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texto sobre arte
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Rev. Polis e Psique, 2014; 4(3): 234-255 | 234
Expressividade como qualidade dinmica: uma discusso sobre percepo
na arte
Expressiveness as a dynamic quality: a discussion on art perception
La expresividad como una cualidad dinmica: una discusin sobre la percepcin en el arte
Maria Clara de Almeida Carij
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Virgnia Kastrup
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Resumo
O artigo pretende examinar como a expressividade percebida e criada na arte. Geralmente, a
expressividade entendida como a capacidade das obras de arte de transmitir emoes do
artista, ou ento como efeito da projeo de sentimentos do percebedor sobre elas. Recusando
tais posies, sugerimos que a expressividade um fenmeno perceptivo que resulta da apre-
enso de certas qualidades dinmicas intrnsecas s obras. Tais qualidades dinmicas so dis-
cutidas por Arnheim e, como buscamos mostrar, constituem a base daquilo que Stern chamou
de afetos de vitalidade. Essa nova abordagem da percepo da expressividade conduz-nos a
uma reformulao, tambm, da concepo do ato de expresso artstica. Baseados em Dewey,
mostraremos que, em vez de uma ao de descarga de contedos subjetivos, a expresso pare-
ce ser uma atividade perceptivamente guiada, em que o artista, atravs do modo como organi-
za e apresenta os diversos elementos de sua obra, cria foras vivas e dinmicas.
Palavras-chave: Expressividade; Expresso; Percepo; Arte; Qualidades Dinmicas.
Abstract
The article investigates the perception and production of artistic expressive-
ness. Expressiveness is usually interpreted either as the capacity of works of art to convey the
artists emotions or as the projection of ones feelings onto a work of art. We refuse such in-
terpretations and suggest instead that expressiveness is a perceptual phenomenon which takes
place when specific dynamic qualities which are intrinsic to the works of art are captured by
the spectator. Such dynamic qualities are discussed by Arnheim and, we argue, constitute
what Stern has termed vitality affects. This new approach to the perception of expressive-
Carij, M.; Kastrup, V.
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ness leads to a reformulation of the conception of artistic expression. Based on Deweys
work, we claim that expression is not a discharging of subjective contents, but rather a per-
ceptually guided activity in which the artist, by organizing and presenting the various ele-
ments of his work in particular ways, creates live and dynamic forces.
Keywords: Expressiveness; Expression; Perception; Art; Dynamic Qualities.
Resumen
El artculo examina como la expresividad puede ser percibida y creada en el arte. Comnmen-
te, la expresividad es entendida como la capacidad de transmitir una emocin del artista que
las obras de arte poseen o como un efecto de la proyeccin de los sentimientos del espectador
sobre ellas. Recusamos esas posiciones y sugerimos que la expresividad es un fenmeno per-
ceptivo que resulta de la aprehensin de cualidades dinmicas intrnsecas a las obras. Tales
cualidades fueron discutidas por Arnheim y, como mostramos, constituyen la base de lo que
Stern llam de afectos de la vitalidad. Reformulamos tambin la concepcin del acto de la
expresin artstica. Con base en Dewey, afirmamos que, a cambio de una descarga de conte-
nidos subjetivos, la expresin parece ser una actividad conducida por la percepcin, en la
cual el artista, mediante el modo como organiza y presenta los elementos de su obra, crea
fuerzas vivas y dinmicas.
Palabras clave: Expresividad; Expresin; Percepcin; Arte; Cualidades Dinmicas.
Introduo
A capacidade que as obras tm de
nos afetar e envolver , talvez, a caracters-
tica mais marcante de nossa experincia
com a arte. Ao contemplarmos uma pintu-
ra, ouvirmos uma msica, assistirmos a um
filme ou a um espetculo de dana, temos
um tipo de experincia muito particular,
bem distinto daquele em que estamos mer-
gulhados durante a maior parte do tempo,
quando ocupados com nossas atividades
habituais e cotidianas. A experincia com a
arte revela nas obras uma fora prpria,
uma espcie de vitalidade que nos afeta.
Valemo-nos de uma srie de termos que
buscam capturar tal dinmica: dizemos que
uma pintura melanclica, que uma per-
formance artstica foi vibrante ou sombria,
que uma msica soa exultante. Quando
assim procedemos, estamos buscando for-
mulaes que deem conta de um aspecto
muito importante e tambm muito intrigan-
te das obras de arte: sua expressividade.
A expressividade pode ser entendi-
da como um elemento essencial de nossa
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experincia com a arte, possuindo um pa-
pel importante na criao de seu carter
esttico. Entretanto, devemos perguntar
como somos capazes de perceber expressi-
vidade em obras de arte e como possvel
cri-la. Muitos estudos, provenientes tanto
do campo da psicologia quanto da filosofia
e da arte, afirmam que a expressividade
est associada capacidade das obras de
arte de transmitirem uma emoo ou sen-
timento do artista ou, ainda, que ela pode
ser explicada por uma projeo de senti-
mentos e emoes do percebedor sobre a
obra. Apesar de afirmaes deste gnero
serem amplamente aceitas, elas no pare-
cem dar conta de explicar o fenmeno em
questo. O objetivo deste artigo , ento,
compreender a expressividade artstica,
fundamentando-a na percepo de qualida-
des dinmicas intrnsecas s prprias o-
bras, e no na transmisso ou projeo de
sentimentos e emoes, seja do artista ou
do percebedor. Para tanto, nos basearemos,
principalmente, nos trabalhos de Rudolf
Arnheim e de Daniel Stern. Esta nova for-
ma de colocar o problema da expressivida-
de ter consequncias tambm, como mos-
traremos ao final do artigo, para nossa
forma de conceber o ato de expresso, uma
vez que nos levar a reinterpret-lo como
uma atividade perceptivamente guiada, em
que o artista cria com foras dinmicas,
esforando-se para encarn-las em sua o-
bra, e no mais como uma atividade de
descarga de sentimentos e emoes pesso-
ais ou de expresso de um eu. Para isso,
recorreremos contribuio de John De-
wey sobre o ato expressivo, apontando as
afinidades do pensamento deste autor com
a nova concepo de expressividade arts-
tica proposta.
Antes de prosseguirmos, um escla-
recimento terminolgico e conceitual
necessrio. Observamos, na literatura per-
tinente, que o vocbulo mais comumente
utilizado para se referir ao fenmeno que
aqui abordamos o termo expresso.
