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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES E SUAS
CONSEQUENCIAS
Por: Fernanda de Oliveira Lopes
Orientador
Prof. Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2012
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES E SUAS
CONSEQUENCIAS
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito Privado
Por: Fernanda de Oliveira Lopes
3
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer aos meus
familiares, amigos e noivo,
especialmente a Rachel Gomes e
Bianca Figueiredo pela companhia nas
aulas e pelo incentivo diário.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia ao meu amado
Thiago Lins.
5
RESUMO
A Monografia que ora se apresenta procura apontar os principais
aspectos do inadimplemento das obrigações, especialmente no que concerne
aos seus efeitos à luz da constitucionalização do Direito Civil.
Objetiva-se, dessa forma, elucidar o tema da mora e da cláusula penal,
tanto numa análise clássica quanto contemporânea, bem como sob o ponto de
vista doutrinário e jurisprudencial.
6
METODOLOGIA
A presente monografia adotou como metodologia a leitura de livros,
artigos, legislação, a jurisprudência dos Tribunais brasileiros sobre o assunto,
bem como a análise bibliográfica.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I – A Constitucionalização do Direito Civil 10
CAPÍTULO II – Inadimplemento das Obrigações 14
CAPÍTULO III – Mora 20
CAPÍTULO IV – Cláusula Penal 32
CONCLUSÃO 38
BIBLIOGRAFIA 39
ÍNDICE 40
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico objetiva analisar o tema do
inadimplemento das obrigações, permeando temas atuais como a
constitucionalização do Direito Civil, tangenciando temas como a
despatrimonialização do Direito Civil, bem como a questão das cláusulas
gerais.
Acerca do inadimplemento das obrigações identificaremos as suas
espécies, destacando-se o inadimplemento absoluto e o inadimplemento
relativo, que não se confunde com o inadimplemento total ou parcial. Cabe
mencionar ainda que as duas categorias tradicionais de inadimplemento –
absoluto e relativo – teriam se tornado insuficientes, razão pela qual surgiu a
terceira modalidade de inadimplemento, a violação positiva do contrato.
Abordar-se-á a mora, seus aspectos efeitos, destacando-se o efeito
contido no artigo 395 do Código Civil, que se trata da responsabilidade civil, e o
efeito disposto no artigo 399 do Código Civil, a perpetuatio obligationis.
Acerca da moras simultâneas, comentaremos a ideia da tu quoque. No
que concerne a mora do credor, citar-se-á o entendimento da doutrina mais
conservadora no sentido de que para a configuração da mora do credor deveria
haver a consignação do pagamento pelo devedor, bem como da doutrina atual
no sentido de que a mora do credor se constitui a princípio, com a recusa
injustificada.
Serão citadas as diversas posições doutrinas para definir até que
momento cabe a purgação da mora pelo devedor.
No que concerne aos juros de mora serão analisadas as posições
doutrinárias e jurisprudências sobre a aplicabilidade da SELIC.
9
Por fim, serão analisados os aspectos da cláusula penal e a
possibilidade da sua redução, de acordo com os princípios da boa-fé objetiva e
da vedação ao enriquecimento sem causa.
10
CAPÍTULO I
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
1.1 - Constitucionalização do Direito Civil
Inicialmente, cabe apontar, em apertada síntese, que a
constitucionalização do Direito Civil marca a ideia de que a pessoa humana
está no epicentro do ordenamento jurídico.
Neste sentido, o Princípio da dignidade da pessoa humana conduz à
chamada Despatrimonialização do Direito Civil, ou seja, há predominância dos
interesses existenciais, em detrimento dos interesses patrimoniais.
O Código Civil de 1916, influenciado pelo Código Civil Napoleônico, era
notadamente não intervencionista. No entanto, a realidade social brasileira
impunha cada vez mais a intervenção do Estado nas relações privadas.
De maneira a reagir à contradição entre o diploma de 1916 e a
realidade social, os chamados microssistemas surgem com o objetivo de
regulamentarem determinados setores da atividade privada.
Cumpre salientar, que não se deve entender que o ordenamento
jurídico seria composto de diversos sistemas jurídicos, uma vez que o sistema
jurídico é uno e o que garante a unidade do sistema é a Constituição Federal.
Diante do papel de assegurar a unidade do sistema, é evidente que a
legislação infraconstitucional deve ser interpretada em harmonia com as
normas e os princípios constitucionais.
Neste sentido, é um equívoco afirmar que os princípios constitucionais
seriam princípios gerais de direito. Isso porque pela Lei de Introdução ao
11
Direito Brasileiro, os princípios gerais são aplicados em caso de ausência: (i)
de regra escrita; (ii) analogia; ou (iii) costumes. Ocorre que, toda a legislação
infraconstitucional guarda obediência aos princípios constitucionais, razão pela
qual estes princípio não são de aplicação meramente subsidiária.
Além disso, vale frisar que não há hierarquia entre princípios
constitucionais. No âmbito do direito civil, há um princípio constitucional que
deve ser destacado, trata-se do princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, conforme já mencionado.
Transcrevemos abaixo o art. 1º, III da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 - CRFB, que alberga o citado princípio.
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos: (...)
III - a dignidade da pessoa humana;”
A Professora Maria Celina Bodin de Moraes1 ressalta que a dignidade
da pessoa humana comporta quatro subprincípios: i) liberdade; ii) igualdade
material; iii) integridade psico-física e iv) solidariedade. Tal entendimento está
embasado no artigo 3º, I da CRFB:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;”
1 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2003.
