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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASFACULDADE DE EDUCAÇÃO
RAFAEL DOS SANTOS PEREIRA
UM ESTUDO SOBRE A PEDAGOGIA ESPÍRITA ESEUS PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS.
CAMPINAS/SP2006
2
Universidade Estadual de CampinasFaculdade de Educação
Rafael dos Santos Pereira
Um estudo sobre a Pedagogia Espírita e seuspressupostos filosóficos.
Monografia apresentada à Faculdadede Educação da Unicamp, sob aorientação do Prof. Dr. SílvioAncízar Sanches Gamboa(DEFHE), para obtenção do títulode Licenciado em Pedagogia.
Campinas/SP2006
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Dedicatória
Dedico este trabalho aos meus dois filhos, o João Rioe o “Pacu”, esse gestado junto com o TCC, os quaismerecem, como todas as crianças, um mundo maisfraterno...
4
Agradecimentos...
À sociedade Paulista, à maioria trabalhadora como eu, principalmente como meuspais, que financiou meus estudos com o pagamento de caros impostos (ICMS), e não pode,apesar de dona, freqüentar a Universidade Pública. Vejo no horizonte, um mundo em queisso não mais acontecerá;
Ao Prof. Dr. Silvio Ancizar Sanches Gamboa, pela orientação desse trabalho e peloincentivo à diversidade intelectual na Universidade;
À Profa. Dra Dora Incontri por participar da banca como segunda leitora, compreciosas contribuições, pelo ânimo e alegria com que me incentivou, nas nossas poucas,mas valiosas conversas;
Ao Professor Alessandro Bigueto, pela amizade e pelas imprescindíveis, prazerosase apaixonadas reflexões em meio a uma ou outra aula na Unicamp;
À Profa. Dra. Sônia Giubilei, pelo seu exemplo, amizade e incentivo;
Ao Will (William Chiuffa), pela leitura e correção dos erros de português;
Aos meus pais, Maria Aparecida e José Ronaldo, por terem me apresentado aDoutrina Espírita ainda na infância, pelo apoio desinteressado e por terem me dado maisuma oportunidade de viver na Terra;
Aos meus irmãos (Camila, Carina e Júnior), pelo companheirismo, amizade econvivência leve. Grandes parceiros de existência!
Aos meus tios, Rozaura (Tia Zau) e Lúcio, sem os quais tudo seria mais difícil,algumas coisas até impossíveis;
À toda minha família, os Rodrigues/Pereira (Pai) e os Santos (Mãe), que têm partedireta na minha formação, esse trabalho leva um pouco de cada um, eu levo um pouco decada um;
Aos meus companheiros (e adversários) de militância política, quantas coisas nãoaprendemos?! Que a chama de nossos sonhos e lutas, não se apague na dureza do cotidianoe permaneça acessa em nossos corações, mentes e mãos;
Aos amigos do Centro espírita Allan Kardec de Itajubá, por despertaram em mim ointeresse para o estudo da Pedagogia Espírita;
À Adriana Silva, por aceitar essa parceria existencial chamada João Rio e peloaprendizado que isso nos proporciona.
Ao meu filho João Rio, por trazer felicidade e esperanças para a minha vida.
E, por fim, à Kamille Vaz, companheira de todas as horas, raio de luz na minhavida.
5
“(...) nosso primeiro desejo é que todos os homens sejam educadosplenamente em sua plena humanidade, não apenas um indivíduo,não alguns poucos, nem mesmo muitos, mas todos os homens,reunidos e individualmente, jovens e velhos, ricos e pobres, denascimento elevado e humilde — numa palavra, qualquer um cujodestino é ter nascido ser humano: de forma que afinal toda a espéciehumana seja educada, homens de todas as idades, todas ascondições, de ambos os sexos e de todas as nações”.ComeniusIn: Pampaedia, 1965
6
RESUMO
Esta monografia, que se constitui num trabalho de conclusão de curso da graduação empedagogia na Unicamp, visa realizar um estudo sobre a pedagogia espírita e seuspressupostos filosóficos, dando voz à pedagogia espírita e seus autores, com o intuito deproporcionar uma reflexão mais profunda sobre as concepções filosóficas eeducacionais que permeiam as pedagogias. Também é objetivo desse trabalho refletirsobre a superação do conflito secular entre as Pedagogias da Essência e as Pedagogiasda Existência. Para tal utilizamos como método a pesquisa bibliográfica, analisando erefletindo sobre a bibliografia básica dessa pedagogia e sobre a obra do pedagogopolonês Bogdan Suchodolski (1903-1992), a Pedagogia e as grandes correntesfilosóficas (Livros horizonte, 1992).
Palavras Chave: 1. Pedagogia – Teoria 2. Educação e Espiritismo 3. Espiritismo
7
SUMÁRIO
RESUMO _______________________________________________________________ 6
SUMÁRIO ______________________________________________________________ 7
APRESENTAÇÃO_______________________________________________________ 8
INTRODUÇÃO ________________________________________________________ 11
CAPÍTULO I – O CONTEXTO ___________________________________________ 14
CAPÍTULO II - DIÁLOGOS ENTRE FILOSOFIA, CIÊNCIA E R ELIGIÃO ____ 26
CAPÍTULO III – A PEDAGOGIA ESPÍRITA_______________________________ 31
CONSIDERAÇÕES FINAIS______________________________________________ 58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______________________________________ 67
8
APRESENTAÇÃO
Essa apresentação ganhou força em meio à escrita desse TCC. Com o
intuito de contextualizar esse estudante que vos dirige a palavra, tanto no
tema, como na própria natureza de um trabalho de conclusão de curso.
Meu interesse em pesquisar a temática “Espiritismo e Educação” vem
desde o início da faculdade. Aliás, cheguei à Universidade, e em meio ao
deslumbramento com idéia de “fazer Unicamp”, uma possibilidade tão remota
e “impossível” para um estudante mediano de uma escola pública do Sul de
Minas, o que explica o deslumbre. Incentivado pela idéia de estudar a escola
espírita. Porém o curso de pedagogia mostrou-me que essa era muito mais do
que a escola, mostrou-me as várias facetas desta instituição, as várias faces da
educação. E pude perceber ano-a-ano, no turbilhão da militância política
estudantil, das leituras e discussões acadêmicas, das vivências diversas que
fizeram explodir uma cachoeira de reflexões, no início políticas, depois
acadêmicas e teóricas até explodir nas profundas e por vezes desconcertantes
reflexões existenciais. O caminho foi longo, 6 anos de graduação. Nesse
período, sonhos emergiram e sucumbiram, perguntas foram respondidas, mas
mais do que isso, perguntas surgiram! Sucumbiu a idéia ingênua de um estudo
de caso sobre uma escola, e emergiu a proposta de em vez de buscar
respostas, buscar perguntas. E é com esse sentimento que propus, a mim
mesmo, um exercício reflexivo, perguntador, sobre as idéias que me
trouxeram ao maravilhoso, esperançoso e ao mesmo tempo, desalentador
mundo da educação. Um estudo sobre as bases filosóficas da pedagogia
espírita se tornou imperativo para me situar teoricamente, para fazer emergir
da minha formação minha leitura sobre a educação e poder, daí, com bases
mais fixas, caminhar na dura, mas gratificante, estrada da docência. O
exercício proposto se justifica, pois a universidade me propôs refletir sobre
diversos aspectos da realidade, porém sempre sob o ponto de vista
materialista, com forte conotação histórico-social. Era preciso que eu pudesse
9
elaborar questões que fizessem aparecer, com certa maturidade, o conflito
entre o materialismo e o espiritualismo, presente na minha formação. Para tal
elegi a realização desse trabalho como parte dessa empreitada, mas destinado a
contrabalançar a formação teórico-ideológica que a universidade me
oportunizou. Durante o curso, durante a militância, priorizei, talvez por falta
de opção, a formação teórica materialista. Neste momento, recuperando a
função e a natureza de um trabalho de conclusão de curso, como um exercício
acadêmico-reflexivo sobre a minha formação, ganhou força a reflexão que
recuperasse a tradição filosófica espiritualista, que o século XIX relegou à
marginalidade acadêmica, ao misticismo dogmático das religiões antigas,
modernas e contemporâneas. Na verdade, o que pretendo fazer é reviver o
conflito histórico entre as pedagogias da essência e as pedagogias da
existência, mas para isso a necessidade de refletir sobre idéias pedagógicas que
remontam à minha formação espiritual ganhou força e característica de
problema de pesquisa, quando surgiu uma proposta pedagógica, defendida em
tese de doutorado na USP (INCONTRI, 2001), que se reivindica, mesmo
trabalhando com categorias das filosofias da essência, revolucionária, no
sentido em que, segundo seus defensores, conjugava a fé e a razão, numa
práxis pedagógica crítica (tanto para o lado materialista como para o lado
espiritualista) e proponente de uma educação para a transformação do ser
humano e do mundo.Veja-se que, diferente de outras propostas pedagógicas
como a católica, por exemplo, essa se coloca no campo que admite a
necessidade de mudar o mundo, resta-me no decorrer do estudo buscar a
confirmação dessa hipótese na prática com que essa teoria dialoga. Por isso
meu objetivo nesse trabalho não é o de ser apologista da Pedagogia Espírita,
mas dar voz a ela, a partir de seus autores/pesquisadores de referência e
procurar entender sua concepção de mundo, de educação, sua visão sobre os
momentos históricos em que se encontram suas raízes filosóficas, com o
intuito de contrapor à minha formação acadêmica, e poder melhor refletir
10
sobre minha prática. Acredito ainda que o presente estudo, incipiente, pode
contribuir para que outros façam o mesmo: Tomem conhecimento, com
maior amplitude possível, das diferentes teorias e concepções pedagógicas,
para com mais clareza epistemológica poder, pronunciar, parafraseando Paulo
Freire, a educação. É daqui que parte meu exercício reflexivo, que deve
buscar, não respostas, mas elementos para uma reflexão mais completa.
11
INTRODUÇÃO
Dora Incontri (2001) em sua tese de doutorado1 questiona os motivos
que levaram o Espiritismo, “uma corrente do pensamento francês do século
XIX, que provocou grande impacto social” (p. 16), à marginalidade dos estudos
acadêmicos, sendo abordada, quando muito, do ponto de vista antropológico,
como fenômeno social e raramente a partir de suas próprias idéias2.
No mesmo estudo a pesquisadora apresenta diversas personalidades
das ciências, das mais diversas áreas do conhecimento, que dispensaram
atenção ao estudo do espiritismo, dentre eles estariam: Arthur Conan Doyle
(1859-1930), célebre escritor inglês, pai de Sherlock Holmes, e autor da obra
“História do Espiritismo”3; o astrônomo Camille Flammarion (1842-1925)
fundador da Sociedade Astronômica da França; e o jovem biólogo Alfred
Russel Wallace, que apresentou simultaneamente com Darwin a Teoria da
Evolução na Sociedade Lineana de Londres em 1858, tendo divergido de
Darwin ao admitir a possibilidade de interferências não identificáveis nas
causas da evolução. Continua chamando a atenção para a omissão dessas
informações nas biografias e estudos sobre as idéias desses pensadores ainda
mais quando esses constituem referência em suas áreas.
O que teria provocado isso que parece um implícito e estranhopacto de silêncio, em torno de uma filosofia, que teve suaprojeção na Europa do século XIX e continua conquistandoadeptos, 150 anos depois? Ainda que fosse para criticá-la, porque não comentá-la? (ibidem, p. 21).
1 COLOMBO, Dora Alice (Dora Incontri). Pedagogia Espírita: Um projeto brasileiro e suas raízeshistórico-filosóficas. São Paulo, Feusp, 2001 (tese de doutorado).2 Exemplos dessa abordagem: CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira (org.). Católicos, protestantes,espíritas. Petrópolis, Ed. Vozes, 1973; CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira. Kardecismo e umbanda.São Paulo, Pioneira, 1961; CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. O mundo invisível. Rio deJaneiro, Zahar, 1983. (Apud INCONTRI, 2001, p. 11).3 DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. São Paulo, O Pensamento, 1960.
12
Ferro (1989), ao analisar o modo de produção das obras históricas,
demonstra que a história é produzida a partir de focos distintos de produção de
conhecimento. Ele analisa o historiador como subserviente a grupos e
instituições, tendo o Estado como a principal instituição, e de maior alcance. É
nesse sentido que os teóricos da Pedagogia Espírita questionam o
silenciamento das filosofias espiritualistas, sobretudo para com a doutrina
espírita, e a notoriedade de outras teorias, em geral de fundo materialista,
como o marxismo e o positivismo, ambos contemporâneos do Espiritismo.
Os teóricos dessa pedagogia defendem a Doutrina Espírita como
categoria de análise, como matriz teórico-metodológica para pesquisas
acadêmicas, para leitura do mundo e a resolução dos seus problemas. Nesse
sentido argumentam em favor do espiritismo, questionando o silêncio que
“paira” em torno dele, como corrente de pensamento e o confrontando com as
grandes correntes de pensamento do século XIX e XX.
Esse é o debate que a Pedagogia Espírita trava, no esforço de se
consolidar, enquanto teoria pedagógica, fundamentada na filosofia espírita da
educação que, por sua vez, está assentada sobre os pilares da Doutrina
Espírita.
Tomamos como pauta para essa reflexão as seguintes questões:
• O que vem a ser a pedagogia espírita?
• Quais são suas origens?
• Qual a sua concepção/visão de educação, de homem e de criança?
• Quais perspectivas podemos esperar, se aplicadas as suas
propostas?
13
Para o melhor entendimento do debate, faz-se necessário que
organizemos a exposição de forma lógica na tentativa de responder às
questões acima colocadas. É o que faremos nos seguintes capítulos.
No primeiro capítulo nosso objetivo foi contextualizar o Espiritismo, que é
a base fundamental da Pedagogia Espírita. Nele nos esforçamos para mostrar
brevemente o entendimento dos teóricos dessa pedagogia sobre o século XIX
e XX, destacando suas principais idéias, observando o que há de convergente
ou divergente entre elas e o espiritismo. Ao final, apresentamos um resumo do
espiritismo com o intuito de completar a tarefa proposta pelo capítulo.
A pauta do segundo capítulo foi o diálogo entre filosofia, ciência e
religião, proposto pela Doutrina Espírita, alertando para a especificidade de
cada conceito, e apresentando o entendimento dos espíritas sobre o tema.
No terceiro capítulo, o objetivo central foi caracterizar a pedagogia
espírita, seu conceito, origens, principais idéias e seu movimento.
Ao final do trabalho, nas considerações finais procuramos responder às
questões colocadas no início desse trabalho. Também fizemos um esforço
comparativo entre a pedagogia proposta pelo pedagogo polonês Bogdan
Suchodolski (1903-1992) e a Pedagogia Espírita. Para isso apresentamos uma
síntese da análise que o autor faz sobre o conflito histórico entre as
Pedagogias da Essência e as Pedagogias da Existência e a superação desse.
Procuramos, ainda, refletir sobre a perspectiva que a pedagogia Espírita teria
de ser uma alternativa a superação dessa antinomia, propondo ao final novas
questões que continuem esse debate.
14
CAPÍTULO IO CONTEXTO
1. O século XIX
Bigueto (2006), em sua dissertação de mestrado sobre o educador
espírita Eurípides Barsanulfo, defendida na Unicamp4, apresenta um
“panorama conjuntural do final do século XIX” (p. 3), no qual aponta para um
período caracterizado pelo otimismo originário dos ideais iluministas e da
Revolução Francesa de 1789. Dora Incontri, ao analisar esse século, com o
intuito de confrontar o espiritismo com seu contexto histórico-cultural, aponta no
mesmo sentido: “Por 200 anos, a civilização européia viveu um frenesi
entusiástico de idealismo progressista, (...), Tudo tem sabor de confiança, de
uma vontade aceita como possível de atingir dias mais radiantes para a
humanidade. (INCONTRI, 2004 p. 35)”.
Entretanto, esses dois pesquisadores admitem que em tal período, nem
tudo foi tão animador: “É verdade que, por outro lado, no século XIX, há
ressaibos de sombra e amargor (ibidem, p.37)”. Alessandro Bigueto diz:
“Havia pesadelos incômodos. Em meio à longa paz daqueleperíodo, havia um mal-estar, os críticos identificaram impulsospara a morte e para a guerra, na consciência individual ecoletiva. É possível localizar o tédio romântico, a afirmação daidentidade nacional à custa da destruição mútua e a sombrado ultramontanismo católico-romano. (BIGUETO, 2006 p.14)”.
Regis de Morais (2002), ao falar dos “caminhos e descaminhos do
século XIX”, em seu livro Educação e Espiritualidade, aborda a contradição do
período:
De um lado, formidáveis conquistas científicas e tecnológicas,bem como avanços artísticos, insuperáveis até hoje;
4 BIGUETO, Alessandro César. Euripedes Barsanulfo: um educador espírita na Primeira República.Campinas-SP, Faculdade de Educação da UNICAMP, 2006 (dissertação de mestrado).
15
surgimento de várias ciências vitais e consolidação dasCiências humanas. De outro lado, a lógica industrialista comseu empobrecimento de concepção de ser industrialistahumano e de valor da vida do homem, o acendramento dascompetições e da agressividade da vida social. Século degrandes realizações e de grandes equívocos. (MORAIS, 2002,p.23).
Poderíamos, segundo Alessandro Bigueto definir o esprit du temps
desse século:
“(...) resumindo-o em linhas gerais: 1) as idéias evolucionistas,2) a crença no progresso, 3) a época do cientificismo, 4) asteses utilitaristas, 5) a renovação religiosa, 6) astransformações políticas, econômicas e sociais, 7) a filosofiademocrática, 8) a filosofia liberal, 9) a filosofia positivista, 10)os movimentos sociais: socialistas, anarquistas e comunistas e11) os arraigados nacionalismos (BIGUETO, 2006, p.13)”.
A evolução era vista como uma lei natural e tinha um sentido, senão
determinado ou previsível, pelo menos pensável, inteligível. O indivíduo
transcendia em algo maior (sociedade, ciência). A ciência era capaz de
determinar a verdade. O Espiritismo era original quando considerava o
indivíduo devidamente, numa relação dialética com a sua metanarrativa, não o
diluindo na espiritualidade e nem a desconsiderando. (INCONTRI, 2004)
A equação “fé/razão” foi muito debatida no período em questão. A regra
era romper com qualquer resquício da Idade Média, e se essa fora dominada
pela Igreja, pela revelação divina e pela figura de Deus no centro de qualquer
sofrimento ou melhora, o século que nascia deveria ser voltado para a razão,
para as descobertas científicas, advindas da observação da natureza sem
qualquer interferência sobrenatural, e como vimos anteriormente, o homem
tomava de Deus as rédeas da humanidade e a galope seguia rumo à
felicidade, sendo ele o agente de transformação. Vejamos o que Dora incontri
diz sobre o cientificismo nascente:
16
“O método científico, constituído a partir do Renascimento,propõe-se desvendar a estrutura da realidade e estedesvendamento produz ações. A tecnologia, cujos primórdiosde desenvolvimento remontam à Revolução Industrial, é oresultado prático da ciência e portanto um indício evidentepara a mentalidade da época de que o progresso não terialimites e poderia realizar os sonhos humanos. (INCONTRI,2006, p.40).
O espiritismo não fugia à crítica aos sistemas religiosos do passado,
porém o fazia sem negar a essência espiritual do homem, como fizeram a
maioria das correntes de pensamento do “século dos materialismos”. Sobre
essa questão Dora Incontri nos alerta: “O contexto histórico ocidental, porém,
tornava sinônimos religião e Cristianismo e este, num certo sentido, visto como
Igreja Católica. Aliás, o próprio absolutismo desta determinara tal concepção.
(INCONTRI, 2004, p.44)”. Kardec, na contramão, das teorias materialistas e da
ortodoxia católica, propunha revitalizar a pureza inicial do Cristianismo, sem
cultos exteriores, sacerdócio, liturgias ou organização institucional. Desse
modo, o pedagogo se manifestou, ao mesmo tempo recusando e apontando o
caráter religioso, cristão dessa doutrina:
“Assim, pois, o Espiritismo se fundamenta em princípios geraisindependentes de toda questão dogmática. É verdade que eletem conseqüências morais, como todas as ciências filosóficas.Suas conseqüências são no sentido do Cristianismo. (...) OEspiritismo não é, pois uma religião. Do contrário, teria seuculto, seus templos, seus ministros. Sem dúvida cada um podetransformar suas opiniões numa religião, interpretar à vontadeas religiões conhecidas; mas daí à constituição de uma novaIgreja há uma grande distância e penso seria imprudenteseguir tal idéia. (KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 149. ApudINCONTRI, 2004, p. 60)”.
