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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA Rua Barão de Geremoabo, nº 147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA
Tel.: (71) 3283 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: [email protected]
TELMA SOUZA BISPO ASSIS
A REGÊNCIA VARIÁVEL DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA
Salvador 2011
TELMA SOUZA BISPO ASSIS
A REGÊNCIA VARIÁVEL DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Linguística.
Orientador: Prof. Dr. Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotte
Salvador 2011
Sistema de Bibliotecas – UFBA
Assis, Telma Souza Bispo. A regência variável dos verbos de movimento no português popular do interior do estado
da Bahia / Telma Souza Bispo Assis. - 2011. 134 f.
Orientador: Prof. Dr. Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotte. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2011. 1. Língua portuguesa - Verbos. 2. Língua portuguesa - Regência. 3. Língua portuguesa - Português falado - Bahia. 4. Língua portuguesa - Preposições. 5. Contatos lingüísticos - Brasil. I. Ramacciotte, Dante Eustachio Lucchesi. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Título.
CDD - 469.83 CDU - 811.134.3’367.625
TELMA SOUZA BISPO ASSIS
A REGÊNCIA VARIÁVEL DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Linguística.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________________ Professor Doutor Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotte – UFBA (Orientador) __________________________________________________________________________ Professora Doutora Norma da Silva Lopes - UNEB __________________________________________________________________________ Professora Doutor Alan Normam Baxter – UFBA
Salvador, 03 de agosto de 2011
A meu amor, Cristiano Assis.
AGRADECIMENTOS
Depois desse árduo trabalho que é a escrita de uma dissertação, agora, aproximam-se
as etapas finais. Nesse momento, se faz necessário agradecer a cada pessoa pelo carinho
dispensado a mim, o incentivo frequente nos momentos mais difíceis, e principalmente por ter
acreditado que era possível o término desse trabalho. Sozinha, certamente, eu não teria êxito.
Agradeço, primeiramente, a Deus, onipresente em todas as horas de angústias e
alegrias; e com sua infinita bondade ajudou-me a enfrentar todos os obstáculos.
Meus pais, José Cândido e Terezinha, agradecer é pouco frente ao apoio incondicional
em todos os momentos da minha vida, ambos pedindo a Deus para guiar sempre meu caminho
por águas tranquilas. Amplio os agradecimentos aos demais familiares irmãos, tias(os),
primos(as), cunhadas(os), e aos meus queridos sogros, Lourival e Virgínia, que sempre
estiveram preocupados com a minha felicidade e entenderam a minha ausência nas reuniões
familiares.
Agradeço imensamente a meu companheiro de longas datas, Cristiano Assis, primeira
pessoa que disse “você consegue, eu acredito!”. Acreditou em mim quando nem eu mesma
acreditava.
Às minhas amigas eternas, Elisângela Mendes, Gilce Almeida, Lanuza Lima, Luanda
Figueiredo, Vívian Antonino, Viviane Deus, o meu muito obrigada, sem vocês eu não
conseguiria. Vocês cederam seus lares para uma maior concentração para a produção textual e
revisaram constantemente meus fragmentos de textos. Estendo meus agradecimentos às
minhas colegas do Projeto Vertentes: Camila, Manuele, Shirley e Renata sempre
colaboradoras nos momentos necessários.
A meu orientador, Dante Lucchesi, pelo encaminhamento para os estudos
sociolingüísticos que tanto detenho interesse e pela compreensão neste longo percurso.
Às colegas do Colégio Estadual Manoel de Jesus, Italva Suzart e Sumaya Sá, meus
sinceros agradecimentos pela imensa compreensão nesse momento tão difícil e também por
fazerem parte desta história.
E por fim, agradeço a todos os demais que me estenderam a mão e concederam uma
palavra amiga, o meu muito obrigada.
A regência, como tudo na língua, a pronuncia, a acentuação, a significação, etc., não é imutável. Cada época tem sua regência, de acordo com o sentimento do povo, o qual varia, conforme as condições novas da vida (Antenor Nascentes, 1944, p. 49).
RESUMO
O presente trabalho é parte integrante do Projeto Vertentes do Português Popular do Estado
da Bahia (http://www.vertentes.ufba.br) e se integra no campo de pesquisa sobre a realidade sociolinguística atual do português que busca identificar as resultantes do contato entre línguas na formação linguística do Brasil. Este trabalho apresenta uma análise empírica da regência variável dos verbos de movimento no português popular do interior da Bahia, descrevendo sistematicamente as escolhas linguísticas dos falantes, as quais são representadas pela variação das preposições a (vou à cidade), para (vou para a cidade), em (vou na cidade), até (eu fui até a feira). O estudo foi realizado dentro dos pressupostos da sociolinguística variacionista. Foram analisadas amostras de fala vernácula que reúnem 48 entrevistas realizadas com falantes de pouca ou nenhuma escolaridade, nos municípios de Poções e Santo Antônio de Jesus, integrantes do Banco de Dados do Projeto Vertentes, estratificadas socialmente com relação ao sexo e à faixa etária, e considerando ainda as seguintes variáveis sociais: escolarização e estada fora da comunidade. Em cada um dos municípios, foram realizadas 24 entrevistas, 12 com moradores da sua cidade sede e 12 da zona rural. O confronto entre o comportamento linguístico da sede do município e da sua zona rural parte da hipótese de que os falantes da sede teriam um comportamento linguístico mais próximo do padrão urbano culto, devido ao crescente processo de difusão linguística a partir das grandes cidades brasileiras, que afetaria primeiramente os falantes dos centros urbanos do interior antes de alcançar a zona rural. Assim, a pesquisa tem por objeto os condicionamentos linguísticos e sociais da variação na regência dos verbos de movimento no português popular do interior do Estado da Bahia. A análise parte do princípio de que a regência variável dos verbos de movimento não acontece de forma aleatória, o que possibilita identificar a influência dos fatores linguísticos e sociais que condicionam e regulam a escolha do falante quanto ao uso da preposição, constituindo um quadro claramente distinto do que preconiza a gramática tradicional: o uso da preposição a, ou mesmo para, em detrimento da preposição em.
Palavras-chave: Regência verbal. Preposição. Português Popular. Contato entre línguas.
ABSTRACT
The presente work is part of the project Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia (http://www.vertentes.ufba.br) and it integrates the research field about nowadays Portuguese’s sociolinguistics reality which intends to indentify the results of contact between languages in the linguistic composition of Brazilian Portuguese. This work presents an empirical analyze of variable regency of movement verbs in popular Portuguese from the countryside of Bahia, describing systematically of speaker’s linguistic choices, which are represented for preposition’s variation a (vou à cidade), para (vou para a cidade), em (vou na cidade), até (eu fui até a feira). The study was realized within the assumptions of Variational Sociolinguistics. Samples of vernacular Portuguese that make up 48 interviews made with speakers with little or any scholarity in the municipalities of Santo Antonio de Jesus e Poções, were analyzed. The interviews integrate the database of Vertentes Project, socially stratified in relation of gender and age, and considering yet the following social variables: scholarity and stay outside the community. 24 interviews was realized in each municipalities, 12 with residents of host city and 12 of countryside. The confrontation between the linguistic behavior of the host city and your countryside comes from the hypotheses that speakers of the host city have a linguistic behavior closer by urban cult standard, because the increasing process of linguistic diffusion from the Brazilian big cities that first affects the speakers of urban centers of the interior before achieves the contryside. So the research aims the linguistic and social conditionings of variation in the regency of movement verbs in popular Portuguese from the countryside of Bahia State. The analyze comes from the foundation that the variable regency of the movement verbs doesn’t happen randomly, which enables indentify the influence the linguistic and social factors that conditions and regulates the choice about the use of preposition, making a clearly separate frame of that traditional grammar recommends: the use of a preposition, or para, over em preposition.
Key words: Verbal Regency. Preposition. Sociolinguistics. Popular Portuguese. Contact between languages.
LISTA DE GRÁFICOS E MAPAS
Gráfico 01 Distribuição das preposições para e em no português popular do
interior do estado da Bahia ......................................................................
110
Gráfico 02 Influência da faixa etária no uso da preposição para no português
popular do interior do estado da Bahia ....................................................
117
Gráfico 03 Curva sugestiva de mudança na norma urbana culta (fala dos homens)
(RIBEIRO, 1996) ....................................................................................
117
Mapa 01 Mapa da localização de Santo Antônio de Jesus .................................... 78
Mapa 02 Mapa da localização de Poções ............................................................... 82
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Variáveis associadas ao espaço (N locativo) (WIEDEMER, 2008) ........ 45
Quadro 02 Outras variáveis linguísticas controladas por Wiedemer, 2008 .............. 49
Quadro 03 Transmissão / nativização com base em diversos modelos de L2 ........... 73
Quadro 04 Estratificação do Corpus Base da Sede do Município de Santo Antônio
de Jesus ....................................................................................................
94
Quadro 05 Estratificação do Corpus Base Rural do Município de Santo Antônio
de Jesus ....................................................................................................
94
Quadro 06 Estratificação do Corpus Base da Sede do Município de Poções ........... 94
Quadro 07 Estratificação do Corpus Base Rural do Município de Poções ............... 95
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 Ocorrências do verbo ir com sentido diretivo no CLF (BAGNO, 2002) 49
Tabela 02 Demografia histórica do Brasil (MUSSA, 1991) .................................... 59
Tabela 03 Crescimento da população integrada no empreendimento colonial e
diminuição dos contingentes aborígenes autônomos (RIBEIRO, 2006
[1995] ......................................................................................................
60
Tabela 04 População escrava brasileira comparada à população global por região
– 1819 e 1872 ..........................................................................................
62
Tabela 05 Percentagem da população urbana brasileira – 1900 a 1980 ................... 69
Tabela 06 Indicadores demográficos de Santo Antônio de Jesus/BA ...................... 81
Tabela 07 Frequência de uso das preposições selecionadas pelo verbo de
movimento no português popular do estado da Bahia ............................
107
Tabela 08 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s
locativos no português popular do interior do estado da Bahia, segundo
o verbo de movimento .............................................................................
112
Tabela 09 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s
locativos no português popular do interior do estado da Bahia, segundo
a variável material interveniente entre o verbo e o complemento ...........
113
Tabela 10 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s
locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a
natureza do deslocamento .......................................................................
115
Tabela 11 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s
locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a
variável faixa etária do falante ................................................................
116
Tabela 12 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s
locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo o sexo
do falante .................................................................................................
119
Tabela 13 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s
locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a
comunidade de fala ..................................................................................
121
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ALiB Atlas Linguístico do Brasil
Apl. Aplicação
BA Bahia
Cat. Catalão
CD-ROM Compact disc
CENSO Projeto Subsídios Sociolinguísticos do Projeto Censo à Educação
cf. Confira
CLF Corpus de língua falada
CV Consoante, vogal
D2 Diálogo entre dois informantes
DET Determinante
DID Diálogo entre informante e documentador
DOC. Documentador
f. folha
Freq. Frequência
GT Gramática Tradicional
HV Helvécia
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INF. Informante
Inq. Inquérito
INQ. Inquiridor
L2 Segunda língua
LA Língua alvo
LGA Língua geral Amazônica
LGP Língua geral paulista
LOC Locativo
MD mini disco
Mov. Movimento
N Nome
Nº oc. Número de ocorrência
NURC Norma Urbana Culta
P.R. Peso Relativo
PB Português Brasileiro
PCB Português culto brasileiro
PE Português europeu
PEUL Programa de Estudos sobre o Uso da Língua
POR Poções (zona rural)
POS Poções (sede)
PPB Português Popular Brasileiro
Prep. Preposição
REC Recife
RIO Rio de Janeiro
RJ Rio de Janeiro
SAJ Santo Antônio de Jesus
s/d Sem data
SAR Santo Antonio de Jesus (zona rural)
SAS Santo Antônio de Jesus (sede)
SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
sem prep. Sem preposição
SN Sintagma nominal
SN’s Sintagmas nominais
SPrep Sintagma preposicional
TOPA programa Todos pela Alfabetização
UNEB Universidade do Estado da Bahia
V. Mov. Verbo de movimento
VALPB Variação Linguística no Estado da Paraíba
VARBRUL Variable Rules (Regras variáveis)
VARSUL Variação linguística urbana da Região Sul
vs. versus
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................
18
2 A VARIAÇÃO NA REGÊNCIA DOS VERBOS DE MOVIMENTO DO
LATIM ÀS VARIEDADES ATUAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA NO
BRASIL .............................................................................................................
21
2.1 REGÊNCIA VERBAL: CARACTERIZAÇÃO DO FENÔMENO .................. 21
2.2 A VARIAÇÃO NO EMPREGO DE PREPOSIÇÕES JUNTO AOS VERBOS
DE MOVIMENTO: PANORAMA HISTÓRICO E SITUAÇÃO ATUAL NO
PORTUGUÊS DO BRASIL .............................................................................
24
2.2.1 O emprego de preposições junto a verbos de movimento na formação das
línguas românicas .............................................................................................
25
2.2.2 A prescrição gramatical e o uso real nas variedades do português
brasileiro ...........................................................................................................
31
2.3 AS CONSTRUÇÕES LOCATIVAS DOS VERBOS DE MOVIMENTO:
ADJUNTOS OU ARGUMENTOS? .................................................................
35
2.4 ANÁLISES SOCIOLINGUÍSTICAS DA VARIAÇÃO NA REGÊNCIA
DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS DO BRASIL ............
41
2.4.1 Os condicionamentos estruturais da variação no emprego das
preposições junto aos verbos de movimento no português do Brasil ..........
43
2.4.2 A variação na regência dos verbos de movimento no português afro-
brasileiro e nos crioulos de base lexical portuguesa ......................................
49
2.5 CONCLUSÃO ...................................................................................................
53
3 PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DA BAHIA ............................. 56
3.1 BREVE HISTÓRICO DO PORTUGUÊS POPULAR: UMA RESULTANTE
MULTIVETORIAL ...........................................................................................
56
3.1.1 A demografia histórica da população brasileira ........................................... 58
3.1.2 A mobilidade dos africanos ou afrodescendentes e suas consequências na
conformação do português brasileiro .............................................................
60
3.1.3 O multilinguismo .............................................................................................. 63
3.1.4 A escolarização no Brasil ................................................................................. 66
3.1.5 A urbanização e a industrialização ................................................................. 68
3.2 HIPÓTESES FORMADORAS DO PORTUGUÊS POPULAR ....................... 71
3.3 AS COMUNIDADES DE FALA E A DINAMICIDADE DE DOIS
MUNICÍPIOS DO INTERIOR DA BAHIA .....................................................
76
3.3.1 Cenários da cidade de Santo Antônio de Jesus – Bahia ................................ 78
3.3.2 Cenários da cidade de Poções – Bahia ............................................................
82
4 TEORIAS E MÉTODOS ................................................................................. 85
4.1 TEORIA SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA .................................... 85
4.1.1 A Mudança linguística ..................................................................................... 89
4.2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS ........................................................... 93
4.2.1 Constituição da amostra de fala ...................................................................... 93
4.2.1.1 A estrutura da amostra: as variáveis sociais ....................................................... 95
4.2.2 Caracterização das entrevistas ........................................................................ 97
4.2.2.1 Digitalização e Transcrição das entrevistas ....................................................... 98
4.2.3 A base de dados ................................................................................................ 100
4.2.3.1 Caracterização da variável dependente .............................................................. 101
4.2.3.2 Ocorrências descartadas ..................................................................................... 102
4.2.4 Suporte quantitativo ........................................................................................
104
5 ANÁLISES DOS DADOS ................................................................................ 106
5.1 RESULTADO GERAL DA VARIÁVEL DEPENDENTE ............................... 107
5.1.1 A regência dos verbos de movimento em algumas variedades do
português brasileiro .........................................................................................
107
5.2 AS VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS ................................................................... 110
5.2.1 A variável verbo de movimento ........................................................................ 111
5.2.2 A variável material interveniente entre o verbo e o complemento locativo .... 112
5.2.3 A variável natureza do deslocamento .............................................................. 114
5.3 AS VARIÁVEIS SOCIAIS ................................................................................ 115
5.3.1 A variável faixa etária ...................................................................................... 116
5.3.2. A variável sexo do falante ................................................................................ 118
5.3.3 A variável comunidade de fala .........................................................................
120
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................
122
REFERÊNCIAS ...............................................................................................
125
18
1 INTRODUÇÃO
As observações empíricas feitas pelos pesquisadores acerca do português popular do
Brasil (PPB) têm contribuído para o entendimento do português brasileiro (PB) como um
todo. Os pesquisadores detêm-se na análise de uma gama variada de fenômenos linguísticos
sobre diferentes visões teóricas, todos comprometidos com a ampliação do conhecimento da
realidade sociolinguística e sócio-histórica do português brasileiro. São muitas as frentes de
trabalho que buscam um mapeamento do comportamento linguístico do falante brasileiro, a
exemplo dos projetos de pesquisas desenvolvidos nas universidades federais, estaduais e
particulares.
Assim como em qualquer língua humana, a variação apresenta-se como característica
intrínseca à estrutura do português brasileiro. Nesse sentido, o uso da preposição associada
aos verbos de movimento seria um dos pontos da estrutura dessa língua que exibe um
processo de variação: existem várias possibilidades de se dizer o que se diz com a frase Maria
foi à praia, sobretudo, na variedade do português popular rural, em que essas possibilidades
são mais amplas. Desta forma, o falante pode dizer: (i) Maria foi à praia; (ii) Maria foi na
praia; (iii) Maria foi pra/pa praia, (iv) Maria foi até a praia. Assim sendo, observa-se que a
variação está localizada no uso alternado das preposições a, em, para e até (e suas contrações)
quando associadas aos complementos locativos dos verbos de movimento. Este é o assunto de
que trata esta dissertação: a variação na regência dos verbos de movimento (a exemplo dos
verbos ir, chegar, levar, sair, voltar, vir), com a discussão dos fatores linguísticos e sociais
que interferem na escolha da preposição por parte dos falantes.
Os estudos variacionistas acerca desse tema no PB costumam ter como referência a
análise de Mollica (1998[1986]), pioneira na abordagem desse fenômeno. Com base no
axioma da Sociolinguística de que a variação não ocorre aleatoriamente, e sim condicionada
por fatores linguísticos e extralinguísticos, a análise aqui proposta buscará identificar os
contextos favorecedores ao uso das preposições associadas aos verbos de movimento, de tal
maneira que os dados estatísticos indicarão as probabilidades de ocorrência de uma
determinada preposição.
O primeiro capítulo, intitulado A variação na regência dos verbos de movimento: do
latim às variedades atuais da língua portuguesa no Brasil, apresenta uma revisão
bibliográfica acerca da variação preposicional da regência dos verbos de movimento.
Inicialmente, discutimos a caracterização do fenômeno a partir da perspectiva da tradição
normativa. Em seguida, a reflexão detém-se nas preposições que regem os complementos dos
19
verbos de movimento, a partir de um percurso histórico que se estende do latim ao panorama
atual do português brasileiro. Ao discutir a regência dos verbos de movimento, fez-se
necessário trazer à tona a diferenciação entre adjuntos e argumentos na tentativa de esclarecer
que esses verbos, tradicionalmente classificados como intransitivos, nos contextos
apresentados, comportam-se como verbos transitivos, que precisam ser complementados por
um argumento locativo. E, por fim, a partir dos estudos sociolinguísticos de Mollica
(1998[1986]), Ribeiro (1996), Vallo (2003), Assis (2006), centramos a discussão na
realização do fenômeno no português brasileiro, na tentativa de reunir elementos para uma
posterior comparação com os dados obtidos nesta pesquisa.
No segundo capítulo, intitulado Português Popular do Interior da Bahia, faz-se uma
apresentação do cenário histórico de formação do português brasileiro, relacionando as etnias
do passado à atual população miscigenada do território brasileiro, assim como será mostrado
o efeito do contato entre línguas ao longo da história do Brasil. A variedade popular do
Português Brasileiro (PB) diferencia-se das demais variedades, por ter sofrido a influência de
diversos vetores, dentre eles, vale destacar a demografia histórica da população brasileira, a
mobilidade dos africanos ou afrodescendentes e suas consequências na conformação do
português brasileiro, o multilinguismo, a escolarização no Brasil, a urbanização e a
industrialização (cf. MATTOS E SILVA, 2008, p. 394; LUCCHESI, 2001, p. 101). A análise
refinada de todos esses vetores, seguramente, certifica a visão de uma polarização
sociolinguística das normas linguísticas no Brasil proposta por Lucchesi (2001).
Considerando a pluralidade de normas existente no Brasil, também serão abordadas neste
capítulo as hipóteses de formação deste português popular, dedicando uma maior explicação
ao processo de transmissão linguística irregular, que melhor compreende a dinâmica do
contato entre línguas no processo histórico da formação linguística do Brasil. Em seguida,
designa-se o campo de observação dessa variação, apresentando as comunidades de fala dos
municípios de Santo Antônio de Jesus e Poções, ambas localizadas no interior da Bahia.
No terceiro capítulo, intitulado Teorias e Métodos, apresentam-se os pressupostos da
Teoria da Variação, liderada pelo linguista William Labov (2008[1972]), que compreende a
variação linguística como algo sistematizável e, para isso, procura delimitar os
condicionamentos reguladores dessa variação, observando os aspectos linguísticos e
extralinguísticos (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968]). Em seguida, na seção dos
Pressupostos Metodológicos, descrevem-se os caminhos percorridos para o bom
desenvolvimento da pesquisa, sendo subdividida em: A constituição da amostra de fala; A
caracterização das entrevistas; A base de dados e O suporte quantitativo.
20
Por fim, o quarto capítulo, intitulado Análises dos dados, destina-se à apresentação dos
resultados da análise variacionista do uso de preposições junto aos verbos de movimento,
tendo como base empírica os 48 inquéritos do corpus do português popular do interior do
Estado que integram o Acervo do Projeto Vertentes do Português Popular do Estado da
Bahia, ao qual esta pesquisa está vinculada. Primeiramente, faz-se uma demonstração geral da
variável dependente, apresentando a frequência de uso das preposições nos contextos
analisados, relacionando, sempre que possível, aos resultados obtidos em análises de outras
variedades do PB. Posteriormente, refina-se a verificação subdividindo a análise de acordo as
variáveis em linguísticas e sociais, e assim saber o encaixamento linguístico e social que
dimensiona a variação do fenômeno.
Nas Considerações finais, apresentamos uma síntese do trabalho e dos resultados
obtidos, enfatizando os aspectos de maior relevância. Em decorrência disto, tem-se uma
expectativa de ampliar o conhecimento do uso concreto da língua no Brasil e no Estado da
Bahia, em particular, com os desdobramentos esperados da aplicação desse conhecimento,
particularmente nas práticas de ensino de língua portuguesa.
21
2 A VARIAÇÃO NA REGÊNCIA DOS VERBOS DE MOVIMENTO DO LATIM ÀS
VARIEDADES ATUAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL
O estudo da variação preposicional da regência dos verbos de movimento requer uma
discussão prévia de outras questões correlatas ao tema, como os processos ligados à
predicação e à complementação verbal. Nesse sentido, é necessário revisitar alguns conceitos
amplamente divulgados pela gramática tradicional, mas que se revelam, quase sempre,
imprecisos e equivocados, quais sejam: a regência verbal, a transitividade verbal e a natureza
argumental do complemento do verbo de movimento. Além disso, faz-se uma exposição
breve da noção de valência verbal a fim de subsidiar a discussão acerca da natureza do
elemento locativo.
Neste primeiro capítulo, dividiu-se a revisão da literatura em quatro partes. A primeira
é dedicada à caracterização do fenômeno em estudo, a regência verbal, além disso, apresenta
considerações críticas a uma visão da tradição gramatical dos verbos de movimento. A
segunda seção remete-se à uma análise mais detalhada das preposições que encabeçam os
complementos locativos dos verbos de movimento, evidenciando as subseções da tensão entre
a prescrição e o uso das preposições nos complementos locativos, além da abordagem
histórica. Em seguida, será discutida a questão de as construções locativas relacionadas aos
verbos de movimento serem ou não adjuntos adverbiais. Na última seção, será abordada a
perspectiva sociolinguística da questão.
2.1 REGÊNCIA VERBAL: CARACTERIZAÇÃO DO FENÔMENO
Entende-se por regência a relação de dependência que as palavras mantêm entre si na
frase. A palavra dependente denomina-se regida, e o termo a que ela se subordina, regente.
Quando o termo regente é um verbo, a relação que se estabelece entre ele e seu complemento
chama-se regência verbal (CUNHA; CINTRA, 1985; FARACO; MOURA, 1998;
ALMEIDA, 1999).
Consoante Cunha e Cintra (1985, p. 505), as relações de regência podem ser indicadas:
i) pela ordem por que se dispõem os termos na oração; ii) pelas preposições, cuja função é
justamente a de ligar palavras estabelecendo entre elas um nexo de dependência; iii) pelas
conjunções subordinativas, quando se trata de um período composto. Essas relações são
exemplificadas, respectivamente, abaixo:
22
(01) a. O homem cortou a mulher.
b. A mulher cortou o homem.
(02) a. Casa de Maria.
b. Maria vai à feira.
(03) Eu quero que você saia da minha vida.
Em (01) está claro que a função sintática dos termos o homem e a mulher é
determinada por sua posição na frase. Embora o português admita o deslocamento do sujeito e
do objeto em algumas situações, esses termos têm posições regulares. Em (01a) o homem é o
sujeito da oração e a mulher aparece como o objeto direto; em (01b), por sua vez, há uma
inversão dessas funções em decorrência da troca de posições entre esses dois constituintes.
Nos exemplos (02) e (03), a relação de dependência é estabelecida, respectivamente, pela
preposição e pela conjunção, nas quais já está implícita a ideia de subordinação.
Interessa, aqui, a relação indicada no item “ii” e exemplificada em (02b), tendo em
vista que esse será o contexto a ser analisado e interpretado: quando a preposição estiver
ligada ao verbo de movimento, encabeçando o complemento circunstancial na forma de
sintagma preposicionado:
(04) Vou à praia
V. Mov + SPrep (locativo)
Nesses casos, é possível também haver um elemento interveniente entre o verbo e o
sintagma preposicional, como se apresenta no exemplo a seguir:
(05) Vou sempre à praia
V. Mov + (elemento interveniente) + SPrep (locativo)
Considerando a questão da regência verbal, verifica-se certa incoerência no tratamento
desse fenômeno na tradição gramatical. O assunto costuma ser apresentado mais ao final dos
compêndios gramaticais, em forma de listas, sem uma discussão prévia sobre o fato
linguístico, refletindo com isso a pouca importância normalmente dada a este estudo. Rocha
Lima (2002, p. 417), por exemplo, anuncia a regência de alguns verbos prescrevendo a
23
indicação de uso da tradição gramatical, que, em muitos casos, não reflete a realidade
cotidiana dos falantes.
Embora seja esse o procedimento comum na maioria das gramáticas normativas e, por
conseguinte, nos livros didáticos, é preciso ressalvar que não se deve fazer generalizações. Na
gramática pedagógica de Cegalla (1999, p. 437), por exemplo, ainda que o autor também se
restrinja a uma listagem de verbos na apresentação do fenômeno, regência verbal, refere-se à
existência de formas variadas no uso na “língua culta” e na “língua coloquial”. Abaixo,
reproduzem-se alguns dos exemplos listados pelo autor:
(06) Chegamos a (e não em) São Paulo pela manhã. (“língua culta”)
(07) Chegamos em São Paulo no dia seguinte. (“língua coloquial”)
É importante refletir que não há na redação do texto uma clareza terminológica quanto
ao conceito “língua culta”, tendo em vista que esse termo aparece frequentemente como
sinônimo de “língua padrão” nas gramáticas, nos manuais didáticos e, por extensão, no
discurso da escola.
A esse respeito, Lucchesi (2002, p. 65), traçando a diferença entre norma padrão e
norma culta, esclarece que “a primeira reuniria as formas contidas e prescritas pelas
gramáticas normativas, enquanto a segunda conteria as formas efetivamente depreendidas da
fala dos segmentos plenamente escolarizados (...)”. Assim, a partir da análise dos exemplos
(06) e (07), pressupõe-se que Cegalla (1999) esteja falando de norma padrão e não de norma
culta, pois há prescrição de formas, recomendando o uso de uma preposição e não de outra.
Caminhando nessa direção, a prática pedagógica dos educadores com relação ao fato
lingüístico em análise contribui para a assimilação e manutenção da ideologia do “certo” e do
“errado”, tendo em vista que a exposição desse assunto, quase sempre, é colocada para o final
do período escolar, transmitido muito rapidamente, sem reflexão do uso de determinado nexo
preposicional, nem da especificidade do verbo. Vale dizer que em algumas situações, dada a
precariedade que envolve o ensino da língua portuguesa no Brasil, o educando apenas tem
conhecimento do fato linguístico a partir da correção gramatical, quer seja oral – através da
fala cotidiana em sala de aula – quer seja por escrito – através das redações escolares.
No que se refere à ação normatizadora da escola, Oliveira e Silva (2004[1996])
observou que a influência da escolarização pode ser evidente mesmo em fenômenos que não
são objeto do ensino escolar. Isto ocorre porque os professores, ainda que assistematicamente,
24
fazem interferências incisivas na fala dos educandos; além disso, o contato recorrente com
materiais escritos na norma culta, inevitavelmente, acaba por conduzir os alunos ao uso mais
próximo do padrão. Quanto ao uso da variação preposicional dos complementos dos verbos
de movimento, assunto que consta da programação escolar, a autora constata a influência do
vetor escolaridade, mostrando que, quanto maior for o tempo de exposição do indivíduo ao
ensino formal, maior será o uso da forma padrão, no caso, a preposição a. Oliveira e Silva
(2004[1996]) esclarece que a apreensão dessa preposição se dá tardiamente, uma vez que o
fenômeno não é tão precocemente enfatizado na escola.
2.2 A VARIAÇÃO NO EMPREGO DE PREPOSIÇÕES JUNTO AOS VERBOS DE
MOVIMENTO: PANORAMA HISTÓRICO E SITUAÇÃO ATUAL NO PORTUGUÊS
DO BRASIL
Considerando que esta investigação está centrada no uso variável da preposição, é
conveniente dedicar-se um pouco ao estudo desses elementos relacionais, observando,
sobretudo, o conflito instaurado entre o uso normativo e aquele efetivamente realizado pelo
falante. Ao se estudar a regência de um verbo, o que se espera saber é se há obrigatoriedade
no uso da preposição e, confirmando-se essa exigência, verificar se o falante emprega a
preposição recomendada pela tradição. No caso dos verbos de movimento, que constituem o
interesse deste trabalho, nota-se, no uso corrente, expressiva variação quanto ao emprego das
preposições que regem os locativos. Isso quer dizer que, num verbo como vir, para o qual a
gramática orienta, exclusivamente, o uso de a, o falante ora emprega a preposição para ora
em.
Desde que as preposições passaram a ser elementos essenciais para estabelecer
relações de subordinação entre os elementos de uma oração, seu emprego, ao longo dos
séculos, vem se modificando. De acordo com Câmara Jr. (1976, p. 177), como muitas das
preposições latinas se perderam, resultou daí uma “redistribuição de emprego de algumas” e,
consequentemente, uma grande expansão e variação dos significados originais de algumas
delas, o que provocou, algumas vezes, situações de superposição (uma preposição invadindo
parcial ou totalmente o espaço de significação de outra).
