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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO AMANDA MASCARENHAS SILVA A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A TUTELA JURISDICIONAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Salvador 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE … Amanda... · 4.3.2 Fixação dos alimentos além do valor do pedido ... de modo a romper com a ideia de silogismo judicial. Destarte,

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

AMANDA MASCARENHAS SILVA

A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A TUTELA

JURISDICIONAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Salvador

2017

AMANDA MASCARENHAS SILVA

A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A TUTELA

JURISDICIONAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade

de Direito da Universidade Federal da Bahia como

requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. Wilson Alves de Souza

Salvador

2017

A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A TUTELA

JURISDICIONAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal

da Bahia como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em 12 de setembro de 2017

Banca Examinadora

__________________________________________________________

Orientador: Prof. Wilson Alves de Souza

Professor da Universidade Federal da Bahia

Pós-doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de Coimbra

__________________________________________________________

Examinador: Prof. Bruno César de Carvalho Coêlho

Professor da Universidade Federal da Bahia

Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador

__________________________________________________________

Examinador: Prof. Társis Silva de Cerqueira

Professor da Universidade Federal da Bahia

Doutorando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia

A

Meu tio Roberto (in memoriam) e aos meus amados avós, Dete, José, Maria e Osvaldo, por me

transmitirem os mais preciosos valores.

AGRADECIMENTOS

Minha devoção a Deus, fonte de sabedoria, coragem e fé. “Deus é a minha força, Ele é tudo o

que sempre preciso”.

Aos meus pais, Ana Maria e Antônio Marcos, pelo amor incondicional, dedicação e valores

passados, por idealizarem seus, os meus sonhos.

À minha irmã Vanessa, pela ternura e cumplicidade fiel.

À minha família, tão amorosa e prestativa, especialmente aos meus amados avós Dete, José,

Osvaldo e Maria, as joias mais valiosas que possuo; me sinto contemplada de vocês estarem

comigo até aqui.

Agradeço aos amigos de Riachão, em especial, a Baby, Camila e Neylinha; como também

àqueles que a faculdade me presenteou: Gabriel, Karol, Nara e Gabi, pela parceria, boas

lembranças e cadernos digitados (em especial, ao meu amigo Gabriel, pela bondade em fornecer

suas brilhantes anotações).

Além disso, registro meu muito obrigada a Dr. Marco Antonio Chaves da Silva, à Dra. Indira

Damasceno e aos queridos e amados da 17ª Vara Criminal e 6ª Vara Cível da Justiça Federal e

da Desenbahia; com quem estagiei, pelo acolhimento fraterno, ensinamentos imensuráveis e

por serem exemplos de comprometimento e humildade nas funções que exercem.

Aos grandes educadores jacuipenses, pela motivação e encorajamento durante toda a

caminhada. Orgulho das minhas raízes.

Por fim, agradeço ao estimado professor Wilson Alves de Souza, pela generosidade e

dedicação. Me senti privilegiada em tê-lo como orientador.

SILVA, Amanda Mascarenhas. A mitigação do princípio da congruência e a tutela

jurisdicional no processo civil brasileiro. 2017. 70 f. Monografia (Graduação em Direito) –

Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.

RESUMO

“É possível a mitigação do princípio da congruência a fim de que se possa melhor garantir a

efetividade da prestação da tutela jurisdicional, permitindo-se ao magistrado que decida a lide

para além dos limites fixados na demanda?” A partir desse problema foi desenvolvido o

presente trabalho, que tem por finalidade analisar o princípio da congruência, verificando as

hipóteses de mitigação no âmbito do processo civil brasileiro, sobretudo quanto às

consequências manifestadas em relação à tutela jurisdicional. Para tanto, inicialmente, cuidou

de abordar os institutos bases do direito processual civil, quais sejam, a ação, a jurisdição e o

processo, avançando também no exame dos aspectos gerais que envolve a relação processual,

tais como a petição inicial, a defesa do réu e a sentença, concentrando-se nesta, a discussão

acerca da importância da interpretação do comando decisório proferido pelo juiz. Procurou

compreender o princípio da congruência em si, discorrendo sobre o seu conceito e o alcance de

seus efeitos, entre eles, os vícios de incongruência das sentenças ultra petita, extra petita e citra

petita, apontando ainda, a influência e a correspondência de outros princípios em relação ao

tema. O trabalho objetiva, contudo, defender a real possibilidade de mitigação do princípio da

congruência, considerando a influência do Estado Democrático de Direito e das novas

perspectivas constitucionais para a atual conjuntura do processo civil, sob o fundamento de

privilegiar o princípio do acesso à justiça. Ademais, explora determinadas hipóteses de

exceções ao princípio da congruência, que podem ou não estar previstas em lei, cotejando-as

com diversos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, inferindo ao fim, que a

mitigação pode melhor propiciar a plena efetividade da justiça.

Palavras-chave: Princípio da congruência. Pedido. Causa de pedir. Vinculação. Limites da

lide. Sentença. Ultra petita. Extra petita. Citra petita. Poderes do juiz. Mitigação. Hipóteses de

exceções. Efetividade da tutela jurisdicional.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8

2 ASPECTOS GERAIS DO PROCESSO .................................................................... 10

2.1 PROCESSO, JURISDIÇÃO E AÇÃO .......................................................................... 10

2.2 PETIÇÃO INICIAL ...................................................................................................... 13

2.3 DEFESA DO RÉU ........................................................................................................ 16

2.4 SENTENÇA .................................................................................................................. 22

2.5 A INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA ...................................................................... 27

3 PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA ........................................................................... 29

3.1 CONCEITO ................................................................................................................... 29

3.2 DEFEITOS DOS ATOS PROCESSUAIS E VÍCIOS DA SENTENÇA

INCONGRUENTE ........................................................................................................ 31

3.2.1 Sentença ultra petita .................................................................................................... 35

3.2.2 Sentença extra petita ................................................................................................... 36

3.2.3 Sentença citra petita .................................................................................................... 38

3.2.4 Sentenças incongruentes, recursos e ações rescisórias ............................................ 41

3.3 O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A INFLUÊNCIA DE OUTROS

PRINCÍPIOS ................................................................................................................. 42

4 MITIGAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA ........................................... 46

4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ....................................................................................... 46

4.2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E AS NOVAS PERSPECTIVAS

PROCESSUAIS ............................................................................................................ 50

4.3 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA .................................................. 54

4.3.1 Investigação de paternidade e a concessão de alimentos......................................... 54

4.3.2 Fixação dos alimentos além do valor do pedido ....................................................... 54

4.3.3 Ações possessórias ....................................................................................................... 55

4.3.4 Benefícios previdenciários .......................................................................................... 57

4.3.5 Danos morais ............................................................................................................... 61

5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 65

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 67

8

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe-se a analisar o princípio da congruência, abordando as suas

hipóteses de mitigação, sobretudo quanto às consequências manifestadas em relação à

efetividade da tutela jurisdicional. Desse modo, serão discutidas as delineações conceituais do

princípio da congruência, como também o alcance dos seus efeitos, a partir de uma

compreensão detalhada da doutrina e jurisprudência especializadas no estudo do Direito

Processual Civil no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.

Para melhor intelecção, serão discorridos os institutos bases do sistema processual civil,

quais sejam, a jurisdição, a ação e o processo, adentrando-se ainda ao exame dos aspectos gerais

que envolve a relação processual, tais como a petição inicial, a defesa do réu e a sentença,

concentrando-se nesta, a discussão acerca da importância da interpretação do comando

decisório proferido pelo juiz.

O processo civil brasileiro, sempre pautado pela segurança jurídica, vincula o

magistrado aos pedidos das partes e, a partir desta imposição se extrai o princípio da

congruência, tradicionalmente representado pelo brocardo latino “ne eat iudex ultra petita

partium”. As disposições dos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil de 2015

estabelecem que o juiz decida a lide nos limites propostos pelas partes, impedindo que se profira

decisão de natureza diversa ao que foi postulado.

Dessa forma, o juiz deve se ater aos contornos fixados da demanda, sendo defeso julgar

além dos pedidos (ultra petita), deixar de julgar algum pedido (citra petita) ou julgar pedido

diverso do que foi postulado (extra petita), sob pena de sua decisão ser eivada dos vícios de

congruência e consequentemente incorrer em nulidade. Diante da constatação de tais vícios

serão discorridas as soluções capazes de resolver o problema da nulidade da sentença.

Indo além, verificar-se-á influência e correspondência de outros princípios em relação

ao princípio da congruência, considerando principalmente o princípio dispositivo, do qual o

princípio tema é corolário. O princípio dispositivo marca a instauração processual através da

iniciativa da parte, ao mesmo tempo em que delimita o objeto da demanda (pretensão), por isso

a sentença deve corresponder aos limites por ele definidos, preservando-se dos vícios de

congruência.

Por conseguinte, o presente trabalho levanta o questionamento se cabe ao magistrado

estender a concessão de determinado pedido ou mesmo outorgar pedido diverso, propondo-se,

portanto, a discutir exceções ao princípio da congruência, nas oportunidades em que o juiz achar

9

conveniente e ao mesmo tempo entender que existe outra solução mais adequada para a lide,

ou então, por reconhecer direito específico a legitimar tal flexibilização.

A mitigação do princípio da congruência permite que magistrado infira acerca de

questões que não precisam ser suscitadas pelas partes, de modo a romper com a ideia de

silogismo judicial. Destarte, a sentença passa a guardar correlação com todos os elementos

trazidos ao processo, importando desde os pequenos detalhes até mesmo aqueles que não foram

alegados, entretanto, hábeis a influenciar a tomada de decisão pelo juiz da causa.

A instrumentalidade do processo juntamente com o princípio da economia processual

passaram a ser relevantes dogmas, principalmente com o advento do Código de Processo Civil

de 2015, que procurou estabelecer uma atuação mais dinâmica e diligente do magistrado, de

forma a atenuar regras inflexíveis quanto à formalidade processual. Logo, o julgador atual deve

adotar uma postura mais ativa e adaptável ao Estado Democrático de Direito, contribuindo para

o acesso à justiça de forma justa, célere e efetiva.

Nesse contexto, o objetivo geral da pesquisa é analisar a efetividade da prestação da

tutela jurisdicional nas lides processuais, fazendo uma ponderação entre os princípios da

efetividade e da segurança jurídica, verificando assim, a possibilidade de o juiz exercer os seus

poderes para além daqueles já atribuídos na legislação processual pátria, visto que, em tempos

atuais, o direito é fortemente influenciado pelos princípios da proporcionalidade, da

razoabilidade, do acesso à justiça e da dignidade da pessoa humana.

Destarte, pretende-se demonstrar a relevância de se alargar o poder de decisão do

magistrado, visando a consequente efetividade da tutela jurisdicional. E é justamente esse o

ponto que a pesquisa contempla, uma vez que, grande parte da doutrina e jurisprudência pátria

já aceitam a mitigação do princípio da congruência, pois entendem que o excesso de formalismo

acaba por dificultar o principal interesse da justiça, que é a entrega do direito para aquele que

incontestavelmente o possua.

10

2 ASPECTOS GERAIS DO PROCESSO

A essência do presente trabalho é analisar o princípio da congruência, abordando as

hipóteses de mitigação no âmbito do processo civil brasileiro, sobretudo quanto aos efeitos

manifestados em relação à tutela jurisdicional.

Por consequência, faz-se necessário discorrer acerca de conceitos introdutórios do

sistema processual civil, compreendendo as suas instituições básicas, dentre as quais, o

processo e os aspectos relevantes que o envolve.

2.1 PROCESSO, JURISDIÇÃO E AÇÃO

Compreender o direito processual civil brasileiro é entender, primeiramente, os seus

institutos fundamentais, uma vez que tudo começa a partir deles. Além do mais, os conceitos

de processo, jurisdição e ação não podem ser claramente elucidados se não forem interligados

entre si. Nessa lógica, para assimilar outros conceitos e institutos, a exemplo dos princípios

processuais, é substancial que se recorra a esses institutos básicos.1

Em breve síntese, o processo é a relação jurídica que tem por fim proporcionar a entrega

da tutela jurisdicional, que é obtida através do exercício do direito de ação. Humberto Theodoro

Júnior traz a seguinte definição: “Entre o pedido da parte e o provimento jurisdicional se impõe

a prática de uma série de atos que formam o procedimento judicial (isto é, a forma de agir em

juízo), e cujo conteúdo sistemático é o processo”.2

A principal característica do processo é servir de instrumento protetivo a determinado

direito material. Assim, ao mesmo tempo em que direito processual e direito material são

autônomos, eles são em si, indissociáveis. Nos dizeres de Fredie Didier Jr.:

Ao processo cabe a realização dos projetos do direito material, em uma relação de

complementaridade que se assemelha àquela que se estabelece entre o engenheiro e

arquiteto. O direito material sonha, projeta; ao direito processual cabe a concretização

tão perfeita quanto possível deste sonho. A instrumentalidade do processo pauta-se na

premissa de que o direito material coloca-se como valor que deve presidir a criação,

a interpretação e a aplicação das regras processuais.3

1 DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil.

2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 48-49. 2 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 130. 3 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 39.

11

Nesse limiar, deparam-se também o direito de ação e a jurisdição. O direito de ação

surgiu quando o Estado passou a não mais permitir a autotutela e arrogou para si a

responsabilidade de efetivar a composição das lides. Para esse intento, precisou garantir aos

sujeitos a entrega da prestação jurisdicional, através da necessária organização da atividade

administrativa da Justiça.

O direito de ação configura-se a partir do momento que o cidadão afirma ser titular de

direito sobre determinado bem da vida e dirige-se ao Poder Judiciário para postular em juízo.

É, portanto, o direito de exigir e obter a entrega da prestação jurisdicional do Estado, que será

efetivada a partir de um conjunto de atos que formam o processo.4

Por conseguinte, a jurisdição é o poder-dever do Estado em efetivar a composição de

litígios mediante aplicação do direito objetivo ao caso concreto. É a atividade pública que se

realiza quando provocada pela parte, através de seus órgãos jurídicos. Por isso, o entendimento

de que esses institutos são intimamente relacionados, porquanto “o direito à tutela jurisdicional

é exercido mediante a propositura de ação”.5

Convém sublinhar que, durante muito tempo, pensadores como Chiovenda sustentaram

que a jurisdição teria a função de atuar conforme a vontade da lei. Contudo, esse instituto

adquiriu uma nova compreensão com o Estado Democrático de Direito, que procurou adequar

o direito não apenas centrado na literalidade do preceito legal, mas privilegiando-se acima de

tudo, a sua efetividade, através de uma série de garantias e direitos assegurados aos indivíduos.

Sobre esse ponto, Humberto Theodoro Júnior ressalta que:

Esclareça-se que, na concepção atual de jurisdição, quando se cogita da realização da

“vontade da lei” não se refere à simples reprodução da literalidade de algum

enunciado legal, mas à implementação da norma jurídica, na qual se traduz o direito

do caso concreto, cuja formulação pelo julgador haverá de levar sempre em conta a

superioridade hierárquica das garantias constitucionais bem como a visão sistemática

do ordenamento jurídico, os seus princípios gerais e os valores políticos e sociais que

lhe são caros. Portanto, revelar e concretizar a “vontade da lei” é expressão que

modernamente equivale a definir e realizar “o direito”, em sua inteireza.6

O direito de ação é doutrinariamente caracterizado como sendo público, subjetivo,

abstrato e condicionado. Público porque é proposto perante o Estado e também por este

4 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 279. 5 MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito Constitucional.

2ª.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 712. 6 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 106.

12

oportunizado e garantido7. Subjetivo, uma vez que exercido, espera-se correlata prestação, ou

seja, que o Estado atue para efetivar a composição da lide. Abstrato, no sentido de independe

do resultado final do processo, porque é exercido sem a necessidade de comprovação de

existência do direito material, pois todos são titulares do direito de ação. Condicionado, em

razão de haver a necessidade de serem preenchidas as condições da ação (legitimidade de partes

e interesse de agir) e os pressupostos processuais para que se possa postular em juízo.

Importante destacar que o direito de ação foi consagrado ao patamar de direito

fundamental, com previsão no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 19888,

dispositivo que também legitima o relevante princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel

Mitidiero:

Na verdade, a realização do direito de acesso à justiça é indispensável à própria

configuração de Estado, uma vez que não há como pensar em proibição da tutela

privada e, assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de efetivo acesso

ao poder Judiciário.9

Ainda sobre esse tema, torna-se oportuno sobrelevar o posicionamento de Wilson Alves

de Souza:

Sendo assim, toda vez que houvesse violação a direito ou garantia substancial, não

fosse o acesso à justiça, esses direitos e garantias não teriam como ser exercidos. Por

outras palavras, o acesso à justiça é, ao mesmo tempo, uma garantia e em si mesmo

também um direito fundamental; mais do que isso, é o mais importante dos direitos

fundamentais e uma garantia máxima, pelo menos quando houver violação a algum

direito, porque havendo essa violação, todos os demais direitos fundamentais e os

direitos em geral, ficam na dependência do acesso à justiça.10

Frisa-se ainda que não basta garantir o direito de ação, é preciso que o Estado entregue

a tutela jurisdicional de forma razoavelmente célere, adequada e eficaz. Na percepção de

Humberto Theodoro Júnior, o atual Estado Democrático de Direito trouxe a ideia de que o

7 Adverte-se, contudo, que a demanda arbitral representa uma exceção, uma vez que é proposta perante o juízo

arbitral, contudo, é direito público, já que o Estado a reconhece. 8 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça

a direito. 9 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:

teoria do processo civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, vol. 1, p. 217. 10 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011, p.84.

13

processo precisa ser justo, necessitando estar em conformidade aos moldes constitucionais para

assegurar o pleno acesso à justiça e proporcionar a efetividade da tutela àquele que detenha

determinado direito11.

Destarte, o Código de Processo Civil brasileiro, através das formalidades e regras que

prescreve, especifica requisitos a serem observados na formação da relação processual. À vista

disso, em todo processo é imprescindível a execução de determinados atos procedimentais,

dado que a sua finalidade precípua é obter a efetividade da prestação jurisdicional.

