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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
Departamento de Ciências Sociais Aplicadas
Colegiado do Curso de Ciências Econômicas
ACESSO FINANCEIRO E POBREZA: MEDIDAS RECENTE DE
INCLUSÃO FINANCEIRA NO BRASIL.
Patrícia Rejane Martins Bastos
Feira de Santana
2008
PATRÍCIA REJANE MARTINS BASTOS
ACESSO FINANCEIRO E POBREZA: MEDIDAS RECENTES DE
INCLUSÃO FINANCEIRA NO BRASIL.
Monografia apresentada ao Colegiado do Curso
de Ciências Econômicas como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em Ciências
Econômicas pela Universidade Estadual de Feira
de Santana.
Orientadora:
Professora Ms. Maria Emília Marques Fagundes
Feira de Santana
2008
TERMO DE APROVAÇÃO
PATRÍCIA REJANE MARTINS BASTOS
ACESSO FINANCEIRO E POBREZA: MEDIDAS RECENTES DE
INCLUSÃO FINANCEIRA NO BRASIL.
Monografia apresentada ao Colegiado do Curso
de Ciências Econômicas como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em Ciências
Econômicas pela Universidade Estadual de Feira
de Santana.
Banca examinadora:
________________________________________
Professora Ms. Maria Emília Marques Fagundes
Orientadora – UEFS
_______________________________________
Professora Dra. Márcia da Silva Pedreira – UEFS
__________________________________________
Professor Dr. Antônio Ricardo Dantas Caffé – UEFS
Feira de Santana, 2008.
RESUMO
Com o objetivo de evidenciar a inclusão financeira da população pobre por meio de instrumentos
financeiros, este estudo primeiramente responde, dentro da teoria econômica dominante, por que
uma parte da demanda por financiamento é sistematicamente excluída da oferta de crédito.
Evidenciada a exclusão financeira, procura-se compreender a importância do acesso financeiro
para o combate à pobreza, da qual decorrem recomendações políticas e ações dos governos
visando reduzir a pobreza e promover a cidadania pelas vias do acesso financeiro. O trabalho
segue caracterizando os instrumentos de inclusão financeira: microcrédito, crédito consignado,
correspondente não bancário e contas especiais; descreve sucintamente o marco regulatório e
analisa o alcance destas iniciativas no Brasil.
Palavras chaves: Mercado de Crédito Formal, Assimetria de Informações, Combate à Pobreza e
Inclusão Financeira.
ABSTRACT
With the objective to evidence the financial inclusion of the poor population by means of
financial instruments, this study first it answers, inside of the dominant economic theory, why a
part of the demand for financing systematically is excluded from offers of credit. Evidenced the
financial exclusion, it is looked to understand the importance of the financial access for the
combat to the poverty, of which recommendations elapse politics and action of the governments
aiming at to reduce the poverty and to promote the citizenship for the ways of the financial
access. The work contemplates, still, a characterization of the instruments of financial inclusion:
microcredit, consigned credit, corresponding bank clerk and simplified accounts; describe the
regulatory landmark briefly and analyze the reach of these initiatives in Brazil.
Keywords: Market Credit Formal, asymmetry of information, Fighting Poverty and Financial
Inclusion.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Proporção do Spread Bancário Brasil – 2001-2004...........................................34
Tabela 2: Evolução do Aprofundamento Financeiro – 1990-2004................................... 39
Tabela 3: Evolução do Microcrédito no Brasil, 2004-2007.............................................. 47
Tabela 4: Instalações bancárias no País............................................................................ 55
LISTA DE GRÁFICO
Gráfico 1: Retorno Esperado Pelos Bancos em Função da Taxa de Juros Nominal.......... 20
Gráfico 2: Retorno Esperado com Racionamento de Demanda......................................... 22
Gráfico 3: Municípios Desassistidos.................................................................................. 36
Gráfico 4: Evolução do Microcrédito No Brasil, 2004-2007............................................. 46
Gráfico 5: Valores Médios de Microcrédito, Brasil – 2004-2007...................................... 47
Gráfico 6: Prazo Médio de Empréstimos de Microcrédito, Brasil – 2004-2007................ 48
Gráfico 7: Evolução das Contas Consignadas no Brasil – 2004-2007............................... 51
Gráfico 8: Empréstimos Consignados por Faixa de Benefícios do INSS, Brasil – 2004-
2007..................................................................................................................................... 52
Gráfico 9: Evolução das Contas-Corrente Simplificadas no Brasil – 2004-2007................58
Gráfico 10: Base de Crédito Disponível – Por Valores....................................................... 59
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Produtos e Serviços dos Correspondentes não Bancários........................................... 54
LISTA DE SIGLAS
ANEFAC Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e
Contabilidade
BCB Banco Central do Brasil
BNB Banco do Nordeste do Brasil
BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CEAPE Centro de Apoio aos Microempreendedores
CEF Caixa Econômica Federal
CLT Consolidação de Leis dos Trabalhadores
CMN Conselho Monetário Nacional
DATAPREV Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social
ECINF Economia Informal Urbana
IBOPE Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
MP Medida Provisória
OSCIP Organizações das Sociedades Civis de Interesse Público
PIB Produto Interno Bruto
PNMPO Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado
SCR Sistema Central de Risco de Crédito
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SCM Sociedades de Crédito ao Microempreendedor
UNO União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO.........................................................................................15
CAPÍTULO 2: MERCADO DE CRÉDITO E POBREZA............................................ 17
2.1 MERCADO DE CRÉDITO: A QUESTÃO DO RACIONAMENTO............. 17
2.2 ACESSO FINANCEIRO E POBREZA............................................................ 24
CAPÍTULO 3: INSTRUMENTOS DE ACESSO FINANCEIRO................................. 31
3.1 MICROCRÉDITO............................................................................................. 31
3.2 CRÉDITO CONSIGNADO.............................................................................. 33
3.3 CORRESPONDENTE NÃO BANCÁRIO....................................................... 35
3.4 CONTAS ESPECIAIS....................................................................................... 36
CAPÍTULO 4: MEDIDAS DE ACESSO FINANCEIRO NO BRASIL .......................38
4.1 CONTEXTO DE INCLUSÃO FINANCEIRA NA AMERICA LATINA........ 38
4.2 MEDIDAS DE INCLUSÃO FINANCEIRA NO BRASIL................................41
4.2.1 Microcrédito..................................................................................... 43
4.2.2 Crédito Consignado.......................................................................... 49
4.2.3 Correspondente não Bancário.......................................................... 53
4.2.4 Contas Especiais............................................................................... 56
CAPÍTULO 5: CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 60
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 62
15
1. INTRODUÇÃO
Até pouco tempo observava-se um completo distanciamento entre as instituições
bancárias e as famílias pobres. Ora, para que se obtenha acesso a crédito, o requerimento
principal é a segurança de uma renda suficiente para garantir o pagamento. Mas os membros das
famílias pobres se caracterizam justamente por não poderem atender essa exigência devido à
renda baixa e insegura. Sendo assim, surge um outro ator nesta relação, o Estado, que assume a
função de mentor e indutor de ações que visem à inclusão da população desassistida no mercado
de crédito bancário.
Neste contexto, a criação de novos instrumentos financeiros e a adoção de práticas
institucionais vem sendo fomentada sob o argumento de representar um meio para a redução da
pobreza, promoção da cidadania e do crescimento econômico. Ocorrendo em vista desta
motivação, a adoção de medidas de acesso financeiro em todo o mundo, especialmente nos países
menos desenvolvidos, como acesso ao microcrédito, aos caixas eletrônicos, correspondente não
bancário, dentre outros.
Com base na motivação de inclusão financeira, o presente trabalho monográfico analisa
algumas medidas de acesso financeiro aplicadas no Brasil, em termos do marco regulatório e sua
evolução temporal, tendo como objetivo geral discutir a efetividade destas ações com vista ao
alcance do público-alvo destas iniciativas. Especificamente, tem-se por objetivos: (i) evidenciar a
exclusão financeira dos grupos de baixa renda a partir da noção de mercados com assimetria de
informações; (ii) tratar da relação do acesso financeiro com a pobreza; (iii) analisar, com base na
regulamentação, se de fato as medidas adotadas têm logrado introduzir as famílias pobres no
mercado bancário.
Quanto aos procedimentos metodológicos, este trabalho apoiou-se, fundamentalmente, em
referências bibliográficas e fontes secundárias de investigação, além das normas de regulação dos
instrumentos – microcrédito, correspondentes não bancário, contas especiais e crédito
consignado. Vale salientar que, no corpo do trabalho os termos famílias pobres e de baixa renda
são utilizados indistintamente para referir-se àquelas que compõem as classes sócio-econômicas
D e E da população. Os rendimentos familiares deste grupo não ultrapassam a faixa de três
salários mínimos, o qual representou em 2006 mais de 50% da população brasileira.
16
Para atingir os objetivos propostos, o texto está estruturado três capítulos. O primeiro
apresenta as razões para o racionamento do crédito no sistema bancário e quem é o alvo deste
racionamento. O estudo parte da visão convencional de mercados competitivos, procurando
estruturar a idéia de mercado que funciona imperfeitamente devido às falhas informacionais.
Contempla, também, as razões para a inclusão financeira, voltadas, em geral, à capacitação, ao
desenvolvimento de habilidades e à promoção da cidadania pelo acesso a alguma forma de
crédito ou prestação de serviços bancários. No segundo capítulo, o estudo se pauta em apresentar
os instrumentos de acesso quanto às características destes instrumentos e como elas reduzem as
assimetrias de informações. O terceiro capítulo trata da análise dos instrumentos no Brasil com
foco na identificação do alcance ao público-alvo. Por fim, na conclusão, são elencadas algumas
críticas sobre conjunto da exposição.
17
2. MERCADO DE CRÉDITO E POBREZA
Esse capítulo objetiva discutir as dificuldades de acesso ao sistema bancário por parte dos
pobres em virtude da lógica excludente de seu funcionamento. Na primeira parte, analisa-se a
estrutura do mercado de crédito imperfeito, proposição formalizada por Stiglitz e Weiss (1981)
de que o mercado de crédito opera no equilíbrio com racionamento. A segunda parte toma por
base esta proposição para estudar seus efeitos sobre a distribuição de riquezas e as motivações do
acesso financeiro com intuito de reduzir a pobreza.
2.1 Mercado de Crédito Bancário: a questão do racionamento
As especificidades do mercado de crédito bancário são substanciais para a compreensão
das razões do mau funcionamento do sistema bancário dentro da visão microeconômica de
mercados1 competitivos. Nesta visão, presume-se que as pessoas vão ao mercado com certos
bens, desejosas de efetuar trocas conforme o preço dos bens. Se, a estes preços, a quantidade
ofertada iguala-se à demandada, o mercado estará em equilíbrio – situação na qual nenhuma das
partes enxerga vantagens em executar transações fora do preço de equilíbrio, o que caracteriza
uma alocação eficiente no sentido de Pareto. Se a oferta e a demanda, entretanto, estiverem em
desequilíbrio elas serão ajustadas mediante o sistema de preços até que os recursos sejam
alocados com eficiência. Assim, no caso, por exemplo, de um mercado apresentar excesso de
oferta, esta exercerá pressão decrescente sobre os preços até que se passe a operar em equilíbrio.
Estruturas de mercados coordenadas pelas forças da oferta e demanda sobre os preços
caracterizam-se por: (i) atomicidade do mercado; (ii) homogeneidade dos produtos; (iii) perfeito
acesso às informações; e (iv) perfeita mobilidade de entrada e saída do mercado. Estas condições
figuram um conjunto ideal de atribuições para o perfeito funcionamento do mercado. Os
mercados, quando assim caracterizados, são denominados de perfeitamente competitivos, não
havendo possibilidades de determinação dos preços por um agente econômico individual.
1 Os mercados são criados pela interação entre compradores e vendedores de bens e serviços.
18
O mercado bancário normalmente opera concedendo crédito através do estabelecimento
de “laços” de confiança. Essa é uma relação contratual onde a parte credora concede poder de
compra à devedora mediante o compromisso de reembolso futuro com juros. A existência de uma
defasagem temporal entre o momento de prestação do crédito e o momento da contraprestação
torna necessário que haja uma relação de confiança entre as partes, ou seja, certeza presumida de
que a obrigação será efetivamente liquidada dentro das condições contratuais pré-estabelecidas na
operação de crédito.
Para a economia como um todo, o mercado bancário tem a função estratégica, segundo a
visão convencional, de intermediar recursos do poupador (superavitário) para o investidor
(deficitário)2. A parte que poupa abstém-se do consumo presente para usufruir um maior no
futuro, já os investidores utilizam os empréstimos para inversões produtivas na expectativa de
sucesso que lhes garantam retornos lucrativos, ou seja, maiores que o montante emprestado.
Dentro deste formato, a taxa de juros representa o preço que equilibra oferta e demanda por
empréstimos, operando, neste sentido, dentro da lógica de mercados competitivos. Qualquer
situação fora desta mecânica perfeita é compreendida como distúrbios que desequilibram
passageiramente o mercado.
Porém, diferentemente dos mercados convencionais de bens, no mercado de crédito os
produtos transacionados não são homogêneos, de modo que um mesmo produto – contrato com
taxa de juros, prazos e garantias iguais – para pessoas A e B pode representar produtos diferentes
quanto aos custos de transação e monitoramento incorridos. Isso ocorre em função dos diferentes
níveis de riscos atribuídos aos tomadores de empréstimos. Com efeito, uma atividade que tem por
base o firmamento de “laços” de confiança, por sua própria natureza, está vulnerável a riscos de
não pagamento.
