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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL
PLANTERR
MESTRADO PROFISSIONAL
Nilza Bispo Brito
Kiriri de Mirandela: processo de demarcação, conflitos e interesses em terras
indígenas (Banzaê-Ba).
1970 a 2015
Feira de Santana
2016
Nilza Bispo Brito
Kiriri de Mirandela: processo de demarcação, conflitos e interesses em terras
indígenas (Banzaê-Ba)
1970 a 2015
Relatório de Pesquisa apresentado ao
Programa de Pós-Graduação em
Planejamento Territorial, da Universidade
Estadual de Feira de Santana como pré-
requisito para obtenção de título de Mestre.
Orientadora: Profª. Drª. Acácia Batista Dias
Feira de Santana
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL
PLANTERR
MESTRADO PROFISSIONAL
Nilza Bispo Brito
Kiriri de Mirandela: processo de demarcação, conflitos e interesses em terras
indígenas (Banzaê-Ba).
1970 a 2015
Feira de Santana
2016
FICHA CATALOGRÁFICA
Brito, Nilza Bispo
Kiriri de Mirandela: processo de demarcação, conflitos e interesses em terras
indígenas (Banzaê-Ba).1970 – 2015/Nilza Bispo Brito.-Feira de Santan,2016.
84f. :il.
Orientadora: Acácia Dias Batista.
Relatório (Mestrado Profissional em Planejamento Territorial) – Universidade
Estadual de Feira de Santana, Programa de Pós Graduação em Planejamento Territorial
– PLANTERR/UEFS, 2016.
AGRADECIMENTOS
Apesar de sentir uma solidão durante a construção deste trabalho, e muitas vezes
acreditar que a caminhada no curso de Mestrado é solitária, não posso deixar de
reconhecer que muitas pessoas estiveram comigo durante este percurso. Evidente que
não fariam o trabalho por mim. Não podiam fazer isso! Eu escolhi este caminho! Este
era meu trabalho. Por isso agradeço a aqueles que me ajudaram a finalizar, mas uma
etapa de minha vida.
A Deus, pela presença constante em minha vida.
A Professora Acácia Batista Dias, minha orientadora. Na verdade, mais que isso. Uma
profissional de excelência, dedicada, amiga nas horas difíceis. Um exemplo de mulher e
de pessoa. Um exemplo para minha vida. É Professora Acácia, sem você não teria
chegado ao fim desta jornada. Muito obrigada por fazer parte de minha história.
Ao povo Kiriri por contribuir com o trabalho colaborando para a conclusão do mesmo.
Ao Professor Fábio Bandeira, por todas as colaborações.
Ao Professor José Augusto Laranjeiras Sampaio (Guga), pelas conversas e entrevista
concedida. Sua colaboração foi fundamental para a continuação deste trabalho.
Aos Professores Marco Tromboni, Edwin Reesink e a Professora Patrícia Navarro pelas
contribuições.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pelo investimento e
credibilidade.
Agradeço a Leidiane minha irmã, sempre presente.
As amigas: Camila Gonzaga, Maria Vieira e Roberta Carregosa pela companhia nas
horas dramáticas e também momentos de descontração.
A meu amigo Anderson pela paciência. Pelas tantas vezes e instalou e desinstalou os
programas do meu computador. Muito obrigada amigo!
A Nivaldo, meu amado querido, que mesmo chegando ao final da jornada foi
companheiro e amigo em momentos críticos.
Enfim, aos meus pais pela confiança.
Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.
João 1:3. Bíblia Sagrada.
RESUMO
Esta pesquisa investigou o grupo indígena Kiriri de Mirandela, localizado na região
norte da Bahia entre os municípios de Banzaê e Ribeira do Pombal. O principal objetivo
foi analisar a existência de conflitos nesta comunidade, a partir da identificação dos
sujeitos envolvidos e suas reivindicações quanto à posse da terra. Abordou-se o
histórico processo de demarcação das terras enfatizando os conflitos entre índios e
posseiros da região, entre os anos de 1972 a 1999; seguido da análise dos conflitos
instalados no grupo após a demarcação oficial das terras. A pesquisa também observou
as estratégias adotadas pelos Kiriri para permanecerem em suas terras. Nesse sentido,
destacou-se o ritual religioso do Toré considerado pelos índios a representação
simbólica da resistência Kiriri. Por fim, constatou-se através das análises de fontes,
entrevistas e observações de campo, que os Kiriri de Mirandela vivem em um cenário
onde os conflitos e as divergências ainda são muito presentes, e todo o grupo que vive
em Mirandela defende a permanência na terra como uma forma de resistência e
manutenção dos costumes e tradições do grupo.
PALAVRA- CHAVES: Índios – Kiriri - Conflitos - Mirandela
ABSTRACT
This research aimed to study the indigenous community Kiriri, located in the northern
region of Bahia between the municipalities of Banzaê and Ribeira do Pombal. The main
objective was to analyze the existence of conflicts in this community, from the
identification of the subjects involved and their claims regarding ownership of the land.
Approached the historic process of demarcation of the lands emphasizing the conflicts
between Indians and settlers in the region, between the years of 1972 to 1999; followed
by the analysis of the conflicts in the community after the official demarcation of the
land. The research also noted the strategies adopted by Kiriri to remain on their land. In
this regard, it was emphasized the religious ritual of the Toré, considered by the indians,
the symbolic representation of the resistance Kiriri. Finally, it was found through the
analysis of sources, interviews and field observations, that The Kiriri of Mirandela live
in a scenario where conflicts and disagreements are still very present, and the entire
group who lives in Mirandela defends the permanence in the land as a form of
resistance and maintain the customs and traditions of the group.
KEY WORDS: Amerindians – Kiriri - Conflicts - Mirandela
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
ANAÍ Associação Nacional de Ação Indigenista
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CIMI Conselho Indigenista Missionário
DOKANAÍ Dossiê Kiriri
DPGS Diagnóstico e Plano de Gestão Socioambiental.
FUNAI Fundação Nacional do Índio
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
PI Posto indígena
SPI Serviço de Proteção ao Índio
LISTA DE QUADROS E ILUSTRAÇÕES
Figura 01: Trabalho em roças coletivas – Fazenda Picos. ............................................. 45
Figura 02 – Índios Kiriri a caminho das roças coletivas na fazenda Picos.....................46
Quadro 01 - Acontecimentos marcantes da história Kiriri - (1972 – 2015)....................52
Figura 03 – Delimitação inicial das terras proposta pelos índios de Mirandela/Banzaê no
estado da Bahia/ 1947......................................................................................................55
Figura 04: Caracterização parcial do solo da terra indígena onde se encontram posseiros
-1995................................................................................................................................56
Figura 05 – Octógono representativo das terras Kiriri, após o pedido de demarcação -
1993.................................................................................................................................58
Figura 06 - Estrada de acesso a Mirandela......................................................................60
Figura 07 - Saída da Vila de Mirandela...........................................................................60
Figura 08 – Vista da chegada em Mirandela...................................................................61
Figura 09 – Praça da Vila Mirandela...............................................................................61
Figura 10 – Igreja Católica em Mirandela.......................................................................62
Figura 11 - Casebre onde são realizados rituais e festejos na Vila de Mirandela...........63
Figura 12 – Barraca de artesanato Kiriri.........................................................................65
Figura 13 – Preparação das bebidas e oferendas para os encantados no dia do Toré......72
Figura 14 - Início do Toré na vila de Mirandela..............................................................73
Figura 15 - Desfile de comemoração pelos 20 anos de retomada das terras.
Mirandela/Banzaê, 2015..................................................................................................74
Figura 16- Kiriri em desfile em frente ao casebre...........................................................74
Figura 17 – Desfile dos Kiriri em frente à igreja.............................................................75
SUMÁRIO
Introdução ...................................................................................................................... 13
2. Procedimentos Metodológicos .................................................................................. 17
3. Em terras de índio: conceitos de território e territorialidade ............................... 22
3.1 Conflitos e Etnicidade ............................................................................................... 26
4. Sobre os índios no Nordeste e formação do grupo Kiriri ...................................... 30
4.1.Quem são os Kiriri de Mirandela .............................................................................. 33
4.2. As disputas internas em Mirandela e suas consequências ....................................... 39
4.3. Conflito entre os Kiriri e os posseiros ...................................................................... 44
4.4. Linha do tempo: principais episódios da história Kiriri .........................................51
5. Viver em Mirandela: caracterização, costumes e significados..............................53
5.1. Caracterizações de Mirandela..................................................................................54
5.2. O significado do território em Mirandela................................................................67
5.3. Mirandela e o Toré: o ritual como forma de resistência..........................................70
5.4. Conflitos atuais em Mirandela..................................................................................76
6. Considerações Finais.................................................................................................79
7. Referências ...............................................................................................................81
13
Introdução
Esta pesquisa teve como alvo a investigação do processo de reconquista e
demarcação das terras indígenas dos Kiriri. Essas terras estão localizadas na região
norte da Bahia, entre os municípios de Banzaê e Ribeira do Pombal.
Historicamente, os Kiriri foram submetidos ao sistema de aldeamento que
agrupava vários grupos indígenas próximos aos vilarejos dos colonos, para facilitar o
contato e catequização dos índios. No final do século XVII, ainda dentro deste sistema,
estes grupos foram integrados às missões religiosas, que de certo modo contribuíram
para uma redefinição das áreas que já estavam ocupadas por colonizadores. Desta
forma, os povos indígenas, especialmente aqueles da região norte da Bahia, foram
incorporadas ao projeto de colonização e ocupação territorial. Com o avanço deste
projeto e com a utilização da criação extensiva de gado, muitos povos indígenas,
inclusive os Kiriri, sofreram significativas perdas das suas terras.
No início do século XVIII, com o enfraquecimento econômico da criação de
gado e a consolidação de outros sistemas de exploração colonial, a situação dos povos
indígenas complicou-se ainda mais. O desenvolvimento econômico da colônia com as
novas lavouras de cana-de-açúcar e a ampliação das relações comerciais com a
metrópole contribuíram significativamente para ocupação definitiva das terras, projeto
que foi assumido por latifundiários, que herdaram as terras desde a formação das
sesmarias1. Estes “novos proprietarios” das terras atuavam como agentes do projeto
colonizador instalado nos séculos anteriores. (FERLINI, 1994). Esta nova realidade
impôs aos indígenas a expropriação de suas terras e consequentemente a instalação dos
conflitos entre os índios que as ocupavam bem antes da chegada dos colonizadores, e
dos fazendeiros que assumiram o mesmo projeto de apropriação das terras com o passar
dos anos, marcando dessa maneira a história dos povos indígenas com a constante
presença de conflitos pela posse e permanência nas terras.
No Nordeste, a grande produção açucareira para o mercado consumidor e a
instalação do sistema escravista colocou os índios ainda mais a parte, definindo a posse
das terras em favor dos colonizadores que instalaram engenhos e latifúndios. No sertão,
onde os índios Kiriri habitavam, a dinâmica de apropriação territorial seguiu a proposta
1 Para maiores informações sobre os sistemas de semarias ver NEVES, Erivaldo Fagundes. Estrutura
fundiaria e dinamica mercantil: alto sertao da Bahia, seculos XVIII e XIX. Salvador, Ba: EDUFBA;
UEFS, 2005.
14
dos colonizadores, ou seja, a formação de grandes latifúndios e de fazendas de criação
de gado contribuindo para que a população fosse expulsa de suas terras.
Porém, a Missão conhecida como Saco dos Morcegos, que posteriormente
recebeu o nome de Mirandela, agrupou os Kiriri e se manteve como uma forma de
resistência à ocupação do território. Vale acrescentar que esta missão contou com o
apoio dos religiosos, que desde o início da colonização já desenvolviam alguns
trabalhos de apoio aos povos indígenas. (LEITE, 1993).
Ressalta-se que alguns estudos dedicaram-se a investigar o histórico de
formação dos Kiriri, observando a dinâmica existente no grupo. Dentre estas se
referenda a de Maria de Lourdes Bandeira (1972), que propôs o que se pode considerar
o primeiro trabalho etnológico referente ao grupo Kiriri. Bandeira faz um diagnóstico da
organização do grupo Kiriri, descrevendo a situação histórica- geográfica revelando as
formas de organização adotadas durante o recorrer do tempo. Em conformidade com o
processo histórico vivenciando pelos Kiriri. O estudo desta autora descreve ainda a
organização social do grupo, perpassando por questões de formação e heranças deixadas
por grupos indígenas vizinhos. Nesse aspecto também trata das questões religiosas e
culuturais, observando as relações com seres sobrenaturais tratados como encantados.
Vale acrescentar ainda que este trabalho traz questões que ainda hoje são marcantes
dentro do grupo Kiriri: primeiro mostra a discriminação e o preconceito que a
população não indígena da região tem em relação aos índios; segundo trata os conflitos
existentes internos ao grupo. O trabalho de Maria de Loudes Bandeia é uma rica
contribuição para investigações atuais sobre os Kiriri.
Somando às contribuições de Bandeira (1972), observa-se a pesquisa de
Nascimento (1994) que também estudou a respeito do histórico de formação do grupo
Kiriri, enfatizando as questões religiosas, principalmente. A dissertação de mestrado
intitulada de O tronco da Jurema centraliza o processo de (re) contrução dos preceitos
religiosos e crendices dos Kiriri, define os seres sobrenatuaris, que para o grupo,
permanece nas terras protegendo-os, estes são os chamados encantados. Nascimento
(1994) trata do ritual da Jurema, que é presente no grupo Kiriri, mas que sofre
alterações com o passar do tempo, sendo reinventado por esses índios.
Outro trabalho de grande valia para as pesquisas relacionadas ao grupo Kiriri, é
o de Brasileiro (1996). O texto aproxima-se de um trabalho etnológico e apresenta
dados produzidos durante as suas pesquisas que campo. As principais questões tratadas
15
no texto são os conflitos e as facções existentes dentro grupo. Brasileiro (1996), em sua
dissertação, discute os desdobramentos de um processo de organização social e política
e que resulta na mobilização do grupo para retomada de suas terras. O texto aborda
também como em meio às articulações para a definição da posse das terras,
compreendida como um bem comum a todos, o grupo, mesmo contando com a presença
das divergências politicas e influências externa, instala em suas terras um processo de
divisão, ao qual Brasileiro (1996) chamou de faccionalismo.
Este trabalho exalta principalmente o processo de divisão interna que se iniciou
em determinado momento dentro do grupo Kiriri, e que continuou com o passar do
tempo, se tornando um marca na vila de Mirandela.
Todos os trabalhos acima informam como o grupo Kiriri protagonizou um longo
e complicado processo de demarcação e oficialização das terras, que ganhou força no
século XX depois de uma série de episódios de invasões e ocupações, intervenção
militar e disputas judiciais. Ao final, foi dada a posse definitiva das terras ao povo
indígena. Os conflitos pela terra se fizeram presente, resultante do processo de
apropriação da mesma para incrementar o desenvolvimento econômico das grandes
fazendas instaladas em toda a região Nordeste. Nesse contexto, as invasões tornaram-se
uma prática constante e os novos “donos” não mediam esforços para expulsar os povos
indígenas e se apropriarem definitivamente das terras. Não obstante, o grupo Kiriri
empreendeu esforços para permanecer no espaço onde considerava a existência da
relação com as suas origens, recorrendo aos documentos de doação feitos pelo Rei de
Portugal (século XVIII). Esta reação dos Kiriri contribui para instalar uma realidade de
conflito, que atravessou os séculos seguintes. (BRASILEIRO; SAMPAIO, 2012)
Atualmente, os Kiriri vivem na terra indígena oficialmente demarcada, em uma
área de 12.300 hectares, composta por nove povoados: Mirandela, Lagoa Grande, Canta
Galo, Baixa da Cangalha, Segredo, Gado Velhaco, Curral Falso, Araçá e Marcação, no
município de Banzaê, região norte da Bahia, e conta com uma população superior a
1.100 pessoas. (CARVALHO; SILVA, 2009).
Dentro da terra indígena há também conflitos internos, os quais foram alvo desta
pesquisa, e tratados em dois momentos distintos: primeiro tratou-se dos conflitos
durante o processo de demarcação e da análise acerca de como estes fragilizaram o
grupo e prejudicaram o andamento do processo de legalização das terras. No segundo
momento, os conflitos atuais foram problematizados, especificamente àqueles que
16
ocorrem na vila Mirandela, considerada centro da terra indígena Kiriri. Esta análise
dedicou-se a identificação das causas destes novos enfrentamentos e as heranças
deixadas por aqueles ocorridos na década de 1980.
Para os Kiriri, o lugar em que vivem deve ser protegido para que os costumes e
as tradições sejam mantidos e acomodados e por esse motivo a terra é sagrada e deve ser
resguardada. Nesse sentido, também se analisou a relação do povo Kiriri com a posse da
terra observando o ritual do Toré que foi reinventado durante a retomada das terras e
mantido até os dias atuais, como forma de preservar as práticas culturais do grupo. Vale
destacar que durante o longo processo de disputa pela posse das terras, muitos rituais
indígenas foram perdidos e o Toré foi reintegrado como forma de fortalecer o grupo no
momento de retomada das terras.
O principal objetivo desta pesquisa foi analisar como o grupo Kiriri se
reestruturou após a demarcação oficial de suas terras, observando a dinâmica adotada e
os novos elementos que passaram a compor o grupo, os conflitos instalados antes e
depois da demarcação das terras, os rituais mantidos até os dias atuais e por fim o
significado da terra e do território para o grupo Kiriri de Mirandela. Para tanto, o texto
está estruturado em três capítulos além desta introdução e da descrição dos
procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa.
O capítulo I dedica-se a discussão teórica, onde são tratados os conceitos básicos
da pesquisa com destaque para a definição do território e territorialidade, além da
abordagem da etnicidade e conflitos no que tange os grupos indígenas.
O capítulo seguinte teve como objetivo principal tratar do processo de retomada
e demarcação das terras, o início do retorno dos Kiriri para suas terras e a instalação dos
conflitos com posseiros e fazendeiros presentes na região. Os conflitos ocorridos
internamente no grupo também foram aqui abordados, em razão de estratégias
divergentes e modos de organização política para a retomada das terras.
No último capítulo, apresenta-se a realidade de Mirandela após a demarcação
oficial das terras. O significado do território para os Kiriri foi enfatizado, além de tratar
do Toré como principal ritual de representação cultural do grupo. Por fim, foram
registrados os conflitos atuais existentes em Mirandela analisando quais as heranças
deixadas pelos embates da década de 1970 e que influenciam a realidade atual.
É valido destacar que a temática proposta por esta pesquisa é pouco inovadora,
uma vez que muitos pesquisadores se dedicaram ao estudo dos Kiriri. No entanto, essa
17
produção buscou contribuir para elucidar questões mais atuais em relação ao grupo
Kiriri, com destaque para os conflitos gerados após o surgimento de novas lideranças e
para o cotidiano do grupo que vive em Mirandela.
Tratar do grupo Kiriri de Mirandela, observar seu processo histórico, a forma
como se organiza e como entende a posse da terra foi uma tarefa complexa, mas,
gratificante. Concluir esta pesquisa foi uma realização pessoal, uma pequena
contribuição para a comunidade acadêmica e uma reflexão sobre como vivem os índios
do norte da Bahia.
2. Procedimentos Metodológicos
Este trabalho dedicou-se a análise do processo de demarcação e reorganização
social do grupo Kiriri da vila Mirandela, situada no município de Banzaê/BA, através de
procedimentos metodológicos próprios da pesquisa qualitativa. Segundo Gomes (2010),
este tipo de pesquisa se dedica a responder questões específicas e muito particulares no
contexto das Ciências Sociais, uma vez que os objetos investigados não são
quantificados. A pesquisa qualitativa está pautada no cenário dos significados, das
motivações, dos desejos, dos costumes, das crenças e dos valores. Este tipo de pesquisa
permite, portanto, analisar o grupo Kiriri a partir de suas práticas, sua vivência, a
criação de seus símbolos, e suas formas de organização e reorganização social.
