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0 UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA EMANUELA DA SILVA O IMAGINÁRIO E AS MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NA DÉCADA DE 70 Tubarão 2008

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

EMANUELA DA SILVA

O IMAGINÁRIO E AS MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NA

DÉCADA DE 70

Tubarão

2008

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EMANUELA DA SILVA

O IMAGINÁRIO E AS MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NA

DÉCADA DE 70

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso

de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo, da

Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito à

elaboração do trabalho monográfico.

Universidade do Sul de Santa Catarina

Orientador: Prof. Mário Abel Bressan Júnior

Tubarão

2008

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EMANUELA DA SILVA

O IMAGINÁRIO E AS MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NA

DÉCADA DE 70

Esta monografia foi julgada adequada à obtenção do título

de Bacharel em Jornalismo e aprovada em sua forma final

pelo Curso de Comunicação Social, da Universidade do

Sul de Santa Catarina, e pela Banca Examinadora formada

pelos seguintes Professores:

Tubarão, 30 de junho de 2008.

______________________________________________________

Professor e orientador Esp. Mário Abel Bressan Júnior

Universidade do Sul de Santa Catarina

__________________________________________

Professor Ildo Silva da Silva

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________

Professora Darlete Cardoso

Universidade do Sul de Santa Catarina

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Dedico este trabalho monográfico às pessoas presentes e

ausentes da minha vida. Em memória de Juarez Souza da

Silva, meu pai. Onde quer que você esteja, saiba que tem

um pedaço seu aqui. Dedico este trabalho, também,

àqueles que me amam e me odeiam, porque sou como o

vento que refresca, mas também devasta; como a água que

sacia, no entanto afoga; como o fogo que aquece e

queima; como a terra segura que, às vezes, estremece; ou

seja, sou parte dos elementos criados pelo Arquiteto do

Mundo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus e às entidades de luz, que nos assistem através de sua

inteligência e sensibilidade, concedendo- nos sabedoria em todas as horas.

Agradeço, também, ao meu orientador, Professor Mário Abel Bressan Júnior,

pela paciência e dedicação.

À coordenadora do Curso de Comunicação Social, Professora Darlete Cardoso

pelo apoio e confiança.

Da mesma forma, agradeço a todos os professores e funcionários que estiveram

presentes nestes meus quatro anos de luta.

À minha família, em especial, à minha mãe e aos amigos do Coral Universitário,

principalmente, a Realdo Bez Fontana e Fabrício de Andrade pela contribuição e doação dos

seus conhecimentos.

Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, auxiliaram na construção deste

trabalho.

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“Vou partir a geleira azul da solidão e buscar mão do mar, me arrastar até o mar,

procurar o mar, mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo mar, meu coração

tropical partirá esse gelo” (JOÃO BOSCO E ALDIR BLANC).

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RESUMO

A música sempre ocupou um espaço como forma de expressão. Em alguns momentos da

história, ela foi mais do que a simples arte em sua totalidade. A música brasileira, em

especial, mostra-se bastante variável, devido aos acontecimentos socioculturais. Essa

característica flexível é conseqüência do modo de vida que a sociedade impõe. Logicamente,

para que a música obtenha este papel social é necessário que ela esteja inserida no contexto

social. O intérprete ou o cantor é responsável pela difusão e comoção em massa. Desta forma,

a canção atinge seu papel de comunicador. Portanto, faz-se necessário estudar o campo das

idéias, ou seja, o imaginário. O imaginário é definido como um reservatório motor. A

significação deste varia de acordo com os hábitos da época. Contudo, o imaginário é abordado

e aliado aos fatos históricos no período da década de 70. Na parte destinada à análise do

objeto as músicas de Elis Regina, cantora gaúcha, com fama internacional, destaca-se no meio

artístico, pois ela é o sinônimo da Música Popular Brasileira. Esta análise é feita de forma

paralela às explicações sobre o tema, bem como, os dados históricos, políticos e culturais,

justificando os fatos e as ações deste período.

Palavras-chave: Música. Imaginário. Elis Regina. Década de 70.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................8

2 O IMAGINÁRIO.................................................................................................................11

2.1 O CONCEITO DA PALAVRA..........................................................................................11

2.2 IMAGINÁRIO, MITO E IDEOLOGIA...............................................................................

3 O BRASIL E OS ANOS DE CHUMBO ............................................................................20

3.1 HISTÓRIA, CULTURA E POLÍTICA NOS ANOS 60 E 70 ...........................................20

3.1.1 A herança do AI-5 e os argumentos dos militares .................................................... 23

3.1.2 Violência, sangue e morte no Brasil Militar ...............................................................23

3.1.3 Tortura, carrasco e anistia ...........................................................................................26

3.1.4 Censura repressão e arte...............................................................................................28

3.1.5 A repressão e os movimentos estudantis ....................................................................31

3.1.6 Da tela do cinema aos festivais na televisão...............................................................34

3.1.6.1 A contracultura e os dissonantes sons do Brasil ........................................................35

4. METODOLOGIA...............................................................................................................40

4.1 PIMENTINHA, HÉLICE REGINA OU SIMPLESMENTE ELIS....................................41

4.1.1 A música ganha forma na voz de Elis Regina.............................................................41

4.1.2 Os vários papéis de Elis Regina ...................................................................................43

5 A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO NAS MÚSICAS DE ELIS REGINA...............47

6 CONCLUSÃO .....................................................................................................................72

REFERÊNCIAS......................................................................................................................75

ANEXO....................................................................................................................................80

ANEXO A – CD de Músicas e Imagens de Elis Regina

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1 INTRODUÇÃO

As tradições e contribuições dos diferentes povos, que colonizaram o Brasil,

fizeram deste país uma nação rica nos quesitos rítmicos e harmônicos. As manifestações

artísticas, aqui representadas pela música, assumem um papel que transcende a arte. A música

será sempre algo a ser estudado pela sociedade no contexto em que está inserida. Falar de

música é discorrer sobre o comportamento, a atitude e o pensamento do homem. A Música

Popular Brasileira é uma projeção cultural da sociedade brasileira como forma de expressão.

Napolitano (2005) diz que é necessário compreendermos as várias manifestações

e estilos musicais dentro de cada época, sem consagrar e reproduzir hierarquias de valores

herdadas ou transformar o gosto pessoal em medida para a crítica histórica.

Os sentimentos despertados pela Música Popular Brasileira é uma forma de

decifrar e analisar os vícios da sociedade. Veloso (1997) diz que a MPB, isto é, a Música

Popular Brasileira, tem sido, tanto para nós como para os estrangeiros, o som do Brasil do

descobrimento sonhado. Ela é a mais eficiente arma de afirmação da língua portuguesa no

mundo. Tantos insuspeitados amantes têm conquistado, por meio da magia sonora, da palavra

cantada, à moda brasileira, ou seja, é música representando o país.

Vimos, então, que a música é uma arte e cumpre uma função importante dentro da

comunicação. Segundo Adorno (1969), a música moderna não se rende ao culinário, sofre

acusação de intelectualismo. A música moderna seria “cerebral”, sem coração, feita para ler e

não para ouvir.

O presente trabalho busca observar a contribuição que a música popular brasileira

proporcionou à formação do imaginário, aqui delimitada nos anos 1970. O problema sobre a

questão do imaginário é saber se as músicas cantadas por Elis contribuíram para a formação

do imaginário social no contexto da Ditadura? Têm-se como objeto analisado as músicas as

quais tem como intérprete Elis Regina. Os motivos pelos quais selecionamos Elis e algumas

canções para analisar, de acordo com a teoria do imaginário, podem ser descobertos no

decorrer deste estudo.

O objetivo desta pesquisa é mostrar o papel social que a música pode exercer

quando usamos as ferramentas do imaginário, bem como, a capacidade de se perpetuar e

marcar determinadas épocas.

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A escolha do tema e a música na formação do imaginário social foram

intencionais por se consideramos que estas questões são fundamentais para os meios de

comunicação de massa. A mídia serve de “ponte” entre a sociedade e o indivíduo e a música.

O propósito é mostrar que os conjuntos de notas musicais, característicos das

canções, muitas vezes são mais do que sistemas e compassos harmônicos. E, mesmo tendo o

atributo de passatempo e entretenimento, a música tem, por natureza e finalidade, a função de

despertar sentimentos, emoções e recordações no homem.

A linguagem musical é única, no entanto envolve um grande número de ouvintes.

Ela também provoca interpretações diferentes para cada um deles, interagindo com o

imaginário, através de signos e códigos, neste caso as linhas melódicas das canções. A

sonoridade dessas músicas proporciona aos ouvintes um retorno ao passado no momento em

questão.

Explicar esta arte nos remete a um resgate histórico e, por este motivo,

escolhemos a década de 70. O período a que nos referimos é um marco na transição da

história do país. Este passa por modificações sociais, econômicas, culturais, políticas e,

logicamente, comportamental. Mudanças ultrapassam campos sociais e familiares, tanto que

nos incentivam a estudarmos o imaginário social. É necessário que se faça uma leitura dos

fatos e acontecimentos sociais dos anos 70, através das cinco composições interpretadas por

Elis Regina.

Neste período, há vários registros de conflitos políticos, vitórias, derrotas,

encontros e despedidas. A música destacava-se como arte, pois estava em evidência. Além

disso, havia uma ligação direta com a situação nacional. Uma vez que muitas pessoas

voltaram do exílio, outros desapareceram sem explicações. Estes fatos foram reflexos da

repressão que perdurou por anos no Brasil. A maioria das composições tinha algo a cumprir,

ou seja, expressar uma mensagem ora de lamento, revolta, indignação ou até mesmo

extravasar a emoção.

Elis Regina, a “pimentinha”, emprestou seu talento à canção brasileira e foi porta-

voz de muitos autores, cujas obras ficaram eternizadas pela sua interpretação. Elis, no auge de

sua carreira artística, tornou-se militante ativa e participante nos movimentos da época. O seu

canto, com a maneira particular de interpretar, fez de algumas canções hinos de algumas

situações, assim como, o famoso hino da anistia “O bêbado e a equilibrista”. Ela queria

mostrar a realidade brasileira através de sua forma de fazer arte, mas sua voz calou em 1982.

O Brasil perdeu Elis Regina, porém ela deixou como herança uma bela trajetória aliada à

história do país a qual está presente na memória daquela geração. Mesmo depois de quase

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trinta anos do seu falecimento Elis continua “viva” na história do país e da música popular

brasileira reconhecida internacionalmente.

Estudar a música como instrumento de comunicação através das tecnologias e do

imaginário é primordial para os acadêmicos do Curso de Comunicação Social. É uma forma

diferenciada de olhar os fatos históricos e, por meio deles, fazer uma leitura baseada na

comunicação.

A relação e definição de imaginário estão no segundo capítulo. Este trabalha com

autores os quais dão suas posições acerca do tema, além das mudanças sobre a questão do

imaginário com o passar do tempo. O imaginário pode visto através das tecnologias que

formam o próprio imaginário. Para melhor explicar essa relação do tema com objeto

analisado, agregamos o conceito de cultura, mito, ideologia e, para encerrar, o imaginário

político.

O terceiro capítulo segue um resgate histórico sobre as décadas de 60 e 70. Nele

vamos identificar fatos sobre a ditadura militar e a sua intervenção na vida da sociedade. O

capítulo está subdivido em tópicos. No primeiro, há um relato sobre o cenário político e a

situação da época, bem como, o papel de algumas instituições como igreja. Logo depois,

segue a descrição do regime militar e o Ato Institucional Número Cinco (AI-5), sua atuação e

as intervenções na vida da sociedade brasileira e as mudanças que este impunha ao povo

brasileiro. A violência e as mortes decorrentes do regime militar vêm discriminadas no

próximo item. A tortura e a anistia também são relatadas no capítulo a seguir. A repressão, os

movimentos estudantis e o perfil da juventude, daquela época, estão relacionados em um

outro tópico. Os anos de chumbo, como fora apelidado este período, sofreu intervenções,

também, nas artes e nos festivais, o que está incluso no terceiro capítulo. E para encerrar este

contexto histórico o que foi o movimento da contracultura.

O quarto capítulo está destinado à metodologia com a descrição dos métodos usados na

pesquisa, a importância do conhecimento científico e o tipo de pesquisa. Neste há dois itens

relacionados à vida, trajetória, carreira e morte de Elis Regina. O outro item traz o aspecto

participativo da cantora engajada nas questões sociopolíticas do país. O quinto capítulo está

reservado para a análise e a construção do imaginário.

Após a contextualização histórica e a fundamentação teórica estrutura-se a parte

de observação do objeto, ou seja, a análise das cinco composições interpretadas; Como nossos

pais, O bêbado e a equilibrista, O mestre Sala das Marés, Construção, Corsário por Elis

Regina na década de 70. Este trabalho adota como linha de pesquisa a qualitativa descritiva

cujo objetivo é comprovar a importância da música para a formação do imaginário da época.

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2 O IMAGINÁRIO

2.1 O CONCEITO DA PALAVRA

O imaginário é um rio cujas águas passam muitas vezes no mesmo lugar, sempre

iguais e sempre diferentes (SILVA, 2003). É o que vem da imaginação. Não é considerado

real, é fictício e, muitas vezes, utópico, exatamente por não ser material ou visível. O grande

desafio não está em conceituar o imaginário e, sim, fazê-lo sem levar em conta que é parte

desta amplitude. Talvez, seja por isso que vários estudiosos tentaram fundamentar suas teorias

baseadas nos comportamentos socioculturais, tendo em vista que toda época tem paradigmas

sociais, entretanto cada pensador seguiu uma doutrina e, com ela, a linha de raciocínio.

Portanto, para Maffesoli (2001), o imaginário faz parte das civilizações, sendo

essencial para entender o povo. No entanto, Bachelard discorda afirmando que o processo do

imaginário se constitui da relação entre o sujeito e o objeto, que percorre desde o real o qual

aparece ao sujeito figurado em imagens, até a representação possível do real (Bachelard apud

TRINDADE, 2003). Sartre (1996, p. 165) considera a imaginação um ato mágico, um

encantamento através do objeto que, por sua vez, torna-se algo particular, isto porque, o meio

é o lugar comum onde estão os fatos e as ações. O imaginário que, também, fora designado

como falsificação do real ou reservatório motor, observado pela importância social, é a marca

digital simbólica do indivíduo ou do grupo na matéria do vivido.

Abaixo, temos mais uma concepção de imaginação, sob a visão de Silva:

Agrega imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que

realizam o imaginário, leituras da vida e, através de um mecanismo individual/

grupal, sedimenta uma modo de ver, de ser, de agir, de sentir e de aspirar ao estar

no mundo. O imaginário é uma distorção involuntária do vivido que se cristaliza

como marca individual ou grupal. Diferente do imaginado – projeção irreal que

poderá se tornar real -, o imaginário emana do real, estrutura-se como ideal e

retorna ao real como elemento propulsor (SILVA, 2003, p. 12).

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Ainda sobre o imaginário, Durand (2004, p. 14) acrescenta outras significações. O

autor conceitua o imaginário como um campo de idéias intangíveis o qual pode ser

considerado como um “museu”, ou seja, um lugar em que todas as imagens passadas,

possíveis, as produzidas e as que serão produzidas se encontram. Ele, também, afirma que as

civilizações são divididas em ocidentais e não-ocidentais.

Abaixo, o autor descreve como é o imaginário da civilização não-ocidental:

As civilizações não-ocidentais nunca separam as informações (digamos “as verdades”)

fornecidas pelos sistemas da escrita. Os ideogramas (o signo escrito copia algo num

desempenho quase estilizado sem limitar-se a reproduzir os signos convencionais,

alfabéticos e os sons da língua falada) dos hieróglifos egípcios ou os caracteres

chineses, por exemplo, misturam com eficácia os signos das imagens e as sintaxes

abstratas (DURAND, 2004, p. 6).

A diferença cultural entre ocidentais e orientais dá-se, segundo Durand (2004), na

questão politeísta, a qual faz com que as civilizações ocidentais utilizem o raciocínio de

Sócrates e sigam os ideais cristãos, abandonando os ídolos por uma verdade única. A não-

ocidental, ao contrário, manteve seus símbolos, objetos e a significação da imagem, enquanto

que a civilização ocidental abriu caminhos para descobertas de novas técnicas. Fica claro que

o tema religiosidade está vinculado ao mundo abstrato, aquele cuja verdade pode ser

pragmática, dogmática ou, até mesmo, céptica, onde se abre espaço para várias interpretações.

(DURAND, 2004).

Weber observa que a religiosidade se vê obrigada a tolerar as relações significativas

(subjetivas) guiadas pelo misticismo ou pelos dogmas aceitos sem reticências. Ele

considera que a magia tinha do ponto de vista formal, uma estrutura racional

bastante comparável à de numerosas técnicas terapêuticas, principalmente porque

ela ambicionava eliminar as causas originárias (invisíveis ou demoníacas) dos

males mais do que tratar os sintomas aparentes (WEBER apud LEGROS et al ,

2007 , p. 64)

Ainda, na antiguidade, Lacan, que, por sua vez, localizou o imaginário entre a

filosofia e a psicanálise anterior ao simbólico, afirma que este passou a ser o teatro das ilusões

do eu (SILVA, 2003). Para Werneck (1977, p. 56), seria “a faculdade humana de interpretar a

realidade segundo um ângulo de visão, segundo um modo de ver”. A problemática a respeito

do imaginário e suas interpretações motivam pensadores de todas as épocas.

À medida que a sociedade evolui, pensamentos e teorias vão sendo modificados

ou aprofundados, de acordo com o meio, baseados nas pesquisas que envolvem o tema.

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Segundo Silva (2003), o imaginário possui significações ou tecnologias

particulares, técnicas ou disciplinas que compreendem o meio.

Segundo a perspectiva neoplatônica, as imagens e o imaginário são sinônimos do

simbólico, pois as imagens são formas que contêm sentidos afetivos universais ou

arquetípicos, cujas explicações remetem a estruturas do inconsciente (Jung, Campbell),

ou mesmo às estruturas biopsíquicas e sociais da espécie humana (DURAND, apud

TRINDADE, 2003, p. 16)

As tecnologias do imaginário e todos seus atributos, no conceito de Adorno, Foucaut e

Heidegger, é um relativo estágio primitivo das sociedades. As sociedades modernas

funcionam com base na vigilância e na punição; as pós-modernas, na sedução e na

recompensa a baixo investimento. Silva (2003) explica as tecnologias exemplificando os

fenômenos naturais por meio de associação.

As tecnologias do imaginário são, portanto, dispositivos (elementos de interferência

na consciência e nos territórios afetivos aquém e além dela) de produção de mitos,

de visões de mundo e de estilos de vida. Mas não são imposições. Na “sociedade do

espetáculo”, em que tudo é mediado por tecnologia de contato, por instrumentos de

aproximação massiva, as tecnologias do imaginário buscam mais do que a

informação (mitologia do jornalismo): trabalham pela povoação do universo mental

como sendo um território de sensações fundamentais (SILVA, 2003 p. 22).

A ideologia, também, é um instrumento presente no cenário sociológico, no

entanto, o que diferencia do imaginário é o fato de ela estar voltada para um grupo ou classes

sociais (TRINDADE, 2003).

Maffesoli (1991 apud SILVA 2003) define que a ideologia obedece ao princípio

da racionalização; o imaginário, ao da empatia. Contudo, para que isso seja possível, é

necessário relacionar as tecnologias, as quais elucidam dispositivos do imaginário.

O imaginário possui uma estrutura dissipativa, enquanto a crença, se insere nas

estruturas repetitivas. Pode-se explicar a crença, radiografar a mente, compreender o

espírito, mas somente descrever as manifestações do imaginário. A mente, o espírito e a

crença remetem ao demonstrativo; o imaginário expressões concretas. O imaginário só

existe como irrupção. Vulcânico,expele lava, detritos, fumaça, gases...A crença

restringe; o imaginário dilata (SILVA , 2003, p. 49 ).

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A discussão acerca do funcionamento das tecnologias levanta outras definições. É

o que diz Maffesoli, quando define o imaginário como “laço social”, que serve de cimento à

vida em sociedade (SILVA, 2003).

O imaginário afeta, fundamentalmente, nossa experiência histórica e nossa relação

com o tempo. As seqüências do fluxo temporal não se ordenam mais em uma série

linear de momentos revolutos; o presente é modelado por imagens sincrônicas a ele

e que permitem sua legibilidade. A imagem se impõe como uma constelação

formada por um clarão em que o Agora; ela não é redutível a qualquer suporte

narrativo, mas de natureza figurativa (Bildich) (LEGROS et al 2007 p. 87).