2.2 PETIÇÃO INICIAL

A materialização do exercício do direito de ação realiza-se com a propositura da petição

inicial, é através dela que o autor provoca o Estado com o propósito de obter a prestação

jurisdicional. Com o protocolo da petição inicial instaura-se o processo, portanto, este constitui-

se no primeiro ato de formação da relação processual entre as partes (autor e réu) e o juiz. Nesse

sentido, dispõe o art. 312 do Código de Processo Civil12.

A petição inicial é um pressuposto processual de existência do processo, já que é o

instrumento pelo qual o interessado expõe a sua pretensão ao delimitar os fatos constitutivos de

seu direito perante o juízo; é, portanto, a mola propulsora para o desencadear da atividade

jurisdicional do Estado-juiz.

Assim como os demais atos processuais, a peça inaugural deve observar determinados

requisitos indicados no Código de Processo Civil, que, se não observados, ensejam o seu

indeferimento, caso o vício não possa ser corrigido e, neste caso, o processo não avançará aos

demais atos subsequentes nem alcançará a finalidade pretendida pelo autor.

O Código de Processo Civil de 2015 especifica nos arts. 31913 e 32014 os requisitos que

a peça vestibular deverá indicar. Para os fins que se destina o presente trabalho, não há a

11 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 50-51. 12 Art. 312. Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, todavia, a propositura da ação

só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for validamente citado. 13 Art. 319. A petição inicial indicará: I - o juízo a que é dirigida; II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a

existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro

Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III - o fato e os

fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas

com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - a opção do autor pela realização ou não

de audiência de conciliação ou de mediação. 14 Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

14

necessidade de especificar todos os requisitos que devem constar na petição inicial, mas, se faz

pertinente a análise acerca de alguns deles.

Portanto, considerando que a ação tem como elementos identificadores as partes, a causa

de pedir e o pedido; a petição inicial, por ser a materialização do direito de ação, deverá

esmiuçá-los. Nesse sentido, tornando semelhantes os conceitos de ação e de demanda, Fredie

Didier Jr. entende que:

Como instrumento da demanda, a petição inicial deve revelá-la integralmente. Além

do pedido e dos sujeitos, deve a petição inicial conter a exposição dos fatos e dos

fundamentos jurídicos do pedido, que formam a denominada causa de pedir (art. 319,

III, CPC). 15

O aludido autor ainda manifesta que:

Toda petição inicial deve conter ao menos um pedido, com suas especificações (art.

319, IV, CPC). Trata-se de requisito elementar do instrumento da demanda, pois não

se pode falar, no plano lógico, de petição sem pedido. Petição sem pedido é petição

inepta, a ensejar o seu indeferimento16.

Adentrando-se nos elementos objetivos constantes na petição inicial, convém abordar

as suas especificidades. Em primeiro, a causa de pedir, que, constitui-se pelos fatos e

fundamentos jurídicos formulados pelo autor na peça exordial. Ou seja, a pretensão do autor

face ao réu deve apresentar esse elemento, principalmente, em razão de seu reflexo nos limites

da sentença. Para Humberto Theodoro Jr.:

Todo direito subjetivo nasce de um fato, que deve coincidir com aquele que foi

previsto, abstratamente, pela lei como o idôneo a gerar a faculdade de que o agente se

mostra titular. Daí que, ao postular a prestação jurisdicional, o autor tem de indicar o

direito subjetivo que pretende exercitar contra o réu e apontar o fato do qual ele

provém. Incumbe-lhe, para tanto, descrever não só o fato material ocorrido como

atribuir-lhe um nexo jurídico capaz de justificar o pedido constante da inicial.17

15 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 551. 16 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 555. 17 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 768-769.

15

O Código de Processo Civil, no art. 319, inciso III, adota a teoria da substanciação,

segundo a qual o autor deve indicar o fato e fundamento jurídico que justificam a sua pretensão.

Desse modo, a causa de pedir se subdivide em remota e próxima.

A causa de pedir remota equivale à origem do direito, composta pelos fatos que

caracterizam a relação jurídica inicial entre o autor e o réu. Já a causa de pedir próxima,

corresponde ao fundamento de direito que legitima pretensão do autor, é quando acontece a

ruptura da relação jurídica entre autor e réu (causa de pedir remota). Para Fredie Didier Jr.:

Tem, assim, o autor de, em sua petição inicial, expor todo o quadro fático necessário

à obtenção do efeito jurídico perseguido, bem como demonstrar como os fatos

narrados autorizam a produção desse mesmo efeito (deverá o autor demonstrar a

incidência da hipótese normativa no suporte fático concreto).18

Importante esclarecer, acerca da causa de pedir próxima, que o fundamento de direito

não deve ser confundido com menção a enquadramento jurídico através de dispositivos

normativos, pois não se exige a referência de texto legal como forma de assegurar o direito

pretendido com a ação. Até mesmo a imprecisa alusão a dispositivo legal não é óbice para a

apreciação da demanda pelo juiz, pois a este compete conhecer e dizer o direito.19

Quanto ao pedido, este corresponde à própria pretensão do autor, o resultado que se

espera com a propositura da ação. Ademais, Antônio Adonias Bastos e Rodrigo Klippel referem

que “o pedido corresponde à solução que o autor espera que o Judiciário proveja ao conflito de

direito material que o enlaça ao réu. Possui importância sistemática ímpar pelo fato de que – o

pedido – delimita a atividade jurisdicional”.20

O pedido classifica-se em imediato e mediato. O pedido imediato é o mesmo em todas

as ações, é aquele sempre proposto face ao Estado, no qual se requer a entrega da prestação

jurisdicional. O pedido mediato, por sua vez, representa o bem da vida pleiteado pelo autor e,

diferentemente do pedido imediato, precisa estar indicado na petição inicial. O CPC estabelece

18 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 552. 19 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 768-769. 20 BASTOS, Antonio Adonias; KLIPPEL, Rodrigo. Manual de Direito Processual Civil. 4. ed. Salvador: Jus

Podivm, 2014, p. 225.

16

ainda outros tipos de pedidos, quais sejam: subsidiário21, alternativo22 e cumulativo23 (quanto a

este último tipo, deverão ser observados requisitos de admissibilidade24).

Isto posto, verifica-se então a influência que o pedido exerce durante todo o curso

processual, principalmente em relação à sentença, visto que o juiz deve ficar adstrito ao que foi

postulado pelo autor, em respeito ao princípio da congruência. Observa-se, portanto, que o

campo de decisão do magistrado fica delimitado à pretensão do autor e, por isso, é que são

estabelecidos requisitos para o pedido, que precisa ser certo25 e determinado26, porém, a lei

autoriza hipóteses de pedido genérico27.

Ademais, o pedido deve ser concludente, ou seja, deve haver entre ele e a causa de pedir,

uma coerência lógica, sob pena de inépcia28. Logo, a pretensão do autor deve ser satisfeita,

quando diretamente conexa aos fatos narrados e aos fundamentos jurídicos expostos, dessa

forma, a congruência também haverá de ser observada na petição inicial.

Por fim, “costuma-se dizer que a petição inicial é um projeto de sentença: contém aquilo

que o demandante almeja ser o conteúdo da decisão que vier a acolher o seu pedido”.29 Revela-

se, portanto, como ato processual de significativa importância, uma vez que, ao delimitar de

forma precisa o objeto litigioso do processo, torna-se o parâmetro para uma defesa adequada

pelo réu, além de contribuir para a efetividade da tutela jurisdicional.

2.3 DEFESA DO RÉU

21 Art. 326. É lícito formular mais de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior,

quando não acolher o anterior. 22 Art. 326. Omissis. Parágrafo único. É lícito formular mais de um pedido, alternativamente, para que o juiz

acolha um deles. 23 Art. 327. É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre

eles não haja conexão. 24 § 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação que: I - os pedidos sejam compatíveis entre si; II - seja

competente para conhecer deles o mesmo juízo;

III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. 25 Art. 322. O pedido deve ser certo. 26 Art. 324. O pedido deve ser determinado. 27 Art. 324. Omissis. § 1º É lícito, porém, formular pedido genérico: I - nas ações universais, se o autor não puder

individuar os bens demandados; II - quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou

do fato; III - quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado

pelo réu. 28 Art. 330. A petição inicial será indeferida quando: § 1o Considera-se inepta a petição inicial quando: III - da

narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; 29 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 548.

17

A defesa constitui-se em direito subjetivo conferido ao réu para rechaçar a tutela

jurisdicional que pretende o autor. Assim como o direito de ação é garantido

constitucionalmente, é também assegurado o direito de defesa, previsto no art. 5º, inciso LV da

Constituição Federal de 198830, que o legitima “[...] não só em função dos princípios da ‘ampla

defesa’ e do ‘contraditório’, mas também pelo próprio princípio da ‘isonomia’ e do ‘acesso à

justiça’”.31

O réu adentra no processo através da citação32, que se faz indispensável para o exercício

do direito de defesa, bem como para a consequente continuidade dos demais atos processuais33.

Contudo, o CPC privilegia que, antes da resposta do réu, deve ser oportunizada uma tentativa

de consenso entre as partes, através da audiência de conciliação e mediação34. Nesse sentido, o

escólio de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:

Diante disso, o novo CPC, ao invés de estimular uma cultura do litígio e da sua

heterocomposição, procura fomentar a cultura do diálogo e da sua autocomposição.

Isso porque, em vez de desenhar um procedimento em que a primeira participação

do réu é uma participação litigiosa (oferecimento de defesa mediante contestação),

engendrou um procedimento em que a sua primeira participação no processo é uma

participação voltada para o diálogo, na medida em que o réu é citado para

comparecer a uma audiência voltada para a conciliação (art. 334)”.35 (grifos dos

autores).

Na ocorrência ou não de audiência preliminar de conciliação e mediação, em sequência,

é oportunizado ao réu apresentar a sua resposta e, nesse ponto, a garantia do contraditório pode

propiciar o reconhecimento da procedência do pedido, a contestação e a reconvenção. No

entanto, o demandado pode quedar-se omisso e não se pronunciar, o que dá ensejo aos efeitos

da revelia. Cabe o breve exame de algumas dessas hipóteses de resposta do réu.

30 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em

geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 31 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 329. 32 Art. 238. Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação

processual. (Código de Processo Civil de 2015). 33 Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses

de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido. (Código de Processo Civil de 2015). 34 Entretanto, há de observar, que, a audiência de conciliação e mediação não acontecerá se ambas as partes

manifestarem expressamente desinteresse na composição consensual e quando o direito material discutido não

admitir autocomposição (Art. 334, § 4º do Código de Processo Civil de 2015). 35 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:

teoria do processo civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, vol. 1, p. 359.

18

A contestação é materialização do direito de defesa, configurando-se no meio pelo qual

o réu ataca a pretensão do autor e refuta a causa de pedir e pedido formulados na petição inicial.

Cassio Scarpinella Bueno destaca que “a contestação pode e deve ser compreendida como a

contraposição formal ao direito de ação tal qual exercido pelo autor e materializado na petição

inicial”.36

Ao contestar, o réu deve expor os fatos (ônus da impugnação específica) que entende

aptos a impedir o êxito processual do autor. Por isso, essa forma de defesa representa a antítese

da petição inicial e, não diferente, também pode influir consideravelmente para o

convencimento do juiz. Quanto ao conteúdo, na maioria das vezes, a contestação irá negar tudo

aquilo que o autor aduziu (conteúdo de mérito) ou mesmo apontar vícios que maculam o

processo (conteúdo processual). Cabe acrescentar que, em determinadas causas, é importante

que o réu também apresente argumentos jurídicos.

Cassio Scarpinella Bueno afirma que:

A contestação é a forma mais ampla da defesa do réu; é, por excelência, o instante

procedimental em que se espera que ele traga concomitantemente todas as alegações,

de ordem processual e de ordem material, que possam ser significativas para

convencer o magistrado a não prestar a tutela jurisdicional pretendida pelo autor [...].37

A defesa de mérito é pertinente à discussão do direito material e caracteriza-se pelo

confronto à pretensão do autor. A defesa de mérito classifica-se como direta quando objetiva

desconstituir os fatos alegados na petição inicial ou mesmo quando, reconhece a veracidade dos

fatos, mas se propõe a rebater os efeitos jurídicos pleiteados pelo autor. A defesa de mérito é

indireta quando o réu traz ao processo um fato novo, sendo esse impeditivo, modificativo ou

extintivo do direito do autor.

Em relação à defesa de mérito direta, é dispensável a réplica, uma vez que o réu se limita

em refutar a pretensão autoral, nesse caso, o ônus da prova é atribuído ao demandante quanto

ao fato constitutivo que aponta na petição inicial. Quanto à defesa indireta, deve ser

oportunizada a manifestação do autor, uma vez que o réu traz ao processo uma situação até

então desconhecida e não abordada na petição inicial, por isso, o ônus da prova fica, em

princípio, com a parte demandada.

36 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 328. 37 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 329.

19

A defesa processual (ou de rito) aponta os requisitos processuais que não foram

observados na petição inicial, através das denominadas preliminares38, que devem ser alegadas

antes da discussão do mérito da ação. Além de obstar a continuidade do processo até que se

resolva o vício alegado, algumas preliminares podem até resultar na extinção do feito sem

resolução do mérito, razão pela qual as defesas processuais se classificam em peremptórias e

dilatórias.

A defesa processual peremptória visa a imediata extinção do processo sem resolução do

mérito, já que o vício alegado não comporta correção. São exemplos: a coisa julgada, a

litispendência, a inépcia da inicial, entre outras. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior,

“Aqui, o vício do processo é tão profundo que o inutiliza como instrumento válido para obter a

prestação jurisdicional”.39

Já as defesas processuais dilatórias provocam a paralização do curso processual, até que

que os vícios apontados sejam corrigidos, portanto, haverá um prazo para que o defeito alegado

seja reparado, o que ocasiona maior tempo de duração para o processo. São exemplos:

incompetência do juízo, nulidade da citação, causas conexas, entre outras. Há que observar que,

uma defesa dilatória pode vir a ser peremptória, se, acolhida pelo juiz, a parte não cumprir a

diligência proposta a sanar o vício reclamado.

No tocante à contestação, o CPC no art. 33640, consagra o princípio da concentração da

defesa, também conhecido como princípio da eventualidade, no qual preconiza que ao réu

incumbe formular de uma só vez toda a matéria defensiva que entende cabível, evitando-se a

preclusão, pois não existirá outro momento para aduzir novos fatos ou novas provas, contudo,

existem exceções legais41. Assim, pela eventualidade, se um fundamento não convencer o

magistrado, existe a chance de serem analisados os demais.

Acerca desse princípio, oportuno o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves:

38 Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: I - inexistência ou nulidade da citação; II -

incompetência absoluta e relativa; III - incorreção do valor da causa; IV - inépcia da petição inicial; V - perempção;

VI - litispendência; VII - coisa julgada; VIII - conexão; IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou

falta de autorização; X - convenção de arbitragem; XI - ausência de legitimidade ou de interesse processual; XII -

falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar; XIII - indevida concessão do benefício de

gratuidade de justiça. (Código de Processo Civil de 2015). 39 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 802. 40 Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito

com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir. (Código de Processo Civil

de 2015). 41 Art. 342. Depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito ou a

fato superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de ofício; III - por expressa autorização legal, puderem ser

formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição. (Código de Processo Civil de 2015).

20

A exigência de cumulação de todas as matérias de defesa na contestação faz com que

o réu se veja obrigado a cumular defesas logicamente incompatíveis, por exemplo, no

caso de alegar que não houve o dano alegado pelo autor mas que, na eventualidade de

o juiz entender que houve o dano, não foi no valor apontado pelo autor, circunstância

verificada com regularidade nos pedidos de condenação em dano moral. Certa

incompatibilidade lógica é natural e admissível, mas o réu jamais poderá cumular

matérias defensivas criando para cada uma delas diferentes situações fáticas, porque

com isso em alguma das teses defensivas estará alterando a verdade dos fatos.42

É imputado também ao réu o ônus de impugnar especificadamente todos os fatos

expostos na petição inicial, sob pena de presumir verdadeira a alegação do autor que não foi

combatida; tal preceito encontra-se previsto no art. 341 do CPC43, sendo que comporta

exceções. Além do autor, o réu deve apresentar sua pretensão de forma precisa e clara, isto é, a

contestação deve ser estrita em relação ao conjunto proposto na peça exordial, em obediência

ao ônus da impugnação especificada44.

Outro tipo de resposta do réu é a reconvenção45. A reconvenção consiste numa pretensão

do réu face ao autor na própria peça contestatória, nesse aspecto, o direito de ação será exercido

de forma bilateral. Haverá no mesmo processo duas ações, a principal (formulada pelo autor) e

a reconvenção (proposta pelo réu), entre elas deverá existir conexão, uma vez que serão

decididas simultaneamente na mesma sentença.

Humberto Theodoro Júnior define que “ao contrário da contestação, que é simples

resistência à pretensão do autor, a reconvenção é um contra-ataque, uma verdadeira ação

ajuizada pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), nos mesmos autos”46. Cabe

esclarecer que é a reconvenção é uma faculdade, devendo ser utilizada diante da evidência de

um direito material do réu em relação ao autor, além disso é possível o demandado somente

reconvir e não contestar (art. 343, § 6º do CPC).

42 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São

Paulo: Método, 2013, p. 359-360. 43 Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição

inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se: I - não for admissível, a seu respeito, a confissão;

II - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considerar da substância do ato; III -

estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto. Parágrafo único. O ônus da impugnação

especificada dos fatos não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial. 44 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 652. 45 Art. 343. Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a

ação principal ou com o fundamento da defesa. 46 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 815.

21

Em relação à garantia de defesa, no que toca ao direito de contestação, pode ocorrer a

situação jurídica da revelia47, que é a falta de contestação. Quando citado, o réu não está

obrigado a responder a demanda, porém, se assim não o fizer, sofrerá, em regra, os efeitos da

revelia. O principal efeito da revelia é que as alegações fáticas formuladas na petição inicial

serão presumidas verdadeiras, contudo, o CPC elenca as hipóteses em que tal efeito não

ocorrerá48.