12
Considera-se que o papel mais significativo da dignidade da pessoa
humana no direito civil é o de trazer a chamada despatrimonialização do direito
civil, ou seja, no conflito entre um interesse patrimonial e um interesse
existencial, o último deve preponderar. Dessa forma, o interesse existencial
merece uma proteção especial do ordenamento jurídico, por conta da
dignidade da pessoa humana, diferentemente do legislador de 1916 cuja
preocupação principal envolvia o direito de propriedade e o contrato.
Cumpre observar que na medida em que o Estado intervém nas
relações privadas, há uma mitigação da tradicional dicotomia direito público
versus direito privado. Antes da atual concepção de constitucionalização do
direito civil, era nítida a separação entre o direito público e o direito privado. O
primeiro era o interesse público e o segundo era o interesse privado. Com a
intervenção do Estado nas relações privadas, essa dicotomia passa a não ser
tão nítida, uma vez que há interesse público nas relações privadas.
A dicotomia direito público versus direito privado subsiste, mas foi
mitigada com a crescente intervenção estatal nas relações privadas.
Cabe salientar, ainda, a chamada a Eficácia Horizontal dos Direitos
Fundamentais, que traz ínsita a ideia de que os direitos fundamentais não se
aplicam apenas na relação do Estado-indivíduo, mas também se aplica nas
relações entre particulares.
1.2 - Cláusulas Gerais
Uma das características do Código de 1916 era a pretensão de
completude, ou seja, tinha a aspiração de regulamentar casuisticamente todos
os potenciais conflitos de interesses, o que é absolutamente incompatível com
o dinamismo das relações privadas. Ainda que o legislador pudesse antever
todos os conflitos em um determinado momento, novos conflitos surgem diante
13
dos avanços tecnológicos e não encontrariam solução naquele conjunto de
regras casuísticas.
Para evitar tal situação, surgem as chamadas cláusulas gerais, as
quais representam uma técnica legislativa, ou seja, são normas dotadas de
maior abstração e que possuem uma tendência expansionista. Eis alguns
exemplos de cláusulas gerais: boa-fé objetiva e função social do contrato.
As cláusulas gerais podem ser instrumentos adequados para a solução
de novos conflitos que não foram antevistos pelo legislador, o que confere
maior capacidade de adaptação às situações fáticas, justamente por serem
abstratas.
A grande crítica às cláusulas gerais é a insegurança jurídica, já que
conferem maior discricionariedade ao julgador.
Argumenta-se, no entanto, que a liberdade do julgador não é absoluta,
restringe-se pelos princípios constitucionais, que representam uma baliza, um
limite axiológico à aplicação e à interpretação das cláusulas gerais.
A técnica de subsunção (dai-me o fato que eu te dou o direito) se torna
insuficiente para a interpretação e aplicação do direito contemporâneo,
considerando que a aplicação do direito não é automática assim como sugere a
chamada técnica de subsunção.
14
CAPÍTULO II
INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
2.1 - Aspectos gerais do inadimplemento das obrigações
Em regra, toda e qualquer obrigação deve ser cumprida.
Excepcionalmente, o descumprimento da obrigação pode ocorrer e será
chamado de inadimplemento.
Caio Mário da Silva Pereira2 conceitua inadimplemento da seguinte
forma:
“Inadimplemento da obrigação é a falta da prestação
devida. Conforme a sua natureza (de dar, de fazer, de
não fazer), o devedor está adstrito à entrega de uma
coisa, certo ou incerta, à prestação de um fato, a uma
abstenção. Qualquer que seja esta prestação, o credor
tem direito ao seu cumprimento, tal como constitui seu
objeto, o que envolve o poder do credor, a que o devedor
se submete, pela própria força do iuris vinculum”.
No âmbito do Código Civil de 1916 o princípio da pacta sunt servanda
era visto como um valor absoluto, ou seja, os pactos sempre deveriam ser
cumpridos.
A visão moderna de adimplemento e inadimplemento também sofreu
influência da constitucionalização do direito civil, de forma que não basta
analisar a ocorrência ou não do cumprimento do pacto antes firmado, existem
2 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil.Teoria Geral das Obrigações. Ed. Forense: 2004, Rio de Janeiro.
15
aspectos que circundam a obrigação principal (deveres anexos), os quais
possuem respaldo diretamente no ordenamento jurídico.
2.2 - Espécies de Inadimplemento
As principais espécies de inadimplemento são o absoluto e o relativo. O
inadimplemento absoluto é aquele em que não há mais interesse para o credor
que a obrigação seja cumprida, por ela ter se tornado inútil. Já o
inadimplemento relativo, ainda que descumprida a obrigação, esta é
interessante para o credor.
O inadimplemento pode ser total ou parcial. O inadimplemento total é
aquele que atinge a totalidade da obrigação e o inadimplemento parcial atinge
parte da obrigação. Outra classificação diferente é o inadimplemento absoluto,
definitivo ou relativo sinônimo de mora.
Verifica-se que não se deve atrelar a lógica do inadimplemento total ao
inadimplemento absoluto e a lógica do inadimplemento parcial ao
inadimplemento relativo.
O pressuposto para a mora é que a prestação ainda seja útil ao credor,
já o inadimplemento absoluto pressupõe a inutilidade da prestação ou a
impossibilidade de seu cumprimento.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald3 assim entendem
acerca das espécies de inadimplemento:
“(...) ambos referem-se ao descumprimento da prestação
principal: dar, fazer ou não fazer. Enquanto o
3 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 3 ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008.
16
inadimplemento absoluto, porém, resulta da completa
impossibilidade de cumprimento da obrigação, a mora é a
sanção pelo descumprimento de uma obrigação que
ainda é possível, pois, apesar de ainda não realizada, há
viabilidade de adimplemento posterior.”