Na tentativa de aproximar-se do objeto pesquisado, realizou-se o trabalho de
campo e a observação participante. Esta observação é uma ferramenta importante para a
produção do conhecimento a respeito dos grupos pesquisados, uma vez que permite,
durante a atuação em campo, capturar dados específicos que contribuem para uma
análise mais completa das questões inerentes ao objeto de pesquisa. É fundamental que
o pesquisador apresente autenticidade e compromisso com o grupo demonstrando
honestamente seu interesse e respeito pelo outro. Vale acrescentar também que este
método requer que o pesquisador conheça a dinâmica do local, respeite seus costumes,
suas práticas e considere todo conhecimento que é produzido naquele espaço.
(BRANDÃO, 1999)
Esta pesquisa utilizou também a análise documental e bibliográfica. A primeira
possibilitou a leitura e interpretação de documentos produzidos sobre as questões da
demarcação das terras Kiriri. A pesquisa bibliográfica permitiu o acesso a outras obras
18
acadêmicas que tratam do tema pesquisado, auxiliando na produção da pesquisa e dando
suporte teórico. (OLIVEIRA, 2007).
Os procedimentos metodológicos foram divididos em etapas a partir dos
objetivos específicos. O primeiro momento foi dedicado às leituras e levantamento de
fontes e acervos documentais. Foram selecionadas fontes diversas, relatos dos sujeitos
envolvidos na pesquisa, além de alguns documentos de um dossiê (composição de uma
série de documentos produzidos entre os anos de 1970 e 2000 que trata do processo de
retomada das terras) arquivados na sede Associação Nacional de Ação Indigenista
(Anaí), em Salvador. Também foram utilizadas algumas cartas e ofícios direcionados ao
Ministério Público, cartas dos índios direcionadas às paróquias locais solicitando ajuda
e intervenção; cartas enviadas à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) solicitando
medidas de auxílio de definição para a legalização da posse das terras, entre outros.
Estes documentos foram analisados, na tentativa de extrair informações oficiais
referentes ao processo de legalização das terras indígenas. Mas, o principal elemento
destacado nas leituras foram as narrativas, que expressam, sobretudo, as reivindicações
feitas pelos Kiriri. Foram destacados, também, os principais acontecimentos que
marcaram o processo de reconquista de Mirandela e seus principais personagens.
Em outros documentos, também integrantes do referido dossiê, do Museu do
Índio, arquivado na Anaí, extraiu-se dados referentes à demarcação geográfica da terra
Kiriri, como por exemplo, o protótipo original do mapa do território em formato de
octógono indicando os principais marcos da terra, os povoados e pontos de preservação
dos rituais, como pequenas áreas de mata virgem, e as serras ao redor do território. Estes
dados foram utilizados nas discussões finais da pesquisa, quando foi caracterizada a vila
de Mirandela.
No capítulo que trata especificamente do processo de demarcação e oficialização
das terras Kiriri utilizou-se o Memorial Descritivo da Demarcação (doc. 08- Dossiê
Kiriri/Anaí-Ba), do qual foram extraídas informações como: o número de povoados e
quantidade de habitantes (no período já citado); dados das fazendas existentes na terra
indígena e seus respectivos proprietários.
O trabalho de campo foi importante para a conclusão da pesquisa, mas
constituiu-se também na fase mais complicada. Foi necessário muito diálogo e pedidos
para a que os Kiriri aceitassem participar e contribuir com a pesquisa. Os motivos
elencados para a recusa versavam sobre o número de pesquisadores que solicitou
19
autorização para realizar suas investigações e após a coleta de dados, poucos retornaram
à vila para apresentar os resultados ou mesmo para deixar uma cópia do exemplar.
Assim, depois de um primeiro encontro com alguns dos conselheiros do grupo
de Mirandela que participavam de um evento na UEFS, consegui o contato telefônico de
um dos líderes da vila para agendar um encontro de trabalho. A partir daí, iniciaram-se
as tentativas de visitas e conversas com as lideranças, para apresentar o trabalho e
começar a pesquisa de campo.
Concomitante as dificuldades de contato com o grupo, o trabalho de campo teve
atrasos para seu início devido à espera do resultado da tramitação do projeto junto ao
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UEFS, o qual exigiu documentos e autorizações
que colocariam em risco a realização do trabalho. Declarações solicitadas pelo CEP
requeriam o consentimento dos líderes políticos de Mirandela, os quais representam
facções rivais; uma parte sob a liderança de Lázaro Gonzaga e a outra liderada por
Marcelo de Jesus, os quais mantinham uma relação conflituosa motivada por diferenças
políticas, historicamente datadas desde os anos 2000. Dessa forma, conseguir
autorizações de ambas as lideranças tornou-se inviável, pois os líderes explicitaram a
discordância da atividade de pesquisa realizada conjuntamente com os dois grupos.
Na primeira visita feita a Mirandela e em conversa com o cacique Marcelo e
seus conselheiros essas diferenças foram postas. O líder Kiriri foi enfático quando expôs
que para que ele e seu grupo contribuisse com o trabalho, o cacique Lázaro Gonzaga e
seu grupo não poderiam participar. Mesmo respeitando as condições postas pelo cacique
Marcelo, buscou-se um contato com Lázaro que demonstrou certo interesse pela
pesquisa, mas também foi enfático quanto a não participação do grupo rival. Lázaro
Gonzaga e Marcelo de Jesus mantinha uma relação de rivalidade e atestaram que não
participariam juntos de uma mesma atividade, seja ela qual fosse, assim como também
entediam que autorização de um estaria anulando a do outro. Diante dessas questões, e
compreendendo esta realidade de conflito estabelecida dentro da vila de Mirandela e na
tentativa de preservar o grupo e respeitar suas questões internas, foi descartada a
possibilidade de apresentar as respectivas autorizações ao CEP/UEFS e o projeto foi
retirado da Plataforma Brasil.
Nesse contexto de tentativas para iniciar as atividades em campo, os diálogos e
contatos por telefone foram mantidos com os seguintes conselheiros, Lourival de Jesus
e Marlene de Jesus, integrantes do grupo liderado por Marcelo, e contatados
20
inicialmente no evento ocorrido na UEFS. Depois de algumas ligações telefônicas foi
agendada nova visita a Mirandela, no mês de março de 2015, desta vez para
apresentação e solicitação de autorização para iniciar o trabalho de campo. Na visita a
vila o diálogo foi com o cacique Marcelo de Jesus para apresentação do trabalho e
solicitação da autorização. Mas, novamente o líder expôs a resistência em relação aos
trabalhos e pesquisas realizadas com o grupo enfatizando a falta de retorno dos
pesquisadores, e solicitou algum tempo para que pensasse sobre o assunto. Esta questão
atrasou ainda mais o do trabalho no campo. A autorização só foi concedida no dia 19 de
abril de 2015, época de comemorações referentes ao dia do índio.
Durante a ida a vila, observou-se a rivalidade e o conflito entre os grupos e com
base nos princípios de respeito à dinâmica instaurada na vila, decidiu-se por tratar
apenas com o grupo do cacique Marcelo, com o qual foi feito os primeiros contatos. A
decisão de trabalhar apenas com um grupo não significou um posicionamento em
relação aos conflitos, optou-se por respeitar a ordem dos contatos realizados e da
receptividade dentro da vila, como também se buscou assegurar a realização do
trabalho, haja vista o tempo já decorrido e os prazos para conclusão do estudo. Os
prejuízos para a pesquisa também precisam ser destacados, uma vez que o cacique
Lázaro Gonzaga foi um dos personagens de maior representatividade política durante o
processo de retomada das terras. Sua participação na pesquisa, com relatos e
depoimentos, teria sido de muita relevância e poderia revelar mais especificidades e
detalhes da história Kiriri.
Nas primeiras visitas, observou-se a vila: a estrada de acesso, suas construções e
casas, os serviços públicos oferecidos (água, esgoto, iluminação), além dos elementos
simbólicos, como a igreja, a oca no centro da praça e a tapera onde são realizados rituais
e reuniões do grupo Kiriri. Estas observações foram utilizadas para caracterizar a vila de
Mirandela geográfica e socialmente. Vale destacar que esta estrutura da vila serve aos
dois grupos, porém alguns espaços, como a tapera são de utilização apenas do grupo de
Marcelo, que não realiza seus rituais em frente à igreja como faz o grupo de Lázaro. Já a
oca no centro da vila serve de ponto de celebração apenas para o grupo de Lázaro em
dias festivos.
Depois de observadas as estruturas presentes na vila, definiu-se possíveis
entrevistados. Como não poderia entrevistar todo o grupo, optou-se pelas lideranças
(política e religiosas), além de conselheiros e pessoas como mais idade que tivessem
21
algum conhecimento sobre a história de luta dos Kiriri. Foi agendado um período de
estadia na vila (quatro dias) para realizar oficinas e entrevistas. O objetivo dessas
oficinas era através da interação e participação de alguns membros do grupo, realizar a
caracterização da terra indígena. O objetivo da atividade era colher dados a respeito da
Terra indígena Kiriri como o número de casas e de habitantes, lugares sagrados,
extensão da terra, número de povoados, e ao fim seria construído um painel onde estas
informações seriam expostas. Contudo, esta visita, não aconteceu. A conselheira
responsável pela estadia precisou viajar para um evento cultural no município vizinho e
o cacique Marcelo também estava com algumas ocupações e não poderia organizar a
população de Mirandela para a realização do trabalho. Este fato não só atrasou a coleta
dos dados, mas provocou um sentimento de frustração e desânimo para a continuação da
pesquisa.
Após estas idas e vindas à vila outra estadia em Mirandela foi marcada para o
mês de novembro, quando ocorreriam os festejos do Toré. Desta vez foram aproveitados
alguns dias na vila para a realização das entrevistas, pois o grupo se recusou a participar
das oficinas, por estar ocupado com atividades referentes aos festejos que ocorriam
naquele período.
Depois de realizadas as entrevistas, as idas ao campo foram finalizadas em razão
do tempo disponível para conclusão do curso, embora ciente de que o trabalho de
campo com grupos indígenas requer maior permanência na aldeia, os entraves de
liberação para início do trabalho adiaram o processo da pesquisa.
Com as informações coletadas em campo: entrevistas, observações e registros
fotográficos; além dos documentos selecionados nos arquivos da Anaí, seguiu-se para
escrita deste relatório de pesquisa onde são apresentados os resultados das análises das
fontes utilizadas. Vale acrescentar que o curso para qual esta pesquisa foi desenvolvida
é um Mestrado Profissional, no qual há uma orientação para elaboração de novos
resultados/produtos de pesquisa que não sejam apenas dissertações, mas trabalhos mais
práticos que possam também contribuir para o grupo analisado. Entre as ideias iniciais
que motivaram esse estudo e o que foi possível realizar, diferentes propostas foram
traçadas, mas a maioria tornou-se inviável.
Assim, como forma de minimizar as frustrações do desejo inicial de um trabalho
com toda a vila, no qual fosse possível construir um processo de pesquisa-ação que
tinha como uma das possibilidades a construção de uma cartilha para uso na educação
22
infantil, optou-se pela produção de um vídeo com imagens e informações referentes à
história dos Kiriri. Como a definição do produto só foi realizada no final do trabalho, a
construção do vídeo recorreu a um metodo simples, mas que possibilitasse visualisar
uma síntese do histórico de luta vivenciado pelos Kiriri. Utilizou-se fotos retiradas
durante as visitas a vila, imagens cedidas pelo próprio grupo e algumas imagens
retiradas da internet, além das gravações de imagens feitas durante o trabalho de campo.
Para produzir o vídeo foi utilizado o programa Movie Maker, que permitiu agrupar as
imagens e vídeos e adicionar legendas, músicas e áudios.
O principal objetivo do vídeo foi o de devolver ao grupo um produto que
contribuisse para a divulgação de sua história e cultura. Dessa forma, essa mídia poderá
ser usada em dias festivos, comorações escolares e em viagens e eventos que os Kiriri
participam frequentemente. É, portanto, mais uma ferramenta para que os índios sejam
vistos e reconhecidos.
O registro da vida dos Kiriri contribuiu para a continuidade de pesquisas que se
dediquem as questões deste grupo, e ao mesmo tempo, buscou-se oferecer um retorno
para os índios. O vídeo e cópia do relatório final serão entregues aos Kiriri para que
possam usufruir deste material para a divulgação de sua história, suas lutas e seus
costumes.
3. Em terras de índio: o uso dos conceitos de território, conflito e etnicidade.
Tratar de questões que envolvem povos indígenas no Brasil e sua formação
territorial é uma tarefa complexa. Os povos indígenas protagonizaram diversos conflitos
relacionados diretamente com a posse e permanência em seus espaços originais. Nesse
contexto e na perspectiva indígena, terra e território ganham significados muito
próximos, mas não possuem o mesmo sentido. Terra e território são categorias distintas:
a primeira se refere aos processos políticos de reconhecimento jurídico conduzido pelo
Estado, que determina a posse da terra, e a reconhece como Terra Indígena; a segunda
categoria se refere aos processos de apropriação, construção e reconstrução da terra a
qual estão de posse. Trata-se da relação entre os sujeitos e o meio. A terra passa a ser
significada, dando-lhe, portanto, a noção de território. (GALLOIS, 2004).
Para direcionar a reflexão a respeito dos conceitos trazidos por esta pesquisa,
algumas questões foram destacadas: Como se define um território indígena? Quais as
23
suas especificidades? Como a legislação reconhece um território indígena? As
definições apresentadas até aqui se aproximam do que é pensado pela antropologia a
respeito dos territórios indígenas, quando tratam da relação simbólica e material que o
compõem2. Vale acrescentar, que no decorrer desta pesquisa, percebeu-se que a
categoria território poderia ser usada para pensar a relação entre os sujeitos e suas
formas de viver e relacioná-la com a terra, ou seja, território seria o espaço de
acomodação em movimento. (GALLOIS, 2004). Dessa forma, utilizou-se o termo
território para se referir as terras ocupadas pelos índios Kiriri considerando as relações
simbólicas presentes, como por exemplo, as celebrações do Toré que é ritual religioso
em que os Kiriri agradecem aos encantados3 pela produção dos alimentos e pela
proteção que estes seres oferecem ao grupo; e dos festejos do dia 19 de abril, data em
que os Kiriri festejam o dia do índio relembrando antigos costumes do grupo e abrindo a
vila para a visitação da comunidade não indígena.
Assim, como a maioria dos povos indígenas do Brasil, os Kiriri também foram
submetidos ao sistema colonial português, no qual eram vistos como mão de obra para
os trabalhos de exploração e a catequização jesuíta, estes fatos provocaram perdas
culturais em diversos grupos e reduziu a população indígena brasileira, submetendo os
remanescentes ao sistema de escravidão, além de promover a dispersão dos grupos e,
em muitos casos, a expulsão das próprias terras.
Os Kiriri, como tantos outros grupos indígenas, também se espalharam pelo
sertão nordestino, fugindo do trabalho escravo, da catequização e dos desmandos
impostos pela colonização. Contudo, a ideia de pertencimento e o significado das terras
foram mantidos por muitos dos grupos indígenas, assim como os Kiriri, que mesmo
obrigados a deixar suas terras de origem, mantinham um conhecimento a respeito dos
significados que não poderiam ser substituídos, como por exemplo, a relação com seres
sobrenaturais chamados de encantados, que existiam naquele território e que não
poderiam ser deixados para trás. (BRASILEIRO; SAMPAIO, 2012).
Para compreender o significado do território indígena é indispensável considerar
a relação do sujeito com a natureza de forma ainda mais enfática. Reesink (2011)
considera que o território indígena compreende também seu habitat, e se dá de um modo
mais abrangente constituindo uma complexa relação entre o sociocultural, o conjunto
2 Para mais informações ver RAMOS, Acilda Rita. Sociedades Indígenas. Ed. Ática. São Paulo. 1988.
3 A definição dos encantados bem como sua relação com o Toré e seus significados será tratada no
capítulo 3 deste relatório de pesquisa.
24
humano e o ambiente natural. Completando as análises desse autor, Ramos (1988)
define que o território indígena é composto por elementos simbólicos como os
costumes, as crenças, as tradições, somados ao ambiente, paisagens e estruturas físicas.
Assim o território se dá com a acomodação destes elementos, seguido da existência de
relações sociais.
No território estão inscritas as mais básicas noções de
autodeterminação, de articulação sociopolítica, de vivência e crenças,
para não falar na própria existência física do grupo. A redução dos
territórios indígenas, que tem sido uma constante na história do
contato entre índios e brancos, tem representado, em cada caso
específico, violências de várias ordens, como a privação cultural,
social, religiosa, moral, econômica e ecológica das sociedades
indígenas. (RAMOS, 1988, p. 20-21).
Ramos (1998) destaca a complexidade presente na definição de território
indígena, e aponta como este sempre foi alvo da ganância de não índios. Entender a
conformação do território indígena requer também a percepção sobre os permanentes
conflitos que atravessaram séculos e marcaram a história dos povos indígenas. A
dinâmica que envolve a construção do território indígena permite a observação de um
movimento constante.
Sobre este movimento de apropriação existente sob as terras no Brasil ainda no
período colonial, e especialmente na região Nordeste, Oliveira (1998) chama a atenção
para um processo de territorialização, ou seja, uma variação constante de crenças,
costumes, tradições e posicionamentos políticos que ocorrem dentro de determinados
grupos, com a presença do colonizador em terras de índios. Após a consolidação e
avanço do projeto de colonização no Brasil, os grupos indígenas tornaram-se
protagonistas de uma série de conflitos para determinar a posse e a permanência nas
terras, iniciando um movimento de reconstrução dos territórios, que estavam, há muito
tempo, sob o domínio de não índios. Vale destacar que a originalidade destas terras é
imprecisa, uma vez que durante o processo de aldeamento houve a intervensãode outros
sujeitos, como os jesuítas, por exemplo, e este processo pode ter afetato na noção da
origem das terrras dos mais diversos povos.
Desse modo pode-se constatar que predomina nesta questão um processo de
territorialização, definido pelo movimento constante dos elementos sociais que compõe
um grupo, como, por exemplo, a criação e a identidade étnica, dos mecanismos de
organização política, redefinições do controle social, dos conflitos, que seguem uma
25
lógica de movimento. Assim, a territorialização reconhece como o território é
constituído, observando os elementos que o compõem.
Há uma diferença entre os processos de formação territorial indígena no período
colonial e o que se instala na década de 70, já no século XX. No primeiro momento, os
grupos indígenas sofreram fortes imposições de um sistema, ainda colonial, que
caminhou para a formação de um estado nacional, e este fato excluiu os grupos
indígenas que não foram reconhecidos como partes integrantes deste novo estado. No
segundo momento, com o aumento e visibilidade das questões relacionadas às
populações indígenas e seus direitos sob as terras e a presença do movimento
indigenista (ainda recente), iniciou-se um processo de reconhecimento dos territórios
indígenas. (OLIVEIRA, 1988).
Este movimento ganha visibilidade e o Estado brasileiro busca uma ordenação
dos territórios indígenas que ainda resistem, intervindo com definições legais
específicas na tentativa de amenizar os conflitos existentes nas terras originalmente
indígenas. O estado passa a legalizar a posse de terras de diversos grupos,
reconhecendo-as também como território indígena.