Tudo o que envolve o mundo das idéias, por conseqüência, gera mudanças no

meio cultural. E, falar em imaginário significa traduzir o coletivo e o social, de acordo com

cada época. Sendo assim, podemos abordar o imaginário social, ou seja, a sociologia deste.

Para Legros et al (2007), o imaginário social possui três significados

fundamentais:

a) a dimensão mítica da existência social;

b) a imaginação de uma outra sociedade;

c) o imaginário mais moderno;

d) e o imaginário do cotidiano.

O autor complementa a descrição sobre ao assunto dizendo que a fenomenologia

social é uma sociologia na qual os fatos não são jamais apartados das regiões da consciência,

ou seja, um olhar sobre as coisas que coloca, entre parênteses, em sua essência.

Se desenharmos um círculo para representar o conjunto imaginário, cobrindo uma

determinada época de uma sociedade, podemos dividi-lo em duas “fatias” na

horizontal, as quais correspondem, de baixo para cima, às três instâncias freudianas

e que aqui serão aplicadas metaforicamente a uma sociedade (DURAND, 2004 p.

93).

Entretanto, Durand (2004), na citação acima, tenta elucidar as instituições sociais,

dividindo a sociedade em três circunstâncias. Legros et al (2007) fundamenta seus argumentos

sobre a instituição formadora de padrões conceituais. Entre elas, o autor cita: a classe do

clero, a política e a artística da modernidade, as quais adotaram novas formas de pensamento.

A construção do imaginário individual, de acordo com Silva (2003), se dá,

essencialmente, por identificação, ou seja, reconhecimento de si no outro; pela apropriação,

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isto é, o desejo de ter o outro em si; e através da distorção, isto significa a reelaboração do

outro para si. Já o imaginário social, estrutura por contágio, isto é, há a aceitação do modelo

do outro (lógica tribal), a disseminação (igualdade na diferença) e a imitação (a distinção do

todo por difusão de uma parte).

Silva (2003) diz que o homem é interpelado, provocado e construído pelas idéias

que produz. Logo, o campo das idéias, ou irreal social, não pode ser desvinculado da história,

dos indivíduos e de tudo que o cerca.

Karl Marx atribui o imaginário à noção de alienação e à autonomia das

instituições econômicas ou religiosas, como produtos independentes das ações humanas,

expressando as contradições reais entre o produtor e o produto, que passam a ser reificados.

(TRINDADE, 2003).

Marx, também, fundamenta o imaginário como alegoria das negativas reais, ou

seja, o fantástico pelo real. Embora os pensadores discordem em muitos pontos em relação ao

fantasioso, ou seja, o que chamamos de imaginário, eles ainda concordam em atribuir uma

simbologia às imagens (LIMA, 1984). O que pode estar na vida cotidiana do indivíduo é a

solução do cotidiano o que estaria nas formas lúdicas ou nas instituições sociais, princípio do

pensamento capitalista.

Luckács (1972 apud Trindade, 2003, p. 24) diz que a consciência dos capitalistas,

ao mitificarem as relações reais dos homens com o produto ou instituição por eles produzidos,

é a condição do funcionamento adequado da economia capitalista.

2.2 IMAGINÁRIO, MITO E IDEOLOGIA

O mito é como uma fala roubada e restituída. Simplesmente, a fala que se restitui

não é a mesma que foi roubada, ou seja, o discurso, trazido de volta, não foi colocado no lugar

exato. É esse breve roubo, esse momento furtivo de falsificação, que constitui o aspecto

transpassado de fala mítica (BARTHES, 1977 apud BUCCI e KEHL, 2004).

Barthes (1977 citado por Bucci e Kehl) estrutura seus estudos na linguagem,

tendo a palavra um imenso poder dominante que sustenta o mito através da linguagem. Já,

Durkheim (1985 citado por LEGROS et al 2007) atribui as representações ao “mundo –

anterior” das idéias. Bataille (1988 apud LEGROS et al, 2007) diz que o mito não é

dissociável do “estar-junto”, do qual ele é a “coisa” e que a possui através das práticas rituais

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como as festas e as imposições simbólicas. Barthes (1977), ainda, alega que o mito é um

sistema de valores adulterados, e a língua do mito não se constitui, necessariamente, de

palavras. Ela pode ser: uma imagem, gestos, fotografias e outros. Barthes (1977) afirma,

ainda, que “o mito, hoje, é uma palavra, uma língua, uma comunicação, que constitui uma

mensagem”. Legros et al (2007) fala que a linguagem, o mito, os significados e as

significações são tudo o que cerca o meio social.

O imaginário faz parte da representação mental de uma realidade exterior

percebida, mas apenas ocupa uma fração do campo da representação, à medida

ultrapassa um processo mental que vai além da representação intelectual ou

cognitiva. A representação imaginária está carregada de emoções criadoras e

poéticas (TRINDADE, 2003 p. 25).

Flaubert (1969 apud Kehl, 2004) explica que o mito é o conjunto de conceitos

indiscutíveis, de pouca ou nenhuma ambigüidade, compartilhado por todos os membros de

um grupo, de modo a produzir, se não uma verdade, ao menos aquilo que ele chamava de

“effect du réel”.

Silva (2003) relaciona a mitologia individual com o imaginário, refere-se a ela

como forjada nas vivências culturais. Já Barthes (1977 apud Kehl, 2004) diz que a mitologia

contemporânea é o seu caráter individual e inteiramente impessoal. Na modernidade, o

engajamento subjetivo, o qual sustenta o poder, é cada vez mais consistente e inconsciente.

O imaginário é um recorte enquanto a crença resta uma totalidade. O estudo, que

até então se restringia ao terreno do fantástico e do idealizado, tornou-se mais próximo dos

indivíduos direcionado ao imaginário social.

Para Silva (2003), há uma diferença entre a sociedade política e suas

características, bem como, a sociedade civil cujas experiências fazem parte da rotina diária.

Essa separação entre a coletividade política e social abre discussões sobre outros ângulos

desta questão.

O papel do imaginário na vida cotidiana sublinha como a experiência vivida, o

labirinto das relações afetivas e o movimento tumultuoso das paixões se

concretizam em um cenário coletivo, simultaneamente banal e trágico, no qual a

mitologia (os heróis, os mártires, as vítimas sacrificiais, os ídolos de esporte ou da

canção , os faits divers extraordinários ou as superstições domésticas) habita as

formas sociais (LEGROS et al, 2007 p. 87 ).

A carência social é determinada através da forma como o cidadão avalia a

sociedade em todos os contextos: o social, o político, o econômico e o cultural. E, por meio

dessa avaliação, surge a necessidade de adotar ídolos, independentes das áreas de atuação

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(DURAND, 2004). Durand afirma, também, que esses ídolos são caracterizados por símbolos,

ou seja, são representações que envolvem imagens e significações. Essas representações

surgem através de experiências vividas, das instituições sociais e dos costumes das épocas os

quais variam de acordo com a tradição de cada povo.

As homenagens, os fatos históricos, os míticos, os aniversários, os velórios, os

cortejos fúnebres, os casamentos e os batizados religiosos são rituais de

reatualização dos acontecimentos passados e de passagem de uma etapa de

existência humana para outra. Esses rituais diferem das simples cerimônias à

medida que marcam em suas performances, em atitudes, sentimentos e mudanças

significativas na vida social dos homens (TRINDADE, 2003 p. 23).

Segundo Trindade (2003), a história é a grande responsável pela criação de mitos

e heróis, pois, através dela, os povos criam ou recriam hábitos. A criação de ídolos, heróis e

tudo que envolve o mundo fantástico fazem parte do imaginário social de algumas

civilizações.

O imaginário faz parte da representação mental de uma realidade exterior

percebida, mas apenas ocupa uma fração do campo da representação, à medida que

ultrapassa um processo mental que vai além da representação intelectual ou

cognitiva. A representação imaginária está carregada de emoções criadoras e

poéticas (TRINDADE, 2003 p. 25).

O conjunto de idéias coletivas, atribuídas ao imaginário, sempre fora analisado de

maneira particular, agregando valores de outros estudos. A mitificação varia de acordo com a

necessidade da sociedade. Naquele momento, as representações e as significações são

constantes; como exemplo citamos o mito de Ícaro, cujo significado era “empurrar” o homem

a fim de libertar-se do peso das “asas”; ou o mito de Babel, o qual motiva a procura de uma

língua universal, de máquinas de tradução (LEGROS et al 2007). Há uma relação entre mito e

o imaginário social identificada pela carência de ídolos em cada época, ou seja, é preciso

acreditar em algo e preencher o vazio social através de mitos e ídolos.

É inegável falar em imaginário sem abordarmos o aspecto político da época,

sendo que, o instrumento de controle do Estado deve-se ao imaginário coletivo. As ações

coletivas estão repletas de valores que derivam das representações dos indivíduos (LEGROS

et al, 2007). Silva (2003) concorda com este aspecto do imaginário e completa o pensamento

através do viés do fenômeno tecnológico, para melhor explicar a fundamentação.

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O homem sempre se entrega a algo: mitos, política, tecnologia, paixão, loucura, etc.

O imaginário é uma educação existencial dos sentidos e da percepção. O

iluminismo cumpriu exatamente esse papel de tecnologia do imaginário, gestando

uma visão de mundo fantasiosa, pseudocientífica, de um extremismo

emancipacionista alheio à realidade das vivências e das maneiras de assimilar o

vivido (SILVA, 2003 p. 30).

Silva (2001) afirma que o imaginário, além da argumentação e da persuasão,

contamina tudo pela sedução ou pela emoção. Conforme o autor, no campo político, a técnica

mais usada é o da persuasão. No entanto, a emoção é usada para convencer.

O imaginário político trabalha a argumentação através de um arsenal de

mecanismos emocionais, com os símbolos de um partido, as datas que devem ser

comemoradas, os heróis e mitos, que devem ser lembrados, os ritos que precisam

ser atualizados. O marketing, em política, resume o cruzamento da razão - o

planejamento publicitário racional - com a valorização do emocional (FAMECOS,

2001 p. 74).

De acordo com Silva (2003), tudo é um controle em relação à linha de

pensamento da escola de Frankfurt. Logo, a tecnologia é um instrumento a serviço da “coesão

social”, ou seja, um dispositivo capaz de produzir o controle pela manipulação das mentes,

emissor forte para um receptor passivo.

As relações de troca e a formação de um mercado universal resultam em duas

conseqüências, a nível imaginário, as relações sociais, ao mesmo tempo em que

tornam abstratas, assumem feições de objetividade, isto é, não temos homens

concretos em relações sociais concretas, mas relações objetivas e materiais como

simples troca de mercadoria em si e por si, já a nível sociológico, a sociedade

fragmenta-se em faixas de consumo ou subsistemas, cada uma dotada de valores de

um ritual de consumo específicos (MARCONDES FILHO, 1985, p. 71).

As manipulações ou seduções, lançadas ao receptor, devem-se ao avanço da

mídia, pois é através dela que a mensagem é transmitida. Durand (2002) afirma que, com o

desenvolvimento das mídias imagéticas, tais como: o cinema e a TV, cria-se uma civilização

da imagem, onde o imaginário é utilizado para vender e manipular, o que resulta na perda dos

significados.

Marcondes Filho (1985) concorda com Durand e acrescenta outros aspectos sobre

a TV. Para ele, a televisão, assim como os outros meios de comunicação de massa, tem por

base a escala industrial, a produção sem série aberta às regras mercadológicas. Essa mediação

torna-se fundamental para a sociedade atual e indispensável ao indivíduo de todas as classes.

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As relações de troca e a formação de um mercado universal resultam em duas

conseqüências, a nível imaginário, as relações sociais, ao mesmo tempo em que

tornam abstratas, assumem feições de objetividade, isto é, não temos homens

concretos em relações sociais concretas, mas relações objetivas e materiais como

simples troca de mercadoria em si e por si, já a nível sociológico, a sociedade

fragmenta-se em faixas de consumo ou subsistemas, cada uma dotada de valores de

um ritual de consumo específicos (MARCONDES FILHO, 1985, p. 71).

Todas essas problemáticas podemos atribuir ao imaginário social e à vida

cotidiana, pela experiência vivida, através do labirinto das relações afetivas e do movimento

tumultuoso das paixões, as quais se concretizam em um cenário coletivo (LEGROS et al,

2007). É correto afirmar que “o imaginário não é uma forma social escondida, secreta,

inconsciente que vive sob as fibras do tecido social” (LEGROS et al , 2007 p. 110).

A diversidade do meio exige uma multiplicidade de caminhos para a entrada nos

labirintos da teia social. O irracional, o não- racional, o afetivo, o passional, o

estético e o emotivo não podem ser eliminados da análise sociológica pelo simples

fato de que não são quantificáveis ou passíveis de observação numa cadeia

repetitiva de indivíduo para indivíduo ou de grupo para grupo (SILVA, 2003, p.

76).

Silva (2003), ainda, enfatiza a importância do imaginário como ciência. “A

ciência é um empreendimento essencialmente anárquico, o anarquismo teorético é mais

humanitário e o mais suscetível de estimular o progresso do que suas alternativas

representadas por ordem e lei”.

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3 O BRASIL E OS ANOS DE CHUMBO

3.1 HISTÓRIA, CULTURA E POLÍTICA NOS ANOS 60 E 70

Estudar o campo das idéias é aproximar-se das ciências sociais e da sociologia

que aborda o comportamento, a cultura e a história de cada nação. O conjunto de

transformações e apropriações e interpretações que o homem realiza junto à natureza, que

resulta num patrimônio comum de um grupo, de uma coletividade ou de uma sociedade,

alguns chamam de cultura (LOPES, 1995). A cultura também pode ser definida como um

conjunto de comportamentos, de crenças, de instituições e de outros valores morais e

materiais, característicos de uma sociedade e de uma civilização (CHAUI, 2000).

A discussão sobre cultura popular é enriquecida pela ordem do dia. A fusão das

preocupações políticos - ideológicas, com um maior rigor na pesquisa e na análise das

manifestações culturais e populares é o que leva ao aprofundamento nas questões conceituais.

Dessa forma, a cultura popular é entendida como produção historicamente determinada,

elaborada e consumida pelos grupos subalternos de uma sociedade capitalista, que se

caracteriza pela exploração econômica e pela “distribuição desigual do trabalho, da riqueza e

do poder” (AYALA et al, 1987, p.68 ).

As ações dos indivíduos integram um contexto histórico e sociocultural. O cenário

nacional brasileiro, na beira da década de 70, passava por mudanças em todas as áreas que

fazem parte da história do Brasil.

A questão da cultura nacional está ligada à necessidade de respondermos, para nós

mesmos e para o mundo, “quem somos” e “ o que queremos” para o nosso país.

Obviamente, as respostas a contrastante e conflituosa como a brasileira. Assim, tais

respostas tem variado muito desde então, expressando, principalmente, o variado

leque de discurso e ações dos vários atores sociais e políticos envolvidos na

construção desse mosaico chamado cultura brasileira: intelectuais,artistas, políticos,

cidadãos comuns das mais variadas origens (NAPOLITANO, 2001, p.7).

O final dos anos 60 e o começo dos anos 70, também, são conhecidos como o

período do “milagre brasileiro”, promovido pela ditadura (CHAUI, 2000). Nesta fase, o país

estava sob efeito do regime militar e de uma onda de acontecimentos os quais movimentaram

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a sociedade brasileira. Muitos foram causados pelas disputas políticas e partidárias, também,

por movimentos estudantis e, por fim, pela inquietação vinda de toda parte.

Segundo Sodré (1984), o Brasil sentia a influência do cenário internacional

através da abertura do setor econômico ao capital estrangeiro; multinacionais, alta do dólar e o

modelo brasileiro de desenvolvimento. Mas, a situação mudaria com a instalação do governo

militar em 1964. A transformação na vida do povo brasileiro, a partir do golpe militar, foi em

1968, no qual se consolidou o autoritarismo e a ditadura (SODRÉ, 1984).

Em meio as inúmeras formas de controle militar, o mais cruel foi o Ato

Institucional Número Cinco (AI-5), instrumento adotado pelo regime militar em 13 de

Dezembro de 1968.

O ato consistia numa série de normas de condutas e deliberações as quais

deveriam ser cumpridas sem questionamentos. A partir deste ato, o poder nacional ficaria

exclusivamente nas mãos dos militares. O “AI-5 foi uma espécie de corte abrupto de uma

grande festa revolucionária, que estava em pleno auge”. Por isso, o ano de 1968 foi batizado

de “o ano que não acabou” pelo jornalista Zuenir Ventura (NAPOLITANO, 2001 p. 76).

O presidente, na ocasião, era o general Artur da Costa e Silva que propôs algumas

medidas. Uma delas foi o fechamento do Congresso Nacional. Entre outras estavam: a

censura; a determinação de censura prévia à imprensa , estendida à música, ao teatro, ao

cinema, aos assuntos de caráter político, a liberdade vigiada, a proibição de freqüentar

determinados lugares e a suspenção do “habeas corpus” para os chamados crimes políticos,

etc (SODRÉ,1984). Com AI-5, a sociedade brasileira passou a obedecer às regras de condutas

do ato institucional.

Suspender todas as garantias individuais;suspender todas as liberações publicas;

intervir em sindicatos; suspender imunidades parlamentares e, portanto,prender

parlamentares nesse caso,desde que obtenha aprovação do legislativo;atribuir às

Forças Armadas todos os poderes de polícia e entregar ao julgamento de tribunais

militares todos os que forem presos durante o “Estado de Emergência”

(KUCINSKI, 1982, p. 92).

Qualquer tipo de manifestação seria repreendida sob pena de prisão, exílio e

acusação de perturbação da ordem. Nem a igreja escapou da mão de ferro dos militares. “O

Padre Henrique Ferreira, ajudante de Dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife e Olinda foi

assassinado. Padres são presos, torturados e assassinados” (KUCINSKI,1982, p. 101). O clero

tornava-se um alto comando da luta contra a repressão nos anos da ditadura. Um exemplo do

envolvimento religioso com a situação da política nacional, de acordo com Cirano (1983), foi

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a perseguição a Dom Hélder que fez denúncias contra ações do governo militar, sobre as

torturas aos presos políticos.

A Igreja Católica foi a instituição que mais apoiou a resistência contra o regime

militar e, com isso, passou a ser o inimigo potencial do Estado. “O Estado adota políticas

contrárias aos interesses da população; a Igreja descobriu na aproximação com esses

interesses a fórmula da sobrevivência numa sociedade em violenta transformação”

(KUCINSKI, 1982, p. 101). Não só padres, mas um grande número de religiosos integrou ou

fez parte dos movimentos abaixo à ditadura.

O conflito entre Igreja e Estado atinge intensidade máxima exatamente em 1978.

Dois anos antes, grupos paramilitares matam dois sacerdotes, o padre Rodolfo

Lukenhein e o padre Penido Burnier, ambos em Mato Grosso. Na baixada

fluminense é seqüestrado e submetido a torturas e espancamento o bispo D.Adriano

Hypólito. Em 1977 a CNBB divulga o manifesto “Exigências Cristãs para uma

“Nova Ordem”, com a posição da Igreja sobre a crise institucional. O documento

encampa as posições, mas avançadas da posição liberal, exigindo um regime de

justiça social e democracia (KUCINSKI, 1982, p. 102).

O clima, entre representantes da Igreja e o governo, piorou com o passar do

tempo, e a manifestação de pessoas como D.Hélder foram vetadas da imprensa brasileira.

Cirano (1983), durante o período de 1970 a 1977, afirma que o que restou a Dom Hélder, em

termos de comunicação de massa, foi a imprensa internacional e o boletim oficial da

Arquidiocese de Olinda e Recife – um informativo mimeografado e de circulação restrita. “A

censura total a Dom Hélder, na imprensa brasileira, só começou a cair a partir de 24 de Abril

de 1977, quando o Jornal do Brasil, do Rio de janeiro, embora a imprensa continuasse sob

regime de censura prévia, publicou uma longa entrevista com o arcebispo” (CIRANO, 1983

p.147).

