiastes 12, 13)
RESUMO
Este trabalho consistiu em uma pesquisa que teve como objetivo descrever e analisar a
proposta de trabalho do Atendimento Educacional Especializado - AEE implantado e
desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educao de Uberlndia - SME de 2005 a 2014,
para os alunos pblico alvo da Educao Especial, matriculados nas escolas municipais de
Ensino Fundamental do 1 ao 5 ano, luz dos documentos oficiais que regulamentam as
aes para este atendimento no Brasil. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa de
carter descritivo e analtico. Utilizamos para a coleta de dados, a anlise documental, atravs
dos documentos oficiais que regulamentam a Educao Especial no Brasil e no municpio de
Uberlndia, a entrevista semiestruturada que foi realizada com duas coordenadoras do setor
responsvel pela Educao Especial no municpio, o Ncleo de Apoio s Diferenas Humanas
- NADH, no perodo pesquisado; e o questionrio para os professores do AEE e para os
professores da sala/classe comum. Atravs da construo dos dados foi possvel fazer a
correlao de todos os aspectos apresentados pelos atores da pesquisa, o que culminou em
quatro categorias: a histria da Educao Especial no municpio, a viso dos professores do
AEE e da sala/classe comum sobre o AEE e o NADH, Sala de Recurso Multifuncional - SRM
e acessibilidade arquitetnica e pedaggica, e a formao de professores. Verificamos que o
AEE se fundamentou na perspectiva da Educao Inclusiva, em consonncia com a Poltica
Nacional de Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva (2008) e demais
documentos que orientam o atendimento. Assim, embora a Educao Especial no municpio
de Uberlndia j existisse nas escolas municipais desde 1991, foi a partir de 2005, com as
discusses acerca da incluso, que este atendimento passou a ser ressignificado, buscando o
carter complementar e/ou suplementar ao trabalho ministrado em sala/classe comum,
assegurando a acessibilidade necessria aos alunos pblico alvo da Educao Especial. A
pesquisa explicitou a necessidade da interlocuo entre professores do AEE e da sala/classe
comum, bem como uma formao continuada que vislumbrasse a compreenso do trabalho
com a diferena humana que ultrapasse a participao de alunos com deficincia na escola,
devendo ser uma proposta de toda a SME e assessorias, e no apenas do setor da Educao
Especial. Constatamos que as escolas da rede municipal tm se articulado para a oferta do
AEE, mas muito ainda precisa ser realizado para este intento, principalmente no que tange
participao dos alunos com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotao.
Palavras-Chave: Incluso. Educao Especial. Atendimento Educacional Especializado. Sala
de Recurso Multifuncional. Formao de professores.
ABSTRACT
This work consisted in a research with the objective of describe and analyze the propose of
the Specialized Education Attendance AEE (abbreviation in Portuguese), implanted and
developed at the Municipal Secretariat of Education of Uberlandia SME ( abbreviation in
Portuguese), from 2005 to 2014, for the students target audience of the special education,
registered in municipals schools of fundamental series from 1 to 5 year, in the light of legal
documents which regulate the actions to this kind of attendance in Brazil. For this, was
realized a qualitative research with descriptive and analytical character. We used for the data
collection, the documental analyze; through the official documents that regulate the special
education in Brazil and in Uberlandia; the semi-structured interview was realized with two
coordinators of the responsible sector for the special education in the city; The Support
Section of Human Distinctions NADSH (abbreviation in Portuguese), in the period of the
research; and the questionnaire for the teachers of AEE and for the teachers of the regular
classroom. Through the construction of the data was possible to make a linkage of all aspects
presented for the actors of the research, which resulted in four categories: the history of the
special education in the city; the vision of the teachers of AEE and regular classroom about
AEE and NADSH; the multifunction resource room SRM ( abbreviation in Portuguese) and
the architectural and pedagogical accessibility; and the process of making teachers more
aware. We realized that AEE was based in the perspective of a Inclusive Education, in accord
with the National Public Special Education in the Inclusive Education Perspective (2008) and
documents that order the attendance. However the special education in Uberlandia has already
existed in the municipal schools since 1991, it was from 2005, with the conversations about
the inclusion, that this attendance became reframed, looking for the complementary and
supplementary character to the work in the regular classroom, ensuring the necessary
accessibility to the students target audience of special education. The research explored the
necessity of interaction between the AEE and regular classroom teachers, and a continued
education which improves the comprehension of the work with the human distinction that
overtake the participation of the students with deficiency in school, which proposition should
be of the SME and its assistants, and not only of the special education sector. It was found
that the schools of the municipal system have been articulated to the AEE offer, but it has a
lot to be realized to reach this objective, mainly when we talk about the participation of the
students with deficiency, global disturbance of development and high skills/ gifted.
Key words: Inclusion. Special Education. Specialized Education Attendance. Multifunction
Resource Room. Teachers Training.
LISTA DE ILUSTRAES
FIGURA 1 Mostra de materiais didtico-pedaggicos integrantes das salas de
recursos multifuncionais................................................................... 52
FIGURA 2 Uso da mquina Braille para aluno com deficincia visual
cegueira.............................................................................................. 53
FIGURA 3 Teclado com colmeia para o uso do aluno com deficincia fsica.... 53
FIGURA 4 Aranha-mola com caneta encaixada para o uso do aluno com
deficincia fsica................................................................................ 54
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Perfil dos coordenadores do NADH............................................... 71
QUADRO 2 Perfil dos professores de AEE das escolas..................................... 72
QUADRO 3 Perfil dos professores da classe comum das escolas...................... 72
LISTA DE SIGLAS
AC Anlise de Contedo
ADA Atendimento s Dificuldades de Aprendizagem
AEE Atendimento Educacional Especializado
AHS Altas Habilidades Superdotao
ASG Auxiliar de Servios Gerais
ASSOCEGO Associao de Cegos de Uberlndia
BPC Benefcio de Prestao Continuada
CAAE Certificado de Apresentao e Apreciao tica
CEMEPE Centro Municipal de Projetos Educacionais Julieta Diniz
CENESP Centro Nacional de Educao Especial
CEP/UFU Comit de tica em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlndia
CEPAE Centro de Ensino, Pesquisa, Extenso e Atendimento em Educao Especial
CF Constituio Federal
CNE/CEB Conselho Nacional de Educao / Cmara de Educao Bsica
CNE/CP Conselho Nacional de Educao /Conselho Pleno
COMPOD Conselho Municipal da Pessoa com Deficincia
CONEP Comisso Nacional de tica e Pesquisa
CORDE Coordenadoria Nacional para a Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia
DPEE Diretoria de Polticas de Educao Especial
EAD Educao a Distncia
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
EJA Educao de Jovens e Adultos
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao
GEPAHS Grupo de Estudos e Pesquisa em Altas Habilidades Superdotao
GEPTEA Grupo de Estudos e Pesquisa do Transtorno do Espectro Autista
IDEB ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais
MEC Ministrio da Educao e da Cultura
NAAH/S Ncleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotao
NADH Ncleo de Apoio s Diferenas Humanas
ONU Organizao das Naes Unidas
PAEE Professor do Atendimento Educacional Especializado
PAR Plano de Aes Articuladas
PBLEA Programa Bsico Legal Ensino Alternativo
PCC Professor da Classe Comum
PDE Plano de Desenvolvimento da Educao
PDI Plano de Desenvolvimento Individual do Aluno
PEA Programa Ensino Alternativo
PIP Programa de Interveno Pedaggica
PNE Plano Nacional de Educao
PPP Projeto Poltico Pedaggico
SEAD Secretaria de Educao Distncia
SECADI Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso
SEESP Secretaria de Educao Especial
SETTRAN Secretaria de Trnsito e Transporte
SIGETEC Sistema de Gesto Tecnolgica do Ministrio da Educao
SMDS Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
SME Secretaria Municipal de Educao
SRM Sala de Recurso Multifuncional
TA Tecnologia Assistiva
TCC Trabalho de Concluso de Curso
TGD Transtornos Globais do Desenvolvimento
UFC Universidade Federal do Cear
UFU Universidade Federal de Uberlndia
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
SUMRIO
1 INTRODUO: MEMRIAS QUE MARCAM E HISTRIAS QUE
TRAAM CAMINHOS.................................................................................... 14
2 A EDUCAO ESPECIAL E O AEE: CONSTRUES E
RECONSTRUES PARADIGMTICAS................................................... 27
2.1 A Educao Especial: caminhos trilhados e caminhos a trilhar.................... 27
2.2 A Poltica Nacional de Educao Especial na Perspectiva da Educao
Inclusiva, o pblico alvo e o AEE..................................................................... 44
2.3 A responsabilidade dos estados e municpios na implantao do AEE......... 49
2.4 A sala de recurso multifuncional SRM......................................................... 51
2.5 A formao e atribuio do professor do AEE................................................ 54
2.6 A acessibilidade: caminhos construdos e oportunidades ofertadas.............. 59
3 PARA ALM DO SENSO COMUM: PERCURSO METODOLGICO... 63
3.1 A abordagem da pesquisa.................................................................................. 63
3.2 O campo da pesquisa......................................................................................... 66
3.2.1 NADH Ncleo de Apoio s Diferenas Humanas.......................................... 67
3.2.2 Escola Leste......................................................................................................... 68
3.2.3 Escola Oeste......................................................................................................... 68
3.2.4 Escola Norte........................................................................................................ 69
3.2.5 Escola Sul............................................................................................................ 70
3.3 Os atores da pesquisa......................................................................................... 70
3.3.1 Coordenadora 1................................................................................................... 71
3.3.2 Coordenadora 2................................................................................................... 71
3.3.3 Professores do AEE............................................................................................. 71
3.3.4 Professores da sala/classe comum...................................................................... 72
3.4 Os instrumentos de construo de dados......................................................... 73
4 O AEE NO MUNICPIO DE UBERLNDIA: OS DIFERENTES
VIESES, OS CAMINHOS TRILHADOS E AS RESSIGNIFICAES
NECESSRIAS.................................................................................................. 77
4.1 A histria da Educao Especial no municpio de Uberlndia...................... 80
4.2 A viso dos professores do AEE e da sala/classe comum sobre o AEE e o
NADH................................................................................................................... 107
4.3 Sala de Recurso Multifuncional - SRM e acessibilidade arquitetnica e
pedaggica........................................................................................................... 119
4.4 Formao dos professores................................................................................. 130
5 CONSIDERAES FINAIS............................................................................ 142
REFERNCIAS................................................................................................. 151
ANEXOS............................................................................................................. 158
Anexo 1 Documento de solicitao da pesquisa............................................ 158
Anexo 2 Autorizao da pesquisa pela instituio coparticipante.............. 159
APNDICES....................................................................................................... 160
Apndice 1 Roteiro de entrevista coordenadora 1....................................... 160
Apndice 2 Roteiro de entrevista coordenadora 2....................................... 161
Apndice 3 Questionrio professores do AEE.............................................. 162
Apndice 4 Questionrio professores da sala/classe comum....................... 167
14
1 INTRODUO: MEMRIAS QUE MARCAM E HISTRIAS QUE TRAAM
CAMINHOS
Gostaria de te desejar tantas coisas.