2.3 - Violação Positiva do Contrato
Parte da doutrina sustenta que as duas categorias tradicionais de
inadimplemento – absoluto e relativo – teriam se tornado insuficientes à luz da
boa-fé, razão pela qual teria surgido uma terceira modalidade de
inadimplemento, chamada de violação positiva do contrato.
A violação positiva do contrato se manifesta através da violação dos
deveres anexos à obrigação principal, quais sejam, dever de informação, dever
de sigilo e dever de cooperação.
Quando se transgride um dever anexo, há a prática de uma
modalidade de inadimplemento contratual. A princípio, a violação a dever
anexo não se encaixaria perfeitamente tanto na mora quanto no
inadimplemento absoluto. Então, na verdade, o surgimento dos deveres
anexos, já evidenciaria a insuficiência dessas duas categorias tradicionais de
inadimplemento.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald4 corroboram o
entendimento no seguinte sentido:
"para além das obrigações delineadas por seus partícipes,
o negócio jurídico é modelado, em toda a sua trajetória,
4 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 3 ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008.
17
pelos chamados deveres anexos ou laterais, oriundos do
princípio da boa-fé objetiva. Enquanto as obrigações
principais são dadas pelas partes, os deveres anexos são
impostos pelas necessidades éticas reconhecidas pelo
ordenamento jurídico, independentemente de sua
inserção em qualquer cláusula contratual".
Dentro desta perspectiva, os efeitos práticos decorrentes da violação
dos deveres anexos seriam as perdas e danos, resolução do contrato, ou seja,
as consequências da transgressão de deveres anexos seriam as
consequências típicas do inadimplemento.
Judith Martins Costa5 defende a diferença de tratamento entre os
chamados deveres anexos de proteção e os deveres anexos de prestação.
Para ela, os deveres anexos de prestação estariam intimamente ligados ao
pagamento, no sentido de pagamento voluntário da prestação. Exemplo: o
fornecedor ou o alienante entrega para o adquirente o produto sem o manual
de instruções. A utilização do produto é extremamente complexa e o manual de
instruções é um elemento necessário a normal utilização do bem. Neste caso,
haveria violação do dever anexo de prestação, porque o dever anexo estaria
intimamente atrelado à plena satisfação da prestação acordada.
Diferente seria o chamado dever anexo de proteção, que não guarda
íntima correlação com o objeto do contrato. Exemplo: um determinado artista
contrata um pintor para pintar a sua casa. O profissional faz o trabalho perfeito,
bem cumprido. Ocorre que, no curso da execução do serviço, o pintor revela ao
público uma informação pessoal que ele obteve no desempenho da função na
residência do artista. Neste caso, o pintor teria violado o dever anexo de
proteção (sigilo), que não está diretamente atrelado ao objeto do contrato, qual
seja, pintar a residência.
5 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
18
A Judith Martins Costa defende que se há violação ao dever anexo de
proteção, há violação positiva do contrato. Na hipótese de haver violação a
dever anexo de prestação, ensejará mora ou inadimplemento absoluto. Assim,
segundo a referida autora, apenas seria possível sair da hipótese da mora e do
inadimplemento absoluto, quando há violação a dever anexo de proteção, ou
seja, um dever anexo não intimamente atrelado à satisfação do objeto do
contrato firmado. A renomada autora conclui que se a inobservância do dever
anexo se dá como elemento indispensável à normal execução do contrato,
haverá incidência da mora ou do inadimplemento absoluto.
A violação positiva do contrato tem aplicabilidade também na quebra
antecipada do contrato, o que pode ser chamado de inadimplemento
antecipado do contrato.
Pela visão clássica, não se concebia a configuração de inadimplemento
antes do vencimento da prestação, ou seja, era pressuposto ao
inadimplemento que houvesse o vencimento da prestação. A quebra
antecipada excepciona esta visão clássica. Resumidamente, a quebra
antecipada permite a configuração de inadimplemento antes do vencimento da
prestação sempre que se possa verificar pela conduta expressa ou tácita do
devedor que este não irá cumprir o pactuado.
O Superior Tribunal de Justiça julgou no sentido de aplicação da
quebra antecipada, ainda que não vencido o prazo para entrega:
PROMESSA DE COMPRA E VENDA. Resolução. Quebra
antecipada do contrato.
- Evidenciado que a construtora não cumprirá o contrato,
o promissário comprador pode pedir a extinção da avença
e a devolução das importâncias que pagou.
- Recurso não conhecido.
19
(REsp 309626/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE
AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 07/06/2001, DJ
20/08/2001, p. 479)
Cabe salientar que a quebra antecipada não pressupõe
necessariamente culpa. A quebra antecipada pode decorrer de caso fortuito ou
força maior. Assim, caso alguém se comprometa a plantar e colher uma
determinada safra em favor de outra pessoa em um determinado prazo e há
uma tragédia natural que, mesmo antes do vencimento do prazo, demonstra a
impossibilidade de cumprir a prestação, é possível que a quebra antecipada
propicie o inadimplemento não culposo. Como consequência, resolver-se-á a
obrigação sem cabimento de perdas e danos.
Há aplicação da violação positiva do contrato para a hipótese de
cumprimento defeituoso. E para que o cumprimento defeituoso propicie
inadimplemento, é preciso que o defeito seja substancial.
20
CAPÍTULO III
MORA
3.1 - Aspectos da Mora
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, a mora é o retardamento
injustificado da parte de algum dos sujeitos da relação obrigacional no tocante
à prestação6.
