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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação
CONTRIBUIÇÕES DA TELENOVELA À INCLUSÃO SOCIAL DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DA
RECEPÇÃO DA TELENOVELA AMÉRICA
Rosimary Maria Linhares
Brasília-DF Fevereiro-2008
CONTRIBUIÇÕES DATELENOVELA À INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DA TELENOVELA
AMÉRICA
Dissertação de mestrado apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração: Tecnologia da Educação à comissão examinadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, sob a orientação da professora Drª. Ângela Alvares Correia Dias.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Faculdade de Educação
Área de Concentração - Tecnologia da Educação
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________ PROFª.DRª. Ângela Alvares Correia Dias (UnB)
Orientadora
_____________________________________________________________ PROFª.DRª. Maria da Glória Noronha Serpa (UniCEUB)
Examinadora
_____________________________________________________________ PROFª.DRª. Laura Maria Coutinho (UnB)
Examinadora
_____________________________________________________________ PROFª.DRª. Raquel de Almeida Moraes (UnB) - Suplente
Examinadora
Dedicatória
Aos meus familiares que sempre
estiveram presentes em todos os
momentos da minha vida, em especial
meu filho Victor que me ensinou o
verdadeiro amor e à minha irmã Vânia
Leila com seu exemplo de fé, coragem e
determinação; sobretudo, seu incentivo e
apoio incondicionais para que eu chegasse
até aqui!
AGRADECIMENTOS
A Deus Criador e Doador de toda a vida pela permissão de poder realizar
este trabalho, sempre me iluminando e fortalecendo nos momentos mais difíceis.
Aos meus pais Adilson e Lindaura que me ensinaram o verdadeiro valor de
uma boa educação na construção de um mundo melhor. Obrigada por me amarem tanto!
Aos meus parentes distantes, no Rio de Janeiro, pelo apoio, incentivo e principalmente
pela demonstração de orgulho em cada etapa vencida. Amo vocês!
Professora Vânia Lúcia, obrigada por iniciar minha jornada pelos labirintos
da academia e por motivos de força maior trilhar outro caminho. Mas saiba que sempre
serei grata pelas palavras amigas e os conhecimentos compartilhados enquanto
estivemos juntas.
Não poderia esquecer de você professora Laura, primeiro por ser uma das
responsáveis por eu estar aqui, pois foram suas palavras durante a entrevista de seleção
que aguçaram ainda mais meu desejo de participar da vida acadêmica. E depois, por
aceitar tão carinhosamente meu convite para compor minha banca examinadora.
Família linda, grata pelo apoio e compreensão de minha inúmeras ausências
nos eventos sociais devido aos compromissos acadêmicos, incluindo as longas estadias
nos finais de semana na biblioteca da UnB.
Regi, Simone, Alexandra, Itamar, Fátima, Maria Silva, Renata e Ana Lúcia,
agradecimentos especiais por serem anjos de Papai do Céu que ao me abraçarem todos
os dias no trabalho, sempre transmitiram serenidade e carinho tão necessários para
recarregar as energias e hoje poder estar aqui. Faltam palavras para agradecer Joana
D’arc e Adriana Viegas – diretoras de minha escola – pelo incansável apoio, incentivo e
ajuda para realização deste trabalho.
A todas as pessoas que fazem parte da Escola Classe 08 de Ceilândia pela
acolhida, interesse e empenho facilitando minha estada durante o processo de pesquisa.
Professora Betânia, obrigada pela confiança e o convívio com seus alunos que tanto me
ensinaram.
Simone, Miriam e Valdenice, o que seria da minha vida sem o colorido de
seus sorrisos e os encontros sempre animados que me faziam esquecer o rigor do
trabalho de pesquisa? Amo vocês meninas bonitas do laço de fita.
Drº. Renato, sua doce sinceridade, seus conselhos sábios e principalmente
seu ombro amigo, contribuíram muito para tornar o final dessa caminhada mais leve,
pois, quando tudo parecia complicado, bastavam seu apoio e incentivo para que eu
superasse mais uma barreira.
Para minhas meninas super-poderosas: Marcinha, Lucélia e Vanesca –
Florzinha, Lindinha e Docinho – só posso dizer um sonoro AMO VOCÊS! Com seus
super-corações, SEMPRE estiveram por perto me salvando dos perigos! Obrigada por
me amarem exatamente como sou, incluindo minhas qualidades e meus inúmeros
defeitos.
Naira, Rosinha e Gabi; meu super obrigada por cuidarem aí no pet tão bem
dos meus pequenos Nuno, Nina e Milo; pois sem este apoio eu não teria como sair e
estudar tranqüila e despreocupada.
Marco Aurélio, as transformações que você me proporcionou foram
fundamentais para minha chegada aqui! Tanto carinho, trabalho e dedicação só
poderiam torná-lo ainda mais especial na minha vida. Amo você!
Agradecimentos Especiais Professora Ângela, minha eterna gratidão por todo seu empenho, dedicação
e carinho para a finalização deste trabalho. Você nunca me deixou desistir, por mais
complicado que tudo parecesse, suas palavras sempre animadoras encontravam de forma
criativa uma solução para os problemas. Muito mais que orientações, nossos encontros
foram terapias que me ajudaram a superar barreiras e vencer os obstáculos; desta forma,
pude retomar novamente o controle da situação e hoje concluir este trabalho.
Obrigada por seu acolhimento num momento tão difícil da minha vida!
Jamais esquecerei sua generosidade.
RESUMO
A presente pesquisa objetiva refletir como a mídia audiovisual,
especificamente a televisão, pode contribuir na inclusão social de
Alunos com Deficiência a partir da recepção de uma
telenovela?Procuraremos, desta forma, identificar as possibilidades de
contribuição de telenovelas à inclusão social de Alunos com
Deficiência num estudo de caso da telenovela América por estudantes
de uma escola pública de Ceilândia (cidade satélite do Distrito
Federal).Dentro desse objetivo geral que norteará toda a problemática
da pesquisa de campo, buscaremos como objetivos mais específicos:
analisar a representação social que a telenovela veicula sobre a
inclusão social; analisar as representações sociais dos alunos sobre os
personagens com deficiência.
ABSTRACT
The present research aims to reflect as the audiovisual media,
specifically the television, can contribute in social inclusion of pupils
with disabilities from the reception of a soap opera - America - for
students of a public school of Ceilândia (satellite city of Federal
District). Within that general objective that guides the whole issue of the
search field, we intend to analyze as more specific goals: to examine the
social representation that conveys the soap opera on social inclusion; to
analyze the social representations of the students on the characters with
disabilities.
SUMÁRIO
Convite à reflexão 10
Na construção dos conceitos, o grande desafio
23
Revisitar as páginas da história
43
Instrumentos de mudança
51
A construção do roteiro da pesquisa
66
Contextualizando a pesquisa
74
Análise da representação social da telenovela América acerca da Inclusão
Social
77
Análise da representação social dos alunos acerca dos personagens com
deficiência da telenovela América
103
À guisa das Conclusões
112
Referências Bibliográficas
120
Anexos
129
10
Convite à reflexão
“... na nossa festa vale tudo! Vale ser alguém como eu, como você...” (As Frenéticas).
11
A inclusão social de pessoas com deficiência tem sido a proposta
norteadora e dominante na Educação Especial nos últimos anos, sendo este
movimento responsável por programas e políticas educacionais e de reabilitação
em todas as sociedades.
A reflexão sobre as práticas de exclusão ao longo da história é
necessária para pensarmos em novas concepções sociais em direção ao
reconhecimento das diferenças para atender as especificidades dessas pessoas.
Marginalizadas socialmente e alijadas de todos os processos culturais,
pessoas com alguma deficiência vêem sendo excluídas até mesmo do sistema
educacional sendo estigmatizadas, rotuladas e classificadas de acordo com suas
necessidades. Para uma sociedade excludente o que conta é o defeito da pessoa, e
não suas potencialidades.
Nas palavras de Martinez (2003, p. 81) uma concepção centrada no
sujeito e não na deficiência permite enxergar os pontos fortes para ancorar ações
educativas que permitam compreender suas potencialidades e suas possibilidades
de desenvolvimento.
O surgimento desse novo paradigma chamado de inclusão (re)
significou não só o papel da sociedade frente às diferenças, mas em especial, o
papel da escola na busca de uma educação de qualidade para TODOS1
proporcionada por um ambiente de respeito e solidariedade frente aos alunos com
necessidades educacionais especiais.
A construção dessa sociedade inclusiva no entendimento de alguns
pesquisadores (Vygotsky, 1983; Stainback e Stainback, 1999; Werneck, 2000;
Carvalho, 2004) só acontecerá efetivamente mediante a convivência dessas
crianças em ambientes menos restritivos e com colegas que não apresentem
deficiências, pois assim, TODOS aprenderão uns com os outros sobre suas
diferenças (independentemente da classe sócio-econômica de origem, idades e
1 A palavra TODOS foi escrita dessa forma, a exemplo de Werneck (2000), com o objetivo de mostrar que qualquer espaço institucional deve incluir as diversidades tornando-se um ambiente sem qualquer tipo de restrição.
12
sexo) e das diferenças lingüísticas, étnicas e as defasagens de desenvolvimento
cognitivo.
É no convívio em diferentes esferas sociais que as crianças –
deficientes ou não - se constituem enquanto sujeitos histórico-culturais e adquirem
valores, conceitos, elaborações de idéias e representações do mundo que as
cercam. Para Vygotsky (1991) o desenvolvimento da criança é sempre forjado nas
relações sociais que suas vivências propiciam desde seu nascimento e é no
contexto dessas relações que elas se constroem pouco a pouco. Ressalta-se neste
processo a influência da família, dos amigos, da escola e em especial, dos meios
de comunicação. Pois, ao chegar à escola, estas crianças trazem mediante seu
contato diário com a televisão, um saber próprio com uma forma peculiar de
elaborar seus conhecimentos e re-significar as informações, cabendo ao professor
proporcionar-lhes interações e novas formas de aprendizagens partindo do estudo
da relação educação – televisão.
Coutinho (1998) nos coloca que uma das principais características do
mundo atual consiste no fato de que diferentes espaços se interpenetram. Não se
pode mais pensar em lugares isolados, separados dos demais. Nessa acepção, a sala
de aula sistematizada na sociedade contemporânea não pode mais ser compreendida
como um lugar isolado, mas sim como um lugar impregnado de outros lugares. A TV
não apenas nos traz o mundo para dentro da escola por meio dos diversos programas,
mas, igualmente, situa a escola numa outra perspectiva.
Pesquisas realizadas sobre recepção televisiva (Orozco, 1991; Martín-
Barbero, 1997; Vilches, 1997; Carneiro, 1999) identificaram que o sujeito como
receptor ativo – em oposição ao modelo mecânico2 - pertence a um contexto
sociocultural específico e que por isso, recebem a influência de pais, professores e
colegas durante seu processo de recepção de mensagens. A recepção é parte tanto
de processos subjetivos quanto objetivos, de processos controlados pelo sujeito; e
àqueles relativos a estruturas sociais e relações de poder que fogem ao seu
controle, passando a ser vista – a mediação – como momento privilegiado da
produção de sentido, refutando a concepção reprodutivista e firmando que “mais
2 Considerava a iniciativa da comunicação toda do emissor, ficando o receptor restrito a reagir aos estímulos enviados (Carneiro, 1997).
13
do que de meios, a comunicação se faz hoje questão de mediações, isto é, de
cultura (Martín-Barbero, apud Lopes 2002, p.22)”. Dessa forma seus valores
culturais, experiências e comunicações habituais tornam esses espaços televisivos
em produção de sentido e de conhecimentos.
A relevância deste tema de pesquisa relaciona-se com a importância
que os meios de comunicação assumem hoje na vida das pessoas, pois segundo
Leal (1986) a televisão ocupa grande parte do tempo das mais variadas classes
sociais tornando-se assim um dos lazeres fundamentais nestes segmentos que
diariamente ligam seus aparelhos para participarem de histórias que falam dentre
os muitos assuntos; de amores, desafetos, igualdade.
A escolha de uma telenovela como mediadora para a discussão acerca
da inclusão social justifica-se pelo fato de que este gênero televisivo é um
instrumento fundamental de potencialização, demonstrando a fascinação tão
grande que a maioria dos telespectadores conversa sobre o que assistem,
influenciando-se mutuamente na construção dos significados construídos durante
e depois de cada capítulo. Nas palavras de Lopes, Borelli e Resende (2002) a
telenovela mistura a sagacidade do mercado a partir do momento em que conta
histórias que envolvem as maiorias, bem como na persistência de sua matriz
popular ativadora de competências culturais inerentes a ela. Assim, para as
mesmas autoras, a pesquisa de recepção no cenário atual é tida como uma corrente
de renovação dos estudos de comunicação sobre o público.
Não podemos esquecer ainda que o tema da inclusão social faz parte
de uma proposta mundial na busca por sociedades mais justas e igualitárias, onde
TODOS possam exercer sua cidadania, expressa através de documentos
internacionais, tratados, convenções e até mesmo leis que garantam a
concretização deste novo paradigma.
Esta pesquisa apresenta ainda como compromisso, o desejo de
encontrar nos sujeitos à construção sócio-histórica de sua condição existencial
haja vista que muitas vezes ela é perdida quando o homem é transformado em
objeto e, por conseguinte, perde tanto sua identidade como sua história. Nas
palavras de Kramer (2004; p.498) isso significa perceber as pessoas
14
reconstituindo-se como sujeitos e, nesse processo, reconstituindo sua história e
cultura, escutando o que não pode ser expresso e levando em consideração o que
foi deixado de fora.
O interesse pelo tema, nasceu de minhas inquietações durante o
trabalho com crianças deficientes que me levaram a realizar um curso tendo como
objetivo capacitar profissionais de escolas públicas de ensino fundamental e
médio para a utilização, no cotidiano escolar, dos recursos proporcionados pelas
tecnologias da informação e da comunicação, com ênfase na linguagem
audiovisual chamado TV na Escola e os Desafios de Hoje realizado pelo
Ministério da Educação em parceria com a Universidade de Brasília. Este curso de
formação representou um espaço de instrumentalização e de reflexão sobre
abordagens pedagógicas da TV em sala de aula resultando em práticas
pedagógicas mais atraentes e prazerosas, mas nem por isso menos desafiadora. No
material a ser estudado faziam-se presentes em seus textos sugestões pioneiras
de uso de telenovela na educação especial exibida na época e que apresentava um
jovem com deficiência, despertando ainda mais minha curiosidade acerca do
trabalho pedagógico no Ensino Especial com a televisão.
Para o trabalho final do curso desenvolvemos em nossa escola um
projeto sobre o uso do vídeo protagonizado pelas crianças. Todos os eventos
realizados na escola foram planejados, gravados e depois exibidos para as turmas.
Chamou-nos a atenção o grande interesse dos alunos pelo vídeo e como era
importante para eles se verem ali na televisão.
A partir dessa experiência resolvi inserir essa atividade na minha sala
de aula usando o vídeo, antes restrito às festividades e agora passamos, dessa
forma, a gravar também momentos corriqueiros, realização de exercícios e
conversas sobre os mais diferentes assuntos. Constatei mudanças no
comportamento dos alunos, pois a cada exibição das imagens, sentiam sua auto-
estima mais elevada e que suas realizações (pintura, escrita, vocabulário...)
estavam sendo valorizadas transformando assim a televisão em ferramenta de
ensino-aprendizagem.
15
A busca por aprofundar os estudos e avançar as práticas, bem como
minhas pequenas descobertas e angústias pela falta de respostas aos vários
questionamentos surgidos durante a realização deste curso, me motivaram a
ingressar no programa de pós-graduação da Faculdade de Educação-UnB, na
expectativa de refletir e discutir novos procedimentos teóricos – metodológicos
que poderiam transformar e recriar minha prática pedagógica.
Como pesquisadora–iniciante, muitas vezes procurei negar o meu
“eu” preocupada apenas com o rigor dos procedimentos científicos; mas ao longo
da jornada percebi que é impossível dissociar sonhos, emoções, esperanças e
interesses pessoais para realizar uma pesquisa exclusivamente objetiva, pois
segundo Lüdke e André (1986) como atividade humana e social, a pesquisa traz
consigo, inevitavelmente, a carga de valores, preferências interesses e princípios
que orientam o pesquisador.
Para Laville e Dione (1999, p.35) o pesquisador é como um ator,
agindo e exercendo sua influência, pois em ciências humanas os fatos raramente
podem ser considerados como coisas uma vez que os objetos de estudo, também
como atores, pensam, agem e reagem, assim como o pesquisador. Frente aos fatos
sociais, ele tem preferências, inclinações, interesses particulares. Dizem eles: “Em
ciências humanas, o pesquisador é mais que um observador objetivo: é um ator aí
envolvido”.
A mídia pode contribuir na construção de uma sociedade inclusiva
uma vez que os meios de comunicação de massa constituem-se, em sua grande
maioria, como propagadores de conceitos e idéias que influenciam toda uma
sociedade. Embora muitas vezes esses veículos de comunicação sejam
responsáveis pela desinformação levando os cidadãos ao preconceito e à
discriminação, dificultando assim a criação de espaços para o exercício pleno da
cidadania de TODOS.
Este estudo apresenta como instrumento de pesquisa a recepção de
capítulos reeditados da telenovela “América” da Rede Globo de Televisão, que foi
ao ar nacionalmente de 14 de março a 04 de novembro de 2005 por volta da 21h –
16
apesar de receber o nome de novela das oito3 – de segunda a sábado, sendo
apresentada em 203 capítulos.
A escolha do gênero telenovela para a realização deste trabalho deve-
se ao fato de ser este o programa de maior audiência no país, dominando o horário
nobre das emissoras e caracterizando em fenômeno de mobilização diante da TV.
Torna-se com isso, na opinião de Almeida (2003, p.24), não apenas um produto
responsável por gerar lucros, mas também por fazer parte de conversas que tecem
o conjunto de referências sociais de crianças, adolescentes e adultos, pois é
presença constante no cotidiano do povo brasileiro.
A telenovela chegou ao Brasil na década de 40 tendo a radionovela
como antecessora, uma década depois – 1950 com a implantação da TV – TUPI
(primeira emissora comercial brasileira). Sua expansão ocorre entre 1950 e 1969
proporcionada pelo grande desenvolvimento técnico; assim, no final da década de
50, Rio e São Paulo já contavam com algumas emissoras, mas a televisão ainda
constituia-se numa aquisição recente e o teleteatro significa um gênero que
impulsiona a modernidade cultural, diante do conservadorismo estético e político
das elites estando a meio caminho entre a radionovela e a telenovela, dando sua
contribuição, numa televisão nascente. Para Martín-Barbero e Rey (2001, p. 41) a
ligação da telenovela com a cultura oral terá a radionovela como grande
mediação, pois dela conservará a predominância do contar a e conservará também
a abertura indefinida do relato. Da Matta (1985; p.196) a telenovela é um relato
no qual o autor, o leitor e as personagens trocam constantemente de posições,
construindo e reconstruindo significados.
No Brasil, segundo Ortiz (1991) a telenovela chega ao início dos anos
60 marcado pelo desprestígio, mas com certa presença, conseguindo atravessar
mais de uma década no vídeo sendo possível neste momento captar uma mudança
de atitude do público em relação a este gênero, pois, na medida em que a televisão
se populariza, a novela tende a superar a antiga preferência pelos programas
culturais como o teleteatro, por exemplo. 3 Este termo faz referência a um nome mais do que a uma descrição, sendo usado inclusive no senso comum e na mídia impressa ajudando a manter um padrão de referência que é muito estimulado pela emissora. A “novela da oito” é vista como uma espécie de “instituição nacional” pela sua grande audiência e presença cultural (Almeida, 2003; p.64).
17
A partir da virada dos anos 60/70, a telenovela se encontra imersa
num processo cultural cada vez mais atravessado pelos influxos modernizadores
da sociedade e coercitivos do Estado constituindo para Ramos e Borelli (1991) um
momento de consolidação definitiva da televisão brasileira enquanto indústria,
pois sua produção em escala acaba por subordinar-se tanto às determinações
empresariais como às econômicas. Aqui, percebe-se que seu fio narrativo desta
matriz, de acordo com Carneiro (2001) enlaça-se racionalidade técnica e a lógica
de mercado com emoções e desejos de um cotidiano vivido pelos receptores.
A evolução da telenovela na década de 70 tem na tecnologia sua
abordagem principal, pois sem o desenvolvimento tecnológico não haveria a
novela, da forma como ela é atualmente. A técnica permitiu à novela – através do
editor eletrônico e da câmera e do TV portáteis – sair dos estúdios e ganhar a rua.
Hoje, seu espaço é o mundo e isso determinou uma mudança na concepção da
telenovela, sobretudo, na temática. O videoteipe (VT) constituiu-se no divisor de
águas na história da televisão em todo o mundo, dando-lhe o sentido de obra
duradoura, como a do cinema (Távola, 1985). Para Melo (1988, p.28-29) a
inexistência dessa limitação geográfica, proporcionou à telenovela cumprir um
papel de integração nacional e de desvendamento de realidades até então
desconhecidas pela maioria da nossa população.
Segundo Carneiro (1999) nos anos 70 surgem às tentativas de se fazer
um trabalho ficcional “não alienado” fundamentadas no ideário politizado dos
debates sobre cultura brasileira nos anos 50 e 60, as telenovelas brasileiras
começam a introduzir referências a questões políticas e culturais, inovando o
gênero e dando origem à linha de crítica social e política definida como realismo,
sendo essa característica pioneira denominada hoje de marketing social ou
também chamada de merchandising social (Carneiro, 1999). De acordo com
Ramos e Borelli (1991) essas alterações do padrão ficcional nos anos 70 estão
combinadas também com acomodações na preferência do público em relação ao
gênero uma vez que havia concebido anteriormente como “coisa de mulher”,
conceito herdado com a radionovela. Apesar de atraírem, sobretudo as mulheres,
também passaram a interessar um número considerável de homens.
18
É também nos anos de 1970, segundo Hamburger (2000, p.25-26) que
na recém-criada Rede Globo de Televisão, as novelas começaram a ocupar de
maneira consistente a posição de programa mais assistido, de acordo com os
índices do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), posição
que o gênero ainda mantém até hoje.
Ressalta-se a importância desta emissora ao desempenhar um papel
decisivo na popularização da telenovela a partir do momento em que a transforma
do gênero folhetinesco, melodramático e estrangeiro numa novela ligada à
realidade brasileira.
Enquanto produto cultural, a telenovela produzida pela TV Globo
assume características singulares que, na análise feita pelo crítico Artur da Távola
(1985), a torna diferente de outras dramaturgias. É importante reproduzir o seu
perfil.
1. Destina-se a um consumo indiscriminado, chegando ao culto e ao não-culto e
tal realidade molda-lhe forma e conteúdo.
2. Vive da aceitação do mercado e está em íntima relação com quem a consome,
por isso, o telespectador é pesquisado, conhecido; logo sua opinião tem peso.
3. Seu mercado se manifesta ao longo dos capítulos e precisa ser permanentemente
“consultado” por pesquisas.
4. A produção precisa obedecer ao veloz andamento e na sua realização a
telenovela possui um ritmo industrial.
5. As proposições estéticas e culturais devem-se enquadrar no repertório
conceitual do público não podendo seu autor jamais fazer um discurso isolado,
sem estabelecer pontes de relacionamento com o público.
6. Dificilmente a telenovela é obra de um criador isolado, pois seu resultado final
depende da equipe realizada.
Nos anos 80 a novela domina a programação nacional e compete com
a produção importada de filmes tornando-se um gênero fundamental, superando a
audiências dos shows de auditório e noticiários, nesta fase de acordo com vários
pesquisadores (Ramos e Borelli, 1991; Hamburger, 2000) as novelas passam a
19
acompanhar o processo de democratização e passam a privilegiar temas e imagens
nacionais.
Na década de 90, as representações nacionais consolidadas
anteriormente se transformam e a novela chega a intervir diretamente na
conjuntura política e social, podendo ser exemplificada através de pesquisas
realizadas sobre a telenovela “O Rei do Gado” por Hamburger (2000) e Almeida
(2003) demonstrando que o folhetim eletrônico capta e expressa os paradoxos de
uma sociedade em que o desgaste crescente da política institucional leva à busca
de mecanismos informativos e formadores de opinião alternativos.
A análise da telenovela passa pelo exame da relação do produto com
o usuário verificado por meio das unidades que o representam: os capítulos.
Segundo Távola (1996, p.39) nela não há a idéia de obra, pois quando esta se
conclui acaba também o espetáculo e é por isso que só se pode considerar o
capítulo que se torna assim seu representante, ou seja, o único elemento palpável,
considerado a obra diária, a sua materialização progressiva é a medida de sua
qualidade.
A popularidade da ficção televisual no Brasil começou quando as
novelas descobriram a realidade brasileira e a desvendou em capítulos diários
oferecidos para o deleite e distração do público telespectador, fascinados com a
possibilidade de exercitar a sua fantasia cotidiana através de produções artísticas
em que podiam reconhecer-se e ao seu meio ambiente, estabelecendo com esse
gênero, identidades e representações. Este fascínio das multidões que seguem
estes capítulos se alimenta também pela consciência de que estão participando de
um passatempo, de um divertimento. A criação de suspenses diários motiva os
telespectadores a retornarem o fio da meada no dia seguinte, criando o que Melo
(1988, p. 53) chama de “catarse coletiva”.
Desta forma, os capítulos das telenovelas caracterizam-se por uma
redundância de acontecimentos, onde um início é sempre um final no dia anterior,
e o final será o início no dia seguinte e de acordo com Leal (1986, p. 48) a
repetição reforça o apelo identitário que se baseia na mobilização de afetos.
20
A penetrabilidade da telenovela em todos os lares pode ser constatada
através de pesquisa realizada pela antropóloga Leal4 que discute em seu trabalho a
premissa de que não é só a classe popular que vê novela, segundo a autora, a outra
classe (os ricos) também o faz.
Sendo a telenovela um produto informal de formação social, sua
utilização em sala de aula pode proporcionar importantes momentos na construção
das representações; transformando-a em caráter educativo, ou seja, em objeto de
estudo capaz de levar à reflexão sobre o seu uso e os valores que veicula.
Para Immacolata (2002, p. 23) a telenovela é entendida como um
constructo que ativa na audiência5 competências cultural e técnica na montagem
de um repertório que a princípio constitui-se em individual, mas que
posteriormente passa a ser compartilhado por representações identitárias. Segundo
a mesma autora, a telenovela permite pensar a subjetividade como lugar de
formação de identidades e sensibilidades que a interpelam e são por ela
interpeladas na forma de auto – reconhecimento, nas relações entre “o real” e “o
ficcional”, nos valores compartilhados ou contestados, nas subjugações e
distanciamentos, assim como no contraste entre as mais diferentes representações
sociais.
A novela América a ser utilizada na pesquisa de campo pode ser
entendida de acordo com a proposta de Amália Martinez (1989; apud Vilches,
1999; p. 156-157) que sugere a telenovela de tipologia aberta baseada nas
seguintes características:
1) Estruturas já definidas desde o começo, mas que permitem um grande número
de combinações narrativas.
2) Os personagens não estão definidos totalmente o que supões grande
mobilidade dentro da telenovela.
3) Estas obras são redundantes e suas intrigas seguem uma própria alimentação:
os desenlaces de um acontecimento dramático servem para iniciar outros.
4 Leal, Ondina Fachel. A leitura social da novela das oito. Petrópolis: Vozes, 1990 2ª edição. 5 Conjunto segmentado a partir de suas interações mediáticas de sujeitos sociais, ativos e interativos, que não deixam de ser o que são enquanto travam alguma relação sempre situada com o referente mediático, seja esta direta, indireta ou deferida (Orozco, 2001; p. 23).
21
4) Os personagens são muito estereotipados e para isso utilizam os gestos e as
vestimentas como marcas fortes de reconhecimento.
5) Os argumentos são múltiplos e podem coincidir ou separar-se arbitrariamente
seguindo as necessidades da produção ou da audiência.