Em terras indígenas, o território é composto por aspectos simbólicos como a
crença nos encantados, os rituais e as relações sobrenaturais, assim como os aspectos
políticos e sociais que tratam da organização interna dos povos e das aldeias. Os
aspectos judiciais também são importantes e auxiliam em uma definição legal para as
terras indígenas. Nesse sentido, a Constituição da República Federativa4 do Brasil
(1988) apresenta algumas definições no que tange as terras indígenas.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-
las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. (BRASIL, 1988)
O texto da Constituição Federal de 1988 revela a luta pelo reconhecimento dos
direitos indígenas incluindo a posse das suas terras ao mesmo tempo em que as definem
4 Faz-se uma breve explanação a respeito do que a constituição Federal define como terras indígenas
apenas para situar o leitor sobre os aspectos jurídicos que norteiam esta definição.
26
contemplando elementos como a permeância, as construções sociais e a preservação dos
recursos naturais.
Montanari (2006) considera as terras dos índios como elemento principal para a
sobrevivência do grupo, assim as determinações da Constituição Federal contribuem
para garantir a posse e permanência dos índios nas suas terras. Vale destacar que a
Constituição garante apenas a posse das terras ocupadas atualmente por grupos
indígenas, sem considerar aquelas que teriam sido também ocupadas no passado.
(LIPPEL, 2013)
Montanari (2006) ainda enfatiza que a dinâmica das terras indígenas contribui
para a manutenção e construção do território, porém, este não precisa das determinações
legais para existir.
No entanto, as determinações desta Constituição, contribuem significativamente
para a organização de diversas aldeias indígenas que ainda não estão de posse de suas
terras, mesmo ocupando-as. Assim, tais determinações assumem o papel de território,
quando revela a necessidade de assegurar a posse da terra resguardando ao povo o
direito de usufruto dos bens materiais segundo seus costumes e tradições5.
3.1. Conflitos e Etnicidade.
Zannoni (1999) considera os conflitos como parte da estrutura de cada sociedade
que vive uma complexidade das relações humanas permanentemente conflituosas. De
fato, os conflitos pela retomada das terras e retirada dos posseiros6, iniciados nos anos
de 1970 e que tiveram a vila de Mirandela como centro da disputa, foram movidos pela
complexidade e diferenças entre os grupos envolvidos: de um lado posseiros que
dependiam da terra para sobrevivência e que construíram nela relações sociais, políticas
e culturais, além de montarem um estrutura física com a construção de pequenos
vilarejos com casas de alvenaria, luz elétrica e outros serviços; de outro lado, índios
Kiriri que consideravam aquela terra como território fundamental para a manutenção
dos costumes e tradições do grupo, e também como meio de sobrevivência.
A disputa entre índios e posseiros foi movida por fatores como a organização
social. O grupo de posseiros que habitava em Mirandela instalou ali roças, hortas, casas,
5 Atigo 231 - § 1º. Constituição Federal do Brasil. 1988.
6 Grupo composto por pequenos agricultores que ocupavam as terras indígenas sem nenhum tipo de
documentação de posse das terras ou autorização para produzir nelas.
27
reservatórios de água, cercas, e uma estrutura física para a sobrevivência do grupo e esta
construção dificultava ainda mais a definição da posse das terras. Por outro lado, os
índios também construíram ao redor de Mirandela uma estrutura com casebres e
pequenas plantações que também serviam como formas de resistência à ocupação das
terras.
As condições econômicas também representaram um fator relevante uma vez
que os posseiros extraiam daquela terra seu sustento através da agricultura e da criação
de pequenos animais, e a saída de Mirandela significava perder os meios de
sobrevivência. A transferência das terras indígenas para assentamentos e vilarejos em
cidades vizinhas representava prejuízos para os posseiros que já tinham investido seus
recursos na vila.
Do mesmo modo, os Kiriri também dependem da terra para sobreviverem. Outro
fator determinante para a existência dos conflitos entre os índios e os posseiros de
Mirandela se refere à tradição e costumes relacionados com os antepassados. Fernandes
(2006), em seus estudos sobre a sociedade Tupinambá, também considera as relações
sobrenaturais como um dos motores do conflito indígena, e aponta para a existência de
algo a mais que o material, que move a “guerra” (conflito).
O caso dos conflitos entre os Kiriri e os posseiros está para além do material,
envolvem os sentidos mágicos e sobrenaturais e estes significados são passados de
geração para geração. O grupo Kiriri foi personagem de um longo processo de disputa e
conflitos pela posse e demarcação das terras, que passou de geração para geração. A
reconquista da terra representou para a nova geração de Kiriri uma forma de honrar os
mais antigos que iniciaram esta luta. Alguns depoimentos confirmam esta relação entre
as gerações.
Meu nome é JOSÉ PAULO KIRIRI, quando nasci em 1972, a gente já
brigava pela terra. Já vi meu pai sofrê e meus avôs contarem as
histórias das lutas e agora estou vendo acontecer. Perdemos um irmão,
estamos sendo ameaçados pelos brancos que querem voltar pra
Mirandela (...) a luta vão continuar. (Trecho dos depoimentos dos
índios Kiriri de Mirandela, p.12 Dokanaí, Salvador – Bahia. 2000)
Neste depoimento é possível observar a relação com um passado de luta dos
índios que viveram em Mirandela, mas já faleceram. Continuar lutando para honrar os
Kiriri mais velhos é também um motivo para manutenção dos conflitos. A narrativa do
índio José Paulo aponta o histórico da luta dos Kiriri, além disso, percebe-se que os
28
conflitos pela posse da terra significavam uma forma de defesa da história, dos
costumes, da cultura e dos modos de vida deste grupo. A afirmação de que a luta vai
continuar revela a disposição para permanecer na defesa de suas terras e da preservação
de seus direitos. Em depoimento, outro índio, José Kiriri, discorre sobre sua relação
com a luta pela terra.
Meu nome é José Kiriri. Eu nasci na luta. Reconheço que sou um
índio Kiriri, nascido e criado no meu torrão herança dos meus
antepassados. Os posseiros, aqui no meio da gente, destruíram as
nossas reservas, espantaram as nossas caças, e acabaram com nossas
ervas medicinais e agora querem destruir Mirandela. Mas nós
resistimos. (Trecho dos depoimentos dos índios Kiriri e do chefe do PI
de Mirandela. Pag.12. Dokanaí, Salvador – Bahia. 2000).
Este depoimento reafirma a presença da luta na história dos Kiriri e demonstra
também o reconhecimento da identidade e a reverência aos antepassados, de forma
respeitosa. A narrativa também deixa transparecer a relação que os Kiriri mantêm com a
natureza, as matas, os rios, animais e as serras e como estes são sagrados para o grupo, e
são destruídos com a presença do não índio.
Os diversos elementos, como os símbolos, a economia, a organização social que
nutrem os conflitos entre os Kiriri e não índios estão relacionados com a construção
étnica do grupo. Segundo Streiff Fenart e Poutgnat (1998), a etnicidade pode ser
definida como um conjunto de atributos ou fatores como língua, religião e costumes,
que além de funcionar como um mecanismo de mobilização e conquistas políticas,
econômicas, sociais e culturais. Nas análises de Gordon (1964), a etnicidade é um
elemento de organização para os mais variados grupos, e considera os sistemas
políticos, econômicos, culturais e simbólicos fundamentais neste processo.
A consciência de elementos comuns na formação do grupo étnico permite a
adoção de uma identidade e consciência coletiva baseada na relação entre fatores
comuns ao grupo, como a cultura, os costumes, os antepassados, as formas de vivência,
o local de origem e a terra em que vivem ou viveram seus parentes. (BRANDÃO,
1986).
A etnicidade caracteriza-se não só por uma coleção de elementos simbólicos
para definir um grupo étnico, mas apresenta-se em constante movimento, assimilando,
quando possível, novos símbolos e significados, reinventando-se de forma dinâmica.
(CUNHA, 2009). Os indígenas, durante o processo histórico da formação territorial do
29
Brasil, foram submetidos a procedimentos constantes de adequação cultural em que
novos elementos foram inseridos em seu cotidiano. A religião é um exemplo marcante
deste contexto. A catequização de índios no Brasil foi uma estratégia comum, uma vez
que combatia outras práticas religiosas, ao passo que promovia a expañsáo da fé cristã
(católica)7, exemplo disso são as muitas igrejas construídas em vilarejos e aldeias já
reconhecidas como indígenas. Além do mais, diversos grupos, inclusive parte dos Kiriri,
ainda mantêm algum tipo de referência a está religião realizando rituais sagrados
sempre em frente à igreja católica no centro da vila Mirandela8.
Segundo Cunha (2009), a assimilação e a reconstrução cultural auxiliam na
definição da etnicidade, além de representarem estratégias de afirmação e/ou resistência.
Nesse sentido, é válido considerar que o Kiriri quando adotaram a religiosidade católica
conseguiram apoio de autoridades religiosas da época que contribuíram para a definição
da posse das terras9. Comprova-se, portanto, o dinamismo na construção da etnicidade,
que permite a introdução de novos elementos, que no caso Kiriri, foram utilizados como
estratégias de resistência.
Streiff-Fernart e Poutignat (1998) direcionam esta discussão para o campo
político. Segundo estes autores, a etnicidade atua como uma forma de comunicação e
favorece as relações de solidariedade do grupo fazendo com que este se perceba como
grupo étnico específico, mas em condições de introduzir novos elementos políticos ou
culturais, desde que estes sejam para sua defesa e contribuam para manter a organização
interna. Contudo, os autores apontam que a etnicidade é uma rede entre indivíduos que
se fortalece em momentos de conflitos na defesa dos interesses comuns ao grupo. É uma
forma de reunir elementos externos ao grupo, também como formas de resistência,
defesa e reconstrução social e cultural de determinado povo.
No caso Kiriri, muitos elementos comuns ao grupo foram recriados como
estratégias durante o processo de retomada das terras. Podem-se elencar aqui dois
exemplos de utilização de elementos pertencentes à etnicidade do grupo que foram
bastante cultivados durante a luta, são eles: o ritual do Toré, reinventado com o auxílio
7 Para mais detalhes desta discussão ver SANTOS. Fabrício Lyrio. Catequese e Povos Indígenas na Bahia
colonial. In: SANTOS. Fabrício Lyrio.(org). Os índios na História da Bahia.EDUFRB. Cruz das
Almas.2016. 8 O último capítulo desta pesquisa trata-se de forma mais detalhada a respeito da religiosidade indígena.
9 Sobre esta contribuição religiosa para a definição e legalização da posse das terras Kiriri discute-se
melhor no capitulo II deste relatório.
30
do grupo Tuxá10
, como forma de reunir o grupo, além de apresentar fatores culturais do
grupo Kiriri que ainda poderiam ser cultivadas naquelas terras; e as roças coletivas, as
quais se configuram também como uma estratégia de fortalecer o grupo e apresentar a
produtividade das terras em questão. Estas medidas reafirmaram a identidade étnica do
grupo e atuaram como estratégias para a retomada definitiva das terras.
4. Sobre os índios no Nordeste e formação do grupo Kiriri
A região Nordeste do Brasil, especialmente a Bahia, foi uma das primeiras
regiões a serem incorporadas à administração do sistema colonial, ainda no século XVI.
Este sistema foi notadamente marcado por modos distintos de povoamento e
exploração: no litoral desenvolveram-se principalmente as plantações e engenhos de
açúcar e no sertão as fazendas de gado. A formação do estado brasileiro passou por
diversas fases, e os grupos indígenas estavam de alguma forma sempre presente neste
contexto, primeiramente servindo como mão-de-obra para a exploração das terras, em
outros momentos sendo catequisados na perspectiva religiosa, porém visando um
controle apresentando aos povos indigenas novas formas de vida, costumes, tradições.
Este processo de catequização, assim como a exploração da mão-de-obra indígena
contribuiram para a dispersão de muitos povos.
Em meados do século XIX foram criadas algumas leis com objetivo de defender
os índios, mas que os submetia a tutela dos jesuítas. De fato, estas leis funcionavam
muito mais como uma forma de controlar estes grupos do que protegê-los.
O projeto de civilização imposto aos índios também tinha por objetivo alcançar a
posse das terras. As medidas de proteção dos povos indígenas, dentro deste processo
civilizatório instiuiu-se, já no século XIX, as Leis de Terras. Esta lei trouxe muitos
prejuízos aos povos indígenas, pois não tinham documentos de suas terras e foram
desapropriados em favor de grandes latifundiários que estavam contribuindo para o
projeto de formação do estado nacional brasileiro. Foram poucos os casos em que o
estado concedeu posse a determinados grupos de índios. Em algumas províncias ocorreu
o reconhecimento das terras como propriedade indígena, e alguns órgãos como o
Ministério da Agricultura responsável pelas políticas de defesa dos índios,
reivindicavam a posse da terra para estes. Fato muito raro, que não impediu a extinção
10
Este aspecto também será abordado no último capítulo desta pesquisa.
31
de vários grupos e instalação definitiva de grandes latifúndios para o desenvolvimento
do estado brasileiro. (GOMES, 1991).
Carvalho (2001) discute a questão da legalização das terras indígenas e aponta
que em 1755 as mais populosas aldeias indígenas foram elevadas à condição de vilas e
os religiosos afastados da sua administração. Neste mesmo período é formulado o
chamado Diretório Pombalino, promulgado em 1757 em algumas regiões do país e
expandido para todo o território em 1758. Nesse documento, mais de 95 artigos tratava
dos tipos de relações estabelecidas entre o governo e os povos indígenas incluindo as
questões de trabalho e de terras indígenas. Este Diretório, não obstante revogado em
1798, permaneceu (extra) oficialmente em vigor até 1845, quando foi promulgado o
Regimento das Missões 11
.
Somente em 1850 a Lei de Terras determinou os registros de propriedade de
terras devolutas oficiais que poderiam ser negociadas por senhores de engenho no litoral
ou fazendeiros no interior e no sertão. Estas invasões “legalizadas” acabavam por
determinar a nova conjuntura geográfica e territorial do nordeste brasileiro.
(OLIVEIRA, 2001).
Com o avanço do projeto de formação de um estado nacional brasileiro
fortalecido e civilizado, os povos indígenas foram expropriados de suas terras e
submetidos a tal projeto. Com o fim do sistema imperial e a instalação da república
adotava-se um novo modelo de governo, novas propostas e projetos de integração das
terras para o desenvolvimento, que afetavam diretamente as populações indígenas, ou
seja, mais uma vez os índios foram empurrados e espalhados pelo território nacional
recém-constituído, sendo obrigados a desfazer seus vínculos culturais e simbólicos
cultivados em seus lugares de origem, que a esta altura não os pertenciam mais.
Nesse sentido, os grupos indígenas, das formas mais variadas, iniciam um
movimento de reintegração da posse de terras que são para eles sagradas. Estes
diferentes grupos, em diversos momentos, sofrerem com o mesmo projeto colonizador e
posteriormente com projetos de modernização e civilização impostos pelos sistemas que
seguiram, e enfrentaram muitas dificuldades para preservar características e hábitos
tradicionais. Todas as medidas adotadas para a formação de um estado brasileiro
11
Para mais detalhes sobre o Diretório Pombalino ver CUNHA, Manuela Carneiro da Legislação
Indigenista no século XIX. Edusp, Comissão Pró-Índio de São Paulo, São Paulo, 1992.
32
contribuíram para uma série de prejuízos culturais de grupos indígenas que habitavam
todo o território brasileiro.
Estes povos, ao longo da história, reivindicaram a posse de suas terras, seu lugar
de viver e de conviver. A posse da terra não é apenas uma questão de manutenção
material, mas de sobrevivência de crenças e costumes. A relação entre índio e terra é o
convívio com um habitat natural que faz parte do próprio sujeito (REESINK, 2011). O
conflito pela terra, que atravessou os séculos da história dos grupos indígenas na Bahia,
não está alicerçado apenas nas questões materiais de sobrevivência, os elementos
simbólicos aparecem de forma bem latente nesse processo.
A luta está baseada na permanência e continuidade de processos históricos,
intimamente ligados à manutenção dos índios em seu lugar de origem. Neste contexto
também, é que se observa a instalação de um processo de territorialização, considerando
que ainda no período colonial estes índios já demonstravam a necessidade da criação e
manutenção do seu território. Vale acrescentar que o fator conflito é comum dentro do
processo de territorialização, no que diz respeito a grupos indígenas, é um marco
permanente na formação territorial destes grupos. (OLIVEIRA, 1988).
Vale destacar que estes grupos indígenas não constituem um conjunto
homogêneo, divergem de uma região para outra, e também em uma mesma região pode
haver grupos distintos. Estas diferenças apontam para a organização das dinâmicas em
cada grupo, considerando a existência e assimilação de outras influências culturais.
Nesse sentido, a lógica sociocultural destes povos é complexa e ao mesmo tempo
flexível às incorporações que vão desde os elementos da cultura grupal até a sua ordem
sociopolítica e econômica. (RAMOS, 1988).
A Bahia, por exemplo, no que diz respeito a povos indígenas, conta com uma
variação de grupos tanto nas questões culturais como nas questões regionais. Do litoral
ao sertão, as comunidades indígenas buscaram manter-se em seus espaços, conservando
seus costumes e modos de viver. Estes grupos, desde a implantação do projeto
colonizador, registram na sua trajetória de conflitos com os não índios. Tais conflitos
são também resultados do processo de disputa pela posse e manutenção de terras, os
quais ocorrem desde o início da formação do estado brasileiro. Ainda na Bahia, durante
alguns séculos, estes conflitos foram mais constantes na região litorânea (CARVALHO,
2001), mas com o passar do tempo e com a colonização e expansão territorial, as frentes
de criação de gado e o estabelecimento dos grandes latifúndios, estes conflitos se
33
expandiram para o sertão baiano. Esse fato está associado, também as mudanças de
sistemas políticos adotados no Brasil. Com a instalação da república, na região nordeste,
por exemplo, foram instaladas grandes fazendas de gado que empurravam os povos
indígenas para fora da região.
As motivações trazidas pelos povos indígenas no que se refere à permanência e
posse das terras não estão associadas apenas ao recurso natural, mas também às
questões socioculturais. Permanecer nas terras que antes eram ocupadas por seus
antepassados significa manter os costumes e a base cultural do grupo. (RAMOS, 1998)
Séculos após o início da colonização, mesmo com a extinção de muitos grupos
indígenas, o censo do IBGE (2010), informa que a Bahia conta com uma população
indígena que ultrapassa os 60 mil indivíduos, e muitos grupos ainda vivem situações
territoriais indefinidas e um contexto de conflitos. Dentro dessa realidade são
reinventadas tradições, estabelecidas estratégias de guerra, ao mesmo tempo em que se
recorre à legislação, aos decretos, as leis, aos juízes e aos políticos, tudo em prol da
legalização da posse da terra.
Considerando o histórico de resistência, reivindicação e conflitos em terras
indígenas, na Bahia, especialmente, é que este trabalho mantém sua atenção no grupo
Indígena Kiriri, habitantes do município de Banzaê, ao norte do estado da Bahia.
Objetivou-se tratar do processo de demarcação das terras Kiriri que se iniciou em 1970
sendo finalizado apenas no final da década de 1990, além deste movimento, foi alvo do
trabalho o tratamento das questões referentes à reorganização social e política do grupo
Kiriri, observando a existência de conflitos internos mais recentes que são responsáveis
pela nova realidade da vila de Mirandela e que ainda trazem em seu contexto heranças
das disputas instaladas nos séculos passados.
