Upload
vonhu
View
217
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORANDA: ANA PAULA MENDES SILVA
UM JOGO DE LEMBRANÇAS: GÊNERO, CULTURA E
HISTÓRIA LOCAL NA PRÁTICA EDUCATIVA DE JULIETA
PORDEUS GADELHA - (1950 2000).
Professora - orientadora: Doutora Maria Arisnete Câmara de Morais
Natal - RN
Dezembro de 2016
UM JOGO DE LEMBRANÇAS: gênero, cultura e história
local na prática educativa de Julieta Pordeus Gadelha - (1950
2000).
Ana Paula Mendes Rodrigues Cavalcanti
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte em
cumprimento às exigências para o título de Doutora em
Educação.
Professora orientadora: Doutora Maria Arisnete Câmara de Morais
Linha de Pesquisa: Educação, estudos sócio-históricos e filosóficos.
Natal - RN
Dezembro de 2016
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Professora Doutora: Maria Lúcia da Silva Nunes (membro externo)
Universidade Federal da Paraíba
______________________________________________________
Professor Doutor: José Mateus do Nascimento (membro externo)
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
______________________________________________________
Professora Doutora: Maria Inês Sucupira Stamato (membro interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
______________________________________________________
Professor Doutor: Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes
(membro interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Confesso que, muitas vezes, hesitei diante desse tema, indagando-me sobre sua relevância e se o mesmo correspondia às exigências acadêmicas de uma Tese. Que relevância teria a escrita dessa história? Indecisões... Desejos... medos... decisões... recuos... avanços... tensões... tudo isso era presença constante durante a elaboração desta escrita. (MORAIS, 2011, p. 147)
AGRADECIMENTOS
A Deus, ser iluminado e que ilumina, o qual sempre tive respeito, admiração e,
acima de tudo, fé, por saber que um dia chegaria a este nível, nesta instituição.
Aos meus pais, que desde a minha infância, me proporcionaram uma excelente
educação escolar sonhando em um dia, ver mais uma filha formada, já que não
tiveram oportunidade. Eu os amo e agradeço por todas as conquistas da vida.
Ao meu esposo Davi Cavalcanti que tantas vezes, me viu ausente, sempre
cheia de leituras e escritas para a concretude deste trabalho. Mas que soube
ter a paciência e o apoio que eu mais precisava nos momentos mais difíceis e
cansativos, quando a escrita, as viagens e os percalços esgotavam minhas
forças. Amo-te infinitamente, você apareceu na hora certa em minha vida.
Ao meu filho amado Davi Filho que foi crescendo em meu ventre, à medida que
o trabalho foi avançando e que sofreu junto comigo, o cansaço, a insônia, a
ansiedade, sobretudo, na reta final deste trabalho. Você viverá conosco, todos
os frutos colhidos com esta vitória, pequeno príncipe!
Aos meus irmãos que tanto me ajudaram, com palavras de apoio e incentivo.
Principalmente, minha irmã Desterro Formiga e meu cunhado Antônio Formiga
(que é um irmão para mim), por todas as vezes que deixaram seus afazeres,
seus trabalhos, suas noites para ir comigo em busca das fontes nas casas de
tantas pessoas da cidade de Sousa. Se não fosse por vocês, com certeza, este
trabalho não teria nem iniciado. Eu os amo muito.
Aos meus amigos Clédia, Plínio, Lucicléa, Alana, Fernando, Lourdes Campos,
Gerlaine Belchior, Marta Lúcia pelo apoio profissional, incentivo e força durante
todo o meu doutorado.
A família do meu marido, sobretudo minha sogra Ana Paula Cavalcanti, pelas
palavras de apoio e incentivo, todas as vezes que nos encontrávamos.
A minha eterna e querida orientadora e amiga professora Arisnete Câmara, por
todas as vezes que me acolheu em seu grupo de pesquisa, desde o primeiro
dia em que estive presente até as últimas aulas. Uma pessoa que sempre
sonhei em ser orientanda e eis que a vida me proporcionou esta conquista.
Obrigada por tudo professora, a senhora será, para sempre, minha grande
amiga.
Aos meus amigos do grupo de pesquisa Gênero e práticas culturais:
abordagens históricas, educativas e literárias da UFRN, Janaína Morais,
Francinaide Lima, Karoline Louise, Ana Luísa Castro, que me acolheram desde
quando cheguei, bem como, aos amigos: Nanael Simão, Maria Cláudia,
Valdenice Resende, Marilac de Castro, Berenice, Maria das Vitórias, Anderson
Tavares, Euclides, Dona Elione, Jaciara, Amanda Emerenciano, Amanda
Vitória, Larissa, Nilsinho e Débia. Que continuemos a trocar experiências.
Aos membros da banca examinadora nas pessoas de Lúcia Nunes, Charliton
Machado, Inês Stamato, Antônio Basílio, José Mateus e Olívia Morais que
dispuseram de um tempo dedicando-se à leitura deste trabalho e fazendo as
considerações necessárias para que o mesmo tivesse encaminhamento e
melhorias. Muito obrigada professores, o trabalho de vocês é valioso e
honroso, embora muitas vezes, não seja valorizado como deveria.
A família de Julieta Pordeus Gadelha, principalmente, a Zélia Gadelha Virgínio,
Cláudio Gadelha e Maria Alves Pinto (Maria de Lelê) pelo gentil acolhimento na
casa de Julieta e por todas as informações prestadas, além das fontes
oferecidas, que foram tão fundamentais para a concretude deste trabalho.
A irmã Aurélia que me recebeu em sua casa fornecendo informações sobre a
Escola Normal São José e me conduzindo à casa de Mirtes Arruda Fontes para
que me desse maior suporte.
A Evilásio Marques Pinto (seu Vila) e família pelo gentil acolhimento em sua
casa, com conversas calorosas, informações valiosas e por me ajudar tanto
nesta escrita oferecendo fontes preciosas que, me fizeram conhecer mais
sobre Sousa no passado.
A Mirtes Arruda Fontes, professor Jairo Ribeiro, Zélia Ribeiro, Gilda Gadelha,
Tânia Nóbrega pelo acolhimento em suas casas, com tantas informações e
fontes que compuseram este trabalho.
A Malu Magliano pelas informações e fontes por e-mail, sobre a Escola Normal
São José, que me foram tão úteis.
Ao pessoal do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, nas pessoas de
Wandirleuza, Helena Cristina, Raudilene e Heberth por tantas informações
sobre a história daquele educandário, a bandeira e o hino de Sousa e o
Literarte. Meu muito obrigada, meus amigos.
Ao pessoal da Décima Regional de Ensino, nas pessoas de Socorro Antunes,
Gilmara e Rochael por ter aberto as portas de lá, me proporcionando vasculhar
as fontes para este trabalho. Fui muito bem recebida por vocês. Obrigada.
Aos meus pais, que não tiveram acesso a educação em nível superior, mas
que em mim acreditaram, depositando todos os esforços. Vocês terão uma filha
doutora, de fato e de direito.
Ao meu marido Davi e ao filho Davizinho, que são a outra metade do meu
coração, dedico.
RESUMO
A prática educativa parte de um conjunto de atividades realizadas que se transformam, muitas vezes, numa aprendizagem deixada para as pessoas não sendo, necessariamente, realizada no cotidiano da sala de aula. Assim, o presente trabalho tem como objeto de pesquisa a escritora sousense Julieta Pordeus Gadelha e como objetivo trazer a história e memória de sua prática educativa através de todo o legado cultural que deixou para o município de Sousa - Paraíba, tais como os livros, as publicações na Revista Letras do Sertão, a confecção da bandeira e a construção do hino do município, além da fundação do Centro Cultural e Memorial de Sousa Tozinho Gadelha. O recorte temporal por nós adotado remonta a década de 1950 a 2000, período em que começa sua trajetória de escritora, com crônicas que sobre a historiografia, os costumes e o cotidiano do município de Sousa concluindo com a inauguração do Centro Cultural e Memorial de Sousa Tozinho Gadelha, em homenagem a seu pai, no ano 2000. Para a concretude da pesquisa, as fontes tais como fotos, documentos da Escola Normal São José, livros diversos, além de entrevistas com familiares e colegas da época estudantil, foram necessárias. Percorremos os caminhos da metodologia através do referencial teórico de Peter Burke, baseado na Nova História Cultural, no conceito de práticas e representação utilizado por Chartier e nas categorias de análise gênero, prática educativa e história local que tomamos como base em diversos autores como Morais, Almeida, Scott, Libâneo, Julia, Bittencourt, Sousa, entre outros. Para além de uma conclusão, posto que ainda temos muito o que explorar, consideramos que Julieta Gadelha é uma mulher de várias facetas se destacando entre estas, a normalista, a escritora, a religiosa, a historiadora, a compositora e a artista no município de Sousa, Sertão da Paraíba pelas várias contribuições para a história daquele lugar através de publicações de obras como crônicas e livros, a construção do hino, o desenho da bandeira e a organização de um museu. Por isso, trazer para este trabalho, a memória e história de sua prática educativa, se torna importante para que o legado cultural deixado não caia na história dos silenciados pela história, nem no esquecimento para os sousenses.
Palavras - chave: Julieta Pordeus Gadelha - prática educativa - história local.
ABSTRACT
The educational practice is part of a set of activities that become, often, a learning left for people not necessarily being carried out in the classroom everyday. Thus, the present work has the object of research the writer Sousa Julieta Pordeus Gadelha and aim to bring the history and memory of its educational practice through all the cultural legacy that left to the municipality of Sousa - Paraíba, such as books, Publications in the Letras do Sertão Magazine, the construction of the flag and the construction of the anthem of the municipality, as well as the foundation of the Sousa Tozinho Gadelha Cultural and Memorial Center. The time cut by us dates back to the decade from 1950 to 2000, when she began her career as a writer, with chronicles about the historiography, customs and daily life of the municipality of Sousa, concluding with the inauguration of the Cultural Center and Memorial of Sousa Tozinho Gadelha, in homage to his father, in the year 2000. For the concretion of the research, the sources such as photos, documents of the Normal School São José, diverse books, besides interviews with relatives and colleagues of the student era, were necessary. We follow the path of methodology through the theoretical reference of Peter Burke, based on the New Cultural History, the concept of practices and representation used by Chartier and the categories of analysis gender, educational practice and local history that we take as basis in several authors such as Morais, Almeida, Scott, Libâneo, Julia, Bittencourt, Sousa, among others. In addition to a conclusion, since we still have much to explore, we consider that Julieta Gadelha is a woman of several facets standing out among these, the normalist, the writer, the nun, the historian, the composer and the artist in the municipality of Sousa, Sertão da Paraíba for the various contributions to the history of that place through publications of works such as chronicles and books, the construction of the anthem, the design of the flag and the organization of a museum. Therefore, to bring to this work, the memory and history of its educational practice, becomes important so that the cultural legacy left does not fall into the history of those silenced by history, nor in the forgetfulness for the sousenses.
Key words: Julieta Pordeus Gadelha - educational practice - local history.
SUMÁRIO
1. Por que escrevo sobre Julieta Pordeus Gadelha.....................................13
1.1 Caminhos que levam ao objeto.........................................................13
1.2 O desafio da sala de aula..................................................................23
O desejo de pesquisar sobre Julieta Pordeus Gadelha..........................29
Caminhos Metodológicos .............................................................................43
Julieta Pordeus Gadelha: a identidade de mulher e
escritora......................................................................................................68
3.1 A Escola Normal São José: instituição educacional onde estudou
Julieta Pordeus Gadelha.........................................................................83
3.2 O professor Virgílio Pinto de Aragão - Professor Senhorzinho.......101
Caminhos que configuram a prática educativa de Julieta Pordeus
Gadelha:....................................................................................................107
4.1 A atuação de Julieta Gadelha na Revista Letras do Sertão............109
4.2. Aspectos biográficos e sociais na obra Crônicas para mamãe ler, de
Julieta Pordeus Gadelha..................................................................................127
5. Antes que ninguém conte: a obra que marcou a trajetória de
historiadora local da escritora Julieta Pordeus Gadelha...........................139
5.1 Julieta Pordeus Gadelha e outras marcas do legado cultural deixado
ao município de Sousa - PB............................................................................168
6. Considerações finais.................................................................................181
7. Referências.................................................................................................186
Tudo é recordação, quase tudo é uma saudade, cada uma no seu tempo, fazendo revigorar as boas lembranças de uma época engolida pelo progresso que vai confeccionando novas histórias...
(GADELHA, 1986, p. 167)
13
CAPÍTULO I
1. POR QUE ESCREVO SOBRE JULIETA PORDEUS GADELHA.
1.1 Caminhos que levam ao objeto
O desejo de escrever sobre Julieta Pordeus Gadelha é antigo e nos
acompanha desde nossa vida acadêmica quando cursava a graduação em
Pedagogia pela Universidade Federal de Campina Grande, no período
compreendido de 2004 a 2008. Se por um sem número de motivos esse desejo
foi adiado, agora se concretiza por meio desta tese de doutoramento.
Esse desejo, entretanto, percorreu uma trajetória que leva ao objeto de
estudo do presente trabalho. Por isso, relatar como e por que escrevo sobre
Julieta Gadelha, faz parte de uma tentativa de tornar melhor a compreensão do
texto para o leitor.
Os fragmentos a seguir constroem uma tira de retalhos de uma história
cheia de significados, que alia história pessoal e profissional, pois, como diria
Hollanda, (1993, p. 61), faz-se necessário “utilizar minha experiência e minha
história pessoal como instrumento de trabalho”. Nesse sentido, descrevemos o
percurso vivenciado desde a infância até a graduação em Pedagogia, quando
tivemos o encontro com o objeto de estudo. Nesse percurso, aspectos
pessoais e profissionais são enfatizados na busca de justificar os motivos que
nos levaram a escrever sobre Julieta Pordeus Gadelha.
Trazemos dentro do coração, como uma caixa fechada, todos os
caminhos que percorremos, todos os lugares aonde chegamos, os
conhecimentos que obtivemos com as experiências vividas. Tornar essas
experiências de domínio público significa externar desejos guardados que hoje
fazem sentido quando dão encaminhamento à pesquisa.
Tudo começa na Infância, a partir da terceira série do Primeiro Grau,
quando nossa predileção pelas antigas aulas de Estudos Sociais, era visível.
Naquela época, década de 1990, “os Estudos Sociais nas séries iniciais,
14
podiam ser caracterizados do mesmo modo que a Geografia e a História nos
níveis mais avançados.” (CALLAI, 2002, p. 15).
Em 1986, com a Resolução n°. 6, advinda da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação - LDB n°. 5.692 de 1971, História e Geografia, que ainda utilizam
a denominação de Estudos Sociais, passaram a estudar conteúdos distintos.
No nosso contexto estudantil, Estudos Sociais era um componente curricular
relevante e de significados, pois, trabalhava, entre outras questões, sobre a
história local do município.
De acordo com a referida LDB, que regia a educação escolar na época,
o componente curricular de Estudos Sociais fazia parte de um núcleo comum
de ensino que se desmembrava numa tríplice composta por Geografia, História
e Organização Social e Política do Brasil, mais conhecida como OSPB.
(BRASIL, 1971, p. 399).
Ainda de acordo com a legislação brasileira, o parecer n. 853/71,
afirmava que o objetivo do componente curricular Estudos Sociais era “a
integração espaço-temporal e social do educando em âmbitos gradativamente
mais amplos” (BRASIL, 1971, p. 179). Dessa forma, as instituições de ensino
atendiam a proposta curricular vigente e a uma definição metodológica
baseada em círculos concêntricos em que “os conteúdos foram organizados
pelo que era mais próximo como a família e o bairro e se estendiam até o país
e o mundo” (SANTOS & SILVA, 1999, p. 20).
Na disciplina de Estudos Sociais da terceira série, estudávamos sobre a
história e composição do município onde residíamos, Sousa, localizado no
Sertão da Paraíba. Eram essas aulas que nos proporcionavam o conhecimento
sobre a história local, os costumes, os primeiros habitantes, os acontecimentos
religiosos e de cunho político, os monumentos hoje tombados pelo patrimônio
histórico.
Nas imagens a seguir, estão o Colégio Nossa Senhora Auxliadora, onde
estudávamos e logo abaixo, uma lembrança da terceira série do Ensino
Fundamental, quando conhecíamos sobre o município de Sousa - PB.
15
Imagem I: Atual fachada do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora - Sousa PB
Fonte: http://cnsaweb.com.br/estrutura/
Imagem II: Na Educação Infantil quando estudante do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora. 1
Fonte: arquivo pessoal da autora Ana Paula Mendes R. Cavalcanti
1 O uniforme era composto por uma saia com três plissas em cada lado, na cor
de vinho e uma camisa branca. Estas eram as cores da bandeira do Colégio. Quando cheguei
16
Estudante do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, uma instituição
escolar privada e tradicional, cuja direção era feita pelas irmãs da Congregação
das Filhas de Santa Teresa de Jesus, do Crato - Ceará, o gosto pelas aulas de
Estudos Sociais aumentava, à medida que, ao estudar sobre a história do
município de Sousa, ficávamos encantadas com as imagens dos livros, com os
personagens ilustres, com as narrativas em torno deles, com os patrimônios
históricos. A título de exemplo, podemos citar a Igreja Matriz de Nossa Senhora
dos Remédios, a Igreja do Rosário dos Pretos, a Praça do Aconchego, os
casarões antigos, o Sítio Arqueológico Vale dos Dinossauros, a Praça do
Milagre Eucarístico e tantos outros.
O gosto pelas aulas de Estudos Sociais era sempre acompanhado por
intensas leituras, que, aos poucos, foram fazendo parte do nosso cotidiano.
Durante as aulas, fazíamos inúmeras leituras a respeito dos pontos
culminantes existentes na história do município e essas leituras davam margem
para os necessários e relevantes estudos de campo. Com o objetivo de realizar
pesquisas a respeito do que líamos, os estudos de campo eram momentos em
que saíamos do Colégio e percorríamos esses lugares para conhecê-los e
interpretá-los a luz do que tínhamos como referência de leitura.
Ao realizar os estudos de campo, as aulas de Estudos Sociais aliavam o
saber e o fazer, através da vivência e contato com a história local. De acordo
com Neves (1997, p. 27),
[...] a construção do conhecimento a partir da vivência, portanto, do local e do presente, é a melhor forma de superar a falsa dicotomia entre a produção e a transmissão, entre a pesquisa e o ensino/divulgação, enfim, entre o saber e o fazer.
Nos estudos de campo, entrevistávamos pessoas relacionadas às
histórias das leituras, como os padres das igrejas seculares, parentes de
sousenses ilustres ou plantávamos árvores, como aconteceu com o estudo de
campo no Sítio Arqueológico Vale dos Dinossauros.
ao Ensino Médio, o uniforme foi modificado para calça e blusa de malha conservando as cores
da bandeira.
17
Conhecíamos os lugares que acabávamos de estudar, sobretudo porque
o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora ficava situado na primeira rua povoada
do município de Sousa, a Rua Professor Virgílio Pinto, que é conhecida pelos
seus patrimônios históricos.
Começávamos por ali, bem em frente ao colégio, nossos estudos de
campo. E a partir deles, forjava, em nosso imaginário, comparações entre as
imagens que víamos nos textos e o que representava, naquele momento, os
lugares que pesquisávamos a exemplo da arquitetura e das pinturas seculares
da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, o túmulo de Bento Freire de
Sousa, fundador do município, enterrado na Igreja do Rosário dos Pretos, o
coreto da Praça do Aconchego, os belos casarões antigos, o próprio Colégio
Nossa Senhora Auxiliadora, lugar de destaque na história da educação
sousense.
Parecia que todos aqueles lugares falavam, na verdade, eles nos davam
informações que iam reconstruindo a história de um município que, aos
poucos, íamos conhecendo melhor. Essa metodologia de leituras com estudos
de campo nos ajudava a valorizar a história do município, que era parte de
nossa história também. Nessa perspectiva, a História Local se configura como
uma:
Concepção teórico-metodológica que busca a construção histórica a partir de um recorte, de uma escala específica de investigação; desdobrando os meandros do lugar, levando em conta as ações dos sujeitos viventes no mesmo, considerados como agentes centrais para os processos de transformações históricas. (SOUSA, 2015, p.139)
As metodologias utilizadas para nossas aulas eram, nessa ordem,
leituras sobre acontecimentos históricos do município que percorriam uma
sequência cronológica linear, seguida de ilustrações e estudos de campo. Por
fim, ficávamos encarregadas de reescrever o que foi visto, desenhando ou
colando as imagens que retratassem os fatos históricos estudados.
Cabe salientar que, a maioria dos estudantes de História e Geografia,
das escolas brasileiras da década de 1990, conheceu essa metodologia de
trabalho, em que se destacava a quantidade de fatos e datas a serem
18
memorizadas, refletindo uma visão linear não crítica da História. Uma das
formas de expressão dessa metodologia eram os livros didáticos, que, em suas
abordagens, também priorizavam os círculos concêntricos. Na atualidade, este
tipo de metodologia ainda pode ser encontrado em diversas salas de aula.
A abordagem da maioria dos livros didáticos utilizados no Ensino Fundamental se baseava na visão dos círculos concêntricos. De 1ª a 4ª série, sob a visão “integrada” dos Estudos Sociais, havia uma esvaziamento conceitual tanto na área de História quanto na de Geografia, em função da apresentação de “datas comemoráveis”. [...] (SANTOS &SILVA, 2002, p. 21)
Entre as leituras feitas, os registros sobre a história do município de
Sousa, abordados na obra Antes que Ninguém Conte da escritora sousense
Julieta Pordeus Gadelha, ganhou destaque, pois era essa obra, que o Colégio
Nossa Senhora Auxiliadora tomava como referência para nossas aulas de
História local. Este foi o primeiro contato que tivemos com Julieta Pordeus
Gadelha, nosso objeto de estudo. Segundo Chartier, (1988, p. 127), existe
uma “relação directa, imediata, entre o texto e o leitor, entre os sinais textuais
manejados pelo autor e o horizonte de expectativas daquele a quem se dirige”.
Além dessa obra, não foram adotados pelo colégio, outros livros
didáticos que descrevessem os aspectos culturais e antepassados de Sousa,
por isso, devido às narrativas reunidas no livro de Julieta Gadelha, crescia em
nós, uma subjetividade individual e uma relação de pertencimento a sua obra
que travava uma identidade cultural e social com nossa vivência de estudante.
Decifradas a partir dos esquemas mentais e afetivos que constituem a cultura (no sentido antropológico) das comunidades que as recebem, tais obras se tornam um recurso precioso para pensar o essencial: a construção de um vínculo social, a subjetividade individual, a relação com o sagrado. (CHARTIER, 1994, p. 9)
A cada leitura feita, crescia uma enorme admiração pelo seu trabalho
aliada a uma intensa curiosidade em saber mais sobre a autora. Nas festas
cívicas do colégio, seu nome era sempre enfatizado, era mencionada pelos
trabalhos que realizava, entre eles, o hino de Sousa e a construção de sua
19
bandeira. Foi numa dessas festas de comemoração ao aniversário dos 50
(cinqüenta) anos do colégio, que tivemos conhecimento de que Julieta Gadelha
também fora aluna daquela instituição.
Crescemos ouvindo a escrita de Julieta Gadelha, sua trajetória de
escritora e cresceu junto conosco o desejo de conhecê-la. Ao percorrer as ruas
históricas do município de Sousa, seu trabalho sobressaía em nossa mente,
víamos suas informações nos lugares, era como se ela estivesse lá, nos
contando, viajávamos nas narrativas, uma vez que, “os leitores são viajantes:
eles circulam sobre as terras de outrem, caçam, furtivamente, como nômades
através de campos que não escreveram.” (CERTEAU, 1998, p. 251)
Por esse motivo, trazer à tona Julieta Pordeus Gadelha e sua prática
educativa através da história e memória e de todo o legado cultural que deixou
para o município de Sousa, tais como os livros, as publicações da Revista
Letras do Sertão, a confecção da bandeira e a construção do hino do
município, além da fundação do Centro Cultural e Memorial de Sousa Tozinho
Gadelha se configuram, para nós, reviver um contexto social esquecido ou que
ainda não tenha sido objeto de estudo de uma pesquisa com rigor científico.
Percebemos o legado cultural deixado pela escritora quando, nos
debruçamos sobre o conteúdo de seus livros e vislumbramos a identidade de
Sousa, caracterizada por forte religiosidade, muito patrimônio histórico, entre
outros aspectos que são esboçados por Julieta Gadelha com tanta precisão e
riqueza de detalhes.
Mais que todas as contribuições que as obras de Julieta Gadelha
trouxeram para a compreensão historiográfica do município de Sousa, nos
chamava atenção o fato de ser uma mulher a autora de tantas informações
contidas nas publicações.
Sempre fomos seduzidas pela história das mulheres, quando líamos
sobre biografias femininas, percebíamos a diferenciação entre os
comportamentos de gênero ditados pela sociedade em cada contexto histórico
lido e isso nos chamava muita atenção.
20
Além disso, nos chamava atenção mais ainda o fato de que os livros
didáticos, tidos como referências para as aulas de História, eram, em sua
maioria, de autores masculinos. No nosso caso, era uma mulher quem havia
escrito.
Para Almeida, (1998, p. 45), “a História, como disciplina antiga e elitista,
sempre foi escrita por homens”. A título de exemplo, podemos citar os clássicos
autores Nelson Piletti e Claudino Piletti (1974-1999), Gianpaolo Dorigo (2000),
Claudio Vicentino (2000), que discutem sobre História Geral e História do
Brasil.
Como uma expressão maciça da sociedade, a condição feminina esteve
subjugada aos parâmetros masculinos. A ciência tem no seu cerne o caráter
eminentemente masculino. A título de exemplo, a Filosofia, considerada uma
ciência clássica e origem de grandes descobertas, teorias e discussões que
vieram modificar o mundo medieval, tem na sua origem nomes de autores
masculinos - Aristóteles, Platão, Humme.
No mundo científico, nos componentes curriculares, desde os primeiros
anos de estudo, aprendemos a conhecer e admirar obras de autores da
Filosofia (Aristóteles, Platão, Humme); Sociologia (Spencer, Karl Marx, Engels,
Althusser); Biologia (Darwin). Todas essas áreas do conhecimento, ao longo de
muitos anos desmereceram as aptidões da mulher para estudos tão
aprofundados, consideradas “sexo frágil”, debilitadas para o pensamento e a
resolução de problemas sociais.
Sobre este aspecto, Lopes e Galvão, (2001, p. 70) assinalam que:
Na história, os homens são mais citados. Fala-se, lê-se sobre Sócrates, os sofistas, Platão, Aristóteles, Quintiliano, Santo Agostinho; todos eles mestres. Ainda não eram professores, que vieram depois, quando foi preciso que uma doutrina fosse ensinada em alta voz, proclamada, confessada, apregoada. Mas esquece-se que as mulheres sempre ensinaram a vida e a morte. [...]
Na constituição do município de Sousa, desde a fundação, encontramos
jornalistas, médicos, advogados, professores que atuaram como escritores e
cronistas da história local, como Eládio Melo (1930), Virgílio Pinto (1950)
21
(1960), Deusdedit Leitão (1945), Celso Mariz (1920), entre outros, que hoje têm
seus nomes lembrados nas principais ruas e avenidas da cidade. Todos esses
autores são referência na história local do município de Sousa.
Em meio a tantas representações masculinas na composição do
município de Sousa, sobretudo em revistas de circulação local, como a Revista
Letras do Sertão, por exemplo, fundada em 1951, em meio a tantas crônicas de
cunho histórico, político e econômico, escritas por autoridades e homens
escritores da sociedade da época, destacamos as publicações de Julieta
Gadelha que relatavam aspectos característicos do contexto social em que
publicava.
Portanto, ler as obras da autora Julieta Pordeus Gadelha, além de trazer
análises sobre um passado que ainda vive presente nos costumes, nas
pessoas, nas famílias, nos museus nos trouxe o gosto pelas narrativas
femininas ou pelas histórias contadas por mulheres.
Como o caminho se faz ao caminhar, as práticas de leitura vivenciadas
na infância acompanharam nossa trajetória estudantil e acadêmica,
principalmente. A predileção pela leitura nos tempos livres foi uma herança
adquirida no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, quando, no recesso de férias,
tínhamos como atividade a leitura de um livro paradidático.
Aos poucos, o gosto pelas leituras foi ficando mais refinado, com
preferência pelas culturas populares, pelas biografias de autores que muitas
vezes se representavam entre os personagens das obras.
No Ensino Médio, o contato com a Literatura Brasileira nos fez ter um
novo encantamento pelas narrativas. A partir delas, ficávamos entusiasmadas
com as histórias dos romances, com os cotidianos narrados que nos faziam
viajar a outras épocas, outros cotidianos. Porém, as que mais nos chamavam
atenção, eram as obras que discutiam a categoria gênero, as histórias sobre as
mulheres, as narrativas femininas.
Percebíamos que as mulheres tinham o destino sempre direcionado,
submetido à condição biológica de gênero, que dimensionava os papeis. As
que não seguissem o papel direcionado, que deturpassem os códigos da
22
moral, penavam um castigo que vinha da sociedade. De acordo com Morais,
(2011, p. 236) “a literatura se nutre desses tipos de mulher. As personagens
que transgridem os códigos de moral pagam com a própria vida essas
transgressões, redimindo-se com a morte”.
Na literatura brasileira até o século XIX, mesmo sendo recheada de
romances caracterizados pela idealização da mulher, não vimos nos livros
adotados no Ensino Médio, obras literárias de autoras femininas, embora
muitas narrativas tivessem as mulheres, como personagem principal. É o caso,
por exemplo, do Romantismo no Brasil, representado nos livros didáticos por
autores clássicos como Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Joaquim Manuel
de Macedo, José de Alencar, entre outros.
O encantamento pela literatura, adquirido desde as aulas do Ensino
Médio, nos fez criar também um encantamento pelas memórias revividas dos
cotidianos femininos, seus mundos, seus cotidianos, suas trajetórias de vida,
pois, “a memória revivida faz ressoar silêncios e omissões, levantando véus
daquilo que foi calado e sufocado”. (ALMEIDA, 1998, p. 12).
Educadoras, escritoras, médicas, advogadas, não importa o que foram,
mas sim, que não caiam no esquecimento, sobretudo, as mulheres que
contribuíram para a construção da história de um lugar, para a educação das
pessoas.
Por isso, ter Julieta Pordeus Gadelha, como objeto de estudo, vai ao
encontro de nossa condição de ser mulher, que mesmo vivendo no século XXI,
ainda sofre as amarras do preconceito do gênero, do “sexo frágil”, de ser
professora e de querer fazer a diferença entre as mulheres ainda submissas,
mesmo que seja dentro das nossas aulas e nas pesquisas científicas.
[...]. Infelizmente, as pesquisadoras do universo feminino também comprovaram que, por uma compreensível necessidade de manter sua intimidade ao abrigo de indiscrições, pois para isso sempre foram preparadas. (ALMEIDA, 1998, p. 46)
Acreditamos que essa pesquisa vem contrariar um legado herdado a
figura feminina que, vista em segundo plano, não teve a valorização e o
23
reconhecimento de seus artigos, de suas obras, ou simples anotações em
diários, receitas. Muitos escritos foram até queimados com o intuito de ocultar
suas vidas, seus pensamentos e opiniões.
A esse respeito, destacamos a importância que teve nossa atuação
docente na trajetória acadêmica e profissional. Foi a partir dela que pudemos
ter o contato com o público e colocar em prática nosso entusiasmo pelas
leituras de mulheres, a valorização à história dos lugares que moramos, além
de outros aspectos que são mencionados nas experiências docentes no
Serviço Social da Indústria - SESI e na Universidade Federal de Campina
Grande - UFCG, campus de Cajazeiras - Paraíba.
1.2 - O desafio da sala de aula.
No ano de 2006, estudante do Curso de Pedagogia, fomos convidadas
para compor o quadro de Supervisão Pedagógica do SESI, do município de
Sousa - PB. Em virtude de já termos atuado nessa instituição em um programa
que desenvolvia atividades com fins educativos para crianças da classe
popular, e tendo desenvolvido um trabalho significativo, aceitamos o convite.
Essa experiência nos proporcionou a atuação no Programa Por um
Brasil Alfabetizado. O programa Por Um Brasil Alfabetizado é um nome
adaptado, pelo SESI, do programa Brasil Alfabetizado do governo federal que
teve início em 2003. “Voltado para a alfabetização de jovens, adultos e idosos.
O programa é uma porta de acesso à cidadania e o despertar do interesse
pela elevação da escolaridade.” (BRASIL, MEC/PROGRAMA BRASIL
ALFABETIZADO, 2010).
Na condição de supervisora pedagógica do Programa e atuando como
ministrante de formações iniciais e continuadas de professores conhecemos o
caráter filantrópico e assistencialista da educação, uma vez que, o programa
mesmo era composto por etapas que duravam apenas seis meses de
alfabetização e não tinham continuidade o que impossibilitava a elevação do
nível de escolaridade do estudante.
24
Além disso, constatamos, através das visitas às salas de aula, que o
ideário de infantilização dos educandos permeava as práticas pedagógicas dos
professores. Alguns nem possuíam graduação, ou qualquer formação voltada
para o magistério, o que cristalizava o uso de práticas infantilizadoras.
Aliada a essa experiência, outra, não menos significativa, aconteceu
quando fomos contratadas para substituir um professor de História e Geografia,
na Escola de Suplência do Ensino Fundamental e Médio Francisco Carlos
Vasconcelos, da rede estadual de ensino, também no município de Sousa.
Na sala de aula do Ensino Médio, configurou-se num desafio ainda
maior, uma vez que, houve a necessidade, enquanto professora, de
desmistificar o caráter assistencialista, filantrópico e de suplência do ensino
oferecido aos estudantes, procurando adotar práticas diferentes, sobretudo
naquela sala de aula, quando as práticas metodológicas de aula expositiva,
leitura de texto e atividades escritas eram recorrentes e rotineiras.
Sabíamos das dificuldades que enfrentaríamos para ministrar aulas
exitosas desses componentes curriculares, uma vez que, naquela época
História e Geografia eram tidos como componentes caracterizados por:
[...] Um conjunto de informações na maioria das vezes desarticulado e que não atende a uma sequência que permita a compreensão daquilo que se quer ensinar. Ao trabalhar com noções da História e da Geografia, ao trabalhar com mapas, muitas vezes, faltam aos alunos aquelas habilidades iniciais que permitiriam que o trabalho não fosse apenas mecânico ou contemplativo. (CALLAI, 2002, p. 15)
O desafio foi tão forte que, várias vezes, nos indagamos: Como ensinar
História e Geografia, de maneira que se tornem relevantes para a vida dos
estudantes? Através desse questionamento, recorremos aos significados que
as antigas aulas de Estudos Sociais da terceira série nos proporcionaram:
conhecimento, valorização, estudos, fontes de pesquisas locais.
Nesse sentido, trabalhamos com metodologias que privilegiavam o
conhecimento sobre o nosso cotidiano, numa sequência gradativa, que
respeitava os estudos do bairro, cidade, estado, região e país. Forjava em
nosso imaginário, a necessidade de proporcionar àqueles estudantes, a
25
oportunidade que havia tido desde a infância, de estudar e contextualizar o que
é nosso para, posteriormente, expandirmos para horizontes mais distantes.
Primeiramente, trabalhamos as questões históricas locais relacionadas
ao município de Sousa, tentando despertar a criticidade dos estudantes diante
dos conteúdos dos livros. Partimos do município sem deixar de estabelecer
uma ponte com os universos mais amplos, pois, segundo SOUSA (2015, p.
138), “a história local proporciona, através de análises de espaços com
recortes menores, novas possibilidades de redimensionar e de repensar a
própria história nacional”.
Tivemos aulas teóricas, cujo trabalho de Julieta Gadelha sempre
aparecia, através dos exemplos que ela colocava nas obras, através dos
contextos históricos do passado que ela nos fez conhecer com as obras
publicadas. Na parte prática, esse trabalho possibilitou a utilização de mapas,
legendas, imagens de diversas maneiras e vídeos. Nosso objetivo com estas
aulas eram:
[...] oferecer novas óticas de análise no estudo de cunho nacional, podendo apontar todas as questões fundamentais da história (como os movimentos sociais, a ação do Estado, as atividades econômicas, a identidade cultural, etc) a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o particular. (AMADO, 1990, p. 12)
O trabalho com o livro didático se tornava mais desafiador, pela sua
precariedade, se caracterizando por textos curtos e sem informações
relevantes. Os conteúdos que ele priorizava eram estudos de outras realidades
distantes da nossa, mapas sem cores nas legendas, informações distorcidas,
entre outros fatores. Para Santos e Silva, (2002, p. 21).
[...] poucos livros se preocupam com uma abordagem mais crítica dos conteúdos de História e Geografia. A justificativa utilizada gira em torno do aspecto cognitivo: os alunos não têm capacidade de compreender certas relações conceituais.