Na literatura econômica, a questão dos riscos inclusos na natureza do processo de
intermediação por muito passou desapercebido. A partir do início dos anos 70, trabalhos que
apontavam para um comportamento ativo dos intermediadores financeiros mostravam claras
evidências do caráter imperfeito dos mercados financeiros.
Ronald Mckinnon (1978), focando nos mercados de capitais3, fez estudo de caso dos
países semi-industrializados, dentre eles Brasil, Chile e Turquia, sobre a relação entre o sistema
² Ver Gurley e Shaw (1955) 3 O conceito de mercados de capitais é utilizado por este autor para designar qualquer tipo de financiamento do
investimento direto ou indireto.
19
financeiro e o crescimento econômico. Mckinnon constatou a formação de taxa de juros reais
diferenciadas (fragmentadas) em função das incertezas quanto às características dos tomadores de
recursos. Segundo o autor, as incertezas interpessoais representam um elemento chave para
entender os problemas envolvidos no financiamento de projetos nesses países. O fato das
unidades credoras terem poucas informações sobre os tomadores de recursos cria um ambiente de
insegurança em vista da possibilidade de inadimplência do devedor, limitando a concessão de
empréstimos. A escassez de capital para empréstimos, por sua vez, limita a capacidade de
aumento nas taxas de investimento da economia, pois os empreendedores ou se restringem ao
autofinanciamento ou recebem crédito em condições inadequadas – com encurtamento do
horizonte temporal de empréstimo e exigências pesadas. Dessa forma, os mercados operam
represando poupança, um funcionamento imperfeito, o que, conseqüentemente, suprime a
capacidade de desenvolvimento empresarial e condena importantes setores da economia a
produzir com uso de tecnologias inferiores.
Evidências que mercados podem funcionar imperfeitamente devido a problemas de
insuficiência de informação estão presentes também no trabalho de Akerlof citado por Cavalcante
(2004), na análise do mercado de carros usados. Akerlof observou que o comprador, por dispor
de informações limitadas sobre o produto que pretendia adquirir, no caso de carros usados, não
conseguia discernir claramente sua qualidade, se estava levando um bom carro ou um “limão”4,
obrigando aquele que tinha um bom automóvel a vendê-lo com deságio por levar em conta o
risco que o comprador estaria assumindo. Dentro da dinâmica de mercado acontece que o
vendedor tem uma percepção clara da qualidade do carro que vende, enquanto os compradores
não possuem informações suficientes para distinguir a qualidade do mesmo. Como há pessoas
que tentam vender carros ruins, a percepção do comprador quanto aos preços médios do carro
usado cairá, o que prejudica quem vende carros bons, pois nesta condição ou venderão com
deságio ou não venderão. Esse é um caso clássico de falhas de mercado resultante de problemas
informacionais que afetam seu funcionamento.
Na visão convencional, a incorporação do conceito de falhas de mercados5 ajudou a
compreender problemas no equacionamento da oferta e demanda que outrora eram atribuídos a
choques transitórios na economia. O conceito de assimetria de informação, que parte da
4 Expressão utilizada pelo autor para designar um carro de má qualidade. 5 As falhas de mercado referem-se à incapacidade que alguns mercados não regulamentados têm de alocar recursos
com eficiência. (MANKIW, 2002, p.154)
20
percepção de que um agente detém maiores informações sobre determinado aspecto do objeto da
transação do que o outro, serviu como hipótese ad hoc ao modelo de equilíbrio geral,
fundamental para o desenvolvimento de estudos mais coerentes com a realidade.
Stiglitz e Weiss (1981), autores de um influente trabalho sobre o racionamento de crédito
por assimetria de informações, assinalam que o erro de muitos modelos de equilíbrio geral é
considerar os preços flexíveis, quando na verdade são ordenados e influenciados por fatores
externos à lógica de ajustes da oferta e demanda dos mercados. A rigidez dos preços, preconizada
pelos novos-keynesianos, deve-se ao comportamento racional do agente maximizador, no caso os
bancos, que avaliam, na determinação dos preços e quantidade ofertada, os riscos de default
ocasionados pela distribuição desigual das informações. Assim, considerando os estímulos a um
comportamento oportunista da parte melhor informada (a devedora), os bancos analisam os riscos
envolvidos nas transações financeiras para definir o preço-ótimo, ou seja, a taxa de juros que
maximiza o retorno esperado. Conforme o gráfico 01:
Retorno
Esperado dos
Bancos
π (r*)
r* Taxa de juros nominal
Gráfico 01 – Retorno esperado pelos bancos em função da taxa de juros nominal
Fonte: Braga (2000).
Como observado no gráfico, a taxa de juros para empréstimos segue uma trajetória
crescente até alcançar o retorno máximo esperado. A partir desse ponto, os bancos não são
estimulados a ofertar crédito, ainda que a juros mais altos, dados os riscos envolvidos nas
operações.
Como visto, a assimetria de informações é responsável pelo mau funcionamento do
sistema bancário. Vale, contudo, salientar que da distribuição desigual de informações derivam os
problemas da seleção adversa (ex ante) à formalização do contrato e do risco moral (ex post) à
concessão de crédito.
21
A seleção adversa está associada à capacidade de pagamento do empréstimo, sob fortes
evidências de correlação positiva entre taxa de juros e nível de inadimplência. Como os bancos a
priori não conseguem distinguir os bons e maus pagadores, eles utilizam as taxas de juros como
parâmetro na seleção de projetos. Stiglitz e Weiss (1981) demonstram que os demandantes
dispostos a pagar taxas de juros mais altas, em média, são os que oferecem maiores riscos. Os
autores argumentam que taxas de juros mais altas induzem empresas a empreender projetos com
baixa probabilidade de sucesso, mas com retornos altos, em caso de êxito. Já para os projetos
mais seguros, que em geral implicam menores retornos esperados, não há aceitação dessas taxas.
O outro problema, conhecido como efeito incentivo adverso ou risco moral, está
associado à disposição do tomador de cumprir as obrigações contratuais, abrindo a possibilidade
de que demandantes de baixo risco tornem-se inadimplentes. A intenção do tomador de não
executar o pagamento da dívida pode ser observada em ambientes institucionais dominado por
regras sociais e jurídicas insuficientes ou pouco claras, levando alguns devedores a optar pela
quebra dos contratos (BURIGO, 2006). Em alguns casos, por exemplo, os incentivos adversos
resultam do fato do emprestador demonstrar incapacidade (real ou presumida) de estabelecer
medidas efetivas para cobrar as dívidas, levando à percepção de que custos de inadimplência são
menores que o custo de quitar a dívida (BRAGA, 2000).
Uma forma que os bancos encontraram de se precaver contras os problemas do risco
moral é formalizando contratos com imposição de colaterais, isto é, contratos que prevêem, no
caso de inadimplência, garantias sob a forma de bens ou de taxas sobre a receita do
empreendimento financiado. Braga (2000) explica que as exigências de colaterais constituem
uma maneira de evitar problemas de risco moral pela possibilidade de formalizar arranjo
contratual ótimo, caso não haja renegociação dos mesmos. Um contrato ótimo, segundo o autor, é
aquele no qual, em caso de inadimplência, o devedor é obrigado a entregar todo o seu produto e
receita ao credor.
Fora as circunstâncias de formalização de contratos “ótimos” e sabendo que o aumento
dos juros contribui adversamente para a seleção dos melhores tomadores (os de menores riscos),
em geral o funcionamento do mercado de crédito bancário é caracterizado por racionamento de
crédito. Isto, com já exposto no gráfico 01, é resultante do comportamento maximizador e,
sobretudo, defensivo dos agentes bancários, que se limitam a ofertar crédito ao preço que lhes
garanta retorno esperado, ou, nos termos utilizados por Herman (2003), que lhes garanta retorno
22
ajustado aos riscos. Desse modo, restringem o acesso de uma parte significativa da demanda aos
produtos bancários, como representado no gráfico abaixo:
Volume de
crédito
L(d²)
π L(s)
L(d¹)
r ¹ r* taxa nominal de juros
Gráfico 02: Retorno esperado com racionamento de demanda
Fonte: Braga (2000).
O gráfico acima retrata a relação entre volume de crédito e taxa nominal de juros. A oferta
de crédito é representada por L(s) e a demanda por L(d), juros por (π) e retorno por (r). Na
primeira situação, a demanda é completamente atendida, não figurando problemas de
racionamento. Contudo, na medida, que esta demanda é crescente, a oferta de crédito a
acompanha até um ponto limite – quando a taxa de juros iguala-se ao retorno esperado. A partir
deste ponto, o crescimento da demanda não é acompanhado pelo dos juros e L(s) < L(d). Em tal
situação, o mercado opera, como preconizado por Stiglitz e Weiss (1981), em equilíbrio com
racionamento de crédito. Como bem sintetiza Studart e Sobreira (1997):
O racionamento de crédito tem como base a perspectiva de default associada à evolução
da taxa de juros. Em outras palavras, a taxa de juros funcionaria como um esquema
eficiente de seleção entre tomadores até determinado nível. A partir deste ponto, o banco passa a racionar o crédito, pois maiores taxas de juros levaria a um crescimento do moral
hazard e, consequentemente, da seleção adversa, fazendo com que a perda associada ao
default superasse a receita do crédito. (STUDART e SOBREIRA, 1997, p. 5)
Na prática ele acontece quando entre demandantes aparentemente idênticos alguns
recebem crédito e outros não, estes últimos não receberiam ainda que pagassem juros altos
(DEOS, 2001). Também ocorre quando as instituições credoras fazem empréstimos de quantias
23
menores que o desejado pelo tomador, neste caso o racionamento se dá na magnitude do
empréstimo concedido, que é inferior ao desejado pelo cliente (CARVALHO, 2000).
A questão do racionamento, como característico do funcionamento do mercado bancário,
chama atenção para a identificação do público normalmente excluído do mercado. Este público
refere-se ao segmento pobre da sociedade, caracterizado basicamente pela insegurança e
insuficiência de renda. A seleção adversa, que acontece antes da formalização do contrato, está
ligada à percepção de altos riscos, principalmente associado (i) à instabilidade dos pequenos
negócios, devido à baixa capacidade organizacional, de competição e pelo fato de estar mais
vulnerável a choques econômicos; (ii) à limitada capacidade de pagamento dos tomadores,
medida pela falta de garantias que assegurem reembolso do empréstimo bancário, e (iii) aos
elevados custos das operações de crédito de pequena monta. Este último refere-se aos custos
administrativos, um valor relativamente fixo, que tende, portanto, a ser mais relevante quanto
menor for o montante de operação realizada, encarecendo o crédito de pequenos valores.
A exclusão das famílias pobres também pode ocorrer por meio de restrições cadastrais na
abertura de contas bancárias e por fatores locacionais – correspondente à área geográfica
abrangida pelo sistema bancário. Dadas às exigências de comprovação de renda e residência,
essas famílias são normalmente impedidas por apresentarem renda inferior ao mínimo exigido ou
por residirem em moradias não regularizadas. Quanto aos fatores locacionais, referem-se às
famílias localizadas em áreas remotas, as quais são excluídas dos serviços bancários em razão
destas áreas geográficas apresentarem um nível de atividade econômica insuficiente para cobrir
os custos fixos de uma agência. Em geral, pode-se resumir essa seqüência de limitações na
definição apresentada por Anjali Kumar (2004, p.7) de que exclusão financeira significa a
“incapacidade de acessar os serviços financeiros sob formas adequadas, resultantes de
dificuldades relacionadas às condições de preços, comercialização de serviços ou [por fatores
locacionais].”
Assim, percebe-se que as famílias pobres e os microempresários6 são, em geral,
segmentos de pouca atuação das instituições bancárias, estando sistematicamente excluídos do
acesso formal a produtos e serviços financeiros. Na próxima seção, aborda-se a discussão sobre o
6 As microempresas são micro unidades empresariais com receita bruta anual inferior a US$ 144.585,00 e/ou
estabelecimentos industriais com até 19 pessoas ocupadas e, no comércio e na prestação de serviços com até 9
pessoas ocupadas.
24
acesso financeiro como medida de combate à pobreza, e a atuação do Banco Mundial –
instituição que tem exercido uma influente participação na organização, apoio e financiamento de
políticas de combate à pobreza em âmbito mundial.
2.2 Acesso Financeiro e Pobreza
Como visto na seção anterior, a assimetria de informações tem relevante valor explicativo
para a compreensão da razão do sistema bancário operar com excessos de demanda. Nessas
circunstâncias, como já observado, o público de menor renda comporá a demanda excluída,
permanecendo à margem do sistema financeiro convencional. Partindo dessa constatação e do seu
efeito sobre a distribuição de riquezas no longo prazo, esta seção centra-se na discussão sobre o
acesso financeiro como medida de enfrentamento da pobreza, contextualizando-a a partir da
análise das recomendações de combate à pobreza do Banco Mundial.
Sobre os efeitos da negação do acesso financeiro às famílias pobres, autores que tratam da
distribuição de riquezas no longo prazo, como por exemplo, Galor e Zaire (1993) e Bennerjee &
Newman (1993), admitem que as imperfeições no mercado de crédito criam barreiras para o
aumento da renda por intermédio de investimentos na unidade familiar.