Porm, este termo comporta uma dificul-
dade terminolgica, que reflete, na verda-
de, uma questo conceitual. O termo ex-
presso d lugar a interpretaes diversas,
donde decorre que discusses acerca de
fenmenos completamente diferentes con-
fundem-se entre si devido ao uso do mes-
mo vocbulo. Segundo o Dictionnaire
desthtique et de philosophie de lart
(Morizot e Pouivet, 2009), a expresso
um caso difcil de passagem entre o inteli-
gvel e o sensvel, dizendo respeito capa-
cidade dos homens e das obras de arte de
exteriorizar, simbolizar e suscitar pensa-
mentos e sentimentos. Assim, ora ela se
refere a uma ao do sujeito sendo defi-
nida como a operao realizada pelo artista
que permite que as obras de arte veiculem
qualidades estticas expressivas , ora se
refere a uma caracterstica das prprias
obras de arte sendo sua prpria qualidade
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esttica, ou seja, um atributo da obra. Da o
uso do termo expressividade por alguns
autores que reconhecem a diferena essen-
cial entre estes dois fenmenos, embora
no neguem que exista uma relao entre
eles (Wolheim, 1994 e Tormey, 1971, cita-
dos por Morizot e Pouivet, 2009). O termo
expressividade ento empregado para
designar certa qualidade expressiva dos
objetos que apreendida pela percepo,
enquanto o termo expresso refere-se ao
ato atravs do qual se exprime algum sen-
timento ou ideia subjetiva atravs da pro-
duo de uma obra. Assim, usaremos o
termo expressividade para nos referir-
mos a um atributo das obras em si e o ter-
mo expresso para nos referirmos ao ato
expressivo propriamente dito, a fim de
evitarmos mal-entendidos.
Obras de arte entendidas como
expresso de emoes e sentimentos
Quando fazemos, ouvimos ou le-
mos a descrio de uma obra de arte,
praticamente impossvel escaparmos ao
uso de termos que fazem referncia direta a
emoes e sentimentos: uma pintura me-
lanclica; um espetculo de dana alegre;
um filme apaixonante; uma msica
sombria. Tanto na psicologia quanto na
filosofia e nos estudos sobre arte, encon-
tramos uma tendncia a se explicar o fe-
nmeno da expressividade artstica como
uma forma de expresso ou projeo de
sentimentos e estados subjetivos, seja por
parte do artista, seja por parte do percebe-
dor.
Carroll (1999) enumera algumas
teorias provenientes da esttica e da filoso-
fia da arte que buscam explicar de que mo-
do a emoo se expressa na arte. Uma teo-
ria que ficou bastante popular, por exem-
plo, foi proposta por Tolsti, para quem a
expressividade seria uma forma de comu-
nicao de emoes do artista. Carroll a-
firma que, na filosofia da arte, esta ideia
foi amplamente aceita e formulada em
termos de uma teoria da expresso. Se-
gundo ela, o que marcaria a arte seria uma
preocupao primria com a comunicao
de emoes, ou seja, de um estado emo-
cional interno que seria externalizado e
transmitido para espectadores, leitores e
ouvintes:
De acordo com o terico da expresso, o
que transferido uma emoo. Um artis-
ta olha uma paisagem e se sente melanc-
lico. Ento desenha a paisagem de tal for-
ma que o espectador experiencia o mesmo
sentido de melancolia. O artista expressa
sua melancolia aqui significa que ele tem
um sentimento de melancolia, o qual
transmite ou instila em seu pblico ao de-
senhar de certa maneira1. (Carroll, 1999, p.
61)
Carij, M.; Kastrup, V.
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Esta teoria pressupe trs condies
necessrias para que exista arte: um artista,
um pblico e uma emoo compartilhada.
Ela tambm deixa subentendido que a e-
moo expressa pelo artista no uma e-
moo geral, mas totalmente particular, e
que a emoo experimentada pelo pblico
do mesmo tipo daquela que o artista sen-
tiu.
Carroll, por sua vez, sustenta que a
arte expressa no exatamente emoes, e
sim qualidades humanas, ou propriedades
antropomrficas (1999, p. 80), que seriam
representadas por qualidades emotivas
(raiva, tristeza, e assim por diante) e quali-
dades de carter (coragem, honestidade,
imponncia, etc.). Apresenta ento a teo-
ria da exemplificao metafrica, que
afirma que estas qualidades estariam e-
xemplificadas nas obras de arte de manei-
ra metafrica: uma msica no seria lite-
ralmente triste, apenas possuiria a proprie-
dade da tristeza metaforicamente. As pro-
priedades antropomrficas se instalariam
na obra atravs da metfora, aqui entendida
como a transferncia de um conjunto de
caractersticas de um campo semntico
original de aplicao para outro campo.
O autor, entretanto, acredita que
apenas em alguns casos a arte expressa
estas qualidades emotivas e de carter a-
travs da metfora. Em outros casos co-
mo na literatura e no teatro , as proprie-
dades expressivas so atribudas pelos pr-
prios personagens, que, possuindo estados
psicolgicos, podem express-las de forma
direta (quando um ator representa estar
triste ou alegre, por exemplo), ou podem
ser atribudas a seres inanimados em virtu-
de de sua configurao, por possurem tra-
os que associamos com caractersticas
humanas, tais como quando dizemos que
uma rvore expressa angstia por conta de
seus galhos retorcidos (Carroll, 1999).
De qualquer modo, as teorias apre-
sentadas por Carroll continuam a se basear
na premissa de que a expressividade na
arte se relaciona com a comunicao de
emoes, qualidades emotivas ou qualida-
des de carter humano. O ponto de partida
da experincia , ainda, o ntimo plano
interior do artista e do percebedor.
Na psicologia, podemos observar
uma predominncia de estudos sobre a
expresso artstica, se comparados com o
nmero de estudos dedicados ao fenmeno
da expressividade. Assim, h uma tendn-
cia a se investigar a expresso no sentido
de uma ao, de uma projeo de estados
subjetivos atravs da produo de uma
obra de arte.
A expresso de conflitos do artista
proposta pela psicologia como uma das
caractersticas primordiais da arte. Com
frequncia, defende-se a ideia de que a
personalidade de um artista pode ser traa-
da e analisada atravs de suas obras. Este
tipo de ideia foi e proposto por vrias
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vertentes psicolgicas. Muitos instrumen-
tos e tcnicas projetivas foram tambm
inspirados na ideia de que a pintura e o
desenho so ferramentas de psicodiagns-
tico. Por sua vez, a arte-terapia defende
que a arte no somente um instrumento
de expresso do sujeito como tambm um
instrumento de cura para seus sintomas
(ver, por exemplo, Vasconcellos e Giglio,
2007).
Sigmund Freud, em seu texto O
Moiss de Michelngelo (Freud,
1914/1974), se pergunta como a arte ca-
paz de exercer to poderoso efeito sobre
ns, sem que ao menos saibamos por que
somos afetados e de que modo. Conclui
que o que nos encanta to poderosamente
no o objeto artstico (obra de arte) ele
mesmo; a inteno do artista que nos
comove. Para ele, uma obra de arte pas-
svel de anlise e interpretao, de modo
que, apenas assim, se pode chegar a com-
preender a expresso efetiva das intenes
e das atividades emocionais do artista
(Freud, 1914/1974, p. 252). Apenas esta
interpretao pode revelar o que aquilo
que nos afeta to profundamente, quais so
os significados e contedos ocultos repre-
sentados na obra de arte. A literatura, por
exemplo, ocultaria desejos infantis e proi-
bidos, desejos insatisfeitos que atravs dela
se realizariam.