4.1Quem são os Kiriri de Mirandela
Os índios Kiriri são um ramo dos chamados Kariri, que contava com vários
grupos espalhados pelo interior de alguns estados do Nordeste incluindo, Ceará,
Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Bahia (BANDEIRA, 1972). Na Bahia, estes grupos,
obedecendo ao sistema de organização colonial, foram reduzidos a quatro núcleos (mais
achegados ao sertão que ao litoral), a saber: Saco dos Morcegos (atual Terra Kiriri),
34
Canabrava (atual município de Ribeira do Pombal), Natuba (atual município de Nova
Soure) e Geru (estado de Sergipe).
Assim, como em quase todo Brasil, esta organização provocou uma redução no
número de grupos indígenas espalhados na região, agrupando-os em pequenos núcleos.
O sistema de ajuntamento tinha por objetivo reunir as populações indígenas que
estavam espalhadas por grande parte do Nordeste, este sistema facilitaria a
administração colonial, uma vez que a parcela de terra ocupada pelos índios diminuiria,
proporcionando aos administradores a transferência destas para os não índios. O
ajuntamento foi mais uma estratégia para a ocupação definitiva das terras indígenas.
Em meados do século XVIII, as aldeias foram transformadas em vilas. A missão
Saco dos Morcegos passou a ser conhecida como Vila Mirandela. Ao longo do século
XIX a situação dos Kiriri agravou-se consideravelmente. Os não índios permaneceram
em um devastador processo de invasão das terras indígena e o pároco que substituiu os
jesuítas na vila Mirandela enviou cartas ao Presidente da Província da Bahia, no ano de
1884, relatando a intensa ocupação. Em uma destas cartas o pároco trata das invasões
das terras indígenas.
Por isso o terreno dê, graças a uma doação régia, se achavam eles de
posse desde longos anos, tem sido horrivelmente devastado, suas
matas quase não existem mais, e acabo de saber que até uma parte
dele há sido vendida por alguns indivíduos (Boletim. nº 16/17, janeiro
a novembro 1995. Arquivo ANAÍ).
No trecho da carta enviada pelo pároco fica evidente a participação religiosa que
acompanhou a história dos Kiriri e destaca como as terras, cedidas através de doação
régia para os índios, estavam sendo devastada e apropriada por não índios. O
desrespeito às leis e a constante invasão das terras definiu durante muito tempo a
divisão fundiária da região que acabava por beneficiar não dos latifundiários criadores
de gado, assim como pequenos camponeses e agricultores regionais, em detrimento dos
índios Kiriri.
No contexto de disputas e desigualdades que se instalou na região Nordeste, e
especialmente no sertão baiano, e com a intensidade das invasões das terras, os índios
Kiriri migraram para o arraial de Canudos, onde estava concentrado um grupo de
pequenos trabalhadores rurais, sob a liderança de Antônio Conselheiro. Estas pessoas
organizavam-se em um pequeno povoado com a finalidade de resistir aos desmandos e
35
imposições de grandes coronéis que dominavam a região, sob os pequenos produtores,
trabalhadores rurais de ganho e os pequenos grupos indígenas que ainda existiam na
região. (OLIVEIRA, 1990)
No ano de 1897, com o fim da guerra de Canudos, os índios Kiriri retornaram a
sua terra localizada nos atuais municípios de Banzaê e Ribeira do Pombal. Contudo,
ainda muito dispersos, tentavam a reinvenção e a valorização das tradições e dos
costumes dos indígenas como uma estratégia política para permanecerem unidos e em
busca da definição legal para a posse das terras.
Em 1910, os Kiriri ainda estavam dispersos por suas terras, muitos deles
servindo de força de trabalho para as fazendas, outros sobreviviam de pequenas
lavouras. Neste mesmo ano foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) que tinha
por finalidade defender os interesses dos grupos indígenas. Em 1949, foi construído um
posto do Serviço de Proteção ao Índio na vila Mirandela, tal feito significou para os
Kiriri o reconhecimento por parte do Estado da sua condição de índio e da necessidade
de proteção apresentada pelos índios desde o seu retorno após a guerra em Canudos.
Assim, a instalação deste posto tinha como proposta inibir/coibir as constantes invasões
das terras Kiriri.
Entretanto, a criação do posto não apresentou uma mudança significativa na
realidade instalada na aldeia, pois o número de posseiros residindo na vila e nos
arredores ainda era bastante expressivo. Em Mirandela, estes posseiros haviam
construído uma estrutura física com pequenas casas de alvenaria, algumas com
eletricidade, pequenas roças e criações. Um pequeno grupo de fazendeiros também
permanecia na região controlando a exploração dos recursos naturais e utilização da
mão-de-obra indígena, enquanto os Kiriri encontravam-se acampados às voltas de
Mirandela em condições precárias.
Durante a década de 1960, o Serviço de Proteção ao Índio foi substituído pela
Fundação Nacional do Índio – FUNAI - órgão indigenista oficial criado para promover
a segurança e implantação dos direitos dos povos indígenas de todo o território
nacional. A instalação da FUNAI e a adequação ao Posto de Mirandela não representou
mudanças imediatas, os desmandos e apropriações indevidas cometidas por não índios
permaneciam, ao passo que as demandas indígenas continuavam negligenciadas.
Contudo, a criação desta fundação, através da adoção de políticas de assistência aos
índios, alertou os Kiriri a respeito de seus direitos, fato que incentivou a mobilização e
36
união do grupo em busca da delimitação oficial de suas terras e expulsão definitiva dos
não índios que estavam em Mirandela.
Na segunda metade da década de 1960, a FUNAI apresentava aparente falência
em suas medidas protetoras. Os índios ainda sofriam com a inoperância do órgão e com
as constantes invasões. Além desta situação, os Kiriri estavam dispersos e enfrentavam
a pouca organização, estavam sem lideranças definidas e imersos em uma realidade
onde o alcoolismo representava quase que uma praga, dificultando ainda mais a
mobilização do grupo. Essa situação favoreceu o surgimento de conflitos internos e
disputas entre os núcleos indígenas. A realidade Kiriri, carecia urgente de uma
organização política de mobilização, sem a qual seria muito difícil reverter o quadro da
ocupação das terras pelos posseiros. (BRASILEIRO; SAMPAIO, 2012).
A partir de 1970, com o significativo crescimento de organizações e movimentos
em defesa das questões dos povos indígenas, a exemplo, da criação do Conselho
Indigenista Missionário – CIMI - que tinha por missão apoiar estes grupos em suas lutas
políticas e reconhecimento de suas terras. O CIMI liderou a organização de assembleias
e reuniões com diversos grupos indígenas espalhados por todo o país. Este período
representou um novo momento para a história dos índios no Brasil, marcado por um
significativo aumento na articulação dos movimentos indigenistas que se espalhou por
todo o Brasil. (CUNHA, 1994).
Além do CIMI, outras instituições se dedicaram a pesquisa e defesa das questões
indígenas, a exemplo do Programa de Pesquisas sobre os Povos Indígenas do Nordeste
Brasileiro (PINEB) ligado ao Departamento de Antropologia e Etnologia e no Programa
de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Bahia-UFBA. Este
programa iniciou seus trabalhos com o povo indígena Pataxó de Barra Velha de Porto
Seguro na Bahia, no ano de 1971, sob a orientação do Professor Pedro Agostinho da
Silva. A partir de então o programa desempenhou fundamental papel em defesa das
questões indígenas através da contribuição e pesquisas de diversos outros
professores/pesquisadores dedicados à causa indigenista, especialmente na Bahia12
.
A Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ), criada em 1982, é uma
organização sem fins lucrativos e tinha como principal objetivo promover discussões e
formas alternativas para construir relações mais justas e harmoniosas entre a sociedade
brasileira e os povos indígenas no país. Vale destacar que a ANAÌ, sobretudo os
12
Para mais informações acessar: http://www.pineb.ffch.ufba.br
37
pesquisadores da Bahia, se dedicaram as questões específicas dos Kiriri, intervindo nos
processos de reorganização deste grupo e ao mesmo tempo realizando pesquisas e
estudos que hoje servem de suporte para analisar e entender as questões históricas que
marcam este grupo.
Os Kiriri também foram alcançados pelo visível crescimento do movimento
indígena nacional, que se fortaleceu numa realidade de inoperância da FUNAI, nas mais
diversas regiões do país, fato que paralisava a resolução de processos de demarcação, e
nesse contexto o grupo Kiriri se empenhou para organizar-se politicamente, visando
articular o grupo para o início da luta pela demarcação oficial das terras e uma das
primeiras medidas estratégicas para isso foi a escolha de um líder para o grupo.
(BRASILEIRO; SAMPAIO, 2012).
Em 1972, o índio Lázaro Gonzaga foi escolhido como cacique pelo grupo que
estava se formando para reivindicar a posse da terra. Esta escolha considerou a questão
religiosa e política. Vale destacar que o novo cacique assumiu em um contexto em que a
disputa pela terra já se instalava e envolvia índios, fazendeiros, posseiros e
representantes da FUNAI. A escolha do novo cacique sofreu uma influência dos chefes
da FUNAI da época que acreditavam que Lázaro Gonzaga seria o mais adequado para a
instalação deste novo projeto que se estabelecia nas terras Kiriri13
.
A definição do novo líder contou também com influências religiosas, pois desde
o início da década de 1960, missionários da religião Baha’i, percorriam as terras Kiriri,
e influenciavam o grupo, que até então estava carente de relacionamento com
instituições religiosas que apoiassem sua causa. Nesse sentido, os kiriri estabeleceram
uma relação de trocas de interesses com os Baha’i, e aprenderam com eles novas
estratégias políticas como organização de assembleias, trabalhos coletivos e formas de
negociação com o poder público. (BRASILEIRO; SAMPAIO, 2012).
Segundo o professor José Augusto Laranjeira Sampaio,14
o índio Lázaro
Gonzaga assumiu como cacique em 1972 dentro de um projeto político definido
13
Dado fornecido pelo Professor José Augusto Laranjeiras através de entrevista realizada na cidade de
Salvador/BA, em 09 de outubro de 2015. O conteúdo dessa entrevista foi utilizado em diversos momentos
nesse trabalho. 14
José Augusto Laranjeiras Sampaio é professor da Universidade do Estadul da Bahia, (UNEB), é
Pesquisador Associado do Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro - UFBA.
Autor de diversos textos e pesquisas relacionados com o grupo Kiriri, atualmente desevolve trabalhos
com os Kiriri. Estes dados foram coletados através de entrevista realizada na cidade de Salvador/BA, em
09 de outubro de 2015. O conteúdo dessa entrevista foi utilizado em diversos momentos nesse trabalho.
38
estimulado pelo chefe de posto da FUNAI, na época. Em certa medida, a liderança de
Lázaro trouxe um centralismo político, pouco questionado nos momentos iniciais da
reconquista da terra, mas que posteriormente contribuiu para a fragmentação e
surgimento de facções do grupo. Desde que assumiu como cacique, Lázaro explicitou
sua postura e decisão de reconquista em relação à terra indígena Kiriri e como pretendia
avivar a aldeia e seu grupo, mudar os rumos de uma história marcada pelo extermínio
dos índios. Sob a nova liderança, os Kiriri levantaram sua bandeira de luta firmando sua
postura em relação a FUNAI, exigindo a demarcação das suas terras. (DPGS, 2004)
Por volta do ano de 1985, Lázaro juntamente com seus companheiros,
começaram a fazer suas próprias demarcações, abrindo picadas e delimitando marcos
nos arredores das terras que consideravam ser suas originalmente. Estas medidas
repercutiram de forma positiva em meio ao grupo afirmando a seriedade do movimento
de reconquista das terras iniciado na década anterior. Ainda em meio às articulações e
iniciativas, o cacique Lázaro entrou em contato com outro grupo indígena da região, os
Tuxás que habitavam o município de Rodelas, vizinho ao município de Banzaê também
na região norte da Bahia, para a reinvenção do ritual do Toré. O objetivo na busca do
ritual era revitalizar as tradições do grupo Kiriri em defesa de uma identidade coletiva,
também utilizada como estratégia política a favor da luta pela demarcação oficial.
Estas medidas foram fundamentais para o andamento do processo de
demarcação e para a concretização do mesmo. Vale destacar o impacto causado pela
iniciativa dos Kiriri em fazer suas próprias demarcações, fato que chamou atenção tanto
dos posseiros como de políticos da região que não estavam dando muita credibilidade
ao movimento dos índios. Nesse contexto, destacam-se ainda as diferenças político-
ideológicas entre os representantes políticos de Ribeira do Pombal15
com o então
governador do estado, Antônio Carlos Magalhães. Esta rivalidade política contribuiu
para o andamento do processo de demarcação das terras indígenas que foi acelerado
como forma de represália do governo do estado para com a prefeitura de Ribeira do
Pombal.
A ação do governo do estado desagradou aos políticos da região, mas favoreceu
os Kiriri e destacou o desempenho do cacique Lázaro, que a partir de então ganhou mais
força política em meio ao grupo, sendo visto como um líder combativo.
15
Nesse período as terras dos Kiriri ainda pertenciam ao município de Ribeira do Pombal, pois ainda não
havia sido criado o município de Banzaê.
39
Apesar dos avanços e conquistas, surgiram algumas divergências em relação às
medidas de retomada e demarcação da terra. Depois de demarcada a terra, o próximo
passo era a retirada dos posseiros e ocupação das regiões de tabuleiros, como a Baixa da
Catuaba que ficava entre Mirandela e o Poço que não estavam sob o domínio dos Kiriri
e também não desenvolviam nenhum tipo de agricultura. Naquela conjuntura era
fundamental que estes espaços fossem ocupados. Desse modo, o cacique Lázaro optou
pela introdução das roças comunitárias, com a produção de mandioca e com cajueiro.
Nesse contexto, Lázaro adotou uma política centralizadora que foi desgastada
com o passar dos anos, e este fato gerou o descontentamento de parte do grupo que
estava espalhado no território. A partir daí os Kiriri iniciam um movimento de divisões
internas, formam-se facções pelos povoados, evidenciando as divergências políticas do
grupo. Estes episódios acabaram por atrasar o processo de demarcação, uma vez que os
próprios Kiriri estavam divididos e desarticulados.
4.2. O conflito entre Kiriri
As divergências entre os Kiriri se acirraram significativamente a partir de 1981,
quando a FUNAI iniciou o processo de estudos para a demarcação das terras. Aos
poucos os Kiriri foram ocupando alguns povoados como Sacão, Lagoa Grande, Baixa
da Cangalha, Cacimba Seca e Canta Galo, com objetivo de bloquear o avanço dos
posseiros. Há que se destacar que as terras ocupadas pelos posseiros nesse período eram
de pouca produtividade. Nos terrenos mais planos (os tabuleiros)16
foram implantadas
as roças comunitárias com extensas plantações de mandioca e cajueiro.
Para a manutenção dessas roças os membros do grupo ou povoado tinham de
trabalhar pelo menos dois dias nessas lavouras, e os lucros gerados eram repassados à
liderança para custear as viagens e despesas na luta pela terra. Ocorreu que o uso dos
lucros foi questionado por alguns membros, pois se desconfiava que os resultados das
plantações estivessem sendo desviados para conselheiros e para o próprio Lázaro. As
medidas adotadas pelo líder foram bem sucedidas no que diz respeito à retomada das
16
Grande extensão de terras apropriadas para o desenvolvimento de diversas plantações.
40
terras e retiradas dos posseiros, contudo o centralismo das decisões gerou uma
instabilidade no grupo provocando um processo de divisão entre os Kiriri17
.
A política de Lázaro tendia a centralização do poder de decisão no grupo, fato
que tencionava ainda mais os conflitos. As exigências impostas pelo cacique, como a
obrigatoriedade de prestar dias de trabalho nas roças coletivas, a perseguição ao uso de
bebidas alcóolicas em terra Kiriri, além das represálias aos que mantinham algum tipo
de relação de trabalho com posseiros, constituíam seu plano de unidade para o grupo,
porém geraram a insatisfação de muitos índios em alguns núcleos18
. O cacique deu
continuidade a seu projeto de unidade e implantou uma política batizada como “coador”
que determinava, basicamente, que quem não dedicasse um ou dois dias de trabalho na
roça coletiva, quem mantivesse relações de trabalho com não índios ou bebesse cachaça
seria expulso das terras19
.
No final da década de 1980, os grupos dos povoados de Canta Galo e da Baixa
da Cangalha resolveram conjuntamente eleger outro cacique, pois não apoiavam a
postura política de Lázaro. Nesse contexto, o índio Niel, morador da Baixa do Juá,
pequeno núcleo da Baixa da Cangalha, foi eleito como novo cacique, fato que acentuou
ainda mais os conflitos.
A eleição de Niel provocou uma divisão territorial entre os índios, a qual
assumiu a seguinte forma: de um lado os povoados de Baixa da Cangalha, Lagoa
Grande, e Canta Galo ficaram sob a liderança de Niel; de outro lado os povoados do
Sacão, Cacimba Seca, parte da Lagoa Grande e Mirandela mantiveram Lázaro como
líder. A partir daí os conflitos entre os Kiriri tornaram-se mais intensos e esta situação
atrasou a demarcação e reconhecimento da terra.
Segundo o depoimento do professor José Augusto, tais conflitos foram, em
alguns momentos, violentos. O cacique Lázaro não admitia a autonomia do outro grupo,
entendendo-se como líder único, ameaçando expulsar aqueles que não estivessem de
acordo com sua política, com isso criou uma espécie de elite militar responsável por
rondas nos povoados para efetivar a política do coador e expulsar das terras indígenas
aqueles que não acatassem suas determinações.
17
Entrevista realizada com o Professor José Augusto Laranjeiras Sampaio em Salvador/BA, no dia 09 de
outubro de 2015. 18
Os núcleos eram pequenas aglomerações dentro de povoados maiores pertencentes à terra Kiriri. 19
BRASILEIRO, Sheila. A organização política e o processo faccional no povo indígena Kiriri. 1996. Nº
de pág.250. Dissertação de Mestrado. Salvador. UFBA. 1996.
41
Vale destacar que a política do cacique Lázaro era muito centralizadora, e em
alguns momentos radical, mas garantiu ganhos para o grupo Kiriri forçando o
reconhecimento e a demarcação definitiva das terras. Em 1983, por exemplo, o grupo
liderado por Lázaro ocupou a Fazenda Picos, a maior da região e de propriedade do
senhor Artur Miranda20
, permaneceu por lá até a FUNAI indenizar o fazendeiro. Em
seguida houve a ocupação da fazenda de Raul Nobre21
, na Baixa da Cangalha. As
estratégias de ocupação mantidas pelo cacique Lázaro foram bem-sucedidas e geraram
credibilidade para a luta indígena frente ao governo do estado já no final dos anos
198022
.
De fato, a estratégia de demarcação e expulsão dos não índios e o apoio do
governo do estado trouxeram vitórias para os Kiriri, mas tudo isso teve um preço: gerou
o faccionalismo Kiriri, acentuando ainda mais a realidade de conflito nas terras
indígenas, como informa o professor José Augusto Laranjeira Sampaio. Em sua
entrevista, destacou que a estratégia de demarcação e expulsão dos não índios e o apoio
do governo do estado trouxeram vitórias para os Kiriri, contudo os índios vivenciaram o
centralismo político econômico dentro do grupo, e esse foi um dos motivos que gerou o
faccionalismo kiriri, acentuando ainda mais a realidade de conflito nas terras indígenas.
