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FACULDADES BOM JESUS - FAE BUSINESS SCHOOL UMA ANÁLISE DA PERFORMANCE DO SISTEMA DE METAS INFLACIONÁRIAS DO BRASIL CURITIBA OUTUBRO DE 2004

uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

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FACULDADES BOM JESUS - FAE BUSINESS SCHOOL

UUMMAA AANNÁÁLLIISSEE DDAA PPEERRFFOORRMMAANNCCEE DDOO SSIISSTTEEMMAA DDEE MMEETTAASS IINNFFLLAACCIIOONNÁÁRRIIAASS DDOO BBRRAASSIILL

CURITIBA OUTUBRO DE 2004

Page 2: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

DANIEL THÁ

UUMMAA AANNÁÁLLIISSEE DDAA PPEERRFFOORRMMAANNCCEE DDOO SSIISSTTEEMMAA DDEE MMEETTAASS IINNFFLLAACCIIOONNÁÁRRIIAASS DDOO BBRRAASSIILL

Monografia de Conclusão de Curso apresentada pelo aluno Daniel Thá ao

curso de Ciências Econômicas da FAE Business School, sob a

orientação do Professor Lucas Lautert Dezordi.

CURITIBA OUTIBRO DE 2004

Page 3: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS v

LISTA DE GRÁFICOS vi

LISTA DE SIGLAS viii

RESUMO ix

INTRODUÇÃO 1

1 AS METAS INFLACIONÁRIAS COMO UM SISTEMA DE

CONDUÇÃO PARA A POLÍTICA MONETÁRIA

5

1.1 POLÍTICA MONETÁRIA, EQUILÍBRIO MACROECONÔMICO E

METAS PARA INFLAÇÃO

5

1.2 O SISTEMA DE METAS INFLACIONÁRIAS 9

1.3 REGRAS VERSUS DISCRIÇÃO E O SISTEMA DE METAS 12

2 O ARCABOUÇO TEÓRICO DO SISTEMA DE METAS DE

INFLAÇÃO

16

2.1 APONTAMENTO DA META 17

2.2 INTERAÇÃO DA META COM OUTROS OBJETIVOS DE

POLÍTICA ECONÔMICA

18

2.3 DETERMINAÇÃO DO NÍVEL DA META E SEU IDEAL 20

2.4 O HORIZONTE DA META 23

2.5 O ÍNDICE DE PREÇOS BALIZADOR DO SISTEMA 25

2.6 DISCUSSÕES SOBRE O TAMANHO DO ALVO 27

2.7 A NECESSIDADE DAS PROJEÇÕES E A NATUREZA

INTRÍNSECA DE FORWARD LOOKING DO SISTEMA

29

2.8 CREDIBILIDADE, TRANSPARÊNCIA E INFORMAÇÕES

REQUERIDAS PELO SISTEMA DE METAS

31

2.9 O PAPEL DO BANCO CENTRAL E SUA RESPONSABILIDADE 34

3 O SISTEMA DE METAS PARA A INFLAÇÃO NO CONTEXTO

MACROECONÔMICO

37

Page 4: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

3.1 CANAIS DE TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA E O

SISTEMA DE METAS

37

3.2 CONFLITOS DE COORDENAÇÃO FISCAL, FINANCEIRA E

EXTERNA

41

4 A IMPLEMENTAÇÃO E A PERFORMANCE DO SISTEMA DE

METAS DE INFLAÇÃO NO BRASIL

45

4.1 CONDICIONANTES HISTÓRICAS DA ECONOMIA NACIONAL

ANTES DA ADOÇÃO DO REGIME DE METAS INFLACIONÁRIAS

45

4.2 O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO

NO BRASIL

54

4.3 ESTRUTURA MACROECONÔMICA BRASILEIRA E IMPACTOS

NA FORMAÇÃO DE PREÇOS

60

4.4 A PERFORMANCE DO SISTEMA DE METAS 66

4.4.1 Choque de Preços Relativos: 1999 66

4.4.2 - A Contemplação do Regime de Metas: 2000 69

4.4.3 O Primeiro Não Cumprimento das Metas de Inflação: 2001 72

4.4.4 Crise Política, Crise Cambial e Novo Desrespeito às Metas: 2002 77

4.4.5 Redução da Inflação às Custas de Juros Altos: 2003 81

CONCLUSÃO 85

REFERÊNCIAS 87

Page 5: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

LISTA DE TABELAS 4.4.3 EVOLUÇÃO DAS CONTAS EXTERNAS BRASILEIRAS - 2001 75

4.4.4 EVOLUÇÃO DAS CONTAS EXTERNAS BRASILEIRAS - 2002 78

Page 6: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

LISTA DE GRÁFICOS

4.1 - 1 INFLAÇÃO NO INÍCIO DO PLANO REAL SOB ÂNCORA

CAMBIAL (JAN/94 - DEZ/95)

48

4.1 - 2 COMPORTAMENTO DO SALDO COMERCIAL APÓS A

ADOÇÃO DA ÂNCORA CAMBIAL (JAN/94 - DEZ/95)

49

4.1 - 3 EVOLUÇÃO DOS JUROS, DA INFLAÇÃO E DOS JUROS

REAIS (JUL/94 - JAN/99)

50

4.1 - 4 EVOLUÇÃO DA COTAÇÃO DO DÓLAR FRENTE AO REAL

(JUL/94 - JAN/99)

54

4.2 - 1 EVOLUÇÃO DOS PREÇOS NO ATACADO E NO VAREJO -

IPCA (JUL/95 - JUN/04)

55

4.2 - 2 MECANISMOS DE TRANSMISSÃO DA POLÍTICA

MONETÁRIA

59

4.4.1 - 1 VARIAÇÃO ANUAL DO PRODUTO GLOBAL E POR

SETORES E DA TAXA DE DESEMPREGO - 1999

68

4.4.1 - 2 VARIAÇÃO ANUAL DE PREÇOS SELECIONADOS AO

CONSUMIDOR - 1999

69

4.4.2 - 1 VARIAÇÃO ANUAL DO PRODUTO GLOBAL E POR

SETORES E DA TAXA DE DESEMPREGO - 2000

71

4.4.2 - 2 VARIAÇÃO ANUAL DE PREÇOS SELECIONADOS AO

CONSUMIDOR - 2000

72

4.4.3 - 1 VARIAÇÃO ANUAL DO PRODUTO GLOBAL E POR

SETORES E DA TAXA DE DESEMPREGO - 2001

73

4.4.3 - 2 EVOLUÇÃO DA TAXA DE CÂMBIO AO LONGO DE 2001 74

4.4.3 - 3 VARIAÇÃO ANUAL DE PREÇOS SELECIONADOS AO

CONSUMIDOR - 2001

76

4.4.4 - 1 EVOLUÇÃO DA TAXA DE CÂMBIO AO LONGO DE 2002 79

4.4.4 - 2 VARIAÇÃO ANUAL DO PRODUTO GLOBAL E POR 79

Page 7: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

SETORES E DA TAXA DE DESEMPREGO - 2002

4.4.4 - 3 VARIAÇÃO ANUAL DE PREÇOS SELECIONADOS AO

CONSUMIDOR - 2002

81

4.4.5 - 1 VARIAÇÃO ANUAL DO PRODUTO GLOBAL E POR

SETORES E DA TAXA DE DESEMPREGO - 2003

83

4.4.5 - 2 VARIAÇÃO ANUAL DE PREÇOS SELECIONADOS AO

CONSUMIDOR - 2003

84

4.4.5 - 3 METAS PARA A INFLAÇÃO, BANDAS E INFLAÇÃO

OBSERVADA (JAN/99 - JUL/04)

84

Page 8: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

LISTA DE SIGLAS

BC – Banco Central do Brasil

FGV – Fundação Getúlio Vargas

FMI – Fundo Monetário Internacional

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

PIB – Produto Interno Bruto

URV – Unidade Real de Valor

Page 9: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

RESUMO

O objetivo desta monografia é analisar a performance do sistema de metas de inflação no Brasil e apresentar as dificuldades que o sistema vem encontrando. Para tanto analisou-se as metas inflacionárias como um sistema de condução para a política monetária, o arcabouço teórico do mesmo, o regime inserido no complexo econômico global e a implementação e performance do sistema brasileiro. Mesmo após a adoção do regime de metas inflacionárias, que em teoria mostra-se flexível, a conduta da política monetária brasileira tem se mostrado bastante rígida. Embora o regime de metas brasileiro tenha obtido êxito em 1999 e em 2000, nos três anos subsequentes as metas não foram cumpridas. A estrutura produtiva do país, dependente de insumos importados, o elevado grau de endividamento do setor público, o arcabouço do regime nacional e a formação dos preços monitorados são exemplos de fatores que, quando combinados, requerem um alto grau de estabilidade mundial para que o sistema torne-se assertivo.

Page 10: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

INTRODUÇÃO

O regime de metas para a inflação é um sistema de condução de política

monetária relativamente simples. Em tal regime, uma instituição designada

estabelece uma meta para o aumento dos preços de uma economia ao longo de um

intervalo de tempo pré determinado e balizado por um determinado índice. O

governo, desta forma, se compromete formalmente com o controle dos preços,

gerando assim confiança à sociedade e principalmente aos mercados, de que não

haverá manobras políticas ou ações econômicas populistas que desviem o país de

sua estabilidade.

O sistema de metas para a inflação é constituído por um arcabouço

institucional, onde são considerados o intervalo de tolerância das metas, o horizonte

de projeção da inflação futura, a forma com a qual o Banco Central se comunica

com a sociedade e com os mercados, as punições envolvidas em caso de não

conformidade com a meta, a delegação dos membros que escolhem as mesmas, e

assim por diante.

Quando comparado às metas para os agregados monetários ou mesmo à uma

gestão da política monetária totalmente discricionária, tal qual a praticada hoje pelos

Estados Unidos, o regime de metas para a inflação se torna simples de ser

compreendido e implementado. Por conta disso, um número cada vez maior de

países ao longo dos últimos anos vêm implementando tal sistema. Neste rol de

adeptos encontram-se países tanto desenvolvidos como em desenvolvimento.

No Brasil, a adoção do regime de metas inflacionárias se deu em meio à uma

turbulenta conjuntura internacional, onde a ameaça de descontrole da recém

conquistada estabilidade monetária nacional era real. A mudança de regime cambial,

que passou das mini bandas para o câmbio flutuante, foi não apenas abrupta como

ocorreu em conjunto com a maxi-desvalorização do Real. A combinação da grande

desvalorização cambial com a mudança de regime da política cambial fez com que a

referência de valor da moeda nacional - o preço do dólar - se perdesse. Uma vez que

Page 11: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

a moeda estrangeira era utilizada como âncora nominal para os preços, desde a

implementação da URV (Unidade Real de Valor) em 1994, a estabilidade monetária

foi posta em cheque.

A política monetária também ficou desamparada, uma vez que sua condução

passou quase cinco anos focada na manutenção da paridade cambial. Para conceder

à economia uma nova âncora nominal e impedir que as expectativas de inflação se

deteriorassem, o Banco Central do Brasil, presidido por Armínio Fraga, propôs a

implementação do regime de metas de inflação. O novo sistema propunha uma

mudança na ótica da condução da política monetária, uma vez que suas autoridades1

passariam a se focar na inflação futura ao invés da passada, ou mesmo na

manutenção da paridade cambial estabelecida pelas mini bandas. Ao contrário, a

correção nos instrumentos de transmissão da política monetária para o atendimento

das metas estabelecidas se daria ex ante. A taxa de juros nominal de curto prazo,

representada pela meta para a taxa referencial Selic, seria o principal instrumento de

atuação da política monetária.

Em 21 de junho de 1999, através do Decreto Lei número 3.088, o país

oficialmente adotou o regime de metas inflacionárias. O novo sistema fez uso do

IPCA, Índice de Preços ao Consumidor Amplo, calculado pelo Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE), como balizador das metas propostas. O indicador

é avaliado por sua variação total, ou "headline", e não expurga nenhum tipo de

variação, independentemente de eventos externos ao poder da conduta da política

monetária, tais como choques externos ou abruptas variações climáticas. O Conselho

Monetário Nacional, órgão normativo da política monetária brasileira e composto

pelo Ministro da Fazenda, Ministro do Planejamento e Presidente do Banco Central,

optou por tal índice oficialmente em 30 de junho de 1999.

1 No Brasil as autoridades monetárias são compostas pelo CMN - Conselho Monetário Nacional, que age como o órgão normativo para a política não apenas monetária mas sim econômica, e pelo BC - Banco Central do Brasil, que atua como o órgão executor da política determinada pelo CMN.

Page 12: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

A melhor escolha técnica, de acordo com Bogdanski, Tombini e Werlang

(1999), teria sido um índice com uma cláusula de escape para as variações

temporárias ou choques primários de oferta, que assim seriam absorvidos sem

maiores efeitos na política monetária. Entretanto, a adoção do índice cheio

("headline") veio de encontro à necessidade de se conquistar credibilidade, e

também foi justificada pela experiência prévia que o país teve com possíveis

manipulações nos índices de preços.

Embora o regime de metas brasileiro tenha obtido êxito em 1999 e em 2000,

nos três anos subsequentes, no entanto, o Banco Central não convergiu a inflação

real para as expectativas estabelecidas. Uma vez admitindo-se que os fatores que

levaram ao insucesso das metas no Brasil ao longo do último triênio advém de

particularidades do sistema nacional, vislumbra-se o mesmo como sendo mais rígido

do que sua proposta primária, muito embora em teoria o regime de metas para a

inflação seja flexível.

Pode-se, de uma maneira general, apontar quatro fatores fundamentais para o

não cumprimento das metas estabelecidas nos anos de 2001, 2002 e em 2003. O

primeiro deles relaciona-se à estrutura produtiva do país, que é dependente de

insumos importados, logo suscetíveis à variações cambiais. O segundo fator condiz

ao elevado grau de endividamento do setor público, que faz com que o estado

necessite remunerar acima dos preços internacionais sua dívida, enquanto que a

mesma aumenta quando os juros aumentam no objetivo de conter a inflação. Já o

terceiro fator corresponde ao arcabouço do regime de metas adotado no Brasil, que

provou-se ser muito rígido. O quarto fator atribui-se à formação dos preços

monitorados pelo governo, que geram uma inflação que não consegue ser

diretamente combatida pela política monetária. Quando combinados, tais fatores

acabam por requerer um alto grau de estabilidade mundial para que o sistema, tal

como posto, torne-se assertivo. Muito embora estes fatores não perfaçam

necessariamente todos os motivos para o insucesso do regime, eles compõe um

Page 13: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

cenário onde, mesmo que as outras condições se mantivessem constantes e

favoráveis, problemas de estabilidade e conduta da política monetária surgiriam.

O objetivo desta monografia é analisar a performance do sistema de metas de

inflação no Brasil e apresentar as dificuldades que o sistema vem encontrando na

volátil economia nacional. Ao longo do primeiro capítulo, portanto, propõe-se

discutir o sistema de metas como uma alternativa aos outros sistemas de conduta

monetária, como as metas para agregados monetários ou sistema de câmbio fixo ou

controlado. Ademais, discute-se brevemente o papel das políticas de total discrição

ou regradas para o melhor sucesso da conduta monetária, bem como seu propósito

dentro da complexidade das políticas econômicas.

O capítulo dois discute o arcabouço teórico do sistema de metas e suas várias

particularidades, como o apontamento da meta, a necessidade de interação da

mesma com outros objetivos de política, a própria definição da meta, seu nível e

horizonte, o índice de preços que a baliza, o tamanho do alvo, o crítico papel da

credibilidade e da transparência do Banco Central, além das projeções.

Já o capítulo três visa, ainda dentro da teoria do regime de metas, identificar e

trabalhar as necessidades de coesão entre as condutas monetária, fiscal, externa e

financeira, além de identificar os canais de transmissão da política monetária e os

que melhor se aplicam ao sistema.

O capítulo quatro propõe-se a contextualizar a conduta da política monetária

brasileira desde a financeirização do país até a implementação do Plano Real.

Ademais, pretende-se discutir a adoção do regime de metas para a inflação no

Brasil, considerando-se a estrutura macroeconômica nacional no âmbito do sistema

de metas, além de se contextualizar a conjuntura nacional ao longo dos anos de

vigência do sistema.

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1 AS METAS INFLACIONÁRIAS COMO UM SISTEMA DE CONDUÇÃO

PARA A POLÍTICA MONETÁRIA

1.1 POLÍTICA MONETÁRIA, EQUILÍBRIO MACROECONÔMICO E METAS

PARA INFLAÇÃO

Um país, por definição, deve buscar a promoção do bem estar de seus

habitantes. É função do Estado fornecer, além de bens e serviços, condições para o

crescimento e desenvolvimento econômico. Nesse contexto estão as políticas

econômicas de curto prazo, que visam o equilíbrio macroeconômico. Quando os

quatro principais mercados - monetário, real, de trabalho e externo - não apresentam

grande volatilidade e há equilíbrio entre os mesmos, naturalmente criam-se

expectativas de continuidade do cenário de equilíbrio e os empresários se permitem

aumentar sua produtividade, enquanto outros buscam novas formas de investimento.

São tais aumentos reais de produtividade, contratações e investimentos que farão

com que a economia cresça e com que seus habitantes se desenvolvam.

Este raciocínio sobre o papel do estado leva em consideração a vontade

inerente ao indivíduo de empreender e trabalhar as oportunidades da economia em

seu benefício. Como descreveu Adam Smith, em 1776, o açougueiro abre seu

negócio não por estar preocupado com o nível de consumo de proteína da população

local, mas sim por acreditar que aquele negócio lhe trará lucros. Além da lógica

capitalista, existe uma séria restrição temporal no raciocínio acima descrito. Como

apontado por Keynes, em 1936 na Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda,

existe um lapso de tempo entre os custos incorridos na produção de um bem ou

serviço e o pagamento deste mesmo bem ou serviço pelo consumidor final,

momento no qual o dinheiro investido retornaria, junto com o resultado econômico

gerado. Esse espaço de tempo, que em determinados casos, como a agricultura, pode

ser muito grande, transporta as decisões de produção e de investimento para o

futuro. É justamente essa questão temporal que concede à política monetária um

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papel estabilizador, uma vez que deve estar constantemente focada no futuro. O

papel do estado, quando atuando através da política monetária, portanto, é o de

estabilizar os mercados e manter tal equilíbrio.

O equilíbrio nos quatro mercados, requisitado para o crescimento sustentável,

deve necessariamente ser atingido respeitando os limites da estrutura da economia,

ou seus 'fundamentais'. Como descrito por Netto (1999, pág. 366), "é preciso aceitar

o fato de que a taxa de cambio real não pode desviar-se por muito tempo e, por

significante magnitude, daquela determinada pelos 'fundamentais' da economia". O

economista referiu-se à taxa de câmbio por ela ser o principal preço de uma

economia, e o primeiro a ser devidamente controlado pelo sistema de Bretton

Woods. Segundo Dezordi (2004), tal sistema foi capaz de controlar o nível de

preços das economias porque tinha como âncora nominal a taxa de câmbio. Porém

com o seu fim, em 1971, e após os sucessivos choques de petróleo (1973 e 1979),

houve uma grande tendência por parte dos países em evitar a volatilidade de suas

moedas domésticas como forma de manter suas economias mais estáveis.

Como comentou o presidente do Fundo Monetário Internacional, Horst

Köhler, em uma palestra em 2002, com o mundo financeiramente integrado e cada

vez mais interligado, torna-se difícil imaginar o sucesso de sistemas de conduta

monetária baseados em câmbio fixo caso o país que o adote não mantenha um rígido

controle fiscal, seja flexível com salários e preços e também não tenha um sistema

financeiro sanado. Estas exigências ocorrem devido ao grande poder multiplicador

dos choques e crises externos. As economias, portanto, devem estar preparadas a

absorver tais choques para que possam manter suas políticas de controle e

desenvolvimento vigorando, para que estas, em última instância, tragam a tão

almejada estabilidade.

A necessidade de se ter políticas econômicas que não sejam baseadas apenas

na taxa de câmbio advém, portanto, do fato de ser raro o país que consegue ser

indiferente às flutuações em sua moeda doméstica. A desvantagem do regime de

câmbio fixo ou controlado para países que não preenchem as regras descritas no

Page 16: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

parágrafo acima também é frisada por Mishkin (1999). Segundo ele, para estes

países a adoção de câmbio fixo é altamente perigosa, uma vez que tal regime pode

provocar fragilidade financeira e a possibilidade de uma severa crise, que por sua

vez pode ter efeitos perversos para a economia. O mesmo autor define uma crise

financeira como uma ruptura não linear nos mercados financeiros, onde problemas

de informação assimétrica se agravam de modo que os recursos poupados não

consigam chegar de maneira eficiente nas mãos daqueles que queiram investir e

produzir. Uma crise financeira, portanto, detém a economia do funcionamento eficaz

do mercado financeiro, que por sua vez leva a mesma a sofrer uma forte contração

na atividade econômica.

Quando as dificuldades impostas pelos regimes de câmbio fixo começam a

ultrapassar suas benesses, os países, segundo Horst Köhler (2002), tendem a buscar

alternativas mais flexíveis do que sistemas de currency board ou hard peg. O

problema, entretanto, é a perda da âncora nominal e de fácil referência que é

justamente a taxa de câmbio. Nos sistemas de câmbio fixo ou controlado, o poder de

atuação da política monetária é restrito à manutenção do equilíbrio no balanço de

pagamentos. Ou seja, a política monetária passa a ser quase que determinada por

variáveis exógenas à economia. Caso haja um descolamento muito grande entre a

taxa de juros doméstica somada à percepção de risco do país com a taxa de juros

externa, a âncora nominal, propósito do sistema, se perde.

A importância da âncora nominal é descrita por Mishkin (1999) como um

limitador no valor da moeda doméstica, além de um elemento necessário para o

sucesso de regimes de política monetária. Tal âncora nominal se faz necessária uma

vez que provém condições para que o nível de preços seja determinado de maneira

única, o que acaba por facilitar a estabilidade dos preços. Com preços estáveis, a

sociedade passa a conviver de maneira harmoniosa com as variações da moeda e

acreditam que o futuro lhes resguardará taxas de inflação estáveis também. Por ser

um limitador, portanto, as expectativas de inflação acabam sendo contidas no valor

da moeda doméstica ao longo dos períodos de estabilidade.

Page 17: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Outro sistema para a condução da política monetária é constituído pelas

metas para os agregados monetários. Segundo Netto (1999) tal regime visa

estabelecer parâmetros de crescimento desejáveis para o crescimento da base

monetária. Conforme Dezordi (2004), o modelo segue a lógica monetarista, onde as

mudanças na quantidade de moeda constituem-se nas principais influências sobre a

renda real de curto prazo e a renda nominal no longo prazo. A demanda por moeda,

portanto, deve ser mantida estável para que haja equilíbrio no nível de preços.

