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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA FELIPE DA ROZ Taxa de juros nominal negativa e o caso japonês: teoria, operacionalização e resultados CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA

FELIPE DA ROZ

Taxa de juros nominal negativa e o caso japonês: teoria, operacionalização e resultados

CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA

FELIPE DA ROZ

Taxa de juros nominal negativa e o caso japonês: teoria, operacionalização e resultados

Prof. Dr. Guilherme Santos Mello– orientador Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teoria Econômica da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas. ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO FELIPE DA ROZ E ORIENTADA PELO PROF. DR. GUILHERME SANTOS MELLO.

Orientador

CAMPINAS 2018

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

FELIPE DA ROZ

Taxa de juros nominais negativas e o Caso Japonês: teoria, operacionalização e resultados

Defendida em 22/02/2018

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Guilherme Santos Mello - Presidente Instituto de Economia / UNICAMP

Prof. Dr. Olivia Maria Bullio Matos St. Francis College / NY Prof. Dr. Lucas Azeredo da Silva Teixeira Instituto de Economia / UNICAMP

Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Agradecimentos

A defesa desta dissertação marca um “fim" de um ciclo, tanto profissional, com

o fim do mestrado, como pessoal. Não posso deixar de agradecer às pessoas que

participaram da minha trajetória até o presente momento, sem as quais não estaria

aqui. Desde já peço desculpas àqueles que escapam da minha memória neste momento.

Em primeiro lugar, meu orientador e amigo Guilherme Mello, por sugerir um tema tão

intrigante e me auxiliar nesta empreitada. Além de acalmar minha ansiedade e angústia

frente aos contratempos da pesquisa, nossas conversas sobre os diversos temas de

economia e política foram fundamentais para minha formação neste período.

Agradeço também a oportunidade que tive de cursar Economia na Facamp. O

empenho e qualidade dos professores durante a graduação foram essenciais para que

a curiosidade e o senso crítico despertassem na minha pessoa, com destaque para Olivia

Bullio – professora de economia monetária e presente na banca de defesa desta

dissertação. Gostaria de agradecer nominalmente aos amigos Rodrigo Sabbatini e Zeca

Ruas. Além de ter tido o prazer de ser aluno de ambos, sem a oportunidade que tive de

trabalhar como monitor no CEPEF talvez eu não teria migrado do meio profissional para

o acadêmico.

Não posso deixar de agradecer todo o Instituto de Economia da Universidade de

Campinas. Dentre os professores, tive a oportunidade de ser aluno de Giuliano

Contento, Maryse Fahri, Ana Rosa, Adriana Nunes, Simone de Deos, José Carlos Braga,

Célio Hiratuka, Paulo Fracalanza, Fernando Sarti, Ricardo Carneiro, Geraldo Biasoto.

Agradeço também aos funcionários que com simpatia e empenho contribuem para o

ótimo ambiente deste Instituto.

Deixo um agradecimento especial para os membros e professores do Centro de

Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON). Além de ter sido muito bem

recebido, encontrei um espaço de amizade, diálogo e debates que enriqueceram (e

muito) minha experiência durante o mestrado. Agradeço os professores Pedro Rossi,

André Biancareli, Lucas Teixeira, Luis Lopreatto, Marcos Rocha, Pedro Paulo Bastos,

Bruno de Conti; os pós-graduandos Ana, Ricardo, Flavio, Gabriel, Renato, Arthur,

Nicholas, Ezequiel e Marcelo; e a funcionária do instituto Eliana.

Ainda na Unicamp, agradeço aos meus companheiros de sala de aula, cuja

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amizade e companheirismo fizeram com que esta experiência se tornasse muito mais

prazerosa. Dentre estes, gostaria de deixar um abraço especial para Murilo, Nikolas,

Caio, Tariq, Thiago, Abel, André, Herrera e Enzo.

Registro também meus agradecimentos ao CNPQ pela bolsa concedida durante

meu período no mestrado.

No campo pessoal, um “obrigado" não seria suficiente para demonstrar minha

gratidão à minha família pelo apoio neste período. Mesmo que com dúvidas, receio e

afins, apoiaram e respeitaram minhas decisões, sempre buscando me auxiliar e

aconselhar. Ao meu pai Nei, minha mãe Maribele e minhas irmãs, Carolina e Rafaela,

um agradecimento com muito amor. Meus avós (Meire, Izaias, Elsa e Wagner), tios, tias

e primos, sintam-se abraçados também.

Gostaria de agradecer aos meus amigos de longa data, cuja importância como

válvula de escape, apoio e conselhos são indispensáveis para esta longa estrada que

seguimos juntos. Dizem que os verdadeiros amigos você pode contar em uma mão. Me

recuso. Tenho a alegria de acumular verdadeiras amizades ao longo dos tempos, então

um salve para o pessoal de Leme (Renan, Bauer, Thiaguinho, Czar, Tui, Baga); pessoal da

graduação na Facamp (Tuiu, Rafa, Biel, Serralha, Victinho, Du, Dani, Ger, Brunão,

Lukinha, Picola); e da monitoria no CEPEF da Facamp (Marcinho e Claudio).

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Resumo

Pioneiro na implementação das ditas políticas monetárias não convencionais desde o estopim da Bolha Especulativa ao final dos anos 1990, o Japão passou a implementar uma política de taxa de juros nominais negativas no início de 2016. Esta dissertação tem como intuito compreender as motivações desta medida, além de seus principais resultados e efeitos colaterais. Para tanto, primeiramente busca elucidar sua fundamentação teórica, patrocinada por autores do Novo Consenso Macroeconômico, que defendem medidas ditas não convencionais em meio ao cenário de armadilha da liquidez. Paralelamente, também apresenta-se a visão de autores keynesianos como contraponto. Como a forma de operacionalização e aspectos institucionais são cruciais para que possamos analisar seus efeitos, aprofunda-se a discussão tendo o Japão como estudo de caso. Após apresentar aspectos institucionais do país em questão, passamos para a operacionalização das taxas negativas, efetuada por meio do fracionamento das reservas bancárias, e análise dos mecanismos de transmissão dessas taxas para outros mercados, o que se dá prioritariamente via arbitragem. As variadas características de bancos e instituições financeiras faz com que os impactos destas taxas de diferencie, principalmente pelo fato da facilidade de acesso de grandes bancos a ativos denominados em outras moedas e funding em dólar. Por fim, a atuação do Banco Central japonês em meio ao programa de taxas de juros nominais negativas teria efeitos colaterais sobre os mercado de ações e de títulos públicos. A principal hipótese é de que a economia japonesa vem passando por um processo de exacerbação da inflação do preço de ativos, em uma reafirmação da dinâmica que culminou na Grande Recessão. Em outras palavras, ao invés de superar o ambiente adverso, cria distorções e efeitos colaterais que induzem aos mesmos processos que caracterizaram a década passada, com destaque para o fomento de bolhas e a consequente valorização do estoque de riqueza. Palavras chave: taxas de juros nominais negativas, política monetária não convencional, banco central, inflação de ativos, armadilha da liquidez, canais de transmissão, economia japonesa.

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Abstract

Japan was the first country do adopt unconventional monetary policy, after the asset price bouble collapse in the 1990s. Recently, the Bank of Japan implemented a negative nominal interest rate policy in order to overcome the stagnation that last almost to decades. Aiming to understand the concerns that authors and policy makers that proposed this monetary policy and its results and side effects, the beginning of this essay focus on the theoretical aspects of negative nominal interest rate. Counterbalancing new macroeconomic consensus framework, that sponsored this monetary policy, with keynesian authors, we intend to have a better understand of liquidity trap and the proposals to overcome it. Secondly, the Japanese situation is used as case study regarding institutional and operational issues. After exploiting transmissions channels, essentially arbitrage, its possible to verify that major banks are less affected than others, mostly because of international presence and access to dollar funding with lower costs. Finally, the Bank of Japan presence increased in the past years, and aligned with negative nominal interest rates have caused collateral effects in both stock market and government bonds market. The main hypothesis of this essay consists in the intensification of the asset prices valuation, deepening the dynamic that culminated in the financial crisis. Key words: negative nominal interest rates, unconventional monetary policy, central bank, asset prices valuation, liquidity trap, monetary transmission, Japanese economy.

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Lista de Figuras e Tabelas

FIGURA 1 – PROCESSO CUMULATIVO DE WICKSEL NO MERCADO DE FUNDOS EMPRESTÁVEIS............. 28

FIGURA 2 – JAPÃO: ESTRUTURA DO SISTEMA FINANCEIRO, MARÇO/2016 (% NO TOTAL DE ATIVOS

FINANCEIROS) ......................................................................................................... 51

FIGURA 3 – COMPRA DE JGB POR PARTE DO BOJ, JAN/2010 – OUT/2016 .................................. 53

FIGURA 4 – YIELDS DOS JGB DE 10 ANOS, AGO/16 – MAR/17 .................................................. 55

FIGURA 5 – EXEMPLO DE FOREIGN EXCHANGE SWAP EURO/DÓLAR ............................................... 60

FIGURA 6 – EXEMPLO DE TRANSMISSÃO DE TAXA DE JUROS NOMINAIS NEGATIVAS NO MERCADO

MONETÁRIO ........................................................................................................... 63

FIGURA 7 – GAP DE RESERVAS DO MACRO ADD-ON/BASIC BALANCE E MONTANTE SOB POLICY RATE

BALANCE (ABRIL/16 – MAR/17), ¥ TRILHÕES ................................................................. 65

FIGURA 8 – RESERVAS BANCÁRIAS DISCRIMINADAS DE ACORDO COM O THREE TIER SYSTEM, POR

INSTITUIÇÃO (FEV/16 – JAN/17), ¥ TRILHÕES ................................................................ 66

FIGURA 9 – TAXA DE CÂMBIO YEN/DÓLAR À VISTA, FINAL DO PERÍODO (2014-2017) ..................... 71

FIGURA 10 – US$ DOLLAR FUNDING PREMIUM: DIFERENÇA ENTRE TAXA DE SWAP CAMBIAL E OPERAÇÃO

CAMBIAL NO MERCADO À VISTA (2007-17) ................................................................... 73

FIGURA 11 – VARIAÇÃO DO VOLUME DE EMPRÉSTIMOS (%) DOMÉSTICOS CONTRA MESMO PERÍODO DO

ANO PASSADO ENTRE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS (ESQUERDA) E POR TIPO DE EMPRESTADOR

(DIREITA) ............................................................................................................... 78

FIGURA 12 – FUSÕES E AQUISIÇÕES (VOLUME E NÚMERO DE OPERAÇÕES), JAPÃO (2011-17), ¥

TRILHÕES (ESQUERDA) E NÚMERO DE CASOS (DIREITA) ...................................................... 79

FIGURA 13 – VARIAÇÃO ANUAL (%) DO VOLUME DE EMPRÉSTIMOS POR SETOR, JAPÃO (2012-17) ..... 80

FIGURA 14 – EMPRÉSTIMOS DENOMINADOS EM MOEDA EXTERNA E POR FILIAIS NO EXTERIOR, 2010-17,

(US$ BILHÕES) ........................................................................................................ 81

FIGURA 15 – JAPÃO: PIB E SEUS COMPONENTES DE DEMANDA, REAL E COM AJUSTE SAZONAL (%,

TRIMESTRE CONTRA TRIMESTRE DO ANO ANTERIOR) .......................................................... 83

FIGURA 16 – JAPÃO: EXPECTATIVAS INFLACIONÁRIAS (%, 1 E 3 ANOS) E TAXA DE INFLAÇÃO (%, ÍNDICE

CHEIO E EXCETUANDO ALIMENTOS E ENERGIA), MARÇO/14 – DEZEMBRO/17) ....................... 84

FIGURA 17 – JAPÃO, ÍNDICE BOLSA DE VALORES, NIKKEI 225 (JAN/2000 – DEZ/2017) .................. 89

FIGURA 18 – MONTANTE DE AÇÕES RETIDAS POR INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, ¥ TRILHÕES, JAPÃO (2006-

16) ...................................................................................................................... 90

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FIGURA 19 – MONTANTE DE AÇÕES DE INVESTMENT TRUSTS RETIDAS POR INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, ¥

TRILHÕES, JAPÃO (20016-16) ................................................................................... 91

FIGURA 20 – GANHOS E PERDAS REALIZADOS COM RETENÇÃO OU VENDA DE TÍTULOS, ¥ TRILHÃO, JAPÃO

(2001-16) ............................................................................................................ 92

FIGURA 21 – GANHOS E PERDAS REALIZADOS COM RETENÇÃO OU VENDA DE AÇÕES, ¥ TRILHÃO, JAPÃO

(2001-16) ............................................................................................................ 92

FIGURA 22 – GANHOS E PERDAS NÃO-REALIZADOS COM RETENÇÃO OU VENDA DE AÇÕES, GRANDES

BANCOS, ¥ TRILHÃO, JAPÃO (2010-16)........................................................................ 93

FIGURA 23 – GANHOS E PERDAS NÃO-REALIZADOS COM RETENÇÃO OU VENDA DE AÇÕES, BANCOS

REGIONAIS, ¥ TRILHÃO, JAPÃO (2010-16) .................................................................... 94

TABELA 1 – SISTEMA THREE-TIER PARA RESERVAS BANCÁRIAS .................................................... 61

TABELA 2 – EXEMPLO POLICY RATE HIPOTÉTICO (¥ TRILHÕES) ..................................................... 64

Sumário

RESUMO .................................................................................................................................. 7

ABSTRACT ................................................................................................................................ 8

LISTA DE FIGURAS E TABELAS .................................................................................................. 9

SUMÁRIO ............................................................................................................................... 10

PROBLEMATIZAÇÃO .............................................................................................................. 12

OBJETIVOS E ESTRUTURA ...................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1 – ARMADILHA DA LIQUIDEZ, SUAS DIFERENTES CONCEPÇÕES E PROPOSTAS DE

SUPERAÇÃO ........................................................................................................................... 16

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 16

1.1 CONCEITO DE ARMADILHA DA LIQUIDEZ .............................................................. 17 1.1.1 KEYNES E A ARMADILHA DA LIQUIDEZ ................................................................................. 18 1.1.2 HICKS E O MODELO IS-LM ............................................................................................... 25 1.1.3 KRUGMAN E O NOVO CONSENSO MACROECONÔMICO .......................................................... 27

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1.2 PROPOSTAS DE SUPERAÇÃO ................................................................................. 31 1.2.1 A ABORDAGEM DE KEYNES E DOS PÓS-KEYNESIANOS .............................................................. 31 1.2.2 MAINSTREAM E AS EXPECTATIVAS INFLACIONÁRIAS................................................................ 37

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 42

CAPÍTULO 2 - SISTEMA FINANCEIRO JAPONÊS E AS TAXAS DE JUROS NOMINAIS NEGATIVAS

.............................................................................................................................................. 43

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 43

2.1 INSTITUCIONALIDADE DO SISTEMA FINANCEIRO JAPONES ............................................. 48

2.2 BOJ E SUAS POLÍTICAS MONETÁRIAS NÃO-CONVENCIONAIS .......................................... 51

2.3 TAXAS DE JUROS NOMINAIS NEGATIVAS: OPERACIONALIZAÇÃO E O AJUSTE DO SISTEMA

FINANCEIRO........................................................................................................................... 56 2.3.1 MERCADOS SECUNDÁRIOS - ASPECTOS GERAIS ...................................................................... 56 2.3.2 OPERACIONALIZAÇÃO – O THREE TIER SYSTEM ...................................................................... 61 2.3.3 RESPOSTA DO SISTEMA FINANCEIRO JAPONES ....................................................................... 65

2.4 TRANSMISSÃO PARA OUTROS MERCADOS ...................................................................... 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 75

CAPÍTULO 3 – EFEITOS MACROECONÔMICOS DA POLÍTICA DE JUROS NOMINAIS NEGATIVOS

.............................................................................................................................................. 77

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 77

3.1 LUCRATIVIDADE BANCARIA E A EXPANSÃO DO CREDITO ................................................ 77

3.2 TÍTULOS PÚBLICOS, MERCADO ACIONÁRIO E GANHOS DE CAPITAL ................................ 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 96

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 98

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 104

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Introdução

Problematização Os anos 1990 foram marcados pela elevada turbulência internacional devido à

sequência de crises deflagradas nos países em desenvolvimento, com destaque para os

episódios na Rússia, Ásia e América Latina. Destoando do agrupamento de países que

passaram por situações recessivas, o Japão foi o único país desenvolvido a enfrentar

uma profunda crise na década em questão. Após décadas de prosperidade, em meio ao

chamado Milagre Japonês (1955-70), o arrefecimento do crescimento nos anos 1980 e

questões geopolíticas fizeram com que o país adentrasse em um processo de

liberalização financeira. Dentre os efeitos deste movimento, destaca-se a maior

presença de investidores externos no mercado financeiro japonês, induzindo a um

processo de aumento de preços no mercado de ações, e o acirramento da concorrência

no setor bancário do país em questão, visto que a possibilidade de investimento dos

residentes se expandiu. Como consequência, os bancos comerciais acabam se voltando

para o setor imobiliário, causando um intenso ciclo de aumento de preços neste

mercado. Esta dinâmica de inflação do preço de ativos no Japão, chamada Bolha

Especulativa, já dava sinais de arrefecimento em 1988, mas apenas no início de 1992 o

ciclo se rompe de fato com o estouro da bolha.

A situação do Japão ganhou destaque entre economistas pelo fato de que a crise

se deu em um cenário em que a taxa de juros nominal de curto prazo já se encontrava

em patamares muito baixos. Dentre estes, destaca-se a corrente teórica do dito Novo

Consenso Macroeconômico (NCM), dominante nos corpos técnicos dos Bancos Centrais

dos principais países do mundo. Frente a incapacidade de utilização da política

monetária “convencional” de redução da taxa de juros de curto prazo, autores do NCM

passam a discutir o que caracterizaria uma situação de Armadilha da Liquidez, até então

considerada apenas uma possibilidade teórica, e propor políticas para sua superação.

Tem início a implementação das ditas políticas monetárias não convencionais.

A eclosão da Grande Recessão em 2008 inaugura um novo período para a teoria

monetária, visto que seus impactos e sua profundidade exigiu uma rápida resposta das

autoridades monetárias frente ao espraiamento dos efeitos adversos sobre os mais

diversos mercados. Tomando como exemplo o caso norte-americano, o Fed reduziu a

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taxa de juros de curto prazo de 5,25% ao ano (setembro de 2007) para 0% (dezembro

de 2008). Com a insuficiência da política monetária “convencional”, ou seja, variação da

taxa de juros de curto prazo via operações no open market, as das ditas políticas

monetárias não convencionais se espraiam pelas principais economias do mundo. Dessa

forma, a Grande Recessão fez com que boa parte das propostas de política monetária

não-convencional fomentadas a partir do caso japonês se alastrassem mundo afora,

sofrendo mutações e se adaptando às especificidades de cada país.

A política monetária que desponta como principal expoente dessa nova onda são

os ditos programas de Quantitative Easing (QE) parte de propostas para que o Japão

superasse sua armadilha de liquidez. Inicialmente, os QEs visavam a compra de ativos

com o objetivo de promover a expansão da base monetária (por isso são chamados de

“flexibilização quantitativa”, ou seja, o enfoque era na quantidade de moeda), induzindo

o aumento de preços (inflação) e a expansão do crédito para estimular a economia.

Antes mesmo da eclosão da Grande Recessão, a timidez da reação da economia

japonesa fez com que estes programas já sofressem revisões. Enquanto inicialmente o

intuito principal do QE seria a expansão da base monetária, aspectos qualitativos

ganham proeminência. Em outras palavras, as caraterísticas do ativo alvo do Banco

Central também importaria, afetando de maneira distinta expectativa dos agentes e a

curva de juros (Bernanke e Reinhart, 2004). Nesta linha, com intuito de influenciar

expectativas dos agentes a influência destes programas na taxa de juros de longo prazo

se torna um de seus objetivos declarados.

Após a Grande Recessão, os programas QEs passaram a ser implementados das

mais diversas formas em diferentes países, envolvendo títulos públicos e privados de

maturidades distintas, com anúncios prévios de montantes mensais ou anuais,

chegando ao extremo de envolver a compra ilimitada de ativos para atingir certa taxa

de juros pré-determinada (política implementada no Japão em outubro/2016). Além do

QE, variadas medidas de política monetária tinham como principal intuito influenciar as

expectativas dos agentes quanto a taxa de juros e de inflação no futuro. Chamada de

forward guidance por teóricos do NCM, as mais diversas medidas de política monetária

(o anúncio de metas de inflação agressivas, a indução de desvalorização cambial, e até

mesmo o efeito de programas de QE sobre as expectativas) seriam essenciais para

superação da armadilha da liquidez.

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A implementação destas medidas não convencionais de política monetária,

impensáveis antes da Grande Recessão, não foram suficientes para que economias

desenvolvidas engatassem uma trajetória consistente de recuperação econômica.

Frente à ineficácia das ações implementadas, após o Banco Central Europeu e outros

países do norte da Europa terem adotado taxas de juros nominais negativas entre 2012

e 2014, o Japão adota esta política no início de 2016. Acreditava-se que ao superar o

ZLB, levando as taxas para o âmbito negativo, a política monetária convencional

recuperaria sua funcionalidade, permitindo a superação da armadilha da liquidez.

Objetivos e estrutura Buscando aprofundar a discussão sobre as taxas de juros nominais negativas esta

dissertação utiliza a situação do Japão como estudo de caso. Conforme destacado, a

economia japonesa já possui um longo histórico de políticas monetárias não

convencionais e um sistema financeiro bem desenvolvido e internacionalizado.

Portanto, considera-se que além de contribuir para uma melhor compreensão das taxas

nominais negativas, um estudo de caso deste país pode contribuir com considerações

relevantes quanto às relações deste tipo de política monetária junto ao sistema

financeiro internacional.

Dessa forma, para discutir quais foram os efeitos das taxas de juros nominais

negativas, este trabalho pretende compreender os componentes teóricos que

embasaram esta proposta de política monetária. Além disso, é crucial distinguir as

especificidades da forma de operacionalização e, paralelamente, os aspectos

institucionais que permeiam seus mecanismos de transmissão.

Visando alcançar estes objetivos, esta dissertação está dividida em três capítulos.

No primeiro capítulo, busca-se elucidar as bases teóricas das propostas de taxas de juros

nominais negativas. Para isso, fez-se necessário reconstruir o debate que circunda o

conceito de armadilha da liquidez, onde se optou por apresentar o que caracterizaria

uma situação de armadilha da liquidez nas concepções de keynesianos e do Novo

Consenso Macroeconômico acerca do conceito, além das especificidades da

incorporação de Hicks (1937) no arcabouço IS-LM. Em seguida aborda-se as diversas

propostas de superação da AL para estas escolas de pensamento, com destaque para as

taxa de juros nominais negativas.

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No segundo capítulo parte-se para a análise do caso japonês propriamente dito.

Após apresentar peculiaridades institucionais quanto ao seu sistema financeiro e

reconstituir o histórico de políticas monetárias não convencionais do país, busca-se

apresentar a forma de operacionalização das taxas de juros nominais negativas, seus

efeitos distintos sobre as principais instituições financeiras e a forma como as taxas se

transmitiram para o mercado monetário de curto prazo, mercado cambial e mercado de

títulos privados.

Por fim, o terceiro capítulo busca elucidar, além dos mecanismos de transmissão,

aspectos da atuação do BoJ nos diferentes mercados de moeda e títulos, assim como

efeitos colaterais provocados por tais intervenções. Finalmente, a última sessão

compreende uma conclusão e comentários gerais.

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Capítulo 1 – Armadilha da liquidez, suas diferentes concepções e propostas de superação

Introdução O estouro da Grande Recessão de 2008 foi um ponto de inflexão para a economia

global nos anos subsequentes. Tendo como epicentro nos Estados Unidos, sua

capacidade de espraiamento e profundidade podem ser comparados apenas à Crise de

1929, com diversos efeitos adversos: recessão, desemprego, deflação, protecionismo,

dentre outros. Considerada inesperada por grande parte dos economistas e governos, a

crise exigiu uma resposta rápida e eficaz frente aos seus riscos de aprofundamento.

Neste contexto, as discussões acerca de políticas econômicas anticíclicas ganham

relevância e dominam o debate público. Economistas do dito mainstream econômico,

dominado por correntes teóricas caracterizadas como Novo Consenso Macroeconômico

(NCM) desde os anos 1980, já vinham discutindo situações recessivas e de baixas taxas

de juros desde o estouro da bolha especulativa no Japão. Apesar de algumas propostas

de política fiscal, amplamente defendidas por autores keynesianos, terem sido

utilizadas, sua adoção foi marginal e, quando implementadas, muito breves. Foram as

ditas políticas monetárias não-convencionais, patrocinadas pelo NCM, que

protagonizaram grande parte das políticas econômicas anticíclicas mundo afora.

Com diversas facetas e especificidades, indo desde os Quantitative Easings até a

adoção de taxas de juros nominais negativas, estas políticas foram implementadas

tendo como pano de fundo comum a dita armadilha da liquidez. Esta situação seria

caracterizada por cenários recessivos, sob risco de deflação, em que a taxa nominal de

juros de curto prazo perderia sua eficácia de estimular a atividade econômica. Nesse

sentido, as políticas monetárias não convencionais defendidas pelo mainstream teriam

como condicionante esta armadilha, reconhecida apenas após a crise japonesa dos anos

90. Portanto, para compreendermos o contexto em que as taxas de juros nominais

negativas foram defendidas e implementadas, objetivo principal deste trabalho,

consideramos essencial o entendimento das especificidades do contexto que teria

levados autores do mainstream a defenderem este tipo de política, visto que esta

corrente teórica é predominante na direção dos Bancos Centrais dos principais países

desenvolvidos. Para tanto, este capítulo visa comparar as visões de keynesianos,

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corrente teórica que propôs o conceito de armadilha da liquidez, e de autores do NCM.

A partir das diferentes percepções sobre o que caracterizaria esta situação, permitindo

uma percepção mais detalhada sobre o que a caracteriza, aborda-se as distintas

propostas de superação, destacando semelhanças e diferenças dentre os autores em

questão.