A relevância destas experiências aliadas à vida acadêmica aprofundou o
nosso encantamento pela história do município de Sousa, sobretudo, pelas
narrativas encontradas nas obras de Julieta Gadelha.
26
As realidades daquelas salas de aula, o contato com outros professores,
sempre significativo e cheio de observação, fizeram com que atribuíssemos um
olhar crítico e reflexivo sobre a importância de buscar o conhecimento nos
principais autores, como Deusdedit Leitão (1945), Virgílio Pinto (1950) que
sempre reconstituíram essa história. Entre esses autores, o desejo de conhecer
e pesquisar sobre Julieta Gadelha sobressaía, pois foi essa escritora a fonte de
conhecimento e encantamento pelas narrativas em torno da história local
sousense.
À medida que nosso desejo aumentava, as oportunidades iam surgindo.
Em 2008, já graduada em Pedagogia, em virtude da aprovação para professora
substituta de Didática do Curso de Pedagogia, da Universidade Federal de
Campina Grande - UFCG, campus de Cajazeiras - PB, fomos contempladas
com a oportunidade de ministrar o componente curricular Metodologia do
Ensino de História de Geografia.
Na estrutura curricular do Curso de Pedagogia, as metodologias de
ensino eram compostas por quatro componentes curriculares que completavam
o quadro de Didática. Eram as seguintes: Metodologia do Ensino da
Matemática, Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa, Metodologia do
Ensino de Ciências e Metodologia do Ensino de História e Geografia, que foi
nosso campo de ação.
Nessa oportunidade, procuramos mostrar às turmas, a importância de
conhecer a História local, a trajetória histórica dos lugares que vão ser
estudados, enfatizando a contextualização e, sobretudo, o que aqueles lugares
representam, qual a sua conotação simbólica para o povo que o habita.
Ao contrário da concepção tradicional de história, ao adotar uma prática referenciada na história local, o professor contribui no fortalecimento de uma identidade social coletiva e, consequentemente, no sentimento de pertencimento aos locais de vivências dos alunos superando a dicotomia existente entre a produção e a transmissão dos conhecimentos. (SOUSA, 2015, p. 139).
Com o desejo de tornar mais rico nossos estudos, visitamos feiras de
exposição realizadas no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Sousa,
27
oportunidade que nos proporcionou conhecer um pouco mais sobre a cultura
do cangaço no Nordeste.
Nas aulas de Educação Popular, além das discussões teóricas, levamos
as turmas para conhecer de perto, a realidade dos assentamentos rurais,
através de estudos de campo que germinavam intensos e relevantes trabalhos,
pois, através do estudo com a história local, “pode-se formular perguntas,
suscitar questões, estabelecer a relação entre prática e teoria”. (BARBOSA,
2005, p. 27).
Nesse sentido, proporcionamos às turmas, estudos de campo em
lugares considerados patrimônios históricos nos municípios de Sousa e
Cajazeiras, se destacando, entre eles, os mesmos lugares que havia visitado
na infância e isso nos fez dar um significado maior ao nosso desejo de estudar
como objeto de pesquisa, Julieta Pordeus Gadelha.
Foi com o espírito de mudança em torno das aulas teóricas, em que, na
maioria das vezes, “se reduzem a alguns exercícios que no momento da
realização envolvem os alunos, mas que no contexto do trabalho se perdem
em atividades soltas”, (CALLAI, 2002, p. 15) que, comprometida com a
qualidade da educação e das metodologias utilizadas, tentamos mostrar para
os estudantes em formação, que principalmente História, Geografia e os
demais componentes curriculares do Curso de Pedagogia, podiam ser
prazerosos, animadores e muito bem compreendidos, se estudados de forma
que incentivasse.
Do mesmo modo, na Geografia e na História, dentro da área de Estudos Sociais (da 4ª a 8ª série), amontoa-se uma quantidade de informações para que os alunos tenham acesso ao que acontece no mundo. Mas ao tempo em que obtêm as informações, os alunos desconhecem o meio em que vivem e não conseguem articular a noção de um espaço terrestre quer seja na sua globalidade, quer na sua dimensão do território nacional, ou do local, em que as paisagens apresentam um resultado da dinâmica das forças naturais e da ação do homem. (CALLAI, 2002, p. 15)
Num evento sobre educação e avaliação da aprendizagem, no município
de Cajazeiras, no ano de 2000, Luckesi colocou o quanto nós educadores, na
maioria das vezes, tornamos esses componentes, difíceis de ser assimilados
28
pelos estudantes, pelo fato de estarmos acostumados a decorar fatos, datas,
nomes de pessoas, de rios e seus afluentes, sem compreender a importância e
a contextualização em que cada um desses fatos aconteceu ou qual o impacto
que isso deixou para a sociedade e o ambiente atuais.
Sobre esse aspecto, o mesmo autor, relata que:
[...]. No passado, como professor, eu também agi dessa mesma maneira. Esse modo de agir vem passando de geração em geração e nós educadores nos impregnamos dele, como se fosse adequado e correto. Nem mesmo prestamos atenção no seu significado cotidiano e na sua abrangência. Seguimos, em nossas práticas escolares, orientados ingênua e acriticamente por uma crença de senso comum, que nos domina; uma crença sub – reptícia que incorporamos em nosso inconsciente e que nos faz agir e reagir automaticamente. (LUCKESI, 2011, p. 237)
Mais que isso, ficamos acostumados a estudar com mais profundidade,
os contextos de outros lugares, outras regiões, deixando ao nosso contexto,
uma pequena parcela do estudo. Estudamos mais sobre a Região Sudeste do
que a História da Paraíba, por exemplo.
Por isso, mais uma vez, o nosso desejo de trazer a memória e história
da prática educativa de Julieta Pordeus Gadelha que através do legado
cultural, provocou em nós, uma valorização sobre a história de um lugar, do
município de Sousa, incentivando, inclusive, aulas com estudos de campo.
Percorremos essa trajetória, rumo ao que hoje apresentamos como
objeto de estudo. Todos os acontecimentos foram frutos de grandes encontros.
Encontro inicial entre a criança e a autora que lhe dava significados às antigas
aulas de Estudos Sociais; encontro entre a professora de nível médio e a
estudante do Curso de Pedagogia com as histórias do município que morava e
que precisava dar significado a essas histórias para que os estudantes
conseguissem interpretá-las.
E por fim, o (inacabado) encontro entre a pesquisadora, professora
universitária com a escritora que lhe atribui o maior dos significados: o de ser
mulher. É nesse sentido que flui a presente pesquisa.
29
1.3 - O desejo de pesquisar sobre Julieta Pordeus Gadelha
Quantos sonhos e planos femininos, que sempre presos a regras prontas,
foram desconstruídos daquelas que tentassem fugir do destino naturalizado, da
cultura construída? A desconstrução dos sonhos constatava a fraqueza do
poder das mulheres no Brasil, o que as faziam levar uma vida de recolhimento
às ordens do conquistador do sexo masculino.
De acordo com Freyre, (2004, p. 207),
À exploração da mulher pelo homem, característica de outros tipos de sociedade ou de organização social, mas notadamente do tipo patriarcal-agrário – tal como o que dominou longo tempo no Brasil – convém a extrema especialização ou diferenciação entre os sexos.
Enraizadas desde o Brasil patriarcal, a exploração da mulher pelo
homem estabelecia uma acentuada diferença entre ambos. Ainda segundo
este autor, “também é característico do regime patriarcal o homem fazer da
mulher uma criatura tão diferente dele quanto possível. Ele, o sexo forte, ela o
fraco; ele o sexo nobre, ela o belo”. (FREYRE, 2004, p. 207)
Sobre a diferenciação entre os sexos na sociedade patriarcal sousense
Julieta assim descreve:
[...] as meninas nasciam para casar, sendo obrigadas, desde muito cedo, a aprender os trabalhos manuais a fim de se tornarem sinhazinhas prendadas; e os meninos eram reservados para a vida campestre, quando conseguiam resistir à vocação escolhida pelo pai ou padrinho, que terminava sempre optando pelo seminário ou uma faculdade na Corte ou na Capital Federal. (GADELHA, 1986, p. 58)
Como uma sequência que acompanhava todas as fases da vida, as
diferenças se manifestavam de variadas formas: na infância, através das
brincadeiras entre meninas e meninos; na adolescência, direcionando o
pensamento da menina ao casamento; na juventude, enveredando o estudo da
normalista como um passatempo até o noivo chegar de viagem e na vida
adulta, ditando as regras da boa esposa e mãe de família, da matriarca
submissa ao marido, acentuando a diferenciação dos sexos.
30
Existe uma repartição desigual dividindo homens e mulheres, “com os
primeiros apropriando-se de uma parte gritantemente desproporcional dos
recursos materiais e simbólicos da sociedade” (SILVA, 2007, p. 92). Essa
repartição desigual que reflete uma inferioridade com relação à educação
feminina estende-se, obviamente, ao currículo.
Na educação escolar, consequentemente, o currículo que fora
direcionado às mulheres, era composto por componentes que estruturassem
sua função natural de ser esposa e mãe. Lopes e Galvão (2001, p. 69), nos
falam que “Na educação, podemos dizer que hoje há um reconhecimento de
que, tal como a história, ela é sexuada. Há claramente o reconhecimento de
que sempre houve (e há) uma educação para meninos e meninas [...]”. Sobre a
organização da família, “sem dúvida, está implícito que as disposições sociais
que exigem que os pais trabalhem e as mães cuidem da maioria das tarefas de
criação dos filhos [...]” (SCOTT, 1989, p. 15).
Por causa de um acesso tardio a educação e bem posterior ao acesso
masculino, os currículos escolares acabaram sendo formulados de maneira
que perpetuasse a condição de submissão feminina.
Detentores do poder econômico e político os homens apropriaram-se do controle educacional e passaram a ditar as regras e normatizações da instrução feminina e limitar seu ingresso em profissões por ele determinadas. [...]. Para viabilizar esse poder na educação escolar, elaboraram leis e decretos, criaram escolas e liceus femininos, compuseram seus currículos e programas, escreveram a maioria dos livros didáticos e manuais escolares, habilitaram-se para a cátedra das disciplinas consideradas mais nobres e segregaram as professoras a “guetos femininos” como Economia Doméstica e Culinária, Etiqueta, Desenho Artístico, Puericultura, Trabalhos Manuais, e assim por diante. (ALMEIDA, 1998, p. 35)
A dinâmica da inferioridade por parte do currículo se deveu a questão do
acesso. Foi o acesso a educação, de forma tardia e subjugado a condições
masculinas impostas que, aliado a outros fatores sociais, direcionaram a
mulher à instrução para trabalhos domésticos. Dessa forma, ainda de acordo
com esse autor:
O currículo educacional refletia e reproduzia os estereótipos da sociedade mais ampla. A literatura crítica concentrou-se em analisar,
31
por exemplo, os materiais curriculares, tais como livros didáticos, que caracteristicamente faziam circular e perpetuavam esses estereótipos. Um livro didático que sistematicamente apresentasse as mulheres como enfermeiras e os homens como médicos, por exemplo, estava claramente contribuindo para reforçar esse estereótipo e, consequentemente, dificultando que as mulheres chegassem às faculdades de Medicina. (SILVA, 2007, p. 92)
Na Paraíba do início do século XX, embora a moça da elite que morava
na cidade tivesse acesso a educação escolar, com direito de estudar nas
escolas normais e/ou escolas de cunho religioso como o Colégio Nossa
Senhora das Neves, em João Pessoa e o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora,
em Sousa, era nas escolas rurais que a diferenciação no currículo se dava de
forma mais acentuada.
À menina que nasceu num meio rural, cujos ideais devam estar limitados ao ambiente onde se agita, não interessará, por exemplo, aprender alta costura ou tocar piano. [...] o ideal dessa menina não vai além da aspiração de constituir um lar feliz e abastado ao lado de um companheiro amorável. (COSTA, 1941, p. 69)
Em livro publicado, na década de 1940, por Sizenando Costa, político e
escritor paraibano, muito influente no governo de Argemiro de Figueiredo, “[...]
estabelece propósitos distintos acerca da formação que homens e mulheres
deveriam ter no âmbito das escolas rurais” (PINHEIRO, 2006, p. 149).
Para os homens, caberia à incumbência de se tornar capazes, através
da educação, de “desenvolver com eficiência as indústrias locais”. As
mulheres, entretanto, deveriam estar “aptas para administrar um lar, dentro de
suas possibilidades, financeiramente equilibrado, com alegria e conforto”
(COSTA 1941, p. 17 APUD PINHEIRO, 2006, p. 149).
Apesar do cotidiano caracterizado por regras, muitas mulheres se
destacaram pelas atitudes que tiveram e profissões que exerceram, sobretudo
em contextos cuja vida social feminina era restrita. Foram escritoras,
jornalistas, professoras, advogadas que além de assumirem um lar e todas as
suas atribuições de boas mães e respeitadas esposas, se sobressaíram diante
de uma sociedade que vigiava e punia àquelas que fugissem do papel natural
de realização plena num casamento.
32
Parecendo por fora submeter-se totalmente e conformar-se com as expectativas do conquistador, de fato “metaforizavam a ordem dominante” fazendo funcionar suas leis e suas representações “num outro registro”, no quadro de sua própria tradição. (CERTEAU, 1998 p. 18)
O Brasil está cheio destas mulheres, personagens que estiveram no
Movimento Feminista da década de 1960, mulheres que lutaram contra a
ditadura militar, sendo muitas delas torturadas e mortas, as escritoras que
denunciavam a condição social feminina em jornais e revistas.
Se hoje temos a possibilidade de conhecer a biografia e trajetórias
profissionais de mulheres é por causa das intensas publicações que vão sendo
feitas sobre gênero, mulheres e cotidianos femininos, sobretudo, nas linhas de
pesquisa dos Programas de Pós-Graduação.
Sobre este aspecto, Hollanda (1990), ao fazer uma avaliação sobre os
estudos que tinham a mulher como tema nas teses de Literatura, na década de
1990, afirma que:
Entre 1977 e 1989 foram produzidas no curso de Mestrado em Letras da PUC, Rio de Janeiro, 269 teses, das quais 19 abordaram o tema Mulher na Literatura, ou seja, 7,06% sobre o numero total de teses. Já no curso de Pós Graduação em Letras da UFRJ, das 437 teses de mestrados apresentadas entre os anos de 1973 a 1989, 41 referem-se à mulher, ou seja, 9,38% sobre o total dos trabalhos. As duas associações científicas mais significativas da área de letras foram fundadas recentemente. São a ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística) criada em 1984 e a ABRALIC (Associação Brasileira de Literatura Comparada ) em 1987. Nos encontros promovidos pela ANPOLL e pela ABRALIC, a incidência de apresentações e comunicações sobre a mulher é significativa, levando-se em consideração a pouca tradição dos estudos sobre a mulher. Nos cinco encontros da ANPOLL, 10.23% do total de trabalhos apresentados abordaram o tema mulher, incluindo-se aí aqueles apresentados no GT Mulher na Literatura. Analisando especificamente o último encontro, em julho de 1990, encontramos os seguintes números: Total de títulos de exposição: 277 Total de títulos apresentados no GT Mulher na Literatura: 27 Total de títulos sobre a mulher nos outros GTs: 9 Soma de títulos sobre a mulher: 36 % de títulos sobre a mulher: 13% % de títulos sobre a mulher excluindo-se os apresentados no GT Mulher na Literatura: 3.25% Nos Congressos promovidos pela ABRALIC nos anos de 1987, 1988 e 1989, dos 96 papers apresentados, 30 referiam-se à temática feminina.
33
Há que considerar que a área de Letras tem tradição no Brasil, no que
tange ao estudo sobre as mulheres. Na nossa área, a Educação, o tema
relacionado a mulheres vem ganhando visibilidade, sobretudo nos programas
de Pós - Graduação em Educação, através das diversas linhas de pesquisa,
entre estas, a História da Educação.
A esse respeito, Morais (2011, p. 149) discorre sobre o crescimento dos
debates sobre gênero, em meados de 1998, dois anos após sua defesa de
tese, sobre leituras de mulheres no século XIX. A autora desabafa dizendo que
percebeu “que os debates acadêmicos sobre questões de gênero avolumavam-
se, apesar de certa resistência acadêmica, até se firmarem como eixos nos
congressos e seminários nacionais e internacionais”.
[...] Só recentemente e graças aos trabalhos pioneiros de intelectuais e militantes feministas, os projetos que se utilizam dessa categoria têm explicitado uma intenção de se afirmar como área de estudos nos centros de pesquisas e nas universidades. (ALMEIDA, 1998, p. 45)
Na atualidade, encontram-se diversos núcleos de estudos sobre
Mulheres, congressos, grupos de trabalho e fóruns sobre mulheres em outras
áreas do conhecimento, o que vem se aliar a Educação, no que tange a
visibilidade sobre mulheres. A título de exemplos, destacamos:
QUADRO I:
Núcleos de estudos, congressos, grupos de trabalho e fóruns sobre
mulheres.
Grupo Instituição Local
NEIM Núcleo de Estudos Interdisciplinares
das Mulheres.
UFBA - Universidade
Federal da Bahia
Neguem Núcleo de estudos sobre gênero e
pesquisa sobre a mulher.
Universidade Federal de
Uberlândia
34
NEPEM Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre
a Mulher
Universidade de Brasília
NIEM Núcleo Interdisciplinar de Estudos
sobre a mulher e gênero
Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
NEMGE Núcleo de Estudos da Mulher e
Relações Sociais de Gênero
Universidade de São
Paulo
NEMGeP Núcleo de Estudos sobre mulheres,
gênero e políticas públicas.
Universidade Federal de
Santa Maria - Rio Grande
do Sul.
HISTEDBR -
GT PB
Educação e educadoras da Paraíba no
século XX
Universidade Federal da
Paraíba
HISTEDBR -
GT PB
Projeto de
pesquisa:
Escritos para a educação: participação
de professoras na Revista de Ensino -
Paraíba (1932-1942)
Universidade Federal da
Paraíba
NEPGD Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre
gênero e Direito
Universidade Federal da
Paraíba
Grupo de
estudos:
Práticas educativas, memórias e
oralidades.
Universidade Estadual do
Ceará
Fontes: links das universidades citadas.
A Paraíba, por sua vez, também pode ser evidenciada como um Estado
marcado por trajetórias de mulheres de destaque, como palco de lutas de
mulheres pelo reconhecimento de seus direitos, ideias e valores, e,
consequentemente, de mecanismos de resistência contra papeis a elas
atribuídos. Entre esses destaques, podemos citar Anayde Beiris, Analice de
Caldas, Adamantina Neves, Eudésia Vieira, Olivina Carneiro da Cunha,
35
Catharina Moura e tantas outras que, em seus modos de viver, de opinar, de
agir e de se expressar cravaram a marca de heroína, intelectual e artista.
Todas estas mulheres tiveram na educação, uma aliada para a
concretude de uma vida menos restrita as atribuições do lar e maior
possibilidade de exercer uma carreira. Muitas delas, já foram objeto de estudo
de pesquisas científicas, em nível de pós - graduação, da Universidade Federal
da Paraíba. O quadro a seguir, apresenta trabalhos que demonstram as
pesquisas sobre mulheres, educação e educadoras na linha de pesquisa
História da Educação - UFPB:
QUADRO II:
Alguns trabalhos sobre mulheres e educação nos colégios do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba -
campus de João Pessoa.
Nome do
Autor
Título do Trabalho Defesa Orientador
(a)
Adriana Vilar
dos Santos
Educação, docência e memórias da
professora Maria Bronzeado Machado
(1940-1986).
24/02/2016
Lúcia Nunes
Raquel do
Nascimento
Sabino
Reminiscências da professora Clemilde
Torres Pereira da Silva: sua contribuição
às instituições - memória da Paraíba
(1942-2013).
15/02/2016
Charliton
Machado
Tatiana de
Medeiros
Santos
Maria Eulália Cantalice Cavalcante:
histórias e memórias de uma educadora
Guarabirense/PB (1920 - 1999).
29/04/2016 Lúcia Nunes
36
Maria
Valdenice
Resende
Soares
A vida profissional de Neuza Medeiros
Alves (1931 -1997) no município de
Jacaraú - PB (1960-1990): educação,
moral e ordem social.
21/08/2012
Lúcia Nunes
Cristiane
Souza de
Menezes
Colégio estadual de Olinda: a educação
secundária no município de Olinda/PE
(1960 - 1984).
30/11/2015
Charliton
Machado
Rosângela
Chrystina
fontes de
Lima.
Cultura escolar do grupo escolar Dr.
Thomas Mindello: espaço de reinvenção
e disseminação de novas práticas
educacionais (1932 - 1950).
08/07/2015
Antonio
Carlos.
Isabelle de
Luna Alencar
Noronha
Práticas educativas de normalistas no
cariri cearense (1923 - 1971): cadernos
escolares - escritas femininas.
25/05/2015
Cláudia
Engler Cury
Márcia
Cristiane
Ferreira
Mendes
Memórias e Práticas Educacionais da
Educadora Argentina Pereira Gomes: o
seu legado no cenário educativo da
Paraíba (1916 - 1962).
22/02/2012
Lúcia Nunes
Viviane
Freitas da
Silva
Memórias da educadora Olivina Olivia
carneiro da cunha: práticas educativas e
envolvimento político e social na
Paraíba (1886 - 1977).
22/08/2012 Charliton
Machado
Wilson José
Félix Xavier
Razões e sensibilidades: um estudo
sobre a construção do imaginário da
docência feminina (1865 - 1917).
24/02/2015
Cláudia
Engler Cury
Maria das
Graças da
Cruz Barbosa
História e Memórias de vida professoral:
Maria do Carmo de Miranda nas
configurações do magistério (1960 -
1988).
21/08/2014
Maria Elizete
Wanderléia
Farias
Santos
Entre linhas, bordados e sabores:
memórias e histórias de educadoras do
Curso de Economia Doméstica em
Bananeiras PB (1960 - 1970).
20/08/2014
Lúcia Nunes
37
Francymara
Antonino
Nunes de
Assis
Práticas educativas no Cariri paraibano:
histórias e memórias da educadora
Estelita Antonino de Souza (1947 -
1991).
31/03/2014
Charliton
Machado
Larissa Meira
de
Vasconcelos
Esculpindo corpos e formando hábitos:
uma abordagem histórico-educacional
sobre as construções de gênero na
imprensa paraibana (1913 -1932).
20/03/2015
Charliton
Machado
Fonte: link do Programa de Pós - Graduação em educação UFPB. Disponível em:
<https://sigaa.ufpb.br/sigaa/public/programa/defesas.jsf?lc=lc=lc=pt_BR&id=1906>. Acesso
em: 18/10/2016.
Assim como os trabalhos citados acima, também é vasta a produção
acadêmica do grupo de pesquisa Gênero e práticas culturais: abordagens
históricas, educativas e literárias, sob coordenação da professora doutora
Maria Arisnete Câmara de Morais. Fazemos parte do referido grupo onde
pudemos ter contato com publicações sobre trajetórias de mulheres
professoras e instituições de ensino da Paraíba e do Rio Grande do Norte.
Neste ínterim, tem destaque os trabalhos sobre as educadoras Izabel
Gondim (2003), Chicuta Nolasco Fernandes (2006), Sophia Lyra (2011), de
autoria de Maria Arisnete Câmara de Morais, o trabalho de tese de Edna Maria
Rangel de Sá Gomes intitulado Adelle de Oliveira: trajetória de vida e prática
pedagógica (1900 – 1940), de 2009; o trabalho de tese sobre A educação da
mulher norte - rio grandense segundo Júlia Medeiros 1920-1930 de 2005, de
Manoel Pereira da Rocha Neto; o trabalho de dissertação de Nanael Simão de
Araújo intitulado Professoras primárias do Seridó Norte - Rio - Grandense:
Maria José do Nascimento, Olívia Pereira e Theodora Valle (1927 - 1947), de
2016, entre outros.
Vinculado à linha de pesquisa Educação, estudos sócio-históricos e
filosóficos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, nosso trabalho vai
de encontro a uma pesquisa que traz a história e a memória de uma mulher
38
paraibana que, atuando na imprensa sousense, deixou para aquele município,
um vasto legado cultural.
Encontramos em Julieta Gadelha, uma forma de manifestação contra
estereótipos sociais femininos que desde muito tempo, foram incrustados em
nós, mulheres. E nesse encontro com a educadora vamos traçando as imagens
memorizadas de situações vivenciadas em que esses estereótipos femininos
foram se expressando na vida de muitas mulheres, que em algum momento,
fizeram parte de nossa vida.
A título de exemplo, rememoramos as antigas alunas de um curso de
especialização quando ministrávamos um componente curricular que, por
algum motivo, teve os horários adequados para a sexta-feira à noite. Ora,
sexta-feira à noite, era um momento em que a mulher deveria estar em casa,
cuidando da família, do lar e do marido, sobretudo, a mulher que já tinha tido
acesso a educação de nível superior. Para que dar continuidade?
Na metade da aula, eis que o pátio da instituição escolar encontrava-se
com uma quantidade considerável de maridos à espera de suas esposas que já
deveriam estar em casa naquele horário. Diante desta situação, tivemos que
terminar a aula porque as estudantes ficavam inquietas ao ver seus maridos lá
fora.
Durante nossa trajetória acadêmica, tantos outros casos poderíamos
mencionar nesse sentido. Entretanto, o exemplo citado nos serve para situar
um lugar que ainda é direcionado a mulher: o espaço do lar. Contrariando esse
lugar que nos foi direcionado, acentuamos, cada vez mais, o que significa para
nós, o encontro com a escritora.
O encontro com Julieta Gadelha revelou, ainda, traços de nossa
personalidade feminina, forte, menos submissa e mais batalhadora que mesmo
tendo sido criada e direcionada ao casamento, desde criança, optávamos, com
muito esforço, pela vida acadêmica, pela realização profissional antes da
pessoal.
Procurando sempre alterar os mecanismos de dominação masculina que
vinha numa ordenação social, buscamos “maneiras de fazer” como uma
39
contrapartida. (CERTEAU, 1998, p. 41). Uma dessas maneiras encontramos na
docência.
Hoje, professora de educação em nível superior, percebemos ainda nas
alunas em formação inicial e no cotidiano social, como um todo, muitos sonhos
femininos direcionados.
Por esse e tantos outros motivos, o presente trabalho revela a memória
e o contexto social de uma época marcada ainda, pela submissão da mulher ao
homem. Mas revela, acima de tudo, mulheres que como Julieta Pordeus
Gadelha se tornam referência bibliográfica para contar a cultura de um povo,
para a história de um lugar.
Portanto, trazer a história e memória de sua prática educativa, as
contribuições culturais que trouxe ao município de Sousa, além de sua
representação enquanto mulher e contribuinte para a educação e história local,
se tornam aspectos relevantes para esta pesquisa.
As crônicas da escritora circulavam nas rádios de Sousa e foram tantas,
que deram embasamento para a junção num livro publicado em 1965,
intitulado, Crônicas para mamãe ler.
A escritora Julieta Pordeus Gadelha, também foi autora do Hino da
cidade, no ano de 1975. O hino que “hoje é cantando nas escolas e
solenidades locais e obrigatório na abertura das sessões da câmara de
vereadores” (ABRANTES, 2009). No ano seguinte, junto a Marcílio Mariz
Paiva, outro sousense, projeta a bandeira do município, ganhando
reconhecimento estadual, por isso.
Além disso, tem destaque na cultura sousense por ter reunido num livro,
as pesquisas realizadas em torno da construção do município de Sousa. Nele,
relata aspectos curiosos, pessoas ilustres que fizeram parte da fundação,
eventos sociais e cotidianos, além de (des) construções acerca da origem do
nome, que até hoje, causa certa dúvida entre os moradores. Intitulado Antes
que ninguém conte, de 1986, este livro relata a história do município de Sousa,
40
desde o surgimento das primeiras sesmarias, das primeiras glebas de
terra; desde o surgimento do primeiro automóvel na cidade nos
primórdios do século passado quando nem estradas haviam, por aqui
rodavam carros Ford e motocicletas Harley-Davidson. Julieta retratou
em seu livro a invenção do cinema mudo e seu surgimento na cidade
por volta de 1918 com seu Chico Casimiro como exibidor debaixo de
um certo Tamarindo... Julieta também falou do Cangaço, da Nau
Catarineta, dos Autos de Natal, da cultura de Sousa em "Antes Que
Ninguém Conte", livro que ela lançou a um tempo atrás, mas que se
transformou num marco de registro da nossa história, como ponto de
referência da memória sousense. (ABRANTES, 2009)
Sobre o trabalho de memória da História de Sousa, no prefácio do livro
em questão, Julieta Gadelha menciona: “O afã dos antepassados para fixar os
rumos dos seus destinos, não foi um trabalho simples ou apenas um
acontecido como se o próprio destino se encarregasse de o fazer...”
(GADELHA, 1986, p. 5)
Por isso tendo Sousa como uma cidade que uma cidade histórica, desde
quando ouvíamos e estudávamos as narrativas em torno de sua fundação, os
inúmeros patrimônios históricos, as praças e igrejas seculares, e tendo uma
educação recatada num colégio tradicional e histórico de freiras, nos fizeram
ter um intenso interesse pela escritora Julieta Pordeus Gadelha.
Somando-se a todos os lugares que marcou presença, seja na
imprensa, através de crônicas enviadas às rádios, seja nas publicações dos
jornais de circulação da época, seja na memória de Sousa através das obras
que publicou, também mergulharemos num outro espaço que ocupou: o de
contribuir com os símbolos do município de Sousa, através da construção da
bandeira e do hino.
A pesquisa sobre a prática educativa de Julieta Gadelha possibilitou uma
compreensão de aspectos sociais, políticos, econômicos estruturantes próprios
da época, uma vez que, mergulhamos no contexto sousense, através de suas
obras. Nesse sentido, pudemos compreender as obras, na perspectiva de se
fazer história:
41
Para se fazer história, ou para ler o mundo como um dispositivo historiador, parte, antes de mais nada, de uma disposição radical para ler, ver, ouvir e contar... o outro. Imersos em um presente que faz indagações, impõe questões, sugere temáticas, os pesquisadores atentos formulam problemáticas para a história: o que se fazia, por que se fazia, quem fazia, como se fazia alguma coisa em determinada época e em uma sociedade específica? (LOPES E GALVÃO, 2001, p. 16)
Contar sobre o outro do passado, mergulhadas num presente cheio de
indagações foi um aspecto importante para a análise da prática educativa de
Julieta Gadelha. Através da análise de suas obras, das histórias contadas nas
crônicas, pudemos perceber que “muito do que se foi permanece” (LOPES E
GALVÃO, 2001, p. 16).
Ao refletirmos sobre as inúmeras atuações de Julieta Gadelha e as
contribuições para vários ambientes educacionais, constatamos que seus
escritos foram voltados para sua terra natal.
A história de Sousa, nos escritos da autora em questão, não se
configura apenas em exaltar o município, atribuindo-lhe as mais variadas
características, mas trata-se de revelar um passado que, na maioria das vezes,
justifica o presente, através das ações de conhecidos ou anônimos homens do
povo que contribuíram para construção, para a mudança, para o crescimento
daquele município.
A morte sempre espreitava uma residência, durante os nove meses
de espera de uma gestante. Existiam métodos incríveis de tratamento
de certas doenças, indo até as baratas abertas vivas e colocadas
sobre uma ferida ou panarício. Com o correr dos tempos, os serviços
médicos da região continuavam precários, passando a ser praticados
por curiosos e charlatães que também enriquecidos pela flora
regional, usavam garrafadas feitas de sumo de plantas, sementes,
raízes e outras variações saídas da mata. (GADELHA, 1986, p. 86)
43
CAPÍTULO II
2. CAMINHOS METODOLÓGICOS
Este trabalho surge não só de um desejo antigo de escrever sobre
Julieta Pordeus Gadelha, mas também, da necessidade de trazer a história e a
memória da prática educativa desta escritora, pois, como postula Chartier,
(1991, p. 178), “toda reflexão metodológica enraíza-se, com efeito, numa
prática histórica particular, num espaço de trabalho específico”. Nesse sentido,
a sua biografia, bem como, a participação na sociedade letrada sousense e as
contribuições que deixou com os artefatos da cultura do município de Sousa,
tais como a bandeira e o hino, se constituem como itens dessa pesquisa.
Trazer a história e memória da prática educativa da escritora sousense
Julieta Pordeus Gadelha pressupõe um enfoque metodológico de pesquisa que
evidencie os traços de sua narrativa, onde se desenrolam as ações dos
personagens.
Mais que das intenções, eu gostaria de apresentar a paisagem de
uma pesquisa e, por esta composição de lugar, indicar os pontos de
referência entre os quais se desenrola uma ação. O caminhar de uma
análise inscreve seus passos, regulares ou ziguezagueantes, em
cima de um terreno habitado há muito tempo. (CERTEAU, 1998, p.
35)
Aliando o desejo de escrever sobre Julieta Pordeus Gadelha à
rigorosidade científica exigida pela academia, fomos percebendo que era
possível realizar uma pesquisa que atendesse “a cientificidade exigida pela
academia, mas que deixa transparecer aos olhos do leitor sua visão subjetiva e
apaixonada.” (DUARTE, 2003, p. 21).
Para este trabalho, escolhemos o enfoque metodológico da História
Cultural, que a partir da década de 1970, amplia os horizontes da pesquisa
historiográfica ao incluir novos objetos de estudo, novas fontes de pesquisa e
maneiras de analisar essas fontes. Para Burke, (2008, p. 44) “O interesse por
44
cultura, historia cultural e “estudos culturais” ficou cada vez mais visível nas
décadas de 1980 e 1990” com efeitos e significados distintos nas disciplinas”.
Esse novo paradigma de pesquisa abriu possibilidades para o uso de
conceitos como práticas, representações e cultura que foram utilizados nessa
pesquisa para dar suporte à prática educativa de Julieta Pordeus Gadelha.
Desse modo, nos apropriamos do conceito de cultura, a partir de Peter Burke,
quando afirma que este termo, passou a ser usado no plural e em sentido cada
vez mais amplo (BURKE, 2008). Ainda segundo este autor:
[...] hoje, mais do que nas décadas passadas, os historiadores tendem a usar expressões como “cultura da imprensa”, “cultura de corte”, ou “cultura do absolutismo”. Os exemplos seguintes, tirados de títulos de livros publicados na década de 1990, devem bastar para revelar a tendência: “a cultura do mérito”, “a cultura da empresa”, “a cultura do jogo”, “a cultura do seguro de vida”, “a cultura do amor”, “a cultura do puritanismo”, “a cultura do absolutismo”, “a cultura do protesto”, “a cultura do segredo” e a “cultura da polidez”. [...] Estamos a caminho da história cultural de tudo: sonhos, comida, emoções, viagem, memória, gesto, humor, exames e assim por diante. (2008, p. 46)
Nessa perspectiva, cultura tem um conceito antropológico e
costumava se referir às artes e às ciências. Depois, foi empregado para descrever seus equivalentes populares – música folclórica, medicina popular e assim por diante. Na última geração, a palavra passou a se referir a uma ampla gama de artefatos (imagens, ferramentas, casas e assim por diante) e práticas (conversar, ler, jogar). (BURKE, 1991, p. 43).
Ainda segundo este autor, (1991, p. 65), a História Cultural sofreu forte
influência do Feminismo, uma luta pela independência do controle masculino
que estava “preocupada tanto em desmascarar os preconceitos masculinos
como em enfatizar a contribuição feminina para a cultura, praticamente invisível
na grande narrativa tradicional”. Segundo Scott (1989, p. 19), “[...] a história do
pensamento feminista é uma história de recusa da construção hierárquica da
relação entre masculino e feminino”.
Para o presente trabalho o termo cultura significou uma forma de
estabelecer a ponte entre o universo simbólico, as representações e as práticas
da escritora Julieta Pordeus Gadelha com o contexto histórico da cidade de
45
Sousa - Paraíba. Portanto, a forma como a sociedade sousense tece a teia
cultural e compõe o contexto social de todos os espaços ocupados pela
escritora, são elencados nos capítulos dessa pesquisa.
Em consonância ao nosso objeto de estudo, através das obras de Julieta
Gadelha, tivemos a possibilidade de conhecimento sobre contextos históricos
de outras épocas, discursos ideológicos dos governos, opiniões de autores
sobre acontecimentos do município, fatos marcantes na história de Sousa - PB,
pois é “a análise das práticas que, diversamente, se apreendem dos bens
simbólicos” para produzir assim “usos e significações diferenciadas”.
(CHARTIER, 1991, p. 178).
Nesse sentido, nos apropriamos dos universos simbólicos, dos valores
culturais e identitários da sociedade sousense em tempos remotos,
estabelecendo uma relação entre presente e passado, pois, como assinala
Morais (2003, p. 27) “construir essa relação do presente com o passado é
tarefa do historiador; mais precisamente da historiografia. Como se dá essa
relação? Como escrever essa história? [...]”.
