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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DANDO ASAS À IMAGINAÇÃO: A LITERATURA
INFANTIL NA SALA DE AULA
Por: Patricia Valiante da Silva
Orientadora
Professora Mary Sue Pereira
Rio de Janeiro
2004
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DANDO ASAS À IMAGINAÇÃO: A LITERATURA
INFANTIL NA SALA DE AULA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato
Sensu” em Psicopedagogia.
Por: Patricia Valiante da Silva
3
AGRADECIMENTOS
À minha família, ao corpo docente
de psicopedagogia do projeto “A
Vez do Mestre”, e às amigas Marta,
Andréia e Cíntia.
4
DEDICATÓRIA
Dedico ao meu filho que é a luz da
minha vida, à minha mãe por todo o
apoio e carinho e ao meu esposo pela
paciência e dedicação.
5
RESUMO
Este trabalho monográfico pretende ser objeto de reflexão dos
educadores sobre a importância da literatura infantil como meio estimulador
no processo de aprendizagem da leitura e escrita, relacionando a escola, a
vida, cultura e a arte literária.
No primeiro capítulo, “O mundo da Literatura e o imaginário infantil”,
busca-se uma relação entre a Literatura Infantil e o imaginário da criança,
através da viagem da leitura ao mundo encantado dos livros infantis, nas
aventuras de Monteiro Lobato, nos contos de fadas e na poesia.
No segundo capítulo, “A Literatura Infantil na escola: um espaço
cultural e de construção de leitores-autores”, há o encontro da escola com a
linguagem escrita, a cultura e a literatura na formação de leitores e escritores
críticos, reflexivos e criativos.
No terceiro capítulo, “Caminhos interativos da prática literária no
processo de aprendizagem”, analisa-se estratégias criativas e interativas do
ato de ler e escrever no cotidiano de sala de aula, tornando vivo, poético,
crítico e artístico o processo de aprendizagem. Há reflexões no trabalho com
o livro infantil em sua integração com as diversas linguagens.
Espera-se contribuir para a análise da importância da literatura infantil
na formação de leitores e construtores de textos na escola.
6
METODOLOGIA
Este trabalho monográfico foi realizado através de vasta pesquisa
bibliográfica, com autores consagrados de nossa literatura infantil e de
teóricos importantes no campo da Pedagogia, Psicologia e Letras.
Através de questionamentos e reflexões da própria prática
pedagógica da autora, professora de alfabetização do Município do Rio de
Janeiro, buscou-se uma análise da importância da literatura infantil como
meio estimulador no processo de aprendizagem, que foi fundamentada pelo
estudo de livros literários e pedagógicos significativos.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I – O MUNDO DA LITERATURA E O
IMAGINÁRIO INFANTIL 12
CAPÍTULO II – A LITERATURA INFANTIL NA ESCOLA:
UM ESPAÇO CULTURAL E DE CONSTRUÇÃO DE
LEITORES – AUTORES 25
CAPÍTULO III – CAMINHOS INTERATIVOS DA
PRÁTICA LITERÁRIA NO PROCESSO
DE APRENDIZAGEM 33
CONCLUSÃO 38
BIBLIOGRAFIA 41
ÍNDICE 44
8
INTRODUÇÃO
Atualmente, no Brasil, a escola vem vivenciando um intenso
movimento de discussão sobre as bases teóricas e metodológicas que
organizam seu funcionamento e o cotidiano político-pedagógico. Novas
questões se impõem pelas fortes mudanças sociais, pelo avanço do
conhecimento nas diversas áreas do saber, o uso de novas tecnologias e
pelas tensões e contradições vividas decorrentes do processo sócio-histórico
e cultural.
Dentro desse quadro, busca-se destacar a questão da aprendizagem
da leitura e escrita, no ensino básico, como área de profunda revisão
conceitual. Alguns fatores são determinantes para novas reflexões da prática
pedagógica, como: os elevados e históricos índices de analfabetismo, a
qualidade precária da alfabetização, o alto nível de repetência, a
constatação da dificuldade demonstrada pelos alunos no exercício da leitura,
escrita e análise dos textos, além da carência de um posicionamento crítico
do aluno diante do livro, do ato de ler e escrever e da própria vida.
Os encaminhamentos tradicionais em nossas escolas apontam o
caráter mecânico do ensino da leitura e da escrita, e revelam falhas no
processo de formação do cidadão enquanto leitor do mundo, do livro e de si
mesmo.
Partindo do pressuposto de que a leitura é um processo de percepção
da realidade envolvendo uma visão de mundo do leitor, pretende-se refletir
sobre a prática literária na alfabetização e no ensino básico. Destaca-se,
assim, a importância da literatura infantil tanto para a leitura quanto para o
desenvolvimento do leitor em potencial.Para isso, é necessário reavaliar a
trajetória do ensino de leitura e escrita e, fundamentalmente, da leitura
literária, revendo as orientações práticas e teóricas capazes de levar o aluno
9ao prazer de ver e descobrir o mundo através da leitura, e de ampliar
significados e sua expressão crítica pela palavra.
É imprescindível enxergar a alfabetização como uma aprendizagem
significativa que se constitui na apropriação do saber como um bem cultural,
que alarga o campo de conhecimentos e a própria participação social do
aluno. Mas, como atrair e seduzir a criança para em sala de aula participar
ativamente do ato de ler e escrever num mundo cheio de linguagens e
imagens atrativas? Surge, então, a literatura infantil como chave mágica a
abrir portas e mais portas para o “deslumbramento” da leitura e escrita, para
um mundo de encantamento, descobertas, emoções, do lúdico e da
imaginação presentes na viagem literária.
Nesta aventura do conhecimento e do ato de ler e escrever como
prática da criação, de construção do saber e de transformação, justifica-se a
análise da literatura infantil como meio enriquecedor e estimulador do
processo de ensino-aprendizagem. É a união da magia, do desvelamento do
mundo da leitura, e da criação de idéias na formação do aluno leitor e
cidadão. Como é desejo comprovar esta enorme importância dos livros
infantis, que tal já nos influenciarmos pela leitura poética de Lygia Bojunga
Nunes sobre o mundo mágico e desvelador do livro, no texto, “LIVRO: a
troca”, transcrito abaixo:
“Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena
os livros me deram casa e comida.
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo;
em pé, fazia parede; deitado,fazia degrau de escada;
inclinado, encostava num outro e fazia telhado.
E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá
dentro pra brincar de morar em livro.
De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto
olhar pras paredes).Primeiro, olhando desenhos depois,
decifrando palavras.
10Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto
mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando
de consertar o telhado ou de construir novas casas.
Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava
a minha imaginação.