Os desejos que a obra de arte tem
funo de realizar so desejos que, se fos-
sem de fato realizados, no causariam pra-
zer, seriam mesmo excitaes muito peno-
sas. apenas no jogo de fantasias propor-
cionado pela obra que a realizao de tais
desejos pode se tornar fonte de prazer para
seus ouvintes e espectadores. Segundo
Freud, os artistas conseguem transformar
desprazer em prazer atravs da tcnica de
sua arte. As emoes que causam em ns
um tipo de prazer preliminar, que esttico
e formal, uma espcie de prmio do est-
mulo. Alm disso, a arte funcionaria tam-
bm como um escape, criando oportunida-
de para o leitor se deleitar com seus pr-
prios devaneios sem culpa (Freud,
1908/1969).
A despeito de um considervel inte-
resse pelo ato de expresso, a psicologia
pouco se pronuncia quanto expressivida-
de das obras de arte, entendida como uma
propriedade e uma caracterstica que elas
portam. Pouco se pergunta sobre o que
nelas as torna expressivas e de que forma
percebemos sua expresso.
Podemos citar trs explicaes psi-
colgicas principais para o fato de que po-
demos perceber um objeto como expressi-
vo (Guillaume, 1937/1966). A primeira
sustenta que por empatia que um objeto
pode nos parecer triste, alegre, vibrante.
Segundo esta explicao, atravs da
comparao do objeto com certos estados
pelos quais o percebedor j passou que
possvel perceber sua expresso. Por e-
Carij, M.; Kastrup, V.
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xemplo, um salgueiro, com seus galhos
languidamente cados, remeter-nos-ia ao
caimento de nossos braos e de nosso cor-
po quando estamos tristes. Desta forma,
diramos que aquela uma rvore triste,
pois recorremos a nossa experincia passa-
da, nos colocamos no lugar do prprio ob-
jeto, para interpretar aquilo que ele expres-
sa.
Outra explicao possvel a de
que a percepo da expressividade de um
objeto se deve a uma projeo dos senti-
mentos do percebedor sobre aquilo que
percebido. Afinal, como podemos explicar
que o cair de uma tarde nos parea melan-
clico? Apenas o vemos assim porque
assim que nos sentimos. Projetamos nossa
prpria melancolia naquilo que percebe-
mos, a expressividade nada mais do que
o colorido que nossos prprios sentimentos
do s coisas ao nosso redor (Guillaume,
1966).
Por fim, h ainda a clebre explica-
o associacionista, segundo a qual objeto
e valor so, a priori, completamente inde-
pendentes entre si e, apenas por uma coin-
cidncia casual, atribumos certos valores a
certos objetos. preciso que ocorra uma
aprendizagem anterior para que certos ob-
jetos expressem determinadas emoes ou
sentimentos. Para os associacionistas, uma
criana aprende que sorrir significa de-
monstrar alegria, mas esta interpretao
no seria jamais espontnea. Apenas por
observao e aprendizagem podemos atri-
buir o valor alegria ao objeto sorriso.
Da mesma forma, aprenderamos que certo
tipo de grito exprime dor ou que determi-
nada postura do corpo exprime tristeza
(Guillaume, 1937/1966).
A expressividade entendida como
percepo de foras dinmicas
Em uma passagem do livro No
caminho de Swann, de Marcel Proust,
encontramos a descrio da impresso que
uma msica escutada pelo personagem
principal lhe causara:
(...) eis seno quando, por baixo da linha
meldica do violino, tnue, resistente, den-
sa e dominadora, ele vira de sbito elevar-
se, num marulho lquido, a massa da parte
do piano, multiforme, indivisa, plana e en-
trechocada como a malva agitao das va-
gas que o luar encanta e bemoliza. (...) sem
poder distinguir com nitidez um contorno,
dar um nome ao que lhe agradava, subita-
mente arrebatado, buscara recolher a frase
ou a harmonia ele mesmo no o sabia
que passava e que lhe abria a alma mais
largamente (...) Num ritmo lento, ela [a
frase] o dirigia primeiro para um lado, de-
pois para outro, depois mais adiante, para
uma felicidade nobre, precisa e inintelig-
vel. E de repente (...) mudava de direo
bruscamente e, com um novo movimento,
mais rpido, mido, permanente, melanc-
lico e suave, ela o arrastava consigo para
Carij, M.; Kastrup, V.
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perspectivas desconhecidas. Depois, desa-
pareceu. (Proust, 2003, p. 207-208)
O extrato retirado da obra de Proust
a descrio da experincia de se escutar
uma msica. O autor nos envolve na expe-
rincia vivida pelo personagem, dentro da
qual mergulhamos. como se experimen-
tssemos com ele aquela msica: vivemos
sua dinmica, acompanhamos seu ritmo,
somos confrontados com suas pausas. En-
tretanto, nenhuma linha foi reservada pelo
autor para uma descrio objetiva daquela
composio. No nos informado seu tom,
seu tempo, suas notas; apenas sabemos que
foi tocada por um violino e um piano.
Proust descreve uma experincia sem con-
tornos definidos, na qual o personagem no
consegue identificar com preciso o que
que lhe agrada. O autor no utiliza termos
tcnicos para descrever o som do violino,
mas recorre a suas caractersticas expressi-
vas: sua linha meldica tnue, resisten-
te, densa e dominadora. Do mesmo modo,
a frase da pea musical que mais lhe im-
pressiona tem um movimento rpido, mi-
do, permanente, melanclico e suave. E
Proust fala ainda da relao que se estabe-
lece entre a msica e Swann: ela o tira do
eixo, o move por completo, entra em um
jogo de foras com ele ela lhe arrebata,
lhe abre a alma. Seu ritmo, ora lento, ora
rpido, o dirige e o arrasta cada hora para
um lado. Somos convidados a experimen-
tar os efeitos provocados pela msica em
Swann e tal experincia nos parece muito
mais significativa e potente do que qual-
quer descrio objetiva minuciosa em ter-
mos de seu tom, tempo ou sequncia de
notas poderia ser. Proust descreve-nos a
msica em termos de sua expressividade.
Observemos que a descrio do e-
feito da msica sobre o personagem no
menciona nenhum tipo de reproduo dos
sentimentos do artista naquele. Em vez
disso, Swann parece ser movido por algo
que o toma de corpo inteiro. A experincia
que ele narra parece-nos mais compreens-
vel em termos de foras que o perturbam,
que o afetam visceralmente, do que em
termos de sentimentos bem definidos e
categorizados, que seriam transmitidos
pela msica. Certamente, ocorre uma afe-
tao do personagem e seria impossvel
dizer que ele vivencia tudo de maneira
impassvel. Porm, as sensaes e senti-
mentos que aquela experincia provoca
no podem ser equiparados s emoes e
sentimentos que estavam presentes na m-
sica (e, antes, no artista) e que, suposta-
mente, teriam se reproduzido em Swann;
eles seriam, muito mais, uma consequncia
desse efeito primrio de afetao causado
pela fora dinmica que caracteriza a obra.
De fato, muitos autores indicam
uma estreita relao entre a arte e certas
foras dinmicas que parecem ser centrais
na experincia com ela. Deleuze e Guattari
Carij, M.; Kastrup, V.
