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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
AMANDA MASCARENHAS SILVA
A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A TUTELA
JURISDICIONAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Salvador
2017
AMANDA MASCARENHAS SILVA
A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A TUTELA
JURISDICIONAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade
de Direito da Universidade Federal da Bahia como
requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Wilson Alves de Souza
Salvador
2017
A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A TUTELA
JURISDICIONAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal
da Bahia como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Aprovada em 12 de setembro de 2017
Banca Examinadora
__________________________________________________________
Orientador: Prof. Wilson Alves de Souza
Professor da Universidade Federal da Bahia
Pós-doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de Coimbra
__________________________________________________________
Examinador: Prof. Bruno César de Carvalho Coêlho
Professor da Universidade Federal da Bahia
Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador
__________________________________________________________
Examinador: Prof. Társis Silva de Cerqueira
Professor da Universidade Federal da Bahia
Doutorando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia
A
Meu tio Roberto (in memoriam) e aos meus amados avós, Dete, José, Maria e Osvaldo, por me
transmitirem os mais preciosos valores.
AGRADECIMENTOS
Minha devoção a Deus, fonte de sabedoria, coragem e fé. “Deus é a minha força, Ele é tudo o
que sempre preciso”.
Aos meus pais, Ana Maria e Antônio Marcos, pelo amor incondicional, dedicação e valores
passados, por idealizarem seus, os meus sonhos.
À minha irmã Vanessa, pela ternura e cumplicidade fiel.
À minha família, tão amorosa e prestativa, especialmente aos meus amados avós Dete, José,
Osvaldo e Maria, as joias mais valiosas que possuo; me sinto contemplada de vocês estarem
comigo até aqui.
Agradeço aos amigos de Riachão, em especial, a Baby, Camila e Neylinha; como também
àqueles que a faculdade me presenteou: Gabriel, Karol, Nara e Gabi, pela parceria, boas
lembranças e cadernos digitados (em especial, ao meu amigo Gabriel, pela bondade em fornecer
suas brilhantes anotações).
Além disso, registro meu muito obrigada a Dr. Marco Antonio Chaves da Silva, à Dra. Indira
Damasceno e aos queridos e amados da 17ª Vara Criminal e 6ª Vara Cível da Justiça Federal e
da Desenbahia; com quem estagiei, pelo acolhimento fraterno, ensinamentos imensuráveis e
por serem exemplos de comprometimento e humildade nas funções que exercem.
Aos grandes educadores jacuipenses, pela motivação e encorajamento durante toda a
caminhada. Orgulho das minhas raízes.
Por fim, agradeço ao estimado professor Wilson Alves de Souza, pela generosidade e
dedicação. Me senti privilegiada em tê-lo como orientador.
SILVA, Amanda Mascarenhas. A mitigação do princípio da congruência e a tutela
jurisdicional no processo civil brasileiro. 2017. 70 f. Monografia (Graduação em Direito) –
Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.
RESUMO
“É possível a mitigação do princípio da congruência a fim de que se possa melhor garantir a
efetividade da prestação da tutela jurisdicional, permitindo-se ao magistrado que decida a lide
para além dos limites fixados na demanda?” A partir desse problema foi desenvolvido o
presente trabalho, que tem por finalidade analisar o princípio da congruência, verificando as
hipóteses de mitigação no âmbito do processo civil brasileiro, sobretudo quanto às
consequências manifestadas em relação à tutela jurisdicional. Para tanto, inicialmente, cuidou
de abordar os institutos bases do direito processual civil, quais sejam, a ação, a jurisdição e o
processo, avançando também no exame dos aspectos gerais que envolve a relação processual,
tais como a petição inicial, a defesa do réu e a sentença, concentrando-se nesta, a discussão
acerca da importância da interpretação do comando decisório proferido pelo juiz. Procurou
compreender o princípio da congruência em si, discorrendo sobre o seu conceito e o alcance de
seus efeitos, entre eles, os vícios de incongruência das sentenças ultra petita, extra petita e citra
petita, apontando ainda, a influência e a correspondência de outros princípios em relação ao
tema. O trabalho objetiva, contudo, defender a real possibilidade de mitigação do princípio da
congruência, considerando a influência do Estado Democrático de Direito e das novas
perspectivas constitucionais para a atual conjuntura do processo civil, sob o fundamento de
privilegiar o princípio do acesso à justiça. Ademais, explora determinadas hipóteses de
exceções ao princípio da congruência, que podem ou não estar previstas em lei, cotejando-as
com diversos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, inferindo ao fim, que a
mitigação pode melhor propiciar a plena efetividade da justiça.
Palavras-chave: Princípio da congruência. Pedido. Causa de pedir. Vinculação. Limites da
lide. Sentença. Ultra petita. Extra petita. Citra petita. Poderes do juiz. Mitigação. Hipóteses de
exceções. Efetividade da tutela jurisdicional.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8
2 ASPECTOS GERAIS DO PROCESSO .................................................................... 10
2.1 PROCESSO, JURISDIÇÃO E AÇÃO .......................................................................... 10
2.2 PETIÇÃO INICIAL ...................................................................................................... 13
2.3 DEFESA DO RÉU ........................................................................................................ 16
2.4 SENTENÇA .................................................................................................................. 22
2.5 A INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA ...................................................................... 27
3 PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA ........................................................................... 29
3.1 CONCEITO ................................................................................................................... 29
3.2 DEFEITOS DOS ATOS PROCESSUAIS E VÍCIOS DA SENTENÇA
INCONGRUENTE ........................................................................................................ 31
3.2.1 Sentença ultra petita .................................................................................................... 35
3.2.2 Sentença extra petita ................................................................................................... 36
3.2.3 Sentença citra petita .................................................................................................... 38
3.2.4 Sentenças incongruentes, recursos e ações rescisórias ............................................ 41
3.3 O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A INFLUÊNCIA DE OUTROS
PRINCÍPIOS ................................................................................................................. 42
4 MITIGAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA ........................................... 46
4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ....................................................................................... 46
4.2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E AS NOVAS PERSPECTIVAS
PROCESSUAIS ............................................................................................................ 50
4.3 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA .................................................. 54
4.3.1 Investigação de paternidade e a concessão de alimentos......................................... 54
4.3.2 Fixação dos alimentos além do valor do pedido ....................................................... 54
4.3.3 Ações possessórias ....................................................................................................... 55
4.3.4 Benefícios previdenciários .......................................................................................... 57
4.3.5 Danos morais ............................................................................................................... 61
5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 65
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 67
8
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho propõe-se a analisar o princípio da congruência, abordando as suas
hipóteses de mitigação, sobretudo quanto às consequências manifestadas em relação à
efetividade da tutela jurisdicional. Desse modo, serão discutidas as delineações conceituais do
princípio da congruência, como também o alcance dos seus efeitos, a partir de uma
compreensão detalhada da doutrina e jurisprudência especializadas no estudo do Direito
Processual Civil no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.
Para melhor intelecção, serão discorridos os institutos bases do sistema processual civil,
quais sejam, a jurisdição, a ação e o processo, adentrando-se ainda ao exame dos aspectos gerais
que envolve a relação processual, tais como a petição inicial, a defesa do réu e a sentença,
concentrando-se nesta, a discussão acerca da importância da interpretação do comando
decisório proferido pelo juiz.
O processo civil brasileiro, sempre pautado pela segurança jurídica, vincula o
magistrado aos pedidos das partes e, a partir desta imposição se extrai o princípio da
congruência, tradicionalmente representado pelo brocardo latino “ne eat iudex ultra petita
partium”. As disposições dos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil de 2015
estabelecem que o juiz decida a lide nos limites propostos pelas partes, impedindo que se profira
decisão de natureza diversa ao que foi postulado.
Dessa forma, o juiz deve se ater aos contornos fixados da demanda, sendo defeso julgar
além dos pedidos (ultra petita), deixar de julgar algum pedido (citra petita) ou julgar pedido
diverso do que foi postulado (extra petita), sob pena de sua decisão ser eivada dos vícios de
congruência e consequentemente incorrer em nulidade. Diante da constatação de tais vícios
serão discorridas as soluções capazes de resolver o problema da nulidade da sentença.
Indo além, verificar-se-á influência e correspondência de outros princípios em relação
ao princípio da congruência, considerando principalmente o princípio dispositivo, do qual o
princípio tema é corolário. O princípio dispositivo marca a instauração processual através da
iniciativa da parte, ao mesmo tempo em que delimita o objeto da demanda (pretensão), por isso
a sentença deve corresponder aos limites por ele definidos, preservando-se dos vícios de
congruência.
Por conseguinte, o presente trabalho levanta o questionamento se cabe ao magistrado
estender a concessão de determinado pedido ou mesmo outorgar pedido diverso, propondo-se,
portanto, a discutir exceções ao princípio da congruência, nas oportunidades em que o juiz achar
9
conveniente e ao mesmo tempo entender que existe outra solução mais adequada para a lide,
ou então, por reconhecer direito específico a legitimar tal flexibilização.
A mitigação do princípio da congruência permite que magistrado infira acerca de
questões que não precisam ser suscitadas pelas partes, de modo a romper com a ideia de
silogismo judicial. Destarte, a sentença passa a guardar correlação com todos os elementos
trazidos ao processo, importando desde os pequenos detalhes até mesmo aqueles que não foram
alegados, entretanto, hábeis a influenciar a tomada de decisão pelo juiz da causa.
A instrumentalidade do processo juntamente com o princípio da economia processual
passaram a ser relevantes dogmas, principalmente com o advento do Código de Processo Civil
de 2015, que procurou estabelecer uma atuação mais dinâmica e diligente do magistrado, de
forma a atenuar regras inflexíveis quanto à formalidade processual. Logo, o julgador atual deve
adotar uma postura mais ativa e adaptável ao Estado Democrático de Direito, contribuindo para
o acesso à justiça de forma justa, célere e efetiva.
Nesse contexto, o objetivo geral da pesquisa é analisar a efetividade da prestação da
tutela jurisdicional nas lides processuais, fazendo uma ponderação entre os princípios da
efetividade e da segurança jurídica, verificando assim, a possibilidade de o juiz exercer os seus
poderes para além daqueles já atribuídos na legislação processual pátria, visto que, em tempos
atuais, o direito é fortemente influenciado pelos princípios da proporcionalidade, da
razoabilidade, do acesso à justiça e da dignidade da pessoa humana.
Destarte, pretende-se demonstrar a relevância de se alargar o poder de decisão do
magistrado, visando a consequente efetividade da tutela jurisdicional. E é justamente esse o
ponto que a pesquisa contempla, uma vez que, grande parte da doutrina e jurisprudência pátria
já aceitam a mitigação do princípio da congruência, pois entendem que o excesso de formalismo
acaba por dificultar o principal interesse da justiça, que é a entrega do direito para aquele que
incontestavelmente o possua.
10
2 ASPECTOS GERAIS DO PROCESSO
A essência do presente trabalho é analisar o princípio da congruência, abordando as
hipóteses de mitigação no âmbito do processo civil brasileiro, sobretudo quanto aos efeitos
manifestados em relação à tutela jurisdicional.
Por consequência, faz-se necessário discorrer acerca de conceitos introdutórios do
sistema processual civil, compreendendo as suas instituições básicas, dentre as quais, o
processo e os aspectos relevantes que o envolve.
2.1 PROCESSO, JURISDIÇÃO E AÇÃO
Compreender o direito processual civil brasileiro é entender, primeiramente, os seus
institutos fundamentais, uma vez que tudo começa a partir deles. Além do mais, os conceitos
de processo, jurisdição e ação não podem ser claramente elucidados se não forem interligados
entre si. Nessa lógica, para assimilar outros conceitos e institutos, a exemplo dos princípios
processuais, é substancial que se recorra a esses institutos básicos.1
Em breve síntese, o processo é a relação jurídica que tem por fim proporcionar a entrega
da tutela jurisdicional, que é obtida através do exercício do direito de ação. Humberto Theodoro
Júnior traz a seguinte definição: “Entre o pedido da parte e o provimento jurisdicional se impõe
a prática de uma série de atos que formam o procedimento judicial (isto é, a forma de agir em
juízo), e cujo conteúdo sistemático é o processo”.2
A principal característica do processo é servir de instrumento protetivo a determinado
direito material. Assim, ao mesmo tempo em que direito processual e direito material são
autônomos, eles são em si, indissociáveis. Nos dizeres de Fredie Didier Jr.:
Ao processo cabe a realização dos projetos do direito material, em uma relação de
complementaridade que se assemelha àquela que se estabelece entre o engenheiro e
arquiteto. O direito material sonha, projeta; ao direito processual cabe a concretização
tão perfeita quanto possível deste sonho. A instrumentalidade do processo pauta-se na
premissa de que o direito material coloca-se como valor que deve presidir a criação,
a interpretação e a aplicação das regras processuais.3
1 DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil.
2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 48-49. 2 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 130. 3 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 39.
11
Nesse limiar, deparam-se também o direito de ação e a jurisdição. O direito de ação
surgiu quando o Estado passou a não mais permitir a autotutela e arrogou para si a
responsabilidade de efetivar a composição das lides. Para esse intento, precisou garantir aos
sujeitos a entrega da prestação jurisdicional, através da necessária organização da atividade
administrativa da Justiça.
O direito de ação configura-se a partir do momento que o cidadão afirma ser titular de
direito sobre determinado bem da vida e dirige-se ao Poder Judiciário para postular em juízo.
É, portanto, o direito de exigir e obter a entrega da prestação jurisdicional do Estado, que será
efetivada a partir de um conjunto de atos que formam o processo.4
Por conseguinte, a jurisdição é o poder-dever do Estado em efetivar a composição de
litígios mediante aplicação do direito objetivo ao caso concreto. É a atividade pública que se
realiza quando provocada pela parte, através de seus órgãos jurídicos. Por isso, o entendimento
de que esses institutos são intimamente relacionados, porquanto “o direito à tutela jurisdicional
é exercido mediante a propositura de ação”.5
Convém sublinhar que, durante muito tempo, pensadores como Chiovenda sustentaram
que a jurisdição teria a função de atuar conforme a vontade da lei. Contudo, esse instituto
adquiriu uma nova compreensão com o Estado Democrático de Direito, que procurou adequar
o direito não apenas centrado na literalidade do preceito legal, mas privilegiando-se acima de
tudo, a sua efetividade, através de uma série de garantias e direitos assegurados aos indivíduos.
Sobre esse ponto, Humberto Theodoro Júnior ressalta que:
Esclareça-se que, na concepção atual de jurisdição, quando se cogita da realização da
“vontade da lei” não se refere à simples reprodução da literalidade de algum
enunciado legal, mas à implementação da norma jurídica, na qual se traduz o direito
do caso concreto, cuja formulação pelo julgador haverá de levar sempre em conta a
superioridade hierárquica das garantias constitucionais bem como a visão sistemática
do ordenamento jurídico, os seus princípios gerais e os valores políticos e sociais que
lhe são caros. Portanto, revelar e concretizar a “vontade da lei” é expressão que
modernamente equivale a definir e realizar “o direito”, em sua inteireza.6
O direito de ação é doutrinariamente caracterizado como sendo público, subjetivo,
abstrato e condicionado. Público porque é proposto perante o Estado e também por este
4 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 279. 5 MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito Constitucional.
2ª.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 712. 6 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 106.
12
oportunizado e garantido7. Subjetivo, uma vez que exercido, espera-se correlata prestação, ou
seja, que o Estado atue para efetivar a composição da lide. Abstrato, no sentido de independe
do resultado final do processo, porque é exercido sem a necessidade de comprovação de
existência do direito material, pois todos são titulares do direito de ação. Condicionado, em
razão de haver a necessidade de serem preenchidas as condições da ação (legitimidade de partes
e interesse de agir) e os pressupostos processuais para que se possa postular em juízo.
Importante destacar que o direito de ação foi consagrado ao patamar de direito
fundamental, com previsão no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 19888,
dispositivo que também legitima o relevante princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel
Mitidiero:
Na verdade, a realização do direito de acesso à justiça é indispensável à própria
configuração de Estado, uma vez que não há como pensar em proibição da tutela
privada e, assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de efetivo acesso
ao poder Judiciário.9
Ainda sobre esse tema, torna-se oportuno sobrelevar o posicionamento de Wilson Alves
de Souza:
Sendo assim, toda vez que houvesse violação a direito ou garantia substancial, não
fosse o acesso à justiça, esses direitos e garantias não teriam como ser exercidos. Por
outras palavras, o acesso à justiça é, ao mesmo tempo, uma garantia e em si mesmo
também um direito fundamental; mais do que isso, é o mais importante dos direitos
fundamentais e uma garantia máxima, pelo menos quando houver violação a algum
direito, porque havendo essa violação, todos os demais direitos fundamentais e os
direitos em geral, ficam na dependência do acesso à justiça.10
Frisa-se ainda que não basta garantir o direito de ação, é preciso que o Estado entregue
a tutela jurisdicional de forma razoavelmente célere, adequada e eficaz. Na percepção de
Humberto Theodoro Júnior, o atual Estado Democrático de Direito trouxe a ideia de que o
7 Adverte-se, contudo, que a demanda arbitral representa uma exceção, uma vez que é proposta perante o juízo
arbitral, contudo, é direito público, já que o Estado a reconhece. 8 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito. 9 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:
teoria do processo civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, vol. 1, p. 217. 10 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011, p.84.
13
processo precisa ser justo, necessitando estar em conformidade aos moldes constitucionais para
assegurar o pleno acesso à justiça e proporcionar a efetividade da tutela àquele que detenha
determinado direito11.
Destarte, o Código de Processo Civil brasileiro, através das formalidades e regras que
prescreve, especifica requisitos a serem observados na formação da relação processual. À vista
disso, em todo processo é imprescindível a execução de determinados atos procedimentais,
dado que a sua finalidade precípua é obter a efetividade da prestação jurisdicional.