Entretanto, o espiritismo não tem exclusividade nesse movimento,
voltado para um Cristianismo tradicional não ortodoxo. Ao longo dos tempos
foram vários os movimentos e pensadores que tentaram reviver o cristianismo
17
original, opondo-se ao catolicismo e ao protestantismo tradicionais, como foi o
caso do movimento franciscano. (INCONTRI, 2004).
Entretanto, essa visão espiritualista crítica, que buscava suas raízes na
religião natural de Rousseau e Pestalozzi, no Pietismo inicial, no hussismo5 dos
Morávios e é claro no Cristianismo original não foi regra no chamado século
das luzes. Na esteira da negação ao velho representado pela Igreja e pelo
regime sócio-político-econômico da Idade Média, as correntes de pensamento
assumiram uma postura antiespiritualista, admitindo para leituras legítimas do
mundo exclusivamente pressupostos materialistas e ateus.
Desde Comte, que defendia a superação dos estados fetichista e
metafísico pelo estado positivo6, passando por Marx & Engels, defensores da
idéia de que a religião era mais um instrumento de dominação, a ser extirpado
na ditadura do proletariado, rumo ao comunismo; por Nietzsche que decretou a
morte de Deus, até chegar em Freud, que pregou em “O futuro de uma ilusão”
a religião como criação psicológica do homem diante do mundo, confirmando
as influências no século XX da onda materialista do século XIX, percebemos o
esforço em atrelar qualquer pensamento espiritualista ao conservadorismo, à
alienação e até mesmo a um delírio coletivo.
Sobre a querela entre espiritualismo e materialismo Bigueto tenta
demonstrar que:
“Apesar de, historicamente, o ateísmo ter se disseminadocultural e socialmente, deixando de ser uma convicção depoucos, as profecias do fim da religião e do espiritualismo nãose concretizaram. As experiências religiosas cresceram, nãohouve uma dissolução da transcendência e a idéia de Deusnão morreu. Ao contrário, paradoxalmente, o fenômeno
5 Refere-se aos descendentes de Jan Huss, antigo Reitor da Universidade de Praga queimado vivo pelainquisição em 1415, que fundaram um movimento inserido na Reforma, da qual Comenius era integrante.6 É curioso e pertinente lembrar que Augusto Comte, pai do Positivismo criou uma espécie de religião dahumanidade, onde encontramos hierarquia, ritos e sacerdotes.
18
espiritual e religioso continuou vivo e fecundo”. (BIGUETO,2006, p. 16-17).
Remonta aos ideias do líder socialista francês Jean Jaurès (1859-1914),
para alertar que o espiritualismo ainda era vivo nas idéias sociais do século XIX
e ao caráter essencialmente espiritualista da filosofia de Sócrates e Platão,
fazendo coro com Herculano Pires7, ao defender que historicamente
encontramos a tendência e tradição filosóficas no campo do espiritualismo. E
continua afirmando:
“(...) as previsões dos profetas materialistas foramcontrariadas. Para muitos, isso pode comprovar o quanto o serhumano é religioso. A secularização, não conseguindo acabarcom a religião, sem querer deu mostras da sua importância, danecessidade e da naturalidade da dimensão espiritual dohomem. A grande maioria da humanidade continuoureligiosa”.(ibidem, p. 18).
Como vimos, os teóricos da Pedagogia Espírita buscam demonstrar a
contemporaneidade do espiritismo com as grandes corrente de pensamento
surgidas no século XIX, defendendo a tese de que na tradição filosófica
espiritualista podem-se encontrar visões de mundo críticas, abrindo então o
debate, antes considerado fechado pelos materialistas.
2. O século XX
As correntes do século XX encontram suas raízes no século XIX, “como
oposição ao evolucionismo otimista e o cientificismo racionalista”. (INCONTRI,
2004, p.63), segundo a pesquisadora Dora Incontri, esse século é
caracterizado pela nadificação de tudo. Ela atribui essa tendência ao próprio
contexto totalizante do século anterior:
7 PIRES, Herculano. O espírito e o tempo. São Paulo, Pensamento, 1964, p. 165-166.
19
“Se o inchaço do espírito e do coletivo social sugere a reaçãodo singular e do individual de um Kierkegaard e de umNietzsche, projetando-se para o século XX no domínio dosubjetivismo, aquela absorção do ser individual no todo ohavia esvaziado de essência e quando se reafirma o indivíduo,já ele não tem mais substância alguma. Primeiro se nadificaperante o todo, depois se nadifica na solidão e na angústiaexistencial, suspenso no vácuo da perda de todos osparâmetros que o sustentavam”. (ibidem, p.64).
Adiante continua: “A dilatação da razão até o limite do irracional é que
prepara o irracionalismo desenfreado de Nietzsche, envenenando a filosofia do
século XX de uma desconfiança na racionalidade”. (ibidem, 65).
Morais (2002) em seu intrigante ensaio “Das orgias materialistas do
século XIX às orgias místicas do século XX” em que discorre sobre o
movimento pendular das correntes de pensamento desse período, defende a
idéia de que o século passado foi herdeiro “das conquistas e dos equívocos
estagnantes do oitocentos” (p.24).
Poderíamos caracterizar esse período, principalmente a segunda
metade, como o da descrença em qualquer tipo de metarrelato, de qualquer
verdade ou parâmetro. Tudo vira jogo de linguagem. Está estabelecido um
vazio ético.
“Fragmentação do sujeito, nadificação da verdade, ausênciade sentido, ininteligibilidade das coisas, irracionalidade dodiscurso – esses são os traços predominantes do século XX,sem aparentes perspectivas de qualquer segurança ouconforto no limiar do século XXI. Tudo isso, evidentemente,gerou uma crise de valores, sem precedentes na história dahumanidade”.(INCONTRI, 2004, p. 71).
São nas teses pós-modernas que vamos encontrar a origem dessas
idéias. Como bem nos demonstra Eagleton: “Pós-modernidade é um
pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade
e objetividade, a idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas
20
únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos da explicação”.
(Eagleton, 1999, Apud Freitas, 2005, p. 13).
Luiz Carlos de Freitas (2005) argumenta que o pós-modernismo serve à
causa liberal-conservadora, tornando o entendimento do mundo uma questão
local, individual. Alerta ainda, que “nem mesmo a crítica do moderno, já
acumulada ao longo da própria modernidade, é levada em conta. É como se a
história tivesse começado agora, (...), é como se ela não fosse relevante para o
presente...” (p.14).
Na esteira de seu pensamento, Freitas se preocupa com as
conseqüências de tais teses: “A regra tem sido a insegurança, o consumismo,
a competição, a virtualização das relações, a aceleração de todos os tempos,
até a instantaneidade da extraterritorialização do celular. Parecera que não há
futuro”.(ibidem, p. 91). Sobre os efeitos dos ventos pós-modernos Dora Incontri
diz:
“Em nossa democracia moderna, em que pese a aparentevalorização da escolha individual o indivíduo na realidade nãoé. Não é, por que as filosofias contemporâneas vivemapregoando o ser e o nada, mas também porque ele se fazresultante de uma modelação ideológica, empreendida pelamídia, a serviço de uma economia capitalista”. (INCONTRI,2004, p.65).
Esses trechos demonstram que o interesse nas conseqüências filosóficas,
que têm reverberações sociais e políticas, não é exclusividade dos espíritas.
Embora partam de lugares diferentes e estejam em campos teóricos opostos
aos dos espíritas, os próprios marxistas alertam para a dificuldade de se definir
o que é justo ou injusto nos tempos atuais (NANDA, 1999, Apud Freitas, 2005).
Para os espíritas o que está em jogo é a substituição do “homem-sujeito
autônomo, livre, responsável, pelo homem-corpo, homen-animal, puro instinto
21
ou ainda homem desejo”. Incontri defende a tese de que a origem da ética
universal, ”com todo seu cortejo de liberdade, consciência, igualdade”, está na
assunção do espírito e de sua transcendência.
Abolido o espírito ou quaisquer resquícios dele (que os havia,mesmo inconscientemente em doutrinas materialistas doséculo XIX), sobrou a corporeidade, a única instânciaexistencial, a única realidade tangível. O que é o homem semespírito? Um animal determinado pela genética, feito pelomeio, moldado pelas circunstâncias, porque a únicapossibilidade de ser de fato é de ser que transcende.(INCONTRI, 2004, p.73).
Kardec (1993), já apontava, na segunda metade do século XIX as
conseqüências da doutrina que propõe ao homem, nada existir, antes da vida e
nada existir depois da morte:
“O homem, não sendo senão matéria, não há de real e deinvejável senão os gozos materiais; as afeições morais nãotem futuro; os laços morais são quebrados sem retorno namorte; as misérias da vida são sem compensação; o suicídiotorna-se o fim racional e lógico da existência, quando ossofrimentos são sem esperança de melhora; é inútil se imporum constrangimento para vencer seus maus pendores; viverpara si o melhor possível, enquanto estiver aqui; (...) O bem eo mal são coisas de convenção; o freio social é reduzido aopoder material da lei civil”. (ibidem, p.190).
De fato, se observarmos o noticiário televisivo, on-line ou impresso,
perceberemos que a atualidade está imersa na violência e no total desrespeito
à vida, sem qualquer tipo de parâmetro que possa frear esse estado de coisas.
Desde a decisão dos Estados Unidos de invadir o Iraque e o Afeganistão,
passando por cima das decisões da ONU, baseados em argumentos forjados e
motivados por interesses puramente econômicos, passando pelos assassinatos
em massa cometidos por adolescentes desequilibrados aqui e ali, pelo alto
consumo de drogas (lícitas e ilícitas) praticado pela juventude, em boa medida,
de alto padrão aquisitivo e cultural, até chegar à realidade mais cotidiana, na
22
escola, na família ou no trabalho, o que vemos é a confirmação das
preocupações acima expostas.
3. O que é o Espiritismo?
O Espiritismo é uma doutrina que surgiu na segunda metade do
efervescente século XIX. Teve seu marco inicial em 18 de abril de 1857,
quando o pedagogo francês Hippolyte Leon Denizard Rivail (1804-1869), sob o
pseudônimo de Allan Kardec lançou “O Livro dos Espíritos”. Nesse livro, o autor
colocava-se como organizador de idéias apresentadas por inteligências
metafísicas, através de um processo psíquico chamado por ele de
mediunidade. Tais inteligências, a observação veio demonstrar, eram espíritos
de homens desencarnados, ou seja, sem corpo, ou ainda, para usar um termo
de entendimento universal, mortos.
Os espíritos comunicavam-se com o mundo dos vivos através da
mediunidade, que consiste na mediação entre os mundos material e espiritual,
em que o espírito utiliza-se do corpo físico de uma pessoa viva para comunicar-
se com as demais. A partir desse processo psíquico, respondiam perguntas
elaboradas por Kardec e seu grupo. As respostas foram compiladas, estudadas
e comparadas com outras, obtidas por processos semelhantes em diversas
partes do mundo e enviadas a Kardec por carta. As que demonstravam o
mesmo conteúdo em diversas partes do planeta, coerência e lógica com as
demais repostas (afinal, uma afirmação não poderia contradizer a outra) e
fundamentação eram tomadas como repostas corretas e constituintes dessa
doutrina dos espíritos, designada Espiritismo pelo seu codificador, como queria
ser chamado Allan Kardec.
23
“Agi, pois, com os espíritos, como o teria feito com os homens;foram para mim, desde o menor ao maior, meios de meinformar, e não reveladores predestinados.Tais foram adisposições com as quais empreendi, e sempre persegui osmeus estudos espíritas; observar, comparar e julgar, tal foi aregra constante que segui”. (KARDEC, 1993, p. 260).
O processo, que culminou no surgimento do espiritismo teve início no
final da década de 1840, quando fenômenos considerados paranormais foram
descritos no interior dos Estados Unidos e na Europa. Mais tarde, tais
fenômenos fizeram-se comuns, sendo atração nas rodas sociais parisienses,
que se divertiam com as tais “mesas-girantes”8. Foi em uma dessas reuniões
que o pedagogo Denizard Rivail, desconfiado, teve o primeiro contato com o
Espiritismo. E diante do fato das mesas responderem questões inteligentes,
terem vontade própria, humor e, à primeira vista não serem animadas por
ninguém que pudesse manipular seu comportamento, Rivail pôs-se a estudar o
fenômeno.
“Esse movimento era lógico, eu concebia a possibilidade domovimento por uma força mecânica, mas, ignorado a coisa e alei do fenômeno, parecia-me absurdo atribuir inteligência a umacoisa puramente material. Estava na posição dos incrédulos denossos dias que negam porque não vêem senão um fato doqual não se dão conta Há 50 anos, se tivessem dito, pura esimplesmente, a alguém que se podia transmitir um despacho a500 léguas, e receber-lhe a resposta em uma hora, se vos ririana cara, não teriam faltado excelentes razões científicas paraprovar que a coisa era materialmente impossível. Hoje, quandoa lei da eletricidade é conhecida, isso não espanta ninguém,mesmo os camponeses. Ocorre o mesmo com os fenômenosespíritas; para quem não conhece as leis que o regem, parecemsobrenaturais, maravilhosos, e, por conseqüência, impossíveise ridículos; uma vez conhecida a lei, o maravilhoso desaparece;a coisa nada mais tem que repugne à razão, porque se lhecompreende a possibilidade”. (KARDEC, 1993, p. 256-257).
8 O fenômeno das mesas girantes virou atração comum nas reuniões da sociedade parisiense no início dosanos de 1850. Basicamente tratava-se de reuniões em que as mesas se debatiam, se movimentavam emmeio às pessoas, que se divertiam muito. Pelo fato das mesas movimentarem-se pelo salão, respondendoperguntas ou demonstrando seu humor esse fenômeno ficou assim conhecido.
24
Membro de várias sociedades científicas9, professor e autor de livros
pedagógicos e didáticos, dentre eles: “Plano proposto para a melhoria da
instituição pública (1928), Curso prático e teórico de aritmética, segundo o
método Pestalozzi, para uso dos professores primários e das mães de família
(1829), (...) Ditado normal dos exames da prefeitura e da Sorbonne (1849)”.
(Revista Espírita, maio 1869), esse último muito utilizado na época de sua
publicação, Rivail, foi rigoroso em seu estudo, aplicando um método
investigativo minucioso.
“Apliquei a essa nova ciência, como fizera até então, o métododa experimentação; jamais ocasionei teorias preconcebidas:observava atentamente, comparava, deduzia as conseqüências;dos efeitos procurava remontar às causas, pela dedução e oencadeamento lógico dos fatos, não admitindo uma explicaçãocomo válida senão quando podia resolver todas as dificuldadesda questão. Foi assim que sempre precedi em meus trabalhosanteriores, desde a idade de 15 a 16 anos. (...) seria preciso,pois, agir com circunspecção, e não levianamente; ser positivonão idealista, para não se deixar iludir”.(KARDEC, 1993, p.259).
Segundo Incontri (2004), essas palavras demonstram que Kardec
pensava a Pedagogia como uma ciência, assim como seu mestre, Pestalozzi.
A autora alerta, ainda, para a herança iluminista do educador francês, com a
qual “partia para a pesquisa dos fenômenos em vista, já que é impossível, (...),
interpretar qualquer fenômeno sem um referencial teórico” (p. 27). Contudo,
mostra a honestidade de Kardec em se dedicar à pesquisa desses fenômenos
sem pré-conceitos.
Herculano Pires (1957) em texto escrito por conta das comemorações de
100 anos da publicação de “O livro dos Espíritos” analisa o conjunto dessa obra
e sua importância para a doutrina espírita e para o mundo moderno. Nessa
9 Destaca-se sua presença na Academie Royale d’Arras, que em concurso realizado no ano de 1831premiou a dissertação “Qual é o sistema de estudos mais em harmonia com as necessidade da época?”
25
análise, Pires demonstra que as demais obras básicas dessa doutrina partem
do seu conteúdo, colocando-o não só como marco inicial do espiritismo ou sua
pedra fundamental, mas como “(...) seu núcleo central, e ao mesmo tempo
arcabouço geral da doutrina, (...) seu verdadeiro tratado filosófico” (idem).
O livro dos Espíritos lançou as bases de uma doutrina complexa,
multifacetada, porém simples, de fácil entendimento10, que responde grandes
questões existenciais do ser humano11. Essas respostas têm como base de
sustentação o processo do qual foram resultadas, que pode ser repetido por
qualquer pessoa, e, tomadas às precauções inerentes a qualquer método
experimental, tirar a contraprova. Como fez o químico e físico inglês, prêmio
Nobel de química (1907) Sir William Crookes (1832-1919), quando contratado
pela corte inglesa para desmistificar o espiritismo, e em uma série de
experimentos, constatou a veracidade dos fenômenos espíritas. Os resultados
de sua pesquisa foram publicados no livro Fatos Espíritas (FEB, 1991).
Essas são faces de dois aspectos do Espiritismo, o filosófico e o
científico, que conjugados têm conseqüências morais, constitui uma ética. Da
conjugação desses dois aspectos com aquele que lhe é conseqüência, temos
o tripé da doutrina dos espíritos: filosofia, ciência e religião. Para entender
melhor essa questão, dedicaremos um capítulo do nosso trabalho ao proposto
diálogo. É o que segue.
escrita pelo educador Denizard Rivail.10 O Livro dos Espíritos (OLE) foi publicado em Francês popular, sem preocupações técnicas dalinguagem e exposição filosóficas, para o entendimento de todos.11 Por exemplo, questões relativas à continuidade evolutiva da vida, à origem e destino do homem, douniverso, imortalidade da alma, desigualdade de aptidões, riquezas.
26
CAPÍTULO IIDIÁLOGOS ENTRE FILOSOFIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO...
Esse capítulo tem por objetivo, apresentar a proposta espírita de diálogo
entre filosofia, ciência e religião. Reconhecemos a importância e pertinência de
um debate mais demorado e meticuloso sobre o assunto, porém não teremos
espaço nesse trabalho para essa tarefa, devido a sua própria natureza, de
TCC, e ainda a necessidade de nos concentrarmos no recorte que optamos
fazer. O debate é denso e requer, quem sabe, um trabalho específico. Para
nós é importante, no contexto dessa reflexão, uma vez que tratamos, ora de
maneira direta, ora como pano de fundo, de conceitos de ciência, filosofia e
religião.
Como apontamos no capítulo anterior, o Espiritismo propõe um diálogo
entre a filosofia, a ciência e a religião. Pudemos perceber isso em “O Livro dos
Espíritos” e mais tarde na demais obras consideradas básicas pelos adeptos
dessa corrente de pensamento. Vejamos o que Chibeni diz sobre tal
abordagem:
“Se pensarmos no Espiritismo em termos de filosofia, será umafilosofia apoiada em bases científicas, e que tem como um dosobjetivos centrais o estudo das questões morais. Se pensarmosem termos de ciência, não será uma pesquisa seca, quesimplesmente constate e sistematize fatos, mas de umainvestigação de longo alcance sobre um objeto de fundamentalimportância, o elemento espiritual. Essa ciência complementa,pois, as ciências acadêmicas, cujo objeto de estudo é oelemento material. E, pela própria natureza de seu objeto deestudo, a ciência espírita necessariamente diz respeito a tópicosgenuinamente filosóficos, dentre os quais ressalta, por suaimportância prática, aqueles referentes à moral” (CHIBENI,2003).
Kardec afirma:
O Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação euma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas
27
relações que se podem estabelecer com os Espíritos; comofilosofia, ele compreende todas as conseqüências morais quedecorrem dessas relações. (KARDEC, 1959).12
Os trechos transcritos explicitam a tese de indissociabilidade entre
filosofia, ciência e religião proposta pelo Espiritismo. Entretanto, é preciso
alertar para a especificidade desses conceitos. A doutrina dos espíritos é
apresentada por Allan Kardec de forma a não se confundir nenhum deles com
os até então utilizados.
A ciência espírita possui objeto e método próprios, não podendo ser
adaptada às metodologias das ciências materialistas como vimos em Chibeni.
Sua contribuição capital é a conjugação entre fé e razão, na aplicação do
método experimental às coisas metafísicas. A filosofia espírita, isenta de
“prejuízos de sistema”, é uma filosofia racional, que tem seus fundamentos na
imortalidade da alma, evidenciada pela mediunidade:
“A metafísica torna-se pois um pressuposto dado pela ciênciaespírita e o desdobramento filosófico se dá pela discussãoracional, construindo-se a coerência interna da doutrina. Afilosofia espírita alimenta-se ao mesmo tempo dos fenômenosestudados pela ciência espírita e do ensinamento dado pelosespíritos desencarnados (...)” (INCONTRI, 2004, p.29).