O artigo 394 do Código Civil prevê duas modalidades de mora, a mora
do devedor e mora do credor. A definição legislativa de mora do devedor é
mais ampla do que a ideia de atraso, nos termos do referido artigo:
“Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não
efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo
no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção
estabelecer.”
Evidentemente, a ideia de mora não abrange apenas a concepção de
tempo, mas também de lugar e de forma. Então, se o devedor oferece o
pagamento no tempo acordado, mas em local diverso, a princípio, o devedor
incorrerá em mora.
No Código Civil Interpretado, Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin e
Heloisa Helena Barbosa criticam o artigo 394 do Código Civil, porque a mora
deveria está atrelada à ideia de tempo, de atraso. A inobservância do lugar e
da forma deveria configurar cumprimento defeituoso e, logo, não seria hipótese
de mora e sim a violação positiva do contrato.
6 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil.Teoria Geral das Obrigações. Ed. Forense: 2004, Rio de Janeiro.
21
Uma das diferenças essenciais entre a mora e o inadimplemento
absoluto decorre da utilidade da prestação. Se a prestação ainda é útil ao
credor, trata-se de mora; se não é mais útil, inadimplemento absoluto.
Cumpre salientar, neste ponto, que o termo essencial é aquele cuja
inobservância afasta a utilidade da prestação para o credor. A contrário senso,
o termo não essencial é aquele que cujo descumprimento não elide a utilidade
da prestação para o credor. Se o locatário não paga o aluguel no dia 5, ainda
interessa ao locador receber no dia 15.
O descumprimento do termo essencial caracteriza inadimplemento
absoluto, ao passo que o descumprimento do termo não essencial configura
inadimplemento relativo, mora.
O artigo 395, parágrafo único do Código Civil trata do chamado caráter
transformista da mora. Exemplo: o vestido de noiva tem que ser entregue 2
(duas) semanas antes do casamento. Se o costureiro não entrega na data
acordada, a prestação, em tese, ainda é útil ao credor. Estamos diante de um
inadimplemento relativo. Se o costureiro não entrega o vestido e a data do
casamento sobrevém, surgirá a inutilidade superveniente da prestação, que
pode propiciar a transformação da mora em inadimplemento absoluto.
Insta salientar que o Enunciado 162 do Conselho de Justiça Federal
traz o seguinte entendimento sobre o referido artigo:
Enunciado 162, CJF - Art. 395: A inutilidade da prestação
que autoriza a recusa da prestação por parte do credor
deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da
boa-fé e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com
o mero interesse subjetivo do credor.
22
A análise da inutilidade da prestação há de se dar à luz da boa-fé
objetiva. Assim, não pode o credor, caprichosamente, de maneira injustificada,
alegar a inutilidade superveniente da prestação, porque isso deve ocorrer de
acordo com parâmetros objetivos.
Demonstra-se, portanto, que não apenas a boa-fé objetiva justifica o
Enunciado 162 do CJF, mas também o princípio da conservação dos atos e
dos negócios jurídicos. Com o inadimplemento absoluto a obrigação se
extingue, portanto a conservação impõe a análise com base na boa-fé objetiva.
3.2 - Efeitos da Mora
A mora do devedor traz dois efeitos principais. O primeiro está no artigo
395 do Código Civil, trata-se da responsabilidade civil.
“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua
mora der causa, mais juros, atualização dos valores
monetários segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar
inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação
das perdas e danos.”
O segundo efeito encontra-se no artigo 399 do Código Civil, chama-se
perpetuatio obligationis.
“Art. 399. O devedor em mora responde pela
impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade
resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes
ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de
23
culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação
fosse oportunamente desempenhada.”
Esse artigo é uma exceção ao artigo 393 do Código Civil. Pela regra
geral, o devedor se exonera na hipótese de caso fortuito ou força maior.
O artigo 399 do Código Civil diz que o devedor em mora responde pela
impossibilidade da prestação, embora esta impossibilidade resulte de caso
fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso.
Então, se há perecimento do bem por caso fortuito ou força maior
durante a mora, o devedor em mora responde pelo perecimento. Se o
comodatário tem que devolver o objeto no dia 5 e o devolve no dia 10,
obviamente, ele está em mora e se há perecimento sem culpa, o comodatário
responde pelo perecimento do bem.
Sem dúvida, pode-se fazer uma releitura do art. 399 do Código Civil à
luz da boa-fé objetiva, através do instituto específico da tu quoque. Na medida
em que o devedor incorre na mora, ele não pode alegar caso fortuito ou força
maior.
A regra do artigo 399 do Código Civil é que o devedor não se exime,
mesmo que por caso fortuito ou força maior, se o perecimento ocorre durante o
atraso. A parte final desse artigo traz exceções “salvo se provar isenção de
culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse
oportunamente desempenhada”. Um exemplo: o locatário tem que devolver o
imóvel no dia 5 e não o devolve. No dia 10 cai um raio em cima do imóvel e o
destrói. O locatário pode alegar a parte final do art. 399 do Código Civil e
sustentar que, ainda que não houvesse mora, o bem de qualquer forma
pereceria. Conclui-se que esta parte final do referido dispositivo legal
demonstra ausência de nexo causal entre a mora e o perecimento.
24
3.3 - Moras Simultâneas
A mora simultânea é aquela em que há mora concomitante entre o
devedor e o credor. A título de exemplo, o devedor tem que pagar em um
determinado local e tanto o devedor, quanto o credor não aparecem naquela
localidade. Em geral, nesta hipótese, é dito que uma mora compensa a outra.
No entanto, é importante abordar a ideia da tu quoque. Ou seja, aquele
que viola uma determinada regra não pode exigir que outrem cumpra aquela
mesma regra por ele transgredida. Assim, se o devedor está em mora, ele não
pode alegar a mora do credor. O conceito de tu quoque, através da boa-fé
objetiva, afasta quaisquer efeitos na hipótese de mora simultânea.
