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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
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“O CORPO É UMA FANTASIA QUE NOS PERMITE FAZER UMA PERFORMANCE”:
UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA SOBRE O DOCUMENTÁRIO ‘SHAPE OF
SHAPELESS’
Ronan A. Siqueira1
Resumo: Devido sua relevância explicativa, teor descritivo não ficcional, apresento o
documentário de média duração ‘Shape of Shapeless’ (2010), do cineasta indiano radicado nos
Estados Unidos, Jayan K. Cherian, através de uma abordagem antropológica. Este documentário
revela estratégias de organização de um mundo registrado, como nos filmes etnográficos, levando
ao espectador a realidade do “outro” mais profundamente. Em outras palavras, “A Forma do
Amorfo” (tradução minha do título original), enuncia as representações de gênero e sexo à
distinções físicas e corporeidade, que são reformuladas sobre os aspectos culturais, em formas de
discursos transcritos no corpo e comportamento. No contexto, o participante Jon Cory é um
artesão/restaurador bem sucedido na cidade de Nova Iorque, onde à noite, ele se apresenta como
uma dançarina burlesca, sob o nome de Rose Wood. Sobretudo, o documentário demonstra como
são encarados os questionamentos a respeito do corpo humano, performance artística,
representação, gênero e religião. A ruptura/inclusão do ator social nos grupos identitátios é
apresentada frente suas transformações estéticas do corpo, dentro de uma visão que extrapola a
normatividade atrelada a aparência física ao sexo biológico. Mais do que a necessidade extrair
conclusões que o filme poderia chegar, ou até mesmo as “verdades” a partir dessas conclusões, é
apresentá-lo como ilustração, como “o corpo é utilizado como uma fantasia que nos permite fazer
uma pequena performance”.
Palvras- chaves: Corpo - Representação - Performance - Gênero
O político e filósofo Chiu Kung, mais conhecido como Confúcio, já no século VI a.C.
sugeriu que “uma imagem vale mais que mil palavras”. Mesmo se referindo ao uso de
ideogramas às formas de comunicação simbólica, ele atribuía aos conceitos teóricos e complexos
às explicações obtidas pelo uso da produção visual, que expressavam muito mais do que as
palavras (STRATHERN, 2000). A expressão se tornou popular até os dias de hoje, sendo
relacionada à facilidade de compreender situações e ideias pelo poder da comunicação através
das imagens. Ainda que a expressão seja amplamente evocada e explorada pela publicidade e
1 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, na Universidade Federal de Juiz de Fora
(PPGCSO - UFJF). 36036-900, Juiz de Fora - MG, Brasil. Bolsista da CAPES, Ministério da Educação do Brasil,
Brasília – DF 70040-020.
Trabalho desenvolvido para a disciplina “Antropologia Visual”, ministrada pelo Professor Carlos Reyna
Email: [email protected]
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propaganda, ela pode servir como ponto de partida para a explicação antropológica vinculada ao
uso de recursos visuais.
Segundo Marcius Freire (2006), devido ao desenvolvimento tecnológico de som e
imagem, os documentários têm, cada vez mais, se tornado comum. O autor afirma que “o filme
de não-ficção se perde e se encontra na sociedade do espetáculo.” Segundo ele, este estilo de
filme procura constantemente “estratégias de organização do mundo a ser registrado, no apelo de
outros suportes para levar ao espectador mais profundamente à realidade do outro” (2006: 63).
Documentário e representação de grupos identitários
“O que pode proporcionar o documentário em termos de entendimento sobre como as
pessoas se organizam em coletividades, como estabelecem sentido e valores, como conduzem e
compreendem as interações sociais em curso?” (NICHOLLS, 1981: 237). Segundo Jean Rouch
(1988), o filme do tipo documentário tem como fundamento principal a explicação de fatos e
compreensão do mundo que vivemos, sendo possível, desta maneira, apresentar sobre os mais
variados temas e assuntos. A partir dos parâmetros de filmagem desenvolvidos desde a criação da
fotografia e cinema, os registros e filmes etnográficos propõem revelar aspectos culturais
particulares, grupos identitários, sociedades e suas cosmologias, informando para o espectador
sobre situações, estilo de vida ou eventos históricos.