Gaspari (2003) pontua outros aspectos sobre o período de 1970 a 1974, dentre eles

podemos citar alguns acontecimentos que marcaram, tais como: o caso do historiador, Caio

Prado Júnior, condenado a quatro anos e meio de prisão; o discurso do Papa Paulo VI, que

condena a tortura brasileira; o seqüestro do embaixador alemão, Von Holleben, trocado por 40

presos. Neste período, houve 500 presos políticos, dentre eles 56% estudantes cuja idade

média era de 23 anos, e o embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher, foi trocado por 70

presos. Em 1971, Ulysses Guimarães assume a presidência do Movimento Democrático

Brasileiro (MDB). Médici vai à televisão e anuncia que trará os ossos de Dom Pedro I de

volta ao Brasil. A morte de Carlos Lamarca integrante do movimento Vanguarda

Revolucionária peça chave contra o governo militar. Em 1972, houve a proposta de abertura

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da prospecção de petróleo para empresas estrangeiras. Neste mesmo período, é censurada a

sucessão presidencial. Médici manda impedir que O Estado de S. Paulo publique uma grande

reportagem sobre Geisel. A Anistia Internacional divulga os nomes de 400 torturadores. A

censura proíbe a declaração do presidente da Aliança Renovadora Nacional (Arena), Filinto

Müller, de que não há censura no Brasil. O semanário Opinião começa a circular, mas foi

censurado antes de ser lançado. No ano seguinte, 1973, a TV Globo estréia a primeira novela

em cores, O Bem Amado; a Fiat anuncia sua vinda para o Brasil; o ministro da Agricultura,

Cirne Lima, é demitido. A iniciativa privada entrega à Petrobrás o controle da Petroquímica

União, e, também, entra no ar o Fantástico, programa dominical da Rede Globo, aborda os

acontecimentos nacionais e internacionais em diversas áreas; artes, política, esportes, ciência

entre outros. Brasil e Paraguai assinaram o tratado que permitiu a construção da hidrelétrica

de Itaipu.

Fatos de 1974: Glauber Rocha, cineasta, surpreende a esquerda

com a declaração “acho que o general Geisel tem tudo na mão para fazer o Brasil um país

forte, justo e livre” (GASPARI, 2003 p. 502). A censura proíbe que se publique a declaração

de um deputado, contando que o general Golbery do Couto e Silva lhe disse que vai acabar

com a censura. Além disso, o exército mata o último guerrilheiro do Araguaia, foi o conjunto

de operações guerrilheiras ocorridas na década de 70. Houve, também tumulto e quebra-

quebra nos ônibus, em Brasília, e em trens, no Rio de Janeiro e São Paulo (GASPARI, 2003).

3.1.1 A herança do AI-5 e os argumentos dos militares

O Ato Institucional Número Cinco (AI-5) vigorou durante 10 anos, terminou em

dezembro de 1978 (UNIFICADO 2008). Sodré (1984, p 107) analisa o período afirmando que

“ao longo desse processo, é fácil verificar a sucessividade de ações, de forças destinadas a

destruir as franquias democráticas e a deter o avanço das forças populares em nosso país”.

Toda a sociedade fora atingida diretamente pelo instrumento governamental da época, dos

meios de comunicação, como também, o imaginário social.

Através das fontes coletadas junto as coleções do DOPS, é possível ter uma idéia

do imaginário e das representações simbólicas que regiam o olhar e a produção

escrita dos agentes da repressão, dentro da estratégia da produção da suspeita.

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Grosso modo, eles eram norteados por uma mistura de valores ultra-moralistas,anti-

democráticos e anti-comunistas (NAPOLITANO, 2008).

O setor econômico, na época da ditadura, sofreu interferências significativas para

o país. Sodré (1984) afirma que a ditadura entregou o controle da economia do Brasil às

multinacionais e às instituições externas que geriam e ajudavam. Todo o plano da política de

transportes sofreu com o absurdo abandono da ferrovia e da navegação em benefício da

expansão rodoviária.

Com o início da decadência do AI-5, em 1974, os sintomas da crise financeira

começaram a aparecer, como por exemplo, “a enumeração dos altos índices alcançados –

PNB com destaque” (SODRÉ, 1984 p.105). O combate à inflação a custa do salário,

empreendido com rigor e através de máxima violência e de arbítrio, alcançou a redução de sua

taxa a um nível menos alarmante do que o apresentado no primeiro trimestre de 1964 e que

tanto serviu à propaganda golpista (SODRÉ, 1984). Kucinski (1982) ressalta um outro ponto

no ano de 1974, os preços sobem em quase 40 por cento. É apenas uma amostra de que eles

subiram. O assalariado, que recebia o salário mínimo oficial, precisava trabalhar 157 horas

para adquirir a “ração essencial mínima” para uma única pessoa, em um mês.

O êxodo rural é uma característica da época de 70. As regiões metropolitanas

ficaram inchadas de migrantes vindos de várias partes do país, como: a Grande São Paulo, a

Grande Porto Alegre, a Grande Belo Horizonte. O número de brasileiros que viviam em

cidades, em 1974, atingiu 60 por cento da população (KUCINSKI,1982). A grande

concentração de pessoas, no espaço urbano, levou os serviços públicos ao colapso

desencadeando crises sociais e políticas no Brasil.

De acordo com Kucinski (1982), por volta de 1971 houve uma epidemia de

poliomielite que matou entre 16 e 31 mil crianças. Isso aconteceu devido às péssimas

condições sanitárias e pela queda na qualidade da água concentrada nas periferias. Uma

epidemia de meningite surgiu, em 1974, às vésperas das eleições, provocando milhares de

mortes.

3.1.2 Violência, sangue e morte no Brasil Militar

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Algumas normas foram criadas para atender o regime e outras já existiam, no

entanto tornam-se indispensáveis quando o assunto é repressão. Isso significa que e a ditadura

militar jamais será esquecida na história do Brasil. As práticas de violência foram aplicadas

com requintes de crueldade dentro das instalações.

O Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa

Interna (DOI-CODI) surgiu em 1970, comandado pelo Exército, que detinha o controle sobre

todos os organismos relacionados à segurança nacional, sejam elas: Forças Armadas, policiais

estaduais ou federais, bem como, o Departamento de Ordem e Política Social ( Dops), em São

Paulo.

O duelo contra a repressão fora representado de forma pacífica por uns, no entanto

algumas facções optaram pelo combate com armas de fogo. E, a resistência armada é

representada por ações como: Ação Libertadora Nacional (ALN), Partido Comunista

Brasileiro Revolucionário (PCBR), Movimento Revolucionário Número Oito (MR-8), nome

adotado após o seqüestro do embaixador norte americano, Charles Burke Elbrick, em 1969.

Nomes como: Carlos Lamarca, Fernando Gabeira, Franklin Martins, César Benjamin, Cid

Benjamin, Cláudio Torres da Silva e outros são militantes conhecidos do MR-8 (ARNS,

1985).

Jornalistas, intelectuais, artistas, operários, padres, políticos, donas de casas,

estudantes, homens, mulheres, jovens, velhos ou crianças, ninguém fora poupado das

crueldades, das torturas ou até mesmo da morte. Kucinski (1982) explica sobre a prisão dos

cinco jornalistas presos e torturados no DOI-CODI: “Vladmir Herzog, muito profissional,

morre em virtude das torturas. O DOI-CODI alega que Vladmir Herzog havia se suicidado. A

notícia da morte de Herzog corre como um rastilho de pólvora e forma-se imediatamente um

poderoso movimento de protesto.” (SODRÈ, 1982 p.48). O caso Herzog rendeu críticas e

represálias ao governo. Além disso, o II Exército divulgou a foto do jornalista morto,

segurado por uma corda no pescoço, atada à janela. A versão oficial era a de que o jornalista

havia se enforcado, e o fato de a janela ser baixa, juntamente, com as pernas do jornalista

estarem dobradas, só aumentava o ridículo da “causa mortis” oficial (NAPOLITANO, 2004).

Havia uma lista de desaparecidos, entre eles estava o nome do ex-deputado Paulo

Wright, bem como, toda a direção do Partido Comunista Brasileiro. Durante o período de

setembro de 1973 a setembro de 1975, trinta e duas pessoas desapareceram (KUCINSKI,

1982). D. Paulo Evaristo, no final de 1973, começa a colecionar nomes e vestígios que

documentassem uma lista de “desaparecidos”. Ele englobava todos os cidadãos capturados

cujos cadáveres sumiam sem deixar vestígios (GASPARI, 2003).

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Os desaparecidos do PCB realimentavam a estratégia do embaraço. Eram pessoas

com passado de militância política, não estavam metidos na luta armada e

dispunham da rede de solidariedade do partido. Uma coisa era sumir com os

integrantes do Grupo Primavera, da ALN, vindos clandestinamente de Cuba na

esperança de reorganizar as bases brasileiras. Outra, fazer desaparecer um ex-

parlamentar como Luís Maranhão. Esse caso levou o deputado Thales Ramalho,

secretário-geral do MDB e chefe da corrente moderada do partido, à tribuna da

Câmara [..] Ramalho entrincheirou-se, no embaraço, cobrando explicações ao

governo . Leu uma carta da viúva e concluiu; “É com sentimento de vergonha que

transmito a esta Casa esse impressionante documento para o conhecimento de todos.

Vergonha de que,em meu país,uma carta dessas possa ser escrita. Daqui , quero

fazer uma pelo ao presidente Geisel : mande apurar este caso.” (GASPARI, 2003 p.

399).

Esse era apenas mais um caso dentre muitos que desapareceram, e, ainda assim, o

governo não cedia às pressões. De acordo com Kucinski (1982), o governo não estava

disposto a abrir mão de seus poderes excepcionais de que dispunha, nem admitir, sob

qualquer tipo de pressão de facções, ou grupos que visavam, segundo eles, queimar o

processo de desenvolvimento. Os militares justificam sua posição num pronunciamento feito

na TV e criticam o modelo de governo democrático, “fórmula ultrapassada e

comprovadamente inadequada à realidade brasileira” (KUCINSKI,1982, p.47).

A revista Isto É, de 24 de março de 2004, trouxe uma reportagem trazendo

documentos confidenciais que revelavam dados sobre a ditadura. Surgiram dois grupos ultra –

secretos: um no CIE, de Brasília, e o outro no DOI-CODI, de São Paulo, formados por menos

de dez pessoas. Estes grupos estavam autorizados a assassinar e sumir com os corpos, mesmo

assim, ainda foram responsáveis pelo desaparecimento de cerca de 80 presos políticos entre

1973 e 1975. “Em 1973, concluímos que: ou a gente matava todo mundo ou essas guerrilhas

nunca teriam fim” (JUNIOR, 2004).

3.1.3 Tortura, carrasco e anistia

O general, João Batista Figueiredo, presidente da república, assinou, em 1979, a

Lei da Anistia, mas a bandeira, ampla e total da anistia, não chegou ao Brasil. Kucisnki

(1982) afirma que a anistia beneficiou mais aos torturadores.

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Ficam anistiados os que praticaram crimes políticos, mas não os condenados por

crimes de seqüestro, assalto e atentado pessoal, mesmo quando essas ações tinham

finalidade estritamente política; ficam anistiados os servidores públicos e militares

punidos com Atos Institucionais e Complementares, mas sem retorno aos cargos

que possuíam depende de aprovação das autoridades de cada setor da existência de

vagas; os cassados por Atos Institucionais, demitidos de sindicatos e processados

pela Lei de Segurança Nacional- mesmo ainda não julgados – continuavam

inelegíveis, porque o governo não revogava a lei das inelegibilidades (KUCINSKI,

1982 p. 134).

O perdão concedido pelo Estado passaria uma borracha nos crimes praticados por

militantes de esquerda e militares, ou seja, todos que torturaram e executaram presos políticos

durante a ditadura (ISTO É, 2004). Mesmo anistiados, alguns coronéis do Exército viveram

na clandestinidade, como por exemplo: Paulo Malhães, José Brant Teixeira, Aldir Santos

Maciel e os ex-cabos Félix Freire Dias e José Bonifácio Carvalho. Estes homens não

possuíam telefones registrados em seus nomes, não forneciam o endereço, nem sequer aos

amigos, e continuavam utilizando os mesmos codinomes de “doutores”, criados nos centros

de informação do regime (ISTO É, 2004).

Os métodos, nos interrogatórios, nos porões do DOI-CODI e DOPS,

simplesmente, ignoravam os direitos humanos. É o que descreve Arns (1985, p. 39).

O interrogado sofreu espancamento com um cassetete de alumínio nas nádegas, até

deixá-lo, naquele local, em carne viva, o colocaram sobre latas abertas, que se

recorda bem, eram de massa de tomates, para que ali se equilibrasse, descalço, e,

toda vez em que ia perdendo o equilíbrio acionavam uma máquina que produzia

choque elétricos, o que obrigava ao interrogado à recuperação do equilíbrio [..] a

interrogada quer ainda declarar que durante a primeira fase do interrogatório foram

colocadas baratas sobre o seu corpo, e introduzida uma no seu ânus.

A lei da anistia, sancionada pelo presidente Figueiredo, concedeu a liberdade a 17

dos 52 presos políticos, os outros 35 permaneceram à espera de uma análise mais demorada

dos seus processos. Entre presos, cassados, banidos, exilados ou simplesmente destituídos dos

seus empregos, a Lei de Anistia beneficiou 4.650 pessoas, entre as quais estavam os ex-

governadores Leonel Brizola e Miguel Arraes, e os ex-líderes estudantis Vladimir Palmeira e

José Dirceu (UNIFICADO, 2008). Ainda, sobre o processo de anistia, Kucinski (1982, p.135)

comenta que “o compromisso de que o aparelho de repressão não será investigado e julgado,

de que o passado não será exumado.”

De acordo com Napolitano (2001, p.65), o regime militar possuía estratégias

implícitas em todas as áreas, também, nas organizações populares, além disso, perseguia

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parlamentares, ativistas políticos e sindicalistas. Inicialmente, estas estratégias não se

preocuparam com a classe artística e intelectual. O regime pode ser definido como simples e

controlador, pois “isolado, cantando para a classe média da cultura, o artista não era um

perigo”, explica a visão sobre a classe artística. Mas a estratégia do governo mudou depois da

radicalização que atingiu a classe média. (NAPOLITANO, 2001).

O governo pretendia trazer as 22 personalidades políticas, relacionadas nos

levantamentos do Serviço Nacional de Informações, isso incluiria: Luis Carlos Prestes, Mário

Covas, que foi cassado e preso depois do AI-5, o qual voltou a vida ativa no MDB, mas não

podia votar nem ser votado, assim como eles muitos outros também sofreram, como Fernando

Gabeira, José Dirceu e outras pessoas que ficaram exilados (ÉPOCA, 2008).

3.1.4 Censura , repressão e arte

Com o recesso do Congresso, desde dezembro de 1968, articulava-se a

implantação de uma nova Constituição e a reabertura do Legislativo, no entanto essas

propostas foram adiadas, porque o presidente Artur Costa e Silva adoeceu e acabou se

afastando do Poder Executivo (SODRÉ, 1984). As intervenções aconteceram em todas as

escalas sociais, bem como, os veículos de comunicação de massa rádios, TVs, jornais e até as

artes.

Em dezembro de 1968, com a edição do AI-5, não houve condições para manter a

linha de independência e combate à situação instalada no Brasil. Correio da Manhã

teve a redação invadida; prisão de sua proprietária, Niomar Moniz Sodré, que ficou

semanas na mesma cela das prostitutas apanhadas pela ronda policial; prisão de

seus principais redatores; boicote total da publicidade pressionada pelo governo o

"Correio" tornou-se que nem a família do poeta: "Uma fotografia na parede"

(CONY,2008).

Os jornais da época sofreram com a censura imposta pela ditadura do regime

militar, por conta disso, muitos mudaram a linha editorial. Enquanto alguns veículos sofriam

as conseqüências pela desobediência, outros veículos, como a TV, ganharam espaço já que

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era recém chegada ao Brasil, pois sua instalação deu-se em 1950. Já o rádio era o veículo das

grandes massas, reinando desde 1930 (NAPOLITANO, 2001).

Para Ramos (2004), a televisão no Brasil passou por oscilações desde sua

instalação: caminhos interrompidos, como a TV Excelsior (1960-1969), emissora com traços

nacionalista e modernizadores, e o da TV Tupi (1950-1980). No governo de Médici inúmeras

pressões foram exercidas sobre as emissoras de televisão mediante às punições com multas e

até a suspensão de alguns programas, como medida corretiva (MATTOS, 2005).

O regime, que fora devidamente articulado e o poder Executivo tinham plenos

poderes para censurar e estimular a autocensura, evitando, assim, a publicação ou transmissão

que levar processos que se enquadram pela Lei de Segurança Nacional (MATTOS, 2005).

Alguns jornais nem circularam e, quando voltaram às atividades, não publicaram nada sobre o

ato.

[..] as autoridades aprenderam as edições de O Paiz, do Rio, e O Estado de S. Paulo

e Jornal da Tarde, de São Paulo, como também jornais de Goiás e do estado do

Rio.O Correio Braziliense, de Brasília, foi publicado com colunas em branco. A

apreensão da edição do dia 13 do Estadão foi motivada pelo editorial „Instituições

em frangalhos‟, que atribuía a crescente agitação aos „erros do presidente‟. O Paiz

foi acusado de subversão. Em seguida ao Ato, foi imposta severa censura à

imprensa, ao rádio e à televisão. Contrastando com os diários do Rio, os de São

Paulo divulgaram, no dia 14, notícias sobre detenções [...] A coluna editorial do

Jornal do Brasil foi preenchida por uma fotografia, e grandes partes das páginas,a

partir da primeira, continham anúncios classificados em lugar de noticiário.Uma

previsão do tempo dizia: „ Tempo Negro.Temperatura sufocante. O ar está

irrespirável. O país está sendo varrido pelos fortes ventos‟. [...] O Jornal do Brasil,

assim como vários jornais cariocas não apareceu no domingo e quando retornou a

publicação não era fonte de informações políticas. A „Coluna do Castelo Branco‟

foi proibida. Carlos Castelo Branco, autor da coluna, foi preso em Brasília, acusado

de participação dos acontecimentos que levou à derrota do governo no Congresso

(MATTOS, 2005, p. 115).

A imprensa e seus veículos fiscalizados pelo Departamento de Imprensa e

Propaganda (DIP), criado no governo de Getúlio Vargas em 1939, bem como, a Lei de

Imprensa, criada em 09 de Fevereiro de 1967, continuaram, durante todo o período da

ditadura, vigiada “no que diz respeito à legislação, a censória brasileira, pode-se afirmar que,

além de vasta, ela é dispersa e desatualizada” (MATTOS, 2005, p. 17).

A justificativa para os atos cometidos, na época, foram o que deveriam manter a

ordem e o controle, bem como, o respeito ao regime.

É verdade que a repressão aos jornais, rádios e TVs de todo o país começou a ser

praticada de fato (ainda que de forma não assumida abertamente) desde 1964

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,quando os militares derrubaram o governo constitucional e se estabeleceram no

poder. O que se alegava para o veto à divulgação de notícias e até para atentados a

bomba contra sedes de jornais ou prisões e torturas contra jornalista era uma coisa

só: os órgãos de imprensa estavam infiltrados de comunistas que distorciam a

“verdade” q eu, através de uma “guerra psicológica”,pretendiam levar o Brasil ao

“aos sangrento do comunismo” (CIRANO, 1983, p.145).

Conforme Mattos (2005), era tarefa do DIP, fiscalizar e controlar o registro dos

jornais, das emissoras de rádios e dos serviços de alto falantes. O exemplo seguido era o do

nazista. Essa repartição preparava e encaminhava listas de assuntos proibidos para os jornais e

para as emissoras de rádio. Durante o AI-5, independente de serem grandes ou pequenos,

todos os jornais foram atingidos.

A Emenda Constitucional n º 1 , de 17 de Outubro de 1969, permitiu ao governo

baixar, em 26 de Janeiro de 1970, o Decreto-lei 1.077, pelo qual a censura à imprensa foi

estabelecida, e o “Executivo aparelhou-se para, eventualmente, vedar as circulações de

publicações contrárias à moral e aos bons costumes, veículos utilizados por agentes da

subversão para minar e solapar os valores morais da família brasileira” (MATTOS, 2005, p.

116).

Um outro aspecto do período é o “verdeamarelismo” citado por Chauí (2000),

instituído pelo governo, referindo-se à Copa do Mundo de 1970 e ao patriotismo brasileiro.

Foi um pano de fundo difuso e ambíguo, significando nacionalismo espontâneo e alienação,

em contra partida, foi revitalizado e reforçado nos anos da ditadura (1964-1985) ou do “Brasil

Grande”. Conseqüência de uma época mais dura da ditadura que foi o governo de Emílio

Garrastazu Médici, que priorizava ganhar o apoio da classe média, por meio da política,

estimulando o consumo e o crescimento econômico, aliado a repressão e a censura.