Mas nada seria suficiente.
Ento, desejo apenas que voc tenha muitos desejos.
Desejos grandes.
E que eles possam te mover a cada minuto,
ao rumo da sua felicidade.
(Carlos Drummond de Andrade)
Ao realizar esta leitura de Drummond nos perguntamos: o que desejar e buscar a
felicidade? Podemos dizer tantas coisas em relao a isto. Pensando sobre o trabalho
acadmico, onde est a felicidade em uma pesquisa? Como realizar uma atividade que nos
desafia e que ao mesmo tempo nos deixa feliz? Tarefa fcil? Claro que no! Mas falar em
felicidade tambm abordar as memrias e histrias por mim vividas que me motivaram a
estar onde estou e a propor uma pesquisa.
Contar e recontar uma histria de vida acadmica e profissional requer muita ateno
e cautela para todos os detalhes. Ao relembrar de todos os momentos, que foram significantes
e/ou insignificantes ou inusitados, no h como negar que estes marcaram toda a minha
trajetria acadmica e profissional, ora tomando rumos s vezes desejados e algumas vezes
imprevisveis, ora traando caminhos que trilhei e ainda tenho a trilhar. Pensando em todas
estas questes se torna necessrio voltar a tempos um tanto distantes que tambm
determinaram em muito as minhas escolhas.
Sempre fui uma aluna muito dedicada aos estudos e com uma paixo imensa pela
escola. Iniciei minha trajetria acadmica aos seis anos de idade, na pr-escola (atualmente 1
ano) e fui alfabetizada em seis meses, por meio do mtodo silbico1. Lembro-me bem da
minha professora que era muito carinhosa e da diretora da escola, tomando a leitura da
cartilha. Durante as sries iniciais do Ensino Fundamental me sai muito bem e tive colegas
que se desenvolviam bem e outros no, e aquilo j me inquietava e sempre queria ser ajudante
1 Os mtodos de alfabetizao, de acordo com Ferreiro e Teberosky (1985) so de dois tipos fundamentais:
mtodo sinttico e mtodo analtico. O mtodo sinttico preserva a correspondncia entre som e a grafia,
partindo das partes para o todo, sendo os elementos mnimos da escrita as letras e slabas. J o mtodo analtico
parte do reconhecimento global das palavras e/ou oraes e ou textos. Desta forma, o mtodo silbico um dos
mtodos sintticos de trabalho com a alfabetizao que foca o processo de aquisio da leitura e escrita na slaba.
15
da professora para sentar junto com meus colegas, que tinham algumas dificuldades, para
ajud-los.
Nas sries finais do Ensino Fundamental contribua com alguns colegas de sala de
aula e os ajudava estudando junto em minha casa para as provas. Esta ao culminou na oferta
de aulas particulares, quando ainda estava na 7 srie (atualmente 8 ano), atendendo
sugesto de uma professora de portugus que me pediu para ministrar aulas particulares de
matemtica para a sua filha. Nesse momento j se esboavam os meus primeiros ensaios para
a profisso: ser professora.
A insero no Ensino Mdio comeou a me deixar pensativa quanto ao curso que
escolheria para fazer na universidade, mas eu j sabia que queria ser professora. Ento, aps o
1 ano do Ensino Mdio, cursando o 2 ano comecei a fazer tambm o Magistrio a nvel
tcnico profissional. Estudava pela manh fazendo o Ensino Mdio e noite o Magistrio.
Com certeza foi uma escolha muito sbia, pois a minha definio profissional se tornava cada
vez mais clara e confirmada: trabalhar na educao.
Se as escolhas so sempre difceis, para mim tudo foi acontecendo naturalmente.
Confesso que pensei em fazer jornalismo, pois sempre gostei muito de falar e nunca tive
dificuldades de me expressar em pblico. Mas no dia de fazer inscrio para o vestibular, em
1997, optei pela Pedagogia. Foi uma tenso: ser que vou conseguir passar no vestibular e ser
aluna da Universidade Federal de Uberlndia - UFU? Consegui. Passei na primeira fase e para
minha surpresa, na 2 fase. Fiquei muito feliz, consegui entrar na UFU logo na primeira
tentativa do vestibular.
Em 1998 comecei o curso de Pedagogia no perodo noturno. Quanta coisa nova!
Quando iniciaram as primeiras leituras, no vou negar, fiquei com medo, parecia uma
linguagem estranha e, s vezes, difcil de entender. O tempo foi passando e a certeza de estar
no lugar certo aumentava. As aulas, os professores, as apresentaes de trabalhos, os amigos,
as dificuldades, os sucessos, tudo isto aumentava o desejo de querer fazer sempre o melhor.
Assim, em 1999 surgiu a oportunidade de ir para campo exercitar e aplicar o que estava
aprendendo.
Antes de iniciar o estgio como disciplina obrigatria do curso, fui contratada como
estagiria por uma escola da rede particular para atuar em uma 4 srie (atualmente 5 ano).
Logo assumi a regncia da sala. No incio fiquei um pouco assustada, pois queria aplicar tudo
o que estava aprendendo e a escola era extremamente tradicional, com elaborao de
arguies e algumas prticas que iam totalmente contra ao que estava estudando e
conhecendo. Mas naquele momento percebi que enquanto professora era a autoridade da sala
16
e descobri uma forma de fazer o que a direo queria, porm no deixava tambm de utilizar
algumas prticas pedaggicas que iam ao encontro do que acreditava.
Em muitos momentos me sentia incomodada com a abordagem tradicional2 da
escola, pois nem todos os meus alunos conseguiam acompanhar a turma, o que sabemos que
um processo natural, porque cada ser humano tem seu ritmo prprio de aprendizado.
Realizava atividades adequadas para cada aluno, mas com o mesmo contedo desenvolvido,
organizando a minha aula com estratgias diferenciadas, momentos em que conseguia ver os
meus alunos, sem exceo, participando. Sem ao menos saber ou ter ouvido falar em incluso,
j tinha o desejo de que todos os meus alunos tivessem o direito de aprender e de serem
reconhecidos3 em suas diferenas.
Acreditava que esta escola poderia ser diferente, mas a cobrana das diretoras era de
aplicar testes, atividades repetitivas para os alunos memorizarem, dentre tantas outras que no
correspondiam ao que pensava sobre uma prtica pedaggica coerente. Fiquei nesta escola
somente por um ano.
Em 2000 fui trabalhar em outra escola, tambm da rede particular, onde eram
matriculados alunos com deficincia, o que, inicialmente, me assustou muito. As pessoas
acreditavam que a escola era especial, o que de fato nunca foi verdade, pois a proposta da
escola era justamente ser inclusiva. O primeiro ms foi de muitas dvidas e angstias, vontade
de ir embora e ao mesmo tempo de enfrentar este desafio.