Privilegiando os princípios do contraditório e da ampla defesa, o réu revel pode, a

qualquer tempo, aparecer no processo e defender os seus direitos, tal disposição está prevista

no art. 346, § único do CPC49. Contanto, o réu ingressa no processo na fase em que ele se

encontra, mas se o magistrado entender que os fatos ainda precisam ser elucidados, poderá

determinar que o réu constitua suas provas.

Insta salientar que o direito de defesa evidencia a sua relevância, uma vez que,

apresentada a contestação, o autor não pode desistir da ação sem o consentimento do réu50, pois,

poderá ser esse o verdadeiro detentor do direito reclamado e assim, uma sentença de mérito lhe

seria favorável. Toda essa conjuntura revela a influência preponderante dos preceitos

constitucionais no direito processual.

Pelo exposto, ressalta-se ainda que, se o propósito do réu é alcançar o êxito processual

face à pretensão do autor e obter para si a tutela jurisdicional reclamada, é fundamental que a

sua manifestação atenda a todos os requisitos e princípios que envolvem a defesa. Nessa linha,

oportuna a elucidação de Vallisney Souza Oliveira:

O grau de importância da contestação é também alto, porque pode aumentar a

atividade cognitiva do juiz, com apresentação de questões prévias, de novos fatos ou

de nova versão para os fatos ligados à causa de pedir. Desse modo, a congruência da

sentença será tanto em relação ao pedido do autor quanto em relação à defesa

processual e de mérito exposta na contestação.51

47 Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de

fato formuladas pelo autor. 48 Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se: I - havendo pluralidade de réus, algum deles

contestar a ação; II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III - a petição inicial não estiver acompanhada de

instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato; IV - as alegações de fato formuladas pelo autor forem

inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos. 49 Art. 346. Omissis. Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado

em que se encontrar. 50 Art. 485. Omissis. §4o Oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação. 51 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 144.

22

Destarte, assim como a petição inicial é considerada um “projeto de sentença”, a

contestação também deve ser, já que essa pode influir de igual maneira para o convencimento

do juiz e para o consequente triunfo processual do demandado.

2.4 SENTENÇA

De todos os pronunciamentos do magistrado52, incontestavelmente é a sentença53 que

detém maior relevância, uma vez que encerra a fase cognitiva do procedimento comum ou da

execução, resolvendo ou não o direito posto em discussão. O objetivo precípuo do processo

está na consecução da tutela jurisdicional e o seu desfecho se dá com a prolação da decisão

final, materializada através da sentença, ato que põe termo a atividade do Estado-juiz.

A sentença então representa o resultado atingido depois de serem analisadas as

pretensões do autor e do réu, assim, o magistrado deve decidir de acordo com a realidade

exposta nos autos e deixa-se guiar pelo princípio da boa-fé54, a fim de seu veredito mostrar-se

claro, preciso e indubitável. E para que possa produzir os efeitos previstos, esse ato processual

precisa ser publicado, seja por prolação em audiência ou quando inserida nos autos ou sistema

eletrônico; depois disso, o juiz só pode alterá-lo sob duas condições.

Nesse sentido, diz Humberto Theodoro Júnior:

A eficácia da sentença depende da reunião de condições intrínsecas e formais. Como

ato de inteligência, a sentença contém um silogismo; daí a necessidade de ela resumir

todo o processo, a partir da pretensão do autor, a defesa do réu, os fatos alegados e

provados, o direito aplicável e a solução final dada à controvérsia.55

Doutrinariamente, a sentença é classificada em terminativa e definitiva. A sentença

terminativa é aquela em que foram constatados vícios processuais impeditivos à análise do

mérito, o que leva à imediata extinção do processo. Esse tipo de sentença atinge apenas questões

52 Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. 53 Art. 203. Omissis. § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o

pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do

procedimento comum, bem como extingue a execução 54 Art. 489. Omissis. § 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos

e em conformidade com o princípio da boa-fé. 55 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 1060.

23

processuais e deriva por diversas hipóteses (art. 485 do CPC56), além de poder ocorrer em

diferentes fases processuais. Essa sentença faz coisa julgada formal, por isso é que há a

possibilidade de propositura de uma outra ação.57 O supramencionado autor entende ainda que:

[...] para compor o litígio e realizar a prestação jurisdicional, a lei exige que a relação

processual se estabeleça de modo a atender a determinados requisitos e certas

condições, o juiz, antes de enfrentar o mérito da causa, terá de exercer juízo de

admissibilidade do processo. Há ou pode haver em cada processo julgamento, portanto,

sobre a demanda e as preliminares processuais que autorizam ou impedem a apreciação

do mérito da causa.58

A sentença definitiva dispõe sobre o direito material discutido no processo, ou seja,

resolve o mérito da causa, aplicando-se um dos casos previstos no art. 487 do CPC59. Nessa

sentença há a extinção da própria relação de direito processual com a consequente resolução do

litigio entre as partes, por isso, que diferentemente da sentença terminativa, a definitiva, uma

vez transitada em julgado, opera a coisa julgada material, tornando o direito indiscutível. Nesse

ponto, tem pertinência a seguinte ponderação de Athos Gusmão Carneiro:

[...] transitada uma sentença materialmente em julgado, não poderão mais as partes

(ou seus sucessores) discutir ou reclamar, em processo posterior, quanto ao bem da

vida que a sentença atribuiu, ou denegou, a qualquer delas. Esta é a “eficácia

vinculativa plena” característica da atividade jurisdicional, e que só a atividade

jurisdicional produz.60 (grifos do autor)

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira qualificam a

sentença de mérito como uma norma jurídica individualizada, afirmando existir um universo

56 Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: I - indeferir a petição inicial; II - o processo ficar parado durante

mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III - por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o

autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de

desenvolvimento válido e regular do processo; V - reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de

coisa julgada; VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; VII - acolher a alegação de

existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; VIII - homologar

a desistência da ação; IX - em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal;

e X - nos demais casos prescritos neste Código. 57 Art. 486. O pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação. 58 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 1027. 59 Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na

reconvenção; II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; III -

homologar: a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção; b) a transação;

c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção. 60 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência: exposição didática; área do direito processual civil. 18.

ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 40.

24

de preceitos abstratos criados pelo Estado, que em algum momento serão selecionados entre si

para regular um caso específico. Nesse sentido, apreende-se que a norma jurídica

individualizada surge do contexto em que há uma norma abstrata apta a regular uma realidade

de fato submetida ao crivo do Estado-juiz61.

Em compreensão semelhante, outros tantos autores afirmam que a sentença corresponde

a um silogismo judicial, espécie de operação lógica que relaciona três elementos: a premissa

maior (norma jurídica a ser aplicada em determinada circunstância), a premissa menor (a

situação fática) e a conclusão (a norma concreta extraída da submissão da premissa menor à

premissa maior). É, portanto, a subsunção de um quadro fático a uma norma jurídica, que

resultará em um julgamento, ou seja, a própria sentença.62

Outrossim, há diversos entendimentos quanto à natureza jurídica da sentença, se seria

um ato que apenas expressa o conteúdo da lei, através da inteligência do magistrado, ou um ato

que, concomitantemente a essa perspicácia, também manifesta vontade. A maioria doutrinária

(seguindo o posicionamento de Chiovenda, Carnelutti, etc.) definem a sentença como ato

intelectivo materializado através de um “comando”, em que se faz presente a vontade do Estado.

Compartilhando do entendimento majoritário, Humberto Theodoro Júnior infere que:

Funciona, em outras palavras, o juiz como o porta-voz da vontade concreta do

ordenamento jurídico (direito objetivo lato sensu) perante o conflito de interesses

retratado no processo. Proferindo a sentença, o Estado-juiz emite uma ordem, que

Carnelutti chama de “comando”, e impregna a decisão do caráter de ato de vontade;

vontade manifestada pelo julgador como órgão do Estado diante daquilo que a lei

exprime.63

Importante observar que também existem processos que chegam ao fim através da

pronúncia de outra decisão judicial, denominada de acórdão64. Esses casos são as ações de

competência originária de um tribunal, nas quais a decisão é oriunda de um julgamento

proferido por órgão colegiado. Diferentemente da sentença, o acórdão é formado pela

compreensão de diferentes magistrados acerca de determinado litígio, contudo, ambas as

decisões estabelecem condições comuns a serem observadas.

61 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual

civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.

Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 308-311. 62 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 609. 63 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 1056. 64 Art. 204. Acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais.

25

Conforme o art. 489 do CPC65, a sentença estrutura-se em um todo composto por três

elementos, quais sejam: relatório, fundamentos e dispositivo. Imprescindível que estes se façam

presentes na decisão judicial, uma vez que para a produção dos efeitos esperados, a sentença

deve apresentá-los, sob pena de incorrer em nulidade. Importante a sucinta apreciação de cada

um deles.

O relatório nada mais é do que a introdução da sentença, parte em que o juiz deve narrar

de forma objetiva e cronológica o histórico processual, principalmente registrar os fatos mais

relevantes. A importância do relatório se justifica pelo fato que, através dele, podem ser

verificados por ambas as partes do litígio, quais foram os fundamentos e as provas que o

magistrado levou em consideração no seu relato, de maneira a perceber o grau de significância

atribuído a estas circunstâncias.66

A fundamentação é o elemento essencial da sentença, pois é imperioso que o juiz dê

conhecimento ao direito que embasa a sua convicção, para então declarar a vontade da lei.

Consequentemente, todos os fatos relevantes do processo devem estar justificados e, acerca

deles, o magistrado deve fazer uma análise completa, pois não é concebível chegar-se a uma

conclusão sem antes motivar de maneira precisa e adequada a realidade apresentada no

processo.

O dever de fundamentação, já amplamente consolidado como princípio do direito

processual civil brasileiro, além de vir regulado no art. 11 do CPC, constitui-se ainda em

garantia assegurada pela Constituição Federal67. Isto posto, a ausência de motivação da sentença

enseja, segundo a maioria doutrinária68, a nulidade do ato decisório. E como forma de rechaçar

tal vício, o CPC prevê no art. 489, § 1º69, hipóteses em que as razões de decidir de um

pronunciamento judicial não são expostas.

65 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação

do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do

processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que

o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. 66 Registra-se que no âmbito das sentenças proferidas nos Juizados Especiais Cíveis, o relatório pode ser

dispensado (art. 38 da Lei n. 9099/95). 67 Art. 93. Omissis. IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas

todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes

e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado

no sigilo não prejudique o interesse público à informação; 68 Essa questão é polêmica, pois existe corrente doutrinária, cada vez mais crescente, posicionando-se no sentido

de que a fundamentação é elemento essencial para existência do ato. Seguindo esse posicionamento, Wilson Alves

de Souza aborda esse ponto no seu livro “Sentença Civil Imotivada: caracterização da sentença civil imotivada no

direito brasileiro”, precisamente no capítulo 4. 69 Art. 489. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou

acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação

com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo

26

Nessa lógica, a exigência de fundamentação é compreendida a partir de diferentes

propósitos, principalmente, o de informar as partes os motivos determinantes para a formação

da convicção do magistrado, o que lhes permite constatar se os seus fundamentos foram

considerados e se a sentença guarda congruência com os limites da demanda. Portanto, uma

boa fundamentação faz cumprir o papel do processo como instrumento de pacificação na

composição dos litígios sociais. Nas palavras de Alexandre Freitas Câmara:

Exige-se, portanto, uma fundamentação verdadeira, suficiente para justificar a

decisão, de modo a demonstrar que ela é constitucionalmente legítima. E daí se extrai

a íntima ligação que há entre o princípio do contraditório e o da fundamentação das

decisões. É que, sendo a decisão construída em contraditório, através da

comparticipação de todos os sujeitos do processo, torna-se absolutamente

fundamental que a decisão judicial comprove que o contraditório foi observado, com

os argumentos deduzidos pelas partes e os suscitados de ofício pelo juiz, todos eles

submetidos ao debate processual, tendo sido considerados na decisão.70 (grifos do

autor)

O dispositivo, último elemento estrutural da sentença, expressa-se em um comando, é a

conclusão resultante da subsunção do fato à norma jurídica (fundamentação). O dispositivo

deve guardar coerência com o relatório e os fundamentos formulados pelo magistrado, pois é

aqui que se decide o mérito da ação, afirmando-se a procedência ou improcedência do pedido,

o que permite aferir se a sentença ficou adstrita aos limites formulados na demanda ou se sobre

ela incide algum vício.

Destaca-se ainda, a influência positiva do princípio da primazia do exame do mérito no

CPC71, o qual preconiza que, sempre que possível, o juiz deve buscar soluções para sanar os

vícios processuais, bem como saber aproveitar os atos procedimentais, a fim de viabilizar o

exame do mérito, já que esse é o principal objetivo do processo. Então, como visto, o CPC

prescreve uma postura mais ativa do magistrado, com o objetivo de propiciar uma decisão de

mérito justa e efetiva.

concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV

- não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo

julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos

determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir

enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção

no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 70 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 277. 71 Art. 488. Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem

aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485.

27

2.5 A INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA

A sentença corresponde à materialização do discurso do juiz, é o produto de sua

interpretação. Tamanha é a responsabilidade em julgar, pois é fundamental a análise minuciosa

de toda a relação processual. Ao magistrado incumbe “dizer o direito”, acolhendo ou rejeitando

o pedido, não estando preso ao que foi argumentado pelas partes.

Wilson Alves de Souza relata que a interpretação é um dos grandes dilemas do direito,

uma vez que a resolução dos conflitos processuais só é atingida através de uma compreensão

adequada e atenta, sendo que a difícil tarefa de interpretar é ainda mais imperativa à figura do

magistrado, pois está nas suas mãos o poder de decisão dos litígios processuais. Coadunando-

se a esse entendimento, vislumbra-se que a efetividade do processo está intimamente

relacionada aos liames de uma decisão que considera a essa questão72.

Ao proferir a sentença o juiz tem a difícil tarefa de fazer-se compreender, por isso a

necessidade de que a decisão seja certa73, clara e justa. Outrossim, é preciso que a sentença seja

interpretada sistematicamente, levando-se em consideração o relatório, a fundamentação e, não

apenas o dispositivo. Por essa razão, esses elementos estruturais da sentença são necessários e

devem ser coerentes entre si. Como observado por Humberto Theodoro Júnior:

[...] deve-se partir do princípio básico de que não é pela simples leitura de seu

dispositivo e de seu sentido literal que se consegue extrair seu sentido e alcance. Se

se trata de ato de vontade e inteligência, interpretá-lo exige ir além das palavras

utilizadas, para alcançar efetivamente a vontade e a intenção do subscritor. E, para

tanto, não pode ser enfocada como peça isolada, autônoma e completa. Fruto que é da

dinâmica processual, seu teor só será bem compreendido se se buscar, antes de tudo,

harmonizá-la com o objeto do processo e com as questões que a seu respeito as partes

suscitaram na fase de postulação.74 (grifos do autor)

O pedido é o principal responsável por estabelecer os limites da demanda, uma vez que

o réu vai manifestar-se em face do que pretende o autor e o juiz vai julgar em conformidade às

postulações das partes. A relação de coerência que deve existir entre o pedido e a sentença é

regra a ser observada, como forma de proteger a decisão de possíveis invalidades decorrentes

de vícios de incongruência. Portanto, conforme ressaltado pelo supramencionado autor:

72 SOUZA, Wilson Alves de. Sentença Civil Imotivada: caracterização da sentença civil imotivada no direito

brasileiro. 2. ed. rev. e ampl. Salvador: Dois de Julho, 2012, p. 93-94. 73 Art. 492. Omissis. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional. 74 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 1085.

28

O pedido formulado na inicial torna-se o objeto da prestação jurisdicional sobre o qual

a sentença irá se operar. É ele, portanto, o mais seguro critério de interpretação da

sentença, visto que esta é justamente a resposta do juiz ao pedido do autor, não

podendo o provimento, por imposição legal, fixar aquém dele, nem ir além dele, sob

pena de nulidade (art. 141 e 492).75 (grifos do autor)

Em suma, a legislação processual preconiza que é defeso ao juiz proferir decisão acerca

de questões não suscitadas no processo, em respeito ao princípio da congruência, por isso a

necessidade de observância, pelo julgador, dos arts. 14176 e 49277 do CPC. Todos esses

mandamentos se justificam pelo fato de a sentença consistir em ato que altera

significativamente relações e fatos jurídicos, tornando definitivas as situações submetidas ao

crivo do Poder Judiciário.

75 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 1085. 76 Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões

não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. 77 Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em

quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

29

3 PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA

Convém, agora, elucidar o conceito doutrinário do princípio da congruência para assim

evoluir na discussão de seus efeitos e consequências no âmbito do processo civil.

Além disso, faz-se necessário apontar a influência e correspondência de outros

princípios em relação ao princípio da congruência.

3.1 CONCEITO

Primeiramente, não existe unanimidade doutrinária em relação à nomenclatura do

princípio da congruência. Outrossim, há ainda as denominações de princípio da correlação,

correspondência, adstrição ou simetria, todos esses termos cabíveis para expressar a relação de

equivalência que deve existir entre a sentença e o pedido. Para melhor facilitar a compreensão,

usar-se-á aqui apenas o termo “princípio da congruência”.

Em breve introito, constata-se que o princípio da congruência é corolário do princípio

dispositivo, sendo este definido pelo início da atividade jurisdicional, uma vez que o processo

inaugura-se pela provocação das partes. Por isso, a íntima relação entre ambos, pois o princípio

dispositivo impõe o dever de correspondência entre a sentença e o pedido, determinando que o

magistrado fique adstrito apenas à pretensão autoral e à resistência do réu.

No tocante ao conceito do princípio da congruência, a maioria doutrinária entende como

sendo preceito no qual o juiz deve decidir a demanda dentro das pretensões objetivadas pelas

partes, ou seja, o magistrado deve se ater aos limites da lide, somente podendo pronunciar-se

em relação ao que foi expressamente pedido na petição inicial e contraposto pelo réu na

contestação. É classicamente intitulado de “ne eat iudex ultra petita partium”, princípio do

Direito Romano que lhe constituiu.