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(2007) afirmam que o problema comum de
todas as artes o de captar o plano das
foras. A tarefa da pintura, por exemplo,
no reproduzir ou inventar formas, mas
tentar tornar visveis foras invisveis (De-
leuze, 2007). O artista realiza esta tarefa
extraindo perceptos de percepes. atra-
vs dos perceptos que ele torna sensveis as
foras invisveis que povoam o mundo e
que nos afetam, nos fazendo entrar em
devir. Os afectos so estes devires no hu-
manos do homem. Segundo Deleuze e
Guattari, o artista algum que v na vida
algo demasiado grande, sendo por isso um
vidente, algum que se torna. O afecto que
transborda dos perceptos marca, ento,
uma sada de um mundo representacional
de semelhana entre formas e aponta para a
potncia de um fundo capaz de dissolver a
forma e revelar as foras que a habitam.
Pensando com Deleuze, podemos
supor que a expressividade artstica est
relacionada com estas foras que o artista
captura em tudo que transborda vida. No
se trata da representao de um contedo
pelo que ele tem em si, mas de sua potn-
cia dinmica, que nos atinge e nos absorve
em seu ritmo. Deleuze e Guattari (2007)
afirmam que o artista faz vibrar a sensao;
atravs dela ele captura afectos impessoais,
e no emoes pessoais.
Nesse mesmo sentido, Suely Rolnik
(2000) afirma que as obras so vibrteis. A
arte deixaria entrever as foras, evidenci-
ando a potncia vital que tudo agita. A
competncia do artista encarnar, na o-
bra, a percepo da vida que pulsa nas coi-
sas, autonomizada de sua pessoa (Rolnik,
2001, p.30). O artista deve encontrar nas
coisas a vitalidade que delas emana e tra-
duzi-la para um meio de expresso que a
encarne.
Mas, do ponto de vista cognitivo,
como entender a expressividade como cap-
tura de foras e afectos, como entender
essa potncia vital que tudo agita e que o
artista faz aparecer em suas obras? Como
percebemos essas foras e de que modo o
artista as captura?
Para responder a estas perguntas,
iremos nos apoiar, principalmente, na teo-
ria da percepo do gestaltismo e no traba-
lho de trs autores que nos ajudaro a
compreender melhor os aspectos cogniti-
vos e experienciais da percepo e da cria-
o da expressividade na arte: Rudolf Ar-
nheim (1966, 1984, 2002, 2004), Daniel
Stern (1992, 2010) e John Dewey
(1934/2010). Na psicologia, vemos a teoria
gestaltista se destacar como uma alternati-
va a explicaes da expressividade pela
associao, empatia ou projeo de senti-
mentos. Koffka (1935/1975) e Khler
(1938/1976), ligados Escola de Berlim, e
mais tarde Arnheim (2002) cuja afinida-
de com o gestaltismo inquestionvel ,
sustentaram que o prprio objeto artstico
poderia portar um carter expressivo in-
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trnseco. Com isso, o problema da expres-
sividade2 pde ser recolocado em novos
termos.
Para os gestaltistas, os objetos pos-
suem um carter, seja ele estranho, gracio-
so, elegante, irritante ou outro. Esse carter
se deve prpria estrutura do objeto, sendo
uma propriedade formal, que possui um
sentido ou valor intrnseco. O fato expres-
sivo no se confunde com um signo, cujo
significado seria algo diferente dele pr-
prio. Ele fruto do carter objetivo da
forma e est sempre dado na percepo
direta (Guillaume, 1937/1966).
A introduo do conceito de campo
no estudo da percepo criou condies
para que a expressividade fosse entendida
como um fenmeno objetivo. O conceito
refere-se existncia de foras no meio
comportamental que determinam e regu-
lam nossa percepo e comportamento.
Assim, o campo pressupe no s a exis-
tncia de objetos no meio comportamental,
mas tambm a de suas propriedades din-
micas. O campo , na maior parte do tem-
po, heterogneo, ou seja, h nele sempre
uma tenso entre seus componentes e uma
direo de destaque para onde a percepo
atrada. O sujeito percebedor no somen-
te percebe tenses entre os diversos objetos
do campo, mas , ele prprio, parte deste
campo, estando sujeito ao das foras
que o compem. A expressividade uma
propriedade do objeto artstico e sua per-
cepo resulta de certa conformao de
foras e tenses perceptivas no campo, que
implicam o percebedor e o atingem de
forma vvida.
Arnheim (2002) desenvolve as i-
deias gestaltistas em seu trabalho e susten-
ta, de forma semelhante, que a expressivi-
dade uma qualidade intrnseca aos pr-
prios objetos. Sua teoria sobre a expresso
afirma a existncia de uma dinmica, ou
seja, de um jogo de foras, presente na
estrutura dos objetos. As obras de arte,
ento, seriam dinmicas por excelncia e
colocariam em evidncia o jogo de foras
intrnseco s coisas. tal atributo estrutu-
ral que confere unidade obra: graas a
ele, o objeto percebido porta certa qualida-
de, a que chamamos de expressividade. A
aparncia dinmica de um objeto revela
maneiras de comportamento, que possi-
bilitam que dele se diga que agressivo,
triste, enrgico, alegre, doce, suave, tenso,
e assim por diante. Em uma pintura, por
exemplo, as linhas, as cores e as formas
possuem direes, intensidades e deforma-
es que percebemos como foras e ten-
ses dirigidas. So estas foras e tenses
que do carter dinmico e expressivo
pintura. A expresso depende da percepo
do impacto dessas foras na obra. Tais
foras chegam vivas ao espectador e pro-
duzem a espcie de participao ativa que
distingue a experincia artstica da aceita-
Carij, M.; Kastrup, V.
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o separada da informao (Arnheim,
2002, p. 452).
As qualidades dinmicas so um
aspecto inseparvel da percepo, qualquer
que seja a modalidade sensorial nela impli-
cada. Apenas quando atentamos para as
propriedades mtricas daquilo que vemos
que existe alguma possibilidade de igno-
rarmos a expresso direta dos objetos ou
situaes. Quando apreendidos em termos
de suas qualidades dinmicas, os objetos
so percebidos como carregados de signifi-
cado expressivo. As descries mtricas
escondem a qualidade fundamental da ex-
perincia perceptiva, tal como a percepo
da ponta agressiva de um tringulo, o cho-
que dissonante de matizes coloridos ou o
arremesso do movimento explosivo (Ar-
nheim, 1984).