(NAPOLITANO, 2004).

A conquista do tricampeonato de futebol, na Copa do Mundo, realizada no México

em 1970, foi perfeita para a propaganda do governo. “Para frente Brasil”, “Eu te

amo Brasil”, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, eram slogans oficiais. Paralelamente os

meios de comunicação de massa e a indústria da cultura como um todo conheciam

uma época de expansão sem precedentes (NAPOLITANO, 2004, p. 82).

O espírito patriota divide opiniões a respeito da Copa de 70, e os jornais atacam as

opiniões contrárias ao regime da época. Cirano (1983) enfatiza algumas posições de alguns

veículos de imprensa sobre a crítica a D. Hélder:“Aquela nação, um bispo vermelho, à serviço

do diabo, vem mostrando às platéias da Europa e da América, como se fosse um vasto campo

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de concentração, onde os presos são torturados, as crianças fossam nas latas de lixo como

porcos, e os padres são mortos nas ruas como índios nas selvas” (CIRANO, 1983 p. 135).

Para Napolitano (2004), o governo de Geisel (1974/1979) apoiou uma política de

abertura com a censura mais branda depois do resultado das eleições de 1974. Consideravam

a aproximação da classe artística e a imprensa um bom canal de comunicação entre o Estado e

a sociedade.

No período de 1968 a 1978, vários artistas e escritores foram enquadrados na Lei

de Segurança Nacional. Durante este período, mais de 500 livros de autores brasileiros e

estrangeiros, como Rubem Fonseca, João Louzeiro, Ignácio de Loyola de Brandão, Régis

Debray, Henry Miler e Louis Althusser foram censurados e tirados de circulação (MATTOS,

2005).

Napolitano (2004) defende que a repressão contribuiu para que uma rede de

cultura alternativa, ligada à lógica artesanal, crescesse e dominasse o mercado. “A imprensa

alternativa, o teatro e o cinema “marginais” conheceram uma grande expansão, apesar da

vigilância política, policial e das limitações financeiras.”(NAPOLITANO, 2004, p.83).

Assim como os jornais, rádios e tvs, o cinema também foi alvo do regime, já que

os militantes consideravam a cultura popular apropriada como uma forma didático pedagógica

para os intelectuais (MATTOS, 2005).

3.1.5 A repressão e os movimentos estudantis

A classe estudantil participou ativamente deste período e tiveram uma

participação importante para a história nacional. Os protestos, assim como, todas as

articulações dos movimentos estudantis ganharam forças e acabaram sendo perseguidos pela

polícia por serem considerados agitadores (ARNS,1985). A onda tomava conta de todo país.

“Em Brasília, o presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília, Honestino

Guimarães, era caçado por policiais do DOPS até no forro da Igreja de Santo Antônio, onde

os estudantes estavam reunidos”(VENTURA, 1988, p.113).

A União Nacional dos Estudantes (UNE), fundada em 1937, tornou-se um

símbolo como entidade unificadora das lutas estudantis, em escala nacional, tanto nas

questões específicas do ensino quanto nas motivações políticas explícitas, em defesa da

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democracia e dos direitos humanos (ARNS, 1985). Outras siglas foram criadas e incorporadas

no meio estudantil, como por exemplo, a União Estadual dos Estudantes (UEEs), que

coordenavam os estudantes de cada Estado, sob liderança da UNE , bem como, Diretórios,

Grêmios e Centros Acadêmicos (ARNS, 1985).

Arns (1985) ressalta vários fatos marcantes na história dos confrontos entre os

movimentos estudantis e as forças armadas. Um deles foi a passeata de 22 de Setembro de

1966, batizada como “setembrada”, cujo slogan era “Abaixo a Ditadura”. Após 1968, o ano

do AI-5, a situação piorou. A morte do estudante, Edson Luís Lima Souto, morto a tiros pela

polícia, numa manifestação pacífica, em defesa de um restaurante universitário, Calabouço. A

repercussão de alguns acontecimentos políticos resultou em protestos que ficariam conhecidos

na história do país (VENTURA, 1988).

Como um rastilho de pólvora, seguiram-se manifestações vigorosas de protesto, em

todo país, com choques e a repressão policial se repetindo em todos os Estados. No

Rio de Janeiro, no dia 25 de junho, realizou-se uma passeata com 100 mil pessoas,

que partiram do repúdio àquele brutal assassinato do jovem Edson para repudiar

também toda a polícia economia imposta desde 1964 e as inúmeras medidas

restritivas da liberdade de manifestação (ARNS, 1985, p.134).

Para Starling (1986), a UNE procurava estabelecer uma ponte de ligação entre a

reforma universitária e o problema colocado pela necessidade de uma reforma geral da

sociedade brasileira. O fortalecimento da instituição estudantil expandiria para as principais

cidades do país, e com isso a criação do Centro Popular de Cultura (CPC). O CPC, em

atividade em todo país, disseminou músicas, peças de teatro, poesias e outras modalidades

artísticas, com mensagens em defesa do nacionalismo e da justiça social (ARNS, 1985).

No entanto, havia outras instituições como: o Centro Brasileiro de Análise e

Planejamento (Cebrap) que era uma organização formada por professores expulsos da

Universidade de São Paulo. O grupo discutia e estudava problemas políticos e econômicos do

país, era parte de uma nova frente de propaganda adversa, com implicações na área estudantil.

A instituição juntava autores de pelo menos 37 livros e 168 artigos acadêmicos (GASPARI,

2003). O grupo recebia apoio da classe empresarial paulista e reunia entorno de vinte

acadêmicos.

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Frederico Mazzucchelli, que 1968 freqüentara um grupo de estudantes radicais do

qual saíram pelo menos três quadros da luta armada, for preso na rua. Apanhou

durante seis horas e ficou 25 dias na cadeia. Estava no pau-de-arara, e os policiais

se divertiam aconselhando-o: “Vai reclamar com o Geisel”.[..] mais três professores

do Cebrap foram presos, um deles Vinicius Caldeira Brant, ex-presidente da UNE,

foi demoradamente torturado. A partir desse momento o porão começou a perder a

parada. Fernando Henrique Cardoso bateu na casa do cardeal Arns às onze horas da

noite e pediu-lhe socorro. Às sete da manhã seguinte, D.Paulo encontrou-se com o

comandante do II Exército. A tortura cessou (GASPARI, 2003, p.408).

Napolitano (2004) fala sobre a juventude da época, no final dos anos 60, e a classe

universitária crescia, e a sua maioria era constituída por jovens egressos de família de classe

média com poder aquisitivo significativo. Para o jovem com mentalidade crítica, que vivia no

início dos anos 1970, restavam três opções: a resistência democrática, em pequenas ações no

seu cotidiano; a clandestinidade da guerrilha ou o chamado desbunde e a busca de uma vida

“fora” da sociedade estabelecida. Paiva (1982) concorda com Napolitano e diz que a geração

daquela época era ativa nos movimentos estudantis os quais eram conhecidos como “bichos

grilos” ou “malucos” politizados a qual ele fazia parte. Marcelo Rubens Paiva é filho de

Rubens Paiva, deputado federal, que foi seqüestrado dentro da própria casa e desapareceu

destaque que:

No dia 21 de Janeiro de 1971, era feriado no Rio, por isso dormi até mais tarde. De

manhã, quando todos se preparavam pra ir à praia (e eu dormindo), a casa foi

invadida por sei militares à paisana, armados com metralhadoras. Enquanto as

minhas irmãs e as empregadas estavam sob a mira ,um deles, que parecia ser o

chefe, deu uma ordem de prisão: meu pai deveria comparecer na Aeronáutica para

prestar depoimento. Ordem escrita? Nenhuma. Motivo? Só Deus sabe. Quando

acordei e vi aqueles homens perguntei pra minha mãe o que era. Ela não respondeu

disse que o papai tinha saído. Desci, tomei café e vi as armas na sala. Não entendi

nada e fui jogar bola na praia. Quando voltei estavam todos assustados (PAIVA,

1982, p. 72).

A maioria dos jovens idealistas eram considerados da classe burguesa. “Eu,

apenas burguês. Eles calçavam All Star, um tênis todo fresco, americano, que encantava as

menininhas, dando um porte de jogador de basquete da Havard University” (PAIVA, 1982,

p.15).

A década de setenta foi simbolizada pela liberação feminina. O período foi de

revolução e marcou um salto no comportamento dos jovens, na música e na liberação sexual

da mulher. Foi a época do Festival de Woodstock, do movimento hippie, da onda disco, e

etc...

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Rebeldia, protesto, misturada a sensação de liberdade eram símbolos que

representaram a negação da cultura dessa época uma das características da contracultura. A

valorização da natureza, da luta pela paz e a vida comunitária, contra as guerras, conflitos e

qualquer tipo de repressão, respeito às minorias raciais e culturais. O amor livre, drogas e a

aproximação das práticas religiosas orientais. (SUA PESQUISA, 2008).

De acordo com Pereira (1982), o movimento da contracultura invadia vários

aspectos da arte e da música e ganhou destaque com nomes como: Beatles, Rolling Stones,

Janis Joplin, Jimmy Hendrix, The Mama‟s and Papa‟s, Gênesis,Yes, Deep Purple, Led

Zepplin, Queen, Animals, The Who, Pink Floyd,Mothers of Invention, Jethro Tull. Os

festivais de Woodstock e Altamont, ambos marcaram época na história da juventude

internacional. O movimento de contestação de caráter social e cultural era um fenômeno que

se espalharia mundialmente, assim como define Pereira:

A contracultura se refere ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude. O

termo pode ser usado pode ser também se referir a alguma coisa mais geral, mais

abstrata, um certo espírito, certo modo de contestação, de enfretamento diante da

ordem vigente, de caráter profundamente radical e bastante estranho às formas mais

tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante (PEREIRA,1982, p.20).

A moda, também, fora atingida e recebeu outras tendências. Para os homens,

deixou de ser formal e ganhou um toque colorido e psicodélico; para as mulheres, romântica e

despojada: cabelos desalinhados, saias longas ou curtíssimas, com inspiração indiana, batas e

estampas florais ou multicoloridas. Além disso, o unissex entra na moda com suas “boca-de-

sino” e sapatos plataforma (TERRA, 2008).

3.1.6 Da tela do cinema aos festivais na televisão

A juventude brasileira queria ir além: discutir o comportamento, a sexualidade, a

revolução. Os festivais acabaram se tornando palco dos debates estéticos, políticos e culturais

(NAPOLITANO, 2004).

O aspecto sociocultural da sociedade brasileira, na área da comunicação, passou

por várias transformações devido às proibições impostas pelo regime. Contudo, a década de

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70 foi ao auge de um complexo processo de modernização capitalista do espaço audiovisual

brasileiro (RAMOS, 2004).

Essa década teve inúmeras personalidades como a atriz Leila Diniz e o fascínio

que ela exerceu sobre a sociedade conservadora, numa época em que as mulheres nem sequer

iam sozinhas aos bares e restaurantes, e não eram bem-vistas se falassem palavrões. Linda,

despojada e sedutora, Leila, ex-professora primária que saíra de casa aos 17 anos para viver

com o cineasta Domingos de Oliveira, ganhou notoriedade em 1966 com o filme Todas as

Mulheres do Mundo, em que aparecia nua (REVISTA ÉPOCA, 2008).

O cinema passava por um movimento chamado Cinema Novo, liderado pelo

diretor baiano Glauber Rocha, um verdadeiro líder cultural. São, desta época, os seguintes

filmes: Deus e o Diabo na Terra do Sol, Os fuzis de Ruy Guerra ou mesmo Vidas secas , de

Nelson Pereira dos Santos, O Cangaceiro e Terra em transe de Glauber Rocha.

(VELOSO,1999).

A expansão do mercado cinematográfico nos anos 70 forçou os setores culturais

que carregavam as heranças do período anterior a buscar uma nova sintonia com a

situação de modernização do país. Muito já se falou dos caminhos do Cinema

Novo, e de setores do Cinema Marginal, na nova realidade marcada por

características mercadológicas (RAMOS, 2004, p.26).

Os jovens idealistas estavam sedentos por liberdade em todos os sentidos, mas a

repressão tomara conta da juventude, e a intolerância estava em toda parte: no radicalismo do

movimento estudantil, na política, nas artes e no show-biz. Não havia mais espaço para o

diálogo como forma de apelo ou esperança.

3.1.6.1 A contracultura e os dissonantes sons do Brasil

Não há como separar a contracultura dos festivais promovidos na época. O III

Festival Internacional da Canção transformou a intolerância em espetáculo e a exibiu para

todo o país ao vivo e ao som de vaias, mais do que de música, como se refere Ventura (1988).

Na noite de 28, no teatro do TUCA, em São Paulo, algumas dúzias de ovos,

tomates e bolas de papel- acompanhadas por uma interminável vaia- iam proibir

que Caetano Veloso cantasse É proibido proibir,mas em compensação iam

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provocá-lo a fazer o mais brilhante discurso de sua vida. Era a última fase nacional,

que classificaria seis músicas para representar o Brasil nas semifinais e finais do

Maracanãzinho (VENTURA, 1988, p. 202).

O movimento que chegara ao Brasil, ou seja, as correntes nacionalistas e

contraculturais, agora pareciam distantes. O exílio de Gilberto Gil e Caetano Veloso, assim

como, Geraldo Vandré e Chico Buarque de Holanda, como inimigos em comum à censura e à

repressão imposta pelo regime (NAPOLITANO, 2005).

A estética do tropicalismo ressaltava os contrastes da cultura brasileira, como o

arcaico convivendo com o moderno, o nacional com o estrangeiro juntamente com a cultura

de elite e com a cultura de massa. Assim, absorveu vários gêneros musicais como: samba,

bolero, frevo, música de vanguarda erudita e o pop rock nacional e internacional, mas também

as inovações da Jovem Guarda e a introdução da guitarra elétrica (ALBIN, 2003).

O Tropicalismo nos deixou um repertório de algumas pepitas de ouro como

“Superbacana” (Caetano Veloso), “Soy loco por ti América” (Gilberto Gil e

Capinam), “Marginalia 2” (Gilberto Gil e Torquato Neto), “ Panis et circenses”

(Gilberto Gil e Caetano Veloso), “ Lindonéia” (Gilberto Gil e Caetano Veloso), “

Geléia geral” (Gilberto Gil e Torquato Neto), “ Baby” (Caetano Veloso), “ Não

identificado” (Caetano Veloso), “ divino, maravilhoso” (Gilberto Gil e Caetano

Veloso), “ São São Paulo” (Tom Zé), entre outras (ALBIN, 2003, p. 296).

A música brasileira, assim como a história do país, passou por inúmeras

intervenções seja na parte melódica, bem como, as letras e composições. Vários nomes são

sinônimos para uma definição de cada período assim como: Adoniram Barbosa, 1959, o

samba, o desenvolvimento urbano industrial era a combinação entre arquitetura e natureza. É

o que Krausche explica:

A voz emerge como um dos elementos dessa nova canção: a “bossa-nova”. A sua

“muita calma pra pensar”, a ausência de grandes arroubos melodramáticos

expressavam um novo comportamento do músico e do intérprete frente às

possibilidades “oferecidas” pelas gravações e pelo poder da radiodifusão e o da

televisão . a voz espremida no “cantinho” poderia chegar a alguns milhões de

ouvidos nos centros urbanos do país. Para o artista abria-se o campo para integrar

as influências jazzísticas de um modo mais consistente e nacional à música

brasileira, chamado a atenção para uma relação mais íntima e mais rica entre voz

(música) e ouvido (KRAUSCHE, 1983, p. 71).

As combinações de sons vindas das regiões de todo o país fizeram com que os

jovens da zona sul do Rio de Janeiro, dos apartamentos de Copacabana, cansados da

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importação de música norte-americana, resolvessem montar um estilo novo, isto é, a “Bossa

Nova”. Os grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo sempre foram formadores e

reprodutores da música popular (KRAUSCHE, 1983).

O envolvimento da juventude universitária, no movimento de resistência ao

modelo de economia dependente, consolidado pelas elites durante o governo Kubitschek

1964, e a música mais típica da alta classe média, prefigurada desde 1958 na Bossa Nova,

passara da sofisticação às camadas mais amplas, que acabou levando-a ao “retrocesso” da

grandiloqüência dos arranjos de festival, da aproximação artificial com temas folclóricos e a

preocupação ideológica nas letras (TINHORÃO, 1998).

Napolitano (2005) concorda e aborda o novo estilo de música brasileira e diz que

a eclosão da Bossa Nova, em 1959, iria marcar o surgimento não só de uma historicidade para

a esfera da música popular, mas também o surgimento de um outro pensamento musical,

voltado para a valorização da mistura dos gêneros musicais brasileiros com as tendências

modernas da música internacional de mercado, como o jazz e o pop.

[..] a “bossa nova” tornou-se a expressão mais ricamente trabalhada da música

popular brasileira,exigindo a “muita calma pra pensar”, a pesquisa para compor e

cantar; um produto sofisticado e urbano que atendia às expectativas de um público

interessado e jovem, principalmente da chamada classe média [..] a “bossa nova”

era comercialmente possível porque atingia grupos significativos da cidade

(KRAUSCHE, 1983, p.77) .

O novo ritmo contagiou a sociedade brasileira. Foi a época da febre da bossa,

provocada pelo movimento formado por intelectuais, estudantes e outros que integravam a

classe média. “A febre bossa-novista: havia automóvel bossa nova, moda bossa-nova e até o

presidente que se retirava do poder passou a ser chamado de presidente bossa-nova.”

(NAPOLITANO, 2004, p. 30). Falar em bossa nova é ter que lembrar de nomes importantes

do cenário musical como: Tom Jobim, João Gilberto, Nara Leão, Ronaldo Bôscoli, Edu Lobo,

Sylvia Telles, Vinicius de Moraes, Miúcha, e muitos outros representantes deste movimento

da música popular brasileira (BOSSANOVA, 2008). Para Tinhorão (1998), é notório a

mistura rítmica da cultura brasileira com influências de diversas manifestações socioculturais:

portuguesa, espanhola, africana e outras, assim como: o samba, o bolero, o tango, lado a lado

com o jazz e o rock roll.

De acordo com Fróes (2000), no Brasil, o rock n‟ roll chega com a influência

mundial dos Beatles. Os jovens brasileiros se distanciam da “Bossa Nova” e vê-se o sinônimo

de movimentação eletrificada, temos, então, a “Jovem Guarda”. A expressão “Jovem Guarda”

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foi utilizada, pela primeira vez, num artigo da imprensa especializada, numa matéria sobre o

restaurante San Quentin, local escolhido pela juventude para ouvir música, a qual foi chamada

de jovem guarda. A jovem Guarda foi um movimento intimamente ligado ao mercado

fonográfico (FRÓES, 2000).

Concebido como produção global,envolvendo interesses artísticos(da figura de

Roberto Carlos e seus parceiros de programa, o compositor Erasmo Carlos, e a

cantora Vanderléia, de seus shows em clubes sociais, etc.), editoriais, fonográficos

e de comércio paralelo [venda de roupas – camisetas, calças, saias, blusas, sapatos,

botas e artigos escolares- sob a marca registrada Calhambeque, que aproveitava o

sucesso da música de 1963 a criação do programa Jovem Guarda incluía a

realização de pesquisas especializadas de mercado, inclusive para indicar com que

palavra e gestos o ídolo devia dirigir-se a seu público (TINHORÃO, 1998, p. 338).

Segundo Ramos (2004), a jovem guarda mostra uma outra face da juventude e do

processo cultural pop. A jovem guarda tem uma relação íntima com o mercado e um

afastamento do meio intelectualizado. Os elementos de revolta da Jovem Guarda eram bem

claros, em todos os aspectos, até nos comportamentais. A legião do rock pertence a nomes

como: Raul Seixas, Rita Lee, Secos e Molhados e outros, que foram representantes da linha

mais forte não universitária, marcada pela ousadia e irreverência (NAPOLITANO, 2005).

A contracultura chega com o nome de Tropicalismo. Entre os embates ideológicos

de 1968, apontavam para uma cisão definitiva da música popular moderna no país. Gil se

reúne com Caetano, Gal, Tom Zé, ao maestro Rogério Duprat, aos poetas Torquato Neto e

Capinam, e juntos iniciam o movimento tropicalista. Assumem o subdesenvolvimento

brasileiro, aproveitam elementos estrangeiros e reinterpretam-os segundo uma ótica

antropofágica. Adotam atitudes, questionamentos de costumes e comportamento que

ultrapassam a própria música (GÓES et al , 1982).