Nos anos 70, conforme Mishkin (1999), as metas para agregados monetários

foram adotadas por diversos países, muito embora eles o tenham feito de maneira

diversa daquela sugerida por Friedman e Schwartz (1963). Para este, o agregado a

ser definido como meta deveria crescer a uma taxa constante, para que assim o

crescimento da quantidade de moeda na economia também fosse constante,

permitindo assim equilíbrio nos preços. A idéia simplificada por trás da teoria é

evitar que haja um descasamento entre os fluxos nominal e real da economia. Logo,

se a produção agregada de um país aumenta de dez laranjas por ano para onze, o

nível de preços deve subir em 10%. Caso o nível de preços não suba, haverá

deflação, uma vez que a laranja produzida à mais (fluxo real) estará sem sua

contrapartida nominal (dinheiro). Caso o aumento nos preços seja mais do que

proporcional ao aumento na produção, um novo descasamento ocorrerá entre os

fluxos nominal e real, uma vez que mais dinheiro à mais diminuirá o valor de todas

as onze laranjas disponíveis no mercado.

A grande diferença do regime de metas para os agregados monetários para os

regimes de metas de inflação e de câmbio controlado ou fixo, novamente segundo

Mishkin (1999), é que o primeiro não concede à economia uma âncora nominal de

expectativas. Isso ocorre devido à fraca relação entre os agregados e a variável feita

meta. Assim sendo, o acertamento da meta não produzirá o efeito desejado sobre a

situação da política monetária, e portanto, não sustentaria as expectativas

inflacionárias.

Page 18: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Uma vez que o sistema de metas para agregados monetários não ancora

expectativas, e o sistema de câmbio fixo ou controlado ocorre em custos altos

devido ao seu intrínseco aumento da volatilidade externa, surge o sistema de metas

inflacionárias. Ao se apoiar no nível de preços, ele visa justamente lidar com a

tendência ao desequilíbrio externo de uma maneira mais flexível e sem abrir mão da

segurança para as políticas domésticas que uma âncora cambial representa, ou da

dificuldade em termos de âncora do sistema de metas para agregados monetários.

Como argumenta Netto (1999), enquanto os agregados se focam na variação

na quantidade de moeda, o regime de metas inflacionarias leva em consideração um

horizonte muito mais vasto, o que o torna mais flexível e preciso. A escolha da

inflação como substituto de referência para os mercados e para a sociedade se dá

pelo fato da mesma refletir o equilíbrio macroeconômico dos três mercados

domésticos - mercado monetário, de trabalho e mercado real. A curva de Phillips faz

perceber de maneira clara tal relação, pois a inflação observada torna-se uma função

da inflação passada, da taxa de variação dos salários nominais - que seria o

representante da demanda doméstica - mais os choques externos2.

Além de serem uma alternativa mais flexível ao sistema de câmbio

controlado ou fixo e mais simples e direto para a população e para os mercados do

que o sistema de metas para agregados monetários, as metas de inflação não privam

a política monetária de uma âncora nominal para os preços.

1.2 O SISTEMA DE METAS INFLACIONÁRIAS

O regime de metas para a inflação foi desenvolvido No início dos anos 90.

Muito embora ele tenha sido recentemente implementado por diversos países como

um remédio contra o insucesso de um regime de câmbio administrado - como é o

2 Inflação observada (P), é função da inflação passada (P-1), da taxa de variação dos salários nominais (e[u - u*]), que seria o representante da demanda doméstica, e dos choques externos através do ß. A equação completa seria representada da seguinte maneira: P = P-1 - e(u - u*) + ß

Page 19: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

caso brasileiro, inglês e sueco, ou ainda como o substituto de outro regime

monetário ineficiente, sua lógica é antiga. Como citado por Haldane (1997), Keynes,

em 1923, discursou sobre a confiança que seria promovida caso um índice padrão de

valor fosse dotado pelas autoridades de um objetivo explícito. A experiência que a

Suécia teve ao determinar um padrão para seu nível de preços durante o início dos

anos 30 serviu de base para o sistema de metas tal como conhecido hoje (Haldane,

1997).

O primeiro país a adotar oficialmente o regime de metas foi a Nova Zelândia,

em março de 1990. Já em fevereiro de 1991 foi a vez do Canadá, seguido pelo Reino

Unido (outubro de 1992), Suécia (janeiro de 1993), Finlândia (fevereiro de 1993),

Austrália (abril de 1993) e Espanha (metade de 1994). A opção pelo regime de

metas em todos estes países, como concluído por Debelle (1997), teve como fator

comum a busca das autoridades monetárias por aumentos de credibilidade ou

consolidação da mesma. Os próximos países a adotarem o regime de metas foram

em sua maioria países em desenvolvimento. Israel e República Checa em 1997,

Polônia, Brasil e Chile em 1999, África do Sul, Tailândia, Coréia e Colômbia em

2000 e México, Hungria, Groenlândia e Noruega em 2001 (Schaechter, 2001 e

Carare e Stone, 2002).

Países com um histórico de inflação controlada e baixa por mais de 30 anos,

como é o caso dos Estados Unidos, Alemanha, Suíça e Japão, não têm a necessidade

de explicitamente perseguir um objetivo pré estabelecido para o nível de preços. O

alto grau de credibilidade gozado por tais países já é suficiente para que, de maneira

discricionária, possam escolher entre o foco de crescimento, desemprego ou inflação

(Debelle, 1997).

Já para os países com históricos pobres de inflação, que já experimentaram

períodos de hiperinflação, ou mesmo apresentaram descontrole em relação aos

preços em algum período de sua história recente, torna-se mais difícil a perseguição

de objetivos de política monetária de maneira discricionária e satisfatória devido à

Page 20: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

falta de credibilidade por parte das autoridades monetárias. Segundo Mendonça

(2003, pág. 730):

O conceito de credibilidade pode ser entendido como o nível de confiança que os agentes econômicos depositam na exeqüibilidade de uma política anunciada ser implementada e ser cumprida até o fim. Ou seja, uma política inspirará maior credibilidade se ela sinalizar aos agentes uma chance reduzida da ocorrência de inconsistência temporal. Assim se, por exemplo, o banco central ao longo de sua história obteve êxito no combate à inflação, (o que implica conquista de reputação), os agentes acreditam que o banco central terá sucesso no controle da inflação futura, o que, por sua vez, denota alto grau de credibilidade.

Mesmo assim, bancos centrais que exemplificam a conquista da

credibilidade, como por exemplo o Bundesbank (banco central alemão), utilizam-se

de metas implícitas de inflação. Segundo Bernanke e Mihov (1997), o Bundesbank

conduz sua política de curto prazo com referência às metas para o crescimento do

estoque de moedas, derivados por sua vez do cálculo da velocidade de expansão da

moeda. Este último é estimado em 2% ao ano, que é o nível de inflação anual

desejado pelo banco no longo prazo. Indiretamente, portanto, o banco central alemão

estaria utilizando metas para inflação, fazendo da velocidade de expansão da moeda

seu indicador quantitativo para calibrar a política monetária. Certamente, segundo os

próprios autores citados, o Bundesbank não concede a mesma ênfase na

transparência e na comunicação quanto outros bancos centrais praticantes de metas

explícitas para a inflação fazem, e cuja necessidade será exposta ao longo do

capítulo dois.

As mesmas idéias e tendências que influenciaram os bancos centrais dos

países que adotaram o sistema de metas são compartilhadas por outros bancos

centrais, mesmo que estes não estejam oficialmente sob as metas de inflação como

sistema de conduta para sua política monetária. Algumas das características do

sistema, como por exemplo a maior transparência no processo de decisões do banco

central e o foco pró-ativo na inflação, são constantes na conduta monetária do

Page 21: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Federal Reserve Bank (banco central norte-americano) por mais de vinte anos

(Bernanke, 2003).

Uma vez que os objetivos maiores de qualquer forma ou sistema de condução

de política monetária são a manutenção de baixa inflação junto à promoção do

crescimento e desenvolvimento econômico, pode-se dividir as metas de inflação em

dois componentes. O primeiro deles seria o arcabouço teórico do sistema, que, em

última instância, guia a tomada de decisões em relação à política monetária. O

segundo componente seria ter nas metas um ponto convergente para a análise da

política monetária, uma vez que o nível de preços demonstra o equilíbrio econômico

nos mercados externo, monetário, real e no mercado de trabalho. As metas, no caso,

seriam apenas uma referência e um ponto de convergência entre o diálogo das

autoridades monetárias com o público em geral, principalmente com os agentes do

mercado financeiro.

Os países que adotam o sistema de metas de maneira a basear suas decisões

nele exclusivamente e seguem o arcabouço teórico do mesmo podem ser

denominados de full fledged inflation targeters, ou como praticantes do sistema

completo de metas. Já os países que apenas utilizam o sistema como conversor de

expectativas podem ser denominados de inflation target lite countries, ou países que

usufruem parcialmente do sistema de metas (Stone, 2003). Ao longo deste trabalho

dar-se-á ênfase ao sistema de metas em si, tal qual adotado por países praticantes do

sistema completo, ou full fledged inflation target. O Brasil pode se considerar, como

será analisado no capítulo cinco, como um praticante do sistema completo de metas.

1.3 REGRAS VERSUS DISCRIÇÃO E O SISTEMA DE METAS

Existe uma discussão que permeia o sistema de metas de inflação e que deve

ser abordada uma vez que está no âmago do sistema. Trata-se da escolha entre uma

Page 22: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

gestão de política monetária discricionária ou regrada3. O centro do problema é a

clara tendência que, como trabalhado por Kydland e Prescott (1977), Calvo (1978) e

Barro e Gordon (1983), os formuladores de política monetária tem em fazer políticas

ineficientes no longo prazo devido aos ganhos de curto prazo. Tal inconsistência

temporal ocorre devido ao fato de haverem incentivos à adoção de medidas políticas

e econômicas expansionistas para o curto prazo, mesmo que seus resultados sejam

pobres no longo.

A adoção de medidas expansionistas, tais como a queda acentuada da taxa de

juros básica para abaixo da taxa de juros de equilíbrio, ou a valorização da taxa de

câmbio para abaixo da taxa de equilíbrio, criariam um ciclo de expansão da

produção e da atividade econômica em geral, já no curto prazo. Quando os agentes

econômicos se deparam com o crescimento e o fomento do emprego e da atividade,

eles projetam para o futuro um espelho da realidade como ela está. No caso, as

projeções apontariam para uma continuação do crescimento. Assim, salários e

expectativas seriam ajustadas de acordo com o crescimento de curto prazo.

Infelizmente, entretanto, tal política monetária expansionista geraria taxas de

inflação altas no curto prazo, uma vez que o crescimento se daria em termos

nominais, e não em termos reais. Tal aumento nos níveis de preço, por sua vez,

trariam efeitos nocivos à economia, e causariam problemas futuros de estabilização.

Isso exigiria das autoridades monetárias, no longo prazo, uma conduta altamente

restritiva, o que anularia os ganhos ocorridos no curto prazo e traria volatilidade ao

produto.

Mishkin (1999) cita que McCallum (1995), por sua vez, acredita que o

problema da inconsistência temporal em si mesmo não necessariamente implica na

perseguição de políticas monetárias expansionistas por parte do banco central que

levem a um aumento da inflação. Ao reconhecerem o problema que os agentes

3 O sistema de metas para a inflação não pode ser considerado como um sistema de conduta rígido de política monetária. Assim como será discutido ao longo de todo o capítulo dois, o regime de metas não é um sistema de regra pura.

Page 23: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

econômicos criam ao projetarem suas expectativas e ajustarem, portanto, seus

salários e preços baseados no crescimento de curto prazo, o banco central pode

simplesmente decidir em não adotar tais medidas. Mishkin (1999) argumenta,

entretanto, que mesmo que o banco central reconheça o problema supra

mencionado, ainda assim haverão pressões sobre ele para ser expansionista. Tais

pressões advém dos setores produtivo e político. Ao ceder, mesmo que contra sua

vontade, o banco central ainda pode cometer o mesmo erro de inconsistência

temporal. Tal problema persistiria, e seria apenas atrasado em um passo na lógica

citada. Como compensador único de tal inconsistência temporal tem-se o papel

desempenhado por uma âncora nominal para os preços. É a ancoragem das

expectativas de inflação quem limita as pressões políticas, novamente segundo

Mishkin (1999), que o banco central sofre para gerar inflação no longo prazo.

A discrição total na conduta da política monetária só pode ser efetivamente

praticada pelos países com históricos longos de controle de preços e estabilidade.

Algum sistema de conduta deve ser adotado pelos bancos centrais de maneira a

estabelecerem princípios sobre os quais as decisões de política, principalmente sobre

o uso da taxa de juros de curto prazo, são tomadas. Enquanto as metas de inflação se

constituem em um sistema complexo que fornece todo um conjunto de ferramentas e

princípios, como irá ser discutido a posteriori, a conduta discricionária pode ser

tendenciosa no curto prazo.

Köhler (2002) considera a melhor forma de conduta aquela que é regrada

porém com margem para a discrição. Tal forma balanceia a inflexibilidade das

regras de conduta do potencial desvio de políticas desregradas. Sob um regime de

discrição contida, o banco central estaria livre para desempenhar um papel de

estimular o produto e o emprego em caso de choques de curto prazo com o zelo

necessário pelo equilíbrio de longo prazo.

Netto (1999) argumenta que não existe trade-off entre inflação e crescimento

econômico no longo prazo, porém existe no curto prazo - curva de Phillips. Além

disso, Netto assume um trade off no curto prazo também entre a volatilidade da

Page 24: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

inflação e a volatilidade do crescimento. Quanto mais rápido o banco central desejar

ajustar a inflação à sua meta, maior será a volatilidade do PIB. Esta constatação faz

perceber que mesmo em um sistema regrado pode-se sofrer de inconsistência

temporal. No caso exemplificado, onde o banco central adotaria uma postura

contracionista para que a inflação convergisse rapidamente para a meta por ele

estabelecida - e logo o provaria como um bom condutor da política monetária - a

inconsistência temporal se daria de maneira inversa. Os malefícios de uma economia

contraída em demasia também prejudicam a situação de equilíbrio no longo prazo

tanto quanto uma economia em demasiada expansão.

Em qualquer que seja a escolha de conduta da política econômica, é

importante que o banco central consiga manter a inflação e suas expectativas em

patamares baixos e estáveis. Para isso, um comprometimento para com ela se faz

fundamental. Nas palavras do próprio banco central do Brasil, "manter a estabilidade

de preços é o (nosso) objetivo primordial" (notas da reunião do COPOM de março

de 1999). O sistema de metas de inflação, por trazer todo um arcabouço de regras

que guiam as decisões de política e as deixam claras para a sociedade em geral e

para os mercados, acaba sendo vantajoso nesse sentido sobre uma conduta

discricionária, muito embora a sintonia fina entre a primazia inflacionária e outros

focos, como nível de emprego e de crescimento deixe de existir.

Existem vários estudos estatísticos que almejam a profunda compreensão das

dinâmicas inflacionárias, uma vez que são justamente elas o foco de prevenção de

todo e qualquer regime de conduta monetária. Como descrito por Haldane (1997),

geralmente o padrão de uma dinâmica inflacionária se inicia com um componente

inercial, cuja influência predomina ao longo do primeiro ano do processo. Os preços

dos produtos importados também perfazem grandes pressões no curto prazo, e seus

efeitos maiores se fazem sentir entre o primeiro e o segundo ano. Já as variáveis

relacionadas à atividade econômica perfazem focos de pressão para a continuidade

do processo apenas no médio prazo, entre aproximadamente dois e quatro anos. Já

Page 25: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

as variáveis monetárias têm seus efeitos sobrelevados apenas no longo prazo,

quando se tornam o componente dominante da dinâmica inflacionária.

Haldane (1997) argumenta que as variáveis não monetárias detém um papel

fundamental nas dinâmicas inflacionárias uma vez que seus efeitos são justamente

majorados dentro do intervalo de atuação da política monetária, que inevitavelmente

sofre um lag de tempo entre sua atuação e seu efeito4. Tais variáveis devem,

portanto, serem consideradas nos modelos de reação ao uso dos instrumentos

monetários dos bancos centrais que perseguem a estabilidade de preços, como é o

caso dos países que adotam o sistema de metas para a inflação.

Uma importante característica que o sistema de metas inflacionárias detém

constitui-se no fato de se basear em diversas variáveis, inclusive várias não

monetárias. Isso o concede um certo grau de liberdade aos condutores de política

monetária atuando sob tal sistema. Como reforçado por Friedman (1975), citado por

Haldane (1997, pág. 11), a regra ótima de resposta da economia para os

formuladores de política monetária (feedback rule) é composta justamente por um

conjunto de variáveis, e não apenas uma. A mecânica do sistema de metas permite,

portanto, o uso de uma cesta de informações que podem ser combinadas de maneira

a amortizar os choques que atingem a economia no seu médio prazo. Assim sendo, o

sistema de metas acaba por trazer elementos de discrição para seu âmago, mesmo

com um arcabouço de regras que o guiam.

4 O lag de ação da política monetária será discutido ao longo do capítulo dois.

Page 26: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

2 O ARCABOUÇO TEÓRICO DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO

O sistema de metas de inflação engloba uma série de pontos que, quando em

conjunto, formam a totalidade do mesmo. Existem alguns que devem

necessariamente ser corretamente endereçados para que o sistema seja eficaz, entre

eles o estabelecimento de uma meta quantitativa bem definida para a inflação no

médio prazo. Outro ponto de suma importância é o comprometimento institucional

para com a meta, além dela passar a perfazer o objetivo maior de política monetária.

A estratégia da política monetária adotada deve, também, ser transparente. Ou seja, a

sociedade em geral, os políticos e empresários, além dos agentes do mercado

financeiro nacional e internacional, devem ter conhecimento da política adotada e

dos planos das autoridades monetárias. Ademais, o banco central ganha maior

responsabilidade sobre o cumprimento das metas propostas. Mishkin (2001, pág. 1)

realça cinco pontos básicos do sistema de metas de inflação como sendo:

1) o anúncio público de uma meta numérica para a inflação de médio prazo; 2) o estabelecimento do compromisso formal à estabilidade de preços como sendo a principal meta de política monetária, com todas as outras sendo à ela subordinadas; 3) uma estratégia de comunicação em que algumas variáveis - e não apenas agregados monetários ou a taxa de câmbio - sejam utilizadas para decidir sobre os instrumentos de política; 4) aumento na transparência da estratégia da política monetária através da comunicação aos mercados dos planos, objetivos e decisões das autoridades monetárias e; 5) envolvimento do banco central para com os objetivos de inflação como sendo o responsável pelo atingimento das metas.

Além destes pontos centrais existem outros que, mesmo variando de país para

país, perfazem a sintonia fina do sistema e constituem-se na adaptabilidade do

mesmo. Tais questões operacionais, embora complexas, são fundamentais para o

sucesso do regime. De acordo com Debelle (1997), são elas: o apontamento da meta,

a interação da mesma com outros objetivos de política econômica, o nível da meta e

seu horizonte, a escolha do índice de preços balizador do sistema, o tamanho do alvo

(se é um ponto com bandas ou um intervalo), a credibilidade, a necessidade de se ter

Page 27: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

transparência, as informações requeridas pelo banco central, seu papel no desenrolar

do processo, a questão das metas projetadas e o regime "forward looking". Analisar-

se-á cada um destes fatores em particular a seguir.

2.1 APONTAMENTO DA META

A primeira questão que surge ao se tratar do sistema de metas de inflação é,

até mesmo antes da meta propriamente dita, justamente quem a escolhe e em que se

baseia. O sistema, como visto nos capítulos anteriores, estabelece metas para a

inflação que servem de referência para a política monetária, além de nortearem

expectativas, no conceito de âncora nominal. O banco central, em seu papel de

formulador de política e responsável pelo cumprimento das metas, tem como

obrigação perseguí-las. As metas, portanto, devem ser apontadas com muito o

cuidado para não obrigar a conduta da política monetária de ocorrer fora dos

fundamentais da economia.

Como descrito por Netto (1999), as metas não podem ser indiferentes ao

crescimento e ao emprego. Um dos fatos que a experiência internacional revela é

que as metas ajudam os países que as adotam a reduzir a volatilidade do

crescimento. O apontamento das mesmas deve, portanto, estar de acordo com a

situação econômica geral do país. Neste sentido, o responsável por apontar as metas,

ou o apontador, deve, necessariamente, estar à par do estado geral da economia. Tal

visão deve abranger desde a capacidade ociosa, o hiato do produto, o seu nível de

emprego e de salário, até seu balanço de pagamentos.

Levando-se em conta o argumento acima, delineiam-se três possibilidades de

apontadores para as metas, sendo a primeira delas o próprio banco central, a segunda

como sendo o governo, por intermédio do ministério da fazenda ou de uma comissão

para assuntos econômicos, ou ambos juntos em forma de algum órgão normativo e

não executor. Segundo Carare (2002), a maioria dos países que adotam o sistema de

metas completo envolve o governo no apontamento das mesmas. A vantagem obtida

Page 28: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

ao se envolver o governo é o aumento da credibilidade, uma vez que não é apenas o

banco central, órgão executor, quem define suas próprias metas. Outra vantagem é

que, ao tomar a decisão sobre as metas, o governo se torna co-responsável pelas

mesmas, comprometendo-se com a execução de políticas compatíveis nos seus

outros âmbitos de conduta, tal como a política fiscal.

As metas que são definidas pelos próprios bancos centrais ocorrem em países

onde a independência do mesmo é maior, além dele estar comprometido

formalmente com a inflação em detrimento a outras políticas perante algum

instrumento legal. Debelle e Fischer (1994), em Debelle (1997, página 7),

argumentam que o mais apropriado seria ter o banco central dependente da meta, ou

seja, ter a meta endereçada pelo governo, porém tendo o banco central

independência instrumental para cumpri-la.

No âmago dessa discussão está o fato do banco central ser ou não

independente. Sobre isso, Helder Mendonça conclui (2003, pág. 119):

A separação propalada entre o banco central e o governo é ilusória. De certa forma, o reconhecimento de que o banco central deve ter apenas independência operacional concomitante à aplicação de metas representa um claro sinal de que existe um limite para a separação entre o governo e o banco central.

2.2 INTERAÇÃO DA META COM OUTROS OBJETIVOS DE POLÍTICA

ECONÔMICA

O apontamento da meta deve sugerir uma interação entre as políticas

monetária, fiscal, cambial e comercial, uma vez que a condução da política

econômica deve ser, como um todo, harmoniosa. Para se atingir o equilíbrio no

longo prazo deve-se almejar a estabilidade em todos os mercados individualmente,

pois só assim o conjunto da economia estaria estável. O elevado grau de interação

econômica faz com que o desequilíbrio em um mercado seja uma fonte de

Page 29: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

desequilíbrio para outro. Ou ainda, o desequilíbrio em um mercado pode acabar por

forçar a conduta de um determinado instrumento de política econômica para mais

além de suas capacidades ou deveres. Em ambos os casos se perderia na estabilidade

do produto. No cômputo geral, nenhum mercado pode estar, no longo prazo,

desequilibrado.

Debelle (1997) discute a incompatibilidade de se ter outros objetivos de

política além das metas, como por exemplo, os regimes de câmbio fixo ou

controlado. Visto que tais regimes tornam a política monetária endógena, se torna

muito difícil perseguir uma inflação desejada no médio prazo. Uma banda para a

taxa de câmbio pode até dar suporte às projeções de inflação e suas expectativas e,

assim, auxiliar a afinação do sistema de metas. O que não seria compatível seria a

adoção de bandas cambiais formais como em um sistema de câmbio controlado, e

sim o almejo das mesmas de maneira auxiliar e, portanto, secundária.