A fim de fornecer uma melhor fundamentação ao assunto examinado, apresenta-se, a
seguir, uma breve incursão histórica sobre o uso das preposições, cujo foco é o tratamento
daquelas que regem os locativos.
25
2.2.1 O emprego de preposições junto a verbos de movimento na formação das línguas
românicas
Assim como diversos fenômenos em variação na língua portuguesa, os usos
alternantes da preposição com os verbos de movimento não é privativo do português atual. De
acordo com registros de vários autores, já no latim era notória essa variação. Nesse sentido,
investigar o percurso histórico desse e de outros fatos da língua tem constituído interesse de
vários estudiosos, considerando, como afirma Poggio (2002, p. 23), que tais estudos
“contribuem para fortalecer a idéia de que a heterogeneidade das línguas e o contato entre
realidades diversas são fatores essenciais para inferir-se a dinâmica da mudança lingüística”.
Ainda justificando a necessidade de se apresentarem algumas considerações
diacrônicas sobre o uso das preposições na língua portuguesa, menciona-se o que diz Svorou
(1993 apud POGGIO, 2002, p. 62): “torna[-se] necessário investigar a história das formas
gramaticais não só para explicar a sua variação, mas também porque essa história reflete
aspectos mais profundos da interação social e aspectos da construção cognitiva dos seres
humanos”.
No latim, como se sabe, havia um sistema de casos que marcava, através das flexões, a
relação entre os vocábulos na sentença. Entretanto, conforme referido em Poggio (2002, p.
79), essas relações também eram, algumas vezes, expressas “apenas pela diferença na
quantidade vocálica da vogal final do vocábulo”, além de se empregarem, com menor
intensidade, “os elementos de relação chamados preposição”.
As preposições, no latim, subordinavam alguns complementos ao verbo, mas seu uso
era sentido como redundante, uma vez que esses elementos relacionais apareciam juntamente
com os casos morfológicos para garantir certa clareza e ênfase. A esse respeito, é bom
relembrar o que diz Câmara Jr. (1976):
O nome complemento vinha no caso acusativo ou ablativo, já indicadores da subordinação ao verbo, mas a partícula adverbial que se lhe antepunha, e por isso se chamava ‘preposição’ na terminologia gramatical, insistia no elo subordinativo e delimitava melhor as condições da dependência (CÂMARA JR., 1976, p.175, grifo nosso).
Na passagem para as línguas românicas, a redução da marcação flexional gerou um
desequilíbrio no sistema latino. O enfraquecimento do valor significativo dos casos na
caracterização das relações de subordinação entre os elementos tornou o uso das preposições
26
uma necessidade absoluta para a clareza da frase. Nesse sentido, conforme lembra Câmara Jr.
(1976), tais elementos passaram a ser um traço característico das línguas românicas.
Consolida-se, assim, nessas línguas, o estabelecimento de uma nova classe gramatical: a das
preposições.
Câmara Jr. (1976) afirma que houve um empobrecimento da quantidade de
preposições latinas na passagem ao português, tendo muitas delas se perdido ao assumirem a
função de prefixos. Segundo o autor, esse fato é resultante “de uma redistribuição de emprego
de algumas partículas favorecidas, que se substituíram a outras num processo de simplificação
e economia”. (CÂMARA JR., 1976, p. 177). De acordo com Said Ali (1964), das partículas
que foram aproveitadas no português como preposição, algumas não sofreram alterações na
forma: ante, contra, de, per, ao passo que outras sofreram algum tipo de transformação: ad >
a; post > pós; in > em. Em alguns casos, os usos atuais permaneceram iguais aos do latim e,
em outros, houve uma extensão do sentido. Nas palavras de Said Ali (1964, p. 203-4): “Cada
preposição teve originalmente um sentido delimitado; mas a associação de idéias tornou
possível o alargamento do domínio semântico de algumas a ponto de invadirem umas o
domínio das outras e se confundirem por vêzes as partículas na aplicação prática”.
Segundo Câmara Jr. (1976), o sistema de preposições do português funciona em dois
planos: um mais concreto – localização no espaço e no tempo – e outro “com conceituações,
metaforicamente deduzidas, de estado, origem, posse, finalidade, meio, causa, objetivo e
assim por diante” (CÂMARA JR., 1976, p. 177). São de interesse deste trabalho, como já
assinalado, as construções locativas, de modo que serão apresentadas, a partir de agora,
algumas informações bastante sucintas sobre a retrospectiva histórica dos itens preposicionais
que encabeçam esse tipo de estrutura: ad > a, in > em e per ad > para.
De acordo com Said Ali (1964), o sentido de direção ou movimento para algum
ponto, característico da preposição a no português atual, é o mesmo que tinha a partícula ad
no latim. Além disso, outras noções, decorrentes desse sentido original também eram
verificadas para ad, conforme destaca o autor:
Com o sentido de lugar onde, isto é, denotando, não a direção em que se encaminha o movimento, e sim o ponto terminal, já se usava ad no latim vulgar e ocorrem, até, alguns exemplos dêste gênero em Varro e Tito Lívio. O emprêgo em francês de à com os nomes de cidades filia-se a esta prática antiga. Em português não podemos dizer senão com a preposição a: ir com a
trouxa às costas, trazer o colar ao pescoço, estar alguém à cabeceira, à
mesa, etc. Com outra qualquer partícula se alteraria aqui o conceito da situação (SAID ALI, 1964, p. 211).
27
Consoante Ernout e Meillet (1951 apud POGGIO, 2002, p.189), a preposição latina in
significa em, sobre, com a ideia de espaço e de tempo, considerando as coisas em movimento
para um fim. Poggio (2002), citando L. Rubio (1983), menciona que há diferença entre o uso
de in com acusativo e ad. No primeiro caso, a ideia é de “no interior de” e, no segundo,
“diante de”, “perto de” (cf. 08):
(08) reducemque faciet liberum in patriam ad patrem
(‘e o fará voltar livre à sua pátria diante de seu pai’)
Poggio (2002) relata que, de acordo L. Rubio (1983), a diferença não reside na ideia
de que in seguido de acusativo indique movimento e com ablativo, repouso, mas no conceito
de ‘permanência’ e ‘deslocamento’. Assim, usava-se in com acusativo quando a ideia era de
permanência, com ou sem movimento, e in com ablativo denota deslocamento, igualmente
com ou sem movimento.
No português, a preposição em já era registrada desde o século XII e algumas vezes
alternava-se com in. De acordo com Said Ali (1964), essa preposição indica ‘interioridade’,
com ideia de tempo e lugar. Segundo Poggio (2002), no português arcaico, pode indicar
‘espaço’, ‘tempo’, além de apresentar alguns sentidos figurados, como ‘meio’, ‘causa’, ‘fim’,
mas mesmo, nesses casos, em apresenta os traços ‘localização estática’ e ‘interioridade’.
Poggio (2002, p. 155) salienta que “há certa transferência no campo semântico da
preposição in ao domínio de ad”. A autora menciona ainda que: “Apesar da aparente clareza
de usos e significados expressos por essas duas preposições, convém lembrar que a
preocupação dos gramáticos latinos em distinguir os empregos desses elementos demonstra
que elas se confundiam em seu uso” (POGGIO, 2002, p. 155).
Rocha Lima (s/d, p.223), citado por Bagno (2000, p. 251), traçando o percurso
histórico das preposições a e em (ad e in) com idéia de direção, no português, refere-se ao
sincretismo que as caracterizava já no latim, visto que ambas indicavam, no latim literário,
tanto a idéia de repouso como a de movimento. Conforme relembra Bagno (2000, p. 251),
havia, entre elas, porém, “sutis diferenças de significação que, todavia, não eram rigidamente
respeitadas pelos escritores, apesar (como sempre) da insistência dos gramáticos”. Percebe-se,
assim, que a acirrada tensão entre a prescrição normativa e a língua efetivamente usada era
evidente mesmo no latim literário. No chamado latim vulgar, o sincretismo das partículas ad e
in era levado ao extremo, de modo que a oscilação – e a consequente confusão –, entre a idéia
de repouso como a de movimento era ainda mais comum (ROCHA LIMA s/d, p. 224 apud
28
BAGNO, 2000, p. 251), conforme se verifica nos exemplos (09) e (10), reproduzidos de
Rocha Lima (s/d, p. 224 apud BAGNO, 2000, p. 251)1:
(09) In urbe(m) ire
(10) Ad urbe(m) ire
Segundo informação de Rocha Lima, o amortecimento do -m do acusativo igualava
urbem a urbe, favorecendo a não distinção entre o repouso e o movimento. Ainda de acordo
com Bagno (2000), a especialização de ad para movimento e in para repouso só começou a
acontecer nas línguas românicas com o processo de normativização, à medida que foram se
tornando línguas literárias. O autor chama a atenção, contudo, para o fato de que o
sincretismo no uso de tais preposições não se desfez em todas as línguas neo-latinas, citando o
caso do francês, em que até hoje não se faz essa divisão (movimento e/ou repouso), de modo
que as preposições à e en apresentam os dois sentidos e podem alternar-se com o mesmo
verbo (com o mesmo significado). Esse fato também ocorre com o catalão antigo. O referido
autor lembra, porém, que há no francês uma especialização no uso dessas preposições apenas
no que concerne ao tipo de complemento: utiliza-se a preposição a para nome de cidade,
preposição em para nome feminino de país e/ou nomes de países masculinos iniciado por
vogal ou h mudo, e au para países iniciados por consoante, como se vê nos exemplos (11),
(12), (13), citados de Bagno (2000, p. 251):
(11) Je vais à Paris
(12) Je vais en Italie
(13) Je vais au Brésil
No catalão antigo, as preposições a e en coincidem com dois sentidos locativos;
servem para expressar a idéia de situação e de direção, como nos exemplos abaixo,
reproduzidos de Moll (1991, p. 222):
1 Ensaio de Rocha Lima (s\d) citado por Bagno(2000) intitula-se “Sobre o sincretismo de a e em no exprimir direção”.
29
(14) a. Anàrem a la muntanya.
b. Anàrem en la muntanya.
(15) a. Estàvem a la muntanya.
b. Estàvem en la muntanya.
Vale ressaltar que na linguagem moderna, o catalão oriental e balearic, dialeto do
catalão, têm demonstrado preferências por determinadas construções: preposição a para nome
próprio e preferência de uso da preposição en diante de pronomes demonstrativos aquest,
aqueix, aquell. Esse comportamento assemelha-se ao da língua francesa, referido acima, mas,
de forma geral, é indicado o uso da preposição a quando o contexto indica direção inicial e
progressiva de um movimento de uma ação.
(16) Anem a Roma. (Cat. oriental e balearic)
(17) Vaig en aquella casa. (Cat. oriental e balearic)
(18) Venien a casa. (Cat.)
No tocante à língua espanhola, Alvar e Pottier (1993, p. 289) informam que, em
algumas ocasiões, a preposição a pode ser trocada pela preposição para, ainda que com
algumas diferenças no uso, havendo inclusive algumas vezes confusão no emprego dessas
preposições, como exemplificado em (19) e (20):
(19) Voy para Itália
(20) Voy a Itália
Moll (1991, p. 222) informa que as preposições a e en do uso catalão se diferenciam
do uso de Castela, que utiliza normalmente a preposição a para indicar direção e en na
concepção de situação.
Rocha Lima (apud BAGNO, 2000, p. 251) discorre que o português antigo também
conheceu o uso das preposições ad e in com verbos de sentido diretivo, como se observa nos
exemplos de (21) a (24), retirados da obra Clarimundo de João de Barros e citados por Bagno
(2000, p. 251):
30
(21) “... era vindo nesta terra”
(22) “... depois que Carfel, e Arquilo foram na pousada com todalas cousas...”
(23) “... levarão-no todos aquelles Senhores à pousada.”
(24) “ O Emperador mandou a hum Cavalleiro que fizesse levar o corpo de Forbotão
à igreja de Santa Sophia”.
De acordo com Rocha Lima (apud BAGNO, 2000, p. 251), a partir do século XVI a
preposição a sofre um processo de especialização no português, passando a ser empregada
junto a verbos de movimento. Entretanto, lembra o autor, que a língua transplantada para as
terras recém descobertas é a linguagem oral “eivada de arcaísmos e flutuante sob muitos
aspectos”, dentre os quais, certamente, destacam-se as construções com verbo de movimento
+ em. É essa a construção que, nas palavras do autor, “viceja no território africano de Angola,
assim como no solo asiático de Goa [...], além de se ter enraizado na linguagem popular do
Brasil” (p.252).
Quanto à preposição para, sua origem não é bem esclarecida no português. Poggio
(2002) faz uma resenha de vários estudos e suas hipóteses sobre a origem dessa preposição: a)
Para Geraldo da Cunha (1991), o item teria se originado do latim per ad, através da variante
pêra. Para esse autor, somente no século XVII, a forma para teria se tornado mais usual; b)
Segundo José Pedro Machado (1977), para provém de pora (por +a) e não se tem
documentação antes do século XVI; c) De acordo com Câmara Jr. (1976), para provém da
aglutinação de per e ad, e seu uso, inicialmente, denotava ‘percurso em direção definida’; d)
Para Said Ali (1964), para e pera eram usuais no português arcaico e no português do século
XVI e início do XVII e esta última seria proveniente de per ad ou de pro ad.
A preposição para é empregada com o sentido de ‘destinação’, ‘lugar para onde’ e no
português atual é usado em co-ocorrência com a. De acordo com Said Ali (1964, p. 216), “a
diferença [é] tão difícil de perceber que os casos de regência fixa, em que certos verbos e
adjetivos se construem [sic] uns sempre com a e outros sempre com para, não se explicam
senão pelo capricho do uso.” O autor também assinala a existência de variação entre a e para,
em contextos em que a norma orientaria o uso da primeira.
31
Analisando construções locativas em anúncios e cartas de redatores/ leitores de jornais
paulistas do século XIX, Berlinck; Guedes (2003) verificou a variação entre as preposições a,
para e em com os verbos de movimento, tendo observado o uso predominante da primeira.
Para a autora, o processo de desuso da preposição a já estava em curso no português desde o
século XIX. A constatação dessa variação é também feita em Pontes (1992), que observa,
contudo, que, nos últimos anos do século XX, o uso de a é minoritário em função do aumento
generalizado das outras variantes: em, nos contextos em que se referem a ‘localização’, e
para, nos casos de ‘direção’.
Essa revisão da linha histórica percorrida do latim até as línguas românicas
contemporâneas revela que a variação das preposições que acompanham os verbos de
movimento sempre esteve presente nessas línguas, não sendo exclusividade do português
brasileiro.
2.2.2 A prescrição gramatical e o uso real nas variedades do português brasileiro
Ainda hoje, algumas das gramáticas do português apresentam o mesmo rigor
normativo das primeiras gramáticas da língua, a saber Grammatica da Lingoagem Portuguesa
(1536), de Fernão de Oliveira, e Grammatica da língua portuguesa (1540), de João de Barros,
evidenciando que pouca coisa mudou no que se refere à prescrição normativa do uso da
língua. Escritas no período renascentista, quando, segundo Fávero (1996, p. 21), “a gramática
deixa de ser necessariamente a latina e incide sobre as línguas vernáculas”, essas obras
revestem-se de um caráter pedagógico a fim de atender à política de expansão territorial
portuguesa no que diz respeito à imposição da língua aos povos colonizados (KRISTEVA,
1974 apud FÁVERO, 1996).
De acordo com Leite de Vasconcelos (1929, p. 865 apud FÁVERO, 1996, p. 23),
nesse período, eram evidentes “[a] preocupação com a semelhança entre a gramática
portuguesa e a latina, devido ao prestígio do latim como língua de expressão culta [...], [o]
autoritarismo gramatical [...] [e o] sentimento de superioridade patriótica da língua portuguesa
face às demais”. Nos dias atuais, ainda constitui preocupação das gramáticas, livros didáticos
e outros manuais a exposição das regras do “falar e escrever bem”, de modo que tudo o que se
afasta da prescrição não é legítimo na língua. Naturalmente, é por esse olhar que o uso das
preposições que regem os locativos é apresentado aos estudantes.
Grande parte das gramáticas e livros de referência para o ensino da língua mostra que
os locativos relacionados aos verbos de movimento ir, chegar, vir, voltar e sair têm em sua
32
composição uma preposição e um sintagma nominal locativo [SPrep <prep+SN>]. Esses
estudos tradicionais prescrevem o uso da preposição a para encabeçar o SPrep locativo,
mencionando, também, o uso da preposição para quando há a intenção de permanência mais
duradoura no local do destino. O uso de em, por sua vez, é rechaçado categoricamente,
conforme se vê registrado no trecho abaixo:
Não devemos usar a preposição em com verbos de movimento, porquanto em indica lugar onde: “ir ao colégio” – e não “ir no colégio” – “chegar a um lugar”, e não “chegar em”: chegamos ao Rio, cheguei à casa dele, cheguei tarde a casa, o avião chegou ao campo (ALMEIDA, 1999, p. 337).
Quanto ao uso da forma padrão a, sabe-se, contudo, que muitos estudos sobre o PB
têm assinalado o desuso dessa preposição nessa variedade da língua, até mesmo na
modalidade escrita, em favor das alternativas com para e em (cf. exemplos 25 e 26)2.
(25) “o programa pode começar com um simples cinema... um teatro... vai-se a uma
boate ( ) não... faz-se algum tipo de programa qualquer... ou então vai pra um
bar...” (RIO – D2 158: 905-908).
(26) “eu fico encantada de ir a uma casa... de flores ou num... mercado (REC – DID
156: 455)
Os exemplos acima fazem parte do corpus do projeto NURC (Rio de Janeiro e Recife,
respectivamente) e são, portanto, amostras de fala de indivíduos cultos. Em ambos os
contextos, os locativos indicam a noção de não permanência, para a qual a GT orientaria,
exclusivamente, o uso da preposição a. O que se vê, portanto, é que essa descrição
desatualizada nem mesmo está de acordo com a fala dos indivíduos plenamente escolarizados
da sociedade.
À revelia das prescrições gramaticais, os falantes das comunidades de fala popular do
interior do Estado da Bahia fazem uso de uma gama maior de formas preposicionais em SPrep
locativos junto aos verbos de movimento já citados, como: a, para, em, até e ausência de
preposição. É possível perceber tal variação nos exemplos a seguir, retirados do corpus
estudado:
2 Exemplos extraídos de BAGNO (2002, p. 143-4).
33
Preposição a:
(27) Domingo de páscoa, aí já é... domingo de páscoa já é dia de alegria, né? Pra quem
gosta de ir a... a baile, forró. (POR-inq2)
(28) Eu sô, sô, qué vim a festa dele ni dezembro, cê pode vim que cê zôa aqui mais
nós.(POR-inq8)
Preposição para:
(29) E ela... ela saía, ia pa rua, (POR-inq3)
(30) Quando eu cheguei pra aqui, ainda tinha muita professora por aqui. (SAR-inq11)
(31) ...eu num achei quem me levasse pa fêra não. (SAR-inq10)
(32) Dali da casa de... de... de Nega, nós viemo pra... pra casa de mãe, de novo, aí
construimo essa lá. (POR-inq12)
(33) Na época, papai num dêxava eu saí pra festa não, só ia era aqui, quando ele
dêxava, que ele tava lá, se era ni reza na bêra do rio (POR-inq11)
Preposição em:
(34) Eu acharia que se colocasse uma fêra aqui ni Morrinhos, era bom, poque aí agora
a gente num precisava ‘tá dano essa viagem pra ir ni Poções comprá nada. (POR-
inq5)
(35) Agora um lugá que num era cercado, sabe como é? Cê entrava aqui, saía na bêra
do rio, sa... chegava na bêra do rio, passava aqui, sai... ia saí lá ni...
INTERRUP, né? (POR-inq12)
34
(36) Se eu dissé, eu num vô levá ele no médico hoje né... fora de caso de febre, né?
Teve febre, é necessário.(SAR-inq2)
(37) Que os pobre tem hora que [escusa] de vim em minha casa e os rico num
[escusa], Graça, meu pai, Graça meu pai. (POR-inq8)
(38) Comade Júli assim falava assim “Ô, ô [Aldina]”, porque ela saía muito ni festa
mais nós, ni reza. (POR-inq12)
Preposição até:
(39) A ôtra, que o marido morreu em São Paulo, o marido dexô um carrinho pra ela,
vendeu, tornô compra ôtro. Ela já veio aqui duas veze com esse carro. Na ININT.
ININT vez veio de São Paulo, foi até Salvadô no carro. Só tem uma lá que
mais... que é mais carma. [Eni]... uma magrinha. Essa tá mais...(POR-inq6)
(40) Já, e tamém teve uma... eu já ouvi falá na torre de Babel, inclusive teve até um
filme eu já assisti esse filme que o homem construiu essa torre, que queria chegá
até o céu e vai, (SAR-inq3)
(41) Eu levo eles até ali, né, sete e meia, aí... aí tem um... um... um carro que pega ali,
ININT solta lá na escola. (SAR-inq2)
Ausência de preposição
(42) Eu vô Ø lá assim, um dia assim [no]... em dois ano, três ano que eu vô lá. Num é
negoço assim todo dia não. (POR-inq2)
(43) eu vô chegá Ø aqui umas onze doze horas, quando é, vamo supô, uma cinco
hora da manhã eu tenho que saí pa trabalhá, aí a pessoa num guenta.
(44) Que... que lugá tem aqui procê... “ah, vô levá meu filho Ø aqui pra vê o quê?”
Nada, num tem nada, num tem um parquezinho, prefeitura num faz nada
35
(45) É, por que o transporte come tudo, né? Tinha... vamo dizê, se tivé duas mil
laranja, pá pegá um carro pá vim Ø aqui pegá. (SAR-inq8)
(46) A senhora saiu Ø aqui, botô no seu carro, saiu aqui, se a senhora chegô aí
adiante a [fiscalização] pegô, aí eles toma e quêma, é o que eles fala, né?(SAR-
inq5)
Em se tratando de exemplos retirados de amostra de fala real do português popular do
interior, em que não houve uma orientação específica para produções de construções
preposicionadas no contexto de análise (Verbo Mov.+ SPrep locativo), observa-se que,
embora todas as preposições tenham ocorrido, não foi possível observar uma combinação
perfeita de todos os verbos com todas as preposições em estudo. A preposição padrão a, por
exemplo, não ocorreu com todos os verbos, além de ter tido baixíssima frequência. Esse fato,
em particular, pode estar relacionado à especificidade do corpus, cuja constituição tem em sua
base falantes analfabetos e semi-analfabetos. Observou-se também que a preposição até não é
frequente, e as ocorrências dos contextos da ausência de preposição categoricamente só
ocorreram com partículas locativas – advérbios de lugar.
2.3 AS CONSTRUÇÕES LOCATIVAS DOS VERBOS DE MOVIMENTO: ADJUNTOS
OU ARGUMENTOS?
A descrição apresentada pelos compêndios gramaticais referidos na seção 1.1
(ALMEIDA, 1999; BECHARA, 1999; CUNHA; CINTRA, 1985; ROCHA LIMA, 2002) não
possibilita a elaboração de um conceito nítido acerca do que sejam os verbos de movimento.
Algumas vezes, a terminologia é utilizada, mas a menção a esses verbos é feita de maneira
dispersa. O verbo de movimento costuma ser citado ao se discutirem os seguintes tópicos
gramaticais:
i. No estudo das preposições, sobretudo quando esses nexos indicam o sentido
diretivo, como, por exemplo, as preposições a e para, as quais apresentam uma
sutil diferença de sentido com relação ao tempo de permanência em determinado
local;
36
ii. No estudo da transitividade verbal, costuma-se atribuir aos verbos de movimento a
categoria de intransitivo, caracterizando o termo locativo subsequente ao verbo de
movimento como adjunto adverbial ou complemento circunstancial;
iii. Ao se discutir a regência verbal, quando acontece, esporadicamente, a ocorrência
de um verbo de movimento, é mencionada a forma padrão do uso da preposição;
iv. Na discussão acerca dos adjuntos adverbiais, questiona-se a natureza acessória e
argumental dos termos que acompanham os verbos de movimento.
A questão que se apresenta aqui não é a de reivindicar um espaço específico para o
tratamento dos verbos de movimento na GT, mas a de que é necessário repensar o conceito de
transitividade verbal a fim de se fazer uma categorização mais coerente dos verbos na língua
portuguesa.
A questão da complementação verbal no português não tem sido muito bem definida
nas gramáticas tradicionais, as quais têm, frequentemente, se baseado em conceitos semânticos
e formais, mas de maneira bastante superficial. Dessa forma, verifica-se uma série de
discordâncias e imprecisões sobre o assunto. Uma dessas questões diz respeito à discussão que
se trava em torno da natureza das construções locativas, que, em alguns casos, é vista com um
caráter meramente acessório e, em outros, como argumento verbal.
Dentro de uma terminologia tradicional, seria o caso de verificar se tais construções
estariam inseridas entre os termos que se costumam classificar como “integrantes” ou entre os
“acessórios”. O primeiro grupo refere-se aos termos que aparecem na oração completando o
sentido de um outro termo. O segundo, por sua vez, aplica-se aos “acréscimos acidentais”,
que, segundo Almeida (1999, p. 430), tem efeito simplesmente informativo. Os termos
integrantes são, comumente, classificados como: complemento nominal, complemento verbal,
agente da passiva; e os termos acessórios são classificados como: adjuntos adnominais,
adjuntos adverbiais e aposto.
Ao analisar a natureza da obrigatoriedade de alguns termos, as gramáticas tradicionais
voltam-se para o estudo da transitividade verbal, e, como enfatizado, misturam, sem
aprofundamento, conceitos semânticos e formais. Por essa perspectiva, consideram-se verbos
intransitivos aqueles que dispensam complementos porque “[...] expressam uma idéia
completa” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 505). Está aí subjacente uma visão puramente
37
semântica no sentido de que se baseia na ideia da ‘incompletude’ do verbo. As formas verbais
transitivas são referidas como aquelas em que “o processo verbal não está integralmente
contido nelas, mas se transmite a outros elementos” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 132), estes
chamados de objeto. Esses conceitos, porém, nem mesmo dentro da visão tradicional são
vistos com tranquilidade.
O verbo de movimento chegar, por exemplo, é classificado, por Faraco e Moura
(1998), como intransitivo no sentido de atingir data ou local; essa mesma ideia também está
presente em Cegalla (1999)3 ao relatar que este verbo na “língua culta” não admite
complemento ligado a ele, entretanto, podem aparecer termos acessórios, chamados de
adjuntos adverbiais. O verbo ir também é classificado de intransitivo, ao qual se podem ligar
adjuntos adverbiais de lugar preposicionados. Nesse sentido, questiona-se: os termos
subsequentes aos verbos de movimento são adjuntos ou argumentos?
Almeida (1999, p. 432), conhecido por sua visão tradicionalista, afirma que “O verbo
ir, por exemplo, não é verbo transitivo; portanto, na frase ‘Fui a Belo Horizonte’, o
complemento ‘a Belo Horizonte’ não é objeto indireto, mas adjunto adverbial.” É essa a visão
presente na maioria das gramáticas tradicionais e pedagógicas.
Por uma perspectiva menos presa ao tradicionalismo gramatical, Rocha Lima (2002,
p.252) faz uso de uma terminologia diferenciada, chamando de complemento circunstancial
os termos que complementam os verbos de movimento, com sentido diretivo, como o verbo
ir. Para o autor, o complemento circunstancial é “tão indispensável à construção do verbo
quanto, em outros casos, os demais complementos verbais”. Desse modo, para Rocha Lima
(2002), no exemplo (47), o termo “a Roma” tem natureza argumental e não acessória. Bechara
(1999), com esse mesmo entendimento, insere tais complementos entre os que denominou de
complemento relativo.
(47) Irei a Roma.
Nesse sentido, pode-se assumir a visão de que os verbos de movimento possuem
comportamento semelhante aos verbos transitivos, vinculando-se necessariamente aos seus
complementos. Não seria possível, pois, expressar uma idéia completa se não fosse a presença
do complemento locativo, como se pode conferir nos exemplos de (48) a (49):
3 O autor também faz referência aos verbos ir e vir, os quais se comportam semelhantemente ao verbo chegar.
Exemplifica-se através dos exemplos: “Fomos a Belém. Fui à feira. (...) Vieram à cidade fazer compras” (CEGALLA, 1999, p. 437).
38
(48) “... só eu... só num fui a São Paulo e Rio...”
(49) “Não, a mais véia vai pra creche esse ano” (POR-inq3)
De acordo com os exemplos acima, os paradigmas do verbo ir de movimento (vai e
fui) efetivamente não formam uma “expressão semântica” sem o amparo do complemento
locativo. A presença deste se faz absolutamente necessária e não somente acessória. E a
omissão do complemento locativo só é possível se o seu conteúdo estiver subtendido,
podendo ser recuperado pelo receptor pragmaticamente na situação concreta de interação
verbal. Daí, Nascentes (1944, p. 27) declarar que “tratando-se de verbos intransitivos de
movimento, o complemento de direção não pode ser considerado elemento meramente
accessorio”.
Compartilhando dessa ideia, Rocha Lima (2002, p. 340) esclarece que “o
complemento forma com o verbo uma expressão semântica, de tal sorte que a sua supressão
torna o predicado incompreensível, por omisso ou incompleto”. E conclui: “sendo o verbo
uma palavra regente por excelência, cumpre proceder sempre à verificação da natureza dos
complementos por ele exigidos”.
Com base numa ótica mais científica sobre os fatos da língua, Perini (2004) critica a
postura tradicional eminentemente semântica de classificação e apresenta uma nova proposta
de análise da transitividade verbal. Para o autor, é preciso ir além da simples noção de
‘exigência’ e ‘recusa’ de um complemento. Nesse sentido, ele acrescenta a idéia de ‘aceitação
livre’. Dentre as funções relevantes para o estabelecimento da transitividade, Perini (2004),
destaca aquelas que são exigidas ou recusadas por algum verbo, desprezando as que são
livremente aceitas por todos os verbos, já que “não caracteriza os verbos com que coocorre”
(PERINI, 2004, p. 164). Dessa forma, são quatro as funções relevantes: objeto direto,
complemento do predicado (corresponde ao predicativo do sujeito), predicativo (corresponde
ao predicativo do objeto) e adjunto circunstancial. Neste último, o autor inclui “os casos
tradicionais de ‘objeto indireto’ mais muitos outros casos” (PERINI, 2004, p. 166). Infere-se
daí que o adjunto circunstancial tem, para ele, natureza obrigatória assim como o objeto
indireto.
Vale ressaltar que uma abordagem mais estrutural, a gramática gerativa considera
esses complementos locativos como constituintes adjungidos, dispostos na estrutura
sintagmática na mesma posição dos adjuntos adverbiais. Desta forma, ancorada na perspectiva
39
tradicionalista, considera os complementos locativos como adjuntos adverbiais e não como
argumentos.