2.2 PETIÇÃO INICIAL
A materialização do exercício do direito de ação realiza-se com a propositura da petição
inicial, é através dela que o autor provoca o Estado com o propósito de obter a prestação
jurisdicional. Com o protocolo da petição inicial instaura-se o processo, portanto, este constitui-
se no primeiro ato de formação da relação processual entre as partes (autor e réu) e o juiz. Nesse
sentido, dispõe o art. 312 do Código de Processo Civil12.
A petição inicial é um pressuposto processual de existência do processo, já que é o
instrumento pelo qual o interessado expõe a sua pretensão ao delimitar os fatos constitutivos de
seu direito perante o juízo; é, portanto, a mola propulsora para o desencadear da atividade
jurisdicional do Estado-juiz.
Assim como os demais atos processuais, a peça inaugural deve observar determinados
requisitos indicados no Código de Processo Civil, que, se não observados, ensejam o seu
indeferimento, caso o vício não possa ser corrigido e, neste caso, o processo não avançará aos
demais atos subsequentes nem alcançará a finalidade pretendida pelo autor.
O Código de Processo Civil de 2015 especifica nos arts. 31913 e 32014 os requisitos que
a peça vestibular deverá indicar. Para os fins que se destina o presente trabalho, não há a
11 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 50-51. 12 Art. 312. Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, todavia, a propositura da ação
só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for validamente citado. 13 Art. 319. A petição inicial indicará: I - o juízo a que é dirigida; II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a
existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III - o fato e os
fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas
com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - a opção do autor pela realização ou não
de audiência de conciliação ou de mediação. 14 Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.
14
necessidade de especificar todos os requisitos que devem constar na petição inicial, mas, se faz
pertinente a análise acerca de alguns deles.
Portanto, considerando que a ação tem como elementos identificadores as partes, a causa
de pedir e o pedido; a petição inicial, por ser a materialização do direito de ação, deverá
esmiuçá-los. Nesse sentido, tornando semelhantes os conceitos de ação e de demanda, Fredie
Didier Jr. entende que:
Como instrumento da demanda, a petição inicial deve revelá-la integralmente. Além
do pedido e dos sujeitos, deve a petição inicial conter a exposição dos fatos e dos
fundamentos jurídicos do pedido, que formam a denominada causa de pedir (art. 319,
III, CPC). 15
O aludido autor ainda manifesta que:
Toda petição inicial deve conter ao menos um pedido, com suas especificações (art.
319, IV, CPC). Trata-se de requisito elementar do instrumento da demanda, pois não
se pode falar, no plano lógico, de petição sem pedido. Petição sem pedido é petição
inepta, a ensejar o seu indeferimento16.
Adentrando-se nos elementos objetivos constantes na petição inicial, convém abordar
as suas especificidades. Em primeiro, a causa de pedir, que, constitui-se pelos fatos e
fundamentos jurídicos formulados pelo autor na peça exordial. Ou seja, a pretensão do autor
face ao réu deve apresentar esse elemento, principalmente, em razão de seu reflexo nos limites
da sentença. Para Humberto Theodoro Jr.:
Todo direito subjetivo nasce de um fato, que deve coincidir com aquele que foi
previsto, abstratamente, pela lei como o idôneo a gerar a faculdade de que o agente se
mostra titular. Daí que, ao postular a prestação jurisdicional, o autor tem de indicar o
direito subjetivo que pretende exercitar contra o réu e apontar o fato do qual ele
provém. Incumbe-lhe, para tanto, descrever não só o fato material ocorrido como
atribuir-lhe um nexo jurídico capaz de justificar o pedido constante da inicial.17
15 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 551. 16 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 555. 17 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 768-769.
15
O Código de Processo Civil, no art. 319, inciso III, adota a teoria da substanciação,
segundo a qual o autor deve indicar o fato e fundamento jurídico que justificam a sua pretensão.
Desse modo, a causa de pedir se subdivide em remota e próxima.
A causa de pedir remota equivale à origem do direito, composta pelos fatos que
caracterizam a relação jurídica inicial entre o autor e o réu. Já a causa de pedir próxima,
corresponde ao fundamento de direito que legitima pretensão do autor, é quando acontece a
ruptura da relação jurídica entre autor e réu (causa de pedir remota). Para Fredie Didier Jr.:
Tem, assim, o autor de, em sua petição inicial, expor todo o quadro fático necessário
à obtenção do efeito jurídico perseguido, bem como demonstrar como os fatos
narrados autorizam a produção desse mesmo efeito (deverá o autor demonstrar a
incidência da hipótese normativa no suporte fático concreto).18
Importante esclarecer, acerca da causa de pedir próxima, que o fundamento de direito
não deve ser confundido com menção a enquadramento jurídico através de dispositivos
normativos, pois não se exige a referência de texto legal como forma de assegurar o direito
pretendido com a ação. Até mesmo a imprecisa alusão a dispositivo legal não é óbice para a
apreciação da demanda pelo juiz, pois a este compete conhecer e dizer o direito.19
Quanto ao pedido, este corresponde à própria pretensão do autor, o resultado que se
espera com a propositura da ação. Ademais, Antônio Adonias Bastos e Rodrigo Klippel referem
que “o pedido corresponde à solução que o autor espera que o Judiciário proveja ao conflito de
direito material que o enlaça ao réu. Possui importância sistemática ímpar pelo fato de que – o
pedido – delimita a atividade jurisdicional”.20
O pedido classifica-se em imediato e mediato. O pedido imediato é o mesmo em todas
as ações, é aquele sempre proposto face ao Estado, no qual se requer a entrega da prestação
jurisdicional. O pedido mediato, por sua vez, representa o bem da vida pleiteado pelo autor e,
diferentemente do pedido imediato, precisa estar indicado na petição inicial. O CPC estabelece
18 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 552. 19 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 768-769. 20 BASTOS, Antonio Adonias; KLIPPEL, Rodrigo. Manual de Direito Processual Civil. 4. ed. Salvador: Jus
Podivm, 2014, p. 225.
16
ainda outros tipos de pedidos, quais sejam: subsidiário21, alternativo22 e cumulativo23 (quanto a
este último tipo, deverão ser observados requisitos de admissibilidade24).
Isto posto, verifica-se então a influência que o pedido exerce durante todo o curso
processual, principalmente em relação à sentença, visto que o juiz deve ficar adstrito ao que foi
postulado pelo autor, em respeito ao princípio da congruência. Observa-se, portanto, que o
campo de decisão do magistrado fica delimitado à pretensão do autor e, por isso, é que são
estabelecidos requisitos para o pedido, que precisa ser certo25 e determinado26, porém, a lei
autoriza hipóteses de pedido genérico27.
Ademais, o pedido deve ser concludente, ou seja, deve haver entre ele e a causa de pedir,
uma coerência lógica, sob pena de inépcia28. Logo, a pretensão do autor deve ser satisfeita,
quando diretamente conexa aos fatos narrados e aos fundamentos jurídicos expostos, dessa
forma, a congruência também haverá de ser observada na petição inicial.
Por fim, “costuma-se dizer que a petição inicial é um projeto de sentença: contém aquilo
que o demandante almeja ser o conteúdo da decisão que vier a acolher o seu pedido”.29 Revela-
se, portanto, como ato processual de significativa importância, uma vez que, ao delimitar de
forma precisa o objeto litigioso do processo, torna-se o parâmetro para uma defesa adequada
pelo réu, além de contribuir para a efetividade da tutela jurisdicional.
2.3 DEFESA DO RÉU
21 Art. 326. É lícito formular mais de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior,
quando não acolher o anterior. 22 Art. 326. Omissis. Parágrafo único. É lícito formular mais de um pedido, alternativamente, para que o juiz
acolha um deles. 23 Art. 327. É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre
eles não haja conexão. 24 § 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação que: I - os pedidos sejam compatíveis entre si; II - seja
competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. 25 Art. 322. O pedido deve ser certo. 26 Art. 324. O pedido deve ser determinado. 27 Art. 324. Omissis. § 1º É lícito, porém, formular pedido genérico: I - nas ações universais, se o autor não puder
individuar os bens demandados; II - quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou
do fato; III - quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado
pelo réu. 28 Art. 330. A petição inicial será indeferida quando: § 1o Considera-se inepta a petição inicial quando: III - da
narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; 29 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 548.
17
A defesa constitui-se em direito subjetivo conferido ao réu para rechaçar a tutela
jurisdicional que pretende o autor. Assim como o direito de ação é garantido
constitucionalmente, é também assegurado o direito de defesa, previsto no art. 5º, inciso LV da
Constituição Federal de 198830, que o legitima “[...] não só em função dos princípios da ‘ampla
defesa’ e do ‘contraditório’, mas também pelo próprio princípio da ‘isonomia’ e do ‘acesso à
justiça’”.31
O réu adentra no processo através da citação32, que se faz indispensável para o exercício
do direito de defesa, bem como para a consequente continuidade dos demais atos processuais33.
Contudo, o CPC privilegia que, antes da resposta do réu, deve ser oportunizada uma tentativa
de consenso entre as partes, através da audiência de conciliação e mediação34. Nesse sentido, o
escólio de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
Diante disso, o novo CPC, ao invés de estimular uma cultura do litígio e da sua
heterocomposição, procura fomentar a cultura do diálogo e da sua autocomposição.
Isso porque, em vez de desenhar um procedimento em que a primeira participação
do réu é uma participação litigiosa (oferecimento de defesa mediante contestação),
engendrou um procedimento em que a sua primeira participação no processo é uma
participação voltada para o diálogo, na medida em que o réu é citado para
comparecer a uma audiência voltada para a conciliação (art. 334)”.35 (grifos dos
autores).
Na ocorrência ou não de audiência preliminar de conciliação e mediação, em sequência,
é oportunizado ao réu apresentar a sua resposta e, nesse ponto, a garantia do contraditório pode
propiciar o reconhecimento da procedência do pedido, a contestação e a reconvenção. No
entanto, o demandado pode quedar-se omisso e não se pronunciar, o que dá ensejo aos efeitos
da revelia. Cabe o breve exame de algumas dessas hipóteses de resposta do réu.
30 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 31 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 329. 32 Art. 238. Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação
processual. (Código de Processo Civil de 2015). 33 Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses
de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido. (Código de Processo Civil de 2015). 34 Entretanto, há de observar, que, a audiência de conciliação e mediação não acontecerá se ambas as partes
manifestarem expressamente desinteresse na composição consensual e quando o direito material discutido não
admitir autocomposição (Art. 334, § 4º do Código de Processo Civil de 2015). 35 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:
teoria do processo civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, vol. 1, p. 359.
18
A contestação é materialização do direito de defesa, configurando-se no meio pelo qual
o réu ataca a pretensão do autor e refuta a causa de pedir e pedido formulados na petição inicial.
Cassio Scarpinella Bueno destaca que “a contestação pode e deve ser compreendida como a
contraposição formal ao direito de ação tal qual exercido pelo autor e materializado na petição
inicial”.36
Ao contestar, o réu deve expor os fatos (ônus da impugnação específica) que entende
aptos a impedir o êxito processual do autor. Por isso, essa forma de defesa representa a antítese
da petição inicial e, não diferente, também pode influir consideravelmente para o
convencimento do juiz. Quanto ao conteúdo, na maioria das vezes, a contestação irá negar tudo
aquilo que o autor aduziu (conteúdo de mérito) ou mesmo apontar vícios que maculam o
processo (conteúdo processual). Cabe acrescentar que, em determinadas causas, é importante
que o réu também apresente argumentos jurídicos.
Cassio Scarpinella Bueno afirma que:
A contestação é a forma mais ampla da defesa do réu; é, por excelência, o instante
procedimental em que se espera que ele traga concomitantemente todas as alegações,
de ordem processual e de ordem material, que possam ser significativas para
convencer o magistrado a não prestar a tutela jurisdicional pretendida pelo autor [...].37
A defesa de mérito é pertinente à discussão do direito material e caracteriza-se pelo
confronto à pretensão do autor. A defesa de mérito classifica-se como direta quando objetiva
desconstituir os fatos alegados na petição inicial ou mesmo quando, reconhece a veracidade dos
fatos, mas se propõe a rebater os efeitos jurídicos pleiteados pelo autor. A defesa de mérito é
indireta quando o réu traz ao processo um fato novo, sendo esse impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.
Em relação à defesa de mérito direta, é dispensável a réplica, uma vez que o réu se limita
em refutar a pretensão autoral, nesse caso, o ônus da prova é atribuído ao demandante quanto
ao fato constitutivo que aponta na petição inicial. Quanto à defesa indireta, deve ser
oportunizada a manifestação do autor, uma vez que o réu traz ao processo uma situação até
então desconhecida e não abordada na petição inicial, por isso, o ônus da prova fica, em
princípio, com a parte demandada.
36 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 328. 37 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 329.
19
A defesa processual (ou de rito) aponta os requisitos processuais que não foram
observados na petição inicial, através das denominadas preliminares38, que devem ser alegadas
antes da discussão do mérito da ação. Além de obstar a continuidade do processo até que se
resolva o vício alegado, algumas preliminares podem até resultar na extinção do feito sem
resolução do mérito, razão pela qual as defesas processuais se classificam em peremptórias e
dilatórias.
A defesa processual peremptória visa a imediata extinção do processo sem resolução do
mérito, já que o vício alegado não comporta correção. São exemplos: a coisa julgada, a
litispendência, a inépcia da inicial, entre outras. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior,
“Aqui, o vício do processo é tão profundo que o inutiliza como instrumento válido para obter a
prestação jurisdicional”.39
Já as defesas processuais dilatórias provocam a paralização do curso processual, até que
que os vícios apontados sejam corrigidos, portanto, haverá um prazo para que o defeito alegado
seja reparado, o que ocasiona maior tempo de duração para o processo. São exemplos:
incompetência do juízo, nulidade da citação, causas conexas, entre outras. Há que observar que,
uma defesa dilatória pode vir a ser peremptória, se, acolhida pelo juiz, a parte não cumprir a
diligência proposta a sanar o vício reclamado.
No tocante à contestação, o CPC no art. 33640, consagra o princípio da concentração da
defesa, também conhecido como princípio da eventualidade, no qual preconiza que ao réu
incumbe formular de uma só vez toda a matéria defensiva que entende cabível, evitando-se a
preclusão, pois não existirá outro momento para aduzir novos fatos ou novas provas, contudo,
existem exceções legais41. Assim, pela eventualidade, se um fundamento não convencer o
magistrado, existe a chance de serem analisados os demais.
Acerca desse princípio, oportuno o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves:
38 Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: I - inexistência ou nulidade da citação; II -
incompetência absoluta e relativa; III - incorreção do valor da causa; IV - inépcia da petição inicial; V - perempção;
VI - litispendência; VII - coisa julgada; VIII - conexão; IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou
falta de autorização; X - convenção de arbitragem; XI - ausência de legitimidade ou de interesse processual; XII -
falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar; XIII - indevida concessão do benefício de
gratuidade de justiça. (Código de Processo Civil de 2015). 39 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 802. 40 Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito
com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir. (Código de Processo Civil
de 2015). 41 Art. 342. Depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito ou a
fato superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de ofício; III - por expressa autorização legal, puderem ser
formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição. (Código de Processo Civil de 2015).
20
A exigência de cumulação de todas as matérias de defesa na contestação faz com que
o réu se veja obrigado a cumular defesas logicamente incompatíveis, por exemplo, no
caso de alegar que não houve o dano alegado pelo autor mas que, na eventualidade de
o juiz entender que houve o dano, não foi no valor apontado pelo autor, circunstância
verificada com regularidade nos pedidos de condenação em dano moral. Certa
incompatibilidade lógica é natural e admissível, mas o réu jamais poderá cumular
matérias defensivas criando para cada uma delas diferentes situações fáticas, porque
com isso em alguma das teses defensivas estará alterando a verdade dos fatos.42
É imputado também ao réu o ônus de impugnar especificadamente todos os fatos
expostos na petição inicial, sob pena de presumir verdadeira a alegação do autor que não foi
combatida; tal preceito encontra-se previsto no art. 341 do CPC43, sendo que comporta
exceções. Além do autor, o réu deve apresentar sua pretensão de forma precisa e clara, isto é, a
contestação deve ser estrita em relação ao conjunto proposto na peça exordial, em obediência
ao ônus da impugnação especificada44.
Outro tipo de resposta do réu é a reconvenção45. A reconvenção consiste numa pretensão
do réu face ao autor na própria peça contestatória, nesse aspecto, o direito de ação será exercido
de forma bilateral. Haverá no mesmo processo duas ações, a principal (formulada pelo autor) e
a reconvenção (proposta pelo réu), entre elas deverá existir conexão, uma vez que serão
decididas simultaneamente na mesma sentença.
Humberto Theodoro Júnior define que “ao contrário da contestação, que é simples
resistência à pretensão do autor, a reconvenção é um contra-ataque, uma verdadeira ação
ajuizada pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), nos mesmos autos”46. Cabe
esclarecer que é a reconvenção é uma faculdade, devendo ser utilizada diante da evidência de
um direito material do réu em relação ao autor, além disso é possível o demandado somente
reconvir e não contestar (art. 343, § 6º do CPC).
42 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2013, p. 359-360. 43 Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição
inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se: I - não for admissível, a seu respeito, a confissão;
II - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considerar da substância do ato; III -
estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto. Parágrafo único. O ônus da impugnação
especificada dos fatos não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial. 44 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 652. 45 Art. 343. Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a
ação principal ou com o fundamento da defesa. 46 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 815.
21
Em relação à garantia de defesa, no que toca ao direito de contestação, pode ocorrer a
situação jurídica da revelia47, que é a falta de contestação. Quando citado, o réu não está
obrigado a responder a demanda, porém, se assim não o fizer, sofrerá, em regra, os efeitos da
revelia. O principal efeito da revelia é que as alegações fáticas formuladas na petição inicial
serão presumidas verdadeiras, contudo, o CPC elenca as hipóteses em que tal efeito não
ocorrerá48.
Privilegiando os princípios do contraditório e da ampla defesa, o réu revel pode, a
qualquer tempo, aparecer no processo e defender os seus direitos, tal disposição está prevista
no art. 346, § único do CPC49. Contanto, o réu ingressa no processo na fase em que ele se
encontra, mas se o magistrado entender que os fatos ainda precisam ser elucidados, poderá
determinar que o réu constitua suas provas.