Como definido por Netto (1999, pág. 367):

Colocar todo o peso da política antiinflacionária sobre os ombros do Banco Central, quando há irresponsabilidade fiscal, costuma exigir políticas monetária e cambial que corroem o sistema produtivo e, portanto, são autodestrutivas. Seus elevado custos sociais eliminam, ao longo do tempo, o suporte político da ação do banco central.

Segundo Debelle (1997), em Dezordi (2004), um endividamento público

excessivamente grande pode gerar expectativas de inflação futura que dificultem a

atuação do banco central em atingir as metas no curto prazo. Para controlar a

inflação a taxa de juros resultante seria mais alta, o que encareceria o custo da dívida

e a aumentaria, criando portanto um ciclo vicioso de aumento da dívida, aumento

das expectativas de inflação e aumento dos juros de curto prazo, que fariam com que

a dívida aumentasse ainda mais e perpetuasse, portanto, o ciclo.

Outras atitudes do governo central podem intervir de maneira indesejável no

sistema de metas, e o banco central, quando isso ocorre, acaba por ser passivo em

demasia. Como descrito por Netto (1999), aumentos das tarifas ou impostos que

Page 30: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

ocorram de maneira significativa e persistente acabam por deteriorar as expectativas

para a inflação, e obrigam o banco central a tomar medidas drásticas em relação à

mesma. Ao tentar conter a inflação de maneira com que ela rapidamente volte para o

centro da meta estabelecida, um aperto nos instrumentos de transmissão da política

será sentido, e com isso a estabilidade do produto acaba sendo sacrificada. Tal

restrição monetária e aumento da volatilidade do produto ocorrem uma vez que é o

próprio banco central o responsável pelo cumprimento das metas,

independentemente da razão pela qual as expectativas inflacionárias aumentaram,

como nesse exemplo, onde foi devido ao próprio governo.

Neste sentido, as metas estabelecidas não podem de maneira alguma se

tornarem reféns de outros objetivos de política. A política monetária, conforme

descrito por Carare (2002), não pode ser dominada por prioridades fiscais, e o

governo deve conseguir a maior parte de seus financiamentos junto ao mercado

financeiro. Além disso, o acesso a crédito do governo no banco central deve ser

estritamente limitado e controlado.

O fato da política monetária estar afastada de outras decisões de política

advindas de outros órgãos ou coordenações, ou mesmo de outras metas pretendidas

pelo governo, apenas a permite desempenhar seu papel devido. O que não se pode é

reduzir os vários outros benefícios advindos de uma afinada interação e coordenação

entre as várias políticas econômicas. Como enfatizado por Mendonça (2003, pág.

119):

Dado que o objetivo principal de um governo deve ser a maximização do bem-estar da sociedade, e que os objetivos de política econômica não se limitam apenas à inflação baixa, a coordenação de políticas econômicas representa um aparato poderoso para o alcance das diversas metas pretendidas pelo governo.

Page 31: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

2.3 DETERMINAÇÃO DO NÍVEL DA META E SEU IDEAL

"Talvez a questão mais importante a ser definida ao se estabelecerem as

características de um regime de metas para a inflação seja o nível da meta" -

Giambiagi e Carvalho (2002, pág. 14). Existem várias maneiras de se tentar

estabelecer o nível ótimo de uma meta para a inflação, e a grande variação que

existe entre os métodos para o nível da meta ocorre devido a disparidade entre as

situações econômicas de cada país. Por exemplo, um país que adotou o regime de

metas após uma grande desvalorização cambial, a exemplo do Brasil, pode definir

sua meta para algo como um número abaixo de um dígito. Tal definição significaria

muito mais a afirmação do compromisso com o controle de preços do que uma meta

determinada com base em modelos econométricos. Já para países com histórico de

inflação controlada, a meta pode ser simplesmente a manutenção de tal estabilidade

através da adoção de um número médio da inflação ocorrida ao longo dos últimos

anos.

Netto (1999) comenta que no Reino Unido a meta é determinada através de

uma estimativa da moda da inflação5, onde se consideram vários cenários possíveis

e outras informações subjetivas que são a ele incorporados. A partir daí determina-se

um leque de probabilidades para a inflação futura, baseados na história do indexador

utilizado (no caso, trata-se do índice de preços ao consumidor) e também nas

probabilidades subjetivas do balanço dos riscos levantados pelos cenários. A meta é

finalmente determinada a partir do centro desse leque, que torna-se o centro da meta.

Já as extremidades do mesmo tornam-se suas bandas. O ponto central da meta de

inflação na maior parte das vezes reflete, segundo Debelle (1997), a compreensão do

nível ótimo de estabilidade dos preços, ou seja, a inflação necessária para que os

quatro mercados possam estar em equilíbrio. Isso realça o fato de que a inflação

deve ser positiva.

5 Moda é o valor mais provável dentro de um determinado intervalo

Page 32: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

A aceitação geral para a inflação tende a ser para um leve aumento anual ao

invés de inflação zero. A taxa positiva refere-se ao efeito nos preços após a entrada

de novos produtos no mercado, reposição de mercadorias, aumentos em qualidade

percebida e também devido aos ajustes de preços relativos feitos pelos consumidores

em relação às alterações na cesta de consumo. Tais fatores fazem com que o índice

de preços ao consumidor tenda a ser positivo. Ademais, a manutenção de taxas de

inflação muito próximas a zero acaba por ser muito custosa, uma vez que qualquer

queda no produto, por menor que seja, resultaria em uma possível situação de

deflação. Quando a queda nos preços se define como tendência, o custo para a

economia passa a ser alto devido a tendência da deflação em se perpetuar. Isso

ocorre porque os consumidores, quando vislumbram comprar um produto mais

barato no futuro do que ele custa no presente, retardam suas decisões de compra e

retraem por conseqüência a demanda agregada.

Debelle (1997) argumenta que, após as décadas de 70 e 80, ambas com alta

inflação, tornou-se importante ter em mãos a possibilidade de se trabalhar com os

juros reais negativos. Isso ocorre porque, quando a economia está em uma recessão,

os juros reais negativos podem ser um importante instrumento para motivar a

recuperação, coisa que seria impossível de ocorrer caso a taxa de inflação estivesse

em zero ou muito próxima de.

O principal problema na escolha da meta de inflação parte da incerteza

inerente ao futuro. Como apresentado por Netto (1999, pág. 373):

As séries econômicas tendem a ser não-ergódicas, isto é, não tem uma estrutura interna bem definida, sendo permanentemente perturbadas por choques que destróem a possibilidade de se encontrarem em equilíbrio estável. Não há, sequer, a garantia de que elas tendam para algum equilíbrio... A estimativa de um determinado número para a taxa de inflação num horizonte longo estaria, pois, sujeita ao mais completo insucesso. É por isso que alguns bancos centrais que utilizam o sistema de metas inflacionárias tentam apresentar uma distribuição de probabilidades que definiria a qualidade e a precisão de suas estimativas.

Page 33: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Giambiagi e Carvalho (2002) acreditam que as metas de inflação,

independentemente de que país se trate, devam tender aos níveis internacionais de

inflação, tais quais as observadas em países de primeiro mundo. O exemplo utilizado

em sua análise foi a inflação ao consumidor americana, que traria como resultado

uma meta para a variação do índice de preços ao consumidor entre 1 e 3% ao ano.

Tal intervalo seria alterado apenas mediante mudanças no cenário internacional. O

problema trata-se, entretanto, em como definir a meta para os próprios países

industrializados. Debelle (1997) argumenta que não há provas empíricas de que uma

inflação muito baixa traga realmente benefícios sobre uma taxa de inflação já baixa.

A diferença entre uma inflação anual de 3% e de, por exemplo, 1%, seria apenas o

custo maior em termos de restrição monetária para que a meta mais baixa seja

atingida.

Novamente temos os limitadores naturais da economia, ou seus

fundamentais, como determinantes do nível ótimo das metas. Tanto metas muito

ambiciosas como muito frouxas não permitem o atingimento do equilíbrio de longo

prazo e trazem instabilidade do produto, dos preços e do emprego. No primeiro caso,

a necessariamente severa conduta da política monetária causaria um aumento

indesejado na volatilidade do produto, além de comprometer em demasia o setor

industrial e a demanda das famílias. A perda de credibilidade dos formuladores de

política monetária seria uma conseqüência, assim como a perda de força política em

torno da conduta do banco central, que inevitavelmente obrigariam o mesmo a

ajustar suas metas para números mais realísticos.

No segundo caso, de as metas propostas serem demasiadamente frouxas,

haveria um crescimento maior do que o possível pelos fundamentais da economia, o

que levaria a mesma a entrar em um ciclo de aumentos salariais acima dos níveis de

produção, o que inevitavelmente acarretariam em maiores expectativas de inflação e

fariam com que ajustes restritivos fossem tomados.

2.4 O HORIZONTE DA META

Page 34: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

A definição do horizonte da meta envolve certas particularidades que não

comprometem o sistema como um todo como a questão da meta em si. Como via de

regra, o horizonte estabelecido deve ser tratado em conjunto com a própria meta,

uma vez que é ele quem vai determinar o grau de restrição monetária a ser aplicado

pelo banco central para que a meta possa ser atingida. Caso a meta venha a ser muito

baixa em relação aos níveis de inflação vigentes, o horizonte deve fazer a

acomodação da mesma de forma a permitir uma redução gradativa do nível de

preços. Isso seria desejável uma vez que existe o trade off (expresso através da curva

de Phillips) entre inflação e desemprego no curto prazo, e deseja-se, logicamente,

causar o menor impacto possível no emprego.

Apesar de acomodar a meta dentro de seu espaço de atingimento factível, o

horizonte da mesma geralmente condiz com um período de doze meses, padrão para

comparações econômicas, obtenção de dados estatísticos e, também, de maior

compreensão geral. Neste caso, o ajuste se daria em relação ao nível da meta, e não

ao horizonte, uma vez que deveria ser a meta adaptada ao horizonte padrão.

Segundo Debelle (1997), deve-se levar em consideração a fase inicial de

implementação das metas na definição do seu horizonte. Caso o país tenha adotado o

sistema como uma opção de conduta monetária e já tenha sua inflação controlada, o

horizonte das metas pode ser facilmente definido dentro do intervalo de um ano. Já

no caso de países que adotam o sistema de metas para auxiliá-los em um processo de

redução da inflação, que se encontra em níveis altos, o horizonte pode ser definido

como sendo maior do que um ano, ou mesmo diferente de um ano calendário.

O horizonte das metas deve necessariamente levar em consideração o lag

temporal entre a ação da política monetária e sua reação na economia (Andersson e

Berg, 1995, citados por Debelle, 1997). Lag temporal, tal como descrito por Netto

(1999), é a diferença existente entre uma ação de política monetária e sua observada

reação na economia. Devido a ele, as decisões devem estar focadas no horizonte da

meta, e não no curto prazo. Horizontes de meta maiores de um ano, que privilegiam

Page 35: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

o longo prazo trazem, segundo Carare, Schaechter, Stone e Zelmer (2002), a

vantagem de conceder ao banco central um maior escopo para absorção de choques

temporários de preços relativos, assim como para estabelecer sólidas âncoras

inflacionárias. Metas cujos horizontes de prazo são mais curtos, ou privilegiam o

curto prazo, podem gerar volatilidade nos instrumentos de política monetária.

Quando isso ocorre e o lag das políticas é maior do que o horizonte, a taxa de

câmbio em especial se torna volátil. Para corrigir tais problemas, as metas podem

manter o horizonte de um ano e serem anunciadas em patamares declinantes com

vários anos de antecedência.

Debelle (1997) argumenta que, de maneira alternativa, um país pode adotar

um sistema de medida da inflação como sendo a inflação acumulada em um período

de 12 meses. Assim sendo, as metas sempre teriam o mesmo horizonte à frente,

além de vislumbrarem sempre o curto prazo. A convenção dita, entretanto, o uso de

um ano como horizonte para as metas.

2.5 O ÍNDICE DE PREÇOS BALIZADOR DO SISTEMA

Uma das questões que se colocam na discussão técnica do sistema de metas

para a inflação é a escolha do índice de preços que o baliza. O uso dos índices de

preços ao consumidor é o padrão mundial, sendo que são eles quem mais se

aproximam do deflator implícito do produto. O uso do próprio deflator implícito do

PIB é impedido devido a sua longa metodologia de cálculo e necessidade de revisão,

além de se tratar de um termo econômico de mais difícil compreensão para o vasto

público. Carare, Schaechter, Stone e Zelmer (2002, pág. 28) definem o índice ideal

de preços para o sistema de metas como sendo um índice que permite o equilíbrio

entre o controle e a credibilidade. A escolha de um índice de fácil controle não

transmite credibilidade, assim como a escolha de um índice que passa muita

credibilidade porém é custoso de ser alcançado, acaba por destruir a credibilidade no

médio prazo.

Page 36: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Para Netto (1999), o índice ideal de preços para o sistema de metas de

inflação deve refletir apenas as pressões estruturais de oferta e demanda da

economia. Uma vez sendo o propósito da política monetária, conforme já discutido

anteriormente, levar a economia até uma situação de equilíbrio e depois mantê-la, os

fluxos nominal e real devem estar necessariamente compatíveis. Para que isso

ocorra, as mudanças de preços que possam criar uma expectativa de inflação futura e

que possam, por conseguinte, contaminar outros preços da economia até formarem

um processo inflacionário devem ser combatidas.

Além disso, a abrangência de atuação da política monetária é limitada.

Existem pressões nos preços que advém de fatores naturais, como a quebra de uma

safra agrícola; fatores internacionais, como o aumento do preço do barril de

petróleo; ou ainda fatores públicos, como o aumento de impostos ou tarifas. Todos

os exemplos citados correspondem à pressões exógenas ao controle da política

monetária. Tais pressões, embora causem mudanças de preços relativos e assim

aumentem ou diminuam a inflação observada, não geram dinâmicas inflacionárias.

Segundo Netto (1999, pág. 374), "é por isso que, normalmente, os índices de preços

que controlam as metas inflacionárias são 'expurgados' dos itens mais voláteis e dos

aumentos produzidos pelo próprio governo ou pelo próprio banco central".

Para que se consiga chegar ao centro da inflação e, por conseqüência, retirar

do índice tais perturbações temporárias nos preços, é preciso estabelecer um núcleo

de variação para a inflação. Existem diversos métodos utilizados para se calcular o

núcleo de uma inflação, embora todos objetivem capturar os componentes

generalizados e persistentes da mesma. Estes componentes são geralmente

associados à pressões de demanda sobre a capacidade produtiva, choques

permanentes de preços relativos e mudanças nas expectativas de inflação, deixando

de lado choques de oferta. Portanto, o núcleo da inflação está diretamente associado

ao conceito de inflação de tendência.

Para a maioria dos países, segundo Debelle (1997), a principal diferença entre

os índices de inflação cheios e seus núcleos, ou índices expurgados, são os juros

Page 37: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

pagos em financiamentos. Isso ocorre porque, caso as expectativas de inflação futura

se deteriorem e o banco central tenha de elevar os juros de curto prazo para que estas

voltem à rumar para a meta, o índice de inflação começaria a carregar consigo o

maior custo de capital através dos juros pagos em financiamentos. Debelle (1997)

ainda argumenta que, através de um expurgo dos impostos indiretos, mudanças na

política fiscal não influenciariam negativamente a condução da política monetária.

Sobre o cálculo do índice de preços e do núcleo da inflação, é importante que

seja feito por uma agência estatística - geralmente o instituto de estatística do país, e

não pelo banco central, uma vez que a credibilidade do mesmo seria reduzida caso

ele mensurasse sua própria meta. Quanto às possíveis divergências que possam

ocorrer entre o andamento do índice cheio e de seu núcleo, Carare, Schaechter,

Stone e Zelmer (2002) argumentam que no longo prazo a tendência é de que ambos

os índices rumem ao mesmo número, uma vez que tanto o índice de preços como a

meta devem necessariamente representar o poder real de compra da população.

2.6 DISCUSSÕES SOBRE O TAMANHO DO ALVO

Uma das grandes diferenças técnicas entre os vários países que adotam o

sistema de metas para a inflação é o uso de bandas para a meta e seus tamanhos. Há

países que adotam como meta apenas um número de inflação. Consequentemente

eles consideram aproximações como acertos, uma vez que tal ponto serve para ser

referência, e não trazer exatidão. Outros países adotam a meta como sendo o teto da

inflação, ou seja, o limite suportado pelo banco central para o aumento dos preços.

Todos os resultados abaixo de tal valor, portanto, se constituiriam em acertos.

Outros países adotam uma banda inferior e uma banda superior ao redor da meta

para acomodar a imprecisão inerente à conduta da política monetária sem que, no

entanto, a questão da credibilidade e da âncora nominal seja perdida. Ademais, a

Page 38: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

banda serve como um "colchão" para amortecer eventuais choques de oferta de curto

prazo.

Como argumenta Debelle (1997), quanto mais estreita for a banda, maior será

a ênfase dada pelo banco central ao controle da inflação, e mais ele será cobrado por

isso no curto prazo. Já uma meta cujas bandas sejam maiores implicam em uma

visão de médio prazo pelas autoridades monetárias, uma vez que a performance do

banco central no curto prazo se torna mais difícil de ser medida.

Segundo Debelle (1997), quando se pretende atingir um certo objetivo de

inflação, quanto menor a banda, maior será a variação no instrumento de política

monetária utilizado. Se a banda for muito pequena, uma elevação dos juros de curto

prazo que almeja prevenir a inflação de atingir o teto da meta ao longo de um

semestre pode causar o atingimento do piso da meta já no semestre seguinte. Tais

movimentos na taxa de juros podem gerar instabilidade no mercado financeiro,

mesmo que a inflação continue a oscilar dentro das bandas acertadas.

Como uma maneira alternativa de se trabalhar este pormenor de uma banda

muito estreita é induzir mudanças na taxa de câmbio que tragam a inflação para os

níveis desejáveis. Dependendo da velocidade do pass-through da taxa de câmbio

para os preços, tal política pode ser eficiente, embora traga também um conflito

entre as metas e a demanda, caso ela seja adotada de maneira sistemática. As

mudanças na taxa de juros necessárias para alterar a taxa de câmbio no curto prazo

podem causar efeitos indesejáveis na demanda doméstica, além de alterar a inflação

no médio prazo.

Alguns estudos citados por Debelle (1997), que objetivaram quantificar a

banda ótima para as metas de inflação, como Haldane e Salmon (1995), Debelle e

Stevens (1995) e Turner (1996), chegaram à conclusões não muito animadoras sobre

as mesmas. Baseados na história, bandas de inflação muito estreitas estarão sujeitas

à freqüentes não cumprimentos, mesmo quando a conduta da política monetária está

em seu nível ótimo. Entretanto, podem-se obter ganhos no longo prazo quando as

metas são muito estreitas, embora o investimento inicial para atingi-las no curto

Page 39: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

prazo é alto. Em contrapartida, se a credibilidade dos formuladores de política

monetária é baixa e o efeito de suas políticas incerto, pode ser menos custoso o

estabelecimento de metas mais largas para se conquistar em primeiro lugar a

credibilidade. Também se torna mais compreensível e menos prejudicial à

credibilidade a diminuição das bandas ao longo do tempo do que o aumento das

mesmas com o passar do tempo.

As bandas, por serem necessariamente anunciadas em conjunto com as metas,

já demonstram, através de seu teto, o nível máximo de aceitação da inflação pelas

autoridades monetárias. Em caso de países que já tenham ultrapassado a meta de

inflação por algum motivo qualquer, existe uma tendência para que o teto da banda

torne-se quase que uma meta secundária para a sociedade e principalmente para os

mercados. Em contrapartida, como enfatizado por Clifron (1999) e citado por

Giambiagi e Carvalho (2002), as autoridades monetárias devem trabalhar junto à

sociedade e aos mercados seu entendimento em relação ao piso da banda,

esclarecendo se a atuação em relação a ela será tão enfática quanto as reações para o

teto da banda. Isso ocorre uma vez que, como discutido anteriormente, níveis de

inflação muito baixos não são confortáveis para se trabalhar a estabilidade

econômica.

2.7 A NECESSIDADE DAS PROJEÇÕES E A NATUREZA INTRÍNSECA DE

FORWARD LOOKING DO SISTEMA

O funcionamento do sistema, de maneira simplificada, requer um

comportamento específico do banco central. O mesmo prevê um determinado

comportamento para a inflação futura e acompanha, dentro do espaço de tempo

adequado, a evolução dos preços. Tal acompanhamento se dá sempre através de

constantes comparações entre o comportamento dos preços em relação às metas

estabelecidas. A diferença entre a inflação projetada e a meta estabelecida determina

Page 40: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

o ajuste necessário no instrumento de política monetária. O grande detalhe é que a

correção de qualquer desvio da inflação em relação à meta se dá antes do desvio

propriamente dito ocorrer. Essa necessidade de se antecipar aos eventos futuros

concede ao sistema sua principal característica, chamada de "forward looking".

As ações de política monetária, através de seus vários instrumentos de

transmissão, sofrem um lag de tempo antes de impactarem o produto. O fato de as

políticas monetárias influenciarem a inflação após apenas um certo espaço de tempo

obriga seus formuladores a adotarem uma postura diferente de uma política

simplesmente reativa. As decisões tomadas hoje devem traduzir a realidade no

momento em que tal decisão efetivamente influenciará a realidade devido ao lag

temporal entre ação e reação. Ou seja, devido à necessidade de se antecipar aos

eventos futuros, as ações dos condutores da política monetária de um Banco Central

operando sob o regime de metas inflacionárias devem ser tomadas de acordo com

projeções. Svensson (1996), citado por Debelle (1997), trabalha a inflação projetada

oficialmente pela autoridade monetária como perfazendo praticamente o papel uma

meta intermediária. Para ele, as projeções se encaixam em tal papel uma vez que

são, por definição, correlatas à data da previsão, são controláveis, facilmente

observadas e transparentes.

O intervalo entre a decisão de política monetária e a mensuração de seu efeito

confere, também, um elevado grau de incerteza à conduta monetária. As autoridades

monetárias de qualquer país, seja ele adepto ou não ao regime de metas

inflacionárias, devem gozar de credibilidade para que suas atitudes sejam vistas

como acertadas frente às projeções de futuro da sociedade e do banco em si. Tais

projeções devem englobar o estado geral da economia, além de vislumbrar possíveis

riscos para o equilíbrio econômico, tanto no âmbito doméstico como internacional.

Expectativas de inflação que se sustentem em patamares baixos e estáveis são

facilitadores, para o banco central, de estabilidade do emprego e do produto no curto

prazo. Isso ocorre porque o banco central, no caso da sociedade já esperar por uma

inflação baixa e estável, não precisa se preocupar com afrouxamentos de política

Page 41: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

monetária. Isso ocorre uma vez que os mesmos não resultariam em um aumento da

inflação e de suas expectativas, tornando-se assim producentes.