Galor e Zaire (1993) analisam a distribuição de renda para o investimento em capital
humano7, enfatizando o fato de que a distribuição da riqueza inicial afeta o crescimento no longo
prazo. Em seu estudo, observaram os padrões de crescimento entre os países, apontando forte
correlação entre distribuição de renda e renda per capita. Eles partem da suposição de que os
indivíduos são idênticos quanto às habilidades potenciais, diferenciando-se quanto à riqueza
herdada, sendo o tipo de investimento realizado no tempo presente importante para determinação
da riqueza no futuro, ou seja, se os pais investirem na educação e capacitação de seus filhos,
possivelmente, a família terá um aumento de riqueza no longo prazo.
O argumento central destes autores é que é a herança de cada indivíduo que determina
suas possibilidades de investimento em capital humano, isto é, os que herdam quantias altas têm
7 O capital humano significa o tanto que cada indivíduo investe em si mesmo, sobretudo no que se refere à educação.
O raciocínio básico segundo Ugá (2004) é que o aumento da educação dos trabalhadores trará maiores habilidades e
conhecimento que refletiriam sobre a produtividade do trabalhador e a competitividade, acabando por elevar a renda
dos indivíduos.
25
acesso mais fácil ao investimento em capital humano, e, conseqüentemente, maior possibilidade
de ascensão econômica, tendo em vista que a imperfeição no mercado de crédito impede o acesso
generalizado da população ao financiamento bancário. Em outras palavras, as imperfeições de
curto prazo deste mercado são suficientes para que as condições de pobreza permaneçam ao
longo do tempo. Tal correlação sustenta, segundo os autores, a persistência do mesmo diferencial
de crescimento econômico entre países.
Bennerjee & Newman (1993) analisam o padrão de escolha profissional e o processo de
desenvolvimento. Eles argumentam que a evolução das formas institucionais e contratuais da
estrutura de ocupação é afetada pelo processo de desenvolvimento e distribuição de riquezas.
Explicam que, devido ao racionamento no mercado de crédito, as pessoas só poderão pedir
emprestado até determinada quantidade, de modo que as ocupações que requerem níveis altos de
investimento não estarão ao alcance das pessoas pobres – situação que evidencia a clara
dependência das condições iniciais de riqueza. Na mesma direção dos primeiros autores,
concluem que as escolhas são determinadas pela distribuição inicial de riquezas, podendo o
eventual acesso a financiamento contribuir para a abertura de novas possibilidades de ocupação
às camadas desprovidas de recursos.
Incorporando essa idéia, o Banco Mundial, no Relatório sobre o desenvolvimento mundial
de 1990, propôs aos países políticas focalizadas no aumento do capital humano, referindo-se à
necessidade do governo prestar serviços sociais, de educação e saúde, com vistas à diminuição da
pobreza. De acordo com este documento, como é analisado por Ugá (2004), o investimento em
capital humano é considerado importante na redução da pobreza, pois, sendo o tempo de trabalho
o principal bem dos pobres, a educação consistiria numa forma de aumentar a produtividade deste
bem, tornando o indivíduo mais apto a competir com os outros por um emprego melhor no
mercado, obtendo, conseqüentemente uma renda maior.
A discussão sobre o acesso financeiro e seus efeitos sobre a pobreza avança a partir da
argumentação levantada por Muhammad Yunus (2006). Esse autor, o idealizador de uma nova
metodologia institucional para orientar a concessão de crédito às camadas de baixa renda, parte
da premissa de que os pobres têm habilidades profissionais não utilizadas ou subutilizadas,
faltando-lhes recursos para explorá-las. Ele enfatiza a criatividade dos indivíduos e a capacidade
de desenvolver trabalhos autônomos. Para este autor, os economistas fundamentaram uma
estrutura analítica incompleta para a economia (teoria microeconômica), na qual, de um lado, o
26
indivíduo é visto como consumidor (teoria do consumo) e, por outro, como trabalhador (teoria da
produção), cabendo aos empresários coordenar as atividades produtivas, não havendo espaço
nesta relação para se tratar da criatividade inerente a cada ser humano. Yunus coloca em
evidência o trabalho autônomo, enumera vantagens com relação ao trabalho assalariado, entre as
quais a possibilidade de transformar uma atividade recreativa em remunerada, e declara que “não
é o trabalho que salva os pobres, mas o capital ligado ao trabalho” (2006, p.270). Assim, o
acesso ao crédito produtivo viria no sentido de capitalizar o individuo, dando possibilidades para
exploração das habilidades individuais da população pobre, constituindo, dessa forma, o caminho
para a superação da pobreza.
A formulação de Muhammad Yunus (2006) dá um novo enfoque ao investimento em
“capital humano”, que passa a se dirigir não apenas para a qualificação profissional, como
proposto anteriormente por autores Bennerjee & Newman (1993) e Galor e Zaire (1993), mas
também para a exploração das habilidades que os indivíduos já possuem.
Diversas pesquisas que tratam dos impactos do acesso financeiro sobre os níveis de
pobreza na atualidade tomam como partida os expressivos resultados do programa de
microcrédito Grameen Bank idealizado por Yunus. Esse programa, reconhecido pelo sucesso na
redução da pobreza em Bangladesh, introduziu inovações na dinâmica do mercado de crédito
bancário, como a formação de grupos para a concessão de crédito, a simplificação das
formalidades contratuais, extinção do procedimento padrão de análise contábil da capacidade de
pagamento e a extinção das exigências de garantia nos contratos, preservando-se, contudo,
sustentáveis dentro da lógica competitiva de mercado. Dessa forma, quebra-se o paradigma de
que a população pobre, devido à insuficiência de renda, é terminantemente incapaz de participar
do mercado de crédito.
Daley-Harris (2002), num trabalho focado em identificar o impacto do microcrédito sobre
pobreza, constata que o programa de microcrédito aumenta a probabilidade dos seus participantes
sairem da linha da pobreza, aumentando o bem-estar nas economias locais. Em Bangladesh, por
exemplo, o programa de microcrédito reduziu o problema da fome, aumentando a propensão de
consumo doméstico dos participantes e contribuindo para o aumento do emprego dada a
ampliação da demanda agregada. Foi calculado que o pedido de empréstimo de um programa de
microcrédito pode reduzir a pobreza moderada entre participantes em até 20% e a pobreza
27
extrema (indigência) em 22%, reforçando a idéia de que o microcrédito é um instrumento
financeiro que alivia o sofrimento das famílias pobres.
Nesta mesma época, o relatório do Banco Mundial – (WORLD BANK, 2000-2001),
absorvendo as novas formas de abordar a questão da pobreza, propõe estratégias diferenciadas
das que foram apresentadas no relatório de 1990. Enquanto o primeiro documento priorizava a
variável renda na mensuração do fenômeno da pobreza, requerendo políticas que estimulassem a
criação de oportunidades econômicas para as famílias pobres, o relatório de 2000-2001 considera
a pobreza um fenômeno multidimensional, decorrente de privações produzidas tanto no processo
econômico como também nos âmbitos político e social, requerendo que o Estado formule
estratégias de expansão das capacidades humanas, para que, com liberdade, os pobres possam
alcançar seus objetivos de vida.
Essa noção de pobreza foi introduzida pelo economista indiano Amartya Sen (2000) que
procura demonstrar que o desenvolvimento pode ser compreendido como um processo de
expansão das liberdades substantivas dos indivíduos, as quais são determinadas não somente pela
renda, mas também pela liberdade de participar da vida social e política de uma comunidade. A
pobreza de renda representa uma fonte de privação da liberdade em geral, da capacidade humana
de levar o tipo de vida que valoriza, pois, nessa situação, os indivíduos limitam-se à busca do
atendimento de suas necessidades básicas de alimentação, moradia e assistência à saúde. Como
afirma o autor, “a ausência de liberdade substantiva relaciona-se diretamente com a pobreza
econômica que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória
ou remédios para doenças tratáveis [...].” (2000, p.18).
Sen (2000) busca enfatizar as implicações que a ausência de uma liberdade exerce sobre
outra, interligando considerações econômicas, políticas e sociais num só conjunto em que a
privação de liberdade econômica pode causar privação de liberdade social e política, como vice-
versa. Daí argumenta que a motivação do combate à pobreza não deve centrar-se apenas na
redução da pobreza de renda em si, isto porque devem ser consideradas as implicações sobre a
liberdade de iniciativas e as habilidades dos indivíduos. Como pode ser observado na própria
questão do desemprego, seu efeito não se limita à mera deficiência de renda, gerando também
impactos sobre a exclusão social, perda da autonomia, da autoconfiança e da saúde física e
psicológica.
28
O Banco Mundial, nesta perspectiva, vem recomendando políticas que visem o aumento
da capacidade humana da população pobre dos países. Uma destas políticas refere-se ao ingresso
dos pobres nos mercados em que são sistematicamente excluídos, como no caso do mercado de
crédito produtivo. O acesso ao crédito tem sido considerado a forma capaz de capitalizar os
indivíduos para o desenvolvimento de suas habilidades a ponto de romper as fronteiras da
pobreza.
Assim, as iniciativas popularizadas a partir das experiências de microcrédito do Banco
Grameem, em Bangladesh, vêm se espalhando por todo o mundo sob articulação do Banco
Mundial. Um marco significativo no reconhecimento e apoio dos programas de microcrédito foi a
Conferência Global sobre Microcrédito, realizada em fevereiro de 1997, em Washington, na qual
representantes de organismos governamentais, organizações não-governamentais, agências de
desenvolvimentos e instituições financeiras traçaram metas e planos de ações centrados no
crédito com instrumento de combate à pobreza. Fruto dessa Conferência foi criado a Microcredit
Summit Organization, instituição imbuída de organizar e monitorar o conjunto de ações no
cumprimento dos objetivos formulados no Encontro. Difundiram-se, deste modo, os programas
de microcrédito por todo o mundo, ampliando-se as experiências pioneiras dos anos 80, quando
foram fundados o BANCO SOL – Bolívia, o BANK RAKYAT - Indonésia e o FOSIS – Chile.
Não obstante, vale notar que as experiências atuais de microcrédito não necessariamente
seguem o modelo praticado pelo Grameen Bank, havendo uma diversidade de operações de
formato distinto do originalmente criado. Hermann (2005), contribuindo para uma melhor
distinção no âmbito conceitual, identifica dois modelos básicos de microcrédito: o “original”,
definido como instrumento de combate à pobreza pela geração de renda aos participantes do
programa; e o modelo “empresarial”, que é caracterizado como instrumento de financiamento
voltado ao apoio financeiro. Esses dois modelos, segundo a autora, podem ser diferenciados
quanto ao público-alvo, objetivo central e foco do programa. No modelo “original”, o público-
alvo são pessoas sem garantia de renda mínima para a sobrevivência; o objetivo central é geração
de renda e o foco do programa é criar uma demanda nova por meio do microcrédito. Já no
modelo “empresarial”, o alvo do programa são os pequenos produtores já estabelecidos, com
objetivo-chave de aumentar as atividades econômicas locais e foco em atender a demanda
reprimida do mercado de crédito bancário.
29
Do ponto de vista da geração de emprego e renda, segundo essa mesma autora, o
microcrédito no modelo “original” se apresenta como mais eficaz na geração direta de emprego
visto que se concentra no público sem ocupação. Sua principal limitação, contudo, reside em
identificar no conjunto de baixa renda a parcela mais pobre, foco preferencial do microcrédito.
Yunus (2006) assegura que o processo de seleção, que vai do treinamento de um grupo solidário
até o exame individual de cada componente, dá garantia de que só os mais necessitados
conseguirão integrar o programa de microcrédito. Como afirma, “queremos que nossos membros
tenham de superar dificuldades e aborrecimento, de modo que só aqueles genuinamente pobres
nos procurem.” (2006, p. 137). Quanto à qualidade do emprego gerado, a autora afirma que o
trabalho autônomo apresenta condições inferiores ao emprego formal. Ela justifica dizendo que
na prática os trabalhos realizados pelo setor informal são precários no que diz respeito aos
direitos trabalhistas e sociais, não sendo, portanto, uma “solução” ao problema da pobreza, mas
apenas um paliativo para os impactos do fraco crescimento e recessão econômica sobre a
população pobre.
Um outro aspecto da discussão do acesso financeiro vinculado à questão da pobreza
refere-se à própria conceituação do caráter da pobreza, que pode ser identificada como negação
dos direitos de cidadania. O entendimento de pobreza sob o prisma da cidadania ressalta a
importância de se compreender as práticas de cidadania via elaboração de identidades individuais
e coletivas e construção de espaços de pertencimento e de integração social dos sujeitos sob a
ótica da dinâmica societária (TELLES apud CONDES, 2008). Visto deste ângulo, o
enfrentamento da pobreza passa pela defesa dos direitos de cidadania, que combina liberdade,
participação e igualdade na busca de uma sociedade mais justa e igualitária.
Na atualidade, o acesso a serviços e produtos financeiros vem sendo considerado um
direito do cidadão contemporâneo. Seja pela praticidade do uso de meios de pagamentos
magnéticos, a segurança dos serviços de depósitos ou flexibilidade nas formas de pagamento dos
bens de consumo, o acesso financeiro tem figurado como um direito do cidadão. A idéia de
“cidadão financeiro” parte do pressuposto que os indivíduos têm habilidades para selecionar o
pacote de serviços que lhes são convenientes, cabendo aos bancos conceder empréstimos sob
condições favoráveis, especialmente no que diz respeito aos preços dos produtos. Neste contexto,
ao buscar serem mais eficientes e competitivos, os bancos estariam contribuindo para aumentar o
bem estar individual, e consequentemente o bem estar social. Entretanto, não se pode assumir que
30
os produtos vendidos pelos bancos aumentam invariavelmente o bem estar, especialmente os
dirigidos ao consumo, nem também que os indivíduos são inteiramente capazes de distinguir os
melhores produtos financeiros. Motivadas pelo acesso a recursos que antes não estavam
disponíveis, as pessoas podem subestimar a avaliação do custo dos empréstimos (as taxas de
juros), fomentando-se, dessa forma, a armadilha do endividamento.