Insta salientar que o direito de defesa evidencia a sua relevância, uma vez que,
apresentada a contestação, o autor não pode desistir da ação sem o consentimento do réu50, pois,
poderá ser esse o verdadeiro detentor do direito reclamado e assim, uma sentença de mérito lhe
seria favorável. Toda essa conjuntura revela a influência preponderante dos preceitos
constitucionais no direito processual.
Pelo exposto, ressalta-se ainda que, se o propósito do réu é alcançar o êxito processual
face à pretensão do autor e obter para si a tutela jurisdicional reclamada, é fundamental que a
sua manifestação atenda a todos os requisitos e princípios que envolvem a defesa. Nessa linha,
oportuna a elucidação de Vallisney Souza Oliveira:
O grau de importância da contestação é também alto, porque pode aumentar a
atividade cognitiva do juiz, com apresentação de questões prévias, de novos fatos ou
de nova versão para os fatos ligados à causa de pedir. Desse modo, a congruência da
sentença será tanto em relação ao pedido do autor quanto em relação à defesa
processual e de mérito exposta na contestação.51
47 Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de
fato formuladas pelo autor. 48 Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se: I - havendo pluralidade de réus, algum deles
contestar a ação; II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III - a petição inicial não estiver acompanhada de
instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato; IV - as alegações de fato formuladas pelo autor forem
inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos. 49 Art. 346. Omissis. Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado
em que se encontrar. 50 Art. 485. Omissis. §4o Oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação. 51 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 144.
22
Destarte, assim como a petição inicial é considerada um “projeto de sentença”, a
contestação também deve ser, já que essa pode influir de igual maneira para o convencimento
do juiz e para o consequente triunfo processual do demandado.
2.4 SENTENÇA
De todos os pronunciamentos do magistrado52, incontestavelmente é a sentença53 que
detém maior relevância, uma vez que encerra a fase cognitiva do procedimento comum ou da
execução, resolvendo ou não o direito posto em discussão. O objetivo precípuo do processo
está na consecução da tutela jurisdicional e o seu desfecho se dá com a prolação da decisão
final, materializada através da sentença, ato que põe termo a atividade do Estado-juiz.
A sentença então representa o resultado atingido depois de serem analisadas as
pretensões do autor e do réu, assim, o magistrado deve decidir de acordo com a realidade
exposta nos autos e deixa-se guiar pelo princípio da boa-fé54, a fim de seu veredito mostrar-se
claro, preciso e indubitável. E para que possa produzir os efeitos previstos, esse ato processual
precisa ser publicado, seja por prolação em audiência ou quando inserida nos autos ou sistema
eletrônico; depois disso, o juiz só pode alterá-lo sob duas condições.
Nesse sentido, diz Humberto Theodoro Júnior:
A eficácia da sentença depende da reunião de condições intrínsecas e formais. Como
ato de inteligência, a sentença contém um silogismo; daí a necessidade de ela resumir
todo o processo, a partir da pretensão do autor, a defesa do réu, os fatos alegados e
provados, o direito aplicável e a solução final dada à controvérsia.55
Doutrinariamente, a sentença é classificada em terminativa e definitiva. A sentença
terminativa é aquela em que foram constatados vícios processuais impeditivos à análise do
mérito, o que leva à imediata extinção do processo. Esse tipo de sentença atinge apenas questões
52 Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. 53 Art. 203. Omissis. § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o
pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do
procedimento comum, bem como extingue a execução 54 Art. 489. Omissis. § 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos
e em conformidade com o princípio da boa-fé. 55 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 1060.
23
processuais e deriva por diversas hipóteses (art. 485 do CPC56), além de poder ocorrer em
diferentes fases processuais. Essa sentença faz coisa julgada formal, por isso é que há a
possibilidade de propositura de uma outra ação.57 O supramencionado autor entende ainda que:
[...] para compor o litígio e realizar a prestação jurisdicional, a lei exige que a relação
processual se estabeleça de modo a atender a determinados requisitos e certas
condições, o juiz, antes de enfrentar o mérito da causa, terá de exercer juízo de
admissibilidade do processo. Há ou pode haver em cada processo julgamento, portanto,
sobre a demanda e as preliminares processuais que autorizam ou impedem a apreciação
do mérito da causa.58
A sentença definitiva dispõe sobre o direito material discutido no processo, ou seja,
resolve o mérito da causa, aplicando-se um dos casos previstos no art. 487 do CPC59. Nessa
sentença há a extinção da própria relação de direito processual com a consequente resolução do
litigio entre as partes, por isso, que diferentemente da sentença terminativa, a definitiva, uma
vez transitada em julgado, opera a coisa julgada material, tornando o direito indiscutível. Nesse
ponto, tem pertinência a seguinte ponderação de Athos Gusmão Carneiro:
[...] transitada uma sentença materialmente em julgado, não poderão mais as partes
(ou seus sucessores) discutir ou reclamar, em processo posterior, quanto ao bem da
vida que a sentença atribuiu, ou denegou, a qualquer delas. Esta é a “eficácia
vinculativa plena” característica da atividade jurisdicional, e que só a atividade
jurisdicional produz.60 (grifos do autor)
Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira qualificam a
sentença de mérito como uma norma jurídica individualizada, afirmando existir um universo
56 Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: I - indeferir a petição inicial; II - o processo ficar parado durante
mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III - por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o
autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo; V - reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de
coisa julgada; VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; VII - acolher a alegação de
existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; VIII - homologar
a desistência da ação; IX - em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal;
e X - nos demais casos prescritos neste Código. 57 Art. 486. O pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação. 58 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 1027. 59 Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na
reconvenção; II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; III -
homologar: a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção; b) a transação;
c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção. 60 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência: exposição didática; área do direito processual civil. 18.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 40.
24
de preceitos abstratos criados pelo Estado, que em algum momento serão selecionados entre si
para regular um caso específico. Nesse sentido, apreende-se que a norma jurídica
individualizada surge do contexto em que há uma norma abstrata apta a regular uma realidade
de fato submetida ao crivo do Estado-juiz61.
Em compreensão semelhante, outros tantos autores afirmam que a sentença corresponde
a um silogismo judicial, espécie de operação lógica que relaciona três elementos: a premissa
maior (norma jurídica a ser aplicada em determinada circunstância), a premissa menor (a
situação fática) e a conclusão (a norma concreta extraída da submissão da premissa menor à
premissa maior). É, portanto, a subsunção de um quadro fático a uma norma jurídica, que
resultará em um julgamento, ou seja, a própria sentença.62
Outrossim, há diversos entendimentos quanto à natureza jurídica da sentença, se seria
um ato que apenas expressa o conteúdo da lei, através da inteligência do magistrado, ou um ato
que, concomitantemente a essa perspicácia, também manifesta vontade. A maioria doutrinária
(seguindo o posicionamento de Chiovenda, Carnelutti, etc.) definem a sentença como ato
intelectivo materializado através de um “comando”, em que se faz presente a vontade do Estado.
Compartilhando do entendimento majoritário, Humberto Theodoro Júnior infere que:
Funciona, em outras palavras, o juiz como o porta-voz da vontade concreta do
ordenamento jurídico (direito objetivo lato sensu) perante o conflito de interesses
retratado no processo. Proferindo a sentença, o Estado-juiz emite uma ordem, que
Carnelutti chama de “comando”, e impregna a decisão do caráter de ato de vontade;
vontade manifestada pelo julgador como órgão do Estado diante daquilo que a lei
exprime.63
Importante observar que também existem processos que chegam ao fim através da
pronúncia de outra decisão judicial, denominada de acórdão64. Esses casos são as ações de
competência originária de um tribunal, nas quais a decisão é oriunda de um julgamento
proferido por órgão colegiado. Diferentemente da sentença, o acórdão é formado pela
compreensão de diferentes magistrados acerca de determinado litígio, contudo, ambas as
decisões estabelecem condições comuns a serem observadas.
61 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual
civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.
Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 308-311. 62 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 609. 63 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 1056. 64 Art. 204. Acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais.
25
Conforme o art. 489 do CPC65, a sentença estrutura-se em um todo composto por três
elementos, quais sejam: relatório, fundamentos e dispositivo. Imprescindível que estes se façam
presentes na decisão judicial, uma vez que para a produção dos efeitos esperados, a sentença
deve apresentá-los, sob pena de incorrer em nulidade. Importante a sucinta apreciação de cada
um deles.
O relatório nada mais é do que a introdução da sentença, parte em que o juiz deve narrar
de forma objetiva e cronológica o histórico processual, principalmente registrar os fatos mais
relevantes. A importância do relatório se justifica pelo fato que, através dele, podem ser
verificados por ambas as partes do litígio, quais foram os fundamentos e as provas que o
magistrado levou em consideração no seu relato, de maneira a perceber o grau de significância
atribuído a estas circunstâncias.66
A fundamentação é o elemento essencial da sentença, pois é imperioso que o juiz dê
conhecimento ao direito que embasa a sua convicção, para então declarar a vontade da lei.
Consequentemente, todos os fatos relevantes do processo devem estar justificados e, acerca
deles, o magistrado deve fazer uma análise completa, pois não é concebível chegar-se a uma
conclusão sem antes motivar de maneira precisa e adequada a realidade apresentada no
processo.
O dever de fundamentação, já amplamente consolidado como princípio do direito
processual civil brasileiro, além de vir regulado no art. 11 do CPC, constitui-se ainda em
garantia assegurada pela Constituição Federal67. Isto posto, a ausência de motivação da sentença
enseja, segundo a maioria doutrinária68, a nulidade do ato decisório. E como forma de rechaçar
tal vício, o CPC prevê no art. 489, § 1º69, hipóteses em que as razões de decidir de um
pronunciamento judicial não são expostas.
65 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação
do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do
processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que
o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. 66 Registra-se que no âmbito das sentenças proferidas nos Juizados Especiais Cíveis, o relatório pode ser
dispensado (art. 38 da Lei n. 9099/95). 67 Art. 93. Omissis. IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes
e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado
no sigilo não prejudique o interesse público à informação; 68 Essa questão é polêmica, pois existe corrente doutrinária, cada vez mais crescente, posicionando-se no sentido
de que a fundamentação é elemento essencial para existência do ato. Seguindo esse posicionamento, Wilson Alves
de Souza aborda esse ponto no seu livro “Sentença Civil Imotivada: caracterização da sentença civil imotivada no
direito brasileiro”, precisamente no capítulo 4. 69 Art. 489. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou
acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação
com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo
26
Nessa lógica, a exigência de fundamentação é compreendida a partir de diferentes
propósitos, principalmente, o de informar as partes os motivos determinantes para a formação
da convicção do magistrado, o que lhes permite constatar se os seus fundamentos foram
considerados e se a sentença guarda congruência com os limites da demanda. Portanto, uma
boa fundamentação faz cumprir o papel do processo como instrumento de pacificação na
composição dos litígios sociais. Nas palavras de Alexandre Freitas Câmara:
Exige-se, portanto, uma fundamentação verdadeira, suficiente para justificar a
decisão, de modo a demonstrar que ela é constitucionalmente legítima. E daí se extrai
a íntima ligação que há entre o princípio do contraditório e o da fundamentação das
decisões. É que, sendo a decisão construída em contraditório, através da
comparticipação de todos os sujeitos do processo, torna-se absolutamente
fundamental que a decisão judicial comprove que o contraditório foi observado, com
os argumentos deduzidos pelas partes e os suscitados de ofício pelo juiz, todos eles
submetidos ao debate processual, tendo sido considerados na decisão.70 (grifos do
autor)
O dispositivo, último elemento estrutural da sentença, expressa-se em um comando, é a
conclusão resultante da subsunção do fato à norma jurídica (fundamentação). O dispositivo
deve guardar coerência com o relatório e os fundamentos formulados pelo magistrado, pois é
aqui que se decide o mérito da ação, afirmando-se a procedência ou improcedência do pedido,
o que permite aferir se a sentença ficou adstrita aos limites formulados na demanda ou se sobre
ela incide algum vício.
Destaca-se ainda, a influência positiva do princípio da primazia do exame do mérito no
CPC71, o qual preconiza que, sempre que possível, o juiz deve buscar soluções para sanar os
vícios processuais, bem como saber aproveitar os atos procedimentais, a fim de viabilizar o
exame do mérito, já que esse é o principal objetivo do processo. Então, como visto, o CPC
prescreve uma postura mais ativa do magistrado, com o objetivo de propiciar uma decisão de
mérito justa e efetiva.
concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV
- não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo
julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos
determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir
enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção
no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 70 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 277. 71 Art. 488. Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem
aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485.
27
2.5 A INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA
A sentença corresponde à materialização do discurso do juiz, é o produto de sua
interpretação. Tamanha é a responsabilidade em julgar, pois é fundamental a análise minuciosa
de toda a relação processual. Ao magistrado incumbe “dizer o direito”, acolhendo ou rejeitando
o pedido, não estando preso ao que foi argumentado pelas partes.
Wilson Alves de Souza relata que a interpretação é um dos grandes dilemas do direito,
uma vez que a resolução dos conflitos processuais só é atingida através de uma compreensão
adequada e atenta, sendo que a difícil tarefa de interpretar é ainda mais imperativa à figura do
magistrado, pois está nas suas mãos o poder de decisão dos litígios processuais. Coadunando-
se a esse entendimento, vislumbra-se que a efetividade do processo está intimamente
relacionada aos liames de uma decisão que considera a essa questão72.
Ao proferir a sentença o juiz tem a difícil tarefa de fazer-se compreender, por isso a
necessidade de que a decisão seja certa73, clara e justa. Outrossim, é preciso que a sentença seja
interpretada sistematicamente, levando-se em consideração o relatório, a fundamentação e, não
apenas o dispositivo. Por essa razão, esses elementos estruturais da sentença são necessários e
devem ser coerentes entre si. Como observado por Humberto Theodoro Júnior:
[...] deve-se partir do princípio básico de que não é pela simples leitura de seu
dispositivo e de seu sentido literal que se consegue extrair seu sentido e alcance. Se
se trata de ato de vontade e inteligência, interpretá-lo exige ir além das palavras
utilizadas, para alcançar efetivamente a vontade e a intenção do subscritor. E, para
tanto, não pode ser enfocada como peça isolada, autônoma e completa. Fruto que é da
dinâmica processual, seu teor só será bem compreendido se se buscar, antes de tudo,
harmonizá-la com o objeto do processo e com as questões que a seu respeito as partes
suscitaram na fase de postulação.74 (grifos do autor)
O pedido é o principal responsável por estabelecer os limites da demanda, uma vez que
o réu vai manifestar-se em face do que pretende o autor e o juiz vai julgar em conformidade às
postulações das partes. A relação de coerência que deve existir entre o pedido e a sentença é
regra a ser observada, como forma de proteger a decisão de possíveis invalidades decorrentes
de vícios de incongruência. Portanto, conforme ressaltado pelo supramencionado autor:
72 SOUZA, Wilson Alves de. Sentença Civil Imotivada: caracterização da sentença civil imotivada no direito
brasileiro. 2. ed. rev. e ampl. Salvador: Dois de Julho, 2012, p. 93-94. 73 Art. 492. Omissis. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional. 74 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 1085.
28
O pedido formulado na inicial torna-se o objeto da prestação jurisdicional sobre o qual
a sentença irá se operar. É ele, portanto, o mais seguro critério de interpretação da
sentença, visto que esta é justamente a resposta do juiz ao pedido do autor, não
podendo o provimento, por imposição legal, fixar aquém dele, nem ir além dele, sob
pena de nulidade (art. 141 e 492).75 (grifos do autor)
Em suma, a legislação processual preconiza que é defeso ao juiz proferir decisão acerca
de questões não suscitadas no processo, em respeito ao princípio da congruência, por isso a
necessidade de observância, pelo julgador, dos arts. 14176 e 49277 do CPC. Todos esses
mandamentos se justificam pelo fato de a sentença consistir em ato que altera
significativamente relações e fatos jurídicos, tornando definitivas as situações submetidas ao
crivo do Poder Judiciário.
75 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 1085. 76 Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões
não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. 77 Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em
quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.
29
3 PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA
Convém, agora, elucidar o conceito doutrinário do princípio da congruência para assim
evoluir na discussão de seus efeitos e consequências no âmbito do processo civil.
Além disso, faz-se necessário apontar a influência e correspondência de outros
princípios em relação ao princípio da congruência.
3.1 CONCEITO
Primeiramente, não existe unanimidade doutrinária em relação à nomenclatura do
princípio da congruência. Outrossim, há ainda as denominações de princípio da correlação,
correspondência, adstrição ou simetria, todos esses termos cabíveis para expressar a relação de
equivalência que deve existir entre a sentença e o pedido. Para melhor facilitar a compreensão,
usar-se-á aqui apenas o termo “princípio da congruência”.
Em breve introito, constata-se que o princípio da congruência é corolário do princípio
dispositivo, sendo este definido pelo início da atividade jurisdicional, uma vez que o processo
inaugura-se pela provocação das partes. Por isso, a íntima relação entre ambos, pois o princípio
dispositivo impõe o dever de correspondência entre a sentença e o pedido, determinando que o
magistrado fique adstrito apenas à pretensão autoral e à resistência do réu.
No tocante ao conceito do princípio da congruência, a maioria doutrinária entende como
sendo preceito no qual o juiz deve decidir a demanda dentro das pretensões objetivadas pelas
partes, ou seja, o magistrado deve se ater aos limites da lide, somente podendo pronunciar-se
em relação ao que foi expressamente pedido na petição inicial e contraposto pelo réu na
contestação. É classicamente intitulado de “ne eat iudex ultra petita partium”, princípio do
Direito Romano que lhe constituiu.