Este princípio é expressamente compreendido nos artigos 14178 e 49279 do Código de

Processo Civil de 2015. No primeiro dispositivo, entende-se que deve haver uma exata

correspondência entre o objeto proposto pelas partes e o resultado da atividade jurisdicional,

daí o conhecido brocardo jurídico: “iudex iudicare debet secundum allegata et probata

78 Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões

não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. 79 Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em

quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa,

ainda que resolva relação jurídica condicional

30

partium” (o juiz deve julgar de acordo com o que foi alegado e provado pelas partes). Portanto,

há nessa norma uma imposição de limite à atividade do juiz.

Apesar de grande parte doutrinária entender que o magistrado deve proferir a sua

decisão de acordo com os limites fixados pelo pedido do autor, entende-se que deve haver uma

análise conjunta de todo o processo, em relação às manifestações das partes e das provas

produzidas, de modo a permitir uma interpretação sistemática do magistrado, no sentido de que

este alcance a verdade real do processo, privilegiando o princípio da segurança jurídica.

Em relação ao art. 492 do CPC, que servindo de complemento ao art. 141, traz previsão

na qual o juiz, ao proferir o comando sentencial, está limitado pelo quanto disposto no pedido

da inicial, somente devendo declarar a procedência ou improcedência da demanda, não podendo

conceder nada a mais, ou fora do que se pediu, ou mesmo omitir-se de apreciar sobre o se pediu,

sob pena de tornar a sentença incongruente. Acerca desses dispositivos, Fredie Didier Jr.

explana que:

Esses dois artigos dão substância à regra da congruência da decisão judicial, segundo

a qual o juiz, ao decidir, deve ater-se aos pedidos das partes e somente a eles, não

podendo ir além, para conceder mais ou coisa diversa, nem podendo deixar de analisar

qualquer um deles. 80

Vallisney de Souza Oliveira entende que, além de ser exigida a correspondência entre a

sentença e o pedido, o princípio da congruência determina ainda a correlação deste ato decisório

com os fatos alegados na petição inicial e na contestação (e ambos constituem-se em causa de

pedir). Dessa forma, sobressai o vínculo existente entre o pedido em si e o dispositivo do

julgado, como também entre a causa de pedir e a fundamentação do magistrado.81

A observância desses liames assegura a coerência que deve possuir a sentença.

Importante ressaltar que, no tocante à fundamentação, o juiz não pode justificar-se apenas sobre

a causa de pedir formulada pelo autor, pois os contornos da lide são fixados também pela defesa

do réu. Por isso, a razão de ser a sentença, o ato que traz o desfecho do processo e proclama a

verdade extraída dos autos de forma imparcial, proporcionando às partes igualdade de

condições para o exercício de seus direitos.

80 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual

civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.

Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 359. 81 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 208.

31

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, concordando o

entendimento de Vallisney de Souza Oliveira, classificam a congruência da decisão judicial sob

dois prismas: a congruência interna e a congruência externa. A primeira corresponde às

características de clareza, certeza e liquidez que a sentença deve revestir-se. A outra se divide

ainda em congruência subjetiva, que diz respeito aos sujeitos da ação e, congruência objetiva,

relativa aos elementos objetivos da demanda.82

Nessa linha, mesmo que o princípio da congruência tenha o seu conceito centrado na

congruência objetiva, ressalta-se que este ato é interpretado sob diversos aspectos, não apenas

devendo demonstrar a correlação com os elementos objetivos da demanda, quais sejam a causa

de pedir, o pedido e a contestação, mas também há de evidenciar a correspondência em relação

às partes do processo e ser harmônica em si mesma.

3.2 DEFEITOS DOS ATOS PROCESSUAIS E VÍCIOS DA SENTENÇA INCONGRUENTE

A partir do momento que o princípio da congruência não é observado, ocorrem os

chamados vícios processuais, que, a depender do grau, podem ensejar a invalidade do ato

decisório. De acordo à forma como se apresentem, os vícios precisarão ser reparados pelo órgão

recursal, que poderá invalidar a sentença de forma parcial ou total. Ou mesmo, pode o próprio

juízo a quo, por ofício ou por provocação das partes, retificar o ato.

Um processo que contêm vícios, por desrespeitar a formalidade imposta no

ordenamento jurídico e, de forma específica, o sistema processual civil, afronta a segurança

jurídica, que é a finalidade maior do direito, principalmente em razão deste princípio gerar para

os indivíduos a expectativa da confiança na justiça e a estabilidade nas relações sociais. Por

isso é que as previsões principiológicas devem ser cumpridas, a fim de que a justiça se

concretize com efetividade, de forma justa e segura para todos os envolvidos.

Vallisney de Souza Oliveira classifica diferentes graus jurídicos dos defeitos que podem

acometer os atos processuais, quais sejam a irregularidade, a nulidade e a inexistência83. A

irregularidade não assume tamanha relevância quanto ao erro verificado por indicar apenas uma

pequena falha processual, assim não suscita efeitos danosos ao processo e nem influi no seu

82 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual

civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.

Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 357-358. 83 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 209.

32

resultado; por isso não enseja a sanção de invalidade do processo, logo não acarreta o vício de

incongruência.

A nulidade é defeito que, a depender do grau, pode trazer sérias consequências ao

processo. De outro lado, a nulidade se classifica em relativa e absoluta. A nulidade relativa

caracteriza-se por ser mais branda, pois depende da arguição da parte, não admitindo o seu

reconhecimento ex officio pelo juiz, além de que a nulidade relativa permite a convalidação e

tem efeito ex nunc.

Já a nulidade absoluta é mais gravosa e, por ser de ordem pública, pode ser alegada por

qualquer das partes, ou pronunciada de ofício pelo juiz, a partir do seu conhecimento; não

admite convalidação e seus efeitos retroagem (ex tunc). Os atos (ou mesmo o processo) eivados

de nulidade absoluta não operam preclusão, podendo a mesma ser alegada até em recurso

ordinário inclusive.

Isso porque, em recurso especial, tal arguição depende de prequestionamento e, assim a

coisa julgada apaga qualquer nulidade. No entanto, é preciso salientar que, a nulidade absoluta,

por importar em violação à norma processual, pode ser alegada também em ação rescisória.

Vallisney de Souza Oliveira frisa, que, a decisão de mérito que não guarda

correspondência com o pedido, a causa de pedir e os pontos alegados na defesa provoca

diferentes hipóteses de nulidades (ultra petita, extra petita e citra petita), vícios que ferem o

princípio da congruência e, por via de consequência, desrespeita outros princípios e normas

processuais a ele relacionados. Sobre esse aspecto o referido autor destaca que:

Nos julgamentos em desacordo com o pedido, mister incluir decisões em

desconformidade também com a causa de pedir, o que faz com que a matéria se

relacione não somente com o princípio da congruência, mas, também, com o da

plenitude e da fundamentação das decisões. Para esse desiderato se faz necessário

entender o termo petitum tanto em sentido lato como sendo a lide (ou mérito), quanto

em sentido estrito, ou seja, como sendo (terceiro) elemento da demanda.84 (grifos do

autor)

Na compreensão do autor, a inexistência é o defeito mais grave, pois, conforme o

próprio nome já sugere, atesta algo que nunca existiu. Por essa razão, um ato reputado

inexistente não incorre em invalidade ou mesmo caracteriza algum vício de congruência, pelo

contrário, muitas vezes a inexistência de algum ato compromete a própria existência do

84 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 254.

33

processo. É defeito que pode ser alegado a qualquer tempo, portanto, nunca será coberto pelo

manto da coisa julgada. Nesse sentido, Vallisney de Souza Oliveira entende que:

Como regra, nenhuma espécie de incongruência entre a sentença e o pedido leva ao

vício da inexistência. Assim, não produzem inexistência, por graves que sejam, tanto

os vícios por ultra e extra petição, que, além de ferirem uma regra técnica processual,

atingem o princípio constitucional do contraditório, quanto o vício por citra petição

(salvo a ausência total da parte dispositiva, como já se viu), que viola as regras

processuais e também o poder de julgar. Esses atos estão apenas sujeitos à decretação

de nulidade, sendo aproveitáveis algumas vezes, especialmente em homenagem a

outros princípios como o da economia processual, na hipótese, v. g., de incongruência

por ultra petição.85 (grifos do autor).

Cabe enfatizar, que, alguns autores discordam do entendimento acima referido e

caracterizam as sentenças incongruentes como juridicamente inexistentes. Nessa linha, é o

posicionamento de Wilson Alves de Souza86. Todavia, apesar de grande parte doutrinária

considerar que a sentença citra petita é nula, este autor sustenta que a decisão é materialmente

inexistente no tocante apenas ao ponto omitido (inexistência parcial), considerando-a, portanto,

incompleta; dispõe, contudo, que, ela é válida e eficaz nos pontos decididos pelo magistrado e

que, por isso, não há necessidade de anulação.

Em relação à sentença ultra petita, o doutrinador afirma a inexistência jurídica somente

da parte excedente, sob o fundamento, que, se não houve pedido, consequentemente não houve

ação e, por conseguinte, processo. Justifica que o juiz deve respeitar a relação processual e

assim não pode decidir em favor de uma das partes acerca de pedido que não foi expressamente

formulado.

Em seguimento, Wilson Alves de Souza assevera, que, diferentemente, dos vícios ultra

petita e citra petita, na decisão extra petita não há nada a ser aproveitado, sendo esta sentença,

por completa, juridicamente inexistente em relação ao ponto que foi decidido sem a formulação

do pedido e, materialmente inexistente no ponto que foi pedido e não foi decidido. Nesse

sentido, defende que não é preciso a interposição de recursos, por compreender que se algo não

existe juridicamente, consequentemente não há a produção de qualquer efeito jurídico.

Contudo, seguindo a linha intelectiva de Vallisney de Souza Oliveira, coaduna-se com

o seu entendimento, no sentido de que podem ser decretadas as nulidades em relação às

85 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 217. 86 SOUZA, Wilson Alves de. Los limites subjetivos internos de la jurisdicción: caracterización de la Sentencia

dictada por un órgano jurisdicional sin atribución constitucional. Salvador: Dois de Julho, 2016, p. 473-478.

34

sentenças incongruentes, uma vez que que estas podem ser sanadas. Assim, nem sempre o vício

de nulidade invalidará a sentença, pois a atual conjuntura do processo civil sobreleva o princípio

da instrumentalidade de formas, no qual preconiza que poderá haver o aproveitamento do

próprio ato ou de parte dele que foi eivado por nulidade, é o exemplo de uma decisão que

concedeu além do que foi pleiteado pelo autor, mas que somente deverá ser invalidada pelo que

concedeu a mais, aproveitando-se a parte que guarda equivalência com o pedido.

A instrumentalidade do processo juntamente com o princípio da economia processual

passaram a ser relevantes dogmas, principalmente com o advento do Código de Processo Civil

de 2015, que procurou estabelecer uma atuação mais dinâmica e diligente do magistrado, de

forma a atenuar regras inflexíveis quanto à formalidade processual. Logo, o julgador atual deve

adotar uma postura mais ativa e adaptável ao Estado Democrático de Direito, contribuindo para

o acesso à justiça de forma justa, célere e efetiva.

Vale salientar que, apesar de o juiz ter o dever de pronunciar-se acerca de todas as

questões relevantes trazidas no processo pelas partes, ele somente está preso aos fatos narrados,

mas não aos argumentos jurídicos explanados pelas partes, pois, cabe a ele decidir de acordo

com o direito, devendo, se necessário, usar a analogia, os costumes, os princípios, as máximas

de experiência etc.

Assim, o juiz que decide a lide com fundamento de direito diverso dos invocados pelas

partes não infringe o princípio da congruência. Não obstante, além de ser livre para o dizer o

direito aplicável ao caso concreto, o magistrado também pode proferir a sua decisão baseando-

se pelos fundamentos jurídicos do autor ou do réu, sob a condição de que foi privilegiado o

contraditório para cada um deles e garantida a sua imparcialidade.

Constata-se a violação ao princípio da congruência sob três aspectos. O primeiro,

quando os fundamentos da sentença não respondem às postulações das partes, ou seja, não há

equivalência entre os fatos narrados e as razões de decidir. O segundo é em relação ao

dispositivo da sentença, quando este não guarda relação com o pedido. O terceiro diz respeito

aos efeitos da sentença, quando estes não condizem com a real pretensão formulada por

qualquer das partes.

Em suma, quando não são devidamente observados os limites da lide (em especial

atenção ao pedido, causa de pedir e defesa do réu), há a transgressão ao princípio da congruência

através do defeito da nulidade da sentença, que ocorre sob as hipóteses: ultra petita, extra petita

e citra petita. A sentença incongruente haverá então de ser corrigida por meio de recurso. Sobre

cada uma delas será exposta breve análise.

35

3.2.1 Sentença ultra petita

Sentença ultra petita é aquela em que o juiz julga além do pretendido por qualquer das

partes. E como a congruência ainda diz respeito à causa de pedir, há decisão ultra petita quando

o magistrado resolve a demanda baseando-se em fatos não alegados pelo autor ou pelo réu.

De forma exemplificada, se um autor requer em juízo a condenação do réu para o

pagamento de determinada quantia, não pode o juiz entender e conceder a mais do que fora

pleiteado. De maneira inversa, também não pode o juiz rejeitar a pretensão do autor e proferir

sentença que amplifique os limites da defesa do réu. Nos dizeres de Fredie Didier Jr.:

Daí se vê que, na decisão ultra petita, há uma parte que guarda congruência com o

pedido ou com os fundamentos de fato e outra que os excede. Por isso se diz que,

nesses casos, o juiz exagera na solução apresentada ou nos fundamentos invocados

em suas razões de decidir.87 (grifos do autor)

Ressalte-se que, pronunciamentos do juiz acerca de pedidos implícitos88 ou de questões

de ordem pública (a exemplo da prescrição), não se caracterizam como ultra petita. O pedido

implícito alarga o poder de decisão do magistrado, pois permite que ele infira de ofício acerca

de pontos que não precisam ser suscitados pelas partes, de modo a romper a ideia de silogismo

judicial que deve existir entre a sentença e o pedido.

A doutrina e jurisprudência reconhecem que no caso de sentença ultra petita não é

necessário reconhecer a nulidade da sentença, mas sim reformá-la, uma vez que a pretensão da

parte é atendida pelo magistrado, ficando apenas a parte além do quanto formulado, a qual

deverá ser alegada através de recurso, para que seja decotada do julgado.

Interessante explanar como a jurisprudência pátria se posiciona acerca do vício ultra

petita. Nesse sentido têm-se os julgados proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 2ª

Região89 e pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região90, nos quais manifestam que a sentença

87 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual

civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.

Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 361. 88 Art. 322. Omissis. § 1o Compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de

sucumbência, inclusive os honorários advocatícios. 89 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Administrativo e Cível. Apelação/Reexame Necessário nº

0002250-61.2003.4.02.5156/RJ. Relator: Desembargador Federal Luiz Paulo da Silva Araujo Filho. Órgão

Julgador: Turma Especializada III. Julgamento: 14/12/2016. Publicação: 24/01/2017. 90 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Direito Processual Civil. Direito Tributário.

Apelação/Remessa Necessária nº 0010216-90.2013.4.03.6128/SP. Relator: Desembargador Federal Carlos Muta.

Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgamento: 06/10/2016. Publicação: 21/10/2016.

36

ultra petita não observa os limites fixados na demanda, concedendo algo a mais do que o que

foi postulado, devendo assim, ser declarada parcialmente nula, apenas em relação ao que foi

exorbitado, a fim de se restabelecer a congruência.

Assim, em ambos os julgados, observa-se que foram interpostos recursos de apelação

com objetivo de sanar os vícios ultra petita alegados. As sentenças não foram invalidadas e,

não houve, portanto, a necessidade de os autos retornarem ao juízo a quo. As decisões de mérito

proferidas pelo magistrado de primeiro grau foram mantidas, retirando-se apenas as partes que

excederam as pretensões formuladas.

3.2.2 Sentença extra petita

Sentença extra petita é aquela em que o magistrado decide sobre o que não foi requerido

no processo.

É frequente a confusão doutrinária e jurisprudencial em relação às sentenças ultra petita

e extra petita. Enquanto naquela a decisão julga favoravelmente em favor de uma das partes,

mas amplia a sua pretensão; nesta o juiz desconsidera o pedido ou fundamentos das partes,

proferindo decisão de natureza diversa. O ponto em comum é que, ambas apresentam error in

procedendo (erro de procedimento), que ocasiona a nulidade do ato decisório.

Vallisney de Souza Oliveira entende que, quando o juiz profere decisão correlacionada

ao pedido, mas sem levar em consideração os fatos aduzidos pelas partes e considerando outros

fatos, ocorre incongruência por desvio de julgamento, além de evidenciar clara violação ao

princípio do contraditório. Porém, se esses novos fatos resultarem em outra interpretação para

a pretensão formulada, haverá desvio de atenção, muito mais gravoso e mais intenso em

provocar a nulidade do julgado por vício extra petita.91

Nesse sentido, percebemos a ampliação dos efeitos da sentença extra petita, uma vez

que, além de infringir o princípio da congruência, contraria o devido processo legal, violando

consequentemente os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que se apresenta

como uma “decisão surpresa”, prejudicando uma das partes, de maneira a mitigar o seu direito

de defesa, por impor um resultado sobre o qual não pôde se pronunciar.

Um típico exemplo de decisão extra petita é quando o autor requer a condenação do réu

ao pagamento de determinada quantia e o magistrado erroneamente decide em seu favor, mas

91 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 262.

37

condena o réu numa obrigação de entregar determinado bem, diferente do bem jurídico

pleiteado. De igual maneira, é extra petita a sentença que não decide sobre pedido de

indenização por danos materiais e decide concedendo sobre danos morais, ou seja, algo

diferente daquilo que foi pleiteado pelo autor.

A sentença extra petita é no seu todo nula, uma vez que decide completamente fora dos

limites formulados na lide, não havendo nada a ser aproveitado.