Assim, pode-se afirmar que o acesso aos produtos e serviços financeiros não é garantia de
que haverá melhorias na condição de vida e renda da população excluída. Isto porque,
diferentemente do crédito produtivo, o crédito orientado para o consumo não capitaliza o
indivíduo para a geração de renda adicional, e, ao mesmo tempo, induz o comprometimento da
renda futura com o consumo presente. Nessa situação, o financiamento pode produzir um
endividamento crescente, o que, no limite, gera inadimplência. Não se deve desprezar, no
entanto, que o acesso ao crédito de consumo por parte da população pobre pode representar um
importante mecanismo de defesa contra choques orçamentários, como doença em um ente
familiar, além de possibilitar maior estabilidade de renda frente às sazonalidades do rendimento
familiar. Em outras palavras, o crédito pode funcionar como instrumento de ajustamento
intertemporal entre recursos disponíveis e necessidades. Tudo isso, entretanto, não deve
obscurecer o fato de que o acesso financeiro orientado ao consumo não cria mecanismos de
geração de renda direta, podendo, sim, implicar no maior comprometimento da já inconstante e
insuficiente renda dos indivíduos pobres. Nessa perspectiva, é importante que se atente ao tipo de
orientação seguida pelas políticas de acesso financeiro da população pobre, uma vez que seus
impactos são marcadamente distintos conforme o crédito se oriente para o financiamento do
consumo ou da atividade produtiva.
O próximo capítulo segue tratando dos instrumentos de acesso financeiro que vêm sendo
desenvolvidos em todo o mundo como forma de através da redução das assimetrias de
informações, aproximar a população pobre do mercado de crédito.
31
3. OS INSTRUMENTOS DE ACESSO FINANCEIRO
Esse capítulo apresenta alguns dos principais instrumentos de acesso financeiro da
população pobre, a saber: microcrédito, crédito consignado, correspondentes não bancários e
contas simplificadas. Eles serão definidos, caracterizados e analisados com o propósito de
evidenciar o modo como afetam os problemas de assimetria de informações. Para evitar
confusões de natureza terminológica, vale esclarecer que o termo instrumentos de acesso
financeiro é utilizado com o mesmo significado de atividades microfinanceiras, as quais
compreendem o conjunto de serviços financeiros voltados ao atendimento das necessidades
das famílias pobres.
3.1 Microcrédito
O microcrédito é a concessão de empréstimos de baixo valor para empreendedores
informais e microempresas, inclusive trabalhadores autônomos e agricultores familiares, sem
acesso ao sistema financeiro formal. É um crédito destinado à produção e concedido com o
uso de metodologia específica (BARONE et al, 2002). Este se configura numa iniciativa
voltada ao atendimento das necessidades produtivas de um grupo caracterizado pelo baixo
nível de escolaridade, de renda e carência habitacional, atributos que revelam a situação de
pobreza em que vive o público-alvo das atividades de microcrédito.
A vida financeira das famílias pobres se apóia normalmente em círculos sociais de
proximidades, são nas redes de relações de proximidades, do ambiente comunitário da
vizinhança, no amplo domínio da reciprocidade, que famílias pobres se reproduzem. O crédito
no âmbito das finanças informais é fruto, muitas vezes, destas relações de amizade e de
parentesco, as quais não podem ser encaradas como simples “negócios” (formalizações
contratuais), pois por envolver vínculos afetivos, essas relações ganham maior profundidade,
tornando-se obrigações de cunho moral.
A eficiência dos mercados de crédito informal reside particularmente neste fato, nas
relações onde “o interconhecimento e a partilha de um universo moral relativamente comum
permite a expectativa verossímil da obtenção de recursos e de seu pagamento”
(ABRAMOVAY, 2004, p.25). Caso não quite a dívida, o devedor fica sujeito ao bloqueio do
32
acesso ao crédito que, muitas vezes, representa única opção de suprir suas necessidades
financeiras.
Apesar das finanças informais constituírem uma forma de acesso fácil ao crédito, está
não é de um todo positivo, ou seja, não podem ser encaradas como solução para a exclusão
bancária, pois são marcadas pela propensão permanente de ligar a proximidade e
conhecimento interpessoal à dominação clientelista e a formas de exploração do trabalho
(MAGALHÃES, 2004). A figura do agiota é bem ilustrativa neste sentido, ele é o indivíduo
de melhor condição financeira que concede empréstimos às famílias excluídas do mercado de
crédito formal. O papel perverso exercido por este agente se dá quando, devido à carência de
recursos para amortizar o montante principal do empréstimo, os devedores sujeitam-se a pagar
juros excessivos, permanecendo continuamente subjugados ao agiota. Nestas condições, na
maioria das vezes, torna-se extremamente difícil para o financiado se desembaraçar de uma
dívida.
Os programas de microcrédito, neste campo, inovam justamente por integrar à
funcionalidade do crédito convencional, aspectos das finanças informais que reduzem a
insuficiência de informações. Como afirma Magalhães (2004), a peculiaridade do
microcrédito está em unir a capacidade gerencial desenvolvida na experiência bancária com a
construção de redes sociais de proximidade, reforçando a confiança e a cooperação, típica dos
mercados informais. Por isso as regiões que demonstram maior capacidade de organização e
mobilização são mais favoráveis às iniciativas cujas atividades são garantidas pela
solidariedade e confiança da comunidade. Assim, o maior nível de capital social, ligado ao
grau de vida associativa para o uso dos recursos – informações, idéias e apoio – possibilita o
melhor funcionamento de programas de microcrédito local.
Com metodologia diferenciada, podem-se destacar nos modelos de microcrédito três
especiais características que implicam a redução dos problemas de assimetria de informações
subjacentes ao mercado de crédito tradicional, a saber: (i) a participação do agente de crédito,
(ii) a garantia solidária e (iii) os prazos curtos e valores de empréstimos crescentes.
O agente de crédito é o indivíduo responsável por estabelecer uma relação profissional
de confiança entre a instituição de microcrédito e o agente devedor. Sua atuação está voltada à
orientação e prestação de informações relevantes ao êxito dos pequenos empreendedores. Já a
garantia solidária consiste na reunião de três a cinco pessoas com a finalidade de se
responsabilizarem mutuamente pelo crédito concedido ao grupo. Esse tipo de garantia
substitui o avalista/fiador na medida em que todo o grupo se compromete com o pagamento
do montante emprestado, isto é, no caso de inadimplência de um membro, todos os demais
33
respondem pelo valor não pago. Deste modo, na própria formação dos grupos, os membros
buscam excluir os maus pagadores e fortalecer a relação de confiança.
Com relação à terceira característica mencionada, salienta-se que os pagamentos
podem ser semanais, quinzenais ou mensais, com possibilidade de renovação do empréstimo
em valores crescentes, até o limite de crédito estabelecido pela instituição conforme a
capacidade de pagamento do tomador. Este método incentiva o devedor a efetivar o
pagamento regularmente, já que é um aspecto importante para o recebimento de novos
empréstimos em valores maiores.
Em conjunto, esta metodologia visa substituir a falta de garantias patrimoniais e de
registros contábeis, exigidas pelas instituições convencionais, por uma relação de confiança e
solidariedade que, neste contexto, passa a ser garantidora dos empréstimos concedidos.
Assim, devido à proximidade dos agentes de crédito, acompanhando e dando acesso a um
número ampliado de informações, à forma de garantia solidária, que assegura o recebimento
de crédito sem o uso de garantias reais, e aos prazos curtos e valores crescentes, que servem
para manter um baixo nível de inadimplência, o microcrédito vem sendo considerado um
instrumento viável de acesso dos pobres ao crédito.
3.2 Crédito Consignado
O crédito consignado é a forma de crédito pessoal em que o valor da prestação vem
descontado na folha de pagamento. Ocorre que o tomador de empréstimo credencia o
responsável pelo pagamento do salário ou aposentadoria a descontar direto da folha de
pagamento o valor da prestação mensal devida à instituição consignatária, que pode ser um
banco ou uma financeira.
A operação consignada propicia maior segurança contra risco de não pagamento do
empréstimo, quando comparada às demais modalidades de crédito. No empréstimo pessoal
tradicional, por exemplo, o indivíduo que recebe o empréstimo efetua diretamente o
pagamento da dívida com a remuneração recebida, podendo, não obstante, descumprir esta
obrigação. Isto pode acontecer com devedores indisciplinados que se tornam inadimplentes
pelo descontroles de gastos, também ocorrendo com clientes que, mesmo sendo bons
pagadores, podem tornar-se inadimplentes devido às despesas imprevistas, quando são
levados a desviar os recursos destinados ao pagamento da dívida para cobertura desses gastos.
No crédito consignado, em nenhuma destas situações, haverá inadimplência visto que o
34
pagamento da dívida é descontado direto no salário. Desta forma, percebe-se que a utilização
de mecanismos de retenção da renda para transferência às instituições financeiras aumenta a
garantia de recebimento do empréstimo.
Em virtude do menor risco de default na operação consignada, é razoável esperar um
menor custo para o tomador de recursos nesta modalidade, uma vez que os riscos de
inadimplência, que compõem o chamado spread bancário, são reduzidos por este mecanismo
de empréstimo. Com efeito, o spread bancário, que representa o diferencial entre a taxa de
juros paga pelo banco na captação de recursos e a taxa cobrada na aplicação desses recursos
nas operações ativas dos bancos, diminui quando há uma redução dos custos de
monitoramento e provisão da inadimplência.
A tabela Proporção do spread bancário, que apresenta a evolução da decomposição do
spread bancário em seus diversos elementos constitutivos, permite identificar a importância
do risco de inadimplência na determinação das taxas de juros das operações de crédito. Vê-se
que, no período 2001 e 2004, a inadimplência representou em média 32,5% do spread total
praticado pelas instituições financeiras no Brasil.
Tabela 01: Proporção do spread bancário Brasil* – 2001-2004 (%)
2001 2004
1- Spread total 100,00 100,00
2- Custo administrativo 19,84 21,56
3- Inadimplência 31,04 33,97
4- Custo do compulsório 9,51 7,00
5- Tributos e taxas 7,10 8,87
6- Resíduo Bruto (1-2-3-4-5) 32,51 29,10
7- Imposto direto 11,14 9,30
8- Resíduo Líquido (6-7) 21,37 19,80 Fonte: Relatório de Economia Bancária e Crédito (2005). Adaptação própria.
* Os percentuais estimados foram aplicados sobre o spread consolidado médio de dezembro de cada ano.
Como visto, nos anos estimados, a inadimplência foi o custo que mais onerou o spread
bancário, podendo-se apontar uma forte influência desta variável na precificação das
operações de crédito. Implica dizer, conforme a análise de Fachada, Figueiredo e Lundberg
citado por Barros et all (2007, p.72), que “se a taxa de inadimplência caísse à zero, ou se
houvesse a garantia de recuperação ou renegociação de 100% dos créditos inadimplidos,
mantendo-se as demais condições estáveis, haveria uma significativa redução do spread e, em
conseqüência, do custo do capital.” Neste sentido, o crédito consignado, na medida que
garante a efetivação do pagamento, independentemente da disposição do tomador de efetuá-
35
lo, quase eliminando o chamado risco moral, torna-se uma importante forma de aumentar o
volume de crédito em condições mais favoráveis ao público demandante.
3.3 Correspondente não Bancário
Correspondente não bancário é a empresa comercial conveniada pela instituição
financeira para a prestação de serviços bancários, como saques, depósitos, pagamento de
contas, recebimento de recursos do governo, dentre outros.
No contexto do desenvolvimento institucional, a atuação de correspondentes não
bancários faz parte do movimento linking de incorporações de novos parceiros à dinâmica das
operações financeiras (SANTOS, NOGUEIRA e MORENO, 2004). As parcerias com
correspondentes são em geral motivadas pela redução dos custos de expansão bancária e vêm
evoluindo, distinguindo-se os seguintes modelos: (i) de “liquidação de títulos”, (ii) de
“bancarização” e (iii) “promotores de venda”.
No modelo inicial, mais simples, de “autenticação de títulos”, os correspondentes
apenas recebem e efetuam a liquidação de títulos. No modelo de “bancarização”, agregada à
função anterior, está a de executar abertura de contas correntes, estreitando a relação do
usuário de correspondentes não bancários com a instituição bancária. Um terceiro modelo é o
do tipo “promotor de venda”, no qual o correspondente faz a recepção e o encaminhamento de
empréstimos e financiamento, como por exemplo, as operações de crédito consignado em
lugarejos distante dos grandes centros.
A atuação dos correspondentes possibilita aos bancos expandirem suas atividades sem
o requisito de uma ampla rede de agências. Isto acontece porque as empresas conveniadas, em
sua grande maioria, são estabelecimentos comerciais que já fazem parte do cotidiano de vida
social dos municípios e regiões do país. Assim, por intermédio de espaços comerciais, os
agentes financeiros aproximam-se das comunidades desassistidas, garantindo a capilaridade
do sistema bancário a baixo custo.