A religião espírita talvez seja o aspecto que mais tem suas diferenças
fundamentais enfatizadas, em relação ao conceito a si atribuído. Kardec era
defensor da religião natural, uma religião sem sacerdotes, sem igrejas, liturgias
ou hierarquias, de caráter interior. Enorme foi a ênfase que ele deu, em seus
escritos, à crítica dos sistemas religiosos tradicionais, protestantes ou
católicos. Características como o controle universal do ensino dos espíritos
distingue de forma capital o espiritismo das religiões tradicionais, baseadas na
12 KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. 1959.
28
revelação de um só profeta. O espiritismo é ainda “uma revelação religiosa, por
que pela mediunidade, os espíritos propõem teorias teológicas e morais e
filosóficas e cosmológicas” (ibidem, p. 30).
Embora seja consenso, no movimento espírita, que o Espiritismo propõe
com sucesso o diálogo entre filosofia, ciência e religião, o mesmo não
aconcetece quando o assunto é pesquisa acadêmica. Pesquisadores espíritas,
reconhecidos no meio universitário em suas áreas de conhecimento,
consideram que, embora seja uma ciência e uma filosofia, o espiritismo não
deve servir de base para pesquisas acadêmicas. Essa tendência encontra
fundamentos no entendimento de que a academia moderna é local privilegiado
das ciências de fundo materialista, sobretudo o positivismo, que superou o
pensamento teológico predominante nas universidades na Idade Média. Sobre
isso, Chagas, no texto “Espiritismo na academia?” apresenta um “passeio
histórico” remontando à origem da academia e das universidades, no qual
analisa a situação destas em relação às correntes de pensamento:
“Certas disputas de cátedras tornaram-se célebres. Opositivismo conquistou maiores posições e no início do século(após a 1ª Guerra mundial), parece ter havido um armistício.Surgiu uma terceira força neste embate: o marxismo, que seinstalou oficialmente na recém-criada União Soviética. Asituação atual nos países ocidentais, onde nos incluímos, énítida a predominância ideológica do positivismo, com algunsbolsões teologias (católicos ou protestantes), todos vivendouma aparente coexistência pacífica. O marxismo, apesar demuito difundido, poucas vezes ameaçou o poder daacademia” (CHAGAS, 1994, p. 21-22).
Outra tendência, na qual a pedagogia espírita está inserida, vê no
espiritismo uma matriz teórico-metodológica que deve servir de base para
pesquisas acadêmicas, como já foi mencionado nesse trabalho. Para a defesa
(http://www.espirito.org.br/portal/codificacao/oq/index.html)
29
de tal empreendimento, seus adeptos recorrem, assim como seus opositores,
à história da universidade, considerando essa como espaço privilegiado,
imprescindível para as transformações.
“A universidade é uma das belas heranças que o final daIdade Média nos deixou. Os séculos XII e XIII, que viram seuinício, foram palco das mudanças sociais, culturais e políticas,que desembocariam no Renascimento. Aliás, o século XII éconsiderado como a primeira etapa do movimento que tomariamais tarde esse nome.” (INCONTRI, 2003).
Também a universidade brasileira é objeto de análise do artigo. A autora
alerta para o fato do Brasil somente fundar sua primeira universidade na
década de 1930, quando praticamente em todos os países da América Latina
já havia Universidades que contavam pelo menos 100 anos. Esse fato
constitui, segundo Incontri, uma das causas para a falta de originalidade (Salvo
Darcy Ribeiro e Sergio Buarque de Holanda) da academia brasileira e para o
colonialismo intelectual predominante.
Para Incontri o espiritismo entendido como “método de conhecer” ,
como um novo paradigma, constitui valiosa possibilidade de contribuição
original brasileira para a filosofia e a ciência.
“E essa originalidade pode ser uma contribuição espírita àcultura brasileira e, ao mesmo tempo, uma contribuiçãobrasileira à cultura internacional. Mas ela precisa serconstruída. Está implícita em Kardec, mas longe de estaraplicada (com todas as suas articulações) nas várias áreas doconhecimento. E essa construção só pode ser feita nauniversidade.” (idem)
No fundo dessa divergência encontramos entendimentos opostos sobre
a academia e sobre a universidade. O que constitui, de certa forma,
divergências sobre o próprio conceito de ciência. Entretanto, é lugar comum
entre essas duas visões que o Espiritismo constitui uma ciência, específica,
com método e objeto próprios, e que dele emerge um novo paradigma.
30
Para superar essa querela, é importante que seja realizada uma
pesquisa de fôlego, que debata as raízes epistemológicas espíritas,
confrontando com o debate teórico mais geral sobre teoria do conhecimento e
epistemologia, bem como reflita sobre a história e a natureza da universidade e
da academia, continuando o trabalho iniciado por Dora Incontri (2001, 2003,
2004), já citada aqui, os estudos de Chibeni sobre a cientificidade do
espiritismo (1988, 1990, 1994, 2003) e de Chagas (1987, 1994, 1995).
31
CAPÍTULO IIIA PEDAGOGIA ESPÍRITA
Imperioso para o correto entendimento sobre a Pedagogia Espírita, sem
os prejuízos de conceitos pré-estabelecidos, é o entendimento de que essa
teoria pedagógica está inserida na tradição filosófica ocidental espiritualista e
se afirma a partir da emersão de um novo paradigma, o paradigma do espírito,
a partir do qual é possível uma releitura dessa tradição filosófica ocidental.
O paradigma do espírito, segundo Incontri, tem se constituído há 2500
anos como projeto de emancipação humana, e remonta a Sócrates e Platão,
passando por Cristo, Comenius, Rousseau e Pestalozzi, até chegar a Kardec,
quando fica explícito, a partir de uma experimentação positiva fundamentada,
conceitos como imortalidade da alma e reencarnação, até então intuitivos na
obra e prática dos seus precursores (INCONTRI, 2001.)
Assim Incontri (2001) resumiu os principais pontos desse paradigma: 1)
Entendimento de Jesus fora dos padrões míticos que o têm cercado; 2)
afirmação do sujeito autônomo e livre; 3) segura racionalidade, aliada a fé sem
fanatismos; 4) proposição de uma educação humana, que faça brotar as
potencialidades do homem e o conduza à felicidade individual e coletiva; 5)
busca de um conhecimento verdadeiro e manifestação da crença na ação
transformadora do homem.(p. 110).
Outro ponto, não menos importante, é considerar que a proposta da
pedagogia espírita se contextualiza numa dualidade do movimento espírita
brasileiro. No qual encontramos duas tendências bem definidas uma que dá
mais atenção ao aspecto religioso, assistencialista e institucional, da doutrina,
imprimindo no espiritismo um caráter conservador; outra que entende esse
32
como um projeto pedagógico-cultural, progressista, com claras contribuições
para a transformação da humanidade. Incontri caracteriza bem tais tendências,
identificando na segunda a Pedagogia Espírita:
“A primeira reduz a questão educacional espírita aos centros,com cursos internos para adultos sobre Espiritismo e achamada ‘evangelização’ das crianças — cujo nome já indicao caráter predominantemente religioso e mesmo catequético.A segunda propugna pela criação de escolas, centrosculturais, universidades espíritas, sem caráter sec tário .Numericamente, a primeira tendência é maior, porquepossivelmente arraigada na mentalidade brasileira, poucoafeita às questões culturais e pedagógicas. A segunda, porém,apresenta muito maior consistência teórica e já tem semanifestado em experiências práticas e ensaios teóricos”.(INCONTRI, 2001, p. 209).13
Não nos interessa aqui fazer um estudo detalhado sobre as experiências
pedagógicas espíritas, interessa-nos captar o que vem a ser essa pedagogia,
traçando seus princípios e conseqüências práticas, por isso vamos nos ater em
apenas citar tais experiências a fim de situar o leitor, e poder melhor responder
nossas questões norteadoras.14
3.1 - Os Precursores:
A pedagogia espírita nasce, segundo Dora incontri, da prática
pedagógica inovadora de educadores espíritas brasileiros que produziram,
fundamentados no Espiritismo, uma práxis significativamente diferenciada da
educação tradicional. “Pode uma escola não alcançar a prática integral de
todos os princípios pedagógicos espíritas. Mas não basta uma escola
autodemoninar-se espírita, para se inserir no quadro desta Pedagogia”.(ibidem,
p. 211 – nota 375). São eles: A carioca de nascimento e paulista radicada
13 Grifos meus.
33
Anália Franco, os mineiros Eurípedes Barsanulfo e Tomás Novelino, o paulista
interiorano Herculano Pires, Pedro Camargo e o paranaense Ney Lobo.
Anália Franco (1853-1919) foi feminista, republicana, abolicionista e
espírita, numa época que a regra era ser escravocrata, machista, monarquista
e católico. A sociedade brasileira se organizava por esses quatros últimos
pilares, sendo de extrema coragem a postura dessa professora paulista, que
acolheu, numa casa alugada com recursos próprios, crianças negras, “filhos e
filhas” da Lei do Ventre Livre, fazendo assim sua primeira Casa Maternal
(INCONTRI, 2001).
Com apoios da Maçonaria, de companheiros espíritas e de outras
mulheres funda, em 1901, a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, que
constitui creches e asilos por todo estado de São Paulo com os seguintes
objetivos:
“1º recolher as mulheres pobres, com ou sem filhos, quese acham ao desamparo; 2º meninas órfãs ou filhas depais inválidos; 3º meninos com suas mães, até 8 anos; 4ºos filhos de mães operárias de 2 anos para cima; 5º criaraulas de instrução primária, secundária e profissional,diurnas e noturnas, para as asiladas ou não; 6º criarsecções especiais para enfermeiras (sic) e mulheresarrependidas (sic).”(FRANCO, 1903. p.5. ApudINCONTRI, 2001)15
Anália Franco é considerada uma representação fiel da mulher
defendida e anunciada por Kardec, no Livro dos Espíritos:.
“A lei humana, para ser justa, deve consagrar a igualdade dedireitos entre o homem e a mulher; todo privilégio concedido aum ou a outro é contrário à justiça. A emancipação da mulhersegue o processo de civilização, sua escravização marchacom a barbárie. Os sexos, aliás, só existem na organização
14 Para uma visão mais detalhada veja: COLOMBO, Dora Alice (Dora Incontri). Pedagogia Espírita: Umprojeto brasileiro e suas raízes histórico-filosóficas. São Paulo, Feusp, 2001 (tese de doutorado).15 FRANCO, Anália. Escholas maternaes. In: A Vóz Maternal, São Paulo, I (1), 1º/12/1903, p. 5.Apud INCONTRI, 2001.
34
física, pois os Espíritos podem tomar um e outro, não havendodiferenças entre eles a esse respeito. Por conseguinte, devemgozar dos mesmos direitos”.(KARDEC, DATA, p. XXX).
Segundo Incontri, Anália Franco tinha uma prática educativa que se
distanciava de qualquer proselitismo ou doutrinação. Mesmo sendo espírita
confessa, Anália não ensinava espiritismo em suas creches e asilos. “Incentiva,
porém, uma religiosidade ecumênica, despertando entre os alunos alguns
conceitos comuns a todas as crenças: a oração, a imortalidade da alma, a
veneração a Deus, a fraternidade humana”. (INCONTRI, 2001, p.229). O que
estaria em pleno acordo com o Espiritismo e indo ao encontro de outras
experiências educacionais espíritas.
Assim Dora Incontri sintetiza a contribuição dessa educadora, mulher
ativista da transformação social:
“A obra abrangente de Anália Franco indica que faz parte dospostulados espíritas uma visão social transformadora,alavancada pela educação, com claras conotações igualitáriase democráticas. Liberdade de pensamento, valorização damulher, respeito às diversidades religiosas e étnicas — todosesses são elementos espíritas encontrados na ação de Anália.Do ponto de vista de sua prática pedagógica, a presençadesses elementos mais as heranças pestalozzianas,fröbelianas e francesas apontadas revelam avanço em relaçãoao tradicionalismo da época”.(Ibidem, p. 234-235)
Eurípedes Barsanulfo (1880-1918), é considerado o primeiro a organizar
uma escola espírita que atendesse ao critério citado. Em 1907, ele funda o
Colégio Allan Kardec, na cidade mineira de Sacramento. Num período em que
era comuns castigos físicos e recompensas, educação diferenciada e separada
para meninos e meninas, Eurípedes aboliu os castigos, as recompensas e
montou classes mistas, suscitando movimentos contrários ao seu colégio. Isso
35
para ficar somente em questões de clara percepção. Assim Bigueto descreve o
Colégio Allan Kardec:
“A escola era particular, gratuita e sem fins lucrativos. Iniciousuas atividades com umas 80 crianças de ambos os sexos epretendia contribuir na valorização da infância, despertar osentimento do bem e a vontade de conhecer. Desde o início,Eurípedes compreendia que o problema educacional ia alémdo mero aprender a ler, contar e escrever. Distanciava-setambém das idéias coercitivas que vigoravam na educação eprocurou substituir práticas pedagógicas tradicionais por umensino cooperativo, adotando métodos que incentivavam aação, a liberdade, a investigação. A experiência do colégioAllan Kardec tinha a intenção de negar a escola livresca,autoritária e distante da realidade. Ao contrário, pretendia criaruma nova forma de lidar com os alunos considerando seusinteresses, necessidades, vivências, promovendo a educaçãointelectual, física e moral.” (BIGUETO, 2006, p.152).
O autor demonstra em sua dissertação de mestrado, Eurípedes
Barsanulfo, um educador espírita na primeira república (2006), a proximidade
das propostas de Eurípedes com as defendidas e praticadas por Pestalozzi em
Stans e Yverdon, de uma práxis espiritualizada, preocupada em formar o ser
humano na sua integralidade, respeitando e criando condições para o
desenvolvimento individual do educando.
Tomás Novelino (1901-2000), motivado pela expulsão de um aluno, de
uma pequena escola de Franca, dirigida por um ex-seminarista, pelo fato do
menino ser espírita, tomou a decisão, de fundar uma escola que protegesse os
estudantes espíritas e de quem quer que fosse, independente de credo. Sua
proposta era de uma escola que não fizesse separações e sob a bandeira da
tolerância religiosa aceitasse crianças de todos as crenças. Dizia ele, o
saparativismo era o mal das religiões. Fundamentado nos ideias espíritas, e no
aprendizado de Novelino com Barsanulfo e Anália Franco16, em 1° de Agosto
16 Órfão de pai e mãe, Novelino foi internado junto com os irmãos e irmãs no asilo Anália Franco em SãoPaulo (1908). Também foi aluno de Eurípedes, no Colégio Allan Kardec, em Sacramento.
36
de 1944, iniciava suas atividade o Educandário Pestalozzi, como a
materialização dessa idéia. (INCONTRI, 2001).
Assim estava escrito na pedra fundamental das obras de ampliação do
projeto educacional, que já não cabia mais, nas instalações iniciais:
“O Educandário primará por ser livre e fazer homens emulheres livres, criaturas ciosas de sua liberdade,amantes do bem, do trabalho, da atividade, da evolução,e não seres modorrentos que muito embora consigam àsvezes grande cultura, a traga simplesmente acumuladana memória. (…) O educandário porfiará por lapidar emseus alunos intelecto e coração, aprimorando-lhes razãoe sentimento”. (Educandário Pestalozzi, 1943. ApudINCONTRI, 2001, p.238).17
A experiência de Novelino, para Incontri, encontra paralelos muito
estreitos com as experiências e propostas de Pestalozzi, para uma educação
integral do ser humano. A autora ainda relaciona a ligação entre a indústria de
sapatos, financiadora do projeto, com as escolas, a fazenda e o observatório,
com experiências socialistas como a de Robert Owen (1771-1858), fundador do
cooperativismo.
Embora tenha inovado pouco na questão pedagógica, se comparada à
proposta de Barsanulfo, Tomás Novelino e sua esposa deram uma inestimável
contribuição no que diz respeito à estabilidade financeira, a qualidade
institucional e à preocupação estética e ambiental. (INCONTRI, 2001),
apontando caminhos e mostrando ser possível o envolvimento dos espíritas em
projetos educacionais e culturais.
Herculano Pires (1914-1979) foi reconhecido pelo primeiro presidente, e
fundador da Academia Brasileira de Filosofia, Jorge Jaime de Souza Mendes,
17 Educandário Pestalozzi (in: A Nova Era. Franca, XIX (734), 31/1/46, p 1.). Apud INCONTRI, 2001, p.238.
37
na obra que constitui importante referência para a filosofia brasileira. Em
“História da filosofia no Brasil18”, o acadêmico afirma que “a história da filosofia
brasileira já possui o filósofo do Espiritismo, e esse foi, indiscutivelmente, José
Herculano Pires” (Jaime, 2000, p. 144).
Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1957), jornalista
de profissão, foi também poeta, romancista19, sindicalista20 e professor
universitário, tendo lecionado Filosofia da Educação na Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Araraquara (1959-1962), uma das instituições de
educação superior que deram origem à Faculdade de Ciências e Letras, campi
da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) nessa
cidade do interior do estado.
Com uma atuação multifacetada, Herculano Pires teve participação
singular na luta em defesa da escola pública, laica e gratuita durante os
debates que foram travados no cenário educacional brasileiro na virada dos
anos 50 para os anos 60, entre os que defendiam a escola pública e os que,
sob a bandeira da liberdade de ensino, defendiam privilégios para as escolas
particulares e confessionais (Incontri, 2001). Vejamos o que dizia o Manifesto
em Defesa da Democratização Escolar, assinado pelo Clube do Jornalista
Espírita, presidido por Pires, e enviado ao Senado Federal, a propósito da
aprovação de um substitutivo de Carlos Lacerda a LDB, em discussão desde
1948:
“Os princípios confusionistas do projeto aprovado, que mistificamo problema do ensino, misturando deveres do Estado, cominteresses particulares, em evidente benefício de interessesconfessionais — ainda mais nocivos do que aqueles, por
18 JAIME, Jorge. História da filosofia no Brasil. Petrópolis, São Paulo, Vozes e Faculdade Salesianas,2000.19 É considerado autor de um novo gênero literário, a “ficção científica paranormal”.20 Foi Presidente do Sindicato dos Jornalistas de 1957 a 1959
38
implicarem coação de consciência — são simples resíduos doobscurantismo medieval”. (Apud INCONTRI 2001, p. 275)
Esse movimento culminou na fundação, em 1960, também sob a
liderança de Herculano, da Associação Espírita em Defesa da Escola Pública,
que em 62 lança um novo manifesto, conclamando espíritas e não-espíritas à
luta pela escola pública como espaço de liberdade de consciência. Eram esses,
dentre outros, os princípios da associação:
“(a) Luta incessante contra o ensino religioso nas escolas, porconstituir instrumento de coação das maiorias religiosas contraas minorias, o elemento de condicionamento das consciências,conseqüentemente, de deformação do ensino e da educação; (b)luta incessante contra as discriminações raciais, de cor,ideológicas e religiosas, nos estabelecimentos de ensinopúblicos e particulares, com denúncia e ação judicial nos casosconcretos”. (Associação Espírita em Defesa da Escola pública,1962. Apud INCONTRI, 2001, p. 276)
Ao contrário do que se poderia pensar, os espíritas estiveram, como
acabamos de ver, do lado da escola pública, laica e gratuita, sendo coerentes
com os princípios do espiritismo postulados por Kardec, que rompe com as
instituições, liturgias e hierarquias religiosas, propondo, como Pestalozzi uma
religião natural, interior.
No que diz respeito à coerência com o espiritismo, Pires foi exemplar, se
tornando inclusive, um dos mais, senão o mais contundente e engajado crítico
de setores do movimento espírita brasileiro que consideram essa doutrina
apenas como uma religião. Em seu livro “O Centro Espírita” (LAKE, 1992),
disserta sobre diversos aspectos do movimento espírita, a partir de sua célula
básica. São temas como: a falta de entendimento dos espíritas sobre as idéias
codificadas por Kardec; a própria função e significado do centro; a assistência
social prestada pela instituição; a relação com a comunidade; política, dentre
39
outros. É um verdadeiro compendio crítico à prática do movimento espírita
“oficial” no Brasil. Dizia ele: “A expansão do Espiritismo em nossa terra é
incessante e prossegue em ritmo acelerado. Mas o que fazemos em todo esse
vasto continente espírita é um esforço imenso de igrejificar o Espiritismo, de
emparelhá-lo com as religiões decadentes e ultrapassadas…” (PIRES, 1992, p.
XXI).
No campo da Pedagogia Espírita, o filósofo é considerado o seu grande
teórico e incentivador, tendo produzido vasta bibliografia acerca do assunto.
Liderou três congressos educacionais espíritas no estado de São Paulo21.
Fundou o Instituto Espírita de Educação, resultante do primeiro congresso.