O medo e a insegurana de trabalhar com pessoas com deficincia, que para mim at
o momento s existiam nas casas dos outros ou na televiso, me geraram sentimentos nunca
antes sentidos ou vividos. Durante quinze dias chegava em casa aos prantos e a minha me
dizia: se no quer ir mais no volte, mas se quer, enfrente. Acordava no outro dia e
afirmava para mim mesma: eu posso, eu consigo e eu quero. Desta forma, cada dia era
nico e muitas coisas aconteceram ao longo deste tempo. Aprendi a olhar para cada ser
humano que ali estava e ver naqueles alunos, com qualquer comprometimento que fosse, o
2 O ensino, em todas as suas formas, nesta abordagem, ser centrado no professor. Esse tipo de ensino volta-se
para o que externo ao aluno: o programa, as disciplinas, o professor. O aluno apenas executa as prescries que
lhe so fixadas por autoridades exteriores (MIZUKAMI, 1986, p.08). O foco desta prtica tradicional est na
transmisso /perpetuao dos conhecimentos culturais produzidos ao longo dos anos, tendo um carter
cumulativo dos contedos ministrados. 3 Usamos o termo reconhecido/reconhecimento, ao invs de respeitado/respeito, porque o simples fato de
respeitar no est diretamente relacionado em reconhecer e valorizar a pessoa, mas apenas aceit-la. Por
exemplo, aceitar/deixar que a pessoa com deficincia conviva entre ns no quer dizer que ser reconhecida e
valorizada. De acordo com Bonfim (2009), h trs formas de reconhecimento das pessoas com deficincia:
respeito integridade corporal da pessoa o encorajamento que recebe dos que esto prximos, igualdade de
direitos reconhecimento como cidado e estima social como o grupo social ao qual convive o recebe e
valoriza a sua forma de ser.
17
desejo de serem considerados gente. Tudo isso que vivi ningum ensina para ningum.
Somente a convivncia e a compreenso do outro, com olhos de algum que v para alm do
que visvel, possibilitam realizar um trabalho significativo na educao.
Todas as sensaes por mim vividas naquele momento do contato com a diferena
fizeram vir tona os preconceitos inculcados pela sociedade e que esto impregnados no
imaginrio social. Com certeza, durante os trs anos que fiquei nesta escola, atuando na classe
comum com a presena tambm de alunos com deficincia, aprendi que todos os alunos so
diferentes e precisam ser reconhecidos em suas necessidades e potencialidades,
independentemente de suas dificuldades. A minha escolha profissional comeava a ser bem
definida e os caminhos para a vida acadmica tambm.
Durante os dois primeiros anos de atuao nessa escola, tive alunos com surdez em
minha sala de aula, assim como alunos com deficincia intelectual, paralisia cerebral,
deficincia visual, altas habilidades/superdotao, autismo e hiperatividade. Com a vivncia
cotidiana aprendi a Lngua Brasileira de Sinais - Libras4 e fui capaz de experimentar todas as
prticas pedaggicas orientadas pela escola e tambm as que imaginava que dariam certo,
com o objetivo de que os alunos compreendessem o que estava trabalhando. Alm do curso de
Libras, participei das formaes oferecidas pela escola em outras reas e pela UFU, participei,
tambm, de alguns eventos. Enfim, fui me aperfeioando constantemente.
No 2 semestre de 2001 fiz um curso na prpria escola sobre a Educao para
Surdos um programa de capacitao oferecido pelo Ministrio da Educao MEC, e em
dezembro, devido participao neste curso, fui para So Lus MA ministrar palestra para
300 pessoas. Esse foi um grande desafio! Sozinha, em um lugar distante, acostumada a falar
para a minha sala, agora a primeira vez falando para uma grande quantidade de pessoas.
Ainda me lembro do frio na espinha ao entrar em um auditrio com tantas pessoas. Deu
tudo certo e a palestra foi um sucesso, muitas pessoas aplaudindo e vindo ao meu encontro
fazer perguntas, das quais muitas ainda no tinham resposta, porm sabia que o melhor
caminho para qualquer coisa olhar para o ser humano e que minha responsabilidade
conhec-lo, de fato, em primeiro lugar.
Em abril de 2002, conclui o curso de Pedagogia com habilitao em Magistrio das
Sries Iniciais do Ensino Fundamental e Superviso Escolar do Ensino Fundamental e Mdio.
Como estava noiva e prestes a me casar no tentei fazer o mestrado naquele mesmo ano, mas
4 Libras a Lngua Brasileira de Sinais reconhecida como meio legal de comunicao e expresso das pessoas
com surdez do Brasil, sendo um sistema lingstico de natureza visual-motora atravs do qual se expressam
ideias e fatos. Esta lngua, com estrutura gramatical prpria, foi reconhecida legalmente atravs da lei 10.436 de
24 de abril de 2002(a).
18
sabia que esta era uma vontade adiada. Assim, de 2002 a 2003 fiz o curso de especializao
em Metodologia do Ensino Superior na UFU.
Profissionalmente, aps trs anos de atuao na docncia de uma escola privada
entrei na Prefeitura Municipal de Uberlndia, em 2003, como supervisora escolar, concursada
e efetiva. Durante dois anos e meio atuei como pedagoga de 5 a 8 srie do ensino
fundamental, atualmente denominado 6 ao 9 ano, mas com o intuito de atuar na Educao
Especial na rede municipal. Assim, fui para uma escola de periferia trabalhar pela primeira
vez como pedagoga do 6 ao 9 ano, sendo este mais um dos desafios que enfrentei na minha
profisso.
Lembro-me muito bem daqueles alunos e professores e dos imensos desafios
enfrentados. Teria muito a relatar sobre os dois anos e meio vividos neste lugar, o quanto
aprendi, mas o principal foi que compreendi que o conhecimento e o domnio daquilo que
realizamos fazem toda a diferena para nos posicionarmos diante das situaes complexas que
vivenciamos no contexto da escola. Alm disso, o que mais me chamou a ateno foi em
relao diversidade e as diferentes histrias daqueles alunos que precisavam de tantas
coisas, que iam para alm do que a escola oferecia, mas fui entendendo que a melhor forma de
ajud-los era realizando o meu trabalho da melhor forma possvel. Permaneci nesta instituio
at junho do ano de 2005 quando recebi um novo convite.
importante destacar que a escolha da profisso, que se enquadra no nosso jeito de
ser, faz com que sempre queiramos mais e foi o que me aconteceu, mais intensamente, a partir
de 2003. Deste perodo at os dias atuais tenho participado de vrios eventos cientficos
(seminrios, congressos, etc.), em alguns apresentando trabalhos. A cada evento que participo
fica sempre aquele gostinho de querer mais, de conhecer outras experincias e de poder
contar as minhas vivncias tambm. Sei dos inmeros desafios e insatisfaes, s vezes,
impossveis de no serem vividos, que a profisso de professor nos apresenta, mas a vontade
de fazer o melhor e diferente pela educao, me move. Sou, realmente, uma apaixonada
pela profisso e o que mais me impulsiona a crena de que cada ser humano nico e pode
fazer a diferena em todos os contextos que se apresenta.
O meu desejo de atuar na Educao Especial foi realizado em junho de 2005 quando,
devido minha experincia anterior, fui convidada para atuar como pedagoga do Programa
Bsico Legal Ensino Alternativo - PBLEA5, programa responsvel pelo atendimento de
5 Era um programa responsvel pelo atendimento ao indivduo com necessidade especial nas escolas municipais.
Em novembro de 1996 passou a configurar-se legalmente como Programa Bsico Legal Ensino Alternativo,
com a criao da lei complementar n 157 de 07 de novembro de 1996 (ARAJO; SOUSA, 2006).
19
alunos com deficincia, dificuldade de aprendizagem e hiperatividade nas escolas da rede
municipal. Fui encaminhada para uma escola de Educao Infantil e de 1 ao 5 ano para
acompanhar os atendimentos e a organizao/transio deste programa para o Atendimento
Educacional Especializado - AEE6, momento em que se redefinia a clientela deste
atendimento e se reconstrua tambm a Poltica de Educao Especial para o pas na
Perspectiva da Educao Inclusiva. O foco do meu trabalho neste perodo foi,
especificamente, voltado para o AEE da rea da surdez. Ento, sai da escola de periferia e fui
trabalhar com quem mais desejava: alunos com deficincia.
Neste ano de 2005, em que ocorria a transio do Programa Bsico Legal Ensino
Alternativo para AEE, o Ncleo de Apoio s Diferenas Humanas - NADH7, setor
responsvel pela oferta dos servios da Educao Especial nas escolas municipais de
Uberlndia, sendo um destes servios o AEE, tendo como embasamento os paradigmas
inclusivos e os parmetros legais que estavam sendo criados, realizou uma anlise do
atendimento ofertado para os alunos com surdez8. Aps esta anlise, que teve como avaliao
o domnio da Lngua de Sinais e a aquisio da Lngua Portuguesa, constatou-se problemas
no processo de ensino e aprendizagem dos alunos com surdez, nas duas lnguas e, tambm, na
compreenso dos contedos. Estes alunos estavam nas escolas da rede municipal, mas
frequentavam salas especficas/especiais9 para alunos com surdez.