Para Köhler (2002) o sistema de metas torna-se enfático no respeito à

manutenção de uma inflação baixa e estável. Para ele, este seria o elemento chave

para o sucesso de uma política econômica, e tal argumento ultrapassa os benefícios

diretos de uma inflação baixa e controlada para a eficiência da economia e seu

crescimento. Nas palavras de Köhler (2002, pág. 2):

A manutenção da estabilidade dos preços - e, igualmente importante, o desenvolvimento pelo banco central de uma forte reputação pelo seu comprometimento à tal manutenção - serve de âncora para as expectativas de inflação futura do setor privado. Expectativas futuras de inflação bem ancoradas (pelas quais a sociedade continua a esperar inflação baixa e estável mesmo se a inflação atual temporariamente seja desviada de seu nível esperado), não apenas facilitam a estabilidade dos preços no longo prazo como também aumentam as habilidades do banco central para estabilizar o produto e o emprego no curto prazo.

Um novo tópico a ser discutido surge da questão da necessidade da política

monetária ser forward looking, e é a projeção em si. Para Debelle (1997), o

fundamental é que a relação entre as metas e as projeções existam, e que as decisões

sobre a política monetária sejam tomadas baseadas nas expectativas futuras. O

modelo utilizado para projetar a inflação, no caso, torna-se secundário ao seu papel,

e não precisa necessariamente seguir um certo padrão. Não obstante, o modelo

utilizado pode se nutrir de várias fontes diferentes de informações, e as decisões

devem ainda levar em consideração outros indicadores, mesmo que eles não possam

ser incorporados ao modelo de projeção.

Existe uma relação conflitante entre incorporar inúmeras variáveis aos

modelos de projeção e à tomada de decisões uma vez que, muito embora o poder de

análise aumente com o maior número de informações relevadas, o sistema de metas

exige uma certa disciplina. A escolha de se trabalhar um grande número de

indicadores implica em uma perda no poder de comunicação com a sociedade, além

de uma conduta tendenciosa à discrição. Por outro lado, trabalhar com um modelo

Page 42: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

pré-determinado e de fácil compreensão fortalece a âncora nominal, além de não

deixar dúvidas sobre a conduta da política monetária. O maior grau de

previsibilidade, tanto da inflação futura quanto das atitudes do banco central em

relação à ela, tornam o sistema mais confiável como um todo. Ao mesmo tempo,

essa maior previsibilidade pode vir a ser prejudicial à conduta monetária em tempos

de crise ou algum choque externo. Isso ocorre devido à obrigação que o banco

central assume e à clareza com a qual a sociedade e os mercados percebem a

ocorrência e dele cobram, por conseqüência, o foco no nível de preços, que ocorreria

em detrimento à estabilidade do produto ou ao nível de emprego.

2.8 CREDIBILIDADE, TRANSPARÊNCIA E INFORMAÇÕES REQUERIDAS

PELO SISTEMA DE METAS

Conforme já citado anteriormente, Mendonça (2003) define credibilidade

como sendo "o nível de confiança que os agentes econômicos depositam na

exeqüibilidade de uma política anunciada ser implementada e ser cumprida até o

fim". Conforme esta discrição, Sicsú (2002, pág. 3), citado por Mendonça (2003,

pág. 731), conclui:

Se um objetivo de política econômica é crível, isto significa que o mercado acredita que pode ser alcançado. Então, uma meta de inflação para um determinado período é plenamente crível se é igual à expectativa de inflação do mercado para o mesmo período, sendo o contrário verdadeiro: se a expectativa de inflação do mercado está bastante distante da meta de inflação do banco central, isto significa que tal objetivo de política econômica carece de credibilidade.

A importância de as metas determinadas estarem dentro de um leque de

possibilidades enxergado pelos agentes como factível é de fundamental importância.

Quanto mais credibilidade o banco central gozar, menor será a chance, percebida

pelos agentes, de ocorrência de inconsistência temporal.

Page 43: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

De acordo com Fraga, Goldfajn e Minella (2003), a adoção do sistema de

metas para a inflação representa um esforço das autoridades monetárias em

aumentar seu nível de credibilidade, uma vez que em tal sistema existe o

comprometimento formal para com a estabilidade de preços. No contexto de que os

países emergentes tem, por natureza, instituições mais fracas daquelas dos países em

desenvolvimento, isso é especialmente necessário.

Esforços de comunicação sob o regime de metas inflacionárias são vitais. É

fundamental explicar claramente à sociedade, aos participantes do mercado

financeiro e aos grupos políticos os objetivos e limitações da política monetária,

além das variáveis numéricas das metas de inflação e em que circunstâncias elas

foram escolhidas. As estratégias da política monetária e os meios através dos quais

se esperam cumprir as metas dada a situação econômica à época e suas projeções

também devem ser claramente expostas pelo banco central.

A transparência requerida para o sucesso do regime de metas envolve a

criação de canais de comunicação entre o órgão responsável pela política monetária,

a sociedade em geral e, principalmente, o mercado financeiro, tanto a nível nacional

como investidores fora do país. A publicação das projeções do banco central, ou

mesmo de um resumo das projeções feitas pelos próprios "players" do mercado

financeiro, é um destes canais. Uma outra forma de se balizar a performance do

banco central e afirmar o compromisso do mesmo para com as metas de inflação, se

faz através da publicação periódica de estudos sobre a inflação, as expectativas

previstas para o curto, médio e longo prazo e, também de grande importância, a

explicação sobre as mudanças ocorridas na conduta da política e suas justificativas.

Um dilema, entretanto, ocorre em relação à publicação das expectativas

oficiais de inflação, uma vez que a própria reação do mercado financeiro à tal

publicação provoca mudanças no cenário em que as projeções foram feitas. Esse

fato, dependendo do grau de volatilidade do mercado financeiro, pode comprometer

em demasia a projeção. O mesmo dilema ocorre com outro canal de comunicação,

que é a publicação das atas das reuniões onde são decididos os rumos a serem

Page 44: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

tomados pela política monetária. Ao explicarem o cenário considerado para a

decisão tomada e apontarem riscos e projeções para o futuro, tais atas apresentam

justificativas para a alteração de projeções e expectativas. O que o banco central

deve fazer em ambos os casos, muito embora tal solução, dado seu elevado grau de

incerteza inerente, é muito suscetível à falha, é levar em consideração a reação dos

mercados em relação à ata e às suas projeções na própria elaboração das mesmas.

Não obstante o banco central deve fornecer informações à sociedade em

relação à condução da política monetária, ele se alimenta da mesma e nela busca

respostas à perguntas como as expectativas futuras. Existe um variado número de

informações que se fazem necessárias para que a política monetária possa ser

devidamente calibrada. Netto (1999) conclui que os quatro fatores que diretamente

influenciam a inflação são o nível de atividade, as expectativas de inflação, as

variações da taxa de câmbio nominal (defasadas devido ao lag existente para a

efetivação de seus efeitos na economia), e as variações dos salários nominais,

também defasados. Para se obter o máximo de resultados da política

antiinflacionária com o mínimo de custos para a atividade econômica deve-se

compreender profundamente o efeito que a variação de cada uma das variáveis

acima influencia na inflação.

Como citado por Haldane (1997), o banco central deve ter uma visão

holística do processo de transmissão da política monetária, uma vez que as metas de

inflação requerem um constante feedback das expectativas de inflação futura. Caso

isso não ocorra, não se conseguem formas de mensuração das ações dos

formuladores de política.

A questão da transparência está intimamente ligada, como esclarece Debelle

(1997), à responsabilidade formal que o banco central assume para com as metas.

Para que se aumente a eficiência da política monetária sob um regime de metas

inflacionárias, se faz necessário o anúncio de mudanças na condução da mesma,

além das razões que justificam tais mudanças. O elevado grau de transparência

necessário justifica-se pela visibilidade que concede ao sistema como um todo, além

Page 45: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

de esclarecer quaisquer desrespeito às metas. Segundo Debelle (1997, págs. 17 e

18), os regimes de metas para inflação devem ser o mais transparente possível uma

vez que:

Esta elevada transparência deve ajudar a aumentar o impacto e assim reduzir o tamanho do lag da política monetária nas decisões que afetam os preços e salários. A elevada transparência e responsabilidade formal podem ser consideradas como contrabalanço ao elevado grau de independência instrumental concedida ao banco central na perseguição da meta de inflação sob esse regime.

2.9 O PAPEL DO BANCO CENTRAL E SUA RESPONSABILIDADE

Além de se comunicar com a sociedade e com os mercados, um dos papéis

fundamentais do banco central operando sob o regime de metas inflacionárias é

saber trabalhar a questão da conduta discricionária. Afinal, o sistema de metas torna-

se flexível uma vez que a escolha do melhor diagnóstico para a economia é livre.

Como citado por Bogdanski, Tombini e Werlang (2000, pág. 5):

Ao invés de reagir aos fatos presentes, os formuladores de política tomam decisões baseados em projeções sobre a inflação futura, níveis alternativos de taxas de juros e na melhor estimativa do estado corrente da economia e o provável desenrolar futuro de variáveis exógenas". Tal discrição é constrangida pelo arcabouço de regras do sistema, o que a torna mais segura em relação à tendência de se praticar uma política que seja temporalmente consistente, conforme discutido anteriormente.

Tal discrição controlada, por assim dizer, torna o sistema de metas adaptável

a choques externos e particularidades econômicas de cada país. Uma regra maior,

portanto, deve ser respeitada para que tal discrição funcione pelo melhor da

economia: o banco central deve conhecer profundamente todos os canais de

transmissão da política monetária e seus efeitos diversos na economia, além de

gozar do controle dos mesmos. Não necessariamente, portanto, o banco central deve

Page 46: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

ser independente para que o sistema funcione. Necessariamente, entretanto, ele deve

ter liberdade instrumental.

Outro papel do banco central é manter-se focado no controle da inflação. Para

Carare, Schaechter, Stone e Zelmer (2002), os objetivos para a taxa de câmbio

devem estar subordinados às metas, e o banco central deve apenas intervir no

mercado cambial com o intuito de aliviar e amortecer os efeitos de choques

temporários. Ademais, o banco central deve manter-se fiel ao objetivo inflacionário

e priorizá-lo frente aos objetivos de salário, emprego e produto.

Como forma de assegurar o atributo da autoridade monetária em relação ao

seu compromisso para com o nível de preços, é função do arcabouço do sistema

prover à sociedade e aos mercados um parâmetro para medir o sucesso da conduta

da política monetária. Para que exista a formalidade do compromisso, o banco

central deve ser responsabilizado por erros na condução da política, e a sociedade,

os mercados e o governo devem ser munidos de parâmetros de performance para

julgá-lo. Estes devem ser constantemente confrontados com a meta a ser atingida,

pois qualquer desvio da meta pode assim ser explicado. Em outras palavras, a

responsabilidade do banco central se torna transparente, e o mesmo pode

eventualmente sofrer alguma punição caso os objetivos estabelecidos não sejam

cumpridos ao grado. (Debelle 1997)

Os papéis acima descritos para o banco central conferem ao mesmo um

grande leque de independência e de atuação. Não obstante, é imprescindível que

haja uma boa coordenação entre os vários objetivos de política econômica e as

outras áreas do governo, como o ministério da economia, por exemplo. Caso exista

um objetivo maior por parte do país e as áreas da política econômica se coordenem,

será permitido ao banco central conquistar sua credibilidade, além de obrigá-lo a

executar uma política monetária mais responsável não só em termos de inflação,

mas também de forma a impedir recessões e aumento do déficit de forma

desnecessária. Como descrito por Mendonça (2003, pág. 119):

Page 47: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

A transformação crucial na relação governo - banco central deve-se à criação de mecanismos (contratos) com o objetivo de evitar que o banco central desvie-se daquilo que foi previamente acordado com o governo, contudo, a essência continua a mesma - o governo, (representante da sociedade) determina quais devem ser os objetivos a serem alcançados em termos de inflação e o banco central atua como órgão executor.

Page 48: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

3 O SISTEMA DE METAS PARA A INFLAÇÃO NO CONTEXTO

MACROECONÔMICO

O sistema de metas está, assim como qualquer outro sistema de controle de

preços ou de estabilização monetária, inserido em um contexto macroeconômico

maior. Decisões políticas, por exemplo, podem vir a influenciar a estabilidade dos

preços caso o sistema político do país assim o permita. Essa grande variação é

exógena ao sistema de metas em si, e precisa ser adaptada a ele em certos casos,

assim como o próprio sistema deve ser adaptado em outros. Os principais pontos

discutidos advém dos canais de transmissão da política monetária e dos problemas

advindos da inconsistência fiscal, financeira e externa. Cada uma delas apresenta

suas particularidades, e serão discutidas em detalhes a seguir.

3.1 CANAIS DE TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA E O SISTEMA

DE METAS

Keynes introduziu os gastos públicos na discussão econômica, provando que

os mesmos poderiam ser utilizados como forma de estabilização, promoção de

crescimento e manutenção de baixa inflação. Entretanto, dúvidas quanto a

habilidade de se efetuar uma política fiscal em tempo dela se converter em ações

reais na economia no momento pretendido, além da obtenção de déficits fiscais

crescentes, fizeram com que a política monetária passasse a ocupar o papel de

estabilizadora do produto e da inflação e promotora do crescimento (Mishkin, 1996).

Para que as autoridades monetárias, dotadas de tal função, possam exercê-la da

melhor forma possível, espera-se das mesmas uma profunda compreensão dos

canais de transmissão dos instrumentos de política monetária. Assim, a utilização

dos mesmos gerará uma expectativa de reação na economia real em um determinado

tempo e com uma determinada intensidade. Por mais que tal função reação do banco

central não possa ser precisa dada a natureza dinâmica da economia, pode-se obter,

Page 49: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

através da aplicação de regras como a de Taylor (1995), uma boa idéia sobre o

processo.

O sistema de metas de inflação, por definir em seu arcabouço a inflação como

sendo o principal objetivo de política econômica, requer uma análise detalhada de

tais mecanismos de transmissão. Como descrito por Carare, Schaechter, Stone e

Zelmer (2002, pág. 19):

Para que o sistema de metas de inflação funcione, o banco central deve condicionar seus instrumentos de política de modo a guiar a inflação em direção às metas estabelecidas. O mecanismo de transmissão da política monetária é a conexão entre mudanças na realidade percebida pelas autoridades e seus efeitos nas metas operacionais e, em última instância, na inflação. Quanto mais fortes forem estes conectores e quanto melhor eles forem compreendidos, mais eficientes serão as mudanças nos instrumentos de política monetária que visam atingir as metas de inflação.

Dos países que adotam o sistema de metas, apenas o México não utiliza a

taxa de juros nominal de curto prazo como instrumento principal de transmissão da

política monetária, segundo Carare, Schaechter, Stone e Zelmer (2002). A taxa de

juros perfaz um instrumento que precifica o mercado monetário, e é transmitido aos

demais mercados de crédito através da curva de juros futuros. Seu uso implica na

escolha, pelas autoridades monetárias, de acomodar de maneira ampla as flutuações

na demanda pelos bancos de reservas ou de colchões para liquidez. A crescente

popularidade no uso das taxas de juros de curto prazo é parte de uma tendência

maior em se deixar de utilizarem as metas quantitativas de estoque de moeda,

conforme discutido por Borio (1997) e Van't dack (1999), citados por Carare,

Schaechter, Stone e Zelmer (2002). As metas quantitativas compreendem, como

exemplo, o balanço detido pelo banco central da posição dos bancos comerciais (ou

uma forma mais agregada) para o gerenciamento da liquidez e para efetuar

pagamentos.

A utilização de instrumentos monetários diretos, como por exemplo limites

de empréstimos e restrições para tomar recursos, como explicado por Carare,

Schaechter, Stone e Zelmer (2002), são raramente utilizados uma vez que seus

Page 50: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

ajustes são por definição infreqüentes. Os instrumentos de transmissão indiretos são,

segundo Alexander et ali (1995), preferíveis uma vez que podem influenciar a

liquidez da economia no dia-a-dia, e assim responder rapidamente à choques

inflacionários, sinalizar as intenções de política, minimizar riscos de crédito e

desenvolver os mercados financeiros. Os canais de transmissão da política monetária

não são restritos às taxas de juros nominais de curto prazo, muito embora este seja o

principal instrumento utilizado pelos bancos centrais dos países que aderem ao

sistema.

Mishkin (1996) trabalha os três principais canais de transmissão da política

monetária como sendo a taxa de juros, o canal que opera através de outros ativos, e

por último, o canal de crédito. Sobre a taxa de juros, o canal mais antigo na literatura

econômica, Mishkin (1996) comenta que sua ênfase está na taxa de juros real, e não

nominal, uma vez que é a primeira que afeta as decisões dos empresários e dos

consumidores. Mendonça (2003) argumenta que a taxa de juros é o canal mais

conhecido de transmissão da política monetária. Seu efeito sobre o lado real da

economia ocorre tal como descrito no modelo ISLM, ou seja, a interpretação do

efeito de uma variação da taxa de juros sobre a economia é feita sob uma

perspectiva keynesiana. Segundo Mendonça (2003, pág. 67):

A ação de uma política monetária que visa à contração da demanda agregada pode ser compreendida da seguinte forma: o banco central realiza uma contração monetária; com menor quantidade de moeda disponível na economia, ocorre uma elevação da taxa de juros de curtíssimo termo; como conseqüência, assumindo-se que no curto termo há rigidez dos preços, a taxa de juros reais também aumenta. Devido ao retorno real proveniente dos juros tornar-se superior à eficiência marginal do capital em parte da economia, tem-se como resultado a redução no nível de investimento, o que por sua vez, acarreta queda na demanda agregada e conseqüente diminuição do produto.

Carare, Schaechter, Stone e Zelmer (2002, pág. 19) estabelecem seis pontos

através dos quais a inflação sofreria pressões para baixo caso houvesse um aumento

significativo nas taxas de juros nominais de curto prazo pelas autoridades monetária.

Page 51: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

O primeiro deles seria através da apreciação cambial, que reduziria o preço dos

produtos importados. A elevação do hiato do produto através do aumento do custo

de empréstimos, uma vez que estes reduziriam a vontade de investir e consumir bens

duráveis seria o segundo motivo, que é intimamente ligado ao terceiro: redução da

renda disponível para o consumo através do custo da taxa de juros alta. O quarto e o

quinto fatores são a redução esperada no faturamento das empresas, o que diminuiria

a vontade dos bancos em conceder mais crédito à elas, e a conseqüente queda nos

investimentos. O sexto e último fator adviria da quebra de empresas altamente

alavancadas, o que prejudicaria as expectativas em relação ao futuro da economia.

Meltzer (1995), citado por Mishkin (1996), argumenta que a taxa de juros é

apenas um ativo econômico, e que existem outros que também transmitem os efeitos

da política monetária aos preços e às decisões de investimento e consumo. Ao

contrário da visão Keynesiana, os monetaristas procuram analisar como a política

monetária afeta o preço dos ativos relativos e a riqueza real. A manutenção de uma

elevada taxa de juros, por exemplo, supondo-se um certo grau de liquidez

internacional, causaria a entrada de divisas na fronteira nacional. Este fluxo positivo

de dólares, por sua vez, acarretaria em uma apreciação cambial e uma conseqüente

perda de competitividade da moeda doméstica, o que mudaria os preços relativos

aos bens comercializáveis ("tradeables"). Além disso, como citado por Mendonça

(2003), a taxa de câmbio influencia de forma indireta o nível de preços através da

necessidade de importar matérias primas e produtos intermediários e na substituição

de bens domésticos por importados.

Variações nos preços de ativos financeiros também constituem-se em canais

alternativos às taxas de juros na transmissão da política monetária. Como discutido

por Mishkin (1996), o "q" de Tobin (1969) é definido como o valor de mercado das

ações das firmas sobre o custo de reposição do capital. Tal razão permite mensurar o

hiato existente entre o capital real e o capital planejado, constituindo assim um bom

mecanismo para avaliar o retorno de um novo investimento. Quanto mais

contracionista a política monetária estiver, menor será tal razão, uma vez que a

Page 52: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

conexão entre o preço das ações e a política monetária resultaria em um elevado

custo de reposição do capital em relação ao já existente.

Os canais transmissão da política monetária que operam por intermédio dos

bancos comerciais são os de crédito. As restrições ou imposições de crédito, taxas de

redesconto e colchões de liquidez impostas aos bancos comerciais afetam sobretudo

o segmento da economia de pequenas empresas, uma vez que as grandes conseguem

tomar recursos através de outros meios, como a emissão de ações e títulos para o

mercado secundário. Segundo Mendonça (2003), devido ao processo de inovação

financeira ocorrida principalmente a partir da década de 1980, diversos economistas,

como Edwards e Mishkin (1995), Bernanke e Gertler (1995) e Meltzer (1995), têm

salientado o fato de que os bancos possuem menor importância para o mercado de

crédito.

De todos os canais de transmissão da política monetária descritos acima,

Mishkin absorve estas quatro lições (1996, págs. 20 a 23):

1) Sempre associar os afrouxamentos ou restrições monetárias à quedas ou elevações da taxa de juros nominal de curto prazo torna-se perigoso; 2) devido ao fato de serem importantes canais de transmissão do mecanismo de política monetária, outros ativos que não sejam apenas os relacionados às dívidas de curto prazo, contém informações importantes sobre o estado geral da política monetária; 3) a política monetária pode ser altamente eficaz em reerguer uma economia fraca mesmo quando sua taxa de juros nominal de curto prazo já se encontra próxima de zero e; 4) evitar flutuações não antecipadas no nível de preços torna-se um objetivo importante de política monetária, assim provendo uma lógica de estabilidade de preços como sendo seu objetivo primordial de longo prazo.

3.2 CONFLITOS DE COORDENAÇÃO FISCAL, FINANCEIRA E EXTERNA

O sucesso de qualquer regime de política monetária exige, como já

trabalhando anteriormente, um certo grau de coordenação entre as várias políticas

almejadas pelo governo. O regime de metas para a inflação, em particular, exige

Page 53: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

uma coordenação ainda maior, uma vez que as condicionantes monetárias, mais

facilmente adaptáveis em sistemas de câmbio fixo ou controlado, se alteram.

Segundo Blejer, Leone, Rabanal e Schwartz (2001, pág. 8):

Idealmente, sob o regime de metas para inflação as condicionantes monetárias devem ser coordenadas para a avaliação do estado da política monetária vis à vis à meta de inflação estabelecida pelo governo. Entretanto, isso iria requerer uma compreensão excessivamente boa dos canais de transmissão da política monetária, além de seus precisos parâmetros.

Se manter a estabilidade de preços é o objetivo primordial do Banco Central,

e em um regime de câmbio flutuante é a austeridade fiscal, juntamente com a

austeridade monetária compatível quem sustentam a estabilidade de preços, o

regime de metas para a inflação constitui-se apenas em uma ferramenta de

estabilização. De acordo com Fraga, Goldfajn e Minella (2003, pág. 13), "a conduta

da política monetária em países emergentes encontra três grandes desafios: i)

conquistar credibilidade, ii) reduzir o nível de inflação, e iii) lidar com a

inconsistência fiscal, financeira e externa". Sem dúvida uma das mais importantes é

a relação que se estabelece entre a política monetária e a política fiscal.

A política fiscal deve necessariamente ser consistente com a situação da

dívida do país. Portanto, a implementação do sistema de metas precisa ser

acompanhada por um regime fiscal compatível. Para os países que já tem um

histórico de responsabilidade fiscal, o regime de metas passa por um processo de

implementação mais fácil do que para países com passado de fraqueza fiscal. Nestes

casos, é demandado do governo muito tempo pela sociedade para que tal quadro

passado não gere expectativas futuras de não conformidade dos gastos públicos. Este

medo de não coordenação fiscal afeta as expectativas de inflação, que por sua vez

pressionam o banco central a conduzir a política monetária de forma contracionista.