Também foi criador e editor da revista “Educação Espírita”, publicada entre os
anos de 1970 e 1974 (FUCHS, 1990)22.
José Herculano Pires (1990) compreende o espiritismo como sendo uma
“mundivivência” e como projeto cultural, por isso, deve influenciar
significativamente todos os âmbitos da sociedade e do conhecimento. A sua
legitimidade estaria fincada no fato do espiritismo ter surgido naturalmente, e
não por vontade de uma autoridade, firmando-se como doutrina, “com
concepção do mundo e do homem devidamente estruturada em princípios
filosóficos” (p. 5), esses confirmados pela experimentação positiva, realizada
por Kardec ao longo de seus estudos sobre o fenômeno das mesas girantes, e
perfeitamente passíveis de reprodução23. Dessa mesma forma encontramos a
legitimidade da Educação Espírita, que, nas palavras do jornalista “(...) não
21 I, II e III Congresso Educacional Espírita paulista, realizados em 1949, 1955 e 1970, respectivamente.22 Prefácio à primeira edição do livro Pedagogia Espírita, no qual estão reunidos os mais significativostextos de Herculano Pires na revista.23 O segundo livro da chamada codificação espírita, O Livro dos Médiuns (1861), levava o subtítulo“Espiritismo Experimental” e pode ser considerado um manual para repetição dos experimentos deKardec.
40
surge como uma elaboração artificial em nosso tempo, como mais uma
novidade educacional” (idem).
Herculano defendia a educação na sua realidade transcendente, como
ser reencarnado e por isso a educação vista do prisma da Doutrina Espírita,
“(...) nos apresenta dois aspectos fundamentais: é o processo de integração
das novas gerações na sociedade e na cultura do tempo, mas é também o
processo de desenvolvimento das potencialidades do ser na existência, com
vistas ao seu destino transcendente. (ibidem, p. 113)” Isso significa uma
mudança substancial na postura da escola, do educador e das práticas
educativas.
Pedro Camargo (1878-1966), conhecido pelo pseudônimo Vinícius, foi
orador espírita e autor de obras que reforçavam o caráter evangélico do
Espiritismo. Em seus livros estão presentes os princípios da educação não-
autoritária e da auto-educação que servirão de base para experiências como a
do Professor Ney lobo, em Curitiba/PR. Comerciante de profissão cursou, mas
não concluiu, o curso de Direito. No movimento espírita, além de palestras
atuou nas áreas de assistência social e evangelização infantil. Era um defensor
dos direitos humanos e como tal defendeu a recuperação por meio da
educação de criminosos, fazendo coro com Eurípedes Barsanulfo e Ney Lobo,
na defesa da não punição como ato pedagógico. Foi fundador do Instituto
Espírita de Educação, sendo seu presidente durante 20 anos. (INCONTRI,
2001)
Professor Ney Lobo foi diretor do Colégio Lins de Vasconcellos24, e lá
deu intensa e importante contribuição para a constituição da Pedagogia
24O Colégio Lins de Vasconcelos foi arrendado em 1998 para um grupo educacional privado, pelaFederação Espírita do Paraná (mantenedora do colégio), que alegou dificuldades financeiras e que o Lins
41
Espírita. De sua experiência extraiu e sistematizou uma teoria da Pedagogia
Espírita, que pode ser encontrada nos 5 volumes de Filosofia Espírita da
Educação (FEB). À frente do colégio, o qual era mantido pela Federação
Espírita Paranaense, o Professor criou a Cidade Mirim, onde os alunos elegiam
o Prefeito, seus vereadores e gerenciavam a cidade, praticando o princípio da
atividade como eixo fundamental de seu método educacional.
Sobre a ousadia do diretor Dora Incontri nos informa que ao assumir a
gestão da instituição:
“Ney Lobo aboliu em todas as séries as aulas tradicionais evendeu as carteiras escolares, assim que assumiu a direçãodo Instituto, mandando fazer módulos que se ajustavam aostrabalhos em equipe. Em vez de aulas, foram estabelecidas‘sessões de trabalho’, nas quais havia sempre um trabalhoindividual (TI) e um trabalho coletivo (TC), apenas brevementeorientados pelo professor.” (INCONTRI, 2001, p. 247).
Sobre a base de uma educação ativa, o Gestor implementou, na esteira
de Rousseau, Pestalozzi, e Eurípedes, novidades também no campo da
avaliação. “Desaparecem as provas periódicas e os exames finais. A avaliação
era contínua, através dos trabalhos individual e coletivo” (Ibidem, 249).
Qualquer tipo de punição ou recompensa é abolido. Para substituir essa prática
e de fato contribuir para o crescimento dos estudantes Ney Lobo propõe o
princípio da reparação:
“Consiste (este princípio) em induzir o educando, por meioshábeis, a reparar, de alguma forma, as faltas cometidas;voluntariamente, isto é, sem imposição ou ameaças. Faltasessas de qualquer natureza: ofensas, agressões, danos ouprejuízos causados. A reparação é a correção educativa porexcelência”. (LOBO, 2001 p 2. Apud INCONTRI, 2001, p. 250).
não contribuía com a divulgação do espiritismo, missão primeira da entidade, acabando com o que foiuma das mais avançadas e inovadoras práticas educacionais do país.
42
Como pudemos perceber a prática de Ney Lobo, fundamentada
pedagogia da cooperação, da ação e da caridade, é repleta de referências aos
princípios do Espiritismo, bem como da herança pedagógica de Rousseau,
Pestalozzi, Kardec e Eurípedes Barsanulfo. Ela constitui exemplo para a
proposta pedagógica da Pedagogia Espírita, sendo considerada, pelos
defensores dessa idéia, como sendo em si, uma prática bem sucedida dessa
teoria pedagógica.
3.2 – As Idéias
A Pedagogia Espírita está, segundo seus teóricos, inserida num
continum, que tem Sócrates e Platão num extremo e as práticas de educadores
espíritas brasileiros no outro. Como vemos em Incontri, seus princípios e
desdobramentos “brotam da maiêutica de Sócrates, da mensagem do Cristo,
das contribuições de Comenius, Rousseau e Pestalozzi, solidificam-se com
Kardec e florescem no Brasil com Eurípedes e Anália, Ney Lobo e Herculano
(INCONTRI, 2001, p.281)”. Todos esses estendidos a partir do paradigma do
espírito, em que essa Pedagogia está fundada.
Suas idéias emergem das obras básicas espíritas e das práticas
educacionais que já vimos, assim como da própria releitura, a partir desse novo
paradigma, da obra dos grandes pensadores da educação, já citados. Mas
essencialmente dos fundamentos e princípios espíritas, encontrados ao longo
das obras básicas da codificação Kardequiana e dos doze volumes da Revista
Espírita, publicada mensalmente durante doze anos pela Sociedade de
Estudos Espíritas de Paris, na qual Kardec falava de temas atuais da época, se
43
correspondia com correligionários e apresentava os resultados de suas
pesquisas.
Dora incontri em sua tese de doutorado sobre a Pedagogia Espírita
extrai da obra Kardequiana os fundamentos e princípios dessa pedagogia,
apresentando de forma sintética o conjunto da cosmovisão espírita, que
segundo ela, tem na educação, a justificativa, o processo e o fim da vida
humana. A seguir apresentaremos os principais fundamentos e princípios da
Pedagogia Espírita, a fim de buscar as respostas das perguntas postas no
início desse trabalho. Vejamos então primeiro os fundamentos e depois os
princípios, mantendo a divisão que a autora fez.
O primeiro e considerado o mais original de todos os fundamentos, que
caracterizaria a Pedagogia Espírita como uma proposta revolucionária,
segundo seus adeptos é o entendimento do ser humano como um ser
interexistente. Esse termo foi cunhado por Herculano Pires, a fim de sintetizar a
visão Espírita de homem. Dizia ele:
“A concepção espírita de homem nos mostra o ser naexistência com duas formas corporais e dois destinos inter-relacionados. O corpo físico é o seu instrumento de vivênciaterrena, mas o corpo espiritual é o seu organismo etéreo deque deve servir-se na continuidade superexistencial dessavivência (PIRES, 1990, p. 114)”.
(...) A criatura humana, mesmo nesta existência, não estásujeita apenas ao plano existencial terreno. Ela existe no aquie no agora, mas traz consigo a mente de profundidade queliga à existência espiritual de que provém. (...), Vivemos entreduas existências e não apenas numa, como supões a ilusãomaterialista. Não somos apenas o existente na concepçãoexistencialista, como o interexistente da concepção espírita.(Ibidem, p. 117).
Essa concepção de interexistência está, como pudemos perceber em
nosso estudo, ligada fundamentalmente à idéia de Reencarnação. Isso significa
entender o homem, não apenas como existente na dimensão espiritual e
44
material, no aqui e no agora, mas também considerar sua existência espiritual
anterior a essa vida, e, sobretudo as sucessivas existências que teve no seu
passado milenar. Incontri diz:
“(...) o ser existe além das dimensões físicas e visíveis, porquese expande em espírito no tempo e no espaço. No tempo,porque em seu íntimo carrega um passado histórico denso ase manifestar em lembranças, intuições, tendências, impulsos,conhecimentos inatos, experiências já adquiridas. No espaço,porque está em permanente contato extrasensorial com outrosseres, capta outras dimensões, através de sonhos, visões,mensagens telepáticas e comunicações explícitas e diretas.”(INCONTRI, 2001, p. 282)
Segundo Incontri, como o devido entendimento da sua interexistência, o
homem teria melhores condições de realizar as suas potencialidades. Porém
alerta que, na visão espírita, essa compreensão, não é conseqüência de uma
revelação divina, salvacionista, ou resultado de técnicas específicas para
adquirir dons mediúnicos. Ela “passa pela racionalidade (...), é fruto maduro de
reflexão racional, experimentação pessoal e esforço de evolução”. (ibidem,
p.23).
A visão espírita sobre o educando está intimamente ligada ao
entendimento do homem como ser interexistente. A idéia de criança da
Pedagogia Espírita, não é diferente, porém merece destaque por ser a ela
atribuída destacada importância.
A criança, “é um ser inteiro e livre, interexistente que se manifesta em
corpo frágil, para retomar as experiências do mundo em moldes diversos dos
que já experimentou no passado, e poder integrar essa nova personalidade em
formação às múltiplas já vividas, que constituem o seu eu original”.(Ibidem, p.
284). Na sua Interexistência, ela é submetida às influências da hereditariedade,
do meio sóciocultural e das limitações psíquicas e das que o corpo físico impõe
ao espírito. Essas influências, segundo o espiritismo, foram aceitas e
45
escolhidas livremente pelo espírito antes da sua reencarnação, para contribuir
no seu processo educativo na existência. A sua reencarnação, de acordo com
a bibliografia espírita se justifica pela necessidade de o espírito auto-educar-se
permanentemente, com vistas a atingir a perfeição.
A Pedagogia Espírita faz, fazendo jus a sua origem Rousseauniana,
considera a criança essencialmente boa, pois tem em si o germe da perfeição.
Considera ainda a infância um “estado de permeabilidade psíquica e moral”,
em que a criança é ávida por aprender e agir, por expandir-se em energia e
afetividade. (INCONTRI, 2001).
A terra, na concepção espírita é a morada temporária de espíritos que
estão, para usar a terminologia espírita, encarnados. Ela é apenas um, dentre
infinitos mundos no universo, que servem, como a Terra, de escola e
laboratório, onde durante sucessivas vidas os Espíritos aprendem através de
experiências, na existência material e se aperfeiçoam.
O entendimento dos defensores da Pedagogia Espírita sobre a
Educação é que essa conciste em “processo permanente de aperfeiçoamento
do Espírito, é o despertar de suas potencialidades, a realização gradativa de
sua divindade e não apenas numa dada existências, mas eternidade afora”.
(Ibidem, p. 287). Ela é considerada o sentido mesmo da existência e deve:
promover a vida interexistente; promover a responsabilidade do educando de
auto-educar-se; conquistar a adesão do educando para sua própria educação;
deve ainda, evitar a estagnação, a apatia, o adormecimento da vontade. (Idem)
Na mesma linha de pensamento, o educador também é ressignificado.
Ocupa uma centralidade no processo educativo proposto pela Pedagogia
Espírita, no entanto divide essa centralidade com o educando que deve ter
46
papel ativo e protagonista em sua auto-educação e na educação coletiva. O
papel do educador para essa pedagogia é de mobilização, motivação da
vontade de evolução desse educando. “É o que observa atentamente, amando
com intensidade, o ser-educando, e descobre como atingir o seu âmago, para
tocar sua essência divina e deflagrar o processo de auto-educação”. (ibidem, p.
288).
São funções do educador, segundo a Pedagogia Espírita: captar o
educando em suas heranças passadas, suas promessas futuras e suas
relações espirituais presentes; orientar e influenciar, sem jamais ferir a
liberdade do educando; Deve, ele mesmo, estar imerso num intenso processo
de auto-educação, para poder empolgar o educando com seu exemplo.
(INCONTRI, 2001).
Podemos perceber, nesse conjunto teórico, apresentado como
fundamentos da Pedagogia Espírita, uma série de pilares de outras propostas
educacionais. Como o amor Pedagógico de Pestalozzi ou a essência boa da
criança e a educação natural de Rousseau, o que demonstra a assunção de
uma ligação desses pensadores/educadores com a pedagogia tratada aqui, por
parte dos seus teóricos.
Os princípios da Pedagogia Espírita são o amor, a liberdade, igualdade
na singularidade, a naturalidade, a ação e a educação integral. A seguir
apresentaremos cada um sucintamente, para continuar nosso objetivo de
caracterizar essa teoria.
O amor é o primeiro e máximo princípio. Incontri, em sua exposição
sobre o tema, alerta para o desvirtuamento do conceito. Define-o pela eleição
do que ele não poderia ser. Segundo a jornalista e educadora, teórica da
47
Pedagogia Espírita o amor não possui, não domina o outro, não fere, não se
acomoda com o poder e a injustiça, não é chantagista. O amor proposto aqui
deve permear todas as relações educativas, entre educadores e educandos.
Deve ser entendido como doação e empenho do primeiro em benefício do
segundo, com o objetivo de mobilizar o educando na busca de sua auto-
educação. Para isso, ele deve repudiar qualquer tipo de violência ou ato de
punição, deve ser ativo e corajoso para conquistar o educando para o projeto
proposto de auto-educação.
A liberdade é a conseqüência do amor. Não pode ser apenas a
assunção racional de um direito somente, deve ser fundado, para os teóricos
dessa idéia, nos laços da fraternidade.
“A obediência à autoridade constituída deve ser substituídapela anuência consciente e espontânea, que o educador deveaprender a conquistar amorosamente, quando, e apenasquando, se tratar do bem do próprio educando. Mas, em últimainstância, o ato pedagógico é sempre uma oferta, um convite,uma possibilidade que o educando tem a liberdade de aceitarou recusar”. (INCONTRI, 2001, p. 290).
O princípio da igualdade com singularidade vai nos dizer que todos os
seres humanos são iguais, têm os mesmos direitos e deveres, têm a mesma
natureza, espiritual, biológica e social. Contudo, são também essencialmente
diferentes, pois cada um se encontra num estágio na escala da evolução
espiritual, têm experiências diferenciadas nesta vida e ainda estão inseridos em
contextos socioculturais diversos. Ao assumi-lo, a Pedagogia Espírita propõe,
coerente com Kardec, a abolição de qualquer hierarquia e competição entre os
indivíduos. Também afirma não aceitar gurus e mestres a serem
reverenciados.
“(...) a Pedagogia Espírita é igualitária no sentido de tratartodos os seres humanos no mesmo diapasão de respeito,
48
fraternidade e compreensão. Mas deve reconhecer e descobriras riquezas de cada ser singular e incentivá-las, socializá-las,observando da mesma forma as imperfeições de cada umpara trabalhá-las”. (Ibidem, p. 291).
O princípio da naturalidade nos mostra que essa proposta pedagógica
compreende que o universo se compõe, todo ele, de uma só natureza divina.
Que o mundo espiritual é tão natural quanto o físico, “lados da mesma moeda”.
Assume-se que há uma natureza humana que engloba o aspecto social,
biológico e espiritual do homem. Há uma natureza da criança, que a Pedagogia
Espírita propõe aos educadores compreendê-la para melhor auxiliá-los na sua
auto-educação. O conhecimento dessa naturalidade do ser humano e do
universo permite, segundo os espíritas, respeitar o fluxo harmônico das coisas,
dos seres.
“Assim como para se colher o fruto de uma árvore, é precisosemeá-la, adubá-la e conservá-la segundo a natureza, para secolher a luz humana, é preciso educar o ser interexistente, emobediência a todas as leis naturais — físicas e morais — queregem o seu desenvolvimento. Essas leis, porém, não sãorígidas e lineares, mas flexíveis e orgânicas, porque a maiorde todas elas é a lei do amor e onde há amor, há criatividade,expansão, espontaneidade”. (Ibidem, 292).
É a partir da ação no mundo que o Espírito de desenvolve. Baseado
nessa compreensão a Pedagogia Espírita se propõe eminentemente ativa,
propõe o aprendizado através da ação livre. “A ação em si – traduzindo-se em
atividades sociais, em produções estéticas, intelectuais e manuais – põe em
uso as potencialidades humanas, que só podem ser trazidas à tona e
aperfeiçoadas pelo exercício”. (ibidem, 293).
O último princípio coroa todos os demais. A educação intergral, que
somente é possível para os espíritas se balizada pelos demais princípios,
49
esses ancorados nos fundamentos da Pedagogia Espírita, que já
apresentamos.
A educação integral é entendida como a busca do equilíbrio entre a
moralidade e a inteligência, num processo educativo que trabalhe
simultaneamente diversas potencialidades e faculdades do ser humano. Nela,
é preciso observar quais as vocações da criança e do jovem, para incentivar o
uso ético de suas inteligências.
Uma educação integral, para a Pedagogia Espírita deve desenvolver-se
numa proposta global, que trabalhe a educação dos setores, afetivo, estético,
intelectual, religioso, sexual, físico e mediúnico. Esse último, pudemos
perceber, constitui uma originalidade destacável do arcabouço pedagógico
espírita, uma vez que os demais setores podem ser encontrados nas propostas
de Pestalozzi, Froebel, Comenius, Rousseau. Trata-se, segundo Incontri, do
setor destinado à educação para a vivência consciente da interexistência,
fundamento primeiro da Pedagogia Espírita que já apresentamos aqui.
3.3 – A Práxis
A Educação Espírita, como pudemos ver, emerge do escopo teórico do
Espiritismo, contudo, foi na aplicação prática desses princípios que surgiu, a
Pedagogia Espírita, considerada pelos seus intelectuais como uma contribuição
filosófica originalmente brasileira. Incontri, a partir da análise dessas práticas
educativas, empreitadas por educadores espíritas, organiza em sua pesquisa
de doutoramento, um conjunto de eixos práticos dessa teoria da educação.
Todavia, é imperioso alertar que na bibliografia considerada de referência
dessa pedagogia, na encontramos alusão a um método espírita de educação,
50
pelo contrário, a pedagogia espírita assume que cada escola espírita deve se
constituir de acordo com sua comunidade (por isso diferentes entre si),
respeitando o arcabouço teórico-filosófico do espiritismo. “A proposta é mesmo
a de considerar as circunstâncias socioculturais locais onde a escola vá se
instalar e ainda de se invocar a participação ativa e criativa dos membros da
comunidade escolar, o que implicará necessariamente em modelos
diferenciados.”(INCONTRI, 2001, p. 295).
Dando continuidade a tarefa proposta nesse estudo, apresentaremos os
eixos que segundo Incontri, caracterizam, no seu conjunto, a práxis da
Pedagogia Espírita. São eles: A escola livre e afetiva, atividades éticas,
produções estéticas, produções intelectuais, abolição dos castigos e
recompensas, cultivo da espiritualidade, autogestão administrativa, co-gestão
pedagógica, compromisso social e escola universal.
A escola livre e afetiva baseia-se nos fundamentos do amor e da
liberdade, já expostos nesse trabalho, e é ao mesmo tempo, uma proposta e
uma crítica ao modelo escolar dos nossos dias. A pedagogia espírita é
contundente em sua crítica a mercantilização da educação, à burocracia,
competição incentivada e conseqüente exclusão produzida pelo sistema
escolar homogeneizante que o sistema capitalista se utiliza, dentre outras
coisas, para produzir a sociedade neoliberal em que vivemos. Herculano Pires
afirmou nos idos de 1970, em meio ao movimento pela educação espírita, que
organizou três congressos e publicou uma revista: “A exploração comercial da
educação é um mal cujas conseqüências sociais ainda não podemos avaliar”.