3.4 - Mora do Credor
A mora do credor, também chamada de mora accipiendi, verifica-se
com o retardamento injustificado na aceitação da prestação.
Cabe salientar que a doutrina mais conservadora defendia que seria
pressuposto à configuração da mora do credor que houvesse a consignação do
pagamento pelo devedor. O artigo 337 do Código Civil dispõe o seguinte:
“Art. 337. O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento,
cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros
da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente.”
Verifica-se que cessam os juros e os riscos para o depositante. No
entanto, hoje a doutrina predominante sustenta que o artigo transcrito acima,
ao citar juros não se refere aos juros moratórios e sim aos juros
compensatórios. Isso porque para a doutrina atual, a mora do credor se
constitui a princípio, com a recusa injustificada, logo não é pressuposto a
configuração da mora do credor que este efetue a consignação.
25
Neste sentido, entende-se que os juros moratórios para o devedor
cessam no momento da recusa injustificada por parte do credor.
Insta observar que existem dois aspectos que justificam os juros
compensatórios: risco do inadimplemento e remuneração do capital. Na medida
em que o capital não se encontra a disposição do seu titular é justificável que
aquele capital seja remunerado. Com o depósito, não há mais risco de
inadimplemento e o capital passa a ficar a disposição do credor e, como
consequência, com o depósito cessam os juros compensatórios. Já os juros
remuneratórios já teriam cessado a partir da recusa injustificada.
É importante frisar que quando o artigo 337 do Código Civil prevê o
risco, entenda-se risco por perecimento sem dolo ou culpa. No Código Civil
Interpretado, Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin e Heloisa Helena Barbosa
defendem o seguinte: essa cessação dos riscos a partir do depósito seria
aplicada em duas situações específicas. Primeiro, no caso de obrigação sem
prazo determinado, vez que se a obrigação tiver prazo determinado e o credor
se recusa a receber naquele prazo específico, a partir da recusa injustificada
no prazo pactuado já cessam os riscos para o devedor. Segunda hipótese é a
do artigo 133 do Código Civil.
“Art. 133. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor
do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do devedor,
salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das
circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do
credor, ou de ambos os contratantes.”
O artigo supra estabelece a presunção relativa de que os prazos se
dão a benefício do devedor, logo este pode renunciar ao prazo. Se o fizer, o
devedor pode compelir o credor a receber antes do prazo acordado. Então, se
o prazo se dá em benefício do devedor, este oferece antecipadamente o
pagamento e o credor se recusa a aceitar, o devedor deve efetuar o
26
pagamento em consignação, ainda que antes do prazo acordado. Nesse caso,
a partir do depósito, cessam os riscos. Se há um prazo certo e o devedor
oferece no prazo acordado e o credor se recusa não é o caso da aplicação do
artigo 337. Neste caso, cessam os riscos desde o momento da recusa e o
depósito não será pressuposto a cessação dos riscos.
3.5 - Purgação da Mora
A questão da purgação ou emenda da mora encontra-se no artigo 401
do Código Civil e é definida como a neutralização ou o afastamento dos efeitos
da mora.
“Art. 401. Purga-se a mora:
I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais
a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;
II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o
pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a
mesma data.”
Existem diversas posições doutrinas para definir até que momento
cabe a purgação da mora pelo devedor. Uma primeira posição, já superada,
defende que cabe a purgação da mora pelo devedor até a propositura da ação
resolutória pelo credor, o que seria uma espécie de sanção pela inércia em
cumprir a prestação e emendar a mora. A segunda posição é no sentido de que
cabe a purgação da mora até o transcurso do prazo para resposta do devedor
em eventual ação resolutória movida pelo credor. A terceira posição vem no
sentido do Enunciado o 162 do CJF, que diz que a inutilidade da prestação não
se dá de acordo com o mero capricho do credor, mas sim pela boa-fé objetiva e
pelo princípio da conservação, que são questões de ordem pública. Então, a
terceira corrente defende que cabe a purgação da mora pelo devedor enquanto
a prestação for útil ao credor, ainda que transcorrido o prazo para resposta.
27
3.6 - Juros de Mora
O Código Civil trata do tema no artigo 406:
“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem
convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou
quando provierem de determinação da lei, serão fixados
segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do
pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”
Sobre esse artigo há duas correntes. A primeira corrente estabelece a
Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) e inclusive, quando o código
entrou em vigor, o entendimento predominante foi esse. Em relação à
aplicação da Selic surgiram duas críticas. Na primeira crítica questionou-se o
seguinte: qual o objetivo dos juros moratórios? O objetivo dos juros moratórios
é propiciar uma indenização mínima por perdas e danos. A incidência de juros
moratórios não afasta a cláusula penal e nem afasta eventual indenização
suplementar. Por outro lado, pergunta-se, qual é o objetivo da taxa Selic?
Regulamentar a política macroeconômica governamental. Parece que os
interesses aqui são conflitantes. Há situações em que a taxa Selic é
extremamente flutuante, variável, oscilando de acordo com a discricionariedade
da política econômica. Essa oscilação parece ir contra ao objetivo primordial
dos juros moratórios, ou seja, o estabelecimento da Selic traria insegurança
jurídica. A outra crítica é que na Selic já estão embutidos juros e correção
monetária.
Essas duas críticas anteriormente citadas propiciaram o surgimento do
Enunciado 20 do Conselho de Justiça Federal - CJF, que recomenda a
aplicação do art. 161, §1º do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês.