Com certa freqüência, aparecem no texto, outros conceitos advindos da
História Cultural, como práticas e representações. Para explicar o termo
representação, Chartier recorre às definições de Furetière (1727),
apresentando dois sentidos:
[...] as acepções correspondentes à palavra “representação” atestam duas famílias de sentido aparentemente contraditórias: por um lado, a representação faz ver uma ausência, o que supõe uma distinção clara entre o que representa e o que é representado; de outro, é a apresentção de uma presença, a apresentação pública de uma coisa ou pessoa. Na primeira acepção, a representação é o instrumento de um conhecimento mediato que faz ver o objeto ausente substituindo-lhe uma “imagem” capaz de repô-lo em memória e de “pintá-lo” tal como é. Dessas imagens, algumas são totalmente materiais substituindo ao corpo ausente um objeto que lhe seja semelhante ou não: tais os manequins de cera, de madeira ou couro que eram postos sobre um sepulcral monárquica durante os funerais franceses e ingleses. (CHARTIER, 1991, p. 184)
46
O conceito de representação, nesse sentido, se trata de uma série de
significados atribuídos e atrelados a um sujeito ou instituição. Apresenta uma
realidade que, muitas vezes, está ausente ou distante, mas que é rememorada.
Ao escrever os livros sobre a história do município de Sousa - Paraíba,
além de inúmeras crônicas sobre o cotidiano daquele lugar, Julieta Pordeus
Gadelha traz uma representação do passado sousense, que não é, em
nenhum momento, neutra, pois toda representação parte de um ponto de vista
do autor, cheio de crenças, valores culturais, significados, contexto social e
econômico.
Todas as contribuições culturais que deixou para o município de Sousa
se configuram em práticas educativas à medida que informa, instrui e alimenta
os leitores com fontes que representam a constituição de um lugar. São
práticas “que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma
maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um estatuto e
uma posição”. (CHARTIER, 1991, p. 183). Assim conhecemos a Julieta
Pordeus Gadelha, representada em suas práticas.
Ao nos debruçarmos sobre o legado cultural deixado pela escritora
percebemos uma heterogeneidade de significados, composto por crenças,
valores, conceitos, preconceitos, visão crítica, posicionamento e aspectos
sociais que fazem parte de um jogo de representações elencados nos seus
modos de ser e fazer educação.
Como uma pessoa que fazia parte de uma determinada classe social - a
dominante, de uma determinada raça - a branca e um determinado gênero - o
feminino, além das implicações sociais, Julieta Gadelha parte de pontos de
vista e considerações que eram decorrentes das características acima
elencadas, permitindo que ela pensasse de uma maneira e não de outra.
Nesse sentido o conteúdo de sua escrita está carregado de significados
e representações que advém de suas práticas, da cultura em que esteve
inserida. Sobre as práticas culturais, Chartier (1990, p. 135), nos afirma que:
“[...] a história das práticas culturais deve considerar necessariamente essas
47
intricações e reconstituir trajectórias complexas, da palavra proferida ao texto
inscrito, da escrita lida aos gestos feitos, do livro impresso à palavra leitora”.
Sobre o termo práticas, Burke (2008, p. 78) afirma que “é um dos
paradigmas da Nova Historia Cultural”, relacionado a uma infinidade de
estudos e interesses como a maneira de sentar-se a mesa, as práticas do
consumo, as práticas de obediência, de escrita, da linguagem, da coleção.
O que fica evidenciado no conceito de práticas é que foi utilizado numa
perspectiva de pesquisa mais específica, menos generalizada e também,
menos clássica, ou seja, “a história das práticas religiosas e não da teologia, a
história da fala e não da lingüística, a história do experimento e não da teoria
científica”. (BURKE, 2008, p. 78)
Nesse sentido, trazer a história e memória da prática educativa de
Julieta Pordeus Gadelha não diz respeito somente à prática pedagógica trata-
se, pois, de adentrar nos contextos de outros espaços sociais de que fez parte,
como os jornais, as revistas, as rádios, os livros publicados, a construção da
bandeira e a composição do hino do município de Sousa. Por isso, a prática
educativa é vista como “um fenômeno social, uma atividade humana
necessária à existência e funcionamento de todas as sociedades”, segundo
Libâneo, (1994, p. 16).
Assim, fundamentada na perspectiva da Nova Historia Cultural, nos
propomos trazer a história e a memória de Julieta Pordeus Gadelha,
principalmente, através de suas obras, pois, nos conteúdos das mesmas,
percebemos as memórias sousenses narradas que dão suporte a estudos
sobre a história local do município, nas salas de aulas e a pesquisadores em
geral, tornando-se, dessa forma, uma prática educativa.
As maneiras de se fazer educação estão imbricadas nos gestos, nos
costumes, nos papeis sociais, nos códigos culturais, de tal forma que
constatamos que nada escapa a educação.
É só olhar em volta... se ninguém, nem nada, escapa à educação, então há uma dimensão educativa instalada na sociedade. A escola é instituição que educa e instrui, mas cada sociedade cria, e cada uma a seu tempo, maneiras de educar homens e mulheres, crianças, jovens e adultos. (LOPES, 1994, p. 21)
48
Durante o percurso de construção deste trabalho, inúmeras foram as
inquietações que apareceram, à medida que rastreávamos as fontes e
conhecíamos mais sobre nosso objeto de estudo. As perguntas de pesquisa
surgiram quando estabelecemos uma relação mais aprofundada com o objeto
de estudo. Para Lopes, (1994, p. 21):
A inserção do historiador e sua relação com o objeto tornam inevitáveis certas perguntas. Perguntas, para ele, certas. Interrogar o objeto para que ele revele, na sua fragmentação, sua inteireza ou sua totalidade possível.
Nesse sentido, algumas indagações foram necessárias, fruto de
curiosidades e vontade de conhecer mais sobre a autora principalmente porque
se trata de um trabalho inédito, pois, nunca antes deste, houve algum que
tenha falado ou discorrido sobre Julieta Gadelha com maior profundidade e
caráter científico. Entre tantas perguntas de pesquisa, selecionamos: Qual a
trajetória histórica percorrida pela escritora Julieta Pordeus Gadelha? De que
forma Julieta Pordeus Gadelha contribui para o município de Sousa? Que
aspectos de sua biografia foram estruturantes para a composição do legado
cultural que deixou? O que representam os conteúdos das obras publicadas?
Foram indagações como essas que nos moveram a seguir com a
presente pesquisa, que, por diversas vezes, foi origem de um medo incontido
que intrigava sempre que íamos desvelando nosso objeto de estudo, pois uma
questão nos problematizava: qual a memória e história da prática educativa de
Pordeus Gadelha? Parafraseando Lopes, quando nos momentos de angústia,
indagávamos: “Conseguirei ao menos compor um corpus que dê possibilidades
de respostas ao meu problema?” (1994, p. 20).
Para análise destas práticas fizemos o uso de diversas fontes que se
tornaram indispensáveis para adentrar nos caminhos percorridos pela escritora.
Esse percurso foi possibilitado através de idas a bibliotecas, arquivos públicos
dos municípios de João Pessoa e Sousa, sebos culturais, casas de familiares e
pessoas de convivência da educadora.
Na busca das fontes, sobretudo no trabalho de diálogo com elas, o
processo de escansão nos deixava angustiadas. Ter as fontes, porém,
49
estabelecer uma relação entre essas e o objeto de estudo, de modo que desse
significado ao texto, era um desafio que nos intrigava constantemente.
Ir às fontes; vasculhar os arquivos. Começa aquilo que é sonho e que é pesadelo. Fantasias e medos, volúpias acadêmicas que se repetem cotidianamente: “aquele” livro de atas, um livro de ocorrências, registro de faltas e punições, diários íntimos, fotografias, quero tudo... não terei nada. (LOPES, 1994, p. 20)
A partir de então, iniciamos o trabalho de busca, seleção e divisão das
fontes, de modo que pudéssemos estabelecer as categorias de análises.
As primeiras fontes que tivemos contato e as mais importantes para a
caracterização do objeto foram obras de sua autoria. Os livros Antes que
ninguém conte e Crônicas para mamãe ler nos deram as iniciais noções de
representação sobre Julieta Pordeus Gadelha. Parafraseando Morais, (2003, p.
24), foi “examinando seus livros - o que ela transparecer e o que pude perceber
-, ela foi tomando corpo.”
Através dos seus textos, pudemos conhecer como pensava, o que
discutia, quais as reminiscências da época em que escreveu sobre o município
de Sousa, pois, “face a um texto, é historicamente produzido um sentido e
diferenciadamente construída uma significação”. (CHARTIER, 1990, p. 121)
No livro, Antes que ninguém conte, percebemos o gênero historiográfico
ao narrar sobre fatos do município de Sousa: os primeiros habitantes, os
monumentos históricos, as pessoas ilustres, a vida política, social e econômica
de um local intensamente conhecido na Paraíba, como a “Cidade Sorriso”
expressão que remete à cidade numa época de prosperidade com as usinas de
algodão como grande contribuição para a economia local.
Na obra Crônicas para mamãe ler, de cunho memorialístico, além de
narrar histórias e aspectos curiosos ocorridos em Sousa e na Paraíba, Julieta
Pordeus Gadelha conta memórias pessoais sobre sua vida, desde a estudantil
até as opiniões sobre os novos modelos de comportamentos da juventude e
roupas femininas. Entre tantas histórias pessoais narradas no livro, como a ida
a cidade de Cajazeiras, em virtude dos 100 (cem) anos de emancipação
50
política; o fato de ter um grilo em seu quarto, dando a denominação de
seresteiro ao inseto; selecionamos a crônica Minha Segunda Morte (À Sônia
Gadelha) em que relata a dor que sofreu com a morte de sua tia.
Na crônica Minha Segunda Morte (À Sônia Gadelha) – Julieta faz várias
menções à vida pessoal, na infância, na casa dos pais. Uma delas se refere ao
que considera de segunda morte, crônica dedicada a sua tia, em ocasião de
seu falecimento. A autora lamenta a dor da morte e escreve sobre o quanto é
triste perder alguém que ama situação que denomina de segunda morte:
Um poeta falou que tôda criatura humana morre duas vêzes. A segunda morte acontece antes da primeira: morre uma metade da gente. Perde-se alguém ou alguma cousa muito amada. Sente-se que o coração foi dividido em duas partes e arrancado do peito uma delas; sente-se que a alma foi espezinhada e bipartida por uma dor incomparável.
Eu já morri a minha segunda morte, a minha segunda vez. Arrancara-me bruscamente a metade do meu coração, deixando-me o peito aberto, sangrando e copiosamente as lágrimas escarlates da tristeza. (GADELHA, 1965, p. 50)
Na condição de leitora, estivemos mergulhadas nas narrativas, nos
surpreendendo com algumas delas ou nos encontrando em outras que já eram
do nosso conhecimento. À medida que as leituras avançavam, iam se
transformando em práticas significativas, dando margem à criação de sentidos
e significados, pois, como assinala Chartier (1990, p. 123).
[...] a leitura é prática criadora, actividade produtora de sentidos singulares, de significações de modo nenhum redutíveis às intenções dos autores de textos ou dos fazedores de livros: ela é uma caça furtiva, no dizer de Michel de Certeau. Por outro lado, o leitor é sempre, pensado pelo autor, pelo comentador e pelo editor como devendo ficar sujeito a um sentido único, a uma compreensão correcta, a uma leitura autorizada.
Sendo prática criadora ou pensada pelo autor, as obras da escritora,
foram as principais fontes de análise dessa pesquisa. De acordo com elas,
procuramos compreender os contextos sociais em que esteve inserida, seu
cotidiano, o cotidiano sousense, a classe social, os aspectos culturais e de
gênero presentes em Julieta Pordeus Gadelha.
51
A título de exemplo, na crônica Absolvo Pedro o poeta, de 1965 em que
escreve sobre a condenação do ex governador da Paraíba, Pedro Gondim, sua
posição política na década de 1960, simboliza para nós uma prática educativa
porque revela a opinião de uma mulher escritora frente à condenação do poeta.
A autora utiliza-se de uma analogia para expressar sua opinião política a
respeito da condenação do então governador do Estado da Paraíba que teve,
“em 7 de fevereiro de 1967, o mandato cassado e os direitos políticos
suspensos por dez anos pelo presidente Costa e Silva” (ZENAIDE, 2002, p.
10):
Pedro, o Governador, é o mesmo poeta Pedro que não nos dá tanto para vivermos materialmente, porque quer nos oferecer tanto ou mais do que queremos e para que possamos viver espiritualmente. Ninguém vive, ninguém pode viver sem um adorno de poesia porque a vida já é bastante amarga para que a suportemos sem um realce, seja de lirismo, seja de realidade que deleita, pois é menos triste a realidade contada num poema do que acontecida e narrada na sua mais veemente expressão da verdade sofrida. [...] E se em mim o emocional supera tudo, eu absolvo Pedro, o poeta, diante do tribunal apaixonado que condena Pedro, o Governador!...(GADELHA, 1965, p. 41- grifos da autora).
Acreditamos que, pelo fato de sua família também estar ligada a política,
pois seu pai foi prefeito do município de Sousa por dois mandatos, a crônica foi
fruto de uma relação política e de amizade entre Julieta Pordeus Gadelha, sua
família e o então governador da época, Pedro Gondim.
Esta relação fez com que a família de Julieta Pordeus fosse convidada
pelo governador para um evento contra o câncer, que aconteceu na capital do
estado da Paraíba, João Pessoa. O convite endereçado à família de Julieta
mostra que além da presença no evento, as atrações seriam a própria Julieta
Gadelha e irmãos, através do grupo musical, Conjunto Regional de Sousa, do
qual fazia parte, conforme podemos perceber nas imagens abaixo:
52
Imagem III: Convite da Rede de Combate ao câncer endereçado à família de Julieta
Pordeus Gadelha para comparecimento a um coquetel.
Fonte: acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
53
A luta de combate ao câncer na Paraíba, principalmente na capital João
Pessoa, já existia desde quando o médico Napoleão Laureano, na década de
1950, vinha empreendendo forças para a construção de um hospital público
que atendesse às pessoas acometidas por essa doença. O próprio médico
Napoleão Laureano tinha câncer e em estágio terminal de vida, com as forças
debilitadas durante o ano de 1951, ainda fazia apelo para a construção do
hospital.
Em conseqüência dos esforços despendidos, desde que aqui chegou, o doutor Laureano não tem mais forças. Ontem passou a noite em claro, chamando a cada minuto pela esposa, que não o abandonava. Amanheceu melhor e voltou a ser o homem estóico. Declarou: O povo compreendeu o alcance do movimento que encabecei. Agradeço mais uma vez a colaboração de todos, em meu nome e de todos os cancerosos do Brasil. (JORNAL A UNIÃO, 1951 apud JORNAL O BE A BA DO SERTÃO, 2012).
No dia 24 de fevereiro de 1962 é inaugurado o Hospital Napoleão
Laureano no município de João Pessoa, depois de várias empreitadas de
empresários, políticos e militantes na busca pela arrecadação de verbas. No
ato solene de abertura comparece o então governador da época, Pedro
Gondim.
Na imagem do convite não é possível localizar a data do coquetel,
porém, se estava no governo de Pedro Gondim, acreditamos que tenha
ocorrido na década de 1960.
Em 03 de junho de 1965, outro convite é endereçado ao pai de Julieta
Pordeus Gadelha, seu Tozinho, vindo do diretor do Colégio Estadual de
Campina Grande informando que “por ordem do governador Pedro Gondim”,
um carro será enviado a Sousa a fim de conduzir as meninas até João Pessoa.
Ainda segundo o convite, um recital acontecerá no dia seguinte, as 16
(dezesseis) horas.
As palavras elencadas no convite deixam margem para acharmos que o
recital seria feito por Julieta Pordeus Gadelha e sua irmã, Criseuda Gadelha.
Em conversa com familiares, fomos informadas de que as irmãs se
apresentavam em eventos sociais, chegando a fazer parte de uma banda de
música no município de Sousa. Além disso, mais uma vez, fica evidenciado o
54
estreito laço que sua família tinha com o governador do estado da Paraíba,
Pedro Gondim.
Imagem IV: convite endereçado à família de Julieta Pordeus Gadelha
Fonte: acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
Após as análises das duas imagens, passamos a compreender melhor a
crônica Absolvo Pedro o poeta, publicada em 1965, ocasião em que a escritora
se coloca diante da condenação do governador. Além disso, na campanha para
governador do estado da Paraíba, em 1960, Pedro Gondim teve como vice o
sousense André Avelino de Paiva Gadelha, conhecido por Zabilo Gadelha, o
que estreita os laços entre a família de Julieta Gadelha e Pedro Gondim. Sobre
este aspecto político, Zenaide (2002, p. 29), informa que:
55
Para vice-governador, foi escolhido o industrial André Avelino de Paiva Gadelha, popularmente conhecido por Zabilo Gadelha, lá de Sousa. Zabilo Gadelha era o rei do algodão no sertão. Ele e o irmão, José de Paiva Gadelha. Pedro Gondim não tinha dinheiro. Mas Zabilo Gadelha tinha. E dinheiro limpo, dinheiro bom, de algodão. Não era dinheiro de obras públicas federais. Também isso deu certo.
Imagem V: recepção a Pedro Gondim no município de Sousa - PB feita pelo
empresário José de Paiva Gadelha. Felinto da Costa Gadelha, pai de Julieta Pordeus Gadelha
é o último, da esquerda para direita. Não sabemos a data em que ocorreu a recepção.
Fonte: rede social.
Existe uma representação na escrita de Julieta Gadelha. Representação
de uma classe social a que pertenceu, representação de uma religião a que fez
parte, representações que nos dão as percepções da sociedade sousense nas
obras analisadas não sendo, de forma alguma, discursos neutros.
Analisamos os conteúdos das obras publicadas pela escritora no sentido
de visualizar as representações sociais que estavam presentes ou a ordem
56
estabelecida e transmitida pela autora, através do discurso emitido, pois, como
postula Chartier (1994, p. 8) “as obras, os discursos, só existem quando se
tornam realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro” [...].
O conhecimento da cultura sousense está presente nas obras de Julieta
Gadelha, além dessas obras expressarem como vivia e pensava a autora, suas
relações sociais e as posições pessoais sobre os conteúdos de suas
publicações. “[...] Traço, segundo minha percepção, todo um percurso dos
vestígios da existência dessa escritora sinalizada nos arquivos, nos livros que
ela publicou e nos livros que ficaram por publicar.” (MORAIS, 2003, p. 24)
A nossa expectativa, enquanto leitora das obras de Julieta Gadelha, deu
significados plurais, móveis:
As obras - mesmo as maiores, ou, sobretudo, as maiores – não têm sentido estático, universal, fixo. Elas estão investidas de significados plurais e móveis, que se constroem no encontro de uma proposição com uma recepção. Os sentidos atribuídos às suas formas e aos seus motivos dependem das competências ou das expectativas dos diferentes públicos que delas se apropriam. (CHARTIER, 1994, p. 9)
No entanto, para o processo de amadurecimento do objeto de estudo,
realizamos visitas à casa de Julieta Pordeus Gadelha, no ano de 2014, que
estava com 86 (oitenta e seis) anos de idade. Fomos recebidas por sua irmã
mais nova Zélia Gadelha Virgínio e por sua cuidadora, Maria Alves Pinto,
carinhosamente conhecida como Maria de Lelê, que nos acolheram com muita
gentileza cedendo informações relevantes sobre sua vida pessoal e
profissional, através de conversas informais.
Elaboramos um roteiro de dúvidas e questionamentos para saber um
pouco mais a respeito do nosso objeto de estudo, porém, à medida que o
diálogo foi estabelecido, questões que não estavam no roteiro, iam sendo
contempladas.
Durante as visitas tivemos acesso ao acervo pessoal da escritora,
ocasião em que pudemos recolher outras fontes como fotos, documentos
pessoais, licença para habilitação de direção de veículo, carteiras para
entradas em clubes de futebol, rascunhos de textos publicados, livros que
57
estavam prontos para publicação e nunca foram lançados, homenagens
prestadas por órgãos públicos, convites para se fazer presente em eventos de
cunho literário, entre outras fontes da vida de Julieta Pordeus Gadelha.
Ao conversar com sua irmã, Zélia Gadelha Virgínio, nos sentimos
privilegiadas, pois a mesma relatou que várias vezes, outras pessoas quiseram
escrever sobre Julieta, porém, não tiveram êxito. Além de sua irmã, a
cuidadora Maria de Lelê, nos prestou informações muito valiosas quanto à vida
de Julieta Gadelha, através de fotos e publicações.
As visitas foram fundamentais para a construção do objeto de estudo
desse trabalho, pois, a partir das informações colhidas, estabelecemos o
recorte temporal da pesquisa que inicia na década de 1950 até a de 2000.
A justificativa para a delimitação desse recorte temporal se fez em
virtude de que foi a partir da década de 1950, que Julieta Pordeus Gadelha
entrou para a imprensa sousense. No ano de 2000, entretanto, temos como
uma das últimas atuações de Julieta Gadelha na cultura sousense através da
fundação do Centro Cultural e Memorial Tozinho Gadelha, um museu em
homenagem ao seu pai em que apresenta a história de Sousa, através de fotos
e objetos.
Sua publicação inicial acontece na primeira fase de circulação da
Revista Letras do Sertão, entre novembro de 1951 a julho de 1961 com a
crônica intitulada Igual Desdita, na edição de número 6, em março de 1953.
A Revista Letras do Sertão era um meio de comunicação dos sertanejos
que a idealizaram, um grupo de intelectuais sousenses, pertencentes às
famílias tradicionais e elitistas do município. Os conteúdos veiculados foram os
mais variados, desde a política, passando por assuntos do cotidiano, a
historiografia do município até aspectos da vida pessoal dos autores.
Na referida revista, Julieta Pordeus Gadelha publicava crônicas, que às
vezes eram lidas nas rádios, sobre assuntos diversos. Ao escrever, a autora
rememora aspectos contextuais de épocas remotas, aspectos que repercutem
e dão sentido a Sousa na contemporaneidade, como a política, por exemplo.
58
Por ser um órgão de divulgação dos acontecimentos sousenses, a
Revista Letras do Sertão, também foi adotada, neste trabalho, como fonte de
pesquisa. De acordo com seus organizadores, a revista foi denominada “órgão
de divulgação literária”, (MATOS, 2004, p. 12), mas na prática, ultrapassou a
pretensão de literatura e abarcou aspectos sociais do cotidiano sousense.
Imagem VI: Primeira edição da Revista Letras do Sertão, novembro de 1951.
Fonte: arquivo pessoal de Eilzo Matos.
59
No período de sua publicação, década de 1950, a Paraíba passava por
um momento de grande efervescência cultural e política, marcado “pela
pulverização de contestações sociais e políticas, advindas de diversos setores,
estudantes, trabalhadores urbanos, partidos de esquerda, camponeses”.
(ARAÚJO, 2002, p. 21).
Como participante da imprensa e aludindo ao contexto histórico e
político de Sousa, na época, Julieta Pordeus Gadelha (1986, p. 58), assim
escreve: “Ainda havia a ausência do respeito pela pessoa humana, os seus
direitos eram desacatados para se satisfazerem às exigências individuais,
vivendo a classe média e dos pobres à mercê das discriminações dos “chefes”.
A partir das análises extraídas do recorte temporal, pudemos perceber
as tramas políticas montadas na Paraíba durante estes conturbados anos, e
quais as falas e posturas assumidas por Julieta Gadelha dentro do contexto
social, político e cultural sousense visibilizadas através das publicações.
Muitas de suas falas e posturas foram expressas nas páginas dos livros,
às vezes como resposta ou desabafo diante de uma situação narrada
configurando a representação de uma classe social ou religião a qual pertencia,
aludindo ao simbolismo, expresso através de um código cultural.
Tais demandas não podem necessariamente serem explicadas pela razão, ou pela lógica dos fatores político-sociais, mas ao contrário, se enquadram no universo das paixões e das sensibilidades, no universo do simbólico, do mítico. (ARAÚJO, 2009, p. 10)
Salientamos, entretanto, que a delimitação desse recorte temporal, não
significa que aspectos de outras épocas não sejam mencionados. Muitas
vezes, para a compreensão do assunto, foi preciso que aspectos que
antecederam os fatos fossem citados, sobretudo, porque no livro Antes que
ninguém conte, fala sobre o município de Sousa, desde quando era habitado
pelos dinossauros, há milhões de anos.
Realizamos ainda, pesquisas na instituição de ensino Colégio Nossa
Senhora Auxiliadora - CNSA, local em que estudamos e tivemos as primeiras
leituras sobre as obras de Julieta Pordeus Gadelha.
60
A justificativa para as pesquisas na referida instituição se deu em virtude
de que o CNSA, foi, no passado, a Escola Normal São José, educandário
religioso em que estudou Julieta Gadelha. A Escola Normal São José
funcionou a partir de 1939 e representava a educação da juventude elitista
sousense. Essa escola teve como fundador e diretor, o professor Virgílio Pinto
de Aragão, o professor Senhorzinho, tio de Julieta Gadelha.
No Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, tivemos acesso a outras fontes,
tais como fotos e homenagens prestadas ao professor Senhorzinho, pela
contribuição à educação do município de Sousa.
Nas pesquisas realizadas nesta instituição, revisitamos o Memorial dos
50 anos do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, fundado em 2005, em ocasião
da comemoração do Jubileu de Ouro. Fomos gentilmente recebidas pela
secretária da instituição, Wandirleuza Pinheiro Sarmento, que nos permitiu
acesso ao Memorial.
Ainda tivemos uma conversa com a irmã Aurélia Maria Gonçalves Grecy,
que atuou como diretora daquele educandário. Madre Aurélia, como é
conhecida, também foi nossa diretora, durante os anos em que estudamos
naquela instituição de ensino, de 1990 a 2000.
Durante a conversa, madre Aurélia nos cedeu aspectos relevantes sobre
a fundação do Colégio e o processo de transição entre Escola Normal São
José e Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, enfatizando a intensa participação
do professor Virgílio Pinto para a abertura da Escola Normal. Esses aspectos
foram relevantes para as partes constituintes da pesquisa.
À medida que realizávamos nossas pesquisas, buscando fontes e
ouvindo pessoas, vários nomes foram citados. Em todos os locais,
especificamente, foi citado o nome de Evilásio Marques Pinto, seu Vila, filho do
professor Virgílio Pinto de Aragão. Era sempre citado como uma pessoa que
além de guardar o acervo desse professor que muito contribuiu para a
educação sousense.
Dessa forma, na terceira viagem que fizemos ao município de Sousa,
visitamos seu Vila que, educadamente, nos recebeu em sua residência. Seu
61
Vila nos apresentou diversos aspectos importantes sobre o professor Virgílio
Pinto de Aragão, nos cedeu fotos, emprestou livros e nos presenteou com
outras fontes, como um folheto publicado em homenagem aos 110 anos da
morte do professor Senhorzinho.
Naquela ocasião, tivemos acesso à pesquisa intitulada Roteiro de uma
cidade perdida em sua história: Sousa, de autoria de sua filha Lucíola Marques
Pinto, já falecida. O trabalho dessa escritora esboça traços da educação de
Sousa, através da fundação da Escola Normal São José, sob a
responsabilidade do professor Virgílio Pinto de Aragão. Outro livro de sua
autoria, também a nós oferecido, foi Professor Virgílio Pinto de Aragão, uma
homenagem que fez ao seu avô, em que relata as experiências docentes, a
intensa participação em eventos culturais sousenses, além das homenagens
póstumas.
No acervo de seu Vila, também tivemos acesso a fotos da Escola
Normal São José e histórias curiosas daquele educandário.
É necessário destacar o quanto estes documentos foram importantes
para a compreensão de aspectos que contam a história de Sousa,
especificamente, da educação, através da memória do professor Virgílio Pinto
de Aragão.
Em seguida, realizamos a pesquisa documental na Décima Regional de
Ensino do Estado da Paraíba, no município de Sousa, através da análise de
informações extraídas de arquivos, como diários de classe, pareceres e outros
documentos encontrados. Encontramos, nesta pesquisa, diários de classe de
professores da Escola Normal São José e do Colégio 10 de julho, instituições
de ensino que estavam sob a direção do professor Virgílio Pinto.
Na Décima Regional de Ensino da cidade de Sousa fomos muito bem
recebidas pela gestora, Maria do Socorro Antunes Pereira Ferreira, pela
secretária Gilmara Alves Formiga e por Rochael, secretário que nos ajudou
com os arquivos do almoxarifado, já amarelados pelo tempo. Foi muito
importante ver os diários de épocas tão remotas que deviam ter grande
significado na mesa dos educadores que os manejavam!
62
O encontro com as fontes e arquivos selecionados nos proporcionou
maior aproximação com o objeto estudado, o problema agora seria o que fazer
com cada um (a) delas (es).
A partir do momento em que um objeto passa a ser estudado, que se vai a campo, que se colhe o material em fontes previamente detectadas e selecionadas, mas ainda assim de natureza e qualidade desiguais, coloca-se uma questão: o que fazer de tudo isso? Como entender esse material? Como fazer dele um todo coerente que possa informar-nos, depois, sobre esse todo? (LOPES, 1994, p. 20)
A partir de um contraponto entre o trabalho de pensamento e do trabalho
de categorização conseguimos extrair do diálogo com as fontes, nossas
categorias de análise.
Por todas as leituras e interpretações das fontes, os caminhos desta
pesquisa nos levaram as categorias de prática educativa, história local e
gênero.
A categoria prática educativa foi visualizada porque está relacionada ao
legado cultural deixado pela escritora Julieta Pordeus Gadelha, na condição de
que, à medida que oferece a Sousa o estudo sobre sua história local, contribui
com a educação daquele lugar. Trazer estas contribuições, através das suas
práticas, se constitui como parte deste trabalho. Não só a prática pedagógica,
mas todos os lugares em que fez educação seja nas publicações das crônicas
e dos livros sobre a história do município ou ao construir a bandeira e o hino.
Prática educativa, para nós, ultrapassa a prática pedagógica que é
estabelecida em sala de aula por agentes da educação. Ao escolher prática
educativa como categoria de análise, estamos considerando que as obras de
Julieta Gadelha, além do hino e da bandeira do município de Sousa
ultrapassam os muros escolares e se tornaram referência para a reconstrução
histórica daquele lugar, para as escolas e pesquisadores, de maneira geral.
As práticas são sempre regidas e direcionadas através das normas
estabelecidas. No caso do município de Sousa, os aspectos da cultura religiosa
católica, a efervescência política, com muitos dos habitantes representantes da
política local e nacional, além de festas tradicionais e monumentos seculares
63
foram condicionantes para o estabelecimento de normas e condutas que,
adquiridas pela escritora Julieta Pordeus Gadelha, formularam as bases de sua
escrita.
É importante salientar que as normas fazem parte da cultura da classe
dominante que, ao ser inculcadas, vão sendo naturalizadas como boas e
desejáveis. “A posição que emerge como dominante é, apesar de tudo,
declarada a única possível”. Na prática, é como se as “posições normativas
fossem o produto de um consenso social e não de um conflito” (SCOTT, 1989,
p. 21).
A prática educativa de Julieta Pordeus, através das obras e crônicas, do
hino e da bandeira do município de Sousa, além da fundação do Centro
Cultural e Memorial Tozinho Gadelha representam a própria autora e todas as
normas e comportamentos que lhe foram direcionados. Por isso, trazer a tona a
história e memória de Julieta Pordeus Gadelha implica em saber quem ela foi,
como cresceu, qual o estilo de vida lhe foi ensinado desde criança, as crenças,
os valores que adquiriu, as convivências pessoais que teve, os espaços
públicos que frequentou, as amizades, a classe social... tudo fez parte de uma
conjuntura de formação pessoal que repercute na profissional e na escrita.
Quando a escrita de Julieta Gadelha se torna referência para os
conteúdos de história local, seja em Estudos Sociais (como foi o nosso caso na
infância do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora), seja no componente curricular
de História em outras instituições, contribui para a educação do lugar, no
sentido de haver, inclusive, o sentimento de pertencimento. Nesse sentido,
para Pereira (2011, p. 3) “Ao trazer à tona acontecimentos, personagens e
lugares comuns ao estudante, possibilita sua aproximação com a disciplina
(História) e faz com que perceba a relação dialética entre passado e presente”.
A categoria história local se deu em virtude de Julieta Pordeus Gadelha
se configurar como uma historiadora local ao escrever sobre o município de
Sousa através das inúmeras publicações que tivemos acesso. Segundo Sousa
(2015), a história local é uma concepção não recente que rompe com a ideia de
que a história é, exclusivamente, global e teleológica. Ela se constitui como
uma das vertentes da Nova História:
64
[...] filiadas à “Nouvelle Histoire”, nas suas vertentes do cotidiano, do imaginário e das mentalidades coletivas, e a História Social Inglesa, ao recuperar a experiência social de outros sujeitos históricos até então relegados pela historiografia tradicional, elegeram como objeto de estudo não mais os grandes temas, mas, sobretudo, os micro-temas, tendo como referência a História Local. (CORREA, 2002, p. 11)
A história local parte de uma vivência em sociedade que é contada
através da relação com o passado. Segundo Samuel (1989, p. 220) a história
local “dá ao pesquisador uma ideia muito mais imediata do passado. Ele a
encontra dobrando a esquina e descendo a rua. Ele pode ouvir seus ecos no
mercado, ler o seu grafite nas paredes, seguir suas pegadas nos campos”.
Nesse sentido, toda vivência da escritora Julieta Pordeus Gadelha no
cotidiano letrado sousense lhe deu as bases para a escrita local do município
de Sousa. Foi a partir dos ambientes em que esteve inserida, com as pessoas
com as quais conviveu e todos os contextos em que marcou presença, seja na
música, nas rádios, na Revista Letras do Sertão, em Sousa ou em outros
municípios da Paraíba que ela conta uma história local sousense,
possibilitando aos leitores, a contextualização do passado.
A sua escrita nos deu a possibilidade de “contextualizar essa vivência
em uma vida em sociedade e articular a história individual a uma história
coletiva” (BITTENCOURT, 2009, p. 165). Até quando conta sobre suas
memórias, a escritora Julieta Pordeus Gadelha parte de um contexto que nos
permite visualizar aspectos de um passado que vai sendo apresentado.
A categoria gênero estabelece uma relação direta com a educação que
lhe foi, culturalmente, direcionada. Neste trabalho, não foi considerada como
um aspecto do determinismo biológico, mas como um modo social de relação
entre os sexos. Nesse sentido, o gênero se confira como uma categoria que
“incorpora um modo de construção social que uma dada cultura estabelece ou
elege em relação a um dos sexos” (LOPES 1994, p. 28). O gênero se constitui
como “uma forma primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 1989,
p. 21)
65
A categoria gênero é muito recente e também faz parte da vertente da
História Cultural, adotada neste trabalho, enquanto perspectiva metodológica.
Sobre este aspecto Scott (1989, p. 19), nos afirma que:
As preocupações teóricas relativas ao gênero como categoria de análise só apareceram no final do século XX. Elas estão ausentes na maior parte das teorias sociais formuladas desde o século XVIII até o começo do século XX. De fato, algumas dessas teorias construíram a sua lógica sob analogias com a oposição masculino/feminino, outras reconheceram uma “questão feminina”, outras ainda preocuparam-se com a formação da identidade sexual subjetiva, mas o gênero, como o meio de falar de sistemas de relações sociais ou entre os sexos, não tinha aparecido. [...]
Mesmo sendo mulher e estudante normalista, Julieta Gadelha
transcendeu o destino esperado para as mulheres de sua época: a realização
na docência e no casamento. Acabou não seguindo nenhum destes.
Embora não tenha casado, não tenha tido filhos e fosse uma mulher que
escrevia crônicas para jornais e revistas, participava de programas nas rádios,
publicava livros e fazia parte da vida pública de Sousa, Julieta Gadelha
demonstrava ser uma mulher recatada, fiel aos costumes e ao modelo de vida
feminina que deveria seguir uma mulher de sua época.
Com a categoria gênero revelamos traços de um cotidiano feminino que
se configura para nós, revelar nossos próprios cotidianos de mulheres,
educadoras, batalhadoras por um reconhecimento social e profissional que não
nos diminua a condição de “sexo frágil”.
Continuamos encontrando mecanismos de resistência, embora a
condição social da mulher tenha sido modificada. Na atualidade, ainda
prevalece a mesma distribuição desigual de forças.
Os mecanismos de resistência são os mesmos, de uma época para outra, de uma ordem para outra, pois continua vigorando a mesma distribuição desigual de forças e os mesmos processos de desvio servem ao fraco como o último recurso, como outras tantas escapatórias e astúcias, vindas de “imemoriais inteligências”, enraizadas no passado da espécie, nas “distâncias remotas do vivente”. (CERTEAU, 1998, p. 19)
De todas as fontes analisadas fica a concretude de que Julieta Gadelha
teve uma trajetória de infância e juventude voltada para a leitura e a pesquisa
sobre a história local fazendo com que enveredasse para a escrita falando
66
sobre sua terra, sua gente, dando aos moradores de Sousa e região, uma nova
visibilidade sobre os aspectos que caracterizam o passado sousense.