6 Neste perodo estava em discusso a nova poltica de Educao Especial na perspectiva da Educao Inclusiva
em todo o pas e, portanto, havia necessidade de ressignificao da Educao Especial no municpio. Neste
sentido, um dos primeiros passos foi a redefinio da clientela da Educao Especial para o atendimento e,
consequentemente, a implantao do AEE como um de seus servios. O atendimento educacional
especializado, compreendido como o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedaggicos
organizados institucional e continuamente, prestado das seguintes formas: I - complementar formao dos
estudantes com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento, como apoio permanente e limitado no
tempo e na frequncia dos estudantes s salas de recursos multifuncionais; ou II - suplementar formao de
estudantes com altas habilidades ou superdotao (DECRETO N 7.611, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2011). 7NADH NCLEO DE APOIO S DIFERENAS HUMANAS o setor responsvel pela modalidade de
ensino da Educao Especial e seus servios nas escolas da rede municipal de Uberlndia. Tem como princpio
norteador garantir o acesso e a permanncia do educando na escola regular, bem como o processo ensino-
aprendizagem. Sua meta a efetivao de uma poltica de Educao Especial fundamentada na proposta de uma
sociedade que reconhece e trabalha as diferenas e valoriza a diversidade constante dos sistemas educacionais.
(dados fornecidos pelo setor em fevereiro de 2014 por meio de conversa informal). 8 Usamos o termo aluno com surdez e/ou pessoa com surdez como uma forma de tratamento, pois antes da
surdez/deficincia/perda sensorial existe uma pessoa em primeiro lugar, por isso pessoa com surdez e/ou aluno
com surdez, e no o surdo (DAMZIO, 2005). 9 Salas especiais/especficas eram salas que tinham apenas pessoas com surdez, isto , no era uma sala comum
(sala em que estudam alunos independente de suas diferenas). Estas salas estavam dentro da escola regular e
no era um atendimento no contra turno, e sim a aula normal (com os contedos das demais salas), mas que
tinha como foco o uso da Lngua de Sinais. Havia duas escolas polos/referncias que atendiam os alunos nestas
salas, sendo uma de 1 a 4 srie (hoje 1 ao 5 ano) e outra de 5 a 8 srie (hoje 6 ao 9 ano).
20
Sendo assim, aps observaes sistemticas do trabalho realizado nestas salas
(visitas, observaes das aulas, reunies com professores, pedagogas e direo), bem como
anlise do trabalho atravs de aplicao de avaliaes de Lngua Portuguesa e Libras, ocorreu
a nova insero destes alunos no contexto da sala comum, que reiniciou com os alunos da 1
srie (2 ano) e, posteriormente, com os alunos das demais sries, 2 a 4 sries (3 ao 5 ano).
Na escola de 5 a 8 sries (6 ao 9 anos) a mudana ocorreu em todas as salas de uma vez,
em 2006. Foi um perodo de muitos questionamentos, insatisfaes, situaes difceis de
vivenciar com professores e famlias que no queriam aceitar aquela situao, pois alegavam
que o melhor era que estes alunos permanecessem separados dos ouvintes e que no
aceitavam a incluso.
Apesar da busca por mudanas de concepes em relao s pessoas com
deficincia, o que se observou, e ainda se observa, que na grande maioria das organizaes
voltadas para o atendimento destas pessoas, perpetua-se o carter
segregacionista/assistencialista10
, negando-se outras concepes, que hoje vigoram em leis
internacionais e nacionais. Percebemos progresso nas leis, mas poucas modificaes nas
atitudes; as leis so necessrias para assegurar os direitos, porm a mudana de postura
emergente na busca de uma sociedade mais justa e solidria e de uma escola de fato aberta s
diferenas.
Sabemos que muitos profissionais tm realizado um bom trabalho, mas a escola
precisa ser ressignificada para atender s diferenas em seus diversos contextos. A escola, que
aberta a todos e para cada um, segundo os aspectos legais, precisa, alm de oferecer o
acesso, assegurar, com qualidade11
, a permanncia de seus alunos. Assim, quando participei
deste processo em que os alunos com surdez tinham acesso sala de aula comum, como
qualquer outro aluno que assim o quisesse, tinha a certeza que era o melhor a ser feito, claro,
lutando para atender s especificidades que esta diferena exigia, principalmente, no que diz
respeito sua lngua natural12
, que a Lngua de Sinais.
10
A perspectiva segregacionista/assistencialista tem haver com o preconceito e discriminao em relao s
pessoas com deficincia que por vezes so vistas como coitadinhas e por isso precisam ser assistidas e no
educadas, o que gera a sua segregao/excluso do contexto social e educacional. 11
Neste trabalho permanncia com qualidade significa que o aluno no esteja apenas matriculado e pertencente a uma sala de aula, mas que tenha disponibilizado os recursos e estratgias necessrios para a sua participao
efetiva em todos os espaos da escola e que tenha acesso, de fato, ao conhecimento apreendido na escola. 12
De acordo com a Lei 10.436 de 24 de abril de 2002 (a), Libras, que de natureza visual-motora, a forma de
comunicao e expresso das pessoas com surdez. Desta forma, a lngua natural dessas pessoas por ser e se
tornar o canal natural de expresso e comunicao, assim como a Lngua Portuguesa o canal natural das
pessoas ouvintes.
21
Concomitantemente, a esta situao e ao desejo j realizado de trabalhar na Educao
Especial na prefeitura, senti que precisava fazer outra especializao nesta rea, pois tinha
apenas alguns cursos de formao continuada, aperfeioamento e extenso. Em meados 2005
iniciei a especializao em Educao Especial na UFU e o meu campo de atuao profissional
se tornava mais definido e ao encontro de meus anseios anteriores.
Como em 2005 atuei como pedagoga na Educao Especial, em 2006 passei a
compor a equipe do NADH a convite da coordenadora do setor na poca. Desde que entrei
neste grupo atuei como coordenadora de roteiro, de 2006 a 2012, prestando assessoria s
escolas que tinham o AEE, cuja ao consistia em acompanhar e orientar todas as reas:
deficincia intelectual, deficincia fsica, deficincia visual, surdez, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotao, bem como a implantao do trabalho na
rea da surdez, por meio do acompanhamento das escolas e do trabalho dos instrutores13
e
intrpretes14
de Lngua de Sinais, e ainda ministrando cursos para professores e pedagogos
das escolas, profissionais do AEE ou da classe comum.
Especificamente, no ano de 2006, em duas escolas de rede municipal, acompanhei
bem de perto todo o movimento de implantao e retorno dos alunos com surdez para a sala
comum, realizando reunies com professores e pais, e cursos de formao. Este perodo foi
bem intenso de trabalho e de amadurecimento profissional, pois os embates com professores e
pais foram tamanhos e o enfretamento tinha que ser constante.
Fazer parte da equipe que coordenava a Educao Especial no municpio de
Uberlndia, pelo perodo de sete anos me possibilitou enxergar cada vez mais a
responsabilidade diante deste trabalho e desta minha escolha. Posso afirmar que todo este
perodo em que atuei diretamente na Educao Especial, passando por todas as reas, fez com
que eu me tornasse uma profissional diferente e com o desejo de contribuir para a
modificao da escola e para um ensino de melhor qualidade para as pessoas com deficincia,
pois precisamos ter a competncia tcnica para a funo, mas as competncias poltica e
humana tambm precisam estar presentes.
13
Profissional, preferencialmente com surdez, responsvel pelo ensino da Lngua de Sinais, sendo usurio dessa
lngua com formao de nvel mdio e com certificado obtido por meio de exame de proficincia em Libras,
promovido pelo Ministrio da Educao (BRASIL, Decreto 5626/2005a). 14
Profissional ouvinte, responsvel pela traduo simultnea do Portugus para a Libras e vice-versa, sendo um
profissional que pode ainda ter nvel mdio, mas preferencialmente superior, com competncia e fluncia em
Libras para realizar a interpretao das duas lnguas, de maneira simultnea e consecutiva, e com aprovao em
exame de proficincia, promovido pelo Ministrio da Educao, para atuao no ensino fundamental (BRASIL,
Decreto 5626/2005a).
22
Paralela atuao no municpio, em 2007 fui convidada pela diretora de uma
instituio privada, com a qual j havia trabalhado anteriormente nos anos de 2000 a 2002,
para compor a sua equipe no Projeto de Formao Continuada de Professores para o
Atendimento Educacional Especializado na modalidade a distncia, curso oferecido pelo
MEC/SEAD/SEESP/UFC15 aos municpios polos espalhados por todo o Brasil e que fazem
parte do Programa Educao Inclusiva Direito Diversidade16. Ainda continuo nesse trabalho
atuando como supervisora de contedo (professor pesquisador I).
Em 2007 e 2008 este curso, oferecido por duas vezes, foi de aperfeioamento e atuei
na rea da surdez; de 2010 a 2011 foi em nvel de especializao e atuei como supervisora de
contedo, perodo em que fui uma das autoras do fascculo sobre a surdez que embasou os
estudos e foi distribudo pelo MEC para todo o Brasil. No ano de 2010, participei da produo
de outro livro tambm na rea da surdez publicado pela Editora Moderna. Ver um pouco do
meu trabalho e estudos relatados em dois livros me traz grande satisfao e ainda mais
responsabilidade, uma vez que vrias pessoas estaro se embasando no que est apresentado
nestes livros, que abordam a oferta do AEE na escola regular, uma instituio de todos e para
cada um; considero isto muito srio. De 2013 a 2014, tambm na especializao deste curso,
atuei como supervisora de contedo de todas as reas (AEE, deficincia fsica, deficincia
intelectual, deficincia visual, surdez, transtornos globais do desenvolvimento).