28
Enunciado 20, CJF - Art. 406: a taxa de juros moratórios a
que se refere o art. 406 é a do art. 161, §1º, do Código
Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês.
“Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento
é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo
determinante da falta, sem prejuízo da imposição das
penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas
de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de
mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.”
Foi editada também a súmula 95 do TJ/RJ neste sentido.
Súmula 95, TJ/RJ: os juros, de que trata o art. 406, do
Código Civil de 2002, incidem desde sua vigência, e são
aqueles estabelecidos pelo art. 161, parágrafo 1º do
Código Tributário Nacional.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça entendeu pela
aplicabilidade da SELIC no Informativo 367 do STJ.
JUROS MORATÓRIOS. ART. 406 DO CC/2002. TAXA
LEGAL. SELIC.
A Corte Especial entendeu que os juros de mora
decorrentes de descumprimento de obrigação civil são
calculados conforme a taxa referencial do Sistema Especial
de Liquidação e Custódia (Selic), por ser ela que incide
como juros moratórios dos tributos federais (art. 406 do
CC/2002, arts. 13 da Lei n. 9.065/1995, 84 da Lei n.
8.981/1995, 39, § 4º, da Lei n. 9.250/1995, 61, § 3º, da Lei
n. 9.430/1996 e 30 da Lei n. 10.522/2002. Assim, a Corte
Especial conheceu da divergência e deu provimento aos
29
embargos de divergência. EREsp 727.842-SP, Rel. Min.
Teori Albino Zavascki, julgados em 8/9/2008.
Acerca do tema, há que se mencionar o direito intertemporal. Sem
dúvida, há hipóteses em que os juros fluíam sob a égide do Código Civil de
1916, quando entrou em vigor o Código Civil de 2002. Para essas situações o
Superior Tribunal de Justiça se posicionou pela aplicação da retroatividade
mínima, que está prevista no artigo 2035 do Código Civil de 2002, conforme
informativo 331, abaixo transcrito:
DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE. CONSTRUTOR.
OBRA. PRAZO. GARANTIA.
Nas instâncias ordinárias, duas construtoras foram
condenadas a indenizar a autora por danos morais, em
razão da morte de sua única filha devido às lesões
provocadas por queda de 45 metros. O acidente foi
causado pela ruptura da proteção do fosso de ventilação do
prédio em que residiam. Ambas as construtoras
interpuseram recursos especiais. Num deles, entre outras
teses apresentadas, insiste a recorrente que o prazo
prescricional nas ações dessa natureza regula-se pelo
disposto no art. 1.245 do CC/1916 (5 anos). Explica o Min.
Relator que tal prazo não é prescricional ou decadencial,
mas de garantia, dentro do qual o construtor ou empreiteiro
se responsabiliza pela solidez e segurança da obra
realizada. Aduz ainda que, como afirmou o Tribunal a quo,
a ação por indenização de danos morais é vintenária,
mesmo nas circunstâncias fáticas em que ocorrido o
sinistro, atrelado às condições técnicas e à entrega da
edificação concluída. Assim, não importa a motivação que
teria levado a vítima ao local. Note-se que a
responsabilidade civil das construtoras foi devidamente
30
comprovada em laudo técnico-criminal. Esclareceu também
que os juros de mora são devidos a partir da citação e
sujeitam-se à regra do art. 1.062 do CC/1916 e
posteriormente, com o advento do Novo Código Civil, a
matéria passou a ser disciplinada pelo art. 406.
Precedentes citados: REsp 706.424-SP, DJ 7/11/2005;
REsp 661.421-CE, DJ 26/9/2005, e REsp 856.296-SP, DJ
4/12/2006. REsp 611.991-DF, Rel. Min. Hélio Quaglia
Barbosa, julgado em 11/9/2007.
O código atual se aplica aos institutos anteriores, mas essa aplicação
se restringe a situações fáticas supervenientes.
Então, aplicando a retroatividade mínima do artigo 2.035, os juros
moratórios que vencerem na vigência do Código Civil 1916, aplica-se a eles o
Código Civil de 1916. Os juros moratórios que forem vencendo na vigência do
Código Civil de 2002 aplica-se a eles o código atual (Selic ou CTN).
O artigo 2.035, que trata da retroatividade mínima dispõe assim:
“Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos
jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste
Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas
no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a
vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam,
salvo se houver sido prevista pelas partes determinada
forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se
contrariar preceitos de ordem pública, tais como os
estabelecidos por este Código para assegurar a função
social da propriedade e dos contratos.”
31
O que o código dispõe sobre a retroatividade mínima é exatamente o
que o STJ declarou, ou seja, aplica-se o prazo do código novo a partir da
vigência deste, salvo se as partes tiverem determinado específica forma de
execução.
O artigo 406 não dispõe literalmente se o limite dos juros moratórios é
o da Selic ou o do CTN. Só há regra nesse sentido no art. 591:
“Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos,
presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de
redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art.
406, permitida a capitalização anual.”
Nesse caso, o limite dos juros remuneratórios é a taxa do artigo 406.
Regra geral, o código em nenhum momento restringe literalmente os juros
moratórios convencionais. Existem duas soluções aqui. A primeira é minoritária
no sentido de que o próprio artigo 406 representa limite aos juros moratórios
convencionais, pela interpretação sistemática dos artigos 406 e 591, que
ressalta como limite da taxa de juros o limite do art. 406. A posição
predominante é a seguinte: o Código Civil revogou parcialmente a lei de usura
(Decreto nº 22.626/33), naquilo que for incompatível. Agora, no que não houver
de incompatibilidade, subsiste a lei de usura. O artigo 1º desse Decreto dispõe
que o limite dos juros moratórios convencionais é o dobro da taxa legal. Em se
aplicando o artigo 1º, o limite dos juros convencionais seria o dobro do CTN ou
o dobro da Selic. Como o Código Civil é omisso a respeito do tema, é aplicável
o referido artigo 1º.