Foi na escrita, através das obras publicadas e das crônicas da Revista
Letras do Sertão, que Julieta Pordeus Gadelha demonstrou sua prática
educativa, através de homenagens a Sousa, contando e rememorando
aspectos de um passado que ainda vem à tona, através dos costumes, das
festas tradicionais, dos patrimônios históricos. São as representações de sua
prática educativa, através das obras, que esboçaremos nos próximos capítulos,
pois, para nós, a prática educativa se configura como uma atuação em outros
espaços que vão além da prática pedagógica, do cotidiano da sala de aula.
Consideramos que Julieta Pordeus Gadelha faz parte dos nomes de
sousenses que ajudaram a (re) construir a história do município, nos deixando
uma compreensão mais aprofundada sobre o que temos na atualidade. Por
isso, pretendemos que este trabalho ultrapasse a perspectiva biográfica, que é
imprescindível para a construção e compreensão de toda memória e história da
autora, mas que não permaneça somente nela.
A intenção é que atinja o ambiente educacional sousense contando a
história e memória de Julieta Pordeus Gadelha e, com ela, a história do
município de Sousa.
O coração, depois da morte de seu dono, deveria ser guardado em cristal, numa solução de saudade e reconhecimento, hermeticamente fechado e lacrado, em cujo vaso houvesse um rótulo assim: “aqui jaz um coração que muito amou; ou que muito perdoou”. (GADELHA, 1965, p. 98).
68
CAPÍTULO III
3. JULIETA PORDEUS GADELHA: a identidade de mulher e escritora
Julieta Pordeus Gadelha nasceu no dia 23 de maio de 1928, filha do
casal Felinto da Costa Gadelha e Noemi Pordeus Gadelha. Seu pai, Tozinho
Gadelha, como era conhecido, foi proprietário de padaria, tabelião do município
de Sousa - PB, exercendo, também, a função de prefeito por dois mandatos,
sendo nomeado em agosto de 1939 ficando até julho de 1940 e eleito em
outubro de 1955 a 1959.
Da união desse casal, nasceram doze filhos que seguiram profissões
diferentes, entre elas, médicos, professores, advogados e um frei.
Imagem VII: Família de Julieta Pordeus Gadelha. (Julieta é a segunda, da direita para a
esquerda).
Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
69
Por ordem de nascimento, os filhos do casal são: Maria do Socorro
Gadelha Camarão, José Pordeus Gadelha, Ananias Pordeus Gadelha, Tereza
Pordeus Gadelha, Cláudio Pordeus Gadelha (frei Batista), Julieta Pordeus
Gadelha, Criseuda Pordeus Gadelha, Expedito Pordeus Gadelha, Valdiza
Pordeus Gadelha, Joanette Gadelha Simões Pimenta, Zélia Gadelha Virgínio.
Julieta Gadelha é, portanto, a sexta filha do casal.
Através das obras ficamos sabendo que na infância, era uma menina
curiosa, sonhadora, travessa como atesta em suas reminiscências, a intensa
vontade de ver as estrelas e a lua, à noite, sempre sendo contestada pela sua
mãe:
– Mamãe, quando poderei ver as estrêlas e a lua? – Quando as galinhas criarem dentes!... Apressava-me a examiná-las no galinheiro e mais uma desilusão tomava o lugar de um doce sonho. Corria atrás das infelizes vítimas até cansá-las para o exame dentário. A gritaria no galinheiro chamava a atenção de mamãe que corria em socorro das galinhas. Escondia-me e ouvia quando ela, depois de uma olhadela se afastava resmungando: – Basta um calangro para elas se assombrarem e fazerem alarme. Eu ficava triste com o resultado do exame dentário e voltava para dentro de casa onde encontrava mamãe à máquina de costura. Sentava-se ao lado e me punha a imaginar: – As galinhas não têm nem sinal de dentes... Talvez... e o galo? Nem reparei! Ah! mas o negócio é com as galinhas. Mas... – Mamãe, o galo voga? – Hum? que galo, menina, para que? (GADELHA, 1959, p. 12)
Em diálogo com Zélia Gadelha Virgínio, sua irmã mais nova, nos foi
relatado que sempre brincava em casa, antes de escurecer o que corrobora
com os versos citados, quando menciona a intensa vontade de ver a lua e as
estrelas.
Eu adorava as estrelas e sentia um louco desejo de vê-las, realmente, junto à lua. Mas mamãe não consentia. Nunca deixou que os meus olhos presenciassem o anoitecer. Para mim, quase uma cousa fantástica, privilégio dos adultos. (GADELHA, 1959, p. 12)
Em todas as fontes, percebemos um forte apego aos seus pais, irmãos,
à cidade de Sousa, à casa onde morou, seja nas obras que escreveu ou nas
mensagens deixadas nas fotos da autora, como esta, escrita no verso da foto
da casa em que residia com seus pais.
70
Imagem VIII: Mensagem deixada no verso da foto de sua casa. Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
Em sua “Souzinha de açúcar”, a autora rememora o lugar onde viveu
com seus pais e irmãos, a casa onde morou localizada a Rua Professor Virgílio
Pinto, no centro da cidade de Sousa. Forjamos em nosso imaginário de
escritora, o pensamento de que as palavras dedicadas na foto à sua cidade
natal representam um forte saudosismo presente em Julieta Gadelha,
sobretudo, quando se ausentava. Ao que parece, Julieta estava em Patos e
escrevendo sobre sua casa no verso da foto, a denomina de “minha casa
querida do meu coração”.
Quem de nós, em algum momento da vida, não se pegou olhando as
imagens do passado, através de fotos e rememorou o quanto os lugares ali
representados, têm significados, falam através das lembranças deixadas?
Pensamos que com Julieta não fora diferente ao rever a imagem da sua casa.
71
Imagem IX: residência onde morou Julieta Pordeus Gadelha localizada na Rua Professor Virgílio Pinto, no Centro da cidade de Sousa - PB.
Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
A imagem fala... Vemos Julieta Gadelha ali presente, brincando na
meninice com seus irmãos, vivenciando cenas que iria escrever futuramente
sobre a cidade de Sousa do seu tempo. Foram alguns dos espaços de sua
casa, o cenário para as leituras de infância, debaixo da laranjeira, no pé de
bogari, como relata em suas reminiscências:
Aprendi a ler nos versos de Casemiro de Abreu e decorei “Meus oito anos”, poema que despertou tôda a minha sensibilidade. Havia no quintal uma laranjeira que nunca deu fruto e que era uma sugestão para a leitura musicada daqueles versos. Mas havia o problema das
borboletas azuis. Ah! no pé de bogari só pousavam as amarelas... E
no final de tudo havia um pranto copioso e profundamente sentido. Adormecia debaixo da laranjeira raquítica e sonhava com Casemiro de Abreu, sofria como o poeta, sentia saudades sem saber de quem e as quais me pesavam na realidade. (GADELHA, 1959, p. 12)
Através de suas publicações percebemos a subjetividade de Julieta
Gadelha, fruto de uma educação que lhe possibilitava sonhar e imaginar o
mundo que via nas leituras de infância. “São reminiscências que dizem
respeito a familiares, pessoas de seu convívio, mas que juntas tecem a trama
da configuração que se constrói neste texto” (MORAIS 2011, p. 238).
72
Num dos textos, intitulado Reminiscências, publicado na Revista Letras
do Sertão no ano de 1959, edição de número 18, Julieta Gadelha se diz
satisfeita por guardar na memória, fatos de sua infância, acontecimentos,
“vários casos que o tempo, essa esponja invisível dos acontecimentos, não
conseguiu apagá-los”. Segundo a autora, “esses fatos permanecem indeléveis
na retina dos meus olhos, como chapas fotográficas.” (GADELHA, 1959, p. 27)
Um dos fatos é contado na crônica Minha primeira farda, publicada em
junho de 1957, na Revista Letras do Sertão, edição de número 15. Na crônica,
a autora enfatiza sua expectativa para o uso da farda, dizendo que quando
tinha cinco anos, foi matriculada numa escola, porém, o uso da farda às
meninas de sua sala, não eram obrigatório. Este aspecto contrariava a menina
Julieta Gadelha, que não se encantava com as letras e sim, com o uso da
farda. Segundo ela, aguentou um mês ou mais de sacrifício até que criou
coragem e lançou, para sua mãe, um plano de mentira em que dizia só ser
aceita pela escola, quando estivesse devidamente fardada.
Nessa crônica ainda, Julieta Gadelha relata a ansiedade que sentia na
espera para vestí - la. “Eu estava encantada e não arredava o pé de junto da
máquina que, cada ponto que dava, para unir as partes da fazenda, parecia
também unir o meu plano ao meu sucesso.” (GADELHA, 1957, p. 27).
Quando fala sobre o momento em que vestiu a farda, apesar da
ansiedade vivenciada anteriormente, a menina Julieta Gadelha, decepciona-se,
pois ficara horrorosa:
Vestiram-me o “gibão”, calçaram-me as “lanchas”, fizeram tranças nos meus cabelos e ataram laços de fita azul. Eu não cabia em mim de tanto contentamento. Terminada essa tarefa de preparativos, corri ao espêlho. Olhei-me por alguns instantes... Duas grossas lágrimas caíram dos meus olhos decepcionados. Então, gritei para o espêlho como se êste fosse culpado: - Horrorosa, viu? E não fui à escola! (GADELHA, 1957, p. 28)
É perceptível o apego que a escritora, ainda menina, demonstra para
com o uso da farda, apesar da roupa não ter saído conforme ela sonhava. Nos
dois textos em questão, Reminiscências e Minha primeira farda, Julieta
Gadelha apresenta características de uma criança que buscava a realização de
73
sonhos. Mesmo que estes não tenham sido conforme ela planejava, ainda
assim, havia a tentativa. Talvez estas tenham sido à base de sua formação e
personalidade de mulher que se configurou, futuramente, como escritora da
história local.
Na transição de infância para adolescência, Julieta Gadelha vivencia
momentos de religiosidade. Como membro de uma família tradicional
sousense, de religião católica apostólica romana, sua trajetória da vida,
apresenta insígnias que demonstram traços de sua formação religiosa. Uma
das imagens a nós apresentada remonta a sua Primeira Eucaristia.
Imagem X: Primeira Eucaristia de Julieta Pordeus Gadelha e irmãos.
Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
74
Não soubemos a data em que ocorreu o sacramento, apenas que foi
junto com sua irmã, Criseuda Poudeus Gadelha. Na imagem, as duas são as
meninas maiores, sendo que Julieta está no lado esquerdo e sua irmã, no lado
direito.
Mais tarde, quando se tornara escritora, os traços de sua religiosidade
vão se evidenciando através das opiniões emitidas nas crônicas publicadas.
Apesar de demonstrar características de uma mulher recatada e católica, na
crônica Quarta - feira de cinzas, Julieta Gadelha escreve demonstrando
admirar o carnaval e lamenta quando o mesmo se finda, após três dias, na
quarta - feira de cinzas:
Ora, afinal para que a quarta-feira de cinzas, quando agora tudo é censura para a expansão dos nossos recalques? A quarta-feira de cinzas é o desmancha prazer daquilo que deveria se prolongar por mais uma dezena ou centena de dias. Três dias apenas não são suficientes para fazermos ciência, darmos publicidade dos nossos desejos adormecidos, incontidos, detidos pela censura humana. Três dias apenas não chegam para mostrarmos a nossa satisfação quando temos dever de prestar contas dos nossos atos à sociedade. (GADELHA, 1965, p. 35)
Foi com a referida crônica, que Julieta Gadelha teve o início ou “debut”,
como ela menciona, na Rádio Cultura Sousense, fazendo a leitura de textos. A
autora pede desculpas, logo no início do texto, explicando que é a crônica, um
dos gêneros literários mais difíceis:
Primeiro porque o cronista arrisca-se não à critica severa de um ou dois leitores, mas ao tribunal de censura geral, que pode concordar ou não com as opiniões de quem escreve. Depois, o espaço para a crônica é resumido, tendo o cronista de reduzir idéias e sacrificar pensamentos, caindo muitas vêzes no risco de não ser bem compreendido. (GADELHA, p. 35)
A nosso ver, as desculpas também foram pedidas por conta da quarta-
feira de cinzas marcar o início dos rituais da religião católica que vão culminar
com a Semana Santa, momento em que se rememora a crucificação e morte
de Jesus Cristo. Sendo a sociedade sousense caracterizada pela forte
presença da religião católica, era preciso tomar cuidado com as opiniões que
se emitiam a respeito, já que ela era uma pessoa pública que se expressava na
75
imprensa local. “Peço de antemão, as devidas desculpas que para o futuro terei
de rogar aos que por acaso me ouvirem”. (GADELHA, p. 35).
Como membro da religião católica e discorrendo sobre a quarta-feira de
cinzas, corria o risco de ser incompreendida pelos leitores e ouvintes. Para
Chartier, (1991, p. 185) existem:
possíveis incompreensões da representação, seja por falta de “preparação” do leitor (o que remete às formas e aos modos de inculcação das convenções), seja pelo fato da extravagância de uma relação arbitrária entre o signo e o significado. [...].
Na mesma crônica, a escritora faz uma alusão à morte, ícone da
Semana Santa católica, simbolizada na quarta-feira de cinzas, através da cruz
que se faz na testa:
[...] Temos que lembrar que somos pó e ao pó tornaremos. E essa lembrança nos vem simbolizada na cruz que faremos na testa, com uma mistura de água e cinza, pelas mãos do padre que vai repetindo a sentença àquêles que fazem questão de passar o dia sob o horror daquela atroz lembrança: a morte. (GADELHA, p. 36)
Fica perceptível a cultura religiosa muito presente e marcante em Julieta
Pordeus Gadelha, sobretudo na escrita, nas crônicas, nas narrativas em torno
das igrejas e padres que contribuíram com a história de Sousa. Toda esta
cultura é fruto de uma vivência numa família de religião católica, numa
educação escolar cuja instituição tem bases católicas, aliada a convivência
social com pessoas de mesmos costumes e crenças.
A formação e vivência que teve lhe deram suporte para a escrita.
Oriunda de uma família sempre presente nos eventos cotidianos sociais
sousenses, já que alguns membros ocupavam cargos de prestígio, Julieta
Gadelha em suas obras, alude a acontecimentos que fizeram parte de uma
Sousa do passado, não muito distante.
A título de exemplo, em 1958, quando seu pai exercia o segundo
mandato de prefeito municipal em Sousa acontece uma grande seca, que
atingiu os mais pobres. Na ocasião, seu Tozinho Gadelha distribuiu comida aos
flagelados da seca, como observamos nas figuras a seguir:
76
Imagens XI e XII: distribuição de comida aos flagelados da seca de 1958. Fonte: arquivo pessoal de Julieta Pordeus Gadelha.
77
Estes fatos fazem parte da história de Sousa e do arquivo de Julieta
Gadelha, como quem presta contas de um passado que nossa geração não
conheceu, mas tem a oportunidade de reviver, através de suas imagens.
Fazem parte, portanto, de sua história e memória, de sua prática educativa.
Outros autores que se consagraram como ícones, ao escrever sobre
uma determinada época, também tiveram em suas publicações, os
acontecimentos marcantes de sua vivência, os contextos e arranjos sociais
experimentados. É o caso, por exemplo, de Gilberto Freyre com a obra
Sobrados e mucambos, de 2004 e José Américo de Almeida, com a obra, A
bagaceira, de 1928 que tiveram os enredos baseados em acontecimentos
vivenciados desde a infância, pelos autores.
Assim como os autores, Julieta Gadelha também alude a contextos e
acontecimentos sousenses em que sua família foi participante. Além disso,
fazia parte de uma classe social inserida no cotidiano da leitura e da escrita, de
uma minoria que tinha acesso à educação escolar no município, sendo este,
um dos fatores que a fez se destacar como escritora local. Alguns textos e
imagens descrevem seu contexto familiar.
Na crônica O aparelho é bom mesmo, de 1965, Julieta Gadelha
apresenta objetos que ela descreve como sendo de seu cotidiano, tais como o
telefone, a máquina de escrever e um aparelho utilizado, pelos seus tios, para
encontrar botijas.
Em Sousa havia uma equipe fabulosa dêsses homens (caçadores de botijas), contando-se entre êles, dois tios meus: Pedro Gadelha e Murilo Pordeus. Para facilitar o seu trabalho e dispensar os sonhos e as aparições que muitas vêzes, eram considerados suspeitos, êles conseguiram um aparelho dêsses usados em minas para localizar metais. O aparelho indicava, infalivelmente, a existência de ouro em certos locais. [...] (GADEHA, 1965, p. 111)
Tanto o telefone quanto a máquina de escrever foram, no passado,
objetos de uma determinada classe social, pois eram insígnias utilizadas no
cotidiano por uma pequena minoria da população, considerados inclusive,
como recursos tecnológicos para a época em que a autora escreve a crônica:
década de 1960.
78
Imagens XIII e XIV: O telefone, a máquina de costurar de sua mãe e a máquina de escrever,
objetos que pertenceram à casa e ao cotidiano de Julieta Pordeus Gadelha. Fonte: Centro Cultural e Memorial Tozinho Gadelha. Arquivo pessoal de Julieta Pordeus
Gadelha
79
Além de todos os aspectos que a consagraram numa escritora da
história local sousense, na vida pessoal, Julieta Gadelha se tornou uma mulher
que enfrentava desafios. Um destes foi a licença para dirigir automóvel,
conseguida em 1966, quando estava com trinta e oito anos, conforme mostra a
imagem XV, da próxima página.
Em nosso imaginário, tentamos rever esta época em que às mulheres,
não era dada a devida confiança para dirigir automóvel. Se até hoje, sofremos
as amarras do preconceito de dirigir, imaginamos que talvez, na década de
1960, não tenha sido fácil para a escritora Julieta Gadelha. Esse fato nos
lembra das questões ligadas às desigualdade de gênero, ainda tão presentes
na cultura social brasileira.
As desigualdades de gênero, na época, foram fatores marcantes para
desenhar os traços dos papeis femininos e masculinos “fazendo com que se
efetuem mecanismos de produção e reprodução da discriminação”. (ALMEIDA,
1998 p. 40). Entre os papeis desempenhados, o de dirigir veículo não fazia
parte do cotidiano feminino.
Acreditamos que a condição social e formação intelectual de Julieta
Gadelha tenham lhe dado às bases para o enfrentamento deste desafio, pois o
acesso à educação na Escola Normal São José e a consagração como
escritora lhe possibilitaram a modificação sobre o destino e o modo de vida
direcionado às mulheres. Almeida afirma que “a educação exerce papel
determinante nas relações sociais, familiares, trabalhistas e entre os sexos,
acarretando modificações nas mulheres e no seu modo de vida” (1998, p. 40).
É a educação um dos fatores mais condicionantes das diferenças nas
relações de gênero, seja na primeira educação, a familiar ou a educação
escolar. Segundo estas duas, na maioria das vezes, o homem é o que está
condicionado aos desafios, entre eles, a direção veicular. É como se os
desafios, via de regra, estivessem para os homens, como um caráter fixo e
permanente da oposição binária. Por isso, assim como Julieta Pordeus
Gadelha, “precisamos rejeitar o caráter fixo e permanente da oposição binária,
precisamos de uma historicização e uma desconstrução autêntica dos termos
da diferença sexual [...]” (SCOTT, 1989, p. 18).
80
Imagem XV: habilitação por 30 dias de Julieta Pordeus Gadelha.
Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
Outro fato, não menos importante que o da habilitação, é o da carteira
para entrada em clubes de futebol, datada de 1974. A carteira era do Atlético
Clube de Sousa, destinada a autoridades e permitia a entrada em jogos de
futebol, no referido clube. Julieta foi denominada de cronista na época, em
virtude de ter publicado um livro de crônicas.
81
Imagens XVI e XVII: frente e verso da carteira para entrada em jogos do Atlético Clube de Sousa.
Fonte: arquivo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
82
Nas imagens da carteira, podemos ver que Julieta Pordeus Gadelha é
chamada de cronista, denominação utilizada em virtude da publicação de
inúmeras crônicas na Revista Letras do Sertão, desde a década de 1950, bem
como da publicação do livro Crônicas para mamãe ler, de 1965.
A licença para dirigir assim como a carteira para entrada em jogos do
Atlético Clube de Sousa demonstra a personalidade de uma mulher que
ultrapassou as fronteiras de ser escritora, mérito que já lhe era dado por ser
reconhecida como cronista.
As marcas de muitas mulheres paraibanas, como Anayde Beiris, Analice
de Caldas, Adamantina Neves, Eudésia Vieira, Olivina Carneiro da Cunha,
Catharina Moura e tantas outras, que enfrentaram os desafios emanados pelo
preconceito de gênero e conseguiram deixar conquistas em suas histórias,
sobretudo, através de suas práticas educativas são elementos presentes,
também, em Julieta Gadelha.
Existe uma coisa em comum em todas as mulheres que enfrentaram os
desafios de gênero: a mudança através da educação. Seja uma mudança de
vida, como a rejeição a um casamento, por exemplo, a mudança nos cotidianos
escolares ou nos lares.
Julieta Pordeus Gadelha uma mulher que também esteve inserida no
ambiente intelectual sousense teve na educação familiar aliada à educação na
Escola Normal São José os incipientes para sua formação de escritora local,
para sua personalidade feminina. É sobre a educação escolar, através de uma
abordagem da Escola Normal São José, que falaremos a seguir.
Falar sobre a Escola Normal São José, mais que um local em que
Julieta Pordeus Gadelha esteve presente, enquanto estudante, significa
configurar um tipo de educação escolar que foi referência no município de
Sousa, marcando uma época.
.
83
3.1 A ESCOLA NORMAL SÃO JOSÉ: instituição educacional onde estudou
Julieta Pordeus Gadelha.
Desde criança, Julieta Pordeus Gadelha estudou na Escola Normal São
José, uma instituição de ensino que educava e preparava os estudantes para a
formação docente. Foi fundada em 1939 com o nome de Colégio São José e
teve como diretor, o próprio fundador deste educandário, professor Virgílio
Pinto de Aragão - professor Senhorzinho, tio de Julieta.
No mesmo ano, amparado pelo Decreto n° 1414 de 30 de maio, passou
a funcionar no referido colégio, a Escola Normal, que formava professores,
utilizando a denominação Colégio São José - Escola Normal. Segundo Julieta,
“viu o Colégio São José coroado o seu incipiente êxito, pelo reconhecimento de
parte do governo do Estado, do seu curso normal em funcionamento, como
Escola Normal Livre” (GADELHA, 1986, p. 69). Para a escritora, esta foi uma
conquista alcançada pelos sousenses, como a “mais justa solução do problema
educacional sertanejo”.
Para a abertura do Colégio São José Escola Normal, no município de
Sousa, houve toda uma preparação uma vez que eram instituições
educacionais que representavam a instrução da elite, por isso, seus enormes
espaços, fachadas e janelas aludiam a uma classe social que lá estudava.
[...] As escolas normais, plantadas inicialmente nas principais cidades do país, buscam, desde suas fachadas, frequentemente solenes, indicar a todas as pessoas que por ali passam que são distintas dos demais prédios, que têm um objetivo especial. (LOURO, 2012, p. 455)
84
Imagem XVIII: Colégio São José - Escola Normal
Fonte: Arquivo pessoal de Evilásio Marques Pinto, Seu Vila, filho do professor Virgílio Pinto de Aragão.
Na imagem acima, podemos perceber a arquitetura que lembra uma
enorme casa, com portas e janelas grandes denotando a ideia de espaço
reservado para atividades educativas necessárias à formação de professores.
Eram os colégios espaços educativos que se assemelhavam as casas, uma
vez que, suas raízes remontam os internatos, causando certa “intimidade entre
lugar onde se estuda e vive” (OLIVEIRA, 2006, p. 27).
Esta arquitetura se explica porque antes do funcionamento da Escola
Normal, existia no mesmo local, a Casa da Caridade, um internato que recebia
e educava meninas órfãs, que geralmente, eram deixadas na roda dos
enjeitados. O gerenciamento da casa ficava por conta das freiras que foram
“responsáveis pela educação das órfãs que ali eram deixadas.” (PINTO, 2008,
p. 100).
Em seu livro Antes que ninguém conte, Julieta Gadelha relatou que o
sobrado da Casa da Caridade foi uma doação do Padre José Antônio Marques
85
Guimarães transformando-se em “orfanato erigido pelo benemérito Padre
Ibiapina”. O orfanato funcionou durante muitos anos até que as freiras foram
cedendo lugar para a abertura da Escola Normal. (GADELHA, 1986, p. 69).
Fundada e instalada em prédio pertencente ao vigário José Antônio Marques da Silva Guimarães, em 1868, a Casa da Caridade era especialmente destinada aos infelizes órfãos. Na “roda” do casarão iam sendo depositadas as crianças rejeitadas, os órfãos de pais vivos e mortos, aqueles em especial, que foram conseqüência de erros de uma sociedade que castigava os que assumissem as próprias faltas. (GADELHA, 1986, p. 92)
São muitas as histórias contadas por Julieta Gadelha sobre o que
precedeu a abertura do Colégio São José, entre estas, a forma de
gerenciamento das beatas e o destino dos (as) meninos (as) órfãos. Segundo
Oliveira, (2006, p. 29), nessa época, “moradia, escola, igreja compunham,
então, uma síntese inextricável, nos internatos dirigidos por religiosos”.
Recebidos na “roda” ou na porta, os meninos eram amparados pelas beatas, as mães, talvez, que haveriam de conhecer para o resto da vida. Os meninos, depois de uma certa idade, ficavam sob a responsabilidade do vigário, que arranjava uma casa – em geral do padrinho – ali acabando de crescer e trabalhando para o seu protetor. As meninas aprendiam trabalhos manuais e ficavam aptas no manejo da agulha, nos serviços domésticos, sendo habilidosas no preparo de bolos, doces e salgados. Da Caridade elas saíam somente para casar, quando não encontrava alguém que as quisesse adotar. (GADELHA, 1986, p. 92)
“Posteriormente, os internatos passariam a ser desativados, tornando
os colégios apenas casas de escola” (OLIVEIRA, 2006, p. 32). Não foi
diferente, portanto, com a Casa da Caridade no município de Sousa - PB. Aos
poucos, últimas beatas “foram morrendo, foram dispersando, a Caridade já não
recebia órfãs, até que fechou de uma vez. As últimas irmãs dezertaram os
quartos mal-assombrados cedendo lugar à atividade de um centro de ensino”.
(MARIZ, 1980 p. 207 apud GADELHA, 1986, p. 94). Em 1939 inaugura-se o
Colégio São José,
data em que despontava uma nova era no setor educacional e procurava-se libertar da dependência dos grandes centros culturais como Campina Grande, Mossoró-RN e João Pessoa na Paraíba para a conscientização de uma filosofia baseada na moderna pedagogia de ensino. (PINTO, 2005)
86
De acordo com o tipo de educação que se apresentava na época e a
moderna concepção de ensino, baseada nos preceitos de uma Escola Nova ou
Pedagogia Renovada, que tinha como característica a adoção de processos
pedagógicos ativos, a “valorização da criança, dotada de liberdade, iniciativa e
de interesses próprios e, por isso mesmo, sujeito da sua aprendizagem e
agente do seu próprio desenvolvimento” (LIBÂNEO, 1994, p. 62), o Colégio
São José - Escola Normal se modificou para atender as essas novas
exigências educacionais.
[...] Foram abertos amplos salões de aula, de acordo com as normas de higiene escolar; construíram-se parques para educação física e áreas abertas para recreio e iniciação de clubes agrícolas escolares; dotou-se, enfim, o Estabelecimento de mobiliário novo e de material pedagógico á altura da moderna concepção do ensino. (GADELHA, 1986, p. 69)
Imagem XIX: Estudantes no interior do Colégio São José - Escola Normal
Fonte: Arquivo Pessoal de Julieta Podeus Gadelha
87
Na imagem anterior, podemos ver o pavilhão em que as crianças eram
levadas para eventos festivos e para cantar o hino nacional em ocasiões
específicas, tais como o dia da bandeira. O pavilhão era um espaço aberto, ao
ar livre, ladeado das salas de aula e da sala da diretoria. Esta estrutura
arquitetônica, embora tenha sido modernizada, permanece até os dias atuais.
Entre as estudantes que aparecem na imagem, estão Julieta Pordeus
Gadelha (a quarta da esquerda para a direita, na fileira de baixo) e sua irmã
Criseuda Pordeus Gadelha, a primeira da mesma fileira. Ambas iniciam seus
estudos no ano de 1946. Nesta imagem do interior do Colégio São José -
Escola Normal, percebemos a amplitude dos espaços, além das janelas e
portas compridas que aludiam às novas exigências de cunho higienistas da
época.
Em 2 de janeiro de 1946, o Decreto-Lei de número 8.530 da Lei
Orgânica do Ensino Normal, em seu capítulo III, discorre sobre os tipos de
estabelecimentos de Ensino Normal:
Art. 4º Haverá três tipos de estabelecimentos de ensino normal: o
curso normal regional, a escola normal e o instituto de educação.
§ 1º Curso normal regional será o estabelecimento destinado a
ministrar tão somente o primeiro ciclo de ensino normal.
88
Imagem XX: Fachada da Escola Normal Regional São José - Sousa PB
Fonte: arquivo pessoal de Evilásio Marques Pinto (Seu Vila)
A partir desta lei, o Colégio São José - Escola Normal passou a se
chamar de Escola Normal Regional São José, formando professores regentes
do ensino primário, em quatro anos. No capítulo II, dispõe sobre os ciclos e
cursos do Ensino Normal dividindo-os da seguinte forma:
Art. 2º O ensino normal será, ministrado em dois ciclos. O primeiro dará o curso de regentes de ensino primário, em quatro anos, e o segundo, o curso de formação de professôres primários, em três anos. Art. 3º Compreenderá ainda o ensino normal cursos de especialização para professôres primários, e cursos de habilitação para administradores escolares do grau primário.
Imagem XXI: diploma de Regente do ensino primário da Escola Normal Regional São José - Sousa PB.
Fonte: Gilda Gadelha, concluinte da turma de 1958.
89
De formação religiosa católica, já que a Colégio São José - Escola
Normal foi fundada por iniciativa de vigários locais e baseada nos princípios do
operário São José, pai de Jesus, os estudantes eram preparados sob os
preceitos da fé cristã católica, através de inúmeras festividades religiosas,
como a primeira eucaristia, além de adotar o ensino religioso como disciplina.
Outro fator marcante que favorecia a direção espiritual católica era o fato
de estar localizada ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que na
época, era a igreja matriz da cidade. Todos estes fatores faziam do Colégio
São José um local, por excelência, para a educação da juventude.
O contexto social que vivia o município de Sousa na época da fundação
do Colégio Normal São José é caracterizado, através de inúmeras fontes,
como sendo de forte influência da religião católica e conservadorismo na
estrutura social. “Vivíamos em Sousa, na Década Quarenta, um clima de
distinção, religiosidade católica, apostólica, romana e muito conservadorismo
na sociedade [...]” (MATOS, 2004, p. 24).
A influência da Igreja Católica se dava através da presença dos vigários
e freiras nos assuntos de cunho social, político, cívico, nas festas tradicionais
atestando para que os rituais da Igreja fossem aceitos e praticados. Os
representantes da igreja, por consequência, eram muito respeitados e as
festividades, como os dias de Santos e padroeiros, cheios de significado e
muita devoção.
As crianças pediam benção aos sacerdotes, e os adultos tiravam o chapéu, ou o tocavam, para cumprimentá-los, numa demonstração de respeito. Ah! tempos dos obrigatórios divinos nas igrejas, das irmandades numerosas congregando homens e mulheres, celebrando os seus padroeiros. E mais os ofícios da Semana Santa, ao soar da matraca, quando proibido estava de tocar o sino. [...] (MATOS, 2004. p. 26)
Se a sociedade vivenciava todos os rituais consagrados pela Igreja
Católica, na educação oferecida pelos colégios não seria diferente. Sobretudo
no Colégio Normal São José, fundado por iniciativa de vigários, a educação
religiosa marca sua identidade institucional: uma educação de formação
católica que era ensinada desde a mais tenra idade.
90
A imagem a seguir corrobora este tipo de educação religiosa, que era
oferecida pelo Colégio São José como, por exemplo, os propósitos de
obediência e fidelidade que são elencados no cartãozinho do Retiro Espiritual
do ano de 1942:
Imagem XXII: criança orando diante da Jesus crucificado.
Imagem XXIII: verso da imagem com os propósitos do retiro espiritual.
Fonte: arquivo pessoal de Maria de Lourdes Queiroga de Sena Magliano (Malu Magliano), filha de Isaura de Sena Moreira Queiroga, estudante egressa do Colégio São José, no ano de 1942.
Todos os rituais vivenciados pelos colégios de ordem religiosa faziam
parte de uma cultura escolar disciplinadora e bem aceita pela população,
sobretudo as elites, no sentido de formação não só de alfabetização, mas do
caráter. “A cultura escolar desemboca aqui no remodelamento dos
comportamentos, na profunda formação do caráter e das almas que passa por
91
uma disciplina do corpo e por uma direção das consciências”. (JULIA, 2001,
p.22)
O altar da capela era uma parte do Colégio São José que representava
esta cultura religiosa, pois assim como na Igreja Católica, tinha a estrutura
arquitetônica voltada para as celebrações e orações que marcavam a formação
dos estudantes.
Imagem XXIV: Altar da Capela do Colégio Normal São José - Sousa PB
Fonte: Arquivo pessoal de Evilásio Marques Pinto (seu Vila).
92
As próprias normas e práticas do Colégio Normal São José atentavam
para a educação que era cultivada, uma educação de referência na sociedade
sousense, marcada, sobretudo, por “um conjunto de normas que definem
conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que
permitem a transmissão desses conhecimentos”. (JULIA, 1995, p. 10)
Entre as práticas, se destacavam os desfiles cívicos que tinham grandes
significados, sobretudo em 7 (sete) de setembro. Estas e outras atividades
realizadas para garantir a formação docente, a elegância do fardamento e dos
trajes em dias de festa, os corredores, as normas, o currículo, as fotos nas
paredes, o corpo docente, a localização dentro da cidade, geralmente na rua
da igreja matriz, além da ligação à religião católica, todas essas insígnias
faziam do Colégio Normal um lugar simbólico, de direção de destinos. Nessa
perspectiva, Almeida (1998, p. 40) afirma que:
[...] Os significados, as normatizações valorativas, as práticas e os símbolos, variam de acordo com as culturas, a religião, a economia, as classes sociais, as raças e os momentos históricos, formando redes de significações que se edificam e se relacionam integradamente.
As representações que escolas normais tinham, nessa época, eram
muitas. Entre elas, forjava a de que nestas instituições, carregadas de relações
de poder, a educação estaria garantida, sobretudo, a educação feminina, uma
vez que, os cursos normais estavam em voga como locais, por excelência de
formação de professores, sobretudo de mulheres professoras Aos poucos, as
escolas normais se enchem de moças.
As escolas normais se enchem de moças. A princípio são algumas depois muitas; por fim os cursos normais tornam-se em escolas de mulheres. Seus currículos, suas normas, os uniformes, o prédio, os corredores, os quadros, as mestras e mestres, tudo faz desse um espaço destinado a transformar meninas/mulheres em professoras. A instituição e a sociedade utilizam múltiplos dispositivos e símbolos para ensinar-lhes sua missão, desenhar-lhes um perfil próprio, confiar-lhes uma tarefa. A formação docente também se feminiza. (LOURO, 2012, p. 454)
93
A feminização do magistério, nome atribuído à quantidade excedente de
moças nas escolas normais, também chegou a Sousa. Nesse sentido,
pudemos constatar que na primeira turma concluinte do Colégio São José, no
ano de 1942, o número de mulheres é bem superior ao de homens. Sobre este
aspecto, Gadelha (1986) relata que foram 19 (dezenove) alunos concluintes
desta turma, sendo 17 (dezessete) mulheres e 2 (dois) homens.
Imagem XXV: Primeira turma da Escola Normal São José.
Fonte: Acervo pessoal de Mirtes Arruda Fontes, estudante da primeira turma.
Os homens não aparecem na imagem da primeira turma do Colégio
Normal São José, porém, Julieta Gadelha os cita, quando menciona os
primeiros professores formados pela referida escola:
Os primeiros professores do colégio São José foram: Alzenir Rodrigues, Francisca Sena Moreira, Lucíola Marques Pinto, Maria do Carmo Cirilo, Maria Diniz Barbosa, Maria Guadalupe Marques Pinto, Maria Ivaní Pires de Sá, Maria do Socorro Douetes, Maria José Lopes Fontes, Maria Vanda Pires Ribeiro, Maria Zeneide Gadelha de Oliveira, Mirtes Arruda Fontes, Raimunda Cordeiro Cavalcanti, Teresa Pordeus Gadelha, Ananias Pordeus Gadelha, José Mariz Melo (GADELHA, 1986, p. 69 – grifos nossos).