(PIRES, 1990, p. 130). Dora Incontri defende que deverá ocorrer uma
transformação radical da escola:
51
“A obrigatoriedade, o formalismo, a burocratização do ensino,as relações hierárquicas — tudo isso fica abolido e a escoladeve renascer livre e amorosa. Os currículos fixos, asprogramações rígidas, os resultados homogeneizantes, aeducação em massa, em que todos são coagidos às mesmasatividades, ao mesmo tempo, com idênticos resultados — tudoisso deverá desaparecer. O ambiente escolar deve sertransmudado.” (INCONTRI, 2001, p. 295).
A autora propõe, dentre outras coisas, fortemente influenciada pelas
experiências de Ney Lobo, no Lins de Vasconcelos e de Eurípedes Barsanulfo,
no colégio Allan Kardec, que a rigidez dos currículos, as salas tradicionais, e as
atividades impostas e sem sentido não têm espaço na escola livre e afetiva. A
arquitetura deverá ser pensada para estimular o gosto estético e harmonizar a
mente ao coração. (Idem).
A comunidade escolar deve estar altamente envolvida, dentro e fora da
escola, em ações éticas. Sempre orientadas e planejadas pelos educandos,
sob os auspícios dos educadores. Tais ações pertencentes ao eixo atividades
éticas, proposto por Incontri, deve despertar no educando a preocupação
solidária com o outro, fazendo britar, na prática, não só o sentimento ou a
racionalização da justiça e solidariedade, mas a ação pautada por esses
valores.
Uma das propostas práticas da Pedagogia Espírita é que sejam
disponibilizadas aos educandos as mais belas produções estéticas que a
humanidade já produziu. Essa proposição parte da idéia de que a arte “é uma
forma de manifestação existencial do Espírito” (INCONTRI, 2003, p.175). Isso
significa que, para os intelectuais espíritas adeptos da pedagogia que ora
estudamos, a arte não é um dom inato de algum privilegiado, o artista, ou ainda
somente pinturas, esculturas poesia e música, cinema, etc. Arte é a expressão
cotidiana do homem e faz parte da integralidade do ser na interexistência. A
52
preocupação estética, da educação incentiva o educando na busca pela
perfeição em todas as coisas, “Amor, Sabedoria e Beleza são aspectos
inseparáveis da perfeição”. (Idem). Dessa forma contribui, a educação estética
para o fim último da educação espírita.
De modo geral a Pedagogia Espírita propõe que “elementos estéticos
estejam presentes no meio ambiente e no conteúdo da educação”.(Ibidem,
p.176), pois a arte tem uma função indutiva, podendo estimular ao aprendizado
e à convivência elevada, ou ainda à melancolia e ao pessimismo depressivo.
Para eleição de conteúdos estéticos que contribuam para o bom convite à auto-
educação, Incontri sugere: “Nesta escolha do melhor, não adianta nos
apegarmos aos rótulos. Não se trata, por exemplo, de oferecer apenas música
erudita e jamais a música popular. Há muita boa música popular e muita
música erudita sombria...” (p. 177). Não se trata de proibição de certas
produções, mas de apelo ao espírito crítico dos educadores e dos educandos.
Especificamente, essa pedagogia propõe que se deve estimular a
criatividade, incentivar a produção artística, inclusive dotando o educando de
certas técnicas específicas dessa ou daquela arte, de acordo com o interesse
de tendências dos educandos, mas nunca valorizando a técnica em detrimento
da criatividade, que “(...) trabalhada pela educação estética não servirá apenas
para a execução de obras de Arte. Desenvolverá a capacidade criativa do
indivíduo inteiro, que poderá estende-la a qualquer atividade intelectual,
manual ou moral”. (Ibidem, p. 178).
A educação estética é ainda defendida, por Dora Incontri, em seu livro A
educação segundo o espiritismo (Comenius, 2003), como uma espécie de “luta
e resistência cultural” ao processo de massificação mercantilizadora da arte,
53
que bombardeia nossos sentidos todos os dias, com os produtos do mercadão
de sucessos musicais, de best seller da auto-ajuda (inclusive no promissor
mercado editorial espírita) e de produções cinematográficas com violência e
terror gratuitos.
No que diz respeito às produções intelectuais a Pedagogia Espírita
propõe que a escola seja uma universidade em miniatura, incentivando a
reflexão crítica, o espírito científico e todo o tipo de produção intelectual. Nesse
sentido, não há espaço para a rigidez das disciplinas e dos conteúdos
predeterminados. O conteúdo a ser estudado deve partir do interesse dos
alunos ou ainda de necessidades reais, para aplicação prática. “O que se deve
evitar é a abstração ininteligível, a memorização vazia, o ensino mecanicista de
conceitos inaplicáveis na vida comum” (INCONTRI, 2001, p. 298).
A abolição de castigos e recompensas é um imperativo quando se fala
de uma educação baseada na liberdade, na solidariedade e no amor. A autora
propõe que a escola deve abolir, regimentalmente, qualquer subterfúgio
punitivo premiações de toda sorte, inclusive as notas, a exemplo do que fez
Barsanulfo em Sacramento.
“As avaliações serão feitas na base das produções de cadaum e nunca de forma numérica, quantitativa, mas de maneiradescritiva, qualitativa, para melhorar o trabalho, encarando-seerros e problemas como naturais da aprendizagem. Emparceria com o educador, o aluno fará sua autoavaliação,apontando aquele os aspectos que devem ser aperfeiçoados einformando este as suas dúvidas e dificuldades”. (Ibidem,299).
A pedagogia espírita propõe ainda que todos os problemas da escola
sejam resolvidos ou que as soluções sejam buscadas com base no diálogo.
Conversas entre educadores e educandos devem ser constantes, assim como
54
assembléias gerais para discutir os comportamentos de grupos e as
necessidades para melhor convivência, bem como para a gestão da escola.
Como forma de superar essa educação de resultados condicionadora
que temos atualmente a autora propõe o diálogo. Na esteira dessa proposta,
de uma escola renovada, emerge a necessidade também de novas formas
administrativas para a instituição escolar. A proposta apresentada pelos
teóricos da pedagogia que destacamos como objeto desse estudo, é a da
autogestão administrativa. Todavia, embora a proposta seja feita claramente,
Incontri não passa nenhum receituário. Apenas defende a idéia de que as
esferas administrativas e pedagógicas estejam atreladas e por isso a
administração da escola espírita não deva ferir nenhum dos fundamentos que a
caracteriza como tal. E em coerência ao princípio da escola livre e afetiva,
deixa para as comunidades resolverem essa questão, da melhor forma que
lhes couber, somente alertando que a relação patrão-empregado deve ser
abolida e que uma escola espírita não deve ter o lucro como objetivo: “O
importante é manter os princípios de liberdade e igualdade, onde todos os que
participem da comunidade escolar possam ser ouvidos, tomem parte em
decisões que os afetem diretamente e tenham acesso à visão geral da
administração da escola”. (Ibidem, p. 303).
Outra proposta, a co-gestão pedagógica, caracteriza-se pela
disponibilização para toda a comunidade escolar, de todos os conhecimentos
que cada um, partícipe dessa comunidade, possui. Isso significa que pais,
alunos e funcionários, poderão sugerir grupos de estudos, laboratórios, projetos
de pesquisas e praticar a liberdade de ensinar e aprender.
55
Por fim o compromisso social da comunidade escolar é a
responsabilidade de a escola estar inserida na realidade que a cerca, devendo,
manter diálogo com as instituições locais. A escola social deve ainda, segundo
Incontri, incentivar seus membros (pais alunos, docentes e técnico-
administrativos) a militarem em causas que envolvam o bem coletivo, como
campanhas fraternas e de defesa de direitos. “A escola social “(...) é aquela
que o educando toma consciência na prática, dos problemas de seu meio e das
suas possibilidade de atuação efetiva”(Ibidem, p. 305) para a transformação.
A Pedagogia espírita propõe um novo olhar para o ser humano, de
cidadão, radicado numa localidade e numa nação, passa o ser humano a ser
encarado como um cidadão do universo. Esse conceito vai além de qualquer
teoria internacionalista, pois segundo o espiritismo, há uma multiplicidade de
mundos habitados por espíritos, em todo o universo. O eixo escola universal
trata especificamente desses dois aspectos da escola espírita. O primeiro é
que ela deve manter contato com outras culturas no planeta terra, vivenciando
a proposta de tolerância étnica e religiosa dessa pedagogia espírita. O ensino
de línguas ganharia o sentido de aproximar diferentes povos, e de aprender o
que há de positivo em suas culturas, ao invés de ser exclusivamente utilizado
como “valor agregado” ao curriculum do trabalhador especializado,
entendimento que somente aprofunda a desigualdade social capitalista, pois a
escola para o povo raramente proporciona um ensino satisfatório, tornando a
aquisição de uma segunda língua privilégio de poucos. Também nessa
perspectiva de cidadão do cosmos, o ensino de astronomia, proposto por
Barsanulfo e por Novelino, influenciados por Camille Flamarion ganha força e
materialidade, mostrando a responsabilidade em pacifica-lo, pois o ser
56
humano, no entendimento espírita, independente de qualquer contexto étnico,
racial, sóciocultural e de gênero, faz parte de uma mesma família estelar.
Como pudemos perceber, e tentamos demonstrar nesse trabalho a
Pedagogia Espírita este inserida na tradição filosófica espiritualista, que
remonta a Sócrates e Platão. Como tal não pode deixar de trabalhar com
entendimentos e propostas que considerem uma realidade transcendente do
ser humano. No caso da pedagogia espírita ela trabalha com o entendimento
de que o homem é um espírito reencarnado, e isso, como já vimos
anteriormente, reconfigura toda sua proposta pedagógica, fazendo parecer de
certa forma anacrônica. Contudo, é bom lembrar, até por questão de
honestidade intelectual, que a pedagogia espírita não trabalha com a idéia de
que a tradição filosófica espiritualista esteja superada. Pelo contrário, trabalha
com a idéia de que ela tem sido sistematicamente silenciada, como tentamos
demonstrar na introdução ao nosso texto. Dessa forma o cultivo a
espiritualidade, ganha lugar de destaque práxis pedagógica espírita, pois ela
faz, segundo seu entendimento, parte da realidade interexistente do ser
humano, e não pode ser negada, sob o prejuízo de realizar uma educação
parcial, e não integral, que é sua intenção. Especificamente nesse eixo propõe
que:
“(...) toda prática pedagógica espírita deve estar impregnadade intensa espiritualidade, entendendo-se que não se trata aíde fanatismo religioso e nem de dogmatismo específico. Aomesmo tempo em que se deve oferecer aos alunos, oconhecimento de todas as religiões, com suas práticas efilosofias, de forma imparcial e precisa (e para isso podem sertrazidos os representantes de cada uma ou os próprios alunos-adeptos podem fazer suas intervenções, mostrando aos outrosa sua fé), deve-se cultivar uma religiosidade genérica. Oraçõesem conjunto; leituras de textos religiosos de diferentescorrentes (que não ofendam as outras presentes), discussõessobre religiões comparadas e filosofia espiritualista — tudoisso deve lançar o aluno na dimensão do espiritual, fazendo-o
57
compreender que se trata de uma dimensão humana, natural euniversal, necessária ao pleno desabrochar do homem”.(Ibidem, p. 300).
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Bogdan Suchodolski (1992), filósofo e pedagogo polonês propôs em seu
livro A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas (Livros Horizonte, 1992)
a divisão das correntes pedagógicas em dois grandes grupos, o das
Pedagogias da Essência e o das Pedagogias da Existência. Essa divisão, entre
essência e existência, entendida pelo polonês como conflito fundamental do
pensamento pedagógico, é decorrente da oposição histórica na filosofia, entre
as Filosofias da Essência e as Filosofias da Existência.
A querele entre as Pedagogias da Essência e as Pedagogias da
Existência, tem sua origem no renascimento, quando uma série de
transformações sociais, políticas e intelectuais tornam-se fontes de novas
concepções de homem e colocam em cheque o monopólio da cosmovisão
religiosa tradicional e sua autoridade em ditar as normas da atividade humana.
(SUCHOLDOLSKI, 1992).
As Pedagogias da Essência, abstraindo-se aqui, a sua diversidade (que
foi riquíssima) e o papel histórico desempenhado por cada uma delas, por não
caber nesse espaço uma reflexão mais demorada sobre o assunto.
Constituíam-se fundamentalmente por postularem que o ser humano possui
uma essência, que vai além da experiência empírica, e que a educação tem
como referência essa essência, devendo atuar para que o homem se aproprie
na existência de sua essência verdadeira e também para destruir o que pode
corrompê-lo, é em suma uma educação voltada para um homem idealizado.
Elas encontram sua origem em Platão, passando por todas as pedagogias
religiosas, protestantes e católicas, pela Educação Natural de Comenius e
Locke e pela originalidade idealista de Kant, Fichte, Hegel, até chegar nas
59
tentativas de existencialização da Pedagogia da Essência no século XIX.
(Idem)
As Pedagogias da existência deu seus primeiros passos no século XVII,
sob a predominância das diversas formas da concepção da pedagogia da
essência. Conciste, fundamentalmente na negação da essência, defendendo
que o homem e a vida humana estão limitados às experiências empíricas.
Remonta aos estudos de fim da vida de Comenius, que proporcionaram o
entendimento de considerar a criança viva e espontânea. Contudo foi, segundo
Suchodolski, Rousseau o primeiro que se lançou radicalmente em oposição à
pedagogia da essência e à criação de perspectivas para a construção de uma
pedagogia da existência. Pestalozzi e Froebel (1782-1852) são considerados
seguidores de seu pensamento, defendendo a máxima de que a educação
deve realizar-se a partir da própria vida da criança. (Idem)
Para o filósofo e pedagogo polonês as tendências opositoras da
pedagogia da essência ainda estavam numa fase incipiente, “marcadas ainda
por um cunho de generalidade e homogeneidade (Ibidem, p. 57)”. Foi somente
no século XIX que teve início um processo de diferenciação da pedagogia da
existência, dado pelo conjunto das obras, de Kierkegaard, Stiner e Nietzsche,
cada qual com sua especificidade e diferenças. Também as teorias da
evolução de Darwin, Spencer e Bérgson, mais uma vez guardada as
especificidades, contribuíram para a constituição dessa grande corrente do
pensamento pedagógico (Idem).
Na perspectiva de solucionar o conflito entre essas duas grandes
correntes do pensamento pedagógico, Suchodolski encontra os esforços da
educação nova, das pedagogias do grupo social e da cultura e das pedagogias
60
metafísicas. A primeira, partindo da criança/indivíduo como sujeito da sua
educação esbarra no conflito entre a utopia da pedagogia do desenvolvimento
e do conformismo da pedagogia da adaptação. As segundas, igualmente, mas
por caminhos diferentes, reeditam esse mesmo conflito. Suchodolski afirma ao
final da análise que empreitou sobre essas pedagogias: “O problema do conflito
entre o desenvolvimento do caráter humano universal da criança e o âmbito
real de sua vida mantinha-se sem solução”. (Ibidem, p. 117). A terceira
corrente, em oposição à educação nova e às pedagogias do grupo social e da
cultura, por considera-las insuficientes, afirma que era preciso concentrar a
educação no nível metafísico do homem ao invés de “tomar como ponto de
partida o curso presente da vida do indivíduo” ou ainda as “exigências da
história social ou da cultura”. (p. 119), configurando-se como uma moderna
pedagogia da essência, enquanto as outras estariam no âmbito das
pedagogias da existência. O conflito ainda era eminente.
Para Bogdan Suchodolski, as tentativas de união entre as pedagogias
da essência e da existência, na perspectiva de superar o moderno conflito
entre essas – “Unir educação e vida de modo que não seja necessário um
ideal, ou definir um ideal tal que a vida real não seja necessária”. (p. 123) –
davam uma força perigosa às tais tendências, por terem atingido ganhado certa
força com as correntes nacionalistas de vários países, inclusive o fascismo e o
hitlerianismo.
Considerando que essas duas correntes seculares do pensamento
pedagógico, traíram seus princípios fundamentais – a pedagogia da existência:
a defesa do desenvolvimento livre do homem; a pedagogia da Essência: uma
educação baseada em valores universais e permanentes – porque acabaram
61
por reforçar a noção de que “as contradições que se manifestavam não
provinham das más relações sociais” e sim de uma noção errada dos direitos
do indivíduo e da sociedade, o que implicava em “(...) transformar, não as
relações sociais, mas a maneira de conceber a existência individual e o ideal,
causas dessas contradições”. (Ibidem, p. 126). Daí o filósofo afirma:
“A pedagogia devia ser simultaneamente pedagogia daexistência e da essência, mas esta síntese exige certascondições que a sociedade burguesa não preenche, exigetambém que se criem perspectivas determinadas de elevaçãoda vida quotidiana acima do nível actual. O ideal não devenem sancionar a vida actual, nem deve tomar uma formatotalmente alheia a essa vida”(Ibidem, p. 127)
Suchodolski propõe a educação virada para o futuro como único
caminho para a resolução da antinomia do pensamento pedagógico moderno.
O autor caracteriza essa pedagogia, numa perspectiva de um sistema social à
escala humana, como uma tendência pedagógica que não aceita o estado de
coisas existentes e que atue para transforma esse estado de coisas. Deve ser
crítica ao presente e acelerar a construção do novo.
“Uma tal crítica pressupõe um ideal que ultrapasse o presente;neste sentido, a educação virada para o futuro integra-se nagrande corrente pedagógica que designamos por pedagogiada essência. Trata-se contudo de uma simples afinidade poistem profundas divergências, constituindo a diferença essencialno facto de este ideal se caracterizar por uma diretriz deacção no presente , ação que deve transformar a realidadesocial de acordo com as exigências humanas. Na medida emque o ideal que inspira a crítica da realidade deve representaruma directriz para a acção no presente tem de organizar asforças actuais e deve encorajar o homem a fazer uma opçãono momento actual . A educação orientada para o futuro liga-se neste sentido à segunda grande corrente do pensamentopedagógico, à pedagogia da existência. Todavia, também aquinão encontramos senão uma afinidade; a diferença essencialconsiste em que, nesta concepção da educação, a vida é oaspecto presente da edificação do futuro ”.(SUCHODOLSKI, 1992, p. 129)25.
25 Grifos meus.
62
Perceba que os trechos grifados encontram certa similaridade com as
propostas da pedagogia espírita, como, por exemplo, o entendimento de que a
educação tem como objetivo a transcendência do espírito, mas propões uma
ação na existência, considerando a vida presente como pilares da edificação
do futuro (PIRES, 1990).
Sua origem deriva das tendências que não aceitam o princípio da
adaptação ao presente como se fosse o ponto de partida fundamental da
educação e a inda daqueles que entendiam a crítica do presente como um
“apelo para melhora-lo” e não um convite para evadir-se dele.
Propõe ainda que a educação tradicional deve ser abandonada, pois
estariam completamente anacrônicas em relação à nova realidade social e
econômica. A formação social, no sentido que cada cidadão se torna
responsável pela democracia, tem posição de destaque nessa pedagogia
proposta pelo polonês. A educação moral, como educação da vida cotidiana
em situações sociais concretas, também ganha destaque. Não cabe aqui o
alongamento na análise da pedagogia de Suchodolski, apenas nos interessa o
alinhavamento desta, a fim de poder refletir sobre a questão da superação do
conflito das pedagogias.
Se fizermos um exercício de abstração dos princípios espiritualistas da
pedagogia espírita e dos princípios marxianos da pedagogia do filósofo polonês
vamos encontrar, como já apontamos, uma série de conjunções, tanto do ponto
de vista da crítica aos sistemas educativos burgueses, da perspectiva de futuro
e da crítica à sociedade presente, como do ponto de vista dos fundamentos
práticos de uma e de outra.
63
A preocupação com a educação cotidiana, que busca ensinar ao homem
compreender o próximo e prestar atenção ética a este, encontra similaridade
com o princípio da educação ética da Pedagogia Espírita. Ambas buscam
romper com a moral superficial e externa dos códigos de conduta e atuam na
perspectiva de uma moral que brote do interior do ser humano. Vejamos o que
Suchodolski diz:
“(...) a educação moral deve fundamentar-se na educaçãosistemática do homem desde sua mais tenra infância, numaeducação que desenvolva e crie ‘este impulso do coração’imperceptível, de que fala a psicanálise com tanta parcialidadee erro, mas que é todavia um dos mais importantesfundamentos da dignidade humana que se opõe ao fascínio deuma má conduta”. (Ibidem, p. 133).
Também a preocupação com a educação social do polonês pode ser
encontrada na proposição da escola social da pedagogia espírita, ou ainda nas
propostas de autogestão administrativa e co-gestão pedagógica.