6) “Os finais do capítulo deixam sempre uma situação dramática para o capítulo
seguinte”.
Assim, para Martín-Barbero e Rey (2001, p. 151-152) mais do que um
gênero dramático, a telenovela resultou em uma matriz cultural que alimenta o
reconhecimento popular, sociocultural constituindo-se num âmbito do desfazer-se
e do refazer-se das identidades coletivas através das representações.
Sendo as representações sociais responsáveis por nos permitirem dar
significado/sentido a um objeto, tornando as relações mais complexas, trazendo
embutidas em si uma história, a história de cada sujeito; este estudo mediado pela
telenovela busca justamente a análise de processos que fazem o sujeito reagirem
sob a influência de diversos contextos aos quais está inserido quando da
construção do seu conceito acerca da deficiência, bem como da inclusão. Para
tanto, faz-se necessário conhecer um breve histórico sobre a evolução destes
conceitos ao longo de nossa história.
Ao buscar apoio nos estudos de Vygotsky fiz minha opção em refletir
acerca das concepções apresentadas pelos sujeitos no que se refere à deficiência,
na tentativa de analisar seus discursos pautando-me na perspectiva sócio –
histórica ancorada pela teoria da representação social cunhada por Moscovici.
Pautando-se nas premissas de que o trabalho com o audiovisual,
especialmente a TV, permite uma infinidade de atividades e que um programa não
precisa ser especificamente educativo para o trabalho em sala de aula é que esta
pesquisa encontra seu objeto de estudo por meio da seguinte pergunta: Como a
televisão pode contribuir na inclusão social de Alunos com Deficiência a
partir da recepção de uma telenovela?
Procuraremos desta forma identificar as possibilidades de
contribuição de telenovelas à inclusão social de Alunos com Deficiência num
22
estudo de caso da telenovela América por estudantes de uma escola pública
de Ceilândia (cidade satélite do Distrito Federal).
Dentro desse objetivo geral que norteará toda a problemática da
pesquisa de campo, buscaremos como objetivos mais específicos analisar tanto a
representação social que a telenovela veicula sobre a inclusão social; bem como as
representações sociais dos alunos sobre os personagens com deficiência.
Assim, o presente trabalho pretende identificar qual é a representação
social acerca da deficiência que possuem os colegas de alunos deficientes que
vivenciam o processo de inclusão social dentro de uma classe regular de ensino,
utilizando como mediadora deste estudo a recepção da telenovela “América”, para
considerar também o acesso e permanência desses alunos nessas classes
identificando fatores como: representação da inclusão e da pessoa com
deficiência.
23
Na construção dos conceitos, o grande desafio
“Você não sabe o quanto eu caminhei pra chegar até aqui! Percorri milhas distantes... Eu não cochilei...” (Cidade Negra)
24
Este estudo concentra-se na análise da realidade da escola que busca
inserir crianças com deficiências no sistema regular de ensino, por meio dos
aspectos culturais ou socialmente construídos, acerca da representação social de
seus alunos sobre a “deficiência” nesse contexto. Utilizaremos como mediadora
dessa discussão a telenovela América.
Para melhor compreensão deste trabalho, necessita-se o estudo dos
conceitos tanto da “Teoria das Representações Sociais” de Moscovici já que esta
representa a verbalização das concepções que temos do mundo que nos cerca e
também podemos identificar aqui os valores e os aspectos fundamentais para a
compreensão de nossos comportamentos sociais; bem como os fundamentos da
“Concepção Sócio-Histórica” cunhada por Vygotsky como forma de conhecer a
constituição histórico – cultural dos sujeitos e sua influência na construção dessas
representações sociais.
Desta forma, nosso trabalho tem por objetivo identificar o impacto
da telenovela América nas representações sociais dos sujeitos sobre a inclusão
social de Alunos Deficientes e como essas representações articulam-se entre si e
determinam a atitude das pessoas frente a essa construção.
Moscovici um psicólogo romeno naturalizado francês, nascido em
1925 em seu estudo pioneiro sobre a psicanálise introduziu o conceito de
representação social relatado em sua obra original “La psycanalise son image et
son public” (primeiro publicada na França em 1961 e ganhando uma segunda
edição em 1976) sendo que essa representação diz respeito a teorias ou ciências
coletivas destinadas a interpretação do real e vão além do que é imediatamente
dado na ciência ou na filosofia, da classificação de fatos e eventos. Representar
socialmente uma coisa não consiste em desdobrá-lo, repeti-lo ou reproduzi-lo;
seria reconstituí-lo, retocá-lo, modificar-lhe o texto.
As representações sociais são abordadas na psicologia social no
âmbito do seu campo, seu objeto de estudo – a relação indivíduo- sociedade – e de
um interesse pela cognição, ainda que não esteja situado no paradigma clássico da
psicologia, pois ela reflete sobre como os indivíduos, os grupos, os sujeitos
sociais, constroem seu conhecimento a partir de sua inserção social e cultural por
25
um lado, e como a sociedade se dá a conhecer e constrói esse conhecimento com
os indivíduos por outro.
Na teoria da representação social o próprio conceito de representação
possui um sentido mais dinâmico, referindo-se tanto ao processo pelas quais as
representações são elaboradas, como às estruturas de conhecimento que são
estabelecidas. Partem da premissa de que existem formas diferentes de conhecer e
de se comunicar, guiadas por objetivos diferentes. Moscovici define uma
representação social como:
Um sistema de valores, idéias e práticas, com uma dupla função:
primeiro estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-
se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar,
possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de
uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e
classificar, sem ambigüidade, os vários aspectos de seu mundo e da
sua historia individual e social (1976; 2005, p.21).
Ao argumentar que “o propósito de todas as representações é tornar
algo não-familiar, ou a própria não-familiaridade, familiar”, Moscovici apóia essa
idéia em dois processos básicos: a objetivação e a ancoragem. Objetivar é
transformar uma abstração em algo quase físico. A objetivação é um processo
decomposto em três fases: construção seletiva, esquematização estruturante e
naturalização, no qual as duas primeiras manifestam o efeito da comunicação e
das pressões ligadas ao pertencimento social dos sujeitos acerca da escolha e da
organização dos elementos constitutivos da representação. Desta forma cristaliza-
se uma representação de modo que as noções abstratas são transformadas em
imagens cujo conteúdo interno após descontextualizar-se forma um núcleo
figurativo para, por fim, transformar as imagens em elementos da realidade.
Importante também é salientar que para qualificar uma representação como social
é preciso definir o agente que a produz e enfatizar que a representação tem como
função contribuir exclusivamente para os processos de formação de condutas e de
orientação das comunicações sociais.
Ancorar é trazer para categorias e imagens conhecidas o que não está
ainda classificado e rotulado, enraizando a representação a seu objeto numa rede
26
de significações que permite situá-los em relação aos valores sociais e dar-lhes
coerência. Nas palavras de Jodelet (2001, p.39) “por um trabalho da memória, o
pensamento constituinte apóia-se sobre o pensamento constituído para enquadrar
a novidade a esquemas antigos, ao já conhecido”. É transformar o que é estranho
em algo familiar, ou seja, ancorar o desconhecido em representações já existentes.
Assim, o novo objeto da representação ganha sentido; o que é novidade passa a
ser parte integrante e enraizada no sistema de pensamento ou em outras
representações e, por sua vez, passa a fazer parte do sistema de integração entre o
indivíduo e o mundo social porque o que é comum ao grupo permite compartilhar
comunicação e influenciar a ação. Serve para a instrumentalização do saber
conferindo-lhe um valor funcional para a interpretação e a gestão do ambiente
dando assim, continuidade à objetivação.
Ao tornar o não-familiar em algo familiar nossas representações
sociais acionam a memória que nos impede de sofrer súbitas modificações por um
lado e de fornecer a dose certa de independência dos atuais acontecimentos. Para
Moscovici:
Ancoragem e objetivação são, pois, maneiras de lidar com a memória.
A primeira mantém a memória em movimento e a memória é dirigida
pra dentro, está sempre colocando e tirando objetos, pessoas,
acontecimentos, que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula
com um nome. A segunda, sendo mais ou menos direcionada para
fora (para outros), tira daí conceitos e imagens para fazer as coisas
conhecidas a partir do que já é conhecido (2005, p.78).
Na tentativa de recuperar historicamente o conceito de representações
sociais, Moscovici afirma que este passou por diversas fases, sendo que os
estudiosos de seu período inicial estavam mais preocupados com o caráter
coletivo das representações do que com seu conteúdo ou dinâmica. Destaque para
Dukheim (1895; apud Moscovici, 2005) que foi o primeiro a propor a expressão
“representação coletiva” como forma de designar a especificidade do pensamento
social em relação ao pensamento individual. Mas para Moscovici (2005, p.62)
esse modelo estático foi superado a partir do momento em que as representações
coletivas cederam espaço às representações sociais havendo a valorização da
diversidade de origem desses conceitos tanto nos grupos como nos indivíduos,
27
reconhecendo-se assim, que as representações sociais “são ao mesmo tempo,
construídas e adquiridas, tirando-lhes esse lado preestabelecido, estático, que as
caracterizava na visão clássica”.
E apesar de evidente essa influência de Durkheim na noção de
representações sociais, Moscovici (2005, p.49) caracteriza sua noção de
representação social como “fenômenos específicos que estão relacionados com
um modo particular de compreender e de se comunicar – um modo que cria tanto
a realidade como o senso comum”.
Aqui o senso comum abrange o que Moscovici chama de universo
consensual, em oposição ao universo reificado no qual através das ciências nós
obtemos a compreensão do mundo que nos cerca. A compreensão das
representações não necessita de nenhum conhecimento especializado, pois elas
“restauram a consciência coletiva e lhe dão forma, explicando os objetos e
acontecimentos de tal modo que eles se tornam acessíveis a qualquer um e
coincidem com nossos interesses imediatos” (Moscovici, 2005; p. 52). A chave
para a compreensão das representações sociais está no senso comum.
O estudo das representações sociais dentro da Psicologia Social
transformou-se num campo de muitas convergências entre seus pesquisadores
(Coldol, 1969; Farr, 1977,1984 e 1987; Herzlick, 1972; Harré, 1984; Jodelet,
1984; Potter e Litton, 1985) resultando num espaço de estudo multidimensional.
De acordo com Jodelet (2001, p.17) as representações são criadas
sempre que existe a necessidade de informação acerca do mundo à nossa volta,
pois, além de nos ajustar a ele, precisamos saber como nos comportar, dominá-lo
física ou intelectualmente e ainda, identificar e resolver os problemas que se
apresentam. São as representações sociais que nos guiam no modo de nomear e
definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de
interpretar esses aspectos e tomar decisões.
A análise das representações que um indivíduo tem do mundo exige a
captação da visão que este tem de seu mundo e onde tal visão dependerá do lugar
ocupado pelo indivíduo em relação aos outros. Esta relação é tanto objetiva como
28
subjetiva, existindo a confrontação de um com o outro e, ao mesmo tempo, com a
imagem que elabora do outro. A sociedade além de ser composta por indivíduos,
é composta também por fatos sociais de diferentes maneiras, inclusive como
fenômenos abstratos de consciência coletiva e sua manifestação constituindo-se
também a partir das experiências, dos conhecimentos, informações e modelos de
pensamentos transmitidos, cotidianamente, através da tradição, educação e
comunicação social. Toda representação define-se por seu conteúdo, o qual tem
como elementos conceitos e imagens criadas por alguém a respeito de um objeto,
de forma a se relacionar com outras pessoas.
Dessa forma, os processos de construção da representação de si
através do encontro com o outro é a representação da alteridade conceituada nas
palavras de Arruda (2002, p.60), como o produto de um duplo processo de
construção e de exclusão social, pois sua abordagem deve compreender, de
maneira conjunta, os níveis interpessoal e intergrupal. Corroborando com esse
pensamento, Jovchelovitch afirma que a consciência do outro em sua alteridade,
ou seja, a consciência da diferença é um problema de proporções históricas e de
contínua importância na vida de grupos e de comunidades, haja vista que sem o
reconhecimento do outro6, a produção de sentido e seus correlatos seriam
inexistentes. Para ela, o outro não está lá simplesmente, mas emerge enquanto tal
quando é reconhecido, referindo-se nesse sentido a tudo que se torna um objeto do
conhecimento, inclusive no momento em que o eu torna-se um objeto para si
mesmo.
Não basta, portanto, admitir a realidade do outro. É necessário
reconhecê-la como a realidade de um sujeito legítimo, que não possui apenas o
papel de me constituir enquanto eu, que não está lá simplesmente esperando para
ser reconhecido pelo sujeito do saber. Ao contrário, o outro está lá, ele próprio,
enquanto eu, com projetos, desejos e perspectivas que lhe são próprias. Não sendo
redutível ao que o eu pensa ou sabe sobre ele, sendo este, de acordo com
Jovchelovitch (2002) irredutível na sua alteridade.
6 Para a autora outro aqui se refere a objetos humanos e não – humanos, uma vez que eles se tornam reconhecidos como objetos do conhecimento.
29
Ao estudar as representações sociais, estudamos como o ser humano
procura compreender o mundo e não como ele se comporta. Para Moscovici
(2005) a compreensão é uma faculdade inerente ao ser humano, mas antes se
acreditava que ela fosse advinda do mundo externo, mas que agora se acredita que
a comunicação social possui importância fundamental nesta construção da
compreensão do mundo. Para o autor:
A compreensão é a faculdade humana mais comum. Acreditava-se
antigamente que esta faculdade fosse estimulada, primeira e
principalmente, pelo contato com o mundo externo. Mas aos poucos
nós fomos dando conta que ela na realidade brota da comunicação
social (Moscovici, 2005; p.43).
Moscovici (2003) considera que nunca podemos obter nenhuma
informação que não tenha sofrido distorções devido a essas representações, cuja
primeira função é convencionalizar objetos ou pessoas. Essa forma convencional
facilita a compreensão e o encaixe em categorias predeterminadas. Para o autor,
“nenhuma mente está livre dos efeitos dos condicionamentos anteriores que lhe
são impostos por suas representações, linguagem ou cultura” (Moscovici,
2003:35). Tais convenções, no entanto, costumam ser inconscientes e dificilmente
temos noção delas – e esse é, justamente, seu principal trunfo, pois tendemos a ver
o mundo representado como o natural, a realidade única, a verdade por excelência.
A segunda função das representações é funcionar com força prescritiva, ou seja,
como uma noção de continuidade, de algo que já existia antes de nós e que
continuará a existir depois de nós, conforme podemos observar adiante:
Todos os sistemas de representações, todas as imagens e todas as
descrições que circulam dentro de uma sociedade, mesmo as
descrições científicas, implicam um elo de prévios sistemas e
imagens, uma estratificação na memória coletiva e uma reprodução
na linguagem que, invariavelmente, reflete um conhecimento anterior
e que quebra as amarras da informação presente (MOSCOVICI,
2003:37).
As representações sociais são autônomas e nos pressionam a vê-las
como realidades incontornáveis. Para Moscovici (2003), elas podem até ser
comparadas a um objeto material, tamanho seu peso, ou mesmo como algo mais
30
pungente ainda. “Talvez seja uma resistência ainda maior, pois o que é invisível é
inevitavelmente mais difícil de superar do que o que é visível” (MOSCOVICI,
2003:40). Quanto mais a representação se distancia do convencionalismo de suas
origens, mais se parece fossilizada e imutável. Dessa forma, como já foi sugerido
anteriormente, mais influentes se tornam quanto menor é nossa consciência delas.
Moscovici argumenta que os meios de comunicação de massa
aceleraram a crescente penetração das representações sociais na vida cotidiana e
se tornar parte da realidade comum, multiplicando tais mudanças e aumentando a
necessidade de um elo entre o conhecimento do senso comum com nossas
atividades concretas como indivíduos sociais. Desta forma a televisão tem uma
capacidade peculiar de captar, expressar e atualizar representações através de uma
comunidade nacional imaginaria, sendo a telenovela o programa de maior
popularidade e lucratividade da televisão brasileira.
Exercendo um papel de fundamental importância na representação da
sociedade frente ao meio televisivo, a telenovela torna presente através de formas
e figuras um mundo real ou possível, da experiência direta e concreta ou mesmo
da fantasia, quando de sua abordagem sobre temáticas contundentes se firma
como um dos espaços mais amplos e importantes acerca da problematização do
Brasil. Ela estabelece padrões que servem como referência legítima para o
posicionamento do telespectador dando assim visibilidade aos assuntos,
comportamentos e produtos que se queiram enfatizar.
De acordo com Wolton (1998, p. 157), “a televisão é um fator de
identidade cultural e de integração social, devido à dupla condição de ser uma
televisão assistida por todas as classes sociais e de ser um espelho da identidade
nacional”.
Embora tenha se iniciado na área da Psicologia Social, o campo de
estudos das representações sociais tornou-se interdisciplinar ao qual se associam
pesquisadores das áreas das Ciências Sociais e Humanas entre eles os educadores,
assistentes sociais e outros. Hoje a teorização proposta por Moscovici recebe
contribuição de várias tendências na abordagem desse fenômeno socialmente
31
produzido, que é o saber do senso comum, e que constitui o objeto de estudo da
teoria das representações sociais.
No Brasil têm-se acentuado o interesse dos pesquisadore da área da
educação pelas Representações Sociais pois, de acordo com Viana (2003,p.21),”as
perspectivas de pesquisa mostraram que os grandes sistemas de significações que
constituem as Representações Sociais são úteis para compreender o que ocorre na
sala de aula” haja visto que essas representações são resultado das interações
ocorridas entre professor e alunos sendo importante identificar como esses
sujeitos compreendem não somente a deficiência, mas também o processo pelo
qual ocorre a inclusão de crianças consideradas como pessoas deficientes no
cotidiano escolar.
A temática da constituição do sujeito vem se caracterizando como
objeto de discussões em diferentes orientações teórico-metodológicas e é
importante na medida em que problematiza tanto o objeto dessa ciência como a
forma com que é abordado. Aqui neste trabalho a temática é discutida tendo como
referencial os aportes teóricos de L.S.Vygotsky; que na sua perspectiva nos diz
que a especificidade humana decorre da dupla relação que se estabelece com a
realidade, ou seja, via atividade na qual o ser humano se apropria da cultura e
concomitantemente nela se objetiva, constituindo-se assim como sujeito.
Para L.S.Vygotsky a dimensão do outro, ou melhor, a relação com um
outro é uma constante, pois, nas explicações do autor a constituição do psiquismo
humano é cultural e os elementos mediadores desta relação fundam-se no
pressuposto de que sua origem acontece no contexto das relações sociais. Ao
referir-se à Tese VI sobre Feuerbach, Vygotsky (1995, p. 151) encontra a
formulação de sua psicologia histórico – social ao destacar: "Modificando a
conhecida tese de Marx, poderíamos dizer que a natureza psíquica do homem vem
a ser o conjunto de relações sociais transladadas ao interior e convertidas em
funções da personalidade e em formas de sua estrutura". E nas palavras de
Teixeira (2005, p.26): vendo nessa tese a expressão mais completa de todo o
resultado da história do desenvolvimento cultural, seu significado é o de que todo
o conteúdo da mente humana é um produto social que pertence, tal como o
individuo, a uma forma determinada de sociedade.
32
Seguindo a tradição marxista Vygotsky afirma ser através da atividade
humana caracterizada pelo trabalho social que o ser humano transforma o
contexto social no qual se insere e nesse processo constitui a si mesmo como
sujeito, ou seja, constitui o seu psiquismo; e a origem de novas formas de
comportamento deixa de ser independentes dos motivos biológicos elementares e
passam a ser por motivos sociais. A história do desenvolvimento da sociedade e
de cada pessoa, portanto, está diretamente relacionada às transformações da
atividade humana e dos motivos que a impulsionam.
É precisamente na relação com todos esses fatores que no homem
criam-se novos motivos complexos para a ação e se constituem essas formas de
atividade psíquica específicas. Nestas, os motivos iniciais e os objetivos originam
determinadas ações e essas ações se levam a cabo por meio de correspondentes
operações especiais. Dai para Vygotsky, a psique humana não é dada; esta se
constitui num processo social cuja origem é marcada tanto pelas conquistas
históricas do gênero humano quanto pelas marcas singulares que socialmente
produzimos.
A característica demarcadora da atividade humana, entendida como
categoria explicativa para o desenvolvimento tanto filo quanto ontogenético que
nos permite afirmar que a psique humana é social em sua origem, é o fato de ser
mediada, assim sendo, esta atividade encontra nos signos as ferramentas
simbólicas responsáveis pelas especificidades do psiquismo humano e sua
condição essencialmente mediada (Vygotski 1991, 1992, 1995,1996).
Ao considerá-los como instrumentos psicológicos, Vygotsky (1991)
refere-se aos signos como “... dispositivos sociais para o domínio dos processos
próprios ou alheios" (p. 65), ou seja, como instrumentos responsáveis pela
reorganização da operação psíquica na medida em que possibilitam a regulação da
própria conduta. Assim, permitem a inserção do homem na ordem da cultura e o
estabelecimento de relações qualitativamente diferenciadas com a realidade
passando de diretas e imediatas, para mediadas pelos signos e pela cultura.
Consistindo os signos em formas de linguagem, estabelece-se assim a
relação entre linguagem e consciência:
33
(...) se a linguagem é consciência que existe na prática para os demais
e, por conseguinte, para si mesmo, é evidente que a palavra tem um
papel destacado não só no desenvolvimento do pensamento, mas
também no da consciência em seu conjunto... A consciência se
expressa na palavra assim como o sol se expressa em uma gota
d'água. A palavra é para a consciência o que o microcosmo é para o
macrocosmo, o que a célula é para o organismo, o que é o átomo para
o universo. É o microcosmo da consciência. A palavra significativa é
o microcosmo da consciência humana. (Vygotsky, 1992, pp. 346-347)
Os signos são particularmente apropriados justamente por serem
produzidos coletivamente e, ainda que tornados próprios tragam a marca do
contexto, da época e do grupo social em que se originam. Se a consciência se
caracteriza pelo fato de ser semioticamente mediada, sua origem social é
explicada pela dimensão inexoravelmente social dos signos. Estes resultam da
atividade humana conjunta e sua origem remonta aos primórdios da nossa
civilização, quando a luta pela sobrevivência demandou a comunicação entre os
próprios homens. Os signos, portanto, relacionam sujeito e sociedade, eu e outro
fato este explicado por Bakhtin (1990) ao referir-se à palavra:
Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada
tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para
alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte.
Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra,
defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à
coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se
ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu
interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor. (p. 113)
Neste sentido, Oliveira (2004, p.17) ressalta que na prática educativa a
relação com o outro se dimensiona em uma tensão sociocultural; pois, no processo
de comunicação com o outro, a linguagem simbólica manifesta a história cultural
da sociedade significando que valores, crenças, conceitos e atitudes são
assimilados e construídos de acordo com essas representações sociais.
34
Assim, acredita-se que a formação de conceitos acerca da deficiência a
partir dos princípios que regem a dialogia (Bakhtin, 1999) encontra tanto no
desenvolvimento como na organização dos significados que formam tal conceito,
sua preconização pela negociação dos significados, definida pela interação entre
os indivíduos e os contextos histórico e cultural em que vivem.
Desta forma, a opção pelo estudo da representação social dos sujeitos
acerca da deficiência utilizando a concepção histórico – cultural justifica-se pelo
fato de que esta apresenta uma visão otimista em relação ao desenvolvimento do
deficiente, pois, Lev Semiónovic Vygotsky (1896-1934) foi o autor que inovou
teoricamente os estudos sobre deficiência ao apresentar seu referencial teórico
sobre o desenvolvimento atípico das crianças denominadas socialmente de
deficientes, em seu livro “Fundamentos da Defectologia” (1989).
Defectologia é um termo soviético para a disciplina que estuda uma
desvantagem e sua contribuição é a de possibilitar à psicologia uma base teórica
para a compreensão do desenvolvimento psicológico de criança em desvantagem.
Para Vigotsky, a atividade do homem é constituída nas condições culturais e
históricas concretas de sua vida social.
Vygotsky (1989) defende “que a criança cujo desenvolvimento está
complicado por um defeito não é simplesmente uma criança menos desenvolvida
que seus coetâneos normais, desenvolvendo-se de outro modo” (p.03). Para ele, o
processo de desenvolvimento da criança com defeito é um processo diferente,
realizado de outro modo, de forma peculiar. As regularidades do desenvolvimento
atípico e do típico, que são comuns, apresentam expressão concreta singular.
Para Vygotsky (1989):
as leis que regem o desenvolvimento tanto da criança normal quanto
anormal são, fundamentalmente, as mesmas, assim como as leis que
governam a atividade vital são as mesmas, sejam normais ou
patológicas as condições de funcionamento de qualquer órgão ou do
organismo em seu conjunto (p.05).
35
Essa abordagem redimensiona a questão da deficiência onde esta
passa da esfera biológica para a esfera social e a disfunção biológica apresentada
pela pessoa é vista como uma barreira social determinando à deficiência o
impacto social gerado pelo defeito e não a sua mera presença, já que o defeito
provoca uma reação social frente ao sujeito que o possui. Na sua teoria, Vygotsky
dá ênfase no processo, no modo como o individuo reage ao defeito. Essa situação
pode criar-lhe a necessidade da superação, ou seja, o defeito pode se transformar
numa mola propulsora, numa força motriz para o seu desenvolvimento. Por isso, a
tese central da defectologia é a de que todo defeito pode gerar uma compensação.
Ao atribuir ao defeito apenas uma limitação e não necessariamente
uma incapacidade, Vygotsky nos diz que a criança deficiente busca novas formas,
dentro das relações no seu meio social, para se apropriar de sua cultura. Assim, o
objeto de estudo da defectologia é a reação do organismo e da personalidade da
criança em relação ao defeito. Daí a necessidade de se criarem às condições que
abrem os caminhos para essa compensação e de se valorizarem as possibilidades
para superação do defeito. O que se busca valorizar são as possibilidades e,
valendo-se destas, ver o individuo como alguém que tem uma forma peculiar de
desenvolvimento. Para Vygotsky (1989), a criança que apresenta um
desenvolvimento alterado por um defeito é uma criança que se desenvolve por um
caminho diverso das crianças normais. Daí a importância do papel da escola para
as crianças na busca da superação das barreiras impostas pelo defeito.
Porém, a compreensão deste trabalho também necessita de
esclarecimentos acerca da utilização da telenovela América através de uma breve
explanação sobre a importância da televisão e seu processo mediador no estudo
das representações sociais das crianças sobre o tema pesquisado.
A televisão como objeto de estudo causa inúmeros desentendimentos
entre pesquisadores, justamente por ser tanto perturbadora como intrigante. Seu
estudo oscila entre duas correntes: os que atribuem ao seu conteúdo e suas
mensagens um poder ideológico; e os que acreditam nos receptores como uma
massa passiva e alienada frente a este meio; mas existe um consenso quando todos
ficam impressionados com o poder que,dizem, estes meios possuem na sociedade.
36
Adquiriu tanta importância ao longo dos anos que hoje, a televisão
está mais presente que o rádio ou a geladeira nos domicílios urbanos. Bucci
(2004, p.31) reforça seu pensamento através da seguinte afirmação: “Às vezes
tenho a sensação de que, se tirássemos a TV de dentro do Brasil, o Brasil
desapareceria”.
Nesse contexto, a mídia televisiva passa a fazer parte do dia a dia de
milhares de pessoas que por seu intermédio adquirem informações, constroem
conceitos e modificam comportamentos. Assim, presente em todos os espaços
sociais, a TV desafia também a escola a incorporar essa nova linguagem para que
possa compreender-lhe todos os seus aspectos e dimensões. Para Carneiro (1999)
deve-se abordar a relação televisão – educação a partir de três perspectivas
complementares: educação para o uso seletivo da TV; educação com a TV;
educação pela TV.