A instalação dos conflitos fez com que alguns grupos começassem a intervir,
com destaque, para um grupo de freiras da cidade de Cícero Dantas23
, que dividiam seu
apoio entre os posseiros e os índios liderados pelo cacique Niel. Estas freiras
desenvolviam pequenos projetos com os posseiros financiando a compra de máquinas
para produção de farinha e pequenas lavouras, mas também apoiavam os índios de dois
povoados, pertencentes à terra indígena, eram eles Marcação e Araçás com projetos de
escolas e educação influenciando-os a conviver pacificamente com os não índios. O
grupo de freiras de Cícero Dantas também estava dividido quanto ao apoio na situação
de conflito presente na aldeia. De um lado, a freira Lúcia apoiava a política do cacique
Lázaro e consequentemente, a expulsão dos posseiros definitivamente das terras Kiriri;
20
Influente fazendeiro da cidade de Tucano que mantinha sua fazenda com trabalho de posseiros e mão
de obra indígena. 21
Fazendeiro de grande influência na região de Ribeira do Pombal e Tucano. 22
Nesse período o governador do Estado era Waldir Pires do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB). 23
Município baiano membro da microrregião de Microrregião de Ribeira do Pombal (Nordeste do estado
brasileiro da Bahia).
42
e do outro lado, havia o posicionamento da freira Gabriela que defendia o convívio
pacífico entre índios e não índios.
O depoimento de José Augusto L. Sampaio elucida que a participação do grupo
de freiras de Cícero Dantas gerou mais tensão nos conflitos entre os Kiriri. Em meados
da década de 1990, depois de muitos desentendimentos com o grupo de Lázaro e as
ameaças de expulsão das terras, Niel deixou de ser cacique e Manoel Batista, que já
atuava junto com Niel, assumiu como novo cacique com algumas interrupções entre os
anos de 1991 até 1994, até consolidar-se definitivamente como liderança mais
expressiva em meio aos conflitos. A partir daí os Kiriri assumiram uma realidade de
conflito interno e de disputas entre as lideranças dos povoados. O grupo de Lázaro,
nesse período, já ocupava a vila de Mirandela, ocupação ocorrida após um longo
período de chuvas que atingiram o núcleo do Sacão. Neste núcleo estavam instaladas
muitas famílias indígenas, que viviam do trabalho de ganho, pequenas roças e criações.
Com as casas destruídas pelas chuvas, foi necessário a reconstrução das mesmas,
contudo na época esse processo foi realizado em Mirandela. Em seguida, o grupo de
Lázaro ocupou o núcleo de Gado Velhaco, localizado na entrada de Mirandela, e
avançou mais um pouco chegando ao povoado de Marcação. Esta última ocupação
promoveu no grupo de Manoel o sentimento de aprisionamento dentro das próprias
terras, conjuntamente com as ameaças de Lázaro em expulsá-los do território, assim a
situação ficou ainda mais complicada.
O cacique Lázaro contava com apoio do governador da época, Waldir Pires, que
autorizou o pagamento das indenizações e retirada dos não índios da terra. Tal
influência política impactava o grupo de Manoel, o qual na tentativa de reverter à
situação rompeu com o apoio das freiras de Cícero Dantas, que propagavam uma
política de aceitação dos posseiros, e passou a se instalar nas áreas onde os não índios
estavam. Dessa forma, o grupo de Manoel ocupou o povoado de Araçás e parte da
Baixa da Cangalha. Estas medidas adotadas por Manoel acirrou ainda mais os
confrontos, exigindo inclusive a participação da Polícia Federal na área.
Em 1996, houve o enfrentamento dos grupos pelo controle das terras na Lagoa
Grande, povoado dentro dos limites da terra indígena. Os conflitos entre as duas
facções ocorreram motivados pelo controle e acesso às terras do povoado.
Anteriormente, no ano de 1995, a FUNAI interviu nos conflitos, mas esta ação agravou
ainda mais a divisão dentro da aldeia Kiriri. No fragmento extraído do Diagnóstico
43
Socioambiental (2004), realizado pela ANAÍ percebe-se como se deu a participação da
FUNAI, neste ocorrido:
A facção liderada por Lázaro Gonzaga ocupa Mirandela; a escalada de
violência é sustada pela presença massiva de agentes da Polícia
Federal; [...] A facção liderada pelo jovem Manuel Cristovão Batista
padece nas “procissões aos gabinetes” da FUNAI, de Brasília e A E R/
Paulo Afonso, encetando esforços pela liberação de recursos para a
indenização dos posseiros. Enquanto isso, prepostos da FUNAI
regional, na aldeia e no calor dos conflitos, inculcaram nos índios
componentes da facção liderada por Lázaro que a facção contrária não
teria direito às terras (indenizadas e lideradas pelos posseiros) por não
ter lutado “para (re) conquistá-las”. (DPGS, 2004, p. 47).
Neste fragmento, as distintas formas de luta adotadas por cada um dos grupos
são evidenciadas. De um lado o cacique Manoel, buscando entendimento com os órgãos
responsáveis; de outro lado, o cacique Lázaro, centralizando as decisões e impondo a
retirada imediata dos posseiros e o corte de relações com estes. Destaca-se ainda a
participação da FUNAI, que deveria atuar para promoção da solução do problema, mas,
ao que parece, não adotou essa prática e incentivou a rivalidade entre os grupos. Vale
destacar que, alguns representantes da FUNAI desde os anos de 1970, quando iniciou a
luta pela demarcação das terras, já mantinham uma relação de interesses políticos com o
cacique Lázaro e por esse motivo, negligenciavam os conflitos internos ao grupo. Na
década de 1990, pesquisadores ligados a ANAÍ, que visitaram a terra indígena Kiriri,
relataram as impressões acerca dos conflitos entre os grupos de Manoel e Lázaro,
ratificando mais uma vez como influências externas contribuíam para inflamar a relação
entre os índios.
No caso da Terra Kiriri, as facções políticas, gestadas e nutridas no
período mais crítico de extrusão, também foram abandonados à
própria sorte, dada a negligência perniciosa do órgão indigenista,
cujos prepostos regionais, muitas vezes, deliberadamente, estimularam
a divisão interna, os ódios e as inimizades, ao invés de buscar mitigar
seus efeitos, enquanto representantes da instância mediadora e
formalmente competente para monitorar, de maneira tentativamente
transparente e isenta, a reconfiguração territorial pós-extrusão.
(DPGS, 2004, p. 48.)
O depoimento apresenta o descuido da FUNAI em relação aos conflitos internos
ao grupo Kiriri. Essas dificuldades de organização por parte do órgão indigenista
44
provocaram uma tensão ainda maior entre os índios, agravando a conclusão do processo
de demarcação oficial das terras.
Com os Kiriri divididos e mais a interferência das freiras de Cícero Dantas, dos
políticos e até mesmo da FUNAI, o processo de conclusão de demarcação oficial das
terras e retirada dos não índios foi dificultado. É importante destacar que os povos
indígenas sempre tiveram sua história marcada pela influência de grupos externos e no
caso Kiriri não foi diferente. Nesse contexto, outros elementos, com destaque para
forças religiosas, contribuíam para potencializar as disputas entre as facções. Brasileiro
(1996) destaca:
A facção liderada pelo cacique Manuel vem sendo assistida por
setores da Igreja Católicos fortemente engajados no movimento de
trabalhadores rurais na região e que ali exercem considerável controle,
o seu poder coercitivo residindo, essencialmente, na eficácia com que
vem injetando, nas comunidades “do cacique Manuel”, uma
diversidade de bens e serviços de significativa relevância.
(BRASILEIRO, 1996, p.3)
Pode-se concluir que, se de um lado o cacique Lázaro atuava com um
centralismo político evidente, por outro lado o cacique Manoel recorria às benfeitorias
cedidas pelos grupos religiosos e em certa medida, cedendo espaço a não índios, fato
que prejudicava a unidade do grupo na definição da posse das terras. Os motivos que
nortearam a divisão entre os Kiriri perpassam do campo cultural ao político, além das
influências externas (não índios) que acirraram ainda mais os conflitos. Percebe-se que
a divisão interna gerou notadamente o enfraquecimento dos Kiriri, facilitando, dessa
forma, durante algum tempo, o controle de não índios na região. O conflito interno entre
os Kiriri permaneceu durante todo o processo da reconquista das terras dificultando
ainda mais a conclusão da demarcação definitiva. (DPGS, 2004).
4.3. Conflito entre os Kiriri e os posseiros.
Apesar de vivenciarem uma realidade de conflito entre os grupos dos caciques
Lázaro e Manoel, os Kiriri tinham também uma disputa maior com o grupo de não
índios que ocupavam seu território. Vale destacar que o cacique Lázaro, contando com
sua representatividade política fora e dentro da vila, estabeleceu medidas para retomar
as terras dos não índios. Uma dessas medidas foi à organização de uma roça
45
comunitária localizada no sul das terras indígenas na estrada que liga Mirandela a
Ribeira do Pombal (Figura 01).
Figura 01: Trabalho em roças comunitárias – Fazenda Picos.
Fonte: Jornal da Bahia - 23 de abril 1983
Esta medida foi uma estratégia para a ocupação e reconstrução do território,
além de servir para demarcar a posse de um espaço e para demonstrar a relação do índio
com suas terras e com seu grupo. Esta ação revelou a importância simbólica da terra e a
noção de coletividade entre o grupo, colocando a terra para além da posse pessoal, como
um fator de promoção da unidade, associando território e simbolismos. (RAMOS,
1988).
A compreensão da terra como um recurso natural vinculado à vida social
dissocia-se da ideia de propriedade individual. O sentido da coletividade na posse de
terras indígenas apresentada por Ramos (1998) se aproxima da proposta feita pelo
cacique Lázaro de promover reavivamento dos costumes originais do grupo, incluindo a
posse da terra como um bem coletivo. A iniciativa desse cacique de organizar estas
roças comunitárias, juntamente com o grupo, não surtiu certo efeito, por algum tempo,
mas muitos regionais24
continuaram a ocupar as terras.
Ao longo do processo de reconquista das terras, outras medidas foram tomadas
como a ocupação da fazenda Picos, que tinha como proprietário o senhor Artur
24
Este termo refere-se a posseiros, fazendeiros e pequenos agricultores que não respeitavam as
determinações legais nem os limites das terras indígenas Kiriri.
46
Miranda, considerado um dos maiores inimigos dos Kiriri, devido a sua forte ligação
com os políticos locais. Esta medida significou uma decisão desses índios em
avançarem no processo de retomada de suas terras sem esperar as definições do estado.
(DPGS, 2004).
A ocupação da Fazenda Picos representou a real intenção dos Kiriri de expulsar
de vez os posseiros e os regionais. Esta atitude foi pensada e organizada pelo grupo sob
a liderança do cacique Lázaro e vista como uma forma de inibir as ações dos não índios,
além de pressionar a FUNAI a resolver definitivamente os problemas instaurados
naquela região. (DPGS, 2004). A Figura 02 refere-se a alguns os trabalhos nas roças
comunitárias que foram instaladas na fazenda Picos, como estratégias de ocupação das
terras, com objetivo de forçar a redefinição da posse em favor dos Kiriri.
Figura 02 – Índios Kiriri no caminho das roças coletivas na fazenda Picos.
Fonte: http://fckfeiradecultura.blogspot.com.br/. Acesso Jun. de 2016.
A ocupação da fazenda Picos instalou-se um clima de muita tensão entre índios,
fazendeiros e também com a FUNAI. Os Kiriri mantinham a pressão sobre o órgão para
que a situação fosse definida de fato. Uma nota publicada pelo jornal Estado de São
Paulo, no ano de 1982, revela o clima tenso que rodeava a região e os grupos
envolvidos no conflito. Na nota consta que:
[...] Gino Manoel dos Reis e Manoel Calazans de Souza em entrevista
coletiva convocada pela Associação Nacional de Apoio ao Índio –
47
Anaí – secção de Salvador, disseram que o clima na região é de guerra
desde março do ano passado, quando a FUNAI demarcou 12.300
hectares que lhes pertence. Mas até agora eles estão esperando a
desocupação das terras e responsabilizam a fundação por esta situação
“já que ela não tomou conhecimento da presença dos dois mil
posseiros que vivem na área a mais de 150 anos”. Cansados de esperar
pela promessa de solução, os dois mil quiriris fizeram uma
Assembleia, presidida pelo cacique Lázaro e tomaram a decisão de
reter na aldeia o delegado da FUNAI em Recife, Leonardo Machado,
se ele aparecer por lá “Ele vai ficar preso até resolver. Se não aparecer
vamos atacar. Não podemos mais esperar. Já perdemos duas colheitas
seguidas e antes de junho precisamos começar a plantar”. (Jornal
Estado de São Paulo, 28 de janeiro de 1982. DOKANAÍ, Pág.08,
Salvador – Bahia).
Ocupar a fazenda Picos representou uma reação dos índios contra a situação
estabelecida, uma vez que as terras já demarcadas continuavam invadidas e a FUNAI
continuava a negligenciar os conflitos. Estes acontecimentos desencadearam uma série
de outros, tão graves e violentos quanto o primeiro. A partir desta ocupação o grupo
avançou significativamente no processo de reconquista das terras, contudo, ainda
existiam divergências sobre as medições das terras. Em nota divulgada no Jornal da
Bahia, em 23 de abril de 1983, foram descritas as medições da terra,
A demarcação foi concluída mais surgiu daí a controvérsia, do que
seja “uma légua em quadra”. A FUNAI, os kiriri, e os antropólogos da
Universidade Federal da Bahia consideram esta medida, conforme
está no Alvará da Coroa Portuguesa (1700) um octógono (polígono de
oito lados) com uma légua (seis quilômetros e meio) centro e a igreja
da Missão até os vértices do polígono. Isso corresponde a 12 mil e 300
hectares.
O Instituto de Terras da Bahia (Inter-Ba) foi acionado para defender
os interesses dos fazendeiros ligados ao (PDS-2)- que perdeu as
eleições em Ribeira do Pombal – os índios votaram do PSD -1. Na
interpretação do Inter-Ba e dos fazendeiros “uma légua em quadra”
significa um quadrado com meia légua do centro até os extremos
(norte) e meia légua do centro até o outro extremo (sul), Meia légua
para leste e meia légua para oeste dando um total de 4 mil e 350
hectares.
Mesmo assim admitindo esta versão a desapropriação de Picos só
garante 600 hectares aos kiriris. De acordo com o delegado da FUNAI
nesses 600 hectares, além do fazendeiro Artur Miranda (1 mil e 400
tarefas), estão Antonio Ponte Miranda (200 tarefas), Heráclito Dantas
Miranda (150 tarefas), José Emanuel dos Santos (100 tarefas), Maria
Miranda Barros (100 tarefas), Zezito da Gama (100 tarefas) e Antonio
Nogueira (50 tarefas). Cada duas tarefas e meia corresponde a um
hectare.
E o resto das 4 mil e 350 hectares, ou dos 11 mil e 600 hectares, de
acordo com a demarcação da FUNA Í,estão ao longo da estrada entre
Ribeira do Pombal e Mirandela, e de Mirandela para a Lagoa Grande,
48
na fazenda Picos. (Jornal da Bahia, 23.04.83. DOKANAÍ, Pág. 18.
Salvador- Bahia).
O fragmento extraído do referido Jornal traz a distribuição geográfica da
ocupação de não índios em terras Kiriri e aponta para uma dominação da família
Miranda, grupo que mais dificultou a demarcação definitiva das terras. Esta reportagem
apresenta ainda a diferença entre as medidas espaciais defendidas por cada grupo e
como estas dificultavam a conclusão e regularização das terras.
Nesse contexto de tensão, os conflitos em Mirandela se acirraram ainda mais no
período das eleições municipais (1983/1984), em Ribeira do Pombal. Os grupos
políticos da região se manifestaram em relação aos conflitos, porém estes
posicionamentos vieram carregados de interesses próprios e eleitoreiros, fato que não
contribuiu para a resolução dos conflitos, adiando a demarcação oficial. Sobre estas
questões o Jornal A Tarde publicou uma nota, cujo trecho foi transcrito abaixo:
[...] Tudo começou durante a campanha eleitoral, quando uma
candidata a vereadora pelo PSD – 1 conhecida como Maria Tidinha
começou a angariar assinaturas da população para acabar com o
conflito de terra só que defendia a expulsão dos índios, pura e
simplesmente (...) o grupo adversário que elegeu o prefeito Pedro
Rodrigues do PSD- 2 como divisor de águas da campanha eleitoral
utilizou a questão dos índios defendendo uma solução da FUNAI
deixando parte do território invadido com os quiriri e indenizando o
proprietário (A Tarde, 14.12.1982. DOKANAÍ, Pág. 16. Salvador-
Bahia).
As disputas pela terra acirraram-se consideravelmente, e em fins da década de
1980, aproximadamente 85% das terras indígenas passaram a compor o município de
Banzaê25
. A criação deste novo município foi pensada como uma forma de redefinir a
demarcação das terras indígenas e também representou uma articulação política dos
grupos da cidade de Ribeira de Pombal que nutriam diferenças políticas com o governo
do estado da Bahia que continuava autorizando a reintegração de posse aos Kiriri e
pagamento das indenizações aos posseiros para que estes desocupassem definitivamente
as terras, além disso, muitos índios saíram das terras e perambulavam pelas ruas de
Ribeira do Pombal, fato que gerou muitas reclamações da comunidade local e queixas
às autoridades políticas para que o problema fosse resolvido.
25
Este município foi criado pela Lei Estadual n. 4.485 de 24 de fevereiro de 1989, publicada no Diário
Oficial de 25 de fevereiro de 1989.
49
Este acontecimento, assim como os questionamentos em relação às medidas das
terras, funcionou como mais um mecanismo político para dificultar a reconquista das
terras indígenas. A criação do município de Banzaê foi uma articulação dos políticos de
Ribeira do Pombal, com o objetivo de “se livrar” dos Kiriri definitivamente, uma vez
que ficou determinado que Mirandela fosse a sede do novo município, fato que não
aconteceu, e os índios permaneceram em suas terras, enfrentando as mesmas
dificuldades. (BRASILEIRO, 1995).
Em sua entrevista, o professor José Augusto destacou que além das questões
políticas enfrentadas pelos Kiriri, acrescentam-se outras dificuldades relacionadas à
natureza, solo inadequado para a agricultura com a presença de serras e matas, além das
fortes chuvas ocorridas no período e que destruíram casas de 50 famílias indígenas, na
Lagoa Grande. É importante observar que a ocorrência das chuvas que atingiu o núcleo,
contribuiu para a unidade do grupo, que frente ao prejuízo, se articulou dando maior
visibilidade ao movimento. As famílias indígenas acamparam nos arredores de
Mirandela, improvisando habitações e toda a estrutura para sobrevivência. Diante de
tantos conflitos e disputas legais pela garantia da terra no início dos anos 1990, o então
presidente da república José Sarney assinou a homologação da terra indígena Kiriri.
Esta decisão foi registrada no cartório de Ribeira do Pombal que assim a descreveu:
[...] ÁREA INDÍGENA “KIRIRI” localizada neste município de
Ribeira do Pombal, Estado da Bahia, com superfície total de 12.299
(...) área constante da presente matrícula, foi criada pelo decreto
98.928 de 15 de janeiro de 1990, publicado no Diário Oficial da União
de 16.01.90. Trata-se de terras de posse imemorial e tradicional do
Grupo Indígena sendo-lhe destinado usufruto exclusivo das riquezas
dos solos, dos rios, dos lagos, e de todas as utilidades nelas existentes,
senão bens inalienáveis, (...) e indisponível da UNIÃO FEDERAL, e
que não podem ser objeto de arrendamento desapropriação (salvo o
previsto no artigo 20), ou qualquer negócio jurídico que restrinja o
pleno exercício de posse da comunidade indígena. Cartório de
Registro de Imóveis e Hipotecas. (Certidão, fls. 83, livro 2-N,
matricula nº 2.969, Registro nº R-l-2.969. Pag. 45. DOKANAÍ,
Salvador – Bahia)
O documento registrado em cartório comprovou a demarcação oficial das terras
indígenas Kiriri e como estas deveriam ser respeitadas segundo a Lei, conferindo aos
índios o controle da propriedade, descartando a possibilidade de qualquer tipo de
negociação, além de considerar a terra como um patrimônio da memória e da tradição
Kiriri, e, portanto, de direito dos mesmos. Contudo, a resistência dos regionais foi
50
intensa, estes não aceitaram de forma passiva as providências tomadas pelo Estado e as
tensões se acirraram ainda mais, perdurando por quase um ano, sendo que somente em
1991, a FUNAI indenizou algumas famílias de posseiros que foram retirados de
Mirandela, e o grupo do cacique Lázaro ocupou as casas que ficaram vazias na vila. Tal
ocupação motivou uma tensão ainda maior entre os grupos e suas respectivas lideranças,
os Kiriri neste momento encontravam-se divididos: de um lado os que estavam com o
cacique Lázaro, do outro lado, com o cacique Manoel.