32
CAPÍTULO IV
CLÁUSULA PENAL
4.1 - Cláusula Penal
A cláusula penal também é chamada de pena convencional ou multa
contratual. Ela envolve basicamente um duplo fundamento: (i) reforço do
vínculo obrigacional; e (ii) liquidação antecipada das perdas e danos.
O Código Civil prevê duas espécies de cláusula penal: a cláusula penal
compensatória (artigo 410, CC) e a cláusula penal moratória (artigo 411, CC).
“Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso
de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á
em alternativa a benefício do credor.
Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso
de mora, ou em segurança especial de outra cláusula
determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação
da pena cominada, juntamente com o desempenho da
obrigação principal.”
O entendimento dominante é no sentido de que a cláusula penal
moratória se aplica ao caso de mora e a compensatória para o caso de
inadimplemento absoluto.
A cláusula penal moratória se dirige à mora. Como consequência, o
que parece ficar claro é que a cláusula penal chamada de moratória busca
33
prefixar as perdas e danos decorrentes da mora. Verifica-se que a cláusula
penal não tem por objetivo substituir a prestação descumprida; ela busca
apenas prefixar perdas e danos decorrentes do atraso. Como consequência, o
artigo 411, ao tratar da cláusula penal moratória, ressalta que o credor poderá
exigir a prestação e a cláusula penal moratória.
Por outro lado, a cláusula penal compensatória, de acordo com a
posição dominante, dirige-se ao inadimplemento absoluto. Dessa forma, a
cláusula penal compensatória teria o objetivo de substituir a prestação que fora
descumprida. Então, como consequência, o credor não pode exigir a prestação
e a cláusula penal compensatória, porque isso geraria enriquecimento sem
causa.
Neste sentido, o artigo 410 do Código Civil diz que o credor poderá
escolher entre a prestação e a cláusula penal compensatória. Isto funciona
como uma alternativa a benefício do credor.
Dentro ainda deste contexto, o Gustavo Tepedino7 defende que em
termos práticos, a cláusula penal compensatória não será recebida pelo credor
no momento do vencimento da prestação e sim tempos depois da data
acordada para o pagamento. Logo a cláusula penal compensatória não afasta
a incidência da cláusula penal moratória. É claro que esta projetar-se-á entre o
vencimento da prestação e o recebimento da cláusula penal compensatória.
Não haveria enriquecimento sem causa ou bis in idem, porque os fundamentos
aqui são distintos.
O artigo 410, quando trata da cláusula penal compensatória, diz que
ela é uma alternativa a benefício do credor, ou seja, o credor pode exigir a
prestação ou a cláusula penal compensatória. No caso de inadimplemento
absoluto, uma das características é a inutilidade da prestação para o credor.
7 TEPEDINO, G. J. M. Notas sobre a cláusula penal compensatória. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 23, 2005.
34
Então, na verdade, não faria muito sentido esta alternativa a benefício do
credor diante da inutilidade da prestação. Na verdade, não restaria ao credor
outra alternativa, se não exigir a cláusula penal compensatória. Além disso, o
artigo 410 dispõe acerca do total inadimplemento e não do inadimplemento
absoluto.
Parte da doutrina defende que o Código Civil estabelece regras
dispositivas, ou seja, no silêncio das partes acerca da modalidade da cláusula
penal aplicável, havendo mora, aplica-se o artigo 411 - cláusula penal
condenatória. No entanto, nada impede que, para o caso de mora, as partes
estabeleçam a cláusula penal compensatória, por força do princípio da
autonomia privada. Assim, mesmo diante de uma hipótese de mora, as partes
podem explicitamente estabelecer uma cláusula penal que permita ao credor
optar entre exigir a prestação ou a cláusula penal. Dessa forma, faria sentido a
alternativa a benefício do credor porque em se tratando de mora, a prestação
ainda seria útil ao credor. O que o código estabelece é uma presunção relativa
de que para a mora aplica-se o artigo 411 e para inadimplemento total, o artigo
410. No entanto, nada impede que pelo princípio da autonomia privada, as
partes estabeleçam a cláusula penal compensatória para o caso de mora.
4.2 - Redução da Cláusula Penal
O artigo 413 do Código Civil prevê o seguinte:
“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente
pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em
parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente
excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do
negócio.”
A redução da cláusula penal nos termos do artigo 413 é matéria de
ordem pública, ou seja, a regra é cogente. O que inspira essa impossibilidade
35
de afastamento desta redução é a vedação ao enriquecimento sem causa. O
Enunciado 356 do CJF dispõe, inclusive, que o juiz deve reduzir de ofício a
cláusula penal.
Enunciado 355, CJF - Art. 413. Não podem as partes
renunciar à possibilidade de redução da cláusula penal se
ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do
Código Civil, por se tratar de preceito de ordem pública.
Enunciado 356, CJF - Art. 413. Nas hipóteses previstas no
art. 413 do Código Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula
penal de ofício.
Dentro deste contexto, verifica-se a possibilidade de redução de
eventual cláusula penal moratória pactuada para o caso de inadimplemento
total na hipótese de cumprimento parcial. Assim, se há cumprimento de parte
da obrigação, no caso da cláusula penal prevista no artigo 410, para que não
haja enriquecimento sem causa, é aplicável a redução prevista no artigo 413.