Uma situação ilustrativa, que reflete bem a importância dos correspondentes não
bancários como canal de assistência financeira, pode ser observada quando se comparam
estudos do Banco Mundial com dados do Banco Central. O estudo dirigido por Kumar (2004)
apontou que quase 30% do total de municípios brasileiros não possuíam agências bancárias
no período da pesquisa, os dados do Banco Central trabalhados por Soares e Alves (2004),
entretanto, como mostrado no gráfico 3, indicam que, desde dezembro de 2002, o país esteve
36
totalmente assistido pelo sistema financeiro. A aparente contradição entre as informações
pode ser explicada devido à atuação dos correspondentes não bancários, por meio dos quais a
expansão dos serviços bancários passou a acontecer de forma desatrelada da expansão das
agências.
Gráfico 3: Municípios Desassistidos.
Fonte: Soares e Alves (2004)
De modo geral, pode-se observar que a funcionalidade dos correspondentes não
bancários gera uma sinergia de aproveitamentos entre clientes, bancos, empresas conveniadas
e a sociedade. Aos clientes significa acesso simples e facilitado aos produtos e serviços
financeiros; para os bancos, consiste num mecanismo de redução dos custos com a abertura e
manutenção de novas agências; para os estabelecimentos comerciais significa um rendimento
adicional, além da própria ampliação do fluxo de clientes. Finalmente, para a sociedade,
significa um importante instrumento financeiro de expansão do crédito e inclusão das famílias
financeiramente desassistidas, visto que a redução dos custos fixos das instituições financeira
implica na redução dos custos de empréstimos de pequenos valores, portanto favoráveis aos
demandantes deste tipo característico de crédito.
3.4 Contas Especiais
A eliminação de atributos tradicionalmente exigidos para a formalização de contratos
de prestação de serviços bancários caracteriza a chamada conta especiais, conhecida no Brasil
como contas simplificadas. Algumas das peculiaridades deste tipo de conta estão na não
37
comprovação de renda, isenção total ou parcial de tarifas para movimentação da conta e
limitação do valor máximo a ser depositado. Ela também é instituída no sentido de reduzir
custos administrativos dos bancos atrelados à movimentação da conta, um exemplo é a
proibição de emissão de talões de cheques para os correntistas. Deste modo, consiste numa
forma de remoção dos entraves ao acesso bancário do público de menor renda aos serviços
financeiros.
O método de inclusão bancária pela abertura de contas especiais parte da perspectiva
de se construir um histórico financeiro do cliente que proporcione maior precisão na avaliação
da capacidade de pagamento e redução dos riscos de crédito. Isto é, devido ao fato dos
sistemas de informações financeiras apoiarem-se na construção de histórico do cliente para
determinar o limite de crédito para empréstimo, o acompanhamento do histórico de
movimentação das contas simplificadas passa a figurar uma alternativa estratégica na
avaliação dos demandantes de crédito deste tipo de conta. Como resume Bittencourt et all
(2004) com a abertura de uma conta corrente e sua respectiva movimentação os agentes
financeiros poderão ampliar as informações sobre os demandantes potenciais de crédito,
reduzindo assim os riscos de crédito e os custos de financiamento quando destinado a este
público.
38
4. MEDIDAS DE ACESSO FINANCEIRO NO BRASIL
Este último capítulo analisa alguns instrumentos de acesso financeiro no Brasil, em termos do
alcance do estrato socioeconômico excluído do mercado de crédito convencional. Neste
trajeto, será feita uma breve contextualização do ambiente latino americano de fomento a
inclusão financeira, buscando-se, na segunda seção, estudar cada instrumento de acesso,
especialmente quanto o alcance destas iniciativas no país.
4.1 Contexto de Inclusão Financeira na América Latina
Uma das argumentações levantadas nos estudos sobre intermediação financeira, diz
respeito ao papel que o bom funcionamento do mercado financeiro desempenha sobre o
crescimento da riqueza econômica de um país. Mckinnon (1978) como visto no primeiro
capítulo, apontou a escassez de capital para empréstimos como fator limitante da capacidade
de desenvolvimento empresarial, afirmando ser a pobreza uma gigantesca barreira que impede
pequenos empreendedores financiar aumentos discretos das despesas e inovações das mais
simples as mais produtivas.
Indicadores utilizados para medir o nível de intermediação financeira como o
percentual de (crédito/ PIB) e o de (depósito/ PIB), evidenciam um nível extremamente baixo
de aprofundamento financeiro nos países latinos americanos quando comparado aos países
industrializados (ver tabela 2). Com exceção do Chile e El Salvador os dados revelam um
limitado acesso dos serviços financeiros tanto do ponto de vista dos ativos como dos passivos
bancários, nível que esteve em média abaixo dos 30% do PIB no período investigado.
39
Tabela 2: Evolução do Aprofundamento Financeiro – 1990-2004
Fonte: Fundo Monetário Nacional apud Suárez (2005)
Estes resultados chamam atenção dos governos da América Latina para a insuficiência
do acesso á produtos e serviços financeiros, os quais constituem um entrave ao dinamismo
das atividades econômicas na região. Traz a tona os problemas do limitado acesso das
pequenas e médias empresas, que por estarem mais vulneráveis a choques econômicos e
outros fatores como a falta de garantias reais, compõe a demanda terminantemente excluída
da oferta de crédito. Levine (1997) tratando da importância da estrutura financeira para a
expansão do acesso aos serviços financeiros, afirma que os intermediários financeiros dentro
da função de mobilizar poupanças para atividades produtivas, trabalham na identificação das
melhores oportunidades de alocação de recursos. Dado o arriscado campo das inovações
produtivas, os avanços no âmbito tecnológico dão aos intermediários maiores habilidades de
assegurar uma pasta diversificada de projetos inovadores constituindo, dessa forma, indutores
para a geração do crescimento.
Outro aspecto marcante identificado na tabela 2 é a baixa participação da população
latina no uso dos serviços bancários. Ellis, Kumar e Chidzero (2004) apontaram uma
proporção de bancarizados8 de 43% no Brasil, 39% na Colômbia e de 23% no México em
2004, enquanto que nos países industrializados essa percentagem sobe para 90% da
população, o que retrata uma atuação aquém do esperado para o setor bancário nos países da
América Latina.
8 São pessoas com acesso a pelos menos um serviço financeiro.
40
Com vista a eliminar barreiras no acesso financeiro, os governos através de política
para o setor financeiro vem implementando, no âmbito regulatório e institucional, medidas
que resultem na expansão do crédito e bancarização das famílias. Nos últimos anos, uma nova
força no sentido de incluir o público avaliado como de alto risco pelas instituições bancárias,
tem se dado, como abordado no primeiro capítulo, a partir da idéia de que o acesso aos
serviços financeiros é eficaz no combate à pobreza. Está idéia parte de um conceito de
pobreza que esvazia a discussão da desigualdade nas sociedades capitalistas como fruto da
própria relação capital-trabalho, propondo o acesso financeiro como forma de habilitar o
indivíduo para o desenvolvimento de atividades produtivas.
Medidas de fomento a bancarização podem ser observadas na Venezuela, o país que
apresentou um crescimento de 73% no número de contas abertas no período de 2002-07.
Quanto ao estado de bancarizado por estrato socioeconômico, um número expressivo de
56,1% das classes de menor renda se enquadrava nesta situação em junho de 2007, segundo a
Associação Bancária da Venezuela. Irausquín (2008) atribui esse crescimento ao número de
postos de atendimentos que durante o qüinqüênio analisado cresceu 26% com destaque aos
caixas eletrônicos que cresceram 46% no período.
Na Colômbia, em 2006, um programa governamental do Banco de Oportunidades
promoveu o marco normativo e institucional a favor da inclusão financeira no país. Algumas
das ações materializadas a partir desta iniciativa foi à criação dos correspondentes não
bancários visando ampliação da cobertura bancária aos municípios desassistidos, certificado
de diferenciação dos limites de taxas, comissão de microcrédito, abertura de contas de baixo
montante e programas de educação financeira para adultos no sentido de habilitá-los para o
manejo das finanças. Assim, através da massificação dos serviços bancários o governo
colombiano tem buscado promover o desenvolvimento econômico com impactos nas
condições sociais do país.
No Brasil, novas medidas foram recentemente adotadas para aumentar a oferta de
serviços financeiros à população de baixa renda, como abertura de contas simplificadas,
direcionamento de 2% dos depósitos à vista de instituições bancárias para programas de
microcrédito e crédito popular, ampliação das cooperativas de crédito9 de livre associação e o
programa nacional de microcrédito produtivo orientado. Essas iniciativas visam garantir uma
9 Cooperativismo de crédito são instituições financeiras que tem por atividade a prestação de serviços
financeiros aos associados, como por exemplo, a concessão de crédito, captação de depósito a vista e a prazo,
além de outras atribuições específicas estabelecidas na legislação (PINHEIROS, 2006). Essas instituições na
medida que ofertam serviços adequados às necessidades de crédito de seus associados cumpre importante papel
de servir como alternativa financeira ante o mercado de crédito formal.
41
maior cidadania e a geração de renda e trabalho pela facilitação e ampliação do acesso
aos serviços bancários e de crédito no país.
Assim, fica claro que os governos na América Latina vêm assumindo um papel de
facilitador e indutor de medidas que visem incluir na dinâmica dos mercados financeiro um
público em condição precária de renda e vida social.
O estudo segue dando enfoque as medidas de inclusão financeira no Brasil,
especificamente, ao microcrédito, crédito consignado, correspondentes não bancários e contas
especiais, no sentido de investigar a efetividade destas iniciativas quanto ao alcance do
público alvo.
4.2 Medidas de Inclusão Financeira no Brasil
Toma-se como pano de fundo desta investigação o período pós Real, que em
observância a relação do sistema bancário e o estrato de baixa renda, foi marcado por dois
momentos. O primeiro, na fase inicial de estabilização monetária, esteve caracterizado pela
expansão das operações de crédito com elevadas taxas de juros dos bancos, sem uma
avaliação de risco robusta – estratégia esta adotada para compensar a perda dos ganhos
inflacionários10
, ela resultou no crescimento da inadimplência, em vista a combinação de
juros altos com risco de crédito elevado, provocando um grave problema de liquidez do setor
bancário. A partir deste episódio, o comportamento bancário caracterizou-se por uma postura
conservadora nas suas operações ativas, por meio da seletividade do crédito e das preferências
das operações de tesouraria (GÓES, FREITAS e MOTA, 2007).
Neste contexto, a estabilização monetária representou ganhos reais de renda,
especialmente para as famílias pobres que no período inflacionário, devido à falta de condição
de defender-se dos aumentos de preços, sofriam com o chamado imposto inflacionário. Estes
são os juros reais negativos “pagos” pela base monetária, que somente deixariam de acontecer
se não houvesse meios de pagamentos emitidos pelo sistema bancário brasileiro ou se os
meios de pagamentos fossem indexados (CYSNE, 1994). Com a implementação do Plano
Real o fim do imposto inflacionário representou um dos fatores que contribuíram para que
10 “Os ganhos inflacionários eram proporcionados pela perda do valor real dos depósitos à vista e/ou ela correção
dos depósitos bancários em valores abaixo da inflação” (BARROS; ALMEIDA JR., 2004, p.04 apud Góes et all,
2007).
42
houvesse uma folga adicional no rendimento das famílias com consideráveis impactos sobre o
salário real médio que cresceu 26,7% no período de 1994 a 1996 (VIEIRA, 1999).
Em período mais recente o desempenho do mercado de trabalho, com o incremento do
nível de ocupação e do rendimento médio recebido pelos trabalhadores, contribuiu para o
aumento da renda familiar. As análises sobre o comportamento da renda em período recente,
de modo geral, colocam o aumento da renda familiar, fruto da expansão do mercado de
trabalho formal e do incremento do rendimento médio recebido. Este crescimento se refletiria
na queda continuada do coeficiente de Gini desde 1998, contudo, Filgueiras e Gonçalves
(2007) ressaltam não ser o coeficiente de Gini o medidor mais adequado para medir a
distribuição de renda entre as classes sociais devido a base de dados que utiliza (PNAD), que
subestima a renda do capital e faz com que o índice se refira mais a distribuição intra-salarial
da renda. Os citados autores realizam então uma análise da distribuição funcional da renda,
com base na relação entre os salários e o excedente operacional bruto e entre os salários e o
PIB para concluir que os salários perdem participação relativa desde a implantação do Plano
Real. A elevação do emprego no período 2003-2006 não compensou a queda do salário real,
levando a redução da massa salarial.
Este processo de aumento da concentração funcional da renda em favor do capital
financeiro seria fruto das políticas liberalizantes implementadas desde o início da década de
1990. Essas políticas deram sustentação ao Plano Real no que tange aos ajustes no mercado
de trabalho brasileiro gerando o aumento nas taxas de desemprego. Em verdade essas
políticas facilitaram a introdução no Brasil da reestruturação produtiva característica do
período pós-fordismo11
. Marcado por regimes e contratos mais flexíveis e precários de
trabalho, desestruturação da rede de benefícios sociais e enfraquecimento dos sindicatos
(SOUZA e NAKATANI, 2002), esse movimento, que teve início na década de 1980, e se
espalhou pelo mundo durante os anos 90 levou a uma significativa tendência de queda do
número de postos de trabalho, que caíram, segundo Souza e Nakatani (Op. Cit.), de 53% em
1991 para 45% em 2001. Já quanto ao grau de informalidade observou-se uma trajetória de
crescimento, que era de 36,6%, em 1986, aumentou para 37,6% em 1990 e 50,8% em 2000,
sinalizando para a precarização das condições de vida e de trabalho da população.
11 O período fordista faz referência ao modelo de produção caracterizado pela concentração de quase todas as
funções necessárias do ciclo de produção da mercadoria: da concepção à execução, passando pelo planejamento,
gestão e finanças nas gigantescas fábricas. As funções eram bem definidas e divididas em departamentos
controlados de modo burocrático (BRAGA, 2007).