Todo o dia a minha imaginação comia e comia;
e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar
no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu,
era só escolher e pronto, o livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca
tão gostosa que – no meu jeito de ver as coisas –
é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no
livro, mais ele me dava.
Mas como a gente tem mania de sempre querer mais,
eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar
tijolo pra – em algum lugar – uma criança juntar com
outros, e levantar a casa onde ela vai morar.” (NUNES,
Lygia B., 1990)
É necessário inserir a criança, desde pequena, no mundo da leitura,
oferecendo caminhos, através da literatura, para que ela possa construir
uma ligação íntima com o livro, desenvolvendo integralmente a sua
criatividade, imaginação, poder criativo e crítico.
11
CAPÍTULO I
O MUNDO DA LITERATURA E O IMAGINÁRIO
INFANTIL
12Ler é uma grande viagem. Uma aventura de sonhos, magia e fantasia
capaz de nos levar a diferentes caminhos de nossa imaginação e
pensamentos. Através da leitura incorporamos diversas sensações, desejos
e anseios, nos transportamos para lugares distantes e vivenciamos várias
realidades, sendo ora reis e rainhas ora plebeus, ora monstros ora heróis.
Quem não se lembra que, ao ler, conseguiu voar até lugares incríveis como
a Terra do Nunca, lutar com o capitão Gancho e sonhar ser sempre criança
como Peter Pan? Ou aventurou-se com a turma do Sítio do Pica-pau
Amarelo?
A leitura é um processo de percepção da realidade que envolve a
visão de mundo do leitor, perpassa pelo imaginário e conduz ao caminho da
criação e da fantasia.
A plenitude da leitura realiza-se quando o leitor mergulha no mar de
imaginação do criador e, através de sua própria fantasia, criatividade e de
experiência, dá novo sentido e uma nova interpretação ao texto. Como nos
diz Fátima Miguez:
“... ler é uma forma de se ver o mundo, mas essa
leitura ultrapassa os limites da visão física para se
inscrever na ótica da fantasia. Com a lente da
imaginação, o leitor viaja pelo mundo da leitura com
direito a leitura do mundo.” (MIGUEZ, 2000, p.18)
A fase da infância é marcada pela explosão da sensibilidade, de
curiosidades, brincadeiras e descobertas, o que torna a criança um leitor em
potencial, com uma enorme capacidade de ver, ouvir e sentir a leitura
recriando-a através de suas percepções.
O próprio universo infantil permite a fruição natural da prática mítica
da leitura. Desde a contação de histórias e à exploração inicial do livro sem a
decodificação da palavra escrita, a criança já lê o texto literário através de
13suas percepções sensoriais, faz associações e experimenta, através de
todos os sentidos, a subjetividade do ato de ler e a força da imaginação.
Esse primeiro contato prazeroso, místico e fantástico da criança com
o livro, torna-se um impulso para a aprendizagem da leitura e escrita. A
criança deseja “enxergar” as histórias que o livro conta, tendo uma relação
intimista e de envolvimento, associando cada palavra decifrada ao mundo
que a rodeia, no qual já está inserida enquanto ser criativo. Assim, aprender
a ler é aprender a ver, é ampliar a sua visão de mundo e seu conhecimento
cultural. E o ato de escrever é expor seus sentimentos, suas percepções,
sua imaginação, enfim, a sua própria leitura da vida.
1.1 – Literatura e Infância: Um breve histórico
Historicamente, as diversas concepções da infância revelam
diferenças ligadas às condições sociais, culturais em diferentes momentos
históricos. Cada época revela ideais e expectativas em relação às crianças e
sua formação, moldando maneiras de ser e agir ligadas a um contexto social
mais amplo, repercutindo também na questão da cultura e literatura infantil.
Durante anos, a criança não era reconhecida em suas
especificidades, era considerada um adulto em miniatura, cabendo à
educação transformar esses seres “imperfeitos” em homens dotados de
razão.
Aos poucos, foi surgindo uma preocupação com a análise do
desenvolvimento desta fase específica da vida. Mas, ainda notava-se
perspectivas de acelerar esse processo de “ignorância”, do “não saber” da
criança, considerada ainda como um ser desprotegido e ingênuo.
Inúmeros estudos foram realizados nas diferentes áreas de
investigação científica sobre o desenvolvimento infantil, mas ainda em nossa
visão ocidental atual, partimos de uma questão racional e de imposição da
14visão do adulto como hierarquicamente superior à visão da criança, como
exemplifica Solange Souza:
“Muito mais do que compreender e explicar o
desenvolvimento humano, o que se evidencia é
racionalização da infância legitimada pelo
conhecimento científico. O que poderia ser
compreendido como uma construção do sujeito,
mediada por sua inserção histórico-cultural, adultera-
se num processo de ”assujeitamento” da criança a um
modelo de desenvolvimento cientificista
universalizante e a–histórico.” (SOUZA, Solange
Jobim, 2001, p.32)
A criança reconstrói o mundo baseado em seu olhar de pureza
infantil, compreendendo a realidade segundo suas vivências, sua
espontaneidade e suas emoções. Ela dá diversas significações e uso às
coisas do mundo, além de, na sua simplicidade e sutil percepção, apontar
verdades que muitos adultos já não conseguem ver e ouvir.
Neste contexto, surge a literatura infantil como uma ferramenta de
suma importância na esfera do artístico, do estético e de uma linguagem
libertadora e simbólica.
Em sua origem, vê-se uma tendência exclusivamente pedagógica da
literatura para criança, onde há comprometido a autonomia de uma
linguagem expressiva, crítica e criativa, e todo o seu simbolismo, sua
dimensão estética, fantástica e prazerosa. Logo, a motivação inicial da
literatura destinada às crianças, foi a construção de temas instrutivos e
moralizantes, com a preocupação maior de mostrar conteúdos morais.
Ainda hoje, esta tendência se repete com algumas marcas de
linguagem artificialista, o uso de uma estrutura morfo-sintática reduzida
15como modelo estereotipado da expressão verbal da criança, uso de lições
moralizantes e esquemas narrativos simples para “facilitar” a leitura da
criança. Na verdade, percebe-se nessas atitudes uma tentativa de controle e
menosprezo do próprio entendimento e capacidade de imaginação e
interação da criança com a arte literária. Logo, segundo Márcia Cabral:
“A literatura se constitui não somente no nível de sua
produção, mas também no espaço interativo com o
leitor . . . a literatura tem a possibilidade de confirmar
no homem a sua condição de humano e existirá
enquanto existirem leitores que a vivam, decifrem,
aceitem, transformem. O livro só se torna legítimo
quando é possível com ele interagir, recriando-o,
suplementando-o como leitor com a sua própria visão
de mundo. Do contrário, é texto sem leitor, página em
branco.” (CABRAL, Márcia, 2001, p.154)
No Brasil, o surgimento da literatura para criança deu-se entre o final
do século XIX e início do século XX. Eram traduções ou adaptações de
contos e fábulas da Europa, e alguma produção nacional com intuito
instrutivo e moralizante. Havia a prevalência dessa intenção utilitária sobre a
estética, onde o esquema de ordem, desordem e calma e a associação entre
mau e o bom, feio e belo, garantiriam o controle da interpretação da criança
leitora e das suas concepções de mundo.