O Fino da Bossa, programa exibido pela TV Record, apresentado por Elis Regina,

após dois anos de audiência começara a cair devido à concorrência global Jovem Guarda. O

programa da rede Globo era apresentado pelo rei Roberto Carlos. De um lado Elis Regina,

Jair Rodrigues, Geraldo Vandré, Wilson Simonal, Chico Buarque, Nara Leão e Gilberto Gil.

O Fino da Bossa seguia a ebulição política do país e os programas declaram guerra pela TV,

outro lado Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia e outros. Nesta guerra estão também a

tvs Excelsor, Tupi e Rio (CALADO,1997).

[..] as transformações na área da cultura vieram no embalo da contracultura. A

principal delas foi o tropicalismo, que ainda hoje reverbera especialmente na

música popular brasileira. O movimento, liberado por Caetano Veloso, Nara Leão e

Gilberto Gil, entre outros artistas, propunha mudanças tão radicais que se revelaram

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inspiradoras para todas as gerações seguintes. O tropicalismo de Caetano

incorporou o uso da guitarra elétrica e de gêneros como o bolero e as músicas de

raiz. De Tão ousada, a mistura provocou reações iradas dos setores mas

conservadores, que consideram aquilo uma agressão,. O tropicalismo só foi

possível porque vivia-se uma época em que se experimentava de tudo ( REVISTA

ÉPOCA, 2008).

A Televisão, na década de 70, já era um referencial do povo brasileiro. A rede

Globo chegara a implantar seu padrão de qualidade, a classificação por gêneros uma vez

caracterizados os emissores, bem como, delineada a natureza daquilo que é por eles

transmitido ou veiculado (PEREIRA, 1983). O autor salienta a importância dos ciclos

culturais, ou seja, “do conjunto de bens culturais televisivos, resta agora refletir um pouco

sobre o público que consome estes produtos, sua relação com ele, através destes, com próprios

agentes emissões.” (PEREIRA, 1983, p.48). A geração rebelde ouvia Roberto Carlos e seus

amigos e, na TV, assistiam telenovelas como Beto Rockefeller, além de programas como:

Hebe Camargo, Chico City, A Família Trapo (RIBEIRO JUNIOR, 2002).

Contudo, o campo musical apresentava sinais de mudanças em vários sentidos. A

música popular da “Jovem Guarda” estava envelhecendo, junto com ela também estavam os

ideais, a rebeldia e a agressividade original as quais iam desaparecendo aos poucos. Nos anos

70, o rei Roberto Carlos alternava o timbre de voz, ora agressiva, ora descontraída, pelo

melodramático (KRAUSCHE, 1983). Roberto Carlos se despede da Jovem Guarda e adota

uma outra linha musical como intérprete e romântico no Brasil e no exterior. Ele vira sucesso

nos Estados Unidos, Europa e América Latina, iniciando uma tradição na programação global

com os especiais de natal, cumprida até hoje.

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4. METODOLOGIA

O conhecimento é adquirido por inúmeras vezes através das experiências ou de

forma sistematizada através de pesquisas. Segundo Rauen (2006), o conhecimento surge com

uma nova maneira de pensar a realidade, nascida da desconfiança das explicações da tradição

e da filosofia. O conhecimento científico é sistematizado e organizado em sistemas e idéias

por critérios lógicos.

Para Barros e Lehfeld (apud Rauen, 2002), a pesquisa é o esforço dirigido para a

aquisição de um determinado conhecimento, que propicia a solução de problemas teóricos,

práticos ou operativos quando situados no contexto do dia-a-dia do homem. Uma pesquisa se

caracteriza pela presença de atos sistemáticos e intensivos que visam a descoberta e a

interpretação de fenômenos da realidade.

É de fundamental importância a escolha de um método para alcançar os objetivos

pretendidos. Rauen (2006) destaca que há dois métodos de abordagem essenciais: o indutivo e

o dedutivo, logo o indutivo é a essência de um raciocínio indutivo, é chegar-se a uma lei a

partir da observação de vários fatos para os quais se descobre uma nota comum, e o dedutivo

é um processo metal, por meio do qual, parte-se de um argumento geral ou universal, que

funciona como premissa, menos para chegar à conclusão, cujo conteúdo já está incluso ou

implícito nas premissas.

Neste trabalho monográfico, o método adotado é a pesquisa qualitativa descritiva.

De acordo com Rauen (2006), o pesquisador pode ser um agente, viés ou até de criação dos

dados, com ele pode perceber-se diferenciando desses dados. Logo, devemos reconhecer que

os resultados decorrem da forma de sua coleta, análise e interpretação dos mesmos.

Para Rubio (1978), em uma pesquisa descritiva, é necessário trabalhar com

variáveis, mas de maneiras diferentes, conforme o tipo de pesquisa que está sendo efetivada.

Logo, adotamos a forma descritiva dos fatos da época em questão 1970, mas para analisar a

seguinte década é necessário que haja um levantamento histórico por meios de referências

bibliográficas de diversos tipos como periódicos, livros, revistas, discos e tudo que cerca este

período.

Segundo Rauen (2002), a pesquisa bibliográfica consiste na busca de informações

bibliográficas relevantes para a tomada de decisão em todas as fases da pesquisa.

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Desta forma, concordamos com Rubio (1978) sobre a definição de pesquisa

descritiva, descrever é narrar o que acontece. Neste sentido, a pesquisa tenta descobrir e

observar fenômenos, procurando descrevê-los, classificá-los e interpretá-los. Para que este

possa acontecer é necessário adotar procedimentos metodológicos que organizem e

sistematizem a pesquisa.

Utilizamos, como forma de análise, a interpretativa textual. De acordo com

Severino (2002), este tipo de análise tem por base contextualizar e explicar a cultura e o ponto

de vista histórico. Nesse caso, analisamos, além das letras das músicas, as composições

melódicas. Para uma análise interpretativa é necessário seguir alguns passos como exercer

uma atitude crítica diante das posições do autor, ter originalidade no tratamento dado ao

problema e profundidade de análise ao tema.

Não descartamos os fatos históricos e os costumes da época através do objeto: a

música e a intérprete. Baseado na premissa de Rubio (1978), partimos do pressuposto da

teoria do imaginário, defendida por muitos autores, a qual exemplifica e elucida os fatos da

década para uma melhor compreensão.

Rubio (1978) explica sobre a avaliação dos dados. “Os dados coletados devem

ser analisados e interpretados e podem ser qualitativos, utilizando palavras para descrever o

fenômeno”.

Desta forma, delimitaram-se cinco canções deste período a ser estudado. Sendo

três do mesmo autor apenas com alternância de parcerias. Além de analisar as letras das

canções e fazer um breve relato dos autores, pegamos por objeto, a intérprete, e procuramos

mostrar todas as fases da sua vida, a descrição e o momento. As músicas escolhidas, para

análise deste estudo, estão num contexto político e sociocultural muito importante para o país.

São elas: O bêbado e a Equilibrista, Corsário, Como nossos pais, O mestre sala das marés e

Construção, todas interpretadas pela cantora Elis Regina. É por meio destas composições que

vamos analisar o campo das idéias ou imaginário da época.

4.1 PIMENTINHA, HÉLICE REGINA OU SIMPLESMENTE ELIS

4.1.1 A música ganha forma na voz de Elis Regina

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A música popular brasileira passou por inúmeras mudanças e interferências. A

censura foi drástica do ponto de vista artístico e, economicamente, a indústria do disco

pareceu não ter sentido os seus efeitos. Um exemplo expressivo foi o que ocorreu com a

canção Cálice, de Chico Buarque de Holanda (DIAS, 2000). Entre protestos e manifestações,

exílio , uma cantora gaúcha se destacara, Elis Regina.

Aos dezessete dias do mês de março de 1945, nasce Elis Regina Carvalho Costa.

Com nove anos de idade recebeu lições de piano. Aprendeu tão rápido a ponto de ter que

optar se comprava um piano ou parava de estudar. Como a família não tinha condições de

comprar o instrumento, dedicou-se ao cantar. Com doze anos, Elis começou a freqüentar o

Clube do Guri todos os domingos, programa de auditório (ECHEVERRIA, 2007).

[..] Porto Alegre não tinha mais nada a oferecer a Elis, que já cantava na noite como

crooner do conjunto Flamboyant, à beira de botar a perna no mundo, embora Elis

ainda fosse uma normalista que cantava como hobbie. Sobre namorados, jamais

conversava com dona Ercy. O primeiro deles foi um rapaz do cenário musical,como

seriam praticamente todos os escolheria depois: Marcos Amaral, um locutor de

rádio. O mano Rogério tinha uma vaga recordação do disc-jóquei. Lembra-se

acompanhá-los até a pensão onde ele morava (ECHEVERRIA, 2007, p. 29).

Elis Regina, a “Pimentinha” como era chamada, tinha personalidade forte. Certa

vez ela deixara um recado aos seus adversários durante um show especial mensal da Record.

Irritada, ela interrompeu a música que cantava, enfatizou os versos “quero ver quem vai sair/

quero ver quem vai ficar”, com dedo em riste, disse aos seus adversários: “Quem está

conosco, muito bem. Quem não está que se cuide!” (CALADO, 1997, p. 107). O apelido de

“Pimentinha” foi dado por Vinícius de Moraes pela maneira como esbanjava saúde e

vibração, mas o amigo a chamava de Hélice, pela maneira como rodava os braços feito um

helicóptero (ECHEVERRIA, 2007).

A herança dos tropicalistas transformava não apenas os intérpretes, mas os gostos

musicais. Depois de liderar os emepebistas, mas os ortodoxos, sem seus confrontos com a

Jovem Guarda, começou a mudar na época dos programas O Fino e Frente Única, ela passou

a incluir em seu repertório canções da dupla Roberto e Erasmo Carlos, junto com outras

canções de Gilberto Gil e Caetano Veloso que mandavam enquanto estavam no exílio

(CALADO,1997).

A aparição de Elis Regina, nos palcos para o grande público, ocasionou um

estranhamento “com sua voz expressiva e potente, por volta de 1965, causou um certo horror

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nos círculos bossanovistas mais radicais , pois ela não só revelava um outro leque de escutas

pessoais” (NAPOLITANO, 2001, p. 82).

A voz e retomava, de certo modo, a grandiloqüência, os apelos melodramático,

combinado-se com a “teatralização” do canto. No cume deste processo, Elis Regina

abre os braços sobre a canção, e o gesto começa a ocupar o lugar do instrumento.

Assim vai se misturando à voz e mudando-lhe as características, uma imagem, uma

dramatização da música (KRAUSCHE, 1983, p. 80).

Para Krausche (1983), eram os braços coreográficos de Elis Regina que

acentuavam com vigor a interpretação. O gênio forte da Pimentinha acirrou a disputa entre a

Jovem Guarda e a MPB. Elis viu seu programa sair do ar e disfarçava seu nervosismo diante

da estréia de seu programa Música Popular Brasileira, dirigido pelo seu noivo Ronaldo

Bôscoli (FRÓES, 2000).

Elis fez parte do processo cultural que se ampliaria pelo Brasil, cujo público da

MPB estava cada vez mais engajado nas causas políticas, e a televisão fazia parte deste

conjunto. “Como exemplo máximo desse processo, temos o programa O Fino da Bossa, que

tornou conhecida uma das maiores cantoras brasileira, um dos símbolos de moderna MPB:

Elis Regina” (NAPOLITANO, 2004, p.54).

A maneira de interpretar, a habilidade crítica e a polêmica, diante dos

acontecimentos, eram marcas de Elis Regina.

[..] com Elis o drama e os grandes gestos voltavam à MPB via televisão e não via

teatro. Ela possuía uma voz limpa e brilhante, e sua segurança em termos musicais

impressionava. A canção “Arrastão”, revisitando a temática caymmiana crônica da

vida de pesadores podres, dava continuidade ao trabalho de estilização da música

nordestina que vinha sendo desenvolvido por Edu lobo, o jovem carioca filho de

nordestino, que era o autor-cantor do momento (VELOSO, 1997, p.122).

Ela foi responsável pela projeção musical de alguns compositores como a dupla

João Bosco e Aldir Blanc (BAHIANA, 1980). Vários músicos tiveram o apoio dela. Outro

que teve um impulso na carreira, depois de uma interpretação feita por Elis Regina, foi

Gilberto Gil com a canção Louvação. “O sucesso alcançado pela música leva a gravadora

Philips a se interessar por Gil e a contratá-lo para gravar o seu primeiro LP- Louvação”

(GÓES et al , 1982, p.5).

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4.1.2 Os vários papéis de Elis Regina

Fróes (2000) destaca não apenas a importância nacional de Elis, mas também a

carreira internacional e as parcerias. Ela participou junto com Roberto Carlos do festival de

Antibes. Além disso, estreou um programa especial com seu nome “Elis Especial”. No

entanto, preparou-se para uma turnê internacional, ao lado de Roberto Carlos.

Em parceira com Jair Rodrigues, comandava o Fino da Bossa em 1970. Elis

Regina realizou o sonho de gravar ao lado do maestro Antônio Carlos Jobim, incluindo o

sucesso Águas de Março. O LP foi gravado em Los Angeles, Estados Unidos, nos estúdios da

gravadora MGM. Elis era mais que uma intérprete que se revelara uma verdadeira atriz no

palco. As “técnicas aliada às interpretações faziam dela a cantora emoção, como no caso de

Atrás da Porta, que veio pelas mãos de Chico Buarque de Holanda” (ARASHIRO, 1995).

De acordo com Arashiro (1995), Elis era generosa e acolhedora quando o cantor e

compositor, Raimundo Fagner, chegou ao Rio de Janeiro. Não tinha se quer um lugar para

ficar, talvez nada para comer. Ela o conheceu nos corredores da gravadora Polygram e o levou

para sua mansão na Avenida Niemeyer. Gravou suas músicas também, e, assim, foi com

Renato Teixeira, Fátima Guedes e muitos outros (KIECHALOSKI, 1984).

Era militante ativa, participou de passeatas em defesa da preservação das raízes da

MPB contra a invasão estrangeira. “Elis tinha uma conversa sempre nova e gostava de discutir

política comigo. Adora meter o pau no governo, vociferar contra injustiças” (ECHEVERRIA,

2007, p. 118).

Ela criticou duramente o tropicalismo no Brasil no início, mas depois canta ao

lado dos representantes do movimento. Seus comentários não foram aceitos como crítica para

Caetano, nem ficou magoado com as declarações. E, numa determinada situação,

demonstraria isso em público, quando ela foi recebida friamente pela platéia, ele levantou-se e

gritou “respeitem a maior cantora desta terra” (ALBIN, 2003, p. 326).

Arashiro (1995) enfatiza alguns acontecimentos e, em especial, o Hino Nacional

de 1972. Elis fora convocada na Semana da Pátria, 1972, para cantar nas Olimpíadas do

Exército. Ela cantou o Hino Nacional, porém o motivo desta convocação foi devido algumas

declarações que ela teria feito em 1969 na Holanda. Na ocasião teria dito que o Brasil era

governado por gorilas. A declaração foi publicada em holandês, mas a embaixada pegou o

jornal e mandou ao Serviço de Nacional de Informações (ECHEVERRIA, 2007).

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Essa apresentação lhe renderia críticas principalmente da esquerda, mas apenas

uma pessoa se manifestou publicamente: o jornalista e cartunista, Pasquim Henfil, enterrou-a

no cemitério dos mortos-vivos do Caboclo Mamado. Mais tarde o desentendimento se

desfizera, e Elis faz uma homenagem a Henfil, que se encontra na letra de O bêbado, e a

equilibrista composição de João Bosco e Aldir Blanc.

O lado combativa da Pimentinha fora destacado em uma situação relacionada a

luta pelos direitos dos músicos. Elis entra na batalha com a Associação de Intérpretes e

Músicos (ASSIM), segundo ela a classe artística não se deu conta do problema que envolve as

gravadoras (ARASHIRO, 1995).

Então faz gravação de qualquer jeito e assina aquele recibo canalha que faz com

que ele ceda seus direitos perpetuamente para gravadora. Então o direito de mão de

obra é entregue à gravadora de mão beijada, ela arrecada e não sei o que se faz com

o dinheiro. Arrecadação não existe. A Socimpro arrecada e passa para a Ordem dos

Músicos que não tem o poder de distribuição. Então o dinheiro fica ali no fundo

previdenciário pra comprar cadeira de rodas, pagar enterro. A gente quer que o

músico viva, não decentemente e sim viva decentemente (ARASHIRO, 1995

p.121).

Numa mistura de paixão e rebeldia, Elis era uma mulher completamente

apaixonada por tudo o que fazia, tanto na vida profissional como em seus relacionamentos.

É impossível falar-se de Elis e não dizer de sua maneira de encarar o amor. Era uma

mulher extremamente apaixonada por tudo, fazia tudo com uma paixão

descomunal. Se dizia, ela própria, uma pessoa de lucidez tal que beirava as raias da

loucura. Por isso, suas paixões foram sempre levadas até as últimas conseqüências,

o que não tem nada a ver com a duração destas paixões. Assumidamente públicos,

Elis teve apenas três relacionamentos: Ronaldo Bôscoli, César Camargo Mariano e

Samuel MacDowel de Figueiredo (KIECHALOSKI, 1984, p.23).

Todos os autores concordam que Elis Regina foi uma das maiores cantoras da

música popular brasileira e, ainda, de um talento inigualável. Mesmo nos anos de chumbo,

alguns nomes se destacavam nos circuito de shows em campi universitários. Elis era uma

delas (NAPOLITANO, 2004). O autor ressalta ainda a contribuição de Elis Regina ao

processo de estruturação da MPB, com leituras mais modernas onde compositores e autores

tinham um ampla recepção do público (NAPOLITANO, 2005).

Hélice Regina ou apenas Elis experimenta a sensação da maternidade, em 1970, a

Pimentinha fica grávida, mas não pára seu trabalho. Nasce então João Marcelo. O bebê tinha

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intolerância alérgica a leite de vaca. “A jovem mamãe fez campanha na tevê para conseguir

amas-de-leite para o filho” (ECHEVERRIA, 2007, p. 88).

Echeverria (2007) mostra a dualidade do comportamento de Elis, brilhante,

talentosa e imprevisível era difícil de definir a cantora: “Ela era assim mesmo. Impossível

fazer projeções de comportamento. Até Rita Lee se espantou quando saiu do tribunal em

agosto de 1976 e, condenada à prisão por porte de maconha. Lá recebeu um bilhete de Elis”

(2007).

Choque seria pouco para descrever o impacto da notícia em todo o país. Morria, aos

36 anos de idade, sem sombra de dúvida, a melhor cantora brasileira, com 27 LPS,

gravados, 14 compactos simples e seis duplos, num total de quatro milhões de

cópias vendidas. Deixava três filhos: João Marcelo, fruto do primeiro casamento,

em 1967, com o compositor Ronaldo Bôscoli; e Pedro e Maria Rita, de sua união

com o tecladista e compositor César Camargo Mariano, com quem vivera por nove

anos (ARASHIRO, 1995, p. 151).

Mas o ano de 1982 ficaria marcado na história da música popular brasileira. A

interprete de O bêbado e a equilibrista, o hino da anistia e outros sucessos morre. A causa

morte de Elis Regina segundo o Instituto Médico Legal (IML) se deu devido a ingestão de

álcool etílico e cocaína confirmado pelo exame toxicológico (ARASHIRO, 1995).

Às 11:30 do dia dezenove de janeiro de 1982,dois homens acenavam

desesperadamente por um táxi em uma das ruas do bairro dos Jardins, em São

Paulo. Seria uma coisa comum se esses dois homens não tivessem em suas mãos

um corpo embrulhado numa manta. E este fato tornou-se histórico porque este

corpo era o de Elis Regina Carvalho Costa. Quinze minutos depois, Elis dava

entrada no Hospital das Clínicas acompanhada de Samuel MacDowell e Marco

Antônio Barbosa, colega de escritório de Samuel. Choques massagens cardíacas

foram tentadas. Inútil: Elis Regina estava morta (KIECHALOSKI,1984,85).

O corpo de Elis Regina chega ao cemitério do Morumbi por volta das 12:20,

seguido por um cortejo de automóveis. Um grande número de pessoas esperava o caixão.

Formou-se uma grande confusão próxima ao túmulo. A polícia permitia que apenas os

jornalistas, familiares e artistas se aproximassem da quadra sete, mas o local foi invadido.