43
Também vale destacar que a informatização da economia juntamente com a
globalização do capital financeiro impuseram transformações nas regras das empresas, tais
como a “governança corporativa12
” e maximização do valor das ações. Como afirma Braga
(2007, p.43) “entramos na era do reporting (prestação de contas ao acionista), do track
recording (histórico de desempenho) e do downsizing (enxugamento) [das despesas]”,
produzindo uma relação fortemente favorável ao portador de capital financeiro em detrimento
dos trabalhadores assalariados, cujo trabalho transformou-se no principal instrumento de
ajustes – anticíclicos e inflacionário – das empresas neoliberais num contexto de crescimento
econômico instável e dominância da lógica de valorização financeira (CHESNAIS, 2003).
Dado o retrato atual do mercado de trabalho brasileiro, esta exposição segue com a
finalidade de analisar os instrumentos de acesso financeiro com o objetivo central de
identificar o alcance do público alvo – famílias pobres e empreendedores de baixa renda. Para
tanto, a busca desta identificação se dará a partir do marco regulatório, evolução temporal e
exemplos de instituições representativas, forma que as idéias foram sistematizadas no texto.
4.2.1 Microcrédito
Nas franjas do mercado e à margem da legislação, os trabalhadores informais têm
recebido nos últimos anos, um novo tratamento na abordagem política. Se antes as ações do
Estado visavam erradicar esse tipo de atividade, na atualidade vem no sentido de geri-la e
fortalecê-la como instrumento de superação da pobreza.
No Brasil o número de empreendimentos urbanos do setor informal13
é de cerca de 9,1
milhões, dos quais (88%) são de trabalhadores por conta própria e (12%) de pequenos
empregadores, segundo a ECINF (2003). Essa pesquisa revela que dos empreendedores que
fizeram algum tipo de investimento ou aquisição nos 12 meses anteriores a pesquisa, apenas
(6%) utilizaram empréstimos bancários e que somente (2%) da origem dos recursos iniciais
dos empreendimentos vieram de financiamento bancário. Esse quadro expressa claramente a
baixa participação do sistema bancário no setor informal.
12 Governança corporativa são arranjos e mecanismos que regulam as relações entre os investidores de uma
empresa (acionistas) e seus administradores (acionistas controladores ou administradores profissionais). Ela tem
por finalidade estimular os administradores a gerir a empresa exclusivamente pelo interesse dos acionistas. 13
Pertencem ao setor informal, todas as unidades econômicas de propriedade de trabalhadores por conta própria
e de empregadores com até cinco empregados, moradores de áreas urbanas, sejam elas a atividade principal de
seus proprietários ou atividades secundárias ECINF (2003).
44
Com vista a preencher esta lacuna, a adoção do modelo de microcrédito “empresarial”
(HERMANN, 2005), que tem por finalidade apoiar o financiamento microempresarial, é o
que tem sido comumente praticado no país.
O desenvolvimento do microcrédito foi marcado pela aproximação da sociedade civil
com o governo federal. A idéia em voga era de que o enfrentamento da pobreza requeria
convergência e integração das ações com foco no fortalecimento do segmento
microempresarial. Como argumenta Franco (1997), nenhum resultado ponderável, em termos
de melhoria efetiva das condições de vida da população marginalizada, pode ser obtido por
decisão e no plano abstrato da União e dos Estados federados sem que haja apoio da
sociedade civil. Sendo, pois, necessária à participação da sociedade para promoção do
desenvolvimento local e combate à pobreza.
Essa idéia se efetiva com a formação do Conselho de Comunidade Solidária (1996)
que consistia na mobilização e promoção de parcerias entre governos e sociedade na luta
contra a pobreza e exclusão social. O Conselho através de Rodadas de Interlocução Política
promovia o diálogo entre o governo, empresas e sociedade sobre temas relevantes para o
combate à pobreza com o objetivo de articular uma agenda mínima de consenso sobre as
prioridades de ação social. No decorrer dos seis anos de existência foram gerados tanto
consensos de natureza mais programática quanto encaminhamentos concretos traduzidos em
propostas e medidas de lei.
No que diz respeito ao microcrédito, a rodada sobre alternativas de Ocupação de
Renda foi de suma importância para delinear o marco legal dessas atividades no país. O
microcrédito foi apontado na ocasião como estratégia importante das políticas de trabalho e
renda, visto que através da inclusão de empreendedores de baixa renda no mercado de crédito,
estes poderiam dinamizar suas atividades econômicas, gerando novos postos de trabalho e
fonte de renda local.
A construção do arcabouço regulatório para a estruturação das atividades de
microcrédito no país contou com a participação do BNDES, Banco Central e do Conselho de
Comunidade Solidária na tarefa de rever as leis que afetam o microcrédito e instituir um
marco regulatório para o setor. Foram fundamentalmente publicadas a Lei 9.790/99, uma
iniciativa que visou agilizar os procedimentos para a celebração de parcerias entre
organizações sem fins lucrativos, qualificadas como OSCIP’s, e o Estado, ficando
desimpedidas para desenvolver programas de microcrédito no âmbito de atuação; a Medida
Provisória 2.172-32/01, que isenta tais organizações da Lei da Usura, ou seja, do limite de
juros de 12% ao ano que pode ser cobrada por instituições não financeiras; e a Lei 10.194/01
45
regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional que procura incentivar a participação da
iniciativa privada no setor ao criar a Sociedade de Créditos ao Microempreendedor.
Com a criação da Sociedade de Crédito ao Microempreendedor, buscou-se atrair o
setor privado para as atividades de concessão de financiamentos às microempresas. O objetivo
era prover um modelo de financiamento sem assistencialismo que atendesse com o mínimo de
burocracia a parcela da população excluída do acesso bancário tradicional. As SCM devem ter
patrimônio mínimo de R$ 100 mil e não podem emprestar ou prestar garantias num valor
superior a R$ 10 mil para um único cliente. Vale registrar que essas instituições estão
impedidas de conceder empréstimos para fins de consumo, possuir participação societária em
instituições financeiras, captar recursos junto ao público e emitir títulos e valores mobiliários.
Avaliando a penetração da SCM nas atividades de financiamento de
microempreendedores, notam-se, segundo dados do Banco Central (2008), um baixo e
estagnado número de SCM em funcionamento, são 54 instituições deste tipo desde 2004.
Andrade Neto e Pinto (2007) explicam que “o negócio SCM” perdeu sua atratividade quando
as expectativas de que as principais regulamentações restritivas à atuação da SCM (limite de
risco de crédito por cliente e vedação ao atendimento a empresas de pequeno porte) seriam
flexibilizadas; também, de que os programas governamentais provedores de recursos para o
setor seriam aperfeiçoados. Assim, com as regras atuais, a rentabilidade do capital investido
ficou comprometida e muitas SCM preferiram sair do negócio, representando em 2006 apenas
12% do total de entidades que opera programas de microcrédito.
Das entidades que desenvolvem programas de microcrédito, entre elas Organizações
não-governamentais, OSCIP e Bancos Comerciais, uma que vem se destacando é o Banco do
Nordeste do Brasil (BNB). Este banco, atuando através da formação de grupos solidários para
concessão de crédito e capacitação gerencial dos tomadores, vem se consolidando como o
maior programa de microcrédito em termos de nível de penetração de mercado no país sendo
um dos maiores em valor total das operações na América Latina.
Em conjunto, essas entidades formam o que são chamadas de instituições de primeira
linha as quais atuam diretamente com o cliente final fornecendo crédito. As de segunda linha
são as que oferecem capacitação, apoio técnico e provêem recursos financeiros sobre a forma
de empréstimos para as de primeira linha (BARONE et all, 2002), como exemplo tem-se a
atuação do BNDES e Sebrae, este com destaque na capacitação dos agentes de crédito,
gerentes e conselho de administração das atividades de microcrédito.
Recentemente, duas novas regulamentações no âmbito do microcrédito foram
implementadas no Brasil, a primeira refere-se à destinação de 2% de todos os depósitos à
46
vista14
de bancos comerciais, bancos múltiplos com carteira comercial e a Caixa Econômica
Federal com juros tabelados entre 2% e 4% ao mês, para operações destinadas a
microempreendedores e pessoas de baixa renda. Uma inovação trazida nesta medida foi à
possibilidade de se conceder microcrédito aplicado no consumo, visto que, até então, a figura
do microcrédito estava ligada às finalidades produtivas. Outra medida, esta especificamente
voltada à fomentação do crédito produtivo, foi o Programa Nacional de Microcrédito
Orientado (Lei 11.110/05), que objetivava incentivar a criação de fontes de renda aos
microempreendedores populares – pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades
econômicas de pequeno porte.
Analisando o direcionamento dos depósitos a vista para as atividades de microcrédito
aplicado no consumo e na produção, pode observar no gráfico 4 que entre setembro de 2004 e
maio de 2005 houve uma elevação do microcrédito para consumo em 209%, o que representa
em números absoluto um aumento de 279.409 para 865.053 (tabela 3). Nota-se uma leve
queda em janeiro de 2006, quando uma grande instituição não operou neste segmento,
seguindo numa trajetória estável, a partir de maio de 2006. Já o microcrédito com fins
produtivos apresentou uma trajetória de crescimento médio de 55% no período de janeiro de
2004 a setembro de 2007, resultado este inferior ao apresentado pelo microcrédito aplicado no
consumo.
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1.000.000
jan
/04
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/04
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jul/
04
set/
04
no
v/0
4
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/05
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07
Consumo Microempreendedor
Gráfico 4: Evolução do Microcrédito no Brasil, 2004-2007.
Fonte: BACEN/Unicad.
Dados confirmados através da tabela 3:
14 Conforme MP nº122 de 25/6/2003 convertida em Lei nº 10. 735 de 11 de setembro de 2003.
47
Tabela 3: Evolução do Microcrédito no Brasil, 2004-2007.
Ano/Mês Jan/04 mai/04 set/04 Jan/05 mai/05 set/05 jan/06 mai/06 Set/06 jan/07 mai/07 set/07
Consumo 166.369 250.973 279.409 713.365 865.053 837.225 665.021 829.744 747.294 741.042 743.007 784.052
Microempreendedor 5.382 20.865 1.275 31.796 47.409 45.811 37.341 50.336 60.604 64.665 81.001 79.223
Fonte: BACEN/Unicad.
Essas trajetórias de recursos destinados ao microcrédito deixam claro à preferência das
instituições financeira por operações de empréstimos aplicadas no consumo. Os bancos na
maioria das vezes consideram o microcrédito produtivo uma operação complexa, com custos
administrativos elevados e que envolve um alto risco de inadimplência. Como pode ser
constatado na tabela 3 do total da oferta de crédito focado no público de baixa renda, em
média 90% são destinados ao consumo, um ínfimo montante ao microempreendedor.
Vale chamar atenção para outro aspecto importante referente às condições de
pagamento dos empréstimos aos microempreendedores. Tendo em vista que o ônus do
endividamento está relacionado ás condições de custos e prazo do financiamento busca-se,
nesta análise, relacionar os valores emprestados com o prazo médio das operações,
objetivando inferir quanto às condições de empréstimo direcionado à produção. Sabendo que
um pacote razoável de produtos financeiros deve relacionar juros, prazo e volume adequado,
caso não ocorra pode-se apontar para um processo perverso de oferta de crédito.
O gráfico 5 a seguir, apresenta a evolução do valor médio dos contratos de
microcrédito por modalidade. O maior valor dos contratos envolvendo microempreendedores
está associado à própria finalidade do empréstimo, já que o financiamento de pequenos
negócios tende a exigir uma quantia maior do que para o consumo.
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1.000
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no
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Consumo Microempreendedor
Gráfico 5: Valores Médios de Microcrédito, Brasil – 2004-2007.
Fonte: BACEN/Unicad.
48
Como é caracterizado por Nisch e Santos citado por Souza (2006) o público-alvo do
microcrédito no desenvolvimento de suas atividades autônomas se autofinanciam através de
poupanças próprias ou de parentes e amigos. Na maioria das vezes desenvolve suas atividades
primordialmente voltadas para o sustento de sua família, sem grande expectativa de
crescimento. Por isso é que a maior parte da demanda por microcrédito destina-se ao uso
como capital de giro para cobrir dificuldades momentâneas de liquidez ou para utilizar em
eventuais negócios favoráveis. Em observância a esta proposição pode-se analisar através do
gráfico 6, o comportamento do microcrédito no período de 2004 a 2007, acrescenta-se neste
gráfico com finalidade comparativa, a modalidade de crédito comercial – capital de giro.
Visto que o microcrédito concedido aos microempreendedores é na maioria das vezes
utilizado como capital de giro, vale neste sentido compará-lo com a modalidade de crédito
comercial para pessoa jurídica que assume esta finalidade, ou seja, a de cobrir eventuais
despesas do fluxo de caixa da empresa.
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
jan
/04
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07
Consumo Microempreendedor Capital de Giro
Gráfico 6: Prazo Médio de Empréstimos de Microcrédito, Brasil – 2004-2007.
Fonte: BACEN/Unicad.
Observa-se comparando a trajetória de evolução dos três segmentos de crédito, que as
direcionada aos microempreendedores foram as que apresentaram menor prazo de pagamento,
uma média de 5 meses para amortização do empréstimo. Enquanto que para o consumo e
capital de giro são respectivamente de 8 e 6 meses respectivamente. Podendo-se inferir com
esta comparação que o crédito destinado ao microempreendedor é os que mais oneram a
capacidade de pagamento do tomador, no que se refere ao prazo de amortização da dívida.