Fazer parte de trabalhos de formao de professores a nvel nacional uma grande
responsabilidade. Devido a todo o meu envolvimento nestes processos de formao,
constantemente sou convidada a ministrar palestras e cursos em diversas cidades do pas
reafirmando o compromisso profissional assumido. Conhecer a diversidade do Brasil e as
diferentes realidades tem enriquecido ainda mais a minha prtica e ao cotidiana.
Concomitante a essas aes, havia tambm o desejo de atuar no Ensino Superior, o
que aconteceu em 2008 em uma instituio privada da cidade de Uberlndia, onde ministrei
aulas nos cursos de Superviso Escolar e Psicopedagogia e ainda atuo com alguns mdulos.
Em 2009 atuei no curso de especializao em AEE de uma instituio privada da cidade de
15
MEC Ministrio da Educao e da Cultura. SEAD Secretaria de Educao Distncia. SEESP
Secretaria de Educao Especial. UFC Universidade Federal do Cear. 16
Objetivo do Programa: Apoiar a formao de gestores e educadores, a fim de transformar os sistemas
educacionais em sistemas educacionais inclusivos. Aes: Realizar Seminrio Nacional de Formao dos
coordenadores municipais e dirigentes estaduais; Prestar apoio tcnico e financeiro e orientar a organizao da
formao de gestores e educadores dos municpios polos e de abrangncia; Disponibilizar referenciais
pedaggicos para a formao regional. Como acessar: As Secretarias de Educao dos municpios polos
apresentam demanda por meio do PAR e plano de trabalho por meio do SIMEC. Os municpios de abrangncia
participam do processo de formao promovido pelo municpio polo. Disponvel em:
. Acesso em:
10 fev. 2014.
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17434&Itemid=817
23
Caldas Novas GO. Fui professora dos mdulos AEE para pessoa com surdez e AEE para
pessoas com deficincia visual (cegueira e baixa viso) e surdocegueira, tambm como
professora de estgio/prxis e Trabalho de Concluso de Curso - TCC. Este curso contou com
duas turmas, sendo uma em Araguari MG e outra em Caldas Novas GO. Em 2011, fiz
parte do corpo docente deste mesmo curso, oferecido em Uberlndia por outra instituio
privada.
A necessidade e a vontade de me especializar e aprender mais me levaram, em 2010,
a fazer outra especializao, dessa vez em AEE. Este curso me tornou ainda mais estudiosa de
todas as reas da Educao Especial e um ser humano que, a cada conhecimento apreendido,
sente a necessidade de estudar e conhecer mais, com a certeza de que o maior segredo est em
conhecer cada ser humano para alm de sua deficincia.
Desde 2013 estou atuando como pedagoga de salas do ensino regular de 6 ao 9 ano
e do AEE de 1 ao 9 ano. Voltar para a escola de ensino fundamental depois de sete anos (de
2006 a 2012 atuei no NADH) me deu a certeza de que escolhi a profisso certa, pois apesar
dos inmeros desafios e dificuldades, e estes no posso negar, sei que busco fazer o melhor
por aquilo que acredito. A cada situao vivenciada, a cada desafio posto e a cada realizao
no posso deixar de afirmar que acredito muito na educao por confiar na potencialidade de
todo ser humano.
Assim, enquanto eu acreditar na beleza do ser humano e na fora que ele tem em ser
cada vez melhor continuarei com esta paixo pela profisso e com o desejo reafirmado de
tentar fazer a diferena por onde eu passar, pois sei que as marcas so indelveis, sejam
negativas ou positivas e, portanto, quero deixar as minhas marcas positivas, de preferncia,
por onde passar.
Fazer esta retrospectiva da minha vida acadmica e profissional foi muito bom e
emocionante. Rememorei fatos inesquecveis e, acima de tudo, reafirmei a satisfao de ter
escolhido a profisso certa e a que desejei desde o primeiro momento. Foi possvel perceber
que a minha trajetria acadmico-profissional foi tomando rumos interessantes e de muitas
responsabilidades e compromissos assumidos o que me causava, e ainda causa, em certos
momentos, receio e em outros (na maioria), uma satisfao e realizao imensas que me
movem a querer sempre mais. Desta forma, aps trs especializaes realizadas e as
inquietaes que surgiram ao longo da vivncia, o desejo que me move na profisso e na vida
acadmica no poderia me levar a outro lugar a no ser ao mestrado.
Considerando toda minha trajetria e, em especfico, o trabalho realizado junto aos
alunos com deficincia, uma das minhas maiores inquietaes, e que tambm dvida de
24
muitos, est em como implantar e organizar o AEE nas escolas. A escola e os professores
ainda tm muitas dvidas em como garantir o acesso e permanncia destes alunos com
qualidade. Da, ento, o enfoque deste trabalho que se prope a descrever e analisar a
implantao, a organizao e o desenvolvimento deste atendimento no municpio de
Uberlndia, tendo como parmetro os documentos orientadores para este servio.
O foco deste estudo est no AEE ofertado na escola regular, sendo indiscutvel a sua
importncia para o desenvolvimento do indivduo, visto que todas as crianas tm o direito de
estarem na escola, indistintamente. Por isso, no cabe mais a discusso acerca do direito de
qualquer pessoa ter acesso escola, uma vez que este garantido por leis, decretos,
resolues, pareceres, independente das condies fsicas, sensoriais, mentais ou emocionais
que a pessoa possa apresentar.
neste cenrio de conflitos e de poder nas relaes, em que preciso cada vez mais
investir de fato na escola e na organizao e na oferta dos servios necessrios para atender
aos alunos com deficincia que esto neste espao. Sendo assim, a concepo de escola
inclusiva, que assegurada em todos os documentos legais e orientadores sobre a educao do
nosso pas, se fundamenta no reconhecimento das diferenas humanas e na aprendizagem
centrada nas potencialidades dos alunos.
A estes alunos so assegurados direitos constantes da Constituio Federal de 1988,
na LDBEN - Lei n. 9.394/1996, no parecer do Conselho Nacional de Educao/ Cmara de
Educao Bsica - CNE/CEB n. 17/2001(a), na Resoluo CNE/CEB n. 02/2001(b), na Lei
n. 10.436/2002(a), no Decreto n. 5.626/2005(a), sendo que todos estes dispositivos legais
esto assegurados tambm na Poltica Nacional de Educao Especial na Perspectiva da
Educao Inclusiva de 2008 e no Decreto 7.611/2011 que dispe sobre o AEE.
Aceitar a matrcula de alunos com deficincia nas escolas um dever, mas no basta
apenas permitir o acesso e sim garantir a permanncia destes com qualidade. Diante disso,
faz-se necessrio uma mudana de paradigma educacional de forma que a escola consiga, de
fato, atender s diferenas. Para tanto, preciso que as polticas educacionais avancem, e que
a escola realize uma mudana organizacional e estrutural, ofertando um AEE que atenda s
reais necessidades dos sujeitos. Mas, acima de tudo, importante que haja uma mudana
atitudinal que envolva uma nova concepo de homem e educao e leve, necessariamente, a
mudanas nas prticas pedaggicas.
Contudo, vive-se um momento scio poltico de significativas mudanas e a escola,
inserida na sociedade, tambm passa por uma crise de paradigma quando tenta responder a
25
tais mudanas. J no possvel para esta instituio ignorar o que se passa ao seu redor e
nem to pouco desconsiderar que existem diferenas que devem ser reconhecidas.
Mediante o referido contexto este estudo tem por objetivo descrever e analisar a
proposta de trabalho do AEE implantada e desenvolvida pela Secretaria Municipal de
Educao de Uberlndia de 2005 a 2014, para os alunos pblico alvo da Educao Especial
matriculados nas escolas municipais de Ensino Fundamental do 1 ao 5 ano, luz dos
documentos oficiais que regulamentam as aes para este atendimento no Brasil. Destacamos
que este perodo de 2005 a 2014 foi escolhido pelo fato de a construo da Poltica Nacional
de Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva (2008), que vigora at os dias
atuais, ter iniciado as suas discusses desde 2005 e o municpio de Uberlndia foi pioneiro
por j ter comeado a ressignificar este atendimento neste perodo.
Sistematizando os apontamentos apresentados e considerando minha experincia
profissional, o problema desta pesquisa est em como o municpio de Uberlndia tem
implantando e organizado o AEE em suas escolas, perpassando pelas seguintes questes:
Como est sendo realizado o atendimento (complementar e/ou suplementar) dos alunos com
deficincia e a organizao das Salas de Recursos Multifuncionais - SRM? Como tem sido
assegurada a acessibilidade arquitetnica e pedaggica destes alunos? Como tem acontecido a
formao dos professores do AEE?
A pesquisa foi realizada no setor responsvel pela Educao Especial do municpio,
o NADH, e em quatro escolas de ensino fundamental da rede municipal, sendo estas
escolhidas por contemplarem os setores leste, oeste, norte e sul da cidade e por atenderem a
um nmero maior de alunos com deficincia do 1 ao 5 ano. O setor central no foi escolhido
por contar com apenas duas escolas de ensino fundamental, sendo as demais de Educao
Infantil.