Os dois grupos continuaram lutando pela conquista da terra, cada um a seu
modo. O grupo liderado por Manoel nesse momento já ocupava os núcleos de Araçás,
Segredo, a nova vila Cajazeira (formada pelo grupo), e parte da Baixa da Cangalha.
Como estratégia de retomada, este líder dedicava-se as viagens para os gabinetes da
FUNAI, na tentativa de manter a paz com os posseiros e definir a situação de ambos os
grupos de forma que nenhum fosse ainda mais prejudicado. Por outro lado, o grupo
liderado por Lázaro se mantinha em Mirandela sem “arredar o pé” e recorria à política
das plantações comunitárias, que, além de ocupar o território, atuava como forma de
reunir os Kiriri, emitindo uma ideia de unidade do grupo o que pressionava tanto os
posseiros a desocuparem a área como o governo do estado que entendia a legitimidade
do movimento de reconquista das terras organizado pelos índios. Os Kiriri constituíram
mais roças comunitárias nos arredores de Mirandela, com o intuito de definir de vez a
situação ali posta. (BRASILEIRO, 1996).
A falta de providências para a relocação dos posseiros promoveu maior tensão
entre índios e não índios. No ano de 1991, as terras indígenas foram homologadas e os
posseiros ainda estavam em Mirandela esperando indenizações e o deslocamento para
locais determinados pelas instâncias do estado. A falta das medidas para remoção
imediata dos posseiros trouxe novas situações para o conflito. Durante o processo de
demarcação havia mais de 300 famílias de posseiros na terra indígena Kiriri, eram
pequenos grupos de camponeses que viviam da venda de produtos daquelas terras e,
portanto, necessitavam de um lugar para que pudessem continuar a produzir. A demora
nas indenizações agravou a situação desses sujeitos que se recusavam a sair de
Mirandela, por ter construído uma estrutura física definida.
A saída dos não índios das terras deveria ter sido garantida pelos órgãos
responsáveis, através de indenização e relocação dos mesmos para outros espaços onde
pudessem reconstruir suas vidas. A realidade de conflitos existente em Mirandela
51
pressionou a FUNAI para que apressasse a desocupação das terras e realizasse o
pagamento das indenizações aos posseiros, na tentativa de finalizar os conflitos entre
índios e não índios. Em meados do ano de 1995, esta Fundação, pressionada ainda mais
pelo Ministério Público da União, iniciou o processo de desocupação de Mirandela e de
toda a terra indígena concluindo este trabalho somente no final de 1998, quando os
posseiros foram retirados definitivamente, encerrando os conflitos com os Kiriri.
As disputas ocorridas em Mirandela tiveram como motivos elementos diversos
como a negligência dos órgãos responsáveis em mediar o conflito, a interferência
político-religiosa da região e o próprio conflito interno ao grupo. O processo de
reconquista das terras pelos Kiriri afetou profundamente as estruturas estabelecidas
pelos posseiros que moravam na região, pois estes tiveram de abandonar suas casas,
lavouras e criações que matinha em Mirandela e seus arredores. Após a retirada as
famílias dos posseiros foram relocadas para assentamentos do INCRA, na cidade de
Tucano. Este deslocamento obrigou o grupo a reorganizar suas estruturas recomeçando
com novas lavouras e criações, na tentativa de redefinir suas fontes de sobrevivência.
A demarcação oficial das terras não promoveu o fim das confusões. Após o
processo oficial de demarcações, os Kiriri passam a reviver alguns conflitos dentro da
própria terra. Estes são, de certo modo, continuação daqueles instaurados no início dos
anos 1980. Com a terra indígena reconhecida e demarcada, novas (ou renovadas)
tensões e inquietações, como a diferença política no próprio grupo, se reapresentaram e
uma nova dinâmica se instalou entre o grupo.
4.4. Linha do tempo: principais episódios da história Kiriri
Durante o processo de demarcação das terras Kiriri, muitos acontecimentos
foram fundamentais para a reorganização social deste povo. Os conflitos e diferenças
políticas existentes no grupo ainda permanecem até os dias atuais. O quadro que se
apresenta destaca, em resumo, alguns fatos da história Kiriri.
Estes episódios se destacam como momentos decisivos no processo de retomada
e demarcação das terras indígenas. São apresentados também, fatos mais recentes dessa
história, que serão tratados no capítulo seguinte deste texto. São acontecimentos que
marcam o novo período vivido pelos índios e a nova estrutura política que se instalou
em Mirandela a partir do ano de 2010.
52
Quadro 01 - Acontecimentos marcantes da história Kiriri - (1972 – 2015).
Ano Acontecimento
1972 Assunção de Lázaro Gonzaga como cacique do grupo. Adoção de
uma política de reorganização do grupo.
1980 Instalação de uma política de autodemarcação - criação de grupos
para organizar marcação de pontos limites sem nenhum tipo de
autorização legal, os Kiriri instalam pontos de marcação pelo
território. Fato que gerou conflitos com fazendeiros da época e
também acentuou a divisão interna do grupo.
1983 Ocupação da Fazenda Picos: os índios Kiriri ocuparam uma das
maiores fazendas da região, sob o controle da família Miranda,
dessa forma pretendia pressionar os órgãos estatais para legalizar a
demarcação e oficializar a posse das terras.
1990 Desvinculação dos povoados de Baixa da Cangalha, Baixa do Juá e
Canta Galo da liderança de Lázaro. Assunção de novo cacique, Niel.
Homologação do processo de demarcação das terras indígenas Kiriri
– Decreto nº 98.828 de 15 de janeiro de 1990/ regularização
imobiliária Reg. Cl. Mat. 2969, livro 2m, f. 83 de 23 de março de
199026
.
1994 Substituição do cacique Niel por Manoel Batista nos povoados de
Baixa da Cangalha, Baixa do Juá e Canta Galo. O faccionalismo
entre os Kiriri é declarado.
1995 Indenização da FUNAI aos posseiros. Ocupação definitiva da Vila
de Mirandela pelos Kiriri.
1998 Retirada dos últimos posseiros da terra indígena kiriri. As políticas
de organização dos povoados são estabelecidas por suas lideranças.
Mirandela ficou sob a liderança do cacique Lázaro Gonzaga com
auxílio de conselheiros e um vice-cacique, Marcelo de Jesus.
2003 Permanência da política centralizadora do cacique Lázaro.
Manutenção do descontentamento do grupo que vive em Mirandela,
inclusive do vice-cacique Marcelo, o qual inicia um conflito político
com Lázaro.
2005 Ações de Marcelo de Jesus busca projetos de valorização cultural,
instalação de serviços de tecnologia, como internet na vila de
Mirandela. Aumento da tensão entre Marcelo e o cacique Lázaro.
2007 Resultados das ações de Marcelo: instalação da primeira rádio
comunitária e da antena de internet.
2010 Rompimento do então vice-cacique Marcelo de Jesus com o então
cacique de Mirandela Lázaro Gonzaga. O fato representa a
declaração de uma nova liderança, a aldeia de Mirandela foi dividida
em dois grupos e novas situações de conflitos instalam-se na vila.
2015 Comemoração dos 20 anos de reconquista do território. A divisão
entre os grupos o que resultou em comemorações de forma separada,
cada qual realizou seus rituais e festejos em dias diferentes.
26
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D98828.htm. Acesso 07 de
jan. 2016.
53
5. Viver em Mirandela: caracterização, costumes e significados.
Nossa terra é nossa terra mãe. Essa é a fala de Marlene de Jesus, índia Kiriri,
artesã, conselheira27
, 52 anos e moradora de Mirandela, quando perguntada sobre como
é viver em Mirandela hoje e o que pensa sobre o sentido de território. A narrativa de
Marlene revela a relação entre os índios e sua terra. Durante todo o processo de
reconquista os Kiriri evidenciaram a necessidade de que esta terra fosse demarcada
oficialmente, como forma de garantir a permanência do grupo naquele local, que
consideravam ser sagrado. Sobre esta questão o cacique Marcelo de Jesus afirma que,
É importante ela [a terra] ser oficialmente demarcada... Porque isso dá
um direito pra gente que vai constar, na realidade, no registro que ela
é um território indígena, então assegura, e evita de invasores e
também como um direito que nós temos [...] E aí é onde dá toda
segurança pra gente, pra que a gente possa [...] viver nela, praticar a
nossa [...] cultura, nós viver nela pra trabalhar, pra nós sobreviver com
nossos filhos e ter nossa segurança ali [...] (Marcelo de Jesus, índio
Kiriri, 46 anos).
O relato aponta que a importância da demarcação das terras não só estava ligada
a uma necessidade material e para sobrevivência, mas também como espaço a
manutenção da cultura e dos costumes Kiriri que deviam ser valorizados e preservados.
Na sua narrativa, o cacique revela que demarcar as terras e ter registros destas
demarcações poderia contribui para conter o acesso de invasores no local, garantido a
segurança dos índios e sua permanência no espaço que consideram o seu território.
O processo de retomada e demarcação das terras foi longo e com muitos
agravantes como a participação de grupos religiosos e políticos da região e do
faccionismo existente dentro do próprio grupo. Após a demarcação oficial e retirada dos
últimos posseiros, no final dos anos 90, os índios Kiriri se reorganizaram de muitas
maneiras, alguns povoados foram assumidos por novas lideranças, Mirandela assumiu a
posição de centro da terra indígena, porém a atmosfera de conflito dentro do grupo
permaneceu agora movida por outras diferenças.
Atualmente, a terra indígena kiriri possui aproximadamente 12.300 hectares, que
ultrapassam os limites dos municípios de Banzaê, Ribeira do Pombal, Quijingue e
Tucano. Contudo, a maior parte dessas terras ocupa o município de Banzaê, que é
27
Marlene de Jesus faz parte do grupo de conselheiros do cacique Marcelo de Jesus.
54
responsável pela disponibilização dos serviços públicos para todos os povoados que
compõem esta área indígena. Nesta nova realidade, Mirandela encontra-se dividida em
dois grupos com líderes distintos: de um lado, o cacique Lázaro Gonzaga, personagem
conhecido desde o início da luta pela terra e de outro lado, Marcelo de Jesus que se
tornou uma liderança após romper com o antigo cacique28
.
5.1. Caracterizações de Mirandela.
Após longo processo de reconquista as terras Kiriri foram finalmente reconhecidas
como área indígena. Para tanto, foi preciso definir os limites dessas terras. Os mapas a
seguir (Figuras 03 e 04) representam propostas para a definição das terras e apresentam
a delimitação e marcos iniciais para a legalização das terras:
28
Sobre esta divisão trataremos no ponto 5.4 deste texto, dedicado exclusivamente a esta nova realidade
de conflitos em Mirandela.
55
Figura 03 – Delimitação inicial das terras Kiriri proposta pelos índios de Mirandela/Banzaê no
estado da Bahia, 1947
Fonte: Serviço de Proteção ao índio. Polo Paulo Afonso, doc. Nº3335 - 17/07/1947/ DOKANAI
– Doc. 18 /1995
A Figura 03 é a representação dos marcos da terra indígena proposta pelos
próprios índios, ainda na década de 1947, quando foi instalado o posto do Serviço de
Proteção ao Índio em Mirandela. No registro da documentação do Museu do Índio
(referenciado acima), quando o grupo inicia a luta pela demarcação das terras as
marcações apresentadas na figura foram retomadas, já na década de 1990, através de
56
relatórios desenvolvidos pelas equipes ligadas a FUNAI. A figura 04 apresenta uma
segunda proposta de delimitação:
Figura 04: Caracterização parcial do solo da terra indígena Kiriri onde se encontram
posseiros -1995.
Fonte: Fundação Nacional do Indio –FUNAI/ DOKANAI – Doc. 18A/1995
57
As figuras 03 e 04 sugerem a formação da terra indígena Kiriri, considerando os
lugares sagrados segundo o grupo, bem como os povoados ocupados por índios por
longo tempo e as grandes áreas que serviam para produção, especialmente de caju e
castanhas29
.Observa-se que a delimitação proposta forma um octógono, e no centro,
localiza-se a vila de Mirandela que em meio ao processo de demarcação tornou-se
também o principal cenário de resistência e representatividade Kiriri. Segundo Bandeira
(1972) está figura origina-se a partir da medida de uma légua das antigas sesmarias que
media cerca de 6.600 metros, partindo do ponto central das terras a todas as partes,
também considerando as medidas da igreja de missionários que usavam os oito pontos
cardeais e colaterais. Ao final das medições tem-se este formato octagonal regular, que
caracteriza a terra Kiriri e mede cerca de 12.320 hectares.
Atualmente Mirandela ainda possui destaque em relação aos demais povoados,
atuando como centro de realização das manifestações culturais, reuniões políticas e
festejos e sendo reconhecida como marco da luta pela reconquista.
Os demais povoados são independentes, contam com modestas estruturas
políticas e econômicas próprias, e com líderes locais que auxiliam na organização dos
núcleos. Com o fim do processo de demarcação, estes núcleos ficaram mais evidentes.
A figura a seguir apresenta a localização mais exata dos povoados com compõem à terra
indígena Kiriri,
29
Dado extraído de entrevista consentida pelo Professor José Augusto Laranjeiras Sampaio, em
09/10/2015 – Salvador/Bahia.
58
Figura 05 – Octógono representativo das terras Kiriri, após o pedido de demarcação -1993
Fonte: Jornal Bahia Hoje, 15/10/1993. Pág. 15. – DOKANAÍ.
A Figura 05 indica a definição do octógono após a demarcação das terras e
pontos de marcação e de preservação da terra indígena como as Serras do Camarão, da
Rã e do Sacão. Esta figura também indica os principais núcleos quando se iniciou o
processo pela legalização das terras: Mirandela (centro), Cacimba Seca (superior à
esquerda), e Baixa do Sacão (parte superior a direita); Baixa da Cangalha (superior à
esquerda); Lagoa Grande (superior à direita) e Canta Galo (inferior à direita).
Atualmente, a terra kiriri é composta por outros povoados sendo nove ao total,
incluindo Mirandela, são eles: Lagoa Grande, Canta Galo, Baixa da Cangalha, Segredo,
Gado Velhaco, Curral Falso, Araçá e Marcação. Segundo o cacique Marcelo, existem
ainda mais alguns pequenos vilarejos que são agregados a estes povoados. Esta divisão
já existia desde o início do processo de demarcação e foi mantida quando ocorreu a
legalização definitiva das terras30
.
Neste trabalho as observações de campo foram feitas em Mirandela, o objetivo
foi perceber a organização social, política e econômica predominante na vila após a
30
Dado fornecido pelo índio Marcelo de Jesus em entrevista realizada em Mirandela-Banzaê/BA, em
Outubro de 2015.
59
demarcação oficial. Durante as visitas a vila, logo se percebeu a dificuldade de acesso.
Tanto as estradas como os meios de locomoção até Mirandela eram muito precários.
Sobre o transporte, contava-se apenas com o ônibus que presta serviço a prefeitura de
Ribeira do Pombal e realiza o transporte escolar. As alternativas são os chamados carros
de lotação que circulavam nas estradas de acesso à vila em direção aos municípios de
Banzaê ou Ribeira do Pombal. Por último, os táxis e moto táxi que circulavam entre os
municípios e quando solicitados faziam transporte de passageiros com destino a
Mirandela e a outros povoados da terra Kiriri.
São duas vias principais: uma via direta da cidade de Ribeira do Pombal e outra
via Banzaê. Nas duas alternativas o perigo era evidente. As estradas não contam com
nenhuma pavimentação (asfalto), acostamento ou placas de sinalização. Também,
devido ao tipo de relevo da região, são formadas por muitas ladeiras, inclinadas e com
muitos pontos de barro e pedregulho. Em caso de chuva, não só a vila de Mirandela,
como os demais povoados que compõem a terra Kiriri, podem ficar isolados. As figuras
06 e 07 apresentam à estrada de acesso à vila.
Segundo Marlene de Jesus, índia Kiriri, artesã, as estradas são muito ruins o que
dificulta o acesso tanto ao município de Ribeira do Pombal, quanto à Banzaê. Ainda
segundo a entrevistada essa dificuldade atrapalha a vida dos índios que ficam, muitas
vezes, impossibilitados de ir à cidade para “resolver suas questões, vender ou comprar
mercadorias”.31
31
Dado extraído de conversa informal com a índia Marlene de Jesus, durante a visita a vila de Mirandela
em 10 de novembro de 2015.
60
Figura 06 - Estrada de acesso a Mirandela.
Fotografia: Brito, (2015).
Figura 07 - Saída da Vila de Mirandela.
Fotografia: Brito, (2015).
A primeira impressão ao chegar a Mirandela pela estrada de acesso via Ribeira
do Pombal é de um pequeno vilarejo construído a volta de uma antiga igreja católica.
Composta por casas simples e aparentemente sem nenhum tipo de serviço de
saneamento como redes de água ou esgoto. Outro ponto que marca as impressões da
vila é a praça. Com o passar do tempo muitos elementos que compõem a praça foram se
deteriorando. Os bancos e paralelepípedos estão danificados, também se observa
buracos no calçamento em torno da praça. As figuras 08 e 09 ilustram essa descrição
61
Figura 08 – Vista da chegada em Mirandela
Fotografia: Brito (2015).
Figura 09 – Praça da Vila Mirandela
Fotografia: Rozany de Jesus, índia Kiriri. (2015).
Na figura 08 é possível observra as casas ao redor (cerca de 70 unidades) trata-se
de construções antigas, muitas já em ruínas, que evidenciam carências enfrentadas pelos
Kiriri. Toda a vila de Mirandela ainda é composta por casas muito antigas, as quais
pertenciam aos posseiros. Alguns índios informaram que há uma dificuldade de viver
nessas casas, pois muitas faltam serviços básicos. Sobre esta estrutura, a entrevistada
Marlene de Jesus informa:
Minha casa falta banheiro né, que banheiro é o que o não índio deixou
ainda, não tem... A instalação é velha, colocaram nas outras casas,
62
mas na minha casa parece que esqueceram, não colocaram, é
instalação velha... E faltam outras coisas mais pra melhora... Que a
prefeita que é do município não valoriza nós índio, ela não liga com
limpeza da rua, a lâmpada dos postes ela só vem trocar se a gente
cobrar... É assim, ela não liga muito pra gente. (Marlene, índia kiriri,
52 anos).
O depoimento de Marlene aponta para a precariedade das casas, e que também
se apresenta por toda Mirandela. Segundo a índia, faltam serviços públicos e o poder
municipal, não oferece nenhum tipo de apoio aos índios. Mas uma vez observa-se a
negligência dos representantes políticos da região que se ausentavam das questões
indígenas, desde o processo de demarcação e continuam com a mesma prática nos dias
atuais. Outro aspecto de destaque na vila é a igreja católica no centro de Mirandela.