Tal conduta, através de juros altos, afeta por sua vez as contas públicas, uma vez que

Page 54: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

eleva a dívida. O desafio, portanto, seria criar regimes monetário e fiscal que

trabalhassem no ciclo inverso, reforçando-se uns aos outros.

Outro problema para a condução da política monetária que ocorre quando

esta começa a ser restritiva em demasia é o medo de que isso leve à uma crise

financeira. Isso pode vir a ser uma conseqüência de um fraco ou muito alavancado

sistema financeiro, e pode vir a despertar na sociedade a expectativa de que a âncora

nominal de preços não seja perseguida para que se mantenha a sanidade financeira.

Este problema pode ser caracterizado como uma forma de inconsistência financeira.

Goldfajn e Gupta (1999) discutem que, após uma crise cambial, a economia

que enfrenta uma crise bancária tem uma menor probabilidade de escolher uma

política restritiva e que, mesmo a adotando, a probabilidade de sucesso na

recuperação é baixo. A fraqueza do setor bancário, assim como a vulnerabilidade

financeira de um modo geral, foi determinante na gravidade da crise asiática de

1997, segundo Fraga, Goldfajn e Minella, (2003). Tal fragilidade pode ainda ser

agravada caso o país detenha bancos públicos, uma vez que estes podem estar sendo

utilizados de maneira imprópria, ou até podem ser fracos se comparados aos demais

bancos privados.

Assim como no caso da inconsistência fiscal, a inconsistência financeira deve

ser regulamentada e supervisionada para que diminua ao máximo sua influência

sobre o sistema de metas de inflação. Também, de acordo com Carare (2001), citado

por Fraga, Goldfajn e Minella (2003), quanto maior for a razão da dívida privada em

relação ao PIB, assim como quanto maior for a liquidez da dívida privada, menor

será a volatilidade da taxa de juros. Isso ocorre devido ao maior poder de

transmissão da política monetária nesses casos.

Os choques externos constituem-se em um outro problema à conduta do

sistema de metas de inflação, uma vez que são exógenos ao mesmo. Os países

emergentes, em particular, estão muito suscetíveis a eles uma vez que seus fluxos de

capitais não são constantes ao longo do tempo como para os países desenvolvidos.

Tal volatilidade na conta capital do balanço de pagamentos acaba por afetar a taxa

Page 55: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

de câmbio, que por conseqüência influencia os índices de preço. Tais choques,

segundo Fraga, Goldfajn e Minella (2002), levam à pratica de taxa de juros mais

elevadas como forma de conter as pressões na inflação, o que acaba por elevar a

volatilidade nos juros também.

A inconsistência externa pode ser percebida uma vez que, com a constância

dos choques exógenos, estabelece-se um ciclo vicioso. O aumento da volatilidade da

taxa de câmbio e dos juros, causada por um choque externo gera dificuldades

internas para que sejam cumpridas as metas estabelecidas. O alto custo para cumprir

as metas, ou mesmo a não conformidade para com as mesmas, acaba por gerar

análises negativas quanto aos fundamentos da economia em questão, e isso aumenta

a desconfiança dos agentes externos. Estes, por sua vez, voltam a diminuir suas

posições em investimentos locais e acabam por gerar maior volatilidade cambial e,

potencialmente, novos choques externos. (Fraga, Goldfajn e Minella, 2002).

Em contrapartida, economias que estejam sob o regime de metas para a

inflação e que não tenham metas explícitas para a taxa de câmbio estão sujeitas às

flutuações dos mercados mundiais, assim como podem ser beneficiadas por uma

diminuição no hiato do produto global. A única maneira de se evitar a formação do

ciclo vicioso é absorver a volatilidade da taxa de câmbio e relevá-la quando da

decisão sobre as metas de inflação e suas expectativas.

Page 56: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

4 A IMPLEMENTAÇÃO E A PERFORMANCE DO SISTEMA DE METAS

DE INFLAÇÃO NO BRASIL

4.1 CONDICIONANTES HISTÓRICAS DA ECONOMIA NACIONAL ANTES

DA ADOÇÃO DO REGIME DE METAS INFLACIONÁRIAS6

Para que se possa discutir o regime de metas inflacionárias no Brasil com o

mínimo possível de equívocos, faz-se necessário contextualizar a economia nacional

no momento de sua adoção. Em primeiro lugar, isso ocorre devido ao grau de

complexidade das relações econômicas, em segundo porque o sistema de metas,

como visto nos capítulos anteriores, depende em muito da economia onde está

inserido.

Desde a entrada do Brasil na era da financeirização, com o início das

operações de open market realizadas pelo Banco Central em 1974, até a adoção

oficial do regime de metas inflacionárias, em julho de 1999, o país foi palco de

intensas mudanças de regimes monetários, políticos e ideológicos. Nos anos 80,

tidos como a "década perdida", o setor público no Brasil sofreu as conseqüências da

alta das taxas de juros internacionais. Devido à dívida pública, contraída em moeda

estrangeira pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Ernesto Geisel, a

alta nas taxas de juros internacionais aumentaram o endividamento brasileiro. Dois

fatores mantinham, no entanto, a capacidae de pagamento de tal dívida. Eram eles a

constante geração de superávits comerciais, que forneciam divisas ao país, e a

manutenção de elevados níveis de inflação, uma vez que estes possibilitavam ao

governo manter seus gastos em patamares mais elevados do que suas receitas, e

assim honrar os títulos de dívida pública. A especulação financeira e a crescente

sofisticação do mercado financeiro nacional dotaram o Brasil de uma proteção

contra o processo inflacionário vivido até o início da década de 90.

6 O arcabouço conceitual deste texto foi extraído de Lourenço, Gilmar Mendes. A Economia Paranaense em Tempos de Globalização, Curitiba, 2003.

Page 57: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

O grau de indexação da economia permitia ao país conviver com a inflação,

uma vez que a economia era protegida, por assim dizer, através dos Bônus do

Tesouro Nacional letra F, ou por outros indexadores do mercado financeiro, que

continuavam a preservar o valor do dinheiro, mesmo que esse escalasse em termos

nominais. A moeda estrangeira, no caso o dólar, servia de unidade de contas. Assim,

com o valor real do dinheiro preservado pelos indexadores e a unidade de contas

representada pelo dólar, apenas no quesito de unidade de troca o país realmente

faltava. Tal maneira de convívio impediu um fim mais rápido e drástico ao processo

inflacionário, ao permitir que o mesmo se prolongasse sem que um plano de controle

da inflação fosse necessariamente adotado. Sendo assim, uma série de

incompetências públicas e privadas foram mascaradas. O governo, por exemplo,

gastava muito além de suas capacidades de arrecadação, assim como empresários

obtinham lucros no overnight (taxa de juros de curtíssimo prazo) e não em seus

ramos de atuação e produtos. A falta de competição com o mercado externo e a falta

de horizonte de planejamento foram determinantes para que da década de 80

resultassem pífios resultados de crescimento e desenvolvimento.

Certamente o crescimento mais expressivo da década de 80 foi o do

endividamento público. Para honrar e financiar sua dívida, as taxas de remuneração

apresentadas pelos títulos públicos eram compatíveis com o grau de risco do país.

Com isso, além do privilégio das operações financeiras em detrimento das operações

produtivas, o déficit financeiro do governo superou em magnitude o déficit fiscal.

Em 1991, entretanto, o Brasil foi aberto comercial e financeiramente de uma

maneira abrupta, e os investidores internacionais descobriram no país altas taxas de

remuneração financeira, ainda mescladas com o alto grau de incerteza.

A instabilidade da moeda nacional, como citado por Dezordi (2004), durou

aproximadamente 20 anos. A taxa de inflação acumulada, medida pelo IPCA

(IBGE), foi de aproximadamente 4.317,36% e 5.689,92% na década de 80 e de 1990

a 93, respectivamente. Os formuladores de política monetária careciam de

credibilidade, e por mais que os três grandes planos de estabilização - Plano Cruzado

Page 58: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

em 1986, Plano Collor I em 1990 e Plano Collor II em 1991 - tivessem elementos

econômicos que poderiam viabilizar seu sucesso, a continuidade dos altos gastos

públicos em relação à arrecadação pública mantinham a dinâmica inflacionária

intacta. Além disso, os três planos de estabilização supramencionados não foram

adaptados à economia. Ao contrário, todos tentaram impor condições que, quando

não mais exercidas com a mesma intensidade, deixaram como resultado uma

situação igual à que encontraram.

O último plano de combate à dinâmica inflacionária, vigente até os dias de

hoje, foi desenvolvido em três fases distintas, sendo que a primeira delas vislumbrou

justamente o fim do mantenedor da escalada dos preços. Através do Programa de

Ação Imediata, foi realizado um ajuste fiscal provisório, onde 20% das receitas da

União foram desvinculadas. Ademais, os Estados tiveram suas dívidas roladas pela

União porém se comprometeram a privatizar instituições de fomento e de infra-

estrutura em seu domínio, que também eram geradoras de inflação por trabalharem

quase que como perfeitas "casas da moeda" estaduais.

A segunda fase do Plano Real foi desenvolvida por André Lara Resende e

Pérsio Arida, a pedidos do então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso

no Governo de Itamar Franco. O estudo dos dois economistas resultou na percepção

de que a evolução dos preços medidos por uma mescla de três índices de inflação

(IGP-M/FGV, IPC/FIPE e IPCA/IBGE) acompanhava com alto grau de correlação

os movimentos do preço da moeda nacional frente ao dólar. Portanto, a conclusão é

que se poderia usar a mesma mescla dos três índices para se criar uma âncora

nominal de preços facilmente referenciada no ativo dólar e com a expressiva

vantagem de não exigir uma escolha pró ou contra dolarização nos mesmos moldes

que a vizinha Argentina. Além disso, a literatura econômica internacional enfatiza o

quanto a implementação de uma âncora cambial torna-se eficiente no combate à

dinâmicas inflacionárias.

No início de 1994, através da Unidade Real de Valor, que tornou-se um

grande indexador geral para a economia, o Brasil acabou com a inércia dos preços.

Page 59: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Entre junho de 1994 e janeiro de 1999, a âncora nominal utilizada para decrescer e

estabilizar a inflação foi, portanto, a taxa de câmbio. No regime de câmbio fixo, a

conduta da política monetária era limitada a obter a estabilidade no Balanço de

Pagamentos necessária para que se mantivesse a paridade de compra da moeda.

Gráfico 4.1 - 1

Como explicado por Lourenço em seu artigo sobre os dez anos de Plano Real

(2004, pág. 4):

O Real propiciou o alargamento do horizonte temporal de previsibilidade no cálculo econômico. De fato, a queda da inflação facilitou tanto a programação de gastos das famílias quanto a definição e execução das estratégias de investimentos das empresas, exercício impraticável nos períodos de inflação elevada e indexação generalizada.

Assim como em outros lugares que acabaram com suas dinâmicas

inflacionárias, o Brasil assistiu a um aumento real no poder de compra da população.

O acesso ao crédito e a noção real de valor dos produtos antes remarcados

semanalmente concederam ao país uma nova onda de demanda por bens e serviços.

Tal demanda, entretanto, não foi satisfeita com produtos nacionais, pois as empresas

Inflação no Início do Plano Real sob Âncora Cambial

1,0% 1,6%1,9%

40,3%

6,8%

47,4%

0,0%5,0%

10,0%15,0%20,0%25,0%30,0%35,0%40,0%45,0%50,0%

jan/

94fe

v/94

mar

/94

abr/

94m

ai/9

4ju

n/94

jul/9

4ag

o/94

set/9

4ou

t/94

nov/

94de

z/94

jan/

95fe

v/95

mar

/95

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95m

ai/9

5ju

n/95

jul/9

5ag

o/95

set/9

5ou

t/95

nov/

95de

z/95

Evolução Mensal do IPCA (IBGE)

Adoção do Real

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Page 60: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

ainda produziam mascaradas pelos aumentos constantes de preço. Além de uma

onda de modernização das empresas nacionais, a similaridade da moeda nacional

com o dólar aumentou as importações. Após mais de quatorze anos com saldos

positivos em sua balança comercial, o país passou a ter déficit.

Gráfico 4.1 - 2

Os déficits comerciais eram financiados pelas entradas de capital e

investimentos estrangeiros diretos. A alta liquidez internacional permitiram ao país

financiar seu déficit comercial crescente, porém exigiu do banco central altas taxas

de remuneração. Além da necessidade de serem praticados juros altos devido à

necessidade de atração de capitais, o contrário também ocorreu. Isto é, o próprio país

ofereceu juros altos e atraiu por conseguinte muito capital. Lourenço (2004) justifica

o fluxo de divisas devido à falta de noção do tamanho da taxa de juros de equilíbrio

para o funcionamento da economia, agora sem inflação. Ao longo do período onde a

âncora cambial vigeu - entre julho de 1994 e janeiro de 1999 - a taxa de

remuneração financeira foi em média de 37,5% ao ano, mesmo com a inflação

média permanecendo no patamar de 13,6% ao ano. O resultado foi uma taxa de juros

real média de 21,6% ao ano ao longo dos 4,6 anos em questão. Assim, o Brasil

Comportamento do Saldo Comercial após a Adoção da Âncora Cambial (Acumulado em 12 meses vs. Mensal)

14.161

-4.537

12.1469.184

748 1.229

-1.061

4791.521

-5.000-3.000-1.0001.0003.0005.0007.0009.000

11.00013.00015.000

jan/

94fe

v/94

mar

/94

abr/

94m

ai/9

4ju

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4ag

o/94

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nov/

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mar

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n/95

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5ag

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5ou

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nov/

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z/95

Saldo - US$ mi. 12 m.Saldo - US$ mi. mensal

Fonte: Banco Central do Brasil, elaboração do Autor

Page 61: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

transformou-se em um paraíso para os investidores externos. Com o mercado de

divisas superavitário, a cotação do Real frente ao dólar chegou a R$ 0,8420 em

janeiro de 1995, demonstrando uma grande apreciação frente à moeda norte-

americana. O gráfico abaixo demonstra com facilidade tal argumento.

Gráfico 4.1 - 3

O sistema de âncora cambial, como demonstrado pelos dados do IBGE para o

IPCA (maio/94: 44,03%; junho/94: 47,43%; julho/94: 6,84%; agosto/94: 1,86%), foi

altamente eficiente na contenção da escalada dos preços no curto prazo. Três

características intrínsecas ao mesmo, entretanto, se mostraram verdadeiras e

obrigaram o Brasil a encontrar outro sistema que não o de câmbio fixo para reger

sua política monetária. Como apontados por Giambiagi e Carvalho (2002, pág. 27),

são elas: a) a grande dificuldade em ajustar as contas externas; b) necessidade de se

praticar juros altos que indexam e consequentemente elevam a dívida pública; e c)

maior suscetibilidade a ataques especulativos. Este último item provou-se

especialmente verdadeiro para o Brasil.

A crise do México, ocorrida em março de 1995, fez com que muitos

investidores deixassem suas posições de investimento no Brasil, uma vez ele

Evolução dos Juros, da Inflação e dos Juros Reais

8,9%

-6,0%

15,1%

32,3%

13,0%

39,5%

20,0% 19,3%

41,6%43,2%

22,0%

27,9%

57,2%

46,8%

61,4%

-10%

10%

30%

50%

70%

90%

110%

jul/9

4se

t/94

nov/

94ja

n/95

mar

/95

mai

/95

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5se

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nov/

95ja

n/96

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/96

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6se

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96ja

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7se

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97ja

n/98

mar

/98

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8se

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nov/

98ja

n/99

Taxa de Juros Reais AnualizadaInflação mensal (IPCA / IBGE) AnualizadaTaxa de Juros Mensais Anualizados

Fonte: Banco Central do Brasil, elaboração do Autor

Page 62: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

também se apresentava como um país emergente e dependente de capital externo.

Como resultado das pressões cambiais ocorridas, Pérsio Arida, então presidente do

banco central do Brasil, pede demissão. Quem assume seu lugar é Gustavo Franco,

que mudou o sistema cambial de livre flutuação para o sistema de mini bandas

cambiais. A primeira foi de R$ 1,03 a R$ 1,07, e trouxe a cotação da moeda nacional

para padrões mais reais dado os níveis de inflação brasileiros e americanos. A crise

mexicana foi encarada como extraordinária, conclusão que, vista ex-post, provou-se

equivocada.

Como concluído por Araújo (2003, págs. 110 e 107):

Em resumo, a crise mexicana levou o país a elevar os juros como forma de conter a saída de recursos e a perda de reservas internacionais; levou a uma pequena desvalorização em março de 1995, ao redor de 5% e a adoção de pequenas desvalorizações mensais a partir do segundo semestre do mesmo ano; ou seja, o regime de âncora cambial foi mantido. O déficit da balança comercial continuou a aumentar, bem como o da balança de serviços, com destaque para aqueles itens mais sensíveis a taxa de câmbio, como viagens internacionais, transportes e seguros (pág. 110). Poderia se imaginar que as autoridades econômicas do Brasil procurassem frear a tendência de déficit comercial crescente, que existia através da combinação: câmbio valorizado e liberalização comercial, para evitar a crise cambial que ocorreu no México. A manutenção da política de juros elevados e câmbio valorizado permitiram que as importações continuassem a crescer acima do crescimento verificado nas exportações. O déficit em transações correntes atingiu, em 1995, 17.7 bilhões de dólares (pág. 107).

Enquanto isso, em novembro de 1995, o governo lança o Programa de

Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional

(PROER), após a intervenção ocorrida nos bancos Econômico e Nacional. O

objetivo da união foi o de estruturar o sistema financeiro nacional para ser ele o

agente de fomento e de infra-estrutura para os estados e para o governo federal, uma

vez que os Estados haviam se comprometido a privatizar suas instituições do ramo.

Entre julho e outubro de 1997 foi a vez dos Tigres Asiáticos enfrentarem

ataques especulativos em suas moedas e entraram em crise financeira. A valorização

do dólar frente ao iene, e por conseqüência, a valorização excessiva das moedas dos

Page 63: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

tigres asiáticos elevou os déficits em transações correntes daqueles países, resultado

em menores exportações e, como no caso da Tailândia e Indonésia em 1996, déficits

em transações correntes da ordem de 8% do PIB. O alto grau de alavancagem

financeira encontrado nos países asiáticos, quando a moeda passou a ser

desvalorizada, criou sérios problemas para empresas endividadas em moeda

estrangeira, criando uma crise no sistema financeiro que contagiou os países da

região, pois a desvalorização da moedas dos tigres de segunda geração (Tailândia,

Filipinas, Malásia e Indonésia) pressionou os tigres de primeira geração (Coréia do

Sul, Hong Kong e Cingapura), que já apresentavam baixa competitividade comercial

(Araújo, 2003). O início da crise asiática se deu com a desvalorização do Bant

tailandês, seguido pelo "crash" na bolsa de Hong Kong.

A reação negativa por parte dos investidores internacionais se repetiu, e o

Brasil também sofreu as pressões de um ataque especulativo. No último trimestre do

ano a saída líquida de capitais do país chegou a US$ 2,4 bilhões. A bolsa paulista

caiu em 14,9%, enquanto que as reservas internacionais tiveram de ser diminuídas

em US$ 10 bilhões, passando de US$ 61,9 bilhões em setembro para US$ 52,1

bilhões em dezembro. A manutenção da política de valorização do real após a crise

mexicana criou um ambiente onde o Brasil tornou-se mais vulnerável à choques

externos. Portanto, as taxas de juros, utilizadas para se manter a paridade do câmbio

e um balanço de pagamentos equilibrado, mais uma vez foram elevadas de 22,02%

ao ano em outubro para quase o dobro em novembro (43,30% ao ano). Ao

receberem remunerações sobre o capital desta ordem, os investidores estrangeiros

foram convencidos a permanecer no Brasil. Tal reação dos formuladores de política

monetária cumpriu com seu objetivo e evitou uma fuga de capitais, com a cotação

do real frente ao dólar se mantendo dentro das bandas estabelecidas.

O primeiro trimestre de 1998 sinalizava uma situação externa mais favorável,

uma vez que o fluxo financeiro havia sido restabelecido, e as taxas de juros já

haviam caído par patamares de 20% ao ano. As reservas internacionais também

foram recompostas, chegando a atingir US$ 70 bilhões no segundo trimestre de

Page 64: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

1998. Após sofrer com a crise asiática também, a Rússia não se encontrava na

mesma situação que o Brasil, apresentando uma economia desaquecida. Os preços

do petróleo, seu principal produto de exportação estavam caindo, fazendo com isso

com que seu superávit comercial caísse. Ademais, a frágil situação fiscal se agravou,

e o país, dando sucessão às crises internacionais em países emergentes, declarou

moratória de sua dívida externa, em setembro de 1998 (Araújo, 2003).

Novamente o Brasil passou por um ataque especulativo, enquanto a aversão

ao risco por parte dos investidores afugentava dólares do país e obrigava os

condutores de política monetária a praticarem taxas altas de juros. Desta vez, o pico

dos juros foi de 41,6% ao ano em outubro de 1998. Mais de 15 bilhões de dólares

deixaram a fronteira nacional em apenas um mês, forçando o banco central também

a vender reservas. A bolsa paulista caiu em 15,8%, e o governo reagiu com cortes

nos gastos da área social, além do anúncio do Programa de Estabilidade Fiscal, que

visava cortar gastos e aumentar impostos. Novamente, portanto, a cotação da moeda

nacional foi mantida dentro das bandas pré-estabelecidas. Além disso, o Brasil

contou com um empréstimo de 41 bilhões de dólares feito pelo Fundo Monetário

Internacional em dezembro de 1998.

O comportamento da inflação no período da política de câmbio controlado foi

correspondente às pressões da demanda interna, assim como continham uma boa

dose de inovações de produtos e melhoria na qualidade percebida de outros. Nos

quatro anos compreendidos entre 1995 e 1998, o aumento acumulado dos preços ao

consumidor, medidos pelo IPCA, foi de 43,5%. A inflação do Brasil se manteve,

embora baixa, maior do que a do resto do mundo industrializado. No mesmo

período, a inflação acumulada nos pelos Estados Unidos foi de 10,1%. A moeda

nacional se encontrava, portanto, sobrevalorizada em 30,4%. Tal situação era

cobrada pelo mercado financeiro, que mantinha a cotação do real sempre ao teto das

bandas estabelecidas, obrigando assim o banco central a se desfazer de suas reservas

cambiais. Em janeiro de 1999, logo após a posse de Fernando Henrique Cardoso

para o seu segundo mandato, o Brasil tornou-se "a bola da vez" no mercado

Page 65: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

financeiro internacional, uma vez que a situação cambial era insustentável. Tal como

descrito por Lourenço (2004, pág. 4):

Naquele momento, a repentina e brutal saída líquida do capitais internacionais, na direção da cobertura dos prejuízos acumulados com as operações na Rússia ou do "porto seguro" representado pelos títulos de longo prazo dos Estados Unidos, acabou eliminando qualquer chance de o governo enfrentar a instabilidade externa por meio da intransigente manutenção da moeda sobreapreciada frente ao dólar.