Todos queriam dar um último adeus a Elis (ARASHIRO,1995). A morte não apagou a fama

de Elis um ano após a morte da cantora gaúcha foi instituída em São Paulo a Semana Elis

Regina e criado o Elis Em Movimento. “O fato é que as inscrições até hoje nos muros da

cidade e,certamente, jamais faltará alguém disposto a pegar um spray e, de madrugada, riscar

parede com apenas uma frase: ELIS VIVE” (KIECHALOSKI, 1984 p.85)

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Ela que nunca repetia exatamente uma mesma interpretação, deixando sua voz

privilegiada solta para improvisações. Assim era Elis Regina “a maior cantora brasileira de

todos os tempos” (KIECHALOSKI, 1984, p.26).

5 A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO NAS MÚSICAS DE ELIS REGINA

Não se sabe ao certo como surgiu a música. Trabalha-se com hipóteses não

concretas, porque há muitos estudos sobre a origem musical. Pesquisas que vão desde a pré-

história e passa por civilizações antigas como a Grécia, especialmente, Atenas, que foi o palco

das manifestações culturais (RIBEIRO, 1965).

No Brasil, a música sofre influências de seus colonizadores, desde os primeiros

habitantes desta terra que inclusive fabricavam alguns instrumentos musicais. Mais atuante

nas celebrações, a experiência musical dos indígenas brasileiros foi apenas modestamente

transmitida a esta bendita mestiçagem que chamamos, hoje, de cultura popular brasileira

(ALBIN, 2003). A tradição musical deste país pode-se atribuir a uma grande diversidade de

ritmos, uma pluralidade de gêneros musicais, rica expressão popular, instrumental e de canto

(DIAS, 2000).

A mistura de ritmos, arranjos e estilo, absorvida pela cultural popular brasileira

no cenário musical, sofrera uma grande transformação com a indústria cultural. A música

popular brasileira, MPB, se tornara manipulada pela indústria. A década de 70 sofrera

imposições de uma legislação que censurava e perseguia autores e intérpretes (KRAUSCHE,

1983).

A sociedade, na década 70, passara por um período de transição na história

nacional em todos os setores: político, cultural e socioeconômico, numa época que cujas

canções eram uma forma de resistência, lembranças do exílio e da censura e do tropicalismo

(NAPOLITANO, 2001).

A primeira delas é uma composição de João Bosco e Aldir Blanc, do ano de

1979. Esta canção se tornou o hino da Anistia. A Execução desta música tornou-se

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obrigatória em várias manifestações. A canção é uma homenagem à resistência da sociedade

civil durante os anos de chumbo. Ela transmite a esperança para a pátria brasileira.

O bêbado e a equilibrista

Composição: João Bosco e Aldir Blanc/1979

Interpretação: Elis Regina

Caía a tarde feito um viaduto

E um bêbado trajando luto

Me lembrou Carlitos...

A lua

Tal qual a dona do bordel

Pedia a cada estrela fria

Um brilho de aluguel

E nuvens!

Lá no mata-borrão do céu

Chupavam manchas torturadas

Que sufoco!

Louco!

O bêbado com chapéu-coco

Fazia irreverências mil

Prá noite do Brasil.

Meu Brasil!...

Que sonha com a volta

Do irmão do Henfil.

Com tanta gente que partiu

Num rabo de foguete

Chora!

A nossa Pátria

Mãe gentil

Choram Marias

E Clarisses

No solo do Brasil...

Mas sei, que uma dor

Assim pungente

Não há de ser inutilmente

A esperança...

Dança na corda bamba

De sombrinha

E em cada passo

Dessa linha

Pode se machucar...

Azar

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A esperança equilibrista

Sabe que o show

De todo artista

Tem que continuar...

Caía a tarde feito um viaduto observando essa expressão utilizada na letra Martins

(2008), destaca que há uma referência à súbita queda do viaduto Paulo de Frontin, no Rio de

Janeiro, em 1971, no auge da ditadura militar até hoje com causa desconhecida. A queda

matou 29 pessoas e feriu outras 30. Desde que o Brasil ficou nas mãos dos militares crescia

paralela ao poderio bélico a revolta em todas as classes sociais. Podemos observar na

afirmação de Lopes (1995), quando o autor atribui o comportamento social ao conjunto de

transformações que o homem realiza na sociedade em vários aspectos.

E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos. Segundo Martins (2008), o luto

a qual a letra se refere trata-se da forma de protestar contra tudo que fora proibido pela

censura. Luto também pelas mortes dos revolucionários e civis, Carlitos era o personagem do

cinema mudo, Charles Chaplin era também símbolo do marginalizado capitalismo mundial

transmitia o sentimento do povo brasileiro. Diante disso, não há como analisar a canção sem

relembrarmos o conceito de imaginário social de Legros et al (2007), o qual remete a três

significados fundamentais, a dimensão mítica da existência social e a imaginação de uma

outra sociedade. O brasileiro transferia seu sonho pelos meios artísticos.

A lua tal qual a dona do bordel. Talvez uma relação com a política de abertura a

“prostituição do mercado nacional” para os estrangeiros. Os porões da ditadura escondem

manchas de sangue, torturas e morte. Mata-borrão era uma almofada usada para apagar

borrões de tinta deixados pelas canetas antigas (MARTINS, 2008). No entanto, neste contexto

a expressão foi empregada no sentido de alerta porque estão escondendo ou tentando apagar

todos os vestígios.

Chupavam manchas torturadas que sufoco é a relação com as manchas e

cicatrizes que ficaram para a geração desta época. Muitos foram exilados ou desapareceram

dentro das instituições de poder da época como DOI-CODI e DOPS os demais é o que explica

Arns (1985) e as torturas as quais as pessoas perseguidas pelo regime foram submetidas.

A palavra louco deve-se fazer associação com as pessoas que foram internadas em

sanatórios, submetidas a tratamento de choques e outros sem que suas famílias soubessem de

seu paradeiro (TAVOLARO, 2002). Aqueles considerados sem juízo ou desacreditados como

os bêbados que faziam ou praticavam atos irreverentes naqueles tempos difíceis.

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Vale apropriar-se do conceito de Lacan, citado por Silva (2003), que localiza o

imaginário entre a filosofia e a psicanálise anterior ao simbólico. Afirma que este passou a ser

o teatro das ilusões do eu. O mundo irreal onde apenas os loucos podem transitar é um local

seguro.

Henfil , jornalista e cartunista do Pasquim da época, o mesmo que enterra Elis no

cemitério dos mortos vivos, coluna do jornal. Agora seu nome era citado na música para

expressar a saudade das famílias que tiveram parentes arrancados de seus lares. O sonho dele

representava o de milhares de pessoas, Betinho (Herbet de Souza) era o irmão esperado

exilado no Canadá fora do país desde 1971. Voltara ao Brasil com o hino da revolução no dia

de sua chegada no aeroporto de Congonhas pairava a dúvida se ele iria preso ou não. A

música tocava por toda parte do aeroporto a TV Globo colocou a música no ar. Neste mesmo

dia Henfil e Betinho foram ao show de Elis, que interrompeu o espetáculo para dizer ao

público que o motivo daquela música estava presente. Neste momento ela diz “ e já tinha

voltou o irmão do Henfil” foi a forma que ela achou de se desculpar pelas críticas que fizera

(ECHEVERRIA, 2007).

A anistia alguns comemoraram outros nem tanto. O general João Batista

Figueiredo presidente assina a lei em 1979 com suas ressalvas. É o que Kucinski (1982) fala

sobre a situação dos anistiados, a liberdade viera, mas quem teve seu mandato cassado ou foi

demitido de sindicatos ou até mesmo processado pela Lei de Segurança Nacional continuou a

lei da inelegibilidade.

Pessoas que foram arrancadas de suas famílias, dos locais de trabalhos e

simplesmente sumiram sem deixar rastro. Alguns corpos foram localizados outros foram

tragados pela terra.

Chora a nossa pátria mãe gentil é alusão ao Hino Nacional como pode a pátria

majestosa cometer atrocidades com os compatriotas? Bem como a lembrança das mães que

ficaram sem os filhos. É interessante relacionar esse aspecto à construção do imaginário, visto

que, segundo Juremir Machado da Silva (2003), acontece por identificação, retrata situações

vividas e experiências. Neste caso, o que acontece é a forte relação da expressão interpretada

por Elis Regina, onde mães que choraram podem também sofrer influências na construção de

seu imaginário.

Marias e Clarisses, viúvas da música simbolizam as mulheres dos presos políticos

mortos sob tortura. Clarisse é o nome da mulher do jornalista Vladimir Herzog; Maria, o da

esposa do operário Manuel Fiel Filho. Os dois tinham sido assassinados sob tortura nas

dependências do Exército, em São Paulo, nos anos de chumbo. O mesmo Brasil que

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comemora a Copa do Mundo chora a morte de tanta gente neste período de ditadura

(MARTINS, 2008). Napolitano (2004) concorda e adverte sobre a estratégia do governo para

encobrir os acontecimentos políticos com as campanhas da Copa de 70. Lembra ainda dos

slogans “para frente Brasil”, “eu te amo Brasil”, “Brasil ame-o ou deixe-o” juntamente com a

mídia.

Em contra partida a dor intensa que espera e confia e a esperança não será inútil,

porém é uma incógnita a incerteza como numa corda banda igual aos trapezistas. E o

equilíbrio é o que pode de segurar dentro desta incerteza ou machucar. Mas é preciso dançar

conforme a música, ou melhor, seguir as imposições ou sofrerá represálias pela

desobediência. A sorte ou azar depende da cada um, mas o show não pode parar seja qual for

o resultado.

A esperança é a mesma que a juventude da época busca nas lutas por seus ideais e

assim surgiram instituições como a União Nacional dos Estudantes (UNE), fundada em 1937

e atuante em 1970 (ARNS, 1985).

Podemos dizer que a expressão dança na corda bamba de sombrinha compete

afirmar as idéias de Sartre (1996), onde o imaginário é um ato mágico um encantamento

através do objeto que por sua vez, torna-se algo particular. Na frase a palavra dança pode ser

interpretada como uma atitude individual e opcional, mas com suas conseqüências.

Pode se machucar azar da esperança equilibrista sabe que o show de todo artista

tem que continuar... Se machucar neste período não era uma questão de escolha, mas de

sobrevivência nos anos de chumbo. Cicatrizes e mortes cercaram o período que o regime

imperou no país. Gaspari (2003) traz o relato do exército sobre a morte do último guerrilheiro

do Araguaia e os tumultos causados pelo confronto entre manifestantes e policiais em São

Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Cabe salientar as idéias de Jung, citado por Durand (2004),

sobre a imagem a cerca da construção, ou seja, assim como os doentes sonham com a

perspectiva de cura, a sociedade brasileira deste período sonhava em libertar-se do regime

militar e seus decretos. A despeito de todas as dores e males! A vida, e a luta, continuam.

Essa canção foi gravada por vários intérpretes nos anos seguintes, mas a voz e a

interpretação de Elis Regina fizeram dela a canção da anistia. A tão esperada anistia que

concedeu o perdão aos torturadores passou uma borracha no passado. A maioria dos

“doutores” foi absolvida e outros nem foram a julgamento. (ISTO É, 2004).

O imaginário aparece na composição ora de forma mítica ou ideológica de acordo

com o Durand (2004). Tudo é uma relação entre pensamento e sentimento da época os anos

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da ditadura militar estão cercados de padrões, conceitos e expressões. É importante assegurar

que tudo faz parte do contexto histórico, como afirma Trindade (2003).

Contudo, Marias e Clarisses lutaram até serem ouvidas travaram batalhas e

superaram limites impostos na época. Hélice Regina não apenas colocou o vocal na letra

sobre o arranjo melódico, mas jogou a emoção de uma forma única tanto que mesmo depois

quase trinta anos ninguém conseguiu cantar melhor que ela “O bêbado e a equilibrista”. Elis

Regina encenou a dor, revolta, esperança e com seu canto utilizou o talento nas suas

interpretações e coreografias, ela sabia o preço das coisas. “Enfrentava qualquer parada

munida sempre de trunfos: um repertório perfeito procurava os melhores músicos, tinha

trabalhando consigo os mais brilhantes arranjadores” (KIECHALOSKI, 1984).

A juventude, nesta época, lutava pela liberdade pela conquista dos direitos em

vários setores sociais. A repressão fez com que a sociedade estivesse mais atenta a tudo a sua

volta o movimento feminista começa ganhar força no Brasil. O teatro brasileiro também foi

um marco da contracultura um dos nomes em destaque era José Celso Martinez Corrêa, com a

peça Roda Vida embalados pela canção também deste período Pra não dizer que não falei das

flores, Geraldo Vandré (ÉPOCA,2008). Vamos à segunda música uma composição de

Belchior com interpretação de Elis.

Como nossos pais

Composição : Belchior / 1976

Não quero lhe falar,

Meu grande amor,

Das coisas que aprendi

Nos discos...

Quero lhe contar como eu vivi

E tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar

Eu sei que o amor

É uma coisa boa

Mas também sei

Que qualquer canto

É menor do que a vida

De qualquer pessoa...

Por isso cuidado meu bem

Há perigo na esquina

Eles venceram e o sinal

Está fechado prá nós

Que somos jovens...

Para abraçar seu irmão

E beijar sua menina na rua

É que se fez o seu braço,

O seu lábio e a sua voz...

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Você me pergunta

Pela minha paixão

Digo que estou encantada

Com uma nova invenção

Eu vou ficar nesta cidade

Não vou voltar pro sertão

Pois vejo vir vindo no vento

Cheiro da nova estação

Eu sei de tudo na ferida viva

Do meu coração...

Já faz tempo

Eu vi você na rua

Cabelo ao vento

Gente jovem reunida

Na parede da memória

Essa lembrança

É o quadro que dói mais...

Minha dor é perceber

Que apesar de termos

Feito tudo o que fizemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Como os nossos pais...

Nossos ídolos

Ainda são os mesmos

E as aparências

Não enganam não

Você diz que depois deles

Não apareceu mais ninguém

Você pode até dizer

Que eu tô por fora

Ou então

Que eu tô inventando...

Mas é você

Que ama o passado

E que não vê

É você

Que ama o passado

E que não vê

Que o novo sempre vem...

Hoje eu sei

Que quem me deu a idéia

De uma nova consciência

E juventude

Tá em casa

Guardado por Deus

Contando vil metal...

Minha dor é perceber

Que apesar de termos

Feito tudo, tudo

Tudo o que fizemos

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Nós ainda somos

Os mesmos e vivemos

Ainda somos

Os mesmos e vivemos

Ainda somos

Os mesmos e vivemos

Como os nossos pais...

Elis interpreta a música alternando frases de efeito para que sejam observados

determinados fatos trazidos na canção. A canção começa num andamento lento apropriando-

se da linha melódica. A certa altura a expressividade vai fazendo parte da mistura rítmica

cadenciada e cênica. Ela une imagem e a técnica de interpretação a canção de Belchior o

então respeitado pela crítica e consequentemente teve seu trabalho eternizado pela intérprete

(KIECHALOSKI , 1984).

Discorrer sobre a juventude neste período tão crítico para os brasileiros é valer-se

das idéias de Silva (2003), acerca das tecnologias do imaginário que são dadas também por

meios das produções de mitos, associações e visões de mundo.

A primeira estrofe da canção é uma alusão às coisas aprendidas nas músicas

daquele período. É o que diz Krausche (1983) sobre esta questão. Segundo o autor, o Brasil

canta e ouve a sua fantasia, reproduzida pela indústria e mercado fonográfico, pelos meios de

comunicação de massa podemos afirma que é um processo da indústria cultural. Mas estes

mesmo veículos foram perseguidos pela censura, conforme Napolitano (2001). Traz as

conseqüências sofridas por alguns que tentaram burlar a censura como os jornais que tiveram

suas redações invadidas e funcionários presos. Não poderia ser diferente se considerarmos o

ponto de vista de Chaui (2000), o qual atribui define a cultura como um conjunto de

comportamentos crenças e instituições agregadas de valores morais e materiais.

O trecho “quero lhe contar como eu vivi de tudo que aconteceu comigo” o que

esta juventude pretendia contar, se a tarefa do Departamento de Imprensa e Propaganda fora

criado em 1939 bem como a Lei de Imprensa em 1967. As mesmas foram aplicadas em 1970

de acordo com Mattos (2005). A justificativa para as atrocidades praticadas pelos órgãos do

governo era de manter a ordem e afastar o Brasil perigo dos comunistas como afirma Cirano

(1983).

Viver é melhor que sonhar, a falta de liberdade e insegurança não deixa

alternativa do que viver atrelado ao mundo das idéias do irreal . O trecho nos remete a

afirmação de Silva (2003), no qual a projeção irreal poderá se tornar real seria o imaginário

emanando o real, ou seja, o ideal retornando ao real como elemento propulsor. O que nada

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mais é do que desejo de liberdade da sociedade como um todo. A mesma que viveu sob as

condutas ditadas pelo regime militar e seus atos institucionais. Exemplificado nas afirmações

de Sodré (1984) atribui que a ditadura entregou o controle da economia do país aos

estrangeiros.

Mas o trecho dessa canção diz que o amor é uma coisa boa. Só amor para superar

a vida cercada de repressão da época. Este sentimento pode ser descrito como algo mítico

algo como uma fala roubada como disse Barthes citado por Kehl (2004), já que a certeza não

havia. Tempos difíceis até para as instituições como a igreja católica. A Igreja viu não apenas

os fiéis sendo perseguidos presos e mortos como seus dirigentes. Kucinski (1982) define o

momento que a igreja passa a ser o inimigo número um do regime militar e por conta desta

postura o clima entre Estado e Igreja é tenso. A atitude do governo brasileiro é condenada

pelo Papa VI, de acordo com Gaspari (2003). Mas também sei que qualquer canto é menor do

que a vida de qualquer pessoa, este trecho constitui o lado mítico assume várias significações

e a palavra canto pode assumir, contudo, a forma designada por Legros et al (2007)

significados e significações tudo o que cerca o meio social. Ou seja, a vida tinha pouco

significado neste caso qualquer lugar era melhor do que o Brasil militar cercado por

torturadores. E seus métodos desumanos como acontecia nos porões do DOI-CODI e DOPS

como descreve Arns (1985). A violência ultrapassa os limites de crueldade. A ênfase que

intérprete dá em determinado momento como um sinal de alerta há perigo por toda parte. O

mesmo risco que Napolitano (2004) define para a juventude crítica dos anos 70, o sinal está

fechado para nós que somos jovens. Este sinal fechado é uma constatação para a população

jovem segundo Napolitano (2001),pois restam três opções: a resistência democrática, a

clandestinidade da guerrilha ou a busca de uma vida em outra sociedade. No entanto,

Maffesoli, citado por Silva (2003), diz que este comportamento é princípio da racionalização

é o “laço social” uma espécie de patrimônio de grupo ou tribal nesta época um desejo

coletivo.

O desejo de abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua. É que se fez o seu

braço, o seu lábio e a sua voz. Nesta parte da letra abraçar e beijar palavras que deixaram

saudades para as famílias perderam seus entes para nos conflitos ou desapareceram

subitamente. No Brasil repressão não havia perspectiva mas conflitos armados e fiscalização

em todos os setores tudo em nome da ordem, é o que diz Kucinski (1982).

No entanto, Napolitano (2004) observa que mesmo com a repressão abre-se um

caminho para uma cultura alternativa. Ou seja, o regime contribui para a expansão de outras

formas de expressão. Destaca-se a imprensa, teatro e cenário musical. Contudo, Silva (2003)

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fundamenta seus argumentos afirmando que tudo é uma questão de educação existencial dos

sentidos e da percepção.

Mas a letra da canção traz um questionamento em forma de narrativa você me

pergunta pela minha paixão digo que estou encantada com uma nova invenção. A mesma

juventude idealista, segundo Pereira (1982), cria seus movimentos como o da contracultura e

outros que surgiram a partir dele. Outro aspecto interessante a ser analisado dessa invenção

pode ser o aspecto sociocultural da sociedade brasileira na área da comunicação. Essa paixão

pode ser atribuída às organizações estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE)

um símbolo das lutas estudantis em escala nacional era a resistência, como salienta Arns

(1985).

É um período desconexo ao mesmo tempo em que imperam os aparelhos

censores. É o período de ascensão do espaço audiovisual brasileiro, de acordo com Ramos

(2004). A nova invenção pode ser atribuída à forma de abertura social influências na moda,

música e outras áreas, como afirma Pereira (1982).