1.1 Conceito de armadilha da liquidez O debate econômico sobre armadilha da liquidez não é propriamente novo.

Keynes, no seu Treatise on Money (1930), já abordava teoricamente a hipótese que foi

intitulada “armadilha da liquidez” (AL). Posteriormente, Hicks (1937) adapta o conceito

keynesiano ao seu aparato teórico conhecido como IS-LM, subvertendo alguns

pressupostos de Keynes, mas criando certamente a versão mais difundida do conceito

de AL até o presente momento.

Apesar de teoricamente possível, a armadilha da liquidez só ganhou importância

no debate do mainstream na década de 1990, quando a crise japonesa levou as taxas

de juros próximas a zero, sem impactar a taxa de inflação e a atividade econômica.

Diante deste cenário, Krugman et al (1998) apresenta sua própria leitura sobre o cenário

japonês, sugerindo um conceito de AL mais próximo da literatura dos novo-keynesianos,

fundada no debate acerca da credibilidade da autoridade monetária. Este texto dá

origem ao que ficou conhecido como “Zero Lower Bound Economics” (ZLB), a ideia de

que existe um limite inferior da taxa de juros nominais que impediria a saída de uma

situação de AL. A promessa era que, uma vez contornada a limitação imposta pela

necessidade de taxas nominais positivas de juros, seria possível escapar do cenário de

AL em retomar a trajetória de crescimento de longo prazo.

O debate teórico é alçado a um novo patamar quando alguns Bancos Centrais ao

redor do mundo passam a adotar taxas nominais negativas de juros sobre as reservas

bancárias como forma de tentar superar a crise instaurada em 2008, eliminando

parcialmente as barreiras encontradas pelos autores que discutiam a hipótese de ZLB.

A partir deste momento, se inicia uma nova discussão acerca dos impactos da política

de “Negative Nominal Interest Rates” (NNIR) que, apesar de ainda se encontrar em seus

primórdios, já aponta para novos obstáculos para a utilização da política monetária

como forma de promover uma recuperação econômica em cenários de AL.

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Visando reconstruir o debate acima descrito, essa seção se divide em duas

partes. Na primeira, desenvolve-se o conceito de AL, tanto na versão de Keynes quanto

na desenvolvida por Hicks, ilustrando seu embasamento teórico e as propostas para sua

superação, até chegarmos na versão de Krugman, que avança para a discussão do ZLB,

colocando o limite inferior positivo da taxa de juros como uma “rigidez” que, caso

corrigida, retiraria as economias do cenário de AL. Na segunda seção, discute-se as

hipóteses sugeridas e adotadas para contornar os cenários de AL e ZLB até se alcançar a

NNIR, fazendo-se uma comparação das propostas existentes desde Keynes até as

estratégias utilizadas pelos bancos centrais na crise recente.

1.1.1Keyneseaarmadilhadaliquidez

Conforma já dito, é a construção teórica de Hicks (1937), a partir do arcabouço

do IS-LM, que concentrou a discussão sobre a AL. Ainda que o modelo IS-LM reconheça

situações de AL e atribua sua fundamentação ao conceito de preferência pela liquidez,

esta construção é radicalmente diferente daquela proposta por Keynes (1936).

Portanto, tanto a percepção distorcida do conceito de preferência pela liquidez quanto

a incorporação equivocada do que seria a eficiência marginal do capital contribuem para

que o conceito original da AL seja mal compreendido no debate acadêmico até os dias

atuais.

Entre a passagem do Treatise on money (1930) para a Teoria Geral (1936), Keynes

amadureceu estes dois conceitos fundamentais que revolucionariam a teoria

monetária: a preferência pela liquidez e a eficiência marginal do capital (Kregel, 2014,

p.2). Tais conceitos constituem a base da radical mudança de perspectiva de Keynes em

relação ao paradigma neoclássico, em particular acerca das decisões de investimento. A

preferência pela liquidez estaria associada à incerteza em relação ao futuro – caso os

agentes estejam em um baixo estado de confiança quanto ao futuro, acalmariam suas

inquietações ao migrar de ativos menos para mais líquidos. Por outro lado, a eficiência

marginal do capital, aspecto central para determinação do investimento, estaria

centrada na concepção de expectativas de demanda futura descontadas pela taxa de

capitalização. Dessa forma, além da decisão de investimento ser influenciada

diretamente pela prospecção de demanda, englobaria também o grau de incerteza

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cristalizado pela taxa de capitalização, que por sua vez seria balizada pela preferência

pela liquidez.

Ainda assim, a apresentação de Keynes seria recheada de “detalhes extraviados

e ausências conspícuas”, segundo Macedo e Silva (2006). A começar pelas diferentes

apresentações quanto a taxa de juros. Em um primeiro momento (capítulos 13 a 15),

Keynes teoriza sobra “a” taxa juros como sendo o preço que equilibra o desejo de reter

riqueza na forma dinheiro em contraposição com a aquisição de títulos, dada uma

quantidade de moeda1. Esta concepção de preferência pela liquidez estaria centrada no

motivo especulação, que sofreria influência direta da expectativa de taxa de juros – caso

seja esperada uma redução desta taxa, compro títulos (bulls); caso seja esperada um

aumento, vendo títulos (bears). Segundo Macedo e Silva, esta construção estaria presa

a uma lógica de fluxo em que um indivíduo representativo não-financeiro (household)

sintetiza a tomada de escolha. Portanto, seria um tanto quanto contraditório em meio

a uma economia empresarial, monetária e financeira a ausência de instituições

financeiras mais desenvolvidas. Esta simplificação seria, segundo este autor, uma

estratégia de Keynes para dialogar com os economistas do mainstream da época, além

do fato de que, ao não incluir firmas financeiras, a oferta de moeda é mantida constante,

visto que pressupõe-se que a oferta de moeda é exógena.

A dualidade entre moeda e títulos também traria um caráter minimalista para a

elaboração da TG. Ainda assim, algumas passagens na teoria geral e a construção teórica

do Treatise indicam que Keynes tinha em mente as diversas possibilidades de alocação

da riqueza, cada qual com atributos específicos.

No capítulo 17 da Teoria Geral a teoria da preferência pela liquidez é analisada

sob uma ótica distinta, quando se apresenta o funcionamento de uma economia

monetária da produção centrado na escolha de portfólio por parte dos agentes. Todos

os ativos possuiriam quatro atributos: quase-renda; variação de preço; custo de

carregamento e liquidez. Por exemplo, um bem de capital possuiria o atributo quase

renda em destaque, enquanto uma commodity poderia ter como característica principal

sua variação de preço. A moeda teria papel especial por cristalizar o atributo liquidez,

referencial para todos os outros ativos. Dessa forma, qualquer alocação de portfólio

1 “It is the “price” which equilibrates the desire to hold wealth in the form of cash with the available quantity of cash” (Keynes, 1936, p.167)

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teria estes atributos em vista para tomada de decisões. Ainda assim, mesmo que aquele

agente representativo passe a alocar sua riqueza em diversos ativos de acordo com suas

características, dando ênfase ao estoque de riqueza, “há uma ausência conspícua: das

instituições financeiras e do crédito” (Macedo e Silva, 2006, p.10). Novamente, este

autor busca justificar esta escolha tendo em vista a forma de apresentação adotada por

Keynes. Os “procedimentos simplificadores e equilibristas” exigiriam a exclusão das

instituições financeiras, permitindo uma análise de como se daria a alocação de portfólio

com dada oferta de moeda.

Por mais que Keynes tenha simplificado elementos essenciais que caracterizam

uma economia monetária da produção, o conceito de preferência pela liquidez já estava

inserido como aspecto central dos ciclos econômicos. Ao considerar que vivemos sob

incerteza radical, um grau de confiança deteriorado em relação ao futuro faria com que

o atributo liquidez adquirisse papel de destaque em detrimento aos outros atributos

dos ativos. Tais considerações constituem o cerne da armadilha de liquidez proposta por

Keynes. Segundo ele, uma economia se encontraria nesta situação quando, partindo de

um cenário recessivo:

“There is the possibility, for reasons discussed above, that, after the rate of interest has fallen to a certain level, liquidity-preference may become virtually absolute in the sense that almost everyone prefers cash to holding a debt which yields so low rate of interest” (Keynes, 1936, p. 207)

É importante destacar que o autor é explícito ao afirmar que a questão chave

para tal situação não é tanto o nível em si da taxa de juros, mas “the degree of its

divergence from what is considered a fairly safe level” (ibid, p.201). Esse grau de

divergência aumentaria a demanda por moeda através de duas frentes. Em primeiro

lugar, se a taxa de juros fosse reduzida, mas aquela considerada “segura” não segue o

mesmo rumo, a percepção de risco de iliquidez, já poluído pelo cenário recessivo,

aumentaria, elevando a demanda por moeda e reduzindo a procura por títulos. Dito de

outra forma, os agentes esperam que a taxa irá subir no futuro (taxa de mercado cai,

mas expectativa quanto à taxa futura se mantém inalterada), induzindo agentes a

venderem títulos – bear market. Em segundo lugar, Keynes aponta que quanto mais

baixa a taxa de juros, maior o prêmio de seguro para compensar o risco de perda de

capital, apontado como “the difference between the squares of the old rate of interest

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and the new” (ibid, p. 202). Essa questão, conhecida na literatura financeira como a

duration2 de um título, é decisiva para compreender o conceito de AL em Keynes, pois

aponta para a centralidade da precificação dos estoques de riqueza como causa do

cenário de AL.

O cálculo do duration modificado, que compreende a regra do quadrado da taxa

de juros citada por Keynes, explicita a relação inversa entre o capital já investido e o

cupom de retorno.3 Paralelamente a um maior rendimento do cupom, o aumento da

taxa de juros promove uma desvalorização no preço do título. Portanto, quanto menor

a taxa de juros, maior o duration e mais tempo para recuperar perdas de capital por

meio do reinvestimento dos rendimentos (Kregel, 1998). Como o conceito de

preferência pela liquidez seria relativo4, a AL dependeria das expectativas quanto ao

preço dos títulos no futuro, fundada na volatilidade recente da taxa de juros. Em

cenários de taxas de juros baixas a perspectiva de perda patrimonial decorrente de

pequenos aumentos nos juros para o portador de um título pré-fixado faz com que a

possibilidade de recuperação dos prejuízos se estenda por vários anos, mesmo com o

reinvestimento das receitas de juros. Vale destacar que por mais que esta situação seja

mais propensa a ocorrer em baixas taxas de juros, nada impede que uma AL se instale a

taxas mais elevadas. Esta concepção é ressaltada por Kregel:

“Thus, the lower the rate of interest, the higher the bond's duration and the longer it takes to recover the fall in capital values from the increased reinvestment earnings (…) However, it should be clear that this does not rule out the existence of a liquidity trap at higher rates” (Kregel, 1998, p.130, grifo nosso)

Portanto, ainda que a AL seja muito mais factível em cenários com baixas taxas

de juros devido aos riscos mais elevados quanto à perda de capital, nada impede que

ela ocorra a taxas altas. Tanto a relatividade da discrepância em relação à taxa

2 O exemplo proposto por Keynes indica que uma taxa de juros de longo prazo de 4% ao ano exigiria que esta não sofresse um aumento maior do que 0,16% ao ano. Considerando taxas menores, essa variação teria que ser muito mais baixa. A uma taxa de 2% ano só compensaria manter recursos ilíquidos se ela aumentasse apenas 0,04% - para qualquer valor acima disso seria melhor reter liquidez. 3 O cupom de retorno, também chamado de yield nominal, consiste na taxa de retorno do título assim que é emitido. Por outro lado, o yield corrente incorpora a variação no preço do ativo em meio às transações no mercado secundário. Por exemplo, um título de $1000 com cupom que paga $70 anualmente tem um cupom ou yield nominal de 7%. Caso seja transacionado por $900, seu yield corrente passa a ser de 7,8% ($70/ $900). 4 (Kregel, 2012, p.6)

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considerada “segura” quanto a volatilidade do período recente da taxa de juros

influenciam o grau de preferência pela liquidez em qualquer nível de taxa de juros.

Por mais que Keynes desenvolva conceitos fundamentais para revolucionar a

teoria monetária, sua construção teórica compreenderia simplificações que dificultam

a utilização analítica do conceito de AL nos dias atuais. Conforme já destacado acima,

Macedo e Silva (2006) enfatiza a ausência das instituições financeiras na análise, a oferta

de moeda exógena e a dualidade entre títulos-moeda. Neste sentido, consideramos que

a contribuição de Minsky permite uma análise mais profunda das inter-relações em uma

situação de AL nos tempos atuais. Sua construção teórica, ao incorporar aspectos

financeiros negligenciados por Keynes, se faz essencial para os capítulos subsequentes

desta dissertação, quando abordaremos os efeitos das taxas de juros negativas sobre a

forma de atuação de instituições financeiras e seus efeitos sobre investimentos

produtivos.

Responsável pelo intitulado Wall Street Paradigm, Minsky teve grande

contribuição para a teoria keynesiana por destacar a formação de passivos em meio à

alocação de portfólio. Portanto, enriquece o modelo minimalista de Keynes do capítulo

17 tendo em vista a criação de passivos: toda aquisição de ativo deve, necessariamente,

compreender uma forma de financiamento – seja via recursos próprios, seja emitindo

dívidas. Com este movimento Minsky, reintroduz a endogeneidade da moeda já

presente no Treatise on Money (1930), recuperando e enfatizando aspectos quanto ao

sistema bancário, instituições financeiras e crédito, de modo que a possibilidade de

alocação de riqueza se expande muito além da dualidade moeda/títulos.

Consequentemente, a compreensão das questões monetárias sob uma ótica pós-

keynesiana dos tempos atuais encontra neste autor elementos fundamentais.

Outro aspecto da teoria minskyana que merece destaque tendo em vista a AL é

sua teoria de dois preços. Segundo este autor, Keynes estaria preso em uma standard

interest-rate terminology (Minsky, 1976, p.98) – o que possivelmente seria um

importante fator para interpretações equivocadas de sua teoria. Dessa forma, Minsky

propõe substituir a análise via eficiência marginal do capital pelo preço de demanda de

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ativos de capital (Pk5) e o preço de oferta de capital (Pi

6). Por mais que a constituição do

Pk seja similar à da eficiência marginal do capital, a taxa de desconto sobre o rendimento

esperado estaria mais explícita7.

A eficiência marginal do capital consistiria na taxa de desconto resultante da

expectativa de retorno do investimento (Q’s) trazida a valor presente frente a custo de

reposição do capital8 - ou seja, o output seria uma taxa de capitalização. A alternativa

proposta por Minsky consistiria na estimação do preço do ativo em questão, tendo em

vista não seu valor de mercado, mas a forma que o investidor individual precifica seu

investimento. Para tanto, seria utilizada uma taxa de desconto superior à taxa de juros

de mercado, visto que ao investir abre-se mão da liquidez, trazendo a estimativa de

retorno a valor presente. Em suma, a partir do Pk, seria mais perceptível a relação entre

a liquidez do ativo e o grau de liquidez da economia como um todo (liquidity premium

on money) no período em questão (Michl, 2010).

Enquanto a eficiência marginal do capital seria contraposta à taxa de juros de

mercado para que o investidor decida aportar recursos ou reter liquidez, Minsky propõe

uma comparação entre Pk e Pi. Caso Pk>Pi, o investidor tende a realizar o investimento.

As expectativas subjetivas em relação ao futuro enfatizadas por Keynes seriam

condensadas tanto na prospecção esperada como no grau de liquidez, sujeitas a bruscas

variações. Com um sentimento generalizado de queda de risco, o value of liquidity

atribuído para cada ativo tende diminuir – este menor grau de incerteza acabaria se

revertendo em um aumento do Pk.

“It is preferable to the liquidity-preference function because it quite clearly generates prices for items in the stock of capital assets and financial assets; it also is preferable because, as it has been derived, the

5 Pk = K(M, q, c*- c), onde M é a oferta de moeda; q são os retornos esperados; c* são títulos emitidos e c são as obrigações de pagamento; juntos, (c*-c) é a estrutura de passivo como um todo. Michl (2010) propõe outra forma de formalização: Pk=∑(δQ), onde δ=1/(1+i+η)t; sendo que i é a taxa de juros monetária (de mercado), η é o prêmio de risco (incerteza) e t os períodos em questão. 6 Onde Pi=Q(Kn/Yn)/(1+rn), onde Q é o rendimento esperado (que depende da escassez de capital) e r é a taxa de capitalização do investimento. Segundo Minsky, seus produtores incorporam o custo de financiamento e o custo de oportunidade de outros ativos de mercado para precificar os ativos de capital. 7 “First of all, the Q’s are not submerged, as in the alternative approach; second, the capitalization factor, which can have a varying ratio to the market rate of interest on secure loans because of the different values placed upon liquidity, is explicitly considered” (Minsky, 1976, p.99) 8 “Given these yields, and given a known supply price for the capital asset, there arises a discount rate that equates the discounted value of the yields to the supply price that Keynes calls the “marginal efficiency of capital”” (Michl, 2010, p.8)

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Pk function includes in the valuation of assets their ability to generate cash by sale—i.e., their liquidity. Inasmuch as the premium which units will pay for this ability to generate cash will vary, the ability of monetary changes to affect the economy becomes dependent upon what is happening to liquidity premiums” (Minsky, 1976, p.88)

Em suma, Minsky incorpora dois aspectos quanto à incerteza tendo em vista o

financiamento do investimento: a fixação das obrigações de pagamento do

financiamento antes da maturação do investimento, mesmo quando a expectativa de

retornos não é concretizada; o pagamento destas obrigações está em concorrência com

outros ativos financeiros (Dymski, 1997). Portanto, fatores que impactam sobre o

mercado financeiro afetam tanto determinações dos empreendedores quanto a

propensão dos financiadores para conceder recursos. Os mercados financeiros e o

investimento produtivo são muito mais correlatos, favorecendo o boom e a crise.

Investimentos via ativos reprodutíveis ou mercado mercado acionário9 envolvem tanto

expectativas de retorno quanto a emissão de dívidas ou utilização de recursos próprios,

reduzindo o grau de liquidez da instituição. Caso a operação seja bem sucedida, a

valorização das ações da empresa em questão por si só já reduz sua iliquidez, visto que

os emprestadores veem com bons olhos a operação e não há um aumento do risco do

empréstimo.

Por mais que as construções de Keynes e Minsky não se diferenciam tanto em

tempos normais10, em meio à AL a análise via Pk permite diferenciações importantes.

Neste cenário, o atributo liquidez alcançaria níveis extremamente elevados, enquanto a

liquidez interna dos ativos cairia abruptamente, fazendo com que a habilidade de gerar

recursos pela venda de ativos financeiros se deteriore. Dito de outra forma, com a

intensificação do desejo de reter moeda os ativos se tornam menos líquidos, visto que

a possibilidade de serem transacionados rapidamente sem grandes desvalorizações de

preço é corroída. Além do fato de investimentos realizados previamente não terem suas

expectativas de retorno concretizadas, efeitos positivos sobre a estrutura de passivo

também não ocorrem: “the desired improvement in balance sheets will not be realized,

9 “decision to acquire second-hand capital goods - and to acquire control over other corporations” (Minsky, 1976, p.86) 10 “A stimulative monetary policy will lower the monetary rate of interest. In Keynes’s account, this will make it economic to invest in more projects that support a lower marginal efficiency of capital. In Minsky’s account, the lower monetary rate will increase the discounted value of future yields and make economic the purchase of more capital assets of given supply price” (Michl, 2010, p.9)

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and a recursive debt-income deflationary process could be triggered” (Minsky, 1976,

p.113). Nestas situações, o Pk sofre profunda baixa, com os fundos internos antecipados

sendo utilizados para quitar dívidas. Caso se situe abaixo do preço de oferta de

investimento, estabelece-se uma situação de AL. Segundo Minsky, “even if the interest

rate on financial assets continues to fall as the supply of money is increased, the

capitalization rate applied to investment assets may not rise by enough to induce

investment” (ibid, p.113, grifo nosso).

Em outras palavras, a política monetária é incapaz de induzir o investimento,

visto que não consegue influenciar a taxa de desconto dos investidores, poluída pelo

grau de incerteza extremado. É importante destacar novamente que esta conceituação

de AL não está necessariamente correlacionada com o ZLB, visto que o cerne da questão

estaria na expectativa dos agentes e sua preferência pela liquidez, e não propriamente

o nível da taxa de juros em si11. Ademais, podemos condensar a AL keynesiana na

situação em que o nível de preferência pela liquidez é tão extremo que os agentes não

se desprendem de ativos líquidos. Quanto mais baixa a taxa de juros, maior a

expectativa de sua reversão e, seguindo o cálculo do duration, maior a perda de capital

devido à variação de preço dos ativos.

1.1.2HickseomodeloIS-LM

O modelo IS-LM teria sido exposto por Hicks em seu texto “Mr. Keynes and the

classics” (1937), quando desenvolve a interpretação adotada pelo mainstream até os

dias atuais sobre o que seria a teoria keynesiana. Neste texto, o autor negligencia as três

principais contribuições de Keynes (princípio da demanda efetiva, teoria da preferência

pela liquidez e incerteza radical), considerando que o único aspecto que mereceria

destaque seria o cenário de “economia da depressão”. Dessa forma, incorpora o

conceito de AL em uma teoria dita “geral”: quando o produto se distancia do ponto

ponto de pleno emprego no curto prazo, valeria a concepção de Hicks quanto à teoria

11 “Monetary policy will quite possibly be rendered impotent even before it reaches the ZRB, for the inability to affect the interest rate is not the differentia specifica of a Minskian liquidity trap” (Michl, 2010, p.10).

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keynesiana (LM horizontal e AL) e no longo prazo valeria novamente o “caso clássico” -

LM vertical e equilíbrio entre oferta e demanda.

No arcabouço do IS-LM, a taxa de juros real seria determinada pela produtividade

do capital (físico) e pela decisão de consumir – curvas de oferta e demanda,

respectivamente. A taxa de juros nominal é determinada no mercado de capitais, em

um trade off entre liquidez presente e liquidez futura (Carvalho, 1999). Em meio a AL, a

política monetária seria inócua pelo fato de que os ajustes do nível de preços por si só

não permitem a estabilização da economia no pleno emprego, visto que moeda e títulos

se tornam substitutos perfeitos – LM horizontal (Akram, 2016). Portanto, a incapacidade

do BC influenciar as taxas de juros de mercado anularia os efeitos esperados para retirar

a economia da recessão. Segundo o autor,

“In an extreme case, the shortest short-term rate may perhaps be nearly zero. But if so, the long-term rate must lie above it, for the long rate has to allow for the risk that the short rate may rise during the currency of the loan, and it should be observed that the short rate can only rise, it cannot fall” (Hicks, 1937, p.155, grifo nosso)

A taxa de juros de longo prazo é vista como a expectativa futura das taxas curtas,

que seriam resultantes da oferta e demanda de capital monetário. Como a taxa longa se

mantém em um patamar superior à de curto prazo, a expectativa dos agentes é de

aumento da taxa curta. Com isso, Hicks também tem em mente o risco de perda de

capital apontado por Keynes.

Portanto, podemos notar que a debilidade da política monetária devido ao risco

de retenção de títulos frente à expectativa de aumento da taxa de juros de curto prazo

é comum nas concepções de AL de Keynes e Hicks. Também é comum a concepção de

que a AL seria superada através da política fiscal, com o governo induzindo diretamente

o investimento e a renda. No entanto, é crucial notarmos que a incorporação distorcida

de Hicks de aspectos essenciais da teoria keynesiana faz com que sua perspectiva acerca

do que levaria a uma situação de AL seja radicalmente diferente.

Seguindo o modelo IS-LM, a política fiscal só é indicada de fato pois a política

monetária teria perdido sua eficácia devido à perfeita substitutabilidade entre moeda e

títulos. Retomando o raciocínio, esta equivalência entre moeda e títulos ocorre pois a

taxa de juros de curto prazo estaria próxima de zero e haveria expectativa de que ela

aumentasse no futuro, visto que a taxa longa se mantém em um patamar superior.

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Portanto, caso a taxa de juros de curto prazo pudesse ser menor do que zero ou a curva

de longo prazo se aproximasse da taxa de curto prazo, a política monetária retomaria

sua capacidade de influenciar a demanda agregada, de modo que a política fiscal

poderia ser negligenciada em prol da política monetária.

Assistimos nas últimas décadas políticas muito parecidas com esta concepção, em

que a redução da curva de juros visava exatamente a equalização entre as taxas de curto

e longo prazo. Na sessão seguinte buscaremos ilustrar de que maneira os novos

keynesianos, principais nomes propositores das políticas monetárias não convencionais,

incorporaram as concepções de Hicks, reafirmando a potencialidade da PM mesmo em

situações de AL.

1.1.3KrugmaneoNovoConsensoMacroeconômico

Ainda que o conceito de AL tenha sido apresentado nos anos 1930, economistas

do mainstream o tratavam como um caso teórico e ultrapassado, cuja recorrência seria

improvável12. No entanto, após a eclosão da crise no Japão ao final dos anos 90 em meio

ao risco deflacionário o debate acerca da AL ganha força dentro desta corrente, cujo

texto inicial partiria de Krugman et al (1998). Em um primeiro momento, a conceituação

da AL é aparentemente idêntica à proposta por Hicks (1937):

“That awkward condition in which monetary policy loses its grip because the nominal interest rate is essentially zero, in which the quantity of money becomes irrelevant because money and bonds are essentially perfect substitutes” (Krugman et al, 1998, p.137)

Por mais que a concepção da ineficácia da política monetária seja compartilhada,

o arcabouço teórico seria distinto - autores do Novo Consenso se baseiam na concepção

de taxa natural de juros desenvolvida por Wicksel l(1907). Segundo Milgate (1982), a

taxa natural de juros de Wicksell consistiria na taxa que iguala a oferta e demanda de

12 Do ponto de vista teórico, no entanto, a hipótese de AL foi bastante discutida entre os “velhos keynesianos”: Hansen, Lange, Modigliani, Lawrence Klein e Gardner Ackley foram alguns autores que revisitaram o tema, ora se aproximando mais da concepção de Hicks, ora retomando algumas ideias de Keynes. Em geral, a reprodução de Hicks era vista como adequada, mas temas como a inclinação da curva LM (ou a existência de uma parte horizontal da curva) separavam os autores. (Boianovsky, 2004)

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“capital real”13. A taxa natural também pode ser definida como aquela que iguala a

oferta (poupança) e demanda (investimento) de fundos emprestáveis; ou seja, é a taxa

que iguala poupança e investimento, conforme apresentado na figura 1.