O banco central, após diminuir seus níveis de reserva em quase 30 bilhões de

dólares, não agüentou a pressão do mercado e desistiu do sistema de bandas

cambiais, passando a adotar o regime de câmbio livre. O presidente do banco

central, Gustavo Franco, pede demissão e Francisco Lopes assume o cargo. A

cotação da moeda nacional foi, entre o dia 12 de janeiro a 3 de março de 1999, de

R$ 1,21 para R$ 2,16. Após este "overshooting" da taxa de câmbio, de 78,7%, a

cotação do real voltou para patamares justos em questão de quatro meses.

Gráfico 4.1 - 4

4.2 O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO NO

BRASIL

Evolução da Cotação do Dólar frente ao Real

1,21

0,85

1,12

2,061,95

1,79

0,98

1,28

1,66

1,27

1,011,10

1,601,74

1,58

1,13

1,38

0,8

1,0

1,2

1,4

1,6

1,8

2,0

2,2

jul/9

4se

t/94

nov/

94ja

n/95

mar

/95

mai

/95

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5se

t/95

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n/96

mar

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jul/9

6se

t/96

nov/

96ja

n/97

mar

/97

mai

/97

jul/9

7se

t/97

nov/

97ja

n/98

mar

/98

mai

/98

jul/9

8se

t/98

nov/

98ja

n/99

mar

/99

mai

/99

jul/9

9se

t/99

nov/

99Taxa de Câmbio - Efetiva (venda)Taxa de Câmbio Real ao Consumidor - IPCA (IBGE)Taxa de Câmbio Real ao Produtor - IPA-M (FGV)

Fonte: BACEN - Taxa de Câmbio, IBGE - IPCA, FGV - IPA-M, elaboração do Autor

Page 66: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

O ano de 1999 começou atordoado para a economia brasileira. Pressões

internas, advindas da maxi-desvalorização do Real, da demissão de Francisco Lopes

da presidência do banco central apenas após dois meses no cargo e dos escândalos

dos bancos FonteCidam e Marka, e pressões externas, como o estouro da bolha de

ações do setor de tecnologia (Nasdaq) nos Estados Unidos, fizeram com que muitos

economistas previssem o fim do Plano Real e a volta da inflação. Felizmente,

entretanto, o alto preço do dólar, cotado em torno de R$ 1,85 (média em 1999),

quando somado à recessão em que o país se encontrava devido aos déficits externos

e as altas taxas de juros praticadas, criaram as condições restritivas que impediram

com que a inflação passasse do produtor ao consumidor com a mesma força. A

criação de uma nova dinâmica inflacionária não ocorreu, muito embora tenha havido

uma alteração de preços relativos, que acomodou o choque externo vivido e o novo

preço da moeda nacional. A partir desse momento, a economia brasileira passou a

conviver com um descolamento em relação à trajetória dos preços no atacado e no

varejo. Os primeiros passaram a ser pressionados pelo câmbio, e começaram a variar

em um gradiente maior. Já os preços no varejo, por refletirem a demanda e sendo

que esta se manteve pressionada, mantiveram variações menores.

Gráfico 4.2 - 1

-25%0%

25%50%75%

100%125%150%175%200%225%250%

ago/

95no

v/95

fev/

96m

ai/9

6ag

o/96

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96fe

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mai

/97

ago/

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v/97

fev/

98m

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8ag

o/98

nov/

98fe

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ago/

99no

v/99

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00m

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0ag

o/00

nov/

00fe

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mai

/01

ago/

01no

v/01

fev/

02m

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2ag

o/02

nov/

02fe

v/03

mai

/03

ago/

03no

v/03

fev/

04m

ai/0

4

Diferença entre Atacado e VarejoIPA-M / FGV - AtacadoIPCA / IBGE - Varejo

Evolução dos Preços no Atacado e no Varejo (variação mensal acumulada desde set/94)

Fonte: IBGE - IPCA, FGV - IPA-M, elaboração do Autor

Page 67: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

A maior perda sofrida pela crise brasileira de 1999 foi a da referência de

preços - a âncora cambial. Sob a direção de Armínio Fraga Neto desde o dia 4 de

março de 1999, o banco central do Brasil se propôs a lidar com a crise em mãos e

cumprir dois objetivos primordiais. Segundo Bogdanski, Tombini e Werlang (2000),

eram eles o de acalmar o nervoso mercado financeiro e o de estabelecer o sistema de

metas para inflação. O temor dos mercados era de que a escalada da inflação

pudesse fazer com que as taxas de juros que remuneravam os títulos públicos se

tornassem negativas. Para tanto, a taxa de juros foi elevada para 45% ao ano já no

dia 5 de março de 1999. Então, foi proposta a implementação do sistema de metas

inflacionárias para que a política monetária voltasse a ser referenciada.

Um dos principais objetivos era fazer com que as expectativas negativas em

relação à recém conquistada estabilidade monetária fossem amenizadas. Para tanto,

o sistema de metas veio como um choque de credibilidade, pois atestava perante a

lei a responsabilidade do banco central para com os níveis de preço. Esse

comprometimento formal veio no dia 22 de junho de 1999, através do decreto lei

número 3.088, de 21 de junho de 1999, assinado pelo então Presidente da República

Fernando Henrique Cardoso. À época, a taxa Selic já se encontrava em patamares de

22% anuais, devido ao sucesso da primeira medida tomada. O decreto, conforme

citado em Bogdanski, Tombini e Werlang (2000, pág. 11), contém as seguintes

particularidades:

• As Metas de Inflação serão estabelecidas nas bases da variação de um

índice de preços amplamente conhecido;

• As metas de inflação, bem como seus os intervalos de tolerância serão

definidos pelo Conselho Monetário Nacional baseados em proposta feita

pelo Ministro da Fazenda;

• As Metas de Inflação para os anos de 1999, 2000 e 2001 serão definidas

até no máximo dia 30 junho de 1999; para o ano de 2002 e anos

Page 68: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

subsequentes, as metas deverão ser definidas até 30 de junho, dois anos

para frente;

• É concedido ao Banco Central a responsabilidade de implementar as

políticas necessárias para o cumprimento das metas estabelecidas;

• O índice de preços a ser adotado com o propósito de balizar o regime de

metas inflacionárias será escolhido pelo Conselho Monetário Nacional

baseados em proposta feita pelo Ministro da Fazenda;

• Os alvos serão considerados cumpridos quando a inflação observada

acumulada durante o período de janeiro a dezembro de cada ano

(mensurada pela variação do índice de preço adotado para este propósito)

se situar dentro dos intervalos de tolerância especificados;

• Se as metas não forem cumpridas, o Presidente do Banco Central terá de

endereçar uma carta aberta ao Ministro da Fazenda explicando as causas

do não cumprimento, as medidas a serem adotadas para assegurar que a

inflação regresse aos intervalos de tolerância, e o período de tempo que

será necessário para que tais medidas façam efeito; e

• O Banco Central irá publicar um relatório trimestral sobre inflação que

proverá informações sobre a performance do regime de metas de inflação,

os resultados das ações de política monetária e as perspectivas

condizentes à inflação.

Todos os principais tópicos que compõe o arcabouço teórico do sistema de

metas, tal como discutido no capítulo dois, se fizeram presente no decreto acima,

podendo o país ser classificado como um usuário do sistema completo de metas de

inflação.

O apontamento das metas brasileiras se dá pelo órgão misto do governo e do

banco central, denominado de Conselho Monetário Nacional (CMN). O CMN, como

descrito no próprio nome, constitui-se no conselho de política econômica do país,

visto que o mesmo é responsável pela fixação das diretrizes não apenas da política

monetária mas como também das políticas creditícia e cambial. Ao não possuir

Page 69: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

funções executivas e estar dentro do âmbito do governo, ele torna-se o órgão mais

acertado para deliberar sobre a meta, conforme visto no capítulo dois. O CMN é

composto pelo presidente do banco central, pelo ministro do planejamento e pelo

ministro da fazenda, que é quem o presidia.

O índice de preços escolhido pelo CMN no dia 30 de junho de 1999 para ser

o balizador oficial do sistema de metas foi o Índice de Preços ao Consumidor Amplo

(IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tal

escolha respeitou a restrição feita pelo decreto lei, que exigia a escolha de um índice

amplamente conhecido. O IPCA é denominado de índice de inflação amplo porque

seu cálculo compreende o orçamento de famílias cuja renda mensal varia de 1 a 40

salários mínimo. Além da larga faixa de renda, o IPCA é um índice de abrangência

nacional, calculado mensalmente através de pesquisas de preço em nove regiões

metropolitanas do país - Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Belo

Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife e Belém, além de mais duas capitais:

Goiânia e o Distrito Federal.

O CMN decidiu por estabelecer bandas de 2 pontos percentuais para mais ou

para menos do centro das metas. Tal escolha acabou por justificar a adoção do IPCA

cheio como índice oficial do sistema, uma vez que possíveis choques teriam um

espaço para serem absorvidos dentro do intervalo da banda. O banco central, como

responsável pelo cumprimento das metas estabelecidas, se responsabiliza por elas e

deve, caso não consiga cumpri-las, endereçar uma carta formal ao Ministro da

Fazenda explicando as causas da falha e as atitudes a serem tomadas para a correção

da trajetória da inflação. O horizonte definido para as metas é o de um ano, cabendo

ao CMN a adequação das metas no horizonte de tempo estabelecido, uma vez que as

mesmas são anunciadas para dois anos à frente.

Como frisado por Bogdanski, Tombini e Werlang (2000), as decisões de

política monetária no sistema brasileiro devem ser tomadas de acordo com a maior

gama possível de informações disponíveis. Portanto, um grupo de modelos deve ser

considerado quando se busca por uma função de reação para o banco central e

Page 70: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

também se pretende projetar a inflação e distribuição de probabilidade para a

mesma. O modelo deve incluir, além da visão do banco central sobre a realidade

econômica, as expectativas que o setor privado tem da mesma, além de suas

expectativas para a inflação e outras principais variáveis econômicas.

A questão da transparência foi abordada pelo sistema de metas brasileiro na

forma de se estreitarem os vínculos de comunicação do banco central com a

sociedade e com os mercados e vice versa. Como previsto no decreto que oficializou

as metas brasileiras, o banco central passou a publicar trimestralmente um relatório

sobre a inflação, abordando as perspectivas em relação à mesma, os principais

tópicos de conduta a serem adotados e/ou modificados por parte dele em relação à

realidade observada. Para tanto, foi criado o departamento de pesquisas do banco

central, além da gerência de relacionamento com investidores (GERIN), que coleta

dados, monitora as expectativas privadas de inflação e publica relatórios de acertos

das projeções mais precisas. O banco central passou também a publicar estudos

econômicos e papers em uma série chamada de "Trabalhos para Discussão", onde

economistas publicam seus estudos de relevância não só para o sistema de metas de

inflação, mas sim para o desenvolvimento do país.

A taxa de juros é o principal instrumento utilizado para a transmissão da

política monetária dentro do arcabouço do sistema de metas de inflação. Isso ocorre

porque sua influência sobre o nível de preços se dá através da influência dos juros na

demanda. Devido ao equilíbrio entre a oferta e a demanda, necessário para promover

a estabilidade monetária, sempre que houver um aumento da demanda, um

semelhante aumento da oferta deverá se seguir, através de investimentos produtivos,

para que assim se mantenha o mercado de trabalho em equilíbrio. Segundo o

esquema dos mecanismos de transmissão da política monetária do próprio Banco

Central do Brasil (1999):

Page 71: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Gráfico 4.2 - 2

De acordo com a curva de Phillips, é justamente a inflação de demanda que a

política monetária almeja controlar, uma vez que os choques externos são exógenos

e pressões de oferta também. Em casos de choques de demanda, o PIB e a inflação

crescem, fazendo com que o primeiro se valorize em termos nominais, e não em

termos reais. Nesse caso, para que se evite a criação de uma dinâmica inflacionária,

o banco central deve aumentar a taxa de juros de curto prazo para elevar a de longo

(expectativas) e valorizar o cambio real, diminuindo, portanto, a demanda. Já sob

choques de oferta, o PIB e a inflação vão em direções opostas, uma vez que o PIB

tende a decair e a inflação aumentar. Nesse caso, os juros podem ser utilizados como

restritivos da demanda, que por sua vez ajudaria a frear a propagação do choque de

oferta. Os efeitos primários do mesmo, entretanto, são inevitáveis, e, dependendo da

sua magnitude, um choque de oferta pode alterar os preços relativos de uma

economia. O banco central deve se atentar à velocidade com a qual ele pretende, sob

um choque de oferta, reduzir a inflação, uma vez que o trade off entre ela e o

produto é potencialmente grande.

Taxa Selic

Choques Externos

Taxas de Mercado

Preço dos Ativos

Expectativas Furutas

Crédito

Taxa de Câmbio

Investimento Privado

Consumo de bens duráveis

Exportações Líquidas

Preços Externos

Demanda Agregada

Inflação

Page 72: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Para decidir sobre a trajetória dos juros básicos de curto prazo da economia

brasileira, sendo este o principal instrumento de política monetária, o Conselho de

Política Monetária (Copom) se reúne em intervalos mensais. Suas decisões são

apresentadas através da imprensa à sociedade e aos mercados, e as atas das reuniões

são publicadas uma semana após a mesma. O departamento de pesquisa do banco

central do Brasil desenvolveu um grupo de ferramentas para dar suporte às decisões

do Copom, dentre elas um modelo estrutural em pequena escala dos mecanismos de

transmissão da política monetária da decisão sobre os juros aos preços,

complementado por modelos de projeções de curto prazo, medidas do núcleo da

inflação (core inflation) e projeções para os principais indicadores da economia

(Bogdanski, Tombini e Werlang, 2000).

4.3 ESTRUTURA MACROECONÔMICA BRASILEIRA E IMPACTOS NA

FORMAÇÃO DE PREÇOS

O regime de metas inflacionárias brasileiro obteve êxito apenas nos dois

primeiros anos após sua implementação. Em 2001, 2002 e 2003, no entanto, o

Banco Central não convergiu a inflação real para as expectativas estabelecidas. A

grosso modo, pode-se vislumbrar quatro fatores que levaram ao insucesso das metas

no último triênio. O primeiro deles relaciona-se à estrutura produtiva do país, o

segundo à formação dos preços monitorados (entende-se como preços monitorados

ou administrados por contrato aqueles cuja variação, a despeito de estarem

relacionados com oferta e demanda, dependem de autorização ou conhecimento

prévio de algum órgão do poder público), o terceiro ao endividamento público,

enquanto o quarto corresponde ao arcabouço do regime de metas adotado no Brasil.

Quando combinados, tais fatores acabam por requerer um alto grau de estabilidade

mundial para que o sistema, tal como posto, torne-se assertivo.

Page 73: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

O IPCA, calculado pelo IBGE e balizador das metas inflacionárias, sofre

pressões advindas do principal preço da economia, a moeda estrangeira. Uma

depreciação cambial, tal como a ocorrida em 2001, 2002 e no início de 2004, traz

pressões imediatas nos custos das indústrias, uma vez que as mesmas são

dependentes de insumos importados. Entre 1995 e 2003, 48,3% das importações

brasileiras foram referentes à matérias primas e produtos intermediários, enquanto

que, no mesmo período, 25,3% foram em bens de capitais. Somadas, as duas

categorias representaram 73,5% das importações brasileiras. Ademais, como as

empresas nacionais com acesso ao mercado financeiro internacional se endividam

através do mesmo devido ao seu menor custo de capital, a depreciação cambial eleva

não só os custos mas também os endividamentos das indústrias. As variações no

preço da moeda estrangeira tendem a ser rapidamente repassadas ao consumidor.

Em apenas meio ano, segundo Goldfajn e Werlang (2000), uma depreciação cambial

de 1% resultaria em um acréscimo nos preços ao consumidor de 0,55% nos países

do continente americano. O IPCA também capta, através da categoria Alimentos, a

elevação do valor em reais das commodities agrícolas.

A formação dos preços monitorados pelo governo exerce pressões no IPCA

através de dois gatilhos de preços. O primeiro se formou com o programa de

desestatização, iniciado em 1996. Durante as privatizações do setor de energia

elétrica e telecomunicações, que ocorreram anteriormente à adoção do câmbio

flutuante, os contratos de concessão previram que as tarifas cobradas dos

consumidores fossem reajustadas pelos índices gerais de preços (IGP-M ou IGP-DI,

ambos calculados pela FGV/RIO). Tais índices embutem, devido sua composição,

60% de preços no atacado (IPA), que por sua vez apresentam grande sensibilidade à

taxa de câmbio (vide parágrafo anterior). Resultado: sempre que a divisa brasileira

perde valor, as empresas de telefonia e energia elétrica têm o direito de reajustar

seus preços sem que aja, necessariamente, um aumento em seus custos ou mesmo

dos outros preços ao consumidor. Entre 1995 e 2003, a elevação nos preços de

Page 74: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

telefonia fixa e de energia elétrica foram de 4.122,58% e 2.229,83%

respectivamente. Já o IPCA cheio variou, no mesmo período, 119,34%.

Além do processo de privatização, outro gatilho dos preços monitorados na

inflação são os reajustes de preços estaduais e municipais como o IPTU, tarifas do

transporte público, água e esgoto, dentre outros. As variações desses preços devem

ser, necessariamente, absorvidas pelo consumidor uma vez que não se tratam de

bens ou serviços substituíveis ou mesmo evitáveis. No período de 1995 a 2003, os

preços monitorados foram elevados em 271,60%, enquanto que a variação dos

preços comercializáveis foi de 79,39% e a dos não comercializáveis foi de 108,59%,

segundo o próprio IPCA/IBGE.

Existe um outro preço que pressiona o IPCA que, embora se inclua no rol dos

monitorados, deve ser analisado em particular devido ao seu alto poder

multiplicador. Trata-se dos derivados de petróleo, cujo monopólio é detido por uma

empresa estatal. Tais preços são reajustados pela soma da oscilação dos preços da

commodity no mercado internacional com as oscilações da taxa de câmbio

brasileira. O que dificulta a compreensão lógica de tal indexação é o fato de que a

empresa cobra do consumidor brasileiro seu custo de oportunidade ao invés de seus

custos efetivos, já que a maior parte destes se dá em moeda local. A variação do

preço da gasolina entre os anos de 1995 a 2003 foi de 2.789,70%.

A grande suscetibilidade às oscilações do mercado financeiro internacional se

constitui no terceiro problema enfrentado pelo Brasil no cumprimento de seu

compromisso para com a elevação dos preços. Sendo um país altamente devedor

(58,73% do PIB em dez/03), o crescimento do produto nacional deveria se dar a

taxas altas o suficiente para conseguir amortizar tal saldo a longo prazo.

Infelizmente, entretanto, não é essa a realidade. Enquanto o Brasil registrou, de 1995

a 2003, 19,91% de crescimento real em seu produto, o endividamento público

(DLSP) cresceu 171,81% (deflacionado pelo IPCA, cuja escolha se deve à

similaridade do mesmo com o deflator implícito do PIB). Como o crescimento não

amortece a dívida e a poupança gerada dentro do território nacional não é suficiente

Page 75: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

para, sozinha, financiá-la, o país se torna depende de capital externo. O saldo da

balança comercial acumulado de 1995 até 2003 foi positivo em US$ 16,12 bilhões,

enquanto que os saldos das balanças de serviços e rendas foram negativos em

respectivos US$ 68,85 e US$ 149,01 bilhões. O saldo negativo médio das transações

correntes no mesmo período foi de US$ 20,25 bilhões por ano, traduzindo em

números a necessidade de capital externo.

O arcabouço de normas do sistema de metas inflacionárias brasileiro também

contribuiu para o não cumprimento das mesmas no último triênio e continuará a se

opor ao sucesso do sistema. Nestes termos discutem-se o nível da meta; o horizonte

de tempo escolhido para a convergência da inflação para o objetivo estabelecido; o

índice escolhido para balizar o sucesso do plano; o intervalo de confiança; e a

interação entre a meta e os outros objetivos de política econômica.

O nível da meta brasileira, por mais contraditório que se pareça, gera

expectativas que contribuem para a descrença no sistema. Isso ocorre pela escolha

de metas ambiciosas em demasia. A primeira das definições (resolução número 2615

do Conselho Monetário Nacional em 30 de junho de 1999) de metas no Brasil, de

8% para 1999, 6% para 2000 e 4% para 2001 apoiava-se na inflação registrada no

ano precedente, que havia sido de 1,66%. O país, no entanto, não havia tido um

histórico de inflação baixa e estável no qual se pudesse basear para fixar metas tão

baixas. Como citado por Helder Mendonça (2003, pág. 741), "É diante do risco de

haver uma perda de credibilidade definitiva na estratégia de metas de inflação

adotado no Brasil que o Banco Central decidiu fazer alterações na meta e na banda

de flutuação da inflação para os anos de 2003 e 2004".

O Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu o IPCA/IBGE como

índice oficial a ser perseguido pelo Banco Central para o controle do aumento dos

níveis de preço no sistema de metas inflacionárias. Tal escolha acarretou sobre o

Banco Central uma missão difícil de ser cumprida sem acarretar em perdas, uma vez

que o índice cheio embute na proporção de 1/3 os preços monitorados.

Diferentemente da maioria dos países que aderiram ao sistema de metas para a

Page 76: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

inflação, o CMN optou por considerar a variação do IPCA "cheio" para os fins da

meta de inflação, ao invés de utilizar o índice expurgado de alguma variação de itens

exógenos ao controle da política monetária. Tal escolha acarretou sobre o Banco

Central uma missão difícil de ser cumprida sem gerar um alto custo de conduta, uma

vez que o IPCA cheio embute na proporção de aproximadamente 1/3 a variação dos

preços monitorados. Como notaram Bogdanski, Tombini e Werlang (2000, pág. 12):

Talvez, o melhor procedimento técnico teria sido o de expurgar alguns itens do índice cheio, eximindo-o de choques temporários e choques não repetitivos. Não obstante, a adoção de um índice cheio foi essencial por questões de credibilidade, ao menos no início da implementação do regime de metas. Infelizmente, a sociedade brasileira já experimentou diversas manipulações de índices de preços em um passado não tão distante, e por isso seria suspeita de qualquer expurgo feito ao índice.

Segundo Netto (1999), aumentos de preços causados pela política fiscal do

governo, como elevação de tributos e aumentos de impostos disfarçados como

tarifas publicas de serviços em regime de monopólio, que podem ter como objetivo

cortar a demanda, tem que ser considerados como 'choques transitórios' e relevados.

Aumentos das tarifas ou impostos que ocorram de maneira significativa e persistente

deterioram as expectativas para a inflação, e obrigam o banco central a tomar

medidas drásticas que tragam a inflação rapidamente para a meta, sacrificando assim

a estabilidade do produto.

Enquanto os preços comercializáveis sofrem influência direta da política

monetária e são ditados pelas regras básicas do mercado (oferta e demanda), a

maioria dos preços monitorados não. Além de se tratarem de monopólios, as

agências e empresas do governo não estão submetidas à concorrência e têm seus

preços e tarifas corrigidas pelo índice geral de preços. Como os IGPs apresentam

variações expressivas quando expostos a choques de custos e variações cambiais, os

preços administrados são corrigidos e acabam, por sua vez, pressionando os preços

no varejo. Quando se analisam os preços comercializáveis e os monitorados,

percebe-se que a influência do câmbio se dá basicamente nos preços administrados.