Se pegarmos o conceito de Silva (2003) quando fala sobre a relação tribal, desejo

e sonho como uma forma de estruturação pelo contágio como princípio do imaginário,

localizamos na letra da música o desejo coletivo de quem deixou o interior e veio para a

cidade. Eu vou ficar nesta cidade não vou voltar para o sertão, pois vejo vir vindo no vento o

cheiro da nova estação. Essa época foi a que mais se registrou índices de êxodo rural das

regiões do interior do país para as grandes metrópoles. Kucinski (1982) descreve um

verdadeiro inchaço nas grandes cidades metropolitanas com migrantes de todo Brasil, com o

sonho de uma vida melhor. Mas o homem é interpelado, de acordo com Silva (2003), pelas

idéias que produz.

Deste modo cabe a afirmação eu sei de tudo na ferida viva do meu coração, é a

certeza que restou para quem sofreu com as represálias do então regime instaurado. A luta e a

insatisfação não é um sentimento apenas deste momento. É o que observamos nos versos

sobre a relação de tempo. Já faz tempo eu vi você na rua cabelo ao vento gente jovem

reunida. É a constatação da época vivida cabelo ao vento pronto para o conflito armado se

preciso for com o vigor da juventude. A chegada da contracultura o envolvimento da

juventude com a situação política mudanças na MPB conforme esclarece Tinhorão (1998).

Podemos afirmar também que o trecho é uma referência ao passado de maneira

que o conjunto, o imaginário dos jovens cobre uma determinada época de uma sociedade. É o

que Durand (2004) contextualiza ao observarmos a frase sobre na parede da memória esta

lembrança é o quadro que dói mais. É o campo da idéias intangíveis, é o museu onde todas

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as imagens possíveis são produzidas. Desta forma, não como separar ou esquecer a história e

os acontecimentos que cercam a sociedade neste momento. Lembranças do AI-5 e com ela

toda falta de consideração com o ser humano de acordo com Ventura (1988).

As representações do passado paralelas ao contexto da vida cotidiana e a

experiência vivida expressa a intensa dor. Cabe nos apropriarmos da definição de imaginário

social o qual Legros et al (2007) fala sobre as relações afetivas, movimento e tumultuoso.

Logo não há como esquecer das pessoas que desapareceram a preocupação por toda parte.

Tanto que D. Paulo Evaristo coleciona nomes de vestígios para compor provas documentais

compondo uma lista de desaparecidos (GASPARI, 2003).

A uma constatação de um sentimento de lamento e fracasso com as palavras

minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos. Ainda somos os mesmos

e vivemos. Como nossos pais. A cantora interpreta a letra atribuindo o sentimento ou desvio

de nossas responsabilidades para a outra geração. Silva (2003) afirma que a sempre um desvio

do “eu” no “outro”. Neste caso estaria atribuindo uma transferência de sonhos do “eu” para os

pais. Desta forma a música, ou melhor, a letra é uma reprodução ou repetição dos fatos de

forma cíclica, concordando com Maffesoli e o conceito de tribos. A transferência da solidão

para a oferta da partilha, como enfatiza Silva (2003). Mas é necessário cultivar ídolos de uma

forma que a sociedade possa suprir suas carências, conforme as idéias de Trindade (2003).

O que restaria naquela situação a não ser sonhar e cultivar ídolos já que as casas

eram invadidas pelos militares e a situação econômica era difícil estava em crise. Como

explica Sodré (1984), a época é repleta de confrontos históricos entre manifestantes e

representantes do governo. Mas os ídolos são os mesmos de nossos pais quem sabe, a

afirmação que depois deles não apareceu mais ninguém. Muitos ícones tentaram preencher o

vazio deixado pela falta de liberdade de expressão. Era importante ter símbolos de liderança

assim como Che Guevara ou a rebeldia dos integrantes da Jovem Guarda e os tropicalistas, de

acordo com Fróes (2000). Ídolos na política através da música Caetano, Gil, Bethânia, Nara

Leão, Gal Costa e muitos outros e a cantora Elis Regina.

As aparências não enganam não, mesmo com a lei da anistia assinada as coisas

não melhoram para a sociedade como o esperado. A justiça concedeu o perdão político e

algumas regalias aos torturadores. Conforme Kucinski (1982), explicaria no processo da

anistia. Portanto de nada adiantaria eleger novos ídolos se os antigos não obtiveram o êxito

nas funções. Pode-se atribuir a mídia como instrumento de controle principalmente a TV onde

a imagem dá-se o processo do imaginário usado como forma de manipulação de mentes

fundamentado na teoria de Durand (2002). O trecho você pode até dizer que eu tô por fora ou

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então que eu que to inventando. Mas é você que ama o passado e que não vê , é você que ama

o passado e que não vê que o novo sempre vem.

Estar por fora, manter-se alienado fora dos acontecimentos sociais estaria num

terreno fantástico e idealizado, de acordo com Durand (2004). Quanto à interpretação desta

parte da música Elis faz pausas ritmadas para salientar uma incerteza e uma afirmação

“culpa” quem olha o passado e não vê o progresso de aproximar. O novo sempre vem ele é

inevitável principalmente nos anos que a composição foi escrita e devidamente interpretada

por Elis. Também no sentido que a propaganda do governo era do Brasil em

desenvolvimento. Anos 70, década de mudanças e transições em todos os sentidos que

abrangeram desde as artes bem como a política. A expansão do mercado cinematográfico deu-

se neste ano bem como a reforma mercadológica, como define Ramos (2004).

Hoje eu sei quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude. Está em

casa guardado por Deus contando vil metal. Os ideais e os sonhos da juventude reprimida, é

o mesmo das gerações anteriores. É o que Lopes (1995) define de conjunto de

transformações e interpretações realizados pelo homem definida como cultura. A

representação imaginária carregada de emoções de Trindade (2003).

Essa relação mercadológica aparece numa das últimas estrofes da música de uma

maneira figurada, ta em casa guardado por Deus contanto vil metal. A relação capitalista e a

transformação na vida do brasileiro com o capital estrangeiro. Podemos citar também as

proposta de abertura da prospecção de petróleo. Vale ter como base o conceito de Karl Marx

relacionando as instituições econômicas ao imaginário como produtos das ações humanas.

Bem como o argumento de Luckács citado por Trindade (2003) sobre a consciência dos

capitalistas ao mitificarem as relações reais dos homens com o produto ou instituição por eles

produzidos é a condição do funcionamento da economia capitalista.

O trecho que a intérprete diz enfática que minha dor é perceber que apesar de

termos feito tudo o que fizemos. Nós ainda somos os mesmos e vivemos. Como nossos pais. É

o que Kehl (2004) caracteriza por mito a reprodução que um determinado grupo produz como

verdade. Voltamos a ser como nossos pais que um dia foram jovens e lutaram agora descansar

nos seus lares acomodados reproduzimos então a geração anterior a nossa. Elis Regina torna-

se porta voz das famílias brasileiras e das relações pais e filhos com essa interpretação ora

com lacrimas ora indignação. Ela que também é parte deste ciclo canta como filha que deixou

a terra natal e como mãe.

A outra música chama-se O mestre-sala das marés, o que a diferencia das demais

análises é o fato relacioná-la diretamente com nosso objeto. Porque da composição fazer parte

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do repertório de Elis na sua melhor fase como cantora. Desta forma, nos apegamos ao

contexto histórico de posse dos argumentos do imaginário.

Segundo Kiechaloski (1984), Elis e o Falso Brilhante este era o nome do show

que a cantora ficara para sempre eternizada na cultura brasileira. Um espetáculo montado com

roteiro, cenário, figurinos, repertório, arranjos contando a história de uma cantora brasileira.

Este show permaneceu um ano e quatro meses em cartaz no Teatro Bandeirantes, em São

Paulo. Ela finaliza o show de porta-bandeira cantando O Mestre-sala das marés. Música de

João Bosco e Aldir Blanc de 1974, esta música que iremos analisar a seguir. Antes de

iniciarmos a análise é necessário ressaltar que as intervenções dos órgãos fiscalizadores do

governo até nas composições essa música foi uma entre muitas que foram vetadas ou

alteradas (MATTOS, 2005).

O Mestre Sala dos Mares

(João Bosco / Aldir Blanc)

(letra original sem censura)

Há muito tempo nas águas da Guanabara

O dragão do mar reapareceu

Na figura de um bravo marinheiro

A quem a história não esqueceu

Conhecido como o almirante negro

Tinha a dignidade de um mestre sala

E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas

Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas

Jovens polacas e por batalhões de mulatas

Rubras cascatas jorravam das costas

dos negros pelas pontas das chibatas

Inundando o coração de toda tripulação

Que a exemplo do marinheiro gritava então

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias

Glória à farofa, à cachaça, às baleias

Glória a todas as lutas inglórias

Que através da nossa história

Não esquecemos jamais

Salve o almirante negro

Que tem por monumento

As pedras pisadas do cais

Mas faz muito tempo

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O Mestre Sala dos Mares

(João Bosco / Aldir Blanc)

(letra após censura durante ditadura militar)

Há muito tempo nas águas da Guanabara

O dragão do mar reapareceu

Na figura de um bravo feiticeiro

A quem a história não esqueceu

Conhecido como o navegante negro

Tinha a dignidade de um mestre sala

E ao acenar pelo mar na alegria das regatas

Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas

Jovens polacas e por batalhões de mulatas

Rubras cascatas jorravam das costas

dos santos entre cantos e chibatas

Inundando o coração do pessoal do porão

Que a exemplo do feiticeiro gritava então

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias

Glória à farofa, à cachaça, às baleias

Glória a todas as lutas inglórias

Que através da nossa história

Não esquecemos jamais

Salve o navegante negro

Que tem por monumento

As pedras pisadas do cais

Mas faz muito tempo

Essa música era uma homenagem a João Cândido Felisberto e participação na

revolta da chibata. Interessante esta canção, segundo a ótica de Krausche (1983) sobre a MPB.

O autor destaca que mesmo ao longo da história da construção da MPB o processo de

constituição do som e uma imagem não impede que a música tenha seus traços regionais.

Logo pensamos que o imaginário estaria agregado a imagens, lembranças e sentimentos

através de um mecanismo grupal de acordo com Silva (2003). Para Trindade (2003), a

história é a grande responsável pela criação de mitos e heróis. Diz que através destes

exemplos os povos criam e recriam hábitos.

Ou seja, esta canção não é apenas uma homenagem ao almirante ou navegante

negro. E ao mesmo tempo uma forma de contar a história de outro ângulo. Algumas palavras

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foram trocadas pela censura, a música, além disso, possui um papel social e a intérprete Elis

Regina soube representar bem esta fase da MPB.

O mestre-sala das marés fazia parte do espetáculo chamado O Falso Brilhante

este show foi diferente dos demais pelo profissionalismo e caráter político através das canções

que nele estavam inseridas (ECHEVERRIA, 2007).

A música relembra o período em que os navios que aportavam nas águas do Rio

de Janeiro e os marinheiros eram tratados como escravos e submetidos a castigos físicos,

humilhações e discriminação mesmo depois da abolição (SUA PESQUISA, 2008).

A revolta da chibata liderada por João Cândido, ficou conhecido como almirante

negro por volta 1910 e foi a partir deste motim os trabalhadores dos portos lutaram por

igualdades salariais e a extinção dos castigos cruéis. A revolta foi deflagrada após o

marinheiro Marcelino Rodrigues ser castigado diante de toda tripulação com 250 chibatas.

João Cândido era o porta-voz dos marinheiros, redigiu uma carta com as condições da

tripulação pressionando a Marinha e o governo.

Os revoltosos ameaçaram atacar a capital. Preso viu seus companheiros morrem

foi expulso da marinha após ter sobrevivido na ilha das Cobras, local onde os rebeldes eram

levados e torturados e depois executados por fuzilamento.

João Cândido foi internado num hospício recebeu alta e terminou seus dias como

vendedor de peixe. Morreu aos 89 anos, mas foi através de suas palavras que o governo

concedeu o fim dos maus tratos que a marinha aplicava para manter a disciplina e a ordem

(MOREL, 1979).

Pode parecer que não há sentido esta análise, mas devemos concentrar nos

detalhes como a música foi escrita e as intervenções pelas quais passou assim chegamos ao

ponto de análise.

Tendo por base as palavras de Legros et al (2007), em relação ao imaginário

social e a vida cotidiana pela experiência vivida, a letra da música narra à história e a rotina

não apenas dos marinheiros, mas de todos os trabalhadores.

Segundo Sodré (1984), com a decadência do AI-5, a crise financeira invade a

economia brasileira, e os preços sobem descontroladamente. Os trabalhadores assalariados

precisavam trabalhar mais de 150 horas mensais para adquirir o sustento para uma pessoa.

Essa afirmação pode ser traduzida nos trechos da letra, rubras cascatas jorravam das costas

dos (negros) santos (pelas pontas da chibata) entre cantos e chibatas . Inundando o coração

(de toda tripulação) do pessoal do porão. Leva o imaginário aos porões sangrentos da

ditadura.

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Voltamos para a história que motivou a canção, João Cândido reivindica os

direitos da classe. João Bosco e Aldir Blanc escreveram sobre a história do Brasil nos anos de

chumbo com a letra desta música.

Era o pranto da classe trabalhadora desta época. Os compositores foram obrigados

pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) a mudar a letra da música (MATTOS,

2005). Mas nem todos acham que a ditadura foi a pior fase. Dias (2000) discorda que a

censura seria um entrave no mercado fonográfico. Pelo contrário, afirma que a ditadura e

censura contribuíram para que a classe artística principalmente os que tiveram obras

censuradas alcançasse uma imagem de mártir assim venderiam mais.

Elis gravou a composição da dupla Bosco/Blanc e a música foi escolhida para

fechar o espetáculo O Falso Brilhante . Kiechaloski (1984) ressalta o objetivo da cantora,

falar sobre a situação brasileira, mas com uma diferença falar com esperança. “O Brasil é feito

de pessoas feias, mal-vestidas e mal-alimentadas. Se o cara vai ao show e se assusta é porque

está se vendo no espelho”, disse Elis.

A exploração e o preconceito que aparecem na letra da música podem ser

associados aos conflitos e ao movimento sindicalista na década de 70. O pessoal do porão

citado na letra deve ser associado às constatações históricas de Gaspari (2003) o seqüestro do

embaixador alemão Von Holleben, que foi trocado por 40 presos políticos. Este período ficou

marcado por uma série de seqüestros era a única forma de chamar a atenção do governo

diante da situação.

É fundamental nesta análise disseminar os conceitos de imaginários, podemos

dizer que no relato dos fatos acima o governo e a Marinha valiam-se dos conceitos de Adorno,

Foucaut e Heidegger citados por Silva (2003). O autor explica que as sociedades modernas

funcionam com base na vigilância e na punição, as pós modernas, na sedução e na

recompensa a baixo investimento.

Elis Regina deixara sua fase Pimentinha, decidiu encarar o desafio de montar um

show diferente com a cara do Brasil. Com esta música sua é a interpretação mudaria a cena,

ela entra no palco de porta-bandeira (KIECHALOSKI, 1984). Sobre o empenho da intérprete

nos baseamos no conceito de imaginário de Silva (2003) por aceitação do modelo do outro a

lógica tribal, a identificação da situação do próximo.

Não importa qual o objetivo de incluir a música neste show e sim a relevância

histórica por parte dos autores e da cantora. Não deixar que ídolos ou mártires da resistência

ficassem esquecidos fora da memória nacional.

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A outra canção a ser estudada é de autoria de Chico Buarque de Holanda, cantor e

compositor, um dos nomes mais censurados na pela ditadura militar. Conheceu Elis Regina

em 1965 no Festival de Musica Popular Brasileira transmitido pela TV Excelsor. Ficou

exilado na Itália teve as músicas Cálice e Apesar de você censuradas, adotou o pseudônimo,

Julinho da Adelaide, de volta ao Brasil compôs Construção a qual Elis foi escolhida para

interpretar a letra que traz denuncia aspectos sociais, econômicos e culturais (BAHIANA,

1980).

Construção

Composição: Chico Buarque

Amou daquela vez

Como se fosse a última

Beijou sua mulher

Como se fosse a última

E cada filho seu

Como se fosse o único

E atravessou a rua

Com seu passo tímido

Subiu a construção

Como se fosse máquina

Ergueu no patamar

Quatro paredes sólidas

Tijolo com tijolo

Num desenho mágico

Seus olhos embotados

De cimento e lágrima

Sentou prá descansar

Como se fosse sábado

Comeu feijão com arroz

Como se fosse um príncipe

Bebeu e soluçou

Como se fosse um náufrago

Dançou e gargalhou

Como se ouvisse música

E tropeçou no céu

Como se fosse um bêbado

E flutuou no ar

Como se fosse um pássaro

E se acabou no chão

Feito um pacote flácido

Agonizou no meio

Do passeio público

Morreu na contramão

Atrapalhando o tráfego...

Amou daquela vez

Como se fosse o último

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Beijou sua mulher

Como se fosse a única

E cada filho seu

Como se fosse o pródigo

E atravessou a rua

Com seu passo bêbado

Subiu a construção

Como se fosse sólido

Ergueu no patamar

Quatro paredes mágicas

Tijolo com tijolo

Num desenho lógico

Seus olhos embotados

De cimento e tráfego

Sentou prá descansar

Como se fosse um príncipe

Comeu feijão com arroz

Como se fosse o máximo

Bebeu e soluçou

Como se fosse máquina

Dançou e gargalhou

Como se fosse o próximo

E tropeçou no céu

Como se ouvisse música

E flutuou no ar

Como se fosse sábado

E se acabou no chão

Feito um pacote tímido

Agonizou no meio

Do passeio náufrago

Morreu na contramão

Atrapalhando o público...

Amou daquela vez

Como se fosse máquina

Beijou sua mulher

Como se fosse lógico

Ergueu no patamar

Quatro paredes flácidas

Sentou prá descansar

Como se fosse um pássaro

E flutuou no ar

Como se fosse um príncipe

E se acabou no chão

Feito um pacote bêbado

Morreu na contra-mão

Atrapalhando o sábado...

Por esse pão prá comer

Por esse chão prá dormir

A certidão prá nascer

E a concessão prá sorrir

Por me deixar respirar

Por me deixar existir

Deus lhe pague!

Pela cachaça de graça

Que a gente tem que engolir

Pela fumaça desgraça

Que a gente tem que tossir

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Pelo andaimes pingentes

Que a gente tem que cair

Deus lhe pague!

Pela mulher carpideira

Prá nos louvar e cuspir

E pelas moscas bixeiras

A nos beijar e cobrir

E pela paz derradeira

Que enfim vai nos redimir

Deus lhe pague!

A música Construção interpretada por Elis Regina estava no roteiro que ela fez

para o show destinado a cantar a realidade do Brasil e de seu tempo. Escolheu a canção que

fala do país como se fosse a classe operária. O autor expressa através das estrofes corridas a

situação do país em “construção”. O imaginário estaria impregnado como uma distorção

involuntária do vivido que se cristaliza como marca individual ou grupal na concepção de

Silva (2003).

A descrição da rotina dos operários que saem de suas cidades ou estado para a

grande metrópole deixando famílias na esperança de vencer em busca do progresso. Nos anos

70 foi registrado um grande índice de ocupação nas cidades metrópoles o que ocasionou uma

série de problemas urbanos. (KUCINSKI,1982).

O autor buscou expressar pelas representações e tenta seduzir pela emoção em

determinados trechos da música, concordando com Legros et al (2007), sobre as derivações e

representações através das ações.

Sendo assim podemos observar na letra de Construção expressões que nos fazem

imaginar a rotina dos trabalhadores e o sentimento que eles carregam durante o trabalho

diário. Amou daquela vez a última retrata a incerteza a falta de opção sobre o amanhã.

Sentimentos oriundos da época pela situação que a sociedade enfrentava.

O Brasil da ditadura era também o país dos operários e do nascimento de partidos

políticos das dívidas deixadas pelo AI-5 aos movimentos que protestavam contra a violência e

a linha dura. Enquanto o país abria sua economia para o capital estrangeiro o governo usava

sua arma de persuasão conforme o imaginário político, como define Silva (2001).

O carisma de Elis era necessário para que música obtivesse êxito nas classes, a

interpretação era emocionada ela conseguia cantar e chorar ao mesmo tempo sem,

interrupções, sem desafinar (ECHEVERRIA, 2007). No entanto, a canção ganha aspecto de

algo fantástico apresentando soluções momentâneas lúdicas ou subjetivas, descritas por

Durand (2004) como a verdade pragmática que encontramos em alguns trechos. E tropeçou

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no céu como se fosse bêbado, e flutuou no ar como se fosse um pássaro. Talvez fosse a

maneira que os homens encontravam para suportar a vida fria da cidade grande.