Este princípio é expressamente compreendido nos artigos 14178 e 49279 do Código de
Processo Civil de 2015. No primeiro dispositivo, entende-se que deve haver uma exata
correspondência entre o objeto proposto pelas partes e o resultado da atividade jurisdicional,
daí o conhecido brocardo jurídico: “iudex iudicare debet secundum allegata et probata
78 Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões
não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. 79 Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em
quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa,
ainda que resolva relação jurídica condicional
30
partium” (o juiz deve julgar de acordo com o que foi alegado e provado pelas partes). Portanto,
há nessa norma uma imposição de limite à atividade do juiz.
Apesar de grande parte doutrinária entender que o magistrado deve proferir a sua
decisão de acordo com os limites fixados pelo pedido do autor, entende-se que deve haver uma
análise conjunta de todo o processo, em relação às manifestações das partes e das provas
produzidas, de modo a permitir uma interpretação sistemática do magistrado, no sentido de que
este alcance a verdade real do processo, privilegiando o princípio da segurança jurídica.
Em relação ao art. 492 do CPC, que servindo de complemento ao art. 141, traz previsão
na qual o juiz, ao proferir o comando sentencial, está limitado pelo quanto disposto no pedido
da inicial, somente devendo declarar a procedência ou improcedência da demanda, não podendo
conceder nada a mais, ou fora do que se pediu, ou mesmo omitir-se de apreciar sobre o se pediu,
sob pena de tornar a sentença incongruente. Acerca desses dispositivos, Fredie Didier Jr.
explana que:
Esses dois artigos dão substância à regra da congruência da decisão judicial, segundo
a qual o juiz, ao decidir, deve ater-se aos pedidos das partes e somente a eles, não
podendo ir além, para conceder mais ou coisa diversa, nem podendo deixar de analisar
qualquer um deles. 80
Vallisney de Souza Oliveira entende que, além de ser exigida a correspondência entre a
sentença e o pedido, o princípio da congruência determina ainda a correlação deste ato decisório
com os fatos alegados na petição inicial e na contestação (e ambos constituem-se em causa de
pedir). Dessa forma, sobressai o vínculo existente entre o pedido em si e o dispositivo do
julgado, como também entre a causa de pedir e a fundamentação do magistrado.81
A observância desses liames assegura a coerência que deve possuir a sentença.
Importante ressaltar que, no tocante à fundamentação, o juiz não pode justificar-se apenas sobre
a causa de pedir formulada pelo autor, pois os contornos da lide são fixados também pela defesa
do réu. Por isso, a razão de ser a sentença, o ato que traz o desfecho do processo e proclama a
verdade extraída dos autos de forma imparcial, proporcionando às partes igualdade de
condições para o exercício de seus direitos.
80 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual
civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.
Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 359. 81 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 208.
31
Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, concordando o
entendimento de Vallisney de Souza Oliveira, classificam a congruência da decisão judicial sob
dois prismas: a congruência interna e a congruência externa. A primeira corresponde às
características de clareza, certeza e liquidez que a sentença deve revestir-se. A outra se divide
ainda em congruência subjetiva, que diz respeito aos sujeitos da ação e, congruência objetiva,
relativa aos elementos objetivos da demanda.82
Nessa linha, mesmo que o princípio da congruência tenha o seu conceito centrado na
congruência objetiva, ressalta-se que este ato é interpretado sob diversos aspectos, não apenas
devendo demonstrar a correlação com os elementos objetivos da demanda, quais sejam a causa
de pedir, o pedido e a contestação, mas também há de evidenciar a correspondência em relação
às partes do processo e ser harmônica em si mesma.
3.2 DEFEITOS DOS ATOS PROCESSUAIS E VÍCIOS DA SENTENÇA INCONGRUENTE
A partir do momento que o princípio da congruência não é observado, ocorrem os
chamados vícios processuais, que, a depender do grau, podem ensejar a invalidade do ato
decisório. De acordo à forma como se apresentem, os vícios precisarão ser reparados pelo órgão
recursal, que poderá invalidar a sentença de forma parcial ou total. Ou mesmo, pode o próprio
juízo a quo, por ofício ou por provocação das partes, retificar o ato.
Um processo que contêm vícios, por desrespeitar a formalidade imposta no
ordenamento jurídico e, de forma específica, o sistema processual civil, afronta a segurança
jurídica, que é a finalidade maior do direito, principalmente em razão deste princípio gerar para
os indivíduos a expectativa da confiança na justiça e a estabilidade nas relações sociais. Por
isso é que as previsões principiológicas devem ser cumpridas, a fim de que a justiça se
concretize com efetividade, de forma justa e segura para todos os envolvidos.
Vallisney de Souza Oliveira classifica diferentes graus jurídicos dos defeitos que podem
acometer os atos processuais, quais sejam a irregularidade, a nulidade e a inexistência83. A
irregularidade não assume tamanha relevância quanto ao erro verificado por indicar apenas uma
pequena falha processual, assim não suscita efeitos danosos ao processo e nem influi no seu
82 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual
civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.
Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 357-358. 83 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 209.
32
resultado; por isso não enseja a sanção de invalidade do processo, logo não acarreta o vício de
incongruência.
A nulidade é defeito que, a depender do grau, pode trazer sérias consequências ao
processo. De outro lado, a nulidade se classifica em relativa e absoluta. A nulidade relativa
caracteriza-se por ser mais branda, pois depende da arguição da parte, não admitindo o seu
reconhecimento ex officio pelo juiz, além de que a nulidade relativa permite a convalidação e
tem efeito ex nunc.
Já a nulidade absoluta é mais gravosa e, por ser de ordem pública, pode ser alegada por
qualquer das partes, ou pronunciada de ofício pelo juiz, a partir do seu conhecimento; não
admite convalidação e seus efeitos retroagem (ex tunc). Os atos (ou mesmo o processo) eivados
de nulidade absoluta não operam preclusão, podendo a mesma ser alegada até em recurso
ordinário inclusive.
Isso porque, em recurso especial, tal arguição depende de prequestionamento e, assim a
coisa julgada apaga qualquer nulidade. No entanto, é preciso salientar que, a nulidade absoluta,
por importar em violação à norma processual, pode ser alegada também em ação rescisória.
Vallisney de Souza Oliveira frisa, que, a decisão de mérito que não guarda
correspondência com o pedido, a causa de pedir e os pontos alegados na defesa provoca
diferentes hipóteses de nulidades (ultra petita, extra petita e citra petita), vícios que ferem o
princípio da congruência e, por via de consequência, desrespeita outros princípios e normas
processuais a ele relacionados. Sobre esse aspecto o referido autor destaca que:
Nos julgamentos em desacordo com o pedido, mister incluir decisões em
desconformidade também com a causa de pedir, o que faz com que a matéria se
relacione não somente com o princípio da congruência, mas, também, com o da
plenitude e da fundamentação das decisões. Para esse desiderato se faz necessário
entender o termo petitum tanto em sentido lato como sendo a lide (ou mérito), quanto
em sentido estrito, ou seja, como sendo (terceiro) elemento da demanda.84 (grifos do
autor)
Na compreensão do autor, a inexistência é o defeito mais grave, pois, conforme o
próprio nome já sugere, atesta algo que nunca existiu. Por essa razão, um ato reputado
inexistente não incorre em invalidade ou mesmo caracteriza algum vício de congruência, pelo
contrário, muitas vezes a inexistência de algum ato compromete a própria existência do
84 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 254.
33
processo. É defeito que pode ser alegado a qualquer tempo, portanto, nunca será coberto pelo
manto da coisa julgada. Nesse sentido, Vallisney de Souza Oliveira entende que:
Como regra, nenhuma espécie de incongruência entre a sentença e o pedido leva ao
vício da inexistência. Assim, não produzem inexistência, por graves que sejam, tanto
os vícios por ultra e extra petição, que, além de ferirem uma regra técnica processual,
atingem o princípio constitucional do contraditório, quanto o vício por citra petição
(salvo a ausência total da parte dispositiva, como já se viu), que viola as regras
processuais e também o poder de julgar. Esses atos estão apenas sujeitos à decretação
de nulidade, sendo aproveitáveis algumas vezes, especialmente em homenagem a
outros princípios como o da economia processual, na hipótese, v. g., de incongruência
por ultra petição.85 (grifos do autor).
Cabe enfatizar, que, alguns autores discordam do entendimento acima referido e
caracterizam as sentenças incongruentes como juridicamente inexistentes. Nessa linha, é o
posicionamento de Wilson Alves de Souza86. Todavia, apesar de grande parte doutrinária
considerar que a sentença citra petita é nula, este autor sustenta que a decisão é materialmente
inexistente no tocante apenas ao ponto omitido (inexistência parcial), considerando-a, portanto,
incompleta; dispõe, contudo, que, ela é válida e eficaz nos pontos decididos pelo magistrado e
que, por isso, não há necessidade de anulação.
Em relação à sentença ultra petita, o doutrinador afirma a inexistência jurídica somente
da parte excedente, sob o fundamento, que, se não houve pedido, consequentemente não houve
ação e, por conseguinte, processo. Justifica que o juiz deve respeitar a relação processual e
assim não pode decidir em favor de uma das partes acerca de pedido que não foi expressamente
formulado.
Em seguimento, Wilson Alves de Souza assevera, que, diferentemente, dos vícios ultra
petita e citra petita, na decisão extra petita não há nada a ser aproveitado, sendo esta sentença,
por completa, juridicamente inexistente em relação ao ponto que foi decidido sem a formulação
do pedido e, materialmente inexistente no ponto que foi pedido e não foi decidido. Nesse
sentido, defende que não é preciso a interposição de recursos, por compreender que se algo não
existe juridicamente, consequentemente não há a produção de qualquer efeito jurídico.
Contudo, seguindo a linha intelectiva de Vallisney de Souza Oliveira, coaduna-se com
o seu entendimento, no sentido de que podem ser decretadas as nulidades em relação às
85 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 217. 86 SOUZA, Wilson Alves de. Los limites subjetivos internos de la jurisdicción: caracterización de la Sentencia
dictada por un órgano jurisdicional sin atribución constitucional. Salvador: Dois de Julho, 2016, p. 473-478.
34
sentenças incongruentes, uma vez que que estas podem ser sanadas. Assim, nem sempre o vício
de nulidade invalidará a sentença, pois a atual conjuntura do processo civil sobreleva o princípio
da instrumentalidade de formas, no qual preconiza que poderá haver o aproveitamento do
próprio ato ou de parte dele que foi eivado por nulidade, é o exemplo de uma decisão que
concedeu além do que foi pleiteado pelo autor, mas que somente deverá ser invalidada pelo que
concedeu a mais, aproveitando-se a parte que guarda equivalência com o pedido.
A instrumentalidade do processo juntamente com o princípio da economia processual
passaram a ser relevantes dogmas, principalmente com o advento do Código de Processo Civil
de 2015, que procurou estabelecer uma atuação mais dinâmica e diligente do magistrado, de
forma a atenuar regras inflexíveis quanto à formalidade processual. Logo, o julgador atual deve
adotar uma postura mais ativa e adaptável ao Estado Democrático de Direito, contribuindo para
o acesso à justiça de forma justa, célere e efetiva.
Vale salientar que, apesar de o juiz ter o dever de pronunciar-se acerca de todas as
questões relevantes trazidas no processo pelas partes, ele somente está preso aos fatos narrados,
mas não aos argumentos jurídicos explanados pelas partes, pois, cabe a ele decidir de acordo
com o direito, devendo, se necessário, usar a analogia, os costumes, os princípios, as máximas
de experiência etc.
Assim, o juiz que decide a lide com fundamento de direito diverso dos invocados pelas
partes não infringe o princípio da congruência. Não obstante, além de ser livre para o dizer o
direito aplicável ao caso concreto, o magistrado também pode proferir a sua decisão baseando-
se pelos fundamentos jurídicos do autor ou do réu, sob a condição de que foi privilegiado o
contraditório para cada um deles e garantida a sua imparcialidade.
Constata-se a violação ao princípio da congruência sob três aspectos. O primeiro,
quando os fundamentos da sentença não respondem às postulações das partes, ou seja, não há
equivalência entre os fatos narrados e as razões de decidir. O segundo é em relação ao
dispositivo da sentença, quando este não guarda relação com o pedido. O terceiro diz respeito
aos efeitos da sentença, quando estes não condizem com a real pretensão formulada por
qualquer das partes.
Em suma, quando não são devidamente observados os limites da lide (em especial
atenção ao pedido, causa de pedir e defesa do réu), há a transgressão ao princípio da congruência
através do defeito da nulidade da sentença, que ocorre sob as hipóteses: ultra petita, extra petita
e citra petita. A sentença incongruente haverá então de ser corrigida por meio de recurso. Sobre
cada uma delas será exposta breve análise.
35
3.2.1 Sentença ultra petita
Sentença ultra petita é aquela em que o juiz julga além do pretendido por qualquer das
partes. E como a congruência ainda diz respeito à causa de pedir, há decisão ultra petita quando
o magistrado resolve a demanda baseando-se em fatos não alegados pelo autor ou pelo réu.
De forma exemplificada, se um autor requer em juízo a condenação do réu para o
pagamento de determinada quantia, não pode o juiz entender e conceder a mais do que fora
pleiteado. De maneira inversa, também não pode o juiz rejeitar a pretensão do autor e proferir
sentença que amplifique os limites da defesa do réu. Nos dizeres de Fredie Didier Jr.:
Daí se vê que, na decisão ultra petita, há uma parte que guarda congruência com o
pedido ou com os fundamentos de fato e outra que os excede. Por isso se diz que,
nesses casos, o juiz exagera na solução apresentada ou nos fundamentos invocados
em suas razões de decidir.87 (grifos do autor)
Ressalte-se que, pronunciamentos do juiz acerca de pedidos implícitos88 ou de questões
de ordem pública (a exemplo da prescrição), não se caracterizam como ultra petita. O pedido
implícito alarga o poder de decisão do magistrado, pois permite que ele infira de ofício acerca
de pontos que não precisam ser suscitados pelas partes, de modo a romper a ideia de silogismo
judicial que deve existir entre a sentença e o pedido.
A doutrina e jurisprudência reconhecem que no caso de sentença ultra petita não é
necessário reconhecer a nulidade da sentença, mas sim reformá-la, uma vez que a pretensão da
parte é atendida pelo magistrado, ficando apenas a parte além do quanto formulado, a qual
deverá ser alegada através de recurso, para que seja decotada do julgado.
Interessante explanar como a jurisprudência pátria se posiciona acerca do vício ultra
petita. Nesse sentido têm-se os julgados proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 2ª
Região89 e pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região90, nos quais manifestam que a sentença
87 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual
civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.
Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 361. 88 Art. 322. Omissis. § 1o Compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de
sucumbência, inclusive os honorários advocatícios. 89 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Administrativo e Cível. Apelação/Reexame Necessário nº
0002250-61.2003.4.02.5156/RJ. Relator: Desembargador Federal Luiz Paulo da Silva Araujo Filho. Órgão
Julgador: Turma Especializada III. Julgamento: 14/12/2016. Publicação: 24/01/2017. 90 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Direito Processual Civil. Direito Tributário.
Apelação/Remessa Necessária nº 0010216-90.2013.4.03.6128/SP. Relator: Desembargador Federal Carlos Muta.
Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgamento: 06/10/2016. Publicação: 21/10/2016.
36
ultra petita não observa os limites fixados na demanda, concedendo algo a mais do que o que
foi postulado, devendo assim, ser declarada parcialmente nula, apenas em relação ao que foi
exorbitado, a fim de se restabelecer a congruência.
Assim, em ambos os julgados, observa-se que foram interpostos recursos de apelação
com objetivo de sanar os vícios ultra petita alegados. As sentenças não foram invalidadas e,
não houve, portanto, a necessidade de os autos retornarem ao juízo a quo. As decisões de mérito
proferidas pelo magistrado de primeiro grau foram mantidas, retirando-se apenas as partes que
excederam as pretensões formuladas.
3.2.2 Sentença extra petita
Sentença extra petita é aquela em que o magistrado decide sobre o que não foi requerido
no processo.
É frequente a confusão doutrinária e jurisprudencial em relação às sentenças ultra petita
e extra petita. Enquanto naquela a decisão julga favoravelmente em favor de uma das partes,
mas amplia a sua pretensão; nesta o juiz desconsidera o pedido ou fundamentos das partes,
proferindo decisão de natureza diversa. O ponto em comum é que, ambas apresentam error in
procedendo (erro de procedimento), que ocasiona a nulidade do ato decisório.
Vallisney de Souza Oliveira entende que, quando o juiz profere decisão correlacionada
ao pedido, mas sem levar em consideração os fatos aduzidos pelas partes e considerando outros
fatos, ocorre incongruência por desvio de julgamento, além de evidenciar clara violação ao
princípio do contraditório. Porém, se esses novos fatos resultarem em outra interpretação para
a pretensão formulada, haverá desvio de atenção, muito mais gravoso e mais intenso em
provocar a nulidade do julgado por vício extra petita.91
Nesse sentido, percebemos a ampliação dos efeitos da sentença extra petita, uma vez
que, além de infringir o princípio da congruência, contraria o devido processo legal, violando
consequentemente os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que se apresenta
como uma “decisão surpresa”, prejudicando uma das partes, de maneira a mitigar o seu direito
de defesa, por impor um resultado sobre o qual não pôde se pronunciar.
Um típico exemplo de decisão extra petita é quando o autor requer a condenação do réu
ao pagamento de determinada quantia e o magistrado erroneamente decide em seu favor, mas
91 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 262.
37
condena o réu numa obrigação de entregar determinado bem, diferente do bem jurídico
pleiteado. De igual maneira, é extra petita a sentença que não decide sobre pedido de
indenização por danos materiais e decide concedendo sobre danos morais, ou seja, algo
diferente daquilo que foi pleiteado pelo autor.
A sentença extra petita é no seu todo nula, uma vez que decide completamente fora dos
limites formulados na lide, não havendo nada a ser aproveitado.
Na decisão extra petita, o interessado deve interpor o recurso de apelação para que seja
declarada a invalidade do julgado com o consequente retorno dos autos ao juízo a quo, a fim de
se proferir nova decisão com a observância do princípio da congruência. O Tribunal não pode
julgar diretamente o mérito, pois o juízo a quo precisa conhecer e decidir acerca do que
realmente foi postulado, em respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição.