Na decisão extra petita, o interessado deve interpor o recurso de apelação para que seja

declarada a invalidade do julgado com o consequente retorno dos autos ao juízo a quo, a fim de

se proferir nova decisão com a observância do princípio da congruência. O Tribunal não pode

julgar diretamente o mérito, pois o juízo a quo precisa conhecer e decidir acerca do que

realmente foi postulado, em respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição.

Esse entendimento foi observado no aresto Tribunal de Justiça do Distrito Federal92 , no

qual definiu-se que, conforme previsão dos artigos 141 e 492 do CPC, seria vedado ao

magistrado proferir julgamento fora dos contornos estabelecidos na lide; por isso, a sentença

que não analisa o que efetivamente foi apresentado na inicial como pedido e causa de pedir,

concedendo bem da vida diverso, incorre em nulidade, o que acarreta a consequente cassação.

Sendo assim, constatado o vício extra petita, deve haver o retorno dos autos à vara de origem,

para que seja proferida nova decisão, observando-se com atenção todos os pedidos e causas de

pedir formuladas na demanda.

Todavia, há o entendimento que, se o processo estiver em condições de imediato

julgamento e versar apenas sobre questões de direito, sem mais necessitar da produção de

provas, pode o Tribunal apreciar o mérito, caso constante que o julgamento não irá acarretar

qualquer prejuízo para as partes (teoria da causa madura), contribuindo para a celeridade

processual.

Não se caracteriza como sentença extra petita aquela em o juiz decide com base em

argumentos jurídicos distintos daqueles alegados pelas partes. A esse respeito, conveniente

destacar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, consoante se extrai do Agravo

Regimental no Recurso Especial nº 1.565.055/SC, de relatoria do Ministro Mauro Campbell

Marques 93, no qual asseverou que “apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-

92 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20160110556515. Relator: Desembargador

Alfeu Machado. Órgão Julgador: Sexta Turma Cível. Julgamento: 24/05/2017. Publicação: 30/05/2017. 93 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.565.055/SC. Relator:

Ministro Mauro Campbell Marques. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 15/12/2015. Publicação:

18/12/2015.

38

lhes a qualificação jurídica que entender adequada ao acolhimento ou à rejeição do pedido,

como fruto dos brocardos iura novit curia, da mihi factum dabo tibi ius”.

Destarte, como já explanado, não há que se falar em vício nessa hipótese, pois de acordo

com o princípio do livre convencimento motivado do juiz, positivado no art. 371 do CPC94, a

formação de sua convicção não é condicionada ao que foi aduzido pelas partes, o magistrado

tem liberdade para justificar-se de acordo com o direito que entende ser o mais adequado.

3.2.3 Sentença citra petita

A decisão citra petita ocorre quando o magistrado julga de forma incompleta, seja em

relação ao pedido formulado ou fundamento alegado por qualquer das partes. Há, portanto, uma

omissão do julgamento sobre ponto relevante para o deslinde do processo. Fredie Didier Jr.,

Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira esclarecem que:

Se na decisão ultra petita o juiz exagera e, na extra petita, ele inventa, na decisão citra

petita o magistrado se esquece de analisar algo que tenha sido pedido pela parte ou

tenha sido trazido como fundamento do seu pedido ou da sua defesa.95

Nesse vício, há o descumprimento do dever de julgar, atribuído ao juiz, violando assim

o princípio da indeclinabilidade da jurisdição, como também o princípio do acesso à justiça,

uma vez que compromete o devido exercício da função jurisdicional e não garante a solução

esperada pela parte, que delegou o seu problema nas mãos do Estado-juiz.

Havendo cumulação de causas de pedir com único pedido, o juiz ao refutar a primeira

causa petendi, terá que apreciar a segunda, mas se acolhe o pedido em si não há necessidade de

se apreciar a segunda causa de pedir, porque o bem da vida já foi alcançado.

No tocante à causa de pedir, o juiz não precisa se ater a todos os fatos alegados no

processo, mas é necessário que se pronuncie acerca de argumentos significativos para a

resolução processual, principalmente aqueles que guardam relação com a sua convicção.

Assim, é citra petita a decisão que nega a pretensão autoral, sem que o juiz tenha se manifestado

sobre todos os fatos alegados pelo demandante (da mesma forma com o réu).

94 Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e

indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento. 95 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual

civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.

Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 368.

39

De fato, se um fundamento relevante não foi analisado e apreciado pelo magistrado,

além de configurar-se em vício citra petita, caracteriza ainda a ausência de fundamentação, o

que não pode ser admitido, por esta ser requisito intrínseco da sentença, além de sua falta ensejar

a nulidade do ato decisório. Contudo, é citra petita a decisão que não examina todos argumentos

relevantes, principalmente àqueles que são contrários à conclusão atingida pelo julgador.96

Ocorre também esse vício de congruência na hipótese de o juiz não deferir pedidos

implícitos ou questões de ordem pública, pois, como se sabe, estes não precisam ser formulados

pela parte, cabendo o juiz concedê-los de ofício. Há, também, acerca de reconvenção.

É citra petita a sentença que decide sobre pedido acessório e não decide sobre o

principal. De outro lado, é citra petita a sentença em que o autor formula dois pedidos e o juiz

aprecia apenas um deles.

No caso de cumulação subsidiária de pedidos, o juiz deve apreciá-los na ordem

postulada pelo autor. Assim, não ocorrerá o vício citra petita, se acolhido o primeiro pedido e

não apreciado o segundo; porém a inversão da apreciação pelo juízo torna a decisão citra petita.

Em relação ao pedido e sua correlação com o vício citra petita, tem-se que, no caso de

o juiz pronunciar-se acerca de pedido acessório, mas sem se manifestar sobre o pedido principal

enseja a incongruência por omissão, contudo, não é, se o juiz analisa primeiro o pedido

principal. Há incongruência também quando há mais de um pedido, e a decisão se debruça

apenas sobre um deles. Porém, não é incongruente a sentença que decide por determinada

pretensão, quando o autor optou por formular pedidos alternativos, ou seja, cabe ao magistrado

a escolha de qualquer um deles.

Portanto, tratando-se esse vício de uma omissão, pode-se utilizar, como via recursal, os

embargos de declaração, com base no art. 1.022, II do CPC97. Todavia, o fato de a parte não ter

interposto tal recurso, não há que se falar em preclusão, nem mesmo impedimento para a

interposição da apelação, também apta a suprir uma decisão citra petita.

Há diferentes posicionamentos doutrinários acerca da providência jurídica a ser adotada

no caso de a sentença ser citra petita. Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria

de Oliveira argumentam que não há a necessidade de anular a sentença, sob o fundamento de

96 É esse o entendimento extraído do art. 489, § 1º, IV do Código de Processo Civil de 2015, senão vejamos: Art.

489. Omissis. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou

acórdão, que: IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a

conclusão adotada pelo julgador; 97 Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: II - suprir omissão de ponto

ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

40

que não houve decisão e, por assim ser, não se pode invalidar o que não existiu, devendo a

sentença ser integrada para tornar-se inteira.98

Manifestando-se em contrário, Vallisney de Souza Oliveira considera que uma sentença

citra petita é inválida e por isso há de se reconhecer a nulidade, não podendo o órgão recursal

integrá-la, pelo fato de que o juízo a quo precisa julgar acerca do pedido ou fato que por omissão

não foi apreciado, uma vez que haveria supressão de instância, ou seja, violação ao princípio

do duplo grau de jurisdição.99

Tal divergência é observada em recentes arestos do Tribunal Regional Federal da 1ª

Região. Enquanto um julgado entende que no caso de sentença citra petita cabe o julgamento

imediato do mérito pela instância recursal, caso a relação processual esteja devidamente

formada, no sentido de não mais precisar da produção de elementos probatórios e nem se

vislumbrando qualquer prejuízo para a defesa100; o outro defende que é necessária a anulação

da sentença recorrida e consequente retorno dos autos à primeira instância, a fim de que o juízo

a quo aprecie o pedido que deixou de ser apreciado101.

Contudo, coaduna-se com a concepção de que, se o Tribunal invalidar uma decisão e

julgá-la nula, mas perceber que ela está em condições de imediato julgamento, não há porque

remeter o processo ao juízo a quo, podendo então o próprio órgão recursal proferir nova

sentença, privilegiando-se assim o princípio da economia processual. Essa intelecção está

positivada no art. 1.013, § 3º, III do CPC102 e já é seguida pelo Superior Tribunal de Justiça no

REsp 1666198/MG103, de relatoria do ministro Francisco Falcão.

98 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual

civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador.

Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 369. 99 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 269. 100 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação/Reexame Necessário nº 2009.39.00.012072-5/PA.

Relator Convocado: Juiz Federal Eduardo Morais da Rocha. Órgão Julgador: Sétima Turma. Julgamento:

23/05/2017. Publicação: 02/06/2017. 101 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação/Reexame Necessário nº 0034084-

56.2013.4.01.9199/MG. Relator: Juiz Federal Rodrigo Rigamonte Fonseca. Órgão Julgador: Primeira Câmara

Regional Previdenciária de Minas Gerais. Julgamento: 22/05/2017. Publicação: 14/07/2017. 102 Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 3o Se o processo estiver

em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: III - constatar a omissão

no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; 103 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.666.198/MG. Relator: Ministro Francisco Falcão.

Julgamento: 16/05/2017. Publicação: 08/06/2017.

41

3.2.4 Sentenças incongruentes, recursos e ações rescisórias

O princípio da congruência se aplica ainda ao órgão recursal, pois o recurso apto a

refutar a sentença incongruente também deve estar adstrito ao que foi postulado pelas partes,

ou seja, aos contornos formulados na demanda. O juízo ad quem não pode conceder mais ou ir

além do quanto solicitado, nem mesmo ficar aquém da pretensão.

Nessa seara, cabe ao Tribunal cabe observar os limites estabelecidos no recurso, para

que seus acórdãos não contenham os vícios ultra petita, extra petita e citra petita. Destaca-se

que não se admite a reformatio in pejus, ou seja, não é permitido que o recurso agrave a situação

da parte que o utilizou (salvo quando a outra parte também usar o recurso), somente podendo

mantê-la ou melhorá-la, de acordo com o que foi formulado.

O efeito devolutivo é inerente a todos os recursos e se caracteriza pela devolução da

matéria para revisão pelo órgão de instância superior, exceto nos embargos declaratórios, que

é recurso oposto para que o próprio juiz de primeiro grau revise a sua decisão, com o propósito

de eliminar os vícios de obscuridade, contradição, omissão ou erro material.

Vallisney de Souza Oliveira explicita que os embargos de declaração servem ao

propósito de o juízo a quo rever a sua decisão e sanar as irregularidades apontadas em sede de

qualquer vício de congruência, o que contempla o princípio da economia processual, ao mesmo

tempo que contribui para uma prestação jurisdicional mais célere e menos dispendiosa.104

Assim, os embargos declaratórios podem ser interpostos tanto para correção de sentença

citra petita, como de sentenças ultra petita e extra petita. Portanto, se a parte for prejudicada

com um desses vícios, ela opõe este recurso para o próprio juízo que proferiu a decisão

incongruente, oportunizando a correção do vício alegado.

Ocorre que, se a parte não utiliza os embargos declaratórios, ela ainda pode se valer da

apelação. Em caso de recurso especial, tal alegação depende de prequestionamento. A apelação

devolve ao Tribunal a matéria decidida em juízo de primeiro grau para que a decisão combatida

seja anulada ou reformada.

Como já explanado, no vício ultra petita, não há a necessidade de o juízo ad quem anular

a decisão, pelo fato de que, apenas uma parte da sentença exorbitou os limites definidos na

demanda, cabendo, portanto, retirar-lhe o excesso.

104 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 280.

42

No caso de sentença extra petita, é imprescindível que o Tribunal anule a decisão105,

sob o fundamento de que se o juízo a quo não tomou conhecimento da verdadeira pretensão da

parte, então não cabe ao Tribunal conhecer a real formulação e decidir acerca do seu mérito se

o juízo de primeiro grau assim não o fez; a razão disso está no princípio do duplo grau de

jurisdição. Contudo, o Tribunal pode decidir sobre o ponto não apreciado, se a causa estiver em

condições de imediato julgamento.

Em relação ao vício citra petita, conforme o que foi alhures mencionado, há a

divergência jurisprudencial sobre complementar ou anular a sentença. Contudo, corrobora-se

com o entendimento de que, se o processo já conter os elementos capazes de respaldar a tomada

de decisão pelo Tribunal, não há porque anular a sentença, mas sim integrá-la.

Por fim, a sentença com vício de congruência ainda pode ser desconstituída por ação

rescisória, com base no art. 966, V, do CPC106. O prazo máximo de propositura dessa via

recursal são dois anos, após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

3.3 O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E A INFLUÊNCIA DE OUTROS PRINCÍPIOS

Os princípios são pilares que estruturam o ordenamento jurídico, além de servirem ao

aperfeiçoamento da justiça, uma vez que contribuem para a segurança jurídica do ordenamento

pátrio. São dotados de força normativa e também favorecem a percepção do sentido de outras

normas jurídicas, facilitando-lhes a interpretação e a aplicabilidade. Ademais, alicerçam o

sistema jurídico; são mandamentos a serem observados e cumpridos. Como diz Wilson Alves

de Souza:

[...] os princípios jurídicos têm conotação coercitiva porque são normas jurídicas

positivas, e não normas de direito natural, muito menos normas morais, de modo que

é possível buscar proteção judicial com fundamento neles. No entanto, isso não

significa dizer que os princípios jurídicos não encontram fundamento na moral, até

porque a norma jurídica legislada também pode encontrar fundamento na moral

[...].107

O Código de Processo Civil de 2015 é regido por uma série de princípios, implícitos ou

expressos em dispositivos legais. Destarte, os princípios guardam íntima relação uns com os

105 Conforme já mencionado, Wilson Alves de Souza sustenta que o Tribunal deve declarar a inexistência do ato. 106 Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: V - violar manifestamente

norma jurídica; 107 SOUZA, Wilson Alves de. Sentença Civil Imotivada: caracterização da sentença civil imotivada no direito

brasileiro. 2. ed. rev. e ampl. Salvador: Dois de Julho, 2012, p.75.

43

outros, no sentido de confirmação, completude ou limite para a atuação de cada um. Nessa

linha, percebe-se que o princípio da congruência é ratificado pela interpretação de outros

princípios e vice-versa.

Como já dito alhures, o princípio dispositivo é precursor do princípio da congruência,

fundamentando, por isso, o seu cumprimento. Assim, se o princípio dispositivo marca a

instauração processual através da iniciativa da parte, ao mesmo tempo em que delimita o objeto

da demanda (pretensão), deve então a sentença corresponder aos limites por ele definidos,

preservando-se dos conhecidos vícios de congruência.

Não obstante, os princípios dispositivos e da congruência estão umbilicalmente

correlacionados aos princípios da inércia da jurisdição108 e da autonomia da vontade. Desse

modo, com a propositura da demanda, a parte incita a prestação da atividade jurisdicional

através do direito de ação e a partir daí passará o magistrado a agir de ofício, exercendo o

controle do curso processual para a efetivação da lide levada ao seu conhecimento, salvo alguns

casos em que cabe ao juiz conhecer de ofício, como os de ordem pública.

À vista disso, o processo se move consoante à vontade das partes, que são livres para

formular as suas pretensões e para requerer o que lhes satisfaçam. Isto posto, é determinado ao

magistrado criar a sua convicção em conformidade aos limites do processo, ou seja, ele deve

estar arraigado ao objeto da ação. Logicamente que a sua decisão não precisa ir de encontro ao

alvitre do autor ou do réu, mas manter-se adstrita somente ao que foi discutido, seja para

confirmar (mesmo parcialmente) ou negar o bem da vida requerido.

Vallisney de Souza Oliveira sustenta que a sentença incongruente desrespeita o

indivíduo, já que este utiliza o direito de ação em busca de satisfazer um anseio que lhe é

particular. Logo, de algum modo, os princípios da inércia da jurisdição e da autonomia da

vontade controlam o livre-arbítrio do poder jurisdicional, coadunando-se ao princípio da

congruência, com os desígnios de moldarem a atuação do magistrado.109

Porém, é assegurado ao juiz determinar-se espontaneamente quanto à aplicação o

direito, em respeito ao princípio do iura novit curia. E nesse aspecto, o princípio da congruência

se impõe, pois o juiz não está vinculado aos argumentos jurídicos apresentados pelas partes,

sendo livre para estabelecer o silogismo jurídico que entende ser adequado dentro dos contornos

da lide.

108 Encontra-se positivado no artigo 2º do Código de Processo Civil de 2015. Art. 2o O processo começa por

iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. 109 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 81.

44

Ressalta-se que, o princípio da congruência é ainda seguimento lógico do princípio

constitucional da segurança jurídica, visto que aquele, do mesmo modo, impõe-se como limite

à atuação do magistrado ao determinar a correspondência que deve existir entre a sentença, o

pedido do autor e a resposta do réu, sendo-lhe vedado julgar desconforme ao quanto postulado

pelas partes. Tal imposição também privilegia a estabilidade das relações jurídicas, o que revela

a incontestável ligação entre esses dois princípios.

Quanto à segurança processual, oportuno mencionar os dizeres de Daniel Mitidiero,

Ingo Wolfgang Sarlet e Luiz Guilherme Marinoni:

No entanto, não basta obviamente estruturar o processo para que nele haja segurança.

Em uma perspectiva geral, de bem pouco adianta um processo seguro se não houver

segurança pelo processo, isto é, segurança no resultado da prestação jurisdicional.110

(grifos do autor)

Outrossim, o princípio da congruência está estreitamente relacionado aos princípios do

devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, garantias asseguradas na Magna

Carta e alçadas à categoria de direitos fundamentais. O magistrado é responsável por

oportunizar a manifestação das partes sobre todos os atos processuais. E é por isso que a

sentença deve ser construída a partir do que foi discutido e provado no processo, respeitando o

exercício desses direitos constitucionais.