Figura 1 – Processo Cumulativo de Wicksel no Mercado de Fundos Emprestáveis

Fonte: Castilho(2015)

A taxa natural de juros não é necessariamente igual à taxa monetária de juros

determinada pelos bancos (figura 1). É a partir desta distinção que Wicksel teoriza sobre

o nível de preços: quando a taxa monetária é inferior à taxa natural há um incentivo ao

investimento (“preço” de investimento/custo para investir está baixo), pressionando os

custos de produção permanentemente e causando aumento do nível de preços. Caso a

taxa de mercado, definida pelos bancos, se iguale à taxa natural, garantindo que os

fatores de produção sejam remunerados de acordo com sua produtividade marginal

(Castilho, 2015, p.17), a economia se encontraria em seu equilíbrio de longo prazo.

O NCM incorpora a taxa natural de juros, mas assume pressupostos distintos dos

apresentados anteriormente. Considera-se que haveria rigidez de salários no curto

prazo e, portanto, distinções entre o produto e o produto potencial se refletem no

aumento do nível de preços. Caso o Banco Central mantenha a taxa nominal de juros

constante, uma menor taxa de juros real induziria a um aumento da demanda agregada,

trazendo mais pressões inflacionárias. O inverso também é valido: o BC deve reduzir a

13 “mobile capital in its free and uninvested form with which we are concerned” (Wicksel, 1901, vol.II, p.192)

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taxa nominal de juros para impedir que uma taxa real mais elevada deprima

investimento e demanda (Almeida, 2009, p.47).

Quando a taxa nominal de juros alcança o ZLB, este mecanismo de ajuste se

romperia14. Segundo Almeida (2009), o ZLB seria alcançado quando a economia enfrenta

uma taxa de deflação (em módulo) superior à taxa natural de juros, de modo que não

há uma taxa nominal positiva que retome a economia para o pleno emprego. Uma

segunda possibilidade, mais próxima do que vem sendo discutido desde a crise

japonesa, seria uma taxa natural de juros negativa, ou seja, a oferta de capital

(poupança) é superior à demanda de capital (investimento) - portanto, o produto

potencial (considerado dado) é menor do que o produto no presente (Krugman et al,

1998). Dada a oferta de moeda fixa, visto que o aumento da base monetária seria

inócuo, a AL ocorreria se o nível de preços atual fosse considerado muito alto em relação

ao nível de preços de longo prazo (dado pelo produto potencial; ou seja, considerado

pré-determinado) 15 . Dessa forma, caso a taxa de juros nominal não pudesse ser

negativa, o BC precisaria encontrar outras maneiras para que a taxa real de juros fosse

negativa; ou seja, a única solução seria a indução de expectativas inflacionárias16 (𝑟 =

𝑖 − 𝜋&) de maneira crível. Por este motivo, grande parte das questões em torno da AL

acabam se voltando para credibilidade do BC quando à sua PM:

“Whatever the specifics of the situation, a liquidity trap is always the product of a credibility problem: the public believes that current monetary expansion will not be sustained. Structural factors can explain why an economy needs expected inflation; they can never imply that credibly sustained monetary expansion is ineffective” (Krugman et al, 1998, p.166)

Dito de outra maneira, em meio a questões estruturais que determinam o produto

e nível de preços de longo prazo, quando espera-se uma renda menor no futuro há um

14 “Therefore it must be that any increase in the money supply beyond the level that would push the interest rate to zero is simply substituted for zero interest bonds in individual portfolios (…) with no further effect on either the price level or the interest rate” (Krugman et al, 1998, p.146) 15 “The easiest way to think about this is to say that there is an equilibrium real interest rate, which the economy will deliver whatever the behavior of nominal prices. Meanwhile, since the future price level P* [preço do segundo período] is assumed held fixed, any rise in the current level creates expected deflation; hence higher P [nível de preços] means lower i [taxa de juros nominal]”. (Krugman et al, 1998, p.145, grifo nosso) 16 “The economy ‘needs’ inflation, and an attempt by the central bank to achieve price stability will lead to a zero nominal rate and excess cash holdings” (Krugman et al, 1998, p.147)

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excesso de poupança devido à rigidez imposta pelo ZLB17. De maneira geral, textos

subsequentes do NCM que abordam a AL por meio do ZLB seguem a teorização de

Krugman (Krugman, 2000; Svensson, 2003, 2006; Buiter e Panigirtzoglou, 1999).

Portanto, a questão das expectativas e da credibilidade do BC permeiam praticamente

todas propostas de superação da AL.

Como podemos notar, por mais que a perspectiva de que a AL implicaria na

ineficácia da política monetária seja comum entre o NCM e keynesianos, suas

construções teóricas são radicalmente diferentes. Por este motivo, ao invés de tratar da

teoria do NCM como AL, autores pós-keynesianos passaram a intitular esta construção

teórica de ZLB economics (Kregel, 2014; Palley 2016a). Vale destacar que enquanto a

taxa natural de juros negativa seria o cerne desta perspectiva quando a economia

atingisse o ZLB, pouco se explora qual seria a causa para a ocorrência de uma taxa

natural de juros negativa.

Em Krugman et al (1998) a questão é abordada tangencialmente. A principal

dificuldade dos autores é justificar uma taxa natural de juros negativa enquanto ainda

há investimentos e produtividade marginal do capital positivos: “productive investment

can take place and the marginal product of capital, while it can be low, can hardly be

negative” (ibid, p.150). Como tentativa de justificar este dilema, o autor propõe que

pode haver um equity premium demasiadamente elevado, desestimulando o

investimento produtivo mesmo que a taxa de retorno do capital seja elevada. Além

disso, aponta que a taxa de retorno do investimento dependeria também do preço dos

bens de capital e sua variação esperada. Para tanto, utiliza a teoria do q de Tobin, que

relaciona o valor de mercado esperado do ativo de capital em questão no futuro e seu

custo de reposição. Dessa forma, caso o q de Tobin for maior que um, o agente realiza

o investimento. Dessa forma, se o q de Tobin caia no futuro – no nosso caso, por um

valor do ativo de capital esperado menor no futuro, e não por um aumento do custo de

reposição - a taxa natural de juros poderia ser negativa mesmo com produto marginal

do capital positivo.

17 “if people have low expectations about their future incomes, even with a zero interest rate they may want to save more than the economy can absorb. (In this case, the economy cannot absorb any savings; I address that point below.) And therefore, no matter what the central bank does with the current money supply, it cannot reflate the economy sufficiently to restore full employment” (Krugman et al, 1998, p.150)

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Outra abordagem a respeito da determinação da taxa de juros natural negativa se

encontra em Eggertsson e Krugman (2012). Neste artigo os autores buscam avançar na

temática por meio de uma abordagem “Fisher-Minsky-Koo”. De maneira geral,

incorporam a ideia de instabilidade financeira de Minsky de uma maneira simplista,

assumindo como exógeno o aumento do grau de alavancagem18. O choque ocorreria

quando o limite de endividamento fosse reduzido abruptamente, forçando endividados

a se desalavancarem rapidamente. Como consequência, “produce a potentially nasty

liquidity trap is for the natural rate of interest rs to go negative” (ibid, p.1477).

Em suma, a discussão moderna do que seria a AL se restringe ao ZLB, tendo a

rigidez da taxa nominal de juros um papel de destaque. Por mais que a taxa natural de

juros considerada pelo NCM tenha tido origens na teoria de Wicksell (1907), foram

incorporados elementos adicionais tendo em vista o curto prazo. Segundo Almeida

(2009), o NCM faz uso da rigidez de preços e salários no curto prazo para justificar a

diferença entre produto e produto potencial, que se expõe por meio da inflação19. Caso

o Banco Central acerte suas previsões, fazendo uso da regra de Taylor, a economia se

direcionaria para sua trajetória de longo prazo.

De qualquer maneira, por mais que o que levaria a taxa natural para a níveis

negativos seja um tema controverso, há consenso de que para superar um cenário de

AL, existe a necessidade de levar a taxa real de juros abaixo de zero via estímulo às

expectativas inflacionárias. Ainda que haja alguma discussão sobre política fiscal, é

bastante marginal e muitas vezes voltada para estas mesmas expectativas. A próxima

sessão apresentará as diferentes propostas para superação da AL.

1.2 Propostas de superação

1.2.1 A abordagem deKeynesedospós-keynesianos

Nas sessões anteriores buscamos caracterizar o que consistiria uma situação de

AL a partir de três perspectivas teóricas distintas. Poderíamos apontar como ponto de

18 “ (…) an extended period of steady economic growth or rising asset prices will encourage relaxed attitudes toward leverage” (Eggertsson e Krugman, 2012, p.1475) 19 Outra diferença relevante é o próprio conceito da taxa natural de juros: "Por isso, apesar das semelhanças, a taxa natural de juros de Wicksell é aquela que estabiliza o nível de preços, enquanto a taxa natural de juros do novo consenso é aquela que estabiliza a taxa de inflação” (Almeida, 2009, p.76)

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congruência entre elas a perda de funcionalidade da política monetária “convencional”,

ou seja, com o BC atuando no mercado secundário de títulos públicos visando reduzir a

taxa de juros de curto prazo. Conforme destacado na apresentação do modelo IS-LM, a

defesa do uso da política fiscal se prende muito mais ao fato da política monetária

perder sua eficiência. Para os keynesianos, ao contrário, frente ao grau extremado de

preferência pela liquidez, a política fiscal seria o principal elemento para superação da

AL, com a decisão de gasto autônomo partindo do Estado. Potencializado pelo

multiplicador, o gasto estatal deve induzir a demanda agregada ao fomentar maiores

expectativas de receita no futuro; consequentemente, o grau de incerteza tenderia a se

amenizar, trazendo um horizonte propício à retomada do consumo e do investimento

privados.

Esta concepção de que a política fiscal seria o mecanismo central de superação

de cenários de AL teria sido apresentado por Keynes apenas na Teoria Geral.

Explicitamente sobre os programas de QE, Kregel destaca que em contraposição à visão

dos Novos Keynesianos:

"Keynes would have gone about the implementation of QE in a much different way. Instead of announcing a given amount of purchases of particular securities and a target for the size of the central bank’s balance sheet, he would have set the bid and ask rate and let the market decide the amounts it wanted to transact.” (Kregel, 2014, p.4)

Nesse sentido, a concepção de que a teoria keynesiana tem como única proposta

a política fiscal para a superação da AL é equivocada - a política monetária tem papel

essencial para tanto. As medidas propostas por Keynes seriam, no entanto,

“multifacetadas”, requerendo ações por parte dos bancos centrais não apenas com

intuito de manter taxas de juros de curto prazo em baixos níveis, mas também

influenciar toda a curva de juros. Os bancos centrais teriam que adotar medidas

complementares à redução da taxa de juros, fazendo esforços para reduzir a volatilidade

das taxas e parametrizar sua direção, reduzindo a incerteza (Akraam, 2016). Portanto,

“targeting the yield curve and reducing interest rate volatility is a prerequisite for

overcoming a liquidity trap” (ibid, p.29). No pós-Crise de 2008, o FED adotou os

programas QE da forma defendida pelo mainstream¸ determinando previamente um

montante para compra de ativos. Na prática, no entanto, este montante era ajustado

tendo em vista a curva de juros de longo prazo. Mais recentemente, o Japão anunciou

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uma política com foco direto sobre a curva de juros tendo em vista a manutenção das

taxas de longo prazo próximas a zero20, que será explanada no capítulo seguinte.

De maneira similar, Minsky considera a atuação estatal e da autoridade

monetária fundamentais para superação de cenários recessivos, sendo que suas

proposições são sintetizadas nos conceitos de Big Government e Big Bank . Tendo como

embasamento a atuação estatal pós-Segunda Guerra Mundial, Minsky promulga pela

atuação governamental via política fiscal para sustentar o arrefecimento da demanda

do setor privado. Deste modo, o déficit estatal garantiria possibilidade de alocação de

recursos para os agentes, que visariam seguraça e liquidez. Mais que isso, seria

atribuição do Estado “provide floors to the economy that assure minimum levels of liv-

ing and service to all” (ibid, p.369). Em relação à autoridade monetária, esta deveria

atuar como emprestador de última instância junto ao setor financeiro, limitando a

deflação de ativos financeiros e o desencadeamento de um processo de debt-deflation,

e, consequentemente, o desenrolar de uma crise sistêmica21. Mas mais que isso, seria

atribuição do Big Bank fiscalizar o sistema, sempre buscando se antecipar a inovações

financeiras.

Explicitamente sobre as taxas de juros nominais negativas, com exceção de

artigo recente de Palley (2016a), Keynes e os pós keynesianos têm discutido muito

pouco sobre a possibilidade real de sua implementação. Kregel apresenta

marginalmente esta hipótese, tendo em vista a percepção de Keynes acerca das

propostas de Silvio Gessel:

"Keynes’s understanding of liquidity preference provides an alternative explanation of the role of negative interest rates and of his fascination with measures such as Silvio Gesell’s stamped money. (…) In Keynes’s approach, all that would be required to offset the impact of the liquidity trap would be to set the negative interest rate at a value such that it was greater than the loss in capital value associated with holding securities, for then money would provide no protection against capital loss due to the expected rise in rates”. (Kregel, 2014, p.4)

20 Lançado em setembro/2016, intitulado “Quantitative and Qualitative Monetary Easing with Yield Curve Control” 21 “To intervene in this way, the central bank must provide as much liquidity as is required to meet financially fragile cash-flow needs; and of equal importance, market participants must perceive the big bank as being willing to play this role” (Dymski, 1999, p.5)

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Portanto, a adoção de taxas de juros nominal negativa buscaria impedir que os

investidores se refugiassem na moeda com intuito de evitar correr riscos de perdas de

capital. Por mais que a questão das taxas nominais negativas seja colocada por Keynes

como forma de superação da AL, pouca discussão teria sido realizada nesse campo

acerca desta política. Primeiramente, conforme destacado na sessão anterior, a

elaboração da TG possui simplificações que impedem uma transposição para a

possibilidade de adoção de taxas negativas nos níveis atuais. Por exemplo, considerando

um sistema financeiro que apresente a dualidade entre moeda e títulos, de fato alguma

forma de taxa de juros negativas provavelmente induziria a superação da AL.

No entanto, há indícios de que o próprio Keynes teria sido bastante cético quanto

à questão do stamp script22, sendo que “it was not feasible in the form in which he

[Gesell] proposed it [ainda que] the idea of stamped money is sound” (Keynes, 1936,

p.357) – ou seja, podemos considerar que a forma de implementação desta política seria

uma das preocupações de Keynes. A existência de inúmeros tipos de ativos financeiros

impede que esta construção se sustente – a adoção de taxas nominais negativas poderia

induzir uma fuga para quase moedas, títulos públicos, depósitos a prazo, etc. É

exatamente esta a crítica de Keynes ao afirmar que “he was unaware that money was

not unique in having a liquidity-premium attached to it, but differed only in degree from

many articles” (ibid, p.357). Ao taxar a retenção da moeda, “a long serie of substitutes

would step into their shoes” (ibid, p.358).

Recentemente, partindo de uma visão crítica acerca da NNIR, Palley (2016a)

analisa possíveis impactos das propostas de adoção destas taxas no contexto recente,

adotando uma postura mais reticente que a de Keynes. O autor argumenta que ao

contrário do que se propunha, as taxas de juros negativas seriam limitantes para o

investimento. Ao invés de basear seu financiamento em recursos próprios (equity), os

investidores passariam a tomar recursos em buybacks de ações por meio do crédito

próximo/abaixo de zero, incorrendo em um aumento da alavancagem de seus balanços.

As taxas de juros negativas estimulariam a emissão de dívidas utilizadas como

22 Quando se referem ao “stamp script”, tem em mente a proposta de “carimbar” a moeda de Gessel. As moedas carimbadas não poderiam mais ser utilizadas como papel moeda, o que equivaleria à adoção de uma taxa negativa ou um imposto sobre a moeda. Com isso, os agentes incorporariam o custo de oportunidade da perda de valor do papel moeda, evitando que se refugiassem neste ativo com rendimento “nulo”.

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financiamento para recompra de ações, induzindo a um aumento de seus preços. Além

disso, o baixo incentivo da alocação de recursos para investimentos produtivos tende a

induzir processos de fusões e aquisições, sendo essa outra via que inflaciona o mercado

acionário.

Em relação ao consumo, Palley (2016a) considera que o impacto seria ambíguo:

há um incentivo para poupar menos e consumir no presente, mas também deterioraria

a perspectiva de renda futura, o que poderia aumentar a propensão a poupar para

compensar possíveis perdas. Quando assume a visão dos agentes acerca da “renda

futura”, tudo indica que o autor em questão se baseia em teorias que consideram que

os agentes tomam decisões de consumo tendo em vista sua renda ao longo da vida

(Friedman, 1957; Ando e Modigliani, 1963), as quais consideramos insuficiente para

análise do consumo das famílias. Acreditamos que o efeito riqueza das NNIR é, de fato,

ambíguo, mas por outras razões.

De maneira geral, a aquisição de ativos financeiros pelas famílias não é uma

situação comum para classes de renda mais baixa (com exceção de poucos países, como

os EUA). Como esta característica não é generalizada, enquanto a propensão marginal a

consumir das classes altas tende a ser menor, é plausível considerar que o efeito riqueza

não se reverta em consumo, sendo mais provável que se mantenha dentro da circulação

financeira. Além disso, outro limitante seria o estoque de endividamento precedente.

Mesmo que classes de renda mais baixa sejam atingidas pelo efeito riqueza, caso

possuam um elevado estoque de endividamento o efeito riqueza tende a se voltar para

quitar estas obrigações. Portanto, ao menos em um primeiro momento, o consumo não

se expandiria.

Mais do que efeitos duvidosos sobre investimento e consumo, seus impactos

financeiros seriam ainda mais adversos. Palley (2016a) destaca três principais impactos:

rompimento do crédito bancário (dificuldade dos bancos em manter sua lucratividade

via crédito); fragilidade financeira e instabilidade (estímulo a recompra acionária e busca

de ganhos de capital); desintermediação financeira (incentivo à busca de outros ativos

para alocação de riqueza que não a moeda propriamente dita). Em um horizonte mais

longo, mesmo que a política de taxa de juros negativas obtivesse sucesso, sua base

residira no modelo de crescimento que teria culminado na crise de 2008: endividamento

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e inflação de ativos. Dessa forma, a reversão das políticas de taxas negativas poderia

induzir o estouro de bolhas em diversos mercados.

Em suma, Keynes e seus seguidores consideram que as políticas monetárias

seriam importantes ferramentas para superação de uma situação de AL, principalmente

reduzindo as taxas de juros de longo prazo e amenizando sua volatilidade. No entanto,

a política fiscal seria indispensável para gerar demanda autônoma e,

consequentemente, amenizar o grau de incerteza ao promover um horizonte de

crescimento para o setor empresarial. Afinal, conquanto o intuito primário seria

estimular o investimento, nada garantiria que a liquidez fluiria para ativos reais apenas

por meio da política monetária:

“Keynes is skeptical that low interest rates by themselves would induce investment, particularly amid heighted uncertainty, where the investors’ expectations of future demand have been diminished. He believes that investors may prefer to stay liquid and hold cash and cash equivalents.” (Akraam, 2016, p.29)

Tendo em vista as considerações minskyanas destacadas, podemos ir além ao

destacar a incapacidade da política monetária de afetar a taxa de desconto considerada

para valuation dos investimentos a serem realizados em meio à elevada incerteza. Na

crise atual, podemos notar que apesar da capacidade dos BCs dos países centrais de

ampliar seus balanços com intuito de evitar um processo de debt-deflation 23 , as

autoridades monetárias têm sido incapazes de fazer com que estes recursos escoem

para a circulação real 24 . Nesse sentido, a impressionante injeção de recursos se

restringiu à circulação financeira, estimulando a manutenção de ciclos de inflação de

ativos. Estas políticas se mostram incapazes de estimular o Pk, usando termos de

Minsky. O elevado grau de incerteza (tanto político como econômico, com destaque

para possibilidade de ascensão das taxas de juros), o elevado risco de emprestador e o

alto grau de endividamento são três aspectos centrais para compreendermos o baixo

crescimento da economia mundial nos últimos anos.

23 Teoria proposta por Fisher (1933b), em que o excesso de endividamento pré-crise induz a um processo generalizado de venda de ativos. Este processo, a menos que contrabalanceado pela re-inflação no preço de ativos, tende a causar uma queda generalizada de preços, agravando a situação daqueles que se mantiveram endividados e aprofundando a crise. 24 Seguindo a distinção de Keynes proposta no Treatise on Money (1930) entre circulação real e financeira.

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Portanto, esmo com os governos assumindo passivos privados, os programas de

política monetária e a desalavancagem parcial de alguns segmentos não teriam sido

suficientes para reverter a “confiança dos agentes” e por si só retomar o crescimento.

Na visão dos keynesianos, a política fiscal como motor indutor do crescimento a nível

global se faz indispensável para superação destas amarras. Em relação às taxas de juros

nominais negativas, a crítica de Palley (2016a) apresentada e questões acerca da pouca

complexidade do sistema financeiro da TG exigem uma discussão mais profunda sobre

sua implementação. Para tanto, seria necessário considerar nuances do sistema

financeiro atual de modo que o excesso de liquidez fluísse diretamente para a circulação

produtiva, gerando uma relação simbiótica com a circulação financeira. Em outras

palavras, preservando o circuito finance-funding.

1.2.2Mainstreameasexpectativasinflacionárias

Conforme já tratado anteriormente, frente à suposta impossibilidade de redução

da taxa de juros abaixo de zero, economistas do NCM consideram que a superação da

AL estaria diretamente correlacionada com a geração de expectativas inflacionárias, de

modo que a taxa de juros real se iguale à taxa natural. No texto que reacende este

debate, Krugman et al (1998) afirma que “monetary policy will in fact be effective if the

central bank can credibly promise to be irresponsible, to seek a higher future price level”

(ibid, p.139), pois caso contrário os agentes antecipariam a reversão de políticas

monetárias expansionistas, anulando seus efeitos no CP.

Dentre as propostas de superação da AL, podemos separá-las em três blocos. O

primeiro consistiria em diversas medidas que buscam influenciar as expectativas

inflacionárias, tendo em vista a redução da taxa real de juros. Destarte, a meta de

inflação do banco central é vista de maneira praticamente consensual para influenciar

expectativas. Ao anunciar uma meta de inflação elevada (overshooting) o BC

demonstraria suas intenções de induzir um aumento do nível de preços, visando

impactar as expectativas inflacionárias. Ainda assim, o anúncio por si só não seria

suficiente para superar a AL, tendo que ser acompanhado com outras políticas

monetárias não convencionais que demonstrassem o comprometimento do BC.

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Outra medida sugerida seria a depreciação cambial – aspecto central do

“método infalível” (foolproof way) de superar a AL proposto por Svensson (2003). A

depreciação proporciona um estímulo direto ao setor exportador, visto que impulsiona

sua competitividade. No entanto, diferente dos pós-keynesianos que veem nas

exportações uma fonte de demanda agregada, este mecanismo não é considerado o

principal intuito desta política. Conforme apontado por Svensson (2001, 2003), a

desvalorização cambial demonstraria o comprometimento do BC com um maior nível

de preços no futuro – ou seja, novamente busca-se influenciar as expectativas

inflacionárias25.

Os programas de Quantitative Easing (QE) se tornaram o principal instrumento

de política monetária em cenários de crise, e por concentrarem as mais diversas

concepções sobre seus mecanismos de transmissão, são considerados em um segundo

bloco de políticas de superação da AL. A lógica por trás do QE implementado nos tempos

recentes se baseia em Bernanke e Reinhart (2004), quando se propõe três medidas de

estímulo econômico: moldar expectativas em relação à taxa de juros; alterar

composição do balanço do BC; expansão do balanço do BC, ou seja, política de

“flexibilização quantitativa” propriamente dita. A primeira consistiria em medidas por

parte do BC demonstrando comprometimento de manter a taxa de juros baixa por um

longo período, onde sua credibilidade seria fundamental. Quanto à composição do

balanço do BC, os autores defendem uma transição para títulos de longo prazo, visando

influenciar a curva de juros. Diferentemente de autores pós-keynesianos, que defendem

uma política parecida tendo em vista o financiamento do investimento, Bernanke e

Reinhart tem como enfoque as expectativas dos agentes quanto à taxa de juros de curto

prazo - “they should be used only to supplement other policies, such as an attempt to

influence expectations of future short rates” (ibid, p.87).

Finalmente, a expansão do balanço teria diversos canais de transmissão.

Assumindo que a moeda seja um substituto imperfeito em relação a outros ativos

financeiros, um forte aumento da base monetária faria com que houvesse uma

realocação de portfólios, aumentando o preço e reduzindo rendimento de ativos não

25 “An exchange rate peg can induce private sector expectations of a higher future price level and create the desirable long-term inflation expectations that are a crucial element of the optimal way to escape from the liquidity trap” (Svensson, 2003, p.155)

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monetários. A redução yields de títulos de LP “will stimulate economic ativity” (ibid,

p.88). Os autores não dão detalhes se esse estímulo proviria de um efeito riqueza,

investimento ou outros canais de transmissão. Um segundo mecanismo consistiria num

possível efeito fiscal expansionista26. Finalmente, haveria também impacto sobre as

expectativas inflacionárias, aumentando a credibilidade do BC quanto à manutenção de

baixas taxas de juros27.