Ainda mantida como um símbolo da presença dos católicos e missionários que
estiveram em Mirandela, a igreja continua ocupando seu lugar na vila, mas necessitando
de reformas e reparos (Figura 10).
Figura 10 – Igreja Católica em Mirandela
Fotografia: Brito (2015).
A igreja continua com paredes imponentes no ponto mais alto do vilarejo, mas
as portas estão envelhecidas e em péssimo estado de conservação, o telhado desabou e
encontra-se no chão em ruínas32
. Mesmo como uma posição centralizada na vila, a
32
Não foi possível fazer imagens da parte interna da igreja para melhor apresentar a situação em que se
encontra, por que os Kiriri se recusaram a abrir as portas com receio de acidentes.
63
igreja católica hoje não representa mais um ponto de destaque ou representatividade
cultural para os Kiriri. Há uma nova conjuntura cultural em Mirandela, na qual os
resquícios históricos de uma catequização e presença de não índios já não interessa
tanto a maior parte dos Kiriri33
.
Segundo o cacique Marcelo, a igreja católica não é mais considerada um
elemento de representação da cultura na vila e ao lado dela foi construído um casebre34
,
como mostra a Figura 11.
Figura 11 - Casebre onde são realizados rituais e festejos na Vila de Mirandela.
Fotografia: Brito (2015).
Neste casebre construído são realizados alguns rituais, benzeduras e reuniões.
Segundo o cacique, para os índios não existe um significado do posicionamento da
igreja no centro de Mirandela, certamente essa disposição tem sua representação e
simbolismo associada à presença dos não índios no lugar. O que prevalece neste
momento para os índios é o desejo de valorização da sua cultura, suas manifestações e
crenças.
33
Nota fornecida por Marcelo de Jesus em entrevista consentida em Mirandela- Banzaê/Bahia, em
novembro de 2015. 34
Este nome foi utilizado para definir a casa onde acontecem os rituais religiosos e preparo de alimentos
para os dias de festa do grupo liderado pelo cacique Marcelo de Jesus. Este termo foi sugerido pelo
mesmo cacique em entrevista consentida em novembro de 2015.
64
Sobre a produção agrícola, os povoados, de forma independente, estabelecem o
que irão plantar. As principais lavouras cultivadas são milho, feijão e mandioca. Esse
sistema de produção ainda mantém a herança das roças coletivas, em que famílias
trabalham um dia na semana juntas na mesma lavoura, e os demais dias da semana estão
livres para tratar de suas próprias roças e pequenas criações. Marlene relata um pouco
sobre este esquema de trabalho.
E a gente também tem a roça da união que a gente trabalha na segunda
feira [...] Planta e colhe, tanto faz feijão como mandioca [...] Depois
de pronto à gente tira pra a gente comer nos dias tradicionais que é o
dia 19 de abril e o dia 11 de novembro e o mais a gente vende pra
investir no panelão da união, por que tem o panelão da união.
(Marlene de Jesus, índia Kiriri, 52 anos).
O depoimento de Marlene indica a forma de trabalho coletivo que ainda é
mantido, neste caso, pelo grupo sobre a liderança do cacique Marcelo35. Vale destacar
no relato da índia o movimento que ela chamou de “panelão da união”. Este
acontecimento é uma forma de reunir os Kiriri (liderados por Marcelo) e de outras vilas,
pertencentes a terra Kiriri, para festejar e reforçar laços de unidade entre eles. Nesse
sentido vale inferir que o grupo liderado pelo cacique Marcelo, busca a construção da
unidade política com outros grupos. Entende-se que estes grupos comungam das
mesmas ideias, sejam elas de preservar os aspectos culturais dos Kiriri. Esta unidade,
contudo, exclui o grupo de Lázaro que não participa de nenhum destes eventos, pois é
contrário as ações desenvolvidas por Marcelo e seus aliados36
.
Observou-se também que há divisão social e sexual do trabalho, ainda que haja
tarefas realizadas conjuntamente, como nas plantações, tem-se um grupo demarcado
pelas perspectivas de gênero. Para os homens ainda há a atribuição de responsabilidades
relacionadas às atividades de caça ao passo que as mulheres são responsáveis pelo
preparo dos alimentos cotidianos e aqueles que serão servidos em dias festivos para
todo o grupo. Outro ponto que se pode observar na narrativa da índia, é que a produção
também é comercializada, porém em menor escala. Os Kiriri em Mirandela, ainda
praticam a produção especialmente para subsistência do grupo nesta vila.
(CARVALHO: SILVA, 2009). Estes índios plantam para o consumo das famílias, mas
também vendem sua produção nas feiras livres nos municípios de Banzaê e Ribeira do
Pombal. Esta venda contribui para a aquisição de outros bens necessários as famílias.
35
Sobre a forma de trabalho do grupo liderado pelo cacique Lázaro Gonzaga não se obteve informações. 36
Dado extraído de conversas informais durante as idas a campo.
65
O artesanato também tem sido uma forma de sobrevivência para alguns Kiriri.
São confeccionadas peças com matéria prima retirada da própria vila, como frutos do
liculizeiros, sementes de diversas árvores, penas de pássaros silvestres, penas de aves
como galinhas d’angolas, fibras e palhas, entre outros37
. Segundo Marlene, a terra
oficialmente demarcada é muito significante para a produção artesanal e para o sustento
do grupo.
E hoje ela [a terra] tá vestida ela tá toda cobertinha [...] Da onde a
gente tira nosso sustento, donde a gente tira madeira, fibra, a palha e
até coleciona as penas dos pássaros pra gente fazer nosso artesanato
que é de nós sobreviver. (Marlene, 52 anos, índia kiriri).
Os índios Marlene de Jesus e Lourival de Jesus são representantes da produção
artesanal da vila e viajam para algumas cidades da região para divulgar o trabalho. As
visitas aos municípios vizinhos promovem não só a arrecadação de fundos para a
continuidade da produção artesanal, mas também contribuem para o sustento das
famílias que desenvolvem este tipo de trabalho, o qual aparece na imagem a seguir
(Figura 12).
Figura 12 – Barraca de artesanato Kiriri.
Fotografia: Brito, (2015).
A imagem apresenta uma barraca com diversos tipos de artesanatos que os Kiriri
produzem. A foto foi feita no dia 19 de abril de 2015, durante os festejos na vila em
comemoração ao dia do índio. Expressa os artefatos artesanais produzidos no local e
que são levados aos municípios vizinhos para comercialização. Vale acrescentar que os
37
Estas informações foram concedidas por índias Kiriri em conversas nas visitas ao campo.
66
artesanatos também são comercializados nas casas dos índios, tanto em Mirandela como
em outros povoados pertencentes à terra indígena. Atualmente, as viagens a outros
municípios e a participação em feiras culturais representam uma oportunidade de
mostrar a outras pessoas um pouco da cultura e do trabalho dos Kiriri. Nesse sentido,
através dos trabalhos artesanais, o grupo liderado por Marcelo, têm empreendido
esforços para valorizar e divulgar os costumes e práticas, como forma de fortalecimento
cultural do grupo.
Outro elemento importante, segundo os Kiriri, para a manutenção de sua cultura
é a existência de uma escola na vila. Mesmo em um contexto de divergência presente
em Mirandela mantem-se a escola estadual indígena, que foi conquistada logo após a
demarcação, depois de muitos apelos e reivindicações dos índios. (CORTÊS, 1996). A
escola hoje atende crianças e adolescentes do local, é um dos lugares mais valorizados
pelos Kiriri, pois acreditam na educação como mecanismo de promoção da
transformação social, e também de manutenção dos costumes e tradições quando
adequada a realidade do seu povo38
. O processo de reconquista das terras despertou nos
Kiriri o sentimento de reconstrução e manutenção de sua identidade. Nesse sentido a
defesa da existência do espaço escolar caracteriza-se como um instrumento permanente
de luta política, uma vez que nesta escola os índios terão acesso à sistematização de
saberes universais e ao mesmo tempo serão tratados os conhecimentos tradicionais do
grupo, a fim de fortalecê-los e garantir a sua perpetuação em meio às gerações futuras.
(SANTANA, 2008).
Além disso, a existência da escola na vila, que se deu no início dos anos de
1980, gerou empregos para os índios, a partir das propostas de projetos específicos para
o grupo. Estes projetos defendiam a permanência dos índios como responsáveis por toda
a manutenção do espaço escolar, desta forma professores/as, merendeiras, diretor/a e
demais funcionários deveriam ser índios. (CORTÊS, 1996).
O fato dos professores serem índios contribui significativamente para o projeto
de valorização da cultura e costumes Kiriri. Para Marlene de Jesus, com a atuação dos
professores na escola podem ser criadas novas formas de educar considerando os
elementos culturais do grupo, fortalecendo-os.
Nas visitas a Mirandela, observou-se que ainda existem muitas diferenças
políticas, a vila ainda vivencia um processo de reconstrução social e revitalização dos
38
Informação oriunda da entrevista de Marlene de Jesus, índia kiriri, artesã. Mirandela/Banzaê. 2015
67
costumes. Contudo, o projeto de gestão da escola pelos próprios Kiriri tornou-se
fundamental para que os costumes e tradições do grupo pudessem ser mantidos em toda
a vila, desconsiderando o conflito interno existente, uma vez que na escola os sujeitos
tanto do grupo sob a liderança de Marcelo como os liderados por Lázaro covivem e
trocam saberes e conhecimentos.
5.2 O significado do território em Mirandela.
Para Reesink (2011), o território dos indígenas é seu espaço natural e existe nele
uma relação entre homem e natureza, as ligações com o simbólico, como a religiosidade
e relações com elementos sobrenaturais, também fazem parte da construção territorial.
O processo de definição de um território corresponde a um movimento de constante
mudança, que se apropria de elementos culturais, políticos, econômicos e sociais de um
grupo que se adéqua e acomoda em determinado espaço.
Nos relatos e depoimentos foi possível inferir que para os Kiriri de Mirandela
permanecer naquela terra é fundamental para suas vidas. A saída da vila para outro local
poderia romper com as relações sobrenaturais que os Kiriri cultivam. Descata-se o
relato da índia Marlene de Jesus, 52 anos, que afirma: “significa uma terra santa... [...]
uma mãe terra, uma mãe natureza que é dela que a gente tira o nosso sustento e o nosso
sobreviver”. Para Marlene, a terra é o território, ou seja, espaço, natureza e sujeito estão
associados simbolicamente. A terra é santa, é uma mãe, que fornece o sustento.
Em outro depoimento o índio Manoelino, 37 anos, se refere à terra como
“patrimônio da união”. Uma conquista realizada através da união dos índios, mesmo
considerando a existência dos conflitos internos, a maioria dos Kiriri tinham o mesmo
objetivo que era de reaver suas terras e retirar delas os não índios. Nesse sentido,
considera-se também que o é trabalho do grupo que faz a terra produzir o seu próprio
sustento, e esta apropriação atribui à terra a noção de território em movimento constante
de reconstrução. (GALLOIS, 2004). Desse modo, entende-se que o território Kiriri vive
um processo de territorialização constantemente modificado por ações e acontecimentos
que ocorrem em todo tempo na história do grupo. (OLIVEIRA, 2011).
Segundo o cacique Marcelo de Jesus, território é “Onde nós podemos é...
Trabalhar, criar nossos filhos é... Buscar nosso direito pra ali. Então pra mim é a nossa
vida. Pra mim nosso território é a nossa vida”. Essa busca pelo direito é mantida através
68
da tentativa de valorização e reconhecimento dos costumes Kiriri. Desde o início da luta
pela retomada das terras, e demarcação definitiva, estes índios utilizavam dos elementos
culturais para significar a importância daquela porção de terra, estes significados faziam
da terra seu território.
Apesar de apresentar uma estrutura precária com a falta serviços públicos no
vilarejo, períodos longos de seca que dificultam a produção agrícola e a criação de
animais, os Kiriri demonstram satisfação por viverem em Mirandela. Segundo o índio
Lourival de Jesus, artesão, 60 anos: “viver em Mirandela hoje pra nós é bom demais.
Assim, por que a gente... O costume da gente, a gente já tem aquele costume como uns
e outros e tudo (...)”. Viver em Mirandela significa viver em parceria. Essa convivência
não anula a existência dos conflitos, que tem suas origens no passado dos Kiriri, e que
resistem até hoje e são motivados por diferenças políticas.
A vila de Mirandela passou (e ainda passa) por um processo de construção em
que a presença de não índios sempre foi marcante. Antes dos Kiriri retomarem a vila,
posseiros e trabalhadores rurais ocupavam-na, com plantações e pequenas criações.
Desse modo, a vila assumiu uma estrutura física adequada aos costumes destes
trabalhadores, mas, com o retorno dos índios, aos poucos, este aspecto adquirido
precisava ser refeito, e assim começaram a reconstruir Mirandela com uma “cara”
indígena.
Estes esforços permanecem ainda hoje, o entrevistado Manoelino de Jesus
Santos, descreve a realidade do grupo em Mirandela,
[...] a realidade de Mirandela hoje ela, [...] Tem duas caras: ela tem a
cara indígena e a não indígena. [...] Essas casas do projeto minha casa
minha vida, a gente lutou pra que ela mudasse, pra ter uma cara
indígena [...] Política né, no caso hoje só se resolve as coisas na
política... É... Num teve oportunidade [...] Porque a gente queria que
todas essas casas fossem no formato indígena, mas veio daquele jeito,
como você tem observado, aí tem aquelas formas lá, mas a gente
queria as formas mais caracterizadas indígenas. Mas isso não
aconteceu [...] Porque nós temos que preservar aquilo que é da gente e
não preservar o que não é da gente. Por que isso aqui tem a cara do
branco. (Manoelino de Jesus Santos, 37 anos, índio Kiriri).
Neste depoimento pode-se destacar alguns pontos a respeito dessa cara dupla
que Mirandela apresenta hoje: observa-se desejo de preservação de características
básicas da cultura indígena, como por exemplo, a proposta de que no projeto minha casa
69
minha vida39
, que foi iniciado na vila, as construções seguissem o modelo de oca
tradicional dos Kiriri. Nesta narrativa destacam-se também indícios da participação
política neste projeto, quando se refere à falta de apoio de um representante político,
fato que acabou por inviabilizar as construções das casas seguindo o modelo Kiriri.
Observa-se neste caso a continuidade do descaso dos representantes políticos em
relação às questões indígenas e as dificuldades que o grupo ainda enfrenta para
reconstruir seus costumes e tradições. (DPGS, 2004).
O índio Manoelino destacou também como foi difícil à luta pela reconquista do
território: “Foi derramado sangue [...] Então é por isso que hoje a gente quer que seja
uma cara indígena”. As dificuldades de retomar suas terras, de reconstruir este território
foram muitas e por isso os índios consideram importante que a vila de Mirandela
assuma definitivamente uma identidade Kiriri, mantendo seus costumes e tradições
sempre presentes.
Como já foram destacados, os motivos para que os Kiriri reivindicassem suas
terras estavam relacionados com questões simbólicas e materiais. Mesmo após a
homologação e definição de posse das terras, este grupo ainda enfrenta dificuldades e
questões internas que necessitam de um constante movimento de resistência para que as
tradições e costumes não se percam. O índio, Adenilson de Jesus, 46 anos é um dos
líderes religioso do grupo e se refere à necessidade de permanecer na luta em defesa dos
direitos e tradições Kiriri.
E essa resistência pra gente fortalecer a nossa cultura [...] Mirandela
hoje [...] é um sonho, foi um sonho que os índios tinham. A história
que no tempo dos jesuítas quando chegou, [...] ele começou a
catequizar no caso e ai foi passando a dizer pra índio não devia vestir
usar a roupa dele [...] Perderam a língua no caso, a língua não o jeito
de falar. E ai pra buscar isso tudo de novo, vai demora um tempo, mas
a gente vai à busca disso aí. (Adenilson de Jesus, índio, 46 anos).
Este depoimento aponta para as marcas históricas deixadas nos povos indígenas
pela colonização. A referência à catequização jesuíta denuncia as imposições e perdas
que os Kiriri sofreram em toda sua história. Mesmo em um contexto de comum
resistência aos desmandos dos religiosos, os grupos indígenas, em muitos casos,
sofreram com o desaparecimento de suas práticas culturais. (MONTEIRO, 1992).
39
Programa de construção de habilitações para famílias de baixa renda instituído pelo Governo Federal
sob-regime da LEI Nº 11.977, DE 7 DE JULHO DE 2009.
70
O relato expõe ainda a necessidade de fortalecimento da cultura, que depende
dos esforços do próprio grupo Kiriri. Evidencia-se a preocupação com a preservação
cultural de Mirandela após a retirada dos não índios, além disso, percebe-se a ideia de
luta e resistência com continuidade, ou seja, para os índios, é fundamental a resistência
permanente, em suas terras, para que suas práticas, costumes e tradições sejam
mantidos.
5.3 Mirandela e o Toré: o ritual como forma de resistência.
Durante o processo de retomada e ocupação das terras, os índios empenharam
esforços para que seu território fosse reconhecido definitivamente como patrimônio
Kiriri. Estes esforços foram empregados das mais diversas formas, desde o
enfretamento armado até a recomposição dos elementos culturais do grupo. Nesse
sentido, o cacique Lázaro quando assumiu a liderança do grupo, ainda em 1970, adotou
a reinvenção do Toré, um ritual indígena realizado por diversos grupos. Os Kiriri
buscaram a colaboração dos vizinhos Tuxás40
, pois com o processo de dispersão que
sofreram acabaram perdendo o conhecimento de alguns dos elementos que compunha
este ritual e recorreram ao auxílio do grupo Tuxá para a reinvenção do Toré Kiriri.
O Toré é um ritual religioso que conta com aspectos de mediunidade para
ocorrer. É durante este ritual que os encantados se manifestam. (NASCIMENTO, 1994).
O Toré representa também uma festa de agradecimento e ao mesmo tempo para fazer
pedidos de proteção e prosperidade aos encantados, que representam forças
sobrenaturais de grande influência na vida dos índios. São seres invisíveis, mas dotados
de poderes sobre a natureza e que escolheram Mirandela como ponto de concentração.
(BANDEIRA, 1972).
No início de sua introdução no grupo, o Toré acontecia todo sábado à noite, com
música e danças ao som dos maracás41
, muitos índios usam saiotes de fibras e o
terreiro42
era preparado para a cerimônia com o uso de defumadores de ervas e um tipo
de incenso. As bebidas da jurema, o buraiê, o zuru43
são feitas pelas índias Kiriri dentro
40
Grupo Indígena Tuxá, localizado no município de Rodelas, norte da Bahia. 41
São chocalhos confeccionados a partir de uma cabaça, planta comum na região. 42
Espaço de terra batida onde ocorre o ritual do Toré, fica localizado em frente ao casebre onde são
preparadas a bebidas e a comida para o ritual do Toré. 43
O buraiê e o zuru são respectivamente vinho de milho e cachaça comum.
71
do casebre em frente ao terreiro e em seguida são respingadas no chão. Logo atrás do
conselheiro era feita uma fila, seguido por dois outros entendidos44
, um com uma
lamparina nas mãos outro fumando um cachimbo. Todo esse ritual tem como objetivo
atrair os encantados e afastar as coisas ruins da aldeia. (NASCIMENTO, 1994).
O Toré chama a atenção para uma relação estabelecida com a terra. Desde que
“reinventado” pelos Kiriri, este ritual se transformou no cartão de visita da vila. Era
fundamental sustentar a permanência dos índios no território como umas reivindicações
dos encantados e das forças sobrenaturais que estavam em Mirandela, desta forma os
Kiriri passaram considerar a vila como centro das atenções desde 1970.