94
Julieta Gadelha foi estudante do Colégio Normal São José a partir do
ano de 1946, fazendo parte, portanto, da quarta turma. Na imagem que a
representa como estudante da referida instituição, destacamos o modelo do
uniforme adotado: camisa branca de mangas compridas, saia abaixo do joelho
e gravata da cor da saia.
Imagem XXVI: Julieta Pordeus Gadelha (a esquerda) e sua irmã Criseuda Pordeus Gadelha,
estudantes do Colégio São José - Escola Normal. Fonte: acervo pessoal da escritora.
O uniforme do Colégio Normal São José representava sua identidade,
pela beleza e seriedade que eram características fortes da instituição: Beleza
pela riqueza de detalhes como a saia cor de vinho, a blusa de mangas longas e
a gravata que formavam a elegância de um colégio que marcou época, nome e
95
cravou o significado de empoderamento no município de Sousa. Seriedade
porque a saia comprida, que não marcava o corpo, isto porque a instituição era
religiosa, católica e educativa.
Em 1949 Julieta Gadelha forma-se pela Escola Normal São José para
atuar como regente do ensino primário, habilitação que era permitida pela
escola. De acordo com textos lidos, as formaturas da Escola Normal São José
eram sempre cheias de muita comemoração, com colações de graus e rituais
de entregas de canudos, bailes de formatura em que as moças exibiam seus
vestidos majestosos. Havia também nas formaturas pronunciamentos de
discursos, geralmente feitos por alguma autoridade ou pelo diretor Virgílio Pinto
de Aragão.
Imagem XXVII: Julieta Pordeus Gadelha em traje para receber o canudo no baile de formatura da Escola Normal São José.
96
Fonte: acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
Imagem XXVIII: Julieta Gadelha de beca para a placa de formatura da Escola Normal
São José Fonte: acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha
Nas imagens acima, Julieta Gadelha veste trajes diferentes. Na primeira,
está vestida para receber o canudo, na colação de grau, seguida do baile de
formatura. Na segunda, a foto com a beca, era para a placa de formatura que
ficava pendurada nas paredes do colégio.
Era comum na época, oferecer as fotos de datas especiais, geralmente,
comemorações de casamentos, formaturas, bailes de debutantes para
parentes, namorados ou amigos. No caso da primeira foto, em que Julieta
Gadelha usava o vestido para receber o canudo, oferece para seu irmão
Cláudio Gadelha, “com dedicação e carinho”.
97
Imagem XXIX: Julieta Gadelha oferece foto de sua formatura ao irmão Cláudio Gadelha.
Fonte: acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
Vimos os oferecimentos em quase todas as fotos dos bailes de
formatura a que tivemos acesso. Nas fotos oferecidas estavam representadas
a consideração e a lembrança daquela pessoa que não pôde estar presente,
mas era especial para o formando.
Os bailes de formatura da Escola Normal São José ficaram conhecidos
pelas exibições dos vestidos das professorandas, como eram chamadas,
sendo alguns modelos confeccionados pelas avós ou outros familiares, como é
o caso de Gilda Gadelha que em 1955, teve seu vestido confeccionado pela
sua avó, Donana Gadelha.
98
Imagem XXX: Gilda Gadelha com o modelo confeccionado por sua avó Donana Gadelha.
Fonte: acervo pessoal de Gilda Gadelha.
Muitas foram às marcas deixadas pela Escola Normal São José, que
mesmo tendo sido desativada, em 1957, permanece na memória e história dos
sousenses. Mesmo não existindo mais, na Paraíba, muitos colégios da mesma
época “passaram a ser a regra na educação pública e privada, até os nossos
dias”. (OLIVEIRA, 2006, p. 32). É o caso do Colégio Normal São José,
instituição de ensino que ultrapassou fronteiras ficando no legado cultural
sousense.
99
Em 1958, passou a funcionar no mesmo prédio daquele educandário, o
Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, sob a coordenação das filhas de Santa
Tereza de Jesus, uma congregação religiosa de origem no Crato - Ceará.
Mais precisamente em 19 de março de 1958 acontece a abertura oficial
do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, conforme vemos na imagem abaixo
onde as autoridades seguem em desfile, ladeadas das estudantes daquele
colégio. Entre as autoridades presentes, está o ex - prefeito do município de
Sousa, Felinto da Costa Gadelha (de roupa branca), pai de Julieta Gadelha.
Imagem XXXI: Abertura oficial do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em 19/03/1958.
Fonte: Livro Jubileu de Ouro - Colégio Nossa Senhora Auxiliadora
Estudamos no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, a partir do ano de
1990 e vivenciamos, naquela instituição, vários momentos que se
assemelharam aos que viveram Julieta Gadelha. Foram momentos religiosos,
apresentações em datas comemorativas, festas de formatura... Foi lá que
ouvimos falar, pela primeira vez, no nome de Julieta, foi lá que conhecemos
seu trabalho de escritora. Foi lá que conhecemos também Virgílio Pinto de
100
Aragão, contribuinte para a educação sousense, como a própria sobrinha
Julieta Gadelha, muito menciona em seus escritos.
Como pesquisadora que tem a intenção de contribuir com a história
local, através do presente trabalho, acreditamos que falar sobre Virgílio Pinto
de Aragão, ainda que de forma breve, é tornar viva sua memória e todo o
legado deixado à educação sousense. Como diretor e professor de duas das
instituições de ensino mais renomadas que Sousa conheceu no século XX, a
Escola Normal São José e o Colégio 10 de Julho, Virgílio Pinto coloca sua
marca na educação sousense.
101
3.2 O professor Virgílio Pinto de Aragão - Professor Senhorzinho
Imagem XXXII: Professor Virgílio Pinto de Aragão Fonte: Livro Jubileu de Ouro Colégio Nossa Senhora Auxiliadora - Sousa PB
Com acesso à educação e sempre cercada de pessoas que faziam parte
da cultura letrada, principalmente seu tio, o professor Senhorzinho, as práticas
educativas de Julieta Gadelha revelam que ela teve muita influência desse
mundo da leitura e escrita, chegando a fazer parte de rodas literárias de
intelectuais da época.
Lendo biografias e memórias de muitos escritores a exemplo de Raquel
de Queiróz (2010), Graciliano Ramos (2006), Magda Soares (2005), Sophia
Lyra (2011), temos percebido que o contato com os livros é sempre incentivado
por alguém da família e acaba se tornando ponto de partida para o gosto pela
leitura e escrita.
102
Com a escritora Julieta Gadelha não foi diferente, pois é perceptível em
suas memórias, o apreço e admiração que tinha pelo seu tio, o professor
Virgílio Pinto, talvez seu maior incentivador:
A mania de boa leitura, dos clássicos portugueses, a simpatia por Camilo Castelo Branco, nunca o transformou numa pessoa sisuda, circunspecta ou antipática, quanto mais conhecimento, mais se estendia a ânsia de passar para os outros o valor do conhecimento. (GADELHA, 2000, p. 01)
São muitas as homenagens escritas por Julieta Gadelha, dirigidas ao
seu tio. Entre tantas, selecionamos a crônica Êsse meu tio, extraída do livro
Crônicas para mamãe ler, no ano de 1965. Por ser professor da cadeira de
Língua Materna no Colégio São José e apaixonado pela gramática, o professor
Senhorzinho não tolerava que ocorressem erros gramaticais em sua frente. Na
crônica, a autora narra este fato:
Certa vez, com intuito de homenagear o professor, os rapazes, num certo sábado, realizaram uma serenata, à porta do mestre. Cada um cantaria um número. O repertório escolhido não dava motivo para censura, foi mesmo selecionado à capricho. Mas alguém não foi bem sucedido na sua vez de cantar, dando início a grande serenata. A canção dizia: “Pai Nosso, que estais no céu... etc. Não permiti por favor, etc... Com esta frase ficou encerrada a serenata. O professor abriu a porta e se apresentou, naquele seu jeito muito conhecido de estirar o dedo na direção da pessoa a quem deseja repreender: não permiti o quê!! Quem lhe ensinou semelhante barbaridade? Fique sabendo que não há imperativo negativo”... E lá se foi toda uma aula em plena madrugada, puxada à regra de gramática e piscar de estrelas. [...] (GADELHA, 1965, p. 108)
O professor Virgílio Pinto fazia jus aos cargos de direção e docente que
ocupava no Colégio São José sendo lembrado, até hoje, como O mestre, por
fazer da educação sousense, sua bandeira de luta. Além da qualidade de
mestre, suas virtudes de exímio escritor da Revista Letras do Sertão,
administrador do Colégio São José e Ginásio 10 de Julho ocupam a história
local.
Na convivência com o professor Senhorzinho, Julieta Gadelha entra para
o grupo de intelectuais escritores, publicando na Revista Letras do Sertão - LS.
A referida revista foi fundada em 1951, pelo escritor Deusdedit Leitão.
Considerada um “meio de divulgação literária, que honrou Sousa enquanto
103
circulou, LS registra na história da cultura paraibana, o esforço, o desempenho
interiorano, a sua vida literária” (MATOS, 2004, p. 12).
No dia 10 de julho de 1954, dia do centenário da cidade, o professor
Senhorzinho funda, em Sousa, o Ginásio 10 de Julho. De acordo com Julieta
Gadelha, (1986, p. 70), com esta fundação, o “professor havia realizado seu
maior sonho”, pois se tratava do primeiro ginásio do município, com aulas que
iam desde o Jardim da Infância ao Ensino Médio científico.
Ali funcionaram conjuntamente a Escola Normal São José e o Ginásio com vários cursos a começar do Jardim de Infância ao Científico. Vale salientar que, para a criação de qualquer escola de nível médio na década de 50, era preciso uma infra-estrutura compatível com o ensino da época ou sejam [sic]: área coberta para recreação, auditório, biblioteca, cantina, campos de esporte, quites de física, química e biologia, e um sem número de apetrechos cujos Diretores se contorciam para adquirirem essa ferramenta de trabalho. (PINTO, 2005 - homenagem em virtude dos 110 anos de Virgílio Pinto de Aragão).
O nome Ginásio 10 de Julho foi uma homenagem à emancipação
política do município de Sousa que aconteceu na mesma data. O professor
Virgílio Pinto aproveitou a ocasião de festa para inaugurar o ginásio,
presenteando os moradores de Sousa com grandes desfiles que marcaram o
momento trivial na educação sousense, conforme vemos na imagem a seguir:
Imagem XXXIII: desfile cívico do Ginásio 10 de Julho pelas ruas da cidade de Sousa.
104
Fonte: Arquivo pessoal de Evilásio Marques Pinto (seu Vila)
O Ginásio 10 de Julho funcionou nas dependências da Escola Normal
São José, até 1957, quando foi transferido, para uma sede própria, localizado
no bairro Alto do Capanema.
Imagens XXXIV e XXXV - Ginásio 10 de julho. Fonte: Arquivo pessoal de Evilásio Marques Pinto - seu Vila.
105
As imagens revelam a grandiosidade do Ginásio 10 de Julho com
prédios espaçosos e arejados se caracterizando como um grande
empreendimento educacional no município de Sousa.
Como estudante egressa do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, não
podíamos deixar de reconhecer toda a obra feita pelo professor Virgílio Pinto
em prol da educação sousense. Seu nome é marca no município, fazendo
parte de ruas e escolas.
Como tio de Julieta Gadelha, professor Senhorzinho contribuiu muito
para a concretização de sua prática educativa. A princípio com a educação
escolar quando foi estudante da Escola Normal São José, fundada por ele.
Posteriormente, nos meios intelectuais, quando fazia parte do grupo de
escritores da Revista Letras do Sertão. Nesse sentido, é notória a parceria
entre os dois, não só enquanto tio e sobrinha, mas, sobretudo, pelo aspecto
intelectual que os une. Ele, o professor. Ela, a escritora.
Após um estudo sobre a biografia de Julieta Pordeus Gadelha temos
maior embasamento para a compreensão de sua escrita, por isso, com o
objetivo de trazer a memória e história de sua prática educativa, buscamos não
apenas caracterizar uma época, mas, mostrar que essa prática se faz em
diversos espaços onde se compreende o ensino, a contribuição à educação,
sobretudo, história da educação paraibana, particularmente em Sousa, Sertão
do Estado.
Há algum tempo atrás, os cargos de responsabilidades eram entregues somente a homens. Hoje, no entanto, as fábricas, repartições públicas, ministérios, assembleias, etc... estão cheias de “saias” competentes, graças ao seu desenvolvimento cerebral. (GADELHA, 1955, p. 16).
107
CAPÍTULO IV
4. CAMINHOS QUE CONFIGURAM A PRÁTICA EDUCATIVA DE JULIETA
PORDEUS GADELHA
Este trabalho, que tem como objetivo trazer a história e memória da
prática educativa da escritora Julieta Pordeus Gadelha, significa para nós uma
contribuição para a cultura de Sousa, pois, ao se debruçar sobre o legado
cultural deixado por ela, sobretudo as publicações, estabelecemos uma ponte
com o passado sousense, carregado de significados. A prática educativa de
Julieta Gadelha está representada por um legado de obras e crônicas, além da
autoria pela construção do hino e da bandeira de Sousa que alimentam e
norteiam a educação sousense, sobretudo quando traz a historiografia daquele
lugar. Nesse sentido, de acordo com Santos e Buriti, (2015, p. 1).
Educar ou praticar atividades de cunho pedagógico não se resume apenas ao exercício da docência em sala de aula. O ato de ensinar e suas formas são manifestados também em outras ocasiões e circunstâncias, como ensinar a amar uma cidade, educar os mais novos para que aprendam a valorizar vivências de outro tempo, cultivar nas gerações o reconhecimento de posturas, concepções e modos de fazer e dizer uma espacialidade.
A prática educativa advém de um conjunto de normas e textos
normativos que, historicamente, foram hierarquicamente sendo inculcados às
pessoas, sobretudo, às mulheres. Os conjuntos de normas, geralmente, estão
“expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou
jurídicas e tipicamente tomam a forma de uma oposição binária [...]” (SCOTT,
1989, p. 21).
A educação escolar, tradicionalmente, se apropriou de textos normativos
e regras que remodelavam comportamentos. Principalmente na educação dos
colégios de ordem religiosa, cujos padres e freiras dirigiam, a formação foi
fortemente voltada à religião e seus preceitos. Nesse sentido Julieta Gadelha
demonstra, nos elementos constitutivos de sua escrita, os traços de sua
108
formação representados no apego a Sousa, na forte presença de padres e
construções de igrejas, além de comportamentos direcionados às mulheres.
A prática educativa é aqui compreendida por um conjunto de fatores
sociais que, no caso de Julieta Gadelha, contribuíram para conhecer a
identidade de uma sociedade, marcada pelo tradicionalismo, pela forte
religiosidade, pelos costumes que condicionam e influenciam as pessoas até
hoje.
A prática educativa, portanto, parte de um conjunto de fatores sociais mais amplos que a condicionam, influenciam e direcionam fazendo com que os conhecimentos e as experiências de cada indivíduo se tornem meios para a transformação de uma localidade. (LIBÂNEO, 1994, p. 16)
Os fatores sociais são mencionados através da inserção de Julieta
Gadelha na vida cultural sousense a partir da publicação das obras que
escreveu como as crônicas para a Revista Letras do Sertão, iniciadas na
década de 1950, o livro Crônicas para mamãe ler, publicado em 1965 e o livro
Antes que ninguém conte, publicado em 1986. Por isso, tomamos estas obras
como base e referência para o nosso trabalho.
As obras foram lidas e delas extraídas os conteúdos que representam a
maneira como pensava, as reminiscências de sua infância, e principalmente, o
contexto social sousense apresentado. A autora mostra curiosidades, aspectos
religiosos, projetos arquitetônicos que permanecem no legado e na cultura
sousense até os dias atuais. Nesse sentido, se destaca como historiadora local
e marca sua prática educativa:
ao aproximar determinada época/fato/processo com a realidade mais imediata, pois, dessa forma, podemos descobrir como as pessoas se relacionavam, como viviam em grupo e estabelecer relações com o presente (SOUSA, 2015, p. 137)
Para uma melhor compreensão de sua escrita, apresentamos o início de
sua trajetória, através das publicações da Revista Letras do Sertão.
Consideramos que se faz necessário apresentarmos um pouco sobre a referida
revista e sua representação para, em seguida, traçarmos uma linha de
raciocínio sobre o que Julieta Gadelha publicou e como foi sua inserção nesse
meio literário.
109
4.1 A atuação de Julieta Pordeus Gadelha na Revista Letras do Sertão
A Revista Letras do Sertão era um “órgão de divulgação literária”
idealizada por um grupo de intelectuais denominado de A Panelinha que se
reunia na antiga Sorveteria Flor de Lis ou no Éden Clube, na cidade de Sousa,
em fins da década de 1940. (MATOS, 2004, p. 20). Leitão assim recorda
(2000, p. 205) “uma das melhores lembranças que ainda guardo da minha
permanência em Sousa está intimamente ligada à “A Panelinha”, modesta
agremiação literária que tanto movimentou a juventude daquela cidade”
O contexto social e cultural pelo qual vivia Sousa, nos preâmbulos que
antecedem a criação da Revista Letras do Sertão, era de grandes choques de
interesses entre políticos e uma intensa ignorância intelectual por parte do
povo.
Assim é caracterizada a cidade de Sousa, quando se deu a criação de
Letras do Sertão, por um de seus colaboradores:
[...] De muito atraso material e social. Televisão não existia, e na cidade, em termos otimistas não havia mais de dez receptores de rádio. Poucas pessoas, além disso, interessavam-se em possuí-los. As contradições e choques de interesses, apesar de evidentes, passam impercebidos no dia-a-dia, extravasam somente nos períodos eleitorais. A história e o mundo, a rigor, conhecia-se através de livros, de relatos e explanações de pessoas requintadas, superiores, influentes, diferentes do comum dos mortais - padres, mestres, doutores, algo nesse nível, vistos sempre à distância. (MATOS, 2004, p. 24)
Se a história era conhecida através dos livros e de pessoas requintadas,
há que se destacar que na época, década de 1940, nem toda a população
sousense tinha acesso a eles, o que caracterizava uma grande distância social
entre o povo e a elite intelectual. Além disso, o mesmo autor enfatiza a forte
presença da Igreja Católica na sociedade sousense. Segundo ele, os “desvios
eram corrigidos com a doutrina social da Igreja, fundada no santo operário, São
José, o pai de Jesus”. (MATOS, 2004, p. 25)
Nesse contexto, o grupo A Panelinha também foi criticado por membros
da Igreja católica, que temiam que as reuniões fossem de caráter maçônico
110
fazendo com que rumores chegassem aos ouvidos dos seus integrantes.
“Dizia-se que a sociedade tinha caráter maçônico e, como tal, passou a ser
combatida pela Igreja através dos sermões do cônego Oriel que fustigava o
comportamento daqueles jovens desviados”. (LEITÃO, 2000, p. 209)
Mesmo com críticas por parte de membros da igreja, tiveram
participação nas publicações da revista, alguns de seus representantes, como
frei Batista, irmão de Julieta Gadelha e monsenhor Gervásio Coelho. Além
destes, intelectuais locais como Cristiano Cartaxo, Virgílio Pinto de Aragão,
Firmino Leite, Marcílio Mariz, Eládio Melo, Deusdedit Leitão, nomes que são
consagrados na literatura e história local, tiveram intensas participações. Há
também, contribuições de outros intelectuais da Paraíba e do Brasil como João
Romão Dantas, Ariano Suassuna, Câmara Cascudo, Virgínius da Gama e
Melo, entre outros.
A carta convite de lançamento da revista, que solicitava “a colaboração
dos mais conhecidos beletristas paraibanos e de outros centros do país”, assim
menciona:
A direção da nossa revista tem como norma principal do seu programa servir ao sertão paraibano na divulgação de trabalhos literários que falem à alma de nossa gente e, para isso, contamos com a imprescindível colaboração dos nossos intelectuais que, de certo, não ficarão indiferentes à iniciativa dos que, mais uma vez, tentam servir à imprensa indígena. Sem filiação a nenhuma das escolas literárias que atualmente revolucionam os meios culturais do país e mesmo sem a menor inclinação para quaisquer dessas „igrejinhas‟, respeitaremos a opinião dos nossos colaboradores porque a nossa intenção é pura e simplesmente criar um veículo para manifestação da cultura e da inteligência sertanejas. (LEITÃO, 2000, p. 264)
A carta convite tem nas suas entrelinhas, a marca dos seus fundadores
que pretendiam exaltar a cultura sertaneja e caminhar com a intenção de
inauguração a Revista Letras do Sertão. Assim diz em sua página inicial:
“Fazemos obra desinteressada e quase nenhuma vaidade nos assiste:
verdadeiramente o nosso único e principal objetivo é proporcionar aos
intelectuais de nossa terra, ensêjo de publicarem seus trabalhos”. (Letras do
Sertão, 1951, p. 1)
111
Fica claro no objetivo da Revista, o público a que ela teve acesso,
grupos composto por intelectuais sertanejos, paraibanos e de outros estados
do país.
Imagem XXXVI: Apresentação da primeira edição da Revista Letras do Sertão Fonte: Acervo pessoal de Evilásio Marques Pinto - seu Vila.
112
Sendo assim, a inauguração de Letras do Sertão se deu em 2 (dois) de
novembro de 1951 em comemoração ao centenário do Dr. Silva Mariz,
respeitado intelectual sousense e conhecido médico no estado da Paraíba. A
referida revista chegou a passar por três fases distintas que foram desde a
inauguração até 1967.
Segundo Matos (2004), a primeira fase vai de 2 de novembro de 1951
até o número 22, de julho de 1961 se estendendo, portanto, durante dez anos.
Durante este tempo, Deusdedit Leitão, Alberto Xavier e Sérgio Fontes foram os
responsáveis pela direção e redação da revista. “Já em 1954 Alberto ficou
como único diretor de LETRAS DO SERTÃO e os seus colaboradores mais
próximos passaram a condição de redatores” (LEITÃO, 2000, p. 268).
Ainda de acordo com Leitão (2000), a revista teve a direção de Walter
Sarmento de Sá, de 1961 até 1963, quando encerra a primeira fase. Já para
Matos (2004), este marca a segunda fase da Revista Letras do Sertão:
Desta vez dirigida por Walter Sarmento de Sá, um colaborador entusiasta da realização, que colocou o seu prestígio de magistrado a serviço do periódico, para arrecadar fundos para as despesas de impressão, e para descobrir colaboradores e textos para publicação, compreende o período de outubro de 1961 a dezembro de 1963, e encerrou a sua circulação com o número 26, do mencionado mês e ano, tendo enfrentado os mesmos percalços do período ou fase anterior, editando apenas quatro números. (MATOS, 2004, p. 45)
De 1967 até 1968, volta a circular a Revista Letras do Sertão,
caracterizando a terceira fase, sob a direção de “Ana Lúcia Gomes Barreto N°
27 e Antônio Nóbrega Gadelha N°s 28, 29, 30 e 31” (MATOS, 2004, p. 46).
Em 1967 voltou a circular, com uma roupagem diferente. O seu reaparecimento resultou do esforço de um grupo de jovens que tentou manter “aquela chama bendita” para maior glória e renome da terra natal. Foi um gesto altaneiro que não logrou o êxito que esperava. [...] (LEITÃO, 2000, p. 269)
Os conteúdos veiculados pela Revista tratavam, na maioria das vezes,
sobre a história de Sousa, alguns textos apresentavam, inclusive, documentos
completos de doação de terras, arquivos das igrejas. Outros conteúdos
veiculados foram mais variados e iam desde a política, assuntos do cotidiano,
até aspectos da vida pessoal dos autores.
113
Por sua vez, na oportunidade, historiadores locais pesquisam, comentam, exaltam e registram fatos da vida do município desde o seu surgimento como simples capela e orago, extraem de documentos velhos e “carunchosos” a verdade histórica. (MATOS, 2004, p. 28)
Julieta Gadelha entrou para a Revista Letras do Sertão, na primeira fase
de circulação. Sua publicação inicial acontece, edição de número 6, ano 2, em
março de 1959 com a crônica intitulada Igual Desdita.
Imagem XXXVII: Capa Revista Letras do Sertão, ano 2, edição de número 6 onde
Julieta Pordeus Gadelha tem sua primeira publicação.
Fonte: Evilásio Marques Pinto - Seu Vila.
114
A crônica Igual Desdita, publicada por Julieta Gadelha, possui apenas
quatro estrofes e fala sobre uma desilusão amorosa:
Por uma estrada eu saio a caminhar Com passo firme e vagarosamente... Porém, no meio da estrada, a soluçar. Surge uma jovem, triste, à minha frente. No seu dorido soluço, a prantear, Apressa a marcha e tomba de repente. – Magoaste, amiga? Quem te faz chorar? Ela os olhos levanta docemente. E assim responde: “o amor que te roubei Hoje o perdi e choro sem conforto A ilusão que, ingênua, acalentei!...” E acarinhando a amiga desleal, Sinto com ela o seu cruel desgosto E convido-a a lamentar a sorte igual.
Talvez a crônica tenha sido escrita por causa de uma mágoa amorosa
da própria Julieta Gadelha, que não quis se identificar colocando a amiga como
a pessoa que sofreu o desgosto.
“A mocidade das escolas tinha acolhida generosa. Foi nesse ambiente
que surgiu o nome de Julieta Gadelha” (CARTAXO, 1965, p.1) compondo um
quadro de participação entre as 35 (trinta e cinco) mulheres que colaboraram
com a Revista Letras do Sertão, relatando aspectos da história local e de sua
vida pessoal, “versando assuntos diversos aqui e ali no cotidiano da vida
sertaneja” (Ibid, 1965).
Nas outras duas fases, a escritora também se faz presente, com a
publicação de outros textos. Para uma melhor compreensão, elaboramos um
quadro com títulos de suas publicações na revista:
115
QUADRO III:
PULICAÇÕES DE JULIETA PORDEUS GADELHA NA REVISTA
LETRAS DO SERTÃO
Fases da Revista
Letras do Sertão
Número da
Publicação
Publicações de Julieta
Pordeus Gadelha
PRIMEIRA FASE:
novembro de 1951 a
julho de 1961
Número 6 Igual Deusdita
Número 7
Amor que nasce
Número 8
“Que Importa?”
Número 9
O Natal de Zelinha (conto)
Soneto
Número 10
Primeiro de Maio
Número 11
Modernismo
Número 12 Intelecto e casamento
Número 13 Em busca da vida ou da morte?
Número 14 Amigos
Número 15 Minha Primeira Farda
Número 16 Resignação, uma lição
Número 17 Atenção, Loteria Informa! O legado de um canário lutador
Número 18 Reminiscências
Número 19 Desembargadores sabem coar café
Número 20 Gratidão de Seresteiro
Número 21 Esse meu tio
Número 22 Quem quer ser meu pai ou minha mãe?
Fonte: Livro Letras do Sertão: sumário cronológico 1951/1968
116
Fases da Revista
Letras do Sertão
Número da
Publicação
Publicações de Julieta
Pordeus Gadelha
SEGUNDA FASE:
Outubro de 1961 a
dezembro de 1963
Número 23 Inversão de valores
Número 24
Chá de Burro
Número 25
À base de caridade
Fonte: Livro Letras do Sertão: sumário cronológico 1951/1968
Bb Fases da Revista
Letras do Sertão
Número da
Publicação
Publicações de Julieta
Pordeus Gadelha
TERCEIRA FASE:
Março de 1967 a março
de 1968.
Número 26 O tolo risonho
Número 27
Eu vi o doutor chorando (a crônica de um momento)
Número 28
A face cruel da justiça
Numero 29 O santo e a chuva
Fonte: Livro Letras do Sertão: sumário cronológico 1951/1968. Autor: Eilzo Nogueira
Matos
Muitas foram as crônicas publicadas pela escritora Julieta Pordeus
Gadelha trazendo costumes, nomes e fatos, histórias de vida, pessoas que
deixaram seus registros nas ruas, praças e avenidas, caracterizando cotidianos
de outrora.
Entre as figuras ilustres de suas publicações na Revista, está o seu tio,
professor Virgílio Pinto de Aragão, a quem presta homenagem, dando-lhe
diversas características como na crônica intitulada Êsse meu tio, edição de
número 21, em que fala: “No batismo recebeu o nome de Virgílio; o que usa
nos documentos é Virgílio Pinto de Aragão, o nome de cartório. Para os amigos
e os de casa é Senhorzinho, professor Senhorzinho. (GADELHA, 1961, p. 12)
117
Após a breve caracterização do tio, professor Senhorzinho, Julieta
Gadelha denota a importância de sua contribuição para a educação sousense:
“Aqui, todo mundo o tem como o pai da instrução em Sousa, pois desde muito
cedo dedicou-se à elevada missão de professor. Quem sabe ler, aqui, a êle
deve esse quinhão, essa herança benfazeja”. (Ibid, p. 12)
Após a morte do professor Senhorzinho, a escritora Julieta Gadelha,
publica uma crônica intitulada Tio Senhorzinho, em que menciona sua
participação na Revista Letras do Sertão:
Franzino e pequenino, tio Senhorzinho foi grande demais para Sousa. Há pouco, em “LETRAS DO SERTÃO, escrevi a minha primeira impressão sôbre êle. Era uma crônica cheia de humor que a êle próprio causou riso, comentou isso depois, comigo. Apesar do humorismo, não deixei de enaltecer a sua capacidade no Magistério, que exercia com alma apaixonada, cheia de calor. Foi êle quem deu a Sousa o valor intelectual no qual ela é conhecida. (GADELHA, 1965, p. 152)
Em outras publicações, na revista Letras do Sertão, relata aspectos de
sua vida pessoal, de suas reminiscências, como ela menciona. Ao falar de sua
meninice, Julieta Gadelha ressalta que não tinha os sonhos bons realizados,
como as outras crianças. No texto reminiscências, publicado na Revista de n°.
18, ela assim relata: “Pelas minhas recordações, pelas cenas que guardo da
minha meninice, pressinto que não tive uma infância como das outras crianças.
Uma infância repleta de sonhos bons realizados [...]” (GADELHA, 1959, p. 12).
A forma como escreve, carregada de significados e de saudosismo,
revela uma criança cheia de sonhos, muitos deles proibidos, como a vontade
de ver estrelas, ao anoitecer.
– Menino dorme com as galinhas! Dizia mamãe conduzindo-me à
cama antes que a noite chegasse com o seu manto negro, bordado de prata. Eu me conformava com aquilo, reprimindo aquele anelo e achando que, um dia, poderia conhecer as estrelas e a lua no seu esplendor celeste. [...] Eu tinha uma alma excessivamente sentimental e me sentia infeliz por essas pequenas cousas que pareciam um vago na minha vida. (GADELHA, 1959, p. 12)
Tolhida pela mãe na vontade de ver as estrelas e a lua à noite, a menina
Julieta Gadelha escreve como se comparasse a outras crianças de sua época.
Talvez as crianças que brincavam na rua a noite, não fossem as de sua classe
118
social que se recolhiam cedo por conta da educação rígida que tinham,
sobretudo, as mulheres.
Acreditamos que o sentimentalismo presente na menina Julieta, tenha
sido um ingrediente necessário para a composição de sua escrita, sempre
carregada de fortes características memorialísticas e poéticas.
Pudemos perceber nos textos que tivemos acesso, publicados na
Revista Letras do Sertão, que seus conteúdos são marcados pelo saudosismo,
pelas memórias da infância, além de alguns episódios que lhe causavam
revolta e eram criticados pela autora.
Em O legado de um canário lutador, texto publicado no ano de 1959,
edição de número 17 da Revista Letras do Sertão, Julieta Gadelha demonstra
sua sensibilidade ao ver pássaros engaiolados enquanto escreve,
caracterizando-os “como vítimas involuntárias, predestinadas à escravidão”.
Há, enquanto escrevo, uma gaiola à minha frente. Encarcerados vivem dois lindos canários, sem dúvida, a mulher e o marido. Êles cantam, porém, no canto a gente sente que eles sofrem a angústia de um casal de homens a quem foi imposta a pena cruel de não poder ter descendência. Eu interpreto o cantar dessas avezinhas como um apêlo àquela que seria a sua D. Isabel, Princesa da Liberdade que, em vez de uma pena de ouro, usasse apenas os dedos no frágil, mas seguro fecho da portinhola. (GADELHA, 1959, p. 27)
Talvez O legado de um canário lutador tenha sido um texto não só de
desabafo, mas uma forma de protesto e denúncia contra os abusos aos
animais, já que a Revista Letras do Sertão era um órgão de divulgação
conceituado no meio intelectual. Há nas palavras de Julieta Gadelha, uma
tentativa de colocar a situação em que vivia os animais, como forma de
indignação, de abuso, sobretudo dos homens quando diz que “os canários são
vítimas eternas do sadismo da rapaziada”. (Ibid, p. 27)
Também percebemos que ela carrega, na crônica, traços de sua
formação voltada para a religiosidade ao mencionar que os canários eram, sem
dúvida, a mulher e o marido e que tinham a pena cruel de não ter
descendência. Era o apego e a valorização à família, tão presentes no discurso
da religião católica, que Julieta Gadelha seguia. Além disso, destacamos que
119
para uma mulher escrever numa revista cuja maioria dos autores, era homem,
um texto em tom de indignação contra uma prática que até hoje é corriqueira
no Sertão, caracteriza como um desafio já que se trata da década de 1950.
A sociedade da época ainda tinha uma visão muito diferenciada entre as
relações de gênero. O sexo feminino, o “sexo frágil”, era considerado
direcionado para o casamento, para a criação dos filhos, no máximo, com
acesso à Escola Normal, sendo que em algumas vezes, a profissão sequer
chegava a ser exercida. Exemplo disso foi o relato de uma estudante egressa
da Escola Normal São José, formada no ano de 1955. A mesma nos informou
que apenas concluiu o curso, não chegando a exercer a profissão porque se
casou em seguida.
Mesmo com acesso a educação e ocupando alguns cargos no mercado
de trabalho eminentemente masculinos, a mulher lutava pelo acesso a
escolarização e o reconhecimento de seus direitos.
A sociedade da época apresentava posições antagônicas em relação à luta da mulher pela escolarização e pelo reconhecimento de seus direitos. Por um lado, considerava-se positivo o fato de a mulher estar ocupando espaços antes predominantemente masculinos. E o fator educação transformava a mulher em um ser digno de respeito e admiração. Por outro lado, a mulher que adquiria instrução e lutava por ocupar um lugar no mercado de trabalho, que expunha suas idéias, comportava-se mais livremente, mudando hábitos e comportamentos, era considerada um perigo para a família, para os homens, e, consequentemente, para a sociedade. (NUNES, 2006, p. 118)
Havia ainda na sociedade, uma preconceituosa visão sobre as mulheres
que reivindicavam seus direitos e consequentemente, com as que não se
casavam, com as feministas, principalmente. A própria imprensa contribuía
com tal preconceito acentuando a caracterização desse tipo de mulher como
feia, mal amada e não realizada, mesmo que casasse.
Era comum os jornais exibirem caricaturas de mulheres enfatizando que a mulher desejosa de participar das decisões políticas e exigente de seus direitos é feia, por isso, não arranja casamento, e consequentemente torna-se descontente, frustada e vingativa. (NUNES, 2006, p. 122)
120
Em Sousa, na década de 1950, existia o preconceito à mulher. Em um
texto intitulado Intelecto e Casamento, publicado na Revista Letras do Sertão,
de número 12, em junho de 1955, Julieta Gadelha revela traços de seu apoio à
mulher escolarizada, intelectual e que ocupava cargos antes ocupados apenas
por homens. O texto é resposta a uma discussão iniciada numa viagem de
trem, entre Julieta e um amigo. “Naquela viagem de trem, aliás, péssima
viagem, começamos a nossa discussão. Talvez, para que eu lhe desse
atenção, você começou a falar alto, sobre o “sexo.”” (GADELHA, 1955, p. 15)
Sexo, no sentido que é utilizado na conversa, trata-se da divisão binária
entre os sexos masculino e feminino, aos papeis sociais que eram designados
ao homem e à mulher. Na verdade, o amigo de Julieta Gadelha criticava a
mulher que “se metia nas letras” ou ficava para “titia”, sendo, por isso,
desprezada pelos homens. Para ele, as que chegavam a se casar, eram
infelizes. Esta era uma opinião não somente sua, mas da maioria dos homens.
“Compreendi logo que você é um inimigo arraigado da mulher letrada” (Ibid, p.
15).
Para a opinião do amigo, Julieta Gadelha, (Ibid, p. 15) assim responde:
“Há verdade nisso? pergunto. Afirmo-lhe, mais uma vez que nem todos
pensam assim. Acho que só você e uns poucos. E se pensam assim talvez
seja porque se sentem diminuídos deante da capacidade cerebral de algumas”.