É importante frisar que a concepção do que seriam os programas de QE vem se

metamorfoseando ao longo do tempo devido às diversas formas de implementação

após a Crise de 2008. Buscando sistematizar e criticar os mecanismos de transmissão do

QE como forma de superação da AL a partir da ótica pós keynesiana, Palley (2011)

destaca cinco canais de transmissão por meio dos quais estes programas buscariam

gerar crescimento. Além da redução das taxas de LP (i) e dos efeitos sobre expectativas

inflacionárias (ii), estes programas causariam um efeito riqueza no consumo devido à

valorização do preço de títulos e equity (iii). A valorização do mercado acionário também

influenciaria o q de Tobin (iv), considerado um quarto mecanismo de transmissão. Além

destes quatro, a injeção de liquidez fluiria para outras moedas, induzindo uma

desvalorização cambial e estimulando exportações (v). Segundo o autor, o QE seria visto

como instrumento de superação da AL justamente pela concepção equivocada de que

esta situação seria sinônimo do ZLB (Palley, 2011, p.71). Portanto, por mais que os

programas QE englobem também a questão das expectativas inflacionárias, há diversos

outros aspectos apontados como formas de superação da AL.

Quanto à política fiscal, alguns autores consideram que esta pode ser relevante

na busca pela superação da AL (Krugman, 1998, 2000; Taylor, 2000; Eggertsson e

Krugman, 2012). No entanto, a defesa da política fiscal como proposta de superação

tem considerações radicalmente distintas da perspectiva keynesiana; por exemplo, na

26 Concepção baseada na teoria intitulada Barro-Ricardo (Barro, 1988). Uma expansão monetária agressiva e vista como duradoura faria com que o BC absorvesse títulos públicos que pagam juros da carteira de agentes privados. Agentes privados esperariam que quando a medida fosse abandonada e o governo detivesse mais esses títulos, haveria uma redução de impostos no futuro por não ter de arcar mais com custo de juros, causando um efeito fiscal positivo no presente. 27 “However, the act of setting and meeting a high reserves target is more visible, and hence may be more credible, than a purely verbal promise about future short-term interest rates. Moreover, this means of committing to a zero interest rate will also achieve any benefits of quantitative easing that may be felt through non-expectational channels” (Bernanke e Reinhart, 2004, p.88)

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concepção de Krugman (2000), a PF seria indicada em uma situação de AL pelo fato de

que a equivalência ricardiana seria inócua neste contexto. Isto se deve ao fato de que

quando a taxa natural de juros se tornasse positiva novamente as dívidas contraídas em

meio a AL teriam um custo muito baixo, com taxas próximas de zero 28 . Sem a

equivalência ricardiana, a política fiscal seria relevante para superação da AL, mas sob

situações bastante restritas: para ser uma ponte no curto prazo, enquanto a PM não

funciona e/ou para temporariamente aliviar o balanço de empresas. Ou seja, além de

ser eficaz em situações muito especificas, não superaria a AL por si só, dando apenas

tempo ou amenizando a situação até que a PM surtisse efeito.

Já Taylor (2000) defende abertamente o uso de política fiscal para superar a AL.

O autor afirma que esta política via gatilhos automáticos seria mais rápida e eficiente,

mas advoga pelo uso de políticas discricionárias: “the kinked aggregate demand curve

creates a role for fiscal policy as a fail-safe device, in case aggregate demand falls so

much that the Fed's interest rate hits a lower bound and the Fed's policy is incapable of

reviving aggregate demand” (ibid, p.29). No entanto, por mais que a política fiscal seja

bastante controversa dentro do NCM, é curioso que sua implementação após a Grande

Crise seja tão negligenciada. A PM se mantém em destaque, e em meio às diversas

tentativas de superação da crise por meio de medidas ditas não convencionais temos na

sua fronteira a adoção das taxas de juros nominais negativas.

Portanto, o terceiro grupo de políticas para superação da AL consistiria nas NNIR.

Grande parte da discussão em relação às taxas nominais negativas se concentra nos

mecanismos para sua implementação. Ancorada na teoria econômica de Gessel (1916),

o stamp script seria equivalente a taxar a retenção da moeda, ideia recuperada por

Irving Fisher (1933a) em meio à Crise de 1929. Mais recentemente, Mankiw (2009) teria

feito proposta semelhante, defendendo que o Tesouro norte-americano escolhesse

arbitrariamente certa numeração das notas de dólar que simplesmente não seriam mais

consideradas papel moeda.

De qualquer maneira, Ilgmann e Menner (2011) apontam que grande parte dos

modelos iniciais que incorporaram a possibilidade de imposto sobre moeda o fazem

28 “Eventually the natural rate of interest will turn positive, and at that point the inherited debt will indeed be a problem” (Krugman, 2000, p.233)

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apenas como uma proxy para a inflação. Esta concepção, entretanto, teria sido revista

ao tratar especificamente o ZLB. A adoção de alguma forma de implementação de

imposto sobre a moeda seria o meio para que se adotasse taxas de juros nominais

negativas, superando o limite zero da taxa de juros29.

Frente às dificuldades para a implementação desta política, a grande maioria dos

autores que abordavam a superação da AL apenas citavam que uma taxa de juros

negativa induziria novamente ao equilíbrio de longo prazo, sem se preocupar em

discutir possibilidades reais de sua adoção. Uma das exceções foi Buiter, que em

diversos artigos buscou debater como seria possível adotar um imposto sobre a moeda.

Em Buitter (2009), são apontados três caminhos para superação do ZLB. Segundo ele, a

principal dificuldade da adoção das taxas de juros negativa residira no fato de que os

instrumentos financeiros seriam divididos em bearer e registered. Enquanto os

segundos possuiriam registro, seja no BC ou nos bancos comerciais em geral30, os

primeiros seriam detidos por portadores anônimos (papel-moeda). Caso o BC

implementasse taxas negativas de juros, os indivíduos tomariam recursos nessa taxa e

“aplicariam” em moeda.

A primeira possibilidade para se adotar um imposto sobre a moeda seria

abolindo o papel-moeda. Com isso, apenas depósitos bancários no BC representariam a

base monetária, permitindo a adoção das taxas negativas sem que agentes se

refugiassem no papel-moeda. Segundo ele, países desenvolvidos (dado a elevada

participação online dentre as transações monetárias) poderiam adotar esta medida

inclusive obtendo ganhos fiscais, visto que mercados ilegais de lavagem de dinheiro

seriam eliminados. O autor também discute brevemente a tradicional proposta de

imposto sobre a moeda. No entanto, estas propostas seriam ineficientes pelo fato de

outros instrumentos financeiros poderem ser utilizados como meio de pagamentos

mesmo sem possuir o atributo de legal tender. Portanto, se mesmo após o governo

determinar um prazo de validade ou um carimbo em moedas invalidas os agentes

privados continuarem a aceita-las e realizarem transações, a medida seria inócua. Para

29 “Instead of being the fantasy of a monetary crank, Gesell taxes or other forms of imposing a negative interest rate on base money to induce negative nominal short-term interest rates draw on a variety of different modern theoretical backgrounds” (Ilgmann e Menner, 2011, p.402) 30 Os autores consideram desde contas bancárias até ações nesta categoria.

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garantir que a moeda expirada não continue em circulação, o governo precisaria colocar

alguma penalidade sobre tal ato. Contudo, o autor considera que além de ser

politicamente inviável, envolveria custos administrativos.

A terceira e última proposta abordada por Buiter (2009) seria a mais

interessante. Caso o BC adotasse uma separação entre as funções da moeda como meio

de pagamento e unidade de conta, os agentes teriam duas moedas distintas, sendo que

uma denominaria contratos e a outra funcionaria como como legal tender, ou seja,

papel moeda. A autoridade monetária implementaria não apenas uma taxa de juros

negativa sobre a moeda unidade de conta, mas também uma taxa de câmbio entre as

duas moedas. Dessa forma, penalizaria aqueles que convertessem a moeda unidade de

conta na moeda meios de pagamento, inviabilizando o refúgio para o papel moeda com

juros nulo. Em outras palavras, seria possível adotar uma taxa de juros negativa sem que

os agentes se refugiassem no papel moeda. Ainda que a proposta de separação das

funções de unidade de conta e meio de pagamento seja interessante, nenhum país

adotou a NNIR desta forma. Pelo contrário, ao que tudo indica a forma de

operacionalização para das taxas de juros nominais negativas teria sido pouco discutida

e, na verdade, não chega a taxar o papel moeda propriamente dito.

Considerações finais Neste capítulo buscou-se demonstrar que as diferentes concepções sobre a AL

trazem proposições distintas de como superar tal situação. Até mesmo propostas

aparentemente semelhantes podem estar imbuídas de percepções altamente distintas

sobre mecanismos de transmissão, como a proposta de utilização da política fiscal pelos

autores da IS-LM e os autores keynesianos.

Ademais, grande parte das políticas monetárias não convencionais propostas por

autores do NCM seriam “indiretas”, no sentido de buscar gerar pressões inflacionarias

para que a taxa de juros real superasse o ZLB e se equalizasse à suposta taxa de juros

natural da economia. Além do fato de que a mensuração do nível desta taxa ser

controversa, não encontramos justificativas robustas sobre os fatores que a levariam

para baixo de zero. De qualquer maneira, a implementação de uma taxa de juros

nominal negativa enfrentaria, teoricamente, o problema central da AL e permitiria que

a economia retomasse sua trajetória de equilíbrio.

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Partindo deste arcabouço teórico e todo debate suscitado em torno da política

monetária nas últimas décadas, trataremos no capítulo subsequente especificamente

das taxas de juros nominais negativas, tendo a situação japonesa como estudo de caso.

O Japão é a economia com mais longo histórico de políticas monetárias não

convencionais, recorrentes desde o estouro da bolha especulativa no país, ao final dos

anos 90. Destaca-se que, enquanto grande parte das políticas implementadas tem

origem no arcabouço do NCM, acredita-se que a caracterização de Keynes, Minsky e dos

pós-keynesianos sobre AL aparenta ser mais palatável quanto a situação japonesa. Mais

do que meramente equalizar a taxa de juros de mercado a uma suposta taxa de juros

natural, os impactos da NNIR policy sobre agentes com diferentes características são

variados, assim como seus efeitos sobre o fluxo de renda e estoque de riqueza. Neste

sentido, buscaremos ressaltar que a forma de implementação das taxas de juros

nominais negativas e as especificidade institucionais do país em questão são

fundamentais para que possamos compreender seus efeitos e suas possibilidades de

superação de uma AL.

Capítulo 2 - Sistema Financeiro Japonês e as Taxas de Juros Nominais Negativas

Introdução A economia japonesa teria se alçado como uma das principais potencias

mundiais após o dito Milagre Japonês (1955-70), quando seu PIB crescia a taxas anuais

de dois dígitos. Após décadas de forte crescimento, o arrefecimento nos anos 1980 e

diversas reformas institucionais foram determinantes para que o Japão adentrasse o

século XXI em situação adversa. Até então, o crédito bancário prevalecia, em detrimento

do financiamento por meio do mercado de capitais (Levi, 1997), fazendo com que a

relação entre empresas e bancos fosse muito próxima. Esta simbiose garantia a

sustentabilidade de investimentos, com os bancos comerciais dando suporte ao fluxo

de caixa das empresas em caso de adversidades. Nos anos 1980, a elevada rentabilidade

das grandes empresas fez com que estas passassem a privilegiar financiamento a partir

de recursos próprios. Além disso, teve início processo de liberalização financeira,

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proporcionando fontes alternativas de financiamento. Neste meio, o sistema bancário

foi induzido a se adaptar, buscando fontes alternativas de rentabilidade.

Os bancos japoneses se aproveitaram da liberalização financeira e expandiram

participação internacional, atuando no mercados internacionais de emissão de títulos

(Levi, 1997). Internamente, os bancos comerciais passaram a atuar no mercado de

crédito de longo prazo, até então restrito a instituições que captavam recursos por meio

da emissão de títulos de longo prazo. Além do descasamento de prazos, estes bancos se

voltaram para pequenas e médias empresas. O novo aparato institucional do Japão

reduziu a discricionariedade do BoJ, que tinha como característica uma política de

crédito seletivo, direcionando recursos, cuja política monetária se volta para as

tradicionais operações no mercado aberto.

Segundo Levi (1997), o fomento da bolha especulativa no Japão pode ser

atribuído a valorização do yen, decisão tomada no em meio ao Acordo de Plaza (1985).

Visando amenizar os efeitos da valorização cambial, o BoJ adotou uma política

monetária expansionista. Este movimento se alia à reestruturação do sistema bancário,

com os bancos comerciais perdendo participação nas grandes corporações japonesas.

Com isso, instituições financeiras ligadas ao setor imobiliário passam a ser alvo dos

bancos comerciais, estimulando o setor. Paralelamente, a maior presença de

investidores estrangeiros e reformas institucionais levaram índices acionários japoneses

a alcançarem altas históricas nos anos 1980. A inflação de preço dos imóveis se aliou ao

ciclo de alta de preços de ações. Já dando sinais de arrefecimento ao final dos anos 1980,

com tanto o índice acionário quanto o preço dos imóveis dando sinais de instabilidade,

a bolha especulativa implode no início de 1992.

Nesse meio, a taxa de juros de curto prazo já se encontrava em níveis muito

baixas, fazendo com que o caso japonês fosse pioneiro quanto a adoção de políticas

monetárias não convencionais. Em abril/1999 o BoJ anunciou a polítca de taxa de juros

nula (Zero Interest Rate – ZIR), se comprometendo a mante-la indefinitvamente até que

as pressões deflacionárias se dissipassem (segundo Ueda (2012), “a major example of

forward guidance strategy”). Após tentar aumentar a taxa de juros de curto prazo para

0,25% ao ano, a eclosão da crise dot.com no mercado financeiro norte-americano, tendo

efeitos indiretos no Japão, levou o BoJ a implementar seu primeiro QE . Segundo Ueda

(2012), o programa tinha três pilares: i) injetar liquidez no sistema financeiro; ii)

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compromisso pela manutenção do QE até que o índice inflacionário se recuperasse; iii)

compra de Japanese Government Bonds (JGB) esporadicamente. Deste período em

diante, o programa foi expandido, passando de ¥ 5 trilhões para ¥ 30 – 35 trilhões.

Em março de 2006 o programa foi encerrado, mas o distanciamento das políticas

monetárias não convencionais foi temporário. Em resposta à Grande Recessão de 2008,

a política monetária ganhou novo impulso visando evitar um colapso de diversos

mercados, com redução da taxa de juros de curto prazo e compra de comercial papers

e títulos privados. O programa foi substituído ao longo de 2009 e 2010 por um novo

regime chamado de Comprehensive Monetary Easing (CME), implementado

oficialmente em outubro/2010. Este programa visava manutenção da taxa de juros de

curto prazo próxima de zero e o aprofundamento do programa de compra de ativos.

Dentre os ativos envolvidos, englobava JGBs, títulos públicos de curto prazo, comercial

papers, debentures (corporate bonds), exchanged-traded fund, entre outros. A compra

mensal de JGBs passou de ¥ 1,5 trilhão em novembro/2008 para quase ¥ 3 trilhões em

abril/2013, quando o CME foi encerrado.

Ainda que o CME tenha sido mais agressivo que os programas precedentes, em

comparação com o QE do Fed e de outros países as ações do BoJ poderiam ser

consideradas tímidas31. Foi apenas em 2013 que o BoJ passou a atuar agressivamente

por meio do Quantitative and Qualitative Easing (QQE), com intenção de dobrar o

montante de JGB e a maturidade média desses títulos (de três para sete anos).

Consdera-se que o QQE obteve sucesso ao influenciar a curva de juros de longo prazo,

mas sua influencia sobre expectativas inflacionárias, um de seus objetivos declarados,

foi insuficiente. Em suma, podemos notar que o Japão vem de um longo histórico de

políticas monetárias não convencionais de cunho mais ou menos agressivas.

31 Na verdade, segundo dados de Borio e Zabai (2016), por já ter implementado diversos programas de QE na passagem para o século XXI, o BoJ já possuía um ativo de aproximadamente 25% do PIB às vésperas da Grande Recessão, enquanto o Fed possuía um ativo com algo próximo de 5% do PIB. Após a Crise, os ativos do Fed atingiram 15% do PIB no curto período de um ano (2008-2009), alcançando aproximadamente 25% do PIB em meados de 2014, quando o programa foi encerrado. Por outro lado, as políticas monetárias do BoJ após a Crise podem ser consideradas tímidas pois em 2013 seus ativos compreendiam pouco mais de 30% do PIB; ou seja, cresceram muito pouco em relação ao Fed. Por outro lado, a partir de 2013, com o quantitative and qualitative easing, o BoJ passa a adotar uma postura extremamente agressiva, fazendo com que seus ativos em 2015 superassem 70% do PIB em 2015.

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Contudo, ficou por conta da Europa o pioneirismo da inédita política de taxas de

juros nominais negativas. Em meio a profunda crise da União Europeia, alguns países do

mesmo continente mas sob outra denominação monetária sofriam com elevados

influxos de capital, visto que a sobrevivência do Euro era questionada e o risco de

desmantelamento da moeda comum demandava moedas alternativas. Dentre eles, a

Dinamarca tinha sua moeda, a coroa dinamarquesa, em paridade fixa com o Euro. Com

uma taxa de juros já próxima de zero e após fortes intervenções no mercado cambial, o

BC dinamarquês implementou uma taxa de juros nominal de curto prazo abaixo de zero

visando penalizar influxos de capital e conter a entrada de especuladores (Turk, 2016) –

política mantida de julho/2012 até o início de 2014. A Suíça também teve experiências

com taxas negativas entre 2011-2014 pela mesma motivação. Ao que tudo indica, nem

mesmo as autoridades monetária tinham clareza quanto às implicações desta política

monetária, exceto seu impacto sobre a lucratividade bancária32. Em meio às discussões

tradicionais de que os investidores não adquiririam ativos com retornos negativos frente

à possibilidade de reter moeda (Pagés e Millaruelo, 2016), o ZLB foi superado.

Após os breves episódios na Dinamarca e Suíça, o Banco Central Europeu (BCE)

adotou uma taxa overnight de 0,10% negativa em meados de 2014 com intuito de

reverter a recorrente inflação baixa (Draghi, 2014) - seguido por outras autoridades

monetárias fora da zona do Euro (Dinamarca novamente, Suécia, Suíça e, mais

recentemente, Hungria).

Por mais que venha sendo alvo de debate há alguns anos tanto na mídia como

na academia, considera-se necessária uma maior compreensão sobre o que significa

uma política de taxas de juros negativas e quais seus impactos. Para tanto, a forma de

operacionalização e as especificidades institucionais são condições necessárias para

identificarmos mecanismos de transmissão e seus efeitos. Caso fosse adotada via

“imposto sobre a moeda” (stamp script) seus impactos sobre indivíduos seriam diretos,

com implicações imediatas sobre o papel da moeda como reserva de valor. Por outro

lado, a possibilidade de implementação via operações de open market, principal

instrumento de política monetária das últimas décadas, também é limitada. Este

32 "If there is an effect, it might be slightly negative but it's difficult to say...We are burdening the banking system in a situation where they have increased (loan) losses” (Reuters, 2012)

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instrumento consiste na atuação da autoridade monetária diariamente no mercado

secundário de títulos públicos de curto prazo, realizando um ajuste fino de suas taxas

de juros. Caso haja um excesso de demanda por títulos públicos, o Banco Central vende

títulos retidos no seu ativo de modo a manter a taxa de juros de mercado próxima da

taxa básica de juros previamente definida. De forma análoga, em caso de excesso de

oferta o BC compra títulos. Para implementação de uma NNIR por meio destas

operações a autoridade monetária barraria, de fato, no limite zero da taxa de juros -

quando os yields dos títulos se aproximam de zero, os agentes não esperariam que eles

entrem no terreno negativo. Portanto, nem seu rendimento (yields) nem a possibilidade

de aumento do preço dos títulos — sendo que esta relação é inversa — são motivos para

adquirir mais títulos; na verdade, é mais provável que a taxa de juros aumente e os

agentes incorram em perdas de capital.

Frente a impossibilidade deste mecanismo levar as taxas de juros abaixo de zero,

a operacionalização da NNIR por parte das autoridades monetárias se deu via reservas

bancárias. De acordo com critérios pré-estabelecidos, o BC fraciona as reservas

bancárias e adota uma taxa de juros distinta sobre cada uma destas frações (Jobst e Lin,

2016; Bech e Malkhozov, 2016).

Dando continuidade ao seu passado de políticas não convencionais, a baixa

resposta obtida pelo QQE fez com que o Japão embarcasse nesta nova onda de taxas

negativas em 2016. Tendo em vista as particularidades do caso japonês e sua ampla

experiência quanto às políticas monetárias não convencionais, além da sua relevância

no cenário internacional, estar trabalho abordará especificamente a situação japonesa

como estudo de caso. Nas próximas sessões, apresenta-se brevemente a

institucionalidade do sistema financeiro japonês, aprofundando a análise para a

operacionalização da NNIR e seus mecanismos de transmissão, essenciais para

analisarmos desde a operacionalização até os resultados desta política monetária. Em

seguida, busca-se abordar o histórico de políticas não convencionais prévias à NNIR,

destacando qual o contexto para sua implementação. Finalmente, a terceira parte do

capítulo tratará da operacionalização das taxas negativas sobre as reservas bancárias,

visando compreender suas especificidades.

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2.1 Institucionalidade do Sistema Financeiro Japonês O sistema financeiro japonês, assim como o alemão, é caracterizado como

banking based system devido a sua estrutura de financiamento caracterizada pela

elevada presença de relações de crédito, sendo que estas são predominantemente

dominadas por bancos comerciais. Nesse sentido, o financiamento indireto via crédito

bancário desponta como principal instrumento (Levi, 1997; De Carvalho, 2007). Em

contraposição, temos o sistema financeiro norte-americano, em que o financiamento é

predominantemente oriundo da colocação de papéis no mercado de capitais (market

based system). Por mais que se situe na primeira categoria, o Japão tem como

semelhança a ampla heterogeneidade de seu mercado e busca por especialização

institucional (De Carvalho, 2007).

A origem dos grandes bancos japoneses foram os zaibatsus, grandes

conglomerados tradicionais de empresas familiares cuja fundação remonta ao século

XX, mas que sofreram profundas mutações no pós-II Guerra Mundial. O governo militar

deste período “redistributed the stock of the component companies of the confiscated

former zaibatsu” (Lincoln e Shimotani, 2009, p.5), o que acabou forçando as famílias

tradicionais se unissem para evitar aquisições hostis. Enquanto antes haviam três

grandes famílias tradicionais (Mitsui, Mitsubishi e Sumitomo), grandes bancos acabaram

tomando parte importante das ações desses grupos, formando outros três grandes

conglomerados (Fuji, Sanwa e Dai-Ichi). A nova organização dos grandes grupos, com

destaque para a profunda relação com o sistema bancário, fez com que estes grupos

passaram a ser chamados de keirestsus: “they had their leaders: large commercial

(“city”) banks served as nerve center and general coordinator of the group” (ibid, p.5).

Em poucas palavras, os keiretsus seriam grandes conglomerados industriais-financeiros,

sendo que grandes bancos não apenas concediam recursos, mas participavam

ativamente das decisões dos negócios.

Nos anos 1980, com o processo de liberalização financeira, esta estrutura

começa a sofrer profundas modificações. Segundo Levi (1997), a relação do BoJ com os

grandes bancos comerciais do país possuía especificidades importantes, em que estes

agentes “desempenhavam o papel de agentes da política de crédito seletivo do

governo” (ibid, p.45), que acabaram sendo rompidas. Em paralelo, o monopólio cambial

do BoJ foi flexibilizado e iniciou-se a desregulamentação dos fluxos de capitais,

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ampliando o acesso de instituições financeiras internacionais ao mercado japonês. Além

disso, “investidores e tomadores de origem japonesa passaram a fazer uso intenso de

instrumentos financeiros disponíveis no mercado internacional” (ibid, p.46).

Este processo teria tido duas principais consequências. A primeira seria a perda

do “poder de discricionariedade que o governo tinha através do exercício da política

monetária” (ibid, p.47), com o BoJ recorrendo à tradicional operação de open market

como mecanismo de controle da taxa de juros. A segunda seria o fomento da dita Bolha

Especulativa. Com a abertura financeira, as grandes corporações e principais bancos

foram estimulados a captar recursos em outras moedas para aplicação em moeda local,

visto que havia expectativas de desvalorização cambial. Paralelamente, a perda de

exclusividade dos grandes bancos fez com que instituições de financiamento

imobiliário33 ampliassem seu acesso ao crédito. Frente a tradicional baixa oferta de

imóveis no Japão, com uma tendência “natural” de aumento de preços, a bolha

imobiliária ganhou forças. Podemos notar que o ambiente que engendrou a bolha

imobiliária no Japão está ligado a profundas alterações institucionais que o país vinha

passando nos anos 80, com uma clara perda de relevância dos grandes bancos na forma

como se deu o dito milagre japonês.

Após as mutações sofridas em meio a estes episódios, o sistema bancário

japonês pode ser dividido em: city banks; bancos regionais (I e II); trust banks; Shinkin

banks; cooperativas de crédito; bancos estrangeiros; outras instituições. Os city banks

são as maiores instituições financeiras do Japão, concentrando 20% dos ativos

financeiros japoneses (gráfico 2) – atualmente, consistem em: Mizuho Bank, Sumitomo

Mitsui Bank, Resona Bank, Mitsubishi Bank, Saitama Bank34. Estes bancos universais têm

como característica operações de grande escala a nível nacional e inserção internacional

(FMI, 2017a).

Há sessenta e quatro bancos regionais tipo I e quarenta e um bancos regionais

tipo II e, como o próprio nome já indica, têm como principal característica a captação

de depósitos em áreas restritas (De Carvalho, 2007). São bancos médios e pequenos,

sendo que historicamente tinham suas operações voltadas ao financiamento de

33 “Companhias de financiamento imobiliário, que acabariam sendo conhecidas por bubble companies, e empresas do setor de construção civil” (Levi, 1997, p.49) 34 Sendo que Mizuho, Sumitomo e Mitsubishi são os mais relevantes.