No caso do documentário em questão, ainda que o diretor ressalte apenas o estilo de vida
de uma única pessoa, portanto, uma biografia, a comunicação apresenta não somente o papel que
cabe ao protagonista - Jon Cory (JC) - e seus pontos de vista sobre sua “forma”/aparência fora do
padrão estético comum homem/mulher, mas, a relação de gênero entre indivíduos e sociedade.
A individualidade de seu tipo peculiar encarnado em sua corporalidade pode ser
compreendida como a representação de um grupo identitário notável no mundo, que vai além da
noção comumente adotada sobre a binaridade de gênero observáveis nos corpos humanos, objetos
e sujeitos de seu próprio fazer.
A pressuposição sobre a existência de grupos de pessoas coesos e estáveis como
representantes de uma determinada identidade é possível, basicamente, porque o
conceito tradicional de identidade tem uma relação estreita com: a) uma certa
visão representacionalista e essencialista das redes de relações sociais – as
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pessoas representariam, pois teriam incorporadas, em essência, suas classes, suas
raças, suas religiões etc.; b) o conceito de indivíduo como “um eu individido e
indivisível” (PINTO, 2002: 107-108).
Segundo Cherian, numa entrevista informal cedida por rede social, seu grande intuito em
Shape of Shapeless é de “explorar a jornada de Cory através dos seus vários gêneros e papéis
sociais, que ele afirma não se encaixar perfeitamente em nenhum deles.” Como registrado no
documentário, antes do momento em que ele faz um procedimento cirúrgico, no qual ele adquire
seus seios em seu corpo de homem, ele diz:
JC - Eu não me sinto homem. Eu não me sinto mulher. Eles [homem e mulher]
não tem uma identidade forte para com o meu corpo. Amanhã será meu último
dia no meu corpo de homem. Muitas pessoas dizem que eu tenho um problema
mental. Algumas pessoas sentem se muito fortes político e socialmente falando.
Uma injustiça estará sendo corrigida. Tudo que eu tenho a dizer é que eu passei
muitas noites em frente ao espelho, chorando, porque eu sentia que meu corpo
não me representa como eu me identifico” (transcrição de áudio e tradução livre
minha, grifo meu)
Apesar do conteúdo do documentário consistir em descrever o modo de vida de Jon Cory,
ressalto que ele também revela questões comuns de um grupo identitário. O filme anuncia que
Cory, como objeto de estudo – ou ‘participante’, como a teoria antropológica contemporânea
sugere - não é apenas um ato da análise de seu posicionamento diante dos fatos vividos, mas uma
representação para todos aqueles que se identificam com sua própria categorização. Ele é como
um tipo, uma encarnação particular refletida de um grupo.
JC - Nas ruas que separam os dois lugares onde eu trabalho - o ‘Slippery Room’
e o ‘In the Box’ -, em apenas uma quadra, eu não posso andar pelas ruas
sozinho. Eu preciso estar junto de alguém a todo momento, escutando, você
sabe.... “matem as bichas”, “morte para os homossexuais”, “queimem essas
bichas” … e isto na cidade de Nova Iorque, num dos lugares mais livres do
mundo.
- Existem pelos menos oitenta países no mundo onde os transexuais e os
homossexuais são punidos por sentenças de penas de morte. Ainda existe ódio,
ainda existe ignorância humana e eu estou ciente de que se meus amigos
ficarem sabendo que eu fui assassinado, eles ficarão muito tristes mas, ainda,
não tão surpresos, porque eles sabem que isto [minha escolha] é um risco para
mim. (transcrição de áudio e tradução livre minha, grifo meu)
Nos depoimentos de Cory transcritos acima, são enfatizados o medo da violência contra a
população LGBT nos EUA. Mas seu depoimento revela um problema muito comum que ocorre
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em todo o mundo: a realidade de que um indivíduo que assume publicamente sua orientação
sexual ainda é motivo de perseguição, discriminação, preconceito e ódio.