Para Tornero (1984, p.24) a educação para os meios ou como prefere
o autor, a alfabetização mediática compreende a capacidade de analisar
criticamente os meios e de conseguir além de expressar-se, produzir mensagens a
partir destes. Trata-se, porém, da capacidade de compreender sua linguagem; suas
estruturas e sua tecnologia; não bastando apenas assimilá-la. Este processo inclui
ainda a capacidade de usar a televisão como meio expressivo de comunicação
tendo-se a possibilidade de criticar suas mensagens.
A televisão expõe as crianças desde que abrem os olhos ao mundo dos
sons, das cores e das imagens. Para os autores Martín – Barbero e Rey (2002,
p.55) sua compreensão torna-se mais fácil, já que não depende de um complexo
código de acesso – como o livro – utilizando o lúdico e o emocional para prender-
lhe a atenção.
Muitos estudos sugerem que a infância de hoje seja a “infância da
mídia”, autores como Buckingham (1990); Vilches (1993); Carneiro (1999) e
Carlsson (2002) consideram a mídia como elemento essencial da vida das
crianças, pois a partir do entendimento da linguagem audiovisual, elas são capazes
de desenvolverem habilidades e capacidades necessárias para sua compreensão.
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No entendimento de Angeles-Bautista (2002) existe hoje uma
necessidade de proporcionar às crianças uma orientação apropriada sobre o que
elas já sabem a respeito das mídias para que não fiquem totalmente hipnotizadas
ou indefesas frente a ela.
De acordo com Vilches (1999, p. 72) as investigações sobre televisão
– criança realizadas durante os anos 70 e 80 demonstraram quão importante eram
os estudos sobre os códigos, linguagem e formas do audiovisual; desviando o foco
do estudo apenas dos efeitos. Neste contexto, o plano educativo foi afetado pelos
resultados de quantidades expressivas de experiências e de indagações acerca da
representação formal dos programas televisivos e de como estes influenciam na
atenção e compreensão das crianças, bem como estas podem aprender a usar essas
mesmas formas de linguagem televisiva para a realização de suas representações
mentais e cognitivas, que podem ser aplicadas a situações em sala de aula.
Desta forma, Fischer (2003) considera fundamental para a educação
discutir e pensar sobre o quanto os professores sabem a respeito das profundas
transformações que têm ocorrido nos modos de aprender de seus alunos que
crescem influenciados por um ambiente mediatizado. Portanto, a educação com,
pela e para a mídia torna-se essencial na transformação da TV em objeto de
estudo, ampliando-lhe as efetivas possibilidades de criativamente experimentar na
escola, formas de fruir e pensar a televisão.
Essa necessidade de incorporar a televisão ao cotidiano escolar,
justifica-se principalmente pelo fato de que esta pode ser considerada o “espelho
da sociedade” (Wolton, 1984; p. 124); ou seja, é através TV que as pessoas se
vêem refletida e criam assim, além de uma imagem, uma representação7 de si
mesmas. Estabelece-se desta maneira o que Wolton (1984) chama de “laço social”
uma vez que ao estarem assistindo a um mesmo programa, os espectadores
agregam-se simultaneamente, formando uma espécie de laço invisível.
Cabe salientar que o surgimento dos meios de comunicação de massa
de acordo com Moscovici (2003, p. 48) aumentou a necessidade de um elo entre
7 Para Moscovici (2003, p. 20) “o propósito de todas as representações é tornar algo não-familiar, ou a própria não-familiaridade, familiar”.
38
nossas ciências e crenças gerais – antes puramente abstratas – com nossas
atividades concretas como indivíduos sociais numa prática contínua de re-
construir o “senso comum” aqui entendido como um conjunto de conhecimentos
originados na vida cotidiana tendo por objetivos comunicar, estabelecer relações
entre grupos sociais e embutir sentido no comportamento, para tornar essas
relações estáveis e eficazes. A esse conjunto de conhecimentos, o autor o chamou
de “representação social”, responsável na ajuda para a decodificação da vida
humana, tornando possível atribuir a toda figura um sentido e a todo sentido uma
figura.
No entendimento de Silverstone (2002) o estudo das mídias, desta
forma, precisa ser realizado para que haja compreensão dos processos de
mediação8, de como surgem os significados e quais as suas conseqüências;
examinando-as como um processo em curso com diferentes níveis de informação
e entretenimento.
Historicamente, grande parte das pesquisas na área de comunicação
relacionadas à recepção dos meios de comunicação de massa foi fundamentada no
referencial difusionista concebendo o receptor como objeto de persuasão ou de
influências das mensagens. De acordo com Lopes (1990), a constituição de uma
nova corrente de estudos de recepção dos meios massivos a partir dos anos 80
dentro do paradigma crítico apresenta como ponto divergente a ruptura com a
concepção do “consumo como pólo sempre determinado e, portanto passivo em
relação aos pólos de produção da mensagem e do meio massivo”. O que se busca
nos atuais estudos da recepção, é muito mais; é afirmar uma ação protagônica, do
sujeito livre, nos processos comunicativos.
Dentro dessa perspectiva, destaca-se na América Latina a formação
em diversos países de equipes de pesquisa que trabalharam em projetos integrados
e multidisciplinares como no caso da Colômbia com seus projetos sobre
telenovela (Martín-Barbero e Munhoz, 1992) e no México (González, 1991), o
Chile com a recepção ativa (Fuenzalida, 1987) e novamente o México com o de 8 O conceito de mediação foi inicialmente proposto pelo investigador madrilenho Manuel Martín Serrano descrito por Orozco como uma teorização “nacionalista e sistêmica” (1996). Depois, Martín-Barbero aplicou parte da conceituação de Serrano a sua visão da mediação em seu clássico “Dos meios às mediações” e em outras publicações (Dorneneles, 2003).
39
crianças e televisão (Orozco, 1992). A perspectiva das mediações por nós adotada
no presente estudo de recepção de telenovela enfoca as abordagens de Martín –
Barbero e Orozco por conceberem a relação entre o emissor e o receptor como um
processo onde entram em jogo as mediações, considerando que a mediação se dá
numa instituição, na situação e nos grupos. Estas são instituições mediadoras que
geram traços. Portanto, na relação com a comunicação faz-se o seguinte
raciocínio: resgatar o lugar da mediação é resgatar o lugar da cultura, ou seja, esta
abordagem se firma como renovadora em virtude de que a noção de mediação do
autor emerge de uma visão (re) integradora dos fenômenos de comunicação por
meio do binômio comunicação – cultura pretendendo esta perspectiva integrar
todos os âmbitos da comunicação, da produção, como do produto e a recepção.
Não existe emissor/receptor indivíduo. Nas palavras de Gomes (1998, p.27)
estamos vivendo o isolamento, a época da simulação. O problema está na
estrutura. Por isto, o lugar da cultura é como se fosse o lugar da identidade. Ela é
o pivô reestruturador do lugar político. É a visão da cultura como mediação.
Na concepção de Martín-Barbero (1987), as mediações são
concebidas como os lugares onde se pode perceber e compreender a interação
entre os espaços da produção e da recepção. Assim, podemos afirmar que as
mediações se distinguem por uma multiplicidade de estratégias e técnicas de
registro e mediação, de interação com os sujeitos pesquisados, de observação de
seus espaços escolares e contextos socioculturais, de tratamento dos textos
televisivos – os capítulos – e dos resultados de entrevistas e observações desses
sujeitos.
Orozco (1991, 1996, 2001) tem focado seus estudos na relação
televisão – audiência – educação contribuindo de forma significativa para os
estudos de recepção; o que resulta no modelo das “Múltiplas Mediações” que
parte do estudo das articulações que se dão entre as práticas de comunicação e os
movimentos sociais, considerando as diferentes temporalidades e as pluralidades
das matrizes culturais. Para este autor a relação receptores – televisão é
necessariamente mediatizada de forma que essa relação nunca é direta e unilateral
como costumava abordar alguns pesquisadores, mas acontece num ambiente
40
multilateral e multidimensional realizando através do que o autor chama de
“múltiplas mediações”.
Para Buckingham (2004) é importante lembrar que as crianças fazem
parte da cultura da televisão, elas têm essas referências em comum, vêem TV em
casa durante horas. No seu entendimento, se todas as crianças na sala viram a
mesma telenovela na noite anterior, por que não transformar o assunto em tema de
discussão? A escola pode ser um espaço onde os alunos podem elaborar essa
experiência em comum.
Cabe salientar que os conceitos de audiência, recepção e mediação são
primordiais para o entendimento da proposta apresentada por este trabalho. Nas
palavras de Lopes (2002):
A mediação no processo de recepção de telenovela deve ser entendida
como processo estruturante que configura e reconfigura tanto a
interação dos membros da audiência com os meios, como a criação
por parte deles dos sentidos dessa interação, sendo necessária a
decupagem desses conceitos (p.40).
Assim sendo, Orozco (2001, p.23) defini audiência como um conjunto
segmentado a partir de suas interações mediáticas de sujeitos sociais, ativos e
interativos, que não deixam de ser o que são enquanto estabelecem alguma relação
sempre situada com o referente mediático, seja esta direta, indireta ou diferida.
Para o autor ser audiência significa para os sujeitos sociais uma
transformação substancial em suas estruturas que agora se definem muito mais
por uma espiral de mediações responsáveis por modificar seus vínculos com a
sociedade à sua volta, com os acontecimentos e com as fontes tradicionais de
informação do que com as divisões tradicionais antes definidas por critérios como
gênero, idade, classe social ou etnia.
Desta forma, os encontros pessoais são reduzidos e aumentam os
contatos virtuais e as experiências vicárias (através da TV e da tecnologia). Para
Orozco a contrapartida desta situação encontra-se no fato de que a representação
mediática e seu simulacro de realidade continua seu crescimento vertiginoso e se
41
consolida duplamente como produto e processo uma vez que como mediação
privilegiada para conhecer, sentir e gostar.
Recepção é entendida como uma interação sempre mediada a partir
de diversas fontes e contextualizada material, cognitiva e emocionalmente, que se
realiza ao longo de um processo complexo e não de um momento, situado em
vários cenários e que inclui estratégias e negociações dos sujeitos com o referente
mediático do qual resultam apropriações variadas que vão desde a mera
reprodução até a resistência e a contestação. Lopes (2002) enriquece esse conceito
ao afirmar que o sentido primeiro apropriado pelo receptor é por este levado a
outros “cenários” chamados de grupos de participação.
Por fim, a mediação é um processo estruturante que configura e
orienta a interação das audiências e cujo resultado é o estabelecimento de sentido
por parte destas aos referentes mediáticos com os quais interagem.
Segundo Orozco (2003, p.40) um primeiro conjunto de mediações
provêem do âmbito individual dos sujeitos – audiência, portanto sujeitos
particulares, com características próprias, produto de suas heranças genéticas, de
seu desenvolvimento e trajetórias pessoais, bem como de seus aprendizados
anteriores e experiências; para além da televisão. Esses sujeitos individuais
concretizam o que o autor denomina de “estratégias televisivas” inspiradas
primeiramente no que os caracterizam como indivíduos, para em seguida
concretizar também os “contratos de vidência” quando se conectam com os
outros, formando “comunidades de apropriação e interpretação” dos referentes
televisivos.
Portanto, por mais individualizada que pareçam, as “vidências
contratuais” não acontecem num vazio sociocultural, pois estão mediadas por
negociações e capacidade de respostas carregadas geográfica e historicamente de
significado, sofrem regras e variam de cultura, de país, de região e de época
(Orozco, 2003, p.41). Martín-Barbero corrobora com essa perspectiva ao afirmar
que para construir essa caracterização, as mediações transformam-se em lugar de
onde se outorga sentido ao processo de comunicação, e para ele, este lugar recebe
42
o nome de cultura, ou seja, o autor propõe o deslocamento dos meios às
mediações.
As telenovelas parecem ser o gênero que mais oferece elementos e
informação para o debate sobre temas ligados ao comportamento, como a inclusão
social de pessoas deficientes, constituindo, a partir daí, toda uma dimensão
educativa. Acresente-se aqui a própria mediação videotecnológica9 da televisão
enquanto meio de comunicação, que permite uma aproximação mais intensa com
os fatos, além de atribuir um maior grau de verossimilhança aos acontecimentos.
Essa mediação segundo Lopes, Borelli e Resende (2002) é pensada a partir da
tensão/imbricação entre a matriz industrial do texto telenovelístico – as lógicas
econômicas e organizacionais da produção que constroem as dinâmicas de criação
argumentativa e estética –; os diversos modelos de texto audiovisual, que enredam
o mundo da produção com o “palimpsesto10 do receptor” – analisados, segundo as
autoras, nos seus distintos planos de imagem, sonoridade e texto verbal; e por fim,
as operações de sentido presentes na telenovela, mas ativadas pelas competências
de leitura inerentes aos receptores (naturalização realista, metaforização,
verossimilhança, etc.).
Os depoimentos dos alunos sobre suas experiências de
telespectadores da novela “América” exibida pela Rede Globo na época das
entrevistas, é revelador dessa relação estabelecida com a TV.
9 Orozco (1991) ressalta que a televisão, além de ser uma instituição, é também um meio técnico de comunicação, contando com uma série de recursos videotecnológicos efetivos que possibilitam à televisão mediar à apresentação da realidade ao sujeito receptor. 10 É uma página manuscrita, pergaminho ou livro cujo conteúdo foi apagado (mediante lavagem ou raspagem) e escrito novamente, normalmente nas linhas intermediárias ao primeiro texto ou sentido transversal. Deriva do antigo grego cuja etimologia é: palim – “de novo” e psesto – “raspar”, ou seja, riscar de novo. Retirado do site www.pt.wikpedia.org.
43
Revisitar as páginas da história
“A vida tem sons que pra
gente ouvir, precisa
aprender a começar de
novo...” (Roupa Nova).
44
O objetivo desta breve análise histórica acerca da deficiência é
provocar a reflexão acerca da relação entre o que se pensa sobre a condição de
deficiente e as atitudes que são assumidas frente aos seus portadores. Aqui
também vale ressaltar que muitas dessas concepções históricas continuam
presentes de forma latente no mundo atual, configurando-se dessa forma a
necessidades dessa revisita.
Ao se realizar o estudo da evolução histórica da representação da
deficiência, podem-se encontrar diversos trabalhos que abordem as principais
questões das teorias e interpretações sobre essa evolução (Mendes, 1985; Omote,
1996; Ferreira e Guimarães, 2003), mas adotam-se aqui, inicialmente os estudos
de Pessotti (1984) que estabelece quatro fases de mudanças tanto nas idéias como
nas atitudes perante as pessoas deficientes:
De acordo com Pintner (apud Pessotti1983), na Antigüidade clássica
os filhos disformes ou anormais estavam associados a condições de incapacidade
generalizada, à idéia de dependência e inutilidade e por isso era simplesmente
abandonados ou mortos ao nascer, o que correspondia perfeitamente à ética das
sociedades que educavam seus filhos para a guerra, o lazer, a perfeição atlética,
num sistema econômico escravagista, oligárquico e elitista.
Na Roma antiga as crianças com deficiências eram afogadas por
serem consideradas anormais e débeis. Já na Grécia antiga, Platão, relata no livro
“A República” que as crianças eram sacrificadas ou escondidas pelo poder
público.
Com a difusão do Cristianismo no mundo ocidental, particularmente
durante a Idade Média, as deficiências recebem um outro tipo de explicação,
especificamente no aspecto das teorias da causalidade. Passando a deficiência a
ser atribuída aos desígnios de entidades sobrenaturais. Surge uma religião de
redenção, de escravos e desprotegidos, tratando a deformidade ou deficiência
como marginalização e exposição a graves riscos. O deficiente agora passa a ter
alma e deve de algum modo ser socorrido. Também passam a ser considerados
como “eleitos ou anjos de Deus”, “receptáculos dos castigos divinos” ou
“possuídos pelo demônio”. As explicações sobre deficiência mental eram no
45
mínimo contraditórias nesse momento. Tais suposições supersticiosas deram
origem a atitudes ambivalentes de proteção e maus tratos dependendo da teoria
assumida; eram por vezes imorais ou anormais, mas sempre incômodos seres
predestinados muitas vezes a uma condenação divina ao fogo eterno.
O deficiente deixa de ser morto ao nascer, mas passa a ser
estigmatizado como sinônimo de pecado.
Porém, após sucessivas epidemias de lepra, a cultura medieval cristã
aprendeu a livrar-se dos leprosos sem trair a caridade, confinando-os, levando-os a
outro mundo. Quando acabou a epidemia, os leprosários foram utilizados para
receber e confinar os loucos, mutilados, mendigos, prostitutas, dementes e todos
os considerados incapacitados para a vida social, manifestando assim uma
46
punição para a imoralidade que representavam ou estavam expiando, como no
caso dos dementes, que pagavam pecados pelos seus pais ou avós.
Com o advento da Reforma Protestante, Lutero traça um dogma
infundado sobre a natureza do deficiente mental, segundo o qual esse ser é
sobrenatural e morre, graças ao efeito de muitas orações. É essa a forma para que
Deus expulse dele o demônio. Agia-se como se nessa pessoa faltasse a razão e a
ajuda divina. É a época dos açoites e das algemas. Trata-se de uma concepção
fanática e metodológica do deficiente mental.
Com a Reforma Protestante o deficiente deixa de ser só repulsivo e
castigado por Deus para ser também castigado pelos homens, vítimas de torturas,
exorcismos e flagelação.
47
No Renascimento surgem ciências com concepções racionais,
buscando explicar as causas das deficiências, e estas passam a ser consideradas sob o
ponto de vista médico como doença de caráter hereditário, males físicos ou mentais. É o
predomínio de concepções baseadas no organicismo radical; e, para equacionar o
problema da deficiência foram instalados asilos e grandes instituições para confinar seus
portadores, especificamente para aqueles com níveis mais severos de deficiências, onde
os internos recebiam cuidados médicos e um treinamento em habilidades básicas para
serem menos dependentes.
48
Ainda dentro desta contextualização histórica da deficiência, dois são
os fatores de destaque para mudar atitudes com relação à pessoa deficiente: a
revolução industrial e as duas Guerras Mundiais.
Com a primeira, surgiu a necessidade de mão de obra mais
especializada, o que provocou a institucionalização da escolaridade obrigatória;
fazendo surgir assim, a conscientização de que existiam pessoas que mesmo sem
sinais aparentes de anormalidade, não conseguiam adquirir habilidades
acadêmicas, provocando uma mudança no conceito predominante de deficiência;
agora não mais restrito aos casos de incapacidades mais severas e generalizadas, e
sim, incluindo indivíduos com incapacidades menos perceptíveis que não
apresentam anormalidades orgânicas comprovadas, mas que serão classificados
com base em critérios ditados pelas normas culturais. De acordo com Mendes
(2001, p.58), “estava lançada à base para o aparecimento do atual conceito das
chamadas “necessidades educacionais especiais”“.
As duas Guerras Mundiais produziram desdobramentos muito graves
para as sociedades de suas respectivas épocas. Surgiram os deficientes
incapacitado-mutilados decorrentes das amputações geralmente provocadas pelos
ferimentos ou acidentes nos campos de batalha. Embora ainda permaneça a
deficiência sob a ótica médica, com destaque para o estudo da deficiência física e
suas diversas patologias relacionadas ao movimento motor; para Ferreira e
Guimarães (2003, p.92) começa-se a aparecer um avanço considerável na
educação dos alunos com deficiência.
Mendes (2001, p.58-59) destaca a Segunda Guerra Mundial como o
grande fato responsável por mudanças significativas no clima sócio-cultural do
mundo ocidental, fazendo com que surgisse uma filosofia mais humanista que
atribuiu ao deficiente uma maior valorização. Para a autora “a guerra tornou
muitas pessoas deficientes e a sociedade teve que rever suas posições frente à
deficiência em função da volta de seus heróis mutilados”.
A preocupação com a guerra chega ao Brasil no Governo Vargas e
este, cria o plano de organização de um Serviço Nacional de Assistência a
mutilados. Também em decorrência da preocupação com os deficientes, o
49
governo brasileiro dividiu o antigo Ministério da Educação e Saúde Pública em
dois órgãos ministeriais, de competências específicas.
Segundo Mazzota (2003) o Brasil foi influenciado por experiências
concretizadas na Europa e nos Estados Unidos, sendo iniciativa de alguns
brasileiros no século XIX, organizando serviços para atendimento a cegos, surdos,
deficientes mentais e deficientes físicos. Estas iniciativas oficiais e particulares
partiram de educadores interessados no atendimento a pessoas com deficiências.
Porém a Educação Especial, também chamada de “Educação de
Deficientes” ou “Educação de Excepcionais” na política educacional brasileira
ocorreu somente no final dos anos 50 e início da década de 60, no século XX.
Primeiro Período – de 1854 a 1956
No Brasil, o atendimento escolar especial às pessoas com deficiência
teve seu início em 12 de outubro de 1854, quando D. Pedro II, através do decreto
imperial nº. 1428 fundou, na cidade do Rio de Janeiro, o “Imperial Instituto de
Meninos Cegos”.
Em 17 de maio de 1890, no Governo Republicano, o chefe do governo
provisório, Marechal Deodoro da Fonseca e o Ministro da Instituição Pública,
Correios e Telégrafos, Benjamim Constant Botelho de Magalhães, assinaram o
decreto nº. 408, mudando o nome dessa instituição para Instituto de Cegos. Mais
tarde, em 24 de janeiro de 1891, pelo decreto nº. 1320, a escola passou a
denominar-se “Instituto Benjamim Constant” (IBC), e tem o mesmo nome até os
dias atuais.
Em 1857 D. Pedro fundou no Rio de Janeiro o “Imperial Instituto de
Surdos e Mudos” que após cem anos de existência, passaria a denominar-se
“Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES”. Ainda no Segundo Império,
existem registros de ações voltadas para o atendimento pedagógico e liberação de
verbas destinadas à formação superior de professores.
50
Em 1950, existiam 54 estabelecimentos de ensino especializado,
destinados às pessoas com necessidades educacionais especiais. Dentre eles, a
Sociedade Pestalozzi do Estado do Rio Janeiro criada em 1948 e a Escola
Estadual Instituto Pestalozzi, criada em 1935 por influência dos trabalhos da
Professora Helena Antipoff.
Segundo Período – 1957 a 1993
O segundo período é marcado por campanhas voltadas para o
atendimento a pessoas com necessidades educacionais especiais, comumente
chamadas na época de excepcionais. Tais campanhas ocorreram em nível
nacional, por iniciativa do Governo Federal. Foram muitas as campanhas que
marcaram a história da Educação Especial Brasileira, dentre as quais se destacam:
- CESB: Campanha para Educação do Surdo Brasileiro (1957);
- CNEC: Campanha Nacional de Educação de Cegos (1960);
- CADEME: Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de
Deficientes Mentais (1960).
Mas como bem nos lembra Damiliano (2001), estas campanhas
duraram até 1972 e foram extintas pelo próprio governo; no mesmo ano, a
Educação Especial passou a ter prioridade no I Plano Setorial de Educação e
Cultura, e o presidente Médice, em 1973, criou o Centro Nacional de Educação
Especial (CENESP). Este órgão por sua vez foi extinto no governo de José Sarney
(1986/1990) e foi criada a Secretaria de Educação Especial (SEESPE).
Dando um salto na cronologia, hoje nosso sistema educacional tão
excludente ao longo de toda a sua história, depara-se com um novo paradigma: o
da inclusão.
52
Antes de abordarmos o acesso do aluno com deficiência à escola é às
classes comuns da rede regular de ensino, é importante pensar a diferença entre os
princípios da integração e o conceito de inclusão.
Os vocábulos Integração e Inclusão, no âmbito do ensino, para
Werneck (2000), encenam uma mesma idéia, para ela é a inserção da pessoa com
necessidades educativas especiais na escola.
Na busca pela inserção de pessoas com deficiência nos sistemas
sociais (educação, trabalho, família e lazer), a discussão da idéia de integração
torna-se responsável pela mudança do paradigma da exclusão social a partir do
final da década de 60 (Ferreira e Guimarães (2003, p. 109)).
Essa prática da integração baseou-se no “modelo médico de
deficiência, onde era preciso modificar (habilitar, reabilitar, educar) a pessoa com
deficiência para que esta pudesse satisfazer os padrões aceitos no meio social”.
Isso ocorre principalmente nos anos 1960 e 1970.
Embora já existissem experiências isoladas desde 1960, a integração
escolar ganha força no Brasil na década de 1980. Sassaki (1997) faz distinção
conceitual entre os dois termos do ponto de vista operacional: a integração
“envolvia preparar o aluno para ser inserido na escola regular”, o que implicava
um conceito de “prontidão” do aluno. Também Mantoan (1997) acredita que a
integração tem sua ênfase centrada na deficiência e não no aluno. Para ela, “essa
abordagem sugere o atendimento às diferenças individuais nas classes especiais,
salas de recursos ou serviços itinerantes, mediante a preparação gradativa do
indivíduo no ensino regular”. Dessa forma, é o aluno que deve adaptar-se à escola,
e não há necessidade de que a escola deva mudar para resolver a diversidade de
alunos.
A inclusão escolar de alunos com deficiência é entendida como parte
de um contexto mais abrangente de reivindicações sociais, especialmente, de
todas as minorias. É na Itália que em 1977, uma lei passou a obrigar a inserção de
todas as crianças na escola, na perspectiva da escola para todos.
53
Segundo Santos e Mendes (2001) “embora se tenha conhecimento de
iniciativas que contemplam os princípios da escola inclusiva datem da década de
50 em países desenvolvidos, a discussão em torno dos seus resultados é fruto da
década de 90”. No Brasil, segundo Sassaki (1997), o movimento de inclusão
escolar do aluno deficiente começou o crescimento nesta década.
Essa filosofia da inclusão é decorrente da chamada inclusão total
(tradução do termo inglês full inclusion) que apregoa a necessidade de fusão da
Educação Especial com a Educação Comum. Seus principais representantes são
Stainback e Stainback (1999) apregoando que o resultado dessa nova fusão
resultaria num sistema novo e único, capaz de responder às necessidades de todos
os alunos incorporando o melhor dos dois sistemas.
Assim, ao final dos anos 90 temos acompanhado debates realizados
em diversos eventos acadêmicos – congressos, seminários – o crescimento
significativo de produções que tratam da inclusão das pessoas com necessidades
educacionais na rede regular de ensino (Werneck, 1997; Mantoan, 1997;
Carvalho, 1998; Sassaki, 1998; Ferreira e Guimarães, 2003) responsáveis por
reflexões acerca dos rumos deste processo no contexto brasileiro.
Ainda na década de 90, a democratização da política educacional
brasileira tentou oferecer a todos a oportunidade de acesso à escola pública. De
acordo com Mazzota (1996) “ganha força à educação da criança no ensino
regular, tendo em vista a igualdade e a justiça social”. Com isso, o modelo
médico, clínico e terapêutico adquire uma abordagem social e cultural onde existe
a valorização da diversidade na aprendizagem.
É neste período que acontece uma transformação nos principais
referenciais em que se fundamenta a Educação Especial e, a educação em
ambientes restritivos – como em Centros de Ensino Especiais – começa a ser
questionada mediante a compreensão da necessidade de promover o ensino desses
alunos com necessidades educacionais especiais em ambientes comuns,
compartilhados com alunos comuns.
54
Para Vygotsky (1983) em seus “Fundamentos da Defectologia” –
obra cujo referencial teórico ajudou nos estudos do desenvolvimento de pessoas
com vários tipos de deficiência – concebe o postulado de que a educação das
crianças deficientes não se diferencia da educação das crianças ditas normais, pois
os primeiros podem perfeitamente assimilar os conhecimentos e desenvolver
habilidades de maneira semelhante aos seus pares. Ainda de acordo com o mesmo
autor, “as crianças deficientes devem educar-se da forma mais semelhante às
crianças normais e, inclusive, educar-se conjuntamente, o qual ajuda a
desenvolver o psíquico, o físico e a compensação e correção de seus defeitos”.