Nas décadas de 20 e 30, houve um marco na literatura infantil no
Brasil com as criações de Monteiro Lobato. Com ele, instaurou-se a busca
de uma linguagem simbólica e estética, com temáticas de âmbito culturais e
sociais, que imprimem sonhos, aventuras e emoções ao leitor – criança.
Abre-se espaço para uma nova visão da infância como uma fase de
importantes descobertas e de sensações, onde a criança é vista como ser
ativo, questionador, observador, que cria e interfere no mundo. Assim, a
16literatura infantil brasileira afirma-se como uma arte literária, com inúmeros
escritores brasileiros consagrados, que tratam com respeito à cultura infantil,
como Cecília Meirelles, Ziraldo, Lygia Bojunga Nunes, Ana Maria Machado,
entre outros.
É nesse novo contexto que se definem diferentes modos de relação
da criança com o livro, devendo-se analisar quais mediadores serão
necessários para que esta relação seja feliz e duradoura, tornando a criança
realmente um leitor apaixonado e crítico. Assim, segundo Cabral:
“O modo que cada leitor encontra esse processo varia
de pessoa para pessoa e se relaciona, estreitamente,
com o meio sociocultural em que está inserido. A
relação com o ato da leitura nem sempre é prazerosa,
pois depende, substancialmente, de mediadores
sensíveis e atentos à singularidade de cada indivíduo
e, obviamente, a suas diferenças. Quanto mais a
criança tem acesso a textos universais, a leituras
espessas, contextualizadas, mais exigente e curiosa
será a sua perspectiva de leitura.” (CABRAL, Márcia,
2001, p.168)
1.2 – O Mundo Encantado de Monteiro Lobato
No Sítio do Pica-Pau Amarelo, lugar mágico, inúmeras crianças já se
deliciaram com as aventuras da turma, alimentando a própria imaginação e
compartilhando com as personagens das mais diversas situações, numa
mistura da fantasia com a realidade e vida.
Monteiro Lobato conseguiu captar o universo infantil, valorizando o
ser poético da criança, de sua própria forma de ler e ver o mundo, num olhar
puro, cheio de imaginação e avidez para descobertas. Em suas histórias,
genuinamente de nossa cultura e folclore, reuniu o maravilhoso e o
17fantástico com o cotidiano real, numa linguagem humorada e dinâmica,
atingindo, assim, a alma e a percepção infantil. Por isso, suas histórias são
eternas, apaixonando cada vez mais os pequenos leitores, como nos afirma
Fanny Abramovich:
“E nesse sítio, aonde chegam almirantes ingleses,
anjinhos caídos do céu, Saci ou Peter Pan, a fantasia
e a realidade se misturam o tempo todo, na maior das
brincadeiras e gostosuras... A lógica que impera no
sítio não é a do adulto, mas lá o adulto entra no jogo
da criança e se discute a História do mundo, se vive a
mitologia grega se tenta uma reforma da natureza, se
recebe todas as personagens dos contos de fada...
Essa mistura fantástica, maravilhosa, de realidade e
fantasia, de brincadeira vivida e escutada, de bichos
que falam sabiamente, é mais do que surpreendente
ou humorada...” (ABRAMOVICH, Fanny. 1991, p.61)
No universo encantado de Lobato, vê-se que as próprias personagens
“vivem” a experiência da leitura, como contadores (Dona Benta), inventores
de histórias (Emília, Visconde) ou como ávidos e curiosos ouvintes e leitores
(Pedrinho, Narizinho). Há sempre uma relação de envolvimento e de prazer
com a leitura, que suscita idéias criativas, viagens e aventuras pelo mundo
da fantasia.
No livro “A Reforma da Natureza” ilustra-se essa importância dada à
construção lúdica e fantástica da relação leitor, livro e leitura. Lobato
apresenta uma personagem que configura a própria criança real – leitora da
sua obra – que irá participar com a Emília das aventuras para recriar tudo o
que não concordam na natureza, idealizando, pro exemplo, um “livro
comestível”. Cria-se um jogo simbólico da intrínseca relação do livro e leitor,
além da própria necessidade da criança de tornar-se leitora voraz, e do
18poder do livro de alimentá-la através das experiências fantásticas no mundo
da leitura, como nos diz Fátima Miguez:
“É pensando nesta criança – leitora – exigente que
Lobato sugere em sua obra várias situações de leitura,
popularizando ao máximo a relação LIVRO-LEITOR.
Este projeto de democratização da leitura sobressai
principalmente, através das idéias emilianas.”
(MIGUEZ, Fátima. 2000, p. 56)
Uma das personagens mais populares é a Emília, que representa a
inquietação, inventividade e as alegrias próprias da criança e, ao mesmo
tempo, a crítica, o idealismo e a ambivalência entre o bem e o mal,
presentes na constituição do ser humano. Assim, percebe-se quanto Lobato
permeou em suas histórias a própria dialética do ser e do mundo, e seus
ideais, que são colocados, principalmente, no discurso de Emília, através do
humor, da brejeirice e da imaginação.
A literatura de Lobato foi um marco inaugural para a literatura infantil
brasileira, pois em sua filosofia há o respeito pela criança e a valorização da
esperteza, inteligência e criatividade do pequeno leitor.
1.3 – A Poesia da Infância e a Literatura Poética
A criança aprende, desde as primeiras cantigas de ninar que ouve
quando nasce, o gosto pela poesia. A sonoridade das palavras, o ritmo
chega-lhe da melhor forma: no embalo de amor, num ato de carinho e de
aconchego.E, durante toda a sua infância, continua essa relação prazerosa
com a poesia contida nas cantigas folclóricas, presentes em suas
brincadeiras de roda. Esta linguagem poética e musical de nosso folclore
sempre agradou as crianças, perpetuando-se pela tradição oral e refletindo
um legado da produção poética do povo. Há uma grande identificação da
criança com os acalantos, parlendas, provérbios, adivinhas e cantigas de
19rodas, visto que são lúdicos, de encantação mágica e extremamente
musicais. Assim, a escola deve resgatar este material folclórico e levá-lo
para a sala de aula, pois “...o importante é que através desta poética
folclórica, registro do imaginário coletivo, criança e Poesia vão firmando
ligações de proximidade, de intimidade e de afetividade.” (MIGUEZ, Fátima,
2001, p.40).