De acordo com a Jusbrasil, um canal de acesso à informação pública do país, “a cada três
minutos, um homossexual sofre algum tipo de violência no Brasil2”, em um levantamento de
Janeiro de 2015 até outubro de 2015, as denúncias de preconceito e violência contra gays,
lésbicas, travestis e transexuais ultrapassavam 6.500 episódios.
Corpo, gênero e performatividade
A exaustiva enunciação da ciência clássica positivista, que os corpos primeiramente
pertencem a biologia, mostram-se inadequadas quando estilos de vidas são observados, em
especial àqueles pautados pelo auto aperfeiçoamento físico e transformação estético do próprio
corpo. Deste modo, o significado do corpo tem se tornado um problema para a linguística e
análises cultural e social (HANCOCK; HUGHES; JAGGER; PATERSON; RUSSELL; TULLE-
WINTON; TYLER, 2000). A sociologia implícita no corpo tornou-se uma tarefa sistemática de
atenção para pesquisadores.
Muito além de um organismo meramente biológico, o corpo é o lugar onde a linguagem e
a cultura se fazem presentes, cuja significação atribuída é, portanto, arbitrária e relacional. A
antropologia o confere como uma produção cultural carregada de valores e passível de
investigação, como demarcador de fronteiras entre o indivíduo e o mundo. Ele não é somente o
primeiro objeto técnico do ser humano, mas seu primeiro meio de relacionamento com outros,
que se encontra inserido dentro de um contexto. O indivíduo em sua relação cultural junto à
sociedade, considero a corporeidade - o corpo como significação fundamental de existência
individual e coletiva, em sua relação com o mundo (LE BRETON, 2006) - como indicativo de
construção de sujeitos e identidades.
Como observado no curta, durante o dia Cory é um artesão bem sucedido em seu estúdio
de restauração na cidade de Nova Iorque e à noite, ele se apresenta em vários clubes ao redor da
2 Disponível em: <http://adaorochas.jusbrasil.com.br/noticias/152845159/a-cada-tres-minutos-um-gay-sofre-
violencia-no-brasil>. Acesso em: 05 ago. 2016
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cidade como uma dançarina burlesca, sob o nome de RoseWood, que também é o nome de uma
madeira muito macia, que ele provavelmente utiliza em seu trabalho como restaurador e que tem
a característica de ser mais facilmente entalhada. Muito além da representatividade artística que o
caracteriza, o filme apresenta toda a ruptura do ator social frente as questões estéticas de corpo
numa sociedade, que extrapolam as visões normativamente legitimadas, ligadas a aparência do e
ao sexo biológico, bem como seus anseios, temores e dificuldades.
A ideia do título denota a ideia de que existem concepções sobre a forma do corpo para
representações de gênero: uma forma. Em outras palavras, “um formato para o que não forma”
(tradução livre minha), enuncia as questões de representação de gênero e sexo que são
socialmente construídas, distinções físicas reformuladas sobre os aspectos culturais em formas de
discursos transcritos no corpo e comportamento.
Apesar de homens e mulheres participarem de posições diferentes na sociedade, na teoria
antropológica sobre questões de gênero, Margareth Mead em seu livro “Sexo e Temperamento”,
originalmente publicado em 1935, revelou como os papéis sexuais apresentam padrões distintos
em diferentes culturas, desconstruindo a maneira como nossa fixação sobre o universo feminino e
masculino são construções sociais. Numa pesquisa realizada em três sociedades na Nova Guiné,
entre as tribos Aparesh, Mundugumor e Tchambulli, a autora revelou como a interação individual
dentro de cada configuração cultural, a partir da socialização, cria padrões de formação de
personalidade do indivíduo. Ela explorou este aspecto humano numa perspectiva que atendeu as
questões de gênero e aos papéis sexuais dentro das culturas, diferentemente dos moldes norte-
americanos, em detrimento a moralização e normatização.
Nas tribos pesquisadas, ela constatou que os papéis sexuais masculino e feminino eram
opostos aos dos Estados Unidos (das sociedades Ocidentais como um todo) ou que ambos os
sexos compartilhavam de uma mesma configuração, sem distinção de papéis segundo seus sexos
biológicos. A autora deixa claro, portanto, que as concepções binárias entre homem/mulher
representam apenas um padrão.