A arte afeta: expressividade e afetos de
vitalidade
Do mesmo modo, encontramos na
obra de Daniel Stern (1992, 2010) uma
importante fonte para entendermos a per-
cepo da expressividade artstica para
alm da transmisso ou projeo de senti-
mentos e emoes. Stern (2010) aponta
que, em nosso cotidiano, estamos total-
mente mergulhados em experincias de
vitalidade. A vitalidade seria uma espcie
de fora, de energia vital que percebemos
na ao das pessoas e em certas coisas ao
nosso redor. Podemos entender a experin-
cia de vitalidade pela anlise da dinmica
de eventos muito pequenos e que, segundo
Stern (2010), so a base dos momentos
psicolgicos e interpessoais de nossa vida:
a fora, velocidade e fluir de um gesto; o
timing e o acento de uma frase ou palavra;
o modo como algum abre um sorriso ou o
curso de tempo para desfaz-lo; o modo de
uma pessoa mudar de posio em uma ca-
deira; a mudana de direo ou o voo de
um olhar; a pressa de um pensamento. Es-
tes so exemplos de experincias em pe-
quena escala e que so a matriz para expe-
rienciarmos as outras pessoas e sentirmos
sua vitalidade. Para o autor, essa experin-
cia to central que ele chega mesmo a
afirmar que ns vivemos impresses de
vitalidade como ns respiramos o ar
(Stern, 2010, p.3).
Todavia, as experincias de vitali-
dade no estariam restritas ao encontro
com pessoas, mas tambm seriam caracte-
rsticas de outras situaes, como nossa
experincia com a arte. Uma vez que a
expressividade artstica refere-se, justa-
mente, ao carter dinmico e vvido das
obras de arte, podemos dizer que o fen-
meno da expressividade equivale experi-
ncia de vitalidade proposta por Stern. A-
final, uma obra de arte sempre mais do
que um simples objeto que se presta re-
cognio, e a fora de sua expressividade
est exatamente em sua intensa relao
Carij, M.; Kastrup, V.
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com os aspectos mais vitais de nossa expe-
rincia.
Podemos encontrar em um espet-
culo de dana ou teatro, por exemplo, uma
performance tcnica adequada, mas uma
pea s marca nossa experincia, de fato,
quando o artista consegue trazer ao seu
trabalho uma vitalidade dinmica nica
que se expressa no espetculo. A descrio
da experincia de Swann de escutar uma
msica, como mostramos, tambm revela a
grande vitalidade e dinmica que a msica
parece portar, atingindo o personagem com
intensidade.
Para explicar as experincias de vi-
talidade, Stern desenvolve o conceito de
afetos de vitalidade (Stern, 1992) ou
formas dinmicas de vitalidade (Stern,
2010)3. A compreenso do papel dos afetos
de vitalidade em nossa experincia percep-
tiva ser essencial para compreendermos o
fenmeno da expressividade e nos permiti-
r dispensar as noes de emoo e senti-
mento como base explicativa para o mes-
mo.
Stern acredita que os chamados afe-
tos categricos (alegria, tristeza, raiva, e
assim por diante) que corresponderiam s
emoes e aos sentimentos evocados pelas
teorias estticas e psicolgicas que apre-
sentamos no incio deste artigo no so
suficientes para descrever determinadas
formas de experincia. Ele sugere, ento,
que preciso acrescentar uma nova catego-
ria de afetos para dar conta delas, visto que
existem muitas qualidades de sensao que
no se ajustam ao nosso lxico ou taxono-
mia de afetos existentes (Stern, 1992). As-
sim, os afetos de vitalidade recobrem cer-
tas qualidades da experincia que so mais
bem designadas por termos dinmicos e
cinticos (geralmente adjetivos ou advr-
bios), como: explosivo, relaxante, tenso,
parado, crescente, pulsante, lnguido, ace-
lerado, fraco, decrescente, flutuante, pro-
longado, entre outros. So eles que trazem
a experincia de vitalidade para nossas
percepes, mas no so, de maneira al-
guma, emoes nem estados motivacio-
nais.
Os afetos de vitalidade no dizem
respeito ao contedo de uma experincia,
mas, antes, a sua forma dinmica. Relacio-
nam-se com o como, com o modo e esti-
lo atravs do qual uma experincia ocorre,
e no com o o que ou por qu desta.
Dessa forma, os afetos de vitalidade repre-
sentam um aspecto de nossa experincia
cotidiana que permeia todas as nossas a-
es e percepes, embora nem sempre
estejamos atentos a eles. Eles esto sempre
presentes, mesmo que fora de nossa cons-
cincia, enquanto afetos regulares como
alegria, tristeza e raiva, ora aparecem, ora
desaparecem de nossa experincia.
Assim, os afetos de vitalidade so
distintos dos afetos categricos, pois so
inerentes a todo comportamento. Eles po-
Carij, M.; Kastrup, V.
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dem ocorrer na presena ou no de afetos
categricos, no sendo a mesma coisa que
uma emoo. A emoo apenas um dos
possveis contedos que podem ser mode-
lados em formas dinmicas de vitalidade.
A dinmica no uma caracterstica per-
tencente a uma emoo em particular. Por
exemplo, um afeto de vitalidade de sobre-
carga pode tanto se referir a uma sobrecar-
ga de raiva ou alegria, quanto a uma inun-
dao de luz percebida, uma sequncia
acelerada de pensamentos, uma imensur-
vel onda de sentimentos despertada por
uma msica ou a injeo de narcticos.
Um afeto de vitalidade no se refere ao
contedo de um sentimento, mas a uma
forma que pode se referir a todo e qualquer
tipo de evento. O afeto de vitalidade ex-
plosivo, por exemplo, pode tanto se refe-
rir a um riso quanto a um levantar-se de
uma cadeira (Stern, 1992).
Stern afirma que a vitalidade uma
experincia subjetiva e uma realidade fe-
nomenal que possui uma base na ao fsi-
ca e em operaes mentais rastreveis, no
se confundindo, ento, com uma forma de
vitalismo. A base fsica dos afetos de vita-
lidade o movimento, e ele carrega consi-
go alguns componentes dinmicos impor-
tantes. Em primeiro lugar, uma vez que
todo movimento se desenvolve em certo
perodo de tempo, podemos atribuir a ele
um contorno ou perfil temporal, de acordo
com o modo como ele comea, se desen-
volve e termina. Assim, nossa percepo
do movimento caracteriza-se por um senso
de tempo, forma e durao. Alm disso,
quando percebemos movimento, geralmen-
te atribumos uma fora a ele e tendemos a
consider-la como intrnseca ou como es-
tando por trs dele. O movimento defi-
ne, tambm, certo senso de espao e, fi-
nalmente, parece possuir uma orientao,
ou seja, sentimos que ele vai a algum lu-
gar (Stern, 2010).
Stern define, dessa maneira, cinco
componentes dinmicos que caracterizari-
am nossa percepo de vitalidade: movi-
mento, tempo, fora (ou intensidade), es-
pao (ou forma) e orientao. Eles ocorrem
sempre simultaneamente, formando uma
espcie de Gestalt, ou, como o autor no-
meia, uma pntade dinmica fundamen-
tal (Stern, 2010, p.4). S podemos separ-
los de maneira terica ou analtica; a vita-
lidade sempre experimentada ou percebi-
da como um todo, surgindo como uma
propriedade emergente. Stern (1992) tam-
bm afirma que os componentes da vitali-
dade so qualidades amodais de nossa ex-
perincia. Isso significa que, apesar de
serem compartilhadas por todas as modali-
dades sensoriais, tais qualidades dinmicas
da experincia no so especficas de ne-
nhuma delas, sendo um aspecto mais glo-
bal de nossa experincia. Elas so caracte-
rsticas no somente de nossas experincias
sensoriais, mas de muitas outras formas de
Carij, M.; Kastrup, V.