Para Saint-Laurent (1997), nos anos 90 a idéia de Integração Escolar
total para todos os alunos se populariza cada vez mais (Falvey, 1995; Stainback e
Stainback, 1996). Trata-se do modelo de inclusão significando que as respostas às
necessidades pedagógicas de todos os alunos aconteçam no mesmo contexto
através de atividades comuns, embora adaptadas.
Como já visto anteriormente, o princípio da integração intensificou-se
a partir de 1981 quando a Assembléia geral das Nações Unidas instituiu aquele
ano como o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência. Para Carvalho (2004)
foi a partir daí que a presença de portadores de deficiência nas escolas comuns
começou a ser defendida insistentemente por seus pais e educadores, através de
movimentos em prol de sua integração na escola e na ordem social.
A partir desse novo paradigma, Mader (1997) o considera como
aquele onde “a diferença acontece como algo inerente na relação entre os seus
humanos”. Desta forma, a diversidade esta cada vez mais sendo vista como algo
natural e a sociedade busca se orientar para que cada membro, com sua
singularidade possa usufruir o bem coletivo. Nesse contexto, surgiu o movimento
de autodefesa e de luta pelos direitos humanos na Europa, discutindo-se a criação
de um novo conceito, denominado inclusão – termo encontrado para definir uma
sociedade que considera todos os seus membros como cidadãos legítimos.
Em consonância com essa perspectiva, o princípio da inclusão
preconizado por vários autores (Sassaki, 1997; Freitas e Guimarães, 2003 e
Carvalho, 2004) baseia-se fundamentalmente, no modelo social da deficiência, de
55
acordo com o qual para incluir todas as pessoas, a sociedade deve ser modificada,
a partir do entendimento de que é ela que precisa ser capaz de atender às
necessidades de seus membros.
A diferenciação básica entre as duas correntes, a partir do momento
em que a política de inclusão escolar, diferentemente da política de integração,
coloca o ônus da adaptação na escola e não no aluno, o que implica um total
remanejamento e reestruturação da dinâmica da escola, com o intuito de atender a
todos, sem distinção.
O trabalho que ora se apresenta trabalha com dois conceitos – chaves
abordados por Sassaki (1997) assim entendida:
A inclusão social (pensando a inclusão escolar num conceito mais
amplo) é:
O processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em
seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e,
simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na
sociedade. A inclusão social constitui então um processo bilateral no
qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria,
equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação
de oportunidades para todos (p. 41).
A inclusão escolar é o processo de adequação da realidade das escolas
à realidade do alunado que, por sua vez, deve representar toda a diversidade
humana. Nenhum tipo de aluno poderá ser rejeitado pelas escolas. As escolas
passam a ser chamadas inclusivas no momento em que decidem aprender com os
alunos o que deve ser eliminado, modificado, substituído ou acrescentado nas seis
áreas de acessibilidade (arquitetônica, atitudinal, comunicacional, metodológica,
instrumental e programática) a fim de que cada aluno possa aprender pelo seu
estilo de aprendizagem e com o uso de todas as suas inteligências (p. 34).
Em seu texto, Carmo (2001, p.99) apresenta duas vertentes como
predominantes quando se discute a inclusão escolar. Segundo o autor, “a primeira,
que passa aqui a ser denominada como inclusivista, formada por aqueles que
respaldam a inclusão em bases legalistas do “direito de todos” e dever do Estado.
56
A segunda, na qual a inclusão está atrelada à adaptação da escola em seu caráter
aparente e que poderiam ser denominados de “adaptadores” sociais ou reformistas
escolares da educação”.
Seja qual for à corrente adotada, o importante é compreender que a
idéia de inclusão não visa atender somente às crianças rotuladas de deficientes, e
sim uma representação do avanço nas relações até hoje estabelecidas na escola
regular. Haja vista que todos os princípios desta escola terão que ser revistos e
superados, uma vez que a grande barreira existente contra a inclusão, aqui
entendida através das palavras de Carmo (2001) “como possibilidade ampla e
universal de acesso e permanência na escola” é principalmente a obsoleta
estrutura escolar. Sem essas mudanças, toda e qualquer tentativa de inclusão
acabará por ser frustrada.
Para tanto, contamos com as leis que significam a concretização da
concepção de justiça de uma sociedade, representando um equilíbrio entre os
diferentes interesses existentes. Reforçando esse conceito, as palavras de Ferreira
e Guimarães (2003, p.83) afirmam que “as leis regulamentam o comportamento
das pessoas, compelindo-as a praticar ou não determinados atos”.
Os direitos fundamentais de toda pessoa estão quase todos na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovadas pela Organização das
Nações Unidas (ONU) e datada de 1948, estes direitos apesar de históricos,
decorrem de lutas travadas gradualmente em nome de sua emancipação e das
transformações ocorridas em sua vida.
Para o deficiente, a luta pelo reconhecimento de seus direitos
enquanto cidadão vem de longa data, contando de várias intervenções e
intercorrências no seu percurso.
Entre os instrumentos normativos internacionais é válido ressaltar na
opinião de Ferreira e Guimarães (2003) a; Declaração dos Direitos das Pessoas
com Retardamento Mental, de 1971; a Declaração dos Direitos da Pessoa Surda e
Cega, de 1971; Declaração dos Direitos do Impedido, de 1975; as Resoluções da
57
Organização Mundial de Saúde para a prevenção de Deficiências e Reabilitação,
de 1976; a Declaração dos Direitos da Criança, de 1979, as Normas Internacionais
do Trabalho sobre a readaptação profissional, publicada em 1984, pela OIT; a
Declaração de Cartagena das Índias sobre as políticas integrais para as pessoas
portadoras de deficiência, na região ibero-americana, de 1992; a Declaração de
Manágua, para um novo modelo de desenvolvimento de política para crianças e
jovens portadores de deficiência e suas famílias, de 1993; a Primeira Conferência
Internacional de ministros responsáveis pela atenção de pessoas portadoras de
deficiência, de 1992.
Existem ainda outros documentos que complementam as bases
filosóficas de políticas mundiais acerca do direito das pessoas com deficiência:
Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde promovida
pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2001, que substitui a Classificação
Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades / OMS de 1980 e a
Convenção Internacional para a Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade
das Pessoas com Deficiência promovida pela ONU em 2003. Para enriquecer as
informações sobre os direitos dessas pessoas, Sassaki (2003) relaciona mais
alguns documentos de outros organismos mundiais: Declaração de Vancouver,
1992; Declaração de Maastricht, 1993; Carta para o Terceiro Milênio, 1999;
Declaração de Washington, 1999; Declaração de Pequim, 2000; Declaração de
Manchester sobre Educação Inclusiva, 2000; Declaração Internacional de
Montreal sobre Inclusão, 2002; Declaração de Madri, 2002; Declaração de
Sapporo, 2002; Declaração de Caracas, 2002; Declaração de Kochi, 2003 e
Declaração de Quito de 2003.
O Relatório ou Informe Warnock é um documento publicado em
1978, coordenado por Mary Warnock a respeito de uma investigação de quatro
anos acerca das condições da educação especial inglesa, nos anos 70.
Neste documento ocorre a introdução do conceito de necessidades
educacionais especiais substituindo as categorias deficiência ou desajustamento
social e educacional, sendo este seu aspecto-chave.
58
A busca por uma escola inclusiva, que tenha a premissa de atender a
todos de acordo com as políticas públicas em educação foi documentada pela
primeira vez no ano de 1979, no México, onde um grupo de países, coordenados
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), assinou o Projeto Principal de Educação que tinha por objetivo
definir e adotar algumas medidas capazes de combater nos países da América
Latina a elitização da escola.
Em 1981 foi instituído o Ano Internacional das Pessoas Deficientes
(AIPD) onde a Organização das Nações Unidas (ONU), oficializou o único do
conceito de sociedade inclusiva.
Em 1981, no Equador, um Seminário sobre Educação Especial
promovido pela Organização das nações Unidas para a Educação (UNESCO) deu
origem a Declaração de Ciência estabelecendo recomendações acerca de atitudes
com relação à pessoa com deficiência, destinada tanto a América Latina como ao
Caribe.
A Espanha realiza ainda em 1981 a Conferência Mundial sobre Ações
e Estratégias para a Educação, Prevenção e Integração dos Impedidos,
contemplando a Educação Especial e resultando na Declaração de Sunderberg.
De 1983 a 1992, acontece a Década das Nações Unidas para Pessoas
Portadoras de Deficiência considerando princípios éticos, filosóficos e políticos
responsáveis pelas mudanças legislativas mundo afora.
O Programa Mundial de Ação Relativa às Pessoas com Deficiência
adotado pela Assembléia Geral da ONU em 3 de dezembro de 1982 e publicado
no ano seguinte foi o primeiro documento a oficializar o conceito de equiparação
de oportunidades para todos.
Neste documento, a ONU conceitua equiparação de oportunidades
como “processo através do qual diversos sistemas da sociedade e do ambiente,
tais como serviços, atividades, informação e documentação, são tornados
disponíveis para todos, particularmente para pessoas com deficiência”.
59
A ONU organizou na Finlândia, no período de 7 a 11 de maio de
1990, uma reunião para avaliar a Década das Nações Unidas para a Pessoa com
Deficiência, onde os peritos decidiram que a equalização de oportunidades para
essas pessoas deveria ser prioridade na formulação de ações de longo prazo,
visando a uma sociedade para todos. Sendo assim, em 14 de dezembro de 1990, a
Assembléia Geral da ONU, através da resolução de nº. 45/91 deu ênfase às
necessidades das pessoas com deficiência nos países em desenvolvimento.
Ao final da Década das Nações Unidas para Pessoas Portadoras de
Deficiência em 20 de dezembro de 1993, a Assembléia Geral da ONU assinou a
resolução de nº. 48/96 que adotou o documento Normas sobre a Equiparação de
Oportunidades para Pessoas com Deficiência, dando forma às idéias do programa
de 1982.
A Declaração Mundial de Educação para Todos, aprovada na
Conferência Mundial de Educação para Todos – Satisfação das Necessidades
básicas de aprendizagem, realizada entre os dias 5 e 9 de março de 1990 em
Jomtiem, na Tailândia, é apontada como o grande marco na formulação de
políticas governamentais para educação, indicando para os países populosos,
principalmente, as bases dos planos decenais de educação. Nas palavras de
Werneck (2000), nesta conferência, “garantia-se a democratização da educação,
independentemente das diferenças particulares dos alunos”.
Essa conferência foi promovida pelo Banco Mundial (BIRD), pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pela Organização
das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e pelo Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Em 16 de dezembro de 1993, a Declaração de Nova Déli constitui um
compromisso internacional e reafirma o compromisso dos governantes presentes
com a oferta da educação básica com eqüidade à população de seus países.
Nessa linha de raciocínio, de acordo com Lopes (2005) a Declaração
de Salamanca realizada entre os dias 7 e 10 de junho de 1994 na Espanha, apoiada
pela UNESCO e aprovado na Conferência Mundial sobre Necessidades
60
Educativas Especiais: Acesso e Qualidade. Teve como compromisso reafirmar o
direito de todas as pessoas à educação, conforme já preconizada a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948 e ratificar o empenho da comunidade
internacional em cumprir o estabelecido na Conferência Mundial de educação
para Todos em 1990.
Segundo Werneck (2000, p.49), a autêntica base da Declaração de
Salamanca estava grifada nas diversas declarações das Nações Unidas que
culminaram justamente no documento Normas Uniformes sobre a Igualdade de
Oportunidades para Pessoas com Deficiência, assinado em 1993 e publicado em
1994. “De acordo com essas normas, os estados são obrigados a garantir que a
educação de pessoas com deficiência seja parte integrante do sistema educativo”.
E assim, como objetivo de promover uma educação para todos, a
Conferência de Salamanca foi representada por mais trezentos participantes de
noventa e dois governos e vinte e cinco organizações internacionais. Embora
tenha sido convidado oficialmente, o Brasil não esteve presente, mas a
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
(CORDE), vinculada à Secretária Nacional de Direitos Humanos, do Ministério
da Justiça, manifestou apoio e divulgou o documento aprovado.
A declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre Educação para
Necessidades Especiais, incluindo princípios, política e prática nesta área, formula
o conceito de escola integradora, que é caracterizada como uma escola que acolhe
a toda e qualquer criança e aponta que todos os alunos devem ser recebidos em
todas as escolas.
Recomenda ainda que as escolas se ajustem às necessidades dos
alunos quaisquer que sejam suas condições físicas, sociais, e lingüísticas,
incluindo aquelas que vivem nas ruas, as que trabalham as nômades, as de
minorias étnicas, culturais e sociais, além das que se desenvolvem a margem da
sociedade.
Este documento estabelece a urgência de ações que transformem em
realidade uma educação capaz de reconhecer as diferenças, promover a
61
aprendizagem e atender às necessidades de cada criança individualmente. Para
tanto, utiliza-se de diversos termos relacionados à inclusão. Entre eles, educação
inclusiva, princípios de inclusão, escolaridade inclusiva, políticas educacionais
inclusivas, provisão inclusiva às necessidades educacionais especiais, inclusão na
educação e no emprego e, também, sociedade inclusiva.
No Brasil, similar ao que ocorre em outros países, a abordagem da
questão ligada ao tema “deficiência” é respaldada nos Direitos Humanos, onde se
procura expressar a importância da promoção e do reconhecimento da pessoa
deficiente, na condição plena de exceder seus direitos enquanto cidadão. E a partir
de todos esses documentos internacionais, nosso país construiu as Bases Legais
que norteiam a educação inclusiva em seu sistema de ensino.
A discussão sobre a universalização da educação, o direito de todos à
cidadania e a inclusão do aluno deficiente na escola comum da rede regular
constitui-se um desafio político que reflete a postura atual na busca pela qualidade
de vida das sociedades contemporâneas.
No Brasil, no que se refere às leis, quando se fala em inclusão temos
como marco a Constituição Brasileira promulgada em 1998.
O inciso III do artigo 208 da Carta Magna fundamentada a educação
no Brasil e faz constar à obrigatoriedade de um ensino especializado para crianças
portadoras de deficiência. Sendo este o texto:
“O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de”:
“III – Atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.
No artigo 205 defende o direito à educação para todos, visando ao
“pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.
62
Todavia, no nosso país, a matrícula de crianças excepcionais, termo
que era utilizado na época no sistema geral de educação, era anunciada pela nossa
primeira Lei de Diretrizes e Bases – LDB, a Lei nº. 4024 de 1961 que tinha como
objetivo “integrá-los na comunidade” (Art. 88). De acordo com Lopes (2005)
“essa legislação favoreceu a ampliação de uma prática que já se instalava de
maneira tímida”.
No sistema educacional brasileiro, a política da Educação Inclusiva foi
introduzida por meio da Política Nacional de Educação Especial, PNEE (1994),
da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN (lei nº.
9394/96), do Parâmetro Curricular Nacional, PCN – de Adaptações Curriculares
para a Educação de alunos com necessidades educacionais especiais (1999), da
Portaria nº. 1679 (1999) e do Plano Nacional de Educação, PNE (2001).
A Política Nacional de Educação Especial (PNEE) situa a Educação
Especial no Brasil, faz uma revisão conceitual da terminologia e traça objetivos
para a política de Educação Especial referente à inclusão de alunos. Mas este
documento ainda não determina o comprimento das ações para o alcance desses
objetivos oficialmente. Infelizmente, enfatiza o atendimento educacional dos
“alunos com deficiência”, apresentando o caráter assistencialista e terapêutico da
Educação Especial.
A Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional – LDBEN, nº.
9394/96 dedica um capítulo exclusivo à Educação Especial (cap. V), o que não
acontece nas leis de Diretrizes e Bases da Educação anteriores (Lei 4024/61 e a
Lei 5.692/71).
O artigo 58 da LDBN 9394/96 utiliza a expressão necessidades
especiais, referindo-se ao alunado da educação especial. Esta expressão, nas
palavras de Carvalho (2004) “tornou-se mais abrangente aplicando-se, não só aos
alunos com deficiência, como também a todos aqueles “excluídos” por diversas
razões que os levam a ter necessidades especiais, em várias dimensões da vida,
particularmente a escola”.
63
Para melhor entendimento, o uso do termo “necessidades especiais”
significa que a presença da deficiência não implica, necessariamente, dificuldades
de aprendizagem, ressaltando ainda que, muitos alunos apresentam distúrbios de
aprendizagem e nem por isso são pessoas com deficiência. O que ambos os grupos
têm em comum, são as necessidades educacionais especiais, exigindo recursos
educacionais que não são utilizadas na “via comum” da educação escolar. Para
Carvalho (2004) “dessa forma a ênfase desloca-se do “aluno com defeito” para
situar-se resposta educativa da escola” (p. 40).
Sendo assim, no entendimento de Sassaki (2003) “o termo
necessidades educacionais especiais foi adotado pelo Conselho Nacional de
Educação/ Câmara de Educação Básica (Resolução nº. 2, de 11-09-01, com base
no Parecer CNE/CEB nº. 17/2001, homologado pelo MEC em 15-08-01). Esta
Resolução explica que as necessidades especiais decorrem de três situações, uma
das quais envolvendo dificuldades vinculadas a deficiências e dificuldades não-
vinculadas a uma causa orgânica”.
O Plano Nacional de educação (PNE), Lei nº. 10.172, publicado em
11/01/2001 no Diário Oficial da União, de duração plurianual, visa à articulação e
ao desenvolvimento do ensino em seus níveis e à integração das ações do Poder
Público que conduzam aos eixos norteados pela constituição do analfabetismo, a
universalização do atendimento escolar, a melhoria da qualidade de ensino, a
formação para o trabalho, a promoção humanística, científica e tecnológica do
país. Esses eixos, no entanto, não são mencionados no PNE.
O Governo Federal, por meio do Ministério de Educação,
representado pela Secretária de Educação Especial e pela Secretária de Educação
Fundamental, publicou, em 1999, o documento intitulado Parâmetros
Curriculares, que traz de maneira específica, nas palavras de Albuquerque (2005),
“sugestões de adaptações curriculares de pequeno e grande porte que podem e
devem ser tomadas para permitir a inclusão do aluno com necessidades
educacionais especiais em sala de aula regular”.
Segundo Carvalho (2004, p.116) atualmente dispomos de um texto
oficial contendo as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
64
Básica, decorrente do Parecer CNE / CEB nº. 17 de 2001 e que inspirou a
Resolução nº. 2, de 11 de setembro de 2001, que substituiu o documento da
Política Nacional de Educação Especial. Seu alunado expandiu-se, podendo ser
constatado pelo texto do Artigo 5 da supra citada Resolução nº. 2:
Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os
que, durante o processo educacional, apresentarem:
I- dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo
de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades
curriculares, compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou
deficiências;
II- dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos
demais alunos, demandando a utilização de linguagem e códigos aplicáveis;
III- altas/ habilidades/ superdotação, grande facilidade de
aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e
atitudes.
A Lei Federal nº. 7.853/89 (que dispõe sobre a Política Nacional para
a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), mais tarde regulamentado pelo
Decreto Federal nº. 3.298/99, trata da questão da criminalização do preconceito e
de acordo com seu teor, nenhuma escola ou creche pode recusar, sem justa causa
o acesso da pessoa com deficiência à escola nem impedi-la de ocupar cargos e
empregos públicos ou privados ou negar-lhe atendimento médico-hospitalar. A
pena para o infrator é de um a quatro anos de reclusão além de multa.
Segundo Werneck (2000, p.83) a polêmica sobre a obrigatoriedade da
escola brasileira em aceitar alunos com necessidades especiais se acirra quando
estudamos essa Lei, uma vez que “ela dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras
de deficiência e sua integração social, institui a tutela jurisdicional de interesses
65
coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público,
define o preconceito como crime, além de dar outras providências”.
Não se pode esquecer que o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) de 1990 também apresentou inegáveis avanços rumo ao processo
inclusivo; que em seu Título I – Das Disposições Preliminares – destaca a criança
com deficiência: no § 1º do Art. 11 refere-se ao atendimento médico; no item III
do Art. 54, no que diz respeito ao dever do Estado de assegurar atendimento
educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino e no Art.
66, que faz alusão ao trabalho protegido (Carvalho, 2004; p.20).
A titulo de curiosidade, a Lei Federal 8.069, do ECA, diz que a não
realização do teste do pezinho pode punir com pena de detenção de seis meses a
dois anos médico, enfermeiro e dirigente de estabelecimento que não providenciar
a coleta de sangue do recém-nascido objetivo objetivando este teste, uma vez que
este pode detectar algumas patologias que se não forem tratadas logo de início,
podem desencadear deficiências (Werneck, 2000; p. 252).
O modelo de sociedade inclusiva não é um projeto
descontextualizado, sendo uma exigência social e política, mais do que isso é a
tradução dos valores da democracia, da justiça social e da solidariedade que vêem
progressivamente, impondo o reconhecimento do direito de todos à educação e à
cidadania. Para tanto, não bastam apenas criação de leis, mas principalmente, uma
mudança significativa nos paradigmas atuais, sejam eles políticos, sociais ou
educacionais. Nas palavras de Lopes (2005) “a verdadeira inclusão não é ou que
esta operacionalizada nas leis, mas a que diz respeito às relações, o que depende
da pessoa que vai receber o aluno deficiente”.
66
A construção do roteiro da pesquisa
“...lembrar você: um sonho
a mais não faz mal...”
(Roupa Nova)
67
Pretendemos neste capitulo evidenciar os percursos metodológicos
utilizados para a produção de nossa pesquisa; apresentando e discutindo os
caminhos delineados, as escolhas realizadas, o campo de estudos, o foco da
pesquisa, os conceitos, a pesquisa de campo, a produção de dados, ou seja, os
elementos que constituíram nossos modos de fazer esta pesquisa. Pois de acordo
com Lopes (2002) toda pesquisa é resultado de um conjunto de decisões e opções
tomadas pelo investigador ao longo do processo de investigação e que marcam
todos os níveis e etapas desse processo. Segundo ela, pesquisas:
São decisões e opções de caráter epistemológico, teórico,
metodológico e técnico, e incidem seja sobre a construção do
objeto,seja sobre sua observação e análise, sendo que o quadro teórico
– metodológico da pesquisa vai se construindo em processo e não
fixado a priori (p.25).
Lembramos que as realizações de cada etapa da pesquisa nos levam
pelos mais variados caminhos... E como nos ensina Pirsig (2004) “o mais
importante é aprender a não se perder” então iniciei minha viagem na base da
intuição e da dedução a partir do que ia sendo encontrado. Por isso, entrar em
campo foi antes de tudo uma permissão para olhar de outros modos
acontecimentos contextualizados nas práticas escolares, mas que nem por isso
tornou mais fácil o ato da pesquisa. Deparamo-nos então com escolhas bem
difíceis, pois, ao termos em mãos variadas fontes de registros e de informações,
começa o processo de escolha acerca do que é necessário e importante para os
objetivos da pesquisa.
Esta pesquisa analisa as representações sociais de estudantes acerca
dos personagens da telenovela América com deficiência e como o processo de
inclusão social de alunos com deficiência está representado por estes; para tanto,
selecionamos uma escola pública da rede regular de ensino da cidade satélite de
Ceilândia/DF que possuía alunos deficientes inseridos em alguma de suas
turmas.Os sujeitos da pesquisa são alunos com deficiência e seus colegas.
Tomamos como base os princípios da investigação qualitativa,
priorizando a interpretação dos dados em uma pesquisa exploratória, adotando-se
como procedimento para a coleta de dados a prática da observação participante,
68
entrevistas conduzidas como diálogos (mais flexíveis) e utilização de grupo focal
para ampliar a participação dos pesquisados. Ressaltamos que tais procedimento
serão melhor descritos mais adiante neste capítulo.
Importante explicar que a adoção da pesquisa exploratória neste caso
justifica-se por ser esta a que apresenta menor rigidez em seu planejamento – mas
nem por isso menos trabalhosa – tendo como objetivo esclarecer conceitos e
idéias com fins a proporcionar uma visão mais próxima acerca do fato escolhido
para estudo.
Para a compreensão das representações sociais sobre deficiência no
contexto da sala de aula pesquisada, utilizamos uma abordagem qualitativa do tipo
estudo de caso por acreditarmos que este “se constitui numa unidade dentro de
um sistema mais amplo, capaz de focar nosso interesse naquilo que ele tem de
único, de particular que tem valor em si mesmo” (Lüdke e André, 2004; p.17).
Segundo Yin (apud Gil,1999; p.73) o estudo de caso é um estudo que
investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto de realidade. No caso desta
pesquisa, este estudo procura descrever a situação do contexto da sala de aula
mediada pela análise dos personagens com deficiência da telenovela América
influenciando nas representações sociais dos alunos pesquisados.
Nossa opção metodológica em limitar a pesquisa aos alunos de uma
sala de aula justifica-se pela necessidade de aprofundamento do estudo
considerando o contexto escolar bem como suas diversas relações e interações.
Esta pesquisa situa-se na perspectiva sócio – histórica de acordo com
Vygotsky (1984,2001) que estabelece o desenvolvimento da criança através de
suas interações sociais vivenciadas desde seus primeiros anos, aonde os
significados do mundo para elas vão constituindo-se aos poucos se tornando
assim, essencial o reconhecimento da dimensão histórico cultural na sua
constituição enquanto sujeito.
A concepção sócio – histórica apresenta uma visão otimista em
relação ao desenvolvimento do deficiente. Lev Semiónovic Vygotsky (1896-
1934) foi o autor que inovou teoricamente os estudos sobre deficiência ao
69
apresentar seu referencial teórico sobre o desenvolvimento atípico das crianças
denominadas socialmente de deficientes, em seu livro “Fundamentos da
Defectologia” (1989).
Freitas (2003, p.26) considera a perspectiva sócio-histórica um
“caminho significativo” para produzir conhecimento em ciências humanas:
Ao compreender que o psiquismo é constituído no social, num
processo interativo possibilitado pela linguagem, abre novas
perspectivas para o desenvolvimento de alternativas metodológicas
que superem as dicotomias externo/interno, social/individual. Ao
assumir o caráter histórico-cultural do objeto de estudo e do próprio
conhecimento como uma construção que se realiza entre sujeitos, essa
abordagem consegue opor aos limites estreitos da objetividade uma
visão humana da construção do conhecimento.
Bakhtin dentro dessa abordagem sócio – histórica amplia o leque de
perspectivas acerca de estudos educacionais mediante sua teoria enunciativa da
linguagem quando este considera a pesquisa como uma interação entre sujeitos,
assumida como essencial no estudo dos fenômenos humanos – como é o caso das
representações sociais. Para ele o sujeito é percebido em sua singularidade, ao
mesmo tempo em que é situado em sua relação com o contexto histórico – social.
Assim, a perspectiva sócio-histórica considera alguns fatores que
contribuem para a formação e manutenção das representações sociais, tais como:
valores, modelos, cultura, comunicação de massa, contexto social, econômico e
histórico, inserção social e dinâmica da instituição.
Desta forma, conceber a pesquisa do fenômeno das representações
sociais a partir da perspectiva sócio – histórica implica compreendê-la como uma
relação entre sujeitos possibilitada acima de tudo, pela linguagem.
A coleta dos dados utilizou três estratégias metodológicas:
1. A observação participante conceituada por Gil (1999, p.113), como aquela
que consiste na participação real do conhecimento na vida da comunidade,
assumindo o observador o papel de um membro do grupo. É uma técnica pela
70
qual se chega ao conhecimento da vida de um grupo a partir do interior dele
mesmo; constituindo-se no estudo do sujeito em seu próprio contexto
permitindo a obtenção do maior número de informações sobre o cotidiano em
estudo e os indivíduos aí inseridos.
Souza e Zioli (2003) consideram a observação participante como parte
essencial do trabalho de campo na pesquisa qualitativa, pois suscita uma
variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas,
favorecendo inclusive uma melhor compreensão do cotidiano dos sujeitos.
De acordo com Freitas (2003, p. 33) a observação numa pesquisa de
abordagem sócio – histórica se constitui em um encontro de muitas vozes, de
forma que são os discursos responsáveis por refletirem e refratarem a realidade da
qual os sujeitos fazem parte construindo o que à autora denomina de “uma
verdadeira tessitura da vida social”.