Dos discursos de Jon Cory, podemos observar como sua ideia de gênero ultrapassa as
dimensões pré-estabelecidas socialmente, como ele expõe sua personalidade em relação ao
gênero e como ele assume uma postura de muito além da simples binaridade. Sua atenção parte
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do ponto que em seu corpo estão inscritos os discursos e que ele pode moldá-lo de maneira flúida
e bastante flexível.
Os discursos que habitam nos corpos, como Judith Butler (1993) desenvolvera,
acomodam-se no corpo e são carregados como parte viva pelo indivíduo, como seu próprio
sangue, sem o qual ninguém pode viver. “Uma forma performativa para constituir a materialidade
dos corpos e, mais especificamente, para materializar o sexo do corpo, para materializar a
diferença sexual a serviço da consolidação do imperativo heterossexual” (BUTLER, 1993: 2).
Butler desconstruiu que a natureza regula as noções de gênero nas culturas, ou seja, das tensões
relativas a partir da dicotomia entre as duas esferas que são representantes do estado geral do
pensamento contemporâneo. Tal relação foi caracterizada por suas mais diversas diferenças e
oposições, assumindo hierarquias para resolvê-la como fatos universalmente dados ou realidades
construídas. A autora propôs que a distinção entre sexo e gênero são expressadas nos corpos
desde o início de suas existências sociais e que não existe uma outra forma de existência humana
que não seja social, o que significa que não existe um “corpo natural” que pré-exista as inscrições
culturais.
Isto parece avançar em direção a conclusão que gênero não é uma coisa que uma
pessoa é mas alguma coisa que uma pessoa faz, um ato, ou mais precisamente,
uma sequência de fatos, um verbo ao invés de um substantivo, um “fazer” ao
invés de “ser”. (BUTLER 1990: 25, livre tradução minha).
No entanto, Butler não declara que gênero é uma performance, mas sim uma parte da
construção discursiva do corpo que não pode ser separada da linguagem que o classifica e o
constitui em alguma instância de grau performativo. Ela afirma que é muito mais adequado
pensar o gênero como uma performatividade do corpo, pelas experiências relacionais e pelo
caráter dramático que apresenta do que por sua identidade (BUTLER, 1990).
De acordo com Marilyn Strathern, ocorre uma impossibilidade de pensar o gênero apenas
por classificações duais, pois, como por ela observado entre os melanésios, a forma de
classificação é compreendida como uma sobreposição, dada por um caráter relacional do gênero.
Ela enfatiza como esta orientação modifica-se entre a unidade e composição, ou seja, na relação
entre indivíduo e sociedade, pois o estado único das identidades só são encontradas dentro das
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relações sociais constantes e não somente entre o masculino e o feminino. “Por isso, toda
condição "unitária" da pessoa tem que ser comunicada como urna condição "múltipla", porque é
isso o que a comunicação faz com ela. A natureza múltipla, divisível, das constituições das
pessoas revela-se em suas relações internas (STRATHERN, 2006: 461).
JC - Eu amo o ato de ‘pintar’ um gênero. Para mim é também um
personagem que você pode, você sabe... um personagem, um gênero ou
alguma coisa que a gente pode criar e recriar. Tipo um velho ditado (...)
Ele está escrito e pode ser apagado, pode ser reescrito. (transcrição de
áudio e tradução livre minha, grifo meu).
Vale a pena destacar que, na vida cotidiana participamos de experiências e redes de
relações bem particulares, determinadas pela escolha de estilos de vida. Minha atenção é
compreender as singularidades e significados culturais do corpo, que assumem um
relacionamento estreito na medida que confere sua individualização. Quando sua ênfase dá-se
pela sua apresentação, no que diz respeito ao seu potencial maleável, temos nos tornado
responsáveis pelos traços estéticos, pelo design de nossos próprios corpos (GIDDENS, 1991).