Lucchesi (2004) assinala que o discurso da GT é fundamentado no princípio da
autoridade e não considera a realidade linguística dos falantes, de modo que muitos dos
conceitos por ela veiculados são desatualizados e contraditórios. A exemplo disso, o autor
menciona o fato de o verbo ir de movimento, assim como chegar e voltar, efetivamente
precisar de complemento, justificando que ninguém pode dizer “Maria vai”, já que Maria vai
a algum lugar. Então esse verbo selecionaria um complemento, mas, segundo a tradição
gramatical, conforme já enfatizado, tem-se aí um verbo intransitivo, uma vez que o termo a
ele ligado indica lugar, e, tradicionalmente, as palavras que indicam lugar na língua são os
advérbios, chamados de termos acessórios.
Como se viu até agora, os estudos linguísticos contemporâneos têm contribuído para
complementar o vácuo da visão tradicional acerca do assunto. Existem alguns que se voltam
para discussões puramente sintáticas, como é o caso de Perini (2004), e outros que tratam os
verbos com base em explicações sintático-semânticas (MIRA MATEUS, 2003; NEVES,
2000), considerando que a semântica pode dar conta de muitas das relações estabelecidas
entre o verbo e os demais componentes oracionais. Nessa perspectiva, tem-se recorrido à
noção de valência verbal.
De acordo com a gramática de valências, o verbo é visto como centro da frase, nas
palavras de Mira Mateus et al. (2003, p. 183), é ele um predicador por excelência,
responsável, portanto, pela seleção de seus argumentos. Com relação à quantidade de
argumentos, Mateus et al. (2003, p. 185) assinalam que existem verbos com zero argumento,
com um argumento, dois argumentos e três argumentos, conforme se verifica,
respectivamente, nos exemplos a seguir, reproduzidos das autoras.
(50) Hoje amanheceu às 5h43m.
(51) [A Maria] gritou, porque teve um pesadelo.
(52) [O Boavista] venceu [o campeonato] em 2001.
(53) [O Pedro] emprestou [os apontamentos de Física] [ao João]
40
A gramática de valências dá conta das relações de dependência existentes entre o
verbo e os demais constituintes da oração. A respeito dessa rede de relações, vale a pena ler o
que diz Neves (2002, p. 105):
O verbo tem, pois, a propriedade de reger actantes. Ele é comparável a um átomo, exercendo atração sobre um determinado número de actantes, mantidos sob sua dependência. O número de actantes que um verbo pode reger constitui o que Tesnière chama de valência do verbo. A valência consiste no conjunto de relações que se estabelecem entre o verbo e seus actantes, ou argumentos obrigatórios, ou constituintes indispensáveis.
Interessam a este trabalho especificamente os argumentos que preenchem as posições
disponíveis para os verbos de movimento. Esses argumentos mantêm relações semânticas
com o predicador, nomeadas de papéis temáticos4. Mira Mateus et al. (2003, p. 187)
apresentam uma lista mínima de papéis temáticos importantes para descrever a estrutura
argumental dos verbos na língua portuguesa, a saber: Agente, Fonte, Experienciador,
Locativo, Alvo e Tema5. De acordo com as autoras, o predicador pode selecionar argumentos
externo e interno. O argumento externo selecionado pelo predicador equivale ao sujeito da
oração, que pode receber o papel temático de agente, fonte, tema, experienciador. O
argumento interno pode receber os papéis temáticos de locativo, alvo, tema6.
A descrição da estrutura argumental dos verbos de movimento possibilita a observação
mais detalhada da quantidade e da natureza de argumentos que cada verbo exige. Valendo-se
do estudo da grade temática, que, segundo Mioto et al. (2005, p. 126), é o número de
argumentos selecionados pelo predicador, serão estabelecidos os argumentos dos verbos de
movimento mais recorrentes no corpus, a saber: ir, chegar, levar, sair, vir.
(54) O garoto foi ao cinema.
SN - agente IR SPrep - LOC
4 Papel temático é o tipo de relação semântica que associa cada argumento à palavra predicativa que o seleciona
(MATEUS et al., 2003). 5 Em nota, Mira Mateus et al. (2003, p. 187-188) esclarecem que: “A lista de papéis temáticos varia em extensão
de autor para autor (...). Os nomes atribuídos a cada papel temático também variam. Assim: (a) Origem e, em parte, Causador, é uma designação alternativa para Fonte; (b) Meta, Benefactivo, Beneficiário ou Destinatário são designações também propostas para Alvo; (c) Paciente e Objecto são designações alternativas para Tema (...).”
6 Seguem as definições dos papeis temáticos envolvidos nesta análise de Mira Mateus et al. (2003, p. 188-189): Agente é o papel temático do argumento que designa a entidade controladora, tipicamente humana, de uma dada situação. Locativo é o papel temático do argumento que exprime a localização espacial de uma dada entidade. Tema é o papel temático do argumento que designa a entidade que muda de lugar, de posse ou de estado, em frase que descrevem situações dinâmicas (...). O argumento com esse papel pode designar uma entidade criada pela actividade expressa pelo verbo (...) ou afetada por tal atividade (...).
41
(55) O garoto chegou ao cinema.
SN - tema CHEGAR SPrep - LOC
(56) O garoto levou a menina ao parque.
SN - agente LEVAR SN- tema SPrep - LOC
(57) O garoto saiu na rua.
SN - agente SAIR SPrep - LOC
(58) O garoto veio para casa.
SN - agente VIR SPrep - LOC
Verifica-se nos exemplos acima que os verbos ir, chegar, sair, vir podem ser
classificados, quanto à seleção dos argumentos, como biargumentais, isto é, são selecionados
dois argumentos: o primeiro é o argumento externo, nesses exemplos, o sujeito - agente; e o
segundo, o argumento interno, que expressa o papel temático de locativo. Diferentemente, o
verbo levar apresenta em sua predicação três argumentos selecionados: o primeiro, o sujeito-
agente; o segundo, o tema; o terceiro, o locativo. Percebe-se, na contramão do que diz a
gramática tradicional, que os locativos que acompanham os verbos acima são indispensáveis
para a compreensão da sentença, conformando sua natureza argumental e refutando a
possibilidade de classificação como adjunto, nesses contextos.
2.4 ANÁLISES SOCIOLINGUÍSTICAS DA VARIAÇÃO NA REGÊNCIA DOS VERBOS
DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS DO BRASIL
Desde a primeira metade do século XX, os estudiosos que se ocupavam da tarefa de
descrever a realidade linguística do PB já observavam o uso corrente da regência dos verbos
de movimento construída com a preposição em. Amadeu Amaral (1920, p. 28), por exemplo,
ao tratar de aspectos da sintaxe do dialeto “caipira” de São Paulo, assinala no tópico
Circunstância de lugar que “o lugar para onde é indicado com auxílio da preposição em: ‘Eu
fui im casa’, ‘Ia na cidade’, ‘Chego na janela’, ‘Vortô no sítio’”.
Marroquim (1996[1931], p. 160-161), em A língua do Nordeste, também relatou a
existência dessa construção com a preposição não padrão, cujo uso “é geral no nordeste, em
42
todas as classes. Em todo o Brasil, creio.” O autor consubstancia essa afirmação com
exemplos extraídos de algumas obras literárias; alguns dos quais são aqui reproduzidos:
(59) Eu quando quero ir na cidade baixa... (No Tempo de Lampião, p. 89).
(60) Vem aqui no quarto. Antônio Alcântara Machado – Brás, bexiga e Barra Funda,
p. 125).
(61) Estas histórias chegavam na cozinha, onde ninguém duvidava. (José Lins do
Rego – Menino de Engenho, p. 172).
Nascentes (1953, p. 171), na descrição do dialeto carioca, também atestou a
construção da regência dos verbos de movimento com a preposição em, não só em todo país
(como se referiu Marroquim), mas também em todas as classes sociais, concluindo que “o
fenômeno é tão brasileiro que o emprego de a (por parte dos que têm medo de passar por
faltoso) dá um tom lusitano à frase”. Além disso, menciona a necessidade do estudo em torno
do assunto desde o latim, clássico e vulgar.
Teyssier (2001) também reconhece o emprego da preposição em junto aos verbos de
movimento no Brasil como um fenômeno que não é exclusivo da fala popular, classificando
“brasileirismo pertencente à língua normal”, aduzindo os exemplos “já chegou no Brasil (ao
Brasil), vou na cidade (à cidade)”, em oposição à categoria dos “brasileirismos pertencentes a
registros sentidos como vulgares”.
Não obstante a pertinência dessas assertivas, deve-se levar em conta que elas não se
baseiam em observações empíricas controladas, que devem estar na base do conhecimento
científico. Essa lacuna tem sido preenchida nos últimos anos pelas análises sociolinguísticas.
Os estudos variacionistas acerca da regência dos verbos de movimento costumam ter
como referência a análise de Mollica (1998[1986])7, que se concentra na variação da regência
do verbo ir na amostra do Projeto CENSO. Revisitar esse estudo se faz necessário, uma vez
que é a partir dele que outros estudiosos se interessaram pelo assunto e adotaram suas
hipóteses e grupos de fatores, testando sua validade em outros corpora, encontrando-se na
literatura diversas investigações de orientação sociolinguística sobre o tema (ASSIS, 2006;
RIBEIRO, 1991, 1996, 2000, 2008; VALLO, 2003, 2004; WIEDEMER, 2008), bem como
7 Pioneira na abordagem deste fenômeno. (MOLLICA, M. Cecília de M. A regência variável no verbo ir de
movimento. Projeto Subsídios Sociolingüísticos do Projeto Censo à Educação, VII; relatório final apresentado ao FINEP. RJ, UFRJ/PEUL, 1986, mimeo.).
43
análises gerativistas (FARIAS, 2006; OLIVEIRA, 2002) e funcionalistas (BERLINCK;
GUEDES, 2003).
Considerando que a linha teórica aqui adotada é a da Sociolinguística Variacionista,
interessa, particularmente, a esta seção apresentar algumas importantes considerações sobre os
trabalhos que seguem esse mesmo pressuposto. É importante, antes de proceder à exposição,
identificar esses estudos, esclarecendo, desde já, que, à exceção de Assis (2006), todos os
demais investigam apenas a regência variável do verbo ir de movimento. A investigação feita
por Mollica (1998[1986]) analisa o fenômeno em amostras de fala do português popular
falado no Rio de Janeiro. Complementando essa investigação, Ribeiro (1996) analisa dados do
português culto, a partir de amostras do Projeto de Estudo da Norma Urbana Culta do Rio de
Janeiro (NURC/RJ). Vallo (2003, 2004) observa o comportamento linguístico dos falantes
com escolaridade média e superior, mudando apenas o corpus, que neste caso é o do projeto
Variação Linguística no Estado da Paraíba (VALPB). Com dados do Projeto Variação
linguística urbana da Região Sul (VARSUL), Wiedemer (2008) analisa amostras de fala
popular de Florianópolis, Blumenau e Chapecó. Assis (2006), por sua vez, volta-se para o
estudo do português afro-brasileiro, analisando o comportamento linguístico de indivíduos de
duas comunidades do interior da Bahia – Helvécia e Cinzento. Nesse trabalho, a autora amplia
o número de verbos de movimento, incluindo, para além do já citado ir, chegar, voltar, vir e
sair.
2.4.1 Os condicionamentos estruturais da variação no emprego das preposições junto aos
verbos de movimento no português do Brasil
Mollica (1998[1986]) discorre, inicialmente, sobre a descrição tradicional da regência
do verbo ir de movimento, fazendo, também, menção às observações de alguns gramáticos
sobre o uso da preposição em pelos escritores modernistas, como alternativa ao emprego de
a/para. A autora aponta três formas possíveis de se empregar a regência do verbo ir de
movimento na fala carioca, do corpus CENSO, exemplificadas8 nas seguintes construções:
(62) Eu tenho o maior desejo de ir a Bahia! (Ir + a)
(63) Eu ia aqui pro sítio do meu tio. (Ir + para)
8 Exemplos apresentados em Mollica (1998[1986], p. 151).
44
(64) Meu pai que ia no açougue. (Ir + em)
A revisão será feita a partir das variáveis linguísticas expostas por Mollica
(1998[1986]), e, à medida que forem descritas, será revisado o seu comportamento em outros
estudos de corpora diferentes.
Considerando a natureza morfo-semântica dos nomes locativos, Mollica (1998[1986])
estabeleceu como variáveis linguísticas: configuração do espaço, grau de definitude e tempo
de permanência no locativo.
Sobre a primeira variável, a autora diz que:
Essa variável leva em conta os traços semânticos do nome locativo, núcleo do Sprep. Distinguimos os locativos em [+fechado] e [-fechado]. Aqueles de traço [+fechado] definem-se como: lugar cercado, com uma entrada
definida, com ou sem teto. Assim, locativos como “cinema”, “clube”, “Maracanã”, “Tivoli Parque”, “casa”, classificam-se como [+fechado]. Por outro lado, os locativos que não preencherem tais quesitos foram agrupados com o traço [-fechado], como por exemplo, “praia”, “cidade”, “Paraíba”, “esquina”; acham-se no segundo grupo também os locativos que exprimem por exemplo lugar indefinido e/ou abstrato e os considerados de difícil classificação tais como “porta”, “médico”, “esquina” (MOLLICA, p. 155-156).
Para fundamentar a escolha dessa variável, a autora parte da ideia de que a preposição
em, acompanhando o verbo ir, “conota o sentido de ‘estar dentro’, sendo mais provável com
locativos de traço [+fechado]: recinto cujo espaço seja mais demarcado” (MOLLICA, 1998
[1986], p. 156). É importante atentar para os casos metonímicos na definição de tal traço,
conforme salienta Ribeiro (1991, p. 18). O autor atribui o rótulo [+ fechado] aos locativos
empregados metonimicamente pelo falante, definindo três circunstâncias: 1) tomar o evento,
ou a atividade, pelo local da sua realização (cf. exemplo 65); 2) o profissional, ou o seu nome,
pelo local de trabalho ou atuação (cf. exemplo 66); e 3) o dono, ou morador, pela casa ou local
de moradia (cf. exemplo 67).
(65) Aí eu ia pru baili...
(66) ... já fui au médicu...
45
(67) Eu fui na minha mãe depois da Copa...
Os estudos de Ribeiro (1996) e Vallo (2003) seguem as mesmas orientações de Mollica
(1998[1986]) quanto à utilização dessa variável. Utilizando-se dos fatores binários [+fechado]
e [-fechado] dessa variável, buscaram verificar se o contexto da configuração espacial que
envolve os complementos locativos interfere na seleção da preposição (a / para / em / até /
apagamento) com que o falante inicia os sintagmas preposicionais dos verbos de movimento.
De forma geral, confirmou-se a hipótese nos estudos de Mollica (1998[1986]), Ribeiro
(1996), Vallo (2003), Assis (2006), os quais observaram que os locativos, quando
caracterizados pelo traço [+fechado], revelariam maior propensão ao emprego da construção
não-padrão com a preposição em (espaço mais demarcado, caracterizado por sua
interioridade); em contrapartida, quando o locativo fosse caracterizado pelo traço [-fechado],
haveria uma maior probabilidade das preposições a e para, consideradas padrão.
Diferentemente, Wiedemer (2008) infere que o espaço locativo requer um estudo mais
bem detalhado a fim de que se descubram as especificidades reveladoras em torno do objeto
locativo, e, por conseguinte, a associação deste a uma determinada preposição. O autor
analisou o espaço locativo, núcleo do sintagma preposicionado dos verbos de movimento, a
partir das variáveis linguísticas abaixo:
Configuração do espaço lugar/objeto, instituição, instituição personificada, lugar/evento, espaço geográfico
Demarcação [+fechado], [-fechado] Definitude [+definido], [-definido] Destino [+direção], [-direção]
Quadro 01 – Variáveis associadas ao espaço (N locativo) (WIEDEMER, 2008)
Conforme representado no Quadro 01, o grupo de fatores [+fechado] e [-fechado]
relacionado à configuração do espaço, definido por Mollica (1998[1986]), Vallo (2003),
Ribeiro (1996), Assis (2006), assume outra nomenclatura na investigação de Wiedemer:
demarcação do espaço.
Na definição da segunda variável – grau de definitude do nome locativo –, Mollica
(1998[1986], p. 158) trabalha “com traços de natureza formal, qual seja, presença/ausência de
determinante de N, e com traços de natureza semântica, definido/não definido.” A autora
define três graus de análise a partir da relação entre esses traços, a saber:
46
a) Maior grau de definitude: “recebem dois traços positivos; têm nomes precedidos
por DET e os determinantes são artigos definidos, indicando serem os referentes
conhecidos por falante ou ouvinte, ou de conhecimento partilhado por ambos:
[+determinante]/[+definido]”;
b) Grau de definitude média: “recebem um tratamento positivo e outro negativo.
Assim, temos, de um lado, (...) nomes precedidos por DET, sendo o DET um artigo
indefinido ou um pronome indefinido: [+determinante]/[-definido]”;
“Os nomes não precedidos por DET mas cujo referente é conhecido. Esses são os
casos de nomes de cidades, países, estados, bairros ou o caso específico da palavra
“casa”, quando referindo-se à do locutor: [-determinante]/[+definido]”;
c) Menor grau de definitude: “(...) recebem dois traços negativos, quer dizer, os nomes
não são precedidos por DET; os locativos são vagos, desconhecidos do falante e/ou
ouvinte: [-determinante]/[-definido]”;
Assis (2006) estruturou essa variável de uma outra maneira, com base nos traços [+/-
específico] e [+/-definido]. O primeiro traço distinguiria os locativos de referência genérica,
com traço [-específico], cf. exemplo 68, dos locativos que têm um referente específico, cf.
exemplos 69 e 70.9 Os locativos com o traço semântico [+específico] seriam, por sua vez,
distribuídos entre aqueles já conhecidos pelo ouvinte, com traço [+definido] (cf. exemplo 69),
e aqueles introduzidos pelo falante pela primeira vez no discurso, com o traço [-definido] (cf.
exemplo 70).
(68) Às vezes acontece, né? Eu mesmo já fui no médico umas duas vez. (genérico [-
específico])
(69) Ele sempe ia na casa de Salviano... (definido [+específico, +definido])
(70) Ia numas festinha... (indefinido [+específico, -definido])
9 Exemplos extraídos do corpus do português Afro-brasileiro utilizado por Assis (2006).
47
Wiedemer (2008) também analisou o fenômeno em destaque utilizando-se
parcialmente da variável grau de definitude do N locativo (MOLLICA, 1998[1986]); reduziu,
entretanto, o número de fatores a dois: [+definido] e [-definido], assimilando apenas o critério
semântico-discursivo. Por sua vez, as investigações feitas por Vallo (2003) e Ribeiro (1996)
caminham na mesma perspectiva de análise adotada por Mollica (1998[1986]), entendendo a
variável como composta, ao conjugar os traços definidos e determinados.
No artigo A interferência das variáveis semânticas, Gryner e Omena (2004, p. 94)
enfatizam que “vários rótulos estão associados à noção de indeterminação do SN, embora
nem sempre os autores os identifiquem explicitamente com essa categoria semântica.”
Mollica (1998[1986], p. 162) evidencia “a existência de reforço e complementariedade
entre as variáveis Configuração de Espaço e Grau de Definitude, pois tanto um como outro
grupo de fatores apontam o caminho de interpretar em como variante marcada semântico-
discursiva e pragmaticamente”.
Já no controle da terceira variável – o tempo de permanência no SN locativo –, a
autora objetivou testar a validade do traço [+permanência] que a GT outorga à preposição
para. Ressalta-se que nos estudos de Mollica (1998[1986]) e Vallo (2003) não ocorreu a
presença da preposição em associada ao traço [+permanência], de modo que a oposição foi
feita somente entre as preposições a e para.
É preciso atentar para o fato de que, no controle dessa variável, o pesquisador depara-
se com a dificuldade de mensurar o grau de demora no destino, de modo que não há muita
segurança na atribuição do traço à permanência no local de destino. Wiedemer (2008, p.59)
questiona os parâmetros dessa variável, por seu caráter subjetivo, argumentando que o fato de
a coleta dos dados ser feita a partir de entrevistas já gravadas, e desta forma não se ter a
certeza da intenção do falante, dificulta determinar a ideia de permanência ou não em
determinado espaço locativo.
Observou-se, neste estudo, a existência de pistas na sentença que poderiam indicar o
grau de permanência no SN locativo, como por exemplo, a menção ao tempo, referindo-se,
nesse caso, a quantidade de anos, meses, horas de permanência no complemento locativo. No
exemplo em (78), verifica-se a menção ao tempo de demora no destino de dois meses, assim,
a ocorrência vincula-se ao traço [+permanência]:
(71) O de São Paulo vai fazê acho que dois mês que foi pa São Paulo.” (POR-inq2)
48
Por conseguinte, as expressões do tipo “todo domingo...” e “já fui um bocado de
vezes...” podem ser categorizadas como mais próximas do traço [-permanente], uma vez que
indicam iteração do deslocamento ao espaço locativo.
Ainda considerando o estatuto de demora no destino da preposição para, é válido
ressaltar que Bagno (2002, p. 143) atesta em seu estudo ocorrências com a preposição para,
cuja carga semântica aponta para o traço de [-permanência], demonstrando a complexidade
dessa variável e contrariando as recomendações da GT. Barbalho (2003) também atestou
ocorrência com essa construção, exemplificada em (72).
(72) (D) Quase todos os dias, depois do almoço, vou pro campinho e só volto para ver
a Malhação (BARBALHO, 2003, p. 60).
O resultado do trabalho de Bagno (2002) acerca dessa variável encontra-se
discriminado abaixo, através da tabela do autor:
Tabela 01 – Ocorrências do verbo ir com sentido diretivo no CLF
TIPO PREPOSIÇÃO TRAÇO SEMÂNTICO
QTD %
+ PADRÃO A [-PERMANÊNCIA] 24 57,1
PARA [+PERMANÊNCIA] 15 42,9
SUBTOTAL 39 35,4
- PADRÃO A [+PERMANÊNCIA] 4 5,6
PARA [-PERMANÊNCIA] 44 38,9
EM [-PERMANÊNCIA] 23 20,3
EM [+PERMANÊNCIA] 0 0
SUBTOTAL 71 64,5
TOTAL 110 100,0
Fonte: (BAGNO, 2002, p. 143)
Se, por um lado, a tabela acima está em desacordo com a GT, por outro ratifica os
estudos de Mollica (1998[1986]), no que tange a ausência de ocorrências com a preposição em
associada ao traço [+permanência].
Os estudos de Vallo (2003, 2004) acrescentaram a variável narratividade do discurso,
estratificada em dois fatores: [+narrativo] e [-narrativo]. Esta variável também foi adotada por
49
Wiedemer (2008), a fim de constatar a hipótese de que o falante, ao relatar sua experiência
pessoal, aplica mais a forma não-padrão em do que as formas a e para.
Wiedemer (2008) amplia o repertório das variáveis linguísticas, levando também em
consideração os fatores abaixo, além das variáveis associadas ao espaço, já citadas:
Associadas ao sujeito
Pessoa do discurso P1 (eu, nós), P2, P3 e a gente Forma do SN pronome, SN pleno,
(In)determinação [+determinado], [-determinado] Agentividade perfectivo, imperfectivo
Associadas ao verbo
Tempo-modo pres., pret. perf., pret. imperf. e outros
Aspecto/freq. semelfactivo e iterativo
Aspecto/perfectividade perfectivo, imperfectivo
Discursivas
Finalidade [+finalidade] para, [+finalidade], [-finalidade]
Narratividade [+narrativa], [-narrativa] Quadro 02 – Outras variáveis linguísticas controladas por Wiedemer, 2008.
Barbalho (2003) analisa os verbos ir e chegar de movimento fazendo uso de um
Corpus que privilegia tanto a escrita quanto a oralidade, pois se trata de enunciados coletados
de entrevista aos alunos e pesquisados por eles em programa de televisão. Também vinculada
à teoria variacionista, a autora busca observar os condicionamentos que favorecem o
julgamento dos alunos do Ensino Médio sobre a percepção das regências do verbo ir e chegar
de movimento construídas com as preposições a, em e para, e avaliá-las como “a mais
correta”, “a mais fácil de entender”, “a mais freqüente na fala dos outros” e “a mais freqüente
em sua fala”, uma vez que “a opinião dos sujeitos para a construção de um saber voltado à
realidade linguística dos falantes” é muito importante.
2.4.2 A variação na regência dos verbos de movimento no português afro-brasileiro e nos
crioulos de base lexical portuguesa
Assis (2006), com o trabalho intitulado A Regência variável dos verbos de movimento
no Português Afro-Brasileiro, destaca que a variante padrão, construída com a preposição a,
praticamente não é usada nessa variedade do português do Brasil. Esse comportamento
assemelha-se aos dados do crioulo caboverdiano, que, segundo Gomes (1997), apresenta
complementos introduzidos pelas preposições em ou para. Ainda com relação a esse estudo, a
autora apresenta um número maior de verbos de movimento com sentido diretivo,
50
evidenciando contextos específicos de determinada preposição: a preposição em é quase
categoricamente selecionada pelo o verbo de movimento chegar, com nível de frequência de
96%; a preposição para evidencia uma maior propensão de ser selecionada pelos verbos
voltar e levar, com nível de frequência de 62% e 71%, respectivamente; enquanto os verbos
de movimento ir e vir apresentam comportamento mais ou menos simétrico, e quase que
indiferente à seleção de uma preposição.
Além disso, a respeito do estudo de Assis (2006), vale dizer que foi verificado
ocorrências de ausência da preposição no encabeçamento dos complementos locativos,
certamente pela especificidade do corpus, comunidades marcadas etnicamente, seguem
abaixo exemplificadas as ocorrências em (73), (74) e (75):
(73) Hoje só tem convessa fiada. Você foi Ø um forrozinho, ora... com pôco, turma tá
discutino. HV-inq12
(74) Saiu. Com oito dia, eu retornei Ø o hospital... HV-inq04
(75) A primêra vei qu'eu fui Ø o médico, quando eu senti essa operação. HV-inq04
Sobre a perda das preposições dos complementos locativos, Annette Endruschat
(2004) revela que a renúncia desses nexos, nesse contexto locativo, nos crioulos deve-se ao
fato de que essas línguas não aceitam estruturas redundantes, uma vez que a relação semântica
pode ser deduzida pelo contexto. Seguem abaixo exemplos do apagamento da preposição em
alguns crioulos, segundo a autora.
(76) bai skol. (Papiamento)
‘go to school’ (Boretzky 1983, 197)
(77) E dos nogritanan ku tabata bai misa di marduga. (Papiamento)
‘os dois negros que iam à missa pela manhã’ (Maurer 1988, 366)
(78) Gosi no bai kasa. (Krioulo da Guiné Bissau)
‘agora vamos a/para casa’ (Do Couto 1996, 268)
51
(79) E tchiga kasa. (cabuverdiano)
‘Ele chegou em casa.’
(80) E ba barberu. (cabuverdiano)
‘Ele foi ao barbeiro.’
(81) Yo Tana sidad. (korlay)
Estou indo à cidade. (Do Couto 1996, 274)
(82) Fila Maria a ku Luzia bai matu buska lenya. (papiá kristang de Malaca)
As filhas Maria e Luzia vão ao mato para buscar lenha. (Do Couto 1996, 280)
O uso dos verbos de movimento com complementos não preposicionados também
caracateriza os crioulos portugueses do Golfo da Guiné: o santomonse, ou forro; o angolar; o
principense, ou lunguié (lit. ‘língua da ilha’). Os dois primeiros são falados da Ilha de São
Tomé; o último, na Ilha do Príncipe. Essas duas ilhas formam a República de São Tomé e
Príncipe, que tem o português como língua oficial, mas a grande maioria da sua população
tem uma dessas três línguas crioulas como língua materna. Entretanto, os adjuntos adverbiais
de lugar vêm encabeçados por uma preposição locativa, derivada da preposição portuguesa
em, nas forma ni ou na, como se pode ver nos exemplos abaixo:
(83) Ami tlaba ni losa dexi anu. (santomense)
‘eu trabalhei na roça por dez anos’
(84) Ê be ni karu. (santomense)
‘ele veio no carro’
(85) Ladran sata na jinela. (principense)
‘o ladrão pulou pela janela’
Como se pode ver, introduzindo um adjunto adverbial de lugar essa preposição
locativa ni/na tem, nas línguas crioulas, uma ampla gama funcional, recobrindo os
significados que no português são cobertos pelas preposições a, para, em, de, sobre e por. Por
outro lado, ocorre, em santomense, uma exceção com o verbo dêssê, que tem vários
52
significados e subcategoriza complementos regidos pela preposição ni, como se pode ver nos
exemplos abaixo:
(86) Inen dêsê ni kabalu.
‘eles desmontaram dos cavalos’
(87) Ola n dêsê ni son di Plinxipi, (...)
‘quando eu puser os pés no chão da Ilha do príncipe’
(88) Ê dêsê ba poson.
‘ele desceu para a cidade’
Nesse último exemplo, ocorre uma construção denominada serialização verbal, na qual
o verbo ba ‘ir’ funciona como a preposição para.
Outra variedade da língua portuguesa reestruturada pelo contato que se encontra na
Ilha de São Tomé é o português dos tongas. Os chamados tongas são descendentes de
trabalhadores forçados que foram levados do continente africano para trabalhar nas grandes
fazendas de café e cacau da Ilha de São Tomé entre o final do século XIX e início do XX. Em
sua grande maioria, eram falantes de línguas banto que tiveram de aprender o português
precariamente, reproduzindo em grande proporção os contextos históricos da crioulização.
Entretanto, as melhorias nas condições sociais dos tongas no decorrer do século XX sustaram
um potencial processo de pidginização/crioulização do português nesse grupo. De qualquer
forma, as alterações produzidas pelo contato são notáveis. Isso torna particularmente
interessante o paralelo que se pode fazer com o português afro-brasileiro.10
Entre os falantes mais idosos dos tongas, a preposição ni desempenha as funções de
em, para e de:
(89) Não, ami nuca vai ni Angola não.
‘não, eu nunca fui a Angola não’
10 As informações sobre a forma dos complementos locativos e adjuntos adverbiais de lugar nos crioulos do
Golfo da Guiné e no português dos tongas foram fornecidas pelo professor Alan Baxter, da Universidade de Macau, através do orientador desta dissertação, Dante Lucchesi.
53
(90) Quem é que té pai que saiu n’Angola moreu aqui.
‘quem tinha um pai que saiu de Angola morreu aqui’
Desse modo, uma única preposição introduz todos os complementos dos verbos de
movimento no português dos tongas. Esses paralelos entre o português afro-brasileiro e os
crioulos de base lexical portuguesa da África, e, particularmente, uma variedade parcialmente
reestruturada pelo contato entre línguas, o português dos tongas, são muito reveladores de
como o contato do português com as línguas africanas, ao longo de mais de três séculos na
história do Brasil, afetou a regência dos verbos movimento nas variedades populares do
português brasileiro, como se buscará demonstrar na conclusão deste capítulo.