Mais do que participante, durante minhas observações para a
realização da pesquisa, procurei estabelecer uma dimensão alteritária, pois ao
mesmo tempo em que me constituí como parte do evento observado; também
mantive certa posição distanciada para que esta me possibilitasse o encontro com
o outro, procurando construir em meus textos o conhecimento produzido na
investigação mediante a revelação de outros contextos criados a partir da
circulação de discursos não restringindo a observação apenas à descrição de
eventos, mas sim procurando suas possíveis relações de integração entre o
individual com o social.
Utilizamos esta técnica como alternativa às tradicionais de
levantamento quantitativo – estatístico das audiências, e em orientar a pesquisa do
consumo dos meios, principalmente da televisão para o seu contexto natural, ou
seja, a sala de aula. Entretanto, como nos alerta Silverstone (1996, apud Lopes
2002, p.54), esse consumo não deve ser visto apenas em seu aspecto material, mas
também como sendo eminentemente simbólico (cultural), além de ser uma pratica
contextualizada.
71
Essas observações foram registradas num Diário de Campo que serviu
de recurso para a produção de dados uma vez que este agrupa um conjunto de
anotações realizadas durante todos os momentos em que o pesquisador esteve
presente no ambiente escolar registrando falas, situações vivenciadas e/ou
observadas, descrição de lugares e pessoas, reflexões e questões pessoais e
dúvidas. Todas essas anotações hoje se convertem no que Barbosa e Carvalho
(2005) chamam de dados da memória em relação ao que foi pesquisado; definindo
aquilo que seria realmente importante para a pesquisa.
Nosso objetivo ao utilizarmos esse instrumento é o de compreender
como os sujeitos envolvidos na pesquisa representam socialmente a deficiência
em suas relações cotidianas de sala de aula, observadas nas interações professor-
aluno e aluno-aluno. Atitudes estas demonstradas antes de assistirem aos capítulos
da telenovela América abordando seus personagens deficientes.
2. A entrevista semi-estruturada que, de acordo com Lüdke e André (2004,
p.34), se desenrola a partir de um esquema básico, mas que não é aplicado
rigidamente, permitindo ao entrevistador realizar as devidas adaptações.
Nas palavras de Rey (2002; p.89), “a entrevista, na pesquisa
qualitativa, tem sempre o propósito de converter-se em um diálogo, em cujo curso
as informações aparecem na complexa trama em que o sujeito às experimenta em
seu mundo real”. Aqui, a entrevista semi - estruturada é tomada no sentido amplo
da comunicação verbal e, no sentido restrito de coleta de informações.
Corroborando com esta concepção, Freitas (2003) considera que a
entrevista no âmbito da pesquisa qualitativa de cunho sócio – histórico por
acontecer entre duas ou mais pessoas; tem a particularidade de ser compreendida
como uma produção de linguagem haja vista que ela acontece numa situação de
interação verbal e tem por objetivo a mútua compreensão.
Segundo Lopes (2002) diferentes tipos de situação interativa entre
pesquisador e informante produzem diferentes tipos de materiais, pois, a situação
de entrevista é marcada por um crescimento na inter – relação que permite o
acercamento a questões de maior privacidade. De acordo com a autora, após um
72
reconhecimento inicial do ambiente, as entrevistas passam gradativamente as
temáticas para que as pessoas falem sobre a telenovela. São essas entrevistas
focalizadas no tema as próprias mediações, haja vista que o roteiro de assuntos
tratados foi pensado de modo a informar as relações entre a realidade vivida e a
realidade construída na telenovela com ênfase na questão da inclusão social de
pessoas deficientes. Para Lopes (p.58) esses assuntos funcionaram como “campos
de sentido” e foram sendo definidos na medida em que se revelaram significativos
na trama da telenovela e também no cotidiano das crianças.
Neste ponto, a cada nova entrevista ia crescendo o grau de
compreensão das crianças sobre o que realmente pretendíamos com a pesquisa, ou
seja, encontrar nas falas dos sujeitos as marcas de suas representações sociais
acerca da deficiência através dos personagens da telenovela América e como estas
questões se refletem no processo de inclusão dessas pessoas em suas vidas.
3. Por fim, utilizamos capítulos reeditados da telenovela (TVN-R) América na
busca da reelaboração da fala dos sujeitos da pesquisa a respeito de suas
concepções acerca da deficiência aplicando o grupo focal. Para Cotrim (1996;
p.286):
O grupo focal pode ser considerado uma espécie de entrevista de
grupo, embora, não no sentido de ser um processo onde se alternam
perguntas do pesquisador e respostas dos participantes.
Diferentemente, a essência do grupo focal consiste justamente em se
apoiar na interação entre seus participantes para colher dados, a partir
de tópicos que são fornecidos pelo pesquisador. Uma vez conduzido,
o material obtido vai ser a transcrição de uma discussão em grupo,
focada em um tópico específico (por isso grupo focal).
Seguindo uma metodologia aplicada pela pesquisadora Maria
Immacolata Vassalo Lopes e sua equipe do Núcleo de Pesquisa de Telenovela da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) o
corpus dessa pesquisa foi constituído pela gravação completa em vídeo dos
capítulos da telenovela América exibidos entre os dias 12 e 16 de abril de 2005,
bem como os exibidos entre os dias 09 e 13 de maio do mesmo ano. Desta
gravação foi extraído um corpus menor formado pela seqüência escolhida pela
73
pesquisadora, o qual constituiu a telenovela reeditada (TVN-R), como já dito
anteriormente, utilizada nas discussões do grupo focal. Nosso trabalho de campo
também recolheu a sinopse produzida pela TV Globo e o clipping (matérias da
mídia sobre a telenovela).
A associação da TVN-R juntamente com o grupo focal resultou numa
discussão que provocou inúmeros debates alimentados principalmente pela
convergência e pelos conflitos de opiniões dos participantes. Reunimos os alunos
pesquisados para assistirem, conjuntamente, um vídeo que continha a seqüência
selecionada pela pesquisadora. O grupo focal foi usado estrategicamente no
sentido de não ter sido estimulado por nós, mas pela telenovela que o próprio
grupo havia refeito de memória. Pelo fato de não estar mais sendo exibida, este
recurso permitiu que não ficássemos no efeito imediato da telenovela, na reação
que se segue à cena no ar, proporcionando que sua repercussão fosse filtrada pela
memória das crianças dando assim um maior poder de alcance desta estratégia.
Desta forma, parte-se do pressuposto de que a análise dessas falas,
juntamente com os demais instrumentos de coleta de dados nos aproxima da
dimensão acerca dos múltiplos aspectos inerentes ao cotidiano do sujeitos e do
levantamento de informações complementares, as quais dizem respeito a sua
dinâmica social, possibilitando a identificação das representações sociais sobre a
deficiência, assim como dos elementos políticos, culturais e econômicos que
permeiam o contexto no qual são produzidas socialmente.
75
A seleção da turma que participou da nossa pesquisa teve como
critério ser uma classe de ensino regular composta também por alunos deficientes,
caracterizando assim uma sala de aula inclusiva. Optamos pela Escola Classe 08
localizada no endereço EQNN 05/07 na cidade satélite de Ceilândia – DF que foi
fundada em 28 de fevereiro de 1972. Possui 20 salas de aulas distribuídas em 4
blocos das quais 17 são destinadas às classes escolares; as demais foram ocupadas
pela biblioteca, sala de apoio ao professor e a sala dos auxiliares em educação.
Possui também uma sala de professores, uma sala para a Equipe de Apoio à
Aprendizagem, uma secretaria, uma sala para a coordenação pedagógica e um
laboratório para pequenas experiências. Continuando a descrição física da escola,
existem três banheiros femininos e três masculinos; um parque, uma quadra de
esportes, uma cantina e um pátio interno.
Para iniciar a coleta de dados, procuramos a diretora da escola que,
diante do esclarecimento sobre o objetivo da pesquisa se colocou à disposição
para que pudéssemos realizar o trabalho. Pediu apenas que apresentássemos um
encaminhamento da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e em
seguida encaminhou-me à coordenadora que então fez a indicação da turma da
professora Betânia, que recebeu-nos muito bem e demonstrou total
disponibilidade e disposição para colaborar na realização do trabalho.
Combinamos a freqüência e o inicio das observações.
Esta turma foi escolhida por apresentar o maior número de alunos em
processo de inclusão. Trata-se de uma classe da terceira etapa do Bloco de
Iniciação a Alfabetização – BIA possui vinte e um alunos, sendo três
diagnosticados pela equipe de Apoio e Aprendizagem como Alunos com
Necessidades Educacionais Especiais. A turma é denominada “integração
inversa”, definida pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, dentro da
política de inclusão escolar e deve apresentar um número reduzido de alunos, até
vinte, dentre os quais até três alunos com diagnostico de deficiência e se destina,
exclusivamente, à Educação Infantil e à 1ª série do Ensino Fundamental.
Apesar de possuir a opção do anonimato, tanto a professora Betânia
como os pais de seus alunos consentiram na utilização de seus nomes verdadeiros.
76
Os dados, as observações, as conversas mantidas com a professora, as
entrevistas realizadas com os alunos bem como as discussões realizadas após a
exibição de cada capítulo de América, onde a pesquisadora instigava os
participantes a expressarem suas opiniões acerca do tema foram anotados no
diário de campo. A utilização de gravações foi extremamente importante para
registrar conversas e entrevistas a fim de analisá-las posteriormente com intuito de
captar as representações sociais dos sujeitos pesquisados sobre a deficiência.
O seu quadro administrativo conta com 3(três) pessoas na equipe da
direção (diretora, vice-diretora e assistente), 17 professores no matutino e o
mesmo quantitativo no vespertino e 3(três) coordenadores. Os auxiliares em
educação compreendem 4(quatro) cantineiras responsáveis pelo preparo do
lanche, 4(quatro) auxiliares de limpeza no matutino e 3(três) no vespertino, 3(três)
vigias, 2(dois) porteiros e um secretário e seu assistente.
A escola possui um total de 963 alunos distribuídos em 17 turmas no
matutino e o mesmo número de turmas no vespertino; essas turmas possuem 30
alunos quando definidas como ensino regular e 15 quando denominada inclusiva,
ou seja, possuem alunos deficientes em processo de inclusão. Existe uma turma
com essa característica no matutino e mais duas no vespertino.
77
Análise da representação social da telenovela acerca da inclusão social
“...é que a televisão me deixou burro,muito burro demais; e agora todas as coisas que eu penso me parecem iguais... fala pra mãe, que tudo que a antena captar meu coração captura... ”(Titãs)
78
Glória Perez é uma autora pioneira em incluir suas tramas o chamado
merchandising social11. Em “Carmem” (1987) na extinta TV Manchete, ela
utilizou pela primeira vez uma personagem aidética para debater esta questão e
esclarecer as pessoas sobre o HIV. Em “América” não poderia ser diferente, pois
ela aborda cinco histórias que proporcionam muita reflexão e debate. Uma das
principais características que comprovam o estilo contemporâneo de Glória Perez
ao escrever América é o fato da novela contar várias e importantes histórias ao
mesmo tempo – todas muito fortes e polêmicas. Discussão sobre imigração ilegal,
a dura vida dos imigrantes clandestinos, a infidelidade, a pessoa cleptomaníaca, os
bastidores dos rodeios, crises conjugais, homossexualidade e principalmente as
dificuldades e superações da pessoa deficiente, fazem com que os personagens
assumam papéis que revelam um convívio mais próximo à nossa realidade.
Além da dura vida dos deficientes visuais, aborda a questão da
imigração ilegal para os EUA, na qual a personagem Sol (Deborah Secco)
acreditando não ser possível vencer no Brasil após nascer e crescer numa favela
da cidade do Rio de Janeiro sonha em se mudar para os EUA e alcançar o
famigerado “sonho americano”. No entanto, tem seu visto negado e como
milhares de outros latino-americanos que não conseguem sua entrada no país de
forma legal, apela para outra estratégia que, além de fora-da-lei é extremamente
perigosa: a travessia pela fronteira levada pelos “coiotes”. Ao conhecer Tião
(Murilo Benício) acredita ter encontrado seu amor, mas viverá um sério conflito,
pois este acredita que pode alcançar êxito em seus sonhos aqui mesmo no Brasil e
essa incompatibilidade de sonhos atrapalhará o romance do casal.
Existe a história do marido infiel vivido por Glauco (Edson Celulari)
que apesar de ser rico, ter uma filha linda e uma esposa invejável possui uma
amante, Nina (Cissa Guimarães) sua advogada a qual vive enganando com
promessas de um divórcio que nunca acontece. Esse triângulo amoroso ganha
11Estando inserida num meio de comunicação como produto da indústria cultural a telenovela pode, através de sua mensagem, difundir idéias e/ou valores que tenham sobre o público algum efeito. A este processo dá-se o nome de merchandising social.
79
mais um vértice e torna-se assim um quadrado, pois ele ainda envolve-se com a
amiga de sua filha, a ninfeta Lurdinha (Cléo Pires) gerando muita confusão.
Piorando a sua situação, sua esposa Haydée (Cristiane Torloni) é cleptomaníaca, o
que lhe causa várias situações constrangedoras.
O mundo dos rodeios é apresentado na forma do personagem Tião
(Murilo Benício) que cresceu no meio do gado e sempre teve vocação para pião
de rodeio sonhando em ser campeão desse esporte, vencer na vida e ajudar a
família, principalmente depois da morte de seu pai. Sua carreira começa em sua
cidade natal, Boiadeiros, e tudo o que ganha de premiação transforma em gado
para aos poucos realizar o desejo de seu pai quando vivo. Mas seu grande objetivo
é vencer o maior rodeio do Brasil realizado na cidade de Barretos – SP e assim se
consagrar como um dos melhores em sua categoria, ganhando fama, prestígio e
dinheiro. Vive um romance tumultuado com Sol e não aceita que esta queira viver
longe dele na América. Em Barretos conhece Sol e se descobre apaixonado, mas
decepciona-se ao saber que o grande sonho de sua amada é ir embora para os
EUA ganhar dólares e nunca mais voltar; diferentemente dele que nem pensa em
abandonar os rodeios e nem deixar para trás sua mãe e seu avô que tanto precisam
dele.
Por fim através do casal Neto (Rodrigo Faro) e Heloísa (Simone
Spoladore), a autora desenvolve temáticas como a crise no casamento gerada por
causa da ida do casal para os EUA e a pedofilia na internet ocorrida com o filho
deles, Rique (Matheus Costa). Desempregado no Brasil Neto um médico recém-
formado ganha uma bolsa de estudos para fazer uma especialização nos EUA o
que obriga sua esposa Heloísa a abandonar no Brasil sua sociedade numa firma de
advocacia e mudar-se juntamente com seu filho de cinco anos para outro país. Lá
a experiência só é boa para Neto que passa muito tempo ocupado com o curso,
enquanto Heloísa vive dias de tédio sem exercer sua profissão que tanto adora e
com isso arrepende-se de ter acompanhado o marido. Não bastasse tudo isso, o
pobre Rique apresenta dificuldades de adaptação frente às diferenças culturais que
existem entre brasileiros e americanos. O que deveria unir a família acabou
justamente por separá-los, pois não agüentando mais tanto ócio e solidão, Heloísa
pede o divórcio e volta para o Brasil com seu filho.
80
A escolha de “América” deve-se ao fato de ser esta a primeira novela
que tem por um dos temas centrais da trama, a história de dois deficientes visuais
e suas lutas pela inclusão social. O conceito de inclusão com o qual estamos
trabalhando é o definido por Sassaki (1998, p.22) como:
O processo pelo qual a sociedade se adapta pra poder incluir, em
seus sistemas sociais gerais; pessoas com necessidades especiais e,
simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na
sociedade, na equiparação de oportunidades para todos.
O destaque da trama, a ser analisada, centra-se na história do
deficiente Jatobá (Marcos Frota) e sua luta para exercer seus direitos enquanto
cidadão. Essa é a primeira vez na história das telenovelas que essa temática ganha
destaque como enredo principal. Nas palavras da autora:
A função da novela é colocar o assunto em discussão e dar voz aos
deficientes. Espero que ela estimule projetos que viabilizem sua
inclusão social”, afirmou Gloria Perez, ressaltando que a campanha
social de “América” não vai se restringir aos deficientes visuais,
falando de todos que tenham alguma deficiência física. “Espero que
as instituições e a sociedade continuem pensando nos deficientes
depois que a novela acabar que não fique só no modismo, salientou
Gloria.
De acordo com Márcio Schiavo (1995) o merchandising social
repercute no telespectador na intenção de incutir-lhe uma idéia. Ainda de acordo
com o mesmo autor “é o conceito que se deseja transmitir, aquilo que se procura
transformar na conduta da audiência”. No caso da telenovela América um dos
principais objetivos era o de “divulgar” a lei que permite o uso do cão – guia em
todos os lugares públicos.
Nas palavras do ator Marcos Frota: “O Jatobá está no colo do povo e
esse é o melhor trabalho de inclusão social que se poderia ter. A missão da novela
é divertir, mas se conseguir educar e passar alguns princípios morais, melhor
ainda” destaca.
Segundo Marcos Frota, com a novela as pessoas estão começando a
descobrir que tem lei que protege a presença do cão-guia em lugares públicos. As
81
pessoas cegas estão começando a criar mais coragem para experimentar esse tipo
de apoio.
Em entrevista ao jornal da AME (Amigos Metroviários dos
Excepcionais), o ator Marcos Frota comenta sobre a contribuição da novela para a
sociedade:
A novela não tem a pretensão de nada mais que divertir e servir como
base de informação. Novela é produto de entretenimento, de lazer,
que tem como objetivo maior provocar emoção e não uma reflexão
mais profunda. Mas a gente sabe a força que uma novela tem. O
grande ganho que a novela provoca é o diálogo. Está todo mundo se
movimentando a esse respeito, os movimentos artísticos ligados a
pessoas com deficiência estão mais entusiasmados. O cego está na
moda. Não dá para resolver o problema, mas dá para jogar luz e
provocar diálogos. .
Acrescenta ainda: “É uma alegria saber que nosso trabalho está tendo
esse desdobramento, poder ajudar as pessoas no exercício de ator. Tenho recebido
muito carinho do público. Se Jatobá está chegando ao coração das pessoas, isto se
deve muito a Gloria Perez”, explicou o ator. Ele acrescentou: “Me sinto um
soldado participando dessa luta dos deficientes”. .
Para a autora Glória Perez, “as pessoas com deficiência visual estão
sendo vistas como cidadãs iguais a quaisquer outras. O próprio presidente do
Conade (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência) nos
disse que” América “conseguiu mais por essas pessoas do que em 40 anos de luta,
mostrando do que elas são capazes, mostrando que elas merecem respeito. Coisas
assim não têm preço”.
Ao discutir questões acerca da dura vida dos deficientes, Glória Perez
trouxe de forma contundente na novela “América” a divulgação da lei que apóia
deficientes visuais a entrarem em qualquer estabelecimento com seu cão – guia. A
campanha aconteceu de maneira tão incisiva que os alunos, ao serem perguntados
quais cenas lembravam o personagem Jatobá, deram, os seguintes depoimentos:
82
“Ele tinha um cão, pra onde ele ia o cão ia também guiando ele. Ele
fazia caminhada com o cachorro”. Gabriel – 8 anos
“Ele andava com o cachorro assim (imita o personagem) e ele era cego.
Era engraçado porque ele andava com o cachorro no meio da rua e
quando eles entrava pra dentro da casa. Ele brincava muito com ele
(cachorro), ele gostava muito dele e o dono gostava muito dele e eles
eram o melhor amigo”. Fabrício – 9 anos
“Ele era cego, fazia papel de cego, andava com um cachorro, um dia
ele tava numa praça e veio o homem e queria matar ele”. Taís – 8 anos
“Ele andava com uma bengala e tinha um cachorro. Um dia tinha um
sinal de trânsito, ele botava a mão e o carro parava”. Renata – 8 anos
“Ele era cego e pra onde ele ia, ele levava o cachorro”.
“O Jatobá sempre fazia a caminhada e encontrava seus amigos e ia
correndo e falando com seu cão”. Gabriel – 8 anos
“Ele era cego, ele andava com um cachorrinho”. Úrsula – 9 anos
“Ele era cego, ele tinha um cachorro que todo lugar que ele ia, o
cachorro ia pro lugar e ele sabia pelo cachorro quem era”. Raquel
Silvestre – 9 anos.
Ao elegerem essas duas características, a cegueira e o cão – guia para
expressarem suas representações sociais acerca do personagem Jatobá, elas
reforçaram a teoria de Moscovici (2005) quando este\afirma que “no processo de
comunicação social as representações sociais circulam, cruzam-se e se cristalizam
incessantemente, através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo
cotidiano” (apud Martins – et al. – 2006 p.99) construindo assim suas próprias
representações.
Schiavo em sua tese de livre-docência (1995) aponta que o
merchandising social não envolve custos, mas possui sim um compromisso
ideológico com o pensamento do autor ou da emissora de televisão. Em
83
levantamento feito durante seus estudos identificou duas origens como
oportunidade para a inserção de temas nas telenovelas. O primeiro seria o
Levantamento de Oportunidades (LEVOPS) e segundo acontece a partir da
vontade do autor de discutir temas sociais.
Tanto para os autores quanto para o departamento de merchandising
que é o substrato narrativo do mesmo são as cenas da telenovela, as que
representam a reconstrução da realidade pela reprodução do cotidiano. Schiavo
(1995) então identifica que o objetivo da ação de merchandising é estimular o
mecanismo empático, identificatório com a realidade reproduzida na telenovela, o
que proporciona uma forma de manipulação da opinião pública, pois o público
passa a crer e fazer uso dos valores transmitidos pela telenovela, incorporando-os
no seu dia- a -dia.
Reafirmando a importância da telenovela, Lopes (2002, p.23) entende
a telenovela como um construto que ativa na audiência uma competência cultural
e técnica em função da construção de um repertório comum, que passa a ser um
repertório compartilhado de representações identitárias, sejam estas sobre a
realidade social ou mesmo sobre o próprio indivíduo.
Schiavo corrobora com Glória Perez ao concluir que “o
merchandising em telenovela tem um forte poder de comunicação, em virtude da
força de influência e ao sucesso que as telenovelas possuem na sociedade
brasileira”.
Em América, temos dois pólos: de um lado, o vibrante Jatobá, um
sujeito que poderia ter se deixado levar pela depressão quando ficou cego já em
idade avançada. Mas, em vez de se revoltar, se imbuiu de coragem e
determinação. Jatobá não tem pena de si mesmo, faz questão de se posicionar em
igualdade de condições com quem não tem deficiência de espécie alguma. Por
meio de cenas protagonizadas por Frota e seu bem treinado cão-guia, o labrador
Quartz, o grande público entra em contato com os obstáculos enfrentados por
deficientes visuais, como mobilidade, emprego, saúde e, principalmente, a falta de
conscientização da sociedade. Do outro lado está Maria Flor. Frágil e desorientada
foi criada confinada em sua casa, afastada da realidade, por Islene, a mãe
84
superprotetora. Nada pior para o desenvolvimento de uma criança do ponto de
vista de vários especialistas no tema.
Ao contrário do personagem Jatobá, Maria Flor despertou nas crianças
inicialmente sentimentos de pena que poderia ser explicado ao se adotar a visão
que a difusão do cristianismo trouxe na Idade Média acerca do deficiente, ou seja,
eram “anjos de Deus” e dignos de compaixão. Prova disso são esses depoimentos
quando são perguntados sobre o que lembravam da Flor:
“Flor era uma menininha ceguinha igual ao Jatobá”. Jéssica – 8 anos
“Ela guiava o pai dela e ela era um pouco feliz (quando perguntada por
que respondeu) porque ela não enxergava muito”. Adriele Lira – 10
anos
“Ela era uma menina que era cega também”. Fabrício – 9 anos
Reafirmando o impacto que causou a novela “América” temos os dois
depoimentos que se seguem. O primeiro é da doutoranda em Literatura
Comparada, a deficiente visual Carlota Pires; e o segundo é o radialista, também
deficiente visual, Beto:
Eu me sinto o próprio Jatobá”, brinca Carlota. “O preconceito ainda
existe, mas já sinto na pele as diferenças. Nas ruas, no táxi, no metrô,
todos falam comigo, puxam assunto, se interessam. Não ficam mais
me tratando como coitadinha”, conta à doutoranda, que chega a se
emocionar. “Acho que a Glória Perez (autora da trama), através dos
personagens Jatobá e Flor, vai conseguir mudar o conceito de
educação especial no país.
Tanto ela como Beto concordam que a novela já está mudando a
forma como a sociedade encara a questão da deficiência visual.
O deficiente pode fazer o que quer, precisa somente do apoio da
família. Não precisa se fechar em guetos pode estudar em colégios
85
regulares, praticar esportes normalmente. Basta que haja assistência
de alguma instituição ou instrutor, explica ele.
Algumas crianças da pesquisa são solidárias em relação às opiniões de
Carlota e Beto quanto à capacidade do deficiente e sua condição de ter uma vida
mais próxima do normal quanto possível, bastando apenas aceitação e apoio por
parte de toda a sociedade. A verdadeira inclusão acontece quando as pessoas se
preparam para conviver com o deficiente, e não o contrário. Simplificando, o
vínculo tanto social, como das capacidades intelectuais e afetivas começa seu
desenvolvimento quando o indivíduo percebe que outro tem uma significação no
seu próprio mundo interior, ou seja, o indivíduo sabe assumir o papel do outro
quando imita, brinca ou quando reflete (Moscovici, 1998, p.7). As crianças são
categóricas quando perguntadas o que uma pessoa deficiente pode fazer:
“Sendo cega pode andar”. César 8 anos
“O surdo pode olhar, pode dirigir, pode falar em surdo (LIBRAS)”.
Gabriel 8 anos
Também encontramos crianças que não partilham de uma visão tão
otimista da pessoa deficiente e encontramos em seus discursos uma visão clássica
e muito difundida acerca da incapacidade do deficiente, especialmente na
Antiguidade e reforçada mais tarde no período do Renascimento quando surge a
concepção organicista radical onde além de doente, o deficiente era dependente.
Para essas crianças suas representações sociais de deficiência reforçam o estigma
de inutilidade e dependência ao serem perguntados sobre o que uma pessoa
deficiente pode fazer:
“Nada”. Raquel 8 anos
“Alguém tem que ficar com ele”. Úrsula 8 anos
“Não pode brincar nem pode enxergar”. César 8 anos
“Não pode andar, não pode enxergar, não pode ouvir. Ele não pode
ficar andando muito rápido se não o carro chega e (imita o barulho de
uma batida de automóveis)”. Igor 11 anos
86
“Não pode andar, só pode andar de cadeira de rodas”. Raquel 9 anos
“Não pode andar na rua sozinho, não pode ficar sozinho”. Úrsula 9
anos
Para demonstrar a importância da temática acerca da deficiência e a
escolha desta novela como mediação para a discussão, o gráfico a seguir mostra a
participação dos personagens Jatobá (Marcos Frota) e Flor (Bruna Marquesini) na
trama:
Logo, para confirmar esta estrutura de narrativa voltada para a
temática da pessoa deficiente como preocupação central da autora, bem como
desenvolver o objetivo específico da pesquisa de analisar a representação social
que a telenovela América veicula sobre a inclusão social além do quadro
acima, foram analisados os capítulos exibidos nos dias 09, 10, 11,12 e 13 de maio
de 2005(ver anexo I).
Tendo como objetivo suscitar na sociedade uma discussão
aprofundada sobre a questão da pessoa deficiente e sua inclusão social, Glória
Perez apresenta os principais personagens desta trama inseridos em situações
cotidianas onde desenrolam seus conflitos e discutem entre si questões ligadas ao
nosso dia a dia. Jatobá foi um personagem criado para mostrar que o deficiente
visual pode ter uma vida independente e também para ser porta-voz das
reivindicações dessas pessoas; seu contraponto é a menina Maria Flor que vive
isolada do mundo e não sabe nada a respeito da vida até conhecer Jatobá e tornar-
87
se independente. Nossa pesquisa faz aqui um recorte da temática para dessa forma
reconhecer quais as representações sociais apresentadas e trabalhadas para seus
expectadores.