É claro que quando falamos de conceitos como esses na educação não
podemos nos dar ao luxo, como fazem alguns teóricos materialistas, quando se
apropriam de pedagogias surgidas no âmbito de uma visão espiritualista de
mundo que trabalham com essas como se os tais fundamentos não fossem
relevantes. Poderia eu, ou qualquer outro pesquisador, fazer isso com a
pedagogia proposta por Suchodolski, desconsiderar seu contexto ideológico
histórico e social? É claro que não. A nossa discussão e as comparações feitas
entre as pedagogias espírita e “do futuro” têm aqui o intuito de problematizar o
monopólio da segunda na busca bem sucedida pela superação do conflito
secular exposto na obra de Bogdan Suchodolski.
A Educação Espírita propõe o conceito de ser interexistente, e a partir
dele estabelece a sua Pedagogia. Poderia ser esse novo entendimento, uma
64
superação do conflito entre as pedagogias? Como pudemos ver, se
considerarmos as mesmas categorias que Suchodolski, de educação na
existência com vistas no o futuro, de crítica ao presente e de perspectiva social,
poderíamos dizer que a pedagogia espírita inaugura uma nova solução para o
conflito secular entre as pedagogias da essência e da existência? Ao meu
modo de ver essa hipótese não poderia, de maneira alguma, ser refutada de
forma simplista pelos materialistas, muito menos ser afirmada rapidamente
pelos adeptos da pedagogia espírita. Será preciso debruçar melhor tanto sobre
a pedagogia espírita, que se reivindica herdeira do legado de Comenius,
Rousseau e Pestalozzi, bem como sobre a pedagogia histórico-crítica, vertente
que se fundamenta nas idéias de Suchodolski e tem se dedicado à superação
do conflito sob perspectiva marxista.
Esse trabalho teve por objetivo, dar voz à pedagogia espírita e seus
autores, com o intuito de proporcionar uma reflexão mais profunda sobre as
concepções filosóficas e educacionais que permeiam as pedagogias. No que
diz respeito às perguntas norteadoras do nosso estudo, cremos ter respondido
com satisfação, durante todo o trabalho, as três primeiras, que versavam sobre
o conceito, as concepções de homem/criança e as origens da pedagogia
espírita. A última “Quais perspectivas podemos esperar, se aplicadas as suas
propostas?”, creio ser um tanto quanto precipitado reponde-la de forma
definitiva. O que temos são as experiências do passado, que foram bem
sucedidas e com certeza contribuíram para a construção de um mundo mais
justo e igualitário, assim como diversas práticas pedagógicas progressistas que
pipocaram no Brasil durante o século XX. A originalidade da Pedagogia Espírita
está justamente em considerar a transcendência humana de forma não
65
alienada da existência, “do aqui e do agora”. É certo que suas propostas têm
mais condição de ser desenvolvidas junto a instituições de educação infantil e,
sobretudo no campo da educação não-formal (Ong’s), pois as suas teorias
estão em campo mais avançado do que a escola fundamental e média, essa
ainda muito arraigada ao ensino tradicional e à escola burguesa, enquanto a
educação infantil e a educação não-formal assumem teoricamente suas
práticas como transformadoras dessa realidade.
Outra questão muito cara nessa discussão pé a laicidade da escola
publica. Embora Herculano Pires defenda que esse princípio deva estar
presente na pedagogia espírita, pois trata da religião, como parte do
conhecimento humano e de forma interdisciplinar e não doutrinadora, esse é
um terreno complexo que os teóricos da pedagogia espírita deverão enfrentar,
sob pena de relegarem-se ao limbo das escolas confessionais.
Por fim, ficam as questões, dentre outras: A pedagogia Espírita supera o
conflito secular entre a pedagogia da essência e a pedagogia da existência?
Que relação teria essa teoria pedagógica com a escola pública? É possível a
laicidade numa pedagogia que se admite cristã? O que tem levado o
movimento espírita institucional a fechar escolas e institutos espíritas de
educação, aparentemente de forma arbitrária?
66
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASFACULDADE DE EDUCAÇÃO
RAFAEL DOS SANTOS PEREIRA
UM ESTUDO SOBRE A PEDAGOGIA ESPÍRITA ESEUS PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS.
CAMPINAS/SP2006
2
Universidade Estadual de CampinasFaculdade de Educação
Rafael dos Santos Pereira
Um estudo sobre a Pedagogia Espírita e seuspressupostos filosóficos.
Monografia apresentada à Faculdadede Educação da Unicamp, sob aorientação do Prof. Dr. SílvioAncízar Sanches Gamboa(DEFHE), para obtenção do títulode Licenciado em Pedagogia.
Campinas/SP2006
3
Dedicatória
Dedico este trabalho aos meus dois filhos, o João Rioe o “Pacu”, esse gestado junto com o TCC, os quaismerecem, como todas as crianças, um mundo maisfraterno...
4
Agradecimentos...
À sociedade Paulista, à maioria trabalhadora como eu, principalmente como meuspais, que financiou meus estudos com o pagamento de caros impostos (ICMS), e não pode,apesar de dona, freqüentar a Universidade Pública. Vejo no horizonte, um mundo em queisso não mais acontecerá;
Ao Prof. Dr. Silvio Ancizar Sanches Gamboa, pela orientação desse trabalho e peloincentivo à diversidade intelectual na Universidade;
À Profa. Dra Dora Incontri por participar da banca como segunda leitora, compreciosas contribuições, pelo ânimo e alegria com que me incentivou, nas nossas poucas,mas valiosas conversas;
Ao Professor Alessandro Bigueto, pela amizade e pelas imprescindíveis, prazerosase apaixonadas reflexões em meio a uma ou outra aula na Unicamp;
À Profa. Dra. Sônia Giubilei, pelo seu exemplo, amizade e incentivo;
Ao Will (William Chiuffa), pela leitura e correção dos erros de português;
Aos meus pais, Maria Aparecida e José Ronaldo, por terem me apresentado aDoutrina Espírita ainda na infância, pelo apoio desinteressado e por terem me dado maisuma oportunidade de viver na Terra;
Aos meus irmãos (Camila, Carina e Júnior), pelo companheirismo, amizade econvivência leve. Grandes parceiros de existência!
Aos meus tios, Rozaura (Tia Zau) e Lúcio, sem os quais tudo seria mais difícil,algumas coisas até impossíveis;
À toda minha família, os Rodrigues/Pereira (Pai) e os Santos (Mãe), que têm partedireta na minha formação, esse trabalho leva um pouco de cada um, eu levo um pouco decada um;
Aos meus companheiros (e adversários) de militância política, quantas coisas nãoaprendemos?! Que a chama de nossos sonhos e lutas, não se apague na dureza do cotidianoe permaneça acessa em nossos corações, mentes e mãos;
Aos amigos do Centro espírita Allan Kardec de Itajubá, por despertaram em mim ointeresse para o estudo da Pedagogia Espírita;
À Adriana Silva, por aceitar essa parceria existencial chamada João Rio e peloaprendizado que isso nos proporciona.
Ao meu filho João Rio, por trazer felicidade e esperanças para a minha vida.
E, por fim, à Kamille Vaz, companheira de todas as horas, raio de luz na minhavida.
5
“(...) nosso primeiro desejo é que todos os homens sejam educadosplenamente em sua plena humanidade, não apenas um indivíduo,não alguns poucos, nem mesmo muitos, mas todos os homens,reunidos e individualmente, jovens e velhos, ricos e pobres, denascimento elevado e humilde — numa palavra, qualquer um cujodestino é ter nascido ser humano: de forma que afinal toda a espéciehumana seja educada, homens de todas as idades, todas ascondições, de ambos os sexos e de todas as nações”.ComeniusIn: Pampaedia, 1965
6
RESUMO
Esta monografia, que se constitui num trabalho de conclusão de curso da graduação empedagogia na Unicamp, visa realizar um estudo sobre a pedagogia espírita e seuspressupostos filosóficos, dando voz à pedagogia espírita e seus autores, com o intuito deproporcionar uma reflexão mais profunda sobre as concepções filosóficas eeducacionais que permeiam as pedagogias. Também é objetivo desse trabalho refletirsobre a superação do conflito secular entre as Pedagogias da Essência e as Pedagogiasda Existência. Para tal utilizamos como método a pesquisa bibliográfica, analisando erefletindo sobre a bibliografia básica dessa pedagogia e sobre a obra do pedagogopolonês Bogdan Suchodolski (1903-1992), a Pedagogia e as grandes correntesfilosóficas (Livros horizonte, 1992).
Palavras Chave: 1. Pedagogia – Teoria 2. Educação e Espiritismo 3. Espiritismo
7
SUMÁRIO
RESUMO _______________________________________________________________ 6
SUMÁRIO ______________________________________________________________ 7
APRESENTAÇÃO_______________________________________________________ 8
INTRODUÇÃO ________________________________________________________ 11
CAPÍTULO I – O CONTEXTO ___________________________________________ 14
CAPÍTULO II - DIÁLOGOS ENTRE FILOSOFIA, CIÊNCIA E R ELIGIÃO ____ 26
CAPÍTULO III – A PEDAGOGIA ESPÍRITA_______________________________ 31
CONSIDERAÇÕES FINAIS______________________________________________ 58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______________________________________ 67
8
APRESENTAÇÃO
Essa apresentação ganhou força em meio à escrita desse TCC. Com o
intuito de contextualizar esse estudante que vos dirige a palavra, tanto no
tema, como na própria natureza de um trabalho de conclusão de curso.
Meu interesse em pesquisar a temática “Espiritismo e Educação” vem
desde o início da faculdade. Aliás, cheguei à Universidade, e em meio ao
deslumbramento com idéia de “fazer Unicamp”, uma possibilidade tão remota
e “impossível” para um estudante mediano de uma escola pública do Sul de
Minas, o que explica o deslumbre. Incentivado pela idéia de estudar a escola
espírita. Porém o curso de pedagogia mostrou-me que essa era muito mais do
que a escola, mostrou-me as várias facetas desta instituição, as várias faces da
educação. E pude perceber ano-a-ano, no turbilhão da militância política
estudantil, das leituras e discussões acadêmicas, das vivências diversas que
fizeram explodir uma cachoeira de reflexões, no início políticas, depois
acadêmicas e teóricas até explodir nas profundas e por vezes desconcertantes
reflexões existenciais. O caminho foi longo, 6 anos de graduação. Nesse
período, sonhos emergiram e sucumbiram, perguntas foram respondidas, mas
mais do que isso, perguntas surgiram! Sucumbiu a idéia ingênua de um estudo
de caso sobre uma escola, e emergiu a proposta de em vez de buscar
respostas, buscar perguntas. E é com esse sentimento que propus, a mim
mesmo, um exercício reflexivo, perguntador, sobre as idéias que me
trouxeram ao maravilhoso, esperançoso e ao mesmo tempo, desalentador
mundo da educação. Um estudo sobre as bases filosóficas da pedagogia
espírita se tornou imperativo para me situar teoricamente, para fazer emergir
da minha formação minha leitura sobre a educação e poder, daí, com bases
mais fixas, caminhar na dura, mas gratificante, estrada da docência. O
exercício proposto se justifica, pois a universidade me propôs refletir sobre
diversos aspectos da realidade, porém sempre sob o ponto de vista
materialista, com forte conotação histórico-social. Era preciso que eu pudesse
9
elaborar questões que fizessem aparecer, com certa maturidade, o conflito
entre o materialismo e o espiritualismo, presente na minha formação. Para tal
elegi a realização desse trabalho como parte dessa empreitada, mas destinado a
contrabalançar a formação teórico-ideológica que a universidade me
oportunizou. Durante o curso, durante a militância, priorizei, talvez por falta
de opção, a formação teórica materialista. Neste momento, recuperando a
função e a natureza de um trabalho de conclusão de curso, como um exercício
acadêmico-reflexivo sobre a minha formação, ganhou força a reflexão que
recuperasse a tradição filosófica espiritualista, que o século XIX relegou à
marginalidade acadêmica, ao misticismo dogmático das religiões antigas,
modernas e contemporâneas. Na verdade, o que pretendo fazer é reviver o
conflito histórico entre as pedagogias da essência e as pedagogias da
existência, mas para isso a necessidade de refletir sobre idéias pedagógicas que
remontam à minha formação espiritual ganhou força e característica de
problema de pesquisa, quando surgiu uma proposta pedagógica, defendida em
tese de doutorado na USP (INCONTRI, 2001), que se reivindica, mesmo
trabalhando com categorias das filosofias da essência, revolucionária, no
sentido em que, segundo seus defensores, conjugava a fé e a razão, numa
práxis pedagógica crítica (tanto para o lado materialista como para o lado
espiritualista) e proponente de uma educação para a transformação do ser
humano e do mundo.Veja-se que, diferente de outras propostas pedagógicas
como a católica, por exemplo, essa se coloca no campo que admite a
necessidade de mudar o mundo, resta-me no decorrer do estudo buscar a
confirmação dessa hipótese na prática com que essa teoria dialoga. Por isso
meu objetivo nesse trabalho não é o de ser apologista da Pedagogia Espírita,
mas dar voz a ela, a partir de seus autores/pesquisadores de referência e
procurar entender sua concepção de mundo, de educação, sua visão sobre os
momentos históricos em que se encontram suas raízes filosóficas, com o
intuito de contrapor à minha formação acadêmica, e poder melhor refletir
10
sobre minha prática. Acredito ainda que o presente estudo, incipiente, pode
contribuir para que outros façam o mesmo: Tomem conhecimento, com
maior amplitude possível, das diferentes teorias e concepções pedagógicas,
para com mais clareza epistemológica poder, pronunciar, parafraseando Paulo
Freire, a educação. É daqui que parte meu exercício reflexivo, que deve
buscar, não respostas, mas elementos para uma reflexão mais completa.
11
INTRODUÇÃO
Dora Incontri (2001) em sua tese de doutorado1 questiona os motivos
que levaram o Espiritismo, “uma corrente do pensamento francês do século
XIX, que provocou grande impacto social” (p. 16), à marginalidade dos estudos
acadêmicos, sendo abordada, quando muito, do ponto de vista antropológico,
como fenômeno social e raramente a partir de suas próprias idéias2.
No mesmo estudo a pesquisadora apresenta diversas personalidades
das ciências, das mais diversas áreas do conhecimento, que dispensaram
atenção ao estudo do espiritismo, dentre eles estariam: Arthur Conan Doyle
(1859-1930), célebre escritor inglês, pai de Sherlock Holmes, e autor da obra
“História do Espiritismo”3; o astrônomo Camille Flammarion (1842-1925)
fundador da Sociedade Astronômica da França; e o jovem biólogo Alfred
Russel Wallace, que apresentou simultaneamente com Darwin a Teoria da
Evolução na Sociedade Lineana de Londres em 1858, tendo divergido de
Darwin ao admitir a possibilidade de interferências não identificáveis nas
causas da evolução. Continua chamando a atenção para a omissão dessas
informações nas biografias e estudos sobre as idéias desses pensadores ainda
mais quando esses constituem referência em suas áreas.
O que teria provocado isso que parece um implícito e estranhopacto de silêncio, em torno de uma filosofia, que teve suaprojeção na Europa do século XIX e continua conquistandoadeptos, 150 anos depois? Ainda que fosse para criticá-la, porque não comentá-la? (ibidem, p. 21).
1 COLOMBO, Dora Alice (Dora Incontri). Pedagogia Espírita: Um projeto brasileiro e suas raízeshistórico-filosóficas. São Paulo, Feusp, 2001 (tese de doutorado).2 Exemplos dessa abordagem: CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira (org.). Católicos, protestantes,espíritas. Petrópolis, Ed. Vozes, 1973; CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira. Kardecismo e umbanda.São Paulo, Pioneira, 1961; CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. O mundo invisível. Rio deJaneiro, Zahar, 1983. (Apud INCONTRI, 2001, p. 11).3 DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. São Paulo, O Pensamento, 1960.
12
Ferro (1989), ao analisar o modo de produção das obras históricas,
demonstra que a história é produzida a partir de focos distintos de produção de
conhecimento. Ele analisa o historiador como subserviente a grupos e
instituições, tendo o Estado como a principal instituição, e de maior alcance. É
nesse sentido que os teóricos da Pedagogia Espírita questionam o
silenciamento das filosofias espiritualistas, sobretudo para com a doutrina
espírita, e a notoriedade de outras teorias, em geral de fundo materialista,
como o marxismo e o positivismo, ambos contemporâneos do Espiritismo.
Os teóricos dessa pedagogia defendem a Doutrina Espírita como
categoria de análise, como matriz teórico-metodológica para pesquisas
acadêmicas, para leitura do mundo e a resolução dos seus problemas. Nesse
sentido argumentam em favor do espiritismo, questionando o silêncio que
“paira” em torno dele, como corrente de pensamento e o confrontando com as
grandes correntes de pensamento do século XIX e XX.
Esse é o debate que a Pedagogia Espírita trava, no esforço de se
consolidar, enquanto teoria pedagógica, fundamentada na filosofia espírita da
educação que, por sua vez, está assentada sobre os pilares da Doutrina
Espírita.
Tomamos como pauta para essa reflexão as seguintes questões:
• O que vem a ser a pedagogia espírita?
• Quais são suas origens?
• Qual a sua concepção/visão de educação, de homem e de criança?
• Quais perspectivas podemos esperar, se aplicadas as suas
propostas?
13
Para o melhor entendimento do debate, faz-se necessário que
organizemos a exposição de forma lógica na tentativa de responder às
questões acima colocadas. É o que faremos nos seguintes capítulos.
No primeiro capítulo nosso objetivo foi contextualizar o Espiritismo, que é
a base fundamental da Pedagogia Espírita. Nele nos esforçamos para mostrar
brevemente o entendimento dos teóricos dessa pedagogia sobre o século XIX
e XX, destacando suas principais idéias, observando o que há de convergente
ou divergente entre elas e o espiritismo. Ao final, apresentamos um resumo do
espiritismo com o intuito de completar a tarefa proposta pelo capítulo.
A pauta do segundo capítulo foi o diálogo entre filosofia, ciência e
religião, proposto pela Doutrina Espírita, alertando para a especificidade de
cada conceito, e apresentando o entendimento dos espíritas sobre o tema.
No terceiro capítulo, o objetivo central foi caracterizar a pedagogia
espírita, seu conceito, origens, principais idéias e seu movimento.
Ao final do trabalho, nas considerações finais procuramos responder às
questões colocadas no início desse trabalho. Também fizemos um esforço
comparativo entre a pedagogia proposta pelo pedagogo polonês Bogdan
Suchodolski (1903-1992) e a Pedagogia Espírita. Para isso apresentamos uma
síntese da análise que o autor faz sobre o conflito histórico entre as
Pedagogias da Essência e as Pedagogias da Existência e a superação desse.
Procuramos, ainda, refletir sobre a perspectiva que a pedagogia Espírita teria
de ser uma alternativa a superação dessa antinomia, propondo ao final novas
questões que continuem esse debate.
14
CAPÍTULO IO CONTEXTO
1. O século XIX
Bigueto (2006), em sua dissertação de mestrado sobre o educador
espírita Eurípides Barsanulfo, defendida na Unicamp4, apresenta um
“panorama conjuntural do final do século XIX” (p. 3), no qual aponta para um
período caracterizado pelo otimismo originário dos ideais iluministas e da
Revolução Francesa de 1789. Dora Incontri, ao analisar esse século, com o
intuito de confrontar o espiritismo com seu contexto histórico-cultural, aponta no
mesmo sentido: “Por 200 anos, a civilização européia viveu um frenesi
entusiástico de idealismo progressista, (...), Tudo tem sabor de confiança, de
uma vontade aceita como possível de atingir dias mais radiantes para a
humanidade. (INCONTRI, 2004 p. 35)”.
Entretanto, esses dois pesquisadores admitem que em tal período, nem
tudo foi tão animador: “É verdade que, por outro lado, no século XIX, há
ressaibos de sombra e amargor (ibidem, p.37)”. Alessandro Bigueto diz:
“Havia pesadelos incômodos. Em meio à longa paz daqueleperíodo, havia um mal-estar, os críticos identificaram impulsospara a morte e para a guerra, na consciência individual ecoletiva. É possível localizar o tédio romântico, a afirmação daidentidade nacional à custa da destruição mútua e a sombrado ultramontanismo católico-romano. (BIGUETO, 2006 p.14)”.
Regis de Morais (2002), ao falar dos “caminhos e descaminhos do
século XIX”, em seu livro Educação e Espiritualidade, aborda a contradição do
período:
De um lado, formidáveis conquistas científicas e tecnológicas,bem como avanços artísticos, insuperáveis até hoje;
4 BIGUETO, Alessandro César. Euripedes Barsanulfo: um educador espírita na Primeira República.Campinas-SP, Faculdade de Educação da UNICAMP, 2006 (dissertação de mestrado).