Concluído por este, que a forma de microcrédito direcionado além de em grande parte se
destinar para onde não gera diretamente nova fonte de renda, apresenta para o
microempreendedor um prazo de pagamento incompatível com o valor do empréstimo.
49
Percebida a ineficácia desta medida para a concessão de crédito aos
microempeendedores informais, o governo adotou recentemente o Programa Nacional de
Microcrédito Produtivo Orientado – PNMPO com o objetivo de atender exclusivamente a
empreendedores populares de pequeno porte com orientação técnica e acompanhamento ao
empreendedor no seu local de trabalho. Essas atividades segundo Pereira (2007) têm resultado
numa construção coletiva entre governo e todos os atores sociais que compõem o segmento de
microcrédito produtivo orientado. Entretanto como identifica um levantamento feito pelo
PNMPO sobre a demanda potencial de microcrédito no país, do público-alvo em 2006, de
cerca de 9,1 milhões de empreendimentos formais somente 324 mil tem contas ativas, ou seja,
cerca de (96%) dos empreendimentos não receberam qualquer tipo de assistência técnica,
jurídica e financeira nos últimos cinco anos, evidenciando assim um baixíssimo alcance dos
programas de microcrédito ao contingente de microempreendedores excluídos do acesso
bancário.
4.2.2 Crédito Consignado
Recorrentemente discute-se no Brasil o alto custo do crédito. Avalia-se para a
composição deste custo as despesas administrativas, de impostos, estrutura jurídica e análise
da conjuntura econômica. Também é definido de forma padronizada, por tipo de operação,
um percentual adicional associado à probabilidade de não receber o valor emprestado. Ver-se
por este, que o chamado custo com inadimplência está associado não apenas à situação
individual de cada tomador, mas também ao histórico de inadimplência passada do próprio
instrumento de operação.
No caso dos empréstimos à pessoa física, o histórico elevado de inadimplência tende a
onerar significativamente o custo do crédito. Os bancos, avessos ao risco de crédito, avaliam a
capacidade de pagamento do tomador, de fornecer garantias e o cadastro histórico das
transações financeiras, sendo por este meio, selecionado os potenciais tomadores de
empréstimos bancários. Este seleto público, ainda que não se enquadrem em nenhuma das
situações restritivas, receberão crédito a uma taxa de juros que reflita os elevados custos de
inadimplência estimados.
Visando reduzir os custos dos empréstimos e contribuir para a expansão da oferta de
crédito no país, o Banco Central passou a monitorar a evolução dos juros e spread bancário e
a implementar propostas com vistas a atacar as causas dos elevados custos do crédito. Iniciado
50
em 2001, desde então, várias medidas passaram a ser adotadas com o intuito de reduzir o
racionamento de crédito e o custo de capital. Essas medidas envolveram o aumento das
informações da Central de Risco de Crédito, a redução de impostos sobre operações
financeiras para pessoas físicas que passou de 6% para 1,5% ao mês em outubro de 1999,
algumas mudanças na regulamentação das informações de proteção de crédito, ações voltadas
para proteção dos direitos dos credores – como a modificação da Lei de Falência – e, também,
a ampliação da forma de crédito por consignação.
Vale destacar que a promoção do novo Sistema Central de Risco de Crédito (SCR)
contribuiu para tornar o sistema financeiro mais eficiente através do aperfeiçoamento do
monitoramento de riscos. A SRC coleta informações das instituições financeiras sobre as
operações individualizadas, as quais podem ser fornecidas a terceiros desde que
expressamente autorizado pelo cliente bancário. No novo formato, implantado em 2001,
ampliou-se a escala de clientes monitorados, passando a abranger operações acima de R$ 5
mil (antes apenas as operações superiores a R$ 50 mil eram incluídas). A portabilidade das
informações cadastrais, instituída no novo SCR, permitiu ao cliente transferir o cadastro dos
dois últimos anos para outra instituição financeira, compreendendo dados pessoais, o histórico
de financiamento e o saldo médio mensal em conta corrente. O novo sistema de informação
de crédito, desse modo, incorporou significativos avanços em termos de transparência de
informações, agilidade e segurança, possibilitando uma expansão lucrativa das atividades
bancárias em direção aos empréstimos de pequenos valores do segmento de baixa renda.
Quanto ao empréstimo consignado, que já existia, desde o início da década de 1990,
para os servidores públicos federais, foi expandido através da MP 130, posteriormente
transformada na lei 10.820/03, para os trabalhadores regidos pela Consolidação de Leis dos
Trabalhadores (CLT) e aposentados e pensionistas do INSS. Passou-se a permitir também
para esses grupos o desconto das parcelas de empréstimos diretamente na folha de pagamento
dos benefícios ou dos salários, definindo-se em lei, limites de 30% de comprometimento da
renda com os empréstimos e prazo de pagamento de até 36 meses. Com essa medida, foi
reduzido drasticamente o risco de inadimplência, contando os bancos com forte garantia de
recebimento dos pagamentos, um fator decisivo na redução do custo de crédito dessas
transações.
No lado da demanda, a expansão da oferta de crédito para esse tipo de operação atraiu
clientes com remuneração estável e, também, consumidores inclusos nos cadastros negativos
de crédito. Em razão da quase ausência de inadimplência, decorrente do desconto direto na
folha de pagamento, foi possível para este público com nome restrito em cadastros dos
51
serviços de proteção de crédito, porém com renda estável, contrair empréstimo consignado em
bases semelhantes aos indivíduos com histórico de bons pagadores.
Seguramente, como analisam Barros, Fagundes e Cavalcante (2007), o acesso
facilitado e as menores taxas de juros praticadas são fatores fundamentais para explicar a
acentuada expansão da demanda por crédito consignado. No gráfico abaixo, como
confirmado, pode-se observar a evolução do número de contratos por consignação, que variou
143% entre dezembro de 2004 e dezembro de 2007, saindo de um patamar de 1.026.461 para
outro de 2.493.087.
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
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5
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6
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6
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6
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7
mar/
07
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7
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7
set/07
nov/0
7
Nº de Contratos
Gráfico 7: Evolução das Contas Consignadas no Brasil – 2004-2007.
Fonte: BACEN/Unicad
Tratando do empréstimo consignado aos aposentados e pensionistas do INSS, que foi
considerado o principal segmento impulsionador do crédito consignado no período de estudo,
pode-se salientar quanto ao alcance do público-alvo desta forma de empréstimo. O gráfico 8,
que distribui a quantidade de empréstimos concedidos por faixa de benefícios, retrata uma
concentração nas faixas de 1 a 3 salários mínimos, ou seja, a centralização deste tipo de
empréstimo com o público de menor renda. Podendo-se, dessa forma, apontar à eficácia do
crédito consignado no alcance do público excluído do sistema bancário.
52
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
4.000.000
2004 2005 2006 2007
até 1 SM 1SM até 3 SM Mais 3 SM
Gráfico 8: Empréstimos Consignados por faixa de benefícios do INSS, Brasil –
2004-2007.
Fonte: DATAPREV
O acesso facilitado a empréstimos financeiros, entretanto, não reduz o fato deste ser o
público mais fragilizado pelo comprometimento da renda. Em muitos casos, os benefícios dos
aposentados e pensionistas compõem a principal fonte de renda de suas famílias, de modo que
seu comprometimento pode implicar na piora das condições de vida desta população.
Aliado a este fato, um outro problema está relacionado à adoção de políticas
agressivas de atração da demanda potencial por parte dos agentes consignatários, que, com o
discurso do crédito fácil e barato, procuram muitas vezes, através das atividades de marketing
comercial, criar um ciclo de dependência ao crédito, com bem descreve Serpa Junior (2007, p.
1):
“O aposentado vai ao banco, faz o contrato e o pagamento das parcelas se
inicia. Passado algum tempo, geralmente após metade do prazo contratual, quando o
valor principal já está devidamente quitado, este consumidor recebe uma ligação
providencial de um atendente do banco, o qual, com uma voz maviosa, diz que há
um novo crédito disponível. Encantado com a gentileza e a pecúnia oferecida, o beneficiário do INSS vai ao banco, retira a quantia, da qual é abatido e quitado
automaticamente o saldo devedor do contrato em andamento e passa a pagar pelo
novo contrato. Eis o início de círculo vicioso escravizante da qual só escapará se
vier a falecer ou ficar surdo para não ouvir as cantilenas da “sereia do crédito fácil”.
Por outro lado, cabe também observar que a forma consignatária de crédito tem sido
comumente utilizada com a finalidade de mudar o perfil do endividamento pessoal,
principalmente, quanto às taxas de juros, tornando-a mais favorável de acordo com seu
orçamento. O IBOPE realizou pesquisa telefônica encomendada pelo Banco BMG com 365
aposentados e pensionistas em que foi diagnosticado que 46% dos empréstimos realizados
53
foram destinados a quitar dívidas, 24% para reforma e 15% para a saúde. Do total dos
empréstimos feitos para quitar dívidas, 41% destinaram-se a quitar dívidas com lojas,
principalmente super/hipermercados e eletrodomésticos e 29% para dívidas com bancos.
Nesse último caso, 62% das dívidas quitadas referiam-se a cartões de crédito e 24% a cheque
especial (IBOPE, 2005).
Comparativamente, foi estimando em setembro de 2005 pela Associação Nacional dos
Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (ANEFAC) uma taxa de 224,27% ao
ano, devida caso a fatura do cartão não fosse integralmente paga na data do vencimento,
enquanto a taxa de juros do consignado para o mesmo período foi de cerca de 35% (BACEN,
2005), significativamente inferior à do cartão de credito. Com efeito, pode-se afirmar que o
crédito consignado abre a possibilidade de mudança no perfil da dívida do tomador de crédito.
Assim, não há dúvida que esta forma de empréstimo é vantajosa para a pessoa física quando
comparada a outras modalidades de crédito. Entretanto, não se deve perder de vista que, de
qualquer modo, ela afeta a renda familiar, com implicações relevantes sobre as condições de
vulnerabilidade social desta população15
.
4.2.3 Correspondente não Bancário
Com a estabilidade de preços alcançada com o Plano Real, a exclusão financeira
ligada ao fator locacional passou a ser vista como uma das preocupações do governo federal.
A exclusão se deu por meio do processo de fusões e fechamento de vários bancos públicos e
privados devido aos “ajustes de mercado” realizado por este setor como conseqüência da
elevada estrutura de custo, não mais compensada pelas receitas inflacionárias auferidas nos
anos anteriores à estabilização. Essa redução pode ser notada pela observação do número de
agências bancárias no país, que caiu de 17.400, em 1994, para 16.396, em 2000, uma redução
de 5,7% no período (BACEN, 2008).
15
Vale registrar que, não obstante as taxas de juros inferiores praticadas nos empréstimos consignados, os
spreads bancários praticados nessa modalidade de operação são ainda elevados quando se consideram seus
reduzidos níveis de risco de crédito. De acordo com Barros et all Os altos spreads podem ser atribuídos às
elevadas margens de lucro obtidas pelas instituições financeiras que operavam o crédito consignado e ao
aumento dos custos operacionais decorrentes das comissões cobradas pelos chamados correspondentes
bancários, através dos quais os bancos aumentam sua capilaridade e alcançam grande parte de seus clientes
potenciais
54
Neste contexto, com o objetivo de ocupar os espaços deixados pelos “ajustes de
mercado”, ou seja, manter os serviços bancários nos municípios em que os bancos fecharam
suas agências, por não atenderem aos critérios de viabilidade econômica, foi reeditada a figura
do correspondente no Brasil16
. A princípio, o desenvolvimento dos correspondentes no país
esteve atrelado à finalidade de atender financeiramente as localidades mais remotas do país,
sendo esta uma forma de encurtamento das distâncias entre a população brasileira e o sistema
financeiro nacional.
O marco legal desta medida de acesso financeiro foi a Resolução 2.640, de agosto de
1999, quando o Banco Central faculta aos bancos múltiplos com carteira comercial, aos
bancos comerciais e à Caixa Econômica Federal a contratação de empresas para o
desempenho das funções de correspondente, que são dentre outras: a recepção e
encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista, a prazo e de
poupança; execução ativa ou passiva de ordens de pagamento em nome do contratante;
recepção e encaminhamento de pedidos de empréstimos e de financiamentos e execução de
cobrança de títulos. Como pode ser esquematizado na figura abaixo:
Figura 1: Produtos e Serviços dos Correspondentes não Bancários
Fonte: Associação Brasileira de Bancos (referência)
Um aspecto que vale destacar desta resolução foi à determinação de que os novos
serviços de correspondentes somente poderiam ser prestados em municípios desassistidos,
esta norma foi flexibilizada na resolução 2.707/00 quando permitiu instalação em locais
assistidos pelo sistema bancário.
16 Esse tipo de serviço foi identificado pela primeira vez em 1973.
55
A Resolução 3.110, de 2003, completa esta primeira de 1999, impondo algumas
restrições para o estabelecimento de contratos de prestação de serviços, entre as quais se
destacam: o correspondente não pode ter como atividade principal a prestação de serviços
financeiros, e não pode cobrar tarifa por conta própria, sendo de inteira responsabilidade legal
dos bancos a prestação desses serviços financeiros.