2.5. CONCLUSÃO
Os estudos históricos revelam que há uma oscilação no emprego das preposições que
estabelecem a ligação entre os verbos de movimento e os seus complementos que remonta ao
período da língua latina. Esse fato poderia sugerir que a variação nesse mecanismo da
gramática seria puramente estrutural, ocorrendo independentemente dos fatores sociais
externos. Contudo, essa visão de uma história da estrutura linguística autônoma em relação
aos contextos históricos e sociais em que a língua se desenvolve não se sustenta mais no
quadro atual de desenvolvimento da pesquisa sociolinguística.
Além do mais, há um primeiro fato decisivo que aponta para uma divisão clara entre
as variedades portuguesa e brasileira da língua de Camões. No Brasil, as preposições para e
em avançaram sobremaneira sobre o espaço da preposição a, enquanto que, em Portugal,
mantém-se um amplo predomínio da preposição a. Esse é o único motivo para que a tradição
gramatical, inclusive no Brasil, defina a preposição a como a forma canônica a ser
empregada. Também é sintomático que a mais veemente condenação dos gramáticos recaia
sobre o uso a preposição em junto a verbos de movimento. O caráter ideológico desse
preconceito linguístico revela-se quando se constata que o emprego dessa preposição é muito
mais frequente entre a população de baixa renda e de baixa escolaridade.
Portanto, esses fatos levantam questões instigantes. Em primeiro lugar, por que a
preposição a entrou em franco declínio no Brasil, ao tempo em que seu uso só se tem
intensificado em Portugal? Um traço geral dos processos maciços de contato entre línguas é a
perda de partículas gramaticais de significado mais geral e abstrato e com pouca substância
fonética. Esse é exatamente o caso da preposição a. Em face das preposições para e em, que
54
estão claramente ligadas aos sentidos de finalidade e interioridade, a preposição a exibe uma
carga semântica mais difusa. Por outro lado é mais frágil em termos fonéticos, sendo
constituída apenas por um fonema vocálico átono. Por tudo isso, seria o candidato mais forte a
perecer no processo em que o português se fixou no Brasil, sendo adquirido precariamente
como segunda língua por escravos africanos e índios aculturados e tendo esse modelo
defectivo de segunda língua se convertido na língua materna de índio e afro-descendentes,
segmentos que compõem a grande maioria da população do país e cujos padrões de fala
constituem o que Lucchesi (2001, 2002 e 2006, entre outros) chamou de norma popular, em
oposição ao conceito de norma culta, que caracteriza os padrões de comportamento
linguístico da elite brasileira.
Os fatos que se afiguram até então, no que tange ao emprego de preposições junto aos
verbos de movimentos, ajustam-se perfeitamente à essa interpretação histórica. O uso da
preposição a entrou em declínio no Brasil em função do amplo contato entre línguas
verificado ao longo da história sociolinguística do Brasil. A hipótese de uma deriva secular
apontando para essa direção não se sustenta em face do fortalecimento dessa preposição em
Portugal, até em contextos que para os brasileiros seria quase agramatical de tão estranho,
como no seguinte exemplo:
(91) Não ligue aos erros de português e atente só ao conteúdo. (PE)
(92) Não ligue para os erros de português e atente só para o conteúdo. (PB)
Por outro lado, a preposição a só é usada com uma frequência significativa nas
camadas mais elevadas da população brasileira, pois o padrão de fala desses segmentos só
teria sido afetado historicamente pelo contato entre línguas de maneira indireta. A relação
empírica entre a queda da preposição a e o contato entre línguas é atestada pelo fato de seu
uso ser praticamente nulo na fala das comunidades rurais afro-brasileiras isoladas, a variedade
do português do Brasil mais afetada historicamente pelo contato entre línguas (LUCCHESI;
BAXTER; RIBEIRO, 2009).11
Avançando nessa perspectiva, o analista que não está totalmente bloqueado por uma
visão imanentista da história a língua não deixa de se deparar com fatos cada vez mais
reveladores. A manutenção em amplo uso da preposição em na norma popular brasileira está
11 Essa questão histórica é tratada no próximo capítulo desta dissertação.
55
ligada ao seu fortalecimento fonético, através da variante ni, também presente em crioulos
portugueses da África, além de variedades do português claramente afetadas pelo contato
linguístico como a fala dos tongas em São Tomé (cf. supra). Essa variante fônica apresenta
um padrão silábico CV, mais consistente em termos fonéticos, garantindo a sua conservação
em situações de contato maciço e radical. Porém, o fato mais decisivo para estabelecer um
notável paralelo histórico é a possibilidade de complementos locativos se ligarem aos verbos
de movimento sem um nexo prepositivo, que se observa, tanto nas línguas crioulas, quanto
nas variedades populares do português no Brasil, particularmente naquela variedade que foi
historicamente mais afetada pelo contato entre línguas: o português afro-brasileiro.
Na análise de dados que está no centro deste trabalho, buscaremos comprovar essas
hipóteses que relacionam diretamente o quadro atual de variação observado nas variedades
populares do português brasileiro às situações de contato entre línguas amplo e maciço que
marcam a história entre línguas no Brasil, como se buscará na análise apresentada no próximo
capítulo desta dissertação.
56
3 O PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DA BAHIA
A vasta área territorial do Brasil, sem dúvida, dificulta o mapeamento do
comportamento linguístico dos falantes em todo o espaço brasileiro. Uma descrição geral
aproximada só pode ser alcançada com a realização de estudos mais setorizados – micro-
análises – que tendem a preencher lacunas e/ou esclarecer algumas questões ainda sem
resposta no âmbito linguístico. Partindo desse entendimento, este capítulo detém-se no estudo
do português popular12 do interior da Bahia, a fim de fornecer dados para uma melhor
compreensão da realidade linguística do Brasil como um todo.
Para isso, fez-se necessária uma breve exposição do panorama histórico de formação
do português brasileiro, remontando às etnias do antigo cenário colonial, bem como
evidenciando a questão do contato entre línguas e, por fim, apresentando as hipóteses de
formação do português falado no Brasil. Em seguida, serão discutidos os processos relevantes
para análise da dinâmica do interior da Bahia: as redes sociais, a expansão do povoamento, as
transformações decorrentes da industrialização e, por consequência, a urbanização.
Por último, terão ênfase as comunidades de fala dos municípios de Santo Antônio de
Jesus e Poções, ambas localizadas no interior da Bahia.
3.1 BREVE HISTÓRICO DO PORTUGUÊS POPULAR: UMA RESULTANTE
MULTIVETORIAL
O Português Popular Brasileiro (PPB) caracteriza-se por uma resultante que recebeu a
influência de diversos vetores. Essa peculiaridade da realidade linguística está
consubstanciada, sobretudo, por uma realidade complexa que se faz presente desde o período
colonial, momento em que houve, principalmente, o convívio pluriétnico e linguístico entre
europeus, indígenas e africanos até os dias presentes, em que se observam os múltiplos
vetores interagindo na engrenagem da língua. Esses vetores, sejam eles de ordem sócio-
histórica, cultural, econômica, política ou relacionados à mobilidade populacional,
certamente, não agem isoladamente sobre a resultante PB. O que se observa é a reunião de
todos esses vetores, agindo com intensidade variada.
O vetor sócio-histórico da formação do português popular brasileiro atuou em
múltiplos cenários ao longo da história, desde o período colonial até os dias atuais. Vale dizer
12 O termo “popular” é tomado, aqui, como sinônimo de “substandard” ou “não-padrão”, em oposição às
expressões “culto”, “padrão” ou “standard”.
57
que a participação de povos com etnias, culturas e línguas bem diferentes, sobremaneira,
contribuíram na modelagem desses cenários no vasto território brasileiro.
O Brasil e os brasileiros, sua gestação como povo (...) Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos (RIBEIRO, 2006 [1995], p. 17).
A constituição do povo brasileiro assim como da sua língua resulta de uma
confluência de fatores. A língua portuguesa nasce da mistura de diversos povos e de
diferentes línguas. Esse será o contexto da formação da variedade de língua do português
popular, que possui historicamente uma formação distinta da variedade culta; contudo, com o
passar do tempo e das transformações socioeconômicas, tais distinções foram sendo
equilibradas.
Para Mattos e Silva (2008, p. 394), quatro fatores destacam-se na compreensão da
constituição linguístico-social do PB, a saber: “o multilingüismo característico do Brasil
colonial e pós-colonial, a demografia histórica, a escolarização ou a sua ausência, a
mobilidade dos africanos ou afrodescendentes e suas conseqüências na conformação do
português brasileiro”. Lucchesi (2001, p. 101) destaca ainda a influência de outras forças, a
industrialização e a urbanização, que provocaram “profundas modificações no panorama
sócio-econômico e demográfico do país”.
As questões que dizem respeito à origem do PPB têm suscitado recorrentes discussões,
de modo que será disponibilizada uma subseção (3.2) para o debate.
O caráter dinâmico do PPB perdura até os dias de hoje. Justifica-se tal afirmação com
base na ideia de que a mutabilidade é inerente a qualquer língua viva e, assim, novos
contextos sociais impõem-se periodicamente aos seus utentes.
(...) o percurso para a reconstrução do passado do português brasileiro
popular não será o mesmo utilizável para a reconstrução do passado do português brasileiro culto, que se esteia numa tradição escrita. O português
popular brasileiro fez-se e faz-se, ainda, não tanto quanto antes, é claro, na oralidade (MATTOS E SILVA, 2002, p. 455, grifos do original).
Os vetores que interagem na dinâmica das sociedades serão discutidos no decorrer do
texto e será avaliada a sua pertinência na resultante do português popular do interior da Bahia.
Ao se investigarem os múltiplos cenários linguístico e populacional do Brasil, depara-
se com um vasto território ocupado por povos de origem distinta. É consenso na literatura a
58
identificação das três principais matrizes étnicas que formaram o português popular brasileiro:
a indígena, a européia e a africana. Essas matrizes serão mais bem analisadas à medida que
for discutida a inter-relação das matrizes com os vetores abaixo.
3.1.1 A demografia histórica da população brasileira
“As demografias históricas são sempre aproximativas e não dão quadros exatos, como
pretendem os censos da atualidade” (MATTOS E SILVA, 2004, p. 125). Assim, os estudos
estatísticos da população são mais um subsídio para uma maior compreensão sobre o
movimento (chegada/dizimação/integração) populacional no decorrer dos séculos no Brasil.
Tais resultados, além disso, podem fornecer indícios históricos sobre a realidade linguística,
bem como elucidar a sua heterogeneidade dialetal. Contudo, para que as interpretações sejam
mais seguras recomenda-se conjugar esse vetor a outros que também interagem nessa relação
(multilinguismo, escolaridade, mobilidade, urbanização e industrialização). Assim, a análise
deve ser feita do conjunto como um todo, ressaltando-se que é somente através das constantes
pesquisas e agudez do pesquisador que se começa a apontar caminhos para um maior
conhecimento do PB na sua visão mais ampla.
O interesse por informações confiáveis a esse respeito é perseguido já há algum
tempo. Mattos e Silva (2004, p. 36) fez um agrupamento resumitivo de pesquisas realizadas
por Gabriel Soares de Souza, Luis dos Santos Vilhena, Joaquim Veríssimo Serrão e João José
Reis, e informa que os dois primeiros apresentaram informações impressionistas, enquanto
que os outros dois utilizaram métodos mais científico para a pesquisa. Lucchesi (2009, p. 60-
61) também mostra quadros da população brasileira a partir do censo realizado por Padre
Anchieta em 1583 e de informações apresentadas em Serafim da Silva Neto (1963 [1951]),
Azevedo (1975) e Chiavenato (l980). Mattos e Silva (2004) assinala que a análise numérica
não diz tudo, mas acende luzes, as quais podem ser de grande valia para os estudos
linguísticos, sobretudo para perseguir as pistas da formação do português do interior da Bahia.
Mussa (1991), citado por Mattos e Silva (2004, p. 35), sistematizou um quadro da
diacronia populacional do Brasil do século XVI ao XIX, o qual desencadeia uma série de
esclarecimentos sobre a formação do país, tanto do ponto de vista linguístico, étnico e social.
A demografia histórica da população brasileira encontra-se aqui representada pelo
quadro elaborado por Mussa (1991):
59
Tabela 02 – Demografia histórica do Brasil Etnias 1538-1600 1601-1700 1701-1800 1801-1850 1851-1890
Africanos 20% 30% 20% 12% 2% Negros brasileiros - 20% 21% 19% 13% Mulatos - 10% 19% 34% 42% Brancos brasileiros - 5% 10% 17% 24% Europeus 30% 25% 22% 14% 17% Índios integrados 50% 10% 8% 4% 2%
Fonte: Mussa (1991, p. 163 apud MATTOS E SILVA, 2004, p. 35).
A partir da análise do quadro demográfico supracitado podem-se fazer algumas
inferências sobre a realidade linguística. Por exemplo, a língua portuguesa não foi a primeira
a ser falada no Brasil, uma vez que predominava, no país, quando chegaram os portugueses,
uma população majoritariamente indígena. De acordo com o autor, os índios integrados
correspondiam a 50% da população no século XVI, o qual teve seu contingente reduzido
drasticamente movido pela dizimação intencional e/ou enfermidades. A etnia africana
juntamente com os afrodescendentes (negros brasileiros e mulatos) perfazem os percentuais
de 20%, 60%, 60%, 65%, 57%, respectivamente, nos séculos XVI, XVII, XVIII, primeira
metade do século XIX e a segunda metade do século XIX, de acordo com o quadro de Mussa
(1991). Esse fato demonstra a superioridade numérica categórica dessa população frente ao
contingente branco. Menciona-se, ainda, de acordo com esse autor, o aumento do contingente
de europeus no século XIX; se comparada a primeira com a segunda metade desse mesmo
século, apura-se o crescimento em 3 pontos percentuais (14%-17%), cuja procedência pode
ser atribuída à imigração – impulsionada pelas políticas de branqueamento e de povoamento
do Sul e do Sudeste.
Realmente, os índices estatísticos da demografia brasileira quando associados às
fontes históricas apontam para essa entrada populacional no fim do século XIX, a dos
imigrantes, cuja política visava: “modernizar a economia, branquear a população e garantir as
fronteiras em disputa”, consoante Lúcio Kreutz (2000, p. 352).
Vale dizer que na Tabela 02 apresentada, os dados estão mais centrados na população
nativa fixada na sociedade colonial e, justamente por serem contabilizados só os “integrados”,
não expressa toda a população. Por sua vez, a Tabela 03, a seguir, apresentada por Ribeiro
(2006[1995]), existe a referência aos índios isolados.
60
Tabela 03 – Crescimento da população integrada no empreendimento colonial e diminuição dos contingentes aborígines autônomos 1500 1600 1700 1800
“Brancos” do Brasil - 50 000 150 000 2 000 000
Escravos - 30 000 150 000 1 500 000 Índios “integrados” - 120 000 200 000 500 000 Índios isolados 5 000 000 4 000 000 2 000 000 1 000 000
TOTAIS 5 000 000 4 200 000 2 500 000 5 000 000 Fonte: Ribeiro (2006[1995], p. 137).
Os valores absolutos sobre os índios, presentes na Tabela 03, ampliam o conhecimento
acerca dessa matriz, uma vez que também é relatada a referência quantitativa dos “índios
isolados”, que não estavam incorporados ao empreendimento colonial13. Nesse quadro,
também se observa outra diferença em relação à Tabela 02, especialmente, no que tange à
dizimação da população indígena: em um, houve uma redução drástica precocemente (50%,
10%, 8%, 2%); e, no outro, uma redução mais tardia, ao mesmo tempo em que se percebe
uma inclusão dos índios isolados à colônia. Ainda com relação ao quadro abaixo, supõe-se
que os “brancos” do Brasil, terminologia utilizada por Ribeiro (2006[1995]), refletiria o
processo de miscigenação entre as matrizes.
Por fim, observando os dois quadros percebe-se que Mussa (1991) faz uma análise
mais pormenorizada da demografia do que Ribeiro (2006[1995]); contudo, ambas ainda não
são ideais. É preciso lembrar que tais dados não podem ser tomados como absolutamente
verdadeiros; existe, na verdade, uma tentativa de aproximação da realidade decorrida.
3.1.2 A mobilidade dos africanos e afrodescendentes e suas consequências na
conformação do português brasileiro
O segundo fator apontado por Mattos e Silva (2008) como influenciador na
formatação do português brasileiro refere-se à mobilidade dos africanos e afrodescendentes.
De acordo com a literatura, sabe-se que os africanos foram trazidos à força (tráfico
externo e interno) para o Brasil, a partir do século XVI, como mercadorias. Com o objetivo de
servir ao trabalho escravo, atendendo a diferentes propósitos econômicos – cultivo da cana-
de-açúcar, exploração do ouro, cultivo do café, entre outros –, foram levados para regiões
13 A ausência de dados no século XV no quadro de Mussa (1991) decorre do fato de que nesse momento não
existia sistema colonial efetivo (apenas feitorias). O processo de exploração da colônia só começou a partir da década de 30 do século XVI, com as capitanias hereditárias.
61
distintas (Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais). Viana Filho (2008
[1946], p. 33) argumenta que o tráfico fez-se “ora em direção à Guiné, ora a Angola, ora à
Costa da Mina, influenciado por causas econômicas e políticas, tanto internas como externas,
intimamente ligado ao desenvolvimento do país”.
Nesse período escravagista, foram estabelecidos ciclos de entrada da população negra.
Petter (2006, p.124) define tais ciclos por séculos e local de origem:
a) no século XVI, o ciclo da Guiné, trazendo escravos sudaneses, originários
da África situada ao norte do Equador; b) no século XVII, o ciclo do Congo e de Angola, que trouxe para o Brasil
os negros bantos; c) no século XVIII, o ciclo da costa da Mina, que trouxe novamente os
sudaneses. A partir de meados do século XVIII, esse ciclo se desdobra para dar origem a um ciclo propriamente “baiano”: o ciclo da baía do Benin;
d) no século XIX, chegam escravos de todas as regiões, com predominância de negros provenientes de Angola ou de Moçambique14.
Sobre a chegada dos negros, Luís Henrique Dias Tavares (2001, p.52) argumenta que
“não é possível estabelecer uma data precisa, mas é aceitável uma estimativa que a localize
não muito antes de 1549 e nem muito depois de 1550”. Sobre o número de negros trazidos
para o Brasil, ainda não se pode ter certeza da quantidade, faltam documentos que atestem tais
valores. Existe estimativa de números alarmantes, outros estimam a média de 3.500.000 a
3.600.000 e Boris Fausto estima 4.000.000 (1550-1855).
Mattos e Silva (2004, p.129-130), citando Kátia Mattoso (1990 [1979]), estabelece o
percurso geográfico dos escravos, seus senhores e familiares no território brasileiro.
Nos séculos XVI e XVII, se concentravam nas lavouras da cana-de-açúcar nas capitanias litorâneas de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Nos séculos XVII e XVIII, transitou grande parte para as áreas de mineração de ouro e de diamantes, nos interiores paulistas, no centro e centro-oeste do Brasil. Do século XVIII para XIX, diminuindo a mineração referida, em boa parte voltam para o litoral do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde ocorre novo impulso açucareiro. No século XIX, concentram-se no Vale do rio Paraíba do Sul, em áreas paulistas, do Rio e de Minas Gerais, locais em que se explorou o novo ouro, o café. Acompanhando seus senhores, seguem para a Amazônia, para a exploração de especiarias. Desde o século XVI, se dispersam os escravos e também os indígenas pelas imensas regiões pastoris interioranas, deslocando-se, a partir do século XVII, aos interiores
14 Esta quarta e última fase (1831-1856) é denominada por Luis Viana Filho (2008[1946]) como a fase da
ilegalidade, em que se continuou a venda de escravos africanos originados da costa ocidental da África.
62
nordestinos. Já no século XIX, deslocam-se segmentos da população para as charqueadas do Sul do Brasil.
Descobrir o itinerário dessas populações mais profundamente pode ser bastante
revelador, uma vez que nesses movimentos de avanço e recuo do espaço brasileiro foi-se
criando uma estrutura administrativa mínima para ocupação do interior do Brasil. Assim, nas
palavras de Mattoso, “desde o século XVI, se dispersam os escravos e também os indígenas
pelas imensas regiões pastoris interioranas, deslocando-se, a partir do século XVII, aos
interiores nordestinos.”
Desta forma, nota-se que a população escrava não ficou restrita aos grandes centros
econômicos. De acordo com a Tabela 04 abaixo, verifica-se a mobilidade dessa população por
todo o território nacional. Uma vez que as comunidades interagiam entre si, adquiriam
características diversas, que foram integradas à língua portuguesa, formatando a variedade
popular do português.
Tabela 04 – População escrava brasileira comparada à população global por região – 1819 e 1872
Fonte: Skidmore (1976, p. 57 apud MATTOSO, 1991[1979], p. 65).
Alguns autores salientam a estratégia de mistura étnicas dos escravos. A esse respeito
Mattoso (1991[1979], p. 22) observa que essa política colonial visava “impedir a
concentração de negros de uma mesma origem numa só capitania”. Entretanto, Rodrigues
(2006, p. 152) declara que “isso pode ter ocorrido pontualmente, mas não de maneira
sistemática a ponto de inibir o estabelecimento de línguas francas africanas ou a simples
sobrevivência por várias gerações de determinadas línguas”.
Os dados demográficos adicionados ao trânsito da população escrava configuraram a
atual face dicotômica do português brasileiro. No entendimento de Mattos e Silva os negros e
Regiões População total População escrava Porcentagem da população escrava
1819 1872 1819 1872 1819 1872 Norte 143 251 332 847 39 040 28 437 27,3 8,5 Nordeste 1 112 703 3 082 701 367 520 289 962 33,0 9,4 Leste 1 807 638 4 735 427 508 351 925 141 28,1 19,5 Sul 433 976 1 558 691 125 283 249 947 28,9 16,0 Centro-oeste 100 564 220 812 40 980 17 319 40,7 7,8 TOTAL 3 598 132 9 930 478 1 081 174 1 510 806 30,0 15,0
63
afrodescendentes, caracterizados por essa constante movimentação, foram os principais
difusores e formatadores do português popular brasileiro.
3.1.3 O multilinguismo
O multilinguismo caracteriza-se fortemente pelo intenso contato linguístico, uma vez
que no período colonial eram mais de 1.000 línguas indígenas (atualmente reduzidas a mais
ou menos 180) entrecruzando-se, inicialmente, com o português europeu, e depois com as
línguas de origem africana. Assentam-se aí as bases do que se constitui o português popular
do Brasil. De acordo com os dados estatísticos supracitados, a população nativa era
hegemônica durante o século XVI, com 50% dos índios integrados. Nesse sentido, em 1536, o
influxo de falantes do português europeu, advindo para a colonização do território, manteve
frequente os contatos linguísticos com os falantes indígenas, originando duas novas línguas de
contato, que prevaleceram como instrumento de comunicação durante muito tempo, as
línguas gerais.
Segundo Mattos e Silva (2001, p. 286), as línguas gerais objetivavam servir como
“instrumento de intercomunicação necessário ao empreendimento colonizador, mas,
sobretudo, catequético, principalmente o dos padres da Companhia de Jesus”. Lôbo, Machado
Filho; Mattos e Silva (2006, p. 614) assinalam que, de acordo com Rodrigues (1996, p. 06), a
expressão língua geral é uma forma lexicalizada, um termo técnico, a ser empregado
exclusivamente para línguas que se formaram em “condições especiais de contato entre
europeus e indígenas.”
De acordo com Mattos e Silva (2004, p. 79), fundamentada em John Manuel Monteiro
(1995), pode-se até conjecturar que o que na documentação colonial se designa por “usar a
língua geral”, “falar a língua geral”, “saber a língua geral” refira-se a um português
simplificado, com interferências de língua indígenas e também de línguas africanas. Esse
português simplificado é designado pela autora de português geral brasileiro, “antecedente
histórico do chamado português popular brasileiro” (MATTOS E SILVA, 2004, p. 82).
De acordo com Lucchesi (2009, p. 43), o termo língua geral recobre uma diversidade
de situações linguísticas:
(i) a koiné empregada na comunicação entre as tribos de línguas do tronco tupi da costa brasileira;
(ii) a sua versão como língua franca usada no intercurso dos colonizadores portugueses e indígenas;
64
(iii) a versão nativizada predominante nos núcleos populacionais mestiços que se estabeleceram no período inicial da colonização; e
(iv) a versão “gramaticalizada” pelos jesuítas sob o modelo do português e utilizada largamente na catequese, até de tribos de língua não tupi – chamados de tapuias, que significa ‘bárbaro’, em tupi;
(v) língua franca de base tupi utilizada como língua segunda por tribos de língua não tupi (podendo também nesses casos ocorrer a sua nativização).
De acordo com Rodrigues (1993, 2006), no ínterim desse multilinguismo, houve o
desenvolvimento de duas línguas gerais de origem indígena: a língua geral paulista (LGP) e a
língua geral Amazônica (LGA). O surgimento dessas línguas não se deu ao mesmo tempo: em
1532 no litoral paulista, em 1615 no Maranhão, em 1616 no Pará, impulsionadas pelo
adentramento do interior do país pelos bandeirantes15.
A língua geral paulista, de base tupi, foi falada predominantemente no litoral paulista
por cerca de 250 anos, mais especificamente na Capitania de São Vicente, e depois levada
pelos bandeirantes para Minas Gerais, Mato Grosso e outras províncias. A língua geral
Amazônica, de base tupinambá, falada inicialmente no Rio de Janeiro, difundiu-se para
Belém, Costa do Maranhão e do Pará, estendendo-se até a desembocadura do rio Amazonas,
onde ficou por mais de 300 anos. Atualmente, a LGA continua viva através da variedade
Nheengatu, falada no médio Rio Negro. O mesmo não ocorreu com a LGP que, segundo
Aryon Rodrigues (2006), muito cedo, grande parte de seus falantes foram dizimados. Lôbo,
Machado Filho e Mattos e Silva (2006) registram indícios de língua geral de base Kiriri,
apesar da refutação de Rodrigues (1994[1985]) frente a outras possibilidades de língua geral
fora do eixo determinado por ele.
A partir do século XVIII, mais precisamente em 1757, as reformas pombalinas
decretaram a erradicação das línguas gerais e expulsaram os jesuítas do território brasileiro, o
que teria, em certa medida, favorecido a expansão da língua portuguesa no Brasil.
Hoje a língua portuguesa é hegemônica no Brasil, embora não seja a única. O Brasil atual pode ser qualificado como multilíngüe, no qual se fala cerca de 200 línguas, das quais umas 180 línguas indígenas e as demais são idiomas de origem européia e asiática (RODRIGUES, 2006, p.153).
Lucchesi (2006a) não considera o decreto pombalino um fator determinante para o
retrocesso da língua geral no século XVIII e, consequente, avanço da língua portuguesa no
território. O autor assinala que a vinda de um grande contingente de portugueses para explorar
15 Para Luiza Volpato (1986, p. 97), as Bandeiras “eram expedições que embrenhavam-se pelo sertão distante em
busca de índios para escravizar, mas alertas para qualquer indício de existência de outro”.
65
as minas recém-descobertas teria favorecido a situação da língua portuguesa em terras
brasileiras, “aumentando o acesso dos escravos aos modelos da língua-alvo do segmento
dominante e penetrando nas regiões do interior de São Paulo, Minas e Goiás, onde antes
predominava a língua geral” (LUCCHESI; BAXTER, 2006, p. 176).
Enfim, verifica-se que os dados da história da população brasileira têm uma relação
intrínseca com a história da língua portuguesa. Durante o século XVI, 70% da população não
eram falantes nativos do português; já na segunda metade do século XIX, a situação era outra,
decresce consideravelmente para o percentual de 4%. Esses números demonstram que a
língua portuguesa percorreu um longo caminho até se firmar como variedade hegemônica.
Rodrigues (2006, p. 151) alude também à existência de uma língua geral africana
desenvolvida no Brasil, historiada através da obra de Antonio da Costa Peixoto – Obra nova
da língua geral de mina –, segundo o autor, tratava-se “de um manual de conversação para
facultar aos senhores de escravos e seus prepostos aprender a língua que era, naquela região
de mineração de ouro, uma ‘língua geral’, provavelmente uma língua franca entre os escravos,
ainda que de diferentes origens lingüísticas”. Não obstante, outros trabalhos também foram
significativos, a exemplo da coleta feita por Nina Rodrigues, em Salvador, final do século
XIX, organizada na obra intitulada Os africanos no Brasil.
Dentre os grupos sociais presentes na “babel” linguística, incluem-se os imigrantes,
que vieram para o Brasil oriundos de diversos países: Itália, Japão, Alemanha, Espanha,
Portugal, etc. Grande parte desses imigrantes tinha alguma formação instrucional, mas
estavam economicamente arruinados em consequência das guerras, ocupando inicialmente
posição inferior no estrato social, consequentemente relacionando-se com os pares dessa
mesma camada social: ex-escravos e capatazes. Por conseguinte, pela necessidade da mão-de-
obra especializada desse contingente populacional, foi inevitável a interação com a camada
média da sociedade, prioritariamente brancos e seus descendentes. Assim nas palavras de
Lucchesi (2009, p.55) os imigrantes “ascenderam na estrutura social, interagindo verbalmente
também com pessoas da norma culta, transmitindo o PPB e absorvendo o PCB”.
Lucchesi (2009, p. 69) se refere, ainda, à integração social dos escravos ou dos ex-
escravos e à miscigenação como fatores que influenciaram o falar das populações, observando
que a tendência de mudança do português se dá em duas direções: de um lado, ocorre a
assimilação dos modelos da norma culta pelas camadas mais baixas, de outro, inserem-se, na
fala das camadas médias e altas, estruturas criadas por mudanças ocorridas nos extratos mais
baixos.
66
Depois da análise de cada etnia com a história demográfica do país bem como sua
relação com o multilinguismo, Mattos e Silva (2008, p. 395) sublinha que “tanto para os
indígenas como para os africanos e para os imigrantes, o modelo da língua alvo era defectivo,
precário para a aquisição da língua dominante politicamente, a portuguesa”. Com efeito, esses
vetores forneceram subsídios para a atual formatação do português popular do interior da
Bahia. Desta forma, outro importante vetor instala-se no debate: a escolarização. Na
interpretação de Mattos e Silva (2008, p. 395), a escolarização conjugada com a demografia
pode colaborar na interpretação da polarização socioletal que caracteriza o português
brasileiro hoje.
3.1.4 A escolarização no Brasil
O primeiro “agente escolarizador” responsável pela instrução do saber das línguas
gerais indígenas, indubitavelmente, foram os jesuítas, representantes da Companhia de Jesus.
A obra de maior relevância jesuítica descritivista foi a do Padre José de Anchieta – intitulada
a Arte de grammatica da lingoa mais usada na costa do Brasil, em 1595; entretanto, tal
estabilidade linguística findou com o cumprimento do diretório pombalino, que versava sobre
a proibição de estudar ou falar qualquer língua indígena, justapostas às mudanças de ordem
sócio-históricas.