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empresas pequenas e médias. Por mais que não haja mais esta restrição, estas

características se mantiveram – “local and retail banking” (Berger et al, 2010). A

separação em dois segmentos (I e II) os diferencia apenas levando em consideração o

tamanho das instituições, visto que as principais características são congruentes.

Trust banks, também chamados de bancos de aplicação, são basicamente fundos

de investimento, captando depósitos e administrando recursos de acordo com a

estratégia específica da instituição. Ademais, funcionam como bancos comerciais tendo

como característica empréstimos e aplicações de longo prazo (Berger et al, 2010). Estas

instituições podem gerir os mais variados produtos (moeda, imóveis, ações), sendo

utilizados como intermediários inclusive para fundos mútuos, fundos de pensão,

seguradoras. Também funcionam como intermediários para operações de investment

trusts e podem ser filiais dos bancos - tanto city banks como regional banks possuem

seus próprios trust banks. Nesse sentido, operam como fundos de investimento em

“papéis do mercado imobiliário, títulos em geral, propriedade móvel ou imóvel e direitos

sobre arrendamento imobiliário. Aplicam recursos também em empréstimos a grandes

companhias” (De Carvalho, 2007, p.261).

Os Shinkin banks, são, na verdade, cooperativas de crédito (credit unions), com

a diferença de que estão sob regulação do Ministry of Finance, enquanto as cooperativas

de crédito estariam sob regulação das prefeituras locais (Liu e Wilson, 2011). Ambas

instituições não são bancos propriamente ditos, mas oferecem serviços análogos à de

bancos comerciais para pequenas e médias empresas e indivíduos. A concessão de

empréstimos é restrita aos membros da corporativa; por outro lado, podem oferecer

outros serviços a não membros (aceitam depósitos, pagamentos, intermediam

transações, entre outros)35. Finalmente, dentro de outras instituições podemos destacar

o peso do Japan Post Bank, instituição que capta recursos de depositantes que não tem

acesso ou não querem recorrer aos bancos. O Japão possui um dos maiores postal banks

do mundo, que vem passando por profundas modificações em direção à privatização,

iniciada em 200136.

35 Berger et al (2010) 36 Até janeiro de 2001 estes recursos eram mantidos na Postal Services Agency, e grande parte dos recursos eram compulsoriamente transferidos para o Fiscal Investment and Loan Program (FILP), importante instituição pública que direcionava os recursos de acordo com estratégia do governo,

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Figura 2 – Japão: Estrutura do Sistema Financeiro, março/2016 (% no total de ativos financeiros)

Fonte: FMI (2017a)

Em suma, fica evidente a importância dos city banks (20% do total de ativos

financeiros), ainda mais pelo fato de serem as principais instituições a transacionarem

ativos estrangeiros. Os bancos regionais também compõem parcela relevante do

mercado financeiro japonês, ainda que de maneira menos concentrada. Além disso,

destaca-se o peso do Japan Post Bank, cujo processo de privatização pode trazer

transformações importantes para o sistema financeiro.

Estes aspectos gerais da estrutura do sistema financeiro japonês serão

retomados na sessão que tratará a operacionalização e transmissão das taxas negativas.

Partiremos agora para o histórico políticas monetárias implementadas desde o final dos

anos 90, culminando na NNIR.

2.2 BoJ e suas políticas monetárias não-convencionais Após o estouro da Bolha Especulativa japonesa em 1992 e o estopim de

discussões acerca da AL, o BoJ foi pioneiro na implementação de diversas das políticas

coordenando a política fiscal. A partir desta data, a transferência deixou de ser compulsória e o FILP passou a captar recursos por meio de emissão de títulos. Já em relação aos recursos da Postal Services Agency foram transferidos para o Japan Post Bank. “All equity of the Japan Post Bank is still owned by a government holding company. The equity is supposed to be sold in the market in a stepwise manner, and the completion of the privatization process is scheduled for 2017” (Berger et al, 2011, p.914).

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monetárias não-convencionais discutidas no primeiro capítulo desta dissertação. Em

abril/1999 o BC introduziu uma taxa de juros nula (Zero Interest Rate Policy – ZIRP), junto

com o compromisso de manter esta política “indefinidamente” até que se superasse a

ameaça deflacionária - “a major example of forward guidance strategy” (UEDA, 2012,

p.4). Uma breve tentativa de aumento da taxa de juros para 0,25% ao ano em 2001 foi

prejudicada pela dita crise dot.com, quando a bolha que envolvia empresas de TI nos

EUA estoura.

Com uma economia já fragilizada, o BoJ implementa seu primeiro programa de

QE, fundado em três pontos principais: i) o BoJ injetaria liquidez na economia por meio

de reservas bancárias (current account balances); ii) compromisso de manter o

programa até que o nível de preços fosse nulo ou positivo de forma sustentável; iii)

compra de títulos públicos (Japan Government Bonds – JGB) periodicamente. O

programa foi estendido ano a ano, com a meta de reservas bancárias saltando de ¥ 5

trilhões para ¥ 30 a 35 trilhões37 em 2006, quando o programa foi encerrado. Análises

dos resultados das políticas no período em questão apontam que há evidências de

influência sobre preço de ativos de maneira geral. Por outro lado, não há fortes

evidências quanto a relação destas com produto e inflação foi inconclusiva (Ueda, 2009,

p.10).

Após um breve período de retorno às políticas “convencionais”, os efeitos da

Grande Recessão de 2008 sobre a economia japonesa teria exigido novas medidas

extraordinárias. De acordo com BoJ (2010), além da redução da taxa de juros de CP, a

autoridade monetária buscou evitar o colapso de mercados financeiros e estimular o

crédito. Dentre estas, destaca-se a aquisição de commercial papers e títulos privados,

com impacto expressivo quanto à expansão do ativo do BoJ.

A maioria destas políticas se encerrou entre 2009 e 2010, quando o BoJ

introduziu um programa unificando estas medidas, intitulado Comprehensive Monetary

Easing (CME), anunciado em outubro/2010. Além das taxas de curto prazo próximas de

zero, mantinha a orientação de forward guidance e um programa de compra de ativos

mais agressivo, envolvendo JGBs, treasury bills, commercial papers, títulos privados,

37 “Achieved mainly by market operations, including BOJ’s purchases of JGB” (UEDA, 2012, p.6)

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exchanged-traded funds (EFTs38). Especificamente a respeito dos JGB, os montantes de

compra anuais saltaram de ¥ 1,5 trilhão em novembro/2008 para quase ¥ 3 trilhões em

março/2013, quando o CME foi encerrado.

Em substituição ao CME o BoJ introduziu outro programa, ainda mais agressivo,

em abril/2013 – o Quantitative and Qualitative Easing (QQE), cuja intenção era “double

the monetary base and the amounts outstanding of Japanese government bonds (JGBs)

as well as exchange-traded funds (ETFs) in two years, and more than double the average

remaining maturity of JGB purchases” (BoJ, 2013, p.1). O QQE não representou grandes

modificações quanto aos instrumentos de política monetária não-convencional do BoJ,

mas merece destaque pela nova postura da autoridade monetária, com forte ampliação

dos montantes de compra de ativos em relação aos programas anteriores.

Figura 3 – Compra de JGB por parte do BoJ, jan/2010 – out/2016

Fonte: Iwatta et al (2016)

A nova postura do BoJ é evidenciada no gráfico 3. As compras mensais de JGB

mais que dobram, saltando de montantes em torno de ¥ 2-4 trilhões para patamares

em torno de ¥ 6-8 trilhões. Além disso, podemos destacar a atuação do BoJ em títulos

com prazo mais longos, visando influenciar a curva de juros. Por mais que o QQE tenha

38 Fundos de investimentos análogos a fundos mútuos operando no mercado acionário, mas que atuam tendo como objetivo acompanhar um índice específico, como TOPIX, Nikkei 225 e outros.

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obtido sucesso quanto aos seus efeitos sobre as taxas de juros de longo prazo, as

expectativas inflacionárias, um de seus objetivos declarados, não responderam

significativamente ao programa. Em 2015, o QQE é reformulado, com algumas

modificações e introdução da política de taxas negativas no início de 2016 - quantitative

and qualitative monetary easing with a negative interest rate (NNIR).

Tendo em vista um histórico de quase duas décadas de experiências não-

convencionais por parte do BoJ, podemos notar que suas políticas são imbuídas de

aspectos teóricos do mainstream, levantados no capítulo anterior. Dentre estes,

podemos destacar que praticamente todos os programas tem o intuito de afetar as

expectativas inflacionárias como objetivo principal, a partir do qual emanam metas de

compra de ativos (QE), forward guidance, redução de taxas de LP e outros.

O programa de NNIR, estreado em janeiro/2016 partia destas mesmas origens

teóricas, sendo que a taxa de juros nominal negativa deveria induzir o crédito para

consumo e investimento, impulsionando a atividade econômica e o índice de preços. De

acordo com BoJ (2017c) seu framework consistia em: i) operações no mercado

monetário que compreendessem a expansão da base monetária em uma média anual

de ¥ 80 trilhões por meio de JGBs, com uma maturidade média entre 7 e 12 anos; ii)

metas especificas para compra de ativos (JGB, EFTs, J-REITs39, commercial papers, títulos

privados); iii) taxa de juros de 0,1% negativa sobre o policy rate balance (mecanismo de

operacionalização da NNIR, tratada na sessão subsequente).

Outro aspecto que merece destaque é a modificação do programa de NNIR em

setembro/2016, quando o programa foi revisto. O QQE com NNIR passou a ser chamado

de “QQE with yield curve control”. O dito “efeito Trump”40 teria induzido um movimento

internacional de ascensão das taxas de juros de LP, impulsionando os yields de títulos

públicos japoneses a partir de outubro/2016. Frente ao risco de comprometer os

objetivos declarados, o BoJ reestruturou sua política monetária introduzindo dois novos

embasamentos: i) overshoot da meta de inflação, comprometendo-se a manter os

39 Japan real estate investment trusts. São fundos de investimento imobiliários. 40 Ao final das eleições norte-americanas em outubro/2016, o reconhecimento da vitória de Donald Trump foi responsável por um aumento da taxa de juros nos mercados secundários. Frente a promessa de campanha quanto à implementação de um programa de política fiscal, houve um aumento dos índices de expectativas inflacionárias. Com isso, os agentes incorporaram a possibilidade de aumento da taxa de juros no futuro, vendendo títulos e, consequentemente afetando seus preços (queda) e yields (aumento).

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programas até que o índice inflacionário supere a meta de 2% ao ano; ii) controle direto

tanto da taxa de CP quanto da de LP – yield curve control.

Por mais que não seja o enfoque deste trabalho, a atuação direta e deliberada

ao longo da curva de juros merece destaque, sendo uma medida ímpar quanto à atuação

da autoridade monetária. Keynes, no Treatise on Money (1930) já levantava esta

hipótese, mas até o presente momento nenhum Banco Central havia se comprometido

a operar quaisquer montantes necessários para manutenção da taxa de LP no patamar

pré-estabelecido. Com uma meta em torno de zero, podemos notar na figura 4 que o

BoJ vem tendo sucesso no seu yield curve control.

Figura 4 – Yields dos JGB de 10 anos, ago/16 – mar/17

Fonte: BoJ (2017c)

Para esta nova forma de política monetária, além dos tradicionais leilões

competitivos, o BoJ introduziu novas operações com taxas fixas (fixed-rate purchase

operations). Após os efeitos iniciais oriundos do mercado de títulos públicos norte-

americanos (aumento de seus yields devido ao Efeito Trump), o BoJ manteve os yields

sob controle apenas por meio dos leilões tradicionais, visando títulos de elevada

maturidade (BoJ, 2017c).

A primeira operação com taxas fixas foi realizada em 17/novembro de 2016, com

JGB de maturidade remanescente entre 1 e 5 anos. A compra de títulos seria ilimitada,

com uma taxa de 0,09% negativa para JGB de 2 anos recém emitidos e de 0,04% negativa

para títulos recém emitidos de 5 anos. No entanto, não obteve o resultado esperado,

“partly in reflection of purchasing yields that were slightly higher than the prevailing

market yields at the time of offer” (BoJ, 2017, p.60). Já na segunda tentativa de

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operações, em fevereiro/2017, oferecendo uma taxa fixa de 0,11% para qualquer

montante de JGBs de 10 anos recém emitidos, a autoridade monetária foi bem sucedida

ao reter a ascensão da yield curve. Portanto, podemos destacar que a tentativa de

controlar a taxa de juros de LP, ao menos até o momento, foi alcançada.

Como não é o objetivo deste trabalho avançar na discussão acerca do yield curve

control, iremos voltar nossas atenções para a operacionalização taxa de juros nominal

negativa. Para tanto, retoma-se o debate acerca da institucionalidade do sistema

financeiro japonês, o que nos permitirá compreender de que maneira se implementou

a NNIR e como esta flui para os diferentes mercados e impacta de maneira desigual as

diversas instituições financeiras.

2.3 Taxas de Juros Nominais Negativas: operacionalização e o ajuste do sistema financeiro 2.3.1Mercadossecundários-aspectosgerais

Antes de aprofundarmos a discussão acerca dos mecanismos de transmissão das

taxas de juros nominais negativas, é importante ressaltar que não foi encontrada

nenhuma discussão mais detalhada sobre sua implementação e impactos para além de

textos que debatem seus efeitos sobre a lucratividade bancária. Por mais que outros

países já tivessem adotado políticas de NNIR, o Japão possui especificidades relevantes

– longo histórico de políticas monetárias não-convencionais; baixo crescimento por

décadas; fonte de carry trade cambial mundo afora, etc. Por exemplo, enquanto os

bancos europeus possuíam um espaço maior para reduzir suas taxas pagas sobre

depósitos, esta taxa no Japão já era próxima de zero. Questões como essa foram

discutidas marginalmente, o que pode ser um indício de elevada incerteza quanto aos

resultados desta política.

De qualquer maneira, as taxas negativas fluíram do interbancário para outros

mercados pelos mesmos mecanismos de transmissão de cortes da taxa de juros em

terreno positivo – “in fact, the pass-through from the decline in the policy interest rate

to these funding rates has been roughly similar to that in previous episodes of policy

interest rate cuts” (BoJ, 2016d, p.10).

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Para podermos identificar os principais movimentos dentre os participantes do

mercado financeiro japonês, iremos dissociá-lo em três blocos: money market; mercado

de câmbio; mercado de títulos (públicos e privados). O money market é tipicamente um

mercado de curto prazo (em torno de um ano), composto por títulos de dívida emitidos

pelo governo ou pelo setor privado, e é dividido em mercado interbancário e mercado

aberto. De maneira mais específica, podemos condensar o interbancário no chamado

call market; enquanto o mercado aberto possui diversas outras categorias. Neste

dissertação trataremos dos seguintes mercados: repo market; commercial papers e

certified deposit; treasury bills (T-Bills).

O mercado interbancário, ou apenas call market, é o espaço em que bancos,

empresas financeiras e tanshi companies 41 transacionam recursos de curto prazo,

principalmente aqueles mantidos nas reservas junto ao BoJ (Fukunaga e Kato, 2014).

Uma especificidade do Japão seria a dissociação deste mercado em dois tipos de

transação: com e sem colateral. Enquanto este último teria sido implementado apenas

em 1985, o mercado com colateral seria o mais velho mercado monetário do Japão,

existente há mais de cem anos. Portanto, o call market com e sem colateral é utilizado

para que o BoJ realize o ajuste fino da taxa de juros de curto prazo, sendo o principal

mecanismo para que instituições financeiras acomodem suas reservas ao final do dia de

operações. Uma consideração importante é suas transações são divididas entre aquelas

realizadas diretamente entre duas instituições ou por meio de tanshi companies. A

maioria das operações tem prazo de maturação de apenas um dia (T+0, overnight).

Partindo para o mercado aberto, além de instituições financeiras há governos

locais (algo como governos estaduais no Brasil) e instituições não financeiras. Em relação

ao mercado aberto de repo, além de incluir outros participantes, se diferencia do call

market com colateral devido ao seu “settlement cycle, and risk control mechanisms”

(Fukunaga e Kato, 2014, p.5). Ou seja, a maioria das transações tem pelo menos um dia

de duração (T+1); e, finalmente, outras formas de controle de risco 42 . Ainda que

41 “Tanshi companies specialize in intermediating funds in money markets. When financial institutions trade call money, CP, and treasury bills (TBs), they act as dealers that lend/borrow funds to/from these institutions, and as brokers who match buyers and sellers” (BoJ, 2012, p.143) 42 No call market, o BoJ reduz o valor do colateral em questão em certa porcentagem pré determinada (haircuts), enquanto no mercado de repo os controles se baseiam mais na marcação à mercado (Fukunaga e Kato, 2014)

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instituições não financeiras possam operar neste mercado e este seja um dos critérios

para dissociação entre repo e call market com colateral, elas teriam pouca

representação quanto ao número e volume de operações (abaixo de 1%). Dentre os

tipos de repo, são dissociadas em Gentan e Gensaki. As transações do tipo Gensaki

envolvem, de fato, uma cláusula de recompra do título (repurchasement agreements);

por outro lado, operações Gentan não passam da concessão de um título tendo algum

fundo como garantia/colateral43. Ainda assim, ambas as transações são classificadas

como repo (ibid, 2014, p.7).

Por mais que sejam utilizados títulos públicos de entes subnacionais e títulos

privados como colaterais, os títulos públicos predominam, com os JGBs representando

mais de 90% das operações neste mercado. Outra dissociação das repos é entre

operações sem especificação do colateral em questão (general collateral - GC) e

explicitando o colateral a ser utilizado (special collateral – SC). Segundo Fukunaga e Kato

(2014), as GC repos seriam mais utilizadas para empréstimo de recursos enquanto as SC

repos são priorizadas para empréstimo de títulos, e o montante de operações deste

mercado se dividiria aproximadamente de forma igual entre elas.

Quanto aos commercial papers e certified deposits, são dois tipos de

instrumentos para que empresas, bancos e outras instituições, inclusive estrangeiras,

levantem recursos de curto prazo. Análogos às notas promissórias, os commercial

papers envolvem um prazo mais curto e um risco maior. Os certified deposits são títulos

transacionados que representam um montante de recursos aportados em algum banco,

com cláusulas envolvendo taxas caso sejam retirados antes do período pré-

determinado. Ambos os títulos podem ser emitidos diretamente para o mercado, mas

geralmente passam por um intermediário financeiro, e são denominados em yen.

Finalmente, as treasury bills (T-bills) são títulos públicos de curto prazo. Antes

dissociados em treasury bills e financing bills, passaram a ser consideradas unificadas a

partir de 2009 – sendo que as primeiras são utilizadas para financiar gastos fiscais (do

mesmo modo que os JGBs) e as segundas para financiar o tesouro nacional no curto

43 De forma mais específica, as Gentan são caracterizadas como “Cash-secured bond lending transaction” (Fukunaga e Kato, 2014, p.6)

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prazo ou cobrir déficits extraordinários das special accounts44 (ADB 2016, p.50). De

maneira geral, são títulos com maturidade de um ano ou menos, transacionados no

mercado secundário até seu vencimento.

O mercado de títulos é composto por títulos públicos e privados45. Dentre os

públicos, além dos já amplamente discutidos JGBs, temos Local government bond (LGB);

e Government agency bond (GAB). Os LGBs são emitidos pelos governos subnacionais,

enquanto os GABs por agências filiadas ao governo e o Fiscal Investment and Loan

Program46 . Os títulos privados se dividem entre aqueles emitidos diretamente por

empresas e debentures. Os corporate bonds são restritos a nichos específicos: “high-

rated companies in specific sectors such as electric power and telecommunications, and

Japan Rail Group companies” (ADB, 2016, p.55). Além das instituições não financeiras,

bancos e instituições financeiras também podem emitir estes títulos. A emissão de

debentures se dá por algumas instituições bancárias, sendo vistas como alternativas aos

depósitos à vista, e são sujeitas a regulações bastante restritivas. O montante destes

títulos é decrescente no sistema financeiro japonês.

Enfim, o último mercado a ser tratado é o cambial. Além do mercado à vista, o

mercado de derivativos cambiais por meio do yen japonês tem relevância internacional,

conhecido pelas operações de carry trade. Segundo Rossi (2016), o termo carry trade

teria ganhado proeminência exatamente a partir das diversas crises asiáticas nos anos

90. Estas operações se caracterizariam pela formação de “um passivo ou uma posição

vendida na moeda de baixos juros e, simultaneamente, um ativo ou uma posição

comprada na moeda de juros altos” (ibid, p.48). O carry trade se diferencia entre os que

são realizados no mercado à vista, tomando recursos na moeda local e aplicando em

ativos com outra denominação monetária, daqueles que se dão no mercado de

44 As Special accounts são rubricas do orçamento separadas do dito General account, diferenciando-se quanto a obtenção de receitas e gestão de seus orçamentos – mesmo que esteja sujeito a aprovação do legislativo. Dentre elas, destacam-se o fundo de consolidação da dívida nacional; fundo de subvenção de impostos; fundo de recuperação do Great East Japan Earthquake, entre outras; sendo que o número de contas varia de acordo com projetos específicos - eram 31 SAs em 2004, passando para 14 em 2017 (MOF, 2016) 45 Os commercial papers e as T-Bills também são títulos, privados e públicos. No entanto, são transacionados no money market devido a curta maturidade envolvida. 46 O Fiscal Investment and Loan Program (FILP) pode ser caracterizado como uma especificidade da política fiscal japonesa, sendo responsável por realizar o funding de investimento e operações de empréstimo do tesouro.

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derivativos. Este segundo grupo consiste na formação de uma posição vendida

contraposta com outra comprada, ambas no mercado de derivativos, sendo que a

primeira se dá na moeda de juros baixos e a segunda de juros elevados. Nestas

operações, mais do que o diferencial de juros, o comportamento da taxa de câmbio que

seria determinante para seu resultado final.

O mercado de câmbio internacional, chamado de foreign exchange market (ou

apenas FX market), é concentrado no Reino Unido, com 40,9% das operações em 2013,

enquanto o Japão teve 5,6% (ibid, p.61). As transações entre dólar/yen despontam em

segundo lugar quanto ao volume de transações diárias – portanto, extremamente

relevante para o FX market (ibid, p.65). Dentre os instrumentos do FX market, destaca-

se o foreign exchange swap. Estas operações consistem na combinação de uma compra

(venda) de moeda no presente e uma venda (compra) no futuro – figura 5.

Figura 5 – Exemplo de foreign exchange swap euro/dólar

Fonte: BIS

Na figura 5 temos um exemplo em que se busca um funding em US$. O investidor

A toma US$ e empresta Euro para o investidor B. Durante a vigência do contrato, A

recebe a taxa Libor47 para Euro de 3 meses (duração do contrato) mais um spread de

risco; enquanto paga Libor para Dólar, taxa mais baixa pelo fato do dólar ser a moeda

livre de risco cambial. No vencimento do contrato, a operação é desfeita. Estas

operações são realizadas tendo em vista a volatilidade cambial e das taxas durante o

período, e tem o custo da tomada de recursos no mercado à vista (FX spot rate) e da

taxa do contrato no mercado futuro (FX forward rate). A diferença entre a taxa do

mercado à vista (current spot rate) e a taxa do mercado futuro (forward rate) é chamada

47 Taxa de curto prazo do money market dos EUA.

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de de forward exchange premium, e quanto maior esta diferença, mais custoso o

funding para tomar dólar no mercado à vista e garantir cobertura cambial no mercado

futuro (hedge). O dollar funding premium já vinha em altos patamares para o yen e

outras moedas desde 2013, quando os EUA encerraram seu QE e outras programas de

sua política monetária não convencional48. Os movimentos no mercado de câmbio

futuro têm consequências relevantes em outros mercados japoneses, e a política de

NNIR teria tido efeitos tanto nas correlações entre estes mercados. Antes de

explorarmos estas questões, parte-se agora para a operacionalização da NNIR e seus

mecanismos de transmissão, de modo que seja possível analisar estas relações e suas

mutações de maneira mais consistente.

2.3.2Operacionalização–othreetiersystem

Seguindo o método empregado na Europa, a operacionalização da NNIR no

Japão se deu por meio do fracionamento das reservas bancárias. Em janeiro/2016 o BoJ

anunciou esta política monetária junto com o dito three-tier system para as reservas

bancárias, conforme ilustrado na tabela 2.

Tabela 1 – Sistema Three-tier para Reservas Bancárias

Nome Descrição Taxa

Basic Balance Média das reservas mantidas durante os "reserve maintenance periods" (Janeiro a Dezembro de 2015), excetuando as reservas compulsórias

0,1%

Macro Add-on Balance

Reservas compulsórias

0% Loan Support Program e outros programas especiais

Money Reserves Funds

Montante "macro add-on"

Policy Rate Balance Reservas resultantes -0,1%

Fonte: Boj (2017c). Elaboração própria.

48 Goldberg et al (2010)

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O Basic Balance (BB) consiste na média das reservas bancárias do ano de 2015.

Além da taxa de 0,1% sobre este montante, este cálculo é importante pois determina o

montante para definição dos outros montantes — por este motivo, também é chamado

de benchmarks balance. O macro add-on balance (MAB) é composto por reservas

compulsórias, reservas referentes aos programas especiais junto ao BoJ, money reserves

funds (MRF) e o montante macro add-on. As MRFs são fundos com ampla atuação nos

money markets, e não constavam neste segmento quando a política foi anunciada — o

movimento de inclusão será tratado mais adiante. O montante macro add-on é

calculado a partir da multiplicação do benchmark balance com o benchmark ratio

(macro add-on = BB x BR). Esta multiplicação é aplicada sobre todas instituições

financeiras de acordo com seus montantes individuais e revista trimestralmente tendo

em vista a taxa de crescimento das reservas totais mantidas junto ao BoJ. O macro add-

on passa de um mecanismo de ajuste em poder do BoJ, que determina arbitrariamente

o benchmark ratio com intuito de gerenciar recursos entre o MAB e o policy rate

balance. Caso o montante de reservas sujeitas às taxas negativas seja muito elevado, o

BoJ pode majorar esta taxa, evitando que a pressão para redução da taxa de juros no

mercado secundário aumente. Portanto, funciona como instrumento de ajuste da taxa

de juros de curto prazo.