Nessa difusão, as possibilidades do indivíduo de auto transformação têm se estendido a
identidade sexual. A partir da modernidade, ela tem sido encarada muito mais que uma
necessidade, mas como uma escolha de um estilo de vida, dentre outras (GIDDENS, 1992).
Tratando o corpo e a sexualidade como projetos de identidade, como possibilidades que se
estendem para além da concepção fixa, dada pela fundação biológica, a expressão física corporal
envolve novos caminhos do ser no próprio corpo.
Performance artística
As drags queens são geralmente homens homossexuais que gostam de se caracterizar
como mulheres de forma mais exagerada, para fazer performances de dublagem de músicas ou
para diversão, para sair a noite em bares e boates que atendam o público gay. Cory não se
“monta” durante o dia (termo utilizado para a transformação de drag queens – “estar montada”
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significa estar rigorosamente transformada) mas durante a noite ele se apresenta como uma, em
bares locais do cenário artístico, cujas as atrações são performances burlescas.
Como já exposto, Cory não se reconhece em nenhum dos estereótipos de gênero correntes
do discurso dominante: nem homem e nem mulher. Ele é um artista performático em Nova
Iorque e Rose Wood é sua personagem, ou o nome pelo qual é conhecido na cena artística, pois
assume uma posição mais feminina. Tal ‘hiperfeminilização’ nos remete à “repetição estilizada
de atos” (BUTLER, 2003: 200), que produz uma efetivação do gênero hiperfeminino entre as
drag queens com o auxílio de assessórios como perucas, maquiagens e roupas extravagantes
utilizadas para a caracterização. Sua narrativa histórica revela uma potencialidade, de certa
forma, recorrente em seu discursos e até mesmo em suas encenações.
Para Robert Allen, a dimensão desse tipo de performance não se trata apenas de um
entretenimento popular mas, um complexo transformador do fenômeno cultural por ter um teor
mais avesso, muitas vezes repulsivo das representações do feminino e masculino. Para ele, o
traço mais característico das performances burlescas é o desafio de crítica sobre o natural e o
convencional, pela incongruência monstruosa e “antinatural” nas inversões ou paródias de uma
realidade profana. A ideia do burlesco é a de contestação ao estado conservador da classe
dominante e seus costumes sociais, por meio de performances artísticas aleatórias e grotescas,
improváveis e com combinações surpreendentes, capazes de multiplicar os gêneros de
entretenimento popular e artístico (ALLEN, 1991). O título de seu livro, “Horrible pretiness”,
resume a ideia do que transparece o essencial nas performances burlescas.
JC - Umas das coisas que eu faço [sobre as performances], uns dizem
que é absurdo, nojento. Eu não faço isto por fazer, eu as faço para
mostrar. Eu acho que eu as faço para mostras para as pessoas a
falsidade, o vazio que existe nessa vida. Eu as mostro um personagem
sobre elas mesmo e toda sua vida. (transcrição de áudio e tradução livre
minha, grifo meu)
- Meu corpo se tornou um veículo de expressão para mim e com ele a
paridade de usá-lo de maneiras irônicas, horas de forma violentas,
outras de forma agressiva para acordar as pessoas, para dar-lhes a
experiência o que elas são. (transcrição de áudio e tradução livre minha)
Na perspectiva antropológica de Victor Turner, sobre os rituais que marcam o limiar entre
duas instâncias, Allen explica que as performances burlescas oferecerem uma experiência
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“liminóide”, por ser um “fenômeno cultural que tende ser produzido por um grupo social para
outro, ao invés de ser uma experiência comum compartilhada do mesmo grupo” (ALLEN, 1991:
37, tradução livre minha). Essas experiências oferecidas, muito além de se destacarem pela crítica
sobre as normas e os papéis dos indivíduos na vida cotidiana, segundo Allen, não
necessariamente marcam um momento da metamorfose para o participante, mas apresentam um
ocasião: a importância cultural dessas performances, nas quais identidades ordinárias, papéis
sociais e sexuais, comportamento e outras marcar sociais que são levantadas mostra a estrutura
social e ordem cultural predominante.