Segundo a narrativa da autora, a conversa chamara-lhe atenção porque
pendeu para a injustiça, o que fez com que pouco a pouco, ela participasse da
discussão. Para as afirmações do amigo, Julieta Gadelha defende que,
atualmente, a mulher não é mais forte que o homem, citando a maternidade
como exemplo e contrariando a posição de sexo frágil:
A maternidade poderia provar que a mulher é mais forte. Muitos médicos atestam que preferem intervir em mulheres pois estas suportam melhor as dôres. O homem, para passar uma noite acordado é preciso levar como companheira uma garrafinha de alcool, do contrário fracassaria. A mulher passa noites e mais noites acordada velando pelo filhinho doente. Não é preciso alcool para sustentá-la e a fadiga raramente lhe ataca. (GADELHA, 1955, p. 15)
121
Mesmo a autora tendo defendido as mulheres, há uma parte na crônica
em que fala que “no casamento, a mulher não deve ser superior ao homem,
especialmente no grau de cultura”, ou seja, no nível de instrução. Esta parte
revela que ainda que tenham avançado intelectualmente, ocupado postos de
trabalho, a mulher ainda obedecia à configuração social de superioridade
masculina, principalmente no casamento, em que os princípios e conceitos
eram orientados por uma ideologia masculina.
Essa configuração social determinada pela divisão de gênero, “como um
produto cultural adquirido e transmitido nas estruturas sociais” (ALMEIDA,
1998, p. 43) em que o homem era o sexo forte, o belo sexo e a mulher, o “sexo
frágil”, foi herança da sociedade patriarcal brasileira.
Em romances regionalistas da década de 1930, como São Bernardo de
Graciliano Ramos, a personagem Madalena, esposa de Paulo Honório, é
professora normalista sendo considerada, algumas vezes, motivo de orgulho
do marido por ter estudado. Outras vezes, motivo de medo, já que Madalena
tinha ideias próprias, chegando a opinar nas conversas entre o marido e outros
fazendeiros, era uma mulher diferenciada de sua condição social feminina por
causa do acesso aos estudos que tivera. Além disso, Paulo Honório se sente
diminuído diante de sua condição social de homem rude, bruto, sem instrução
se comparado a Madalena, professora, culta e educada.
Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. A profissão é que me deu qualidades tão ruins. E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda a parte! A desconfiança é também conseqüência da profissão. Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. [...] (RAMOS, 1964, p. 176, grifos nossos).
O ideário de uma mulher intelectual como ameaça para o casamento
permaneceu na sociedade brasileira da década de 1955, quando foi escrita a
crônica e também, nos anos seguintes. A mulher, ainda que tivesse acesso à
educação escolarizada e fosse, por isso, diferenciada das que não tiveram
acesso, estava subjugada à condição masculina. Segundo Scott, (1989, p. 26)
“Uma afirmação de controle ou de força tomou a forma de uma política sobre
as mulheres. Nesses exemplos, a diferença sexual tem sido concebida em
termos de dominação e controle das mulheres”.
122
Nesse ideário, para a sociedade da época, as mulheres deixaram de
“ser as procriadoras incultas para tornarem-se as futuras esposas educadas,
conhecedoras das necessidades do marido e dos filhos, alicerces da moral e
dos costumes, fiéis guardiãs do lar cristão e patriótico”. (ALMEIDA, 1998, p. 35)
Daí se explica toda a crítica feita, pelo amigo de Julieta Gadelha, à
mulher intelectual da época como um perigo para o casamento. Nesse sentido,
a mudança nas normas impostas à condição social feminina, segundo Scott
(1989, p. 21) “dependem da rejeição ou da repressão de outras possibilidades
alternativas” como fez Julieta, ao questionar a opinião do amigo.
Mesmo vivenciando as críticas do preconceito contra a mulher
intelectual, Julieta Gadelha enfrenta o amigo e elenca motivos para que a
mulher seja reconhecida como digna dos direitos conquistados, alegando as
qualidades que tem um matrimônio com uma mulher intelectual.
Há algum tempo atrás, os cargos de responsabilidades eram entregues somente a homens. Hoje, no entanto, as fábricas, repartições públicas, ministérios, assembléias, etc... estão repletas de “saias” competentes, graças ao seu desenvolvimento cerebral. Disse você ainda amigo, que a “obrigação única da mulher é a doméstica, e que jamais se casará com uma moça que goste de ler romance, especialmente, a tal da poesia”. Respondo-lhe, para concluirmos, que a mulher não é apenas para manejar panelas, cabo de vassoura, e cortar cêbolas. Não. Dentro do lar também é preciso uma dose de romantismo, poesia e inteligência para completar o ambiente de felicidade. Lendo e escrevendo, tôda mulher tem mais senso de entendimento, busca sempre a harmonia e a paz nas pequenas coisas (GADELHA, 1955, p. 16, grifos nossos).
As justificativas de Julieta Gadelha revelam uma escritora que não
mediu esforços para defender a mulher que estudava, que trabalhava fora de
casa, a mulher que ultrapassava os muros do lar. Para ela, esta também
poderia se casar, inclusive contribuindo para a harmonia no lar. “Penso que
não há perigo de desilusão matrimonial para a mulher que goste das lêtras,
tudo depende do “bilhête de cada uma””. (Ibid, p. 16)
Numa outra crônica intitulada Desembargadores sabem torrar café, de
1960, Julieta Gadelha relata sua experiência ao visitar o Tribunal de Justiça,
em João Pessoa - PB. Segundo a escritora, sempre teve muita curiosidade em
visitar aquele lugar, frequentado por homens, magistrados. Assim se justifica:
123
“Pretextando assistir ao concurso para juiz de direito que ali se realizaria, e
para o qual eu tinha um irmão inscrito como candidato, mesmo sob sua reação,
consegui que êle me levasse até lá” (GADELHA, 1960, p. 2).
Sua presença feminina chamara a atenção dos magistrados que lhe
“olhavam de esguelha”, como quem perguntavam “quem era e o que estava
fazendo ali”. Teve tanto medo que sentiu repulsa, procurando “recuar,
caminhando de volta para as escadas” (Ibid, p. 2). Para Julieta Gadelha, aquele
ambiente sério, masculino e de gravidade, pois se tratava do setor de justiça foi
contrastado com o jeito “sereno e jovial” do presidente do Tribunal de Justiça.
“Se o presidente do Tribunal é tão sereno, jovial, nada há que temer”. Voltou,
então a observar os magistrados.
Porém, além da mobília e das fisionomias dos desembargadores, o que
mais chama atenção de Julieta é a conversa que os magistrados tinham
enfatizando que sabiam torrar e coar café.
Ouvi Magistrados conversando assuntos de donas de casa. Imaginem só!... Discutiam a maneira de se torrar e coar o “melhor café”, a expressão era deles. [...] Quem diria hem!!! no Tribunal, os Desembargadores discutindo tal assunto, quem sabe? para quebrar a rigidez do ambiente! Foi a minha maior emoção. (GADELHA, 1960, p. 3)
Nesta crônica, Julieta Gadelha demonstra sua admiração pelo fato de
homens magistrados da área jurídica, tão séria e rígida, conversarem assuntos
que são de mulheres, especificamente, de donas de casa. Se fazer parte da
magistratura, naquela época, era privilégio dos homens, imagine esses homens
conversarem sobre afazeres de mulheres? Percebemos, na crônica, as
“relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos”
(SCOTT, 1989, p. 21).
Na verdade são símbolos que caracterizam o gênero, que foram
culturalmente direcionados, atribuindo papeis “que evocam representações
múltiplas (frequentemente contraditórias)” (Ibid, p. 21)
Quando se inicia a segunda fase da Revista Letras do Sertão, a partir de
outubro de 1961, depois de dois meses sem ter sido publicada, a apresentação
124
da Revista destaca o contexto de profundas crises sociais pelas quais passava
o Brasil da época, enfatizando, inclusive o discurso proferido pelo padre João
Cartaxo Rolim, no dia 1° de maio, dia do trabalho, em que diz que o Movimento
Operário não é comunista, foi o sindicalismo dos operários aproveitado pelos
comunistas como arma ideológica.
Esse contexto revela as características que antecederam o Golpe Militar
de 1964, quando os movimentos operários eram tidos como ações dos
comunistas. Foi nesse contexto que Julieta Gadelha publicou uma crônica em
que não destaca mais a mulher romântica, a mulher que se casa por amor e
sim, a mulher interesseira.
Na crônica Inversão de valores, publicação da edição de número 23, da
segunda fase de Letras do Sertão, a autora revela seu posicionamento diante
do amor por interesses das mulheres materialistas.
Nesse mundo de ideais sacrificados em benefício da corrupção e da ganância, a posição da mulher é mais triste ainda. Está crescendo assustadoramente o número de mulheres materialistas em relação ao amor, e este, por sua vez, está desaparecendo para ceder lugar ao interesse. (GADELHA, 1961, p. 19)
O amor materialista seria na verdade, uma reação feminina, pois, já
tendo sofrido diante do amor, com as atitudes dos homens, agora inverteram
os valores. Nas palavras de Julieta Gadelha, fica perceptível que este tipo de
amor “já foi muito explorado pelo sexo oposto; agora a mulher aderiu, e
aprendeu essa transação anti-sentimental que faz inverter a posição dos
valores” (Ibid, p. 19).
No texto em questão, Julieta menciona que este amor materialista é um
problema da mulher moderna. Nesse sentido, a autora afirma que as adeptas
ao conservadorismo, são consideradas pela sociedade, como retrógradas e
fora de seus direitos.
Nada vale hoje em dia e tudo depende do dinheiro. Isso de amor é cousa secundária. A mulher que permanece adepta da classe “conservadora” para aquela que só acredita no progresso do amor por meio do metal, não passa de retrógrada e fora dos seus direitos. (GADELHA, 1961, p. 20)
125
Considerando que a crônica data de outubro de 1961, segunda metade
do século XX, os discursos sobre a mulher começavam a ser modificados dos
que a colocavam como abnegada do lar, e passavam a apresentar a mulher
“como vítima do poder masculino, a eterna oprimida por uma sociedade fálica e
patriarcal, a receptora passiva das imposições sociais, porém, detentora de um
certo potencial de resistência contra a opressão.” (ALMEIDA, 1998, p. 19)
Nesse momento em que as mulheres buscam autonomia de liberdade e
igualdade de direitos através dos movimentos feministas espalhados pelo país,
o conteúdo abordado por Julieta Gadelha nos parece ser uma expressão de
quem já convivia com situações em que as mulheres não viviam mais o amor
arranjado, o amor romântico e tinham coragem para experimentar situações
que lhes conviessem, inclusive do amor materialista.
Isso explica um pouco do contexto social pelo qual passava o país na
década de 1960, com os movimentos feministas reivindicando a liberdade
sexual e a igualdade de gênero.
A partir das décadas de 1960 e 1970, tomou forma, no Brasil, o que em outros países já existia sob o nome de movimento feminista. Esse movimento tinha por objetivo fundamental a conquista de direitos iguais aos dos homens para as mulheres, quer fosse no trabalho, na família, na religião, na educação. Foi uma luta que se espalhou por diversos campos e se fez de muitas formas. (LOPES & GALVÃO, 2001, p. 68)
Sobre os movimentos feministas que estavam aguçados no Brasil,
sobretudo na década de 1960, Scott (1989, p. 19) nos afirma que estão
embasados no pensamento de que é “uma história de recusa da construção
hierárquica da relação entre masculino e feminino; nos seus contextos
específicos é uma tentativa de reverter ou deslocar seus funcionamentos. [...]”.
Portanto, discutir ou encontrar situações como a relatada na viagem de
trem por Julieta Pordeus Gadelha, é comum em livros publicados por mulheres
naquela época. Trata-se se textos que através de situações específicas,
acabam retratando o contexto social vigente da época. Nesse sentido, os
acontecimentos narrados na vivência de Julieta Gadelha estão articulados a
uma história coletiva mais ampla, pois, “temos que tratar do sujeito individual
126
tanto quanto da organização social e articular a natureza das suas
interrelações”. (SCOTT, 1989, p. 20)
Em outras publicações da Revista Letras do Sertão a que tivemos
acesso, Julieta Gadelha relata o apego que sempre teve à família,
principalmente, a sua mãe. Na edição de número 20 da revista, publica uma
crônica sobre sua infância, intitulada Gratidão de seresteiro em que relata uma
história engraçada da entrada de um grilo em seu quarto, denominando-o de
seresteiro.
Mamãe entrou em meu quarto de dormir, armada de um chinelo. – Que é isso, mamãe? – perguntei assustada, pensando que ela relembrava numa ação os tempos de quando fui menina rebelde e buliçosa que ela só conseguia acalmar surrando de chinelo.
– Procuro um grilo que não me deixa dormir! – disse com voz sonolenta e meio raivosa.
– Ah, não... a senhora pensa em matar o meu grilo, meu seresteiro?
(GADELHA, 1960, p. 23)
O apego demonstrado pela família é, mais uma vez, enfatizado no texto
Amigos, publicado no ano de 1956, edição de número 14 quando fala sobre a
dificuldade de se ter amizade verdadeira. No texto, Julieta Gadelha diz que os
amigos raríssimos, todos encontram na pessoa do pai, da mãe ou dos irmãos
(GADELHA, 1956).
Há quem confunda amizade com interesse. Possuir um amigo é raríssimo, entretanto tôda criatura a encontra na pessoa do pai ou da mãe ou do irmão, que são considerados amigos, fora de qualquer interesse material, quer no sentido de lucro, quer no desejo da fama. (GADELHA, 1956, p. 14)
É perceptível nas histórias relatadas nas crônicas a cumplicidade entre
Julieta Gadelha e sua mãe, uma vez que os diálogos são sempre cheios de
interrogações e explicações por parte da menina Julieta.
Tantas foram as crônicas escritas que em 1965, serviram de base e
conteúdo para a publicação da obra Crônicas para mamãe ler, ocasião em que
homenageia sua mãe. Sobre esta obra, de cunho memorialístico, trataremos
logo a seguir.
127
4.2. Aspectos biográficos e sociais na obra Crônicas para mamãe
ler, de Julieta Pordeus Gadelha.
Imagem XXXVIII: capa do livro Crônicas para mamãe ler.
Fonte: acervo pessoal da autora Ana Paula Mendes Silva
Em 1965, Julieta Gadelha reúne algumas crônicas publicadas na Revista
Letras do Sertão, além de outros textos inéditos num livro intitulado Crônicas
para mamãe ler. Nessa obra, a autora apresenta traços memorialísticos e traz
aspectos curiosos e interessantes que compunham o perfil social do município
de Sousa, emitindo opinião sobre questões da época como a política, a
religião, as festas tradicionais.
Na apresentação do livro, ela justifica o porquê de escrevê-lo, alegando
que fora uma razão de ordem sentimental muito forte: um pedido de sua mãe
com apoio e incentivo de seu pai.
128
Há muito que vinha sendo pressionada por insistentes apelos de minha mãe neste sentido: “Julieta, por que você não reúne estas crônicas em um livro, que possa levar ao público as coisas, os fatos e costumes de nossa gente?” – Eu sempre relutava... Os apelos de mamãe martelavam-me a cabeça como pensamentos maus, que eu afastava pensando estar em risco de cometer um grave pecado. Eu achava que era pura vaidade imprimir um livro quando não se tem a necessária bagagem para isso. Mas, depois, estive pensando comigo: – não é tão comum a gente fazer gravações particulares para os amigos e parentes, por que isto, sem vaidade nenhuma, lhes causa um prazer imenso? No meu caso, a vaidade seria unicamente de meus. Mas qual é neste mundo, o pai ou a mãe que não se enche de vaidade pelo que seus filhos realizam, seja lá de que maneira, aos olhos do público? Alguém já teve este pensamento: “surrem as mães, mas não batam nos filhos... êles são a sua vaidade!”
Por isso, só por isso mesmo resolvi publicar o meu livro, que não tem pretensões literárias, nem asas para voar alto.
Êle não pode estender-se além de cinqüenta quilômetros, além dos meus, de minha gente, de minha mãe... (GADELHA, 1965, apresentação do livro).
Fica na justificativa de Julieta Gadelha a constatação do que já
havíamos mencionado anteriormente, o apego a família, principalmente a sua
mãe, a maior incentivadora. Fica também constatado, o apego a Sousa, sua
terra natal, a sua gente, seus costumes, tudo é muito perceptível, à medida que
as crônicas vão revelando estes aspectos.
Na época da publicação do livro, Julieta Gadelha já fazia parte da roda
de escritores intelectuais do município de Sousa. Exemplo disso é a
participação de dois deles no prefácio: Cristiano Cartaxo, político do vizinho
município de Cajazeiras e Eládio Melo, professor da Escola Normal São José,
reconhecidos intelectuais dos meios literários da Revista Letras do Sertão.
Sobre a publicação do livro, assim escreve Eládio Melo, no prefácio do livro:
Os meios intelectuais sousenses estão em festa. Julieta Pordeus, a admirada intelectual contemporânea, que desfruta de largo prestígio em nosso setor literário, acaba de reunir, em livro, muitos dos belos contos que sempre escreve, com os quais, vêzes muitas, floriu as páginas de nossa revista “Letras do Sertão”, e de outras publicações do mesmo gênero. (MELO, 1965, p. 01)
O livro Crônicas para mamãe ler trouxe histórias carregadas de
simbolismo, ora apresentando costumes, modas da época em que foram
escritas, ora trazendo indignação, pessoas, aspectos sociais. A cada crônica
129
lida, um pouco da autora foi sendo mais revelado. “O que fica dito, diz bem da
simplicidade e da sutileza com que foram tecidas as crônicas ora arrancadas
do silêncio em que estavam guardadas” (CARTAXO, 1965, p. 01).
Segundo Chartier, (1991, p. 182), a diferença está no sentido que se dá
à escrita dos textos:
[...] Os autores não escrevem livros: não, escrevem textos que outros transformam em objetos impressos. A diferença, que é justamente o espaço em que se constrói o sentido - ou os sentidos -, foi muitas vezes esquecida [...].
Os sentidos e os sentimentos estão muito presentes na obra Crônicas
para mamãe ler, de Julieta Pordeus Gadelha, já que traz sua memória e seu
passado nos textos cheios de narrativas em torno do cotidiano em que vivia.
Julieta Gadelha conta sobre curiosidades de Sousa e cidades
circunvizinhas. Um desses exemplos acontece na vizinha cidade de Pombal,
numa casa de construção inacabada, que sempre chamara atenção de todos
que por lá passavam.
A casa inacabada, segundo a autora, dava a impressão de negligência
da administração pública ou de castelo mal assombrado, mas se tratava de
uma casa que estava sendo construída para um casal morar, após o
casamento. A construção da casa havia parado após o rompimento da noiva,
pois não sentia mais amor.
Quem tiver oportunidade de passar por Pombal procure conhecer a “casa do desencanto”, na rua principal, na construção inacabada, que dá impressão de negligencia de administração pública ou de castelo mal assombrado. (GADELHA, 1965, p. 18)
Na crônica A casa do desencanto, Julieta Gadelha descreve a situação
em que se encontravam os noivos após o rompimento. Foi uma história que
nos chamou atenção pelo sentimentalismo trazido pela autora.
Além destas histórias, que mais parecem causos em que ficamos nos
perguntando se realmente aconteceram, muitas foram as curiosidades sobre o
cotidiano sousense daquela época em que ela escreveu o livro e que se fazem
presentes até hoje, como as campanhas políticas, os velórios, as festas nas
130
casas das pessoas, os modos de se vestir, enfim, são cotidianos que vão
sendo contados e revistos na atualidade.
Em algumas crônicas de Julieta Gadelha, nos sentimos em Sousa da
nossa época de infância, com os mesmos costumes, as mesmas situações
corriqueiras. No texto intitulado “Sepultando os mortos”, a autora expressa sua
opinião quanto ao mal comportamento das pessoas nos velórios e enterros.
Para ela, há um fingimento em torno de algumas pessoas que visitam os
velórios e acompanham o cortejo, muitas vezes, em tom de “algazarra, em
comportamento de quem acompanha bloco de carnaval. Não achei analogia
mais apropriada” (GADELHA, 1965, p. 105).
Diante da leitura desta crônica, percebemos que Julieta Gadelha
apresenta traços característicos das cidades do interior em que, ocasiões como
essas, servem para muita gente se encontrar, inclusive políticos com eleitores,
na tentativa de garantir o voto:
Uns acompanham a procissão com propósito eleitoreiro. Sim, Senhor! Já ouvi de alguém que perder um enterro é quase perder um voto. Aqui vemos a política dos urubus, pois somente os urubus e seus semelhantes é que gostam de explorar a morte. E quando está próxima uma campanha eleitoral, os entêrros da época são muito concorridos. [...] (GADELHA, 1965, p. 105)
Em sua indignação com o real propósito que deveria ter um velório, a
autora vai narrando as diversas maneiras como as pessoas se apresentam e o
objetivo de cada uma delas na visita ao defunto e no caminho do cemitério:
Outros vão com espírito crítico: querem apenas olhar quem chora mais ou quem não chorou; quem fez cara feia; quem deu mais ataques, quem gritou e relembrou palavras, às vêzes insignificantes, do morto ainda em vida as quais, no momento, parecem tão cheias de significação. Há os que entram na casa onde está o féretro para apresentar os sentimentos enlutados. Antes vinham sorridentes, contando histórias engraçadas. No momento em que pisam dentro de casa, fazem um esfôrço e se cobrem repentinamente de uma tristeza fictícia, com o fito de demonstrarem o seu pesar pelo óbito. Abraçam os familiares do que deixa o mundo fingindo e até chorando com êles. Logo mais, no caminho do cemitério, se ajuntam aos que gostam de aproveitar a ocasião para discutir negócios, narrar histórias interessantes que divertem, criticar as caretas dos que pranteiam o defunto, etc... enquanto durar o percurso a sua última morada. (GADELHA, 1965, p. 105)
131
Todos os comportamentos das pessoas que visitavam os velórios da
época de Julieta Gadelha, se repetiram nos que fomos na cidade de Sousa e
em cidades vizinhas, o que mostra que muito da cultura ainda prevalece. Além
disso, a crônica nos revela uma grande ousadia da autora em apresentar estes
comportamentos, inclusive de políticos, pois, ao ler à crônica, alguém podia se
sentir constrangido por ter os mesmos comportamentos.
Em cidades do interior do Estado, sobretudo no Sertão, como é o caso
de Sousa, as eleições e campanhas políticas costumam ser muito fervorosas,
com divisões escancaradas de partidos, palavras de injúrias entre os
candidatos.
Em uma das eleições, que não está datada no texto intitulado
Campanha Política, Julieta Gadelha mostra indignação ao perceber que tem se
tornado um jogo de maledicências, uma coisa vil, repugnante. Os comícios são
muito comuns até hoje na cidade e sobre eles, a autora enfatiza que pela forma
como estava sendo conduzida a campanha política, a presença de senhoras e
senhoritas, talvez fosse proibida.
Não está distante o dia em que se anunciará: “hoje, no bairro tal, às tantas horas, comício pro candidatura Fulano de Tal... Atenção! É proibida a presença de senhoras e senhoritas, bem como de menores de 18 anos”. (GADELHA, 1965, p. 105)
Nesse sentido, percebemos as questões de gênero novamente
imbricadas no texto, pois a política sempre fora no Brasil considerada uma
ação cultural para homens. Ainda que a mulher se fizesse presente nos
comícios das cidades do interior, como em Sousa, sua presença seria vetada
pela forma como estavam sendo conduzidos os mesmos. Nesse sentido, tem
forte ligação o gênero com as relações de poder, tendo em vista que a política
tem um caráter, eminentemente, masculino que dá ao homem o poder de
governar, de assumir um cargo político como se fosse uma ordem natural ou
divina.
O gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político foi concebido, legitimado e criticado. Ele se refere à oposição masculino/feminino e fundamenta ao mesmo tempo seu sentido. Para reivindicar o poder político, a referência tem que parecer segura e fixa fora de qualquer construção humana, fazendo parte da ordem natural
132
ou divina. Desta forma, a oposição binária e o processo social das relações de gênero tornam-se, os dois, parte do sentido do poder, ele mesmo. Colocar em questão ou mudar um aspecto ameaça o sistema por inteiro. (SCOTT, 1989, p. 27)
Nessa época, o pouco tempo de conquista do voto pelas mulheres, que
se deu na década de 1930 e o cerceamento político eram suficientes para que
não fossem bem vistas em ambientes considerados masculinos, como o da
política. “Na concepção que vigorou no mundo civilizado ao longo dos séculos,
a culminância da existência feminina sempre se resumiu em amar, ser amada e
cultivar-se para a vida em sociedade” (ALMEIDA, 1998, p. 32).
Além do cerceamento das mulheres na política, também era comum na
época, como ainda é hoje, a imposição de códigos de vestuário.
Em 1964, chega ao Brasil, um modelo de traje de banho que causaria
muita polêmica, indignação e repúdio: o monoquíni. Quando se deu o
aparecimento desse tipo de roupa que se apresentava como novidade à moda
da época, deixando visível a parte do seio feminino, Julieta Gadelha escreve
uma crônica enfatizando o escândalo, a vergonha para as mulheres o uso de
tal peça de roupa, principalmente, a mulher católica.
A moda que excede todos os caprichos dos seus inventores, e reduz, às vêzes, a um baixo calão a moral das mulheres, tem agora um novo meio de desqualificar a mulher brasileira. É por intermédio da sumaríssima peça de banho que recebeu o nome de Monoquíni, e que está abalando tanto o belo sexo como o sexo dito forte, ávido de sensualismo.
[...] O pior de tudo é que o MONOQUINI, feito de uma só peça, deixa uma das mais secretas partes da anatomia feminina aos olhares da população estupefacta: os seios da mulher vão ser agora tão comuns quanto a barriga da perna, se o MONOQUINI tiver entrada na sociedade. (GADELHA, 1965, p. 55)
Analisando as palavras de Julieta Gadelha, que discorre sobre a
indumentária de banho, percebemos que a religiosidade exerce uma forte
influência em sua opinião, uma vez que, a mulher esteve sempre atrelada ao
símbolo culturalmente imbricado pela Igreja Católica como a imagem e
semelhança de Maria, mãe de Jesus. Nesse sentido, o corpo feminino com
uma parte íntima exposta, como o seio da mulher representaria “Um escândalo.
133
Uma vergonha para a mulher brasileira, a mulher católica de nossa terra”
(GADELHA, 1965, p. 55).
Mesmo que na segunda metade do século XX, as mulheres tenham
buscado maior expressividade e condições de igualdade entre os homens,
através principalmente, do movimento feminista, a possibilidade de ter uma
parte íntima do corpo exposta por de uma peça de banho, causou espanto,
indignação e muita polêmica.
Em plena época de ditadura militar, em que se acentuava a força da
religião católica, várias foram as críticas vindas de padres e bispos ao traje de
banho, como as do cardeal do Rio de Janeiro, dom Jaime de Barros Câmara
que dizia que a sociedade brasileira “não aceitará esta indumentária porque o
encanto feminino, segundo as próprias mulheres, existe apenas na atmosfera
de reserva e sobriedade que as cerca” (CÂMARA 1964 apud BAHIANA, 2014
p. 131).
Em artigo publicado no jornal Estadão, Humberto Werneck (2014) relata
casos que aconteceram em Minas Gerais em que comerciantes expuseram a
peça na vitrine de uma determinada loja e juntaram-se senhoras a fazer
orações contra o traje demoníaco. Como que aludindo à polêmica da época,
em 1965 o cantor Roberto Carlos lança uma música intitulada Eu sou fã do
monoquíni, em que relata que “Um brotinho de monoquíni que antes só usava
biquíni vinha caminhando assanhada pra lá e pra cá”.
Julieta Gadelha fala sobre protestos que ocorreram contra o uso do traje
de banho e afirma que confia no engajamento da mulher paraibana na luta
contra o lançamento do monoquíni:
Não desconfio da capacidade da mulher paraibana, da coragem e valor dessas tabajaras em pegar o tacape da vergonha e do pudor, para protestar contra o lançamento do MONOQUINI no Brasil, especialmente aqui, no seu Estado.
As mineiras e paulistas estão ainda na liderança. Não vacilaram em mostrar do que são capazes, valentes pra valer! (GADELHA, 1965, p. 56)
É perceptível no texto, a indignação de Julieta Gadelha, uma vez que a
peça se tornara um objeto possível de ser utilizado entre as mulheres da
134
sociedade brasileira. Nesse sentido, a escritora faz alusão a um tema
relacionado ao gênero que foi discutido em nível nacional, mas que tomou
corpo também na Paraíba. Nesse sentido, não escreve fazendo uma
“reconstituição de hábitos, gestos e amores como se estes nada tivessem que
ver com a organização mais ampla da sociedade, da economia, do Estado”
(BITTENCOURT, 2009, p. 166).
O livro Crônicas para mamãe ler, apresenta inúmeros textos de
características diversas, não sendo possível neste trabalho, uma apreciação e
análise de todos eles. Porém, para uma visão mais ampla e a título de
conhecimento, elaboramos um quadro com o sumário cronológico dos textos,
apresentando o conteúdo por eles abordado.
Com a leitura de todos os textos, percebemos que os conteúdos se
dividem em: aspectos sociais, que se subdividem em religião, política e gênero;
pessoas do cotidiano sousense; memórias; casos que podem ter acontecidos
em Sousa ou não, uma vez que, a autora não menciona o local em alguns
textos; casos sousenses e reflexão, em que a autora faz refletir sobre aspectos
da vida.
QUADRO IV:
SUMÁRIO CRONOLÓGICO DO LIVRO CRÔNICAS PARA MAMÃE LER
Título Conteúdo Página
O menino da cancela Reflexão 1
Dizem que... Reflexão 5
Desembargadores sabem coar café Casos 7
O herói e as flores Casos internacionais 11
Tanto de anjos como de demônios Casos 15
A casa do desencanto Casos 17
Campanha política Casos sousenses 21
A imprensa caminhando mal Casos sousenses 23
135
O doutor a quem não se diz obrigado Pessoas do cotidiano
sousense
25
Pessimismo de Otavio Monjardim Pessoas do cotidiano
sousense
29
E a missa ficou nula Social – religioso 31
Quarta - feira de cinzas Social – religioso 35
A morte do leão inglês Casos Internacionais 37
Chá de burro Casos 39
Absolvo Pedro, o poeta Social – política 41
Comparação de matuto Social – política 45
Morreu o boêmio Pessoas do cotidiano 47
A minha segunda morte (À Sônia
Gadelha)
Pessoas do cotidiano
sousense
49
Gratidão de seresteiro Memórias 51
O monoquíni Social – gênero 55
Por quê não corta os cabelos? Social 57
Um flagrante da vida Social – caso da seca 59
Só para futuro remoto Casos 61
Batista, figura folclórica Pessoas do cotidiano
sousense
65
Angustia de um diálogo Casos 69
Carta a Firmo Justino Memórias 73
A arte de viver Social? Reflexões 77
Desceu para subir mais Casos. 82
Menino de rua Reflexão 83
Onde há igualdade Reflexão 86
Minha primeira farda Memórias 89
Poderíamos começar tudo de novo? Reflexão 93
Não comam coração Reflexão 97
O São João mais feliz da minha vida Memórias 99
As crianças e o cinema Social 103
136
Sepultando os mortos Social 105
Êsse meu tio!... Memórias 107
O aparelho é bom mesmo Casos sousenses 111
O telefone e os recalcados Casos sousenses 115
Atire uma banda de tijolo... Reflexão 117
Paz na terra Reflexão 119
Cavalheiros do santíssimo Casos sousenses 121
O filho do sonho Reflexão 125
O presente de Raimundo Reflexão 127
O hábito faz o monge Memórias 130
O cego e o “guia de cego” Reflexão 127
Diranisa Pessoas do cotidiano
sousense
139
O legado de um canário lutador Reflexão 141
Mea culpa, meã maxima culpa! Social: religião 143
Contra Deus e a liberdade Social: política e
religião
145
Amor de mãe Reflexão 149
Tio Senhorzinho Memórias 151
Reminiscências Memórias 155
Amigos Reflexão 159
O mensageiro das emoções Pessoas do cotidiano
sousense
161
Quem quer ser meu pai ou minha mãe? Casos 163
Mensageiras do céu Casos 167
Inversão de valores Social: gênero 169
Mêdo de morrer Reflexão 173
Contra Papai Noel Reflexão 175
Fim de ano... balanço Reflexão 177
O que há de mais lindo Casos 179
Fonte: livro Crônicas para mamãe ler.
137
Mais que uma contribuição para a cultura sousense o livro traz um pouco
de como foi a vida e cotidiano de Julieta Pordeus Gadelha. Através dele,
conhecemos mais sobre o contexto social de uma cidade, na época em que
escrevia e publicava, uma vez que, as crônicas trazem estes aspectos.
Porém, o livro de maior contribuição para a cultura sousense,
considerado de importante valor histórico e documental por críticos literários, a
exemplo de Firmo Justino e Deusdedit Leitão, foi Antes que ninguém conte. É
com esta obra que Julieta Gadelha se consagra como escritora local no meio
literário sousense e é dela que falaremos no próximo capítulo.
No dia 8, a festa culminava com a procissão, onde se concretizava o desfile de vestidos e sapatos, com o julgamento dos rapazes que ficavam no patamar da igreja, elegendo os vestidos mais bonitos à medida que moças e senhoras iam subindo os degraus. (GADELHA, A Festa de Setembro, 1986, p. 97).
139
CAPÍTULO V
5. ANTES QUE NINGUÉM CONTE: a obra que marcou a trajetória de
historiadora local da escritora Julieta Pordeus Gadelha
As bases educacionais de Julieta Pordeus Gadelha, tanto a familiar
quanto a educacional, lhe permitiram a formação de um caráter que está
imbricado em suas práticas. Assim, as características que lhe são peculiares
como a forte presença da cultura religiosa, o apego à família, o respeito ao
casamento, a história local de Sousa estão fortemente presentes nos textos.
Quando escreve sobre o município de Sousa, aludindo a história local,
Julieta Pordeus Gadelha se coloca na condição de partícipe dos lugares que
relata mesmo aqueles em que não esteve presente, mas que ouviu falar
através dos antepassados, são dados a devida importância, como se estivesse
vivenciado. A valorização à Sousa, sua gente, suas tradições, seus
monumentos seculares, nada escapa a riqueza de detalhes apresentada por
ela no livro Antes que ninguém conte que, “apesar de tratar de temas
cotidianos, não o faz de forma isolada dos contextos históricos e dos temas
tradicionais” (SOUSA, 2015, p. 137).
140
Imagem XXXIX: Capa do livro Antes que ninguém conte de Julieta Pordeus Gadelha.
Fonte: arquivo pessoal da autora Ana Paula Mendes Silva.
O referido livro, de 1986, destaca-se como uma obra que retrata a
história local do município de Sousa, desde os primórdios com os dinossauros
como os primeiros habitantes, até os muitos aspectos que fazem parte da
cultura sousense nos dias atuais. Nesse sentido ao ler o livro foi “possível
aproximar determinada época/fato/processo com a realidade mais imediata,
pois, dessa forma, podemos descobrir como as pessoas se relacionavam,
como viviam em grupo e estabelecer relações com o presente” (SOUSA, 2015,
p. 137).
A obra Antes que ninguém conte foi a última e de maior destaque de
Julieta Gadelha, pois, através dela, a autora se torna ainda mais conhecida e
elogiada nos meios intelectuais.
Em visita aos seus familiares, em 2014, tivemos acesso a textos
publicados em jornais da época que discorriam sobre a importância do seu
livro. Entre eles, destacamos o que menciona detalhes da solenidade de
lançamento em 10 de julho de 1986, data em que marcou o aniversário de
emancipação política da cidade de Sousa. Infelizmente, não tivemos acesso ao
nome do jornal, pois estava apenas recortado o texto, sem nenhuma fonte que
pudesse nos dar pistas sobre, ao menos, quem o escreveu.
“SOUSA - Antes que ninguém conte” é o nome do livro da escritora Julieta Pordeus Gadelha (foto), lançado no último dia 10 de julho por ocasião dos festejos de aniversário de emancipação político-administrativa da cidade. A solenidade aconteceu no Forum Municipal com a presença de autoridades, professores, estudantes e gente interessada na cultura da terra. O livro foi formalmente apresentado e lançado pelo diretor do Banco do Nordeste do Brasil - BNB, Paulo Gadelha. (Texto escrito em Jornal – arquivo pessoal de Julieta Pordeus Gadelha)
O autor que escreve destacou a importância do livro e da linguagem
direta com que ele foi escrito e como tudo poderia ter sido esquecido, caso a
autora não escrevesse:
141
[...] Pela sua importância e linguagem direta, pessoas, fatos e coisas são arrolados como “fotografias” de um cotidiano não muito distante. Julieta garimpa, segundo o critério de uma interprestação factual, lembranças e memórias de um passado que, inevitavelmente, sem o registro histórico estariam condenadas ao esquecimento. Felizmente, antes que isto acontecesse, Julieta conseguiu registrá-las.
Imagem XL: Apontamentos sobre o lançamento do livro Antes que ninguém conte de Julieta Pordeus Gadelha.
142
Fonte: arquivo pessoal de Julieta Pordeus Gadelha. A fonte não apresentava o nome do Jornal, nem o nome do (a) autor (a).