Esse entendimento foi observado no aresto Tribunal de Justiça do Distrito Federal92 , no
qual definiu-se que, conforme previsão dos artigos 141 e 492 do CPC, seria vedado ao
magistrado proferir julgamento fora dos contornos estabelecidos na lide; por isso, a sentença
que não analisa o que efetivamente foi apresentado na inicial como pedido e causa de pedir,
concedendo bem da vida diverso, incorre em nulidade, o que acarreta a consequente cassação.
Sendo assim, constatado o vício extra petita, deve haver o retorno dos autos à vara de origem,
para que seja proferida nova decisão, observando-se com atenção todos os pedidos e causas de
pedir formuladas na demanda.
Todavia, há o entendimento que, se o processo estiver em condições de imediato
julgamento e versar apenas sobre questões de direito, sem mais necessitar da produção de
provas, pode o Tribunal apreciar o mérito, caso constante que o julgamento não irá acarretar
qualquer prejuízo para as partes (teoria da causa madura), contribuindo para a celeridade
processual.
Não se caracteriza como sentença extra petita aquela em o juiz decide com base em
argumentos jurídicos distintos daqueles alegados pelas partes. A esse respeito, conveniente
destacar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, consoante se extrai do Agravo
Regimental no Recurso Especial nº 1.565.055/SC, de relatoria do Ministro Mauro Campbell
Marques 93, no qual asseverou que “apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-
92 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20160110556515. Relator: Desembargador
Alfeu Machado. Órgão Julgador: Sexta Turma Cível. Julgamento: 24/05/2017. Publicação: 30/05/2017. 93 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.565.055/SC. Relator:
Ministro Mauro Campbell Marques. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 15/12/2015. Publicação:
18/12/2015.
38
lhes a qualificação jurídica que entender adequada ao acolhimento ou à rejeição do pedido,
como fruto dos brocardos iura novit curia, da mihi factum dabo tibi ius”.
Destarte, como já explanado, não há que se falar em vício nessa hipótese, pois de acordo
com o princípio do livre convencimento motivado do juiz, positivado no art. 371 do CPC94, a
formação de sua convicção não é condicionada ao que foi aduzido pelas partes, o magistrado
tem liberdade para justificar-se de acordo com o direito que entende ser o mais adequado.
3.2.3 Sentença citra petita
A decisão citra petita ocorre quando o magistrado julga de forma incompleta, seja em
relação ao pedido formulado ou fundamento alegado por qualquer das partes. Há, portanto, uma
omissão do julgamento sobre ponto relevante para o deslinde do processo. Fredie Didier Jr.,
Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira esclarecem que:
Se na decisão ultra petita o juiz exagera e, na extra petita, ele inventa, na decisão citra
petita o magistrado se esquece de analisar algo que tenha sido pedido pela parte ou
tenha sido trazido como fundamento do seu pedido ou da sua defesa.95
Nesse vício, há o descumprimento do dever de julgar, atribuído ao juiz, violando assim
o princípio da indeclinabilidade da jurisdição, como também o princípio do acesso à justiça,
uma vez que compromete o devido exercício da função jurisdicional e não garante a solução
esperada pela parte, que delegou o seu problema nas mãos do Estado-juiz.
Havendo cumulação de causas de pedir com único pedido, o juiz ao refutar a primeira
causa petendi, terá que apreciar a segunda, mas se acolhe o pedido em si não há necessidade de
se apreciar a segunda causa de pedir, porque o bem da vida já foi alcançado.
No tocante à causa de pedir, o juiz não precisa se ater a todos os fatos alegados no
processo, mas é necessário que se pronuncie acerca de argumentos significativos para a
resolução processual, principalmente aqueles que guardam relação com a sua convicção.
Assim, é citra petita a decisão que nega a pretensão autoral, sem que o juiz tenha se manifestado
sobre todos os fatos alegados pelo demandante (da mesma forma com o réu).
94 Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e
indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento. 95 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual
civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.
Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 368.
39
De fato, se um fundamento relevante não foi analisado e apreciado pelo magistrado,
além de configurar-se em vício citra petita, caracteriza ainda a ausência de fundamentação, o
que não pode ser admitido, por esta ser requisito intrínseco da sentença, além de sua falta ensejar
a nulidade do ato decisório. Contudo, é citra petita a decisão que não examina todos argumentos
relevantes, principalmente àqueles que são contrários à conclusão atingida pelo julgador.96
Ocorre também esse vício de congruência na hipótese de o juiz não deferir pedidos
implícitos ou questões de ordem pública, pois, como se sabe, estes não precisam ser formulados
pela parte, cabendo o juiz concedê-los de ofício. Há, também, acerca de reconvenção.
É citra petita a sentença que decide sobre pedido acessório e não decide sobre o
principal. De outro lado, é citra petita a sentença em que o autor formula dois pedidos e o juiz
aprecia apenas um deles.
No caso de cumulação subsidiária de pedidos, o juiz deve apreciá-los na ordem
postulada pelo autor. Assim, não ocorrerá o vício citra petita, se acolhido o primeiro pedido e
não apreciado o segundo; porém a inversão da apreciação pelo juízo torna a decisão citra petita.
Em relação ao pedido e sua correlação com o vício citra petita, tem-se que, no caso de
o juiz pronunciar-se acerca de pedido acessório, mas sem se manifestar sobre o pedido principal
enseja a incongruência por omissão, contudo, não é, se o juiz analisa primeiro o pedido
principal. Há incongruência também quando há mais de um pedido, e a decisão se debruça
apenas sobre um deles. Porém, não é incongruente a sentença que decide por determinada
pretensão, quando o autor optou por formular pedidos alternativos, ou seja, cabe ao magistrado
a escolha de qualquer um deles.
Portanto, tratando-se esse vício de uma omissão, pode-se utilizar, como via recursal, os
embargos de declaração, com base no art. 1.022, II do CPC97. Todavia, o fato de a parte não ter
interposto tal recurso, não há que se falar em preclusão, nem mesmo impedimento para a
interposição da apelação, também apta a suprir uma decisão citra petita.
Há diferentes posicionamentos doutrinários acerca da providência jurídica a ser adotada
no caso de a sentença ser citra petita. Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria
de Oliveira argumentam que não há a necessidade de anular a sentença, sob o fundamento de
96 É esse o entendimento extraído do art. 489, § 1º, IV do Código de Processo Civil de 2015, senão vejamos: Art.
489. Omissis. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou
acórdão, que: IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador; 97 Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: II - suprir omissão de ponto
ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
40
que não houve decisão e, por assim ser, não se pode invalidar o que não existiu, devendo a
sentença ser integrada para tornar-se inteira.98
Manifestando-se em contrário, Vallisney de Souza Oliveira considera que uma sentença
citra petita é inválida e por isso há de se reconhecer a nulidade, não podendo o órgão recursal
integrá-la, pelo fato de que o juízo a quo precisa julgar acerca do pedido ou fato que por omissão
não foi apreciado, uma vez que haveria supressão de instância, ou seja, violação ao princípio
do duplo grau de jurisdição.99
Tal divergência é observada em recentes arestos do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região. Enquanto um julgado entende que no caso de sentença citra petita cabe o julgamento
imediato do mérito pela instância recursal, caso a relação processual esteja devidamente
formada, no sentido de não mais precisar da produção de elementos probatórios e nem se
vislumbrando qualquer prejuízo para a defesa100; o outro defende que é necessária a anulação
da sentença recorrida e consequente retorno dos autos à primeira instância, a fim de que o juízo
a quo aprecie o pedido que deixou de ser apreciado101.
Contudo, coaduna-se com a concepção de que, se o Tribunal invalidar uma decisão e
julgá-la nula, mas perceber que ela está em condições de imediato julgamento, não há porque
remeter o processo ao juízo a quo, podendo então o próprio órgão recursal proferir nova
sentença, privilegiando-se assim o princípio da economia processual. Essa intelecção está
positivada no art. 1.013, § 3º, III do CPC102 e já é seguida pelo Superior Tribunal de Justiça no
REsp 1666198/MG103, de relatoria do ministro Francisco Falcão.
98 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual
civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.
Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 369. 99 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 269. 100 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação/Reexame Necessário nº 2009.39.00.012072-5/PA.
Relator Convocado: Juiz Federal Eduardo Morais da Rocha. Órgão Julgador: Sétima Turma. Julgamento:
23/05/2017. Publicação: 02/06/2017. 101 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação/Reexame Necessário nº 0034084-
56.2013.4.01.9199/MG. Relator: Juiz Federal Rodrigo Rigamonte Fonseca. Órgão Julgador: Primeira Câmara
Regional Previdenciária de Minas Gerais. Julgamento: 22/05/2017. Publicação: 14/07/2017. 102 Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 3o Se o processo estiver
em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: III - constatar a omissão
no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; 103 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.666.198/MG. Relator: Ministro Francisco Falcão.
Julgamento: 16/05/2017. Publicação: 08/06/2017.
41
3.2.4 Sentenças incongruentes, recursos e ações rescisórias
O princípio da congruência se aplica ainda ao órgão recursal, pois o recurso apto a
refutar a sentença incongruente também deve estar adstrito ao que foi postulado pelas partes,
ou seja, aos contornos formulados na demanda. O juízo ad quem não pode conceder mais ou ir
além do quanto solicitado, nem mesmo ficar aquém da pretensão.
Nessa seara, cabe ao Tribunal cabe observar os limites estabelecidos no recurso, para
que seus acórdãos não contenham os vícios ultra petita, extra petita e citra petita. Destaca-se
que não se admite a reformatio in pejus, ou seja, não é permitido que o recurso agrave a situação
da parte que o utilizou (salvo quando a outra parte também usar o recurso), somente podendo
mantê-la ou melhorá-la, de acordo com o que foi formulado.
O efeito devolutivo é inerente a todos os recursos e se caracteriza pela devolução da
matéria para revisão pelo órgão de instância superior, exceto nos embargos declaratórios, que
é recurso oposto para que o próprio juiz de primeiro grau revise a sua decisão, com o propósito
de eliminar os vícios de obscuridade, contradição, omissão ou erro material.
Vallisney de Souza Oliveira explicita que os embargos de declaração servem ao
propósito de o juízo a quo rever a sua decisão e sanar as irregularidades apontadas em sede de
qualquer vício de congruência, o que contempla o princípio da economia processual, ao mesmo
tempo que contribui para uma prestação jurisdicional mais célere e menos dispendiosa.104
Assim, os embargos declaratórios podem ser interpostos tanto para correção de sentença
citra petita, como de sentenças ultra petita e extra petita. Portanto, se a parte for prejudicada
com um desses vícios, ela opõe este recurso para o próprio juízo que proferiu a decisão
incongruente, oportunizando a correção do vício alegado.
Ocorre que, se a parte não utiliza os embargos declaratórios, ela ainda pode se valer da
apelação. Em caso de recurso especial, tal alegação depende de prequestionamento. A apelação
devolve ao Tribunal a matéria decidida em juízo de primeiro grau para que a decisão combatida
seja anulada ou reformada.
Como já explanado, no vício ultra petita, não há a necessidade de o juízo ad quem anular
a decisão, pelo fato de que, apenas uma parte da sentença exorbitou os limites definidos na
demanda, cabendo, portanto, retirar-lhe o excesso.
104 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 280.
42
No caso de sentença extra petita, é imprescindível que o Tribunal anule a decisão105,
sob o fundamento de que se o juízo a quo não tomou conhecimento da verdadeira pretensão da
parte, então não cabe ao Tribunal conhecer a real formulação e decidir acerca do seu mérito se
o juízo de primeiro grau assim não o fez; a razão disso está no princípio do duplo grau de
jurisdição. Contudo, o Tribunal pode decidir sobre o ponto não apreciado, se a causa estiver em
condições de imediato julgamento.
Em relação ao vício citra petita, conforme o que foi alhures mencionado, há a
divergência jurisprudencial sobre complementar ou anular a sentença. Contudo, corrobora-se
com o entendimento de que, se o processo já conter os elementos capazes de respaldar a tomada
de decisão pelo Tribunal, não há porque anular a sentença, mas sim integrá-la.
Por fim, a sentença com vício de congruência ainda pode ser desconstituída por ação
rescisória, com base no art. 966, V, do CPC106. O prazo máximo de propositura dessa via
recursal são dois anos, após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.
3.3 O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A INFLUÊNCIA DE OUTROS PRINCÍPIOS
Os princípios são pilares que estruturam o ordenamento jurídico, além de servirem ao
aperfeiçoamento da justiça, uma vez que contribuem para a segurança jurídica do ordenamento
pátrio. São dotados de força normativa e também favorecem a percepção do sentido de outras
normas jurídicas, facilitando-lhes a interpretação e a aplicabilidade. Ademais, alicerçam o
sistema jurídico; são mandamentos a serem observados e cumpridos. Como diz Wilson Alves
de Souza:
[...] os princípios jurídicos têm conotação coercitiva porque são normas jurídicas
positivas, e não normas de direito natural, muito menos normas morais, de modo que
é possível buscar proteção judicial com fundamento neles. No entanto, isso não
significa dizer que os princípios jurídicos não encontram fundamento na moral, até
porque a norma jurídica legislada também pode encontrar fundamento na moral
[...].107
O Código de Processo Civil de 2015 é regido por uma série de princípios, implícitos ou
expressos em dispositivos legais. Destarte, os princípios guardam íntima relação uns com os
105 Conforme já mencionado, Wilson Alves de Souza sustenta que o Tribunal deve declarar a inexistência do ato. 106 Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: V - violar manifestamente
norma jurídica; 107 SOUZA, Wilson Alves de. Sentença Civil Imotivada: caracterização da sentença civil imotivada no direito
brasileiro. 2. ed. rev. e ampl. Salvador: Dois de Julho, 2012, p.75.
43
outros, no sentido de confirmação, completude ou limite para a atuação de cada um. Nessa
linha, percebe-se que o princípio da congruência é ratificado pela interpretação de outros
princípios e vice-versa.
Como já dito alhures, o princípio dispositivo é precursor do princípio da congruência,
fundamentando, por isso, o seu cumprimento. Assim, se o princípio dispositivo marca a
instauração processual através da iniciativa da parte, ao mesmo tempo em que delimita o objeto
da demanda (pretensão), deve então a sentença corresponder aos limites por ele definidos,
preservando-se dos conhecidos vícios de congruência.
Não obstante, os princípios dispositivos e da congruência estão umbilicalmente
correlacionados aos princípios da inércia da jurisdição108 e da autonomia da vontade. Desse
modo, com a propositura da demanda, a parte incita a prestação da atividade jurisdicional
através do direito de ação e a partir daí passará o magistrado a agir de ofício, exercendo o
controle do curso processual para a efetivação da lide levada ao seu conhecimento, salvo alguns
casos em que cabe ao juiz conhecer de ofício, como os de ordem pública.
À vista disso, o processo se move consoante à vontade das partes, que são livres para
formular as suas pretensões e para requerer o que lhes satisfaçam. Isto posto, é determinado ao
magistrado criar a sua convicção em conformidade aos limites do processo, ou seja, ele deve
estar arraigado ao objeto da ação. Logicamente que a sua decisão não precisa ir de encontro ao
alvitre do autor ou do réu, mas manter-se adstrita somente ao que foi discutido, seja para
confirmar (mesmo parcialmente) ou negar o bem da vida requerido.
Vallisney de Souza Oliveira sustenta que a sentença incongruente desrespeita o
indivíduo, já que este utiliza o direito de ação em busca de satisfazer um anseio que lhe é
particular. Logo, de algum modo, os princípios da inércia da jurisdição e da autonomia da
vontade controlam o livre-arbítrio do poder jurisdicional, coadunando-se ao princípio da
congruência, com os desígnios de moldarem a atuação do magistrado.109
Porém, é assegurado ao juiz determinar-se espontaneamente quanto à aplicação o
direito, em respeito ao princípio do iura novit curia. E nesse aspecto, o princípio da congruência
se impõe, pois o juiz não está vinculado aos argumentos jurídicos apresentados pelas partes,
sendo livre para estabelecer o silogismo jurídico que entende ser adequado dentro dos contornos
da lide.
108 Encontra-se positivado no artigo 2º do Código de Processo Civil de 2015. Art. 2o O processo começa por
iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. 109 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 81.
44
Ressalta-se que, o princípio da congruência é ainda seguimento lógico do princípio
constitucional da segurança jurídica, visto que aquele, do mesmo modo, impõe-se como limite
à atuação do magistrado ao determinar a correspondência que deve existir entre a sentença, o
pedido do autor e a resposta do réu, sendo-lhe vedado julgar desconforme ao quanto postulado
pelas partes. Tal imposição também privilegia a estabilidade das relações jurídicas, o que revela
a incontestável ligação entre esses dois princípios.
Quanto à segurança processual, oportuno mencionar os dizeres de Daniel Mitidiero,
Ingo Wolfgang Sarlet e Luiz Guilherme Marinoni:
No entanto, não basta obviamente estruturar o processo para que nele haja segurança.
Em uma perspectiva geral, de bem pouco adianta um processo seguro se não houver
segurança pelo processo, isto é, segurança no resultado da prestação jurisdicional.110
(grifos do autor)
Outrossim, o princípio da congruência está estreitamente relacionado aos princípios do
devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, garantias asseguradas na Magna
Carta e alçadas à categoria de direitos fundamentais. O magistrado é responsável por
oportunizar a manifestação das partes sobre todos os atos processuais. E é por isso que a
sentença deve ser construída a partir do que foi discutido e provado no processo, respeitando o
exercício desses direitos constitucionais.