O olhar, além do que pode ser visto, do que é subjetivo, é próprio do
poeta e de toda criança. Esse lado intuitivo, cheio de sensações, de
imaginação e de descoberta, está presente na infância e na alma daqueles
que nunca deixaram de ser crianças.
A poesia é brincar com palavras e colocar sentimentos, impressões,
idéias, cores e sonhos numa interação de alegria, vida e energia pela
linguagem. Assim, a poesia estimula um olhar de descoberta nas crianças
atuando sobre todos os seus sentidos e despertando emoções, conforme
nos revela Nelly Coelho:
“É essa a magia da palavra poética – multiplicação em
diferentes sentidos, dependendo do olhar e do espírito
de quem a lê. Mas não é só palavra. Poesia é também
imagem e som. As palavras são signos que
expressam emoções, sensações, idéias através de
imagens e sonoridade. É esse jogo de palavras, o
principal fator da atração que as crianças têm pela
poesia, que lhes provoque emoções, sensações,
impressões numa interação lúdica e gratificante.”
(COELHO, Nelly. 2000, p. 222).
Os poemas – ”Nas arte-manhas da poesia” de Fátima Miguez e
“Convite” de José Paulo Paes (Poemas para Brincar) – ilustram ricamente
essa relação tão forte da infância e da poesia, e do poeta com a criança:
20NAS ARTE-MANHAS DA POESIA
“Poeta e criança...
Poesia e Infância...
Criar, brincar, jogar...
Viver a fantasia...,
Experimentar o lúdico
Descobrir o mundo
Com os olhos da Poesia...
Mistérios, magia, adivinhação...
O estético e o lúdico
Na ciranda da invenção
O poeta mágico... a palavra mágica...
A criança mágica... o brinquedo mágico”(MIGUEZ,2000,p.33).
CONVITE
“Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
Só que
bola, papagaio, pião
de tanto brincar
se gastam.
As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.
Como a água do rio
que é água sempre nova.
21Como cada dia
que é sempre um novo dia.
vamos brincar de poesia?”(PAES, José Paulo. 1995, p.3)
Nas visões dos poetas citados, percebe-se que a palavra é a ponte
para o imaginário, onde germinam a criatividade, fantasia, a sabedoria e o
olhar lúdico que tanto revelam. Criança e poeta encontram-se numa íntima
ligação, tal como o brincar e o criar têm significações e levam ao exercício
lúdico e poético.
Em nossa literatura infantil contemporânea, inúmeros poetas revelam
essa expressão sensível, prazerosa, bela, que nos permite viajar e brincar
nesse jogo de sensações, tais como: Cecília Meirelles, José Paulo Paes,
Vinícius de Moraes, Roseana Murray... Tais poetas nos convidam a brincar
de poesia. Vamos aceitar ?
1.4 – Contos de Fadas, Infância e Atualidade
Os contos clássicos são criações populares, feitos por artistas do
povo, que se reuniam para ouvir e contar histórias. Durante séculos
sobreviveram e se espalharam graças à memória e habilidade narrativa de
gerações de contadores. Pelo seu alto nível de qualidade artística e pela sua
força cultural, percebe-se a sua universalidade e permanência até os dias de
hoje.
Essas histórias se espalhavam por todo o canto, e “como quem conta
um conto, aumenta um ponto”, em cada passagem, acrescentavam-se ou
suprimiam-se detalhes, surgindo assim inúmeras versões para as histórias.
Foi na França do século XVII, que este gênero se imortalizou quando
Charles Perrault recontou, em especial para crianças da corte real, e
publicou alguns desses contos, como Chapeuzinho Vermelho, A Bela
Adormecida, O Pequeno Polegar, Barba Azul, O Gato de Botas, Cinderela...
22 Mais tarde, com os irmãos Grimm, surgiu uma coletânea mais extensa
de histórias populares, com o objetivo de preservar um patrimônio literário
tradicional do povo, recontando-as com o máximo de fidelidade, próximo à
linguagem dos contadores populares. Entre os contos eternos publicados
estão: Branca de Neve, O Rei Sapo, Os Músicos de Bremen, João e Maria.
Décadas depois, na Dinamarca, Hans Christian Andersen, além de
recontar os contos tradicionais, também criou novas histórias infantis,
misturando uma visão poética com uma certa melancolia. Entre seus contos
famosos estão: O Patinho Feio, A Pequena Sereia, O
Soldadinho de Chumbo, O Pinheirinho. Ele é, por muitos, considerado o pai
da literatura infantil mundial, uma vez que suscitou a criação de inúmeras
obras, de diversos autores, especialmente para leitura infantil, sem intenção
didática, e, sim, impregnada de fascinação, imaginação e de tradições
culturais.
Esta literatura popular, advinda da própria tradição oral de gerações, é
o reflexo da cultura de um povo. Simbolicamente, refletiam os anseios de
ascensão social que caracterizavam a época e revelavam relações sociais e
a preocupação popular com as condições de vida, que são temas sempre
atuais. Também, demonstram até hoje uma linguagem simbólica dos
desejos, medos e anseios do ser humano, permitindo que as crianças, no
mundo da fantasia e do simbólico, possam elaborar suas ansiedades,
angústia e conflitos íntimos.
Muitos adultos ainda questionam a realidade fantástica dos contos de
fadas e acreditam ser um insulto histórias de reis, de mulheres à espera de
príncipes encantados, do lobo malvado que engole a vovó. E sugerem
versões “politicamente corretas” mais realistas, instrutivas e morais. Mas, na
verdade, essas versões simplistas interferem, desastrosamente, numa
narrativa literária cheia de significados, cultura, criatividade e simbolismos,
que é o conto de fadas. Assim, segundo Ana Maria Machado :
23“Os contos de fadas continuam sendo um manancial
inesgotável e fundamental de clássicos literários para
os jovens leitores. Não saíram de moda, não.
Continuam a ter muito o que dizer a cada geração,
porque falam de verdades profundas, inerentes ao ser
humano.” (MACHADO, Ana Maria, 2002, p.82)
24
CAPÍTULO I I
A LITERATURA INFANTIL NA ESCOLA: UM ESPAÇO
CULTURAL E DE CONSTRUÇÃO DE LEITORES –
AUTORES
25 O mundo da criança é uma constante aventura, um terreno fértil de
fantasia, emoção e criatividade. É necessário buscarmos revitalizar, na
escola, essa magia, garantindo que as crianças aprendam, construam e
descubram a paixão pela leitura, pelo conhecimento, pela sua produção,
criação e seus desdobramentos sócio-culturais.