Em 05 de agosto de 1986, o juiz e também escritor Firmo Justino publica
um texto no Jornal A União sobre o livro Antes que ninguém conte de Julieta
Pordeus Gadelha. Na publicação, Firmo Justino tece elogios sobre a autora
enfatizando a importância e os detalhes contidos nos livro sobre os fatos
históricos, acontecimentos sociais e políticos marcantes, assim escreve:
Coincidindo com os festejos comemorativos ao dia da cidade -, 10 de julho, a escritora sousense Julieta Pordeus Gadelha publica o seu terceiro livro, este Antes que Ninguém Conte, que tenho em mãos precioso repositório de fatos históricos, de acontecimentos sociais e políticos marcantes, de lembranças e de perfis individuais que fazem as delícias da crônica oral de nossa cidade de Sousa, em cuja produção se revela, mais uma vez, a fina sensibilidade de Julieta, poetisa e cronista de quem os apreciadores da literatura temos o direito de exigir comparecimento espaçado em letra de forma. (JUSTINO, JORNAL A UNIÃO, 5/8/1986)
143
Imagem XLI: Apontamentos de Deusdedit Leitão no Jornal A União sobre o lançamento do livro Antes que ninguém conte de Julieta Pordeus Gadelha.
Fonte: arquivo pessoal de Julieta Pordeus Gadelha.
Firmo Justino também destaca a importância do livro ser adotado e
estudado em todas as escolas de Sousa, para entendimento da história local:
[...] acho que o livro de Julieta deveria ser lido e estudado em todas as escolas de Sousa, objeto de debates, discussões e exposições, porque ele é, sem dúvida, a chave para abrir as portas de muitas passagens obscuras da nossa existência sousense, e encerra códigos para o entendimento de sua história, de sua economia, de sua política e de sua sociedade, como um todo. (JUSTINO, JORNAL A UNIÃO, 5/8/1986)
144
Nesse sentido, também acreditamos que o mesmo deveria acontecer,
sobretudo no aproveitamento do componente curricular de História uma vez
que, “ao trazer à tona acontecimentos, personagens e lugares comuns ao
estudante, possibilita sua aproximação com a disciplina e faz com que perceba
a relação dialética entre passado e presente” (PEREIRA, 2011, p. 3).
Outro artigo foi escrito sobre a obra de Julieta Pordeus Gadelha, desta
vez pelo renomado escritor da época Deusdedit Leitão que fez um apanhado
das principais características encontradas no livro. Ao falar sobre o livro, o autor
assim relata:
Sousa reclamava um livro que retratasse a sua história, que evocasse os nomes dos que construíram o seu futuro, que reavivasse os fatos que marcaram o seu passado, dos quais pouco se sabia pela ausência de uma fonte bibliográfica que pudesse informar e atender o interesse dos que procuravam conhecer os grandes acontecimentos vividos ao longo de sua história (LEITÃO apud GADELHA, arquivo pessoal).
Também enfatiza as características da autora que escreve como
historiadora local. Segundo ele:
Cada página lida aumentava o meu contentamento por verificar que Sousa encontrara, na inteligência e no amor de Julieta, o historiador que lhe faltava para o definitivo registro dos episódios que engrandeceram a sua tradição. (LEITÃO apud GADELHA, arquivo pessoal).
145
Imagem XLII: Apontamentos de Deusdedit Leitão sobre o lançamento do livro Antes que ninguém conte.
Fonte: arquivo pessoal de Julieta Pordeus Gadelha. Não tivemos a informação sobre o jornal em que o artigo teria sido publicado na época.
Pudemos perceber nos artigos publicados sobre o livro de Julieta
Gadelha que os autores valorizam o conteúdo da obra como sendo
fundamental para a cultura sousense, através do conhecimento do seu
passado. Nesse sentido, por toda a escrita do livro, consideramos que se
configura em uma das maiores marcas de sua prática educativa, pois, ainda
que não estivesse no cotidiano da sala de aula, disponibiliza o conhecimento e
a aprendizagem através do mesmo.
O domínio da escrita e da leitura proporcionou a Julieta Pordeus
Gadelha o acesso ao mundo literário, à inserção em revistas e a publicação de
obras. Nesse sentido, a formação na Escola Normal São José tem grande
146
contribuição para o legado cultural deixado pela escritora na obra Antes que
ninguém conte. Ao mesmo tempo, a partir da obra, pôde contribuir através do
conteúdo de seu livro, dando o retorno para a educação escolar sousense, num
jogo de transferências culturais. Isso estabelece a relação existente entre
sociedade e educação o que faz com que uma tenha influência sobre a outra:
As transferências culturais que foram operadas da escola em direção a outros setores da sociedade em termos de formas e de conteúdos e, inversamente, as transferências culturais operadas a partir de outros setores em direção à escola [...] (JULIA, 2001, p. 37).
A obra Antes que ninguém conte serviu e serve de base, até hoje, para
as informações e pesquisas sobre o município de Sousa e ao ler, tomamos
conhecimento de acontecimentos curiosos como a notícia de uma botija
encontrada nos destroços da Igreja do Bom Jesus Eucarístico Aparecido, as
pinturas no interior da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e a demora na
construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, além da
variedade de detalhes sobre acontecimentos que já conhecíamos como as
onze versões contadas sobre a história do Milagre Eucarístico. É uma
verdadeira escrita etnográfica sobre a cidade.
No corpo do livro, muitas informações vão sendo dadas sobre a história
do município de Sousa, como a criação da primeira capela, a justificativa para o
nome da cidade que até hoje causa discussão e dúvida, as disputas pela posse
de terras, as histórias curiosas da criação das igrejas seculares, as primeiras
instituições de ensino, destacando-se o Colégio São José, as pessoas ilustres,
os professores, os políticos, os magistrados, os aspectos curiosos que
aconteceram no município, as festas tradicionais, entre outros aspectos,
formam o leque de elementos que compõem a narrativa do livro:
Do “vapor” de Júlio Melo; Usina Propagador, de Dino Neves Pereira Gadelha, Usina Santa Teresa, que passou depois a Pires & Barros, nasceram André Gadelha Irmãos, Luiz Oliveira e Filhos, Augusto Braga, industrias que geram divisas, produzindo riquezas e levando o nome de Sousa ao cotonifícios e às indústrias têxteis do País. Aqui se instalou uma rede bancária, de portas abertas ao atendimento intermunicipal, trazida pela mesma trilha repisada pelo carro de Emídio Sarmento de Sá, dando início ao desenvolvimento comercial.
Das escolas dos antigos preceptores, surgiram os modernos estabelecimentos de ensino, preparando as gerações para a
147
elevação moral, educacional e política, que vão substituindo os que hoje se encontram no leme da administração pública e da orientação política da terra, do Estado ou país. (GADELHA, 1986, p. 6)
Após breve apreciação sobre os primeiros passos do desenvolvimento
sousense, a autora justifica o motivo da escrita do livro, com as seguintes
palavras: “antes que parte ou tudo isso ficasse escondido para sempre, antes
que ninguém conte, eu o faço como posso, enfrentando todos os entraves das
lembranças mais antigas, dos documentos esquecidos e perdidos”.
(GADELHA, 1986, p. 6). Fica claro nas palavras de Julieta Gadelha, também, a
escolha do título do livro.
A leitura desta obra nos fez mergulhar nas memórias do passado
sousense, época da nossa infância, quando víamos um cenário rodeado de
histórias que eram representadas por vários lugares, por várias famílias, por
pessoas que se tornaram imortais.
Sousa, como unidade municipal autônoma dentro do Estado da Paraíba, no decorrer de sua existência preparou história, gravando as suas páginas com o carimbo da memória dos antepassados e através de documentos autênticos, que foram passando à posteridade, auxiliados pelo disse-me-disse que corre pelos séculos afora para completar a sua história.
De Bento Freire de Sousa até Nicodemos de Paiva Gadelha, atual administrador, o município viveu os seus dias de luta, de emoção, de alegria e de tristeza, de dificuldades, de estoicismo e de grandeza cívico-religiosa, preparando os heróis que fizeram colocar o nome de Sousa na história da Paraíba. (GADELHA, 1986, p. 5)
Desde criança, nas aulas do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora,
aprendemos a ter apego e valorização pela cidade de Sousa, quando
conhecíamos sua história referenciada na obra Antes que ninguém conte, de
Julieta Gadelha. Porém, analisá-la, com profundidade científica, como agora
nesta tese de doutoramento temos o conhecimento das origens sousenses, de
sua cultura, tão rica e significativa.
A obra Antes que ninguém conte tem relevância histórica, educativa e
cultural para o município de Sousa, pois, os detalhes nela contidos remontam
uma Sousa que nem todos conheceram, mas revivem cotidianamente. É o
caso, por exemplo, do Vale dos Dinossauros, um sítio arqueológico que existe
148
em Sousa como representação das pegadas de dinossauros que foram
encontradas naquele município em 1920.
O sítio serve de ponto turístico para a cidade, atraindo pessoas para a
visitação das pegadas. As escolas de Sousa trabalham sua história,
favorecendo idas, com os estudantes ao Vale dos Dinossauros, na tentativa de
compreender um pouco sobre os primeiros habitantes: os dinossauros.
Imagem XLIII: Trilha de pegadas de dinossauros, no Vale dos Dinossauros em Sousa Fonte: Agenda da cidade de Sousa do ano de 2014
O primeiro item discutido no livro de Julieta Gadelha menciona a
descoberta das pegadas de dinossauros, no município de Sousa, em 1920:
Muitos tipos de dinossauros habitaram as terras de Sousa, alguns já conhecidos da Paleontologia, mas outros que aqui deixaram as suas pegadas são espécies ainda desconhecidas. A descoberta dessa relíquia fóssil em Sousa ocorreu quando, em 1920, o engenheiro Luciano Jacques de Moraes, que era ligado à Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), realizava trabalhos à cata de recursos hídricos na região. Detectando alguns rastros de pré-históricos na bacia cretácia do Rio do Peixe, fez anotações, tendo publicado o achado geológico-paleontológico em seu livro “Serras e Montanhas do Nordeste”, em 1924. (GADELHA, 1986, p. 7)
149
Além dos dinossauros, a autora narra a respeito dos povos indígenas,
que habitaram aquelas terras e dos colonizadores, de origem portuguesa, que
fizeram a fundação de Sousa, a exemplo Bento Freire de Sousa e José Gomes
de Sá. Aliás, é a partir de seu fundador Bento Freire de Sousa, a grande
confusão existente até hoje sobre a origem do nome da cidade, uma vez que,
há os que dizem que Sousa tem esta denominação como uma homenagem a
este fundador.
Segundo Julieta Gadelha, esta informação veio sendo transmitida de
geração em geração, porém no livro, há um texto intitulado Não foi homenagem
a Bento Freire, em que a autora menciona a respeito, alertando para a
confusão que foi gerada: “a razão do nome da cidade, que desde muito tempo
estabeleceu-se como uma homenagem ao fundador Bento Freire de Sousa, na
realidade, apesar de ser justo, gerou-se, talvez, de uma confusão”. (Ibid. p. 13)
Ao citar Deusdedit Leitão, explica a tal origem. O nome Vila Nova de
Sousa veio de uma recomendação do Governo de Pernambuco, que através
de alvarás e cartas régias, substituiu os nomes das vilas que comandava pelos
das localidades portuguesas. Assim como aconteceu em Villa Nova de Sousa,
uma denominação portuguesa, outras localidades do Nordeste que foram
“erectas em Vilas durante a vigência da Carta Régia de 17 de junho de 1772
tem o nome de uma povoação portuguesa pertencente ao Porto (LEITÃO, 1980
apud GADELHA, 1986, p. 14).
Dessa forma, o município de Sousa que se chamava Jardim do Rio do
Peixe, em 1801, foi elevado a Vila, passando a se chamar Villa Nova de Sousa,
pois “não havia em Portugal, nenhuma localidade com o nome de Jardim ou de
Rio do Peixe”. (Ibid, p. 14).
Em 1881, o vigário José Antônio Marques, escrevendo sobre a história
de Sousa, envia um relatório ao bispo de Olinda justificando a mudança do
nome para Villa Nova de Sousa e os motivos pelos quais os moradores locais
haviam denominado o lugar, inicialmente, de Jardim do Rio do Peixe:
Em 1801 a pequena povoação do Jardim do Rio do Pexe foi elevada a cathegoria de Villa com a denominação de Villa Nova de Sousa em onra ao Capitão Alexandre Pereira de Sousa expontaneo doador do seu patrimonio. [...] Os povoadores das terras deste Sertão com
150
acertado natural que lhe deram o nome de Jardim do Rio do Peixe – Jardim pela belesa do seo solo, do Rio do Pexe porque tem suas agoas pluviais mixtas com argila vermelha, correntesa mansa entre planas varseas, e que não so athrae abundantes pexes, como os aguarda das vistas dos homens, e das aves aquáticas (MARQUES 1881 apud GADELHA, 1986, p. 14).
Toda a narrativa em torno da origem do município de Sousa, contada
pela escritora Julieta Gadelha, é acompanhada de documentos de escrituras,
trabalhos de paleontólogos, textos de escritores antigos, alguns vigários ou
seus descendentes que tiveram valorosa participação na fundação.
É com as narrativas, cheias de detalhes curiosos que Julieta Gadelha
traça toda a composição e criação do município de Sousa. Com sua devoção
baseada na religião Católica Apostólica Romana, vai apresentando os homens
que contribuíram com a história de Sousa, oriundos de Portugal e de religião
também católica, e nesse enredo, vai se identificando com as histórias
narradas, com os homens que a fizeram...
Quando menciona sobre o padre Luiz Correira de Sá, o pároco que
esteve presente quando se deu a construção da Matriz de Nossa Senhora dos
Remédios, no ano de 1814, além de relatar que era o político mais influente da
época, acrescenta que “também sabia dosar as responsabilidades para com a
Pátria e para com a religião a que servia, executando o trabalho ditado pelas
palavras de Cristo no Evangelho”. (GADELHA, 1986, p. 19)
É visível nas histórias dos municípios paraibanos, a figura de padres
com verdadeiros feitos heroicos e revolucionários. É o caso, por exemplo, de
Dom Adauto, que em 1894, quando a diocese paraibana se desmembra da de
Olinda, ficou responsável pela direção da nova sede paraibana desde 1894 até
1935, já aos 80 anos. Durante o cargo de diretor, foi responsável pela
educação de João Pessoa, criando o Colégio Diocesano (que passou a ser
chamado de Pio X, em 1911) e o Colégio Nossa Senhora das Neves, destinado
às jovens do sexo feminino, instituições de ensino que se consagraram na
tradição educacional das elites paraibanas. Para a instrução das classes
menos favorecidas, criou o Colégio São José, em 1905. (KULESZA, 2006)
151
Com o padre Luiz Correia de Sá, não foi diferente. Ele é mencionado
diversas vezes no livro da escritora Julieta Gadelha seja pela influência política
que exercia, chegando a atuar na Revolução Pernambucana de 1817, seja pela
forte religiosidade marcada, principalmente, pela construção da igreja Matriz de
Nossa Senhora dos Remédios.
A Matriz de Nossa Senhora dos Remédios é um monumento que faz
parte do patrimônio histórico sousense “um dos templos católicos mais belos
da Paraíba”. Segundo Julieta Gadelha, a obra iniciada em 1814, pelo então
vigário Luis José Correia de Sá, foi paralisada durante 25 anos, levando mais
de oitenta anos para ficar pronta. (GADELHA, 1986 p. 32).
Imagem XLIV: Matriz de Nossa Senhora dos Remédios em estilo barroco - 1930
Fonte: Livro Além do Rio
152
A autora conta sobre os vigários que estiveram à frente da construção
da igreja debruçando sobre as ações de vários deles na tentativa de erguê-la.
Destacamos, entre outros padres, Zacarias Rolim de Moura que segundo
Julieta Gadelha era teimoso, não aborrecia ninguém e conseguiu erguer as
duas torres utilizando-se de várias maneiras para conseguir arrecadar dinheiro
para a construção “desde as quermesses, rifas, concursos e filmes que ele
mesmo rodava num pequeno projetor.” (Ibid, p. 32)
Imagem XLV: Construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios com as torres sendo erguidas, ano de 1942.
Fonte: Livro Além do Rio
O padre Cônego Oriel Fernandes deu à igreja as pinturas que ela têm
até os dias atuais, pois contratou um artista pernambucano a fim de realizar a
pintura da igreja, sendo dispensando em seguida, pelo próprio padre:
153
Na lista dos vigários operosos está o Côn. Oriel Fernandes. Ele contratou um pintor pernambucano – Luis Correia – para realizar a pintura da igreja, mas este só conseguiu pintar dois painéis – o central e um outro visinho à capela – mor que, apesar da sua beleza, foi inexplicavelmente condenado e apagado. Intitulava-se “A visão de Ezequiel”, de difícil interpretação. A morosidade de Luis Correia foi irritando o padre Oriel Fernandes que chegou a dispensá-lo, não levando em conta que a arte não conta tempo, mas a perfeição. O painel central do forro, pintado por Luis Correia, em estilo clássico, choca-se com o restante da pintura que foi realizada por um casal de pintores profissionais, húngaros, os quais terminaram o trabalho na pressa exigida. Muito bonita a pintura, colorido exuberante, valendo ressaltar uma curiosidade: todos os rostos – anjos, santos e outros personagens têm as feições da esposa do pintor húngaro. (Ibid, p. 32)
Imagem XLVI: pintura do teto da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios
Fonte: Livro Além do Rio:
154
A Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios tem como
característica a sua grandiosidade em termos de espaço e beleza, com um
patamar composto por inúmeros degraus até a entrada e belíssimas torres em
sua frente, caracterizando o estilo barroco da construção. O teto da igreja é
decorado por belíssimas pinturas que retratam a imagem do céu, com anjos,
santos e outros personagens.
155
Imagens XLVII e XLVIII: Fachada atual e Altar da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios – Sousa PB
Fonte: PB atual portal de notícias on line.
Embora a Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios seja muito
antiga, datada de 1814 a construção inicial, em Sousa já havia outra igreja, a
de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, também tombada pelo Patrimônio
Histórico e construída por Bento Freire de Sousa, fundador do município.
Segundo Gadelha, (1986, p. 30) “a Igreja do Rosário é o documento vivo mais
importante, a contar os primeiros dias da nossa cidade, falando do passado
que já conta mais de dois séculos”.
156
Imagem XLIX: Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
Fonte: Samy Play Fotografia
A igreja do Rosário tem um valor cultural muito significativo para os
sousenses, pois, além de se tratar da primeira igreja construída, em seu altar,
está enterrado Bento Freire de Sousa. Quando criança, estudante do Colégio
Nossa Senhora, (que fica na mesma Rua da Igreja do Rosário), líamos sobre
sua história e achávamos interessante o fato de ter o fundador do nosso
município, enterrado no altar da igreja.
No livro, Julieta Gadelha relata sobre este aspecto ao tempo em que
lamenta a derrubada do altar-mor, para a substituição de outro, no ano de
1965:
Sob o altar-mor, derrubado para ser substituído, incompreensivelmente, por outro sem encanto e sem barroco, sem nada mesmo, sete palmos abaixo repousam alguns dos nossos benfeitores. Com Bento Freire, que ali foi sepultado, em cumprimento à sua última vontade, expressa em seu testamento, estão alguns dos padres que foram colaboradores da nossa formação religiosa, política e social. Debaixo daqueles ladrilhos de barro cozido está o nosso benfeitor - mor, o fundador do Município, ali está ele, certamente com o olhar voltado para as seculares paredes, inabaláveis, cobertas pelas mãos de cal, correspondentes ao número de vigários que por ali passaram. [...] (GADELHA, 1986, p. 30)
157
Imagem L: Altar da Igreja de Nossa Senhora do Rosário após a reforma
Fonte: Livro Além do Rio
Em construção de estilo barroco, com apenas uma torre na frente, a
Igreja de Nossa Senhora do Rosário, também conhecida como Igreja do
Rosário dos Pretos, é caracterizada pelas pinturas feitas por negros escravos
que a frequentavam. As pinturas das paredes estavam cobertas por reboco
quando, em 1965, durante os trabalhos de limpeza que mandara realizar, o
então vigário da época João Cartaxo, foi comunicado de que “figuras
esquisitas, parecidas até com Rei Momo e demônios de asas”, haviam sido
encontradas. (GADELHA, 1986, p. 31)
Ali havia uma confraria de pretos, com seu respectivo compromisso aprovado, a qual celebrava anualmente a festa de sua padroeira. A tradição fala daqueles pretos freqüentando as cerimônias da Semana Santa, do Rosário, exibindo os “reizados”, e o Dia de Finados com penitências extravagantes de cilícios ou chicoteando-se com o azorrague, até fazerem o sangue escorrer, não só pelo corpo, mas também pelo chão, enquanto recitavam salmos e orações. Os pretos que faziam parte dessa confraria eram moradores das fazendas Poço das Pedras, Jerimum, Conceição e outras. (IBID, p. 31)
158
Já que se tratava de uma igreja católica, imaginamos que as pinturas
tenham sido cobertas com reboco, porque concordando com a autora, “talvez
tivesse motivado escândalo no entender de quem a escondeu”.
O fato é que o vigário avisou o ocorrido ao prefeito municipal, Antônio
Mariz que, por sua vez, “fez a comunicação do achado ao Patrimônio Artístico
e Histórico, em Recife, que enviou a um professor da Escola de Belas Artes,
Fernando Barreto”.
Em parecer enviado ao Rio de Janeiro para que se processasse o
tombamento da Igreja junto ao Patrimônio Histórico, o professor avaliador
ressalta que:
[...] a recuperação e conservação das referidas pinturas da capela - mor devem ser realizadas pelo serviço técnico do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, visto o seu grande valor, não só artístico, mas também, como peça documentária única, talvez, em nosso país. (GADELHA, 1986, p. 31).
Ainda segundo Julieta Gadelha, quando descobertas na época, as
imagens se tornaram uma grande novidade na cidade, fazendo com que muitas
pessoas se dirigissem para lá a fim de ver de perto. Nas imagens, “havia anjos
negros, um franciscano, figuras estranhas e um colorido mais estranho ainda”
(IBID, p. 31).
159
Imagem LI: Figuras encontradas nas paredes da Igreja do Rosário
Fonte: Livro Além do Rio
Até hoje, a igreja do Rosário dos Pretos é visitada por turistas ou
pessoas locais que querem reviver um pouco da cultura sousense. Em 2008,
quando professora de Metodologia do Ensino de História e Geografia, da
Universidade Federal de Campina Grande, também levamos nossos alunos
para conhecer e estudar sobre a historiografia do município de Sousa,
momento rico que gerou intensas discussões em sala de aula.
160
Imagem LII: Igreja de Nossa Senhora dos Remédios e Igreja do Rosário em Sousa PB, na década de 1940.
Fonte: Livro Além do Rio
As igrejas são os monumentos históricos mais enfatizados por Julieta
Gadelha. Além das seculares Nossa Senhora dos Remédios e Nossa Senhora
do Rosário, destacamos, neste trabalho a Igreja do Bom Jesus Eucarístico
Aparecido, uma vez que sobre ela recai um suposto milagre, denominado de
Milagre Eucarístico.
O Milagre Eucarístico se tornou imortal no município de Sousa como
uma história que faz parte da cultura, sobretudo, da cultura religiosa católica.
No livro Antes que ninguém conte, Julieta Gadelha narra dez histórias
baseadas em relatos, sobre o referido milagre, contados pelas pessoas do
passado. Porém todos com o mesmo enredo:
A Igreja do Bom Jesus Eucarístico Aparecido existe para relembrar um fato extraordinário: o Milagre Eucarístico. A sua construção foi iniciada no ano de 1855, ou seja, ano em que foi assentada a pedra fundamental. Já corria, naquela época, a história de que, naquele local se dera o milagre do aparecimento da Hóstia que, por ocasião de uma missa, havia sido roubada por um preto, com propósitos excusos, mas que perseguido pelos fiéis, deixara cair a partícula num matagal ali existente, onde também existia uma grande lagoa, chamada do Carão. (GADELHA, 1986, p. 33)
161
Os relatos sobre o Milagre Eucarístico são, em sua maioria, vindos de
escritores locais que tomavam como base o relato de pais ou avós sobre o
acontecimento:
Vários sousenses escreveram, cada um usando o seu estilo pessoal, a história do Milagre do Bom Jesus, e não são poucas as pessoas que falavam: “meu avô ou meu bisavô assistiu”, “minha mãe contava que meu avô falava”... (GADELHA, 1986, p. 34)
Segundo a autora o enredo era o mesmo em todos os relatos: ocorrido
durante uma missa, conta-se que um negro teria tirado a hóstia da boca, no
momento da comunhão2, sendo perseguido pela população pelo sacrilégio que
cometeu e por conta disso, jogado a hóstia num matagal causando espanto,
indignação e revolta nas pessoas ali presentes.
Numa cidade cuja religião católica era fervorosa entre as pessoas, um
ato como este chegava a ser considerado um crime e a população toda,
decerto, iria ser castigada conforme revela a crônica da escritora Inês Mariz:
“Deus vae nos castigar! Esta era a convicção generalizada”. [...] (apud
Gadelha, 1986, p. 34)
Ainda segundo os relatos apresentados no livro de Julieta Gadelha, o
Milagre Eucarístico se dera porque dois dias após o ocorrido, a hóstia teria sido
encontrada por um pastor, num matagal, com ovelhas ao redor, como se
estivessem venerando o alimento sagrado. A crônica da irmã de Julieta,
Criseuda Gadelha, escrita para a Revista Letras do Sertão, nos anos
cinquenta, assim relata:
Certo dia, para o lado onde é hoje a Igreja do Bom Jesus Aparecido, aparece um bando de ovelhas em grande berreiro, vindo a chamar a atenção do pastor, de nome Tinoco, que verificou, imediatamente sobre a relva a partícula sagrada, que ali se achava, nítida e perfeita. Não se fez demorar e levou ao conhecimento do vigário o singular acontecimento, resultando, em seguida, a procissão que fez recolher o “precioso achado”, à Igrejinha do Rosário, e onde jazera a hóstia foi erguido um edifício que ficasse na memória do povo a recordação do milagre [...] (GADELHA, 1986, p. 36).
2
Na religião católica, durante a missa, o momento da comunhão se caracteriza por uma
ou mais filas que são organizadas para que o padre distribua a hóstia aos fieis representando
da última ceia de Jesus Cristo, quando este distribuiu pães entre os discípulos.
162
O enredo contado nos onze relatos apresentados no livro é o mesmo,
embora haja algumas lacunas, tais como: a exatidão quanto ao nome do
vigário da época, quem teria sido o pastor que encontrou a hóstia, entre outros
aspectos que se encontram em discordância ou em ausência nos relatos, como
confirma a autora Julieta Gadelha.
Dessa forma deve ter ocorrido a todos que escreveram a história do Bom Jesus Aparecido, preocupando-se tão somente com o sensacionalismo, a emoção do fato religioso, extraordinário, esquecendo-se, assim, de registrar nomes e datas. (GADELHA, 1986, p. 36)
Imagem LIII: Praça do Milagre Eucarístico.
Fonte: Jornal Sertão Informado.
O Milagre Eucarístico se tornou uma história viva que faz parte da
cultura sousense sendo transmitido para as gerações mais novas como uma
forma de manter acesa a chama da forte religiosidade, ainda presente na
cidade. Como representação, foi erguido um monumento numa praça: trata - se
de uma estátua de Jesus no alto com os cordeirinhos na grama em volta de
163
uma hóstia consagrada. É a Praça do Milagre Eucarístico que fica próxima a
Igreja do Bom Jesus Eucarístico Aparecido.
Além de todas as igrejas que permanecem no legado religioso
sousense, descrito pela autora Julieta Gadelha, as festas tradicionais são as
que mais marcam a história e cultura daquele município. Nesse sentido e numa
tentativa de simplificar os elementos que mais nos chamaram atenção na
leitura do livro não podíamos deixar de mencionar a festa da padroeira Nossa
Senhora dos Remédios, a chamada de “Festa de Setembro”.
A Festa de Setembro, como é conhecida popularmente, uma vez que o
ápice da comemoração se faz no dia 08 de setembro, dia da padroeira, é
caracterizada pela chegada de parques de diversões, música ao vivo, comidas
típicas regionais que são vendidas nos stands espalhados ao longo da praça
da matriz, onde se pode encontrar rubacão, arroz de leite, galinha de capoeira,
carne assada, creme de galinha, espetinho de carne, além de doces, salgados,
enfim. Também tem a parte religiosa em que são celebradas missas
culminando o fechamento no dia 08 de setembro, com a missa da padroeira.
Parafraseando Joaquim Manuel de Macedo, no romance A Moreninha,
comparamos a Festa de Setembro ao sarau descrito pelo escritor como “o
bocado mais delicioso que temos”.
Um sarau é o bocado mais delicioso que temos de telhados abaixo. Em um sarau todo o mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanha na mão, os mais intrincados negócios; todos murmuram e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das cantigas do seu tempo, e o moço goza todos os regalos da sua época; as moças são no sarau como as estrelas no céu. (MACEDO, 1972, p. 103)
Na Festa de Setembro não acontece diferente. É marcada, sobretudo,
pela elegância das roupas femininas, pelo luxo com que as pessoas desfilam
nos corredores da praça da matriz, pelo encontro dos jovens e casais de
namorados em frente aos parques de diversões.
A Festa de Setembro ultrapassa os anos, as décadas e se consolida
como a festa mais tradicional do município de Sousa, sendo mencionada em
várias crônicas, relatos saudosistas de quem um dia pôde vivenciá-la. Entre os
164
relatos, destacamos os de Julieta Gadelha em que exalta o luxo do traje das
mulheres:
Um mês antes, o assunto das mulheres era “o vestido e o sapato da festa”. As costureiras acumulavam cortes e mais cortes de fazenda – que às vezes nem conseguiam dar conta – enquanto os figurinos passavam de mão em mão: o “Jornal das moças”, a “Vida Doméstica” e demais revistas, que eram folheadas cuidadosamente à cata de modelos. Um modelo não podia ser repetido. O luxo era a tônica, havia até quem mandasse vir sua indumentária de fora a fim de não coincidir com a de doutra pessoa. (GADELHA, 1986, p. 95)
Eram as mulheres, as atrações da festa, uma vez que, além dos trajes e
indumentárias, a elas eram direcionadas telegramas de rapazes interessados,
havendo também, os desfiles das misses, em que era escolhida a rainha da
festa. “Pelos idos de 1940, havia na Festa de Setembro, entre outras diversões,
“o telégrafo”, onde os rapazes mandavam telegramas para as garotas com
quem simpatizavam” (GADELHA, 1986, p. 96).
Julieta Gadelha menciona diversos aspectos que fizeram parte da festa
da padroeira no município de Sousa como os parques de diversões, os jogos, a
banda de música União Sousense que se apresentava no coreto, as barracas
de comidas, das mais sofisticadas, que ficavam em frente à Igreja de Nossa
Senhora dos Remédios, às mais humildes, que ficavam na periferia e vendiam
de tudo: “bolo frito, café, broa, cocada, cavalo de goma de Sá Maria Bárbara, o
suspiro de Sá Chiquinha, o pirulito de Piolho, o rolete de cana de seu Chico
[...]” (IBID, p. 96). Todos estes elementos compõem uma trama que fazem
parte de uma história que permanece no legado cultural sousense.
Desde criança, a Festa de Setembro nos encantava: crescemos ouvindo
os rumores das chegadas dos primeiros parques. Podíamos comprovar isso na
condição de estudante do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, que fica em
frente à praça onde os parques se instalam até hoje. Combinávamos com as
colegas de sala os locais de nos encontrarmos a noite, as roupas que
usaríamos... Os encontros eram sempre cheios de alegria, de muita conversa,
acompanhada de risadas a noite toda, de comparação entre as roupas...
165
Imagem LIV: Festa da padroeira Nossa Senhora dos Remédios - década de 1960
Fonte: Livro Além do Rio.
Imagem LV: Festa da padroeira Nossa Senhora dos Remédios - ano de 2014. A foto foi tirada de cima da roda gigante do Parque Trairi que sempre esteve presente, no mesmo local,
na Festa de Setembro.
Fonte: Bruno Fontes Fotografia.
166
O tempo foi passando e a festa da padroeira Nossa Senhora dos
Remédios permanece viva, esperada e vivenciada por todos os sousenses que
têm a oportunidade de prestigiá-la. É o tempo dos reencontros entre amigos
que foram morar em outra cidade, dos que ainda permanecem no município, é
um encontro de diversas gerações, de costumes que vão sendo passados às
crianças, aos jovens... É também, o tempo de reencontro com as lembranças
do passado, de reviver momentos e lugares que marcaram várias épocas,
cheias de significados.
Como se percebe é vasta a história contada pela escritora Julieta
Pordeus Gadelha no livro Antes que ninguém conte. Debruçar sobre ele,
fazendo das leituras um mergulho na história foi uma atividade prazerosa
durante a escrita desta tese de doutorado. “Conforme se sabe, todo livro é um
tempo e um espaço precisos, uma seqüência ininterrupta de referências e de
reverências, uma viagem sem volta” [...] (MORAIS, 2011, p. 242)
Selecionar os episódios que aqui foram elencados se tornou a tarefa
mais difícil, pois, nossa vontade partia do pressuposto de que tudo era
importante ser destacado, ser mencionado, ser comentado e conhecido pelos
leitores deste trabalho. Além disso, pelo saudosismo com que se lembra do
passado, a escritora Julieta Gadelha nos passava uma enorme curiosidade de
conhecer e discorrer sobre todos os textos, como ela mesma menciona: “A
minha vida é e será sempre uma sequência de saudades que desfilam com os
anos, acalentando as minhas gratas recordações” (GADELHA, 1965, p. 73).
Quando fala sobre as Festas na fazenda e na cidade, Julieta Gadelha
nos leva de volta ao passado quando as figuras ilustres, geralmente um
político, era muito bem recebido no interior. Ao mesmo tempo, reconfiguramos
este mesmo episódio, que ainda acontece na atualidade, com uma nova
roupagem, porém, ainda cheio de significados.
Uma festa na fazenda do ricaço atraía, de bom - gosto, os convidados da cidade e das redondezas que se deliciavam com petiscos regionais e com a alegria que se constituía de pífaros, zabumba, realejo e caixa.
Lá fora, no alpendre ventilado da casa grande, as redes brancas com varandas alvíssimas, acolhiam os convidados mais importantes do
167
mundo político, social e religioso, os quais palestravam os acontecimentos mais recentes, balançando-se e tomando cafezinhos e chás, com biscoitos e bolos. Na casa grande, toda rodeada de cadeiras de couro, ou de bancos compridos de seis pernas, os demais convidados conversavam. Às vezes somente empolgavam - se ouvindo um eloqüente visitante, contando suas proezas de viagem, ou um filho da terra que voltava, depois de concluídos os estudos em outro Estado ou em outro país, descrevendo com todos os detalhes as maravilhas do “lá fora”, as dificuldades encontradas nas saudades da terra natal, os desencontros e contratempos nos poeirentos caminhos, a cavalo, para chegar até aqui... (GADELHA, 1986, p. 60)
A política ainda é, nos dias atuais, um evento que movimenta a
população sousense, com as presenças de candidatos em festas da cidade
fazendo com que gere muita polêmica. São as lembranças trazidas no livro de
Julieta Gadelha que nos fazem rememorar um passado sousense ainda tantas
vezes revivido na atualidade.
No jogo das suas lembranças, engendram-se concepções, pontos de vista próprios daquele espaço social que se incorporam ao texto presente. Leituras que mostram diferentes momentos das suas lembranças, como testemunhos da sua contribuição à construção da sociedade letrada brasileira, e também da própria história que ora se configura. (MORAIS, 2011, p. 241)
Todo esse jogo de lembranças se tornou um legado através das páginas
do livro que vai ficando para a posteridade como uma relíquia histórica preciosa
que configura uma época e assim constitui-se numa prática educativa.
168
5.1 JULIETA PORDEUS GADELHA E OUTRAS MARCAS DO
LEGADO CULTURAL DEIXADO AO MUNICÍPIO DE SOUSA - PB.
O legado que Julieta Gadelha deixa para o município de Sousa não está
presente apenas na escrita, através das obras publicadas, Crônicas para
mamãe ler e Antes que ninguém conte e nas crônicas da Revista Letras do
Sertão. Ele ultrapassa os textos escritos e fica registrado nos símbolos do
município, como o hino e a bandeira.
Em 1975, Julieta Gadelha escreve o hino da cidade de Sousa, cravando,
mais uma vez, as marcas de sua prática educativa, uma vez que, o hino “hoje é
cantando nas escolas e solenidades locais e obrigatório na abertura das
sessões da câmara de vereadores” (BLOG DE EDILBERTO ABRANTES,
2009).