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experincia. Por exemplo, podemos dizer
que uma cor (estmulo visual) possui tanta
intensidade quanto um som (estmulo audi-
tivo) ou um odor (estmulo olfativo); mas
tambm podemos perceber intensidade em
uma gama de experincias no sensoriais:
uma conversa pode ser intensa, um senti-
mento ou mesmo um pensamento.
Assim, em comparao com as e-
moes e sentimentos, os afetos de vitali-
dade esto mais aptos a exercerem um pa-
pel fundamental na percepo da expressi-
vidade artstica. Com eles, podemos enten-
der de que modo as obras de arte encarnam
sua expressividade, identificando nelas as
qualidades amodais dinmicas que as tor-
nam expressivas.
Para Stern (1992), os afetos de vita-
lidade se apresentam nas obras atravs do
estilo, ou seja, de acordo com o modo co-
mo as formas so tratadas na arte como
as cores e linhas so executadas em uma
pintura, por exemplo. Assim como com-
portamentos expressivos comportam afetos
de vitalidade, a expressividade de uma
obra de arte tambm seria uma funo do
estilo, variando segundo o modo como ela
executada, como nela se criam harmonias
de cores ou resolues lineares, e assim
por diante.
Cada forma de arte possui uma ma-
neira de traduzir os afetos de vitalidade no
campo do perceptvel. Cada uma delas,
recorrendo a seu prprio meio de expres-
so, incorpora s obras certa vitalidade (ou,
como preferimos, expressividade) atravs
da forma pela qual o movimento, o tempo,
a fora, o espao e a orientao so empre-
gados. Na msica, por exemplo, a intensi-
dade equivale qualidade amodal de fora
dos afetos de vitalidade. A altura perce-
bida como um reflexo da fora, o que sig-
nifica, por exemplo, que para que um pia-
nista alcance um som mais alto, ele deve
trazer mais peso para suas mos, de modo
que esta ao tenha um efeito perceptvel
para o pblico em geral. Isto vale para
qualquer instrumento. Do mesmo modo, o
esprito da velocidade das msicas resul-
ta de variaes no tempo e marcado pela
conveno musical, algo que est implica-
do nas indicaes de allegro (suave), an-
dante (andando rpido), entre outras. Estas
variaes ajudam tambm a construir a
forma de vitalidade a ser expressa.
Na dana e no teatro, diferentes afe-
tos de vitalidade resultam de variaes de
esforo e forma que permitem falar em
fora, velocidade, desacelerao, acelera-
o, energia, flexibilidade, etc. A singula-
ridade de uma interpretao vai variar,
segundo Stern, de acordo com a forma
como uma performance executada. Isso
fica evidente na seguinte passagem, em
que o autor descreve como a maneira de se
executar determinado movimento pode
criar efeitos dinmicos completamente
diferentes algo a que o clebre coregra-
Carij, M.; Kastrup, V.
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fo e diretor americano Jerome Robbins,
premiado pelo clssico musical West Side
Story, parecia ser muito sensvel:
Alguns recursos dinmicos so quase im-
possveis de codificar; no h linguagem
ou signo para eles. Dois exemplos da core-
ografia de Jerome Robbins so notveis.
Pediu-se a uma danarina que ela virasse
sua cabea bruscamente para o lado, em
noventa graus. Ela o fez, e pareceu bom,
mas no foi exatamente o que Robbins
queria, ento ele disse, vire a cabea co-
mo se voc tivesse levado um tapa na cara,
forte. Quando ela fez isso, o efeito foi
bem diferente. (Stern, 2010, p.86)
Assim, cada forma de arte possui
sua prpria maneira de codificar as formas
dinmicas. Cada tipo de arte encontra suas
prprias tcnicas para criar, basicamente,
as mesmas formas vitais compartilhadas
por todas.
Entretanto, uma vez que Stern toma
o movimento como elemento central para
explicar o carter dinmico das experin-
cias de vitalidade, podemos nos perguntar
como os afetos de vitalidade podem com-
parecer nas chamadas artes estticas, como
a pintura, a fotografia e a escultura. Stern
(2010) prev algumas explicaes poss-
veis para estes casos, embora no se esten-
da muito nelas. Em primeiro lugar, aponta
que a percepo de uma figura esttica no
instantnea, mas leva tempo para ser cri-
ada. Para que uma figura esttica seja vista,
precisamos explor-la, viajar com os olhos
sobre ela, algo que leva tempo e que no
feito de maneira suave e uniforme. Para
Stern, formas visuais estticas, como as
cores, tambm implicam movimento. Por
exemplo, as cores quentes, como o verme-
lho, tendem a se projetar para frente em
nossa percepo, e as cores frias tendem a
retroceder. Para o autor, as cores
(...) so como uma fora que age em voc.
Curvas se movem suave e graciosamente,
enquanto ngulos agudos se movem de
forma denticulada. As linhas horizontais e
verticais colocam o observador no espao
virtual de maneira diferente das linhas dia-
gonais, e assim por diante. (Stern, 2010, p.
31)
A posio de Stern encontra resso-
nncia na teoria gestaltista da percepo,
que a compreende como resultado de uma
srie de interaes de foras e vetores no
campo perceptivo, e concorda especial-
mente com a posio de Rudolf Arnheim,
quando este analisa esse jogo de foras
perceptivas no campo da arte. Para que as
qualidades amodais apontadas por Stern
sejam percebidas, no preciso nenhum
movimento real do objeto percebido. As
foras perceptivas so de origem mental e
surgem da interao da estrutura dinmica
das obras de arte com nosso sistema per-
ceptivo. Arnheim afirma que no h qual-
quer razo para no falarmos em foras
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perceptivas e em percepo de movimento
mesmo quando estamos diante de um sim-
ples desenho num papel. Por exemplo,
quando estamos diante de uma figura em
que h um ponto preto ligeiramente deslo-
cado para a direita em relao ao centro de
um retngulo dentro do qual ele se encon-
tra. Embora seja fisicamente esttica, ten-
demos a perceber na figura um movimento
tendencial do ponto preto em direo
borda direita da imagem ou, ao contrrio,
em direo ao centro dela. O gestaltismo
explica esse fenmeno atravs da lei da
boa-forma, que postula que nossa atividade
perceptiva tende a equilibrar uma situao
dada. Se compararmos essa primeira figura
com uma segunda, em que o ponto preto se
situa perfeitamente centralizado em relao
ao retngulo que o envolve, veremos que,
na ltima, o mesmo ponto se apresenta
mais estvel e esttico, uma vez que sua
posio no campo perceptivo est mais
equilibrada do que na primeira figura. As-
sim, nossa percepo est permanentemen-
te sujeita a experimentao de foras per-
ceptivas e a arte , por excelncia, um
campo de explorao dessas foras (Ar-
nheim, 2002).