Salienta-se que a sentença incongruente fere o princípio do devido processo legal e
consequentemente os princípios do contraditório e da ampla defesa. Acerca disso, Vallisney de
Souza Oliveira destaca:
O julgamento ultra – consignou-se na sua análise principiológica (Título III, Cap. II)
– arranha o princípio constitucional do contraditório e o direito ao devido processo
legal, enquanto a decisão citra petita é incongruente mais especificamente por violar
a regra, também de esteio constitucional, de que nenhuma lesão poderá deixar de ser
apreciada pelo Judiciário (princípio da indeclinabilidade do julgamento). Por fim, a
sentença extra petita infringe simultaneamente todos esses princípios citados,
sobretudo o do contraditório.111
O princípio da ampla defesa caminha de mãos dadas com o princípio do contraditório,
pois aquele configura-se na materialização deste, na medida em que oportuniza ao sujeito, a
110 MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito
Constitucional. 2ª.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 758. 111 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 257.
45
partir do exercício do contraditório, defender-se e produzir provas acerca dos atos processuais
da parte adversa. Assim, as pretensões do autor e do réu necessitam ser submetidas ao debate,
inclusive as questões conhecidas de ofício pelo magistrado, de forma a evitar surpresas nas
decisões e, consequentemente, inviabilizar os vícios de congruência. Nos dizeres de Teresa
Arruda Alvim Wambier:
Efetivamente, só tem sentido se conceber o contraditório se se pressupõe a existência
de um observador imparcial. Em outras palavras, de nada adiantaria garantir às partes
o direito a manifestar-se se não houvesse a garantia correlata de essas manifestações
serem ouvidas, o que corresponde ao dever do juiz, no sentido de leva-las em
consideração, seja para acolhê-las, seja para rejeitá-las.112 (grifos da autora)
Portanto, o réu deve ter o direito de manifestar-se nos moldes da pretensão autoral e, da
mesma maneira, o demandante de pronunciar-se sobre os fatos alegados na defesa. Ou seja, é
preciso fornecer tratamento igualitário às partes, propiciando-lhes o embate processual sob as
mesmas condições, de modo a contribuir para a consecução de um processo imparcial, efetivo
e justo.
112 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Vinculação do juiz aos pedidos e o princípio do iura novit curia. In:
MITIDIERO, Daniel; AMARAL, Guilherme Rizzo (coordenadores); FEIJÓ, Maria Angélica Echer Ferreira
(organizadora). Processo Civil - Estudos Em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.
São Paulo: Atlas, 2012, p. 466.
46
4 MITIGAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA
Concluída a análise dos aspectos gerais do processo, bem como elucidado o conceito do
princípio da congruência e, tratado o seu alcance, imperioso discutir e verificar as hipóteses de
suas exceções e as possíveis consequências na prestação da tutela jurisdicional no âmbito do
Processo Civil brasileiro.
4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Tradicionalmente tem-se que o princípio da congruência é aquele que vincula a sentença
ao pedido do autor. Contudo, com o passar do tempo, o seu conceito e abrangência foram
alargados, para incluir não só o pedido, mas sim toda a pretensão autoral, levando-se ainda em
consideração a causa de pedir, que é extraída a partir dos fatos alegados na petição inicial. E
não diferente, privilegiando-se o princípio do contraditório, a defesa do réu passou a ter
equivalente relevância para a sentença, ou seja, a sua pretensão não é desconsiderada.
Ocorre que, da mesma forma como acontece com os demais princípios, o princípio da
congruência não impera absoluto, inclusive já existem exceções legais. Assim, doutrina e
jurisprudência consolidam o entendimento de que os pedidos implícitos e as matérias de ordem
pública podem ser inseridos na sentença de ofício pelo magistrado, sem que se possa falar em
violação ao princípio da congruência. Em relação às matérias de ordem pública, Humberto
Theodoro Júnior esclarece que:
É claro, porém, que as normas legais de ordem pública, sendo impositivas e
indisponíveis, haverão de ser aplicadas pelo juiz, de ofício, quer tenham as partes as
invocado, quer não. Isso será feito, no entanto, apenas no limite necessário para
solucionar o litígio descrito pelas partes. O pedido e a causa de pedir (i.e., o objeto do
processo) continuarão imutáveis, não cabendo ao juiz alterá-los a pretexto de aplicar
lei de ordem pública. É apenas a resposta jurisdicional, dada sobre o objeto do
processo, que levará em conta a norma de ordem pública. Dessa maneira, o princípio
da demanda e o princípio da congruência continuarão respeitados, mesmo quando a
sentença aplicar, de ofício, regra de ordem pública não invocada pela parte.113
Esse posicionamento também respalda a inserção dos pedidos implícitos à sentença,
uma vez que mesmo sem a solicitação expressa da parte, entende-se que os mesmos são
113 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 73.
47
inerentes ao processo, por isso, impõe-se obrigatoriamente ao juiz decidir de ofício acerca de
questões como juros legais, correção monetária e verbas de sucumbência, nessas, estando
contidos os honorários advocatícios.
Em relação à correção monetária, o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese, em sede
de recurso repetitivo (tema 235 – Recurso Especial nº 1112524/DF, de relatoria do Ministro
Luiz Fux114) que, esta seria “matéria de ordem pública, integrando o pedido de forma implícita,
razão pela qual sua inclusão ex officio, pelo juiz ou tribunal, não caracteriza
julgamento extra ou ultra petita, hipótese em que prescindível o princípio da congruência entre
o pedido e a decisão judicial”.
Além dessas e outras poucas hipóteses legalmente previstas, percebe-se a mitigação do
princípio da congruência em alguns casos oriundos de entendimentos jurisprudenciais (a
exemplo de causas previdenciárias), que acontecem por iniciativa do magistrado. Em relação a
este ponto, depara-se com a seguinte confrontação, de um lado o formalismo que compreende
o princípio e, do outro, a sua relativização com a consequente valorização da efetividade da
prestação da tutela jurisdicional.
Portanto, é em relação à atitude do magistrado, seja por estender a concessão de
determinado pedido ou mesmo outorgar pedido diverso, que se volta o presente trabalho,
propondo-se a discutir exceções ao princípio da congruência, nas oportunidades em que o juiz
achar conveniente e ao mesmo tempo entender que existe outra solução mais adequada para a
lide, ou então, por reconhecer direito específico a legitimar tal flexibilização.
Importa asseverar que, em relação à sentença citra petita, espécie que também diz
respeito ao princípio da congruência, tal vício foge do escopo desse capítulo, uma vez que se
trata de uma omissão de julgamento. A partir daqui a discussão quanto à mitigação do princípio
da congruência contempla as hipóteses em que o juiz aumenta o seu campo de cognição para
conceder algo a mais (ultra petita) ou algo fora do que foi requerido (extra petita).
Assim, diante de tudo que foi exposto acerca desses vícios de congruência, sustentou-se
que o julgamento citra petita não pode ser admitido, uma vez que viola os princípios da
indeclinabilidade da jurisdição e do acesso à justiça. Contudo os julgamentos ultra petita e citra
petita serão aqui analisados a partir de uma compreensão na qual reflete a eficácia que pode ser
obtida através deles, no sentido de propiciar consequências jurídicas e sociais positivas.
A mitigação do princípio da congruência permite que o magistrado infira acerca de
questões que não precisam ser suscitadas pelas partes, de modo a romper com a ideia de
114 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1112524/DF. Relator: Ministro Luis Fux. Órgão
Julgador: Corte Especial. Julgamento: 01/09/2010. Publicação: 30/09/2010.
48
silogismo judicial, no qual preconiza a vinculação da sentença ao pedido. Destarte, a sentença
passa a guardar correlação com todos os elementos trazidos ao processo, importando desde os
pequenos detalhes até mesmo aqueles que não foram alegados, entretanto, hábeis a influenciar
a tomada de decisão pelo juiz da causa.
Nesse seguimento, é bastante usual a ocorrência de processos em que o juiz se esbarra
com pedidos completamente destoantes da causa em si, que, se considerados isoladamente não
informam a legítima reivindicação. É também comum, demandas que reclamam algum bem da
vida, mas não demonstram, de maneira clarividente, os elementos essenciais, capazes de
comprovar o direito alegado. Casos como esses podem ocorrer por diferentes causas.
E as causas mais frequentes são os erros motivados pela hipossuficiência intelectual das
partes, que, em sua grande maioria, pela falta de discernimento adequado, não estabelecem
bases precisas, suficientes a garantir suas reivindicações, ou ainda, pela falta de capacidade
técnica do advogado, por não possuir o devido potencial de requerer em juízo o direito do seu
cliente, sendo que o conhecimento sobre a utilização da adequada tutela jurisdicional é dever
de um bom advogado. Por isso, não se afigura justo que a parte deixe de ter garantido
determinado direito em razão de erro do advogado.
Esses incidentes são corriqueiros e facilmente vislumbrados, principalmente em causas
previdenciárias, nas quais há o requerimento em juízo de determinado benefício previdenciário
e o magistrado constata durante o curso processual que, na verdade, a parte tem direito à
percepção de outro benefício e não aquele alegado na petição inicial. Assim, pelos elementos
captados nos autos, muitos juízes acabam por flexibilizar o princípio da congruência e passam
a garantir a prestação jurisdicional correta a cada caso.
Portanto, são diversas as hipóteses em que o magistrado percebe tais equívocos e passa
a atuar de maneira mais ativa, para compreender a real pretensão e até mesmo a reconhecer o
verdadeiro direito da parte. Por isso, há de se garantir a ampla liberdade de atuação do juiz, lhe
permitindo usar de seu poder para outorgar a tutela correta, mesmo que erroneamente a parte
tenha pleiteado outra. Agir dessa maneira é contemplar o princípio da economia processual, o
que inviabiliza a propositura de novas demandas.
Nesse sentido, o Código de Processo Civil de 2015 já reconhece essa liberdade de
escolha do magistrado referente ao julgamento das ações relativas às prestações de fazer, de
não fazer e de entregar coisa, ao determinar que o magistrado, diante de ações dessa natureza,
ao verificar a inviabilidade de concessão do pleito formulado pela parte, poderá conceder tutela
49
específica ou determinar providências que assegurem a efetividade da sua pretensão, através de
um resultado prático equivalente.115
Ou seja, há a possibilidade de o juiz deferir outro bem jurídico ou determinar outra
medida equivalente àquela pretendida inicialmente, por compreender a pertinência e a
viabilidade, mesmo que o pedido não tenha sido nesse sentido.
Assim, há casos em que o juiz entende que a pretensão do autor deve ser atendida, mas
não do modo como foi requerida, uma vez que o magistrado pode encontrar uma solução mais
adequada, proporcional e menos onerosa para se chegar à finalidade pretendida. Um típico
exemplo é quando o autor vai a juízo reclamar acerca do barulho abusivo de um bar que fica
próximo à sua residência e requer o fechamento do estabelecimento, o juiz pode constatar que
realmente o bar faz muito barulho, causando incômodos à vizinhança, entretanto, utilizando da
razoabilidade, julga que o bar não precisa ser fechado, mas impõe ao dono que instale paredes
com vedação acústica para impossibilitar a disseminação sonora.
Ademais, durante o curso processual, há situações em que se verifica a necessidade de
o juiz proferir a decisão sem estar limitado aos pedidos e as causas de pedir inicialmente
formulados. São os chamados fatos supervenientes, que se caracterizam por constituírem,
modificarem ou extinguirem o direito116 e, que, influenciam no julgamento da lide, por isso,
devem ser conhecidos ex officio pelo magistrado ou pelo requerimento das partes. Desse modo,
o juiz pode aceitar que se faça um novo pedido, caso esses fatos vierem a surgir e, a sua decisão
não será considerada incongruente, haverá apenas a flexibilização do princípio da congruência.
Ocorre também a hipótese de o juiz não reconhecer nem a pretensão do autor e nem a
pretensão do réu, quando for evidenciada a litigância de má-fé, que se dá através da colusão, na
qual as partes, em conluio, se utilizam do processo visando obter uma decisão jurídica para
servir a finalidades ilícitas. Inteirado a esse respeito, como forma de resguardar o ordenamento
jurídico da influência de práticas maquiavélicas, o magistrado profere decisão privilegiando-se
o direito a segurança jurídica, sem que isso caracterize qualquer vício de congruência.117
Porém, o posicionamento de mitigação ao princípio da congruência não é unânime, além
de ser cercado por muitas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, visto que, muitos
115 Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido,
concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente. 116 Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir
no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no
momento de proferir a decisão. 117 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 312.
50
juristas, ainda presos à doutrina tradicionalista do processo civil (permeada por um formalismo
rígido) são contra essa relativização, por entenderem que essas exceções violam os princípios
da segurança jurídica e do contraditório.
Entretanto, os defensores dessa flexibilização consideram que não há ofensa a esses
princípios, uma vez que a extensão dos poderes do magistrado na interpretação do pedido e da
causa de pedir, não o desobriga de agir com proporcionalidade e razoabilidade, nem malferem
direitos e garantias constitucionalmente asseguradas. Contudo, defendem que, diante de
qualquer decisão que configure a mitigação do princípio da congruência, deve ser oportunizada
a manifestação das partes, privilegiando-se o contraditório.
Ressalta-se que essa mitigação também não viola o princípio da imparcialidade do juiz,
pois o envolvimento do magistrado na resolução da demanda de forma diferente ao que foi
pretendido pela parte, não indica favorecimento a qualquer interesse particular, pelo contrário,
evidencia a responsabilidade em promover a efetiva entrega da prestação jurisdicional a quem
quer que seja, devendo promover a participação dos sujeitos processuais, para depois deferir o
que entende ser correto.
4.2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E AS NOVAS PERSPECTIVAS
PROCESSUAIS
Aos poucos o sistema processual brasileiro foi se tornando mais flexível, principalmente
com o advento do Estado Democrático de Direito. São inegáveis as mudanças de perspectivas
em relação às normas, aos princípios e aos valores no ordenamento jurídico pátrio. Ampliou-se
a proteção jurídica, adotando-se uma interpretação menos formalista da lei, de forma a
contemplar as suas finalidades sociais, no objetivo de se obter a solução mais justa possível.
A flexibilidade do processo civil brasileiro conferiu maiores poderes ao magistrado para
a aplicação de suas normas. Os dispositivos legais deixaram de ser compreendidos isoladamente
para se conformarem em conjunto com outros, principalmente com os direitos e garantias
fundamentais previstos na Constituição Federal. Desse modo, o magistrado passou a ter um
papel mais atuante no processo, encerrando a estereotipada visão de mero aplicador da lei.
Quanto a esse ponto, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido
Rangel Dinamarco afirmam que:
51
Todavia, diante da colocação publicista do processo, não é mais possível manter o juiz
como mero espectador da batalha judicial. Afirmada a autonomia do direito
processual e enquadrado como ramo do direito público, e verificada a sua finalidade
preponderantemente sociopolítica, a função jurisdicional evidencia-se como um
poder-dever do Estado, em torno do qual se reúnem os interesses dos particulares e os
do próprio Estado. Assim, a partir do último quartel do século XIX, os poderes do juiz
foram paulatinamente aumentados: passando de espectador inerte à posição ativa,
coube-lhe não só impulsionar o andamento da causa, mas também determinar provas,
conhecer ex officio de circunstâncias que até então dependiam da alegação das partes,
dialogar com elas, reprimir-lhes eventuais condutas irregulares etc.118
O Estado Democrático de Direito provocou também a constitucionalização do processo
e, os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e dignidade da pessoa humana passaram a
ter maior relevância diante da predominância dos rigorosos formalismos processuais. Por
conseguinte, os processualistas começaram a se preocupar com novas questões, quais sejam, o
acesso à justiça, o processo justo e a efetividade da prestação da tutela jurisdicional.
Sob esse viés, o Código de Processo Civil de 2015 consagra esses valores éticos e morais
oriundos da influência das premissas preconizadas pelo Estado Democrático de Direito e
positivadas pela Magna Carta. Como resultado, o Capítulo I do CPC estabelece normas que
refletem tais preceitos constitucionais, assegurando no primeiro artigo119, a preponderância da
Constituição Federal de 1988 na disciplina e interpretação de suas normas processuais.
Portanto, o vigente Código de Processo Civil procurou conciliar os seus dispositivos à
atual conjuntura do direito contemporâneo. As normas processuais passaram a garantir uma
justiça mais aberta e atenta aos direitos fundamentais, impondo a utilização dos critérios de
razoabilidade e proporcionalidade e, sobrelevando os princípios da dignidade da pessoa humana
e do acesso à justiça, com a finalidade precípua de melhor garantir a prestação jurisdicional.
Enfim, houve uma redemocratização do processo.
Sobre esse tema, Humberto Theodoro Júnior discorre:
Por fim, chegou o processo ao século XXI inspirado nos novos desígnios do Estado
Democrático de Direito, aperfeiçoado no pós-segunda guerra mundial, cujos traços
mais significativos se situam na constitucionalização de toda a ordem jurídica, e mais
profundamente da atividade estatal voltada para a tutela jurisdicional. Nessa altura, o
devido processo legal ultrapassa a técnica de compor os litígios mediante observância
apenas das regras procedimentais, para assumir pesados compromissos éticos com
resultados justos. O direito, sob influência das garantias fundamentais traçadas pela
Constituição, incorpora valores éticos, cuja atuação se faz sentir não apenas na
118 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 73. 119 Art. 1o. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas
fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste
Código.
52
observância de regras procedimentais, mas também sobre o resultado substancial do
provimento com que a jurisdição põe fim ao litígio. Daí falar-se, no século atual, em
garantia de um processo justo, de preferência a um devido processo legal apenas.
Mesmo no plano de aplicação das regras do direito material, o juiz não pode limitar-
se a uma exegese fria das leis vigentes. Tem de interpretá-las e aplicá-las, no processo,
de modo a conferir-lhes o sentido justo, segundo o influxo dos princípios e regras
maiores retratados na Constituição.120 (grifos do autor)
Isto posto, o formalismo excessivo passou a ser compreendido como um grande entrave
à efetividade da prestação da tutela jurisdicional e, consequentemente, a instrumentalidade do
processo tornou-se bem mais relevante, uma vez que se preocupa mais com a realização de
direitos do que com meras exigências formais (sendo estas as que não implicam em prejuízo ao
processo). A instrumentalidade flexibiliza a atuação do juiz, tornando-o mais influente e
disposto a promover a resolução dos conflitos sociais.