No hino de sua autoria, fez questão de destacar aspectos que fazem
parte da trajetória histórica da cidade de Sousa, marcada pela “moralidade,
romantismo, religiosidade e patriarcalismo” (SANTOS & BURITI, 2015, p. 1). As
estrofes “do progresso nasceu a riqueza em plena evolução” e “De sorriso a
cidade pólo” dizem respeito a uma cidade que despontou, entre outras do
Sertão, na economia algodoeira, posteriormente, nas indústrias, fazendo com
que tivesse evolução. Sendo intitulada, por isso, de “Cidade Sorriso”. São as
indústrias, características do desenvolvimento econômico de Sousa até hoje,
com destaque, atualmente, para os produtos laticínios da marca Ísis e dos
sorvetes Mareni, distribuídos na Paraíba e em outros estados:
De repente uma gleba de terra amanheceu florindo Refletiu-se a beleza e surgiu a Cidade sorrindo Do progresso nasceu a riqueza em plena evolução Era Sousa florindo o Sertão. Oh gentil colorida cidade Nós te amamos em teu florescer Centenária de olhar sem idade Tua face é o alvorecer.
169
De sorriso a cidade pólo Foi um passe tua construção Uma fada regou o teu solo No albor da tua criação.
Nas estrofes do hino a cidade de Sousa aparece sempre com destaque
a beleza, as flores, o colorido, o sorriso intensificando o amor demonstrado na
escrita, o apego à Sousa, as pessoas de sua história, seus costumes, seus
fundadores, como Bento Freire de Sousa:
Bento Freire olhando de cima da verde planície Contemplando a sua obra prima Escutou a alegria dos gisos Que seu povo fazia brilhar. Na canção da Cidade Sorriso Para sua história exaltar. Oh gentil colorida cidade Nós te amamos em teu florescer Centenária de olhar sem idade.
Como autora do hino, acreditamos que sua prática educativa se torna
mais evidente, pois mesmo que nem todos os sousenses tenham tido acesso
as leituras de suas obras, o hino é mais conhecido por ser tocado em locais
públicos, inclusive nas escolas.
A letra do hino de Sousa deixa indícios sobre a sua história local,
contada nas obras de Julieta Pordeus Gadelha. Por isso, acreditamos que
conhecimento e estudo do mesmo nos ambientes educacionais, entre eles, o
escolar, reforça a noção de valorização de um lugar, de pertencimento a um
grupo identitário, a uma determinada cultura que não deve ser proporcionada
somente a uma camada esclarecida da população, mas também, às classes
populares no sentido de tornar mais forte a identidade social e a memória
coletiva das pessoas, sobretudo, dos estudantes.
Ao adotar uma prática referenciada na história local, o professor contribui no fortalecimento de uma identidade social coletiva e, consequentemente, no sentido de pertencimento aos locais de vivências dos alunos, superando a dicotomia existente entre a produção e a transmissão dos conhecimentos [...] (SOUSA, 2015, p. 139).
170
Imagem LVI: Hino do município de Sousa - Paraíba. Fonte: Prefeitura Municipal de Sousa - PB.
171
Imagem LVII: Hino do município de Sousa com a escrita original de Julieta Pordeus Gadelha.
Fonte: Acervo pessoal da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
172
Em 1976, junto a outro sousense Marcílio Mariz, Julieta Gadelha projeta
a bandeira do município de Sousa. Nela, mais uma vez, deixa estampados os
traços marcantes do município, trazendo aspectos que remontam e recria a
história, o passado tantas vezes falado em nas publicações.
Imagem LVIII: Bandeira do município de Sousa-Paraíba Fonte: Prefeitura Municipal de Sousa-PB
A bandeira tem as cores que representam a história do município de
Sousa, desde a fundação por Bento Freire de Sousa. Segundo Raudilene
Silveira, professora de Geografia do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, o
verde representa as matas nativas; o vermelho, as lutas para desbravar essas
terras sertanejas; o branco, a paz alcançada; o círculo, a hóstia do milagre
eucarístico (já mencionado anteriormente); a espiral azul, os caminhos
percorridos por Bento Freire para conseguir a doação das terras de D. Inácia
Dias D‟Avila e o S central, homenageia o fundador, o qual deu nome à cidade -
Sousa.
Estudamos a história de Sousa no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora e
nos lembramos da valorização que as professoras davam à bandeira daquele
173
município, sobretudo, pela construção ter sido pelas mãos de Julieta Pordeus
Gadelha, que no passado, também fora estudante daquela instituição. Nesse
sentido, o estudo dos símbolos do município, vivenciados “a partir da História
local, potencializava o entendimento mais crítico da realidade pelos alunos, nos
seus aspectos políticos, sociais e culturais” (SOUSA, 2015, p. 140).
Reiteramos que a prática educativa desta escritora se configura como
um legado que vai sendo transmitido de geração a geração, pelos sousenses.
E como se não bastasse todas as marcas de sua prática educativa
através das crônicas publicadas na Revista Letras do Sertão, dos livros e dos
aspectos simbólicos do município de Sousa, como a bandeira e o hino, no ano
de 2000 Julieta Pordeus Gadelha inaugura o Centro Cultural e Memorial de
Sousa Tozinho Gadelha. Com este centro, a autora homenageia seu pai,
Felinto da Costa Gadelha, além de fazer os visitantes viajarem no tempo ao
apresentar relíquias de família e imagens do município de Sousa, no passado.
Imagem LIX: Centro Cultural e Memorial de Sousa Tozinho Gadelha
Fonte: arquivo pessoal de Ana Paula Mendes Silva
174
Em conversa com familiares, fomos informadas que a própria Julieta
Gadelha ficava no Centro Cultural para receber os visitantes.
O Centro Cultural tem um valor material e memorialístico para o
município de Sousa, pois se trata de um mergulho na história através das
imagens, móveis e objetos que configuram a cidade, numa outra época. Nesse
sentido, “a autora lega à posteridade detalhes de vida e hábitos passados,
numa exteriorização do seu pensar e do seu agir. Um verdadeiro tratado
sociológico” (MORAIS, 2011, p. 240).
Imagem LX: oratório da família de Julieta Pordeus Gadelha. Fonte: acervo da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
175
Imagem LXI: objetos que foram de seus pais, entre eles, o paletó e o chapeu. Fonte: acervo da escritora Julieta Pordeus Gadelha.
Imagem LXII: Fotos que trazem aspectos da trajetória histórica de Sousa expostas no Centro Cultural e Memorial Tozinho Gadelha.
Fonte: acervo da escritora Julieta Pordeus Gadelha
176
Nas imagens acima, além de tantas outras que tivemos acesso durante
as conversas com familiares de Julieta Gadelha, vislumbramos um passado em
que as insígnias o representam. É o caso do oratório de família, uma parte da
religiosidade num canto da casa que as famílias utilizavam para fazer orações.
Além disso, a segunda imagem traz uma série de fotos de igrejas, padres e
pessoas que compõem a construção de Sousa.
Contudo, as imagens trazem uma forte religiosidade presente em Julieta
Pordeus Gadelha, característica que já foi demonstrada através de publicações
de sua autoria. Mas acima de tudo, contam uma história, cheia de significados
e linearidade, pois, a partir do momento em que conhecemos sobre a trajetória
sousense, compreendemos o papel de cada um dos personagens
apresentados no mural do memorial fundado por Julieta Gadelha.
Talvez sua intenção, com a fundação do memorial, fosse de fazer com
que esta história/trajetória não se perdesse ou que não ficasse somente nos
papeis, já que nem todos têm acesso aos livros, mas que se expandisse para o
concreto, o palpável, através dos móveis, dos objetos de decoração, das
relíquias de família, das imagens e mensagens imbricadas nas fotos antigas...
Com o Centro Cultural e Memorial de Sousa Tozinho Gadelha, Julieta
Gadelha demonstra, mais uma vez, sua valorização ao passado, a memória de
tudo o que foi construído, pois, ao expor as peças e imagens no museu, reforça
a escrita sobre o legado histórico sousense. Com o memorial, Julieta Gadelha
divide o que sabe estabelecendo.
No ano da fundação do Centro Cultural, a vereadora Maria do Socorro
Pinto Gadelha toma a iniciativa de registrar, na Câmara municipal de Sousa, os
votos de parabéns a escritora Julieta Pordeus Gadelha em face da instalação
do Centro Cultural Tozinho Gadelha caracterizando - o, nas suas palavras, de
“constituinte de canal entre o pretérito e o hoje, extraindo elementos de nossas
raízes, até então adormecidos, por demais necessários à formação de um
amanhã compromissado com o resgate de nossas memórias.” Conforme
mostra o documento abaixo:
177
Imagem LXIII: Documento da Câmara Legislativa de Sousa em que Julieta
Gadelha é parabenizada pela criação do Centro Cultural e Memorial Tozinho Gadelha Fonte: acervo da escritora Julieta Pordeus Gadelha
A trajetória percorrida pela escritora sousense Julieta Pordeus Gadelha
nos dá base de sustentação para afirmar a relevância do nosso trabalho de
tese, sobretudo, por mostrar a sociedade sousense e paraibana quem é Julieta
178
Pordeus Gadelha, nosso objeto de estudo. Tentamos, de maneira científica e
acadêmica traçar o seu perfil de mulher e a relevância de sua escrita, bem
como, dos símbolos do município de Sousa, a bandeira e o hino caracterizados
por nós, como uma prática educativa, já que deixa um legado cultural e
educacional para Sousa.
Salientamos o ineditismo deste trabalho em virtude da não existência,
antes deste, de outro que escrevesse sobre Julieta Pordeus Gadelha através
de suas memórias, suas reminiscências extraindo a forma como pensava,
como escrevia, como vivenciava, o cotidiano desde a infância. Talvez por falta
de oportunidade, outras pessoas não tenham escrito sobre ela. Segundo sua
irmã, Julieta não gostava de ser homenageada, embora tenha sido mencionada
e elogiada em jornais e revistas, conforme mostramos ao longo deste trabalho.
Não podemos deixar de destacar que em agosto de 2016, o evento
Literarte - Mostra de Literatura do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora,
homenageou a escritora Julieta Pordeus Gadelha. O evento, que está em sua
terceira edição, trabalha com as obras da Literatura Brasileira e de outros
países fazendo com que os estudantes do Ensino Médio as representem
através de peças de teatro.
Em nota informativa sobre o Literarte, o site do Colégio Nossa Senhora
Auxiliadora diz que o evento:
Envolve todo o contexto artístico despertando a criatividade e a curiosidades dos alunos sobre literatura, e todas as expressões artísticas como dança, teatro, pintura e tudo mais que fluir diante da criatividade dos participantes. (Disponível em: http://cnsaweb.com.br/event/literarte/)
O fato da edição do Literarte 2016 homenagear Julieta Pordeus Gadelha
foi muito importante, pois, levar aos jovens o conhecimento sobre esta escritora
e todo o legado cultural deixado por ela para a história do município de Sousa
é, também, uma prática educativa. Além disso, sabemos o quanto a História
reservou o esquecimento às mulheres, fazendo com que muitas delas, nem
sejam lembradas mesmo tendo várias atitudes que marcaram o passado e a
composição de um lugar...
179
Imagem LXIV: Cartaz do Literarte 2016 Fonte: site do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora
É importante deixar para os sousenses a prática educativa desta mulher
que, certamente, ficará entre os nomes dos escritores daquele município, para
que não seja lembrada somente pelo hino que escreveu ou pela bandeira que
projetou, mas pela escrita dos aspectos históricos e memorialísticos sobre a
construção e o passado sousenses, além do apego, tão visível, àquele lugar.
Os livros, os artigos em jornais, a criação do hino e da bandeira, além do
memorial são elementos que compõem a prática educativa, deixada por Julieta
Pordeus Gadelha, que partiu em 2016. Em 07 (sete) de setembro, quando
concluíamos este trabalho de tese, fomos surpreendidas com a notícia de seu
falecimento.
180
Imagem LXV: Corpo de Julieta Pordeus Gadelha sendo conduzido ao cemitério São João Batista após a missa na Matriz de Nossa Senhora dos Remédios em Sousa – PB.
Fonte: Jornal on line Diário do Sertão.
Faleceu nesta quarta-feira (07) na cidade de Sousa, a escritora Julieta Pordeus Gadelha. A missa de corpo presente foi realizada na manhã desta quinta-feira (08) na Igreja Matriz e o sepultamento aconteceu no cemitério São João Batista. Julieta compôs o hino do município de Sousa, e também escreveu o livro resgate “Antes que Ninguém Conte”, que relata a história da cidade sorriso da Paraíba. (ABRANTES, JORNAL DIÁRIO DO SERTÃO).
Talvez por ironia ou coincidência do destino, ela veio falecer, justamente,
no dia 07 de setembro, dia em que comemoramos a independência do Brasil.
Como escritora, que contribuiu para a história local sousense e paraibana,
partiu também, num dia histórico deixando para Sousa, todo um legado cultural
que tentamos elencar neste trabalho de tese, como uma prática educativa.
181
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pesquisar sobre Julieta Pordeus Gadelha, trazendo a tona sua história e
memória, utilizando suas obras enquanto fonte de trabalho, mais que revelar a
prática educativa elucidada nos conteúdos e na trajetória de escritora,
sousense, se configura, para nós, numa realização pessoal e profissional.
Pessoal por que se trata da efetivação de um trabalho que há muito tempo vem
sendo pensado, e por inúmeros motivos, ainda não tinha sido concretizado. El
também pelo fato de que tem como objeto de estudo, uma mulher que tem sua
marca na contação da história no município de Sousa.
Pesquisar sobre a prática educativa de Julieta Pordeus Gadelha tem o
significado de cumprir um trabalho acadêmico, que atenda as normas exigidas
para uma tese de doutorado, mas é também, uma forma de colocar a mulher
no cenário da pesquisa, rememorar e reavivar sua trajetória de pesquisadora e
contribuinte para a cultura de um lugar.
Não nos referimos somente a escritora, mas a mulher Julieta Pordeus
Gadelha que vai se configurando e representando inúmeras mulheres que
contribuíram para a história local, mas podem cair no esquecimento, caso não
sejam estudadas.
Aliada a realização pessoal, soma-se o fato de ser um trabalho inédito,
uma vez que, por mais que a autora tenha sido mencionada e até citada em
outros trabalhos, nenhum outro fora totalmente voltado para Julieta Pordeus
Gadelha, para sua biografia, suas obras, sua memória...
Ao ler, estudar e escrever sobre Julieta Pordeus Gadelha percebemos
uma mulher de várias faces. Entre estas, destacamos a Julieta normalista, de
formação pedagógica pela Escola Normal São José; a escritora de livros, de
artigos de revista que marcaram sua trajetória; a religiosa, ao expressar
diversas opiniões sobre a influência que tinha a Religião Católica Apostólica
Romana em sua vida; a compositora do Hino do município; a artista, que
desenhou a bandeira; a historiadora por contar a história local com tantos
detalhes, pela fundação do Memorial.
182
Na escrita e nas outras atuações, Julieta Gadelha apresenta uma forte
relação com o município de Sousa, representada no legado que deixou. Este
legado poderá contribuir para outras pesquisas ou como referência para as
instituições de ensino.
Assim, mais que cumprir as exigências de um trabalho de tese, escrever
sobre Julieta Gadelha se tornou um trabalho prazeroso, desde o começo,
quando as inquietações e dúvidas, ainda eram recorrentes.
Para além das realizações, acreditamos que as perguntas de pesquisa
elencadas no início deste trabalho, foram respondidas, uma vez que, ao
conhecermos quem foi Julieta Pordeus Gadelha, também visualizamos os
conteúdos de suas obras sobre vários ângulos, como por exemplo, as questões
ligadas a gênero como um direcionamento dos papeis atribuídos a cada sexo.
Também vimos detalhes da história local, os fatos, os costumes, os
monumentos históricos, as pessoas que fizeram parte da fundação e
construção do município de Sousa, entre outros aspectos que fazem parte do
conteúdo de suas obras.
Embora algumas questões, como o gênero, merecessem maior
aprofundamento, talvez através de outras crônicas por ela publicadas,
acreditamos que neste trabalho, pudemos mostrar um pouco da Julieta
Gadelha que, contribuinte para a cultura sousense, apresenta uma prática
educativa cheia de aprendizagens, riquezas culturais e uma identidade com o
passado sousense.
Como uma mulher que foi nascida e criada num município do Sertão da
Paraíba, filha de uma família tradicional e conservadora, de preceitos baseados
na religião católica, Julieta Gadelha deixa os traços de sua personalidade na
escrita que vem recheada de normas de conduta de comportamento, sobretudo
o feminino, ainda que defendesse a mulher letrada e culta. São perceptíveis
nas crônicas de cunho memorialístico, as características de sua formação
pessoal.
Quando escreve sobre Sousa, sua cidade natal, a autora se debruça em
aspectos que compõem a história local com uma riqueza de detalhes e de fatos
183
que se tornaram esquecidos pelo tempo. Outros até são lembrados atualmente
pelas escolas ou pelos locais que ficaram marcados, como o Milagre
Eucarístico, por exemplo, porém, as obras de Julieta Gadelha agregam valores,
sentimentalismos, uma sensação incontida de pertencimento e ao mesmo
tempo, de vaidade, por também, fazer parte da história daquele município, de
ser filho de Sousa. A cada história narrada, vamos nos encontrando, como se
vivenciássemos tudo de novo.
Encontramos, ao ler Julieta Pordeus Gadelha, os aspectos de outros
trabalhos de autores que também desenvolveram temáticas semelhantes, tais
como Almeida (1998) quando fala da educação das mulheres; Nunes (2005)
quando descreve sobre as mulheres dos romances São Bernardo e Vidas
Secas, de Graciliano Ramos; Morais quando escreve sobre Chicuta Nolasco
Fernandes (2006), Izabel Gondim (2003), Sophia Lyra (2011) acentuando suas
contribuições para a cultura e educação do estado do Rio Grande do Norte.
Todas estas autoras, entre tantas outras, (re)constroem cotidianos
femininos de outrora fazendo com que aconteça, entre os leitores, uma
valorização sobre a atuação e consequente, contribuição do feminino para a
educação de um lugar. Fomos nos alimentando, para a construção do nosso
trabalho, das fontes de referência destas autoras. Elas foram nossa fonte de
inspiração.
Acrescido ao que já foi dito, reafirmamos nossa realização de poder ter
discutido sobre gênero neste trabalho, sob a ótica da escrita de Julieta Pordeus
Gadelha. E também de mergulhar nas suas memórias, com narrativas tão ricas
e tão significativas, que nos permitiram conhecer muito mais sobre a Julieta
que tanto ouvíamos falar, que tanto admirávamos.
A prática educativa não morre, ela permanece como um legado
oferecido à posteridade, às gerações futuras. Nesse sentido, a prática
educativa da escritora Julieta Pordeus Gadelha não só será um legado, mas
uma fonte de contribuição para a cultura do município de Sousa, ainda tão
presente nas igrejas seculares, na Praça do Milagre Eucarístico, no Vale dos
Dinossauros, na bandeira, no hino, em tantas praças...
184
Neste percurso de escrita pudemos traçar a escritora Julieta Gadelha
com um gosto de quem escreve sobre um objeto valioso, uma pedra bruta que
ainda precisava ser lapidada. Aos poucos, neste trabalho, fomos especificando
nossos objetivos, separando as fontes, agregando os relatos às imagens,
referenciando com os autores que nos deram embasamento teórico até compor
a estrutura que deu corpo, formando o início, o desenvolvimento e as
considerações.
Hoje, nosso trabalho está formado, porém, não acabado, pois o mesmo
deu margem para vários questionamentos, novas posturas e curiosidades que
foram sendo visualizadas à medida que líamos seus textos. Quantas crônicas
ainda queremos discutir! Quantas ideias se formaram em torno da Escola
Normal São José! Quanto mais sobre Julieta Pordeus Gadelha ainda queremos
aprofundar!
Pretendemos desenvolver, ao longo de novos trabalhos na academia,
através projeto de pesquisa que discuta as práticas educativas de mulheres na
Paraíba, sobretudo no interior, pois muitas ainda estão no anonimato.
Pensamos em pesquisas científicas que farão com que os estudantes também
adentrem no cotidiano da pesquisa sobre mulheres que deixaram marcas,
através de suas práticas educativas.
Por fim, compreendemos que as categorias gênero, prática educativa e
história local formaram uma tríade que possibilitou o estudo sobre a história e
memória de Julieta Pordeus Gadelha. Certa de que outros fatores foram
essenciais na composição dessa tríade, como a cultura religiosa, a classe
social e o acesso a leitura e escrita podemos fazer um apanhado mais
completo sobre a escritora e seu legado cultural.
A contribuição que queremos dar a Paraíba e, especificamente, ao
município de Sousa é que Julieta Pordeus Gadelha seja lembrada, através
deste trabalho. Sabemos que será mencionada, quando o hino municipal for
cantado ou a bandeira for hasteada ou estudados nas escolas, mas almejamos
ir além. Que ela não seja só lembrada, citada como uma pessoa que contribuiu
com a cultura, mas pela escrita com detalhes do passado, pelo amor à Sousa,
tantas vezes demonstrado e, sobretudo, por ser uma mulher a historiadora
185
local em meio a tantos outros nomes de homens que são lembrados até hoje,
através da história, dos nomes nas ruas, praças e avenidas.
Como já dissemos anteriormente, este trabalho é inconcluso, ainda que
se apresente as considerações finais, pois não pretendemos engavetá-lo, como
quem já prestou contas às exigências para o título de doutor, pelo contrário,
pretendemos publicá-lo para que outras pessoas conheçam com mais
profundidade, a memória e história da prática educativa de Julieta Pordeus
Gadelha.
186
REFERÊNCIAS:
ABRANTES, Edilberto. Antes que ninguém conte. Disponível em:
<http://academiadepoetassousenses.blogspot.com.br/2009/11/antes-que-
ninguem-conte.html>. Acesso em: 22/03/2013.
__________. Cidade de luto! Morre a compositora do hino de Sousa Julieta
Pordeus Gadelha. Confira! Jornal Diário do Sertão. Sousa PB. 08/09/2016. Disponível
em: <http://www.diariodosertao.com.br/noticias/cidades/146514/cidade-de-luto-morre-
compositora-do-hino-de-sousa-julieta-pordeus-gadelha-confira.html>. Acesso em:
08/09/2016.
ALMEIDA, Jane Soares. Mulher e educação: a paixão pelo possível. São
Paulo: Editora UNESP, 1998.
ALMEIDA, José Américo de. A bagaceira. 10 ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, s. d. 173 p. (romance)
AMADO. Janaína. História e Região: reconhecendo e reconstruindo espaços.
In. SILVA, Marcos (Coord.). República em Migalhas: História Regional e
Local. São Paulo: ANPUH, Marco Zero, 1990. p. 7-15.
ARAÚJO, Marta Lúcia Ribeiro. O processo político na Paraíba: 1945-1964. In:
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy (org.). Estrutura de poder na Paraíba. João
Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 1999.
ARAÚJO, RAILANE MARTINS DE. O governo de Pedro Gondim e o teatro
do poder na Paraíba: imprensa, imaginário e representações (1958-1965).
Dissertação de mestrado. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa,
2009.
__________. A Paraíba no contexto da década de 1960: a posição do estado
frente as ligas camponesas. Disponível em:
<http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2002%20-
%20Railane%20Martins%20de%20Ara%C3%BAjo%20TC.PDF>. Acesso em:
22/05/2014.
187
BAHIANA, Ana Maria. Almanaque de 1964. São Paulo: Companhia das
Letras, 2014.
BARBOSA, Vilma de Lurdes. Contribuições para pensar, fazer e ensinar
história local. Tese de doutorado em Educação. Programa de Pós-Graduação
em Educação. Natal: UFRN, 2005.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e
métodos. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2009.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de n°. 5692/1971.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692.htm>. Acesso
em: 02/07/2014.
BRASIL. Resolução n. 8/71, de 1° de dezembro de 1971, do CFE. Fixa o
núcleo comum para os currículos do ensino de 1° e 2° graus, definindo-lhes os
objetivos e a amplitude. Documenta - Rio de Janeiro, n. 133, dez.
BRASIL. Parecer n. 853/71, de 12 de novembro de 1971, do CFE. Núcleo -
comum para os currículos do ensino de 1° e 2° graus. A doutrina do currículo
na lei 5.692. Documenta - Rio de Janeiro, n. 132, Nov.
BRASIL, Ministério da Educação. Programa Brasil Alfabetizado. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal/194-secretarias-
112877938/secad-educacao-continuada-223369541/17457-programa-brasil-
alfabetizado-novo>. Acesso em: 22/05/2010.
BURKE, Peter. O que é história cultural? Tradução Sérgio Goes de Paula. 2.
ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
CALLAI, Helena Copetti (org.) O ensino em Estudos Sociais. 2. ed. Ijuí:
Unijuí, 2002. Coleção Ensino de 1 grau. Série Biblioteca do professor.
CARTAXO, Cristiano. Prefácio do livro Crônicas para mamãe ler. In:
GADELHA, Julieta Pordeus. Crônicas para mamãe ler. João Pessoa - PB: A
União, 1965.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis:
RJ. Ed. Vozes, 1998.
188
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações.
Trad. de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel Editora, 1990.
__________. A Ordem dos Livros: leitor, autores e bibliotecas da Europa
entre os séculos XIV e XVIII. Distrito Federal: Editora Universidade de Brasília,
1994.
__________. O mundo como representação. In: Estudos Avançados, volume
5, n° 11. São Paulo, Janeiro/Abril, 1991. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ea/v5n11/v5n11a10.pdf>. Acesso em: 25/03/2014.
CORREA, Sílvio Marcus de Souza. História local e seu devir historiográfico. In:
MÉTIS: história & cultura – v. 2, n. 2, p. 11-32, jul./dez. Caxias do Sul: RS,
2002.
FERRAZ, Augusto. Além do Rio: uma fotografia da paisagem urbana Sousa -
Paraíba. 2 ed. AGT Produções: Sousa Paraíba, 2011.
Freyre, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento do urbano. São Paulo: Editora Global, 2004.
GADELHA, Julieta Pordeus. Intelecto e casamento. Revista Letras do Sertão.
Sousa - PB, edição 12, páginas 15 - 16, ano 1955.
__________. Amigos. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB, edição 14, página
14, ano 1956.
__________. Minha primeira farda. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB,
edição 15, página 12, ano 1957.
__________. O legado de um canário lutador. Revista Letras do Sertão.
Sousa - PB, edição 17, página 27, ano 1959.
__________. Reminiscências. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB. Edição
18, páginas 12 - 13, ano 1959.
__________. Desembargadores sabem torrar café. Revista Letras do Sertão.
Sousa - PB. Edição 19, páginas 02 - 03, ano 1960.
__________. Gratidão de seresteiro. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB.
Edição 20, páginas 23 - 24, ano 1960.
189
__________. Êsse meu tio. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB. Edição 21,
página 12, ano 1961.
__________. Inversão de valores. Revista Letras do Sertão. Sousa - PB.
Edição 23, páginas 19 – 20, ano 1961.
__________. Crônicas para mamãe ler. João Pessoa: A União, 1965.
__________. Antes que ninguém conte. João Pessoa PB: A União, 1986.
__________. Professor Senhorzinho - o Mestre. Jornal em homenagem ao
professor Virgílio Pinto de Aragão. Gráfica E. Rocha Marques Pinto, 2005.
Hollanda, Heloísa Buarque de. Os estudos sobre mulher e literatura no
Brasil: Uma primeira abordagem. Seminário “Estudos sobre Mulher no
Brasil - Avaliação e Perspectivas”. Fundação Carlos Chagas 27 a 29 de
novembro de1900. Disponível em:
<http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/os-estudos-sobre-mulher-
e-literatura-no-brasil-uma-primeira-abordagem-9/.> Acesso em:
15/11/2016.
Hospital Napoleão Laureano. A fundação. Disponível em:
<http://hlaureano.org.br/a-fundacao/historia/>. Acesso em: 24/10/2016.
Hospital Napoleão Laureano. Hospital Napoleão Laureano conta com apoio de
parlamentares. Disponível em:
<http://www.obeabadosertao.com.br/v3/hospital_napoleao_laureano_conta_co
m_apoio_de_parlamentares__6052.html>. Acesso em: 24/10/2016
JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira
de História da Educação. Volume 1, número 1, 2001. Tradução de Gizele de
Souza. Disponível em: <
http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/view/273>. Acesso em:
22/05/2015.
KULESZA, Wojciech Andrzej. Igreja e educação na Primeira República. In:
MACHADO, Charliton José dos Santos; SCOCUGLIA, Afonso Celso. (orgs.)
Pesquisa e historiografia da educação brasileira. Campinas, SP: Autores
Associados, 2006.
190
LEITÃO, Deusdedit. Inventário do tempo: memórias. São Paulo: Editora
Empório dos Livros, 2000.
LIBÂNEO, José Carlos: Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
LOPES, Eliana Marta Teixeira. Pensar categorias em História da Educação
e Gênero. Projeto História: São Paulo, 1994.
LOPES, Eliana Marta Teixeira; GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da
Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary del (org),
História das mulheres no Brasil. Editora Contexto, 1997
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e
proposições. São Paulo: Cortez Editora, 2011.
MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Editora Três, 1972.
MATOS, Eilzo. Letras do Sertão: sumário cronológico (uma aventura de
Sousa no mundo da cultura – novembro de 1951 – março de 1968). Sousa
Paraíba: Fundação Antônio Mariz, 2004.
MORAIS, M. A. C. Leituras de mulheres no século XIX. 1. ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2002. v. 1. 108p.
_______. Chicuta Nolasco Fernandes: intelectual de mérito. Natal: Editorial
A República, 2006. (Série Educação e Educadores do Rio Grande do Norte –
Vol. II).
_______. Isabel Gondim: uma nobre figura de mulher. Natal RN: Terceirize,
2003.
_______. Literatura e História: a intertextualidade na obra da escritora Sophia
Lyra. In: LEITE. Juçara Luzia; ALVES, Claudia (Orgs). Intelectuais e História
da Educação no Brasil: poder, cultura e política. Vitória: EDUFES, 2011.
_______. Entre o inventário de lembranças e aproximações de similitudes.
In: BARBOSA, Tatyana Mabel Nobre; PASSEGGI, Maria da Conceição. (Org.).
Memorial acadêmico: gênero, docência e geração. 1Ed. Natal: EDUFRN, 2011,
v. 1, p. 143-152.
191
NETO, Manoel Pereira da Rocha. A educação da mulher Norte - Rio -
Grandense segundo Júlia Medeiros (1920 - 1930). 2005. Tese (Doutorado
em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Natal - RN, 2005.
NEVES, Joana. História local e construção da identidade social. In: Saeculum:
Revista de História. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB. nº. 3, Jan/Dez
1997. p. 13-27.
NUNES, Maria Lúcia da Silva. A Imprensa Paraibana e os Direitos da Mulher:
Textos Publicados no Jornal A União na Década de 1920. In: MACHADO,
Charliton José dos Santos; SCOCUGLIA, Afonso Celso. (orgs.) Pesquisa e
historiografia da educação brasileira. Campinas, SP: Autores Associados,
2006.
OLIVEIRA, Maria de Lourdes Barreto de Oliveira. Colégios e liceus na Paraíba
do Oitocentos: oficinas para mandos e ofícios da cidade. In: MACHADO,
Charliton José dos Santos; SCOCUGLIA, Afonso Celso. (orgs.) Pesquisa e
historiografia da educação brasileira. Campinas, SP: Autores Associados,
2006.
PALMEIRA, Balila. Destino Cruel. João Pessoa: Editora A União, 1993.
PEREIRA, Aldiceia Machado. A importância da história local para o ensino
de história: um olhar para o município de Duque de Caxias. Artigo
apresentado no Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica da
Baixada Fluminense – PINBA. 17 e 19 de agosto e 01 de setembro de 2011.
PINHEIRO, Antônio Carlos Ferreira Pinheiro. A Era das escolas rurais
primárias na PB. In: MACHADO, Charliton José dos Santos; SCOCUGLIA,
Afonso Celso. (orgs). Pesquisa e historiografia da educação brasileira. São
Paulo: Unicamp, 2006.
PINTO, Lucíola Marques. Roteiro de uma cidade perdida em sua história:
Sousa. Campina Grande: EDUFCG, 2008.
PINTO, Evilásio Marques. Virgílio Pinto de Aragão (Professor Senhorzinho).
Jornal em homenagem aos 110 anos de nascimento de Virgílio Pinto de
Aragão. Gráfica E. Rocha Marques Pinto, 2005.
192
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 1990.
SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral. In: Revista Brasileira de
História. História em Quadro Negro: escola, ensino e aprendizagem. São
Paulo: ANPUH/Marco Zero, v. 9, nº 19, set.89/fev.90. 1990. p 219-243.
SANTOS, Ana Soraya; SILVA, Euzeliz Nascimento da. (coord. e org.).
Metodologia do Ensino de Estudos Sociais para o Ensino Fundamental.
Fortaleza/CE: UVA-CETREDE, 1999.
SANTOS, Roberg Januário dos; BURITI, Iranilson. Eu sinto que essa vida já
me foge: a Pedagogia dos espaços nas tessituras de Sinhazinha Wanderley.
In: Revista de História e Estudos Culturais. Volume 12, Ano XII, número 2.
Julho - Dezembro de 2015. Disponível em: <
http://www.revistafenix.pro.br/PDF36/ARTIGO_6_SECAO_LIVRE_ROBERG_J
ANUARIO_DOS_SANTOS_E_IRANILSON_BURITI_FENIX_JUL_DEZ_2015.p
df >. Acesso em: 22/05/2015.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução as
teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
SILVA, Francinaide de Lima. A Escola Normal de Natal (Rio Grande do
Norte, 1908- 1971). 2013. 163 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa
de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Natal, 2013.
SOUSA, Israel Soares de. Educação popular e ensino de história local:
cruzando conceitos e práticas. 2015. 238 f. Tese (Doutorado em Educação) -
Programa de Pós-graduação em Educação Universidade Federal da Paraíba.
João Pessoa PB, 2015.
WERNECK, Humberto. O tititi do monoquíni. In: O Estadão: cultura. 23 de
março de 2014. Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,o-
tititi-do-monoquini-imp-,1144132>. Acesso em: 04/12/2015.
ZENAIDE, Hélio Nóbrega. Paraíba: nomes da nossa história. Pedro
Gondim. A União. Superintendência de Imprensa e Editora. 2002.
Anexos
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
DOUTORANDA: ANA PAULA MENDES SILVA
ORIENTADORA: DRA. MARIA ARISNETE CÂMARA DE
MORAIS
CONTRIBUINTES: DR. CLÁUDIO GADELHA
MARIA ALVES PINTO (Maria de Lelê)
Prezado (a) Advogado Cláudio Gadelha,
No âmbito da tese de Doutorado, em desenvolvimento na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte/Natal - RN, com o objetivo de analisar a trajetória educacional de
Julieta Pordeus Gadelha, gostaríamos de solicitar sua participação para responder ao
questionário disponibilizado, com os seguintes pontos:
Questionário sobre a trajetória de Julieta Pordeus Gadelha
1. Nomes de seus pais e irmãos.
2. Data de Nascimento.
3. Nome de batismo.
4. Qual a colocação de nascimento em comparação com os irmãos (Primeira,
segunda, mais velha, caçula...).
5. Quem era seu pai; o que exercia e de qual família fazia parte.
6. Atividade econômica da família (algodão, café...)
7. Quem eram seus padrinhos de batismo?
8. Ela sempre morou em Sousa? Quando criança morou em alguma zona rural?
9. Se, quando cresceu, foi morar em algum outro município? Se sim, onde e
quando?
10. Morou sempre com os pais ou com outras pessoas? E em que rua?
11. Existe alguma fotografia deste lugar? (Foto da época)
12. Onde ela foi alfabetizada? Em alguma escola ou por alguém em particular?
Tem alguma foto dessa época, para que possa acrescentar em meu trabalho?
13. Quais as aulas que ela tinha nessa época? Como era o currículo da escola?
14. Onde costumava brincar? Em casa ou na rua? Quais as brincadeiras que
tinha? Quem eram seus amigos?
15. Ela fez Escola Normal? Onde? Qual o nome da escola? Era em regime de
internato?
16. Quando começa a lecionar? Em que escola, com qual idade e em que ano?
17. Qual a série que lecionou? Quanto tempo passou? (Fotos e outros registros)
18. Quem eram seus alunos? Ainda vivem?
19. Fez curso superior? Em qual instituição? Em que ano? Lecionou na área?
(Diplomas, fotos)
20. Quem estudou com ela que possa me dar informações mais precisas de como
eram as aulas, a pessoa de Julieta?
21. Fale algum aspecto interessante e/ou curioso sobre Julieta Gadelha.
22. Aspectos curiosos da vida profissional de Julieta que possa me fornecer.
23. Existem impressos, poemas, crônicas, publicações, fotografias, diplomas que
ainda não tenho e poderiam me ser fornecidos.
Desde já, agradecemos sua valiosa contribuição no sentido de dispensar um pouco do
seu tempo para responder ponderadamente os questionamentos.
Com os melhores cumprimentos,
Ana Paula Mendes Silva
Doutoranda em Educação – UFRN – Natal
Maria Arisnete Câmara de Morais
Professora orientadora da UFRN – PPGED (Natal – RN)