A escola é o elemento básico da vida social e cultural, devendo
articular sempre a luta pela cidadania, a importância da pluralidade cultural e
do acesso ao acervo da cultura e do conhecimento da humanidade como
meio para criação, produção e transformação. Assim, a escola permitirá que
todos se apropriem dos conhecimentos científicos, artísticos e culturais e
aprendam a própria história, de maneira lúdica, construtiva e criativa, com o
uso dos livros, das diferentes linguagens, da literatura e da arte.
É importante que a escola exerça um papel de “ponte” para a
diversidade, a pluralidade cultural e a inclusão social. Assim, segundo Sônia
Kramer:
“... é crucial o papel da escola na formação cultural
não só de crianças, jovens e adultos que a
freqüentam, mas de todos nós que nela trabalhamos,
gerimos ou investigamos. Por que formação cultural?
Porque com a literatura, o teatro, o cinema, a poesia, a
música, as conquistas da mídia, da informática e
também com a escola, podemos nos constituir como
seres humanos críticos, imbuídos de uma ética e de
vontade de agir em prol da justiça, da solidariedade e
de um espírito de coletividade que teimamos ainda em
defender.” (KRAMER, Sônia, 2001, p.23)
Destaca-se a importância da literatura tanto para a conquista da
leitura, quanto para o desenvolvimento do leitor em potencial. E à escola
26compete uma reflexão sobre a prática literária na alfabetização e no ensino
básico.
Atualmente, ainda vemos nas escolas um encaminhamento tradicional
e automatizado no estudo da literatura e da formação do hábito e do prazer
da leitura. Uma situação ainda comum no cotidiano das escolas, é o ensino
puramente mecânico da aprendizagem da leitura escrita, com cobrança de
exercícios repetitivos, de “decoreba”, uso de cartilhas e textos sem sentidos
para a criança, longe de seus interesses e vivências, e na punição de erros.
Nem sempre a escola oferece possibilidades para realização de
propostas que pretendam desenvolver simplesmente o prazer de ler,
destituídas dos tradicionais métodos de leituras obrigatórias, cobranças e
avaliações. Em muitas salas de aula, as crianças lêem um livro apenas para
fazer provas de interpretação ou resumos, não existindo o respeito às
opiniões, sentimentos e significações que os alunos elaboram a partir de
suas leituras. Tal procedimento ao invés de despertar o interesse pela
literatura, transforma-a em uma tarefa maçante e repetitiva, sem sentido
para o aluno e para sua real aprendizagem.
Como a escola, muitas vezes, acaba sendo o único local de contato
da criança com o livro, é necessário que se estabeleça um maior
compromisso com a qualidade do livro e o aproveitamento da leitura como
fonte de prazer. Através do livro e de sua integração com a vida e emoções,
o professor deve priorizar a imaginação e criatividade de seus alunos, as
suas próprias vivências e histórias. Assim, possibilita a construção da leitura
e escrita, numa relação prazerosa, afetiva e dialógica, como ato coletivo e
cultural, ligado à própria experiência pessoal.
A sala de aula deve ser um local privilegiado de construção do saber,
da cultura e do encontro com as descobertas, a criação e imaginação e com
uma nova leitura de vida e mundo. E, também, um espaço de expressão
artística e literária, com inúmeros momentos de criação, recriação, alegria,
27brincadeiras e prazer. Tal importância exemplifica-se pela fala poética de
Fátima Miguez:
“Só libertando o imaginário da criança é que ela
conseguirá descobrir as várias possibilidades de
conhecer e interpretar a vida, as pessoas, o mundo...
A leitura enquanto ato individual, espontâneo e interior
não deve ser manipulada como dever de sala de aula,
pelo contrário, ela deve ser expressão de um
sentimento íntimo de prazer. É o prazer de ver, ler e
descobrir o mundo através da Literatura. Uma escola
assim, que adote uma prática literária democrática, é o
que se quer para todas as crianças.”
(MIGUEZ,Fátima,2000,p.31.)
2.1 – Relações entre linguagem, letramento e
literatura:
Desde que a criança nasce interage com o meio em que vive,
desenvolvendo várias formas de comportamento e estratégias para
compreender, agir e transformá-lo. Nessa interação ela se apropria da
prática cultural do grupo, situando-se histórica e socialmente.
Nas relações com o outro e com o mundo, as crianças tornam-se
sujeitos participativos da sociedade, e constroem um universo de sentidos,
internalizando conceitos e fazendo diferentes leituras dos espaços sociais e
culturais. Ou seja, conforme nos diz Freire (1992, p.11), “a leitura do mundo
precede a leitura da palavra”.
Cada criança traz para a sala de aula seus sentidos, sua
singularidade, com todas as diferenças sociais, culturais e étnicas. É preciso
28perceber a criança em sua plenitude, considerando seus modos de criar,
significar e dar sentido ao mundo que a cerca. Deve-se valorizar seus afetos,
desejos e emoções, entendendo-a como um ser que não só traz história,
mas como se faz na história.
Na escola e no meio social, através da interação entre sujeitos,
mediada pela linguagem expressiva, corporal, gestual ou a lingüística,
diferentes significações vão sendo construídas, partilhadas e modificadas.
Assim, segundo afirma Vygotsky, num primeiro momento, o conhecimento
se constrói de forma inter-subjetiva (entre pessoas) e, num segundo
momento, de forma intra-subjetiva (no interior do sujeito). E, a linguagem
age decisivamente na estrutura do pensamento, e é ferramenta básica para
construção de conhecimentos. Confirma-se na interpretação de Marta Kohl
de Oliveira a importância desta percepção do aprendizado e do
desenvolvimento como um processo sócio-histórico:
“Na concepção que Vygotsky tem do ser humano, a
inserção do indivíduo num determinado ambiente
cultural é parte essencial de sua própria constituição
enquanto pessoa... O aprendizado, nesta concepção,
é o processo fundamental para construção do ser
humano. O desenvolvimento da espécie humana e do
indivíduo está baseado no aprendizado que sempre
envolve a interferência, direta ou indireta, de outros
indivíduos e a reconstrução pessoal da experiência e
dos significados.” (OLIVEIRA, Marta Kohl, 1991, p.78-
79).
A sala de aula torna-se um espaço essencial para uma mediação da
criança com o conhecimento, que envolva a questão das interações,
relações sociais e de valores, guiando para a busca de uma cidadania plena.
29O professor deve propiciar situações que ajudem o aluno a planejar e
efetuar ações de forma a organizar seus conhecimentos, oferecendo
espaços para o uso da palavra, de idéias, opiniões e valores. É importante
dar “voz e vez” aos alunos, estabelecer uma relação dialógica, de trocas de
experiências e cultura, pois, daí, nascem conhecimentos e valores
significativos e duradouros.