No capítulo exibido na segunda-feira dia 09 de maio de 2005, o
personagem de Islene (Paula Burlamaqui) reage mal quando Feitosa (Ailton
Graça) propõe colocar Flor (Bruna Marquesini) na escola. Nascida cega, a menina
encontra na mãe seu maior obstáculo para uma vida normal, pois ao não saber lhe
dar com a deficiência da filha, Islene possui uma representação social de que um
cego não pode ter uma vida como qualquer pessoa e passou a vida toda
escondendo Flor do convívio social acreditando que dessa forma poderia protegê-
la de todos os perigos. Numa análise mais detalhada desta representação social
acerca da deficiência, podemos perceber uma visão encontrada na Antiguidade
Clássica onde a mesma era sinônima de incapacidade generalizada, dependência e
inutilidade, mas diferentemente das pessoas daquela época que matavam esses
deficientes, Islene optou por uma superproteção ao confiná-la em casa de onde só
saía para ir ao médico. Pode-se observar que na construção dos sentidos expressos
pela personagem Islene, fica revelada a dificuldade da mãe com respeito à
independência da filha.
Talvez seja possível que a história de vida dessa mãe na relação com a
filha deficiente possa tê-la levado ao seu receio, talvez a mãe tenha sofrido
algumas frustrações frente a determinadas atitudes da filha ou tenha introjetado
estereótipos sociais a respeito da capacidade do deficiente, e conseqüentemente
das possibilidades da filha em relação a uma vida mais independente, foram
construídas nas interações sociais ao longo de sua vida que segundo Camargo
(2005) representações essas iniciadas antes do nascimento dessa filha, no
momento em que lhe foi revelada a deficiência, no decorrer do desenvolvimento,
tanto nas conquistas como nas frustrações, bem como a partir dos olhares
preconceituosos do grupo social. Desta forma, a mãe elaborou tudo isso pela
linguagem fazendo com que esta construísse tal imagem de sua filha.
Algumas das crianças ficaram tão preocupada com a postura da
personagem Islene – mãe de Maria Flor – constantemente atormentada por sua
superproteção e total falta de informação acerca deficiência da filha que disseram:
88
“Os deficiente pode brincar, porque tem umas mãe que tem o filho
deficiente e não deixa os filho brincar”. Gleicy 9 anos
“Ele (o deficiente) tem que brincar um pouquinho”. Adriele Lira 10
anos
“Pode brincar, pode correr, pode pular”. Rebeca 9 anos
Na seqüência, o capítulo de terça-feira dia 10 de maio de 2005 retoma
a discussão entre Islene e Feitosa e mais uma vez esta argumenta que Flor não
precisa sair de casa para ser feliz. Numa representação social de deficiência
baseada na incapacidade do cego, a mãe mais uma vez demonstra total ignorância
com relação à deficiência de sua filha e diz que ela não está preparada para o
mundo, necessitando de cuidados e muita atenção de sua parte, pois ela teme que
Flor sofra ainda mais ao estar exposta na sociedade.
Demonstrando que esta ainda é uma visão muito recorrente em nossa
sociedade e revelando uma concepção de descrença em relação às possibilidades
dos deficientes, algumas crianças apresentam uma representação social da
deficiência consonantes com a da personagem Islene, como mostra os fragmentos
abaixo:
“Não pode fazer o que a gente faz... Não pode correr não pode brincar.
Que nem meu tio, ele anda mancando, ele não pode correr”. Raquel
Silvestre – 8 anos
“Não pode ficar na rua de noite senão os maloqueiros mata mais
ainda”. Luana 9 anos
A visão de impossibilidade do deficiente jamais realizar sua vida
como os normais é um argumento reiterado por algumas crianças quando estas
transformam através de suas representações sociais o processo de diferenciação,
em processo de exclusão de forma que o outro está, num certo sentido, ausente,
invisível, negado enquanto tal. Aqui a alteridade não existe, pois os entrevistados
trabalham com o discurso que para ser aceito, o deficiente precisa aprender ações
pertencentes aos designados normais, ou seja, vemos nitidamente estampada a
89
visão de integração onde é a pessoa deficiente responsável por se adequar à
sociedade, contrapondo por completo a concepção de inclusão social já definida
anteriormente. Eis os fragmentos:
“A pessoa tem que aprender a andar e olhar e andar de cadeira de
rodas”. Raquel Silvestre – 8 anos
“A pessoa não pode andar, tem algumas que não pode andar enxergar
não, pode andar assim (imita um deficiente físico) tem que aprender a
andar e enxergar tem que aprender”. Raquel – 8 anos
“Se ele puder sair da cadeira de rodas, sei lá; ajudava ele e ele parava
de andar de cadeira de rodas e andava normal como todo mundo”.
Renata 8 anos
A questão do despreparo da sociedade para realizar a inclusão social
de pessoas deficientes é abordada no capítulo de quarta-feira dia 11 de maio de
2005, onde Jatobá (Marcos Frota) comenta com Gomes que os restaurantes
deveriam ter o cardápio em Braille. Dentre as inúmeras dificuldades típicas
encontradas pelos cegos, Jatobá além dos problemas específicos de comunicação,
encontra ainda o total descaso dos projetos urbanísticos que ignoram a existência
de pessoas deficientes e dificultam ainda mais sua locomoção pelas ruas da
cidade.
É interessante ressaltar que o Decreto nº. 5.296, de 2 de dezembro de
2004 em seu Capítulo III trata Das Condições Gerais da Acessibilidade:
Art. 8º Para fins de acessibilidade, considera-se:
I – acessibilidade: condição para utilização, com segurança e
autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos,
das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de
comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com
mobilidade reduzida;
90
II – barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o
acesso, a liberdade de movimento, a circulação com segurança e a possibilidade
de as pessoas se comunicarem ou terem acesso à informação, classificadas em:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias públicas e nos
espaços de uso público;
b) barreiras nas edificações: as existentes no entorno e interior das
edificações de uso público e coletivo e no entorno e nas áreas internas de uso
comum nas edificações de uso privado multifamiliar.
O Capítulo IV Da Implementação da Acessibilidade Arquitetônica
e Urbanística em sua Sessão I trata Das Condições Gerais:
Art. 10. A concepção dos projetos arquitetônica e urbanística deve
atender aos princípios do desenho universal12 tendo como referências básicas às
normas técnicas de acessibilidade da ABNT (Associação Brasileira de Normas
Técnicas), a legislação especifica e as regras contidas neste decreto. Este debate
apareceu logo nos primeiros capítulos da novela América quando ao andar pela
rua com sua bengala, o personagem Jatobá bate com a cabeça num orelhão e
comenta com as pessoas que passam da importância de projetos urbanísticos
adequados, ou seja, da implantação do desenho universal.
Esses e outros obstáculos têm representado sérios entraves para o
acesso, ingresso e permanência de pessoas deficientes na sociedade, infringindo
seus direitos de ir e vir, criando barreiras à sua participação no exercício de sua
cidadania plena. Demonstrando um esforça enorme em debater a questão, a autora
busca em cenas simples do cotidiano de todos nós suscitar uma reflexão acerca de
nosso papel frente ao deficiente, mas sabemos que esse é um pequeno passo, pois
há muito que ser feito para realizarmos a inclusão social de TODOS.
Para Carvalho (2004, p.60) reconhecer direitos de acessibilidade – em
seu mais amplo sentido -, traduzi-los sob a forma de textos – legislativos
12 Concepção de espaços, artefatos e produtos que visam atender simultaneamente todas as pessoas, com diferentes características antropométricas e sensoriais, de forma autônoma, segura e confortável, constituindo-se nos elementos ou soluções que compõem a acessibilidade. Acessibilidade, Decreto Lei nº. 5.296/2004, Lei nº. 10.048/2000, Lei nº. 10.098/2000. Senado Federal Presidência p. 12/13.
91
normativos ou de outros teores – é da maior relevância, embora não signifique,
necessariamente, que serão concretizados em ações que garantam e assegurem a
todos a mobilidade com autonomia e segurança.
A eliminação dos obstáculos arquitetônicos existentes na sociedade
depende do grau de conscientização dos governantes frente ao significado desses
obstáculos e das atitudes decorrentes para sua superação, ou seja, não basta apenas
vontade política é preciso disposição para captar recursos e boa vontade para usar
os existentes e disponíveis para esse fim.
No dia seguinte, durante a exibição do capítulo da quinta-feira 12 de
maio de 2005 a autora retrata muito bem a dificuldade do processo de inclusão
social da pessoa deficiente quando Islene vai ver algumas escolas para Flor e em
uma delas a diretora reage mal ao perceber que a criança é deficiente, sem contar
o preconceitos dos outros alunos que riem da forma como ela anda. Amedrontada
Flor agarra Feitosa, e Islene lhes diz que não há vagas na escola partindo o mais
rápido possível para longe daquele pesadelo. Na vida real não é diferente... Como
professora do Ensino Especial muitas vezes me deparo com a mesma situação na
hora de encaminhar um aluno para o Ensino Regular e saber que ainda temos
profissionais que temem o diferente e apresentam uma representação social da
deficiência ainda ligada à incompetência e improdutividade acadêmica. A escola
para TODOS ainda esbarra na ignorância e no preconceito das pessoas frente à
diversidade.
É reconfortante perceber que as crianças – as que são responsáveis
pela inclusão de seus colegas – apresentam representações sociais mais positivas
quando o assunto é deficiência. Ao serem perguntadas sobre o que fariam se a
personagem Flor viesse estudar em sua escola, responderam:
“Nóis ia ajudar ela e não ia ficar brigando”. Igor 11 anos
“Nóis ia ajudar ela no dever, nóis ia brincar com ela todo dia”. Jéssica
9 anos
“Ajudaria, a gente ajudaria levando ela pro lugar que ela quisesse.
Ajudaria nos dever dela”. Débora 9 anos
92
“Ela ia ficar feliz, ia ajudar ela a fazer os dever se ela não saber,
mostrar a escola toda pra ela”. Luana 10 anos
“Ajudava ela a andar, brincava com ela”. Taís 9 anos
“Ela não conseguia enxergar no quadro e tinha que ajudar ela falando a
palavra”. Raquel 9 anos
Ainda neste mesmo capítulo, Jatobá reconhece Vera na rua que fica
assustada quando este lhe diz que cada pessoa tem um clima, um cheiro e uma
energia o que para Vygotsky em seus “Fundamentos da Defectologia” é chamado
de compensação do defeito. Isso significa que a compensação do defeito
acontece por uma via indireta muito complexa, de caráter social e psicológico
geral, de acordo com o autor (1989) não se trata do cego ver através dos dedos, do
tato, mas sim da formação de mecanismos psicológicos que permitem através
desta via compensar a falta de visão. Reforçando esta teoria temos a palavra do
personagem cego: “os olhos atrapalham essa percepção”.
Vera também foi muito lembrada pelas crianças por ser a namorada do
personagem Jatobá, o que os deixou surpresos (as crianças), mas não lhe negaram
o direito enquanto deficiente visual de ter uma vida normal, incluindo aí uma
namorada. Entre risos nervosos e bochechas vermelhas de vergonha, os alunos
abordaram a sexualidade dos personagens, mas como era de se esperar, a versão
que prevalece é a de que a sexualidade só se legitima se associada ao amor, à
ternura, às tramas da afetividade e acontece no interior das relações minimamente
estabelecidas e institucionalizadas como no caso de namoros e casamentos. O
casal é assim representado socialmente em seus discursos:
“Ele não conseguia olhar, era apaixonado pela mulher e ele ia sendo
atropelado até que o Farinha salvou ele. Ele tinha uma namorada e ele
tinha um cachorro, o Quartz”. César – 8 anos
“Era um homem cego que era namorado da Vera, tinha um cachorro e
a Flor”. Jéssica – 8 anos
93
“AH”! Que ele até se apaixonou por uma mulher. O cara mandou dá
um murro, bater nele”. Paulo Ricardo – 9 anos.
“Ele ficava com a Vera e ele ficava andando com um cachorro bem
assim (imita o personagem)”. Jéssica – 8 anos
A mesma idéia de privilegiar a discussão sobre a inclusão social de
pessoas deficientes no sistema de ensino, ou seja, a educação inclusiva torna-se
visível na exibição do capítulo de sexta-feira dia 13 de maio de 2005 quando
Feitosa conta à Jatobá que Flor não foi aceita na escola o que provoca sua
indignação e um discurso incisivo acerca da inclusão dessas crianças que não
difere da Teoria sócio-histórica de Vygotsky quando diz que as pessoas são fruto
de suas interações sociais e para seu desenvolvimento pleno, crianças deficientes
devem conviver com aquelas ditas “normais” sem distinção de tratamento e
educação. Jatobá ressalta ainda a importância do convívio de Flor com outras
crianças para que sua vida seja a mais normal possível dentro de suas limitações.
E como repete sempre o personagem de Marcos Frota: “Mas quem não tem
limitações?”.
Em uma publicação própria cujo título é “Rede Globo - Balanço
Social – 2005” a emissora apresentou todas as suas ações relacionadas ao tema,
com destaque para as páginas 15 e 16 que trazem a seguinte matéria:
“Merchandising Social – Educação por meio do entretenimento”
Inspiradas na realidade e na cultura brasileiras, as novelas da Rede
Globo servem como veículo para a transmissão de mensagens educativas, difusão
de conhecimento, promoção da crítica social e incentivo à mudança de
comportamento e ao debate a respeito de questões fundamentais para a sociedade.
É o merchandising social. Em 2005, as novelas da Globo apresentaram mais de
1.500 cenas de conteúdo socioeducativo, sem contar as abordagens em outras
produções de teledramaturgia, como as séries e os infantis. Ao enfocar a
deficiência visual, a novela América, de Glória Perez, contribuiu para o
aprofundamento do debate em todo o país acerca dos direitos das pessoas com
deficiências. Questões ligadas à acessibilidade (como a lei que garante a
94
permanência de cães – guia em coletivos e espaços públicos), à educação
inclusiva e iniciativa reais relacionada aos diferentes tipos de deficiências foram
apresentadas na história do cego Jatobá, levando o assunto para o dia-a-dia da
população.
Conforme a mesma publicação (p.16), a novela “América” teve 396
cenas de conteúdo socioeducativo no ano de 2005 apresentando temas como:
deficiência visual, acessibilidade, educação inclusiva, cleptomania,
homossexualidade, pedofilia, etc.
A preocupação em exibir conteúdo socioeducativo virou marca
registrada no quadro fictício dentro da própria novela América chamado de “É
Preciso Saber Viver”. Idealizado por Glória Perez para ser apenas uma
participação especial do filho de Roberto Carlos, Dudu Braga (também deficiente
visual) que entrevistaria Jatobá divulgando assim as conquistas e superações dos
deficientes, acabou tornando-se um quadro semanal mediante os pedidos do
público. Com isso, fica bastante evidente nas palavras de Artur da Távola (1985)
o quanto à teledramaturgia da Rede Globo diferencia-se das demais ao se
preocupar com a opinião de seus expectadores (citação completa na página... deste
trabalho). Ao entrevistar pessoas deficientes que se destacam nas mais variadas
profissões, Dudu – que além de radialista e produtor musical, toca violão e bateria
– tornou-se âncora da campanha a favor dos direitos da pessoa deficiente.
Para debater as dificuldades da pessoa cega, além do personagem
Jatobá, o programa trouxe a história real do radialista Manoelzinho dos Santos
mostrando sua habilidade em identificar os valores das cédulas apenas pelo tato,
sendo ele uma notável exceção, pois normalmente os cegos não conseguem fazer
o mesmo. Segundo Manoelzinho as cédulas de real não apresentam qualquer
peculiaridade que possa ser reconhecida pelas pessoas que não enxergam. São
muitos anos de luta para mudar essa realidade e com isso facilitar a vida de 10%
da nossa população. Na entrevista ele dá algumas sugestões do que poderia ser
mudado no dinheiro:
95
(...) se cada cédula tivesse um tamanho ou uma textura diferente, o
problema seria resolvido. Relevos tridimensionais, que pudessem ser
identificados pelo tato, também seria uma opção. Estampar os valores
em braile nas notas, ao contrário do que muita gente pensa, não é a
solução ideal, porque nem todo cego sabe ler desta forma. Além
disso, o papel utilizado nas cédulas de real não são adequados para
impressões em braile.
Diabético desde os três anos de idade, Marco Antônio de Queiroz, o
MAQ13, jamais poderia pensar que isso resultaria na sua falta de visão
permanente. Seu depoimento é um clássico da representação social que a maioria
das pessoas têm acerca dos deficientes: “Para superar o trauma, tive que driblar
minha família também! Todos ficavam muito preocupados e não me deixavam
sair na rua. E isso é um dos maiores problemas enfrentados por deficientes como
eu”, diz. Categórico quanto à sua participação na novela, ele afirma:
Divulgação é o principal. É isso o que queremos. Precisamos mostrar
que as pessoas com deficiência são muito mais capazes do que se
acredita. Não é preciso viver enfurnado dentro do quarto com medo
que alguma coisa lhe aconteça. Seria muito bom se todos soubessem
que é perfeitamente possível para um cego ser alpinista, por exemplo.
O outro entrevistado de Dudu Braga é mesmo polivalente; compositor,
arranjador, intérprete, tecladista, produtor e escritor Sérgio Sá completou em
agosto o trigésimo sexto ano de uma vida marcada por êxitos e realizações, que
inclui até uma gravação feita pelo rei Roberto Carlos de uma de suas
composições. E esta lançando seu livro, intitulado “Ecos do Amanhã”, que
consiste em uma ficção filosófica sobre um ruído que toma conta integralmente do
planeta. Quanto a sua participação na novela foi enfático ao dizer: “Saí de alma
lavada. Divulgação é a chave. Temos que mostrar ao mundo que somos tão
capazes quanto qualquer um!”, completa.
A próxima entrevistada do programa pode ser chamada de uma grande
mulher, cujas conquistas, garra e determinação são admiráveis. Ethel Rosenfeld
13 Para saber mais sobre o MAQ, visite seu site: www.bengalalegal.com
96
ficou cega aos 13 anos, quando foi submetida a uma punção para a retirada de um
pseudotumor do cérebro e por um erro médico, a agulha utilizada na cirurgia
atingiu seu nervo ótico que ocasionou a perda da visão para sempre. Seu primeiro
emprego foi como professora de inglês num curso audiovisual. “As pessoas
estranham que um cego dê aula com recursos audiovisuais, mas essa é a melhor
opção para os professores que não enxergam, porque dispensa o uso do quadro
negro, por exemplo,”, ela explica.
Pioneira na luta pelos seus direitos, em 1973 foi à primeira professora
cega a ingressar oficialmente no magistério do extinto Estado da Guanabara, atual
cidade do Rio de Janeiro, o que na época lhe rendeu até reportagem no
“Fantástico”. Ela relembra:
A lei não permitia que deficientes visuais fossem admitidos no
serviço público. Mas eu queria ser professora e levei minha
reivindicação ao secretário de educação. Em outubro, eu fui
contratada. Dois meses depois, fui aprovada em concurso público, o
primeiro a aceitar inscrições de pessoas com deficiência.
Como professora do município, lecionou para crianças cegas na rede
regular de ensino durante os 15 anos seguintes e depois, por mais dez anos,
comandou uma seção de reabilitação de pessoas que ficam cegas na idade adulta.
Muito ativa hoje ela exerce um cargo de coordenação na Funlar (Fundação
Municipal Lar Escola Francisco de Paula), instituição de referência da Prefeitura
do Rio de Janeiro voltada para a assistência de pessoas com deficiência em geral.
Também presta consultoria, sobretudo a empresas de transporte, como ônibus,
metrô e companhias aéreas, ensinando seus funcionários a lidar com passageiros e
colegas que tenham algum tipo de deficiência. “Com a ajuda de um fisioterapeuta,
eu explico, por exemplo, como um comissário deve tirar alguém da cadeira de
rodas sem lesionar sua própria coluna nem prejudicar o deficiente”, ela conta.
Foi ela também a primeira pessoa a usar o cão – guia de cegos no Rio
de Janeiro, e graças a sua incansável luta desde 1998 quando foi impedida de
entrar no Teatro Municipal acompanhada de seu cão labrador Gem conseguiu a
aprovação da Lei Federal nº. 11.126 de 27 de junho de 2005, assinada pelo
presidente Luís Inácio Lula da Silva autorizando em todo o país a entrada e
97
permanência de cegos acompanhados de cães – guia em ambientes públicos e
privados de uso coletivo. Sua experiência inspirou a autora Glória Perez a fazer
uma cena onde Jatobá foi expulso do teatro gerando muita discussão entre os
telespectadores.
Encerrando sua participação no programa, Ethel foi incisiva ao
afirmar que é preciso esclarecer o potencial e as reais limitações das pessoas com
deficiência, pois, a deficiência não incapacita o ser em sua totalidade, apenas o
limita em alguns aspectos, argumenta.
Destaque também no programa o Mestre João Kanoa, 40 anos, perdeu
a visão quando tinha 32 após um choque térmico provocado pelo calor de 35
graus ao sair de uma câmara frigorífica cuja temperatura era de 40 graus
negativos. Hoje ele brilha como professor de capoeira e até fez uma participação
na novela, ao lado de Marcos Frota. Como acontece com toda pessoa que perde a
visão, ele ficou deprimido e temeu pelo seu futuro. Quando ficou cego João já era
mestre em capoeira, que ele pratica desde os 10 anos. Toda essa experiência foi
fundamental para que ele pudesse seguir trabalhando no ramo. E endossando a
teoria da compensação elaborada por Vygotsky, ele diz:
Aprendi que todos os seres vivos têm reflexos. Tudo que fazemos por
instinto é puro reflexo. Quando você enxerga, você não se dá conta
disso, porque você vê tudo. Mas é possível perceber os obstáculos à
sua volta sem vê-los, usando os outros sentidos, que ficam
extremamente aguçados.
Pode-se dizer, portanto, que o trabalho de adaptação à cegueira fez de
Kanoa um mestre de capoeira ainda mais experiente. Afinal de contas, quantas
pessoas são capazes de jogar capoeira sem enxergar? Ele foi obrigado a
desenvolver sua percepção num nível que a maioria das pessoas não precisa
alcançar. E isso faz toda a diferença.
O programa também abriu espaço para as crianças e trouxe para
representá-las o pequeno Gabriel Gitahy da Cunha, o Gabrielzinho do Irajá, com
apenas 9 anos está acostumado a comandar rodas de samba pelo Rio de Janeiro.
Sua cegueira não o impede de ser ator - com duas peças de teatro no currículo -
98
fazer aulas de natação, partido alto e canto. Já compôs dois sambas. E consegue
conciliar tudo isso com ótimas notas na segunda série do Ensino Básico. Nasceu
prematuro de sete meses tendo que ficar umas dez semanas na incubadora sofreu
várias paradas respiratórias e precisou receber muito oxigênio o que o levou a
desenvolver um problema que é comum em quem passa por isso: retinopatia da
prematuridade.
Os telespectadores de América foram surpreendidos pela presença de
outros cegos na trama. Na verdade, por cegas: Maria, Regina e Conceição
Barbosa. Três irmãs. Praticamente cegas de nascença, vindas de Campina Grande,
na Paraíba. Cantoras de coco, de embolada, formas musicais típicas do
cancioneiro nordestino. Três feras.
O cineasta Roberto Berliner há cerca de oito anos, quando em visita a
trabalho na cidade das três irmãs ficou impressionadíssimo, não só pela música,
mas pela história de vida delas, foi fulminado pela idéia de fazer um filme que
contasse a trajetória delas, que viveram toda sua vida cantando em troca de
esmolas nas cidades e feiras do Nordeste do Brasil. E fizesse mais: que mostrasse,
valendo-se de formato inovador, o cotidiano delas, suas estratégias de
sobrevivência, seus dramas, misérias, amores e arte. Dessa idéia, nasceu o
documentário “A pessoa é para o que nasce”.
Acompanhando a repercussão do quadro nos telespectadores, tanto
através da medição do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística) como pelas pesquisas da própria emissora, a autora ampliou a
participação dos deficientes e trouxe pessoas como Clodoaldo Silva que durante o
parto teve paralisia cerebral, por falta de oxigênio e ficou com o movimento das
pernas comprometido, de modo que precisa de uma cadeira de rodas para se
locomover. Seu destaque se deve ao fato de ser ele o maior atleta que a natação
paraolímpica brasileira já teve, disputa as provas de 50m, 100m e 200m livre;
150m medley, 50m costas, 50m borboleta e 50m peito.
A jovem Paula Werneck, de 19 anos nasceu com síndrome de Down e
está acostumada a aparecer na mídia. Tanto que sua participação em “América” é
apenas mais uma no seu currículo. Realizou trabalhos como uma pequena
99
aparição na extinta série “Mulher”; um pequeno papel na novela “Coração de
estudante”, reportagens no “Fantástico” e destaque nas peças publicitárias da
campanha “Ser diferente é normal”. Mas foi no documentário “Do luto à luta”, de
Evaldo Mocarzel, que a autora Gloria Perez ficou conhecendo Paula e a luta de
sua mãe Helena pela disseminação da informação sobre as pessoas com
deficiência mental. Ela explica: “Decidida a combater o preconceito, eu fundei
uma ONG chamada Instituto Metasocial, cujo objetivo é divulgar o máximo de
informação sobre o assunto. E falar disso na novela das oito foi uma oportunidade
sem igual”.
Numa visão ancorada no pensamento de Adler (apud Vygotsky, 1989,
p.09) defensor da luta contra o sentimento de menosvalia como ponto
fundamental da educação do deficiente, a idéia da autora ao trazer essas pessoas
para a mídia é mostrar que elas podem fazer muito mais do que se imagina. A
deficiência pode ser apenas detalhe em suas vidas, embora a maioria não pense
assim, por pura falta de informação.
Outra participação que só reforça, ainda mais essa representação
social da novela de que deficiência não impede a realização de nenhuma atividade
(apenas algumas limitações) é a de Ana Paula de Araújo Alves que encara a vida e
a atual realidade com serenidade. Vítima de um atropelamento aos 19 anos, teve
suas duas pernas amputadas quase que instantaneamente o que não a impediu de
ser fisioterapeuta e professora universitária e ainda arrumar tempo para atuar na
seleção feminina de basquete em cadeira de rodas participando de várias
competições internacionais. Suas palavras reforçam a necessidade de uma
mudança urgente nas representações sociais que as pessoas têm do deficiente:
A gente não pode desistir desse milagre que é a vida. Eu só tenho a
agradecer a iniciativa da Glória Perez, que vem divulgando o papel
que várias pessoas deficientes desempenham com sucesso dentro da
sociedade. Temos de mostrar a esse povo que os desafios devem ser
encarados de frente, por mais que seja difícil a situação. O mais
importante de tudo é a divulgação, conclui.
Destaque também no programa fictício de Dudu Braga, David Valente
é Brasileiro, natural de Fortaleza-Ceará. Graduado em Filosofia pela Universidade
100
Estadual do Ceará (UECE), tem se revelado no meio artístico como cantor,
compositor, músico, arranjador e produtor musical. Nada de mais, a não ser pelo
fato ser ele portador de uma deficiência físico-motora congênita que o
impossibilita de usar suas mãos normalmente e com a ajuda de profissionais, o
apoio dos familiares, amigos, e, sobretudo por uma enorme força de vontade,
transferiu toda a coordenação motora para seus pés conseguindo desenvolver,
naturalmente, habilidades tais como: escrever, digitar no teclado do computador,
tocar o teclado musical.
O bailarino surdo Cacau Mourão teve uma participação muito
significativa na novela. Acompanhado de uma intérprete de Libras (Língua
Brasileira de Sinais) ele contou um pouco de sua história com a dança e
incentivou todas as pessoas a aprenderem essa linguagem. A presença da
intérprete possibilitou a entrevista, pois Dudu Braga é cego e Cacau surdo o que
de outra forma teria sido impossível a realização deste programa.