A relevncia da pesquisa est na importncia e na necessidade de discusses acerca
do AEE, bem como na demanda por reflexes sobre o atendimento que complementar e/ou
suplementar ao trabalho desenvolvido com os alunos com deficincia na classe comum,
oferecendo o que lhes necessrio para a sua promoo e aprendizado. Assim, esperamos que
o presente estudo favorea a reflexo/ao a respeito dos saberes necessrios para a
organizao e implantao do AEE, objetivando uma anlise crtica de seus paradigmas.
imprescindvel destacar que essa pesquisa foi autorizada pela Secretaria Municipal
de Educao de Uberlndia - SME para a sua realizao junto ao NADH e escolas municipais.
E tambm foi submetida ao Comit de tica em Pesquisa CONEP, atravs da Plataforma
Brasil, onde disponibilizamos o projeto, que foi encaminhado pela plataforma para avaliao
26
do Comit de tica e Pesquisa da Universidade Federal de Uberlndia (CEP/UFU), sendo
aprovada e tendo recebido o nmero 33185014.0.0000.5152 que o Certificado de
Apresentao para Apreciao tica CAAE.
Assim, esperamos contribuir com o municpio de Uberlndia no que tange oferta
do AEE nas escolas da rede municipal e, quem sabe, despertar os profissionais para a reflexo
de que TODOS, indistintamente, so diferentes e tm direito educao, tendo assegurado o
seu acesso e permanncia no contexto escolar regular.
Desta forma, considerando esta contextualizao e exposio do porqu da pesquisa,
bem como os seus objetivos, a seo 2 aborda a Educao Especial, inicialmente fazendo uma
reflexo importante sobre o conceito de normal e anormal e, consequentemente, se referindo
aos preconceitos e discriminaes to presentes na sociedade de ontem e de hoje.
Posteriormente, apresenta um panorama geral e terico sobre os aspectos relevantes que
norteiam a Educao Especial no Brasil e, para tanto, trata da Poltica Nacional de Educao
Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva (2008) que orienta o trabalho nos dias de hoje.
Apresenta, ainda, o pblico alvo do AEE, destacando a responsabilidade dos estados e
municpios na implantao deste atendimento, a sala de recurso multifuncional SRM
(espao fsico onde acontece o AEE), a importncia da formao e da atribuio do professor
do AEE, bem como a necessidade de ser assegurada em todo este contexto a acessibilidade
arquitetnica e pedaggica para os alunos.
Dando sequncia ao trabalho, a seo 3 trata da metodologia e/ou percurso
metodolgico utilizado para o desenvolvimento da pesquisa. Para tanto, inicia apresentando a
abordagem da pesquisa e, posteriormente, trata do campo e atores da pesquisa, assim como
dos procedimentos e instrumentos de coleta e construo de dados.
A seo 4 trata, inicialmente, das categorias de anlises definidas a partir da
coleta/construo de dados, posteriormente apresentando os resultados da pesquisa, bem
como as anlises realizadas registrando as nossas impresses e descobertas. E, finalmente,
chegamos s consideraes finais, seo 5, que aborda todo o olhar ao longo da pesquisa,
apresentando ao final algumas propostas que foram elaboradas a partir dos resultados
encontrados ao longo de todo o processo investigativo.
27
2 A EDUCAO ESPECIAL E O AEE: CONSTRUES E RECONSTRUES
PARADIGMTICAS
Precisamos estar preparados
para atuar no palco da vida...
Palco repleto de seres humanos nicos,
singulares, inconclusos e que se complementam
uns nos outros.
Ao se estudar a educao escolar das pessoas com deficincia ficam explcitos os
inmeros entraves que essas enfrentaram, e ainda enfrentam, para participarem da educao e
tambm da sociedade. Os entraves so decorrentes das especificidades que a deficincia pode
causar, e que muitas vezes definida e julgada pelo olhar do outro e, principalmente, da
forma como se estruturam as propostas educacionais e os preceitos da sociedade.
Mas quem somos ns para julgarmos ou no o que normal ou o que anormal?
Como tem se delineado a Educao Especial neste processo de construes e reconstrues do
atendimento junto s pessoas com deficincia? Apesar de ouvirmos dizer que o nosso pas o
pas das diferenas ainda h muito a se fazer.
2.1 A Educao Especial: caminhos trilhados e caminhos a trilhar
A Educao Especial, tradicionalmente, caracterizou-se como atendimento s
pessoas com deficincia com carter substitutivo ao ensino ministrado na escola regular
atravs da criao de instituies especializadas, escolas especiais e classes especiais. Este
fato se constituiu historicamente, pois as aes inadequadas em relao participao das
pessoas com deficincia na escola regular, sempre foram demarcadas por um grupo
moralmente e socialmente determinado como tipo ideal (AMARAL, 1995). A sociedade
aponta o que fora do normal17, ou seja, a condio desviante da pessoa, em relao
maioria que est dentro dos padres ditos normais, para diferenciar e cada vez mais marcar
o indivduo.
17
Normal no sentido que se enquadra nos padres definidos pela sociedade, no caso especfico deste trabalho
que no tenha deficincia e/ou outros comprometimentos.
28
preciso diferenciar para compreender melhor. H que separar para
possibilitar a compreenso. Mas que diferenciar e separar h que conhecer o
divisor de guas entre o normal e o anormal, entre o desvio e o no-desvio,
entre o legtimo e o ilegtimo [...]. Oscila-se, portanto, entre uma
patologia do indivduo e uma patologia social. (AMARAL, 1995, p.26-29)
Ao se fazer uma anlise do contingente de aes e reaes dos diversos povos de
cada poca e de seu contexto sociocultural, fica evidente a prevalncia de dois tipos de
comportamentos em relao s pessoas excludas (com deficincia, negras, pobres, dentre
outros) que so a aceitao/proteo e a excluso. Estes comportamentos sempre partem de
uma maioria socialmente normal e concebida dentro de preceitos pr-determinados por
alguns, que so tomados como via de regra para a maioria, no apontando o reconhecimento
diferena humana.
A ideia que a sociedade fazia das pessoas com deficincia ao longo da histria, na
maioria das vezes, apresentava apenas aspectos negativos. Nesta trajetria as marcas que
ficaram so da incompetncia, do fracasso, do ser deficiente18
e do desprivilgio de ser
diferente do que normal, ou seja, o fato de ser considerado anormal19
. Desta forma, o
preconceito ainda est presente no olhar, no pensar e no agir das pessoas.
Falamos em vises de mundo para nos referirmos a diferenas culturais ou
para caracterizarmos diferentes ideologias e estas formas descritas pelo
jovem Marx a partir da retina e da cmera escura, onde imagens se oferecem
invertidas, viso enganada. Falamos em reviso quando pretendemos dizer
mudana de idias, correo do rumo do pensamento ou da escrita, sem
indagarmos por que referimos ao olhar alteraes de idias, convices,
prticas ou dizeres.
Assim falamos porque cremos nas palavras e nelas cremos porque cremos
em nossos olhos: cremos que as coisas e os outros existem porque os vemos
e que os vemos porque existem. Somos, pois, espontaneamente realistas.
Iluses e alucinaes, longe de destrurem nossa crena na existncia de um
mundo em si [...] (CHAU, 1998, p. 32)
Muitos conceitos apregoados culturalmente pela sociedade so passados de gerao
em gerao e, muitas vezes, as pessoas apresentam opinies equivocadas em relao s
18
A palavra DEFICIENTE usada entre aspas para representar/reforar que a pessoa com deficincia no
totalmente incapaz, embora tenha uma deficincia que a limita em alguns aspectos (por exemplo, uma limitao
por no ouvir, ou por no andar, etc), mas que possui outras infinitas possibilidades. 19
Para Veiga-Neto (2001, p.105) a palavra anormais designa os mais variados grupos que a Modernidade vem
criando e multiplicando: os sindrmicos, deficientes, monstros e psicopatas [...], os surdos, os cegos, os
aleijados, os rebeldes, os pouco inteligentes, os estranhos, os GLS (gays, lsbicas e simpatizantes), os outros,
os miserveis, o refugo enfim.
29
pessoas com deficincia sem ao menos ter conhecido e convivido com este ser humano que
to humano20
como qualquer outra pessoa. As ideias que a sociedade faz, as construes e
convices definidas, muitas vezes, a levam a uma compreenso errada, o que em muito
definir a forma desta sociedade de ver e de sentir, e qui a de falar, formas que
determinaro, e muito, a forma tambm do outro ver, ouvir e falar. Tais construes vo
definindo conceitos e preconceitos nas pessoas e em uma sociedade como um todo, pois tais
concepes influenciam diretamente na forma como as pessoas e as situaes so vistas.