Na parte final do artigo 413, o código prevê, ainda, a redução da
cláusula penal tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio. Há corrente
doutrinária que entende que é preciso considerar se o contrato é comutativo ou
aleatório. Isto porque é da essência do contrato aleatório a assunção de riscos,
razão pela qual, eventual cláusula penal que busque ressarcir eventual
inadimplemento, não necessariamente deve conter a mesma abrangência de
um contrato comutativo. Considerando que no contato comutativo não há
assunção de riscos, é justificável que a cláusula penal seja maior do que a de
um contrato similar em se tratando de contrato de risco. É preciso verificar se o
contrato, por exemplo, é paritário ou de adesão; se há ou não hipossuficiência
de uma das partes.
Cabe ainda colacionar o artigo 412 do Código Civil de 2002:
36
“Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal
não pode exceder o da obrigação principal”.
O artigo transcrito acima contém regra que busca, basicamente, coibir
o enriquecimento sem causa. A questão acerca deste dispositivo legal é saber
se o artigo 412 é aplicável apenas à cláusula penal compensatória, ou também
envolve a cláusula penal moratória. No Código Civil de 1916 havia uma regra
correspondente e entendia-se que esta seria aplicada apenas à cláusula penal
compensatória. Tal entendimento dominante e essa limitação à cláusula penal
moratória estaria na lei de usura (arts. 8ª e 9º, Decreto 22.626/33).
“Art. 8º - As multas ou cláusulas penais, quando
convencionadas, reputam-se estabelecidas para atender a
despesas judiciais e honorários de advogados, e não
poderão ser exigidas quando não for intentada ação judicial
para cobrança da respectiva obrigação.
Parágrafo único. Quando se tratar de empréstimo até Cr$
100.000,00 (cem mil cruzeiros) e com garantia hipotecária,
as multas ou cláusulas penais convencionais reputam-se
estabelecidas para atender, apenas, a honorários de
advogados, sendo as despesas judiciais pagas de acordo
com a conta feita nos autos da ação judicial para cobrança
da respectiva obrigação. (Acrescentado pela L-003.942-
1961)
Art. 9º - Não é válida a cláusula penal superior à
importância de 10% do valor da dívida”.
O entendimento era de que esta regra não se aplicaria apenas ao
contrato de mútuo, mas também as demais modalidades contratuais. No
contexto do Código Civil de 2002 a doutrina vem sustentando revogação dos
37
artigos 8º e 9º da lei de usura, uma vez que a possibilidade de redução da
cláusula penal moratória no caso de excesso estaria albergada, primeiro, pelo
artigo 413, que trata da redução da cláusula penal e propiciaria inclusive a
redução da cláusula penal moratória, desde que abusiva, e segundo pelo
princípio da boa-fé objetiva, pelo princípio do equilíbrio econômico e pela
vedação ao enriquecimento sem causa.
Neste sentido, o Código Civil 2002 contém uma série de cláusulas
gerais que propiciariam um controle de eventual abusividade da cláusula penal
moratória. Então, o novo sistema do código atual, dotado de princípios e
cláusulas gerais propiciaria a desnecessidade do engessamento da lei de
usura, que previa como teto sempre o limite de 10%.
A regra geral em relação à cláusula penal moratória é a da liberdade,
ocorre que essa liberdade é cerceada, restrita pelo artigo 413, pelos novos
princípios e enfim por todo o sistema de cláusulas gerais, sendo que em
determinadas situações, dotadas de maior densidade social, o código
estabelece limites peremptórios. Exemplos de regras especiais a respeito do
tema: Código de Defesa do Consumidor, que prevê o limite de 2% para a
cláusula penal moratória (art. 52, §1º, CDC); quota condominial (art. 1.336, §1º
do CC); art. 740, §1º do CC.
A regra geral é a da revogação da lei de usura; passamos a ter um
sistema dotado de cláusulas gerais, normas abertas e em situações dotadas de
maior relevância social, há regras específicas contemplando limites
excepcionais.
38
CONCLUSÃO
A monografia delineou as espécies de inadimplemento no âmbito do
direito obrigacional, sob a ótica da constitucionalização do direito civil, fazendo-
se a distinção entre inadimplemento absoluto e relativo, bem como entre o
inadimplemento total e o parcial.
Nesta linha de raciocínio, foram analisados todos os aspectos da mora
e os seus efeitos, especialmente a responsabilidade civil.
Por fim, colacionamos questões circunscritas à cláusula penal,
envolvendo o reforço do vínculo obrigacional e a liquidação antecipada das
perdas e danos.
39
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do
Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br>. Acesso em 10 set. 2012.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no
processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura
civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar,
2003.
TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a cláusula penal compensatória. Revista
Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 23, 2005.
TEPEDINO, Gustavo; MORAES, Maria Celina Bodin de; BARBOSA, Heloisa
Helena. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República.
Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
40
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL 10
1.1 - Constitucionalização do Direito Civil 10
1.2 - Cláusulas Gerais 12
CAPÍTULO II
INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES 14
2.1 - Aspectos gerais do inadimplemento das obrigações 14
2.2 - Espécies de Inadimplemento 15
2.3 - Violação Positiva do Contrato 16
CAPÍTULO III
MORA 20
3.1 - Aspectos da Mora 20
3.2 - Efeitos da Mora 22
3.3 - Moras Simultâneas 24
3.4 - Mora do Credor 24
3.5 - Purgação da Mora 26
3.6 - Juros de Mora 27
41
CAPÍTULO IV
CLÁUSULA PENAL 32
4.1 - Cláusula Penal 32
4.2 - Redução da Cláusula Penal 34
CONCLUSÃO 38
BIBLIOGRAFIA 39
ÍNDICE 40