Vivemos num momento político em que apesar das discussões sobre a
universalização da educação, do direito de todos à cidadania e sobre a inclusão do
aluno deficiente na escola comum da rede regular de ensino; a pessoa deficiente
ainda não é aceita como cidadã legitimada por seus direitos e encontra-se
associada a uma visão construída de modo a ressaltar sua deficiência e não suas
possibilidades, colocando-as assim num sistema paralelo e segregador.
O sistema capitalista desde o seu surgimento, por volta do final do
século XVIII, até os dias atuais, é marcado pela exclusão social, dada à
exploração do trabalho humano e a apropriação dos bens produzidos pela maioria
por uma classe que detém o controle dos meios de produção. A classe dominante
cria, então, mecanismos políticos e jurídicos para assegurar o poder e a
continuidade da exploração (Lopes, 2005, p.38).Pensar em inclusão dos
deficientes na sociedade pós – moderna, onde a imagem impera e o mundo virtual
é muitas vezes mais presente que o real, pode parecer um esforço em vão. Mas
ações de especialistas e a força de vontade dos cegos provam que é possível, por
exemplo, que eles freqüentem o cinema, participem de cursos de fotografia e
façam uso do computador por meio de programas especiais.
101
A autora também se preocupou com a inclusão digital através da
internet, pois todo o site da novela (www.america.globo.com) foi desenvolvido de
forma que o internauta cego também tivesse acesso ao seu conteúdo . Para o
departamento de Internet da TV Globo não foi uma tarefa fácil, mas segundo seus
idealizadores o esforço valeu a pena. Nas palavras de um deles:
Afinal, não faria sentido a novela falar dos deficientes visuais na TV
e ignora-los na internet. Esse trabalho, no entanto ainda não terminou
– em breve, haverá muito mais conteúdo disponível para nossos
internautas que não enxergam.
Para o encerramento do fictício “É Preciso Saber Viver” o estúdio de
"América" recebeu cerca de 200 pessoas, entre portadores de deficiência e seus
acompanhantes, para a gravação do último programa, um especial apresentado por
Dudu Braga para fechar a trama. Eles participaram de cenas que foram ao ar no
último capítulo da novela, na sexta-feira, dia quatro de novembro, como uma
consagração da campanha promovida por "América" em prol das pessoas com
deficiência. A autora Gloria Perez acompanhou a gravação e mostrou-se feliz por
ter contribuído para uma significativa mudança de olhar em relação aos
deficientes.
A gravação contou também com a participação dos personagens
Jatobá (Marcos Frota), Flor (Bruna Marquesini) e Islene (Paula Burlamaqui), de
Gabrielzinho do Irajá e de vários convidados que foram entrevistados no fictício
programa de Dudu Braga, como a professora cega Ethel Rosenfeld, que gravou
acompanhada de seu cão-guia, Gem. Através de Jatobá e de seu cão-guia Quartz,
"América" também levantou a bandeira da permissão para que os deficientes
visuais pudessem entrar em estabelecimentos públicos acompanhados de seus
cães.
Durante os cinco blocos da novela aqui apresentados para análise,
mais o registro dos participantes do fictício programa de Dudu Braga “É Preciso
Saber Viver”; foi possível perceber a preocupação da autora em realmente discutir
o papel da sociedade na inclusão social de pessoas deficientes e desta forma
durante as entrevistas realizadas com as crianças desta pesquisa, fica bem claro o
102
impacto desta telenovela na representação social delas acerca dos personagens
com deficiência, tema este retratado no próximo capítulo do trabalho.
103
Análise da representação social dos alunos acerca dos
personagens deficientes da telenovela América
“Eu fico com a pureza da
resposta das crianças, é a
vida; é bonita e é
bonita!Viver e não ter a
vergonha de ser
feliz,cantar a beleza de ser
um eterno aprendiz...”
(Gonzaguinha)
104
A realização de entrevistas e do grupo focal após a exibição de cada
capítulo permitiu observar uma significativa diversidade na representação social
dos alunos acerca dos personagens deficientes apresentados na novela América,
onde se percebe uma forte ligação das crianças entre história de vida, narrativas e
a construção de suas representações sociais. Isto ocorre porque de acordo com a
teoria cunhada por Moscovici, as representações sociais são constituídas no grupo
do qual o indivíduo que a possui faz parte, sendo este grupo o responsável por dar
significado àquilo que é considerado como deficiência.
A temática constituição do sujeito vem se caracterizando como objeto
de discussões em diferentes campos teórico-metodológicos e é importante na
medida em que problematiza tanto o objeto da ciência como a forma com que é
abordado. Discuto aqui a temática também tendo como referencial de base os
aportes teóricos de Vygotsky, que traz na sua perspectiva a especificidade humana
decorrente da dupla relação que se estabelece com a realidade: via atividade, o ser
humano se apropria da cultura e concomitantemente nela se objetiva,
constituindo-se assim como sujeito. Desse modo, para Zanella (2005) a dimensão
singular é inexoravelmente constituída e constituidora do social, o que pode ser
tematizado como alteridade, como a dimensão de um outro ou das relações com
outros.
Para Gusmão, (1999, p. 44-45; apud Zanella, 2005) no passado o
outro era de fato diferente, distante e compunha uma realidade diversa daquela de
meu mundo, hoje, o longe é perto e o outro é também um mesmo, uma imagem do
eu invertida no espelho, capaz de confundir certezas pois, não se trata mais de
outros povos, outras línguas, outros costumes. O outro hoje, é próximo e familiar,
mas não necessariamente é nosso conhecido.
Ao se constituírem como sujeitos nas inúmeras interações e nos mais
diversos espaços discursivos, para Bakhtin (1997) este é sempre resultado de um
passado e uma expectativa do que pode vir a ser no futuro uma vez que as
relações são sucessivas e infinitas não se tendo nunca um sujeito absoluto.
Semelhante ao pensamento de Moscovici e Bakhtin, Vygotsky
(1984,1987) atribui que todas as funções especificamente humanas são
105
constituídas através da vida social, envolvendo tanto a linguagem como a
dimensão histórico – cultural.
Ao discorrer sobre a questão da deficiência, Vygotsky aborda a
importância do recorte do mundo feito para a criança deficiente por seus pais e
pela sociedade como um todo. Camargo (2005) esclarece bem esta afirmação
quando nos diz que são as significações e ressignificações feitas pelos seus pares
sociais que os constituem enquanto sujeito, desta forma, um individuo com
limitações e com um potencial biológico diferente dos demais pode ter o rumo de
seu desenvolvimento alterado em função do modo como o seu meio social o
encara e em função das expectativas existentes em relação a ele.
Para efetivar nosso estudo construímos os dados a partir das
interlocuções ocorridas durante os trabalhos de discussão no grupo focal realizada
com as crianças da pesquisa, procurando desta forma identificar quais são as
representações sociais das mesmas acerca dos personagens com deficiência
apresentados na novela “América”.
Ver anexo II, apresentação das sinopses14 dos capítulos da novela
América referentes aos dias 12, 13, 14,15 e 16 de abril de 2005 utilizados nos
procedimentos metodológicos da entrevista semi-estruturada, como também na
realização do grupo focal.
Com uma capacidade peculiar de captar, expressar e atualizar
representações sociais, a televisão fornece um repertório por meio do qual as
pessoas se posicionam sobre os mais diferentes assuntos. Não por acaso, o
programa que consegue atingir tal objetivo; seja por causa de sua popularidade ou
mesmo de sua lucratividade é a telenovela. Esta exerce um papel de fundamental
importância na representação social dos brasileiros, onde de modo geral é capaz
de tornar algo presente, mediante imagens abstratas ou concretas, de conteúdo
mental, de discursos e de outros meios, mas sem superar a ausência material, ou
seja, a telenovela possui a capacidade artística de tornar presente, através de
14 Material de divulgação da novela América cedido pelo Centro de Documentação da Rede Globo de Televisão (Cedoc/ TV Globo), disponível no site www.globo.com/america.
106
formas e figuras, um mundo real ou possível, da experiência direta e concreta ou
até mesmo da fantasia.
A abordagem de temáticas fortes e contundentes fez com que esse
gênero – a telenovela – se firmasse como um dos mais importantes e amplos
espaços para problematização e discussão do cotidiano brasileiro, que servem
como referência legítima para que as pessoas se posicionem e, desta forma, dêem
visibilidade a certos assuntos, comportamentos e produtos.
Para Lopes (2004, p.298) telenovelas são uma fonte de
entretenimento, significado social, cultural e até mesmo político, pois muitas
vezes a telenovela prova ter maior significado e relevância do que as notícias do
jornal da noite, ou seja, ela adquire reconhecimento como uma parte importante
da cultura contemporânea.
Moscovici (2005, p. 48) afirma que os meios de comunicação
aceleraram e multiplicaram a necessidade contínua de re-construir o “senso
comum” ou a forma que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual
nenhuma coletividade pode operar. Para o autor nossas coletividades não
poderiam funcionar se não se criassem representações sociais baseadas no tronco
das teorias e ideologias que elas transformam em realidades compartilhadas
relacionadas com as interações entre pessoas. Desta forma Jodelet (2001, p. 30)
afirma que a comunicação social, sob seus aspectos interindividuais, institucionais
e midiáticos, aparecem como condição de possibilidade e de determinação das
representações e do pensamento sociais.
Apoiadas no processo de ancoragem, dentro da Teoria das
Representações Sociais, as crianças adquirem coerência em suas representações e
as incorporam numa rede social de valores cumprindo assim o real sentido desta
teoria que é o de tornar o não – familiar, ou a própria não – familiaridade,
familiar. É o caso destes depoimentos:
“Meu primo é surdo e mudo, mas ele desenha bem”. Débora 8 anos
107
“Meu tio tem (deficiência), meu tio tem uma perna pequena e outra
grande, ele tem problema no pé, ele tem um pé pequeno e um pé
grande. Mas ele anda pra todo lado”.Raquel Silvestre 9 anos
“Minha vó não tá mais andando, ela não quer usar cadeira de rodas, ela
tem uma cadeira de rodas que o homem deu pra ela novinha, mas ela
anda com um pau assim (imita o andar)”. Fabrício 9 anos
Desta forma, as crianças trazem para sua representação social algo que
até agora só havia sido discutido utilizando os personagens da telenovela
“América”. O que parecia apenas abstrato e distante, é percebido como parte do
seu dia a dia e elas descobrem que conhecer pessoas deficientes na vida real, as
aproximam dos personagens Flor e Jatobá.
Débora por exemplo ressalta uma visão otimista da deficiência de seu
primo quando faz questão de ressaltar que mesmo sendo surdo e mudo, ele
desenha bem. Já Raquel fica bem séria na hora de descrever a deficiência do tio,
mas pouco depois abre um sorriso de orgulho ao relatar que este “defeito” (como
ela mesma diz) não o impede de ser uma pessoa “quase normal” – suas palavras.
Ao ser perguntado por que a avó não utiliza a cadeira de rodas, Fabrício é
categórico: “Ela tem muita vergonha tia, as pessoa pode chamar ela de alejada”.
Existem ainda crianças que associam deficiência a incapacidade – não
fugindo da visão equivocada da maioria das pessoas – e desta forma representam
socialmente o deficiente como um “coitado”:
“As pessoas do Lar dos Velhinhos que não tem braço anda de cadeira
de rodas e tem deles que fica passando fome e fica pedindo na rua e a
gente ajuda”. Raquel 9 anos
“Eu já vi uma pessoa assim que não consegue nem olhar, fica cega e
passa perto da nossa casa e fica pegando o lixo e fica nem olhando”.
Luana 10 anos
“Tem um homem ali (perto de sua casa) que só vive na cadeira de
rodas”. Igor 11 anos
108
Na relação com o outro as crianças em seus discursos demonstram
sempre que iniciam suas frases com o pronome pessoal “eu”, exercer um papel
mediador de ação entre elas e o deficiente sobre o mundo exterior quando
perguntadas sobre o que fariam por um colega deficiente:
“Eu ia ajudar”. César
“Eu ia ajudar, ajudar ele a andar, fazer os dever, fazer amizade”.
Jéssica
“Ajudar ele a fazer as coisa. Ensinar os dever como é que era,explicar
direitinho,sentar perto dele”.Igor
Ao analisar esses fragmentos, pudemos constatar que estas crianças
apresentaram representações sociais a respeito da deficiência que refletem os
esteriótipos e os preconceitos enraizados em nossa cultura, onde certamente, tais
concepções foram constituídas no grupo social do qual fazem parte, tendo em
vista que, como apontado por autores como Vygotsky (1983), Bakthin (1995) e
Rey (2002) o processo de subjetividade decorre das interações estabelecidas com
os pares, não havendo, portanto, uma unicidade do sujeito e sim uma
reconstituição constante a partir das interações verbais. Dessa forma, essas
crianças foram construindo seus conceitos a respeito do sujeito deficiente ao
longo de suas experiências e histórias de vida.
Também encontramos crianças como Débora que convive com um
parente deficiente e ao ser perguntada sobre o que faria se tivesse um amigo
deficiente respondeu: “Ia ser bom porque nóis gosta de gente assim”. Sua
representação social resulta de sua familiaridade com a questão e demonstra o
quanto sua família possui uma visão positiva da deficiência. Jéssica é outra
criança que em vários momentos da entrevista relata sua proximidade com
crianças deficientes e quando recebe a mesma pergunta feita à colega dispara: “Eu
também. É porque nóis acha tão legal pra poder brincar com a pessoa”.
Como categoria deslocada do contexto especifico da psicanálise, o
outro representa mais do que uma pessoa ou um objeto: é princípio instaurador da
personalidade humana, base da diferenciação eu/ não-eu (Lopes, Borelli e
109
Resende; p.189). Numa tentativa de modificar essa relação com o outro, a
professora da turma pesquisada procura criar em sua sala um ambiente mais
propício à inclusão, indo desde a posição das carteiras (em grupo) até na
repreensão de atitudes preconceituosas, como mostra o diálogo das crianças
registrado durante as entrevistas quando perguntados se eles tinham algum colega
deficiente:
“Acho que o João tem, não tem?”. Christian
“Tem!” Luana
“Qual João? O João da nossa sala? Tem! Porque ele anda assim” (imita
o colega). Fabrício
“Ele tem no pé, um pé é alto e o outro é baixo. E o pé dele é bem assim
emendado, emendadinho”. Luana
“Ele não dá conta nem de andar...” Fabrício
“Aí um dia né tia (pesquisadora) o Christian chamou ele de aleijado e a
tia (professora) deu uma bronca nele”.Luana
Luana pergunta por Christian:
“Se acontecesse com tu, você ia achar bom é?”
“A tia deu uma bronca no Christian”. Fabrício
No entendimento das autoras Lopes, Borelli e Resende (2002, p.180)
o enfoque da mediação da subjetividade no estudo da recepção da telenovela
introduz nova perspectiva de investigação ao campo das ciências psicológicas.
Assim como outras ciências, a psicologia está em busca de novos paradigmas que
possam dar conta de questões desafiadoras, que emergem do cotidiano da
sociedade, que nas palavras das autoras “é marcada por constantes e rápidas
transformações, para as quais o atual sistema de comunicações muito tem
contribuído”.
110
Ainda para as mesmas autoras (p.217) a compreensão do processo
pelo qual a vida das pessoas atravessa e é atravessada pela telenovela requer que
se identifiquem os aspectos subjetivos envolvidos nesta relação que se estabelece
através do acompanhamento dos capítulos. E o diálogo acima registrado,
protagonizado por Christian, Luana e Fabrício demonstra que após debates sobre
algumas cenas exibidas da novela, Luana e Fabrício não admite do colega uma
postura preconceituosa com relação ao amigo de classe deficiente; o contato com
os temas debatidos no texto da telenovela passou a fazer parte de suas
experiências.
Aqui se percebe a importância dos colegas para a socialização e
inclusão de crianças deficientes em classes do ensino regular. Mas esses
companheiros não são importantes apenas nas tarefas de classe; fazem-se
fundamentais também quando o assunto é: brincadeiras. Estudos feitos nas áreas
de Psicologia Social e do Desenvolvimento apontam a brincadeira como fator
fundamental para a socialização de crianças. Os autores Batista e Enumo (2004)
realizaram pesquisa demonstrando que não são os pais os principais protagonistas
na determinação da personalidade adulta de seus filhos – apesar de serem os
principais agentes socializadores – aqueles que mais precocemente atuam sobre a
criança; afirmando –se desta maneira a importância do grupo no processo de
socialização.
Diante do exposto, pressupõe-se que a proposta de inclusão social de
crianças deficientes deva evitar os danos causados pelo isolamento social dos
mesmos, criando oportunidades para interação entre os alunos, inclusive como
forma de diminuir o preconceito. Os depoimentos que se seguem ilustram muito
bem esse pensamento; quando as crianças são perguntadas se já brincaram com
alguma criança que apresentasse deficiência.
“Eu brinco com o João, sou amigo dele”. César
“Brinco com o João de ratinha e de lutinha”. Christian
“Eu já,ele era cego e ficava num carrinho de roda. Eu ajudava ele no
dever de casa e da escola. Tia,eu também conheço dois com a cadeira
111
de rodas e um que é todo torto que era lá do Gama (cidade satélite do
DF)”.Jéssica
“Eu já, ela tinha o braço aleijado ela jogava só com esse braço (mostra
o braço esquerdo) nóis brincava de queimada e de três cortes”. Raquel
“Eu brincava de escolinha. Não sei a deficiência, mas eu sei que ele
babava muito. Brincava eu e a irmã dele”. Gleicy
“Eu já,um bem grandão mas eu não sei a deficiência dele”.Paulo César
Na concepção dos autores citados, uma vez que as crianças tomam
para si as normas do grupo, é interessante estudar a presença de alunos com
deficiência no ambiente regular de ensino, bem como as interações sociais que
ocorrem naturalmente entre esses alunos e os demais, focalizando o papel do
outro como mediador de sua interação com a sociedade.
112
À Guisa de Conclusões
“... hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe? Eu só carrego a certeza de que muito pouco eu sei, que nada sei...” (Almir Sater).
113
A preocupação em sugerir, em vez de delinear, e de ilustrar; em vez
de afirmar, pauta a realização deste trabalho, que deveria, por isso, ser entendido
não só como uma teorização prévia, mas principalmente um convite à reflexão
para aqueles que se interessam em desenvolver estudos e pesquisas sobre a
inclusão social de alunos deficientes no sistema regular de ensino.
Buscamos, na medida do possível, ir além do que se possa considerar
como a simples presença de crianças deficientes dentro da sala de aula regular e
procuramos compreender como essa deficiência é pensada e representada
socialmente na construção de uma sociedade inclusiva.
Ressaltamos que o foco deste estudo concentrou-se não só na
representação social acerca de personagens deficientes da telenovela “América”,
mas também no estudo das transformações decorrentes destas representações e
seus desdobramentos no campo da educação, por meio de reflexão sobre o
significado pedagógico tanto da exclusão como da inclusão de criança deficientes
a partir da visão de seus pares.
Após análise dos discursos, percebemos três situações interessantes
acerca da representação social das crianças acerca da deficiência: primeiro,
notamos na fala dos alunos uma mudança em suas representações sociais quanto à
capacidade do deficiente em realizar atividades cotidianas, ou seja, antes
apresentavam uma visão consoante com as representações sociais da antiguidade
em que o deficiente era um ser digno de piedade e incapaz de qualquer ação;
segundo, aquelas crianças que nunca haviam convivido com algum deficiente,
expressaram suas primeiras representações sociais acerca dos mesmos, afirmando
que ao encontrarem uma pessoa assim, procurariam tornassem amigas mostrando-
lhe todas as coisas que fossem interessantes. Por fim, nas crianças que já
possuíam uma representação social da deficiência mediante a presença de parentes
em seu convívio, reforçaram ainda mais a idéia de superação e capacidade de
pessoas deficientes serem incluídas na sociedade sem nenhum problema,
demonstrando muito orgulho com os feito de seus entes queridos.
Nosso interesse não está, portanto, apenas no modo como os alunos
representam socialmente a deficiência; mas também num ensaio de explorar a
114
maneira como essas representações sociais servem de semente para uma possível
mudança social.
Destacamos que neste trabalho não se tentou reconciliar nem ao
menos procurar um meio-termo entre posições controvertidas acerca da
representação social da deficiência. Nem pretendemos apontar um modelo “ideal”
de inclusão – tarefa difícil e problemática – mas buscamos sim, tornar o termo
“inclusão” menos multiforme, descrevendo suas características essenciais e
procurando sintetiza-lo transformando-o num instrumento que possa contribuir
para elucidar e ampliar “os olhares” para as diversas interações na sala de aula.
Nosso maior desafio foi o de identificar, apreender e compreender as
representações sociais acerca da deficiência relatadas pelas crianças – muitas
vezes camufladas por associações aparentes – ,e tentar substituí-las por
percepções e reflexões vivenciadas em nossa prática profissional, somadas às
idéias dos autores que nos forneceram o aporte teórico para tratar tanto a questão
da deficiência, como da inclusão aqui abordados.
Ao elegermos a telenovela como mediadora da discussão acerca da
representação social das crianças sobre deficiência, concordamos com Lopes,
Borelli e Resende (2002, p.181) quando afirmam ser a televisão – veículo dos
mais significativos – capaz de intervir de modo decisivo no processo de interação
entre individuo e grupo social. Ainda para as mesmas autoras, a telenovela é uma
opção privilegiada entre telespectadores, de forma que sua presença no cotidiano
de milhares de pessoas revela o fenômeno cuja principal característica é a de
desencadear o processo simultâneo de representação e incorporação das relações
sociais.
Este trabalho teve como ponto de partida duas questões fundamentais:
a representação social que a telenovela apresenta acerca da inclusão social e a
representação social das crianças acerca dos personagens da novela América
com deficiência. Neste cenário encontramos discussões muito ricas para debater a
inclusão social de pessoas deficientes cuja preocupação da autora foi demonstrar
as capacidades dessas pessoas, bem como seus direitos enquanto cidadãs. A
novela buscou ainda propiciar debates e reflexões acerca de nossa posição quanto
115
à construção de uma sociedade mais inclusiva e menos segregadora mediante
situações cotidianas recheadas de temas polêmicos sobre a difícil vida do
deficiente. Encontramos também durante a realização da pesquisa com as crianças
representações sociais não só marcadas por estigmas e discriminações em torno de
suas limitações; mas visões positivas da deficiência ancoradas por personagens da
vida real mostrados durante a novela em questão.
Nesta turma não observamos o que Oliveira (2006, p.104) chama de
inclusão marginal, ou seja, a criança deficiente está na escola, mas de forma
excludente, isolada. Ainda que algumas crianças apresentem uma representação
social consonantes com a maioria das pessoas acerca da incapacidade dos
deficientes, na prática de sala de aula tratam todos os colegas de forma
homogênea, incluindo os colegas que apresentam tais limitações. Desta forma, as
interações com o outro são benéficas para todos os alunos o que maneira
contrária, dificultaria a concretização do processo de inclusão.
Temos claro que são muitas as dificuldades encontradas nas escolas
para atender crianças deficientes – falta não só de informação, mas também de
compromisso ético e político tanto dos profissionais como dos governantes,
materiais adequados, resistência e desinformação das famílias, metodologias
inadequadas,etc. – contudo, acreditamos na possibilidade que as representações
sociais apresentadas pelas crianças pesquisas possa servir como instrumento para
dinamizar a prática e promover uma educação que possibilite às pessoas
deficientes a oportunidade de avançarem no desenvolvimento de suas capacidades
e potencialidade, com vistas ao exercício de sua cidadania plena.
Em termos da mediação da telenovela como fio condutor das
representações sociais da inclusão, bem como para analisar a representação social
das crianças acerca dos personagens deficientes fez com que a exploração
metodológica nos permitisse uma rica composição do objeto empírico a partir do
material coletado. Ao propor uma agenda temática que por diferentes mecanismos
insere-se no cotidiano dos telespectadores, a telenovela aborda questões que
passam a ser consideradas de interesse público. No caso de América, a
problemática da pessoa deficiente, a partir de vários personagens, situações e
116
conflitos foi tratada de forma a questionar a sociedade preconceituosa e mostrar as
potencialidades dessas pessoas.
Para Lopes, Borelli e Resende (2002) esses temas expressam a
presença do social – real na telenovela ainda que estes sejam interpretados pelos
receptores de diferentes maneiras – seja uma representação social da deficiência
positiva, seja ela negativa – fazendo com que desta forma, o uso da telenovela
dependa da dimensão simbólica configurada por cada grupo e cada sujeito, ou
seja, a telenovela mostra aspectos e questões da realidade que são apropriadas
pelos receptores a partir de seus próprios repertórios.
O corpus da pesquisa é um contínuo dinâmico, cujo acabamento,
mesmo que visível, é sempre inconcluso. Nessa perspectiva, o que fizemos foi
abrir a discussão, ampliando o conceito de representação social. Os conceitos por
trás das teorias de Vygotsky, Moscovici e Bakhtin, confirmam nosso
questionamento de que os meios audiovisuais, especificamente a televisão, têm
capacidade de provocar mudanças nas novas formas de conceber e vivenciar da
questão da inclusão social.
No processo de coleta e análise dos dados, percebi como as
representações sociais das crianças acerca da deficiência são temáticas que
merecem ser aprofundadas. Continuamente essas representações sociais
convergem para muitas outras questões dentro da escola, assumindo uma
complexidade semântica, ética, político pedagógico de abrangência desafiante
quanto a seus efeitos na história dos envolvidos. Compreender estas bifurcações
pode significar mais uma contribuição para construir avanços das práticas de
inclusão social.
Recomendo uma análise dessas representações sociais acerca da
inclusão social não somente com outros olhares, mas principalmente em outros
segmentos da comunidade escolar, partindo tanto da análise de conteúdo, como da
análise dos discursos que permearam a pesquisa, considerando que as
representações sociais também fazem parte do campo educacional e sua
construção está diretamente ligada às relações que os membros escolares
estabelecem entre si.
117
A realização desta pesquisa conduziu-me a perceber a necessidade da
sua continuidade, de modo a se investigarem, dentre outros, os seguintes itens:
1. A representação social que as demais crianças da escola possuem acerca de seus
colegas deficientes incluídos na mesma unidade escolar. Há que se investigar
como esses alunos representam socialmente os colegas com deficiência, haja vista
que não apresentam um convívio mais próximo dentro da sala de aula.
2. Como os professores que não trabalham com turmas inclusivas representam
socialmente alunos com deficiência. A noção de como esses profissionais
construíram suas representações sociais acerca da pessoa deficiente (formação
profissional, convívio social) são fundamentais para o comprometimento deste
para com a implantação da sociedade inclusiva.
3. A representação social que pais e familiares tanto de crianças deficientes, bem
como daquelas que convivem com as mesmas representam socialmente a
deficiência e o convívio de seus filhos nestas classes inclusivas.
4. A compreensão da representação social dos demais membros profissionais da
escola (secretário, auxiliares de limpeza, porteiro) para avaliar como são tratadas
as crianças com deficiência fora da sala de aula auxilia na construção de um
ambiente de apoio a esses alunos.
5. E por fim, como diretores e assistentes de direção representam socialmente a
deficiência, analisando desta formas quais estratégias educacionais estão
implementando no sentido de tornar o ambiente escolar menos segregador e mais
inclusivo.
Por todas essas questões levantadas, nosso trabalho buscou contribuir
para um mundo no qual as diferenças sejam aliadas na construção de uma
sociedade mais inclusiva e solidária.
119
Dicionário de Quintana
• DEFICIENTE é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as
imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que
é dono do seu destino.
• LOUCO é quem não procura ser feliz com o que possui.
• CEGO é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria. E só tem
olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.
• SURDO é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo
de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões
no fim do mês.
• MUDO é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara
da hipocrisia.