Nessa perspectiva, podemos conceber que o preconceito pode ser entendido
como valores diversos, que consistem em juzos preconceituosos mediante
representaes que o sujeito tem sobre a realidade. Tais representaes, no
entanto, no so frutos apenas de construes individuais, logo que a cultura
exerce papel fundamental para a sua elaborao. [...] Em outras palavras, o
estigma somente pode ser compreendido na relao entre quem o elabora,
formulando uma concepo depreciativa sobre o outro, e quem o recebe, que
seria o esteretipo. um termo que esconde uma dupla perspectiva, que se
refere ao estigmatizado: ou ele lida com a condio de desacreditado, visto
que possui uma caracterstica distintiva previamente conhecida, ou com a
condio de desacreditvel, quando sua caracterstica no visvel ou pode
ser camuflada. (PINHEIRO, 2011, p. 218)
Neste sentido, perceptvel que a formao/construo de preconceitos est atrelada
fora cultural exercida sobre o sujeito que no age reflexivamente em relao realidade,
reproduzindo os grandes chaves disseminados pelo discurso social. Porm, esta relao
social/sociedade e sujeito uma relao complexa, que requer a compreenso de valor e
moral. Ainda refletindo sobre este ponto, esvazia-se a ideia de olhar para a pessoa, mas se
agarra fora cultural exercida pela maioria, definies de moral e valores que selecionam,
excluem, classificam e estigmatizam.
O papel dos sentimentos nessa integrao e organizao de valores no
sistema moral dos sujeitos extremamente importante. [...]
Na integrao dos valores e, consequentemente, na organizao do sistema
moral, a regulao pelos sentimentos tem papel fundamental. Por exemplo,
em uma circunstncia na qual o sujeito precisa ser corajoso para pegar sua
roupa em um quarto escuro, e sente medo de faz-lo, ele pode sentir-se
20 De acordo com Vygotsky (1989), considerando o desenvolvimento psicolgico do ser humano, ele apresenta
os seguintes aspectos: a Filognese que a histria da espcie humana; a Ontognese que a histria do
indivduo da espcie; a Sociognese que a histria da cultura no meio cultural a qual o indivduo est inserido;
e a Micrognese, que o aspecto mais especfico do desenvolvimento. Desta forma, somos todos humanos,
independente, de termos ou no deficincia.
30
envergonhado diante dessa situao. Caso se sinta assim, o sujeito construiu
o valor da coragem como importante em seu sistema moral, pois, se caso no
o tivesse feito, pouco se importaria de no ter tido a coragem de entrar no
quarto. (PINHEIRO, 2011, p. 224)
Assim, ao fazermos uma reflexo mais aprofundada constatamos que para muitos,
discriminar a pessoa com deficincia, o negro, o homossexual, dentre outros, o que
correto, pois esta pessoa construiu um juzo de valor em que o fato de no aceitar a pessoa
com deficincia, por exemplo, moral e no amoral. A discusso desta temtica requer a
compreenso de que o padro de normalidade sempre esteve presente, de tal modo que quem
no se enquadra neste perfil vtima de prticas discriminatrias, de acordo com a cultura e a
poca em que vivem.
Diante disto, enquanto a sociedade como um todo, inclusive a escola, tratar o sujeito
com deficincia como incapaz e deficiente, reproduzindo o discurso hegemnico social
vigente, a educao no estar realizando de fato seu verdadeiro papel: formao de seres
humanos. Esta formao precisa estar para alm da deficincia ou do que os outros -
polticos, movimentos sociais, leis e tantos mais dizem que se deve ou no fazer, como se
estivessem fazendo algo bom para as pessoas com deficincia ao aceit-las na escola, por
exemplo. A escola deve, legalmente, receber as pessoas com deficincia, pois este espao
para TODAS21
as crianas, sem exceo. Neste ponto reside dizer que uma escola tem que ser
inclusiva e aberta s diferenas.
Em ambientes escolares excludentes, segundo Ropoli e outros (2010), a identidade
normal sempre tida como natural, que precisa ser generalizada e que positiva em relao
aos demais, e sua definio provm do processo pelo qual o poder se manifesta na escola,
elegendo uma identidade especfica atravs da qual as outras identidades so avaliadas e
hierarquizadas (ROPOLI et. al., 2010, p. 07).
Os sistemas educacionais constitudos a partir da oposio - alunos normais
e alunos especiais - sentem-se abalados com a proposta inclusiva de
educao, pois no s criaram espaos educacionais distintos para seus
alunos, a partir de uma identidade especfica, como tambm esses espaos
esto organizados pedagogicamente para manter tal separao, definindo as
atribuies de seus professores, currculos, programas, avaliaes e
promoes dos que fazem parte de cada um desses espaos.
21
TODAS est em letra maiscula para reforar, que TODAS as crianas, sem exceo, tm direito de
frequentarem a escola, independente da diferena que tenham.
31
Os que tm o poder de dividir so os que classificam, formam conjuntos,
escolhem os atributos que definem os alunos e demarcam os espaos,
decidem quem fica e quem sai destes, quem includo ou excludo dos
agrupamentos escolares. (ROPOLI et. al., 2010, p. 07)
Neste sentido, a escola precisa compreender que a incluso no pode e no est
relacionada apenas aos alunos atendidos e acompanhados pela Educao Especial, mas a
todas as diferenas, sejam elas quais forem. Essa compreenso demonstra que a escola por
sculos foi um espao institucional excludente em que apenas alguns tm acesso de fato.
Tantos outros so excludos do contexto escolar: o pobre, o negro, o tmido, o homossexual.
Segundo Mantoan (2003), a escola se democratizou e vrios grupos sociais passaram a ter
acesso a este espao, porm a escola no se abriu a novos conhecimentos e para a
ressignificao necessria de um lugar que acolhe as diferenas.
A lgica dessa organizao marcada por uma viso determinista,
mecanicista, formalista, reducionista, prpria do pensamento cientfico
moderno, que ignora o subjetivo, o afetivo, o criador, sem os quais no
conseguimos romper com o velho modelo escolar para produzir a reviravolta
que a incluso impe. [...] Se o que pretendemos que a escola seja
inclusiva, urgente que seus planos se redefinam para uma educao voltada
para a cidadania global, plena, livre de preconceitos e que reconhece e
valoriza as diferenas. (MANTOAN, 2003, p.19-20)
Desta forma, para compreendermos como a Educao Especial foi delineada no
Brasil, necessrio que faamos uma breve contextualizao histrica, com o intuito de
entendermos o cenrio atual no qual vivem os brasileiros no sculo XXI. Tudo isso, tem haver
com as ideias construdas em sculos passados, bem como o olhar de cada um, impregnado
(ou no) de conceitos e preconceitos impostos por uma sociedade que desde sempre se
constituiu como excludente e em prol de uma maioria determinada como normal, por outra
grande maioria que a legitimou.
Em nosso Brasil, ao longo dos sculos XIX e XX foram criadas vrias alternativas e
instituies para ampararem as pessoas excludas, com deficincia, transtornos e doenas
mentais, de carter segregacionista e/ou assistencialista. No caso das pessoas com deficincia
h a Educao Especial que passou por todas estas etapas: excluso, segregao,
32
assistencialismo, integrao e, desde a dcada de 1990, discusses acerca da perspectiva da
incluso22
.
A escola historicamente se caracterizou pela viso da educao que delimita
a escolarizao como privilgio de um grupo, uma excluso que foi
legitimada nas polticas e prticas educacionais reprodutoras da ordem
social. A partir do processo de democratizao da escola, evidencia-se o
paradoxo incluso/excluso quando os sistemas de ensino universalizam o
acesso, mas continuam excluindo indivduos e grupos considerados fora dos
padres homogeneizadores da escola. Assim, sob formas distintas, a
excluso tem apresentado caractersticas comuns nos processos de
segregao e integrao, que pressupem a seleo, naturalizando o fracasso
escolar. (BRASIL, 2008, p.01)
Neste contexto, historicamente no Brasil, a Educao Especial comeou a se
estruturar no Imprio, por volta de 1854, poca em que foram criadas duas instituies
especiais, ou especializadas, sendo uma para pessoas com surdez e uma para pessoas com
deficincia visual e, posteriormente, no sculo XX estas instituies se multiplicaram por todo
o pas.
No Brasil, o atendimento s pessoas com deficincia teve incio na poca do
Imprio, com a criao de duas instituies: o Imperial Instituto dos
Meninos Cegos, em 1854, atual Instituto Benjamin Constant IBC, e o
Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto Nacional
da Educao dos Surdos INES, ambos no Rio de Janeiro. No incio do
sculo XX fundado o Instituto Pestalozzi (1926), instituio especializada
no atendimento s pessoas com deficincia mental; em 1954, fundada a
primeira Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais APAE; e, em
1945, criado o primeiro atendimento educacional especializado s pessoas
com superdotao na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff. (BRASIL,
2008, p.02)
Considerando este cenrio, a escola foi, ao longo do tempo, caracterizada como
privilgio de alguns, pois as pessoas que desviavam do padro de normalidade no poderiam
estudar na escola regular de ensino, sendo esta construo histrica e cultural. Por isso, ao
longo do sculo XX vrias instituies especializadas, ou especiais, surgiram para atender
esta clientela.
22
Embora as discusses acerca da incluso em todo o mundo j ocorriam desde a dcada de 1980, e mesmo com
a nossa Constituio Federal de 1988, apenas na dcada de 1990 que se iniciam o debate da incluso no Brasil,
ainda de forma incipiente.
33
No podemos deixar de enfatizar que na poca do Imprio, Primeira Repblica e
Segunda Repblica, segundo Mendes (2010), o carter mdico e assistencialista foi o que
predominou. Na Primeira Repblica (1889 a 1945) os mdicos foram os primeiros a se
interessarem a estudar os casos de crianas com graves comprometimentos, com o cunho mais
psiquitrico, isto , a medicalizao da deficincia estava muito presente neste perodo, assim
a deficincia era tratada como doena.