A artista plástica e professora do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de
Juiz de Fora (IAD -UFJF), Priscilla de Paula explica sobre a questão do estranhamento e o papel
crítico das performances do corpo na esfera artística e cultural:
Há um estranhamento com relação a essa forma de expressão,
principalmente quando a colocamos frente a frente com outras
linguagens, cuja tradição de séculos garante que suas práticas sejam
circunscritas dentro de discurso supostamente mais direto e claro. Porém,
tal característica da performance, isso que chamamos de “degeneração”,
ou seja, um desvio parcial ou total dos discursos mais tradicionais, será
também sua qualidade mais sedutora (PAULA, 2014: 1)
Ela ainda ressalta que, a performance como um tipo de linguagem na cena
contemporânea, apresenta-se em constante atualização com a rapidez de sua propagação e a
relação entre artista, público e crítica “tornam alguns trabalhos excessivamente perturbadores,
ruidosos, chegando ao ponto de levar a performance ao limite do aceitável.” (2014: 2)
Corpo, mente e alma
JC - Eu passei por um período pesado de muita droga, cigarros, álcool, sexo,
drogas e rock’n’roll... tudo que eu posso imaginar que seja destrutível para o
corpo. Eu estava envolvido nisso entre 1975 até 1979. Então, depois disso passei
um período de tempo me limpando, tentando ajustar minha mente, meu corpo e
meu coração. (…)
- Quanto mais profundamente eu me envolvia no processo de recuperação, eu
fazia questão de conhecer mais seres que vinham para Nova Iorque e, que
consideram o poder de iluminação. Num ponto da minha vida eu conheci um
professor, um guru, que me elevou por um período de anos, até que chegou a um
ponto que suas palavras, seus ensinamentos e todas aquelas coisas ficaram tão
internas que eu me transformei nos meus próprios ossos e músculos, que não foi
mais realmente necessário ser um estudante de uma voz externa. Eu atingi uma
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liberdade com isso e, com essa liberdade, minha real identidade, minha única
identidade realmente emergiu. (transcrição de áudio e tradução livre minha)
De acordo o psicólogo e teólogo Richard L. Gorsuch em seu artigo sobre religião e
recuperação do abuso de drogas e outras substâncias, “Religious aspects of substance abuse and
recovery” (1995), a religião exerce um mecanismo de suporte mostrando-se como uma variável
positiva no tratamento, em comparação às instituições não-religiosas que poderiam ser ajudadas a
partir da prática religiosa no tratamento. A relação entre religião e drogas, incluindo o álcool,
segundo Gorsuch, tem uma complexa e longa história, uma vez que, entre as religiões modernas
como a cristã, os judeus e os muçulmanos têm um índice menor de usuários de drogas. A questão
que o autor demonstra é que o contato de pessoas com as práticas religiosas está associada a um
aspecto de controle, pelas relações sociais envolvidas dentro da socialização religiosa e aceitação
de normas anti-abuso, cujo tratamento torna-se mais eficaz, atingindo o resultado esperado.
Mas, o que nos interessa, é a observação da ideia do sagrado atuando na dimensão social,
como a religião ocupa um lugar muito importante na vida das pessoas. A antropologia, desde os
primeiros estudos na história da civilização primitiva, como os de Tylor e Frazer, revelou como a
magia e os rituais produzem efeitos especiais e atuam eficazmente entre o homem e a coisa, como
o animismo primitivo e a magia para toda elaboração de um sistema de sobrevivência, a partir de
classificações que separam as instâncias e a produção de vida pelas esferas do sagrado e do
profano, mitos e tabus. A partir de então, Marcel Mauss (2003) amplia o conceito de magia,
explicando como a ordem mágica e os rituais “primitivos” às condições sociológicas são
sustentadas nas representações coletivas. Seu desenvolvimento teórico reluz a magia para além de
uma técnica individual e demonstra que a mágica produz um efeito na medida em que ela se
desenvolve com a crença, fazendo parte de uma ordem racional utilitária e simbólica.