Para Vygotsky a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os
grupos humanos, sendo a principal mediadora entre o sujeito e o objeto do
conhecimento. Em cada situação de interação, o sujeito está em um
momento de sua trajetória particular, trazendo consigo determinadas
possibilidades de interpretação que obtém do mundo exterior. Assim, na
escola, ao valorizar-se o aspecto sócio, histórico e cultural da linguagem na
aprendizagem da criança, estará sendo construído um espaço de inter-
subjetividade, de trocas entre os sujeitos, observando-se como são
intermediados pelo adulto as relações da criança com o mundo.
A escola precisa rever suas práticas pedagógicas, e a noção de
letramento ganha sentido ao dar uma nova dimensão à alfabetização, e ao
ensino da língua portuguesa de uma forma geral, relacionando o papel que a
linguagem escrita tem na sociedade. Assim, passa-se a pensar a escrita
como um sistema de representação da linguagem, construída
historicamente, como um bem cultural, político e social. Valoriza-se, em seu
aprendizado, os usos e funções que a escrita tem nos diferentes grupos
sociais e o alargamento dos horizontes culturais e de conhecimentos para
uma maior participação cidadã e interação da criança na sociedade.
A linguagem escrita é viva, é produto cultural, transforma-se em arte,
histórias, lendas, poesias, notícias, informações, mensagens. Enfim, é uma
forma não só de ampliar os conhecimentos, mas de criar novas maneiras de
ler e escrever a realidade. Logo, a escola deve preocupar-se em tornar o
processo de alfabetização e do ensino da língua, voltados às questões da
30própria vida e dinâmica social, formando leitores e escritores letrados,
conscientes e críticos.
Ter essa concepção histórica da linguagem e a noção do letramento
significa encaminhar uma prática pedagógica que priorize o pensar e
estabeleça relações significativas com o conhecimento. É nesse universo da
leitura de mundo, da relação intimista, prazerosa e reflexiva do ato de ler,
que deve ser inserida a arte da literatura infantil, objetivando a construção de
leitores e autores na escola.
O espaço de sala de aula deve ser um espaço de formação de
leitores. Um espaço de muitas leituras significativas: leituras de histórias de
vida, de mundo, recheadas de intenções, aventuras e particularidades.
Desde que nascemos somos leitores deste mundo, através de um
olhar sempre inquieto, sobre as coisas e pessoas do mundo. Uma leitura
que une e diversifica, pois cada um tem suas próprias visões e histórias
dentro da própria história da humanidade. Também, nossos alunos em sala
de aula são leitores do mundo e escritores da sua própria história,
produzindo e internalizando a cultura e conhecimentos nesta aventura.
A leitura, enquanto processo individual de percepção e reflexão, e
coletivo de produção da cultura, tem na literatura uma busca da liberdade,
do prazer e do artístico. Portanto, a leitura literária é fundamental, como nos
mostra Maria Lajolo:
“É à literatura, como linguagem e como instituição, que
se confiam os diferentes imaginários, as diferentes
sensibilidades, valores e comportamentos através dos
quais a sociedade expressa e discute, simbolicamente,
seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso a
literatura é importante no currículo escolar: o cidadão,
para exercer plenamente sua cidadania, precisa
31apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela,
tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca
vá escrever um livro:mas porque precisa ler muitos.”
(LAJOLO, Marisa, 1994, p.106).
32
CAPÍTULO I I I
CAMINHOS INTERATIVOS DA PRÁTICA
LITERÁRIA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
33 Em nossas escolas, muitos alunos não conseguem ter um
envolvimento mais íntimo com a leitura e a produção de textos. Muitos
professores mostram-se insatisfeitos com essa situação, mas precisam de
maiores subsídios para transformar suas práticas pedagógicas. Surge a
necessidade de discussão de determinados caminhos de práticas de leitura
que enfoquem experiências significativas de linguagem entre os sujeitos, em
função de seu contexto, de seus objetivos, interesses e expectativas.
É necessário um empenho na descoberta de novos rumos para a
prática literária nas escolas, esquecendo-se do trabalho mecânico,
controlador, punitivo e pouco frutífero do uso de textos literários, com fins
utilitários e didáticos.
É imprescindível que o professor seja um bom leitor, buscando a
variedade e qualidade textual de obras de literatura que, realmente, possam
envolver as crianças.
A descoberta e exploração individual ou coletiva com os textos
literários, além da experiência significativa da linguagem, seja de produção
de leitura, seja de produção de textos, pode-se constituir em um jogo
simbólico interessante, tanto para a criança como para o professor – leitores
em constante processo de construção.
No jogo de interlocução e de interação do livro/autor com a
criança/leitora é que vai sendo construída uma teia de significados entre o
texto e o conhecimento prévio de mundo da criança.
Em nossa época atual, vemos o quanto as produções culturais e seus
diversos canais de comunicação se inter-relacionam para “seduzir” as
crianças, seja pela TV, internet, desenhos, jogos, música, cinema, pintura.
Também, vê-se que a literatura dialoga com a pintura, com a música,
usando o recurso da intertextualidade como um meio de sedução da criança,
na medida em que há o diálogo com textos de diferentes estilos, épocas e
34espaços, assim como um jogo de apropriações, de códigos e produções
culturais e artísticas diversas. Assim, a leitura também fica interativa,
dinâmica, num jogo atraente onde o texto comunica-se com outros textos e
as diferentes linguagens (plásticas, musicais, teatrais...), sempre
contextualizadas.
A literatura, nesta interatividade textual, vai enriquecendo a recepção
do texto pelo leitor, para que este descubra seu próprio diálogo repleto de
sentidos, ludicidade e prazer.
Nesta tendência de unir o trabalho da literatura infantil com outras
manifestações artísticas, o processo de expressão escrita e a leitura ganham
uma dimensão universal e atemporal. Assim, o processo de formação do
leitor-autor, que o levará a atingir sua autonomia, implica na sua participação
ativa e significativa. Além de preconizar uma leitura interativa, releituras e
intertextualizações.
Há um valor inegável da vinculação da leitura e literatura às diferentes
linguagens artísticas, associando o trabalho com o livro, e de suas
interpretações, às imagens visuais, vivências corporais, trilhas sonoras e
outras formas de criar e sentir. As experiências de sair de um texto e ir para
a expressão plástica, a dramatização, a música, a modelagem, dentre outras
manifestações artísticas, são formas de interação, ampliação e re-
significação da leitura do texto. As crianças costumam adorar e envolvem-se
de “corpo e alma”, encontrando diferentes oportunidades de expressão que
levam ao desenvolvimento de todo o potencial criativo, desenvolvendo suas
múltiplas inteligências.