Para a grande massa de negros e afrodescendentes escravizados não foi subsidiado
nenhum sistema e/ou estabelecimento de ensino, nem professores para uma aprendizagem
regular16. Segundo Ribeiro (2006[1995]), o negro aprendia “a falar o português que ouvia aos
berros dos capatazes”. Lucchesi (1997-2009) há mais de uma década, exaustivamente, detém-
se nos estudos que ratificam a aprendizagem defectiva originada do intenso contato
linguístico entre negros e afrodescendentes, índios e europeus. Nesse sentido, o autor afirma
que
16 Até porque essa estrutura escolar só foi implantada formalmente no Brasil a partir do século XX. A educação
do Império foi criada para atender à nova exigência: a vinda da família real que chegava ao Brasil. O país precisava ter estruturas para atender a realeza refugiada, desta forma, criaram-se jornais, imprensa, bibliotecas, etc. A partir daí originou-se a dicotomia da educação elitizada (professor tutor) vs. Educação elementar (letras e cálculos). A primeira república basicamente herdou a educação do Império, não valorizando a educação primária. Na República de Vargas houve o primeiro movimento em favor da educação, criou-se o MEC, e surge o movimento da Escola Nova – Anísio Teixeira – com o lema “A educação não é um privilégio, é um direito”. Portanto, é a partir da década de 30 do século XX, que começam a existir políticas públicas de educação de massa e popular, as quais de certa forma passam a entender a educação como um dever de Estado e um direito da população, mas é claro que não foi aplicado uniformemente.
67
O português aprendido de oitiva, em situações extremamente precárias, e que era a língua de intercurso entre escravos e capatazes e senhores, entre escravos de etnias diversas, constituiu o principal modelo para a nativização do português entre os descendentes desses escravos, sejam os provenientes de cruzamento de escravos de diferentes etnias, sejam oriundos do cruzamento do colonizador branco com as mulheres escravas (LUCCHESI, 2001, p. 101).
O influxo migratório de asiáticos e europeus ocorrido maciçamente no século XIX
refletiu no vetor escolarização, uma vez que esse agrupamento de estrangeiros também
adquiriu, inicialmente, “o português na oralidade e sem controle normativo da escola”
(MATTOS E SILVA, 2004, p. 129).
Ainda a respeito da escolarização, sabe-se que historicamente o país exibe essa marca
negativa em relação à aprendizagem da língua portuguesa, esta tão precariamente oferecida no
ensino formal nos dias de hoje, apesar do aumento dos índices estatísticos de alfabetização.
Durante os três primeiros séculos da formação histórica do país, adverte Houaiss (1985), o
contingente de letrados no Brasil variava entre 0,5 % e 1% da população. Na década de 90 do
século passado, Mattos e Silva (2004, p. 40), fundamentada em Relatório do Ministério da
Educação, observa que o “sistema educacional cresceu, mas não educa”. É política pública de
governo reduzir a níveis aceitáveis o analfabetismo, contudo observa-se que na prática tal
meta não vem sendo atingida a contento, apesar dos esforços pontuais dos órgãos de Estado17.
A zona rural do município de Poções, por exemplo, possui uma única escola de Ensino
Fundamental I (antigo primário), obrigando aqueles que queiram seguir na sua escolarização a
saírem de sua comunidade, fato que em grande parte não ocorre e reforça o abandono e/ou
atraso escolar.
Boris Fausto (1994, p. 237 apud MATTOS E SILVA, 2004, p.72) declara existir um
distanciamento muito grande entre a “elite letrada da grande massa de analfabetos e gente
com educação rudimentar”. Mattos e Silva (2004a) reconhece que a realidade social e
econômica da maioria da população distinguia-se da pequena elite, e, no que se refere à
escolarização, a autora enfatiza que “hoje uma grande massa de indivíduos chega à escola,
embora só atinja o seu ápice uma minoria” (MATTOS E SILVA, 2004a, p. 74). Seguramente,
essa “minoria” corresponda à pequena elite, reforçando ainda mais o “abismo” entre os dois
pólos: “massa” vs. “elite”. A origem desse “abismo”, segundo a autora, centra-se na
bifurcação das normas linguísticas, caracterizado por Lucchesi (2001) como polarização
sociolinguística. Nessa perspectiva, aponta-se para a convivência de duas normas: em um
17 O programa Todos pela Alfabetização – TOPA – é um exemplo de iniciativa do governo para reduzir o analfabetismo.
68
extremo, a norma vernácula ou Português popular brasileiro (PPB), e no outro, a norma culta
ou Português culto brasileiro (PCB). A respeito dessa convivência Lucchesi (2001, p. 109)
salienta que:
enquanto no português popular, verifica-se uma tendência de mudança para “cima”, não em direção aos padrões normativos, mas em direção ao padrão urbano culto (ou semiculto); no português culto, assiste-se a uma tendência de mudança de afastamento do padrão normativo de matiz europeu, uma mudança que se pode definir como “para baixo”. Se é clara a influência “de cima para baixo” sobre as camadas populares, pode-se postular também uma influência “de baixo para cima” sobre as camadas médias e altas.
Essa confluência entre as normas culta e popular, em certa medida, resultou mudanças
na educação formal pública, que alterou o padrão do sistema educacional, desqualificando-o.
3.1.5 Urbanização e industrialização
Acerca dos vetores urbanização e industrialização, sabe-se que ambos interferiram e
ainda interferem na formatação da realidade linguística do Brasil, a qual, como já
mencionado, realiza-se a partir de um contínuo de normas linguísticas. A maneira como a
urbanização processou-se no Brasil, desordenada, estimulada pelas novas condições
econômicas, causou profundas mudanças do ponto de vista linguístico.
O efetivo povoamento do Brasil só ocorre mais de trinta anos da descoberta e posse
formal do país. Como informa Leão (1989, p. 34), é nesse período que “surgem as primeiras
condições ao desenvolvimento de uma política efetiva de povoamento, centralizada em
núcleos urbanos – vilas e cidades.”
A autora discorre sobre o processo de ocupação do espaço geográfico do Brasil,
ocorrido por volta do XVI, ressaltando a experiência dos portugueses nas expedições de
fundação e organização de povoamento, este que se iniciou a partir das áreas litorâneas
(costa), prosseguindo a posterior para o interior do país. As áreas litorâneas eram estratégicas
para a produção econômica da época: a expansão açucareira. Por outro lado, essa costa estava
muito vulnerável às incursões estrangeiras devido à baixa densidade demográfica.
O processo de urbanização ocorreu muito lentamente. De acordo com a leitura da
Tabela 05 abaixo, observa-se que a percentagem de população urbana até quatro séculos
depois do descobrimento ainda continuava em torno de 6,8%, fato que implica altas taxas da
densidade populacional rural. Essa realidade altera-se somente a partir das décadas de 40 e 50,
solidificando-se a partir da década de 80, quando assume valores percentuais de 67%.
69
Tabela 05 – Percentagem da população urbana – 1900 a 1980
Ano População total População urbana
(percentagem) 1900.......................................................... 1920.......................................................... 1940.......................................................... 1950.......................................................... 1980..........................................................
14 333 915
- -
51 944 397 120 000 000
6,8
10,7 31,29 36,16
67 Fonte: Bortoni-Ricardo (1989 apud LOBO, 2003)
Consoante Lôbo (2003), constata-se que a elevação dos índices de urbanização foi
decorrente do processo migratório campo-cidade (muito frequente nesses estágios, tendo em
vista os surtos de industrialização/ modernização do país), e não necessariamente em virtude
do aumento da população nesse novo espaço urbano. Para a autora, ao se relacionar o impacto
da urbanização do Brasil na formação do português brasileiro, identifica-se “uma
‘reorganização’ do quadro da variação lingüística brasileira, que passa de marcadamente
diatópica a marcadamente diastrática”p. 406.
No Brasil predominantemente rural, antes da década de 40 do século XX, destacavam-
se os aspectos linguísticos pela “oposição de dialetos rurais entre si”, os quais estavam
distribuídos em regiões espacejadas do país. Diferentemente, no país caracterizado pela
urbanidade, após a década de 80, as diferenças dialetais que só eram mais perceptíveis por
regiões, passaram a manifestar-se também nos níveis sócio-econômico e cultural distintos.
No final do século XX, o Brasil transforma sua paisagem, altera o status de país
praticamente rural para um país urbano, originando também grandes problemas nesse
processo: incremento dos diferenciais cidade e campo, resultando em um intenso êxodo rural;
grande dependência do dinamismo do processo de industrialização a nível nacional;
desequilíbrios metrópole versus demais cidades do sistema urbano no setor industrial e no
setor de serviços; intenso processo de favelização.
A cidade de Salvador expandiu-se territorialmente e populacionalmente por ter sido o
primeiro centro administrativo da colônia, absorvendo a administração política e econômica
da época – principalmente a produção açucareira –, sem falar na sua excelente posição
geográfica, a litorânea. O Rio de Janeiro também desenvolveu sua área urbana fortemente
impulsionada pelo desenvolvimento das áreas portuárias para escoar a produção econômica e
maximizou-se pela chegada da família Real no início do século XIX. Em Minas Gerais, a área
urbana floresceu pela exploração das minas de ouro e diamantes em Vila Rica, porém
70
ressalta-se que não atingiu o apogeu dos centros anteriores. De forma geral, o
desenvolvimento econômico propiciou um grande fluxo migratório, com posterior aumento
populacional e densidade demográfica dessas áreas, imprimindo novos hábitos citadinos. A
cidade de São Paulo pós imigração, pós abertura de ferrovias e estradas, pós ciclo do café,
tornou-se o centro atrativo da modernidade, impulsionando novamente um grande fluxo
migratório. Entretanto, diferentemente do que aconteceu em outros centros urbanos, em que
não houve um planejamento para a expansão do povoamento, nesta cidade já se notava uma
estrutura mínima para acolher tal contingente de pessoas, ainda que não fosse a desejada.
Bortoni-Ricardo (2005, p.91) argumenta que
Nossa urbanização é desordenada porque, ao contrário do que aconteceu no Primeiro mundo, no Brasil e em outros países periféricos, a urbanização não foi precedida pela industrialização, como os países onde a revolução industrial teve início no século XVIII.
Para Ribeiro (2006[1995], p.21), o papel desempenhado pela industrialização e
urbanização e formas de comunicação de massa no Brasil contemporâneo contribuem para a
padronização cultural.
A urbanização, apesar de criar muitos modos citadinos de ser, contribuiu para ainda mais uniformizar os brasileiros no plano cultural, sem, contudo, borrar suas diferenças. A industrialização, enquanto gênero de vida que cria suas próprias paisagens humanas, plasmou ilhas fabris em suas regiões. As novas formas de comunicação de massa estão funcionando ativamente como difusoras e uniformizadoras de novas formas e estilos culturais.
Quanto à relação metrópole versus interior, representada, neste trabalho, pelas cidades
de Salvador (metrópole), Santo Antonio de Jesus (interior) e Poções (interior), verifica-se que
a metrópole impõe às outras regiões padrões sociais, linguísticos, etc., posicionando como
centro irradiador de mudanças.
O interior (SAJ e Poções) também se urbanizou, mas percebe-se que há uma
hierarquia de desenvolvimento desses interiores (ordem de desenvolvimento SSA-SAJ-
Poções). Para definir um espaço como rural ou urbano, Bortoni-Ricardo (2005),
fundamentada em José Eli da Veiga, julga mais apropriado os métodos da OCDE
(Organização e Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para a classificação de um
espaço urbano. Dessa forma, um núcleo urbano para ser classificado como tal reuniria
71
característica mínima de densidade demográfica 150 habitantes/km2 e uma população mínima
de 50 mil habitantes.
3.2 HIPÓTESES FORMADORAS DO PORTUGUÊS POPULAR
Partindo do pressuposto de que o Português Brasileiro (PB) como um todo apresenta
uma realidade linguística heterogênea, por abrigar várias comunidades de fala; bipolarizada,
apresentando dois binômios: português culto brasileiro (PCB) e português popular brasileiro
(PPB) e plural, com normas linguísticas diferentes, tantas quantas o número das comunidades
de fala, reconhece-se que o processo de formação histórico-social das variedades de línguas
do PB foi distinto no decorrer do tempo e do espaço (houve vários cenários).
Nessa investigação, o foco será a discussão das hipóteses de formação do português
popular brasileiro (PPB), centrado especialmente na realidade do interior da Bahia. De acordo
com a literatura, há, atualmente, duas hipóteses: da deriva secular e da transmissão linguística
irregular. Pela primeira hipótese, “a língua se move ao longo do tempo num curso que lhe é
próprio” (SAPIR, 1949/1921 apud NARO; SCHERRE, 2007, p.26), desse modo as mudanças
já estariam prefiguradas no sistema linguístico do português, e a tendência à simplificação,
observada no PB, já existiria desde o indo-europeu. Pela segunda hipótese, há um “continuum
de níveis diferenciados de socialização/nativização de uma L2 adquirida de forma mais ou
menos imperfeita, em contextos sócio-históricos específicos” (LUCCHESI, 2009, p. 109),
tendo como pólos extremos um crioulo radical e variedades de línguas. É por esta hipótese
que se pretende explicar o fato linguístico em análise nesta dissertação.
O interesse pela influência do contato entre línguas na formatação do português
popular sempre instigou pesquisadores, a exemplo de Adolfo Coelho (1880), Renato
Mendonça (1933), Jacques Raimundo (1933), Mello (1971[1946]), Serafim da Silva Neto
(1963), Câmara Jr. (1975), Silvio Elia (1979), os quais tiveram seus trabalhos relacionados às
interferências das línguas africanas na formação do PB, ainda que alguns acreditem que os
africanos e seus descendentes apenas aceleraram as mudanças que caracterizam o PB.
Ainda no século XX, estudos fundamentados em evidências empíricas de cunho
sociolinguístico permitiram confirmar e/ou refutar hipóteses sobre a constituição do português
popular brasileiro. Inicialmente, na década de oitenta, a atenção voltou-se para os estudos
crioulistas, tendo como principal expoente Gregory Guy; na década subsequente, Antony
Naro e seguidores entendem que a deriva secular seria a explicação para a feição diferenciada
do português popular do Brasil. Também na década de noventa, Dante Lucchesi argumenta
72
que as variações presentes do PPB seriam resultados do contato entre línguas, através do
processo conceituado pelo autor como transmissão linguística irregular.
Guy (2005, p. 15), a partir de observações dos contextos de escravidão dos países
como Haiti, Jamaica, entre outros, estabelece, por analogia, que o Brasil possui características
claras de um processo anterior de crioulização. A explicação deve-se tanto à “história social e
econômica nos períodos colonial e imperial no País”, quanto à existência, no português
popular, “de vários traços e tendências que o separam de outras variedades de língua”.
É exatamente por essa confluência de fatos históricos e linguísticos que o autor afirma:
Foi justamente no uso da língua portuguesa no Brasil em situações de muito contato lingüístico, provavelmente com uma diversidade imensa de variantes, que surgiu essa questão da crioulização no PPB. (GUY, 2005, p.16). [...] A evidência sócio-histórica indica a entrada e saída de falantes de crioulos e as condições suficientes para crioulização, e a evidência interna do PPB indica vários traços mais de acordo com a história de crioulização do que com qualquer outra explicação. (GUY, 2005, p.33)
Atualmente, as marcas crioulizantes deixadas no PPB não são tão perceptíveis, isso
pode ser atribuído, segundo o autor, há duas possibilidades: a descrioulização e a
reconsideração da transição abrupta e o acesso limitado à língua-alvo que não ocorreu de
forma extrema. Por essa ideia da descrioulização, através dos séculos de contato com um
número razoavelmente alto de falantes nativos de português, o dialeto popular foi adquirindo
características da língua alvo e se descrioulizando. Contudo, essa hipótese, nos moldes
definidos por Guy, foi rechaçada por Tarallo (1996, p.50), para quem “os dois dialetos [PB e
PE] encontram-se, na verdade, a tal distância sintática que seria muito incomum se seus
caminhos tornassem a se cruzar”. O autor refuta a possibilidade de reversão, a partir da
análise de dois fatos sintáticos, a relativização e a pronominalização.
De acordo com a literatura, sabe-se que existem condições específicas para o
surgimento de uma língua crioula. As situações históricas de plantation e das comunidades
quilombolas são exemplos categóricos propícios para o surgimento de uma nova entidade
linguística. Em ambos os casos, configura-se a relação social de submissão do colonizador
em relação ao colonizado e a interlocução entre eles estabelece-se de forma singular,
especialmente através de locuções imperativas e referenciais, para o cumprimento das tarefas
ordenadas. Ressalta-se que o exemplo clássico de crioulo radical de base portuguesa pode ser
73
atestado em países da África, Ásia e Oceania que sofreram situações de contato abruptas e
radicais.
No Brasil, Lucchesi (2009) detém-se, exaustivamente, na análise da história do contato
entre línguas, designando o conceito de transmissão linguística irregular, processo que pode
resultar historicamente em duas situações linguísticas: (i) uma nova língua; (ii) uma variedade
da língua alvo. No primeiro caso, a nova entidade linguística tem como característica um
sistema gramatical distinto daquele que lhe forneceu o vocabulário, formalizada pela
crioulística como línguas pidgins – socialização do código emergencial, minimamente
estruturado – e línguas crioulas – decorrente da nativização do jargão18 ou do pidgin. No caso
de formação de variedades da língua alvo, o sistema gramatical é simplesmente reestruturado,
não tão profundamente como no caso das línguas crioulas, mas sim baseado em uma menor
erosão gramatical.
O processo de transmissão linguística irregular admite níveis variáveis de
reestruturação e/ou erosão gramatical, como pode ser observado no esquema formulado por
Baxter e Lucchesi (1997):
Transmissão Irregular Regular
Modelo p/ nativização
Jargão
Pidgin
L2 afastada da
LA
L2 próxima da
LA
Resultado da nativização
Crioulo Radical
Crioulo
Semi-crioulo Variedade da língua alvo
Exemplo Crioulos de São
Tomé e Príncipe
Crioulos de Cabo Verde e
da Guiné-Bissau
Português dos Tongas em São
Tomé
Variedades rurais do português
Quadro 03 - Transmissão / nativização com base em diversos modelos de L2 Fonte: Adaptado de Baxter e Lucchesi (1997, p. 74).
Analisando o Quadro 03, verifica-se que o processo de transmissão linguística pode se
dar de forma irregular ou regular. Entende-se por transmissão regular a aquisição normal de
18 Código linguístico imediato desenvolvido em uma situação inicial de contato de falantes de línguas
mutuamente ininteligíveis, em que há perda de elementos gramaticais no processo da aquisição defectiva da língua alvo pelos falantes adultos das outras línguas.
74
uma língua materna. As crianças adquirem, através dos dispositivos inatos da faculdade da
linguagem, os itens gramaticais atribuídos pela sintaxe de uma língua. Já a transmissão
linguística irregular está baseada em dados linguísticos de falantes adultos, que aprenderam
uma segunda língua de maneira defectiva e que transmitem à sua prole esse modelo de língua
segunda. O que se observa no esquema é um contínuo estabelecido por níveis de erosão
gramatical, que pode variar de acordo com o modelo utilizado na nativização.
Tendo como modelo um jargão, o produto final será uma língua autônoma –
denominada crioulo radical – com estrutura gramatical com maiores lacunas a serem
preenchidas pela criança. A depender da situação19 pode-se obter um crioulo, menos radical,
a partir de um pidgin. Sabe-se que, quanto maior reestruturação e reorganização gramatical a
criança fizer no processo de nativização, maior será a distancia da língua alvo. Assim, o
crioulo de São Tomé e Príncipe é exemplo de um crioulo radical; e o de Cabo Verde e da
Guiné-Bissau são estruturas menos radicais.
O surgimento de um semi-crioulo20 requer um modelo de língua que tenha passado por
estruturações parciais, que a distanciam da língua alvo (mas não é um pidgin nem um jargão),
a exemplo do português dos Tongas em São Tomé.
Lucchesi (2008, p. 371) estabelece três condições determinantes para o surgimento de
“uma nova entidade lingüística com uma gramática qualitativamente distinta da gramática da
língua alvo” denominada crioulo:
i) a retirada de populações de seu contexto cultural e lingüístico de origem,
como ocorreu com o tráfico negreiro;
19 Segundo Lucchesi (2009, p.102), a variação da estrutura gramatical de uma língua crioula pode variar no
contínuo entre o pólo mais radical ou mais radical devido:
(i) ao difícil acesso dos falantes das outras língua aos modelos da língua alvo, sobretudo nas situações em que os falantes dessa língua alvo são numericamente muito inferiores aos falantes das outras línguas;
(ii) ao fato de os falantes dessas outras línguas serem, em sua grande maioria, adultos, não havendo, pois, o acesso aos dispositivos da faculdade da linguagem, que atuam naturalmente no processo de aquisição da língua materna;
(iii) à ausência de uma ação normatizadora, ou seja, de uma norma ideal que oriente e restrinja o processo de aquisição/nativização, já que esse processo tem como objetivo fundamentalmente a comunicação emergencial com os falantes da língua alvo.
20 Holm (1992) define um semi-crioulo como uma língua que passou por “reestruturação parcial, gerando
variantes que não foram completamente pidginizadas e que preservam uma parte considerável da estrutura do superstrato (por exemplo algumas flexões) enquanto apresentam, igualmente, um grau notável de reestruturação” ou “influências crioulas, observadas nas variantes que originariamente não eram crioulos, mas que, através do contato com os crioulos, adotaram um número significativo de itens lexicais e traços estruturais crioulos”.
75
ii) a concentração de um grande contingente linguisticamente heterogêneo sob o domínio de um grupo dominante numericamente muito inferior (a referência nas situações típicas de crioulização seria a proporção de pelo menos dez indivíduos dos grupos dominados para cada indivíduo do grupo dominante);
iii) a segregação da comunidade que se forma na situação de contato.
A polêmica sobre a estabilização ou não de uma língua crioula no Brasil ainda enseja
discussões nos dias atuais. A comunidade de fala de Helvécia, na Bahia, por exemplo,
apresenta uma série de estruturas típicas crioulizantes e uma história favorável ao
desenvolvimento de um crioulo temporário. Contudo, não se pode generalizar essa situação
para todo Brasil, segundo Mattos e Silva (2002, p.458) “pode ser postulada para locais
específicos [...] como é o caso de comunidades afro-brasileiras isoladas”. Lucchesi (2009, p.
70) esclarece quais foram os pontos que evitaram tal processo, a saber:
i) a proporção entre a população de origem africana e branca, que permitia um nível de acesso maior à língua alvo do que o observado nas situações típicas de crioulização;
ii) a ausência de vida social e familiar entre as populações de escravos, provocada pelas condições sub-humanas de sua exploração, pela alta taxa de mortalidade e pelos sucessivos deslocamentos;
iii) o uso de língua francas africanas como instrumento de interação dos escravos segregados e foragidos;
iv) o incentivo à proficiência em português; v) a maior integração social dos escravos urbanos, domésticos e das zonas
mineradoras; vi) a miscigenação racial.
Segundo Lucchesi (1999, p.75), esses mesmos fatores atuaram como difusores das
mudanças ocorridas com o processo de transmissão linguística irregular.
De acordo com a fundamentação teórica da sócio-história apresentada, neste capítulo,
questiona-se a hipótese defendida por Anthony Naro e Martha Scherre (2007) para a formação
estrutural do português popular brasileiro, uma vez que na base da explicação dessa hipótese
estaria a confluência de motivos advinda de forças de diversas origens. Entretanto, os
resultados de pesquisas estão concentrados, até então, na variação concordância verbal e
nominal. Para atestar a validade dessa proposta e, então, considerá-la como responsável pela
formatação do PPB, é necessário ampliar o repertório das análises empíricas.
Dessa forma, a proposta que parece mais coerente é a da transmissão linguística
irregular, cujo construto teórico e análises empíricas foram reunidas no livro O português
76
afro-brasileiro, que, como resume um de seus organizadores, “reúne um conjunto de análises
de dezesseis aspectos da morfossintaxe da gramática de quatro comunidades rurais afro-
brasileiras isoladas do interior do Estado da Bahia (algumas delas possivelmente oriundas de
antigos quilombos)” (LUCCHESI, 2009).
Mattos e Silva (2002, p.458-59; 2004, p. 133) salienta que “a deriva natural não
poderia ser descartada para aspectos das variantes cultas [...]. Contudo, seria, ao meu ver,
inadequado propor a deriva natural para outros aspectos [que não a concordância verbo-
nominal] da sintaxe brasileira do português vernáculo brasileiro, que o aproximam a
mudanças ocorridas em áreas de crioulização leve (cf. Baxter; Lucchesi, 1997)”.
3.3 AS COMUNIDADES DE FALA E A DINAMICIDADE DE DOIS MUNICÍPIOS DO
INTERIOR DA BAHIA
A teoria sociolinguística (cf. fundamentação teórica no capítulo 4), que fundamenta
esta investigação, também fornece bases para a análise empírica da fala dos munícipes de
Santo Antonio de Jesus e Poções. De acordo com essa teoria, os dados de fala para análise do
pesquisador devem originar-se de usos concretos da realidade linguística de grupo, que tenha
em comum as normas de uso dessa língua. Vale dizer que nessa amostra o que se observa é
uma fala espontânea, utilizada na vida cotidiana da comunidade, apesar das peculiaridades
que envolvem uma entrevista sociolinguística. Segundo Labov (1984), citado por Monteiro
(2000, p.39), esse “vernáculo é propriedade de um grupo, não de um indivíduo sozinho”.
Desse modo, as manifestações linguísticas foram tomadas para análise dentro de um
espaço denominado de comunidade de fala, cuja definição não é coligida com facilidade. Tal
complexidade emana principalmente da dificuldade em se determinarem os limites
geográficos que circunscreve esse grupo de pessoas, que têm idade, sexo e escalas sociais
distintas, contudo compartilham as mesmas normas linguísticas.
Bortoni-Ricardo (2008, p. 362) esclarece que a definição do conceito de comunidade
de fala mudou ao longo do tempo. Tradicionalmente, esse conceito esteve ligado
“exclusivamente em termos de traços lingüísticos, (...) [e] se confundia com o conceito de
língua”, modernamente, ainda de acordo com a autora, “consideram uma comunidade de fala
mais como uma entidade social do que linguística”.
Nas palavras de Labov (1968 apud MONTEIRO, 2000, p. 39):
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A comunidade de fala não se define por nenhum acordo marcado quanto ao uso dos elementos da língua, mas sobretudo pela participação num conjunto de normas estabelecidas. Tais normas podem ser observadas em tipos claros de comportamento avaliativo e na uniformidade de modelos abstratos de variação, que são invariantes com relação aos níveis particulares de uso.
Continuando o debate, alguns estudiosos usam o termo comunidade de fala com o
mesmo conceito de comunidade linguística, a exemplo de Alkmim (2001, p. 31). A autora
informa que o objeto da sociolinguística é o estudo da língua falada em situações concretas de
uso, assinalando que o ponto de partida é, então, a comunidade linguística, definida como
“um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de
normas com respeito aos usos lingüísticos” (ALKIMIM, 2001, p. 31). Adiante, Alkimim faz
entender que comunidade linguística e comunidade de fala são termos sinônimos:
Em outras palavras, uma comunidade de fala se caracteriza não pelo fato de se constituir por pessoas que falam do mesmo modo, mas por indivíduos que se relacionam, por meio de redes comunicativas diversas, e que orientam seu comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras. p. 31
Por outro lado, outros autores deixam clara a distinção entre os termos, a exemplo de
Romaine (1994 apud MONTEIRO, 2000, p. 40), para quem uma comunidade de fala não é
necessariamente coextensiva a uma comunidade linguística, antes diz respeito a “um grupo de
pessoas que não compartilham necessariamente a mesma língua, mas compartilham um
conjunto de normas e regras para uso dela”.
No que tange aos municípios de Santo Antonio de Jesus e Poções, investigados nesta
dissertação, consideram-se comunidades de fala distintas, porquanto não compartilham das
mesmas regras de uso e atitudes linguísticas com relação a algumas variáveis. É importante
dizer que “não se pode confundir comunidade de fala com cidade”. Um município é
tipicamente caracterizado pela heterogeneidade e pode apresentar, devido à sua formação,
várias comunidades. Nesse caso de estudo, estabeleceram-se duas comunidades de fala: a sede
e a zona rural, embora ambas façam parte de uma mesma comunidade linguística do
português popular brasileiro.
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3.3.1 Cenários da cidade de Santo Antônio de Jesus – Bahia
O município de Santo Antônio de Jesus, localizado a 187 km de Salvador, às margens
da rodovia BR 101, faz limite com Aratuípe, Conceição do Almeida, Dom Macedo Costa,
Elízio Medrado, Laje, Muniz Ferreira, Nazaré, São Felipe e São Miguel das Matas e Varzedo.
Sua população, em 2007, segundo informações do IBGE era de 84.256 habitantes, numa área
de 259 km2.
Figura 01: Mapa da localização de Santo Antônio de Jesus. Fonte: Wikipedia.
Tradicionalmente, o município de Santo Antônio de Jesus é conhecido pelo amplo
desenvolvimento das atividades comerciais, sobretudo, nas áreas de móveis, de confecções e
de eletrodomésticos, as quais têm como característica a vocação familiar. Esse crescimento
econômico decorre de uma dinâmica que começou nas cidades litorâneas e se disseminou para
alguns interiores da Bahia (SANTOS, 1999, p. 2). Para que se compreenda a relevância da
investigação nesse município, faz-se necessário noticiar algumas transformações ocorridas
nesta cidade ao longo do tempo e do espaço.
No princípio, de acordo com literatura, sabe-se que os primeiros moradores dessa
terra foram os índios descendentes da Pedra Branca. Acrescentam-se a essa população os
colonos portugueses, os quais penetraram através do Rio Jaguaripe, fundando vários povoados
e ocupando toda a região (QUEIROZ, 1995 apud SANTOS, 1999, p. 31). Os habitantes
negros foram introduzidos à força nessas terras para servir a uma política escravagista e
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perfaziam, por volta do ano de 1875, maioria da população, indicando números absolutos de
4.000 habitantes em um universo de 9.654, segundo fonte da Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros (1958, p. 36). Essa composição étnica, cuja formação tem na base índios, brancos
e negros, assemelha-se à das demais cidades do Recôncavo Baiano21.
O distrito de Santo Antônio de Jesus esteve ligado juridicamente ao município de
Nazaré (1852-1880) e recebeu influência dos grandes centros urbanos como Cachoeira,
Maragogipe e Nazaré, os quais eram conhecidos pelo transporte marítimo e fluvial e tinham
grande importância na navegação de cabotagem no período colonial. A partir do ano de 1880,
este distrito desmembra-se do município de Nazaré e muda de categoria, passando de
freguesia da paróquia de Santo Antônio de Jesus para vila, para enfim tornar-se uma cidade
no ano de 1891.
No que tange às atividades comerciais, as feiras livres merecem destaque, tanto no
passado como presente, são representativas do amplo desenvolvimento econômico da região.
No passado, a feira livre estabeleceu-se, nesse município, como a principal atividade
comercial, operacionando com inúmeros produtos agrícolas vindos da zona rural, além de
contribuir com a difusão cultural. Uma vez que, segundo Santos (1999), o perfil da clientela
da feira delineava-se heterogênea, pertencente tanto à classe menos favorecida quanto à mais
favorecida economicamente, havia uma relação social de comunicação, proporcionando uma
mistura de classes.