15
surgimento de várias ciências vitais e consolidação dasCiências humanas. De outro lado, a lógica industrialista comseu empobrecimento de concepção de ser industrialistahumano e de valor da vida do homem, o acendramento dascompetições e da agressividade da vida social. Século degrandes realizações e de grandes equívocos. (MORAIS, 2002,p.23).
Poderíamos, segundo Alessandro Bigueto definir o esprit du temps
desse século:
“(...) resumindo-o em linhas gerais: 1) as idéias evolucionistas,2) a crença no progresso, 3) a época do cientificismo, 4) asteses utilitaristas, 5) a renovação religiosa, 6) astransformações políticas, econômicas e sociais, 7) a filosofiademocrática, 8) a filosofia liberal, 9) a filosofia positivista, 10)os movimentos sociais: socialistas, anarquistas e comunistas e11) os arraigados nacionalismos (BIGUETO, 2006, p.13)”.
A evolução era vista como uma lei natural e tinha um sentido, senão
determinado ou previsível, pelo menos pensável, inteligível. O indivíduo
transcendia em algo maior (sociedade, ciência). A ciência era capaz de
determinar a verdade. O Espiritismo era original quando considerava o
indivíduo devidamente, numa relação dialética com a sua metanarrativa, não o
diluindo na espiritualidade e nem a desconsiderando. (INCONTRI, 2004)
A equação “fé/razão” foi muito debatida no período em questão. A regra
era romper com qualquer resquício da Idade Média, e se essa fora dominada
pela Igreja, pela revelação divina e pela figura de Deus no centro de qualquer
sofrimento ou melhora, o século que nascia deveria ser voltado para a razão,
para as descobertas científicas, advindas da observação da natureza sem
qualquer interferência sobrenatural, e como vimos anteriormente, o homem
tomava de Deus as rédeas da humanidade e a galope seguia rumo à
felicidade, sendo ele o agente de transformação. Vejamos o que Dora incontri
diz sobre o cientificismo nascente:
16
“O método científico, constituído a partir do Renascimento,propõe-se desvendar a estrutura da realidade e estedesvendamento produz ações. A tecnologia, cujos primórdiosde desenvolvimento remontam à Revolução Industrial, é oresultado prático da ciência e portanto um indício evidentepara a mentalidade da época de que o progresso não terialimites e poderia realizar os sonhos humanos. (INCONTRI,2006, p.40).
O espiritismo não fugia à crítica aos sistemas religiosos do passado,
porém o fazia sem negar a essência espiritual do homem, como fizeram a
maioria das correntes de pensamento do “século dos materialismos”. Sobre
essa questão Dora Incontri nos alerta: “O contexto histórico ocidental, porém,
tornava sinônimos religião e Cristianismo e este, num certo sentido, visto como
Igreja Católica. Aliás, o próprio absolutismo desta determinara tal concepção.
(INCONTRI, 2004, p.44)”. Kardec, na contramão, das teorias materialistas e da
ortodoxia católica, propunha revitalizar a pureza inicial do Cristianismo, sem
cultos exteriores, sacerdócio, liturgias ou organização institucional. Desse
modo, o pedagogo se manifestou, ao mesmo tempo recusando e apontando o
caráter religioso, cristão dessa doutrina:
“Assim, pois, o Espiritismo se fundamenta em princípios geraisindependentes de toda questão dogmática. É verdade que eletem conseqüências morais, como todas as ciências filosóficas.Suas conseqüências são no sentido do Cristianismo. (...) OEspiritismo não é, pois uma religião. Do contrário, teria seuculto, seus templos, seus ministros. Sem dúvida cada um podetransformar suas opiniões numa religião, interpretar à vontadeas religiões conhecidas; mas daí à constituição de uma novaIgreja há uma grande distância e penso seria imprudenteseguir tal idéia. (KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 149. ApudINCONTRI, 2004, p. 60)”.
Entretanto, o espiritismo não tem exclusividade nesse movimento,
voltado para um Cristianismo tradicional não ortodoxo. Ao longo dos tempos
foram vários os movimentos e pensadores que tentaram reviver o cristianismo
17
original, opondo-se ao catolicismo e ao protestantismo tradicionais, como foi o
caso do movimento franciscano. (INCONTRI, 2004).
Entretanto, essa visão espiritualista crítica, que buscava suas raízes na
religião natural de Rousseau e Pestalozzi, no Pietismo inicial, no hussismo5 dos
Morávios e é claro no Cristianismo original não foi regra no chamado século
das luzes. Na esteira da negação ao velho representado pela Igreja e pelo
regime sócio-político-econômico da Idade Média, as correntes de pensamento
assumiram uma postura antiespiritualista, admitindo para leituras legítimas do
mundo exclusivamente pressupostos materialistas e ateus.
Desde Comte, que defendia a superação dos estados fetichista e
metafísico pelo estado positivo6, passando por Marx & Engels, defensores da
idéia de que a religião era mais um instrumento de dominação, a ser extirpado
na ditadura do proletariado, rumo ao comunismo; por Nietzsche que decretou a
morte de Deus, até chegar em Freud, que pregou em “O futuro de uma ilusão”
a religião como criação psicológica do homem diante do mundo, confirmando
as influências no século XX da onda materialista do século XIX, percebemos o
esforço em atrelar qualquer pensamento espiritualista ao conservadorismo, à
alienação e até mesmo a um delírio coletivo.
Sobre a querela entre espiritualismo e materialismo Bigueto tenta
demonstrar que:
“Apesar de, historicamente, o ateísmo ter se disseminadocultural e socialmente, deixando de ser uma convicção depoucos, as profecias do fim da religião e do espiritualismo nãose concretizaram. As experiências religiosas cresceram, nãohouve uma dissolução da transcendência e a idéia de Deusnão morreu. Ao contrário, paradoxalmente, o fenômeno
5 Refere-se aos descendentes de Jan Huss, antigo Reitor da Universidade de Praga queimado vivo pelainquisição em 1415, que fundaram um movimento inserido na Reforma, da qual Comenius era integrante.6 É curioso e pertinente lembrar que Augusto Comte, pai do Positivismo criou uma espécie de religião dahumanidade, onde encontramos hierarquia, ritos e sacerdotes.
18
espiritual e religioso continuou vivo e fecundo”. (BIGUETO,2006, p. 16-17).
Remonta aos ideias do líder socialista francês Jean Jaurès (1859-1914),
para alertar que o espiritualismo ainda era vivo nas idéias sociais do século XIX
e ao caráter essencialmente espiritualista da filosofia de Sócrates e Platão,
fazendo coro com Herculano Pires7, ao defender que historicamente
encontramos a tendência e tradição filosóficas no campo do espiritualismo. E
continua afirmando:
“(...) as previsões dos profetas materialistas foramcontrariadas. Para muitos, isso pode comprovar o quanto o serhumano é religioso. A secularização, não conseguindo acabarcom a religião, sem querer deu mostras da sua importância, danecessidade e da naturalidade da dimensão espiritual dohomem. A grande maioria da humanidade continuoureligiosa”.(ibidem, p. 18).
Como vimos, os teóricos da Pedagogia Espírita buscam demonstrar a
contemporaneidade do espiritismo com as grandes corrente de pensamento
surgidas no século XIX, defendendo a tese de que na tradição filosófica
espiritualista podem-se encontrar visões de mundo críticas, abrindo então o
debate, antes considerado fechado pelos materialistas.
2. O século XX
As correntes do século XX encontram suas raízes no século XIX, “como
oposição ao evolucionismo otimista e o cientificismo racionalista”. (INCONTRI,
2004, p.63), segundo a pesquisadora Dora Incontri, esse século é
caracterizado pela nadificação de tudo. Ela atribui essa tendência ao próprio
contexto totalizante do século anterior:
7 PIRES, Herculano. O espírito e o tempo. São Paulo, Pensamento, 1964, p. 165-166.
19
“Se o inchaço do espírito e do coletivo social sugere a reaçãodo singular e do individual de um Kierkegaard e de umNietzsche, projetando-se para o século XX no domínio dosubjetivismo, aquela absorção do ser individual no todo ohavia esvaziado de essência e quando se reafirma o indivíduo,já ele não tem mais substância alguma. Primeiro se nadificaperante o todo, depois se nadifica na solidão e na angústiaexistencial, suspenso no vácuo da perda de todos osparâmetros que o sustentavam”. (ibidem, p.64).
Adiante continua: “A dilatação da razão até o limite do irracional é que
prepara o irracionalismo desenfreado de Nietzsche, envenenando a filosofia do
século XX de uma desconfiança na racionalidade”. (ibidem, 65).
Morais (2002) em seu intrigante ensaio “Das orgias materialistas do
século XIX às orgias místicas do século XX” em que discorre sobre o
movimento pendular das correntes de pensamento desse período, defende a
idéia de que o século passado foi herdeiro “das conquistas e dos equívocos
estagnantes do oitocentos” (p.24).
Poderíamos caracterizar esse período, principalmente a segunda
metade, como o da descrença em qualquer tipo de metarrelato, de qualquer
verdade ou parâmetro. Tudo vira jogo de linguagem. Está estabelecido um
vazio ético.
“Fragmentação do sujeito, nadificação da verdade, ausênciade sentido, ininteligibilidade das coisas, irracionalidade dodiscurso – esses são os traços predominantes do século XX,sem aparentes perspectivas de qualquer segurança ouconforto no limiar do século XXI. Tudo isso, evidentemente,gerou uma crise de valores, sem precedentes na história dahumanidade”.(INCONTRI, 2004, p. 71).
São nas teses pós-modernas que vamos encontrar a origem dessas
idéias. Como bem nos demonstra Eagleton: “Pós-modernidade é um
pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade
e objetividade, a idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas
20
únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos da explicação”.
(Eagleton, 1999, Apud Freitas, 2005, p. 13).
Luiz Carlos de Freitas (2005) argumenta que o pós-modernismo serve à
causa liberal-conservadora, tornando o entendimento do mundo uma questão
local, individual. Alerta ainda, que “nem mesmo a crítica do moderno, já
acumulada ao longo da própria modernidade, é levada em conta. É como se a
história tivesse começado agora, (...), é como se ela não fosse relevante para o
presente...” (p.14).
Na esteira de seu pensamento, Freitas se preocupa com as
conseqüências de tais teses: “A regra tem sido a insegurança, o consumismo,
a competição, a virtualização das relações, a aceleração de todos os tempos,
até a instantaneidade da extraterritorialização do celular. Parecera que não há
futuro”.(ibidem, p. 91). Sobre os efeitos dos ventos pós-modernos Dora Incontri
diz:
“Em nossa democracia moderna, em que pese a aparentevalorização da escolha individual o indivíduo na realidade nãoé. Não é, por que as filosofias contemporâneas vivemapregoando o ser e o nada, mas também porque ele se fazresultante de uma modelação ideológica, empreendida pelamídia, a serviço de uma economia capitalista”. (INCONTRI,2004, p.65).
Esses trechos demonstram que o interesse nas conseqüências filosóficas,
que têm reverberações sociais e políticas, não é exclusividade dos espíritas.
Embora partam de lugares diferentes e estejam em campos teóricos opostos
aos dos espíritas, os próprios marxistas alertam para a dificuldade de se definir
o que é justo ou injusto nos tempos atuais (NANDA, 1999, Apud Freitas, 2005).
Para os espíritas o que está em jogo é a substituição do “homem-sujeito
autônomo, livre, responsável, pelo homem-corpo, homen-animal, puro instinto
21
ou ainda homem desejo”. Incontri defende a tese de que a origem da ética
universal, ”com todo seu cortejo de liberdade, consciência, igualdade”, está na
assunção do espírito e de sua transcendência.
Abolido o espírito ou quaisquer resquícios dele (que os havia,mesmo inconscientemente em doutrinas materialistas doséculo XIX), sobrou a corporeidade, a única instânciaexistencial, a única realidade tangível. O que é o homem semespírito? Um animal determinado pela genética, feito pelomeio, moldado pelas circunstâncias, porque a únicapossibilidade de ser de fato é de ser que transcende.(INCONTRI, 2004, p.73).
Kardec (1993), já apontava, na segunda metade do século XIX as
conseqüências da doutrina que propõe ao homem, nada existir, antes da vida e
nada existir depois da morte:
“O homem, não sendo senão matéria, não há de real e deinvejável senão os gozos materiais; as afeições morais nãotem futuro; os laços morais são quebrados sem retorno namorte; as misérias da vida são sem compensação; o suicídiotorna-se o fim racional e lógico da existência, quando ossofrimentos são sem esperança de melhora; é inútil se imporum constrangimento para vencer seus maus pendores; viverpara si o melhor possível, enquanto estiver aqui; (...) O bem eo mal são coisas de convenção; o freio social é reduzido aopoder material da lei civil”. (ibidem, p.190).
De fato, se observarmos o noticiário televisivo, on-line ou impresso,
perceberemos que a atualidade está imersa na violência e no total desrespeito
à vida, sem qualquer tipo de parâmetro que possa frear esse estado de coisas.
Desde a decisão dos Estados Unidos de invadir o Iraque e o Afeganistão,
passando por cima das decisões da ONU, baseados em argumentos forjados e
motivados por interesses puramente econômicos, passando pelos assassinatos
em massa cometidos por adolescentes desequilibrados aqui e ali, pelo alto
consumo de drogas (lícitas e ilícitas) praticado pela juventude, em boa medida,
de alto padrão aquisitivo e cultural, até chegar à realidade mais cotidiana, na
22
escola, na família ou no trabalho, o que vemos é a confirmação das
preocupações acima expostas.
3. O que é o Espiritismo?
O Espiritismo é uma doutrina que surgiu na segunda metade do
efervescente século XIX. Teve seu marco inicial em 18 de abril de 1857,
quando o pedagogo francês Hippolyte Leon Denizard Rivail (1804-1869), sob o
pseudônimo de Allan Kardec lançou “O Livro dos Espíritos”. Nesse livro, o autor
colocava-se como organizador de idéias apresentadas por inteligências
metafísicas, através de um processo psíquico chamado por ele de
mediunidade. Tais inteligências, a observação veio demonstrar, eram espíritos
de homens desencarnados, ou seja, sem corpo, ou ainda, para usar um termo
de entendimento universal, mortos.
Os espíritos comunicavam-se com o mundo dos vivos através da
mediunidade, que consiste na mediação entre os mundos material e espiritual,
em que o espírito utiliza-se do corpo físico de uma pessoa viva para comunicar-
se com as demais. A partir desse processo psíquico, respondiam perguntas
elaboradas por Kardec e seu grupo. As respostas foram compiladas, estudadas
e comparadas com outras, obtidas por processos semelhantes em diversas
partes do mundo e enviadas a Kardec por carta. As que demonstravam o
mesmo conteúdo em diversas partes do planeta, coerência e lógica com as
demais repostas (afinal, uma afirmação não poderia contradizer a outra) e
fundamentação eram tomadas como repostas corretas e constituintes dessa
doutrina dos espíritos, designada Espiritismo pelo seu codificador, como queria
ser chamado Allan Kardec.
23
“Agi, pois, com os espíritos, como o teria feito com os homens;foram para mim, desde o menor ao maior, meios de meinformar, e não reveladores predestinados.Tais foram adisposições com as quais empreendi, e sempre persegui osmeus estudos espíritas; observar, comparar e julgar, tal foi aregra constante que segui”. (KARDEC, 1993, p. 260).
O processo, que culminou no surgimento do espiritismo teve início no
final da década de 1840, quando fenômenos considerados paranormais foram
descritos no interior dos Estados Unidos e na Europa. Mais tarde, tais
fenômenos fizeram-se comuns, sendo atração nas rodas sociais parisienses,
que se divertiam com as tais “mesas-girantes”8. Foi em uma dessas reuniões
que o pedagogo Denizard Rivail, desconfiado, teve o primeiro contato com o
Espiritismo. E diante do fato das mesas responderem questões inteligentes,
terem vontade própria, humor e, à primeira vista não serem animadas por
ninguém que pudesse manipular seu comportamento, Rivail pôs-se a estudar o
fenômeno.
“Esse movimento era lógico, eu concebia a possibilidade domovimento por uma força mecânica, mas, ignorado a coisa e alei do fenômeno, parecia-me absurdo atribuir inteligência a umacoisa puramente material. Estava na posição dos incrédulos denossos dias que negam porque não vêem senão um fato doqual não se dão conta Há 50 anos, se tivessem dito, pura esimplesmente, a alguém que se podia transmitir um despacho a500 léguas, e receber-lhe a resposta em uma hora, se vos ririana cara, não teriam faltado excelentes razões científicas paraprovar que a coisa era materialmente impossível. Hoje, quandoa lei da eletricidade é conhecida, isso não espanta ninguém,mesmo os camponeses. Ocorre o mesmo com os fenômenosespíritas; para quem não conhece as leis que o regem, parecemsobrenaturais, maravilhosos, e, por conseqüência, impossíveise ridículos; uma vez conhecida a lei, o maravilhoso desaparece;a coisa nada mais tem que repugne à razão, porque se lhecompreende a possibilidade”. (KARDEC, 1993, p. 256-257).
8 O fenômeno das mesas girantes virou atração comum nas reuniões da sociedade parisiense no início dosanos de 1850. Basicamente tratava-se de reuniões em que as mesas se debatiam, se movimentavam emmeio às pessoas, que se divertiam muito. Pelo fato das mesas movimentarem-se pelo salão, respondendoperguntas ou demonstrando seu humor esse fenômeno ficou assim conhecido.
24
Membro de várias sociedades científicas9, professor e autor de livros
pedagógicos e didáticos, dentre eles: “Plano proposto para a melhoria da
instituição pública (1928), Curso prático e teórico de aritmética, segundo o
método Pestalozzi, para uso dos professores primários e das mães de família
(1829), (...) Ditado normal dos exames da prefeitura e da Sorbonne (1849)”.
(Revista Espírita, maio 1869), esse último muito utilizado na época de sua
publicação, Rivail, foi rigoroso em seu estudo, aplicando um método
investigativo minucioso.
“Apliquei a essa nova ciência, como fizera até então, o métododa experimentação; jamais ocasionei teorias preconcebidas:observava atentamente, comparava, deduzia as conseqüências;dos efeitos procurava remontar às causas, pela dedução e oencadeamento lógico dos fatos, não admitindo uma explicaçãocomo válida senão quando podia resolver todas as dificuldadesda questão. Foi assim que sempre precedi em meus trabalhosanteriores, desde a idade de 15 a 16 anos. (...) seria preciso,pois, agir com circunspecção, e não levianamente; ser positivonão idealista, para não se deixar iludir”.(KARDEC, 1993, p.259).
Segundo Incontri (2004), essas palavras demonstram que Kardec
pensava a Pedagogia como uma ciência, assim como seu mestre, Pestalozzi.
A autora alerta, ainda, para a herança iluminista do educador francês, com a
qual “partia para a pesquisa dos fenômenos em vista, já que é impossível, (...),
interpretar qualquer fenômeno sem um referencial teórico” (p. 27). Contudo,
mostra a honestidade de Kardec em se dedicar à pesquisa desses fenômenos
sem pré-conceitos.
Herculano Pires (1957) em texto escrito por conta das comemorações de
100 anos da publicação de “O livro dos Espíritos” analisa o conjunto dessa obra
e sua importância para a doutrina espírita e para o mundo moderno. Nessa
9 Destaca-se sua presença na Academie Royale d’Arras, que em concurso realizado no ano de 1831premiou a dissertação “Qual é o sistema de estudos mais em harmonia com as necessidade da época?”
25
análise, Pires demonstra que as demais obras básicas dessa doutrina partem
do seu conteúdo, colocando-o não só como marco inicial do espiritismo ou sua
pedra fundamental, mas como “(...) seu núcleo central, e ao mesmo tempo
arcabouço geral da doutrina, (...) seu verdadeiro tratado filosófico” (idem).
O livro dos Espíritos lançou as bases de uma doutrina complexa,
multifacetada, porém simples, de fácil entendimento10, que responde grandes
questões existenciais do ser humano11. Essas respostas têm como base de
sustentação o processo do qual foram resultadas, que pode ser repetido por
qualquer pessoa, e, tomadas às precauções inerentes a qualquer método
experimental, tirar a contraprova. Como fez o químico e físico inglês, prêmio
Nobel de química (1907) Sir William Crookes (1832-1919), quando contratado
pela corte inglesa para desmistificar o espiritismo, e em uma série de
experimentos, constatou a veracidade dos fenômenos espíritas. Os resultados
de sua pesquisa foram publicados no livro Fatos Espíritas (FEB, 1991).