A defesa de um tratamento jurídico igualitário é ainda um dos grandes ideais propostos
pelo Estado Democrático de Direito, que almejava atingir a amplitude da justiça, ou melhor,
uma justiça para todos, principalmente para aqueles socialmente mais vulneráveis. A
hipossuficiência social e econômica é característica dos sujeitos que mais são prejudicados em
relação ao acesso à justiça.
À vista disso, durante esse período foi levantado o lema aristotélico de “tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”, com o
propósito de melhor garantir a justiça, sobretudo, para os que mais necessitam dela. Tal
entendimento não ofende o princípio da imparcialidade do magistrado, apenas visou alargar a
proteção jurídica para parcela da sociedade carente de oportunidades sociais e econômicas.
Os princípios da igualdade e do acesso à justiça não podem estar dissociados, pois um
é fundamento do outro; pensá-los de forma isolada é cogitar um processo injusto e sem
igualdade de condições para as partes. Por isso, um bom magistrado deve estar atento a essas
questões, no sentido de facilitar o acesso à justiça mediante um processo no qual se preocupa
em aniquilar as desigualdades que possivelmente venham a existir, promovendo assim, a
igualdade material das partes. Nas palavras de Daniel Mitidiero, Ingo Wolfgang Sarlet e Luiz
Guilherme Marinoni:
[...] O processo só pode ser considerado justo se as partes dispõem das mesmas
oportunidades e dos mesmos meios para dele participar. Vale dizer: se dispõem das
mesmas armas. Trata-se de exigência que obviamente se projeta sobre o legislador e
sobre o juiz: há dever de estruturação e condução do processo de acordo com o direito
120 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 128-129.
53
à igualdade e à paridade de armas. Como facilmente se percebe, a igualdade, e a
paridade de armas nela implicada, constitui pressuposto para efetiva participação das
partes no processo e, portanto, é requisito básico para a plena realização do direito ao
contraditório.121 (grifos dos autores)
Observa-se ainda, que, em geral, nas hipóteses de mitigação ao princípio da congruência
é nítida a intenção do magistrado em promover a igualdade pelo processo nos casos de
vulnerabilidade social, econômica e jurídica da parte, pois, na grande maioria das vezes, por
conta dessas condições, o indivíduo não tem um acesso adequado e satisfatório ao judiciário,
seja pela desinformação que o acomete (em razão de suas carências educacionais) ou mesmo
pela falta de recursos para contratar um advogado técnico e bem capacitado para proteger os
seus direitos.122
Contudo, é de se questionar se, em nome da igualdade e de um acesso à justiça digno, o
juiz não pode conceder bem diverso ou algo a mais do que foi requerido, ao constatar pelos
autos que determinado sujeito teria direito a uma dessas concessões, mesmo que este não tenha
formulado expressamente a sua pretensão nesse sentido, respeitando-se, entretanto, o princípio
do contraditório. Nessa lógica, os aludidos autores consideram que:
A tutela jurisdicional tem de ser efetiva. Trata-se de imposição que respeita aos
próprios fundamentos do Estado Constitucional, já que é facílimo perceber que a força
normativa do direito fica obviamente combalida quando esse carece de atuabilidade.
Não por acaso a efetividade compõe o princípio da segurança jurídica – um
ordenamento jurídico só é seguro se há confiança na realização do direito que se
conhece.123 (grifos dos autores)
Por isso, defende-se a mitigação do princípio da congruência em prol da busca de uma
tutela jurisdicional igualitária, justa, adequada e satisfatória para todos, uma vez que permite ao
magistrado encontrar soluções capazes de promover a igualdade e a efetividade da justiça,
principalmente para reconhecer os direitos daqueles que mais necessitam e, que, na maioria das
vezes, não lhes são devidamente garantidos.
121 MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito
Constitucional. 2ª.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 724-725. 122 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 96. 123 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:
teoria do processo civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, vol. 1, p. 255.
54
4.3 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA
Diante das iniciais considerações acerca da mitigação do princípio da congruência,
passa-se à análise de algumas hipóteses em que são verificadas exceções a esse princípio.
4.3.1 Investigação de paternidade e a concessão de alimentos
Nos casos em que são propostas ações de reconhecimento de paternidade fica permitido
ao magistrado, que, ao constatar a veracidade da alegação de paternidade, poderá acrescentar à
sentença declaratória, a fixação de alimentos provisionais ou definitivos, se, nos autos for
constatada a necessidade do alimentando, como também a possibilidade do alimentante, sem,
contudo, esse pedido ter sido requerido e sem a sentença ser considerada ultra petita.
A lei nº 8.560 de 1992 traz no seu art. 7º124 essa previsão, configurando-se numa exceção
ao princípio da congruência. Assim, a falta de pedido expresso acerca da fixação de alimentos
não impede que estes sejam arbitrados pelo juiz, quando for reconhecido por ele que o
alimentando deve fazer jus a tal garantia. Tal entendimento privilegia a economia processual,
uma vez que impede a propositura de uma futura ação de pedido de alimentos, além de viabilizar
uma melhor prestação da tutela jurisdicional.
4.3.2 Fixação dos alimentos além do valor do pedido
Acerca das sentenças de fixação de alimentos convém mencionar a possibilidade de a
parte autora requerer o recebimento de determinada quantia e, o juiz, pelo cotejo dos autos,
considerando as necessidades do alimentando e as condições do alimentante, resolve, arbitrar
os alimentos em quantidade superior à inicialmente requerida, sem isso caracterizar prejuízo
para qualquer das partes e por entender plausível tal possibilidade. Nesse sentido, já se
posiciona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
No Recurso Especial nº 1.079.190/DF, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi125, ficou
estabelecido que, na fixação do valor dos alimentos, o juiz não está limitado ao pedido
formulado pelo autor, pois considerando o prudente arbítrio do magistrado, ele pode entender
124Art. 7° Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos
provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite. 125 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.079.190/DF. Relatora: Ministra Nancy Andrighi.
Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgamento: 07/10/2008. Publicação: 23/10/2008.
55
que poderá ser fixada uma quantia maior do que àquela inicialmente postulada. A Ministra
relatora fundamentou sua decisão concluindo que poderia haver o abrandamento da
interpretação proibitiva de se conceder para além do que foi pleiteado (ultra petita),
considerando o primado do conceito da verba alimentar, principalmente diante das necessidades
do demandante.
Quanto a essa questão, não existe lei expressa que autoriza o juiz a fixar o valor dos
alimentos para além do que foi requerido. Percebe-se, portanto, a liberdade de decisão do
magistrado para interpretar a demanda de maneira com a sua convicção, já que no curso
processual pode ficar evidenciado que o alimentante tem mais recursos financeiros do que sabia
a outra parte, assim, o juiz decide com base no que entende ser justo, privilegiando assim, a
parte mais fraca da relação, o alimentando.
4.3.3 Ações possessórias
Em relação às ações possessórias, o Código Processual Civil prevê diferentes meios de
proteção da posse, quais sejam, a manutenção, a reintegração e o interdito proibitório. Cada
uma delas é adequada ao tipo de conduta do réu. Então, se há qualquer tipo de ameaça à posse,
o possuidor deve fazer uso do interdito proibitório; se há turbação, o possuidor tem direito a ser
mantido na posse; se há esbulho, enseja a reintegração na posse.
Ou seja, a medida que o perigo vai aumentando, há a necessidade do uso de determinada
ação possessória, por isso a utilidade de saber o que representa cada tipo de coerção. A ameaça
como o próprio nome já sugere é apenas um prenúncio de eventual perigo para a posse de
alguém. A turbação caracteriza-se quando já existe certa violação e, aqui, o possuidor não
exerce de forma plena os poderes sobre a posse. Já o esbulho é quando o possuidor perde toda
a posse, ficando impedido de exercer os seus poderes.
Nesse sentido, para proteger a posse diante de qualquer modalidade acima descrita,
existe a possibilidade de ingressar em juízo com a específica ação possessória. Ocorre que, em
muitos casos, acontece de o autor não utilizar a via possessória correta para determinado tipo
de abuso, por isso, é permitido que o juiz conceda pedido de proteção diverso daquele
equivocadamente requerido. Essa possibilidade é prevista no art. 554 do Código de Processo
Civil de 2015126.
126 Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido
e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.
56
Além disso, pode suceder também a evolução de determinada coerção em face da posse,
ou melhor, durante o curso processual, pode ocorrer a transformação dos fatos inicialmente
reclamados. Assim, uma ameaça pode evoluir para uma turbação, ou mesmo para um esbulho;
uma turbação pode ensejar futuramente um esbulho, etc. Por isso, há a possibilidade de o
magistrado deferir a proteção possessória adequada a atual situação em que se encontra a posse.
Diante disso, quando o magistrado defere determinada medida protetiva da posse ao
invés da que foi requerida pelo possuidor, a sua decisão não configura-se em extra petita. Vale
ressaltar que o objeto de proteção não muda, pois, a posse é o cerne de toda a questão levada
ao Judiciário, assim, independente da providência a ser adotada pelo juiz, não existirá qualquer
surpresa em relação à sua decisão, o que dispensa a participação de qualquer das partes para
manifestação, ou seja, não há a observância do contraditório.
Acerca desse assunto, o Tribunal de Justiça do Maranhão no Agravo de Instrumento nº
0520632014127, de relatoria do Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, entendeu pela
possibilidade de flexibilização das ações possessórias, sustentando que a propositura de uma
ação possessória em vez de outra não obsta que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção
legal correspondente àquela cujos requisitos estejam provados, não configurando julgamento
extra petita.
Existe ainda discussão doutrinária, em relação ao 555, I do CPC128 (equivalente ao art.
921, I do CPC de 1973), no qual expressa que é permitido ao autor cumular ao pedido
possessório a condenação em perdas e danos. Sobre esse ponto, diversos doutrinadores, como
Vallisney de Souza Oliveira129, interpretando a literalidade do mencionado artigo, entendem
que o juiz incide em vício de congruência se resolver condenar o réu em perdas e danos, se não
houve pedido nesse sentido.
Já Pontes de Miranda sustenta que tal indenização pode ser deferida ex officio pelo
magistrado, mesmo que não tenha sido requerido pela parte, por considerar que esta seria
decorrência lógica das tutelas de manutenção e reintegração da posse. O doutrinador ainda
afirma que não há que considerar a sentença como extra petita, por compreender a indenização
como uma espécie de pedido já contido no pedido de tutela possessória 130.
127 BRASIL. Tribunal de Justiça do Maranhão. Agravo de Instrumento nº 0520632014. Relator: Desembargador
Paulo Sérgio Velten Pereira. Órgão Julgador: Quarta Câmara Cível. Julgamento: 14/04/2015. Publicação:
23/04/2015. 128 Art. 555. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de: I - condenação em perdas e danos; 129 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 294. 130 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo XIII.
Atualização Sérgio Bermudes. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 158.
57
Ou seja, contrapondo-se ao que é previsto no dispositivo, o referido autor entende que,
se foi deferida a proteção possessória diante da reclamação de turbação ou esbulho, pode o juiz,
caso esteja comprovada a ocorrência de prejuízos referente à posse reclamada, deferir a
indenização mesmo sem qualquer pretensão da parte quanto a isso, sob o fundamento de que a
reivindicada proteção da posse abrangeria também esse aspecto.
Coaduna-se com tal posicionamento, entendendo que essa questão não desrespeita o
contraditório, uma vez que, uma pessoa que afronta e invade a posse de alguém, seja de modo
parcial ou total, tem que responder por isso e também pelos prejuízos que eventualmente causar.
Considera-se apenas que é um caso de sentença ultra petita e não extra petita (como refere
Pontes de Miranda), pois, a sentença não julga coisa diversa, mas sim defere a pretensão para
além dos limites em que foi requerida.
Contudo, mesmo sem o pedido de condenação de perdas e danos, o juiz apenas decide
acerca do foi que constatado nos autos, prestando uma tutela jurisdicional completa e efetiva,
evitando que o autor precise novamente recorrer ao Judiciário para reclamar os seus direitos.
É, portanto, as ações possessórias e suas consequências aqui analisadas mais um
exemplo que excepciona o princípio da congruência, já que, o magistrado, a partir do seu
entendimento e convicção formados durante o curso processual, pode outorgar providência
diversa, sem, contudo, acarretar vício de congruência da decisão.
4.3.4 Benefícios previdenciários
Acerca das demandas previdenciárias, apesar de não haver previsão legal, a mitigação
ao princípio da congruência vem ocorrendo no ordenamento pátrio, a partir da iniciativa do
próprio magistrado. O atual entendimento jurisprudencial é no sentido de permitir a concessão
de um benefício previdenciário diferente daquele postulado pela parte ou mesmo o deferimento
da tutela para além da que foi requerida, porém, ainda há uma parcela doutrinária e
jurisprudencial contrária a esse posicionamento.
O Superior Tribunal de Justiça já defende essa flexibilização. No Recurso Especial nº
1568353/SP131, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, aduz que, em matéria
previdenciária, não deve ser entendido como julgamento extra ou ultra petita a concessão de
benefício diverso do requerido na inicial.
131 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1568353/SP. Relator: Ministro Herman Benjamin.
Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 15/12/2015. Publicação: 05/02/2016.
58
Já no Recurso Especial nº 929942/RS132, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima,
destacou-se que o pleito contido na peça inaugural de uma demanda previdenciária deve ser
analisado com certa ponderação. O Ministro compreendeu que se foi postulada na inicial a
concessão do benefício em um percentual mínimo, calculado pela parte, não deveria ser
censurável a decisão judicial que reconhece o tempo de serviço pleiteado e concede o benefício
com um coeficiente de cálculo superior ao mínimo requerido.
Ressalta-se, que, a grande maioria dos indivíduos que propõem ações face à Seguridade
Social (representada pelo Estado), são aqueles mais vulneráveis social e economicamente, ou
seja, os que mais precisam ser contemplados com o recebimento de benefícios previdenciários,
uma vez que estes consistem em prestações que garantem a renda, de modo a presumir que são
usados como fonte precípua de subsistência.
Por conseguinte, pessoas hipossuficientes, em geral, também são carentes de adequado
discernimento intelectual e, por não possuírem recursos financeiros necessários, muitas vezes,
não conseguem contratar um bom advogado, especializado para defender corretamente os seus
interesses, salvo quando são amparadas pela assistência judiciária gratuita, a exemplo das
defensorias públicas, que, em larga maioria, contam com o auxílio de profissionais bem
capacitados, mas que pela proporção de vulneráveis, não conseguem abarcar a todos.
Além do mais, para a concessão de determinados benefícios previdenciários (a exemplo
da aposentadoria rural por idade), a prova testemunhal tem tamanha importância para a
formação do convencimento do magistrado, por conta disso, percebe-se que pela
vulnerabilidade e condições educacionais de alguns indivíduos, a comprovação de determinado
direito pode ficar prejudicada, uma vez que pode não haver a narrativa de fatos relevantes, como
também, a falta de discernimento adequado pode dificultar a possibilidade de compreensão da
causa pelo juiz.
Todavia, por estas ocorrências, defende-se a necessidade de mitigação do princípio da
congruência, oportunizando uma prestação jurisdicional digna para os que tenham direito, uma
vez que é bastante comum a parte se equivocar em relação ao pedido de determinado benefício
previdenciário, principalmente nos casos em que o cerne da questão gira em torno da
incapacidade laborativa, nos quais são comumente confundidos os pedidos de auxílio-doença,
aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente.
O equívoco em relação a esses benefícios acidentários é compreensível e justificável,
uma vez que a perícia médica é o meio que atesta qual deles deve ser garantido, porém não deve
132 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 929942/RS. Relator: Ministro Arnaldo Esteves
Lima. Órgão Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 11/12/2008. Publicação: 02/02/2009.
59
ser obrigado que as partes e os advogados tenham o devido conhecimento médico para
reconhecer qual deles deve ser garantido. Acerca dessa discussão, oportuno destacar o julgado
referente a pedido de uniformização de lei federal proferido pela Turma Nacional de
Uniformização. Esse pedido visa uniformizar diferentes entendimentos acerca de questões
submetidas a julgamento pelas Turmas Recursais dos Juizados Federais. Vejamos:
INCIDENTE NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. FUNGIBILIDADE
ENTRE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INCAPACIDADE.
POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO PEDIDO ATINENTE A ESTE
BENEFÍCIO, AINDA QUE A PETIÇÃO INICIAL SÓ REQUEIRA AUXÍLIO-
DOENÇA E/OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCIDÊNCIA DA
QUESTÃO DE ORDEM N° 20 DA TNU. INCIDENTE CONHECIDO E
PROVIDO.
1. Trata-se de Pedido de Uniformização interposto pela parte autora em face de
Acórdão proferido pela Terceira Turma Recursal da Seção Judiciária do Ceará que
não conheceu pedido atinente à concessão do benefício de Auxílio-Acidente.
Entendeu o Colegiado que “em razão da promovente em sua peça inicial não ter
requerido a concessão de auxílio-acidente, a questão precluiu, e, por conseguinte, não
cabe tal pedido em sede recursal, por não ser admitida a inovação recursal, bem como
a rediscussão do mérito deve ser afastada também”.
2. Defende a parte autora, no entanto, que o Acórdão recorrido diverge dos
entendimentos sufragados pela TNU e pela Turma Regional de Uniformização
da 4ª Região, segundo os quais, em decorrência do princípio da fungibilidade, é
possível a concessão do benefício de auxílio-acidente, mesmo quando requerido
apenas auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
3. Inicialmente o pedido de uniformização fora inadmitido pela Presidência da Turma
Recursal de origem. No entanto, após a interposição de Agravo, o recurso foi admitido
pela Presidência desta TNU.
4. Nos termos do art. 14, caput, da Lei n. 10.259/2001, caberá pedido de
uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre
decisões sobre questão de direito material proferidas por Turmas Recursais na
interpretação da lei, sendo que o pedido fundado em divergência de turmas de
diferentes Regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência
dominante do STJ será julgada por Turma de Uniformização, integrada por
Juízes de Turma Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça
Federal.