No passado, o raio de influência da feira concentrava-se na Praça Padre Matheus, de
abrangência apenas local. Os principais produtos negociados eram os de cultivo para fins de
subsistência22 como a mandioca, o milho, o feijão, o café, a laranja, o fumo, entre outros.
Ainda faz parte da história agropecuária do município a formação de pastagens para a criação
de gado e cavalos, que forneciam a força motriz para os engenhos.
Hoje, a feira está sendo tomada por comerciantes que, por falta de opção para obter
renda, sobretudo pela baixa escolaridade, tentam se estabelecer no mercado, vendendo
produtos agrícolas, roupas, aparelhos eletrônicos, etc. Segundo Santos (1999, p. 67), ao lado
desse comércio, têm surgido ao longo do tempo grandes construções – evidenciando o
21 Milton Santos (1958), citado por Santos (1999, p. 6), classifica este município em destaque como parte
integrante do Recôncavo Baiano. Vale dizer que foi a classificação adotada aqui, embora outros estudiosos, a exemplo de Conceição (2002), considerem esse município como parte integrante do Recôncavo Sul.
22 Diferentemente da maioria das cidades do Recôncavo Baiano, o labor com a cana-de-açúcar não teve muita expansão neste município, uma vez que se destacava nessa região a produção de mandioca. E esta por sua vez, sofreu um decréscimo na sua produção devido à concorrência com o cultivo de fumo, que durante a segunda metade do século XIX e início do século XX, alcançou o ápice, concorrendo diretamente com a produção da mandioca. (cf. SANTOS, 1999, p. 32)
80
processo de modernização –, como a Galeria Moura, na década de 70, e vinte anos depois o
Shopping Center Vila Inglesa – o primeiro da cidade –, que não obteve muito êxito. Em 1997,
foi inaugurado o Shopping Center Itaguari, que conseguiu agregar variadas necessidades
coletivas e oferecer maiores possibilidades de compra (91 lojas), prestação dos serviços como
a unidade do SAC, serviços de saúde, lazer (danceteria), reunindo em um só lugar vários
canais de envolvimento com a comunidade.
Indubitavelmente, a década de 70 provocou mudanças na paisagem santantoniense,
nos hábitos e nos costumes dos moradores. A mudança no sistema de transporte rodoviário,
nessa época, proporcionou o crescimento de várias cidades do interior, dentre elas o
município de Santo Antônio de Jesus. A mola mestra para o desenvolvimento dessa cidade foi
o asfaltamento da rodovia federal BR 101 e das rodovias estaduais BA 245 e BA 026, o que
possibilitou maior fluxo de pessoas nessa região, favorecido pelo entroncamento rodoviário.
Além da implantação de um sistema de transporte rodoviário, em detrimento da navegação
fluvial e das ferrovias, houve também a construção da Ponte do Funil, a inauguração do
sistema ferry boat, a implantação do catamarã e as alterações do espaço agrário (SANTOS,
1999, p. 34).
A cidade eclodiu, mas a realidade não acomodou a todos. A urbanização, que se deu
de forma muito rápida, de acordo com Conceição (2002), não veio acompanhada da infra-
estrutura necessária para garantir um crescimento ordenado. Nas palavras da autora, tal
crescimento “apresenta um descompasso em relação às necessidades de infra-estrutura, de
oferta de emprego, de educação, dentre outras” (CONCEIÇÃO, 2002, p.31). O crescente
desenvolvimento ainda é pouco e não consegue corresponder à demanda social. Vários jovens
encontram-se desempregados ou ocupam vagas de subemprego, aumentando o índice de
marginalidade e de pessoas indigentes.
Contribuiu para esse crescimento desordenado do município o intenso processo
migratório – análogo à realidade brasileira – do campo para a zona urbana. Até a década de
60, os espaços rurais eram bastante povoados, uma vez que a economia do município era
sustentada pelas lavouras de pequenos proprietários. Com o tempo, as pequenas propriedades
foram sendo compradas por fazendeiros criadores de gado bovino, formando os grandes
latifúndios. A sede do município apresentava-se mais atrativa para os que desejavam
encontrar alternativas de trabalho. Na década de 1970 a população urbana já ultrapassava a
rural, aumentando significativamente nos anos seguintes, conforme se verifica nos dados da
Tabela 06 a seguir.
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Tabela 06 – Indicadores demográficos de Santo Antônio de Jesus/BA
Ano População Residente Taxa de
Urbanização %
Densidade demográfica Hab./ km2 Total Urbana Rural
1940 24.666 9.052 17.419 34,20 79,24 1950 29.668 11.839 17.829 39,90 88,83 1960 34.018 15.489 18.532 45,53 101,85 1970 39.726 21.702 18.024 54,63 118,94 1980 51.583 34.726 16.970 67,10 154,44 1991 64.198 52.770 11.428 82,20 254,80 1996 71.932 60.378 11.554 83,94 285,44 2000 77.340 66.219 11.121 85,62 306,99
Fonte: IBGE; SEI, 2001 (apud CONCEIÇÃO, 2002, p.31)
Como se vê, atualmente, o número de habitantes da zona rural está significativamente
reduzido. Essa população dedica-se basicamente à agricultura de subsistência, o que tem
favorecido ainda mais a migração para a sede do município. Sem dúvida, a ausência de
políticas que atendam às necessidades da população rural acaba por incentivar o seu
deslocamento. No que respeita à educação profissional, por exemplo, Conceição (2002, p. 36)
menciona que “nesse município volta-se, exclusivamente, para o mercado urbano, reforçando,
assim, a migração campo-cidade”.
Com relação à escolarização, de acordo com dados do IBGE 2008, há, na cidade, 156
escolas: 69 de ensino pré-escolar, 79 de nível fundamental, 07 de nível médio e 01 de ensino
superior da rede pública estadual. As escolas de ensino médio localizam-se na zona urbana do
município, figurando como mais um dos fatores que incentivam a migração.
Santos (1999, p. 67-68) fez uma descrição detalhada do espaço geográfico com as
respectivas características de ocupação: “na zona norte, situa-se uma das áreas de maior
dispersão quanto ao uso e a ocupação do solo urbano de Santo Antônio de Jesus (...) existe
intensa diversificação nos padrões urbanísticos”; “quanto à zona sul (...) predominam as
edificações para fins residenciais da classe média (...) situados em áreas de topografia plana e
portadores de infra-estrutura.”; “na zona leste da cidade, está situada a maior parte dos bairros
habitados pelas pessoas de poder aquisitivo médio e baixo. Esse é o setor de maior
concentração humana na cidade.” Consta aí a presença de bastantes equipamentos coletivos
como a única universidade (Universidade Estadual do Estado da Bahia – UNEB/Campus V),
o estádio de futebol, o ginásio de esportes, fórum, INSS, complexo policial, entre outros; “a
zona oeste recebeu influência direta da implantação da rodovia BR 101 (...) a ocupação é
recente, formando bairros bastante densos e paupérrimos.”
82
Desta forma, o autor observa que essas ações exógenas são as principais responsáveis
pela dinâmica do município de Santo Antônio de Jesus, contudo não devem ser desprezadas
as interrelações existentes no interior do espaço urbano.
3.3.2 Cenários da cidade de Poções – Bahia
O município de Poções23 localiza-se na região do Planalto da Conquista, Sudoeste da
Bahia, fazendo limite com as cidades de Boa Nova, Nova Canaã, Iguaí, Planalto e Bom Jesus
da Serra. Este município conta com uma área territorial ampla de 963 km2 e com uma
população de 44.759 habitantes, segundo o censo do ano de 2007.
Figura 02: Mapa da localização de Poções
Fonte: Wikipedia
A origem deste município remete à freguesia de Divino Espírito Santo, cuja formação
inicial aponta para o ano de 1732, como consequência do ciclo do ouro. Em 1880, esta
freguesia emancipa-se de Vitória da Conquista, tornando-se de fato o município de Poções.
Quanto ao povoamento no município, sabe-se que os índios foram os primeiros
habitantes. A origem destes sinaliza para os mongóis, que pertenciam a uma ramificação dos
camacãs do grupo Jê. A presença dos portugueses nessa região esteve ligada ao movimento
histórico de entradas e bandeiras, em que os bandeirantes adentraram o interior do Brasil com
23 Segundo Ricardo de Benedictis (2009), o topônimo Poções tem a ver com aglomerados de Poços e pequenas
lagoas em suas baixadas.
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finalidades diversas, como a exploração do território, a busca de riquezas minerais e a captura
de índios ou mesmo de africanos. Os exploradores portugueses sujeitavam inicialmente, os
índios ao trabalho escravo, depois, em substituição a essa mão de obra, foram trazidos à força
o negro para trabalhar principalmente na pecuária, já que os engenhos da cana-de-açúcar não
eram fortes nessa região. Além dessas três frentes populacionais – os índios, os portugueses e
os negros –, observou-se também a presença dos imigrantes italianos nessa comunidade no
processo de povoamento do século XVIII.
A economia de Poções apresenta-se como bem diversificada, beneficia-se dos
produtos agrícolas cultivados na própria zona rural, especialmente, da produção dos
hortifrutigranjeiros (tomate e pimentão). Outros produtos da lavoura poçoense também são
comercializados: o café, a banana (permanente), o feijão, a mandioca, o milho, a mamona
(temporário). Outro ponto forte do comércio é a criação de gado bovino.
Este município é banhado pelos rios São José, Ouricana, do Vigário e das Mulheres;
também fazem parte da paisagem os açudes e os riachos. Acrescenta-se a essa fotografia a
formação do relevo em forma de bacia, que favorecia a retenção de água das enchentes
ocorridas por volta da década de 50 e, mais tarde, na década de 80, transformando a vida dos
moradores. Hoje, grande parte desses rios encontra-se abandonada pelos poderes públicos e
negligenciada pelos próprios moradores, em um contexto de assoreamento. Os riachos
tornaram-se reservatórios de dejetos de esgotos, sem falar no processo de salinização do Rio
José. Vale dizer que a população conta com uma barragem em Morrinhos, a qual fornece água
de excelente qualidade a toda região.
Importantes rodovias fazem parte desse espaço geográfico, a exemplo da rodovia
federal BR116, também conhecida como Rio-Bahia. Do mesmo modo, faz parte do eixo
rodoviário a rodovia estadual BA 262, que liga a sede do município a outros municípios
vizinhos, com bifurcação na BA-263, rodovia Vitória da Conquista-Itabuna, até a BR 101.
Apesar de as importantes rodovias cortarem a sede do município, isso não alavancou o
desenvolvimento comercial na cidade, embora tenha aumentado a interação comercial e
sócio-cultural entre os munícipes circunvizinhos.
Essa interação cultural é ainda favorecida pela a tradicional festa do Divino Espírito
Santo, considerado o padroeiro da cidade. O início deste evento, com resquício da tradição
lusitana, inclusive, antecede a emancipação da cidade, uma vez que a festividade data o ano
de 1878. Tem, por conseguinte, mais de um século de existência e, mesmo assim, continua a
mobilizar numerosos visitantes para a comunidade.
84
Segundo os dados do IBGE 2008, existem, na cidade, 68 escolas, sendo 26 do ensino
pré-escolar, 36 do nível fundamental, 06 do nível médio, ademais não há instituições de
ensino superior na cidade.
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4 TEORIAS E MÉTODOS
Para a realização desta pesquisa, foram seguidos os pressupostos da Teoria da
Variação, liderada pelo linguista William Labov (2008[1972]). Essa Teoria, também
denominada Sociolinguística Quantitativa, compreende a variação linguística como algo
sistematizável e, para isso, procura delimitar os condicionamentos reguladores dessa variação,
observando os aspectos linguísticos e extralinguísticos (WEINREICH; LABOV; HERZOG,
2006[1968]). Esta é a linha adotada neste trabalho, em função de ser considerada teoricamente
coerente e metodologicamente eficaz para a descrição da língua em uso. Portanto, as seções
abaixo que compõem o presente capítulo expõem os conceitos dessa Teoria, além de
apresentar a pesquisa realizada no âmbito metodológico, bem como definir os parâmetros que
fundamentaram a interpretação dos dados.
4.1 A TEORIA DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
A Teoria da Variação preocupa-se com as relações entre o fenômeno linguístico e a
sociedade, ou seja, como a língua, enquanto fato social, está relacionada aos padrões
ideológicos e culturais da comunidade de fala e como esses padrões se refletem no
comportamento linguístico dos seus membros, estruturando a variação.
Este modelo teórico-metodológico de descrição e interpretação da relação entre língua
e sociedade, na comunidade de fala, foi fixado pelo linguista norte-americano William Labov,
no ano de 1963, com seu trabalho clássico sobre a centralização de ditongos na ilha de
Martha’s Vineyard, em Massachusetts (LABOV, 2008[1972]).
O que interessa a esta teoria é analisar e sistematizar a variação a partir de dados do
vernáculo de uma comunidade de fala, o qual corresponde à língua falada na vida cotidiana. A
análise visa a mensurar, através de programas estatísticos, a influência dos fatores que
condicionam a aplicação ou não de uma regra variável por parte do falante, concebendo a
competência linguística deste como um sistema heterogêneo. Nessa perspectiva, o primeiro
passo é a obtenção de uma fala espontânea - aquela “usada na vida diária por membros da
ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas discutem com seus cônjuges,
brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos” (LABOV, 2008[1972], p. 13).
Reforçando essa idéia, Tarallo (1986, p. 19) afirma que:
86
[a] língua falada é o vernáculo: a enunciação e expressão de fatos, proposições, idéias (o que) sem a preocupação de como enunciá-los. Trata-se, portanto, dos momentos em que o mínimo de atenção é prestado à língua, ao como da enunciação.
Assim, a pesquisa sociolinguística constrói sua base empírica a partir de uma coleta de
dados da língua falada em situações naturais de interação social.
Por outro lado, a Sociolinguística tem como pressuposto fundamental a natureza
variável da língua, que orienta e sustenta a observação, a descrição e a interpretação do
comportamento linguístico, como afirma Alkmim (2001, p. 42). Além disso, propõe-se
estudar os fenômenos variáveis encaixados nas estruturas sociais e linguísticas, buscando
observar se estes constituem uma mudança em curso ou uma variação estável. A primeira
ocorre quando uma variante inovadora se sobrepõe a outra, impondo posteriormente o
desaparecimento desta na comunidade de fala; a segunda acontece quando duas ou mais
variantes se mantêm em concorrência, sem que haja o predomínio de uma sobre a outra.
De acordo com a Sociolinguística Variacionista, a variação linguística constitui
fenômeno universal e pressupõe a existência de formas linguísticas alternativas denominadas
variantes, que são diferentes formas com o mesmo significado, empregadas no mesmo
contexto. O conjunto dessas formas variantes é tecnicamente chamado de variável
dependente, como explicado em Mollica (2004, p. 10-11). A análise do fenômeno da regência
variável dos verbos de movimento, por exemplo, é uma variável dependente, que se realiza
através de cinco variantes24: a, para, em, até, ausência de preposição, esquematizada nos
exemplos (93), (94), (95), (96), (97).
(93) Fomo ao prefeito, o prefeito disse que rapidamente ele ia fazê essa quadra;
(94) ia pa festa mais minha tia;
(95) É, eu fui na cidade uma vez, lá em Botafogo...;
(96) Ela já veio aqui duas veze com esse carro. Veio de São Paulo, foi até Salvadô no
carro;
(97) Em Som Paulo? Eu nunca fui Ø lá, nem tenho intenção. 24 Entretanto, no decorrer da investigação observou-se que as preposições a e até não fazem parte da gramática dessa comunidade, tendo em vista o baixo número de ocorrência, a ser confirmado no item 5.1. Quanto a variante ausência de
preposição não houve ocorrência relacionada ao sintagma preposicional cujo núcleo fosse um SN. Desta forma, como se observará nos resultados da variável dependente estabeleceu-se a análise binária dos dados.
87
A variação linguística, segundo Mollica (2004, p. 28), é uma das características
universais das línguas naturais. A face heterogênea imanente da língua é regular, sistemática e
previsível, porque os usos são controlados por variáveis estruturais e sociais. As variáveis das
estruturas linguísticas que atuam sobre o fenômeno variável em foco na análise (a variável
dependente) são chamadas varáveis independentes ou explanatórias. Nesse trabalho,
constituem as variáveis independentes ou explanatórias: a posição do complemento verbal, a
configuração do espaço do complemento circunstancial, a natureza do deslocamento, o grau
de definitude do Nome do SN locativo, a natureza do objeto locativo25.
Nesse caso, a variação é considerada como resultante da influência de um conjunto de
fatores linguísticos – que podem ser de caráter fonético, fonológico, morfológico, sintático e
semântico – e extralinguísticos – tais como, sexo, escolaridade, idade, entre outros. É na
tensão provocada pelas pressões internas e pelas externas que se define o perfil da variação no
sistema linguístico.
A variabilidade é inerente ao sistema linguístico, resultado de um dinamismo presente
em todas as línguas, significando dizer que elas são também heterogêneas. Em um estudo
mais detalhado da variação de qualquer fato linguístico, o investigador averiguará a
implicação de uma regra variável, cujo efeito reflete a ação simultânea de vários fatores. A
esse respeito Guy e Zilles (2007, p.33-34) explicita que “a análise de regra variável é um tipo
de análise multivariada amplamente empregada em estudos de variação lingüística hoje em
dia” e “foi desenvolvida como forma de dar conta da variação governada por regras na
língua” com o propósito de separar, quantificar e testar a significância dos efeitos de fatores
contextuais em uma variável linguística. Cumpre reconhecer que nem todos os fatores da
língua estão sujeitos à variação. Existem regras, denominadas categóricas, que não podem ser
infringidas, sob pena de dificultar a comunicação ou até mesmo impossibilitá-la. É o caso, por
exemplo, do posicionamento do artigo, que antecede ao nome, no sistema linguístico do PB;
qualquer alteração nessa ordem resultaria numa construção agramatical:
(98) *Vento o está forte.
A variação linguística, intrinsecamente presente no sistema linguístico, pode ser
detectada no léxico, na fonologia, na morfologia e na sintaxe do PB, conjuntamente
relacionada à localização geográfica dos falantes e aos aspectos sociais, tais como
25 As variáveis independentes serão melhores explicitadas no capítulo 4 – Análise dos dados.
88
escolaridade e formalidade ou informalidade da situação de fala. Por sua vez, Paredes da Silva
(2004, p. 68) e Monteiro (2000, p. 62), fundamentados em Beatriz Lavandera (1978; 1984),
observam a complexidade da análise da variação no nível sintático, quanto à equivalência de
significados, uma vez que as formas alternantes (variantes) podem não ter sempre o mesmo
valor de verdade, invalidando, nesse caso, o conceito de variação. Sugere a autora que se deva
substituir o conceito de regra variável por uma noção de comparabilidade funcional, e, desta
forma, possibilitar uma análise no nível sintático.
Uma abordagem da Sociolinguística Variacionista permite o estudo sob duas
tendências: a variação de natureza linguística e/ou estrutural (interna ao sistema linguístico) e
a variação de natureza extralinguística: (i) diatópica (geográfica), (ii) diastrática
(estratificação social; profissional, classe social), (iii) social (diageracional, diagenérica,
escolaridade) e (iv) estilística (nível de formalidade/informalidade da fala). Ferreira et al.
(1996) explicam que esses termos, com o prefixo dia- (que significa ao longo de, através de),
estabeleceram uma série de compartimentos com o objetivo de delimitar os campos de estudo
da variação.
Toda variação linguística é motivada pelas diferenças entre os falantes, pela
heterogeneidade que a própria língua permite. O português falado no Brasil está repleto de
exemplos que ilustram a variabilidade da língua, característica essa que subjaz a todas as
línguas humanas. Então, questiona-se: por que estudar os fatos linguísticos do Português
Brasileiro (PB) à luz da Sociolinguística? Vários estudiosos ressaltam que nenhum método
será capaz de abarcar, em sua totalidade, a variabilidade da língua, mas devemos sempre
buscar as melhores soluções para um bom desenvolvimento da investigação, como sugere
Brandão (1991, p. 12):
os princípios da geografia lingüística combinados aos da sociolingüística podem ensejar um melhor conhecimento dos mecanismos com que opera uma língua e dos fatores que determinam sua evolução.
Ambas as teorias compreendem a língua como heterogênea, entretanto estudos
anteriores à Sociolinguística têm a concepção de língua como um sistema homogêneo,
uniforme e estático, não levando em consideração que a heterogeneidade e a variação é que
garantem a funcionalidade da língua. De tal sorte, que a Teoria Sociolinguística demonstra ser
necessária para um melhor entendimento acerca do estudo da linguagem, particularmente no
que concerne ao entendimento da mudança linguística.
89
4.1.1 A Mudança linguística
Sabe-se que foram os neogramáticos os primeiros a observar a regularidade na mudança
dos sons, postulando como princípios de sua teoria que as leis fonéticas não admitiam
exceções, e a analogia buscava explicar como as mudanças seguiam padrões já existentes na
língua. Segundo Hora (2004, p. 14), os postulados neogramáticos, apesar de muito inovadores
para a época, foram fortemente criticados, principalmente por não admitirem exceções às
mudanças, tendo como base a rigidez da questão da regularidade e o uso contínuo da analogia.
Ainda que tenham sido os neogramáticos os primeiros a verificar a regularidade na
mudança, vale dizer que foi Antoine Meillet o linguista precursor em atribuir à língua o
caráter social, inclusive, antevendo a importância da mudança social como possibilidade de
dar conta da variação linguística (CALVET, 2002, p. 16).
É válido ressaltar que a mudança é uma constante nas línguas humanas, isto é, as
línguas mudam no decorrer do tempo, não são, portanto, realidades estáticas e sua estrutura se
altera numa continuidade histórica. Embora as línguas mudem, elas permanecem organizadas
e continuam a oferecer a seus falantes todas as ferramentas necessárias à comunicação e
circulação de significados, isto porque a mudança se dá de forma lenta e gradual, não
abruptamente, e relativamente regular, em partes da língua e não em seu todo.
Weinreich, Labov e Herzog (2006[1968], p.101-2) instituíram as bases que orientam os
estudos da mudança linguística, no âmbito da Sociolinguística. Segundo esses autores,
devemos considerar cinco problemas a serem resolvidos, na análise da mudança linguística.
São eles:
i) Problema da Restrição (constraints problem): é preciso determinar os fatores que
tornam as mudanças possíveis ou impossíveis, ou seja, relaciona-se aos
condicionamentos linguísticos e extralinguísticos que intervêm na trajetória da
mudança de acordo com o que o sistema permite;
ii) Problema da Transição (transition problem): uma mudança linguística se processa
por estágios discretos ou se faz parte de um continuum. Este problema procura dar
conta de como se produz a variabilidade de uma língua em determinada comunidade,
definindo e analisando o percurso através do qual cada mudança se realiza;
iii) Problema da Encaixamento (embedding problem): como uma mudança em
progresso se adapta ao sistema linguístico e social em que ocorre. A variação e/ou
90
mudança não ocorre de forma isolada, portanto uma alteração na estrutura da língua
irá refletir nas demais estruturas;
iv) Problema da Avaliação (evaluation problem): descobrir que atitudes são
despertadas entre os falantes em relação a uma mudança linguística e de que forma
essa atitude influencia no seu desdobramento;
v) Problema da Implementação (actuation problem): explicar o porquê de uma
mudança linguística se implementar em determinado espaço de tempo e lugar e não
em outro.
Ressalta-se que a Sociolinguística analisa o problema do encaixamento em duas partes
complementares: o encaixamento na estrutura linguística e o encaixamento na estrutura social.
Lucchesi (2004a, p.175) traça os seguintes pontos, apresentados por Weinreich, Herzog e
Labov na estrutura linguística:
(i) o sistema lingüístico em que a mudança deve ser encaixada não se situa no indivíduo (i.é. no idioleto), e sim na comunidade de fala; (ii) esse sistema caracteriza-se por sua heterogeneidade estruturada, e é funcionalmente diferenciado dentro da comunidade de fala; (iii) as variáveis intrínsecas a esse sistema definem-se pela covariação com elementos lingüísticos e extralingüísticos; (iv) o processo de mudança lingüística raramente é um movimento de um sistema inteiro a outro, e sim o movimento de um conjunto limitado de variáveis de um sistema que altera gradualmente seus valores modais de um pólo a outro; (v) não obstante, as variantes de cada variável podem ser contínuas ou discretas (as variáveis, contudo, mantêm uma gama contínua de valores que refletem as freqüências observadas na atividade lingüística concreta); (vi) a variação inerente à estrutura lingüística deve ser vista como parte integrante da competência lingüística dos membros da comunidade.
Intimamente relacionado ao problema da avaliação por parte dos falantes, Labov
(2008[1972]) identifica três tipos de julgamento social relacionado às variantes: (i)
indicadores; (ii) marcadores; (iii) estereótipo. Assim definidos:
(i) indicadores (indicators) – traços linguísticos socialmente estratificados, mas não
sujeitos à variação estilística, com pouca força avaliativa;
(ii) marcadores (markers) – traços linguísticos social e estilisticamente estratificados,
que produzem respostas regulares em testes de reação subjetiva. Nem sempre os
91
falantes detêm deste tipo de traço plena consciência, apesar de poderem proceder a
uma avaliação a respeito deles, se isso lhes for pedido;
(iii) estereótipos (stereotypes) – traços socialmente marcados de forma explícita na
comunidade de fala, de forma que se torna assunto de comentário socialmente
aberto. Os estereótipos refletem a rejeição da comunidade, ou de um grupo dentro
da comunidade, a uma determinada variante linguística.
A diferença entre esteriótipos, marcadores e indicadores é demonstrada por Lucchesi
(2006a, p. 106), focalizando a variação na concordância verbal no português brasileiro:
Entre os falantes urbanos escolarizados, a ausência de concordância é claramente estigmatizada (excetuando apenas os contextos de posposição do sujeito com verbos inacusativos). Já nas comunidades rurais, o uso da concordância verbal seria apenas um indicador, sendo maior entre os indivíduos com alguma escolarização e que têm mais contato com os padrões lingüísticos adventícios, sem que se perceba uma clara variação estilística. Em alguns segmentos populares, sobretudo nos centros urbanos, pode ocorrer a variação estilística, o que faria da concordância verbal um marcador, mas dificilmente ocorre a avaliação negativa aberta da falta de concordância entre os segmentos populares da sociedade brasileira.
Desta forma, o autor descreve, claramente, o processo pelo qual o fato linguístico da
concordância verbal transita entre os três níveis, a depender dos contextos socioeconômico,
cultural e espacial da comunidade de fala. No tocante a esta pesquisa, a avaliação social feita
pelos falantes a respeito da regência dos verbos de movimento também reflete os diferentes
contextos. Nas localidades do interior da Bahia estudadas, percebe-se que não existe um
estigma com relação ao uso das formas não-padrão (variação entre as preposições em e para),
tendo em vista que a forma padrão (uso da preposição a) possui um percentual muito reduzido
nessas comunidades. No entanto, entre falantes urbanos escolarizados, essa realidade não se
confirma, como ressaltam os estudos de Mollica (1998[1986]), Vallo (2003) e Ribeiro (1996).
Percebe-se que nesse contexto há maior aplicação do programa escolar, influenciando na
escolha das variantes. A rejeição ocorre em relação ao uso da preposição em, particularmente
junto a alguns verbos de movimento, como sentar. Uma frase como “Meninos, venham sentar
na mesa para comer”, sofre restrições, sob a alegação de ter um sentido dúbio, podendo ser
interpretada como “subir em cima da mesa”. Essa rejeição não é tão forte com outros verbos
de movimento como ir, chegar, levar, etc; sendo normalmente aceitas construções como: “ir
no/(pro) shopping”, “cheguei no Rio de Janeiro”, “levei o doente no/(pro) hospital”.
92
Outro aspecto importante, estabelecido na metodologia laboviana, a partir de
Weinreich, Labov e Herzog (2006[1968]), que possibilita ao sociolinguista observar as
variações e mudanças linguísticas que estão ocorrendo, é o que se denominou abordagem em
tempo aparente. Examinando comparativamente as falas de grupos etários mais velhos e mais
jovens de uma determinada comunidade, pode-se detectar uma mudança linguística em curso.
Assim, se uma forma tem maior incidência no grupo etário mais jovem e, à medida que nos
dirigimos ao grupo etário mais velho, ela diminui, podemos estar diante de uma mudança em
progresso, com a forma inovadora ganhando terreno na população mais jovem.
Ao lado da análise em tempo aparente temos, ainda, a análise em tempo real, que
consiste em observar a evolução de um fenômeno linguístico em um determinado período de
tempo (curta duração ou longa duração). No caso de um estudo realizado em uma
determinada comunidade de fala, o pesquisador pode tentar reencontrar os mesmos
informantes após um longo período – de 20 ou 30 anos, por exemplo –, se isso, claro, for
possível, ou entrevistar outros na mesma faixa etária e que possuam o mesmo perfil social dos
informantes selecionados anteriormente. Dessa forma, e combinando duas análises diferentes,
podemos observar como a variação se processa em uma determinada comunidade, e mesmo
se uma mudança está em andamento. Embora, a análise em tempo real subdivida-se nos
modelos de estudo de tendência26 e estudo de painel
27, com o objetivo de se obter afirmações
mais seguras sobre o curso dos processos variáveis em uma língua, nenhum deles é
completamente satisfatório em si, como afirmam Paiva e Duarte (2004, p. 189), com base em
Labov (1994).
Algumas dificuldades no estudo da mudança em tempo aparente apresentadas por
Paiva e Duarte (2004, p. 179) são as seguintes: a primeira refere-se à validade da hipótese
clássica acerca da aquisição da linguagem; e a segunda, uma especial atenção para o fato de
que encontrar recorrentemente uma variante linguística na fala de um grupo etário mais jovem
não necessariamente indicará uma mudança em curso. Há a possibilidade de o falante alterar o
seu comportamento no decorrer de sua vida, tendo uma postura linguística na juventude, outra
26 O estudo do tipo “tendência” se baseia na comparação de amostras aleatórias da mesma comunidade de fala,
estratificadas com base nos mesmos parâmetros sociais, em dois momentos do tempo. (...) Essa técnica permite verificar em que medida mudanças na configuração social de um grupo podem se refletir na propagação, estabilização ou recuo de processos de mudança. Portanto o estudo “tendência” focaliza a continuidade/descontinuidade na própria língua, que pode, em graus diferentes, se refletir no comportamento do indivíduo (PAIVA, DUARTE, 2004, p. 188-189).
27 O estudo de “painel” é feito através da comparação entre amostras distintas dessa mesma comunidade e dos mesmos indivíduos em dois pontos separados por um lapso de tempo. Portanto, o estudo “painel” focaliza a continuidade/descontinuidade no comportamento lingüístico do indivíduo sem reflexo no sistema (PAIVA, DUARTE, 2004, p. 189).
93
na maturidade e ainda outra na velhice (gradação etária). Desse modo, entende-se que o
estudo vinculando os dados do tempo aparente e os dados do tempo real permitem que se
recomponha o trajeto da mudança de um determinado fenômeno linguístico passo a passo,
evidenciando as características essenciais da mudança linguística.