Analisando individualmente, o BB e o MAB funcionam como um teto de reservas

que podem ser mantidas junto ao BoJ. Como há um teto, instituições que se mantiverem

abaixo deste podem ter uma gap de reservas; enquanto instituições que superarem este

teto são contempladas com a taxa de 0,1% negativa. Segundo o próprio BoJ, “this

unevem distribution of funds under the three-tier system is the driving force creating

demand for arbitrage trading at negative interest rates in the money market” (BoJ,

2017c, p.44). Para evitar que instituições financeiras mantivessem seus recursos em

caixa, a autoridade monetária determinou que, caso este item do ativo se expandisse

significativamente, esta expansão seria deduzida das reservas compreendidas pela faixa

com taxa nula. “In other words, financial institutions’ actions to avoid the payment of

interest to the BOJ by holding more cash would be penalized by allowing them smaller

amounts in reserve accounts subject to either zero or 0.1% positive interest rates” (Shirai,

2017, p.59)

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Na figura 6 exemplifica-se como se dá a transmissão. A instituição A possuiria um

montante base (BB + MAB) de ¥ 150 bilhões, mas as reservas mantidas no BoJ teriam

chegado a ¥ 160 bilhões – portanto, ¥ 10 bilhões estariam sendo taxados

negativamente. Por outro lado, a instituição B teria um gap em suas reservas de ¥ 10

bilhões, visto que o montante base não teria sido preenchido em sua totalidade. Dessa

forma, a instituição A poderia retirar recursos do BoJ e transferi-los para a instituição B,

evitando o policy rate.

Figura 6 – Exemplo de Transmissão de Taxa de Juros Nominais Negativas no Mercado Monetário

Fonte: Elaboração própria.

Dessa forma, instituições contempladas pelas taxas negativas tem um incentivo

a emprestar recursos mesmo que a taxas negativas, desde que superiores à aplicada ao

policy rate balance (-0,1%); no exemplo, -0,08%. Por outro lado, instituições que

possuem um gap de reservas tem um incentivo a tomar recursos em outros mercados

a taxas abaixo do ZLB, mantendo-os aplicados em reservas junto ao BoJ a taxas nulas.

Dito de outra forma, a tendência é que instituições contempladas pela policy rate

balance emprestem para bancos com gap nas reservas bancárias, amenizando suas

perdas; e instituições com folga em seus gaps tomem recursos e “apliquem” nas

reservas bancárias. O BoJ realiza um cálculo para o “policy rate hipotético após

operações de arbitragem”, o que indica que o excesso de gap de recursos já teria sido

totalmente absorvido após as transações de arbitragem (BoJ, 2017c).

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O cálculo deste policy rate hipotético consiste na diferença entre o teto de

recursos para BB e MAB e o quanto foi mantido de fato nestes tiers. Considerando o ano

de 2016, o teto do BB foi de ¥ 210,8 trilhões e do MAB de ¥ 97,3 trilhões. Por outro lado,

o montante total de BB mantido de fato junto ao BoJ foi de ¥ 207,8 trilhões e do MAB

de ¥ 86,2 trilhões; enquanto ¥ 27,3 trilhões foram contemplados pela taxa negativa.

Com isso, o policy rate hipotético é de ¥ 13,2 trilhões, ou seja, os ¥ 27,3 subtraindo os

“gaps” (¥ 3 trilhões para o BB e ¥ 11,1 trilhões para o MAB), conforme ilustrado na tabela

3. Portanto, estes ¥ 13,2 trilhões consistem no total de liquidez “em excesso” no money

market; enquanto ¥ 14,1 trilhões poderiam ser alvo de operações de arbitragem, com

agentes tomando recursos nos Money market para preencher os tetos reduzindo o

policy rate balance (BoJ, 2017c).

Tabela 2 – Exemplo policy rate hipotético (¥ trilhões)

Teto Montante efetivo Diferença

Basic Balance 210,8 207,8 3,0

Macro add on Balance 97,3 86,2 11,1

Gap (b) 14,1

Efetivo (a) Hipotético (a) - (b)

Policy Rate 27,3 13,2 Fonte: BoJ (2017c). Elaboração própria.

Quanto maior o policy rate hipotético, maior a pressão nos mercados para

emprestar recursos visando evitar as taxas negativas e, portanto, maior a pressão para

redução da taxa de juros. É exatamente com intuito de amenizar esta pressão e evitar

que a taxa de juros se torne ainda mais negativa que o BoJ revê o benchmark ratio

trimestralmente, de modo a manter a policy rate hipotética em torno de ¥ 10 e 20

trilhões. Enquanto o BoJ mantém o programa de compra de ativos a tendência é de

crescimento das reservas no BC; com isso, o benchmark ratio vem sendo ajustado de

modo a transferir recursos do policy rate para o MAB, por meio do macro-add on. Por

exemplo, no período entre abril e maio/2016, o benchmark ratio foi determinado em

2,5%, aplicado sobre o total de reservas (¥ 220 trilhões); ou seja, em torno de ¥ 5,5

trilhões foram transferidos do policy rate balance para o MAB, deixando de ser

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comtemplados pelas taxas negativas, amortecendo a pressão para redução da taxa de

juros de curto prazo nos mercados secundários.

A partir destes aspectos gerais acerca da operacionalização da NNIR, podemos

partir para seus efeitos de maneira mais desagregada. Para tanto, um primeiro ponto a

ser considerado é analisar os diferentes efeitos de acordo com as especificidades das

instituições afetadas por esta política.

2.3.3Respostadosistemafinanceirojaponês

Conforme já apontado, apesar do esperado ser uma equalização de recursos via

arbitragem entre instituições com gap nas reservas e outras contempladas pelo policy

rate, isto não ocorreu de fato em sua totalidade. Segundo BoJ (2017), o gap de reservas

não chegou a ser totalmente preenchido, sendo que um agregado de aproximadamente

¥ 10 trilhões poderiam ter sido aplicados nos tier com taxas nula/positivas, ou seja, o

policy rate hipotético – figura 7.

Figura 7 – Gap de reservas do macro add-on/basic balance e montante sob policy rate balance (abril/16 – mar/17), ¥ Trilhões

Fonte: BoJ (2017c)

Portanto, tomando o mês de março/17 como exemplo, caso instituições com gap

em reservas tomassem recursos no mercado monetário de instituições penalizadas

pelas taxas negativas, o policy rate balance poderia ter sido de apenas 9 trilhões de yen

(diferença entre o policy rate de ¥ 22 trilhões e os tetos não utilizados de ¥ 13 trilhões).

Para compreendermos o porquê deste ajuste não ocorrer, devemos analisar como as

diferentes categorias de instituições financeiras vêm ajustando suas reservas frente ao

three tier system.

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De acordo com BoJ (2017b), os city banks responderam rapidamente à

implementação da NNIR, adquirindo grandes montantes de JGB e retraindo a tomada

de recursos no money market. Em um segundo momento, vieram a se tornar os

principais agentes arbitradores, administrando suas reservas bancárias de modo a

completar todo gap disponível, o que está explicitado na figura 8.

Figura 8 – Reservas bancárias discriminadas de acordo com o three tier system, por instituição (fev/16 – jan/17), ¥ Trilhões

Fonte: BoJ (2017c)

Os bancos regionais I e II tiveram um comportamento mais dispersivo, até pelo

maior número de instituições. Dependendo do tamanho de reservas, uma parte desses

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bancos passou a emprestar mais recursos para evitar o policy rate balance, enquanto

outros tiveram uma tendência de tomar recursos para completar o gap de reservas. O

primeiro grupo teve de passar por um ajuste nos seus sistemas de IT, permitindo

transações com taxas negativas. Já o segundo grupo, por mais que tivessem como

estratégia arbitrar entre as camadas de reserva, montantes consideráveis dos gap

disponíveis não foram preenchidos49.

Parte dos bancos estrangeiros ajustaram o excesso de suas reservas, reduzindo

tomada de recursos no mercado de derivativos de câmbio (FX swap market) e

emprestando no mercado à vista. Todavia, importante parcela desses bancos manteve

sua lucratividade mesmo sob as taxas negativas do policy rate balance, visto que o custo

de captação do mercado futuro de derivativos ainda seria menor do que a taxa de

aplicação. A segunda categoria prevaleceu e, portanto, tivemos um pequeno montante

sujeito à policy rate balance no agregado.

Os trust banks foram duramente impactados pela NNIR, visto que, conforme

apresentado anteriormente, captam grandes montantes de depósitos de médio e longo

prazo. Em um primeiro momento, frente à dificuldade de conceder crédito com taxas

positivas, money reserve funds (MRF) e outros fundos de investimento transferiram

recursos para estes bancos. Como consequência do forte incremento de recursos em

caixa dos trust banks, o montante de recursos desses bancos sujeitos a taxas negativas

aumentou expressivamente. Visando evitar que o rearranjo de recursos penalizasse

estas instituições, o BoJ reviu algumas questões acerca das MRF: reservas equivalentes

ao fluxo anormal de transferência de recursos para os trust banks passaram a ser

considerados no macro add-on balance (a partir de abril/2016), e não no policy rate

balance. Além disso, os próprios trust banks reagiram, passando a cobrar uma taxa para

captar recursos, desestimulando os aportes. Paralelamente, também aumentaram seus

investimentos nos city banks, repassando recursos sobressalentes. Após um

arrefecimento no crescimento das reservas sob o policy rate balance, a partir de meados

de 2016 os montantes sujeitos às taxas negativas tornaram a aumentar “partly because

investments trusts piled up idle money due to a rise in stock prices, amid continuous cash

inflows of funds for redemptions of JGB” (BoJ, 2017b, p.49). Ou seja, o efeito riqueza do

49 Segundo BoJ (2017), principalmente em meses ímpares, quando há pagamentos de pensão.

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mercado acionário e a maturação de títulos públicos acabaram “penalizando” os trust

banks.

No agregado de outras instituições, tanto sujeitas às reservas compulsórias como

as que não o são, o comportamento foi dispersivo entre aquelas que tiveram gaps de

reservas e outras que superaram o teto imposto. Buscando evitar o policy rate balance,

diversas estratégias foram empregadas — investimento em ativos estrangeiros,

empréstimo no mercado de repo, entre outras — mas, mesmo assim, o agregado de

outras instituições foi a categoria mais impactada pelas taxas negativas. Segundo BoJ

(2017b), parte importante do excesso de recursos pode ser atribuída à maturação dos

JGB.

Finalmente, instituições que não estão sujeitas ao three tier system – instituições

financeiras governamentais e câmeras de compensação (central counterparties) –

aumentaram o montante de reservas bancárias. O aumento de recursos seria uma

consequência do efeito preço sobre títulos públicos e privados no primeiro semestre e

de uma maior exigência de colaterais no segundo semestre (BoJ, 2017).

Após apresentarmos a institucionalidade do sistema financeiro japonês e seus

principais agentes, passamos pela operacionalização envolvida na implementação da

NNIR. Por meio do efeito heterogêneo sobre as instituições, podemos avançar para uma

questão essencial do presente trabalho – a transmissão e impacto em outros mercados.

2.4 Transmissão para outros mercados Como primeiro movimento após a implementação da NNIR policy podemos

destacar a forte retração do money market de maneira agregada. Tanto as taxas do call

market com e sem colateral quanto do repo market rapidamente se tornaram negativas.

As transações overnight sem colateral caíram, primeiramente, devido às

dificuldades técnicas para operacionalização das taxas negativas (Boj, 2016c, p.5),

passando de um volume de aproximadamente ¥ 6 trilhões em 2015 para ¥ 2,7 trilhões

em fevereiro/2016. Por outro lado, as operações de arbitragem entre os tiers das

reservas bancárias foram responsáveis pela manutenção do funcionamento do mercado

– levando inclusive a um aumento do montante transacionado neste mercado para ¥ 6

trilhões em outubro/2017. Segundo BoJ (2017d), o aumento do volume pode ser

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atribuído a: i) ajuste dos sistemas de TI; expansão das operações de arbitragem devido

a um forte influxo de recursos para instituições financeiras devido ao vencimento de

JGBs. Quanto ao sistema de TI, segundo BOJ (2016c), apenas 30% das instituições

financeiras teriam adaptado seus sistemas de TI antes da implementação da NNIR. O

número de instituições que afirmaram ter atualizado seus sistemas passou de 60% em

2016 para 74% em 2017 (ibid, p.7). Outro fator importante seria a presença mais ativa

de alguns regional banks, que não costumavam operar neste mercado, mas foram

estimulados pela arbitragem proporcionada pelo three tier system (Shirai, 2017).

Já o call market com colateral teria sido um dos mercados mais impactados pelas

taxas negativas. O montante de transação foi de ¥ 14 trilhões no final de janeiro/2016

para ¥ 1,7 trilhão em fevereiro do mesmo ano; mantendo-se abaixo de ¥ 3 trilhões até

o momento. Tipicamente, operadores deste mercado obtinham colaterais no mercado

de GC repo e tomavam recursos no call market com estes títulos (usualmente JGBs).

Como a taxa de juros GC repo market se tornou muito negativa, o custo de utilizar estes

títulos como colateral se tornou muito elevado, minando a lucratividade destas

operações (Shirai, 2017, p.72).

Por outro lado, o mercado de GC repo chegou inclusive a expandir o volume de

operações. O BoJ (2016c) apresenta quatro justificativas para este movimento. De

antemão, enquanto restrições de TI impediam a realização de operações com taxas

negativas no call market sem colateral, muitas instituições financeiras conseguiam

realizar estas operações por meio das repo sem atualizar seus sistemas. Em segundo

lugar, as taxas do das GC repo se tornaram mais negativas do que as taxas do mercado

overnight. Desta forma, instituições que visavam as operações de arbitragem obtinham

mais lucro caso tomassem recursos neste mercado50. Uma justificativa para o fato das

taxas serem mais negativas neste mercado seria a escassez de JGBs, de modo que os

agentes que possuem estes títulos em sua carteira podem barganhar ao cedê-los como

colateral, obtendo financiamento mais barato (Shirai, 2017, p.72). O terceiro motivo

consistia na possibilidade de transacionar maiores volumes neste mercado: como havia

mais agentes interessados em tomar recursos via GC repos, instituições sujeitas ao policy

50 Diferença entre taxas de captação (negativa) e taxa nula do macro add-on balance. Quanto menor a taxa de captação, maior o lucro.

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rate balance acabavam se voltando a este mercado para se “livrar” dos recursos em

excesso. Por fim, o quarto motivo para o elevado montante de transações seria devido

a investidores estrangeiros. Estes investidores convertiam ativos denominados em dólar

para yen e, em um segundo momento, aplicavam este montante no mercado de GC

repo. Mesmo que as transações repo envolvam taxas negativas, caso as taxas de juros

de conversão dólar-yen sejam mais negativas a diferença entre elas acaba tornando a

operação lucrativa. Em outras palavras, a ampliação do prêmio de financiamento em

dólar (dollar funding premium), obtendo yen a um custo mais baixo, estimulou a

presença de investidores estrangeiros neste mercado. A maior presença de fluxos de

capitais externos também seria a causa para que ampliação do spread entre a taxa de

juros deste mercado e a do call market sem colateral51.

O outro segmento de mercado das repo, que discriminam o colateral envolvido

na operação (SC repo), decresceu em 2016. Segundo BoJ (2016c), isto se deu pela menor

necessidade de recursos por parte de intermediários financeiros, principalmente

corretoras especializadas no curto prazo (tanshi companies). Frente à deterioração do

mercado de títulos públicos que será tratada mais adiante, “securities companies held

back from taking short positions in cash bonds, thereby reducing the need for borrowing

bonds in SC repo transactions to cover short positions” (ibid, p.8). Em 2017, o volume de

transações cresceu, ainda que sem recuperar o nível de 2015, devido às operações de

arbitragem: o fato das taxas serem mais negativas que em outros mercados estimulou

a busca destas operações por agentes com gap em suas reservas.

Finalmente, as últimas duas operações de curto prazo seriam os commercial

papers/certified deposits (CP/CD) e as T-Bills. Ambos mercados sofreram forte retração

de volume, visto que estes títulos eram amplamente utilizados no atrofiado call market

com colateral. Em relação aos títulos privados, o menor volume se deve à dificuldade de

encontrar aplicações com taxas positivas, dificultando o financiamento por meio destes

títulos, cuja taxa oscilava em torno de zero. No entanto, em 2017 o volume de emissão

de CP/CDs cresceu levemente. Segundo BoJ (2017d), “due to an increase in issuance by

business companies, leasing companies and non-banks” (p.8), mas sem detalhar os

51 “The repo market has also experienced capital inflows from foreign investors in search of safe-haven assets. Consequently, the spread between the repo rate and the uncollateralized call rate has widened moderately” (BoJ, 2017a, p.10)

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motivos para tanto. O mercado de T-Bills também teria apresentado uma leve

recuperação em 2017, visto que suas taxas cresceram um pouco, se situando em torno

de 0,1% negativo (entre julho e dezembro de 2016 estavam oscilando em torno de 0,6%

e 0,8% abaixo de zero). É importante destacar que as T-Bills são retidas muito mais por

investidores estrangeiros do que locais. Os programas mais agressivos de QQE iniciados

em 2013 dão início a este processo, que se potencializa com a NNIR – a razão entre

investidores estrangeiros e nacionais passa de algo em torno de 35% em 2013 para em

torno de 55% no final de 2016. Portanto, também há correlação entre o mercado

cambial e o mercado de T-Bills, o que destacado pelo próprio BoJ:

“A closer look indicates that yields on T-bills have occasionally fallen deeper into negative territory, linked with developments in FX swap-implied yen rates. As background to these developments, foreign investors who have supplied foreign currencies in markets such as the FX swap markets have increased their yen holdings and have strengthened their investment stance in the T-bill market” (BoJ, 2017a, p.10)

Conforme apontado anteriormente, estes movimentos são causados

principalmente por sua relação com o mercado cambial. Podemos notar na figura 9 que

há um movimento de apreciação da taxa yen/dólar em 2016, justificado em parte pelas

incertezas causadas pelo Brexit: como o yen seria uma das moedas do topo da hierarquia

monetária, em momentos de incerteza envolvendo o Euro sua demanda aumenta.

Figura 9 – Taxa de Câmbio Yen/Dólar à vista, final do período (2014-2017)

Fonte: BoJ. Elaboração própria.

As operações em dólares são realizadas por meio de transações reversas entre o

mercado de câmbio à vista e no mercado futuro: investimentos em ativos estrangeiros

são contraposto com um derivativo inverso (FX swap) buscando eliminar o risco cambial,

90,

100,

110,

120,

130,

2014 2015 2016 2017

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em que o yen é utilizado como colateral. Na outra ponta, instituições financeiras não-

japonesas mundo afora tem interesse nestas operações devido ao excesso de liquidez e

lucratividade das taxas envolvidas. Com isso, ao receber yen na transação de swap,

buscam títulos seguros e de curto prazo para aplicarem estes recursos – é exatamente

este movimento que causa o aprofundamento da presença estrangeira nas T-Bills52.

Em discurso realizado na “International bankers association of Japan”, Nakaso

(2017), representante do BoJ, discute a relação do FX swaps market com bancos e outras

instituições financeiras japonesas. Na verdade, o fato do Federal Reserve (Fed, Banco

Central norte-americano) ter abandonado seu programa de QE em 2014 enquanto

Japão e Europa mantiveram e intensificaram seus programas de política monetária teria

iniciado transformações relevantes para o mercado de câmbio futuro mundo afora. Com

taxas de juros muito baixas e recentemente negativas, instituições financeiras e

investidores japoneses expandiram suas aplicações em ativos denominados em dólar.

Paralelamente a estes investimentos, a demanda por cobertura cambial (hedge) no

mercado de câmbio futuro também aumentou53.

Segundo o autor, este mesmo movimento teria ocorrido em outros episódios,

como no início de 2000, quando as políticas monetárias não convencionais japonesas

divergiam da atuação do Fed. No entanto, enquanto no passado a diferença entre a taxa

da operação cambial no mercado futuro (troca de yen por dólar por meio de swaps) e a

taxa da operação cambial no mercado interbancário (compra de dólares no mercado à

vista), chamada de US dollar funding premia, não teria aumentado significativamente

devido a operações de arbitragem entre estes dois mercados, no contexto recente a

discrepância entre políticas monetárias tem impactado o US dollar funding premiums,

que vem aumentando significativamente desde 2014 (figura 10).

52 “Taking the other side of that swap are non-Japanese institutions with the profitable combination of idle dollars and counterparties willing to pay for them. When they receive yen as part of the swap transaction, they strongly favour investing them in three-month T-bills, creating an ever-sharper appetite for that asset class” (FT, 2017). 53 “The pattern of behavior suggests that recent monetary policy divergence is encouraging Japanese and European financial institutions to invest in dollar financial assets and contributing to tighter market conditions in the FX swap market” (Nakaso, 2017, p.4)

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Figura 10 – US$ Dollar Funding Premium: Diferença entre taxa de swap cambial e operação cambial no mercado à vista (2007-17)

Fonte: BoJ (2017c)

Dentre as diferenças entre os dois períodos destaca-se o fato de que as

regulações impostas recentemente, como exigência de capital, paralelamente ao o fim

do QE e outros programas no EUA estariam reduzindo os espaços para arbitragem (entre

as operações no mercado interbancário norte-americano e o FX swaps market) e,

consequentemente, permitindo que os custos de operações cambiais no mercado de

câmbio futuro aumentem54. Seria exatamente este movimento que induziu investidores

estrangeiros a adquirirem T-Bills: mesmo que possuam taxas baixas ou até mesmo

negativas, a lucratividade crescente de operações cambiais no mercado futuro e sem

risco cambial fazia com que os yens utilizados como colateral nos FX swaps fossem

aplicados nestes títulos de curto prazo. Mais recentemente, em outubro de 2016 a

chamada de Money Market Reform (MMR) entrou em vigor, uma nova regulação que

introduziu componentes adicionais para o mercado de câmbio futuro, com implicações

relevantes para bancos e instituições financeiras japonesas.

54 “Recently introduced financial regulations, such as the leverage ratio, which have the effect of increasing capital requirements for balance sheet expansion relative to the more traditional risk-based capital ratio, seem to be dampening arbitrage trading. More specifically, even when the swap market conditions tighten due to monetary policy divergence between the Unites States and Japan, U.S. banks and others that used to provide dollars are not prepared to increase the supply of dollar funds because of higher costs for arbitrage trading” (Nakaso, 2017, p.4).

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Além de incrementar os custos de arbitragem entre o mercado monetário norte-

americano (taxa Libor) e o FX swaps market, a MMR dificultou que fundos norte-

americanos (money market funds) adquirissem commercial papers e certified deposits

de bancos japoneses (o que se soma às motivações para queda da emissão desses títulos

em 2016). Com isso, bancos e instituições financeiras japonesas passaram a ter

dificuldade de obter funding de dólares fora do mercado de câmbio futuro e suas taxas

elevadas. Os city banks conseguiram reorganizar suas fontes de captação de dólares por

meio de depósitos (cliente related deposit). Segundo Nakaso (2017), este movimento só

foi possível pelo fato de que a demanda por ativos considerados seguros estaria em

níveis extremamente elevados. Antes da MMR, os fundos norte-americanos que

investiam em commercial papers/certified deposits perderam espaço em relação a

fundos que investem em títulos norte-americanos; a expansão de demanda por estes

fundos reduziu os yield e aumentou o preço de títulos públicos dos EUA. Paralelamente,

os preços elevados de T-Bills levaram investidores a buscarem uma alternativa para

alocação de portfólio considerada “segura”: títulos de dívida emitidos por bancos

japoneses ganham relevância55. Por outro lado, instituições financeiras não teriam este

funding alternativo, mantendo a demanda por hedge no mercado de câmbio futuro

mesmo que a taxas mais altas.

Em 2017 o dollar funding premium teria se reduzido em função da menor

demanda por títulos estrangeiros: “this is mainly because Japanese financial institutions'

dollar funding needs have declined as a growing number of them have restrained foreign

bond investments” (BoJ, 2017d, p.9). Por mais que não tenhamos encontrado uma

justificativa explicita por parte do BoJ, provavelmente esta retração está relacionada

com as perdas causadas pelos investimentos no exterior devido à variação das taxas

internacionais no final de 2016. Paralelamente, podemos notar que a demanda por T-

Bills por parte de investidores estrangeiros também se reduziu em 201756.

55 “That is, while prime MMFs [Money market funds norte-americanos] have become less attractive as safe assets, an increase in demand for U.S. government debt without a concomitant increase in supply could also lead to an increase in safe debt issued by financial intermediaries” (Nakaso, 2017, p.7) 56 “Foreign investors, who are lenders of U.S. dollars (borrowers of Japanses yen) in the FX swap markets, have reduced dollar supply (i.e., have received less yen) in response to a decline in dollar

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Explicitamente em relação ao efeito das taxas de juros negativas na relação entre

o mercado de câmbio futuro e a presença de investidores estrangeiros no mercado de

títulos públicos japonês, podemos separar a análise em dois períodos. Até outubro de

2016, a operação tinha se tornado mais lucrativa para investidores estrangeiros,

aumentando sua presença nas T-Bills e outros títulos, enquanto instituições japonesas

e investidores buscaram refúgio das taxas negativas ao investirem em títulos

estrangeiros. Consequentemente, operações de FX swaps se expandem, por serem

lucrativas (bancos estrangeiros, ofertando US$) e garantirem proteção cambial (bancos

e instituições japonesas). Após outubro/2016, o aumento das taxas de juros

internacionais tornou a operação menos lucrativas para bancos ofertantes de dólar,

reduzindo a compra de T-Bills (e, consequentemente, aumentando seus yields, que se

aproximam da policy rate). Por outro lado, após sofrerem com a desvalorização de ativos

denominados em dólares no final de 2016, instituições japonesas se tornaram mais

avessas a investirem no exterior. Tal movimento também justifica o aumento da

demanda por depósitos de bancos japoneses.