Page 77: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Porém, em 2002, além da desvalorização cambial, ocorreu um movimento de alta da

maioria das commodities agrícolas, o que acabou por exercer duplo impacto sobre o

IPCA.

Os preços monitorados vêm apresentando variações superiores às dos preços

livres desde 1995, sendo que a cada ano existe uma nova fonte de perturbação para

os mesmos. De acordo com Gamboa (1998), citado por Figueiredo e Ferreira (2002),

um aumento nos preços administrados cujo controle esteja totalmente nas mãos do

governo pode proporcionar à sociedade um sinal da inflação que o setor público

prevê para o futuro. Muito embora este seja certamente um motivo para que se

observe a perpetuação dos aumentos nos preços monitorados, Bogdanski, Freitas,

Goldfajn e Tombini (2001) argumentam que boa parte dos preços monitorados tem

caráter eminentemente inercial, uma vez que seus reajustes são regidos por contratos

que são atrelados ao comportamento passado de índices gerais de preços. Tal

característica, intrinsecamente inercial, fazem com que os preços monitorados

reajam em maior magnitude e maior velocidade quando frente a choques de oferta e

ou choques cambiais.

Figueiredo e Ferreira (2002, pág. 25), através do uso da regra de Taylor que

relaciona a taxa de juros à inflação dos preços monitorados e à inflação dos preços

monitorados, concluíram que "a reação à inflação dos preços administrados por

meio de movimentos na taxa de juros não seria completamente eficaz, uma vez que

esses preços apresentam menor sensibilidade às alterações de oferta e demanda". De

acordo com a função de reação pelos autores estimada para o banco central, a

condução da política monetária poderia ter sido consideravelmente mais amena caso

os preços administrados apresentassem um comportamento semelhante aos preços

livres.

Caso as metas de inflação houvessem sido flexibilizadas em 2001, o Banco

Central contaria com mais folga para trabalhar os objetivos de inflação. Assim ele

ganharia espaço para retomar o processo de redução de juros básicos, já que

decisões de política monetária, que devem ser analisadas e tomadas com um

Page 78: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

horizonte de seis meses a um ano à frente. Juros menores melhoram o ambiente

econômico, abrindo espaço, por sua vez para alguma elevação no nível de atividade

e diminuindo as pressões sobre a dívida pública.

O sistema de metas de inflação no Brasil não obteve sucesso nos últimos três

anos devido à perseguição de metas irrealistas. O sistema de metas de inflação

precisa ser adaptado à realidade econômica brasileira, pois o modelo atualmente

rígido cria um piso para a taxa de juros e praticamente anula a margem de manobra

para a política monetária. Avaliação das possibilidades de adaptar o sistema às

condições brasileiras: flexibilização da meta, expurgo de preços administrados,

maior horizonte.

Como concluído por Netto (1999, pág. 368):

No final, a sustentação da estabilidade monetária é resultado de um relativo equilíbrio entre a oferta e a procura globais. Uma vez atingida uma elevada utilização da capacidade produtiva, é preciso que a expansão da demanda global seja acompanhada por crescimento semelhante da oferta via aumento dos investimentos e da produtividade. Quando isso ocorre, há um relativo equilíbrio no mercado de trabalho. A sustentação de um alto nível de emprego sem pressões inflacionárias depende, também, do funcionamento adequado daquele mercado. Se, por exemplo, a recuperação dos salários for rápida e persistente e acima dos aumentos de produtividade, alterando a distribuição de renda, as tensões sobre os preços serão importantes e o uso apenas da política monetária para controlá-la será delicado e oneroso.

4.4 A PERFORMANCE DO SISTEMA DE METAS

O regime de metas inflacionárias obteve êxito apenas nos dois primeiros anos

após sua implementação. Em 2001, 2002 e 2003, no entanto, o Banco Central não

convergiu a inflação real para as expectativas estabelecidas. Analisar-se-á a seguir a

performance do sistema de metas ano a ano sob uma ótica conjuntural, dentro dos

fatores levantados como problemáticos no objetivo do trabalho.

Page 79: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

4.4.1 Choque de Preços Relativos: 1999

Acalmar o nervoso mercado financeiro e estabelecer o sistema de metas para

inflação foram os principais objetivos de Armínio Fraga Neto quando ele assumiu a

presidência do banco central do Brasil no início de março de 1999. Como citado

anteriormente, o temor dos players do mercado financeiro era de que a escalada da

inflação pudesse fazer com que as taxas de juros que remuneravam os títulos

públicos se tornassem negativas. Após afastar tal temor com taxas de juros de 45%

ao ano, o banco central passou para o processo de implementação do sistema de

metas para a inflação, pois com ele a política monetária voltaria a ser referenciada.

À época, no entanto, havia uma grande expectativa negativa em relação à recém

conquistada estabilidade monetária brasileira. Para tanto, o sistema de metas veio

como um choque de credibilidade, pois atestava perante a lei a responsabilidade do

banco central para com os níveis de preço.

A implementação do sistema de metas no Brasil se deu em um curto período

de tempo. A adaptação do banco central teve de ser feita às pressas, e nem por isso

deixou algum tópico do decreto lei em aberto, muito menos desrespeitou o

arcabouço teórico do sistema tal como aceito internacionalmente. Devido à

somatória dos fatores conjunturais, tais como a mudança no regime cambial, o meio

ambiente incerto e hostil e a grande alteração de preços relativos, a meta inicial

estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional no dia 30 de junho de 1999 não era

precisa. Inclusive, por ela ter sido determinada já no meio do ano, havia ao banco

central apenas seis meses para cumpri-la. A meta de 8% para 1999 foi, portanto,

uma escolha para gerar credibilidade e conter o aumento das expectativas futuras

dos preços. O intervalo de tolerância escolhido pelo CMN foi de uma variação de 2

pontos percentuais para mais ou para menos.

Os preços ao consumidor vinham, desde o início do Plano Real, apresentando

um comportamento de queda contínua. Os aumentos anuais de 1995 até 1998 foram,

respectivamente, 22,47%, 9,92%, 5,53% e 1,66%. Quando o câmbio flutuante foi

adotado, entretanto, o IPCA reverteu sua tendência de estabilidade dos baixos

Page 80: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

patamares de 1998. Em parte, as pressões podem ser atribuídas aos repasses de

preços e aos aumentos de preço das commodities agrícolas. Se faz necessário

ressaltar, entretanto, o fato de que 30% da variação do IPCA decorre dos preços

monitorados, que são em grande parte indexados pela moeda estrangeira. O

comportamento da inflação em 1999 foi, portanto, ditado pela desvalorização

cambial do início do ano. Como o pico da alta do dólar foi entre os meses de janeiro

e março, e a inflação em 1998 havia sido a menor já registrada no país, a sensação

de descontrole da inflação foi grande. Isso ocorreu visto que os números para o

IPCA acumulados em 12 meses saíram de patamares muito baixos (1,66% em

dezembro de 1998).

O controle da escalada dos preços foi feito a partir das taxas de juros, uma

vez que a atuação da política monetária passou a ser guiada por fatores endógenos e

não mais exógenos, como era no sistema de câmbio controlado. As taxas de juros

praticadas ao longo do ano de 1999 foram em média de 29% (medidas pelo CDI).

Em termos de remuneração real, descontando-se a inflação ao consumidor, a média

ficou em 23,11% ao ano. Tal nível de remuneração sobre o capital, quando somado

às incertezas conjunturais, acabou por retrair a demanda e assim conteve a escalada

de preços. O fato mais relevante foi, portanto, o fim dos repasses do aumento dos

custos devido à depreciação cambial dos produtores para os consumidores. A

cotação da moeda americana se estabilizou após março, e de abril até dezembro a

taxa de câmbio média foi de R$ 1,83, totalizando uma depreciação de 48,01% no

ano. Outro fator que contribuiu para o controle da inflação foi a própria diminuição

de renda das famílias, visto que o ritmo de atividade econômica não permitia aos

consumidores a absorção de grandes repasses. A prova disso foi a grande diferença

entre o índice no atacado (IPA-M) e no varejo (IPCA), que foi de 18,75%.

Page 81: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Gráfico 4.4.1 - 1

Através do gráfico acima pode-se perceber que o produto interno bruto

encontrou-se realmente deprimido, crescendo apenas 0,79%. O setor que mais

sofreu com a retração econômica foi o industrial, uma vez que sua produção

depende basicamente de renda e crédito. Enquanto o primeiro encontrava-se

reprimido, o segundo encontrava-se caro. Além da falta de crescimento e da

volatilidade do produto nacional, que havia apresentado um crescimento de 2,66%

em 1996, 3,27% em 1997 e 0,13% em 1998, a taxa de desemprego média também

foi mais alta do que nos anos anteriores.

Não obstante os números do PIB, a inflação medida pelo IPCA em 1999

encerrou o ano apontando para um aumento de preços da ordem de 8,94%. A meta

de inflação foi, portanto, cumprida com sucesso, ficando situada dentro do limite

superior de 10%. Conforme demonstra o gráfico abaixo, da inflação decomposta em

quatro grandes itens, o principal responsável pela inflação no ano foi o aumento dos

preços monitorados. Mesmo os itens comercializáveis tiveram um aumento menos

expressivo, ficando por conta dos preços monitorados a grande mudança de preços

relativos da economia. A medida do núcleo da inflação, em seu propósito de

mensurar a inflação persistente e eliminar choques temporários, mostrou-se bastante

Variação Anual do Produto Global e por Setores e da Taxa de Desemprego - 1999

0,79%

-2,22%

8,33%

2,01%

7,6%

-3,0%-2,0%-1,0%0,0%1,0%2,0%3,0%4,0%5,0%6,0%7,0%8,0%9,0%

PIB (Var. %) PIB SETOR INDUSTRIAL (Var. %)PIB AGROPECUÁRIA (Var. %) PIB SERVIÇOS (Var. %)DESEMPREGO (Média IBGE)

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Page 82: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

tranquilizadora, uma vez que demonstrava que o aumentos da inflação eram

realmente temporários.

Gráfico 4.4.1 - 2

4.4.2 - A Contemplação do Regime de Metas: 2000

Ao longo de todo o ano de 2000, a taxa de câmbio sofreu uma desvalorização

de apenas 9,3%, passando de R$ 1,79 ao final de dezembro de 1999 para R$ 1,96 no

fim de dezembro de 2000. A taxa de juros média anual foi de 19,77% medida pelo

CDI, o que significou uma diminuição real de 7,71% de juros quando comparado à

média do ano antecedente. Já a taxa de remuneração financeira real, descontada a

inflação ao consumidor, sofreu uma queda ainda mais expressiva, passando de

23,11% médios em 1999 para 11,63% médios em 2000, o que significou uma

redução de 10,29%. A inflação, medida pelo IPCA, registrou aumento de 5,97%,

contra os 8,94% em 1999. O centro da meta de inflação para o ano era de 6%.

O sucesso do regime de metas no ano e a trajetória da inflação, que convergiu

para a meta estabelecida, assim como o encaminhamento das expectativas

inflacionárias para níveis toleráveis tem várias explicações. Provavelmente as mais

relevantes podem ser apontadas como sendo a estabilidade do câmbio ao longo do

ano e a completa ausência de choques externos, sejam eles advindos de outros países

emergentes ou de aumentos em preços de commodities importadas, como o petróleo

Variação Anual de Preços Selecionados ao Consumidor - 1999

8,94%

11,26%

1,61%

20,89%

5,23%

0,0%2,0%4,0%6,0%8,0%

10,0%12,0%14,0%16,0%18,0%20,0%22,0%

IPCA - CheioIPCA - ComercializáveisIPCA - Não comercializáveisIPCA - Preços monitoradosIPCA - Núcleo

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Meta

Page 83: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

e o trigo. A recuperação econômica ocorrida, além de contar com os fatores

estabilizadores acima descritos, foi também proporcionada pela própria retomada do

controle sobre a situação monetária. Sendo assim, os empresários conseguiram

planejar e investir em suas empresas, assim como os consumidores puderam

refazerem seus planos de consumo, principalmente de bens duráveis.

Com a conjuntura favorável o país apresentou um crescimento representativo

de 4,36% no ano. Infelizmente, como veremos na análise dos acontecimentos do ano

subsequente, tal crescimento mostrou-se apenas conjuntural, além de ter faltado

energia para que o processo fosse mantido. A taxa de desemprego média, como

conseqüência da recuperação econômica que já havia sido iniciada em 1999 caiu.

Mesmo com a forte recuperação da demanda, entretanto, a taxa de desemprego

oscilou negativamente em apenas 0,46%, o que indica que a mesma não causou

fortes pressões nos preços. Dentre os três setores da economia, nenhum apresentou

variação mais expressiva que o outro. O destaque ficou para o crescimento do setor

industrial, que recuperou a queda demonstrada em 1999 e cresceu 4,81%, conforme

demonstrado no gráfico abaixo.

Gráfico 4.4.2 - 1

Provavelmente a taxa natural de inflação brasileira, para que se permita

absorver a mão-de-obra que adentra o mercado de trabalho anualmente e também

Variação Anual do Produto Global e por Setores e da Taxa de Desemprego - 2000

4,36%4,81%

2,15%

3,80%

7,1%

0,0%1,0%2,0%3,0%4,0%5,0%6,0%7,0%8,0%

PIB (Var. %) PIB SETOR INDUSTRIAL (Var. %)PIB AGROPECUÁRIA (Var. %) PIB SERVIÇOS (Var. %)DESEMPREGO (Média IBGE)

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Page 84: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

permitir ao país crescer dentro de seu hiato potencial, de em torno de 4% por ano, tal

qual ocorreu em 2000, seja de 6%. Como o Brasil não tem histórico de estabilidade

monetária, retirar uma lição econômica de um ano apenas seria uma idéia simplista e

errônea, porém a história recente prova que certamente tal nível de preços não é

compatível com o nível de preços internacional, de entorno de 2% de variação

positiva ao ano, e sim bastante acima dele. A meta de inflação de 2000 foi o único

acerto legítimo do banco central em relação ao sistema de metas de inflação, visto

que no ano anterior a meta foi perseguida parcialmente e o lag da política monetária

transferiu seus efeitos apenas para o ano de 2000. A inflação em 1999 havia sido

contida devido à repressão da demanda advinda desde o ano de 1998, quando o país

cresceu 0,13%, e dos baixos níveis de aumento de preço do mesmo período.

Mesmo com o sucesso do sistema no ano, como demonstra o gráfico abaixo,

a inflação continuou sendo pressionada temporariamente pelos ajustes de preços

relativos referentes aos preços monitorados, pois o repasse de preços do atacado

para o varejo ocorreu em grau muito menor. O núcleo da inflação continuou

variando em patamares aceitáveis, de 5%, provando que a pressão dos preços

monitorados era passageira. Apenas os preços monitorados, como sendo em sua

maioria monopólios ou preços cuja demanda é perfeitamente inelástica, conseguiram

ser repassados. Foi o segundo ano consecutivo em que os preços controlados pelo

próprio governo apresentam aumentos significativamente superiores aos preços

livres da economia.

Gráfico 4.4.2 - 2

Variação Anual de Preços Selecionados ao Consumidor - 2000

5,97%

3,64% 3,71%

12,90%

5,30%

0,0%

2,0%

4,0%

6,0%

8,0%

10,0%

12,0%

14,0%IPCA - CheioIPCA - ComercializáveisIPCA - Não comercializáveisIPCA - Preços monitoradosIPCA - Núcleo

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Meta

Page 85: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

4.4.3 O Primeiro Não Cumprimento das Metas de Inflação: 2001

O ano de 2001 foi um ano de choques para a economia brasileira: crise

política, crise de energia, crise da Argentina, desaceleração da economia global,

ataques terroristas aos EUA e crise cambial interna. A princípio, o país foi pego de

surpresa por uma crise de energia elétrica, decorrente da grande dependência por

usinas hidrelétricas aliada à falta de chuvas nos anos precedentes, o que causou a

queda dos reservatórios das represas e forçou o governo a decretar um racionamento

de energia. Além do fator natural chuva, o crescimento no ano anterior, de mais de

4%, alertou ao país a necessidade de se ter o parque energético ampliado. O

racionamento teve grande impacto sobre a indústria nacional e, consequentemente,

sobre o PIB.

Gráfico 4.4.3 - 1

Em segundo lugar, o grau de valorização da taxa de câmbio observado no ano

anterior agravou o quadro das contas externas do país. Tendo em vista os elevados

déficits em transações correntes e a perspectiva de redução do fluxo de investimento

estrangeiro aos países emergentes, os agentes do mercado financeiro internacional

concluíram que o Brasil teria problemas para fechar suas contas e aumentaram a

demanda por dólares (seja por motivo de proteção ou especulação).

Variação Anual do Produto Global e por Setores e da Taxa de Desemprego - 2001

1,31% -0,50%

5,76%

1,75%

6,2%

-1,0%0,0%1,0%2,0%3,0%4,0%5,0%6,0%7,0%

PIB (Var. %) PIB SETOR INDUSTRIAL (Var. %)PIB AGROPECUÁRIA (Var. %) PIB SERVIÇOS (Var. %)DESEMPREGO (Média IBGE)

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Page 86: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Com a pressão contínua na taxa de câmbio, esta, sob um regime de câmbio

livre, mudou drasticamente de patamar. A depreciação chegou a 38,44% em

outubro, após os ataques terroristas e o péssimo desempenho do mercado acionário

nacional e internacional. A questão da depreciação cambial é sempre delicada no

Brasil, uma vez que o país é altamente dependente de insumos importados. Uma

depreciação cambial, tal como a ocorrida em 2001, traz pressões imediatas nos

custos das indústrias, uma vez que as mesmas são dependentes de matérias primas e

produtos intermediários importados. Ademais, como as empresas nacionais com

acesso ao mercado financeiro internacional se endividam através do mesmo devido

ao seu menor custo de capital, a depreciação cambial eleva não só os custos mas

também os endividamentos das indústrias. As variações no preço da moeda

estrangeira tendem a ser rapidamente repassadas ao consumidor. Em apenas meio

ano, segundo Goldfajn e Werlang (2000), uma depreciação cambial de 1% resultaria

em um acréscimo nos preços ao consumidor de 0,55% nos países do continente

americano. O IPCA também capta, através da categoria Alimentos, a elevação do

valor em reais das commodities agrícolas.

Gráfico 4.4.3 - 2

"Caso a taxa de câmbio tivesse se mantido no patamar de R$ 1,96, observado

no 4º trimestre de 2000 (portanto assumindo-se uma depreciação zero), a inflação

Evolução da Taxa de Câmbio ao Longo de 2001

1,902,002,102,202,302,402,502,602,702,802,90

jan/

01

fev/

01

mar

/01

abr/

01

mai

/01

jun/

01

jul/0

1

ago/

01

set/0

1

out/0

1

nov/

01

dez/

01

5%10%

15%20%25%

30%35%40%

45%50%

Variação acumulada em 12 meses- eixo direitoBRL / USD - eixo esquerdo

Fonte: BACEN, elaboração do Autor

Page 87: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

teria sido de 4,8%. O exercício deixa claro que apenas o efeito da depreciação

cambial sobre a inflação em 2001 explica aproximadamente 2,9 pontos percentuais

da inflação". Primeira carta aberta, Banco Central do Brasil (2002, pág. 4).

Com a depreciação cambial, as expectativas para o futuro do país também se

alteraram significativamente. A crise cambial derivou, portanto, da percepção de que

a queda dos investimentos externos não permitiria o financiamento do déficit em

conta corrente. Porém, tal percepção foi revertida na medida em que as contas

externas mostraram sinais claros de melhora a partir do segundo semestre do ano,

conforme demonstrado na tabela abaixo. Com isso a confiança dos investidores foi

de certa forma restaurada no fim do ano e a taxa de câmbio retrocedeu, revertendo,

em parte, os efeitos ocorridos ao longo do ano.

Tabela 4.4.3

A inflação em 2001, apesar de não ter apresentado uma variação

substancialmente acima da de 2000, ultrapassou a meta estabelecida. O calibramento

da política monetária, devido ao lag temporal entre a ação e a reação da mesma, foi

feito a partir de premissas positivas advindas do ótimo ano de 2000. O otimismo,

entretanto, não previu que a melhora de 2000 fosse apenas conjuntural. A inflação

DataSaldo

Comercial Mensal

Saldo Comercial em

12 meses

Saldo em Transações Correntes

Mensal

Saldo em Transações

Correntes em 12 meses

Resultado Global do

Balanço de Pagamentos

Mensal

Resultado Global do

Balanço de Pagamentos em 12 meses

Investimento Estrangeiro

Direto Mensal

Investimento Estrangeiro Direto em 12

meses

jan/01 -476,32 -1.113,63 -2.305,72 -25.671,63 2.575,98 -1.141,33 1.657,20 31.407,40fev/01 77,75 -1.112,78 -1.754,05 -26.259,68 -124,95 -2.123,18 994,70 30.713,40mar/01 -279,88 -1.413,18 -2.607,88 -26.962,28 -659,28 -3.672,68 2.085,70 30.551,60abr/01 120,19 -1.477,26 -2.377,41 -26.355,66 212,09 6.735,34 2.029,00 31.211,60mai/01 210,88 -1.631,43 -2.185,52 -26.945,93 1.073,58 8.050,47 2.040,30 31.585,60jun/01 280,42 -1.606,21 -2.110,18 -26.642,71 1.849,12 10.379,29 1.093,50 29.274,20jul/01 107,75 -1.614,07 -2.036,15 -27.375,87 -1.938,05 7.177,33 2.489,90 26.611,10

ago/01 628,07 -1.080,36 -1.144,33 -27.055,26 333,67 4.985,34 1.403,20 25.525,80set/01 595,74 -155,14 -912,16 -26.361,34 3.587,94 8.365,06 1.487,90 25.429,60out/01 245,93 641,72 -2.441,37 -25.327,78 -2.516,97 6.538,42 1.335,10 24.643,30nov/01 286,86 1.587,85 -1.552,64 -24.362,75 2,06 4.464,55 2.181,90 21.103,50dez/01 853,07 2.650,47 -1.786,93 -23.214,33 -1.088,43 3.306,77 3.659,00 22.457,40

* Todos os valores expressos em USD MMFonte: Banco Central do Brasil

Evolução das Contas Externas Brasileiras - 2001

Page 88: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

chegou ao final do ano apontando para um aumento de preços da ordem de 7,67%.

Novamente - pelo terceiro ano consecutivo - os preços que mais pressionaram a

inflação foram os monitorados pelo próprio governo. Como citado pelo banco

central na primeira carta aberta endereçada ao Ministro da Fazenda após o

descumprimento da meta: "No âmbito interno, destaca-se o crescimento acentuado

dos preços administrados por contrato, principalmente das tarifas de energia elétrica.

A inflação desses preços atingiu 10,4%, valor superior ao da inflação dos preços

livres de 6,5% e da inflação do IPCA de 7,7%".

Os preços comercializáveis e não-comercializáveis ficaram em respectivos

7,31% e 5,70%. A medida do núcleo da inflação novamente mostrou-se correta com

a realidade econômica, uma vez que apontou para um aumento de 7,47%, saindo do

patamar de relativo equilíbrio (em torno de 5%) para indicar que havia componentes

permanentes no aumento dos preços verificados. Deve-se notar, entretanto, que uma

alta maior nos preços foi contida principalmente pela própria crise energética, que

obrigou a indústria a baixar a produção em muitos setores e, dessa forma, amenizou

a depreciação da taxa de câmbio e seu repasse.