5. In casu, verifico que está devidamente caracterizada a divergência entre o
entendimento trilhado pelo Acórdão recorrido e a jurisprudência desta Turma
Nacional, cujo ponto cerne gravita em torno possibilidade de concessão de
auxílio-acidente quando o pedido formulado na inicial é de auxílio-doença ou
aposentadoria por invalidez.
6. Esta questão já foi analisada por este Colegiado. Conforme se depreende do
julgamento proferido nos autos do PEDILEF N° 05037710720084058201 (Sessão
de 16/08/2012, Relator Juiz Federal ROGÉRIO MOREIRA ALVES), esta
Turma Nacional firmou a tese de que o princípio da fungibilidade é aplicado
aos benefícios previdenciários por incapacidade, permitindo que o Juiz conceda
espécie de benefício diversa daquela requerida na petição inicial, se os
correspondentes requisitos legais tiverem sido preenchidos.
7. Nesta linha de intelecção, assentou-se naquela ocasião o entendimento de que
o fato de o pedido deduzido na petição inicial não ter se referido à concessão de
auxílio-acidente não dispensa a Turma Recursal de analisar o preenchimento dos
requisitos inerentes a essa espécie de benefício, na medida em que o núcleo do
pedido deduzido na petição inicial é a concessão de benefício por incapacidade,
gênero do qual o auxílio-acidente é espécie.
60
8. Vejamos o teor do julgado, in verbis: AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-ACIDENTE. FUNGIBILIDADE ENTRE
BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INPACIDADE. INEXISTÊNCIA DE
JULGAMENTO EXTRA PETITA.
1. A sentença julgou improcedente pedido de restabelecimento de auxílio-doença de
concessão de aposentadoria por invalidez, porque o autor não está incapacitado para
o exercício do labor campesino e porque a limitação funcional é pequena (10% a 30%)
e decorreu de acidente de trânsito. O autor interpôs recurso inominado alegando que
a redução da capacidade laborativa enseja a concessão de auxílio-acidente e que,
apesar de não requerido na petição inicial, o direito a esse benefício pode ser
reconhecido no presente processo em razão da fungibilidade dos benefícios por
incapacidade. A Turma Recursal manteve a sentença pelos próprios fundamentos, sem
enfrentar a fundamentação específica articulada no recurso.
2. O autor interpôs pedido de uniformização alegando contrariedade à
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual não configura
nulidade por julgamento extra petita a decisão que, verificando o devido
preenchimento dos requisitos legais, concede benefício previdenciário de espécie
diversa daquela requerida pelo autor.
3. O princípio da fungibilidade é aplicado aos benefícios previdenciários por
incapacidade, permitindo que o juiz conceda espécie de benefício diversa daquela
requerida na petição inicial, se os correspondentes requisitos legais tiverem sido
preenchidos. Prevalece a flexibilização do rigor científico por uma questão de
política judiciária: considerando que se trata de processo de massa, como são as
causas previdenciárias, não seria razoável obrigar o segurado a ajuizar nova
ação para obter a concessão de outra espécie de benefício previdenciário cujos
requisitos tenham ficado demonstrados durante a instrução processual.
4. O núcleo do pedido deduzido na petição inicial é a concessão de benefício por
incapacidade. O auxílio-acidente, assim como o auxílio-doença e a aposentadoria
por invalidez, constitui espécie de benefício previdenciário por incapacidade. A
aferição dos pressupostos legais para concessão de auxílio-acidente em processo
no qual o autor pede auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez não afronta
o princípio da congruência entre pedido e sentença, previsto nos artigos 128 e
460 do Código de Processo Civil. Em face da relevância social da matéria, é lícito
ao juiz adequar a hipótese fática ao dispositivo legal pertinente à adequada
espécie de benefício previdenciário.
5. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu várias vezes que não configura
julgamento extra petita a concessão de auxílio-acidente quando o pedido
formulado é o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez: Sexta Turma,
Rel. Min. Paulo Gallotti, REsp 541.695, DJ de 01-03-2004; Quinta Turma, Rel.
Min. Félix Fischer, REsp 267.652, DJ de 28-04-2003; Sexta Turma, Rel. Min.
Hamilton Carvalhido, REsp 385.607, DJ de 19-12-2002; Quinta Turma, Rel.
Min. Gilson Dipp, REsp 226.958, DJ de 05-03-2001; STJ, Sexta Turma, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, EDcl no REsp 197.794, DJ de 21-08-2000.
6. O fato de o pedido deduzido na petição inicial não ter se referido à concessão de
auxílio-acidente não dispensa a Turma Recursal de analisar o preenchimento dos
requisitos inerentes a essa espécie de benefício. Precedente da TNU: Processo nº
0500614-69.2007.4.05.8101, Rel. Juiz federal Adel Américo de Oliveira, DJU
08/06/2012.
7. Pedido parcialmente provido para: (a) uniformizar o entendimento de que não
extrapola os limites objetivos da lide a concessão de auxílio-acidente quando o pedido
formulado é o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez; (b) determinar que a
Turma Recursal promova a adequação do acórdão recorrido, analisando se os
requisitos para concessão do auxílio-acidente foram preenchidos.
9. [sic] Considerando-se, pois, que o Colegiado de origem não conheceu do pedido
de concessão de auxílio-acidente apresentado no recurso sob o fundamento de que ele
não havia sido expressamente requerido na petição inicial, inexorável é o provimento
do presente incidente, nos termos da Questão de Ordem n° 20 desta TNU.
10. Posto isso, com a ressalva do entendimento pessoal acerca do tema, DOU
PROVIMENTO ao incidente nos termos da Questão de Ordem nº 20, determinando o
retorno dos autos à Turma Recursal de origem para que promova a adequação do
61
julgado, conhecendo o pedido de auxílio-acidente, avaliando, então, se a parte autora
preenche os requisitos exigidos para a sua concessão.
11. É como voto. Publique-se. Registre-se. Intime-se.133 (grifos nossos)
Contudo, observa-se que o princípio da igualdade deve preponderar sobre demandas
como essas, uma vez que a parte sempre tem como oponente o Estado, sendo este o lado
visivelmente mais forte. Portanto, há a real necessidade de equiparação entre as partes,
oportunizando que o lado mais fraco duele com as mesmas armas. Desse modo, é preciso que
o magistrado proceda a igualdade substancial das partes, no sentido de tratar desigualmente os
desiguais, na medida de suas desigualdades.
Por mais razão ainda se defende essa mitigação, uma vez que, o direito à seguridade
social configura-se em direito fundamental, por isso, a sua aplicação deve imperar sobre
qualquer regra ou princípio, em prol de melhor assegurar um verdadeiro processo civil
constitucional, em que a efetividade da prestação jurisdicional importe mais do que meros
formalismos processuais.
Por isso, é forte a tendência jurisprudencial em relação à mitigação do princípio da
congruência, principalmente em prol da defesa das pessoas mais prejudicadas pela falta de
oportunidades e de garantias básicas para uma vida digna. Portanto, é preciso que o Estado-juiz
volte os olhos para esses indivíduos, fornecendo a eles o tão esperado direito, quando assim,
fizerem jus.
4.3.5 Danos morais
No tocante aos danos morais, são vislumbradas algumas exceções ao princípio da
congruência, seja em razão de o magistrado entender que cabe a concessão desses danos a partir
de uma interpretação sistemática dos fatos narrados pela parte, mesmo que não tenha havido
pedido expresso nesse sentido, ou ainda, quando o juiz concluir, utilizando-se dos critérios de
razoabilidade e proporcionalidade, que, o valor da indenização deve ser maior, em relação ao
que foi pleiteado na demanda.
Na fixação de danos morais, o juiz, baseado pelo princípio do livre convencimento
motivado, não está adstrito ao que foi pretendido pelas partes, uma vez que para a tomada de
decisão, deve levar em consideração as condições econômicas de cada indivíduo, fixando um
133 BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. PEDILEF 05133211920144058103. Relatora: Juíza Federal
Gisele Chaves Sampaio Alcântara. Órgão Julgador: TNU. Julgamento: 20/10/2016. Publicação: 27/01/2017.
62
valor capaz de estabelecer o devido caráter punitivo em face do ofensor, sem, contudo,
ocasionar o enriquecimento sem causa da parte lesada.
Diferentemente do Código de Processo Civil de 1973, o novo Código de Processo Civil
de 2015 (que passou a vigorar a partir de meados de março de 2016) preconiza que o autor
especifique no pedido o valor que pretende receber a título danos morais, passando este a
integrar obrigatoriamente o valor da causa (art. 292, V, do CPC de 2015)134, o que implica
diretamente no pagamento das custas processuais ao iniciar do processo.
Nesse diapasão, percebe-se algumas críticas em relação a essa recente imposição
processual, no sentido de entenderem que o comando estabelecido no art. 292, V, do CPC de
2015 configura-se numa intimidação para que se pleiteie o recebimento de dano moral, sob o
fundamento de que, ao estabelecer o valor da indenização (sendo este o montante a constar
como o valor da causa, que é o parâmetro para o recolhimento das custas processuais), a parte
se ver temerária em postular o que entende ser devido, principalmente se for uma vultuosa
quantia, já que precisará efetivar o pagamento antecipado das custas, além de correr o risco da
improcedência da sua pretensão, tendo que arcar com os honorários sucumbenciais.
Desse modo, há o posicionamento de que esse dispositivo afigura-se em flagrante
inconstitucionalidade, uma vez que a indenização por danos morais é alçada ao patamar de
direito fundamental e, por isso, sua proteção não pode ser constrangida diante da prevalência
de regras processuais, pelo contrário, diante delas, deve preponderar. Tal inviabilidade termina
por ferir o princípio do acesso à justiça, já que a parte se vê receosa em reclamar o seu direito.
Por fim, sustentam que o valor correspondente aos danos morais envolve questões técnicas e
complexas e, que não pode ser exigido o conhecimento devido nem da parte e nem do advogado,
devendo o juiz conhecê-las e julgá-las.135
Concorda-se com esse posicionamento, uma vez que cabe ao juiz compreender e dizer
o direito de acordo às suas convicções. Além do mais, cumpre asseverar que o atual código
processual também estabeleceu a possibilidade de formulação de pedido genérico. Inclusive,
essa admissibilidade foi defendida pela terceira turma do Superior Tribunal de Justiça no
julgamento do REsp 1.534.559 de relatoria da Ministra Nancy Andrighi 136 , na qual firmou o
134 Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: V - na ação indenizatória,
inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; 135 CAMPELO FILHO, Francisco Soares. Exigência de valor da causa em ação de dano moral é inconstitucional.
Revista Consultor Jurídico, São Paulo: 23 de setembro de 2016. 136 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.534.559/SP. Relatora: Ministra Nancy Andrighi.
Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgamento: 23/11/2016. Publicação: 01/12/2016.
63
entendimento que, diante da impossibilidade de especificar o valor das ações indenizatórias por
dano moral e material, poderia se admitir a generalidade do pedido.137
Porém, a turma ressaltou que o pedido deveria conter algumas especificações, para que
assim fosse permitido ao réu identificar a correta pretensão do recorrente, privilegiando-se o
contraditório, mas, que, caso fosse verificada a falta dos critérios legais de mensuração, caberia
ao juiz o arbitramento do valor a ser indenizado. Inferiu, ainda, que, “o valor da causa poderia
ser estimado em quantia simbólica e provisória, passível de posterior adequação ao valor
apurado na sentença ou no procedimento de liquidação”.
A ministra concluiu que “diante da imprescindibilidade de ampliação e facilitação do
acesso à Justiça, a jurisprudência deste Tribunal passou a flexibilizar as exíguas exceções legais
à regra de determinação do pedido, notadamente no que concerne às ações indenizatórias”,
considerando ainda que, deveriam ser viabilizados os princípios da economicidade e da
celeridade processual e, que, todavia, não seria justo impor ao autor, antes da propositura da
ação, a devida apuração do dano, sendo que, durante o curso processual, haveria de se
comprovar, através de elementos probatórios, o valor alegado, já que o contraditório e ampla
defesa é direito do réu.
Contudo, apesar de o art. 292, V, do CPC determinar que a parte especifique o valor
que pretende receber, cabe ao juiz julgar o pedido e estabelecer o quanto entende ser o valor
devido a título de danos morais, mesmo que sua decisão não fique adstrita ao valor pleiteado,
tendo o magistrado a liberdade de escolha para conceder quantia inferior ou superior àquela
pretendida pela parte.
Todavia, caso o magistrado verifique que o valor deve ser majorado, compreendendo
que a parte deva receber para além do que foi postulado, não há razão de sua decisão ser
considerada ultra petita, uma vez que diversos julgados pátrios estabelecem que a quantia
pleiteada é meramente estimativa, pois cabe ao juiz definir os limites de tal pretensão. Assim,
alguns magistrados entendem que o valor indenizatório deve ser decidido em observância aos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Alguns arestos foram proferidos seguindo
esse posicionamento, a exemplo da Apelação Cível nº 00036046920108120046, de relatoria do
Desembargador Dorival Renato Pavan do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul138.
137 __. STJ confirma possibilidade de pedido genérico de dano moral e material. Migalhas, São Paulo, 19 de
dezembro de 2016.
138 BRASIL. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Apelação Cível nº 00036046920108120046. Relator:
Desembargador Dorival Renato Pavan. Órgão Julgador: Quarta Câmara Cível. Julgamento: 08/04/2014.
Publicação: 22/04/2014.
64
Outros julgados consideram que o valor de indenização por danos morais, por ser uma
reparação diante de algum dano sofrido, deve-se levar em consideração, para seu arbitramento,
as circunstâncias e peculiaridades da causa, não podendo ser ínfimo, para não representar uma
ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessivo, para não constituir um enriquecimento
sem causa em favor do ofendido, sendo que tais parâmetros foram observados na espécie, não
merecendo prosperar a pretendida redução do valor condenatório. Nessa compreensão é a
Apelação Cível nº 2007.38.00.011452-3/MG139, de relatoria do Desembargador Federal Souza
Prudente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Diante dessa questão, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça140 manifesta-se
também no sentido de que, mesmo que o pedido de danos morais não tenha sido expressamente
requerido, depreende-se pela interpretação da causa como um todo, que esses danos devem ser
abrangidos e garantidos quando a parte tiver o manifesto direito à concessão dessa indenização.
Assim, aduz que “o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda e se extrai da
interpretação lógico-sistemática da petição inicial, sendo de levar-se em conta os requerimentos
feitos em seu corpo e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica 'dos
pedidos'"
139 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Cível nº 2007.38.00.011452-3/MG. Relator:
Desembargador Federal Souza Prudente. Órgão Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 26/04/2017. Publicação:
23/05/2017. 140 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1469086/AC. Relatora:
Ministra Assusete Magalhães. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 23/02/2016. Publicação: 09/03/2016.
65
5 CONCLUSÃO
À vista do exposto, considerando-se a atual conjuntura do processo civil brasileiro, na
qual a efetividade da tutela jurisdicional importa bem mais do que a obediência cega às regras
processuais, as exceções ao princípio da congruência devem ser compreendidas a partir de um
viés social, uma vez que elas ocorrem sob o fundamento de propiciar a justiça em sua inteireza
e, portanto, não devem ser vistas como arbitrariedades do magistrado. Nesse sentido, as
exceções acontecem justamente para garantir uma tutela adequada e justa, mesmo que se afigure
necessário, o rompimento com os formalismos processuais.
Desse modo, o magistrado atual não deve mais se posicionar como um sujeito alheio ao
que acontece no processo, preocupado apenas em conduzi-lo. O juiz, sendo a extensão do poder
do Estado, tem a responsabilidade de promover uma efetiva proteção dos direitos, já que o
processo é o instrumento pelo qual a justiça acontece. Então, se ao magistrado é atribuída a
função de declarar e assegurar as garantias previstas no ordenamento pátrio, parece razoável
alargar a sua liberdade no proferimento de suas decisões.
Porém, não se defende que o magistrado possa deferir qualquer coisa ou algo que
ultrapasse de maneira irresponsável os limites fixados na demanda, uma vez que devem ser
observadas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Compreende-se
apenas, que, o juiz, a partir de sua intelecção, possa captar a real pretensão e entender o devido
direito de cada um, ainda que, fora dos fatos narrados ou do pedido formulado, admitindo-se
que a sua persuasão se dê através de provas ou mesmo por assimilar as reais intenções da parte.
Portanto, haverá de existir situações nas quais o magistrado constate que a pretensão da
parte deve ser concedida, mas não do modo como foi requerida, pois, é comum o juiz encontrar
uma solução mais adequada do que aquela inicialmente postulada, até porque, como se sabe,
cabe ao juiz dizer o direito de acordo às suas percepções.
Importante ressaltar que a mitigação do princípio da congruência propicia a promoção
da igualdade processual, principalmente nos casos de vulnerabilidade social, econômica e
jurídica da parte, pois, na grande maioria das vezes, por conta dessas condições, o indivíduo
não tem um acesso adequado e satisfatório ao Judiciário.
Contudo, apesar de a discussão acerca da mitigação ao princípio da congruência ser
envolvida por diversas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, coaduna-se com o
entendimento de que o princípio da congruência pode sim, ser mitigado, permitindo-se ao
66
magistrado ter uma atuação mais liberta, informal e diligente, em prol de melhor garantir a
prestação da tutela jurisdicional.
Destarte, o processo não se destina a ser um impasse para a persecução de direitos, deve
prevalecer a sua finalidade sob os aspectos formais que o envolve. Nesse sentido, o formalismo
excessivo passou a ser compreendido como um grande entrave à efetividade da prestação da
tutela jurisdicional e, consequentemente, a instrumentalidade do processo tornou-se ainda mais
relevante, uma vez que, o sistema processual civil passou a se preocupar mais com a realização
de direitos do que com meras exigências formais.
A instrumentalidade flexibiliza a atuação do juiz, tornando-o mais influente e disposto
a promover a resolução dos conflitos sociais, pois, justamente, a finalidade do processo é
garantir a solução de litígios, declarando e concedendo direitos para aqueles que legitimamente
os possuírem.
67
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