Salienta-se que a sentença incongruente fere o princípio do devido processo legal e

consequentemente os princípios do contraditório e da ampla defesa. Acerca disso, Vallisney de

Souza Oliveira destaca:

O julgamento ultra – consignou-se na sua análise principiológica (Título III, Cap. II)

– arranha o princípio constitucional do contraditório e o direito ao devido processo

legal, enquanto a decisão citra petita é incongruente mais especificamente por violar

a regra, também de esteio constitucional, de que nenhuma lesão poderá deixar de ser

apreciada pelo Judiciário (princípio da indeclinabilidade do julgamento). Por fim, a

sentença extra petita infringe simultaneamente todos esses princípios citados,

sobretudo o do contraditório.111

O princípio da ampla defesa caminha de mãos dadas com o princípio do contraditório,

pois aquele configura-se na materialização deste, na medida em que oportuniza ao sujeito, a

110 MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito

Constitucional. 2ª.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 758. 111 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 257.

45

partir do exercício do contraditório, defender-se e produzir provas acerca dos atos processuais

da parte adversa. Assim, as pretensões do autor e do réu necessitam ser submetidas ao debate,

inclusive as questões conhecidas de ofício pelo magistrado, de forma a evitar surpresas nas

decisões e, consequentemente, inviabilizar os vícios de congruência. Nos dizeres de Teresa

Arruda Alvim Wambier:

Efetivamente, só tem sentido se conceber o contraditório se se pressupõe a existência

de um observador imparcial. Em outras palavras, de nada adiantaria garantir às partes

o direito a manifestar-se se não houvesse a garantia correlata de essas manifestações

serem ouvidas, o que corresponde ao dever do juiz, no sentido de leva-las em

consideração, seja para acolhê-las, seja para rejeitá-las.112 (grifos da autora)

Portanto, o réu deve ter o direito de manifestar-se nos moldes da pretensão autoral e, da

mesma maneira, o demandante de pronunciar-se sobre os fatos alegados na defesa. Ou seja, é

preciso fornecer tratamento igualitário às partes, propiciando-lhes o embate processual sob as

mesmas condições, de modo a contribuir para a consecução de um processo imparcial, efetivo

e justo.

112 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Vinculação do juiz aos pedidos e o princípio do iura novit curia. In:

MITIDIERO, Daniel; AMARAL, Guilherme Rizzo (coordenadores); FEIJÓ, Maria Angélica Echer Ferreira

(organizadora). Processo Civil - Estudos Em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.

São Paulo: Atlas, 2012, p. 466.

46

4 MITIGAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA

Concluída a análise dos aspectos gerais do processo, bem como elucidado o conceito do

princípio da congruência e, tratado o seu alcance, imperioso discutir e verificar as hipóteses de

suas exceções e as possíveis consequências na prestação da tutela jurisdicional no âmbito do

Processo Civil brasileiro.

4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

Tradicionalmente tem-se que o princípio da congruência é aquele que vincula a sentença

ao pedido do autor. Contudo, com o passar do tempo, o seu conceito e abrangência foram

alargados, para incluir não só o pedido, mas sim toda a pretensão autoral, levando-se ainda em

consideração a causa de pedir, que é extraída a partir dos fatos alegados na petição inicial. E

não diferente, privilegiando-se o princípio do contraditório, a defesa do réu passou a ter

equivalente relevância para a sentença, ou seja, a sua pretensão não é desconsiderada.

Ocorre que, da mesma forma como acontece com os demais princípios, o princípio da

congruência não impera absoluto, inclusive já existem exceções legais. Assim, doutrina e

jurisprudência consolidam o entendimento de que os pedidos implícitos e as matérias de ordem

pública podem ser inseridos na sentença de ofício pelo magistrado, sem que se possa falar em

violação ao princípio da congruência. Em relação às matérias de ordem pública, Humberto

Theodoro Júnior esclarece que:

É claro, porém, que as normas legais de ordem pública, sendo impositivas e

indisponíveis, haverão de ser aplicadas pelo juiz, de ofício, quer tenham as partes as

invocado, quer não. Isso será feito, no entanto, apenas no limite necessário para

solucionar o litígio descrito pelas partes. O pedido e a causa de pedir (i.e., o objeto do

processo) continuarão imutáveis, não cabendo ao juiz alterá-los a pretexto de aplicar

lei de ordem pública. É apenas a resposta jurisdicional, dada sobre o objeto do

processo, que levará em conta a norma de ordem pública. Dessa maneira, o princípio

da demanda e o princípio da congruência continuarão respeitados, mesmo quando a

sentença aplicar, de ofício, regra de ordem pública não invocada pela parte.113

Esse posicionamento também respalda a inserção dos pedidos implícitos à sentença,

uma vez que mesmo sem a solicitação expressa da parte, entende-se que os mesmos são

113 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 73.

47

inerentes ao processo, por isso, impõe-se obrigatoriamente ao juiz decidir de ofício acerca de

questões como juros legais, correção monetária e verbas de sucumbência, nessas, estando

contidos os honorários advocatícios.

Em relação à correção monetária, o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese, em sede

de recurso repetitivo (tema 235 – Recurso Especial nº 1112524/DF, de relatoria do Ministro

Luiz Fux114) que, esta seria “matéria de ordem pública, integrando o pedido de forma implícita,

razão pela qual sua inclusão ex officio, pelo juiz ou tribunal, não caracteriza

julgamento extra ou ultra petita, hipótese em que prescindível o princípio da congruência entre

o pedido e a decisão judicial”.

Além dessas e outras poucas hipóteses legalmente previstas, percebe-se a mitigação do

princípio da congruência em alguns casos oriundos de entendimentos jurisprudenciais (a

exemplo de causas previdenciárias), que acontecem por iniciativa do magistrado. Em relação a

este ponto, depara-se com a seguinte confrontação, de um lado o formalismo que compreende

o princípio e, do outro, a sua relativização com a consequente valorização da efetividade da

prestação da tutela jurisdicional.

Portanto, é em relação à atitude do magistrado, seja por estender a concessão de

determinado pedido ou mesmo outorgar pedido diverso, que se volta o presente trabalho,

propondo-se a discutir exceções ao princípio da congruência, nas oportunidades em que o juiz

achar conveniente e ao mesmo tempo entender que existe outra solução mais adequada para a

lide, ou então, por reconhecer direito específico a legitimar tal flexibilização.

Importa asseverar que, em relação à sentença citra petita, espécie que também diz

respeito ao princípio da congruência, tal vício foge do escopo desse capítulo, uma vez que se

trata de uma omissão de julgamento. A partir daqui a discussão quanto à mitigação do princípio

da congruência contempla as hipóteses em que o juiz aumenta o seu campo de cognição para

conceder algo a mais (ultra petita) ou algo fora do que foi requerido (extra petita).

Assim, diante de tudo que foi exposto acerca desses vícios de congruência, sustentou-se

que o julgamento citra petita não pode ser admitido, uma vez que viola os princípios da

indeclinabilidade da jurisdição e do acesso à justiça. Contudo os julgamentos ultra petita e citra

petita serão aqui analisados a partir de uma compreensão na qual reflete a eficácia que pode ser

obtida através deles, no sentido de propiciar consequências jurídicas e sociais positivas.

A mitigação do princípio da congruência permite que o magistrado infira acerca de

questões que não precisam ser suscitadas pelas partes, de modo a romper com a ideia de

114 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1112524/DF. Relator: Ministro Luis Fux. Órgão

Julgador: Corte Especial. Julgamento: 01/09/2010. Publicação: 30/09/2010.

48

silogismo judicial, no qual preconiza a vinculação da sentença ao pedido. Destarte, a sentença

passa a guardar correlação com todos os elementos trazidos ao processo, importando desde os

pequenos detalhes até mesmo aqueles que não foram alegados, entretanto, hábeis a influenciar

a tomada de decisão pelo juiz da causa.

Nesse seguimento, é bastante usual a ocorrência de processos em que o juiz se esbarra

com pedidos completamente destoantes da causa em si, que, se considerados isoladamente não

informam a legítima reivindicação. É também comum, demandas que reclamam algum bem da

vida, mas não demonstram, de maneira clarividente, os elementos essenciais, capazes de

comprovar o direito alegado. Casos como esses podem ocorrer por diferentes causas.

E as causas mais frequentes são os erros motivados pela hipossuficiência intelectual das

partes, que, em sua grande maioria, pela falta de discernimento adequado, não estabelecem

bases precisas, suficientes a garantir suas reivindicações, ou ainda, pela falta de capacidade

técnica do advogado, por não possuir o devido potencial de requerer em juízo o direito do seu

cliente, sendo que o conhecimento sobre a utilização da adequada tutela jurisdicional é dever

de um bom advogado. Por isso, não se afigura justo que a parte deixe de ter garantido

determinado direito em razão de erro do advogado.

Esses incidentes são corriqueiros e facilmente vislumbrados, principalmente em causas

previdenciárias, nas quais há o requerimento em juízo de determinado benefício previdenciário

e o magistrado constata durante o curso processual que, na verdade, a parte tem direito à

percepção de outro benefício e não aquele alegado na petição inicial. Assim, pelos elementos

captados nos autos, muitos juízes acabam por flexibilizar o princípio da congruência e passam

a garantir a prestação jurisdicional correta a cada caso.

Portanto, são diversas as hipóteses em que o magistrado percebe tais equívocos e passa

a atuar de maneira mais ativa, para compreender a real pretensão e até mesmo a reconhecer o

verdadeiro direito da parte. Por isso, há de se garantir a ampla liberdade de atuação do juiz, lhe

permitindo usar de seu poder para outorgar a tutela correta, mesmo que erroneamente a parte

tenha pleiteado outra. Agir dessa maneira é contemplar o princípio da economia processual, o

que inviabiliza a propositura de novas demandas.

Nesse sentido, o Código de Processo Civil de 2015 já reconhece essa liberdade de

escolha do magistrado referente ao julgamento das ações relativas às prestações de fazer, de

não fazer e de entregar coisa, ao determinar que o magistrado, diante de ações dessa natureza,

ao verificar a inviabilidade de concessão do pleito formulado pela parte, poderá conceder tutela

49

específica ou determinar providências que assegurem a efetividade da sua pretensão, através de

um resultado prático equivalente.115

Ou seja, há a possibilidade de o juiz deferir outro bem jurídico ou determinar outra

medida equivalente àquela pretendida inicialmente, por compreender a pertinência e a

viabilidade, mesmo que o pedido não tenha sido nesse sentido.

Assim, há casos em que o juiz entende que a pretensão do autor deve ser atendida, mas

não do modo como foi requerida, uma vez que o magistrado pode encontrar uma solução mais

adequada, proporcional e menos onerosa para se chegar à finalidade pretendida. Um típico

exemplo é quando o autor vai a juízo reclamar acerca do barulho abusivo de um bar que fica

próximo à sua residência e requer o fechamento do estabelecimento, o juiz pode constatar que

realmente o bar faz muito barulho, causando incômodos à vizinhança, entretanto, utilizando da

razoabilidade, julga que o bar não precisa ser fechado, mas impõe ao dono que instale paredes

com vedação acústica para impossibilitar a disseminação sonora.

Ademais, durante o curso processual, há situações em que se verifica a necessidade de

o juiz proferir a decisão sem estar limitado aos pedidos e as causas de pedir inicialmente

formulados. São os chamados fatos supervenientes, que se caracterizam por constituírem,

modificarem ou extinguirem o direito116 e, que, influenciam no julgamento da lide, por isso,

devem ser conhecidos ex officio pelo magistrado ou pelo requerimento das partes. Desse modo,

o juiz pode aceitar que se faça um novo pedido, caso esses fatos vierem a surgir e, a sua decisão

não será considerada incongruente, haverá apenas a flexibilização do princípio da congruência.

Ocorre também a hipótese de o juiz não reconhecer nem a pretensão do autor e nem a

pretensão do réu, quando for evidenciada a litigância de má-fé, que se dá através da colusão, na

qual as partes, em conluio, se utilizam do processo visando obter uma decisão jurídica para

servir a finalidades ilícitas. Inteirado a esse respeito, como forma de resguardar o ordenamento

jurídico da influência de práticas maquiavélicas, o magistrado profere decisão privilegiando-se

o direito a segurança jurídica, sem que isso caracterize qualquer vício de congruência.117

Porém, o posicionamento de mitigação ao princípio da congruência não é unânime, além

de ser cercado por muitas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, visto que, muitos

115 Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido,

concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado

prático equivalente. 116 Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir

no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no

momento de proferir a decisão. 117 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 312.

50

juristas, ainda presos à doutrina tradicionalista do processo civil (permeada por um formalismo

rígido) são contra essa relativização, por entenderem que essas exceções violam os princípios

da segurança jurídica e do contraditório.

Entretanto, os defensores dessa flexibilização consideram que não há ofensa a esses

princípios, uma vez que a extensão dos poderes do magistrado na interpretação do pedido e da

causa de pedir, não o desobriga de agir com proporcionalidade e razoabilidade, nem malferem

direitos e garantias constitucionalmente asseguradas. Contudo, defendem que, diante de

qualquer decisão que configure a mitigação do princípio da congruência, deve ser oportunizada

a manifestação das partes, privilegiando-se o contraditório.

Ressalta-se que essa mitigação também não viola o princípio da imparcialidade do juiz,

pois o envolvimento do magistrado na resolução da demanda de forma diferente ao que foi

pretendido pela parte, não indica favorecimento a qualquer interesse particular, pelo contrário,

evidencia a responsabilidade em promover a efetiva entrega da prestação jurisdicional a quem

quer que seja, devendo promover a participação dos sujeitos processuais, para depois deferir o

que entende ser correto.

4.2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E AS NOVAS PERSPECTIVAS

PROCESSUAIS

Aos poucos o sistema processual brasileiro foi se tornando mais flexível, principalmente

com o advento do Estado Democrático de Direito. São inegáveis as mudanças de perspectivas

em relação às normas, aos princípios e aos valores no ordenamento jurídico pátrio. Ampliou-se

a proteção jurídica, adotando-se uma interpretação menos formalista da lei, de forma a

contemplar as suas finalidades sociais, no objetivo de se obter a solução mais justa possível.

A flexibilidade do processo civil brasileiro conferiu maiores poderes ao magistrado para

a aplicação de suas normas. Os dispositivos legais deixaram de ser compreendidos isoladamente

para se conformarem em conjunto com outros, principalmente com os direitos e garantias

fundamentais previstos na Constituição Federal. Desse modo, o magistrado passou a ter um

papel mais atuante no processo, encerrando a estereotipada visão de mero aplicador da lei.

Quanto a esse ponto, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido

Rangel Dinamarco afirmam que:

51

Todavia, diante da colocação publicista do processo, não é mais possível manter o juiz

como mero espectador da batalha judicial. Afirmada a autonomia do direito

processual e enquadrado como ramo do direito público, e verificada a sua finalidade

preponderantemente sociopolítica, a função jurisdicional evidencia-se como um

poder-dever do Estado, em torno do qual se reúnem os interesses dos particulares e os

do próprio Estado. Assim, a partir do último quartel do século XIX, os poderes do juiz

foram paulatinamente aumentados: passando de espectador inerte à posição ativa,

coube-lhe não só impulsionar o andamento da causa, mas também determinar provas,

conhecer ex officio de circunstâncias que até então dependiam da alegação das partes,

dialogar com elas, reprimir-lhes eventuais condutas irregulares etc.118

O Estado Democrático de Direito provocou também a constitucionalização do processo

e, os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e dignidade da pessoa humana passaram a

ter maior relevância diante da predominância dos rigorosos formalismos processuais. Por

conseguinte, os processualistas começaram a se preocupar com novas questões, quais sejam, o

acesso à justiça, o processo justo e a efetividade da prestação da tutela jurisdicional.

Sob esse viés, o Código de Processo Civil de 2015 consagra esses valores éticos e morais

oriundos da influência das premissas preconizadas pelo Estado Democrático de Direito e

positivadas pela Magna Carta. Como resultado, o Capítulo I do CPC estabelece normas que

refletem tais preceitos constitucionais, assegurando no primeiro artigo119, a preponderância da

Constituição Federal de 1988 na disciplina e interpretação de suas normas processuais.

Portanto, o vigente Código de Processo Civil procurou conciliar os seus dispositivos à

atual conjuntura do direito contemporâneo. As normas processuais passaram a garantir uma

justiça mais aberta e atenta aos direitos fundamentais, impondo a utilização dos critérios de

razoabilidade e proporcionalidade e, sobrelevando os princípios da dignidade da pessoa humana

e do acesso à justiça, com a finalidade precípua de melhor garantir a prestação jurisdicional.

Enfim, houve uma redemocratização do processo.

Sobre esse tema, Humberto Theodoro Júnior discorre:

Por fim, chegou o processo ao século XXI inspirado nos novos desígnios do Estado

Democrático de Direito, aperfeiçoado no pós-segunda guerra mundial, cujos traços

mais significativos se situam na constitucionalização de toda a ordem jurídica, e mais

profundamente da atividade estatal voltada para a tutela jurisdicional. Nessa altura, o

devido processo legal ultrapassa a técnica de compor os litígios mediante observância

apenas das regras procedimentais, para assumir pesados compromissos éticos com

resultados justos. O direito, sob influência das garantias fundamentais traçadas pela

Constituição, incorpora valores éticos, cuja atuação se faz sentir não apenas na

118 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 73. 119 Art. 1o. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas

fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste

Código.

52

observância de regras procedimentais, mas também sobre o resultado substancial do

provimento com que a jurisdição põe fim ao litígio. Daí falar-se, no século atual, em

garantia de um processo justo, de preferência a um devido processo legal apenas.

Mesmo no plano de aplicação das regras do direito material, o juiz não pode limitar-

se a uma exegese fria das leis vigentes. Tem de interpretá-las e aplicá-las, no processo,

de modo a conferir-lhes o sentido justo, segundo o influxo dos princípios e regras

maiores retratados na Constituição.120 (grifos do autor)

Isto posto, o formalismo excessivo passou a ser compreendido como um grande entrave

à efetividade da prestação da tutela jurisdicional e, consequentemente, a instrumentalidade do

processo tornou-se bem mais relevante, uma vez que se preocupa mais com a realização de

direitos do que com meras exigências formais (sendo estas as que não implicam em prejuízo ao

processo). A instrumentalidade flexibiliza a atuação do juiz, tornando-o mais influente e

disposto a promover a resolução dos conflitos sociais.