Caso as metas estabelecidas de inflação tivessem sugerido uma trajetória

menos drástica de desinflação (8% em 1999, 6% em 2000 e 4% em 2001), e

houvesse sido mantido estável o seu nível em torno de 6%, as metas estariam

cumpridas novamente. A grande discrepância entre a inflação real e a meta prova

que ou a política monetária estava realmente descalibrada, ou que a própria meta de

inflação estava ambiciosa em demasia. Haja vista a manutenção, ao longo de todo o

ano de 2001, de taxas reais de juros da ordem de 9%, se faz possível prever que a

demanda estava devidamente contida.

Page 89: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Gráfico 4.4.3 - 3

4.4.4 Crise Política, Crise Cambial e Novo Desrespeito às Metas: 2002

Tomou-se a sucessão de crises ocorrida em 2001 como temporária e

passageira. Novamente o Conselho Monetário Nacional não flexibilizou as metas de

inflação. Nas palavras do banco central, através da carta aberta de janeiro de 2001,

itens 20 e 21:

As medidas de política econômica em 2001 foram dimensionadas levando-se em consideração a magnitude e abrangência dos choques que atingiram a economia brasileira. Para 2002, considera-se baixa a probabilidade que esses choques se repitam na mesma magnitude. Ao contrário, espera-se uma queda da inflação dos preços administrados por contrato e uma trajetória da taxa de câmbio que reflita a combinação de redução do risco Brasil e menores taxas de juros internacionais. Projeta-se um aumento de 5,2% (contribuição direta de 1,6 pontos percentuais para a inflação) para os preços administrados por contrato em 2002, influenciados pelos aumentos de 19% na eletricidade para o consumidor residencial. A inflação projetada para os preços administrados em 2002 situa-se acima do centro da meta de inflação de 3,5% para este ano.

Justamente ao contrário do que a realidade - ex-post - provou, a meta foi

reduzida de 4% para 3,5%, não obstante o descumprimento da mesma - por 3,53%

no ano anterior. O ano de 2002 se mostrou como o de 2001: repleto de crises e

Variação Anual de Preços Selecionados ao Consumidor - 2001

7,67% 7,31%

5,70%

10,78%

7,47%

0,0%

2,0%

4,0%

6,0%

8,0%

10,0%

12,0%

14,0%IPCA - CheioIPCA - ComercializáveisIPCA - Não comercializáveisIPCA - Preços monitoradosIPCA - Núcleo

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Meta

Page 90: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

deflagrador de problemas estruturais do país. A crise política, a crise da dívida

pública, a nova crise cambial e incertezas políticas internacionais (guerra do Iraque

2) marcaram o ano.

O início de 2002, entretanto, revelou uma onda de otimismo dos agentes e

principalmente da equipe econômica em torno das expectativas para o futuro do

país. Algumas das maiores empresas do setor privado brasileiro haviam sido

vendidas para companhias estrangeiras (Kaiser, Latasa, Garoto e Sulamérica). Com

isso, o fluxo de dólares para o país na forma de investimentos diretos aumentou

consideravelmente, pressionando para baixo a taxa de câmbio. Além disso, muitas

corporações (Bradesco, Itaú, Unibanco, Petrobrás, Vale do Rio Doce, etc...)

aproveitaram o momento de abundância de dólares no mercado para antecipar

captações externas e assim fazer caixa para vencimentos de títulos ao longo do ano.

O governo atribuía a valorização do real à melhora dos fundamentos

econômicos do país e à expectativa de um fluxo de capitais que ingressaria no país

de forma mais intensa e ininterrupta do que se previa ao final de 2001. Porém, a taxa

de câmbio valorizada, que chegou a R$ 2,26, era incompatível com a necessidade da

economia em gerar superávits comerciais para financiar o grande déficit em conta

corrente.

Tabela 4.4.4

DataSaldo

Comercial Mensal

Saldo Comercial em

12 meses

Saldo em Transações Correntes

Mensal

Saldo em Transações

Correntes em 12 meses

Resultado Global do

Balanço de Pagamentos

Mensal

Resultado Global do

Balanço de Pagamentos em 12 meses

Investimento Estrangeiro

Direto Mensal

Investimento Estrangeiro Direto em 12

meses

jan/02 168,87 3.295,66 -1.173,93 -22.082,54 506,27 1.237,06 1.475,40 22.275,60fev/02 261,52 3.479,44 -1.071,18 -21.399,66 -358,48 1.003,54 856,30 22.137,20mar/02 596,95 4.356,26 -1.002,45 -19.794,24 988,65 2.651,46 2.362,90 22.414,40abr/02 501,69 4.737,77 -1.953,31 -19.370,13 -4.018,41 -1.579,03 1.964,20 22.349,60mai/02 377,97 4.904,85 -1.900,13 -19.084,75 -426,33 -3.078,95 1.427,90 21.737,20jun/02 678,87 5.303,30 -1.292,23 -18.266,80 8.676,67 3.748,60 1.530,20 22.173,90jul/02 1.199,75 6.395,30 -543,65 -16.774,30 -2.392,85 3.293,80 930,40 20.614,40

ago/02 1.576,92 7.344,14 309,12 -15.320,86 -2.183,68 776,44 881,80 20.093,00set/02 2.490,71 9.239,11 1.232,51 -13.176,19 1.317,61 -1.493,89 1.236,30 19.841,40out/02 2.192,61 11.185,80 -22,69 -10.757,50 -2.980,49 -1.957,40 1.244,20 19.750,50nov/02 1.279,14 12.178,08 -131,36 -9.336,22 -237,46 -2.196,92 1.154,10 18.722,70dez/02 1.800,03 13.125,03 -83,57 -7.632,87 1.414,43 305,93 1.502,50 16.566,20

* Todos os valores expressos em USD MMFonte: Banco Central do Brasil

Evolução das Contas Externas Brasileiras - 2002

Page 91: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Com o dólar em queda, os preços dos insumos importados e das commodities

agrícolas permaneciam baixos e a inflação no atacado respondia com taxas

decrescentes ao longo dos primeiros meses do ano. A crise cambial teve início em

maio, quando boatos sobre a capacidade do Brasil de pagar os vencimentos da

dívida pública foram levantados por certos players do mercado financeiro. Ao

mesmo tempo, o período de maturação das candidaturas à presidência chegava ao

fim e não se constatavam, nas pesquisas de opinião, boas chances de vitória do

candidato do governo, José Serra. No mês de maio apenas, o Real se depreciou 6,5%

em relação a abril. A partir daí, as taxas de depreciação mensais foram, ao longo dos

meses de junho, julho, agosto e setembro de respectivamente 13,1%, 20,5%, -11,8%

e 28,9%.

Gráfico 4.4.4 - 1

A estrutura de custos da indústria nacional, que não foi corrigida por

programas de substituição de importações nem por reformas institucionais, estava

novamente à mercê de mais uma crise cambial, a terceira desde 1999. Novamente,

seus efeitos na economia foram sentidos em todos os níveis. O PIB variou

positivamente em 1,93%, puxado principalmente pela agropecuária. Mesmo com o

crescimento maior que o de 2001, o produto interno manteve-se aquém de seu hiato.

Evolução da Taxa de Câmbio ao Longo de 2002

2,202,40

2,602,803,00

3,203,403,60

3,804,00

jan/

02

fev/

02

mar

/02

abr/

02

mai

/02

jun/

02

jul/0

2

ago/

02

set/0

2

out/0

2

nov/

02

dez/

02

5%10%15%20%25%30%35%40%45%50%55%

Variação acumulada em 12 meses- eixo direitoBRL / USD - eixo esquerdo

Fonte: BACEN, elaboração do Autor

Page 92: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Gráfico 4.4.4 - 2

As taxas de juros foram elevadas fortemente ao longo do último semestre do

ano à medida em que as expectativas de inflação eram sendo deterioradas pelo

cenário pessimista. O CDI médio do ano ficou em 19,05% ao ano, enquanto que a

meta para a taxa Selic encerrou o ano em 25%. A taxa de juros real, descontada da

inflação ao consumidor, foi de 9,17% ao ano, mantendo-se estável em relação aos

juros reais do ano anterior. Como a situação macroeconômica estava apontando para

mais uma clara mudança de preços relativos, não restou ao Conselho Monetário

Nacional outra alternativa senão a de flexibilizar as metas de inflação para o ano.

Tal medida ocorreu dia 27 de junho de 2002.

A situação do Brasil ao ser um país emergente com níveis elevados de

endividamento público e de necessidade de financiamento externo, não foi a mais

confortável para metas tão baixas de inflação como havia se pensado possível no

início do ano de 2002. O IPCA aumentou em 12,53% em relação à 2003, furando a

meta de inflação já ajustada em 8,72%. Em relação à meta real, de 3,5%, o ano

apresentou um desgaste de 8,72% acima da mesma. De acordo com a segunda carta

aberta, endereçada ao Ministro da Fazenda pelo Presidente do Banco Central em

janeiro de 2003 (pág. 4):

Variação Anual do Produto Global e por Setores e da Taxa de Desemprego - 2002

1,93%2,57%

5,54%

1,61%

7,3%

0,0%1,0%2,0%3,0%4,0%5,0%6,0%7,0%8,0%

PIB (Var. %) PIB SETOR INDUSTRIAL (Var. %)PIB AGROPECUÁRIA (Var. %) PIB SERVIÇOS (Var. %)DESEMPREGO (Média IBGE)

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Page 93: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Destaca-se que a depreciação cambial observada pode ser caracterizada como uma mudança de preços relativos, em oposição a um processo de espiral câmbio-inflação. A depreciação do câmbio nominal, da ordem de 44%, foi significativamente superior à inflação medida pelo IPCA, 12,5%, resultando em depreciação da taxa de câmbio real. Outra forma de verificar a mudança de preços relativos é comparar a evolução da inflação dos itens comercializáveis do IPCA, que representam 39% do índice e sofrem impacto mais direto da variação cambial, com a inflação dos itens não comercializáveis, cuja participação no IPCA é de 33%. Em 2002, a inflação dos itens comercializáveis alcançou 14,9%, ante inflação de 7,4% registrada pelos itens não comercializáveis. A contrapartida dessa mudança de preços relativos foi o forte ajuste observado na balança comercial, necessário em face da redução dos fluxos de capitais ao longo de 2002.

Como notado pelo próprio banco central, no âmbito interno o destaque da

inflação foi, pelo quarto ano consecutivo, o crescimento acentuado dos preços

administrados por contrato e monitorados. A inflação nesse conjunto de preços

atingiu 15,3%, taxa superior à da inflação dos preços livres, de 11,5%, e da variação

do IPCA, de 12,5%.

Gráfico 4.4.4 - 3

4.4.5 Redução da Inflação às Custas de Juros Altos: 2003

O início do ano de 2003 foi marcado pelo alívio do mercado financeiro após a

crise ocorrida em 2002. Grande parte dessa sensação foi motivada pela reafirmação

do compromisso do governo em relação à condução da política monetária, além da

Variação Anual de Preços Selecionados ao Consumidor - 2002

12,53%

14,88%

7,48%

15,32%

8,84%

0,0%2,0%4,0%6,0%8,0%

10,0%12,0%14,0%16,0%18,0%20,0%22,0% IPCA - Cheio

IPCA - ComercializáveisIPCA - Não comercializáveisIPCA - Preços monitoradosIPCA - Núcleo

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Meta

Page 94: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

manutenção da responsabilidade fiscal. Para atestar tais compromissos, o governo

aplicou à economia um "choque de credibilidade" posto em prática através de uma

elevação da taxa de juros e adoção de medidas conservadoras. O superávit primário

também foi elevado para acima da meta para com o Fundo Monetário Internacional.

O ano de 2003 mostrou-se, de uma maneira conjuntural, amplamente favorável. Não

ocorreram choques externos que pudessem comprometer o crescimento da economia

brasileira.

O mau desempenho do PIB recai única e exclusivamente sobre a aplicação da

política monetária excessivamente restritiva durante todo o primeiro semestre do ano

passado que acabou por comprometer o crescimento de um ano inteiro. No que diz

respeito à inflação, o processo de aceleração estabelecido entre o final de 2002 e

início de 2003 foi um momento em que a decisão de subir a taxa de juros foi

acertada por parte do COPOM. No entanto, a partir de maio de 2003 a taxa de

inflação acumulada em 12 meses atingiu seu ápice do ano (17,2%) e a partir daí

entrou em trajetória descendente finalizando o ano em 9,3% (IPCA), o que

justificaria a queda dos juros em maior magnitude antes de junho, quando se iniciou

efetivamente o processo de redução dos juros da política monetária.

De acordo com a carta aberta do banco central do Brasil, escrita no início do

ano de 2003, uma inflação da ordem de 8,5% acarretaria em um crescimento

possível do produto da ordem de 2,8%. A perseguição de metas de inflação da

ordem de 6,5% acarretariam em uma retração da demanda suficiente para fazer com

que o país tivesse uma queda em seu produto da ordem de 1,6%. Não obstante, o

relatório esperava que se o nível de inflação fosse de 4%, como seria a meta caso a

mesma não houvesse sido flexibilizada em 2002, as perdas para o produto nacional

seriam de -7,3%. A partir dessas premissas o banco central passou a perseguir uma

inflação para 2003 que atingisse o teto máximo da meta, pois este seria o limite entre

cumprir com as mesmas gerando o menor nível de perda possível no produto. Nas

palavras da carta aberta de 2003 (pág. 11):

Page 95: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

O objetivo da política monetária em 2003 é perseguir uma trajetória de convergência para as metas definidas anteriormente pelo Conselho Monetário Nacional e recentemente reafirmadas pelos ministros da área econômica (4% em 2003 e 3,75% em 2004, com tolerância de +/- 2,5 p.p.), levando-se em conta que essa convergência não se dará instantaneamente. Nesse sentido, a política monetária é calibrada de forma a conduzir a inflação para níveis compatíveis com as metas no médio prazo e evitar que a inflação se acomode num patamar mais elevado. Portanto, é prática comum entre os Bancos Centrais, quando confrontados com choques de oferta de grande magnitude, diluir a convergência da inflação corrente às metas em um período mais longo, evitando, assim, custos desnecessários para a economia. Tal foi o caso enfrentado pelo Brasil no ano passado. A trajetória de convergência é definida com base nas metas ajustadas para os próximos anos, que consistem na soma de três componentes: i) a meta para a inflação preestabelecida pelo CMN; ii) os impactos inerciais da inflação do ano anterior; e iii) o efeito primário dos choques de preços administrados por contrato e monitorados. O efeito primário corresponde à parte da inflação dos administrados por contrato e monitorados que excede a meta, descontada dos efeitos do câmbio e da inércia inflacionária. A meta ajustada poderá ser alterada, à medida que ocorram novas estimativas para o efeito primário do choque dos preços administrados por contrato e monitorados.

A realidade, conforme demonstrada no gráfico abaixo, foi muito diferente da

prevista. Mesmo com um nível de inflação da ordem de 9,3% no ano, o resultado do

produto foi negativo. O excepcional desempenho da balança comercial brasileira,

que superou todas as expectativas e trouxe ao país capitais líquidos da ordem de

US$ 24,82 bilhões foi a responsável pela queda menos acentuada do produto.

Enquanto o PIB da indústria variou negativamente em 0,96%, o setor agroindustrial

cresceu 4,99%.

Gráfico 4.4.5 - 1

Variação Anual do Produto Global e por Setores e da Taxa de Desemprego - 2003

-0,22% -0,96%

4,99%

-0,15%

12,5%

-1,0%0,0%1,0%2,0%3,0%4,0%5,0%6,0%7,0%8,0%9,0%

10,0%11,0%12,0%13,0%

PIB (Var. %) PIB SETOR INDUSTRIAL (Var. %)PIB AGROPECUÁRIA (Var. %) PIB SERVIÇOS (Var. %)DESEMPREGO (Média IBGE)

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Page 96: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Em um ano com conjuntura amplamente favorável, sem nenhum choque

externo que pudesse comprometer o crescimento da economia brasileira, o Brasil

regrediu seu produto em 0,2%, a China acresceu o seu em 9,1%, a Argentina em

8,4%, a Rússia em 7,3%, a Malásia em 5,2%, a Austrália em 4%, os EUA em 3,1%

e o México em 1,3%. O desempenho foi ainda pior ou tão ruim quanto o das

principais economias da Região do Euro, terrivelmente atingidas pela valorização de

sua moeda ocorrida ao longo do ano, da ordem de 19,7% e seus efeitos no comércio

internacional da região.

A adoção do extremo conservadorismo por parte dos formuladores de política

monetária causaram efeitos profundos à economia. Segundo estudos mensais

divulgados pela consultoria Global Invest (2002, 2003 e 2004), o Brasil situa-se em

primeiro no ranking das maiores taxas de juros reais projetadas do mundo, o que faz

com que o investimento no mercado financeiro seja mais rentável, atraindo a este

mercado recursos que poderiam ser direcionados ao setor produtivo. Os efeitos

negativos das altas taxas de juros sobre o setor produtivo postergou o início do

processo de reabilitação do mercado de trabalho, ou seja, recuperação da renda do

trabalhador e geração de novos postos de trabalho. Ademais, a manutenção dos juros

em patamar elevado causa efeitos negativos nas contas públicas. Apesar do superávit

primário, o resultado das contas do setor público é negativo graças aos gastos com

pagamento de juros. Assim, a manutenção da taxa Selic em patamar elevado

aumenta a dívida pública por (i) fazer crescer tanto seu estoque (graças aos

resultados negativos do Governo) e (ii) por remunerá-la a taxas elevadas, já que

mais de 50% títulos da dívida brasileira são remunerados por juros elevados.

Page 97: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

Gráfico 4.4.5 - 2

O sistema de metas, ao longo de todo seu período de vigência na economia

brasileira apresentou a seguinte performance: Gráfico 4.4.5 - 3

CONCLUSÃO

Toda e qualquer decisão política perfaz uma aposta. Uma determinada lei de

urbanismo pode ter um enorme sucesso no município A e mesmo assim provar-se

um fracasso no município B, simplesmente porque a topografia de ambos é distinta.

A duplicação de uma estrada, cujos recursos impedem a melhoria da linha férrea,

favorece os motoristas de passeio ao mesmo tempo que prejudica os exportadores.

Variação Anual de Preços Selecionados ao Consumidor - 2003

9,30% 8,69%

6,66%

13,20%

11,12%

0,0%

2,0%

4,0%

6,0%

8,0%

10,0%

12,0%

14,0%

16,0% IPCA - CheioIPCA - ComercializáveisIPCA - Não comercializáveisIPCA - Preços monitoradosIPCA - Núcleo

Fonte: IBGE, elaboração do Autor

Meta

Meta para a Inflação, Bandas e Inflação Observada (IPCA / IBGE - variação acumulada em 12 meses)

0%2%4%6%8%

10%12%14%16%18%

jan/

99m

ar/9

9m

ai/9

9ju

l/99

set/9

9no

v/99

jan/

00m

ar/0

0m

ai/0

0ju

l/00

set/0

0no

v/00

jan/

01m

ar/0

1m

ai/0

1ju

l/01

set/0

1no

v/01

jan/

02m

ar/0

2m

ai/0

2ju

l/02

set/0

2no

v/02

jan/

03m

ar/0

3m

ai/0

3ju

l/03

set/0

3no

v/03

jan/

04m

ar/0

4m

ai/0

4ju

l/04

Fonte: BACEN - Metas para Inflação, IBGE - IPCA, elaboração do Autor

MetaBandasMeta Ajustada

Inflação Real

8%

6%

4%3,5%

3,25%

4%

3,75%

8,5%

3,5%

8,94%5,97%

7,67%

12,53%

9,30%

Flexibilização

Page 98: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

As verbas destinadas à educação, advindas da saúde, podem vir a matar o melhor

dos estudantes do bairro devido à falta de um remédio específico que não pôde ser

comprado pelo posto de saúde.

Prever com exatidão as conseqüências de uma decisão ex-ante é quase que

impossível, ou melhor, pouquíssimo provável. Ex-post, entretanto, torna-se evidente

a discrepância topográfica entre o município A e B. No momento da decisão, a

duplicação da estrada era uma reivindicação da população local e sua realização

significou grande prestígio político. A saúde sempre recebia mais verbas que a

educação, e a vontade de educar melhor era um sonho antigo do prefeito local.

No setor privado as decisões estratégicas também perfazem constantes

apostas. As políticas das empresas devem ser dotadas de grande maleabilidade para

que possam ser facilmente adaptadas a mercados cada vez mais mutáveis e

exigentes. Metas e objetivos, uma vez fixados, não são alterados à esmo. Já os

métodos e técnicas utilizados para que sejam alcançados com sucesso as metas e

objetivos definidos, ao contrário, são revistos e repensados quase que diária e

constantemente. As empresas de sucesso são aquelas que acertam mais do que

erram.

A adoção do regime de metas inflacionárias no Brasil foi definitivamente

acertado. O sistema, dentro de todo o seu arcabouço, é flexível suficiente para que se

possam trabalhar metas secundárias de emprego e de crescimento. O não

cumprimento das metas no último triênio poderia ter sido evitado caso as mesmas

houvessem sido flexibilizadas à medida em que a realidade econômica, na qual o

sistema está inserido, mostrasse sinais de alteração profunda e permanente. O

arcabouço das metas deve ser alterado para se moldar à realidade do país, e não o

contrário.

Enquanto vários dos países em desenvolvimento apresentaram elevadas taxas

de crescimento econômico após períodos de crise, o Brasil apresenta mini ciclos de

crescimento abortado. Há anos a política econômica almeja apenas a estabilização, o

que, sem a promoção de crescimento em conjunto, acentua o endividamento público

Page 99: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

e não combate a vulnerabilidade externa da economia brasileira. A estabilização do

nível de preços, conquistado com o Plano Real, é imprescindível para propiciar um

ambiente favorável ao crescimento, muito embora as formas utilizadas para atingir

essa estabilidade exigiram níveis de juros elevados. Nesse sentido a política

econômica do país precisa ser repensada, pois vem sendo praticada há anos sem que

os resultados sejam positivos.

O crescimento sustentado é apenas um sonho. Para que ele possa se tornar

realidade, um conjunto de medidas de longo prazo devem ser planejadas e

executadas de maneira consistente visando a redução da vulnerabilidade externa e a

volta do investimento produtivo. Algumas das maneiras de se alcançarem estes

objetivos são através da volta de retornos positivos no setor real em relação ao

financeiro, a estabilização da dívida pública, o aumento da eficiência da máquina

administrativa, a opção por um canal promotor de desenvolvimento (exportações,

por exemplo), e redução do peso do Estado sobre o setor privado e a flexibilização

das leis trabalhistas.

Alterações no regime de metas para a inflação, como a adaptação do centro

da meta à realidade macroeconômica do país, o expurgo de preços monitorados do

índice balizador do sistema e um horizonte de mais longo prazo permitiria um

significativo grau de flexibilização na condução da política monetária. Seria um

primeiro passo.

Page 100: uma análise da performance do sistema de metas inflacionárias do

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