O sagrado e o profano constituem duas esferas que se opõem, orientando a maneira
humana de ser no mundo. Elas são situações existenciais que conduzem o homem ao longo da
sua história e produção dos modos de vida. A religião pode ser muito bem definida a partir dessa
dicotomia, como apresentado por Durkheim como um ‘fato social’, de uma realidade que destaca
a importância religiosa a um sentido da experiência sagrada, da percepção da religião como uma
cosmologia organizada para e a partir da vida coletiva “orgânica”.
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Mary Douglas, em “Pureza e Perigo” (1976), destacou como os rituais de pureza e
impureza criam unidades pela experiência, capazes de classificar as esferas que se opõem – o
sagrado e o profano – às contribuições positivas de reparação da ordem social. A noção de
poluição é apresentada por ela como uma manifestação da vida social que estabelece um diálogo
entre a crença e classificação, que se expressa para uma visão geral da ordem. Dessa maneira, as
drogas ocupam em nossa sociedade a esfera do profano, quando não utilizadas sobre controle
religioso ou médico em suas práticas e prescrições. Elas são encaradas como fatores sociais de
poluição que abalam a ordem coletiva, precisando ser evitadas ou abandonadas da vida diária.
No curta, Jon Cory revela que encontrou nas práticas de meditação de tradição Hindu os
meios para sua “iluminação” espiritual, que remetem a sacralidade religiosa, como auxílio e
manutenção de sua recuperação do abuso de drogas. Em seus discursos, a prática é evocada
como um elemento positivo a partir de sua experiência como indivíduo à esfera sagrada, para
uma libertação de suas tensões com o corpo em virtude de sua consciência frente a iluminação de
sua alma.
Podemos questionar a ideia de libertação da dependência das drogas através da religião
mas, como exposto no curta, toda experiência mística produz um significado de refúgio do
pensamento humano, numa dimensão que o indivíduo se encontra pela aproximação da esfera do
sagrado e reconstrução do ser.
Técnicas de filmagem e exposição da realidade do “outro”
Bronislaw Malinowski foi um dos mais importantes antropólogos do século XX por ter
desenvolvido o método fundamental da pesquisa de campo, cunhada pelo termo “observação
participante”. Ao lado de George Frazer, dentre outros, a abordagem funcionalista desenvolvida
por Malinowski derrubou os paradigmas evolucionistas, enfatizando a importância do estudo do
comportamento e relações sociais dentro do contexto cultural dos próprios nativos de uma
sociedade, numa imersão participante de observação. Ele considerou as diferenças entre normas e
ações e suas mais observáveis diferenças ao que os indivíduos fazem, falam e significam. Ainda
que sua visão funcionalista definiu a cultura como um aparato humano de transformação da
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natureza para a sobrevivência, sua contribuição para a antropologia como etnógrafo e seu método
de pesquisa permanecem vivas até os dias de hoje.
A participação observante é baseada na vivência entre as pessoas por um período de
tempo para a coleta de dados, por meio da contínua e sistemática observação de vidas e suas
atividades, aprendizagem da língua, etc. Para Malinowski, um etnógrafo aprofunda em seu objeto
de estudo por meio de anotações diárias e entrevistas para atingir as interpretações feitas pelos
seus próprios informantes, pelas quais mais tarde serão analisadas. Sua etnografia nas ilhas
Trombiand é apresentada em sua clássica obra “Argonautas do Pacífico” (1984 [1922]).
Pesquisadores como Margareth Mead e Bateson, baseando-se no mesmo método de
pesquisa, ainda adotaram fotografias para os registros (MEAD, 2003 [1975]) e, mais tarde, a
câmera de vídeo, assim como, gravadores de áudio que também foram empregados para
informações mais precisas sobre as falas e comportamento das sociedades investigadas. Em suas
próprias palavras, Mead ressalta:
The diaries of earlier fieldworkers like Malinowski (in the Trobriands),
Deacon (who died of blackwater fever in the New Hebrides), and Olsen
(ill days on end in the Andean highlands) are quiet suficiente to document
the savings that modern technology has given us. The time and energy
made available by modern and mechanical Technologies can now be
diverted to using same technology to improve our anthropological
records (2003: 7, grifo meu)
A utilização das técnicas de gravação ao uso de som e imagem têm sido instrumentos de
observação, transcrição e interpretação de realidades sociais diferentes. Elas têm sido utilizadas
como ferramentas de pesquisas relacionadas aos fenômenos sociais e culturais para sua difusão,
muito além de utilizadas como ilustração. “O filme e o vídeo podem chegar mais próximos da
realidade do tempo e do movimento ou as variedades de realidades psicológicas nas relações
interpessoais, desde a captação de sutilezas imperceptíveis a olho nu, como as relações sociais”
(REYNA, 2006:3).