O Toré ainda acontece em Mirandela, como forma de comemoração e
agradecimento e segue a mesma liturgia dos anos de sua introdução, com pequenas
diferenças, como a inclusão da zabumba como instrumento de música, mas acontecendo
ainda aos sábados, porém, quinzenalmente, em todos os povoados de forma
independente45
. Segundo o índio Adenilson de Jesus, um dos líderes religiosos de
Mirandela, o Toré representa,
Uma homenagem que os índios falam, os índios cantam né,
oferecendo [...] aos seus, seus naturais né, isso são coisas, [...]
sagradas que temos em nós. E a gente é feliz por isso, por que temos a
paz, temos a saúde em nosso espaço, né. (Adenilson de Jesus, 46 anos,
índio Kiriri).
A relação do Toré com a terra é muito importante para o grupo, que acredita que
através da realização do Toré eles estão seguros e protegidos por seus encantados e
devem agradecê-los por isso. Ainda sobre o Toré, o índio Manoelino, informa,
[...] vamos dizer assim, que é uma concentração que a gente tem, a
nossa concentração aqui, que é o toré. A gente poder pisar o pé no
chão, dali você ter a sua força dada por Deus, e a força da nossa mãe
terra que afirma você com todas as forças. Vamos dizer assim com
todas as letras num é, e é isso [...] A nossa concentração... (Manoelino
de Jesus, índio Kiriri, 37 anos).
No relato o índio se refere ao Toré como uma forma de concentração. A partir
dessa perspectiva pode-se inferir a relação deste ritual com a posse da terra. Outro
aspecto relevante no depoimento é a afirmação de que as forças do grupo vêm da terra e
44
Indivíduos adultos iniciados na ciência dos índios (.NASCIMENTO, 1994). 45
Nota fornecida por Marceelo de Jesus Santos em entrevista consentida em Mirandela- Banzaê/Bahia,
em novembro de 2015.
72
também de Deus. A partir desse relato percebe-se que a realização do Toré é uma forma
de manter os Kiriri fortes e unidos em seu território.
Nos dias atuais, o Toré assumiu várias funções, desde a forma de agradecimento
aos encantados pela força e pela prosperidade como também uma forma de manter a
unidade do grupo e também uma forma de representação e valorização da cultura Kiriri.
O cacique Marcelo, quando questionado sobre a realização do Toré, relata:
[...] objetivo do Toré [...] Desse trabalho cultural nosso, dessa
atividade nossa, que nós praticamos. Primeiro: [...] É uma coisa
sagrada... É uma atividade sagrada nossa que nós não devemos
esquecer, por que... É onde nos fortalece, e ser índio né, e ser kiriri...
E... Principalmente na parte cultural nós como indígena é uma força
[...] A gente tem... Fé, que ali aqueles [...] Nossos encantados né estão
com a gente, a força da natureza, tudo... A força dos nossos
antepassados está com a gente. Então isso aí jamais nós devemos
esquecer, jamais nós devemos, né, de esquecer isso aí. Então pra nós é
uma força. (Marcelo de Jesus, índio Kiriri, 46 anos).
As afirmações do cacique revelam o caráter sagrado da realização do Toré, e ao
mesmo tempo demonstra a preocupação deste líder em manter essa tradição, para que
ela não seja perdida. Durante o período das festividades em Mirandela, o Toré é
realizado como ponto alto dos festejos, pois não só representa a cultura Kiriri, como
também um ritual sagrado que precisa ser mantido. Em dias festivos em Mirandela,
como o dia 19 de abril, o dia do índio, o Toré acontece como forma de relembrar as
lutas de reconquista e promover a valorização da cultura. As Figuras 13 e 14 ilustram
etapas da preparação e o início da celebração do Toré.
Figura 13 – Preparação das bebidas e oferendas para os encantados no dia do Toré.
Fotografia: Brito (2015).
73
Figura 14 - Início do Toré na vila de Mirandela.
Fotografia: Blog Radio Kiriri. Banzaê-Bahia.46
Vale acrescentar que diante da realidade de Mirandela, dividida em dois grupos,
o Toré acontece em dois momentos: cada grupo realiza o seu ritual e ambos
comemoram a retomada. Em 2015, foram comemorados os 20 anos de reconquista da
terra, e dois dias de Toré foram realizados. A Figura 15 ilustra os desfiles de
comemoração pela retomada das terras Kiriri47
.
46
https://radiokiriri.wordpress.com/2014/04/19/kiriris-celebram-o-dia-do-indio/. Acesso 22 de janeiro de
2016. 47
Esta fotografia refere-se somente ao grupo do cacique Marcelo que autorizou o uso das imagens. Não
foram utilizadas fotografias do grupo liderado pelo cacique Lázaro das comemorações dos 20 anos de
retomada porque não houve autorização para este tipo de publicação.
74
Figura 15 - Desfile de comemoração pelos 20 anos de retomada das terras.
Mirandela/Banzaê, 2015.
Fotografia: Brito (2015).
A imagem retrata alguns integrantes do grupo liderado por Marcelo com a faixa
escrita na língua mãe dos Kiriri48
. Nestas comemorações, observaram-se alguns detalhes
que revelam a relação que cada grupo mantem com a história dos Kiriri. O cacique
Marcelo e seus liderados realizam todos os rituais, apresentações e discursos em frente
ao casebre construído ao lado da igreja, no centro da vila (Figura 16).
Figura 16- Kiriris em desfile em frente ao casebre.
Fotografia : Brito (2015)
48
Esta língua mãe ainda esta sendo resgatada e reelaborada por integrantes do grupo de Marcelo. Não
enfatizamos a respeito por se tratar de algo em construção pelos Kiriri. Esta informação foi retirada das
conversas informais durante os trabalhos de campo.
75
O cacique Lázaro, por outro lado, realiza suas comemorações no centro da praça
da vila e em frente à igreja. Assim como o grupo de Marcelo, o de Lázaro juntamente
com sua família, conselheiros e aliados realizam suas comemorações na Praça de
Mirandela e comemoram as retomada e retorno para suas terras. A Figura 17, ilustra as
comemorações do grupo liderado por Lázaro49
.
Figura 17 – Desfile dos Kiriris em frente à igreja.
Fonte: Índios Online - Disponível em http://www.indiosonline.org.br/2016
A localização dos festejos em lugares diferentes não revelam apenas as
diferenças políticas de cada grupo. Quando se observa a permanência do cacique Lázaro
em frente à igreja católica, por exemplo, pode-se inferir a manutenção de práticas
históricas que surgiram na década de 1970, quando os Kiriri, definiram Mirandela como
centro das reivindicações e a igreja como um ponto de apoio e referência do movimento
de reconquista. Por outro lado, o cacique Marcelo realiza seus festejos em frente a um
casebre construído ao lado da igreja, infere-se, portanto, e como base nos relatos do
próprio líder que há uma necessidade de substituir os pontos de referência da vila.
Segundo Marcelo, a realização das comemorações feitas no “terreiro” em frente ao
casebre, e não na frente da igreja, representa a valorização dos costumes Kiriri em
substituição aos dos brancos. Para ele, comemorar em frente à igreja católica é
49
A figura 17 foi retirada de um site de acesso livre a visitantes, porque nos dias dos festejos não foi
autorizada fotografas as comemorações do cacique Lázaro e seu grupo.
76
referenciar a presença do não índio em Mirandela, e isso não faz parte de novo projeto
de fortalecimento cultural da vila, que ele mesmo lidera50
.
Em meio a estas diferenças, foi possível observar que atualmente o Toré tem
como principal objetivo promover a valorização da cultura Kiriri. Mesmo no contexto
de conflitos, o Toré é mantido como elemento fundamental desta cultura, tanto que os
dois grupos que dividem a vila mantém a prática deste ritual. Para os índios,
independente de que grupos façam parte, o Toré é um ritual sagrado, fundamental para a
manutenção da paz em Mirandela, e responsável pela constante presença dos encantados
naquelas terras. Segundo o cacique Marcelo, “O Toré é coisa de índio, é uma
representação da fé e da luta Kiriri pela posse de suas terras”.
Após a reconquista de Mirandela mesmo o com a permanência dos conflitos
internos, o grupo busca manter seus aspectos culturais, atribuindo ao Toré à
responsabilidade de transmitir aos mais jovens e aos não índios, a relação existente entre
povo e território.
5.4 Conflitos atuais em Mirandela.
Depois dos 20 anos de reconquista das terras, o grupo Kiriri ainda carrega
marcas do início desse episódio. Lázaro Gonzaga, personagem marcante da história
deste grupo ainda atua como cacique em Mirandela. Quando assumiu a liderança dos
Kiriri, em 1972, destacou-se no processo de reconquistas por adotar estratégias
significativas para que o grupo reavesse a posse definitiva e legal da terra. Contudo, esta
mesma política considerada centralizadora, em muitos aspectos, como os já citados
neste trabalho, gerou no mesmo grupo descontentamentos que também atravessaram os
anos e estão definidos na atualidade de forma bastante evidente.
Mirandela vive hoje uma divisão política com a instalação de um sutil clima de
tensão. De um lado o cacique Lázaro, mantendo suas raízes históricas e modo de liderar,
de outro Marcelo de Jesus, cada um empreitando esforços naquilo que julgam
importante para o grupo. Vale acrescentar que, conforme relato do próprio Marcelo, ele
lidera cerca de 70% do grupo e o restante (30%) esta sob a liderança de Lázaro.
As idas a campo revelaram um pouco desta rivalidade, e os festejos de
comemoração pela retomada das terras também. Em uma das visitas a Mirandela a
50
Informações extraídas de conversas informais durante as visitas a campo.
77
conselheira do grupo do cacique Marcelo, Marlene de Jesus, evidenciou que os novos
Kiriri51
reconhecem o cacique Lázaro como personagem fundamental para a retomada
das terras, mas afirmam que após os anos 2000, Lázaro atuou com indiferença e
negligenciou os costumes e apoiou o não índio novamente nas terras, e isso gerou o
conflito e divisão dos Kiriri em Mirandela. As divergências políticas existentes em
Mirandela são visíveis e geram um clima de tensão constante. (BRASILEIRO;
SAMPAIO, 2012).
Durante algum tempo Marcelo atuou como vice-cacique de Lázaro, e nesse
contexto percebeu que a política adotada pelo cacique, não supria as necessidades
locais. O Professor José Augusto Laranjeira Sampaio na sua entrevista relata:
Ele [Lázaro] pega o dinheiro e sai distribuindo, com favor aqui, favor
ali, ou coopta a pessoa com essa política de favorecer um, favorecer
outros, e tal... Então Marcelo começou a questionar esse tipo de
coisa... E Lázaro o destituiu do cargo de cacique, isso eu não
acompanhei, isso é coisa que me contam, ele demitiu Marcelo de vice-
cacique, e disse: se você quiser faça seu grupo mas meu vice você não
é mais, né. E Marcelo ficou um tempo sem ser nada, de verdade, ele
era vice de Lázaro foi demitido, e ficou sendo uma espécie de
oposição, mas uma oposição não organizada, e algum tempo depois,
também não sei por que via, acho que uma forma de administrar
projetos e conseguir receber recursos, ele percebeu que para ele
negociar bem esses projetos fora ele tinha que ser cacique. Ele
[Marcelo] tinha muitos projetos, projeto de construção de casa, de
ponto de cultura, então ele percebeu isso. Então se eu quiser
administrar isso sem a depender de Lázaro eu tenho que dizer que sou
cacique, ai ele resolveu ser cacique. Aí pronto. O confronto com
Lázaro ficou muito mais evidente. (José Augusto Laranjeiras
Sampaio, Professor)
Assumindo como novo cacique, Marcelo, se mostra visionário, buscando
alternativas de melhorias de vida do grupo, além de formas de comunição mais
modernas, como acesso à internet, instalação da rádio para trazer todo tipo de
informação à vila. Vale inferir que as estratégias adotadas por Lázaro, e já citadas neste
texto, representaram formas significativas de rever as terras entre as décadas de 1970 e
51
Referência feita aos integrantes do grupo de Marcelo. Segundo a índia Marlene de Jesus, em conversa
informa nas viagens de campo, o grupo liderado por Marcelo de Jesus, é novo por que assumem uma
postura de revitalização dos costumes e ao mesmo tempo busca o desenvolvimento de toda a comunidade.
Nota fornecida por Marcelo de Jesus em entrevista consentida em Mirandela- Banzaê/Bahia, em
novembro de 2015.
78
1990, contudo, não se aplicam mais na atualidade, e por isso geram resistência dos
novos Kiriri.
Quando Marcelo resolveu assumir a liderança de parte de grupo, tinha
consciência das necessidades do grupo, e em entrevista expõe:
Como agora eu como liderança, to fazendo isso, e muitas coisas boas
eu quero pra aqui né, pra os indígenas, temos conquistas, escolas aí,
né. Muitas conquistas, escolas, estamos buscando muitas coisas,
projetos, desenvolver nossa cultura, é... Hoje, [...] nós já melhoramos
bastante [...] No inicio de 2000 até 2005, que vem visitar aqui
Mirandela, não é essa Mirandela que a gente tá vendo hoje, não é esse
povo que está hoje aqui [...] Os kiriri que vivia aqui passava fome, não
tinha apoio de nada, de muita coisa, não tinha escola como temos
hoje, não tinha muita coisa não. E hoje não, hoje nós temos. E já da
muito bem pra, pra... Ver assim [...] Mudou muito, e a gente espera
que vai mudar mais. (Marcelo de Jesus, índio, 2015)
O relato do cacique Marcelo, enfatiza as mudanças que ocorreram na vila após
sua decisão de assumir como líder, ao tempo que aponta as dificuldades que os Kiriri já
viveram sob a liderança de Lázaro. O cacique também informa sobre suas intenções de
realizar mais ações na vila, na perspectiva de melhorar a forma de viver do grupo.
Atualmente, observa-se que Marcelo atua como um representante dos interesses Kiriri,
muito ativo e envolvido nas questões do grupo. Dedica-se constantemente a reuniões
com representantes da política local e FUNAI na busca de novos projetos para
desenvolvimento da vila de Mirandela. Essas medidas fizeram com que Marcelo fosse
reconhecido como cacique pela maior parte do grupo que vive em Mirandela52
.
De fato, os conflitos atuais ainda não atingiram momentos críticos como nas
décadas de 80 e 90, a resistência do cacique Lázaro as novas atividades propostas pela
liderança de Marcelo, pode em algum tempo tornar o clima em Mirandela mais tenso.
As diferenças políticas, econômicas e os interesses pessoais existem e se entrelaçam o
tempo todo provocando uma atmosfera de tensão que não se sabe onde pode culminar.
A realidade vivenciada pelos Kiriri de Mirandela é inconstante, mesmo com a atuação
política de Marcelo e seus possíveis esforços na busca do desenvolvimento da vila, é
possível que novas lideranças sejam reveladas, discordando dos métodos e práticas do
líder e dessa forma, outros e novos conflitos venham a se instalar em meio aos Kiriri.
52
Informações extraídas de conversas informais durante as visitas a campo.
79
Considerações Finais
Os povos indígenas no Nordeste foram personagens de um sistema de
colonização que devido as suas práticas de exploração do trabalho, apropriação das
terras e catequização dizimou muitos grupos, desorganizou e submeteu outros ao
isolamento total. Dentre os diversos grupos indígenas afetados por esse sistema,
incluem-se os Kiriri de Mirandela, que foram o alvo deste trabalho.
Esta população ocupa cerca de 12.300 hectares, dividida em pequenos povoados
indígenas, na região norte da Bahia, entre os municípios de Banzaê e Ribeira do
Pombal. Estes grupos indígenas atualmente já têm a posse de suas terras demarcadas e
legalizadas, contudo, tal processo foi vivenciado por um longo período que marcaram a
vida destes índios.
No que tange ao processo de demarcação iniciado nos anos 70, percebeu-se que
a interferência e a participação de diversos personagens externos à comunidade como a
FUNAI, grupos políticos e religiosos contribuíram para permanência dos conflitos,
quando defendiam seus próprios interesses em detrimento dos interesses dos indígenas.
Notou-se que os índios Kiriri enfrentaram uma disputa pela retomada de suas terras, e
atribuíam a esta um significado, baseado em crenças sobrenaturais, costumes e tradições
fundamentais para a manutenção da sua cultura.
Nos anos 80, na busca pela retomada das suas terras, os índios buscaram a
revitalização de seus costumes, na tentativa de mostrar aos não índios os significados
que estavam presentes naquele território. Nesse sentido, procuraram ajuda dos Tuxá, do
município de Rodelas, também no norte da Bahia, para a reinvenção do ritual do Toré.
Este ritual ainda é realizado pelo grupo para celebrar sua relação com seus encantados,
que são definidos como seres espirituais presentes na natureza e naquele território. O
Toré é um ritual de agradecimento, e celebração da terra é uma forma de consagrar seu
território aos espíritos encantados para que seja protegido.
Outro aspecto marcante durante a retomada das terras foram às estratégias
adotadas pela liderança Kiriri: roças comunitárias, definição dos marcos e ocupação de
pontos importantes do território como as grandes fazendas. Estas estratégias geraram
divergências no grupo, o que também gerou conflitos, com destaque para dois líderes
que passaram a representar a divisão da aldeia: Lázaro Gonzaga e Manoel Batista.
Durante muito tempo os dois disputavam a liderança de alguns povoados, ao fim do
80
processo Lázaro assumiu como cacique de Mirandela e Manoel Batista de alguns outros
povoados.
Depois das terras demarcadas e reconhecidas Lázaro Gonzaga continuou como
cacique da vila por algum tempo, porém em meados dos anos 2000, também movido
pela discordância na política adotada por este cacique, o índio Marcelo de Jesus assumiu
como uma nova liderança em Mirandela, adotando uma política mais moderna, com a
implantação de projetos, instalação de equipamentos de informática, na vila, entre
outros serviços. A partir daí, uma nova atmosfera de conflito se instalou entre os Kiriri,
e atualmente a vila está dividida em dois grupos sob as distintas lideranças.
A luta pela retomada das terras enfrentada pelos Kiriri carregava significados
particulares para este grupo. Tratava-se não apenas de reconquistar e demarcar uma
faixa de terra, mas retomar aquele território significava voltar às raízes. Na visão dos
Kiriri, a terra não serve somente para plantar, mas para viver.
O processo de demarcação e retirada dos posseiros que habitavam nas terras
durou mais de 20 anos sendo concluído apenas no final da década de 1990. Nesse
contexto de conflitos, a vila Mirandela tornou-se o centro de resistência dos Kiriri e até
os dias atuais permanece como local de encontro, comemorações, rituais celebrados e
disputa do grupo indígena.
A terra e o território para os Kiriri são o seu espaço, o seu lugar. Viver em
Mirandela, demarcada e reconhecida, sem a presença de não índios, significa viver o
direito que os Kiriri têm sobre aquela terra e uma forma de continuar resistindo para que
sua cultura seja repassada para outras gerações, e para que sejam definitivamente livres.
Vale destacar ainda que a confecção deste relatório de pesquisa despertou para
inúmeras questões que ainda cercam os povos indígenas no Nordeste, especialmente na
Bahia. Notou-se que estes povos, historicamente, vivem em uma realidade onde os
conflitos são permanentes. Mesmo com a identificação do grupo como um só, são
presentes as discordâncias políticas e culturais. A realização deste trabalho foi um
desafio, acadêmico e pessoal. Faltou fôlego ao fim da jornada, contudo, a experiência
adquirida tornou-se fundamental para continuar e superar os desafios. Que este trabalho
sirva para gerações futuras que se debruçam sobre a complexa realidade em que vivem
os índios Kiriri de Mirandela.
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