A defesa de um tratamento jurídico igualitário é ainda um dos grandes ideais propostos

pelo Estado Democrático de Direito, que almejava atingir a amplitude da justiça, ou melhor,

uma justiça para todos, principalmente para aqueles socialmente mais vulneráveis. A

hipossuficiência social e econômica é característica dos sujeitos que mais são prejudicados em

relação ao acesso à justiça.

À vista disso, durante esse período foi levantado o lema aristotélico de “tratar

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”, com o

propósito de melhor garantir a justiça, sobretudo, para os que mais necessitam dela. Tal

entendimento não ofende o princípio da imparcialidade do magistrado, apenas visou alargar a

proteção jurídica para parcela da sociedade carente de oportunidades sociais e econômicas.

Os princípios da igualdade e do acesso à justiça não podem estar dissociados, pois um

é fundamento do outro; pensá-los de forma isolada é cogitar um processo injusto e sem

igualdade de condições para as partes. Por isso, um bom magistrado deve estar atento a essas

questões, no sentido de facilitar o acesso à justiça mediante um processo no qual se preocupa

em aniquilar as desigualdades que possivelmente venham a existir, promovendo assim, a

igualdade material das partes. Nas palavras de Daniel Mitidiero, Ingo Wolfgang Sarlet e Luiz

Guilherme Marinoni:

[...] O processo só pode ser considerado justo se as partes dispõem das mesmas

oportunidades e dos mesmos meios para dele participar. Vale dizer: se dispõem das

mesmas armas. Trata-se de exigência que obviamente se projeta sobre o legislador e

sobre o juiz: há dever de estruturação e condução do processo de acordo com o direito

120 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil,

processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 1, p. 128-129.

53

à igualdade e à paridade de armas. Como facilmente se percebe, a igualdade, e a

paridade de armas nela implicada, constitui pressuposto para efetiva participação das

partes no processo e, portanto, é requisito básico para a plena realização do direito ao

contraditório.121 (grifos dos autores)

Observa-se ainda, que, em geral, nas hipóteses de mitigação ao princípio da congruência

é nítida a intenção do magistrado em promover a igualdade pelo processo nos casos de

vulnerabilidade social, econômica e jurídica da parte, pois, na grande maioria das vezes, por

conta dessas condições, o indivíduo não tem um acesso adequado e satisfatório ao judiciário,

seja pela desinformação que o acomete (em razão de suas carências educacionais) ou mesmo

pela falta de recursos para contratar um advogado técnico e bem capacitado para proteger os

seus direitos.122

Contudo, é de se questionar se, em nome da igualdade e de um acesso à justiça digno, o

juiz não pode conceder bem diverso ou algo a mais do que foi requerido, ao constatar pelos

autos que determinado sujeito teria direito a uma dessas concessões, mesmo que este não tenha

formulado expressamente a sua pretensão nesse sentido, respeitando-se, entretanto, o princípio

do contraditório. Nessa lógica, os aludidos autores consideram que:

A tutela jurisdicional tem de ser efetiva. Trata-se de imposição que respeita aos

próprios fundamentos do Estado Constitucional, já que é facílimo perceber que a força

normativa do direito fica obviamente combalida quando esse carece de atuabilidade.

Não por acaso a efetividade compõe o princípio da segurança jurídica – um

ordenamento jurídico só é seguro se há confiança na realização do direito que se

conhece.123 (grifos dos autores)

Por isso, defende-se a mitigação do princípio da congruência em prol da busca de uma

tutela jurisdicional igualitária, justa, adequada e satisfatória para todos, uma vez que permite ao

magistrado encontrar soluções capazes de promover a igualdade e a efetividade da justiça,

principalmente para reconhecer os direitos daqueles que mais necessitam e, que, na maioria das

vezes, não lhes são devidamente garantidos.

121 MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito

Constitucional. 2ª.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 724-725. 122 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 96. 123 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil:

teoria do processo civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, vol. 1, p. 255.

54

4.3 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA

Diante das iniciais considerações acerca da mitigação do princípio da congruência,

passa-se à análise de algumas hipóteses em que são verificadas exceções a esse princípio.

4.3.1 Investigação de paternidade e a concessão de alimentos

Nos casos em que são propostas ações de reconhecimento de paternidade fica permitido

ao magistrado, que, ao constatar a veracidade da alegação de paternidade, poderá acrescentar à

sentença declaratória, a fixação de alimentos provisionais ou definitivos, se, nos autos for

constatada a necessidade do alimentando, como também a possibilidade do alimentante, sem,

contudo, esse pedido ter sido requerido e sem a sentença ser considerada ultra petita.

A lei nº 8.560 de 1992 traz no seu art. 7º124 essa previsão, configurando-se numa exceção

ao princípio da congruência. Assim, a falta de pedido expresso acerca da fixação de alimentos

não impede que estes sejam arbitrados pelo juiz, quando for reconhecido por ele que o

alimentando deve fazer jus a tal garantia. Tal entendimento privilegia a economia processual,

uma vez que impede a propositura de uma futura ação de pedido de alimentos, além de viabilizar

uma melhor prestação da tutela jurisdicional.

4.3.2 Fixação dos alimentos além do valor do pedido

Acerca das sentenças de fixação de alimentos convém mencionar a possibilidade de a

parte autora requerer o recebimento de determinada quantia e, o juiz, pelo cotejo dos autos,

considerando as necessidades do alimentando e as condições do alimentante, resolve, arbitrar

os alimentos em quantidade superior à inicialmente requerida, sem isso caracterizar prejuízo

para qualquer das partes e por entender plausível tal possibilidade. Nesse sentido, já se

posiciona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

No Recurso Especial nº 1.079.190/DF, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi125, ficou

estabelecido que, na fixação do valor dos alimentos, o juiz não está limitado ao pedido

formulado pelo autor, pois considerando o prudente arbítrio do magistrado, ele pode entender

124Art. 7° Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos

provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite. 125 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.079.190/DF. Relatora: Ministra Nancy Andrighi.

Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgamento: 07/10/2008. Publicação: 23/10/2008.

55

que poderá ser fixada uma quantia maior do que àquela inicialmente postulada. A Ministra

relatora fundamentou sua decisão concluindo que poderia haver o abrandamento da

interpretação proibitiva de se conceder para além do que foi pleiteado (ultra petita),

considerando o primado do conceito da verba alimentar, principalmente diante das necessidades

do demandante.

Quanto a essa questão, não existe lei expressa que autoriza o juiz a fixar o valor dos

alimentos para além do que foi requerido. Percebe-se, portanto, a liberdade de decisão do

magistrado para interpretar a demanda de maneira com a sua convicção, já que no curso

processual pode ficar evidenciado que o alimentante tem mais recursos financeiros do que sabia

a outra parte, assim, o juiz decide com base no que entende ser justo, privilegiando assim, a

parte mais fraca da relação, o alimentando.

4.3.3 Ações possessórias

Em relação às ações possessórias, o Código Processual Civil prevê diferentes meios de

proteção da posse, quais sejam, a manutenção, a reintegração e o interdito proibitório. Cada

uma delas é adequada ao tipo de conduta do réu. Então, se há qualquer tipo de ameaça à posse,

o possuidor deve fazer uso do interdito proibitório; se há turbação, o possuidor tem direito a ser

mantido na posse; se há esbulho, enseja a reintegração na posse.

Ou seja, a medida que o perigo vai aumentando, há a necessidade do uso de determinada

ação possessória, por isso a utilidade de saber o que representa cada tipo de coerção. A ameaça

como o próprio nome já sugere é apenas um prenúncio de eventual perigo para a posse de

alguém. A turbação caracteriza-se quando já existe certa violação e, aqui, o possuidor não

exerce de forma plena os poderes sobre a posse. Já o esbulho é quando o possuidor perde toda

a posse, ficando impedido de exercer os seus poderes.

Nesse sentido, para proteger a posse diante de qualquer modalidade acima descrita,

existe a possibilidade de ingressar em juízo com a específica ação possessória. Ocorre que, em

muitos casos, acontece de o autor não utilizar a via possessória correta para determinado tipo

de abuso, por isso, é permitido que o juiz conceda pedido de proteção diverso daquele

equivocadamente requerido. Essa possibilidade é prevista no art. 554 do Código de Processo

Civil de 2015126.

126 Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido

e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

56

Além disso, pode suceder também a evolução de determinada coerção em face da posse,

ou melhor, durante o curso processual, pode ocorrer a transformação dos fatos inicialmente

reclamados. Assim, uma ameaça pode evoluir para uma turbação, ou mesmo para um esbulho;

uma turbação pode ensejar futuramente um esbulho, etc. Por isso, há a possibilidade de o

magistrado deferir a proteção possessória adequada a atual situação em que se encontra a posse.

Diante disso, quando o magistrado defere determinada medida protetiva da posse ao

invés da que foi requerida pelo possuidor, a sua decisão não configura-se em extra petita. Vale

ressaltar que o objeto de proteção não muda, pois, a posse é o cerne de toda a questão levada

ao Judiciário, assim, independente da providência a ser adotada pelo juiz, não existirá qualquer

surpresa em relação à sua decisão, o que dispensa a participação de qualquer das partes para

manifestação, ou seja, não há a observância do contraditório.

Acerca desse assunto, o Tribunal de Justiça do Maranhão no Agravo de Instrumento nº

0520632014127, de relatoria do Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, entendeu pela

possibilidade de flexibilização das ações possessórias, sustentando que a propositura de uma

ação possessória em vez de outra não obsta que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção

legal correspondente àquela cujos requisitos estejam provados, não configurando julgamento

extra petita.

Existe ainda discussão doutrinária, em relação ao 555, I do CPC128 (equivalente ao art.

921, I do CPC de 1973), no qual expressa que é permitido ao autor cumular ao pedido

possessório a condenação em perdas e danos. Sobre esse ponto, diversos doutrinadores, como

Vallisney de Souza Oliveira129, interpretando a literalidade do mencionado artigo, entendem

que o juiz incide em vício de congruência se resolver condenar o réu em perdas e danos, se não

houve pedido nesse sentido.

Já Pontes de Miranda sustenta que tal indenização pode ser deferida ex officio pelo

magistrado, mesmo que não tenha sido requerido pela parte, por considerar que esta seria

decorrência lógica das tutelas de manutenção e reintegração da posse. O doutrinador ainda

afirma que não há que considerar a sentença como extra petita, por compreender a indenização

como uma espécie de pedido já contido no pedido de tutela possessória 130.

127 BRASIL. Tribunal de Justiça do Maranhão. Agravo de Instrumento nº 0520632014. Relator: Desembargador

Paulo Sérgio Velten Pereira. Órgão Julgador: Quarta Câmara Cível. Julgamento: 14/04/2015. Publicação:

23/04/2015. 128 Art. 555. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de: I - condenação em perdas e danos; 129 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência. São Paulo: Saraiva, 2004,

p. 294. 130 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo XIII.

Atualização Sérgio Bermudes. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 158.

57

Ou seja, contrapondo-se ao que é previsto no dispositivo, o referido autor entende que,

se foi deferida a proteção possessória diante da reclamação de turbação ou esbulho, pode o juiz,

caso esteja comprovada a ocorrência de prejuízos referente à posse reclamada, deferir a

indenização mesmo sem qualquer pretensão da parte quanto a isso, sob o fundamento de que a

reivindicada proteção da posse abrangeria também esse aspecto.

Coaduna-se com tal posicionamento, entendendo que essa questão não desrespeita o

contraditório, uma vez que, uma pessoa que afronta e invade a posse de alguém, seja de modo

parcial ou total, tem que responder por isso e também pelos prejuízos que eventualmente causar.

Considera-se apenas que é um caso de sentença ultra petita e não extra petita (como refere

Pontes de Miranda), pois, a sentença não julga coisa diversa, mas sim defere a pretensão para

além dos limites em que foi requerida.

Contudo, mesmo sem o pedido de condenação de perdas e danos, o juiz apenas decide

acerca do foi que constatado nos autos, prestando uma tutela jurisdicional completa e efetiva,

evitando que o autor precise novamente recorrer ao Judiciário para reclamar os seus direitos.

É, portanto, as ações possessórias e suas consequências aqui analisadas mais um

exemplo que excepciona o princípio da congruência, já que, o magistrado, a partir do seu

entendimento e convicção formados durante o curso processual, pode outorgar providência

diversa, sem, contudo, acarretar vício de congruência da decisão.

4.3.4 Benefícios previdenciários

Acerca das demandas previdenciárias, apesar de não haver previsão legal, a mitigação

ao princípio da congruência vem ocorrendo no ordenamento pátrio, a partir da iniciativa do

próprio magistrado. O atual entendimento jurisprudencial é no sentido de permitir a concessão

de um benefício previdenciário diferente daquele postulado pela parte ou mesmo o deferimento

da tutela para além da que foi requerida, porém, ainda há uma parcela doutrinária e

jurisprudencial contrária a esse posicionamento.

O Superior Tribunal de Justiça já defende essa flexibilização. No Recurso Especial nº

1568353/SP131, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, aduz que, em matéria

previdenciária, não deve ser entendido como julgamento extra ou ultra petita a concessão de

benefício diverso do requerido na inicial.

131 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1568353/SP. Relator: Ministro Herman Benjamin.

Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 15/12/2015. Publicação: 05/02/2016.

58

Já no Recurso Especial nº 929942/RS132, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima,

destacou-se que o pleito contido na peça inaugural de uma demanda previdenciária deve ser

analisado com certa ponderação. O Ministro compreendeu que se foi postulada na inicial a

concessão do benefício em um percentual mínimo, calculado pela parte, não deveria ser

censurável a decisão judicial que reconhece o tempo de serviço pleiteado e concede o benefício

com um coeficiente de cálculo superior ao mínimo requerido.

Ressalta-se, que, a grande maioria dos indivíduos que propõem ações face à Seguridade

Social (representada pelo Estado), são aqueles mais vulneráveis social e economicamente, ou

seja, os que mais precisam ser contemplados com o recebimento de benefícios previdenciários,

uma vez que estes consistem em prestações que garantem a renda, de modo a presumir que são

usados como fonte precípua de subsistência.

Por conseguinte, pessoas hipossuficientes, em geral, também são carentes de adequado

discernimento intelectual e, por não possuírem recursos financeiros necessários, muitas vezes,

não conseguem contratar um bom advogado, especializado para defender corretamente os seus

interesses, salvo quando são amparadas pela assistência judiciária gratuita, a exemplo das

defensorias públicas, que, em larga maioria, contam com o auxílio de profissionais bem

capacitados, mas que pela proporção de vulneráveis, não conseguem abarcar a todos.

Além do mais, para a concessão de determinados benefícios previdenciários (a exemplo

da aposentadoria rural por idade), a prova testemunhal tem tamanha importância para a

formação do convencimento do magistrado, por conta disso, percebe-se que pela

vulnerabilidade e condições educacionais de alguns indivíduos, a comprovação de determinado

direito pode ficar prejudicada, uma vez que pode não haver a narrativa de fatos relevantes, como

também, a falta de discernimento adequado pode dificultar a possibilidade de compreensão da

causa pelo juiz.

Todavia, por estas ocorrências, defende-se a necessidade de mitigação do princípio da

congruência, oportunizando uma prestação jurisdicional digna para os que tenham direito, uma

vez que é bastante comum a parte se equivocar em relação ao pedido de determinado benefício

previdenciário, principalmente nos casos em que o cerne da questão gira em torno da

incapacidade laborativa, nos quais são comumente confundidos os pedidos de auxílio-doença,

aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente.

O equívoco em relação a esses benefícios acidentários é compreensível e justificável,

uma vez que a perícia médica é o meio que atesta qual deles deve ser garantido, porém não deve

132 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 929942/RS. Relator: Ministro Arnaldo Esteves

Lima. Órgão Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 11/12/2008. Publicação: 02/02/2009.

59

ser obrigado que as partes e os advogados tenham o devido conhecimento médico para

reconhecer qual deles deve ser garantido. Acerca dessa discussão, oportuno destacar o julgado

referente a pedido de uniformização de lei federal proferido pela Turma Nacional de

Uniformização. Esse pedido visa uniformizar diferentes entendimentos acerca de questões

submetidas a julgamento pelas Turmas Recursais dos Juizados Federais. Vejamos:

INCIDENTE NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. FUNGIBILIDADE

ENTRE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INCAPACIDADE.

POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO PEDIDO ATINENTE A ESTE

BENEFÍCIO, AINDA QUE A PETIÇÃO INICIAL SÓ REQUEIRA AUXÍLIO-

DOENÇA E/OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCIDÊNCIA DA

QUESTÃO DE ORDEM N° 20 DA TNU. INCIDENTE CONHECIDO E

PROVIDO.

1. Trata-se de Pedido de Uniformização interposto pela parte autora em face de

Acórdão proferido pela Terceira Turma Recursal da Seção Judiciária do Ceará que

não conheceu pedido atinente à concessão do benefício de Auxílio-Acidente.

Entendeu o Colegiado que “em razão da promovente em sua peça inicial não ter

requerido a concessão de auxílio-acidente, a questão precluiu, e, por conseguinte, não

cabe tal pedido em sede recursal, por não ser admitida a inovação recursal, bem como

a rediscussão do mérito deve ser afastada também”.

2. Defende a parte autora, no entanto, que o Acórdão recorrido diverge dos

entendimentos sufragados pela TNU e pela Turma Regional de Uniformização

da 4ª Região, segundo os quais, em decorrência do princípio da fungibilidade, é

possível a concessão do benefício de auxílio-acidente, mesmo quando requerido

apenas auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.

3. Inicialmente o pedido de uniformização fora inadmitido pela Presidência da Turma

Recursal de origem. No entanto, após a interposição de Agravo, o recurso foi admitido

pela Presidência desta TNU.

4. Nos termos do art. 14, caput, da Lei n. 10.259/2001, caberá pedido de

uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre

decisões sobre questão de direito material proferidas por Turmas Recursais na

interpretação da lei, sendo que o pedido fundado em divergência de turmas de

diferentes Regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência

dominante do STJ será julgada por Turma de Uniformização, integrada por

Juízes de Turma Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça

Federal.