Enfim, a Teoria da Variação pressupõe que a variabilidade, aparentemente caótica, é
inerente ao sistema linguístico, entretanto para sistematizar a heterogeneidade linguística, é
preciso adotar uma metodologia de observação empírica muito rigorosa.
4.2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS
Nesta seção, com base no instrumental metodológico da Sociolinguística, será feita
uma descrição da constituição da amostra de fala utilizada nesta análise, considerando as
variáveis sociais que a estruturam; o caráter das entrevistas, bem como a digitalização e a
transcrição das mesmas. Em seguida, será apresentada a base de dados, na qual são
organizadas as ocorrências da variável dependente para serem processadas pelo programa
estatístico. E, por fim, será feita uma breve apresentação do suporte empregado no
processamento quantitativo dos dados. Assim, esta seção visa a descrever todas as etapas da
análise apresentada nesta dissertação.
4.2.1 Constituição da amostra de fala
O universo de observação, o português popular do interior da Bahia, é representado
pela amostra de fala vernácula de moradores de pouca ou nenhuma escolaridade dos
municípios de Santo Antônio de Jesus e Poções, pertencente ao Acervo do Projeto Vertentes
do Português Popular do Estado da Bahia28, e denominado corpus do Português Popular do
Interior do Estado da Bahia. Esse corpus é constituído por 48 entrevistas informais, cada uma
com duração média de 60 minutos. Em cada um dos municípios, foram realizadas 24
entrevistas, 12 com moradores da sua cidade sede e 12 da zona rural29. Portanto, cada amostra
28 O Projeto Vertentes é coordenado pelo Prof. Dr. Dante Lucchesi e sediado no Instituto de Letras da
Universidade Federal da Bahia. Para maiores informações, consultar: http://www.vertentes.ufba.br/. 29 A proposição do confronto das localidades Sede vs. Rural parte da hipótese de que os falantes da Sede do
município teriam um comportamento linguístico mais próximo do padrão, devido ao crescente processo de difusão linguística dos grandes centros urbanos, que afetaria primeiramente os falantes dos centros urbanos do interior antes de alcançar a zona rural. E desta forma, tentar-se-ia delinear a realidade linguística do português popular no interior do estado, a partir da comparação da fala observada na zona rural com a da sede do município.
94
é composta por seis células, consequência do cruzamento de três valores da variável idade
com os dois valores da variável sexo, constando dois informantes em cada célula,
constituindo, assim, um total de 12 informantes, que foram escolhidos aleatoriamente entre os
membros da comunidade.
Assim, verifica-se a estratificação dos corpora, de acordo os quadros abaixo:
CORPUS BASE DA SEDE DO MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS
FAIXA I FAIXA II FAIXA III INF. 01 – M – 22a – S – N INF. 05 – M – 44a – A – N INF. 09 – M – 81a – A – N
INF. 02 – F – 23a – S – N INF. 06 – F – 47a – S – E INF. 10 – F – 78a – A– E
INF. 03 – M – 25a – S – E INF. 07 – M – 51a – S – N INF. 11 – M – 76a – S – E
INF. 04 – F – 30a – S – N INF. 08 – F – 45a – S – E INF. 12 – F – 62a – S – E
Quadro 04 - Estratificação do Corpus Base da Sede do Município de Santo Antônio de Jesus
CORPUS BASE RURAL DO MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS
FAIXA I FAIXA II FAIXA III
INF. 01 – M – 34a – S – E INF. 05 – M – 51a – S – E INF. 09 – M – 87a – A – N
INF. 02 – F – 26a – S – N INF. 06 – F – 53a – A – E INF. 10 – F – 75a – A – N
INF. 03 – M – 23a – S – N INF. 07 – M – 51a – A – N INF. 11 – M – 74a – A – N
INF. 04 – F – 32a – S – E INF. 08 – F – 57a – S – N INF. 12 – F –76a – A – N
Quadro 05 - Estratificação do Corpus Base Rural do Município de Santo Antônio de Jesus
CORPUS BASE DA SEDE DO MUNICÍPIO DE POÇÕES
FAIXA I FAIXAII FAIXAIII
INF 01 – M – 25a – S – N INF 05 – M – 45a – S – N INF 09 – M – 66a– S – E
INF 02 – M- 31a – S – E INF 06 – M – 51a – S – E INF 10 – M – 64 – S – E
INF 03 – F – 35a – S – E INF 07 – F – 51a – S – E INF 11– F – 84a – A – E
INF 04 – F – 29a – S – E INF 08 – F – 56a– A – E INF 12 – F – 66a – A – N
Quadro 06 - Estratificação do Corpus Base da Sede do Município de Poções
95
CORPUS BASE RURAL DO MUNICÍPIO DE POÇÕES
FAIXA I FAIXAII FAIXAIII
INF 01 – M – 25a – S – N INF 05 – M – 46a – S – N INF 09 – M – 65a – A – N
INF 02 – M – 28a – A – E INF 06 – M – 52a – A – E INF 10 – M – 71a – A – E
INF 03 – F – 20a – S – E INF 07 – F – 55a – A – E INF 11 – F – 76a – A – N
INF 04 – F – 26a – S – E INF 08 – F – 50a – A – N INF 12 – F – 70a – A – N
Quadro 07 - Estratificação do Corpus Base Rural do Município de Poções
LEGENDA: F (sexo feminino); M (sexo masculino); 28a (28 anos de idade); S (semi-analfabeto); A (analfabeto); E (viveu fora da comunidade por pelo menos seis meses); N (não viveu fora da comunidade).
Com base nos dados dos quadros acima dos corpora do Português Popular do Interior
da Bahia, vale dizer que os critérios selecionados buscaram refletir a heterogeneidade comum
a qualquer comunidade. E consoante Mollica (2004, p. 29), “numa sociedade tão complexa
como a constituída pelos falantes do PB, podemos pensar em inúmeros indicadores sociais,
seja de exclusão e inclusão, seja de estabilidade e mobilidade social”, os quais serão melhores
explicitados na próxima seção.
4.2.1.1 A estrutura da amostra: as variáveis sociais
As dimensões sociais dessa amostra de fala definem-se através de dois vieses
interpretativos: as variáveis estratificadas e as variáveis controladas. No caso das variáveis
estratificadas, estas interferem diretamente na composição da amostra, sobretudo, no seu
tamanho, pois quanto maior for o número de variáveis sociais estratificadas maior será o
tamanho da amostra. No entanto, as variáveis sociais de controle servem, apenas, como mais
um fator de controle para verificar a influência que cada uma dessas variáveis exerce sobre as
variantes do fenômeno analisado. Como variáveis estratificadas foram consideradas apenas as
variáveis idade e sexo dos informantes. Quanto à faixa etária dos informantes, a amostra foi
dividida em três faixas de idade, conforme o recorte abaixo:
(i) Faixa 1 – entre 25 a 35 anos;
(ii) Faixa 2 – entre 45 a 55 anos;
(iii) Faixa 3 – mais de 65 anos.
96
No que se refere ao intervalo entre as faixas etárias, Lucchesi (2000) fundamentado
em Labov (2008[1972]), infere que esse intervalo corresponde ao lapso de uma geração
dentro dos padrões de uma comunidade rural brasileira. E que tal distinção foi feita com o
intuito de se observarem os possíveis processos de mudança em curso no chamado tempo
aparente. Assim sendo, a partir dos resultados de análise dessa variável, podem-se detectar,
segundo Tarallo (1986, p.63), duas direções distintas: (i) a estabilidade das adversárias; (ii) a
mudança em progresso.
Nesse sentido, Lucchesi e Araújo,30 fundamentados em Chambers e Trudgill (1980, p.
91-3), afirmam que:
No que concerne à faixa etária, a variação estável se caracteriza por um padrão curvilinear, no qual as faixas intermediárias apresentariam a maior freqüência de uso das formas de prestígio; já na mudança em progresso, a distribuição seria inclinada, com os mais jovens apresentando a maior freqüência de uso das formas inovadoras.
Quanto à variável sexo, os informantes foram escolhidos aleatoriamente, de acordo
com um perfil previamente estabelecido: dois homens e duas mulheres por faixa etária. De
maneira geral, alguns estudos apresentam as mulheres como mais sensíveis ao uso das formas
de prestígio, de maneira que tendem a liderar o processo de mudança quando se trata de
implementar na língua uma forma considerada prestigiada. De modo inverso, os resultados
sobre o comportamento linguístico do sexo masculino apontam para uma implementação de
uma forma desprestigiada. (PAIVA, 1992, p. 71; MONTEIRO, 2000, p. 72; CHAMBERS e
TRUDGILL, 1980, p. 97-8)
Observa-se, ainda, segundo Paiva (2004, p. 37), que na análise dessa variável sexo,
quando examinada separadamente dos demais fatores condicionantes, pode-se obter um
resultado camuflado. Homens e mulheres desempenham papéis sociais importantes, sendo o
sexo feminino alvo constante de pressões sociais normativizadoras, e desta forma empregam
menos as variantes estigmatizadas do que os homens. Contudo, a respeito de generalizações
acerca dessa variável, Lucchesi (2004a, p. 192) questiona o papel do sexo feminino no
processo de mudança, a saber:
Esse papel é determinado pelas disposições culturais e ideológicas que caracterizam aquela sociedade específica num determinado momento histórico.
30 cf. http://www.vertentes.ufba.br/socio.htm.
97
[...] Portanto, o papel da mulher só pode de fato ser considerado dentro de cada realidade sociocultural específica e para cada caso particular de mudança. Qualquer generalização sobre o papel da mulher na mudança lingüística em geral é extremamente perigosa para o entendimento da questão como processo histórico.
Além das variáveis estratificadas acima mencionadas, as variáveis nível de
escolaridade e estada fora da comunidade também compõem as variáveis controladas na
análise.
A variável nível de escolaridade encontra-se subdividida em dois fatores: analfabeto e
semi-analfabeto. A partir dessa variável pretende-se verificar como a educação formal
influencia na escolha das variantes do fenômeno da regência variável dos verbos de
movimento.
A partir da variável estada fora da comunidade pretende-se aferir a influência dos
centros urbanos na fala daqueles que já saíram de sua comunidade. Desse modo, a divisão
dessa variável efetuou-se entre aqueles que passaram pelo menos seis meses fora da
comunidade e aqueles que nunca saíram da localidade ou que só se ausentaram por curtos
períodos.
4.2.2 Caracterização das entrevistas
As entrevistas que compõem os corpora foram realizadas por pesquisadores
colaboradores e bolsistas, os quais seguiram, com rigor, as orientações metodológicas da
Sociolinguística, a fim de se ter uma recolha confiável dos dados do trabalho de campo. Para
se obter tais informações, Labov (2008[1972], p. 239) afirma que a melhor maneira seria “o
linguista se engajar numa conversa normal com o informante e ser capaz de elicitar o uso
natural de cada forma sem usá-la ele mesmo”. Mas como executar tal tarefa quando o
entrevistador é um desconhecido para a comunidade de fala?
A partir da leitura do Guia para realização das entrevistas, desenvolvido por Dante
Lucchesi, Coordenador do Projeto Vertentes, e da literatura sobre tema, sabe-se que antes de
enveredar para a busca de informantes, deve-se traçar o perfil da amostra, bem como conhecer
alguém que exerça uma liderança na comunidade de fala para a intermediação entre o
entrevistado e o entrevistador. Além disso, algumas precauções devem ser observadas, como
por exemplo:
98
(i) nunca revelar aos informantes potenciais o objetivo da pesquisa;
(ii) investigar previamente a comunidade de fala, em busca da história local e dos
costumes da comunidade;
(iii) intervir minimamente no discurso dos informantes, e os assuntos norteadores
devem ser sugeridos através de comentários e perguntas indiretas, adaptando-as
para a realidade local;
(iv) conduzir a entrevista sempre acompanhado, preferencialmente, de um membro
da comunidade, contratado previamente para esse fim;
(v) evocar conversas espontâneas de conhecimento do falante, inspirado nas
narrativas de experiência pessoal, sobretudo, explorando as situações em que o
informante se mostre mais emocionalmente envolvido (mantendo o bom senso);
(vi) utilizar recursos tecnológicos modernos nas gravações, com o propósito de
vencer as adversidades dos locais e/ou situações que serão enfrentadas, a
exemplo de barulhos indesejados, bem como observar posicionamento dos
microfones para melhor captação do áudio;
(vii) vencer a inibição da fala do informante, quando na presença do gravador.
Todos esses procedimentos visam a enfrentar o já clássico paradoxo do observador.
Como conseguir narrativas espontâneas dos informantes como se não tivessem sendo
observados, se só é possível obter tais dados por meio de uma observação sistemática por
parte do pesquisador. Segundo Labov (2008[1972], p. 244), para superar o paradoxo é preciso
“romper os constrangimentos da situação de entrevista com vários procedimentos que
desviem a atenção do falante e permitam que o vernáculo emerja”. O fato é que para se
observar como a língua é usada se faz necessário penetrar na comunidade de fala.
Seguindo esses procedimentos, as entrevistas do banco de dados do Projeto Vertentes
foram feitas com um gravador digital discreto, e depois armazenadas e transcritas obedecendo
a uma chave de transcrição elaborada especificamente para esse fim e descrita a seguir.
4.2.2.1 Digitalização e Transcrição das entrevistas
Depois de gravados os dados, a etapa seguinte consiste na digitalização do áudio das
entrevistas, em que, modernamente, o linguista tem o auxílio dos recursos tecnológicos.
Comentam Lucchesi e Freitas (cf. http://www.vertentes.ufba.br/ recursos.htm) que
99
A utilização de recursos informatizados usados para a digitalização do áudio da entrevista visa a eliminar alguns ruídos, tornando a entrevista mais inteligível. Além disso, o armazenamento dos Acervos de Fala do Projeto Vertentes em ambiente digital é mais um recurso disponível para garantir a preservação desse material, que constitui um registro importante do universo cultural e lingüístico do Estado da Bahia.
Deve-se notar que o processo de digitalização integrado às novas tecnologias, além de
melhorar o áudio das entrevistas, garante a preservação do acervo através de cópias em CD-
ROM, gravações nos discos rígidos dos computadores do Projeto, bem como material
impresso das transcrições dessas entrevistas para consulta por pesquisadores que manifestem
interesse por esse material.
Passada a etapa da digitalização, a seguinte consiste em transcrever as entrevistas, que
também são chamadas inquéritos. A transcrição objetiva transpor, com fidelidade, o discurso
falado para registros gráficos mais permanentes, e, segundo Paiva (2004), a necessidade
decorre do fato de que não conseguirmos estudar o oral através do próprio oral.
Os projetos de pesquisa de base teórica sociolinguística, a exemplo da Amostra
CENSO, NURC31, PEUL, VARSUL32, VALPB33, entre outros, fazem uso de um conjunto de
notações de acordo com as suas necessidades de análises. No Projeto Vertentes, optou-se pela
transcrição ortográfica, tendo em vista que, em linhas gerais, teríamos a possibilidade de uma
melhor visualização do texto, e desta forma, seriam atenuadas as constantes volta ao registro
de áudio. O coordenador do Projeto, com a colaboração de outros membros, elaborou uma
chave de transcrição específica para o português popular.
Do ponto de vista metodológico, à transcrição dos dados linguísticos subjaz um
sistema de convenções que pressupõe o estabelecimento de critérios gerais do que deve ser
registrado e do que não deve ser registrado. Uma visão geral do sistema de transcrição
adotado no Projeto Vertentes pode ser encontrada em: http://www.vertentes.ufba.br/
chave.htm. De qualquer forma, como lembra Paiva, não existe transcrição de dados perfeita e
incontestável, tendo em vista que qualquer notação gráfica do oral é descontínua e
dissociativa.
31 Os projetos NURC (Norma Urbana Culta) e PEUL (Programa de Estudos sobre os usos da Língua) adotaram
como ponto de referência o sistema de transcrição ortográfico (PAIVA, 2004). 32 O projeto VARSUL (Variação lingüística urbana da Região Sul) adotou o sistema de transcrição trilinear
(PAIVA, 2004). 33 O projeto VALPB (Variação Lingüística no Estado da Paraíba) adotou o sistema de transcrição multilinear
(VALLO, 2003 ).
100
4.2.3 A base de dados
A base de dados é uma compilação de informações organizadas, formada por cadeias
de codificação, agregando as variáveis dependentes, linguísticas e sociais, de forma a facilitar
ao pesquisador o rápido e eficiente processamento das ocorrências do fenômeno variável que
se investiga. Tomando por base a fundamentação teórica da Sociolinguísta Quantitativa, esta
investigação seguiu rigorosamente a metodologia prescrita por essa teoria para composição da
base de dados, cumprindo as seguintes etapas: a constituição da amostra da comunidade de
fala, a realização das entrevistas dos informantes, a digitalização e a transcrição dos
inquéritos, bem como o levantamento dos dados, a partir da delimitação da variável
dependente abaixo especificada, com a finalidade de isolarmos os contextos que interessam à
etapa de codificação, para em seguida, seguir-se a etapa de processamento e quantificação dos
dados pelos programas do pacote VARBRUL.
O critério utilizado para levantamento das ocorrências está fundamentado no conceito
de variantes linguísticas – maneiras diferentes de se dizer a mesma coisa em um mesmo
contexto e com o mesmo valor de verdade. A descrição das variantes linguísticas procura
mostrar as variantes que alteram na formação da regência dos verbos de movimento.
Na codificação dos dados, levaram-se em consideração as seguintes variáveis
linguísticas independentes34: o tipo verbo de movimento (ir, chegar, levar, vir, voltar, etc.); a
posição do complemento verbal (presença ou não de elemento interveniente entre o verbo e a
preposição); a configuração do espaço do complemento circunstancial (presença ou ausência
do traço semântico [+ fechado]); a natureza do deslocamento [+- fechado]; o grau de
definitude do SN locativo (se genérico, definido ou indefinido); a natureza do objeto locativo
(se SN ou advérbio); o gênero do SN locativo (se masculino ou feminino). Também foram
usadas as variáveis sociais, a saber: faixa etária, sexo, comunidade de fala; estada ou não fora
da comunidade por mais de 6 meses, nível de escolaridade e local de moradia do informante,
se na zona rural ou na sede do município.
Entretanto, antes da codificação propriamente dita, definida como a preparação dos
dados para processamento do programa estatístico através da cadeia de codificação, foi feita
mais uma audição dos dados levantados, para se ter a certeza de que a ocorrência em questão
foi pronunciada exatamente da mesma forma como estava transcrita, afinal erros recorrentes
nessa etapa podem comprometer o resultado final da pesquisa.
34 Essas variáveis serão amplamente discutidas no capítulo da Análise dos dados.
101
Prosseguindo com os pressupostos metodológicos, é feita, na próxima subseção, a
descrição da variável dependente.
4.2.3.1 Caracterização da variável dependente
A variável dependente deve ser definida como o conjunto de variantes e, como o
próprio nome propõe, depende de determinados contextos para ocorrer, sejam eles do tipo
linguístico ou extralinguístico. Na fala do Português Brasileiro, o emprego da regência do
verbo de movimento vem se mostrando bastante variável, realizando-se através de quatro
variantes numa relação de concorrência (definindo-se como um grupo enário), conforme se
constata nas ocorrências abaixo, extraídos do Corpus Português Popular do Interior da Bahia:
Preposição a
(99) Pra quem gosta de ir a... a baile, forró. Já eu, que num sô muito chêgado a esse
negoço de ir pra baile, esse negoço, eu fico mais em casa assim, (POR-inq2)
(100) Fomo ao prefeito, o prefeito disse que rapidamente ele ia fazê essa quadra,
rapidamente, num ia demorá nada. (POR-inq1)
Preposição para
(101) São Paulo, eu gosto de São Paulo. Esse ano mesmo eu ia pa São Paulo, agora
mesmo eu ia pa São Paulo, mas num deu certo, eu num fui. (POR-inq7)
(102) Nós veio pa... nós veio aqui pra rua em 1947, nós veio aqui pra Morrinhos.
(POR-inq10)
Preposição em
(103) E era muitcho bom aqui; divertia muncho, dançava muitcho, ia ni festa assim...
(POR-inq11)
(104) Se eu dissé, eu num vô levá ele no médico hoje né.... (SAR-inq02)
102
Preposição até
(105) Ela já veio aqui duas veze com esse carro. Veio de São Paulo, foi até Salvadô
no carro (POR-inq6)
(106) Já, e tamém teve uma... eu já ouvi falá na torre de Babel, inclusive teve até um
filme eu já assisti esse filme que o homem construiu essa torre, que queria chegá
até o céu (SAR-inq03)
Ressalta-se que no levantamento das ocorrências foram também consideradas as
formas contractas das preposições analisadas; no caso da preposição em: no, naquele, na,
numa, neste, etc.; e no caso da preposição para: pra, pa, pro, po, prum, etc.
4.2.3.2 Ocorrências descartadas
Na etapa de levantamento dos dados, estabeleceram-se alguns critérios linguísticos
com a finalidade de garantir a homogeneidade do corpus – foram levantados apenas verbos
essencialmente de movimento, seguidos de complemento locativo. Desta forma, as
ocorrências abaixo não foram consideradas na análise, algumas formas por serem casos
duvidosos da variável dependente, outros por baixa frequência da variante, outros ainda por
merecerem estudos à parte ou por não atenderem ao propósito do presente trabalho, ficando
excluídos os seguintes casos:
a) Ocorrências que contêm frases feitas, que, segundo Houaiss et al. (2001), são frases ou
expressões cristalizadas, cujo sentido geralmente não é literal; uma expressão idiomática,
como visto no exemplo (107).
(107) eu lutei, trabalhei, não abaxei a cabeça, ergui a cabeça e fui à luta e ‘tô aqui,
venci e ‘tô aqui até hoje, graças a Deus. (POS – inq. 4)
b) Ocorrências do verbo ir empregado na posição de auxiliar como no exemplo (108):
(108) ... quando comecei namorá, eu saía escondida, ia namorá nas rua, aí mainha
não dêxava eu ir namorá, eu ficava com raiva (POR-inq03)
103
Cunha e Cintra (1985, p.375) denominam auxiliares os verbos que, desprovidos total
ou parcialmente da acepção própria, se juntam às formas nominais de um verbo principal,
constituindo com elas locuções que apresentam matizes significativos especiais. Neste caso, o
verbo auxiliar ir apresenta um esvaziamento da carga semântica de movimento juntando-se ao
verbo principal namorar.
c) Ocorrências do verbo de movimento no sentido de movimento no decorrer do tempo, como
nos exemplos (109) e (110):
(109) Isso era ni feverêro, olha e já tá in... já tá ino pra março. Entendeu? (POR-inq01)
(110) Aí ele foi na quinta, teve que pintá, na sexta teve aula (POR-inq01)
A explicação para tal trajetória fundamenta-se nos estudos da gramaticalização,
esboçado inicialmente por John Lyons (1991) apud Castilho (1997), em que tudo partiria do
aqui e agora, definindo o cline da seguinte forma: espaço > tempo. Ou seja, expressões
locativas [+concreto] se tornariam expressões temporais [-concreto]. Posteriormente, outros
clines foram formados, Heine et al. (1991), acrescentando outro elemento ao contínuo da
gramaticalização, o texto. Após a reanálise do cline, este passou a ser descrito da seguinte
forma: espaço> (tempo) > texto. Não obstante, uma outra escala foi proposta por Heine et. al
(1991) após reanálise e ampliaram o cline: pessoa > objeto> atividade > espaço > tempo >
qualidade; sabe-se, entretanto, que uma palavra não precisa passar todos os esses estágios.
d) Ocorrências dos Verbos de movimento isolados, sem o complemento circunstancial:
(111) DOC: E me fale um pôco, assim, sobre a sua frequência na sala de aula. Foi muito à
escola? INF: Fui não, quase eu num ia não. Quande eu ia tamém, estudava à tarde, cochilava
mais do que estudava.
Portanto, as ocorrências foram eliciadas na amostra de fala vernácula analisada, com
base nesses parâmetros. Após a sua codificação, com base nas variáveis explanatórias
previamente definidas, essa base de dados foi processada, utilizando um suporte para a análise
quantitativa dos dados, o Pacote de Programas VARBRUL, que será descrito a seguir.
104
4.2.4. Suporte quantitativo
A Sociolinguística Quantitativa, segundo Tarallo (1996, p. 8), recebeu essa
denominação por operar com números e submeter os dados a tratamentos estatísticos.
Convém salientar que nem todos os programas computacionais estatísticos são totalmente
adequados para as necessidades do sociolinguista,35 tendo em vista que alguns programas não
permitem inferir plenamente a significância dos efeitos das variáveis independentes sobre a
ocorrência das realizações da variável dependente. Nesta pesquisa, cabe aos programas do
pacote VARBRUL36 executar essa tarefa, sobretudo, por ser uma ferramenta capaz medir o
efeito conjunto dos diversos fatores das variáveis independentes. Estes programas são assim
definidos por Guy e Zilles (2007, p. 105):
Varbrul é um conjunto de programas computacionais de análise multivariada, especificamente estruturado para acomodar dados, de variação sociolingüística. (...) o uso do Varbrul facilita a construção de um modelo quantificado dos processos lingüísticos que controlam e produzem os padrões reguladores da variação sociolingüística.
Para a análise, os dados são processados pelo VARBRUL obedecendo às funções
básicas de cada programa abaixo, sinalizado por Scherre e Naro (2004, p. 159)37:
1) preparar os dados para serem submetidos a análise diversas (Checktok e Readtok);
2) produzir resultados percentuais os mais diversos (...) incluindo a preparação dos dados para a análise de pesos relativos (Makecell e Make3000);
3) projetar os pesos reativos para análise binária (Ivarb ou Varb2000), ternária (Tvarb) e eneária (Mvarb);
4) efetuar tabulação cruzada de duas variáveis independentes previamente estabelecidas (Crosstab ou Cross3000);
5) efetuar pesquisa de dados pelas cadeias de codificação (Tsort) ou pelos contextos explicitados nos arquivos de dados (Textsort), seja para a conferência de dados, seja para a criação de novos arquivos de dados.
Passadas as etapas dos cálculos, efetuados nos programas logísticos, prossegue-se na
explicação do fenômeno linguístico, afinal o que se objetiva de um estudo quantitativo não é
produzir números, e sim utilizar-se desses valores estatísticos projetados, interpretando-os
35 Como por exemplo o programa SPSS (cf. GUY e ZILLES, 2007, p. 106) 36 VARBRUL – do inglês variable rules –, criado por David Sankoff (cf. Sankoff, 1988 e Pintzuk, 1988) 37 Uma análise mais detalhada do funcionamento do VARBRUL pode ser encontrada em Scherre (1998).
105
corretamente a fim de que se possa inferir a significância dos efeitos dos fatores
condicionantes em uma variável linguística, atestando, refutando ou reformulando hipóteses, a
partir do resultado final das variáveis explanatórias mensurado em peso relativo, cujo valor de
referência é feito dentro de uma escala de 0 a 99. Desta forma, podem-se fazer três possíveis
leituras do efeito do peso relativo em relação à aplicação da regra em estudo: um ponto
neutro, que se encontraria em valores próximos a .50; ação favorecedora, relacionada a todo
resultado cujo peso for acima do ponto neutro; e ação desfavorecedora, para resultados que
sejam abaixo desse valor.
Esclarece Lucchesi que, para uma leitura mais acurada, deve-se tomar o peso relativo
de cada fator relativamente aos pesos dos demais fatores do mesmo grupo. Seguramente, esta
é a maneira determinada para depreensão dos dados. Adverte Naro (2004, p. 19) que as
frequências brutas podem ser falaciosas, porque seu cálculo não leva em conta as inter-
relações existentes entre as categorias que atuam numa regra variável. Assim, para uma maior
confiabilidade dos resultados, Lucchesi (2000, p. 148) adverte que:
Os resultados finais também devem estar dentro da margem de segurança definida pelo nível de significância (o que lhes confere confiabilidade estatística). Ou seja, o nível de segurança dos resultados finais, bem como dos resultados de cada variável independente no momento da sua seleção, deve ser igual ou inferior a .05.
É conveniente salientar que mesmo as variáveis explanatórias que não sejam
selecionadas como estatisticamente relevantes pelo Varbrul, conforme afirmam Scherre e
Naro (2004, p. 166), podem e devem ser usados como indicadores, para conjecturas, sem,
entretanto, haver nenhum valor estatisticamente significativo. Além do mais, cumpre aos
linguistas a interpretação das rodadas dos dados, fazendo a leitura aprofundada dos grupos de
fatores selecionados pelo step-up e os eliminados pelo step-down, a amalgamações de fatores
dentro de uma mesma variável com peso relativo próximos, a eliminação dos nocautes
(quando necessários), o cruzamento de variáveis, etc. Porque, na realidade, segundo Naro
(2004, p. 25), “o progresso da ciência lingüística não está nos números em si, mas no que a
análise dos números pode trazer para o nosso entendimento das línguas humanas.”
106
5 ANÁLISES DOS DADOS
Neste capítulo, serão apresentados os resultados da análise variacionista do uso de
preposições junto aos verbos de movimento em 48 inquéritos do corpus do português popular
do interior do Estado da Bahia analisado nesta pesquisa (cf. Capítulo 4). Depreendeu-se do
corpus um total de 1.428 ocorrências de verbos de movimento com complementos locativos
referidos através de um SN, de acordo os exemplos (112) e (113):
(112) O homem foi pra casa ontem.
(113) Ah, por que que cê num vai na igreja?
A regência desses complementos locativos, no corpus analisado, ocorre com as
seguintes preposições: para, em, a e até. Assim, a variável dependente foi estruturada,
inicialmente, com base nessas quatro variantes. A frequência geral dessas variantes será
apresentada na seção 5.1, que contêm também uma comparação com os resultados de análises
variacionistas do fenômeno em outras variedades do português brasileiro.
Na seção seguinte (5.2), serão analisados os resultados quantitativos das variáveis
linguísticas selecionadas pelo VARBRUL como estatisticamente relevantes. Essas variáveis
linguísticas selecionadas foram: o tipo verbo de movimento; a presença ou ausência do
material interveniente entre o verbo e o complemento locativo; e a natureza do deslocamento.
E, por fim, na seção 5.3, serão analisados os resultados das variáveis sociais selecionadas: a
faixa etária, o sexo do falante e a comunidade de fala. Assim, observa-se uma atuação paralela
das variáveis linguísticas e sociais em relação ao fato linguístico em estudo, implicando a
seleção de três fatores internos da língua e três fatores externos (extralinguísticos).
Os fatores descartados pelo pacote de programas de regras variáveis VARBRUL como
possíveis favorecedores do fenômeno estudado, por ordem de eliminação, foram: a estada fora
da comunidade; a configuração do espaço (complemento circunstancial); a escolaridade; a
localização da comunidade; e o grau de definitude e o gênero do núcleo nominal do
complemento locativo.
107
5.1 RESULTADO GERAL DA VARIÁVEL DEPENDENTE
A variável dependente em foco nesta análise, a regência dos verbos de movimento, foi
estruturada em quatro valores, a saber: preposição a, para, em e até. A tabela a seguir
apresenta, em ordem decrescente, o resultado geral de cada uma das variantes definidas.