Hélice Regina era mais do que uma cantora. Estava engajada nas causas políticas.

Com Chico Buarque conseguiram se manter longe das lutas políticas artísticas o que os

diferenciava dos tropicalistas. Esse respeito que ela conseguiu da sociedade fez com que ela

conquistasse fãs dentro e fora do país.

E por falar classe operária, ela em um determinado momento esteve com Lula,

metalúrgico e líder sindical que mais tarde estaria na formação do Partido dos Trabalhadores

(PT) que a cantora se filiaria (ARASHIRO, 1995).

A música Construção é muito rica. Nela podemos encontrar os diferentes

conceitos de imaginário definidos pelos vários autores citados neste trabalho. A composição,

enquanto música sofre certa alternância no arranjo aliada a interpretação de Elis. A cantora

optou por um tom grave com andamento um pouco lento caracterizando um protesto.

De acordo com a definição de Silva (2003), no imaginário social e a estruturação,

por contágio, observamos a disseminação cujo princípio é a igualdade na diferença.

Encontramos na letra em vários trechos um deles comeu feijão com arroz como se fosse

príncipe a distorção o indivíduo neste caso o brasileiro está reelaborando o outro para si. Não

há como ignorar este comportamento se observarmos que este período é considerado um dos

mais difíceis da história do país.

Gaspari (2003) relaciona alguns fatos decorrentes na década de 70, no campo

político a sucessão presidencial foi censurada, a censura proíbe Felinto Müller, presidente da

Aliança Renovadora Nacional (arena) de falar sobre a censura. O semanário, Opinião, foi

censurado antes de ser lançado. Chico Buarque o autor de Construção declara que estava

distante e alheio aos fatos quando compôs a música neste clima de insatisfação (BAHIANA,

1980).

Mas, Elis estava idealizando a contribuição que daria para o Brasil nos anos de

chumbo através do canto e as ações por ele motivadas. A revolta e angústia estão identificadas

lado a lado às frases: E a concessão pra sorrir, por me deixar respirar, por me deixar existir,

Deus lhe pague!

A liberdade caçada pelo regime a perca dos direitos básicos as invasões em todos

os sentidos. Apropriamos-nos dos argumentos de Weber sobre a religiosidade que se vê

obrigado a tolerar as relações significativas (WEBER citado por LEGROS et al, 2007) por

isso Deus lhe pague!

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Depositar a esperança nas mãos de Deus resta quase ou nada para acreditar. A

distribuição desigual das rendas a falta de segurança e estrutura familiar, tais quais as

péssimas condições de trabalho. E a obrigação dos funcionários que tinham ajudar a de erguer

o país, sobre andaimes e patamares flácidos.

Nos trechos finais a canção sugere a morte do funcionário na contramão que

atrapalha o tráfego depois de ter trabalhando horas exaustiva sem recompensa. Ele se refugia

nas imagens intangíveis ou irreais se entorpecendo de álcool e música para fugir da realidade

urbana. É a visão capitalista e fria do progresso nela, operário e tijolos fazem parte do mesmo

conjunto.

Segundo Napolitano (2005), a MPB está ligada diretamente ao processo de

modernização. Ela concentra as expectativas e objetivação histórica de superação de um

determinado passado cujo sentido é fruto dos projetos culturais e ideológicos. Consideramos

morte citada e descrita na música é segundo os argumentos de Foucault citado por Silva

(2003) faz parte do processo das tecnologias do controle.

Desta forma, a morte no cotidiano da classe operária é encarada naturalmente é

apenas mais um e a construção não pode parar nem mesmo o trânsito por um fato corriqueiro.

Elis transforma o lamento e a indignação da letra num sentimento coletivo e para eternizar

este sentimento juntou duas canções que trazem o mesmo pranto. O Rancho da Goiabada,

autoria de João Bosco e Aldir Blanc, com Construção de Chico Buarque. Elis juntara as duas

músicas para reformar seu desejo social de contribuir com o país através da arte.

A última canção a ser analisada é de autoria da dupla João Bosco e Aldir Blanc se

encontraram em 1970 e formaram a parceria. No ano de 1972, conhecem Elis Regina, e, em

1976, a Pimentinha canta Corsário na Rede Bandeirantes.

Assim como o sucesso consagrado O bêbado e a Equilibrista que ficou eternizado

como o Hino da Anistia na voz de Elis, o Corsário repetiria o sucesso. A dupla não deixa de

lado o caráter sociocultural em suas letras.

Napolitano (2002) conceitua a MPB dos anos 70 como uma “instituição” que está

fundamentada nas imagens de liberdade, modernidade e justiça social, ou seja, é o imaginário

social, de acordo com Durkheim (1985) citado por Legros et al (2007). A representação

coletiva que comanda as representações individuais. Neste caso, a música se despe do papel

artístico adota postura política e cultural.

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Corsário

Composição: João Bosco e Aldir Blanc 1976

Meu coração tropical

Está coberto de neve, mas

Ferve em seu cofre gelado

E a voz vibra e a mão escreve: Mar

Bendita a lâmina grave

Que fere a parede e traz

As febres loucas e breves

Que mancham o silêncio e o cais

Roseirais! Nova Granada de Espanha!

Por você, eu, teu corsário preso,

Vou partir a geleira azul da solidão

E buscar a mão do mar,

Me arrastar até o mar,

Procurar o mar

Mesmo que eu mande em garrafas

Mensagens por todo o mar

Meu coração tropical

Partirá esse gelo e irá

Com as garrafas de náufragos e as rosas

Partindo o ar

Nova Granada de Espanha

E as rosas partindo o ar!

A letra e a melodia de Corsário têm uma característica singular e pode ser

percebida na interpretação dada por Elis. O imaginário não aparece de forma explícita ou

subtendida nesta canção. O conceito de imaginário de Sartre (1996) permite fazermos tais

afirmações acerca do tema, pois atribui a imaginação a um ato mágico e por vezes torna-se

particular.

É interessante observar o imaginário como mito por meio da linguagem de acordo

com Barthes (1977) aqui representado em forma de arte, a música. Meu coração tropical está

coberto de neve mas, a frase pode estar relacionada aos acontecimentos dos anos 70 no Brasil,

um país tropical dominado pelo militares que mantém contatos internacionais baseado no

modelo ditatorial da Alemanha nazista.

É uma fase difícil de Elis, já que ela enfrenta problemas familiares: a separação e

as especulações em torno de sua vida particular. Logo, a cantora adota uma imagem mais

comedida, principalmente, nas declarações à imprensa, porém a preocupação com a política

brasileira e a música não são esquecidos por ela (ECHEVERRIA, 2007).

De Pimentinha a mulher politizada, a letra de Corsário permite que ela expresse os

seus sentimentos de forma menos teatral e mais sentimental. O trecho no qual aparece a frase

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ferve seu cofre gelado a voz vibra e a mão escreve: Mar. Pode estar ligada a época em que

vários cantores, atores, jornalistas e pessoas de diversas áreas foram considerados pelo

governo ameaça a segurança nacional. Por conta disso ficaram exilados.

Conforme explica Napolitano (2001), o governo militar é definido como simples e

controlador por este motivo se o artista ficasse cantando ou atuando para um determinado

grupo como a classe média não oferecia perigo ao regime. Mas o governo logo mudaria de

estratégia e a censura atingia todos os patamares da sociedade.

O peito frio ou cofre gelado abriga um coração quente este deixou o país por

imposição das autoridades a voz vibra e gritar além do mar. O que lhe resta é escrever ou

talvez compor.

Assim como explica Bosco, citado por Bahiana (1980), o esforço o suor da

batalha retorna á música sob forma de força, vigor, simplicidade, sangue. Nomes como

Gilberto Gil, Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré e Caetano Veloso deixaram o

Brasil, mantiveram viva a esperança compuseram enquanto estiveram fora e enviaram suas

obras ao Brasil (CALADO, 1997). Vê-se as mensagens de náufragos partindo a distância.

O governo e a situação do país roubaram e se apropriaram da liberdade

encontramos então acepção de Barthes citado por Bucci e Kehl (2004) sobre o mito como

uma fala roubada e restituída. Mas o que fora roubado não está mais da mesma forma logo

ainda que colocada no mesmo lugar já não é a mesma. Deste modo como Elis já não é mais a

mesma nem os autores tão pouco a sociedade do Brasil após a ditadura.

Nem aqueles que possuíam o título de bendito ou abençoado pelo sacerdócio

foram poupados da violência e tortura. Cirano (2003) descreve as críticas que D. Hélder

recebeu dos veículos de comunicação fiscalizados pelo governo. Essa pode ser a relação com

a frase Bendita lâmina grave que fere a parede e traz as febres loucas e breves que mancham

o silêncio e o cais. O imaginário é está acentuado de forma trágica e mitológica habitando na

canção e nas formas sociais de acordo com Legros et al (2007). O delírio que viria em forma

de loucura e revolta caracterizada como febres ou desejos de quem nada pode fazer, pois está

além dos limites separado pela fronteira ou pelo oceano e ancorado no cais.

Elis Regina enfrenta problemas de saúde, no casamento, com a gravadora, com o

empresário e revela-se a Elis preocupada e técnica, chamada pela crítica de antipática

(CLARET, 1995).

O refúgio ou exílio identificamos nos trechos Roseirais Nova Granada de

Espanha, por você eu teu corsário preso, vou partir a geleira azul da solidão. Nova Granada

foi o local onde Simão Bolívar, também conhecido como “O libertador” no início do século

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XX se refugiou e convocou um pequeno exército a lutar pela liberdade dos países da América

do Sul (PORTAL SÃO FRANCISCO, 2007).

Como havíamos comentado Corsário permite várias interpretações. Nova

Granada, ao mesmo tempo, nos remete a um lugar que é nome de flor. Então, diríamos que as

flores ou as pessoas que partiram para o exílio sofrem a distância da pátria o Brasil eu teu

corsário preso, como um pirata preso. Eu que amei a pátria contribui para que crescesse.

Agora estou acorrentado num país estranho. Essa poderia ser a visão dos autores.

Contextualizamos esta frase com o movimento da contracultura e as correntes

nacionalistas cujos integrantes foram perseguidos, mortos, exilados ou desaparecem, como

descreve Napolitano (2005).

Sendo assim, podemos expor, com base nas afirmações de Silva (2003), que a arte

na sociedade de massa opera como mecanismo industrial, oscilando entre o espetáculo e a

ruptura com valores da identificação, ou seja, a música. Elis canta a música Corsário como

um lamento como se estivesse cobrando explicações ou justificando com a voz tênue sua

melancolia.

A seguir a canção ganha uma outra característica, desejo e vontade de sair daquela

situação, vou partir a geleira azul da solidão . Quebrar a barreira fria e gélida, azul da cor do

oceano e voltar ainda que só para a pátria.

Corsário tem muito haver com imaginário ela é um conjunto de metáforas repleta

de símbolos e representações. E buscar mão do mar, me arrastar até o mar, procurar o mar

as frases com sentido figurado exprimem anseio este é o teatro das ilusões concordando com

Lacan citado por Silva (2003). Vale ressaltar as palavras buscar e procurar nestas estrofes a

juventude nos anos 70 estava motivada pela busca de algo seja a contracultura conforme

Calado (1997) ou ser ativo na vida política assim como foi Elis (KRAUSCHE, 1983).

A estrofe final diz que Mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo

mar , meu coração tropical partirá este gelo irá, como as garrafas de náufragos e as rosas

partindo ar. Nova Granada de Espanha e as rosas partindo o ar!!!

A tentativa de mandar mensagens por todo mar, aliás, por toda parte assim como

os jornalistas da época escreviam por códigos para driblar a censura. Os compositores

mascaravam as letras ou dotavam pseudônimos. Mas o coração tropical que antes estava

coberto de neve agora revida e tenta quebrar o gelo. As mensagens vão com aqueles que

sobreviveram e resistiram mesmo depois de mortos não deixaram de cumprir seu papel.

Diríamos então que a morte de Herzog seria uma dessas mensagens. Segundo

Napolitano (2004), a morte do jornalista rendeu represálias ao governo bem como o

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desaparecimento do ex-deputado Paulo Wrigth (KUCINSKI, 1982). O imaginário surge

contexto que dizendo que o emissor é forte e o receptor é passivo um alvo fácil de acordo com

Silva (2003).

E as rosa partindo o ar... a música termina mas Elis cresce no final da

interpretação, os braços que abraçam a canção dão a entonação perfeita para Corsário o

pirata dos mares estrangeiros que clama pela pátria , no peito o coração com o calor dos

trópicos.

Todas as músicas analisadas no decorrer deste trabalho desempenharam o papel

social. Afirmamos que elas expressam o imaginário nos seus vários conceitos. É conveniente

dizer que as músicas interpretadas por Elis Regina, o objeto desta pesquisa foram escolhidas

como a representação das causas sociais. Outro fator que fundamentou a escolha foi a maneira

de interpretar as canções e forma intensa como ela viveu. Elis deixou um legado musical

extenso são poucas as cantoras brasileiras que tiveram as oportunidades que ela teve e soube

aproveitar brilhantemente. Os anos de chumbo nem a ditadura conseguiram impedir o sucesso

meteórico da Pimentinha.

A década escolhida, 1970, justamente por ser um período que ainda hoje, depois

de mais trinta anos, há muito que descobrir estudar e analisar. E sabemos que o show de todo

artista tem que continuar ainda que o corpo físico não esteja mais com vida, assim como, o de

Elis Regina, ela continua fazendo sucesso.Essa é uma das características do tema o imaginário

ou seja, ficou o mito no imaginário popular.

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6 CONCLUSÃO

Vale ressaltar alguns pontos sobre este capítulo dedicado à conclusão, que é um

momento de síntese, de considerações referentes aos objetivos, conclusões do

desenvolvimento, limitações e, por fim, o encerramento (RAUEN, 2002).

Desde já, é importante dizer que concluir não é a palavra adequada, pois esta é

uma pesquisa fundamentada na história que é infinita. O presente trabalho teve por objetivo

mostrar a música e a formação do imaginário. Para que isso fosse possível foi necessário

traçar diretrizes para o cumprimento desta pesquisa, ou seja, a delimitação do período a

década de 70 e pegar, como objeto de análise, a intérprete Elis Regina, além das composições

por ela interpretadas.

Vimos, no decorrer deste trabalho, a possibilidade de abordar diversas vertentes

sobre o tema. Além disso, atestamos que o resgate da história, deste período, foi muito

importante não apenas para os futuros jornalistas, mas para os cidadãos.

Tentamos validar a hipótese através da história sobre os anos de chumbo e afirmar

que as composições musicais escritas, naquela época, expressam o sentimento do autor. Essa

expressividade gerava comoção nacional, de acordo com o momento, e a interpretação sujeito

a variantes contribuindo, assim, para a formação do imaginário social.

A sociedade e seus hábitos, muitas vezes dirigidos pelos meios de comunicação

de massa: o veículo, a mídia, era o modo mais eficaz à obtenção do controle do imaginário

social. O indivíduo social adotava a postura de identificação, ou melhor, reconhecia a situação

individual no que estava sendo cantado. Uma época muito difícil para os comunicólogos da

época este período foi crucial para a imprensa brasileira. Deixou muitas lacunas e mistérios

até hoje não desvendados devido ao véu do medo e silêncio que envolve o período.

O objetivo deste não era de forma alguma difundir a música ou a intérprete Elis,

mas tentar obter respostas sobre a música enquanto instrumento de comunicação, além das

descobertas baseadas no mundo, por vezes irreal, o qual chamamos de imaginário. A história,

como foi citada acima, é infinita e contínua. Logo, dizemos que o Brasil da ditadura militar é

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o mesmo que vivemos hoje ler tais acontecimentos desta pátria nos faz pensar em um outro

país.

O momento histórico pode esclarecer “o hoje” como diz a letra de O mestre-sala

das marés “ gloria a todas as lutas em inglórias que através da nossa história não

esquecemos jamais” . Esquecer ou ignorar, neste caso, seria apagar situações, costumes e

pessoas. A ditadura, a anistia, as lutas e as mortes fazem parte da memória nacional.

Pelo Brasil, Elis chorou, cantou e interpretou. E, o Brasil chorou por Elis. Vemos,

então, o imaginário presente na vida cotidiana como na experiência vivida. O país capitalista

estava em Construção, como define Chico Buarque na voz de Elis. O Brasil do operário que

morre na contramão e atrapalha o tráfego, mas é ele quem construiu os arranha-céus.

A pesquisa permite dizer que a esperança alimenta a alma do brasileiro, este povo

que não se deixou intimidar pelas torturas e ameaças. Vive baseado nas representações e

mitos que criou. A música se fez arte quando foi absolvida pelo coletivo e social. A sociedade

canta a música e a música fala para o meio. Desta forma, o sentimento da dupla Bosco e

Blanc, citado neste trabalho, através de suas obras é representado como arte na voz da

Pimentinha. Elis traduziu o sofrimento das Marias e Clarisses, mães e esposas de todo país e

a esperança está depositada com a volta do irmão do Henfil. Há uma sensação de perda por

aqueles sumiram como num passe de mágica trágica e cruel foram num rabo de foguete .

E o Brasil declama a própria história, em certos momentos de forma abstrata, se

misturando ao objeto: Elis ou Hélice Regina e seu desejo. As interpretações das canções estão

diretamente ligadas à cultura da época por vezes recria velhos hábitos.

A juventude politizada, moderna anseia quebrar os parâmetros sociais e

econômicos de sua época. Desta vontade ela parte para luta e é recriminada com repressão e

punição nem mesmo as instituições Igreja e Universidade estão isentas da mão de ferro do

regime. A repressão desperta o campo das idéias o coletivo o imaginário torna-se ciência.

A desobediência ou a falta de ordem era punida com mãos de firmes, alguns

foram arrancados de suas casas outros foram obrigados a saírem no país. A emoção de quem

partiu pode ser está relacionado à letra de Corsário, cujo aspecto do imaginário esta na forma

figurativa por associação da imagem. Assim como a vida de Elis em determinado momento

ela canta não só as mensagens políticas, mas também a sua vida. A interpretação de Elis na

música Corsário demonstra por meio da letra e melodia seu conflito interior. Porém não era

só o coração tropical de Elis que estava coberto de neve aqui nos trópicos, mas o sentimento

da nação brasileira.

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Trabalhar o imaginário paralelo ao uma arte é um desafio principalmente para os

futuros profissionais de comunicação. A importância da memória nacional que é composta

não apenas por ícones ou ídolos como Elis, mas também pelo operário, o bêbado, o

comunicador, a dona de casa. Pelo frescor da juventude ou pela experiência da maturidade. A

mesma que reproduz o que já foi feito por seus pais e assim será conosco, pois levamos a

bagagem dos valores que recebemos como diz a letra de Como nossos pais.

A satisfação de realizar este trabalho é imensa, entretanto passamos por algumas

limitações que merecem ser relatadas. Como a falta de sensibilidade dos colegas da área de

comunicação, bem como a falta de profissionalismo da equipe do cantor e compositor João

Bosco. É Interessante refletir sobre o assunto, pois essas pessoas fizeram parte da história,

hoje reproduzem o descaso de outrora.

Para pesquisar é preciso olhar os fatos de outra forma. É tentar ousar. Este

trabalho foi uma tentativa de ver a arte como instrumento a serviço da comunicação isso

independe ser jornalista ou publicitário. Abordamos o imaginário algo que parece inatingível

com exemplos do cotidiano. Mas como todo estudo ele é apenas o começo porque o show de

todo artista tem que continuar. O significado da palavra artista para área de comunicação

deve ser: o de criar, inovar, ir além, sem preconceitos cumprir o papel de comunicador.

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REFERÊNCIAS

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origem até hoje. Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.

ARASHIRO, Osny . Elis Regina : por ela mesma. São Paulo, Editora Martin Claret , 1995.

ARNS, Paulo Evaristo. Brasil nunca mais. 9.ed. Petrópolis, Vozes, 1985.

Ato Institucional nº 5. Unificado. Disponível no site:

http://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htm Acessado em: 15/05/08.

AYALA,Marcos; AYALA, Maria Ignez Novais; AYALA, Novais. Cultura Popular no

Brasil: perspectiva de análise. São Paulo. Ática, 1987.

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ANEXO