Este interesse dos mdicos pelas pessoas com deficincias teria maior
repercusso aps a criao dos servios de higiene mental e sade pblica,
que em alguns estados deu origem ao servio de Inspeo mdico-escolar e
preocupao com a identificao e educao dos estados anormais de
inteligncia.[...] A concepo de deficincia predominante era a de que se
tratava de uma doena, em geral atribuda sfilis, tuberculose, doenas
venreas, pobreza e falta de higiene. (MENDES, 2010, p. 95)
Neste contexto, as camadas populares no tinham acesso escola, s nas dcadas
de 1920 e 1930 que ocorre popularizao da escola primria pblica e, concomitantemente,
surgem os princpios da Escola Nova como uma proposta pedaggica de mudanas para a
escola de cunho tradicional que no mais atendia s mudanas pelas quais a sociedade
brasileira vinha passando. Ao mesmo tempo em que os preceitos da Escola Nova vinham
trazendo a necessidade da superao das desigualdades sociais, ainda assim a Educao
Especial era vista de forma excludente, pois de acordo com Mendes (2010) ao se enfatizar as
peculiaridades individuais e a oportunidade de igualar a todos, as condies da escola exclui
aqueles que no se encaixam neste padro, no caso as pessoas com deficincia.
Diante deste cenrio de excluso e segregao dos diferentes/deficientes amplia-se
a construo/criao de instituies especiais para atender a estas pessoas. Muitas destas
aes empreendidas foram de carter filantrpico e comunitrio. O governo deixava estas
aes se expandirem procurando atender aos anseios populistas aps a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) o Brasil est na Segunda Repblica (1945-1964). Aconteceu, assim, de
1950 a 1959, uma expanso dos estabelecimentos de ensino especial para as pessoas com
deficincia intelectual, especificamente nesta poca, sendo a grande maioria em escolas
pblicas - salas especiais dentro das escolas regulares com o apoio financeiro do MEC
(MENDES, 2010).
34
A partir de 1958 o Ministrio de Educao comeou a prestar assistncia
tcnica-financeira s secretarias de educao e instituies especializadas,
lanando as campanhas nacionais para a educao de pessoas com
deficincias: Campanha para Educao do Surdo Brasileiro (CESB), em
1957; Campanha Nacional de Educao e Reabilitao dos Deficitrios
Visuais (CNERDV), em 1958; Campanha Nacional de Educao do
Deficiente Mental (Cademe), em 1960. Enquanto isso se intensificava o
debate sobre a educao popular, a reforma universitria e os movimentos de
educao popular. (MENDES, 2010, p. 99)
Estas aes fortaleceram a iniciativa privada com a criao de vrias instituies de
natureza filantrpica, pois era a nica forma de preencher a lacuna/dficit do sistema escolar.
A partir, de ento, o governo passou a amparar as mobilizaes comunitrias apoiando,
financeiramente, atravs dos recursos da rea da assistncia social, eximindo a
responsabilidade da educao pblica brasileira para com estas pessoas. Neste momento, mais
uma vez, foi delegado a terceiros a educao dos que no aprendem, dos anormais, dos
deficientes, dos excepcionais, dos excludos (grifo nosso).
Diante desta perspectiva de Educao Especial, desvinculada da escolarizao
comum, em 1961 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
LDBEN, n 4.024/61 que fala em educao dos excepcionais, preferencialmente no sistema
regular de ensino. Ao mesmo tempo em que a lei assegurou este direito, deixando um marco
histrico e inicial de aes do poder pblico, voltadas para a Educao Especial, deixou
brechas para que cada vez mais a Educao Especial se fortalecesse como um ensino
substitutivo escolarizao na escola regular.
Percebemos que as dcadas de 1960 e 1970 so os marcos iniciais para a retomada e
ressignificao da Educao Especial. Com a LDBEN n 4.024/61, ampliando o acesso das
camadas populares escola e, ao mesmo tempo, com o alto ndice do fracasso escolar, que foi
relacionado deficincia intelectual leve, conforme afirma Mendes (2010), surgem as classes
especiais que foram amplamente difundidas por todas as escolas brasileiras.
Na dcada de sessenta houve grande evoluo no nmero de servios de
assistncia e no ano de 1969, por exemplo, Jannuzzi (1992) encontrou
registros de mais de 800 estabelecimentos para pessoas com deficincia
intelectual, o que representava praticamente quatro vezes mais do que a
quantidade encontrada no incio da dcada de sessenta. A rede de servios
era basicamente composta por classes especiais nas escolas regulares (74%),
a maioria delas em escolas estaduais (71%). As instituies especializadas
compunham cerca de um quarto dos servios e eram predominantemente
(80%) de natureza privada. (MENDES, 2010, p. 100)
35
Diante deste contexto, em 1971 a lei n 5.692 alterou a LDBEN de 1961, ao definir
tratamento especial para os alunos com deficincias fsicas, mentais, os que se encontram
em atraso considervel quanto idade regular de matrcula e os superdotados. Dessa forma,
direcionou-se a questo do fracasso escolar s pessoas com deficincia e no se props um
sistema de ensino para atender esta clientela, mas ampliou-se o encaminhamento desta para as
classes e/ou instituies especiais. Este retrocesso se deu pelo fato do fracasso escolar
institudo nesta poca ter sido colocado como culpa dos alunos com deficincia intelectual
leve que participavam das escolas regulares.
Concomitante a estas questes, de acordo com Mendes (2010), a Educao Especial
foi considerada uma das prioridades do I Plano Setorial de Educao e Cultura (1972-1974). E
neste contexto, em 1973, o MEC criou o Centro Nacional de Educao Especial (CENESP).
Surgiu assim o primeiro rgo federal, sob a gide da perspectiva integracionista23
(perspectiva discutida em todo o mundo, porm ainda no implantada no pas), que seria
responsvel pela gerncia e definio da poltica de Educao Especial no pas. Muito embora
tenha se constitudo como um rgo federal para tratar da Educao Especial, quase nada foi
realizado neste perodo, pois as campanhas ainda eram de cunho assistencial e muitas de
iniciativas isoladas. Neste perodo so criados os primeiros cursos de formao em Educao
Especial de nvel superior e de ps-graduao, mas ainda numa perspectiva segregacionista.
Nesse perodo, no se efetiva uma poltica pblica de acesso universal
educao, permanecendo a concepo de polticas especiais para tratar da
educao de alunos com deficincia. No que se refere aos alunos com
superdotao, apesar do acesso ao ensino regular, no organizado um
atendimento especializado que considere as suas singularidades de
aprendizagem. (BRASIL, 2008, p. 02)
importante enfatizar que o pas, nas dcadas de 1960 e 1970, e nos anos iniciais da
dcada de 80, estava sob o comando da ditadura militar, perodo de muitas represses e de
nenhuma abertura poltica e social. E somente em 1985, segundo Mendes (2010), que o
CENESP passa a ser considerado como Secretaria de Educao Especial, sendo institudo
um comit nacional para traar poltica de ao conjunta, destinada a aprimorar a educao
especial e a integrar, na sociedade, as pessoas com deficincias, problemas de conduta e
superdotados (MENDES, 2010, p. 102).
23
A perspectiva integracionista tem o carter adaptativo, isto , a pessoa que precisa se adaptar ao meio e no o
contrrio. Assim, neste perodo os alunos com deficincia ainda no estavam integrados, no participavam do
contexto da escola regular.
36
Neste nterim, a elaborao da Constituio Federal (CF) de 1988 foi a oportunidade
de os jovens da poca, que eram frutos da ditadura militar, vivenciar uma experincia
democrtica (SILVA; MARQUES, 2013, p.347). A CF em seu artigo 3, inciso IV, traz
como um dos seus objetivos fundamentais promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.
Assim, a CF de 1988 define que a educao um direito de todos, garantindo o pleno
desenvolvimento da pessoa, o exerccio da cidadania e a qualificao para o trabalho (artigo
205). Tambm estabelece a igualdade de condies de acesso e permanncia na escola
(artigo 206, inciso I), sendo este um dos princpios para o ensino e ainda garante que dever
do Estado oferecer o Atendimento Educacional Especializado (AEE), preferencialmente na
rede regular de ensino (artigo 208). Em 1990 o Estatuto da Criana e do Adolescente ECA
determina em seu artigo 55 que os pais ou responsveis tm a obrigao de matricular seus
filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
Mesmo com todos estes aparatos legais, ainda transitando de uma perspectiva
assistencialista/segregacionista para uma perspectiva integracionista, houve uma evoluo
pouco significativa da Educao Especial e, principalmente, houve pouco desenvolvimento e
aprendizagem dos alunos. A Educao Especial ainda se legitimava como um sistema paralelo
ao da educao geral, e no como uma modalidade de ensino, fato que influenciou
diretamente na definio de polticas pblicas voltadas para esta rea.
Assim, [...] sob o termo educao especial ainda se encontrava no Brasil
at o final de dcada de noventa vrios procedimentos para, primeiramente
isolar indivduos considerados deficientes / diferentes, e servios centrados
na funo de efetuar diagnstico para a identificao, na montagem de
arranjos, enquanto qu