Tabela 07 – Frequência de uso das preposições selecionadas pelos verbos de movimento no português popular do interior do estado da Bahia.
Preposição Nº de ocor./TOTAL Frequência
para 834/1428 58,4%
em 575/1428 40,2%
a 14/1428 1%
até 05/1428 0,4%
A Tabela 07 demonstra um predomínio da preposição para, com quase sessenta por
cento do total de ocorrências, seguida da preposição em, com praticamente quarenta por cento
do total de ocorrências. Dessa forma, evidencia-se que, no português popular do interior do
Estado da Bahia, o uso da preposição até e da regência padrão com a preposição a são
extremamente marginais. Seria interessante cotejar esse cenário com o revelado por outros
estudos variacionistas sobre o tema feitos em outras variedades do português brasileiro.
5.1.1 A regência dos verbos de movimento em algumas variedades do português
brasileiro
Nesta seção, serão comparados os resultados de análises sociolinguísticas da regência
de verbos de movimento na fala de indivíduos urbanos, com nível fundamental e médio de
escolaridade, por um lado, e na fala de indivíduos com baixa ou nenhuma escolaridade do
interior do país, por outro.
No primeiro caso, o trabalho de Vallo (2002), cuja análise fixou-se no corpus VALPB,
constituído na cidade de João Pessoa, com falantes de um a doze anos de escolaridade,
verificou que o número de ocorrência da preposição em está em equilíbrio com o da
preposição a, 15% e 13% respectivamente. A preposição para, por sua vez, apresentou uma
alta frequência de realização, 72%. Já a análise de Wiedemer (2007) sobre a variação na
regência dos verbos de movimento no corpus do VARSUL, com falantes da região sul do país
108
também com um a doze anos de escolaridade, revela igualmente uma baixa frequência da
regência padrão, com as seguintes frequências para cada preposição: para (45%) > em (40%)
> a (15%). Fazendo a distinção entre as cidades investigadas por Wiedemer, verifica-se,
ainda, uma baixa frequência da preposição a, de acordo com a distribuição a seguir:
Florianópolis: para (44%) > em (39%) > a (17%); Blumenau: para (48%) > em (33%) > a
(19%); Chapecó: em (46%) > para (44%) > a (10%).
Por outro lado, a análise de Assis (2007), cujo corpus é uma fração do português afro-
brasileiro do Projeto Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia (cf. Capítulo 3),
reunindo as amostras de fala das comunidades rurais afro-brasileiras isoladas de Helvécia e de
Cinzento, constatou a presença majoritária da preposição em, com frequência de 54%. Nessa
variedade rural do português brasileiro, a preposição para se mostra a segunda estratégia mais
utilizada, com percentual de 42%. Já as preposições a e até não apresentaram emprego
relevante: a preposição a com dois por cento do total de ocorrências, e a preposição até com
apenas um por cento.
Dessa forma, pode-se constatar, em primeiro lugar, que, no uso concreto dos
brasileiros, o emprego da regência padrão com preposição a é bastante reduzido, não
atingindo um quinto do uso geral. Nota-se basicamente uma alternância entre as preposições
para e em, sendo que a escolha do falante entre as duas seria definida por fatores linguísticos,
tais como a natureza do movimento (definitivo ou temporário), e por fatores sociais, já que
haveria uma avaliação social mais negativa em relação ao emprego da preposição em. Esses
parâmetros podem orientar a análise do panorama sociolinguístico brasileiro em relação a esse
aspecto da gramática.
No universo aqui analisado, nota-se, inicialmente, uma clivagem entre os falantes com
nível fundamental e médio dos centros urbanos, o que pode ser definido aqui como norma
urbana semi-culta, por um lado, e, por outro lado, os falantes do interior do país com pouca ou
nenhuma escolaridade, o que pode ser definido aqui como norma popular rural do português
brasileiro. No primeiro caso, observa-se um predomínio maior ou menor da preposição para
em relação à preposição em. Além disso, o uso da regência padrão, apesar de minoritário, não
é desprezível, ficando sempre na faixa de dez a vinte por cento do total de ocorrências. Pode-
se inferir daí que esse percentual de uso da regência prescrita pela tradição gramatical decorre
da influência da escolarização sobre esse segmento social.
Em contraposição, na norma popular rural, o uso da regência padrão está praticamente
ausente, mal chegando ao patamar de dois por cento do total de ocorrências. Dessa forma,
pode-se inferir que a influência da escola, nesse segmento social, seria desprezível, no que
109
concerne a esse aspecto da gramática. Por outra parte, observa-se uma diferença significativa
no interior dessa norma social. Enquanto o português popular dos municípios de pequeno
porte do interior se aproxima do uso urbano, com o predomínio da preposição para sobre a
preposição em; na fala de comunidades rurais afro-brasileiras isoladas (algumas delas
oriundas de antigos quilombos), predomina o uso da preposição em, exatamente sobre a qual
recai o mais forte estigma social. Esse cenário pode apontar para uma relação histórica entre o
uso da preposição em com mudanças induzidas pelo contato entre línguas.
Com base nesse raciocínio, a análise que se fará aqui, parte da hipótese de que, nas
variedades populares do interior do país, teria predominado no passado o uso de uma única
preposição locativa multifuncional, a preposição em. Dessa forma, o uso da preposição para
estaria se implementando nesse universo pela influência externa proveniente dos grandes
centros urbanos. Já o uso da preposição a, difundido pelo sistema de educação formal, não
teria alcançado ainda esse universo social.
Essa hipótese, bem como o cotejo com outras variedades do português brasileiro, será
retomada na análise das variáveis sociais, na seção 5.3 deste capítulo.
110
5.2 AS VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS
Considerando o baixíssimo número de ocorrências das preposições a e até no corpus
analisado (já que juntas não chegam a dois por cento do total de ocorrências), esta análise
variacionista assumiu que essas variantes não fazem parte da gramática do segmento social
aqui analisado, o português popular de municípios de pequeno porte do interior do Estado da
Bahia. Assim, para a análise quantitativa dos dados, a variável dependente foi estruturada em
termos binários, considerando apenas as ocorrências com as preposições para e em. Foram
também excluídas as ocorrências junto a alguns verbos de movimento que apresentaram uma
frequência muito baixa no corpus analisado, tais como: voltar, correr, carregar, retornar,
descer, subir e andar.38
Com o descarte das ocorrências das preposições a e até, a base de dados passou a
contar com 1.356 ocorrências, sendo 787 da preposição para, o que corresponde a 58% do
total, e 569 para a preposição em, o que corresponde a 42% do total. Segue abaixo a
representação gráfica dos resultados:
58%
42%
EM
PARA
Gráfico 01- Distribuição das preposições para e em no português popular do interior do estado da Bahia
Dessa forma, a análise quantitativa objetivou revelar quais os condicionamentos
interferiam na escolha dos falantes sobre essas duas preposições. No plano do encaixamento
na estrutura linguística, o pacote de programas VARBRUL selecionou como estatisticamente
relevantes as seguintes variáveis: verbo de movimento, posição do complemento verbal e
natureza do deslocamento. A análise dos resultados quantitativos de cada uma dessas três
variáveis linguísticas explanatórias será apresentada nas subseções a seguir.
38 Trata-se aqui de uma frequência baixa, não de uso desses verbos, mas de seu emprego com um complemento
locativo realizado.
111
5.2.1 A variável verbo de movimento:
Diferentemente das pesquisas empreendidas por outros estudiosos, cuja análise
restringiu-se ao verbo ir, este trabalho dedicou-se a um número maior de verbos de
movimento. Essa decisão partiu da hipótese de que alguns verbos de movimento teriam
comportamentos diferenciados. Com relação à seleção dos argumentos, os verbos ir e vir, por
exemplo, apresentam a mesma grade temática; distintamente, o verbo levar apresenta outra
grade. A particularidade de cada verbo fica evidente na seleção de cada preposição, por
exemplo, o verbo chegar parece recusar a preposição para quando o complemento é
representado por núcleo SN. Assim, esta variável procura identificar como fatores relativos à
especificação semântico-sintática de cada verbo de movimento interfere na seleção da
preposição. Com esse propósito, a variável foi estruturada com cinco fatores, determinados
pelos verbos de movimento que ocorreram com uma frequência significativa no corpus
analisado: ir, vir, chegar, levar e sair, exemplificados de (114) a (118), abaixo. Os resultados
quantitativos da variável são apresentados na Tabela 08 a seguir.
(114) Quando eu vô numa festa, chegá eu fico quase de cama. (POS-inq11)
(115) Aí depois vim pa cidade. Na roça só tinha seviço da terra... (SAS-inq07)
(116) E ele... tinha vez que ele chegava em casa doze, uma hora da manhã, todo
moiado, né, inda dêxava burro nos pau. (POR-inq09)
(117) Aí ela torra, do que torra, cessa, mói, embala no saco e leva pa fêra. (SAR-
inq01)
(118) Eu... eu ajudo tombém. Pense que não! Tem semana que eu dô cinquenta reais
pra sair na rua pra comprá rôpa. (SAR-inq01)
112
Tabela 08 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s
locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo o verbo de movimento
Para Em
Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.
Levar 98/120 82% .80 22/120 18% .20
Ir 582/883 66% .68 301/883 34% .32
Vir 61/80 76% .67 19/80 24% .33
Sair 41/68 60% .64 27/68 40% .36
Chegar 5/205 2% .01 200/205 98% .99
Total 787/1.356 58% -- 569/1.356 42% --
Nível de significância: 0.015
A leitura da Tabela 08 demonstra que a preposição em é quase categoricamente
selecionada pelo verbo de movimento chegar com peso relativo de 0.99, e a preposição para
evidencia uma maior propensão de ser selecionada pelo verbo levar, com peso relativo de
0.80. Os verbos de movimento ir, vir e sair apresentam comportamentos mais ou menos
simétricos, todos favorecendo a presença da preposição para, com peso relativo de .68, .67 e
.64 respectivamente. Assim, numa análise geral observa-se que dentre os verbos de
movimento, o verbo chegar apresenta um comportamento distinto dos demais, selecionando
quase categoricamente a preposição em.
5.2.2 A variável material interveniente entre o verbo e o complemento locativo
A variável material interveniente entre o verbo e a preposição teve como motivação a
suposição de que a existência ou não de elemento nesse contexto poderia condicionar a
escolha da preposição. Além disso, a recorrência dessa variável no corpus contribuiu
significativamente para sua seleção como um dos aspectos a ser observado neste estudo. Com
essa variável, este trabalho traz uma nova contribuição para a análise do tema, uma vez que
não se tem notícias do estudo desse fator em outras análises. Os fatores que compõem esta
variável foram definidos da seguinte maneira:
113
a) sem material interveniente
(119) Mesmo certas vez, cê fazeno um convite, eles num vai, prefere ir Ø numa
festa, qué dizê, que amô eles têm? (POR-inq03)
(120) A gente ia Ø pra prefeitura, marcava o encontro, chegava lá com o prefeitcho,
com o secretário da saúde... (SAS-inq12)
b) com material interveniente
(121) Mas eu aqui, pra dormi fora, nunca! Eu podia chegá quatro, três hora da manhã
da farra, mas vinha direto pra casa. (SAS-inq11)
(122) Não. Eu [‘xô falá], não... nunca fui assim ni shopping não. Às veze, domingo
assim, tinha vez que eu ia pra praia, tinha vez que eu num ia. (POR-inq02)
A Tabela 09 apresenta os resultados obtidos com a análise dessa variável:
Tabela 09 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a variável material interveniente entre o verbo e o complemento Para Em
Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.
com material 149/285 52% .40 136/285 48% .60
sem material 638/1.071 60% .53 433/1.971 40% .47
Total 787/1.356 58% -- 569/1.356 42% --
Nível de significância: 0.015
Os resultados revelam que as sentenças com material interveniente entre o verbo e o
complemento locativo favorecem o emprego da preposição em, com um peso relativo de 0.60.
Assim, pode-se levantar a hipótese de que a presença do elemento interveniente levaria à
seleção da preposição que caracteriza o uso mais natural do falante.
114
5.2.3 A variável natureza do deslocamento:
Conforme já foi dito, essa variável foi controlada por outros autores, como Mollica,
(1998[1986]), Vallo (2003) e Ribeiro (1996), mas somente Mollica mencionou os resultados
percentuais dessa variável. No trabalho de Wiedemer (2008), a variável teve uma abordagem
distinta, sendo substituída pelas variáveis direção e frequência. Segundo o autor, esta variável
[± permanência] envolve um alto grau de subjetividade, porque seria muito difícil definir com
precisão a demora no destino a partir de relatos gravados, sem se ter a noção da intenção do
falante, restando ao estudioso da língua as pistas contextuais do discurso.
Porém, esta análise mantém a concepção de Mollica (1998[1986]) sobre o tema.
Segundo a autora, a preposição a estaria associada à natureza do deslocamento [-
permanência], cujo movimento denota a ideia de que a ida é só para um certo fim, voltando
depois. E a preposição para estaria ligada ao traço de [+permanência], cujo movimento ou
direção para algum lugar denota a ideia acessória de demora no destino. Os resultados da
análise de Mollica, de fato, comprovaram que a hipótese, com peso relativo de .72 para
preposição a, e .27 para preposição para, quando o complemento locativo contém o traço [-
permanência].
Na variedade linguística aqui analisada, devido ao uso marginal da preposição a, o
valor de um deslocamento [-permanente] recai sobre a preposição em, mantendo-se, em
contrapartida, a relação semântica entre a preposição para e o deslocamento [+permanente].
Os exemplos abaixo ilustram o grupo de fatores, e a Tabela 10 exibe os seus resultados
quantitativos.
[-permanência]
(123) A gente vai nas casa de um, vai nas casa de ôtro, toma um licozinho. (POR-
inq05)
(124) Porque eu sei que é difícil uma pessoa aceitá um convite pra ir numa igreja.
(POS-inq03)
[+permanência]
(125) Depois eu saí, vim pra aqui pa roça, depois ganhei esse nenen, num fui trabalhá
mais. (SAR-inq04)
115
(126) Num deu certo, aí vim embora pa Poções novamente. (POS-inq09)
Tabela 10 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a natureza do deslocamento.
Para Em
Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.
[-permanência] 565/1.075 63% .39 510/1.075 47% .61
[+permanência] 222/281 94% .84 59/281 21% .16
Total 787/1.356 58% -- 569/1.356 42% --
Nível de significância: 0.015
Na Tabela 10, constata-se que a natureza do deslocamento com o traço de [-permanência]
favorece a preposição em, com peso relativo de .61. Entretanto, quando o deslocamento tem o
traço de [+permanência], é a preposição para que é favorecida, com peso relativo de .84.
Assim, confirma-se da hipótese de que a preposição em se comportaria como a preposição a,
ligando-se ao traço de [-permanência], e a preposição para confirmou a sua relação com o
traço de [+permanência].
5.3 AS VARIÁVEIS SOCIAIS
As variáveis sociais, integradas às variáveis linguísticas, têm-se revelado como
impulsoras da variação. Tal influência tem sido monitorada, sobretudo, pelos estudos
sociolinguísticos. É importante dizer que esses fatores sociais atuam sobre o fato linguístico,
condicionando o comportamento do falante em relação à mudança e à variação: conservação
ou inovação.
Assim, o componente social não pode ser deixado à parte, nem deve ser medido
isoladamente. Neste trabalho, as dimensões sociais desta amostra de fala têm em sua
composição variáveis estratificadas e controladas (cf. subseção 4.2.1.1). Para as variáveis
sociais estratificadas, consideraram-se a faixa etária, o sexo e a comunidade de fala; como
variáveis controladas foram estabelecidas o nível de escolaridade e a estada fora da
comunidade. No trabalho de Mollica (1998[1986]), a variável escolaridade foi estratificada,
interferindo diretamente na composição da amostra. Na análise dessa autora, foi feito também
o controle dos fatores colocação no mercado de trabalho, mídia, sensibilidade linguística,
tendo destaque apenas o primeiro fator.
116
5.3.1 A variável faixa etária
O estudo da faixa etária se mostra uma constante nos trabalhos sociolinguísticos, pois
se busca observar se a língua se estabiliza no início da idade adulta ou se mudanças podem
ocorrer durante toda a vida do falante. No universo de observação desta análise, seus 24
informantes, tanto de homens quanto de mulheres, são divididos em três faixas etárias: a faixa
1 é formada por informantes entre 25 a 35 anos; a faixa 2, por informantes entre 45 a 55; e a
faixa 3, por informantes com mais de 65 anos. Os resultados dessa variável são apresentados
na tabela a seguir.
Tabela 11 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a faixa etária do falante
Para Em
Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.
Faixa 1 246/382 64% .58 136/382 36% .42
Faixa 2 267/486 55% .46 219/486 45% .54
Faixa 3 274/488 56% .48 214/488 44% .52
Total 787/1.356 58% -- 569/1.356 42% --
Os resultados acima confirmam parcialmente as nossas hipóteses, uma vez que a
variante inovadora, a preposição para, é a variante que predomina na geração mais nova.
Porém, nas faixas 2 e 3 não houve confirmação como um todo da hipótese. Atestou-se nessas
faixas um uso mais recorrente da preposição em, variante mais estigmatizada. Porém, o peso
relativo dessa variante não padrão na faixa 2, diferentemente do que se esperava, se sobrepôs
ao da faixa 3. A expectativa inicial era de um contínuo em relação ao uso da preposição
inovadora para, com um uso decrescente à medida que se passasse para as faixas dos falantes
mais velhos, no entanto tal hipótese não foi confirmada totalmente. De qualquer forma,
percebe-se um comportamento contrastivo entre a faixa 1 e os mais velhos (faixas 2 e 3),
confirmando o predomínio da variante inovadora entre os mais jovens, como se pode ver no
Gráfico 02:
117
0,48
0,58
0,46
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
Faixa 1 Faixa 2 Faixa 3
para
Gráfico 02 – Influência da faixa etária no uso da preposição para no português popular do interior do estado da Bahia.
Dessa forma, a observação do Gráfico 02 pode apontar para a implementação da
variante para nessas comunidades. Comparando esses resultados com os dados de norma
culta apresentados por Ribeiro (1996), constata-se uma tendência contrária de mudança, pois,
na norma urbana culta, é a variante não padrão, a preposição em, que está se implementando
entre falantes mais jovens, mais especificamente entre os homens, como se pode ver no
Gráfico 03:
0,46
0,61
0,53
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
25-35 36-55 mais de 56
em
Gráfico 3: Curva sugestiva de mudança na norma urbana culta (fala dos homens). Fonte: Ribeiro (1996, p. 63).
Os resultados apontados por Mollica (1998[1986]) indicam a mesma tendência de
mudança para norma urbana semi-culta, no que tange à implementação do em pelos mais
jovens. Os resultados dos pesos relativos para o uso das preposições padrão, a e para, são: os
mais jovens com 0,32; meia idade com 0,56; os mais velhos com 0,62. Tais dados fornecem
118
subsídios para uma afirmação que a preposição em é mais usada pelos mais jovens nessa
variedade do português brasileiro.
Portanto, essas tendências distintas de mudança que se observam, na norma urbana
culta e semi-culta, de um lado, com a implementação da preposição em, e na norma popular
do interior do país, por outro lado, com a implementação da preposição para, confirmam o
cenário de polarização sociolinguística do Brasil proposto por Lucchesi (2001, 2002 e 2006).
5.3.2. A variável sexo do falante.
Quanto à variável sexo, os informantes foram escolhidos aleatoriamente, de acordo
com um perfil previamente estabelecido: dois homens e duas mulheres por faixa etária. De
maneira geral, alguns estudos apresentam as mulheres como mais sensíveis ao uso das formas
de prestígio, de forma que tendem a liderar processos de mudança de cima para baixo. De
modo inverso, os resultados sobre o comportamento linguístico do sexo masculino apontam
para a liderança em processos de implementação de uma forma desprestigiada (PAIVA, 2004;
MONTEIRO, 2000; CHAMBERS e TRUDGILL, 1980). Observa-se, ainda, segundo Paiva
(2004, p. 37), que, na análise da variável sexo, quando separada dos demais fatores sociais, se
pode obter um resultado camuflado. Homens e mulheres desempenham papéis sociais
distintos, sendo o sexo feminino alvo constante de pressões sociais normativizadoras. Dessa
forma, as mulheres empregam menos as variantes estigmatizadas do que os homens.
Vale ressaltar que não existe diferença na fala do homem e da mulher do ponto de
vista articulatório, as relações instituídas nesse caso são sociais. No tocante ao processo de
mudança linguística, Lucchesi (2004, p. 192) esclarece que deve-se levar em consideração as
particularidades das sociedades analisadas, ressaltando as variáveis de tempo e espaço.
Esse papel é determinado pelas disposições culturais e ideológicas que caracterizam aquela sociedade específica num determinado momento histórico.
Com base nesse raciocínio, pode-se pensar que, em universos sócio-econômicos
distintos, o comportamento dos gêneros seria igualmente distinto. As análises referidas acima
apontam para uma liderança das mulheres nas mudanças de cima para baixo. Mas isso ocorre
no universo da classe média, em grandes centros urbanos. Contudo, o universo de observação
desta análise é o dos segmentos populares do interior do país. Nesse caso, o comportamento
dos gêneros pode ser totalmente distinto, ou mesmo oposto ao do que se observa na classe
média das grandes cidades.
119
Nas comunidades de fala populares do interior da Bahia, os homens saem mais de seus
lares em direção aos grandes centros econômicos para prover uma melhoria no rendimento da
família, seja para comercializar o fruto do trabalho da roça, seja para se empregar,
deslocando-se para trabalhos sazonais nos grandes centros urbanos. Segundo Lucchesi (2009,
p. 344), é justamente esse maior contato com o mundo exterior que favorece uma liderança
dos homens nesse universo social, nos processos de mudança de cima para baixo, em que uma
variante de fora penetra na comunidade em função do prestígio social. No caso da regência
dos verbos de movimento, essa variante seria a preposição para. As mulheres, por sua vez,
ocupam-se sobretudo com os afazeres do ambiente doméstico e com o trabalho na roça,
mantendo-se numa situação mais isolada, com menos contato externo. Dessa forma, a sua fala
estaria mais próxima da norma da comunidade local.
A tabela abaixo mostra os resultados obtidos nesta análise com relação à variável sexo:
Tabela 12 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s locativos no português popular do interior do estado da Bahia, segundo o sexo do falante
Para Em
Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.
Feminino 369/668 55% .43 299/668 45% .57
Masculino 418/688 61% .56 270/688 39% .44
Total 787/1.356 58% --- 569/1.356 42% ---
Os resultados confirmam o perfil esperado para os dois gêneros nos segmentos
populares do interior do país. A variante inovadora que vem de fora, a preposição para,
predomina na fala dos homens, que têm mais contato com o mundo exterior. Já as mulheres,
que estão mais presas ao seu universo social, usam mais a preposição em, variante típica
dessas comunidades de fala. Esse perfil mais conservador da variante em pode refletir o
passado de contato entre línguas dessas comunidades. Ou seja, no passado os complementos
locativos deveriam ser regidos por uma única preposição, no caso o em, na sua forma fonética
CV ni. Com o tempo, a preposição para foi sendo introduzida na comunidade.
Esses achados apontam para um desdobramento natural desta pesquisa: observar a
distribuição social da variação na forma fonética da preposição locativa em, que, nessas
variedades da fala popular do interior do país, pode se realizar com em ou como ni, como se
pode ver nos exemplos abaixo:
120
(127) Mas só que num é negoço assim de, por exemplo, falá, “ah, é namoradô... que
toda semana tá com uma e com ôtra” não, porque [isso] é meio difícil... eu num
vô em festa, num saio quase, então eu sô mais acanhado.
(128) Eu [‘xô falá], não... nunca fui assim ni shopping não. Às veze, domingo assim,
tinha vez que eu ia pra praia, tinha vez que eu num ia.
O paralelo da forma ni com o que se observa em variedades reestruturadas pelo
contato entre línguas na África (cf. Capítulo1 desta dissertação) reforça a relação histórica
entre essa forma e o contato entre línguas, aumentando a relevância do desdobramento desta
análise nessa direção.
5.3.3 A variável comunidade de fala
Para além da distribuição na estrutura social, o universo de observação desta análise
permite considerar também a variação no plano espacial diatópico. Isso porque são duas
amostras de dois municípios de diferentes regiões do Estado da Bahia: Santo Antônio de Jesus
e Poções. O primeiro município está mais próximo da capital, Salvador, e constitui um
importante centro regional de comércio, com uma economia bastante dinâmica. Já o
município de Poções está bem mais distante da capital e, em sua economia, predominam as
atividades primárias, como a pecuária. Dessa forma, espera-se que a mudança em relação a
preposição empregada junto aos verbos de movimento esteja mais avançada em Santo
Antônio de Jesus. Os resultados dessa variável são apresentados na tabela a seguir:
Tabela 13 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s
locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a comunidade de fala
Para Em
Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.
Santo Antonio
de Jesus
375/600 63% .55 225/600 38% .45
Poções 412/756 54% .46 344/756 46% .54
Total 53/419 13% --- 366/419 87% ---
121
De acordo com a Tabela 13, evidencia-se a dinâmica entre as duas cidades em estudo,
a comunidade de Poções tem uma tendência ao conservadorismo linguístico, com um
predomínio da preposição em, com peso relativo de .54. Já Santo Antônio de Jesus, por ser
um importante pólo comercial que abastece a região, atua como centro difusor, com o
predomínio da forma inovadora, a regência dos verbos de movimento com a preposição para
exibe um peso relativo de .55. Dessa forma, pode se propor que o processo de difusão da
variante inovadora, a partir dos grandes centros urbanos, atinge inicialmente os centros
urbanos mais próximos e mais integrados economicamente, para depois alcançar os pequenos
centros urbanos, mais distantes e economicamente mais atrasados.
122
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação procurou demonstrar quais são os fatores que estão relacionados ao
quadro atual de variação da regência dos verbos de movimento presente nas variedades
populares do português brasileiro, considerando sobretudo as situações de contato entre
línguas que marcam a história sociolinguística do Brasil. O universo de observação da análise
foi a fala popular de dois municípios de diferentes regiões do Estado da Bahia: Santo Antônio
de Jesus e Poções. Nesse universo, a variável preposição empregada junto aos verbos de
movimento foi composta inicialmente por quatro variantes: para, em, a e até. A variante para
foi a mais frequente, com quase sessenta por cento do total de ocorrências do corpus
analisado; seguida da variante em, com quase quarenta por cento do total. Já as variantes a e
até ocorreram de forma muito esporádica e marginal. Dessa forma, pode-se dizer que as
preposições empregadas junto aos verbos de movimento no português popular do interior do
Estado da Bahia são para e em. A estrutura prescrita pela norma padrão com a preposição a
não faz parte do vernáculo desse segmento social.
Na análise quantitativa do encaixamento estrutural da variação entre para e em como
preposição empregada junto aos verbos de movimento, o pacote de programas VARBRUL
selecionou como estatisticamente relevantes as variáveis: o verbo de movimento empregado,
a presença/ausência de material interveniente entre o verbo e o complemento locativo e a
natureza do deslocamento. Na variável verbo de movimento, constatou-se que o verbo chegar
condiciona fortemente a seleção da preposição em, enquanto os demais verbos, como ir, vir,
levar e sair, favorecem a seleção da preposição para. Quanto à presença e/ou ausência de
material interveniente entre o verbo e o complemento locativo, notou-se que a presença desse
elemento favorece o uso mais natural do falante, construído com a preposição em; em
contrapartida, a ausência desse elemento favorece a preposição para. Por fim, a variável
linguística natureza do deslocamento revelou que a preposição em é mais selecionada quando
se trata de um deslocamento temporário, assumindo o valor da preposição a, enquanto a
preposição para parece realmente ter uma relação intrínseca com o deslocamento permanente.
Dentre as variáveis sociais arroladas, as que se mostraram mais relevantes foram a
faixa etária, o sexo do falante e a comunidade de fala, na ordem da seleção feita pelo
programa estatístico. E as demais variáveis como escolarização, estada fora da comunidade,
localização da comunidade não foram selecionadas pelo programa.
De acordo com os resultados da variável faixa etária, nessa amostra de fala, comprova-
se que a preposição para é a variante inovadora, que está presente na fala do grupo mais
123
jovem. Quanto à preposição em, verifica-se maior presença nas faixas etárias mais elevadas,
podendo ser caracterizada como a variante mais conservadora. A variável sexo revelou que as
mulheres usam mais a variante conservadora, a preposição em, uma vez que estão mais
restritas à realidade local e saem pouco da comunidade; os homens, por outro lado, têm maior
contato externo e estão mais inseridos no mercado de trabalho, predominando em sua fala a
variante inovadora para. A variável comunidade de fala permite identificar o comportamento
das variantes nos municípios analisados. Desta forma, Santo Antonio de Jesus apresenta o
domínio da variante inovadora, tendo em vista a sua importância como centro comercial e
cultural da região. A comunidade Poções apresenta uma tendência ao conservadorismo
linguístico, com um predomínio da preposição em.
A partir da descrição do funcionamento das variáveis linguísticas e sociais da
variedade do português popular é possível entender o perfil linguístico desses falantes em
relação ao fenômeno pesquisado. A visão geral do fenômeno no português popular do interior
da Bahia que se tem após uma interpretação dos dados é que apenas duas preposições
apresentam valores significativos nessas comunidades: a preposição para está se
implementando na gramática das comunidades populares do interior do Estado, sendo que a
preposição em mantém vitalidade em alguns contextos específicos. O emprego da preposição
a junto aos verbos de movimento prescrito pela tradição gramatical ainda não se firmou no
vernáculo dessas comunidades, isto se deve a um sistema de educação formal que não
conseguir alcançar ainda esse universo social.
É importante salientar que a presença hegemônica das preposições para e em no
português popular, lança esse fenômeno na já conhecida polarização sociolinguística do
Brasil, em que se observa a implementação da preposição em, na norma urbana culta e semi-
culta; e a implementação da preposição para na norma popular do interior do país. Fato que
leva a pressuposição que nesta última variedade de língua, no passado teria predominado o
uso de uma única preposição locativa multifuncional, a preposição em. E, sobretudo, a partir
do século XX, com a crescente influência dos grandes centros urbanos sobre as demais
regiões do país, o emprego da preposição para junto aos verbos de movimento foi-se
incrementando.
Por outro lado, os resultados desta análise apontam também para um desdobramento
natural da pesquisa aqui apresentada no que se refere à distribuição social da variação na
forma fonética da preposição locativa em, que, nessas variedades da fala popular do interior
do país, pode realizar-se como em ou como ni. Desse modo, pretende-se prosseguir com os
estudos nessa linha de análise.
124
Por fim, espera-se que esta pesquisa possa contribuir com o conhecimento do
português popular, com o objetivo maior de traçar um panorama sociolinguístico dessa
variedade linguística com base no processo histórico da sua formação. Para além da
ampliação do conhecimento da realidade histórica e cultural do Estado da Bahia, os resultados
aqui apresentados também podem contribuir para a elaboração de estratégias de ensino de
língua portuguesa mais ajustadas ao uso concreto da língua, sobretudo por parte daqueles que
constituem o público alvo do sistema de educação pública.
125
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