Nota-se que há uma ligação entre o ler, pensar, fazer, apreciar e
contextualizar. As crianças partem da leitura do livro, de uma linguagem
simbólica, cheia de significações, para uma expressão artística marcada
pela recriação, releitura e novas construções de sentidos do texto através de
produções criativas. Também, há o desenvolvimento da sensibilidade,
35criatividade, observação, percepção sensorial e da ampliação de
conhecimentos ligados aos movimentos artísticos e culturais
contemporâneos e da história da humanidade.
O educador ao olhar a leitura e a escrita também como uma arte,
como um aprendizado integrante do mundo artístico, permitirá um espaço de
realização de todo um potencial criador da criança e de seu encontro com o
outro, a cultura e o mundo.
A formação do leitor/autor na escola tem múltiplas facetas, além do
desenvolvimento das competências lingüísticas, há o prazer, o lúdico, a
imaginação e a arte. São inúmeras as possibilidades de procedimento de
incentivo a leitura de livros literários e a partilha dessas leituras realizadas no
ambiente escolar. Ao trazer a literatura para a sala de aula desperta-se o
desejo de ler.
Cabe ao professor possibilitar o acesso a uma gama ampla e variada
de livros literários, de modo que cada aluno tenha liberdade na exploração e
escolha, segundo seus interesses e curiosidades. Observa-se que é
fundamental que o critério da escolha dos livros siga a busca íntima, curiosa
e inquieta de cada leitor. Deve-se, assim, abandonar o critério único de
seleção do professor de um mesmo livro para a leitura de toda a turma,
reduzindo o uso de textos apenas para o estudo da gramática ou para uma
interpretação superficial e de resumos da história, através de fichas
padronizadas. Conforme nos orienta Abramovich:
“...por que não trabalhar com tudo o que uma história
(seja boa ou má, como qualidade, como idéia, como
proposta etc.) possibilita? Com as emoções que ela
provocou, com as sensações que mobilizou, com alívio
sentido, com a tristeza ou alegria que desencadeou,
com os horizontes que abriu ou com as portas que
36fechou? Por que tornar a leitura asséptica e
impessoal???” (ABRAMOVICH, Fanny, 1991, p.143)
O professor deve permitir que cada leitor, em contato emocional com
o livro, possa dar suas opiniões, expressar seus sentimentos, se gostou ou
detestou o texto. Assim, dá-se oportunidade da criança fazer apreciações
críticas e mostrar suas idéias e sensações. Também, a partir da leitura de
cada leitor, pode-se fazer uma análise e discussão em relação aos aspectos
do texto, o ritmo, as personagens e as emoções afloradas através delas, o
próprio desenvolvimento narrativo e percepções boas ou ruins sentidas.
Enfim, tudo o que foi percebido pelo leitor e merece ser discutido.
Antes mesmo de começar a ler o livro, a criança pode percebê-lo
como um mundo mágico que se identifica com o seu, através,também, da
exploração visual e estética do livro (formatos, tamanhos, títulos, cores e
imagens). É nessa busca por uma relação intrínseca com o livro que há
tanto o que perceber, o que comentar, olhar e opinar, para enfim despertar a
curiosidade do leitor.
Nesta relação inicial de intimidade com os livros, não podemos
esquecer da importância de se ouvir muitas histórias, num clima de encanto
e aconchego. A arte da contação de histórias é imprescindível para aguçar o
envolvimento e o interesse da criança pela leitura. Uma boa história, através
do relato mágico de uma narrativa (prosa, poesia, contos de fadas e
folclóricos), quer seja só contada ou cantada, ilustrada e gesticulada,
alimenta a curiosidade da criança. Permite que ela dê asas à sua
imaginação, viajando nas aventuras narradas, ao início do “Era uma vez”.
A biblioteca também tem um papel fundamental. Pode-se não só
sempre levar o aluno à biblioteca de sua escola, como ir a biblioteca pública
de seu município, promovendo a aproximação entre alunos, livros e cultura.
Deve-se também, organizar na própria sala de aula uma biblioteca, tornando
diário o convívio do aluno com os livros, promovendo sempre leituras,
37exploração individuais e coletivas, com comentários, avaliações, discussões
e diversas manifestações de interpretação do livro.
Vários exemplos de atividades podem ser sugeridos, mas o professor
deve através de sua sensibilidade, do seu diálogo com os alunos, com as
leituras intimistas e contextualizadas, perceber que não há atividades
“mágicas” para o despertar da leitura. E, sim, práticas significantes, de
construção diária da busca do conhecimento, da linguagem e da literatura
como fonte de prazer e de liberdade de expressão. Como nos diz Lajolo:
“É nesse diálogo que as atividades de leitura adquirem
sentido e podem, agora sim, tornar-se práticas
significantes. Libertado da imposição delas, o
professor pode, voluntariamente, retornar a elas e para
– senhor de sua disciplina e de seu curso – selecionar
aquelas em que mais acredita, descartar outras nas
quais não aposta, reformular todas, balizando-as pelo
que conhece de seus alunos e da leitura deles, pelo
que conhece da língua, linguagem e de literatura, pelo
que entende por ensino, por leitura e por escrita...”
(LAJOLO, Marisa, 1994, p.73).
38
CONCLUSÃO
A escola é um espaço privilegiado na história e na vida da criança,
constituindo-a num ser reflexivo, crítico e criativo, que interage e transforma
o meio em que vive. É nesse contexto de construção de conhecimentos,
conceitos e valores que, dentro da escola, os conflitos e as diferenças
individuais, sociais e culturais revelam-se numa interação dinâmica. Assim,
novas formas de ver, sentir, expressar, entender, ler e representar o mundo
vão se desenvolvendo, através de palavras, leituras, imagens,
interpretações, gestos, sons, atos e posicionamentos diante da realidade.
A aprendizagem da leitura e da escrita e, especificamente, na
formação do leitor-autor, em nossas escolas, ainda é muito instrumental,
levando a uma certa “ojeriza” do ato de ler e escrever.Logo, vê-se a
importância de buscar uma aprendizagem significativa, lúdica, criadora, onde
a cultura, a linguagem e a relação dialógica em sala de aula perpassem,
segundo Paulo Freire, pela ”leitura da palavramundo“.
A leitura é a possibilidade que cada um tem de dotar de sentidos e de
significados textos escritos , como também, desenhos, expressões,
comportamentos e a própria vida. Assim, a escola não pode minimizar o
conceito de leitura, e, sim, contribuir para que cada um amplie sua
capacidade de produzir, ler, interpretar, sonhar e imaginar, fazendo uso da
linguagem em sua plenitude e riqueza.