Considerações finais A explanação da institucionalidade do sistema financeiro japonês, destacando

suas principais instituições e mercados, teve como intuito permitir uma análise mais

detalhada sobre os distintos efeitos das taxas de juros nominais negativas. Podemos

notar que a NNIR policy não consiste em “uma” política isolada de taxas de juros

negativas; na verdade, soma-se ao conjunto de outras políticas, com destaque para a

intensificação do programa de compra de ativos públicos e privados.

Em relação à resposta dos principais agentes do mercado financeiro, podemos

notar uma clara distinção entre os efeitos sobre city banks e outras instituições. Os

grandes bancos conseguiriam gerir de maneira mais eficiente suas reservas junto ao BoJ,

evitando as taxas de juros negativas. Por outro lado, bancos regionais e outras

instituições tiveram dificuldades para lidar com o excesso de liquidez, muito por conta

do menor acesso a ativos denominados em dólar. Conforme apresentado, o

funding premiums and consequently have reduced their demand for yen-denominated safe assets” (BoJ, 2017d, p.9).

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encarecimento da obtenção de funding cambial no mercado de câmbio futuros por

questões além da NNIR acaba se exacerbando e penalizando estas instituições,

enquanto os grandes bancos têm acesso a fontes alternativas de funding. Ao

considerarmos os distintos impactos de acordo com as características de cada

instituição permite verificarmos alterações quanto a estrutura do sistema bancário,

induzindo à concentração uma composição historicamente pulverizada e com aspectos

regionais.

Quanto à transmissão das taxas negativas, podemos considerar os mecanismos

são similares ao período prévio de taxas positivas e “the introduction of modestly

negative policy rates does not appear to have affected the functioning of money markets

much” (Bech e Malzohov, 2016, p.7), visto que o principal mecanismo de transmissão

da NNIR é a arbitragem. A diferenciação dentre os diferentes efeitos se deve pelas

especificidades de cada mercado: seja pelo fato da busca por um colateral para utilizar

em outro mercado (interação entre call market sem colateral e GC repo), seja pela

presença investidores estrangeiros (como no mercado de T-Bills).

Especificamente em relação à arbitragem, podemos destacar três principais

motivações: i) instituições com gap em suas reservas com taxa nula/positiva tomando

recursos a taxas negativas, obtendo lucro ao ocupar espaço em suas reservas; ii)

instituições sujeitas à policy rate aplicando recursos em mercados com taxas negativas,

mas maiores do que 0,1% negativo. Outro movimento de arbitragem crucial ainda não

abordado seria a busca de rendimentos positivos em títulos com taxas mais longas –

arbitragem ao longo da curva de juros. Além de reduzir os yields de títulos públicos de

longa maturação, inclusive abaixo de zero dependendo do prazo de maturação do título,

há outros desdobramentos colaterais que consideramos essenciais para análise dos

efeitos da NNIR. Por este motivo, tanto o mercado de títulos públicos quanto o mercado

acionário serão abordados no próximo capítulo, em que além da transmissão das taxas

destacaremos também seus principais efeitos.

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Capítulo 3 – Efeitos macroeconômicos da política de juros nominais negativos

Introdução Embora já amplamente discutido no primeiro capítulo do presente trabalho, é

importante termos em vista que a política de taxa de juros nominal negativa foi

implementada em um cenário de AL com um longo histórico de políticas monetárias não

convencionais de pano de fundo. Todas as políticas implementadas têm em comum e

como uma das principais metas o objetivo de estimular as expectativas inflacionarias,

explicitado no forward guidance da meta de inflação de 2%. Portanto, está implícita a

busca pela equalização da taxa de juros à taxa natural – seja por meio do forward

guidance, seja por meio das taxas negativas.

De maneira um tanto quanto secundária, as taxas negativas são vistas como um

meio de estimular o crédito, impulsionando consumo e investimento. Mesmo quando

se afirma que o estímulo à demanda seria um dos objetivos, este mecanismo de

transmissão é controverso – afinal, a compressão da margem de lucro do sistema

bancário é reconhecida mesmo antes da implementação da NNIR e comprovada pelas

experiências recentes.

Dito isso, este capítulo se dividirá em duas partes. Em um primeiro momento

serão apresentados dados referentes aos efeitos diretos da NNIR no sistema bancário e

efeitos em relação à expansão de crédito, que poderiam estimular a demanda e o

produto. A segunda parte tratará dos efeitos secundários e pouco mapeados antes de

sua implementação, com destaque para mercado de títulos públicos e de capitais.

3.1 Lucratividade bancaria e a expansão do crédito Em relação aos efeitos da NNIR policy na economia real, consideramos que em

artigo para o BIS, Borio e Zaibai (2016) levantam questões importantes que devem ser

consideradas. Na terceira sessão do artigo os autores mapeiam estudos que tratam dos

efeitos de políticas não convencionais sobre produto e inflação. Por mais que não

discrimine a NNIR das outras políticas, podemos ter uma ideia geral da relação entre as

políticas monetárias implementadas e seus resultados. Levantando três abordagens

distintas a esta questão: i) efeitos diretos da expansão do balanço do BC sobre produto

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e inflação; ii) efeito esperado, com estudos se baseando em modelos de equilíbrio geral;

iii) mistura das duas abordagens, considerando aspectos específicos do país em questão

para modelar teoricamente em um segundo momento. A conclusão é de que há, de fato,

alguma relação, “but its size and stability are quite uncertain” (p.24).

De maneira geral, a taxa de crescimento do volume de empréstimos de fato se

acelerou em relação aos anos precedentes, conforme destacado na figura 11. Contudo,

o crescimento ainda é tímido, passando de uma taxa de aproximadamente 2% para algo

em torno de 3% ao ano.

Figura 11 – Variação do volume de empréstimos (%) domésticos contra mesmo período do ano passado entre instituições financeiras (esquerda) e por tipo de emprestador (direita)

Fonte: BoJ (2017a)

A aceleração do crédito foi em grande parte causada pelos empréstimos para

pequenas empresas, que somada a categoria de indivíduos compreendem quase a

totalidade do crescimento – sendo que grande parte deste tem como fim atividades do

setor imobiliário57. A corrosão da lucratividade bancaria58 fez com que a propensão a

aceitar negócios mais arriscados aumentasse, concedendo empréstimos para

57 “Next, in terms of loans to individuals, the outstanding amount of housing loans has continued to grow at a year-on-year rate in the range of 2.0-3.0 percent” (BoJ, 2017b, p.16) 58 “but both major and regional banks have seen a net income decline, mainly due to a decrease in net interest income through the tightening of domestic deposit and lending margins, etc. and a decrease in profits from fees and commissions” (BoJ, 2017a, p.61)

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tomadores com piores avaliações quanto ao risco do negócio, além de start ups,

revitalização de negócios, entre outros.

Por mais que tenha se desacelerado em relação a 2013 e 2014, o crédito para

grandes empresas ainda apresenta crescimento. Segundo BoJ (2017b), este crescimento

é reflexo da demanda por recursos para operações de fusões e aquisições. Podemos

notar na figura 12 que o número de transações é crescente e o volume também se situa

em um patamar mais alto em relação aos anos anteriores. Além do interesse das

empresas (estratégicos ou não), os bancos têm estimulado estas operações, tendo em

vista a receita não financeira provenientes de taxas e comissões (ibid, p.15).

Figura 12 – Fusões e Aquisições (volume e número de operações), Japão (2011-17), ¥ Trilhões (esquerda) e número de casos (direita)

Fonte: BoJ (2017b)

Ao analisarmos a expansão do crédito por setor podemos dissecar as motivações

para este movimento. De antemão, destaca-se o crescimento do financiamento para o

segmento imobiliário, sendo que grande parte deste se origina de instituições regionais

estimuladas por “increasing demand to build rental properties as a way to reduce

inheritance tax burden and to invest in income-producing properties” (ibid, p.18). Além

da busca por lucro via expansão do volume de empréstimos, o crescimento do crédito

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imobiliário pode ter sido causado muito mais devido pela possibilidade de isenção

tributária, com destaque para janeiro/2015.59.

Contudo, a figura 13 mostra que este crescimento precede a NNIR policy e, na

verdade, se desacelera após sua implementação. O relatório indica três causas para a

perda de vigor desta categoria de crédito: i) piora do mercado de alugueis, com

expansão do montante de imóveis vagos; ii) menor número de imóveis em boas

localidades, reduzindo probabilidade de lucro; iii) maior aversão ao risco de bancos e

instituições financeiras, que estariam mais prudentes quanto à esta categoria de

empréstimo. Ainda que o crédito venha se desacelerando, o crescimento do preço de

imóveis em meio à decréscimo populacional japonês é visto como risco em potencial

(FMI, 2017a, p.20).

Figura 13 – Variação anual (%) do volume de empréstimos por setor, Japão (2012-17)

Fonte: BoJ (2017e)

Ademais, outras duas categorias merecem destaque. Após diversos períodos

sem expansão o crédito para instituições financeiras passa a crescer no final de 2016 e

início de 2017. Por mais que seja recente e, portanto, dificultando interpretações do que

teria levado a este crescimento, podemos indagar que esteja relacionado à buybacks e

fusões e aquisições. A outra categoria é a de “outros”, que praticamente não aparece

em toda a série até a adoção da NNIR. Não encontramos no BoJ a discriminação do que

59 “An increase in housing investment for rent mainly reflects the purpose of saving on inheritance tax (especially because a tax revision with effect from January 2015 increased inheritance tax rates and widened the coverage of eligible tax payers) and property tax—rather than a response to growing demand for rental housing caused by a greater number of tenants” (Shirai, 2017, p.81)

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estaria incluído neste agrupamento, mas muito provavelmente tem relação direta com

as taxas negativas.

Em paralelo, empréstimos internacionais também apresentaram crescimento

considerável, ilustrado na figura 14, motivados pelo maior patamar de taxa de juros em

outros mercados e pelas taxas e comissões elevadas. Ainda assim, a valorização do yen

somada com expansão da percepção de risco (desaceleração dos mercados emergentes

e queda de preço de commodities) e alto custo de funding em dólar no FX swap market

teriam induzido à desaceleração desta categoria crédito.

Figura 14 – Empréstimos denominados em moeda externa e por filiais no exterior, 2010-17, (US$ bilhões)

Fonte: BoJ (2017b)

Além dos empréstimos com taxas mais altas, há indícios de um movimento de

maior internacionalização dos grandes bancos japoneses, visando ampliar seus negócios

com taxas elevadas de outros países:

“The largest three banks have not only increased their access to foreign currency (largely wholesale) customer deposits through overseas acquisitions, but also their reliance on capital markets to finance the growth of their overseas balance sheets” (FMI, 2017a, p.12).

Considerando a correlação entre taxas negativas e crédito, um dos argumentos

em defesa dessa política perpassa o mecanismo de transmissão por meio da corrosão

da lucratividade bancária. Com a rentabilidade do ativo comprometida, os bancos

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deveriam reduzir suas taxas de empréstimos e buscar compensar este movimento por

meio da expansão do volume de crédito. De fato, a taxa média de empréstimos

decresceu, com a taxa de curto prazo passando de algo em torno de 0,9% em 2015 para

0,6% em 2017; enquanto a de longo prazo foi de 1,1% para 0,9%. Em paralelo, a taxa

dos depósitos bancários, que já eram praticamente nulas desde 2011, mantiveram-se

neste patamar tanto para city banks quanto para as instituições regionais.

Como consequência, a lucratividade bancária se retraiu devido ao menor spread

entre taxa de captação e aplicação, além do acirramento da concorrência entre

instituições financeiras. Por mais que estes dois fatores tenham induzido o aumento do

volume de empréstimos, a ampliação do crédito foi insuficiente para compensar a

diferença entre taxa de aplicação e captação (BoJ, 2017b, p.53). Os grandes bancos (city

banks) teriam sido menos impactados exatamente por possuírem maior inserção

internacional, visto que tem maior possibilidade de realizar aplicações em ativos com

taxas de juros mais altas, contrastando com os bancos regionais, que dependem dos

empréstimos nacionais e, portanto, com poucas alternativas para compensar os efeitos

adversos da NNIR policy.

Dentre as alternativas para instituições voltadas ao mercado nacional, pode-se

apontar a receita dissociada da taxa de juros (non-interest income) com taxas e

comissões. Segundo o BOJ (2017b), as receitas de taxas e comissões para instituições

regionais se concentram em suas investment trusts, que teriam sido duramente

impactadas pela NNIR – “a decrease in profits from fees and commissions due to poor

sales of investment trusts and insurance products has contributed to the decline in net

income” (ibid, p.53). É importante apontar que há indícios de que enquanto as

investment trusts dos regional banks teriam enfrentado dificuldades, o agregado desses

fundos vem sendo um dos principais destino dos investidores, substituindo o

investimento direto no mercado acionário, o que será explanado na próxima sessão

deste capítulo. Consequentemente, os city banks são novamente favorecidos pela maior

demanda de suas investment trusts. Além disso, os grandes bancos teriam fontes

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bastante heterogêneas de taxas e comissões, inclusive quando comparados com os

sistemas europeu e norte-americano60.

Portanto, de maneira geral podemos destacar que houve, de fato, crescimento

do crédito, mas ele foi disperso e sem grande impacto na demanda agregada. Na figura

15 consta a variação do PIB trimestre contra trimestre do ano anterior de maneira

desagregada. Podemos notar que no ano de 2016 tanto o investimento como o consumo

das famílias se desaceleram em relação a 2015. O único componente de demanda que

dá algum sinal positivo seriam as exportações, frente a expressiva desvalorização

cambial no terceiro trimestre de 2016 após a tendência de apreciação na primeira

metade do ano.

Figura 15 – Japão: PIB e seus componentes de demanda, real e com ajuste sazonal (%, trimestre contra trimestre do ano anterior)

Fonte: Economic and Social Research Institute. Elaboração própria.

Além do impacto tímido nos componentes de demanda domésticos, a figura 16

indica que a política foi insuficiente para induzir um crescimento da taxa de inflação.

Com uma meta de inflação de 2%, anunciada como um dos principais objetivos da

política monetária pelo BoJ, a taxa se manteve abaixo de 1% desde o início de 2015 – na

60 Destacam-se atividades relacionadas a seu papel como banco de investimento (investment banking), atividades fiduciárias (fiduciary activites) ou atividades de garantias (guarantee affairs).

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

2014 2015 2016 2017

PIB X M G I C

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verdade, após a adoção da NNIR houve deflação em alguns meses de 2016 quando se

analisa a taxa cheia. O gráfico em questão ilustra que na passagem de setembro para

novembro desse mesmo ano a taxa geral de inflação se acelerou, mantendo-se em torno

de 0,5% desde então. No entanto, quando consideramos o índice sem energia e

alimentos, podemos notar que, na verdade, a inflação se desacelera em 2016 e se

mantém no mesmo patamar em 2017.

Figura 16 – Japão: Expectativas inflacionárias (%, 1 e 3 anos) e taxa de inflação (%, índice cheio e excetuando alimentos e energia), Março/14 – Dezembro/17)

Obs: as expectativas inflacionárias compreende a percepção de empresas de todos setores quanto à inflação de seu setor. Fonte: Bank of Japan e E-Stat. Elaboração própria.

Em relação às expectativas inflacionárias, que, conforme destacado no primeiro

capítulo, seria um indicador relevante para as propostas de política monetária do NCM,

alcançam o patamar mais baixo da série em julho/2016, apresentando algum

crescimento nos períodos subsequentes. Um fator relevante seria a discrepância entre

as expectativas para 1 e 3 anos, indicando uma percepção dos agentes de maior inflação

em um horizonte mais longo.

De qualquer maneira, além deste movimento não ter sido suficiente para induzir

quaisquer sinais de recuperação, a expansão do crédito tem se direcionado para

operações mais arriscadas, com destaque para o setor imobiliário. Ademais, o efeito

também foi bastante distinto quando analisamos o sistema financeiro de maneira

desagregada. Os grandes bancos puderam se aproveitar de sua inserção internacional e

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da grande variedade de taxas e comissões, com maior dispersão de suas receitas não

financeiras. Este fenômeno também se reflete na expansão dos custos de funding em

dólares no FX exchange swap, com os city banks acessando fontes alternativas para se

financeiras, enquanto bancos menores e outras instituições financeiras se mantiveram

captando a taxas elevadas.

Em relação à posição internacional, há indícios de busca por aprofundar a

presença em outros países, explicitada em uma onda de fusões e aquisições61. Por outro

lado, as instituições regionais sofrem mais impactos negativos, tanto pelo fato de não

possuírem ampla inserção externa quanto por terem menos fontes de taxas e

comissões. Partindo desse cenário , será analisada a possibilidade de obtenção de lucro

por meio de ganhos de capital, focando no mercado de capitais e no mercado de títulos

públicos.

3.2 Títulos públicos, mercado acionário e ganhos de capital Apesar do programa de compra de ativos por parte do BoJ anunciando junto com

a NNIR ter mantido o mesmo montante previsto do ano anterior, a curva de juros

japonesa foi fortemente impactada com a nova política. Logo após a implementação da

NNIR policy e a consequente redução das taxas de juros de curto prazo, o primeiro

movimento do mercado financeiro foi buscar alguma folga no rendimento de seus ativos

ao longo da curva de juros. Em outras palavras, a demanda por títulos de longo prazo

aumenta, visto que seus yields positivos se tornaram ainda mais atrativos frente às taxas

de curto prazo e à possibilidade de recair no policy rate balance. Portanto, a transmissão

dos mercados de curto prazo para o de longo prazo se dá via arbitragem. Com uma maior

pressão de demanda por parte do mercado aliada ao programa de compra de títulos

públicos do BoJ temos um efeito expansivo sobre o preço desses ativos. Como são títulos

pré-fixados, a relação entre yield e preço é inversa, levando títulos de até dez anos de

maturação a um rendimento negativo.

61 “Moreover, among major banks, many are planning to expand MeA deals and hybrid financing, and they continue to aim at overseas business expansion” (BoJ, 2017b, p.54).

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Alguns outros fatores contribuem para que o efeito seja potencializado.

Primeiramente, por mais que o montante do programa de compra de ativos não tenha

se alterado, o montante de títulos a ser refinanciados (e, portanto, adquiridos pelo BoJ)

em 2016 era maior do que em 2015 (¥ 40 trilhões contra ¥ 30 trilhões no ano anterior)62.

A maturidade dos títulos envolvidos no programa também se altera, passando de títulos

entre 7 e 10 anos para 12 anos, causando maior pressão ao longo da curva. Soma-se a

estes dois fatores a maior presença de investidores estrangeiros no mercado de títulos

de curto prazo, já apontada anteriormente, devido ao baixo custo de financiamento no

mercado de câmbio futuro 63 . Finalmente, por ser um mercado em que são

transacionados os títulos considerados mais líquidos do mercado, visto que a chancela

do Estado praticamente elimina o risco de crédito, cristaliza a percepção de incerteza

dos agentes. A ampliação da incerteza causada pelas dúvidas acerca dos efeitos da NNIR

é um fator relevante, embora não mensurável, para que os agentes intensifiquem a

demanda por estes títulos.

Como resposta imediata à NNIR e a inflação do preço desses títulos, bancos e

instituições financeiras venderam títulos de sua carteira e tiveram ganhos de capital com

estas operações. No entanto, em um segundo momento, passaram a apresentar maior

relutância em vender os JGBs de sua carteira de ativos. Caso vendessem esses títulos e

realizassem os ganhos de capitais, os recursos disponíveis em caixa aumentariam.

Conforme já discutido no capítulo anterior, com a maioria dos mercados sujeitos às

taxas negativas e o preço dos títulos crescente, dificultando a reaplicação nestes, a falta

de opções para alocação de portfólio tenderia a fazer com que ou os recursos em caixa

aumentassem expressivamente ou se revertessem em reservas no BoJ - ou seja, em

ambos os casos estariam sujeitos às taxas negativas. Portanto, a tendência é de retenção

dos títulos com ganhos de capitais não realizados em seus balanços.

62 “First, the BOJ had been expected to increase the amount of JGB purchase on a gross basis (including reinvestment) in 2016 because of an increase in the amount of redemptions from around 30 trillion yen in 2015 to around 40 trillion yen in 2016” (Shirai, 2017, p.78) 63 “Meanwhile, short- to medium-term yields had increasingly been under strong downward pressure since foreign investors obtained Japanese yen at a low cost by taking advantage of the negative foreign exchange swap-implied yen rate and used those proceeds to invest in T-Bills and shorter-term JGBs, as we will see further below” (Shirai, 2017, p.78)

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Além da relutância dos agentes do mercado secundário para transacionar JGBs,

merece destaque a “escassez” de títulos públicos, já apresentada no capítulo anterior

quando analisamos o ganho de espaço das GC repo. De antemão, parte dessa escassez

pode ser justificada pela presença do BoJ neste mercado, com seus programas anuais

de compra de JGBs. No entanto, a questão se aprofunda quando analisamos o repasse

de títulos entre mercado primário e secundário.

As operações no mercado primário de títulos públicos japoneses é intitulada

Nichigin trade. A princípio, os participantes do mercado primário devem atender a

diversas exigências do BoJ, dentre as quais: i) ser obrigado a dar um lance no leilão

primário; ii) comprar ao menos certo montante previamente determinado de títulos; iii)

prover informações ao ministério da fazenda; iv) prover liquidez suficiente de JGBs para

o mercado secundário (MOF, 2016, p.45). No entanto, com a pressão de demanda

privada e pública no mercado secundário, induzindo à inflação do preço deste ativo,

movimentos especulativos passaram a predominar: os dealers compram JGBs nos

leilões do BoJ e, ao invés de transferirem-nos para o mercado secundário, se aproveitam

do programa de compra de ativos para revenderem os mesmos títulos ao BoJ dias depois

a um preço mais alto64.

“Purchasing JGBs at the auctions organized by the Ministry of Finance and reselling them within a few days to the BOJ through the BOJ’s outright purchase operations at higher prices without incurring significant costs of holding stock of JGBs. This type of speculative trade became prominent since the BOJ had been committed to purchasing JGBs almost at any price to meet the annual JGB purchase target of 80 trillion yen in January 2016” (Shirai, 2017, p.84)

Em outras palavras, fazendo uso da exclusividade dos leilões no mercado

primário e do programa de compra de ativos, essas instituições incorrem ganhos de

capital sem quaisquer riscos e distorcem a liquidez do mercado secundário, causando

efeitos colaterais importantes, como a pressão pela manutenção dos yields a taxas

64 “Purchasing JGBs at the auctions organized by the Ministry of Finance and reselling them within a few days to the BOJ through the BOJ’s outright purchase operations at higher prices without incurring significant costs of holding stock of JGBs. This type of speculative trade became prominent since the BOJ had been committed to purchasing JGBs almost at any price to meet the annual JGB purchase target of 80 trillion yen in January 2016” (Shirai, 2017, p.84)

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negativas ao reduzir a oferta de títulos em outros mercados (por exemplo, a já

apresentada escassez de títulos para operações de repo).

É essencial considerar que os dealers do mercado primário, atualmente 22

instituições, são em sua grande maioria city banks ou bancos estrangeiros 65 . A

diferenciação com regional banks e outras instituições sem inserção internacional é

fundamental para se compreender o que induz aos participantes do mercado primário

visar ganhos de capital, enquanto no mercado secundário o volume de transação de

JGBs se retraiu mesmo com inflação de preços e demanda garantida por parte do BoJ.

Enquanto a relutância de vender títulos é justificada pela falta de opções para alocar

portfólio, tudo indica que os dealers utilizam sua inserção internacional para investir os

ganhos em mercados estrangeiros e, portanto, sem se sujeitar aos mercados com taxas

negativas. A aparente onda de internacionalização apontada na sessão anterior é outro

fator que reforça esta hipótese.

Podemos destacar que os efeitos no mercado de títulos públicos japoneses são

bastante controversos, com riscos quanto a liquidez e funcionamento de seu mercado

secundário. Os yields negativos, a dificuldade de reinvestir os ganhos das operações e a

escassez de JGBs justificam a retração do volume de transações. O próprio BoJ (2017b),

por meio de sua survey junto ao mercado, reconhece a deterioração do mercado e a

necessidade de acompanhamento da situação.

O mercado acionário também tem sido influenciado pelas ações do BoJ. Na figura

17 podemos notar que principalmente após 2013, mesmo em meio ao turbulento

cenário internacional devido à incerteza na União Europeia, tem início um franca

expansão do índice da bolsa de valores japonesa. Dentre as medidas do programa de

QQE lançado neste ano, especificamente em relação ao mercado de capitais destaca-se

a compra de EFTs. Geridas por fundos de investimento, as ETFs são compostas por uma

cesta de diversas ações cadastradas na Tokyo Stock Exchanged Group, com objetivo de

acompanhar algum índice (Nikkei 225, Topix ou commodities). Também transacionadas

65 Barclays Securities, BNP Paribas Securities, Citigroup Global Markets, Credit Agricole Securities, Credit Suisse Securities, Daiwa Securities, Deutsche Securities, Goldman Sachs, JP Morgan, Merril Lynch, Mitsubishi Securities, Mizuho Bank, Mizuho Securities, Morgan Stanley Securities, Nomura Securities, Okasan Securities, SMBC Nikko Securities, Societe Generale Securities, Sumitomo Mitsui Banking, The Bank of Tokyo-Mitsubishi, Tokai Tokyo Securities, UBS Securities Japan.

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na bolsa de valores, as ETFs oferecem a conveniência de ser facilmente transacionada

aliada à diversidade oferecida por um fundo mútuo, por exemplo. O BoJ não adquire as

ETFs diretamente, utilizando trust banks como intermediários, mas ainda assim acaba

influenciando diretamente o mercado acionário japonês.

Com diversas revisões na política de compra desses ativos, a NNIR policy previa

compra de ¥ 3 trilhões anuais de EFTs, montante revisto para ¥ 6 trilhões em julho/2016.

Por mais que em paralelo a esta revisão o BoJ tenha se comprometido a vender ¥ 300

bilhões mensais, o saldo é extremamente positivo quanto ao incremento deste ativo no

balanço do BoJ.