Arnheim descreve a expressividade
como um fenmeno diretamente relaciona-
do com a dinmica das formas, sendo uma
qualidade fundamental de toda percepo.
Tomando como exemplo a viso, Arnheim
afirma que a percepo visual consiste na
experimentao de foras visuais (Ar-
nheim, 2002, p. 405). A dinmica a qua-
lidade responsvel pela percepo da ex-
presso. O autor observa que qualquer des-
crio adequada de uma obra de arte car-
regada de termos dinmicos, que visam dar
conta de seu carter expressivo. Os percep-
tos so proeminentemente dinmicos, ou
seja, so percebidos como possudos por
foras dirigidas (Arnheim, 1984).
Arnheim (2002) sustenta que so as
caractersticas dinmicas dos traos, cores
e configuraes que tornam uma obra de
arte expressiva. Para ele, no so sentimen-
tos que so expressos por uma obra, mas
qualidades dinmicas de toro, expanso,
solidez, esforo, entre outros, que so reve-
ladas atravs da conformao dinmica que
assume a obra. Para o autor, o esqueleto
estrutural de uma obra de arte revela o te-
ma dinmico de uma obra, bem como as
foras perceptveis que nela atuam, desper-
tando na mente do observador uma corres-
pondente configurao de foras, que che-
gam a ele vivas e que lhe permitem perce-
ber sua expressividade.
Por exemplo, o famoso quadro de
Munch, convenientemente intitulado Me-
lancolia, apresenta, atravs de um meio
visual, um afeto de vitalidade tal como o
decaimento, que se expressa pela inten-
sidade das cores usadas e por certo gradi-
ente que formam, assim como pela forma e
pelo ritmo sugeridos por suas linhas. As
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qualidades dinmicas dos afetos de vitali-
dade no so distinguidas como tais na
experincia do observador, mas so expe-
rimentadas como uma unidade.
Para Arnheim (1984), a arte faz
com que percebamos os estados dinmicos
presentes na obra de arte atravs de uma
experincia com caractersticas prprias.
Esta experincia admite relaes variveis
entre a estrutura dinmica da obra e o per-
cebedor, relaes estas que se caracterizam
por trs estados possveis diferentes. Em
um primeiro nvel, as estruturas no so
apreendidas em seu aspecto dinmico. A
obra , ento, percebida em suas proprie-
dades estticas, caracterizando uma situa-
o de mera apreenso de informao, em
oposio a uma experincia artstica plena
(que capta as propriedades dinmicas dos
objetos). Este o caso, por exemplo, de
quando observamos e descrevemos uma
pintura como um aglomerado de objetos,
sem nos darmos conta de seu efeito prim-
rio, que o efeito expressivo.
Num segundo nvel, os traos di-
nmicos daro vida no somente aos per-
ceptos do mundo fsico, mas tambm s
sensaes corporais, principalmente s que
se referem a indicaes cinestsicas dos
esforos e tenses musculares. Aqui, en-
contramos uma ideia nova, muito pouco
explcita nos trabalhos do autor, que chama
a ateno para um efeito de ressonncia
corporal, que em algumas pessoas e em
certas ocasies refora notavelmente a ex-
perincia artstica, atravs do sentido ci-
nestsico. Estas sensaes funcionam co-
mo um objeto perceptivo e ocorrem no s
no artista, mas tambm no espectador. Po-
dem ser suscitadas pela percepo de qual-
quer sistema expressivo em qualquer meio,
tais como as formas dinmicas da msica,
da arquitetura ou da pintura. (Arnheim,
1966).
Num terceiro nvel, a dinmica do
produto artstico envolve o prprio eu do
observador, criador ou intrprete. Tal inva-
so do eu pela dinmica da obra de arte
seria responsvel, por exemplo, por uma
afetao pela obra de tal intensidade que o
espectador chega mesmo a chorar. Mas
importante ressaltar que esta afetao no
se explica pela histria de vida ou por sen-
timentos de um eu; um produto da pe-
netrao das foras dinmicas perceptivas,
fruto de uma ressonncia corporal muito
forte de tais foras no espectador.
Deste modo, no reconhecemos a-
penas a presena de uma agitao numa
pea musical ou a desconcertante vacilao
dos pensamentos de Hamlet; no texto de
Shakespeare, tanto o artista quanto seu
pblico sentem estes estados dinmicos
como experincias em seu prprio corpo.
Quando a percepo se d de maneira est-
tica, os traos dinmicos dotam de vida
no s os perceptos do mundo fsico, mas
tambm as sensaes recebidas dentro do
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corpo, sobretudo as indicaes cinestsicas
dos esforos e tenses musculares. Estas
sensaes funcionam como um objeto per-
ceptivo. Animada pelo seu carter dinmi-
co, a interpretao do ator ou bailarino
expressiva, algo mais que um frio mos-
trurio de gestos. Assim, sensaes cines-
tsicas tambm podem ocorrer no especta-
dor.
interessante notar que muitos au-
tores afirmam que a percepo da expres-
sividade envolve o corpo de maneira dire-
ta. Assim, quando apreciamos uma obra de
arte, ao nosso corpo que ela se enderea
primariamente: num nvel ainda indescri-
tvel em palavras, mas de realidade e con-
cretude intensas, que ela causa um impacto
que , antes de tudo, corporal.
Os trabalhos de Arnheim e Stern
nos ajudam a defender e sustentar a ideia
de que a expressividade no se explica pelo
contgio do pblico pela emoo pessoal
do artista, nem pela projeo de nossos
prprios sentimentos sobre as obras de
arte, mas pode ser compreendida pelo car-
ter dinmico das prprias obras, que por-
tam, pelo modo como exibem as formas,
cores, movimentos, e assim por diante,
certos afetos de vitalidade que lhes do um
carter expressivo nico.
Concluso: o fenmeno da expresso sob
a perspectiva da expressividade
A explicao do fenmeno da ex-
pressividade tem consequncias diretas
para o entendimento do fenmeno da ex-
presso, entendido aqui como o processo
atravs do qual o artista torna suas obras
expressivas. Como vimos, a maioria das
teorias estticas e psicolgicas entendem
que, no processo de criao, o artista, de
algum modo, exprime seus sentimentos e
seu eu atravs da arte. Porm, se recusa-
mos a ideia de que as obras expressam
emoes e sentimentos dos artistas, elimi-
namos tambm a ideia de que expressar
emoes o que os artistas fazem. Agora
podemos lanar um novo olhar sobre a
expresso, tomando-a como um processo
atravs do qual o artista cria com foras
dinmicas, apresentando essas foras em
sua obra com base, principalmente, em sua
percepo.
Se entendermos o ato de criao ar-
tstica tal como proposto por John Dewey
(1934/2010), admitiremos que a percepo
esttica no uma atividade exclusiva do
percebedor, sendo central tambm para o
ato de criao artstica. Assim, o processo
de criao no uma descarga de senti-
mentos ou uma via de autoexpresso. Todo
ato de criao artstica abarca uma percep-
o esttica. Ou seja, ao criar, o artista as-
sume tambm o papel de espectador, j que
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toda criao se fundamenta na percepo
de relaes que vo se estabelecendo na
obra ao longo de sua produo e que orien-
tam o trabalho. O artista seleciona e rene
materiais que sero trabalhados a fim de
criar uma obra na qual se encarnam um
sentido e uma qualidade expressiva que
penetram o todo da experincia.