Ler e escrever não resultam de um treinamento de habilidades
mecânicas, mas de um processo conceitual, de valorização das diferentes
experiências de leituras, da pluralidade cultural e social e da interação entre
as diversas linguagens. Assim, amplia-se a visão de mundo e a
interpretação autônoma, criadora e poética de todos que participam desse
39aprendizado. Daí, a relação intrínseca e fundamental do uso da literatura
infantil no processo de ensino-aprendizagem.
Para se formar leitores e produtores de textos competentes não basta
colocar a criança em contato com os materiais escritos. É preciso que o
professor selecione textos de qualidade e provoque interações entre os
alunos e destes com os textos, permitindo uma análise e um envolvimento
intimista e reflexivo para que todos avancem em seus conhecimentos e
descobertas, e desenvolvam o prazer de ler. Assim, o contato com bons
livros de literatura, sejam de encantamento, poesias ou prosas, precisam ser
estimulados.
A literatura infantil é uma produção artística e cultural, que estimula a
imaginação, a curiosidade, o interesse e as emoções da criança,
contribuindo para que ela entenda o mundo, o poder da palavra e cresça
como produtora de cultura. Essas relações mágicas da leitura com a vida, da
experiência de ler, sentir e ver, da palavra repleta de significados do mundo
são ricas.E ilustram-se bem em trechos da narrativa de Ruth Rocha, no livro
“O menino que aprendeu a ver”, e, no livro de Cineas Santos - “O menino
que descobriu as palavras “, mensageiros do poder poético da palavra:
“O menino que aprendeu a ver”
“Até que chegou um dia que João olhou a placa da rua onde ele
morava. E lá estava: Rua do Sol. Reunindo aquelas letras formou-se o
nome que João já conhecia: Rua do Sol. E, de repente,João
compreendeu:
-Gente eu já sei ler!
No dia seguinte, cedo, João foi para o colégio. Quando chegaram na
esquina a mãe do João falou:
-Preciso prestar atenção que é para não perder o ônibus...
-Pode deixar que eu presto, mãe. Pode deixar que eu já sei ver...”
(ROCHA. Ruth, 1998, p.32-34)
40“O menino que descobriu as palavras”
“Era, uma vez, um menino que, ainda bem pequenino, descobriu todo
contente, que palavra é que nem gente: umas são festa e alegria,
como palhaço e folia; outras são sempre tristeza, como doença e
pobreza. Percebeu o menininho que a palavra carinho até as plantas
entendem, todos os seres compreendem, não se conteve e gritou:
- Carinho é filho do amor!” ( SANTOS. Cineas, 2001, p.1-7)
O livro literário serve de estímulo para o leitor pensar a vida, envolver-
se com as coisas do mundo, dialogar com o outro e encontrar-se consigo
mesmo. Revela um conhecimento subjetivo da realidade, repleto de sonhos,
emoções e aventuras, promovendo uma experiência mais ampla da leitura.
E, assim, desafia a curiosidade infantil, despertando o interesse e as
descobertas da criança, libertando seu imaginário e criatividade. Conforme
mostra Marisa Lajolo:
“lê-se para entender o mundo, para viver melhor. Em
nossa cultura, quanto mais abrangente a concepção
de mundo e de vida, mais intensamente se lê, numa
espiral quase sem fim, que pode e deve começar na
escola, mas não pode (nem costuma) encerrar-se
nela. Do mundo da leitura à leitura do mundo, o trajeto
se cumpre sempre, refazendo-se, inclusive, por um
vice-versa que transforma a leitura em prática circular
e infinita. Como fonte de prazer e de sabedoria, a
leitura não esgota seu poder de sedução nos estreitos
círculos da escola.” (LAJOLO. Marisa, 1994, p.7)
Cabe à escola viabilizar essa integração livro/vida, desenvolvendo o
gosto pela leitura e a formação de leitores críticos e criadores, sendo o livro
literário um agente fundamental neste processo.
41
BIBLIOGRAFIA
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo:
Scipione, 1991.
CABRAL, Márcia. “A criança e o livro: memórias em fragmentos”. In: Infância
e produção cultural. São Paulo: Papirus, 2001.
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Paulo, Moderna, 2000.
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completam. São Paulo: Cortez, 2003.
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Paulo: Cortez, 2001.
KRAMER, Sônia. O que é básico na escola básica? Contribuições para o
debate sobre o papel da escola na vida social e na cultura. In: Infância e
produção cultural. São Paulo: Papirus, 2001.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo:
Ática, 1994.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde
cedo. Rio de Janeiro:Objetiva, 2002.
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literatura na sala de aula. Rio de Janeiro: Zeus, 2000.
NUNES, Lygia Bojunga. “Livro: a troca”. In: Livro: um encontro com Lygia
Bojunga Nunes. Rio de Janeiro: Agir, 1988.
42OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um
processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1991.
PAES, José Paulo. “Convite”. In: Poemas para brincar. São Paulo: Ática,
1995, p.3.
ROCHA, Ruth. O menino que aprendeu a ver. São Paulo: Quinteto Editorial,
1998.
SANTOS, Cineas. O menino que descobriu as palavras. São Paulo: Ática,
1992.
SOUZA, Solange Jobim. Infância, conhecimento e contemporaneidade. In:
Infância e produção cultural. São Paulo: Papirus, 2001.
ZILBERMAN, Regina (org). Leitura, perspectivas interdisciplinares. São
Paulo: Ática, 1991.
43
ATIVIDADES CULTURAIS
44
ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I 12O MUNDO DA LITERATURA E DO IMAGINÁRIO INFANTIL 1.1 – Literatura e infância: um breve histórico 13 1.2 – O mundo encantado de Monteiro Lobato 16 1.3 – A poesia da infância e a literatura poética 18 1.4 – Contos de fadas, infância e atualidade 21 CAPÍTULO II A LITERATUA INFANTIL NA ESCOLA: UM ESPAÇO CULTURAL E DE CONSTRUÇÃO DE LEITORES – AUTORES
25
2.1 – Relações entre linguagem, letramento e literatura 27 CAPÍTULO III CAMINHOS INTERATIVOS DA PRÁTICA LITERÁRIA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM 33 CONCLUSÃO 38 BIBLIOGRAFIA 41 ATIVIDADES CULTURAIS 43 ÍNDICE 44
45
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
Pós-Graduação “Lato Sensu ”
“DANDO ASAS À IMAGINAÇÃO: A LITERATURA INFANTIL NA SALA
DE AULA”
Autora: Patrícia Valiante da Silva
Orientadora: Mary Sue Pereira
Data da entrega: _____/______/______
Avaliado por: ______________________________ Conceito:__________
Rio de Janeiro, ____ de _____________ de ________.