Não é diferente que fotografias, filmes, gravações de áudio e todos os demais recursos
audiovisuais têm cada vez mais efeito e participação na nossa realidade, por questões do avanço
técnico e acessibilidade. Exemplo disso é a disposição da portabilidade dessas ferramentas, que
se encontram resumidas em apenas um objeto que cabe em nossos bolsos, na palma de nossas
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mãos: o smarthphone. Talvez, segundo Madianou (2014), mais do que qualquer outra tecnologia,
eles ganham destaque nesta convergência tecnológica de comunicação. Os smartphones
combinam características dos tradicionais telefones móveis, computadores pessoais e internet,
hibridizando não apenas as tecnologias e as plataformas mas também as práticas, os hábitos e
modos de acesso e utilização de seus usuários. Com implicações para a comunicação, eles são
dispositivos que podem facilmente ser empregados como recurso à coleta de dados etnográficos,
expandindo nossos horizontes. Apesar dessas técnicas de registro terem se fundado perante uma
organização do mundo, sob um olhar “ocidental”, elas aproximaram a antropologia das imagens
técnicas e são consideradas hoje como uma questão de método. (BARBOSA; CUNHA, 2006)
O personagem do curta, Cory/Wood, tomado como fonte de inspiração para a produção
do documentário e, assim, deste paper, não foi produzido por meio de um script ficcional escrito
por um diretor. Ele não foi tirado do seu contexto sociocultural, nem tampouco desvinculado de
sua vida cotidiana. Seu comportamento se desdobrou independentemente da presença de câmeras,
como sua própria aparência no mundo e em suas performances burlescas. Por isso, o curta Shape
of Shapeless pode ser interpretado como um dado rico sob a forma de documentário, para
questões a respeito da relação gênero e corpo, corpo e mente, conceitos e padrões sociais
tradicionalmente reproduzidos. Por apresentar o estilo de narração em voz over realizado pelo
próprio protagonista, sobre a sua visão de mundo, como o “outro” nos filmes etnográficos,
conforme Jean Rouch (1993) apresentou, mais do que a necessidade de retirar conclusões que um
filme pode chegar, ou até mesmo as “verdades” a partir dessas conclusões, o processo de sua
realização é seu verdadeiro objetivo. Os filmes etnográficos e filmes documentários com
relevância antropológica podem ser compreendidos, dessa maneira, como uma documentação
histórica de dada realidade.
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Body is a Costume that We Use to do a Performance
Abstract: Due to its explanatory relevance, its nonfictional and descriptive content, I propose to
present the medium-length documentary ‘Shape of Shapeless’ (2010) directed by the Indian
filmmaker based in the United States, Jayan K. Cherian, through an anthropological approach.
This documentary reveals strategies of organizing a registered world, as in ethnographic films,
taking the viewer the reality of the "other" more deeply. In other words, "The Form of the
Amorphous", enunciates the representations of gender and sex to physical and corporeal
distinctions, which are reformulated on the cultural aspects, in forms of speech transcribed in the
body and behavior. In its context, the participant Jon Cory is a successful craftsman/restorer
based in New York City, where at night he performs as a burlesque dancer under the name of
Rose Wood. Above all, the documentary demonstrates how the questions about human body,
artistic performance, representation, gender and religion are faced. The rupture / inclusion of the
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
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social actor in groups is presented in front of their aesthetic body transformations, within a vision
that extrapolates normativity tied to physical appearance to biological sex. More than the need to
draw conclusions that the film could reach, or even the "truths" from these conclusions, is to
present it as illustration, how the body is used as a costume that allows us to do a performance.
Keywords: Body - Representativeness - Performance – Gender