O autor destaca que nem toda ativi-
dade de dentro para fora (Dewey,
1934/2010, p.164) , por isso, expressiva.
Uma tempestade de paixo, por exemplo,
no constitui um ato expressivo, visto que
nela existe apenas atividade. O sujeito d
vazo a um acesso de paixo, mas no h
nem reflexo, nem a transformao de e-
lementos do meio em veculos expressivos.
H apenas um transbordamento. A descar-
ga afetiva uma condio necessria, mas
no suficiente da expresso. Descarregar
livrar-se de algo, descart-lo; expressar
ficar com a turbulncia, lev-la adiante em
seu desenvolvimento, elabor-la at sua
concluso (Dewey, 1934/2010, p. 148-
149). Para haver expresso, h que se ela-
borar as condies objetivas e moldar o
material para que ele encarne tal agitao.
Dewey afirma que, ao longo do ato
expressivo, h uma emoo que guia o
processo at sua concluso. Mas preciso
esclarecer que, para o autor, a emoo que
guia um ato expressivo no um afeto
categrico que o artista sente e que busca
expressar em sua obra. A emoo apresen-
tada por Dewey antes se assemelha noo
de afetos de vitalidade apresentada por
Stern (1992, 2010) e possui um papel de
extrema importncia na conduo do ato
de expresso, embora no constitua seu
contedo.
A emoo, para Dewey, possui uma
funo fundamental no processo expressi-
vo devido a seu carter seletivo. Ela pode
ser comparada com um clima predominan-
te que exclui tudo aquilo que no se incor-
pora a ele. Ela seleciona tudo que lhe
cognato, que pode aliment-la e levar o
processo de criao a uma concluso. Ela
extrai matria de uma multiplicidade de
objetos, numrica e espacialmente separa-
dos, e condensa o que abstrado em um
objeto que uma sntese dos valores per-
tencentes a todos (Dewey, 1934/2010, p.
157).
Esta emoo parece sobrepor-se ao
prprio artista, pois responsvel pela cri-
ao de um encadeamento que se apresenta
ao espectador como intrinsecamente neces-
srio, seguindo uma lgica prpria, que
est acima da inteno consciente. Dewey
coloca que esta a razo pela qual, de vez
em quando, no irritamos ou nos ofendemos
com certas obras de arte, em que a seleo
e a montagem dos materiais no parecem
guiados por uma emoo inerente a ela,
mas por um esforo do autor em despertar
no espectador determinada emoo pr-
definida, que no condiz com o clima geral
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da obra. Em um romance, por exemplo,
isto ocorre quando o autor faz de um per-
sonagem um fantoche para expor uma i-
deia que ele mesmo aprecia. Este tipo de
manobra causa-nos muitas vezes desagra-
do, visto que provm de fora do movimen-
to temtico da obra.
preciso, ento, que a criao ar-
tstica tambm esteja pautada na captura de
um afeto de vitalidade. O trabalho do artis-
ta consiste, entre outras coisas, em conse-
guir transmitir, em sua obra, a dinmica
desse afeto, e no sua prpria subjetivida-
de. isso que Matisse parece querer afir-
mar quando descreve a importncia de se
capturar as foras dinmicas da natureza
atravs da pintura:
na expresso de ritmo que a atividade do
artista ser realmente criativa (...). Na Na-
tureza-morta com magnlia, transmiti com
o vermelho uma mesa de mrmore verde;
em uma outra parte, precisei de uma man-
cha preta para evocar a reverberao do sol
sobre o mar; todas essas transposies no
foram de forma alguma fruto do acaso ou
de sabe-se l qual fantasia, mas o resultado
de uma srie de pesquisas depois das quais
essas cores me apareceram como necess-
rias, dada sua relao com o restante da
composio, para transmitir a impresso
desejada. As cores, as linhas, so foras, e
no jogo dessas foras, no equilbrio entre
elas, reside o segredo da criao. (Matisse,
2007, p. 371-372)
Assim, o que parece estar no cerne
do fenmeno da expressividade no a
comunicao de uma emoo ou sentimen-
to. A forma como as coisas nos afetam
transmitida de maneira vital por uma obra
de arte atravs das qualidades dinmicas da
percepo, que so comuns a todos os
meios expressivos e a todas as modalida-
des perceptivas, qualidades estas que cons-
tituem afetos de vitalidade. Estes, sim, con-
tribuem para o surgimento do carter ex-
pressivo de uma obra de arte, conferindo-
lhe um carter vivo e esttico. Nosso corpo
diretamente afetado pela percepo da
expressividade, sendo tomado por uma
espcie de ressonncia com as obras de
arte. A percepo da expressividade artsti-
ca no resulta, ento, de processos mera-
mente intelectuais, mas de uma espcie de
sintonia que se estabelece entre nosso cor-
po e os afetos de vitalidade responsveis
pelo carter expressivo de uma obra.
Notas
1 Todas as tradues de obras no publica-
das em portugus so de nossa responsabi-
lidade.
2 importante ressaltar que o termo ex-
pressividade (e mesmo expresso) foi
raramente utilizado pelos autores gestaltis-
tas em seus textos. Apenas em Guillaume
(1937/1966) encontramos explicitamente o
uso do termo expresso. Khler
Carij, M.; Kastrup, V.
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(1938/1976) utiliza os termos valor e
exigncia; Koffka (1935/1975) fala em
caracteres fisionmicos; outras vezes
encontramos termos como qualidades
tercirias, caracteres exigentes e fisio-
nomia moral na obra dos autores da Esco-
la de Berlim. Entretanto, em todos estes
casos, os autores tratam do mesmo fen-
meno perceptivo que aqui denominamos
expressividade.
3 As duas expresses foram utilizadas pelo
autor para designar o mesmo fenmeno, tal
como ele prprio afirma em seu livro mais
recente, Forms of Vitality (Stern, 2010).
Aqui, seguiremos utilizando a expresso
afetos de vitalidade, pois acreditamos
que a palavra afeto transmite melhor o e-
feito da vitalidade no percebedor, pelo fato
de sugerir um movimento de fora para den-
tro, indicando uma verdadeira afetao do
homem pelas coisas, numa espcie de as-
salto da percepo.
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Maria Clara de Almeida Carij: Mestre
em Psicologia e atualmente doutoranda do
Programa de Ps Graduao do Programa
de Ps-Graduao em Psicologia da UFRJ,
sendo bolsista do CNPq.
E-mail: [email protected]
Virgnia Kastrup: Doutora em Psicologia
e pesquisadora do CNPq. professora do
Instituto de Psicologia e do Programa de
Ps-Graduao em Psicologia da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro.
E-mail: [email protected]
Recebido em: 16/05/2014 Aceito em: 20/10/2014