• PARALÍTICO é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua
ajuda.
• DIABÉTICO é quem não consegue ser doce.
• ANÃO é quem não sabe deixar o amor crescer. E, finalmente, a pior das deficiências é
ser miserável, pois
• MISERÁVEIS são todos que não conseguem falar com Deus. Mário Quintana
120
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129
Anexo I
09/05/2005
Sol se refugia no depósito. Ariovaldo se irrita com uma entrevista de
Gil. Tião se impressiona com a braveza de Bandido. Neuta concorda que Creusa
durma em sua casa. Sol se esconde debaixo do balcão ao ver Nick entrar na
lanchonete. Mari reclama com Odaléia que ela está trabalhando muito, e ela diz
que não pode deixar faltar os remédios de Mariano; ele ouve escondido, e fica
acabrunhado. Sol recebe menos que as outras empregadas, mas economiza 100
dólares. Creusa fala sensualmente com Tião, mas se faz de inocente para Neuta,
que proíbe o peão de falar com a moça. Laerte se enfurece porque Carreirinha
monta o seu touro e joga beijos para a platéia: para ele, é uma desmoralização.
Glauco se perturba ao ver Lurdinha deitada em sua cama. Murilinho pede
desculpas a Nina pela bola ter batido nela, e a advogada acha que ele seria uma
ótima vingança contra Glauco. Junior admira Tião, que domina o seu boi.
Bandido derruba um peão na arena; Acácio aparece para Tião e diz que aquele é
seu boi. Ed conta a May que não conseguiu patrocínio. Consuelo e Geraldito
ficam pasmos com a peruca loura de Mercedes. Nina e Murilinho estão em um
bar, Irene e Haydée entram neste local, mas não vêem Nina. Laerte pede a Paulo
Emílio que leve Tião para Miami, mas que o peão não saiba desse pedido. Dinho,
Tião e Carreirinha se alegram com as fivelas que ganharam. Tião fica furioso ao
saber que Gil vendeu suas ovelhas. Mazé conta que deu as ovelhas para que Gil o
deixasse em paz. Ellis elogia Tião para Junior. Tião vai ao pasto ver Bandido.
Islene reage quando Feitosa propõe colocar Flor na escola. Radar pergunta a Vera
se Nina tem um caso com Glauco; Vera desmente e pede que nada seja comentado
com Raíssa. Haydée furta uma caneta em uma livraria, que é de Tony. Os dois
ficam cara a cara. Creusa provoca Tião. Odaléia se emociona ao receber carta de
Sol contendo dinheiro.
10/05/2005
Mari vibra com os 100 dólares enviados por Sol. Mariano se recusa a
tomar os remédios comprados com dólares cuja procedência desconhece. Sol
130
combina com Ju um “bico” aos domingos em um posto de gasolina. Tony
relembra o fim de seu namoro com Haydée e conta que mora em Miami, é
especialista em línguas latinas e tem vários livros publicados. Haydée fica
tumultuada quando Tony pergunta se ela é feliz no casamento. Nina diz a Glauco
que vai cuidar de sua vida. Haydée flagra Glauco segurando Nina pelos braços, e
ele inventa que a advogada se sentiu mal. Feitosa insiste para que Islene
matricule Flor em uma escola. Odaléia coloca a pílula que Mariano se recusa a
tomar em um copo de vitamina. Tião e Creusa ficam juntos. Laerte tenta comprar
Bandido de Neuta, mas ela não aceita. Gil provoca Tião, que não reage. Simone
conta a Tião que ele vai montar em Miami. Sol dança samba no palco da boate.
Consuelo reprova Mercedes por querer deixar de ser mexicana. Inesita conta que
foi convidada para um date (sair com um rapaz, sem compromisso), mas Consuelo
não aprova. Helô quer saber se Neto dormiu fora enquanto ela estava no Brasil,
mas Consuelo diz não saber de nada. Lurdinha comenta com Manu o caso de
Glauco e Nina. Helinho diz a Vera que sua situação está complicada porque todos
suspeitam dele. May conta a Miss Jane que os exames revelaram que ela pode ter
filhos. O projeto de Ed foi novamente rejeitado; May insiste em lhe emprestar
dinheiro, mas ele não aceita. May se incomoda com a caixa vazia na sala e manda
alguém retirá-la. Irene descobre a caneta de Tony nas coisas de Haydée e pergunta
quem ele é. Neuta conta que Sol não foi presa e está bem, e Tião fica despeitado.
Helinho vê Alex no meio da rua.
11/05/2005
Helinho perde Alex de vista, mas pede que Vera avise ao delegado
que Alex está no Rio. Alex procura saber se sua documentação nova já está
pronta; ele conseguiu os dados do marido de Neuta, Roberto Sinval. Carreirinha
recolhe dinheiro das pessoas que desejam conhecer Bandido. Junior aguarda
ansioso a chegada de Tião. Laerte conta a Glauco que vai afastar Tião de
Boiadeiros. Glauco liga para Geninho, que exulta. Tião sonha em montar bem e
sair nos jornais, para Sol saber que é bem sucedido. Sol diz a Ju que ama Tião e
que gostaria que ele fosse montar em Miami. Ed se chateia porque May jogou fora
a caixa de onde Sol surgiu. May se aborrece com ele e vai embora. Sol entrega
sanduíches e limpa vidraças. Jatobá comenta com Gomes que os restaurantes
131
deveriam ter o cardápio em Braille. Helinho segue a pista de um falsificador.
Haydée mente que não sabe quem é Tony, o dono da caneta. Lurdinha pede uma
carona a Glauco. Haydée se lembra de quando Tony a pediu em casamento.
Lurdinha pergunta a Glauco se ele acha certo um homem casado ter uma amante.
Glauco se perturba e bate no carro que está à sua frente. Neuta diz a Junior que só
confia nele para levar Bandido para o circuito de rodeios. Neuta não aprova a
visitação a Bandido e tira Carreirinha da função de segurança do touro. Tião quer
levar na viagem o chapéu de Acácio, para lhe dar sorte. Zé Higino aconselha
Mazé a se casar de novo; ela retruca que ele também não se casou, e ele se
emociona. Consuelo concorda que Inesita saia com o colega do colégio, mas
garante a Mercedes que o date será à sua moda. Neto pede que Consuelo não
comente mais nada com Helô sobre suas saídas. Rique diz à mãe que não tem
saudades do Brasil. Alex e o falsificador reagem quando batem à porta. Sol se
sente mal e desmaia no trabalho.
12/05/2005
Quando se recupera, Sol confessa que não comeu nada. Ju repreende a
amiga por comer só dois sanduíches por dia. Gil pede a Tião que leve uma fita
dela para os Estados Unidos. Alex vê que é Helinho quem bate à porta. Vera vê
Lurdinha chegar com Glauco e não gosta. Tony e Haydée se encontram no mesmo
lugar no qual costumavam ir no passado, e observam juntos os mergulhadores.
Tony faz perguntas sobre a vida de Haydée. Ela sai correndo, mas ele a convence
a voltar para o restaurante. Haydée confessa que desistiu de sonhar há tempos.
Islene concorda em ver algumas escolas para Flor. A diretora da escola reage mal
ao perceber que ela é cega. As crianças riem do modo de andar de Flor, que se
abraça com Feitosa, amedrontada. Islene diz que não existe vaga na escola.
Haydée diz a Tony que não pode colocar em risco o seu casamento e vai embora.
Sol é despedida porque chegou atrasada. Dinho é convidado para montar em
Miami também. Junior sai com Tião para andar a cavalo. Neuta repara na barriga
de Ellis e tem certeza de que ela está grávida. Vera estranha quando Jatobá a
reconhece na rua; ele garante que cada pessoa tem um clima, um cheiro e uma
energia, e que os olhos atrapalham essa percepção. Vera vê Nina de mãos dadas
com Murilinho. Consuelo se apresenta ao rapaz que vai sair com Inesita, convida-
132
o a entrar em sua casa e lhe oferece tortilla; ele reage com timidez. Neto pede a
Helô que tudo volte a ser como antes. Ju aconselha Sol a conseguir um número
falso da social security (o equivamente ao CPF). Sol dança samba no balcão da
boate. Alex abre o porta-malas do carro e manda Helinho sair. Mariano atende ao
telefonema de Sol e se emociona.
13/05/2005
Mariano não gosta de saber que Sol aceitou qualquer trabalho para
sobreviver, mas decide tomar os remédios comprados com o dinheiro dela.
Helinho pergunta a Alex por que ele virou um criminoso. Helinho decide não
denunciar Alex para a polícia. Consuelo dá um prato cheio de pimenta mexicana
para o colega de Inesita, e ele vai embora correndo. Ed promete a May que não
vai mais pensar na caixa e eles fazem as pazes. Sol confessa para Cidinha que
tinha outra idéia dos EUA. Gil entrega sua fita para Tião levar. Jatobá pergunta a
Vera se ela gosta de Helinho como mulher ou amiga. Vera começa a dizer o que
sente por Jatobá, mas é interrompida pela chegada de Helinho. Jatobá vai embora
chateado e começa a pensar em arrumar outra namorada. Raíssa volta de Miami.
Glauco pede que Lurdinha o chame de Glauco e não de “tio”. Tony diz a Haydée
que ainda a ama e pede que ela fique com ele. Haydée se perturba, mas garante
que ama Glauco. Tião se despede de Mazé e Zé Higino. Neuta exige que Ellis lhe
diga quem é o pai de seu filho. Carreirinha conta que Ellis namorava Waldomiro e
Neuta manda chamá-lo. Ellis diz que o pai não é Waldomiro. Haydée pede que
Irene contrate Feitosa e afirma que vai pagar o salário dele. Feitosa conta para
Jatobá que Flor não foi aceita na escola. Mari é surpreendida por um tiroteio no
meio da rua e entra no carro de Alex para escapar. Geninho aparece na fazenda e
Zé Higino pergunta o que ele faz ali. Sol descobre que Tião vai montar bem perto
de Miami.
133
Anexo II
12/04/2005
Tião segura Sol com força e pergunta se ela queria fazê-lo de bobo
outra vez. Sol se desvencilha e sai correndo. Gomes diz que vai dizer qual foi o
resultado da investigação que Diva pediu que ele fizesse sobre Islene. Islene fica
indignada. Odaléia diz a Mariano que eles vão ter como viver mesmo que ele não
volte ao trabalho, se ele desistir de pagar o dinheiro que Sol pegou de Neuta.
Mariano afirma que vai voltar ao trabalho de qualquer jeito. Gomes fala para Diva
que Islene é uma moça de respeito. Feitosa não gosta de saber que Islene sai sem
ele para dançar e eles brigam. Nick diz a Bóia e Dinho que falou para Sol que
gostava dela. Bóia e Dinho ficam horrorizados e falam que Nick desrespeitou
Tião. Irene garante a Simone que Nick deve estar com outra mulher. Sol fala para
Tião que um homem lhe ofereceu aquela passagem em troca de um trabalho. Tião
pergunta a Sol que trabalho é esse. Sol tenta se esquivar, mas Tião insiste. Inesita
tenta se enturmar no colégio, mas nenhuma das meninas lhe dá bola. Consuelo
descobre que Rosário fugiu. Vera afirma para Helô que ainda não sabe direito o
que sente por Jatobá. Jatobá prepara um jantar romântico para Vera. Lurdinha e
Radar desejam-lhe boa sorte e deixam-no sozinho em casa. Haydée chama Nina
para jantar, pois quer se tornar amiga dela. Nina acha que Haydée descobriu
alguma coisa e aceita o convite. Tião rasga a passagem de Sol, que tenta detê-lo.
Vera fica pasma ao ver o jantar que Jatobá preparou. Neto sai com alguns amigos
e conhece uma menina brasileira chamada Drika. May vê Neto conversando com
Drika e pergunta por Helô, deixando-o sem graça. Neto garante a um amigo que
May tem prazer em atingi-lo. Tião diz a Sol que não vai deixá-la ir embora nunca
mais. Glauco fica nervoso ao saber que Haydée vai sair para jantar com Nina.
Vera e Jatobá dançam como nos velhos tempos. Feitosa e Islene discutem diante
de Flor, que fica nervosa e se afasta. Como sempre acontece nessas situações, a
pequena Flor fica desnorteada. Nervosa, não quer presenciar a briga dos dois e
trata de se afastar dali, tapando os ouvidos, caminhado pela rua sem rumo. Nessa
hora, Islene e Feitosa estão tão preocupados em trocar ofensas que nem se tocam
do acontece. Quando se dão conta, cadê Flor? Sumiu! Sol acorda e percebe que
Tião a trancou dentro de casa.
134
13/04/2005
Sol fica pasma. Tião pede que o padre o case com Sol no dia seguinte
mesmo. Islene se dá conta de que Flor não está ao lado dela e, com Feitosa,
começa a procurá-la, ambos desesperados. Aí bate o desespero. Onde é que essa
menina foi parar? Em pânico, Islene e Feitosa esquecem o motivo da briga e
apelam para todo mundo na tentativa de encontrá-la. Vão ao Gomes, perguntam às
pessoas nas ruas, vão à polícia e nada de Flor. Começa uma caçada enlouquecida,
que Islene teme não ser bem-sucedida.Flor, assustada, ouve a voz da mãe, mas
não a encontra e se mistura a um grupo de crianças de sua idade. Nina e Haydée
se encontram num barzinho. Nina sofre quando Haydée comenta que ela e Glauco
nunca brigaram e se dá conta de que ele mentiu o tempo todo. Islene e Feitosa
pedem a ajuda de Gomes para encontrar Flor. Jatobá e Vera lembram de quando
começaram a namorar. Vera fica enternecida com as memórias. Helinho tenta
ligar para Vera, mas não consegue, pois Jatobá desliga o telefone. Alex garante a
Helinho que Sol vai topar o serviço que ele lhe ofereceu. Sol não decide se quer
ficar com Tião ou ir para os Estados Unidos. Tião comunica a Sol que eles vão se
casar. Flor anda pelas ruas sem rumo e com medo. As afilhadas contam para
Neuta que Sol e Tião vão se casar. Jatobá diz a Vera que sabe que ela está
interessada em alguém. Vera começa a falar animadamente de Helinho, para
decepção de Jatobá. O chapéu de Acácio cai sozinho de cima de um armário e
Tião acha que é um sinal. Jatobá diz a Vera que vai dar uma volta. Gomes, Feitosa
e Islene procuram por Flor junto com uma patrulha. Flor anda até a praia e fica
espantada ao sentir a areia pela primeira vez. Rosário vai até a fronteira de carona
e encontra Fátima. Consuelo sofre por não saber onde Rosário está. Inesita pensa
em usar uma saia curta como a que as meninas americanas usam. Dinho descobre
que Carreirinha vai fazer uma doma para Neuta e lhe oferece uma semana de
refeições grátis para ir ao lugar dele. Geninho volta para casa. Alex diz a Sol que
quer lhe fazer outra proposta. Jatobá dá um mergulho no mar. Deprimido e
frustrado, nem imaginava que sua vida estava prestes a ganhar um novo rumo. O
destino o aproximaria de alguém que muito precisaria dele. Naquele dia, e nos
outros que se seguiriam dali por diante. Na praia, o sol já despontava no
horizonte. O calor da manhã desperta nele uma vontade súbita de sentir a energia
do mar revigorar-se. Vira-se para Quartz, e diz: “amigão... vou dar um mergulho
135
nesse mar”. Tira a camisa e parte para água, decidido. Depois de algumas
braçadas, ouve ao longe um grito de desespero, um pedido de socorro de alguém
que parecia se afogar. Quem seria? Uma criança? De onde viriam os gritos...
“Mamãe... mamãe...”. Não pensa. Nada apenas, guiado pelo grito, aquela voz
fraca. Naquela hora, os dois, Jatobá e Flor, pareciam os únicos seres na imensidão
do mar. A água do mar leva Flor, que grita. Jatobá ouve e vai na direção do som.
Alex pergunta a Sol se ela quer pagar metade do que pagou pela outra travessia e
diz que ela não precisa fazer o serviço.
14/04/2005
Sol fica sem saber o que fazer. Islene não encontra Flor e se
desespera. Vera fica preocupada ao perceber que Jatobá não passou a noite em
casa. Radar conta para Vera que Jatobá está gostando dela e ela se dá conta de que
o decepcionou. Raíssa acusa Manu de ter ficado com Murilinho assim que ela deu
as costas. Manu diz a Raíssa que foi ela quem roubou Murilinho primeiro. Islene
dá queixa do desaparecimento de Flor, mas descobre que precisa esperar passar 48
horas. Jatobá salva Flor, que diz a ele que não enxerga. Tião fala para Geninho
que vai se casar. Nick pergunta a Sol se ela vai para os Estados Unidos. Sol diz a
Nick que recebeu uma proposta e que resolveu não aceitar, pois teria que ser
desonesta. Nick sugere a Sol que ela case com ele e vá para os Estados Unidos.
Neuta avisa a Júnior que já mandou que domassem seu cavalo, deixando-o
nervoso. Graça e Creusa chegam em Boiadeiros. As afilhadas de Neuta estranham
o jeito recatado de Graça. Gomes conta para Islene que Flor foi encontrada e que
está bem. Jatobá explica para Flor que ela pode fazer muita coisa sozinha apesar
de ser cega, deixando-a pasma. Vera confessa para Helô que tem medo de voltar a
se envolver com Jatobá. Haydée fala para Glauco que Nina lhe contou que tem um
caso com um homem casado, deixando-o incomodado. Alex liga para Sol e
pergunta se ela vai aceitar a proposta. Sol desliga o telefone. Dinho vai até a casa
de Neuta domar o cavalo de Júnior. Detinha fica animada ao ver Dinho, mas ele
diz que só vai fazer a doma quando Neuta estiver lá. Ellis percebe que Sol não
parece muito animada com o casamento. Sol confessa que tudo aquilo está
acontecendo rápido demais. Carreirinha conta para Tião que viu Sol e Nick
conversando. Miss Jane diz a May que seu sobrinho Nick vai voltar aos Estados
136
Unidos em breve. Consuelo percebe que Neto está saindo bastante agora que Helô
está viajando. Gil manda Déia perguntar se Tião vai ou não pagar pelo seu
enxoval. Tião pergunta a Sol se ela estava conversando com Nick e ela
confirma. Tião a esbofeteia.
15/04/2005
Tião se dá conta de que o tapa que deu em Sol foi uma visão. Ele se
encontra com ela de verdade, como antevira, e pergunta se ela esteve com Nick.
Sol confirma. Tião pergunta o que ela pensa que está fazendo. Sol fica furiosa.
Tião pede perdão a Sol e diz que ficou nervoso, pois teve um pressentimento de
que ela iria deixá-lo. Sol fica impressionada e se agarra a Tião. Júnior transforma
uma toalha de mesa num vestido de noiva para Sol, deixando pasmas as afilhadas
de Neuta. Sol garante a Tião que jamais vai amar alguém como o ama, mas fica
desanimada ao imaginar que vai ficar em casa cuidando dos filhos, enquanto ele
vai para os rodeios. Rosário diz a Fátima que vai engolir a droga para atravessar
de graça. Irene conta para Kerry que Pimenta vai passar algum tempo na casa
deles. Neuta pergunta a Sol se ela tem certeza de que quer se casar com Tião e se
mudar para Boiadeiros, deixando-a em dúvida. Sol reza para a Virgem de
Guadalupe para saber se está fazendo a coisa certa. Fátima liga para Consuelo e
avisa que Rosário está com ela, pedindo que alguém venha buscá-la. Consuelo
fica radiante por ter encontrado Rosário. Geninho pede a Maria José que venda as
terras da família e pague seus estudos. Maria José fica perturbada. Gomes sente a
falta de Graça, mas não quer dar o braço a torcer. Maria José diz a Déia que eles
não vão pagar nada para Gil. Gil descobre que Tião vai se casar com Sol e fica
arrasada. Mariano fica furioso ao saber que Sol vai se casar longe dele e de
Odaléia. Mari conta para Sol que sua família está fazendo economia para pagar o
dinheiro de Neuta. Raíssa avisa Glauco que Lurdinha vai viajar com eles para a
fazenda de Irene. Glauco fica perturbado. Jatobá conta para Stallone que vai
esperar que Vera se desiluda com Helinho para conquistá-la. Flor diz a Islene que
Jatobá falou que ela pode sair sozinha se quiser. Islene não gosta. Jatobá visita
Flor e Islene fica pasma ao ver que ele é cego. Sol se veste de noiva. Tião a vê.
137
16/04/2005
Tião diz a Sol que ela está linda. Sol coloca o globinho de Nova York
dentro de seu buquê e vai para a igreja. Neuta fala para Graça que acha Creusa
recatada demais e por isso desconfia dela. Déia diz a Gil que Maria José se recusa
a lhe dar dinheiro pelo vestido que ela comprou para se casar. Gil fica furiosa e
presta queixa na delegacia. Neuta dá uma bronca em Dinho por ele não ter
domado seu cavalo, deixando-o arrasado. Ariovaldo se espanta ao ver Creusa em
Boiadeiros. Tião leva Sol até a porta da igreja. Sol não tem coragem de entrar,
larga o buquê e sai correndo com a bolinha na mão. Jatobá diz a Islene que foi ele
quem salvou Flor, deixando-a pasma. Islene não gosta de ver Quartz em sua casa
e se irrita com Jatobá. Jatobá e Islene vão viver momentos de tensão nos próximos
capítulos de América. Que ele foi um herói no episódio em que salvou Flor da
morte por afogamento, ninguém duvida. Muito menos a loura. Ela admite ser
eternamente grata àquele sujeito a quem deve a vida da pessoinha que mais preza
nesse mundo, sua única filha. Não se trata de ingratidão. Mas o que vai incomodar
Islene é o fato de descobrir que, desde aquele episódio fatídico, a menina anda
cheia de novas e mirabolantes idéias - idéias bastante absurdas no seu modo
simplório de pensar. Quem mandou esse tal de Jatobá dizer para pequenina que
ela poderia sair andando sozinha por aí, que podia estudar fazer uma porção de
coisas que ela sempre jurou que a filha não poderia? Quem é ele para tal ousadia?
Só poderia estar brincando aquele “sujeitinho safado! Botar umas besteiras dessas
na cabeça da menina?”. Vera garante a Helô que não quer ficar com Jatobá, pois
não confia nele. Helô aconselha Vera a investir em Helinho. Glauco leva Lurdinha
em casa para pegar roupas para a viagem e dá de cara com Nina. Nina fica
arrasada. Radar diz a Lurdinha que Vera não vai gostar de ela ter viajado sem
avisá-la, mas ela não quer nem saber. Tião corre atrás de Sol. Sol garante a Tião
que o ama, mas explica que não pode desistir de seu sonho por causa dele, pois
precisa ajudar sua família. Tião manda Sol desaparecer de sua vida. O delegado
explica a Gil que ela precisa procurar um advogado para cobrar a dívida de Tião.
Gil cobra a dívida pessoalmente, na igreja. Mariano se lembra com carinho de
quando conheceu Odaléia. Odaléia não consegue ser tão carinhosa quanto
Mariano. Inesita diz a Consuelo que não quer mais que Mercedes vá lhe buscar na
escola, mas Consuelo não deixa. Jatobá leva um livro em braile para Flor e
138
promete que vai visitá-la mais vezes. Islene não gosta. Islene já tem praticamente
uma opinião formada sobre Jatobá antes mesmo de saber que ele era cego.
Quando descobre, toma um susto indescritível. Feitosa se antecipa: “como é
possível... se o senhor não enxerga?“. Naquela sua vibração peculiar, Jatobá
explica o óbvio que nem Islene nem Feitosa querem ver: – “não enxergo, mas
escuto”. Ele traz de presente um livro em Braille como forma de selar o início de
uma bela e promissora amizade. Mas Islene não está bem certa disso. Não quer
Jatobá se envolvendo com a menina, dizendo para ela pode daí pra frente fazer e
acontecer. Tem medo de que o pior aconteça, que ela se perca novamente e não
tenham a mesma sorte desta vez.Só que agora vai ser difícil tirar essa idéia da
cabeça da pequena Flor. Um novo mundo se abriu para ela, um mundo de
possibilidades ilimitadas que ela vai insistir em conhecer. Mas pelo jeito vai ter de
esperar. Da próxima vez que Jatobá aparecer por lá, Islene vai lhe fazer a desfeita
de não abrir a porta.Quando será que nosso herói vai ensinar Islene a enxergar
também? Laerte descobre que Geninho quer vender as terras da família. Todos na
igreja se perguntam onde estarão Tião e Sol. Ariovaldo se esconde de Graça e
Creusa. Gil diz a Tião que quer acertar contas com ele. Sol liga para Alex e diz
que vai para os Estados Unidos.
139
Anexo III Ficha técnica da telenovela “América”
Escrita por Glória Perez
Direção Geral Marcos Schechtman
Direção Marcelo Travesso , Teresa Lampreia , Federico Bonani , Carlo Milani
Pesquisa de Texto Bianca Freire Medeiros , Giovana Manfredi
Cenografia Mario Monteiro , Érika Lovisi , Gilson Santos , Juliana Carneiro , Mônica Aurenção
Cenógrafos Assistentes Ana Paula Lopes , Felipe Serran , Eduardo Pimentel , Diana Domingues , Liane Uderman , Liana Slipoi , Márcia Inoue , Vania Bastos , Claudiney Barino , Celina Bertin , Elisa Araujo , Márcia Bezerra , Adriana Guimarães , Danielle Faria , Patrícia Paranhos
Figurino Marília Carneiro , Maíza Jacobina
Assistentes de Figurino Claúdia Damasceno , Nailze de Sá Marques , Cristiane Rose , Luciana Cordeiro , Antônio Araújo
Equipe de Apoio ao Figurino
Maria Lucia Leite , Marinice Nascimento , Neide Aparecida de Souza , Romilda Messias , Antonio Carlos Ramos de Souza , Marcio Avelino
, Ricardo Ferreira , Ricardo Lago , Toni Lemos , Vania de Lima , Severina da Silva Viana , Aparecida F. Matheus , Rejane Rodrigues
Direção de Fotografia Adriano C. Valentim
Direção de Iluminação Carlos Ribeiro , Roberto Soares do Nascimento , José Luis Fernandes de Souza
Equipe de Iluminação Carlos Eduardo Gomes , Marco Antonio Costa Reis , Elisiário Puríssimo , Jean Carlos , Carlos Roberto de Oliveira , Wander Pereira
Rocha , Marcio Gonçalves , Antonio Carlos Pimentel , Alex Sandro Vallentim
Produção de Arte Tiza de Oliveira , Marco Cortez
Produção de Arte Assistente
Denise Bentes , Fernanda Bedran , Márcia Niederauer , Myrian Mendes , Nininha Médicis
Equipe de Apoio à Arte Adenilson Ligiero , Gerson Peixoto , Hélio Guarilha , Ilbernon Jorge , José Carlos da Rocha , Mauricio Moreira , Roberto Malvino
Produção de Elenco Frida Richter
Instrutores de Dramaturgia Rossella Terranova , Paloma Riani
Produção Musical Marcus Viana
Direção Musical Mariozinho Rocha
Caracterização Marlene Moura
Equipe de Apoio à Caracterização
Rubens Libório , Ancelmo Saffi , Jorge Henrique Monteiro , Mirian Beltrão , Núbia Maisa Silva , Ricardo Sartorio , J. Alves Guedes , Aloir
Thomaz , Maria Lurdes dos Santos , Dirlene Thomaz , Márcia Viera , Lílian Gomes do Amaral
Edição José Carlos Monteiro , Ubiraci de Motta , Alberto Gouvea , Manoel Jorge
140
Anexo IV
Referências fotográficas:
• Fotos que iniciam cada capítulo, bem como as que ilustram o final do trabalho e a
poesia de Mário Quintana, foram retiradas do site: www.fotosearch.com.br
• Fotos do capítulo Revisitar as páginas da História, retiradas do livro:
PESSOTI, Isaias. Deficiência Mental: da superstição a ciência. São Paulo: T.A.
Queiroz, 1984.