Figura 17 – Japão, índice Bolsa de Valores, Nikkei 225 (jan/2000 – dez/2017)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados de macrotrends.net66 1 – início compra EFTs; 2 - início QQE; 3 – início NNIR; 4 – Revisão compra de ETFs (julho/16)

Por mais que não seja uma política oficial, no relatório de julho/2017 do Japan

Center of Economic Research (JCER) seus autores alertam para a influência do BoJ na

formação de preços, com indícios de que o BoJ tenha o intuito de sustentar o preço das

ações, mantendo-os elevados:

“While the purchase of ETFs by the central bank appears to prevent Japanese stock prices from falling, it could take up

66 <http://www.macrotrends.net/2593/nikkei-225-index-historical-chart-data>

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opportunities for arbitrage trading from market participants, and this may impair market function or the soundness of Japan’s stock market” (Fueda-Samikawa e Takano, 2017, p.5, grifo nosso)

Na prática, o Banco Central já seria o maior acionista (mais de 5% das ações) de

mais de 80 instituições, sendo que não pode exercer o direito de voto apenas pelo fato

das compras serem indiretas via trust banks (Fueda-Samikawa e Takano, 2017). Ainda

que diversos fatores possam influenciar o mercado de capitais, sendo muitos deles

indiretos e de difícil mapeamento, há fortes indícios quanto à influência da política

monetária. Após grande oscilação e pouca tendência de crescimento com o anúncio da

NNIR, a duplicação do programa de compra de ETFs em julho/2016 aparenta ter tido

forte impacto no índice em questão, que passa a apresentar uma tendência de ampla

ascensão – fato destacado por reportagens no Financial Times67.

Em meio a ascensão de preços do mercado acionário esperava-se que

instituições financeiras engatem no processo de inflação de ativos, incorrendo em

ganhos de capitais com operações de compra e venda de ações e, consequentemente,

expandindo sua lucratividade. Todavia, a figura 18 ilustra que, na prática, instituições

financeiras têm reduzido o montante de ações em suas carteiras.

Figura 18 – Montante de ações retidas por instituições financeiras, ¥ Trilhões, Japão (2006-16)

Fonte: BoJ (2017b)

67 “Makoto Shiota, the head of ETF business promotion at Nomura, says that the post-summer rebound of the Nikkei — also the world’s best performing major index since the US presidential election — had clearly been helped along by the central bank” (FT, 2016)

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Podemos notar que, com exceção dos shinkin banks, ao que tudo indica a

tendência é de ampla venda de ações, mas sem reinvestir os ganhos e buscar mais

ganhos de capital neste mercado. O BoJ (2017b) justifica a menor presença no mercado

acionário pela manutenção de apenas negócios estratégicos com empresas:

“Meanwhile, financial institutions' outstanding amount of stockholdings has been on a

gradual downtrend, as they continue to reduce their stockholdings aimed at maintaining

business ties with firms (i.e., strategic stockholdings)” (ibid, p.24).

Acreditamos que esta justificativa é insuficiente para compreendermos as

motivações que impedem instituições financeiras de continuarem visando ganhos de

capitais no mercado acionário. Paralelamente a menor retenção de ações, estas

instituições passaram a aportar grande parte de seus recursos em investment trusts

(análogo a fundos mútuos), conforme ilustrado na figura 19.

Figura 19 – Montante de ações de investment trusts retidas por instituições financeiras, ¥ Trilhões, Japão (20016-16)

Fonte: BoJ (2017b)

As investment trusts consistem em fundos de investimentos que gerem suas

carteiras com os mais variados ativos: ações, títulos estrangeiros, REITS (mercado

imobiliário), descasando prazos, entre outros. Portanto, bancos e instituições

financeiras tem investido nesses ativos buscando ganhos de capital, mesmo que a um

risco maior, fato reconhecido pelo BoJ – além do risco de mercado, risco de crédito, risco

de liquidez e operacional.

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Analisando especificamente os ganhos/perdas de capital realizados, a figura 20

discrimina por tipo de instituição os resultados referentes a retenção de títulos,

enquanto a figura 21 apresenta os resultados referente às ações - inclui investment

trusts.

Figura 20 – Ganhos e perdas realizados com retenção ou venda de títulos, ¥ Trilhão, Japão (2001-16)

Fonte: BoJ (2017c)

Figura 21 – Ganhos e perdas realizados com retenção ou venda de ações, ¥ Trilhão, Japão (2001-16)

Fonte: BoJ (2017c)

Podemos notar que em relação à retenção de títulos, que o efeito imediato da

NNIR no início de 2016 foi um expressivo movimento de ganhos de capital, tanto para

major banks quanto para regional banks. No entanto, a alta da taxa de juros norte-

americana no segundo semestre de 2016 e seus efeitos sobre os títulos estrangeiros

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retidos e sobre os yields dos JGBs causou perda de capital para estas instituições. Por

outro lado, as transações com ações proporcionaram ganhos de capital durante todo o

ano, compensando o efeito negativo dos títulos.

Tratando dos ganhos/perdas de capital não realizados, a situação é distinta:

existe a possibilidade de realizar ganhos de capital via ações, mas aparentemente nem

sempre ela é exercida (figuras 22 e 23).

Figura 22 – Ganhos e perdas não-realizados com retenção ou venda de ações, grandes bancos, ¥ Trilhão, Japão (2010-16)

Fonte: BoJ (2017c)

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Figura 23 – Ganhos e perdas não-realizados com retenção ou venda de ações, bancos regionais, ¥ Trilhão, Japão (2010-16)

Fonte: BoJ (2017c)

Em primeiro lugar, chama a atenção a ampla possibilidade de realizar os ganhos

por meio de ações domésticas e externas, muito maiores para os major banks. Mesmo

que a possibilidade de ganhos com JGBs e títulos estrangeiros seja pequena perto das

ações, estas instituições optaram por não exerce-las em sua totalidade. Tomando o

segundo semestre de 2016, por exemplo, as perdas realizadas foram de

aproximadamente ¥ 250 bilhões, enquanto os ganhos não realizados eram de quase ¥

500 bilhões. Destaca-se também os títulos estrangeiros, que apresentaram perdas não

realizadas no início de 2017, muito provavelmente causadas pela desvalorização do yen.

Quanto aos bancos regionais, o peso dos ganhos não realizados é um pouco

menos concentrado nas ações domésticas e estrangeiras. Especificamente em relação

aos títulos, os ganhos não realizados com JGBs são expressivos. Conforme já discutido,

a escassez dos JGBs justifica a relutância das instituições realizarem os ganhos, o que se

soma à possibilidade de que a realização de lucro destas operações acabarem alocados

nas reservas do policy rate, taxadas negativamente.

Portanto, analisando de maneira agregada o modo como as instituições vem

alocando seus recursos, podemos inferir algumas questões mais concretas acerca dos

efeitos da NNIR. As margens de empréstimo corroídas (taxa de juros de empréstimos –

taxa de juros de depósitos) vem deteriorando a lucratividade, sendo que a expansão do

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volume não só foi insuficiente para compensar este movimento como induz

empréstimos mais arriscados. Por outro lado, tanto o mercado de títulos públicos como

o mercado de capitais têm apresentado possibilidade de incorrer em ganhos de capitais

expressivos, o que é reconhecido pelo BoJ como maneira para contornar a corrosão da

lucratividade: “in addition, it should be noted that financial institutions can boost their

profits by selling assets they hold to realize valuation gains, which tend to increase when

interest rates fall and the yield curve flattens” (BoJ, 2016d, p.13). No entanto, estas

instituições não têm realizado as oportunidades de ganhos de capital. A grande questão

é o que justifica este movimento.

Tanto major banks como regional banks têm visto sua lucratividade decrescer,

mas não estão tendo prejuízo de fato, o que nos leva a um ponto central: caso realizem

todas possibilidades ganhos de capital e aumentem seus lucros, podem ter dificuldade

em alocar os recursos gerados em meio a diversos mercados com taxas negativas e

mercados títulos e ações cada vez com preços mais altos. Paralelamente, caso não

aloquem estes recursos estão sujeitos às taxas negativas do policy rate balance. Em

outras palavras, o incremento da lucratividade no presente pode comprometer a

lucratividade no futuro. O aumento das taxas de juros norte-americanas e seus efeitos

depreciativos sobre preço de títulos pode dar indícios da estratégia das instituições

financeiras japonesas. Ao incorrer em prejuízo com a venda de títulos, city banks e

regional banks expandiram a venda de ações e realizaram ganhos da capital, visando

compensar as perdas. Caso tivessem realizado os ganhos de capitais como um todo

antes deste movimento, além de terem mais recursos disponíveis e poucas

possibilidades de aplicação, títulos retidos na carteira poderiam ter ampliado o impacto

negativo no balanço.

Nesse sentido, os agentes preferem manter títulos e ações em seus balanços sem

realizar seus ganhos de capital. Enquanto a atuação do BoJ comprando títulos públicos

e ETFs garante que o preço desses ativos continuem subindo, a expectativa de

manutenção do processo de ativos se soma às justificativas apresentadas anteriormente

para retenção dos ativos nas carteiras, visando vende-los apenas quando precisem

compensar movimentos abruptos de perda de capital. A exceção ficaria por conta dos

dealers, que se aproveitam da exclusividade do mercado primário de títulos públicos e

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de sua inserção internacional, ficando poucos dias com os títulos em suas carteiras. Os

outros agentes dependem da atuação do BoJ tanto no mercado de títulos como no

mercado de capitais, visto que, ao que tudo indica, é a principal instituição que garante

a demanda por esses títulos mesmo em situações de pressão pela deflação do preço de

ativos.

Considerações finais Apesar da fundamentação teórica da NNIR considerar que a equalização da taxa

nominal à natural seria suficiente para superar a AL sem descriminar seus mecanismos,

a implementação da política tem como um de seus efeitos esperados o estímulo ao

consumo e investimento. Conforme destacado neste capítulo, podemos considerar que

os resultados não são expressivos frente à agressividade da política monetária

empregada - as baixas taxas de crescimento do crédito foram insuficientes para

estimular os componentes de demanda. Mais que isso, em adição à maior facilidade de

acesso dos city banks a ativos estrangeiros, ponto levantado no capítulo anterior, os

dados indicam que estes bancos têm intensificado os esforços para uma maior presença

internacional, ampliando suas diferenças quanto aos bancos regionais.

Mais do que os impactos da NNIR sobre as diferentes instituições e os mercados

já abordados, a valorização do mercado acionário e do mercado de títulos públicos

merecem destaque. Há indícios de que atuação do BoJ tem sustentando os elevados

patamares das principais bolsas japonesas, garantindo a inflação de preços desses

ativos. Quanto aos títulos públicos, com o BoJ detendo algo em torno de 80% do total

de títulos públicos, a “escassez” de títulos no mercado secundário, aliada à preferência

pela liquidez extremada, garante que estes mantenham-se valorizados. Mais que isso,

os programas de compra de ativos aliados à sua emissão primária garantem ganhos de

capital sem quaisquer riscos para os dealers.

Contra intuitivamente, a inflação de ativos nestes mercados não tem induzido a

realização de ganhos de capital por parte dos agentes participantes. Ao que tudo indica,

a NNIR policy fez com que a realização dos lucros seja feita com cautela, principalmente

por instituições com dificuldade de encontrar ativos para aplicarem recursos a uma taxa

razoável. Caso contrário, estão sujeitos às taxas negativas do policy rate balance.

Ademais, vale ressaltar que a atuação do BoJ emitindo e comprando títulos públicos e

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por meio de seu programa de compras de ETFs é essencial para que ambos mercados

continuem operando.

Retomando a caracterização de AL para os keynesianos do primeiro capítulo

deste trabalho, podemos apontar que além desta política ter se mostrado incapaz de

promover crescimento econômico e, consequentemente, superar uma possível situação

de AL no Japão, na verdade tem aprofundado a preferência pela liquidez dos agentes.

Seus efeitos nos mercados de títulos públicos e acionários reforçam a presença dos

agentes neste mercado, retroalimentando esta dinâmica entorno de ativos financeiros

sem promover efeitos expressivos nas variáveis de demanda agregada.

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Conclusão

A Grande Recessão de 2008 com seus aspectos sistêmicos, sua velocidade de

espraiamento, profundidade e agressividade fizeram com que fosse considerada a mais

severa recessão desde a Grande Depressão de 1929. Em meio ao turbilhão econômico

e social da época, a baixa resposta à política monetária convencional de redução das

taxas de juros de curto prazo fez com que as autoridades monetárias mundo afora

demandassem outras medidas para resistir ao aprofundamento da Crise. Tendo o caso

do Japão como estopim do debate por parte do Novo Consenso Macroeconomico

quanto às políticas monetárias não convencionais após o estouro da Bolha Especulativa

no país em questão no início dos anos 1990, estas políticas se espraiam mundo afora a

partir de 2008.

Por conta desse contexto buscou-se compreender no primeiro capítulo desta

dissertação quais seriam os argumentos teóricos que embasam estas políticas – mais

especificamente, forward guidance, Quantitative Easing e, objetivo central deste

trabalho, taxas de juros nominais negativas. Para tanto, a concepção do que seria uma

armadilha da liquidez para o NCM é primordial – essencialmente, uma taxa de juros

natural abaixo de zero. Partindo dessa concepção, grande parte políticas monetárias

não convencionais tem o intuito de atacar o problema “indiretamente”. Assumindo que

existe um limite nulo para a taxa de juros, todas as propostas de política monetária

visariam forçar a taxa de juros real para baixo de zero por meio da indução de inflação.

Ainda que possamos encontrar argumentos em prol do estímulo ao consumo e

investimento por meio da política monetária, estes seriam marginais. Uma política de

taxas de juros nominais negativas é vista como capaz de igualar a taxa de juros nominal

à taxa de juros natural, ou seja, tratando diretamente o problema que, para o NCM,

caracterizaria uma situação de armadilha da liquidez. Com isso, a taxa de juros de curto

prazo recuperaria sua capacidade de reequilibrar a economia, retomando sua tendência

de longo prazo.

O debate acerca de como operacionalizar uma política de taxa de juros nominais

negativas foi inaugurado por Silvio Gessel, sendo retomado por diversos economistas

ao longo do tempo. O estouro da bolha imobiliária japonesa reacendeu esta discussão,

e muitos autores, inclusive fora do NCM, passaram a discutir as possibilidades reais da

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implementação desta política. No entanto, não encontramos discussões robustas

tratando da forma como a política foi operacionalizada pelo BCE e pelo BoJ, qual seja,

por meio das reservas bancárias junto ao BC.

Utilizando a economia japonesa como estudo de caso buscou-se ilustrar que a

institucionalidade do país em questão é primordial para compreensão mecanismos de

transmissão e efeitos desta política monetária. É importante ressaltar que, neste

trabalho, considera-se que o Japão estaria em uma situação de armadilha da liquidez

partindo da caracterização dos keynesianos; ou seja, a questão vai além da mera

equalização da taxa de juros nominal a uma taxa de juros chamada de “natural”.

Portanto, a superação passaria pela amenização do grau de preferência pela liquidez

por meio do crescimento econoômico - reduzindo a desconfiança em relação ao futuro,

permitindo que os agentes fluíssem para ativos menos líquidos. Para verificarmos se os

efeitos da política de NNIR vão nesta direção é indispensável um olhar mais

aprofundado sobre os diferentes impactos entre as mais diversas instituições e de que

maneira a política monetária afeta as relações precedentes entre os mercados.

Podemos separar em três blocos as principais conclusões quanto aos efeitos da política

em questão no Japão.

Em primeiro lugar, por mais que os anúncios oficias do BoJ apontem como

objetivo principal alcançar uma meta de inflação arrojada e induzir expectativas

inflacionárias, devido ao embasamento teórico já discutido, um dos efeitos esperados

era o estímulo ao crédito. Os programas de compra de ativos fizeram com que grande

parte dos recursos excedentes de bancos e instituições financeiras se revertessem em

reservas junto ao BoJ, aspecto sintomático de uma situação de armadilha da liquidez.

Por mais que a aplicação de uma taxa de juros negativas em parte destas reservas tenha

penalizado aqueles que expandam seus montantes junto ao BoJ, o escoamento de

recursos para o crédito ao consumo e investimento foi, no máximo, tímido. Os dados

apresentados no capítulo três comprovam que por mais que o crédito esteja

apresentando uma taxa de crescimento positiva, não há grande diferença em relação

aos anos anteriores e é em sua grande maioria voltado para o segmento imobiliário.

Ademais, considerando os componentes de demanda agregada, os resultados são

inexpressivos, excetuando-se a demanda por exportações.

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Em segundo lugar, os efeitos sobre grandes bancos (city banks) em relação à

médios e pequenos (regional banks e outros) é claramente distinto. A presença

internacional dos city banks permite que tenham acesso a ativos estrangeiros, além de

possuírem alternativas de funding em yen além da taxa de juros (receita com taxas e

comissões mais heterogênea) e em dólar, visto que o mercado de derivativos de câmbio

(FX swap market) tem envolvido taxas elevadas nos últimos anos. Nesse sentido,

enquanto frente a um aumento expressivo do faturamento de bancos pequenos as

alternativas de alocação de portfólio com taxas nulas/positivas são bastante limitadas,

os grandes bancos possuem facilidade de acesso a ativos denominados em dólar. Por

mais que após o movimento de alta de taxa de juros internacional no final de 2016 estes

ativos tenham passado a ser visto como mais arriscados, reduzindo estas transações,

ainda assim esta diferenciação é relevante. Por fim, a relação do BoJ com os dealers,

chamada de Nichigin trade, que são basicamente grandes bancos nacionais e

estrangeiros, também envolve considerações essenciais acerca dos efeitos das taxas de

juros negativa. Como a emissão de títulos públicos (JGBs) envolve taxas positivas, os

dealers se aproveitam do programa de compra dos ativos do BoJ para incorrer em

ganhos de capital sem quaisquer riscos. As taxas do mercado secundário de JGBs são

próximas a zero ou até mesmo negativa e, com isso, revendem os títulos para o BoJ em

poucos dias a um preço mais elevado. Esta relação também tem causado distorções nos

mercados secundários, com indícios reconhecidos pelo próprio BoJ de escassez de

títulos públicos.

É exatamente o estímulo à inflação de ativos que nos leva ao terceiro ponto.

Além dos títulos públicos exacerbarem sua trajetória de valorização, iniciada com os

programas de compra de ativos e intensificada pela NNIR e a busca de ativos seguros e

com yield positivo, o mercado acionário também tem tido impactos pelas políticas do

BoJ em meio ao seu programa de política monetária. Há fortes indícios de que, por meio

da aquisição de cotas de fundos de investimento que compõem suas carteiras com

ações, o BoJ tem influenciado diretamente o mercado de capitais japonês. Conforme

apresentado no terceiro capítulo, sua presença já daria condição de acionista

majoritário ao BoJ em diversas empresas, não exercida apenas pelo fato das aquisições

se darem de maneira indireta. Portanto, a presença do BoJ garante a valorização de

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preço tanto do mercado de títulos públicos como do mercado acionário em meio a uma

política monetária de taxa de juros nominais negativas.

Podemos notar que ao invés de induzir uma retomada do crescimento por meio

do crédito ao consumo e investimento, a política monetária levada ao seu limite por

meio das políticas de taxas de juros nominais negativas não dá indícios de superação do

modelo de crescimento pré-Grande Recessão. Conforme destacado por Belluzzo e

Coutinho (1998), o capitalismo contemporâneo financeirizado tem como especificidade

“um crescimento mais rápido dos preços de mercado dos ativos não reprodutíveis do

que dos rendimentos esperados dos ativos de capital instrumentais” (p.140). Isto é, a

inflação de preço de ativos financeiros comanda os ciclos de boom, com um efeito

riqueza muito mais restrito à circulação financeira. Nesse sentido, a política monetária

do BoJ aparentemente leva este modelo ao seu limite, com o Banco Central atuando

diretamente por meio da expansão do seu ativo para garantir sustentação ao preço de

ativos públicos e privados, mas sem que a circulação real corresponda na mesma

medida.

Ademais, quando tratamos da visão keynesiana sobre o que caracterizaria a

armadilha da liquidez e como superá-la buscou-se elucidar a centralidade da política

fiscal. Ao que tudo indica, o BoJ tem assumido uma postura de Big Bank, nos termos de

Minsky, atuando como emprestador de “primeira” instância – gerindo preços de títulos

públicos e de ativos do mercado acionário. Por outro lado, o Big Government estaria em

falta, visto que os episódios de política fiscal foram curtos e tímidos frente ao longo

histório de política monetária. Ao contrário do que promulgam autores do NCM, as

expectativas otimistas só responderiam de maneira robusta frente a um estímulo de

demanda, induzindo percepções expansionistas quanto ao fluxo de renda e,

consequentemente, amenizando a incerteza. Frente a preferência pela liquidez

exacerbada por parte do setor privado, este estímulo ficaria por conta do Estado,

gerando demanda autônoma por meio da política fiscal. Salta aos olhos a relutância em

adotar programas de estímulo fiscal agressivo conquanto opta-se pelas mais excêntricas

medidas de política monetária, culminando na improvável adoção de taxa de juros

nominais negativas.

Com praticamente dez anos de implementação de políticas monetárias não

convencionais mundo afora, sua eficácia quanto política anticíclica e superação da

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armadilha da liquidez vêm sendo questionada até mesmo por importantes membros da

academia que costumavam ser assíduos defensores, com destaque para Blanchard e

Summers (2017) e Blanchard (2017). Em ambos os textos os autores questionam alguns

dos pressupostos teóricos centrais do NCM, dentre os quais o de que economias

seguiriam uma trajetória de que tende ao equilíbrio, afetadas apenas por choques

temporários68. Ao assumirem que desequilíbrios não são temporários e, portanto, que

recessões podem ter efeitos permanentes, todo arcabouço que fundamenta as

propostas de superação da armadilha da liquidez para o NCM apresentados no primeiro

capítulo é colocado em xeque.

Mais especificamente, por traz dessa auto reflexão de alguns autores do NCM

reside o questionamento da taxa natural de juros, o que é explicitado por Blanchard

(2017)69. Esta taxa baliza a concepção de que a política monetária seria o instrumento

mais eficiente para retomada do equilíbrio; de que a política fiscal teria, no limite,

apenas efeitos temporários sobre o crescimento; e de que as crises seriam episódios

temporários em meio aos ajustes em torno da tendência de longo prazo. Nessa linha,

recolocam questões antes abordadas apenas marginalmente e em situações muito

específicas, sendo dentre elas a principal seria o reconhecimento da iminência de novas

crises.

Nesta dissertação procurou-se demonstrar que os mercado de títulos públicos,

acionário e, em menor medida, imobiliário, viriam de um processo de intensa inflação

de preços no Japão. Mas este não seria um fenômeno restrito à economia japonesa:

discussões acerca da possibilidade do estouro de novas bolhas nos EUA são crescentes,

a partir de diversas frentes. Além do meio acadêmico, jornais, revistas e agentes de

mercado têm demonstrado inquietação frente à conjuntura atual (Eichengreen, 2018;

Frankel, 2017; Rickards, 2018). Grande parte da reflexão teórica de autores do NCM foi

motivada pelo reconhecimento da iminência de que novas crises ocorram. Mais

68 “Among other things, the events of the last ten years have put into question the presumption that economies are self stabilizing, have raised again the issue of whether temporary shocks can have permanent effects, and have shown the importance of non linearities” (Blanchard e Summers, 2017, p.1) 69 “To anticipate the answer to the question in the title: I see the macroeconomic and the microeconomic evidence as suggestive but not conclusive evidence against the natural rate hypothesis. Policy makers should keep the natural rate hypothesis as their null hypothesis, but also keep an open mind and put some weight on the alternatives” (Blanchard, 2017, p.5)

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importante ainda, passaram a considerar as possibilidades de resposta a uma nova crise

no momento atual.

Os programas de compra foram responsáveis por inchar o balanço dos Bancos

Centrais de países desenvolvidos: os ativos do Fed passaram de US$ 800 bilhões em

2008 para US$ 4,5 trilhões em 2014, mantendo-se nesse patamar desde então;

enquanto o BoJ passa de US$ 1 trilhão em 2008 para US$ 2,5 trilhões em 2014,

alcançando US$ 4,5 trilhões em 2016. Dessa forma, o aprofundamento de programas de

compra de ativos começa a mostrar seus limites, o que é mais explicito atualmente no

caso japonês, em que mais de 80% dos títulos públicos constariam no ativo do BoJ, o

que justifica a “escassez” de JGBs abordada durante a dissertação. A preocupação

quanto a possibilidade de resposta a uma crise nestas condições é clara:

“In short, we are skeptical that monetary policy proper can be used to decrease the risk of a financial crisis. We also do not believe that the central bank needs to keep a large balance sheet in normal times; some of what QE did can be done by the Treasury through debt management. The central bank can increase its balance sheet quickly if and when needed. We see the priority for monetary policy to reacquire enough margin of maneuver to fight the next recession, wherever it comes from” (Blanchard e Summers, 2017, p.16)

O reconhecimento de autores expoentes do NCM quanto à iminência de uma

nova crise e da importância da política fiscal não é suficiente para “resolver” os

problemas atuais, mas ao menos pode ser um indício de que a obsessão para com a

política monetária será revista. Por mais que o ano de 2017 tenha apresentado taxas de

crescimento “animadoras” para parte dos agentes (FMI, 2017b), as bases de

crescimento ainda são frágeis e dependentes dos ciclos de inflação de ativos. A

impossibilidade de desinchar os balanços dos Bancos Centrais por meio da venda de

ativos, visto que desvalorizaria títulos na mão de agentes privados e, provavelmente,

desencadearia uma nova crise, impõem como única saída a implementação de

programas de política fiscal coordenados internacionalmente. Em outras palavras, a

reafirmação do modelo de crescimento característico do capitalismo contemporâneo

financeirizado explicita cada vez mais suas bases frágeis de sustentação, de modo que o

estímulo à demanda agregada por meio do Estado não só evitaria novos solavancos no

curto prazo como daria fôlego para elaboração de alternativas.

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