5. In casu, verifico que está devidamente caracterizada a divergência entre o

entendimento trilhado pelo Acórdão recorrido e a jurisprudência desta Turma

Nacional, cujo ponto cerne gravita em torno possibilidade de concessão de

auxílio-acidente quando o pedido formulado na inicial é de auxílio-doença ou

aposentadoria por invalidez.

6. Esta questão já foi analisada por este Colegiado. Conforme se depreende do

julgamento proferido nos autos do PEDILEF N° 05037710720084058201 (Sessão

de 16/08/2012, Relator Juiz Federal ROGÉRIO MOREIRA ALVES), esta

Turma Nacional firmou a tese de que o princípio da fungibilidade é aplicado

aos benefícios previdenciários por incapacidade, permitindo que o Juiz conceda

espécie de benefício diversa daquela requerida na petição inicial, se os

correspondentes requisitos legais tiverem sido preenchidos.

7. Nesta linha de intelecção, assentou-se naquela ocasião o entendimento de que

o fato de o pedido deduzido na petição inicial não ter se referido à concessão de

auxílio-acidente não dispensa a Turma Recursal de analisar o preenchimento dos

requisitos inerentes a essa espécie de benefício, na medida em que o núcleo do

pedido deduzido na petição inicial é a concessão de benefício por incapacidade,

gênero do qual o auxílio-acidente é espécie.

60

8. Vejamos o teor do julgado, in verbis: AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA

POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-ACIDENTE. FUNGIBILIDADE ENTRE

BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INPACIDADE. INEXISTÊNCIA DE

JULGAMENTO EXTRA PETITA.

1. A sentença julgou improcedente pedido de restabelecimento de auxílio-doença de

concessão de aposentadoria por invalidez, porque o autor não está incapacitado para

o exercício do labor campesino e porque a limitação funcional é pequena (10% a 30%)

e decorreu de acidente de trânsito. O autor interpôs recurso inominado alegando que

a redução da capacidade laborativa enseja a concessão de auxílio-acidente e que,

apesar de não requerido na petição inicial, o direito a esse benefício pode ser

reconhecido no presente processo em razão da fungibilidade dos benefícios por

incapacidade. A Turma Recursal manteve a sentença pelos próprios fundamentos, sem

enfrentar a fundamentação específica articulada no recurso.

2. O autor interpôs pedido de uniformização alegando contrariedade à

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual não configura

nulidade por julgamento extra petita a decisão que, verificando o devido

preenchimento dos requisitos legais, concede benefício previdenciário de espécie

diversa daquela requerida pelo autor.

3. O princípio da fungibilidade é aplicado aos benefícios previdenciários por

incapacidade, permitindo que o juiz conceda espécie de benefício diversa daquela

requerida na petição inicial, se os correspondentes requisitos legais tiverem sido

preenchidos. Prevalece a flexibilização do rigor científico por uma questão de

política judiciária: considerando que se trata de processo de massa, como são as

causas previdenciárias, não seria razoável obrigar o segurado a ajuizar nova

ação para obter a concessão de outra espécie de benefício previdenciário cujos

requisitos tenham ficado demonstrados durante a instrução processual.

4. O núcleo do pedido deduzido na petição inicial é a concessão de benefício por

incapacidade. O auxílio-acidente, assim como o auxílio-doença e a aposentadoria

por invalidez, constitui espécie de benefício previdenciário por incapacidade. A

aferição dos pressupostos legais para concessão de auxílio-acidente em processo

no qual o autor pede auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez não afronta

o princípio da congruência entre pedido e sentença, previsto nos artigos 128 e

460 do Código de Processo Civil. Em face da relevância social da matéria, é lícito

ao juiz adequar a hipótese fática ao dispositivo legal pertinente à adequada

espécie de benefício previdenciário.

5. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu várias vezes que não configura

julgamento extra petita a concessão de auxílio-acidente quando o pedido

formulado é o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez: Sexta Turma,

Rel. Min. Paulo Gallotti, REsp 541.695, DJ de 01-03-2004; Quinta Turma, Rel.

Min. Félix Fischer, REsp 267.652, DJ de 28-04-2003; Sexta Turma, Rel. Min.

Hamilton Carvalhido, REsp 385.607, DJ de 19-12-2002; Quinta Turma, Rel.

Min. Gilson Dipp, REsp 226.958, DJ de 05-03-2001; STJ, Sexta Turma, Rel. Min.

Fernando Gonçalves, EDcl no REsp 197.794, DJ de 21-08-2000.

6. O fato de o pedido deduzido na petição inicial não ter se referido à concessão de

auxílio-acidente não dispensa a Turma Recursal de analisar o preenchimento dos

requisitos inerentes a essa espécie de benefício. Precedente da TNU: Processo nº

0500614-69.2007.4.05.8101, Rel. Juiz federal Adel Américo de Oliveira, DJU

08/06/2012.

7. Pedido parcialmente provido para: (a) uniformizar o entendimento de que não

extrapola os limites objetivos da lide a concessão de auxílio-acidente quando o pedido

formulado é o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez; (b) determinar que a

Turma Recursal promova a adequação do acórdão recorrido, analisando se os

requisitos para concessão do auxílio-acidente foram preenchidos.

9. [sic] Considerando-se, pois, que o Colegiado de origem não conheceu do pedido

de concessão de auxílio-acidente apresentado no recurso sob o fundamento de que ele

não havia sido expressamente requerido na petição inicial, inexorável é o provimento

do presente incidente, nos termos da Questão de Ordem n° 20 desta TNU.

10. Posto isso, com a ressalva do entendimento pessoal acerca do tema, DOU

PROVIMENTO ao incidente nos termos da Questão de Ordem nº 20, determinando o

retorno dos autos à Turma Recursal de origem para que promova a adequação do

61

julgado, conhecendo o pedido de auxílio-acidente, avaliando, então, se a parte autora

preenche os requisitos exigidos para a sua concessão.

11. É como voto. Publique-se. Registre-se. Intime-se.133 (grifos nossos)

Contudo, observa-se que o princípio da igualdade deve preponderar sobre demandas

como essas, uma vez que a parte sempre tem como oponente o Estado, sendo este o lado

visivelmente mais forte. Portanto, há a real necessidade de equiparação entre as partes,

oportunizando que o lado mais fraco duele com as mesmas armas. Desse modo, é preciso que

o magistrado proceda a igualdade substancial das partes, no sentido de tratar desigualmente os

desiguais, na medida de suas desigualdades.

Por mais razão ainda se defende essa mitigação, uma vez que, o direito à seguridade

social configura-se em direito fundamental, por isso, a sua aplicação deve imperar sobre

qualquer regra ou princípio, em prol de melhor assegurar um verdadeiro processo civil

constitucional, em que a efetividade da prestação jurisdicional importe mais do que meros

formalismos processuais.

Por isso, é forte a tendência jurisprudencial em relação à mitigação do princípio da

congruência, principalmente em prol da defesa das pessoas mais prejudicadas pela falta de

oportunidades e de garantias básicas para uma vida digna. Portanto, é preciso que o Estado-juiz

volte os olhos para esses indivíduos, fornecendo a eles o tão esperado direito, quando assim,

fizerem jus.

4.3.5 Danos morais

No tocante aos danos morais, são vislumbradas algumas exceções ao princípio da

congruência, seja em razão de o magistrado entender que cabe a concessão desses danos a partir

de uma interpretação sistemática dos fatos narrados pela parte, mesmo que não tenha havido

pedido expresso nesse sentido, ou ainda, quando o juiz concluir, utilizando-se dos critérios de

razoabilidade e proporcionalidade, que, o valor da indenização deve ser maior, em relação ao

que foi pleiteado na demanda.

Na fixação de danos morais, o juiz, baseado pelo princípio do livre convencimento

motivado, não está adstrito ao que foi pretendido pelas partes, uma vez que para a tomada de

decisão, deve levar em consideração as condições econômicas de cada indivíduo, fixando um

133 BRASIL. Turma Nacional de Uniformização. PEDILEF 05133211920144058103. Relatora: Juíza Federal

Gisele Chaves Sampaio Alcântara. Órgão Julgador: TNU. Julgamento: 20/10/2016. Publicação: 27/01/2017.

62

valor capaz de estabelecer o devido caráter punitivo em face do ofensor, sem, contudo,

ocasionar o enriquecimento sem causa da parte lesada.

Diferentemente do Código de Processo Civil de 1973, o novo Código de Processo Civil

de 2015 (que passou a vigorar a partir de meados de março de 2016) preconiza que o autor

especifique no pedido o valor que pretende receber a título danos morais, passando este a

integrar obrigatoriamente o valor da causa (art. 292, V, do CPC de 2015)134, o que implica

diretamente no pagamento das custas processuais ao iniciar do processo.

Nesse diapasão, percebe-se algumas críticas em relação a essa recente imposição

processual, no sentido de entenderem que o comando estabelecido no art. 292, V, do CPC de

2015 configura-se numa intimidação para que se pleiteie o recebimento de dano moral, sob o

fundamento de que, ao estabelecer o valor da indenização (sendo este o montante a constar

como o valor da causa, que é o parâmetro para o recolhimento das custas processuais), a parte

se ver temerária em postular o que entende ser devido, principalmente se for uma vultuosa

quantia, já que precisará efetivar o pagamento antecipado das custas, além de correr o risco da

improcedência da sua pretensão, tendo que arcar com os honorários sucumbenciais.

Desse modo, há o posicionamento de que esse dispositivo afigura-se em flagrante

inconstitucionalidade, uma vez que a indenização por danos morais é alçada ao patamar de

direito fundamental e, por isso, sua proteção não pode ser constrangida diante da prevalência

de regras processuais, pelo contrário, diante delas, deve preponderar. Tal inviabilidade termina

por ferir o princípio do acesso à justiça, já que a parte se vê receosa em reclamar o seu direito.

Por fim, sustentam que o valor correspondente aos danos morais envolve questões técnicas e

complexas e, que não pode ser exigido o conhecimento devido nem da parte e nem do advogado,

devendo o juiz conhecê-las e julgá-las.135

Concorda-se com esse posicionamento, uma vez que cabe ao juiz compreender e dizer

o direito de acordo às suas convicções. Além do mais, cumpre asseverar que o atual código

processual também estabeleceu a possibilidade de formulação de pedido genérico. Inclusive,

essa admissibilidade foi defendida pela terceira turma do Superior Tribunal de Justiça no

julgamento do REsp 1.534.559 de relatoria da Ministra Nancy Andrighi 136 , na qual firmou o

134 Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: V - na ação indenizatória,

inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; 135 CAMPELO FILHO, Francisco Soares. Exigência de valor da causa em ação de dano moral é inconstitucional.

Revista Consultor Jurídico, São Paulo: 23 de setembro de 2016. 136 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.534.559/SP. Relatora: Ministra Nancy Andrighi.

Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgamento: 23/11/2016. Publicação: 01/12/2016.

63

entendimento que, diante da impossibilidade de especificar o valor das ações indenizatórias por

dano moral e material, poderia se admitir a generalidade do pedido.137

Porém, a turma ressaltou que o pedido deveria conter algumas especificações, para que

assim fosse permitido ao réu identificar a correta pretensão do recorrente, privilegiando-se o

contraditório, mas, que, caso fosse verificada a falta dos critérios legais de mensuração, caberia

ao juiz o arbitramento do valor a ser indenizado. Inferiu, ainda, que, “o valor da causa poderia

ser estimado em quantia simbólica e provisória, passível de posterior adequação ao valor

apurado na sentença ou no procedimento de liquidação”.

A ministra concluiu que “diante da imprescindibilidade de ampliação e facilitação do

acesso à Justiça, a jurisprudência deste Tribunal passou a flexibilizar as exíguas exceções legais

à regra de determinação do pedido, notadamente no que concerne às ações indenizatórias”,

considerando ainda que, deveriam ser viabilizados os princípios da economicidade e da

celeridade processual e, que, todavia, não seria justo impor ao autor, antes da propositura da

ação, a devida apuração do dano, sendo que, durante o curso processual, haveria de se

comprovar, através de elementos probatórios, o valor alegado, já que o contraditório e ampla

defesa é direito do réu.

Contudo, apesar de o art. 292, V, do CPC determinar que a parte especifique o valor

que pretende receber, cabe ao juiz julgar o pedido e estabelecer o quanto entende ser o valor

devido a título de danos morais, mesmo que sua decisão não fique adstrita ao valor pleiteado,

tendo o magistrado a liberdade de escolha para conceder quantia inferior ou superior àquela

pretendida pela parte.

Todavia, caso o magistrado verifique que o valor deve ser majorado, compreendendo

que a parte deva receber para além do que foi postulado, não há razão de sua decisão ser

considerada ultra petita, uma vez que diversos julgados pátrios estabelecem que a quantia

pleiteada é meramente estimativa, pois cabe ao juiz definir os limites de tal pretensão. Assim,

alguns magistrados entendem que o valor indenizatório deve ser decidido em observância aos

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Alguns arestos foram proferidos seguindo

esse posicionamento, a exemplo da Apelação Cível nº 00036046920108120046, de relatoria do

Desembargador Dorival Renato Pavan do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul138.

137 __. STJ confirma possibilidade de pedido genérico de dano moral e material. Migalhas, São Paulo, 19 de

dezembro de 2016.

138 BRASIL. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Apelação Cível nº 00036046920108120046. Relator:

Desembargador Dorival Renato Pavan. Órgão Julgador: Quarta Câmara Cível. Julgamento: 08/04/2014.

Publicação: 22/04/2014.

64

Outros julgados consideram que o valor de indenização por danos morais, por ser uma

reparação diante de algum dano sofrido, deve-se levar em consideração, para seu arbitramento,

as circunstâncias e peculiaridades da causa, não podendo ser ínfimo, para não representar uma

ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessivo, para não constituir um enriquecimento

sem causa em favor do ofendido, sendo que tais parâmetros foram observados na espécie, não

merecendo prosperar a pretendida redução do valor condenatório. Nessa compreensão é a

Apelação Cível nº 2007.38.00.011452-3/MG139, de relatoria do Desembargador Federal Souza

Prudente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Diante dessa questão, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça140 manifesta-se

também no sentido de que, mesmo que o pedido de danos morais não tenha sido expressamente

requerido, depreende-se pela interpretação da causa como um todo, que esses danos devem ser

abrangidos e garantidos quando a parte tiver o manifesto direito à concessão dessa indenização.

Assim, aduz que “o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda e se extrai da

interpretação lógico-sistemática da petição inicial, sendo de levar-se em conta os requerimentos

feitos em seu corpo e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica 'dos

pedidos'"

139 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Cível nº 2007.38.00.011452-3/MG. Relator:

Desembargador Federal Souza Prudente. Órgão Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 26/04/2017. Publicação:

23/05/2017. 140 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1469086/AC. Relatora:

Ministra Assusete Magalhães. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 23/02/2016. Publicação: 09/03/2016.

65

5 CONCLUSÃO

À vista do exposto, considerando-se a atual conjuntura do processo civil brasileiro, na

qual a efetividade da tutela jurisdicional importa bem mais do que a obediência cega às regras

processuais, as exceções ao princípio da congruência devem ser compreendidas a partir de um

viés social, uma vez que elas ocorrem sob o fundamento de propiciar a justiça em sua inteireza

e, portanto, não devem ser vistas como arbitrariedades do magistrado. Nesse sentido, as

exceções acontecem justamente para garantir uma tutela adequada e justa, mesmo que se afigure

necessário, o rompimento com os formalismos processuais.

Desse modo, o magistrado atual não deve mais se posicionar como um sujeito alheio ao

que acontece no processo, preocupado apenas em conduzi-lo. O juiz, sendo a extensão do poder

do Estado, tem a responsabilidade de promover uma efetiva proteção dos direitos, já que o

processo é o instrumento pelo qual a justiça acontece. Então, se ao magistrado é atribuída a

função de declarar e assegurar as garantias previstas no ordenamento pátrio, parece razoável

alargar a sua liberdade no proferimento de suas decisões.

Porém, não se defende que o magistrado possa deferir qualquer coisa ou algo que

ultrapasse de maneira irresponsável os limites fixados na demanda, uma vez que devem ser

observadas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Compreende-se

apenas, que, o juiz, a partir de sua intelecção, possa captar a real pretensão e entender o devido

direito de cada um, ainda que, fora dos fatos narrados ou do pedido formulado, admitindo-se

que a sua persuasão se dê através de provas ou mesmo por assimilar as reais intenções da parte.

Portanto, haverá de existir situações nas quais o magistrado constate que a pretensão da

parte deve ser concedida, mas não do modo como foi requerida, pois, é comum o juiz encontrar

uma solução mais adequada do que aquela inicialmente postulada, até porque, como se sabe,

cabe ao juiz dizer o direito de acordo às suas percepções.

Importante ressaltar que a mitigação do princípio da congruência propicia a promoção

da igualdade processual, principalmente nos casos de vulnerabilidade social, econômica e

jurídica da parte, pois, na grande maioria das vezes, por conta dessas condições, o indivíduo

não tem um acesso adequado e satisfatório ao Judiciário.

Contudo, apesar de a discussão acerca da mitigação ao princípio da congruência ser

envolvida por diversas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, coaduna-se com o

entendimento de que o princípio da congruência pode sim, ser mitigado, permitindo-se ao

66

magistrado ter uma atuação mais liberta, informal e diligente, em prol de melhor garantir a

prestação da tutela jurisdicional.

Destarte, o processo não se destina a ser um impasse para a persecução de direitos, deve

prevalecer a sua finalidade sob os aspectos formais que o envolve. Nesse sentido, o formalismo

excessivo passou a ser compreendido como um grande entrave à efetividade da prestação da

tutela jurisdicional e, consequentemente, a instrumentalidade do processo tornou-se ainda mais

relevante, uma vez que, o sistema processual civil passou a se preocupar mais com a realização

de direitos do que com meras exigências formais.

A instrumentalidade flexibiliza a atuação do juiz, tornando-o mais influente e disposto

a promover a resolução dos conflitos sociais, pois, justamente, a finalidade do processo é

garantir a solução de litígios, declarando e concedendo direitos para aqueles que legitimamente

os possuírem.

67

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