No início de 2007, os correspondentes representavam a única forma de atendimento
bancário em 1.049 municípios brasileiros, quase 20% do total do país. Mais da metade desses
municípios pertence à região Nordeste, que concentra 18,9% do total de correspondentes. A
tabela 4 mostra o expressivo crescimento dos correspondentes no Brasil entre 2000 e 2007 em
comparação à evolução das agências e postos de atendimentos bancários17
. Esses últimos
cresceram 19,1% e 0,5%, respectivamente, enquanto os correspondentes apresentaram uma
estrondosa expansão em torno de 1.561% no período, sendo a maior variação relativa
registrada na região Nordeste (1.812%).
Tabela 4 - Instalações bancárias no País
Dependências por região geográfica
Fonte: Banco Central do Brasil/UNICAD
Essa expressiva expansão das atividades de correspondentes evidencia a forte
atratividade deste tipo de negócio. Se para os estabelecimentos comerciais esse convênio
significa um maior fluxo de consumidores em suas lojas, nova fonte de receitas e diferencial
competitivo, para os bancos o interesse deve-se principalmente à redução do custo de serviços
17 São dependências de bancos múltiplos com carteira comercial que somente pode ser instalado em recinto
interno de entidade da administração pública ou de empresa privada.
Posição em 31.12
Região Agências Postos de atendimento
1/ Correspondes bancários
2000 2007 2000 2007 2000 2007
Total 16 396 19 528 7.144 7 184 5 976 99 295
Nordeste 2 327 2 694 1.043 1015 981 18 763
Norte 557 738 358 423 194 2 775
Centro Oeste 1 194 1 420 501 500 491 8 912
Sudeste 8 942 10 863 3.757 3 828 3 248 49 215
Sul 3 376 3 813 1.485 1 418 1 062 19 630
56
prestados. Como analisa Chevalier citado por Moura (2007), a instalação de uma agência
bancária pode custar entre R$ 300 mil e R$ 400 mil. Um posto de atendimento bancário, em
torno de R$ 70 mil, enquanto os gastos com um correspondente ficam na casa dos R$ 18 mil.
Pode-se deduzir, portanto, que essa novidade mercadológica representa uma forma barata
encontrada pelos bancos para reduzir custos administrativos com manutenção do espaço de
funcionamento, contratação de bancários e segurança, além de possibilitar a expansão
estratégica nos mercados de baixa renda. Para o segmento mais pobre e nas regiões
desassistidas, a qual tem sido efetivamente alcançada, essa penetração bancária é benéfica
como medida de inclusão financeira se significar a disponibilização de produtos e serviços
bancários adequados às suas necessidades.
4.2.4 Contas Especiais
É comum designar por excluídos do sistema financeiro os indivíduos que não possuem
uma conta bancária. Essa é uma noção simplória em que o fato de possuir conta de depósito à
vista representa a formalização de uma relação com o banco para prestação de produtos e
serviços financeiros. Na realidade, com é frisado por Dymski (2005) o status de bancarizado
só é relevante se isto significar acesso a serviços financeiros apropriados às necessidades do
demandante, não sendo, desta forma, adequado definir a abertura de conta em si como
inclusão bancária.
O interesse do governo federal por essa questão é motivado pela promoção de
estratégias de democratização e promoção da cidadania para a população pobre. Foi estimado
pelos estudos de Kumar (2004) que aproximadamente 60 milhões de brasileiros possuíam
contas em bancos, cerca de, 43% da população. O estudo constata também que quase 30% de
todos os municípios brasileiros não tinham nenhuma agência bancária no ano de pesquisa, o
que aponta para um baixo acesso aos serviços financeiro no Brasil. O autor alega que a
exclusão reduz o bem-estar social dos indivíduos e a produtividade dos empreendimentos,
sendo indispensáveis políticas sólidas para os setores financeiros que garantam a efetiva
participação do público não atendido nesses mercados.
Nesse contexto, visando incluir no sistema bancário a camada da população excluída,
foi instituída pelo governo federal uma nova modalidade de conta de depósito à vista e de
57
poupança que ficaram conhecidas como contas simplificadas18
. Dentre as inovações
realizadas quando comparadas às contas bancárias tradicionais, estão: (i) a não exigência de
comprovação de residência e de renda, (ii) o fornecimento de cartão magnético substituindo o
talonário de cheques para movimentação e (iii) a isenção de tarifas até o limite de quatro
operações de saques, depósitos e extratos. Por outro lado, nessas contas é vedada a emissão de
cheques, a abertura de mais de uma conta de depósito e a movimentação de valores superiores
a mil reais, caso este último ocorra por duas vezes a conta será bloqueada, sendo cancelada na
terceira ocorrência.
Essa medida facilita o acesso da população de baixa renda ao sistema bancário desde o
ato de contratação desses serviços. Isto ocorre em razão da não exigência de comprovação de
renda, visto que este público normalmente apresenta renda inconstante e baixa, e também pela
não exigência de comprovante de residência, o que limitava a população residente em
localidades não regularizadas como favelas de adentrarem neste mercado. No lado bancário, a
não emissão de cheques reduz os custos administrativos, principalmente os relativos às
câmaras de compensação de cheques e cadastro de proteção do crédito. O cartão magnético,
conhecido como dinheiro de plástico, é interessante para o banco devido ao baixo custo de
operação e é conveniente para a população pela segurança, menor burocracia e praticidade do
uso.
Por sua vez, a isenção de tarifa viabiliza o acesso aos bancos da população mais pobre,
para a qual os preços das tarifas bancárias podem se tornar impeditivos mesmo para a
realização das operações mais simples de saques e depósitos. Estudo do Banco Mundial
dirigido por Kumar (2004) constatou que os preços das tarifas de transações bancárias, ainda
que não pareçam altas, podem constituir uma proporção significativa – de 1% a 2% ao mês –
da renda de um indivíduo menos favorecido.
O gráfico abaixo evidencia a evolução das contas correntes simplificadas no período
de 2004 a 2007, apontando uma trajetória contínua de crescimento. Distinguem-se aí as contas
que foram simplesmente abertas e as que foram movimentadas nos últimos seis meses
anteriores à data de referência – as chamadas contas ativas. Os dois grupos apresentaram
crescimento semelhante até março de 2005, a partir deste ponto percebe-se um descolamento,
ocorrendo crescimento na quantidade de contas abertas enquanto o número de contas ativas
segue praticamente estável no período. Em números absolutos, as contas ativas passaram de
18 Lei 10.735, de 11 de setembro de 2003.
58
3.883.787 para 4.488.229 entre dezembro de 2004 e dezembro de 2007, uma variação de
15,6%, percentual superior ao crescimento populacional do período que foi de 3%.
0
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
6.000.000
7.000.000
8.000.000
9.000.000
jan
/04
mar
/04
mai
/04
jul/
04
set/
04
no
v/0
4
jan
/05
mar
/05
mai
/05
jul/
05
set/
05
no
v/0
5
jan
/06
mar
/06
mai
/06
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06
set/
06
no
v/0
6
jan
/07
mar
/07
mai
/07
jul/
07
set/
07
no
v/0
7
Qtde.Conta Contas Ativas
Gráfico 9: Evolução das Contas-Corrente Simplificadas no Brasil – 2004-2007.
Fonte: BACEN/ Unicad
Mais da metade destas contas foram abertas pela Caixa Econômica Federal – um
patamar acima de 3 milhões, enquanto o Banco Popular do Brasil foi responsável por cerca de
1,5 milhão e o Banco do Brasil por aproximadamente 1 milhão. Dada a sua relevância, cabe
nesta análise levantar algumas observações sobre o programa de bancarização da Caixa,
instituição que tem como missão promover a melhoria contínua da qualidade de vida da
sociedade, intermediando recursos nos segmentos de habitação, saneamento e infra-estrutura,
e na administração de fundos, programas e serviços de caráter social.
A abertura da denominada Conta Caixa Fácil visa alcançar o público de baixa renda e
integrar os programas de transferência de renda do governo federal ao de bancarização da
Caixa, através da formação de Cadastro Único. Segundo dados da Caixa (2008),
aproximadamente 94% dos correntistas possuíam renda de até R$ 800, sendo 40% localizados
nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e cerca de 15% na Estados da Bahia,
Pernambuco e Ceará. Objetiva-se, também, através destas contas darem acesso ao crédito
Caixa-Aqui, uma modalidade de empréstimo rotativo pré-aprovado no valor de R$ 200, com
juros mensais de 2% e prazo de pagamento de até 12 meses. O crédito é liberado
automaticamente para correntista com pelo menos três meses de movimentação e sem
restrição cadastral. Abaixo, o gráfico apresenta à distribuição no Brasil do crédito recebido
por estes correntistas, por faixa de valor do empréstimo.
59
81%
12%7%
Até R$ 500 Entre R$ 500 e R$ 800 Outras Faixas
Gráfico 10: Base de Crédito Disponível – por valores
Fonte: CAIXA (2004)
Como observado, majoritariamente são ofertados crédito na faixa de até R$ 500 para o
público de baixa renda. De acordo com dados regionalizados para o município de Feira de
Santana-Ba, obtidos diretamente junto à instituição, foram abertas até agosto de 2008 um total
de 29.878 contas simplificadas no município, das quais 40% receberam empréstimos, 99,8%
deles na modalidade de R$ 200. Esses números evidenciam que a abertura de contas bancárias
tem se dado juntamente com o acesso a uma forma de crédito bancário. Entretanto, isto não
significa acesso à totalidade dos produtos financeiros comercializados pelos bancos, pois, para
a concessão das demais modalidades de crédito, os bancos avaliam a capacidade de
pagamento, sendo este público geralmente excluído.
Do exposto, pode-se concluir que, apesar dos avanços em termos de inclusão
financeira e do relativo êxito dos instrumentos empregados, o acesso bancário da população
de baixa renda tem sido restrito. Embora se tenha ampliado a possibilidade de obtenção de
crédito, o acesso se dá dentro de limites rígidos. Após este ponto, o fator renda volta a ser
determinante para a concessão de empréstimos, o que sugere que o efetivo aumento do acesso
ao sistema bancário se fará concomitante ao crescimento continuo de renda da população.
60
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme apresentado neste trabalho as instituições bancárias operam racionando
crédito. Devido o desconhecimento de informações relevantes por parte do ofertante de
crédito, estes tendem a adotar um comportamento preventivo frente aos riscos de
inadimplência. Para a sociedade, especialmente nos países menos desenvolvidos, isto se
reflete num baixo aprofundamento financeiro, o que, em outras palavras, significa exclusão
financeira de uma parcela bem definida do conjunto da população. Como discutido ao longo
do texto, o critério de exclusão está essencialmente ligado ao fator renda.
No caminhar deste estudo foram destacadas as razões para adoção de medidas que
visem à inclusão financeira, as quais têm em vista a redução da pobreza e a promoção da
cidadania. Foram estudados alguns instrumentos de acesso financeiro salientando como eles
contribuem para a redução da assimetria de informações e em seguida à aplicação dos
mesmos no Brasil, cujo objetivo foi identificar o alcance do público alvo destas iniciativas.
O resultado geral da análise é de que o público pobre tem sido efetivamente alcançado
por meio das medidas de acesso financeiro, exceto no que tange aos microempreendedores do
setor informal, cuja demanda desassistida, como visto, corresponde a cerca de 96% do total de
empreendedores. Este grupo é considerado de importância significativa para redução da
pobreza uma vez que o uso dos recursos recebidos em atividades produtivas pode,
efetivamente, contribuir para alterar suas condições de reprodução de vida material. Essa
constatação indica que os benefícios com a inclusão financeira no Brasil estão aquém do que
se poderia obter caso o maior direcionamento fosse para fins produtivos.
Vale notar que o método de exposição do objeto de estudo – acesso financeiro – se deu
dentro de uma abordagem dominante da temática: acesso financeiro e pobreza, não se
podendo, entretanto, deixar de fazer algumas considerações críticas sobre esta questão. A
primeira refere-se ao próprio conceito utilizado de pobreza cuja ampliação do acesso
financeiro reforça a noção de pobreza associada à expansão das liberdades substantivas do
indivíduo para o alcance de seus objetivos de vida, este conceito não considera os aspectos
históricos nem se detém na própria lógica do capitalismo como causa da pobreza. Daí a
proposta de erradicá-la desconsiderar os problemas atrelados à desigualdade como fruto do
projeto neoliberal implementado no país. Um estudo que incorporasse o tratamento da
pobreza como processo histórico fugiria, entretanto, ao limitado escopo do projeto de
pesquisa realizado.
61
Quanto à orientação geral das medidas de acesso financeiro, pode-se observar que sua
implementação no Brasil tem se dado mais com a finalidade de fomentar o consumo do que
propriamente inversões produtivas. A inclusão das famílias pobres nos mercados financeiros
vem ocorrendo atrelada ao estímulo para o consumo, sendo o próprio discurso de
democratização do crédito e inclusão social, corporificado no acesso, outrora negado, ao
universo de consumo ampliado. Como efeito, se tem verificado impulsos ao aumento do
consumo como alavanca do crescimento econômico, entretanto faltam estudos oficiais que
diagnostique a problemática do endividamento e da capacidade de endividamento das
famílias.
Também vale dizer que essa ampliação do crédito focado na população pobre com uso
de instrumentos que, de algum modo, reduzem riscos e problemas informacionais
representam, para as instituições bancárias, ganhos de lucratividade pela penetração com certa
margem de segurança num dos maiores nichos de mercado no Brasil. Por sua vez, o debate
em torno do acesso financeiro como via de redução da pobreza ocorre, como aqui ficou
demonstrado, dentro da lógica de soluções baseada nos mercados, dando enfoque reduzido às
questões estruturais, de renda e de mercado de trabalho para a melhoria das condições sociais
e redução da pobreza na sociedade brasileira.
62
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