Essas são faces de dois aspectos do Espiritismo, o filosófico e o
científico, que conjugados têm conseqüências morais, constitui uma ética. Da
conjugação desses dois aspectos com aquele que lhe é conseqüência, temos
o tripé da doutrina dos espíritos: filosofia, ciência e religião. Para entender
melhor essa questão, dedicaremos um capítulo do nosso trabalho ao proposto
diálogo. É o que segue.
escrita pelo educador Denizard Rivail.10 O Livro dos Espíritos (OLE) foi publicado em Francês popular, sem preocupações técnicas dalinguagem e exposição filosóficas, para o entendimento de todos.11 Por exemplo, questões relativas à continuidade evolutiva da vida, à origem e destino do homem, douniverso, imortalidade da alma, desigualdade de aptidões, riquezas.
26
CAPÍTULO IIDIÁLOGOS ENTRE FILOSOFIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO...
Esse capítulo tem por objetivo, apresentar a proposta espírita de diálogo
entre filosofia, ciência e religião. Reconhecemos a importância e pertinência de
um debate mais demorado e meticuloso sobre o assunto, porém não teremos
espaço nesse trabalho para essa tarefa, devido a sua própria natureza, de
TCC, e ainda a necessidade de nos concentrarmos no recorte que optamos
fazer. O debate é denso e requer, quem sabe, um trabalho específico. Para
nós é importante, no contexto dessa reflexão, uma vez que tratamos, ora de
maneira direta, ora como pano de fundo, de conceitos de ciência, filosofia e
religião.
Como apontamos no capítulo anterior, o Espiritismo propõe um diálogo
entre a filosofia, a ciência e a religião. Pudemos perceber isso em “O Livro dos
Espíritos” e mais tarde na demais obras consideradas básicas pelos adeptos
dessa corrente de pensamento. Vejamos o que Chibeni diz sobre tal
abordagem:
“Se pensarmos no Espiritismo em termos de filosofia, será umafilosofia apoiada em bases científicas, e que tem como um dosobjetivos centrais o estudo das questões morais. Se pensarmosem termos de ciência, não será uma pesquisa seca, quesimplesmente constate e sistematize fatos, mas de umainvestigação de longo alcance sobre um objeto de fundamentalimportância, o elemento espiritual. Essa ciência complementa,pois, as ciências acadêmicas, cujo objeto de estudo é oelemento material. E, pela própria natureza de seu objeto deestudo, a ciência espírita necessariamente diz respeito a tópicosgenuinamente filosóficos, dentre os quais ressalta, por suaimportância prática, aqueles referentes à moral” (CHIBENI,2003).
Kardec afirma:
O Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação euma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas
27
relações que se podem estabelecer com os Espíritos; comofilosofia, ele compreende todas as conseqüências morais quedecorrem dessas relações. (KARDEC, 1959).12
Os trechos transcritos explicitam a tese de indissociabilidade entre
filosofia, ciência e religião proposta pelo Espiritismo. Entretanto, é preciso
alertar para a especificidade desses conceitos. A doutrina dos espíritos é
apresentada por Allan Kardec de forma a não se confundir nenhum deles com
os até então utilizados.
A ciência espírita possui objeto e método próprios, não podendo ser
adaptada às metodologias das ciências materialistas como vimos em Chibeni.
Sua contribuição capital é a conjugação entre fé e razão, na aplicação do
método experimental às coisas metafísicas. A filosofia espírita, isenta de
“prejuízos de sistema”, é uma filosofia racional, que tem seus fundamentos na
imortalidade da alma, evidenciada pela mediunidade:
“A metafísica torna-se pois um pressuposto dado pela ciênciaespírita e o desdobramento filosófico se dá pela discussãoracional, construindo-se a coerência interna da doutrina. Afilosofia espírita alimenta-se ao mesmo tempo dos fenômenosestudados pela ciência espírita e do ensinamento dado pelosespíritos desencarnados (...)” (INCONTRI, 2004, p.29).
A religião espírita talvez seja o aspecto que mais tem suas diferenças
fundamentais enfatizadas, em relação ao conceito a si atribuído. Kardec era
defensor da religião natural, uma religião sem sacerdotes, sem igrejas, liturgias
ou hierarquias, de caráter interior. Enorme foi a ênfase que ele deu, em seus
escritos, à crítica dos sistemas religiosos tradicionais, protestantes ou
católicos. Características como o controle universal do ensino dos espíritos
distingue de forma capital o espiritismo das religiões tradicionais, baseadas na
12 KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. 1959.
28
revelação de um só profeta. O espiritismo é ainda “uma revelação religiosa, por
que pela mediunidade, os espíritos propõem teorias teológicas e morais e
filosóficas e cosmológicas” (ibidem, p. 30).
Embora seja consenso, no movimento espírita, que o Espiritismo propõe
com sucesso o diálogo entre filosofia, ciência e religião, o mesmo não
aconcetece quando o assunto é pesquisa acadêmica. Pesquisadores espíritas,
reconhecidos no meio universitário em suas áreas de conhecimento,
consideram que, embora seja uma ciência e uma filosofia, o espiritismo não
deve servir de base para pesquisas acadêmicas. Essa tendência encontra
fundamentos no entendimento de que a academia moderna é local privilegiado
das ciências de fundo materialista, sobretudo o positivismo, que superou o
pensamento teológico predominante nas universidades na Idade Média. Sobre
isso, Chagas, no texto “Espiritismo na academia?” apresenta um “passeio
histórico” remontando à origem da academia e das universidades, no qual
analisa a situação destas em relação às correntes de pensamento:
“Certas disputas de cátedras tornaram-se célebres. Opositivismo conquistou maiores posições e no início do século(após a 1ª Guerra mundial), parece ter havido um armistício.Surgiu uma terceira força neste embate: o marxismo, que seinstalou oficialmente na recém-criada União Soviética. Asituação atual nos países ocidentais, onde nos incluímos, énítida a predominância ideológica do positivismo, com algunsbolsões teologias (católicos ou protestantes), todos vivendouma aparente coexistência pacífica. O marxismo, apesar demuito difundido, poucas vezes ameaçou o poder daacademia” (CHAGAS, 1994, p. 21-22).
Outra tendência, na qual a pedagogia espírita está inserida, vê no
espiritismo uma matriz teórico-metodológica que deve servir de base para
pesquisas acadêmicas, como já foi mencionado nesse trabalho. Para a defesa
(http://www.espirito.org.br/portal/codificacao/oq/index.html)
29
de tal empreendimento, seus adeptos recorrem, assim como seus opositores,
à história da universidade, considerando essa como espaço privilegiado,
imprescindível para as transformações.
“A universidade é uma das belas heranças que o final daIdade Média nos deixou. Os séculos XII e XIII, que viram seuinício, foram palco das mudanças sociais, culturais e políticas,que desembocariam no Renascimento. Aliás, o século XII éconsiderado como a primeira etapa do movimento que tomariamais tarde esse nome.” (INCONTRI, 2003).
Também a universidade brasileira é objeto de análise do artigo. A autora
alerta para o fato do Brasil somente fundar sua primeira universidade na
década de 1930, quando praticamente em todos os países da América Latina
já havia Universidades que contavam pelo menos 100 anos. Esse fato
constitui, segundo Incontri, uma das causas para a falta de originalidade (Salvo
Darcy Ribeiro e Sergio Buarque de Holanda) da academia brasileira e para o
colonialismo intelectual predominante.
Para Incontri o espiritismo entendido como “método de conhecer” ,
como um novo paradigma, constitui valiosa possibilidade de contribuição
original brasileira para a filosofia e a ciência.
“E essa originalidade pode ser uma contribuição espírita àcultura brasileira e, ao mesmo tempo, uma contribuiçãobrasileira à cultura internacional. Mas ela precisa serconstruída. Está implícita em Kardec, mas longe de estaraplicada (com todas as suas articulações) nas várias áreas doconhecimento. E essa construção só pode ser feita nauniversidade.” (idem)
No fundo dessa divergência encontramos entendimentos opostos sobre
a academia e sobre a universidade. O que constitui, de certa forma,
divergências sobre o próprio conceito de ciência. Entretanto, é lugar comum
entre essas duas visões que o Espiritismo constitui uma ciência, específica,
com método e objeto próprios, e que dele emerge um novo paradigma.
30
Para superar essa querela, é importante que seja realizada uma
pesquisa de fôlego, que debata as raízes epistemológicas espíritas,
confrontando com o debate teórico mais geral sobre teoria do conhecimento e
epistemologia, bem como reflita sobre a história e a natureza da universidade e
da academia, continuando o trabalho iniciado por Dora Incontri (2001, 2003,
2004), já citada aqui, os estudos de Chibeni sobre a cientificidade do
espiritismo (1988, 1990, 1994, 2003) e de Chagas (1987, 1994, 1995).
31
CAPÍTULO IIIA PEDAGOGIA ESPÍRITA
Imperioso para o correto entendimento sobre a Pedagogia Espírita, sem
os prejuízos de conceitos pré-estabelecidos, é o entendimento de que essa
teoria pedagógica está inserida na tradição filosófica ocidental espiritualista e
se afirma a partir da emersão de um novo paradigma, o paradigma do espírito,
a partir do qual é possível uma releitura dessa tradição filosófica ocidental.
O paradigma do espírito, segundo Incontri, tem se constituído há 2500
anos como projeto de emancipação humana, e remonta a Sócrates e Platão,
passando por Cristo, Comenius, Rousseau e Pestalozzi, até chegar a Kardec,
quando fica explícito, a partir de uma experimentação positiva fundamentada,
conceitos como imortalidade da alma e reencarnação, até então intuitivos na
obra e prática dos seus precursores (INCONTRI, 2001.)
Assim Incontri (2001) resumiu os principais pontos desse paradigma: 1)
Entendimento de Jesus fora dos padrões míticos que o têm cercado; 2)
afirmação do sujeito autônomo e livre; 3) segura racionalidade, aliada a fé sem
fanatismos; 4) proposição de uma educação humana, que faça brotar as
potencialidades do homem e o conduza à felicidade individual e coletiva; 5)
busca de um conhecimento verdadeiro e manifestação da crença na ação
transformadora do homem.(p. 110).
Outro ponto, não menos importante, é considerar que a proposta da
pedagogia espírita se contextualiza numa dualidade do movimento espírita
brasileiro. No qual encontramos duas tendências bem definidas uma que dá
mais atenção ao aspecto religioso, assistencialista e institucional, da doutrina,
imprimindo no espiritismo um caráter conservador; outra que entende esse
32
como um projeto pedagógico-cultural, progressista, com claras contribuições
para a transformação da humanidade. Incontri caracteriza bem tais tendências,
identificando na segunda a Pedagogia Espírita:
“A primeira reduz a questão educacional espírita aos centros,com cursos internos para adultos sobre Espiritismo e achamada ‘evangelização’ das crianças — cujo nome já indicao caráter predominantemente religioso e mesmo catequético.A segunda propugna pela criação de escolas, centrosculturais, universidades espíritas, sem caráter sec tário .Numericamente, a primeira tendência é maior, porquepossivelmente arraigada na mentalidade brasileira, poucoafeita às questões culturais e pedagógicas. A segunda, porém,apresenta muito maior consistência teórica e já tem semanifestado em experiências práticas e ensaios teóricos”.(INCONTRI, 2001, p. 209).13
Não nos interessa aqui fazer um estudo detalhado sobre as experiências
pedagógicas espíritas, interessa-nos captar o que vem a ser essa pedagogia,
traçando seus princípios e conseqüências práticas, por isso vamos nos ater em
apenas citar tais experiências a fim de situar o leitor, e poder melhor responder
nossas questões norteadoras.14
3.1 - Os Precursores:
A pedagogia espírita nasce, segundo Dora incontri, da prática
pedagógica inovadora de educadores espíritas brasileiros que produziram,
fundamentados no Espiritismo, uma práxis significativamente diferenciada da
educação tradicional. “Pode uma escola não alcançar a prática integral de
todos os princípios pedagógicos espíritas. Mas não basta uma escola
autodemoninar-se espírita, para se inserir no quadro desta Pedagogia”.(ibidem,
p. 211 – nota 375). São eles: A carioca de nascimento e paulista radicada
13 Grifos meus.
33
Anália Franco, os mineiros Eurípedes Barsanulfo e Tomás Novelino, o paulista
interiorano Herculano Pires, Pedro Camargo e o paranaense Ney Lobo.
Anália Franco (1853-1919) foi feminista, republicana, abolicionista e
espírita, numa época que a regra era ser escravocrata, machista, monarquista
e católico. A sociedade brasileira se organizava por esses quatros últimos
pilares, sendo de extrema coragem a postura dessa professora paulista, que
acolheu, numa casa alugada com recursos próprios, crianças negras, “filhos e
filhas” da Lei do Ventre Livre, fazendo assim sua primeira Casa Maternal
(INCONTRI, 2001).
Com apoios da Maçonaria, de companheiros espíritas e de outras
mulheres funda, em 1901, a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, que
constitui creches e asilos por todo estado de São Paulo com os seguintes
objetivos:
“1º recolher as mulheres pobres, com ou sem filhos, quese acham ao desamparo; 2º meninas órfãs ou filhas depais inválidos; 3º meninos com suas mães, até 8 anos; 4ºos filhos de mães operárias de 2 anos para cima; 5º criaraulas de instrução primária, secundária e profissional,diurnas e noturnas, para as asiladas ou não; 6º criarsecções especiais para enfermeiras (sic) e mulheresarrependidas (sic).”(FRANCO, 1903. p.5. ApudINCONTRI, 2001)15
Anália Franco é considerada uma representação fiel da mulher
defendida e anunciada por Kardec, no Livro dos Espíritos:.
“A lei humana, para ser justa, deve consagrar a igualdade dedireitos entre o homem e a mulher; todo privilégio concedido aum ou a outro é contrário à justiça. A emancipação da mulhersegue o processo de civilização, sua escravização marchacom a barbárie. Os sexos, aliás, só existem na organização
14 Para uma visão mais detalhada veja: COLOMBO, Dora Alice (Dora Incontri). Pedagogia Espírita: Umprojeto brasileiro e suas raízes histórico-filosóficas. São Paulo, Feusp, 2001 (tese de doutorado).15 FRANCO, Anália. Escholas maternaes. In: A Vóz Maternal, São Paulo, I (1), 1º/12/1903, p. 5.Apud INCONTRI, 2001.
34
física, pois os Espíritos podem tomar um e outro, não havendodiferenças entre eles a esse respeito. Por conseguinte, devemgozar dos mesmos direitos”.(KARDEC, DATA, p. XXX).
Segundo Incontri, Anália Franco tinha uma prática educativa que se
distanciava de qualquer proselitismo ou doutrinação. Mesmo sendo espírita
confessa, Anália não ensinava espiritismo em suas creches e asilos. “Incentiva,
porém, uma religiosidade ecumênica, despertando entre os alunos alguns
conceitos comuns a todas as crenças: a oração, a imortalidade da alma, a
veneração a Deus, a fraternidade humana”. (INCONTRI, 2001, p.229). O que
estaria em pleno acordo com o Espiritismo e indo ao encontro de outras
experiências educacionais espíritas.
Assim Dora Incontri sintetiza a contribuição dessa educadora, mulher
ativista da transformação social:
“A obra abrangente de Anália Franco indica que faz parte dospostulados espíritas uma visão social transformadora,alavancada pela educação, com claras conotações igualitáriase democráticas. Liberdade de pensamento, valorização damulher, respeito às diversidades religiosas e étnicas — todosesses são elementos espíritas encontrados na ação de Anália.Do ponto de vista de sua prática pedagógica, a presençadesses elementos mais as heranças pestalozzianas,fröbelianas e francesas apontadas revelam avanço em relaçãoao tradicionalismo da época”.(Ibidem, p. 234-235)
Eurípedes Barsanulfo (1880-1918), é considerado o primeiro a organizar
uma escola espírita que atendesse ao critério citado. Em 1907, ele funda o
Colégio Allan Kardec, na cidade mineira de Sacramento. Num período em que
era comuns castigos físicos e recompensas, educação diferenciada e separada
para meninos e meninas, Eurípedes aboliu os castigos, as recompensas e
montou classes mistas, suscitando movimentos contrários ao seu colégio. Isso
35
para ficar somente em questões de clara percepção. Assim Bigueto descreve o
Colégio Allan Kardec:
“A escola era particular, gratuita e sem fins lucrativos. Iniciousuas atividades com umas 80 crianças de ambos os sexos epretendia contribuir na valorização da infância, despertar osentimento do bem e a vontade de conhecer. Desde o início,Eurípedes compreendia que o problema educacional ia alémdo mero aprender a ler, contar e escrever. Distanciava-setambém das idéias coercitivas que vigoravam na educação eprocurou substituir práticas pedagógicas tradicionais por umensino cooperativo, adotando métodos que incentivavam aação, a liberdade, a investigação. A experiência do colégioAllan Kardec tinha a intenção de negar a escola livresca,autoritária e distante da realidade. Ao contrário, pretendia criaruma nova forma de lidar com os alunos considerando seusinteresses, necessidades, vivências, promovendo a educaçãointelectual, física e moral.” (BIGUETO, 2006, p.152).
O autor demonstra em sua dissertação de mestrado, Eurípedes
Barsanulfo, um educador espírita na primeira república (2006), a proximidade
das propostas de Eurípedes com as defendidas e praticadas por Pestalozzi em
Stans e Yverdon, de uma práxis espiritualizada, preocupada em formar o ser
humano na sua integralidade, respeitando e criando condições para o
desenvolvimento individual do educando.
Tomás Novelino (1901-2000), motivado pela expulsão de um aluno, de
uma pequena escola de Franca, dirigida por um ex-seminarista, pelo fato do
menino ser espírita, tomou a decisão, de fundar uma escola que protegesse os
estudantes espíritas e de quem quer que fosse, independente de credo. Sua
proposta era de uma escola que não fizesse separações e sob a bandeira da
tolerância religiosa aceitasse crianças de todos as crenças. Dizia ele, o
saparativismo era o mal das religiões. Fundamentado nos ideias espíritas, e no
aprendizado de Novelino com Barsanulfo e Anália Franco16, em 1° de Agosto
16 Órfão de pai e mãe, Novelino foi internado junto com os irmãos e irmãs no asilo Anália Franco em SãoPaulo (1908). Também foi aluno de Eurípedes, no Colégio Allan Kardec, em Sacramento.
36
de 1944, iniciava suas atividade o Educandário Pestalozzi, como a
materialização dessa idéia. (INCONTRI, 2001).
Assim estava escrito na pedra fundamental das obras de ampliação do
projeto educacional, que já não cabia mais, nas instalações iniciais:
“O Educandário primará por ser livre e fazer homens emulheres livres, criaturas ciosas de sua liberdade,amantes do bem, do trabalho, da atividade, da evolução,e não seres modorrentos que muito embora consigam àsvezes grande cultura, a traga simplesmente acumuladana memória. (…) O educandário porfiará por lapidar emseus alunos intelecto e coração, aprimorando-lhes razãoe sentimento”. (Educandário Pestalozzi, 1943. ApudINCONTRI, 2001, p.238).17
A experiência de Novelino, para Incontri, encontra paralelos muito
estreitos com as experiências e propostas de Pestalozzi, para uma educação
integral do ser humano. A autora ainda relaciona a ligação entre a indústria de
sapatos, financiadora do projeto, com as escolas, a fazenda e o observatório,
com experiências socialistas como a de Robert Owen (1771-1858), fundador do
cooperativismo.
Embora tenha inovado pouco na questão pedagógica, se comparada à
proposta de Barsanulfo, Tomás Novelino e sua esposa deram uma inestimável
contribuição no que diz respeito à estabilidade financeira, a qualidade
institucional e à preocupação estética e ambiental. (INCONTRI, 2001),
apontando caminhos e mostrando ser possível o envolvimento dos espíritas em
projetos educacionais e culturais.
Herculano Pires (1914-1979) foi reconhecido pelo primeiro presidente, e
fundador da Academia Brasileira de Filosofia, Jorge Jaime de Souza Mendes,
17 Educandário Pestalozzi (in: A Nova Era. Franca, XIX (734), 31/1/46, p 1.). Apud INCONTRI, 2001, p.238.
37
na obra que constitui importante referência para a filosofia brasileira. Em
“História da filosofia no Brasil18”, o acadêmico afirma que “a história da filosofia
brasileira já possui o filósofo do Espiritismo, e esse foi, indiscutivelmente, José
Herculano Pires” (Jaime, 2000, p. 144).
Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1957), jornalista
de profissão, foi também poeta, romancista19, sindicalista20 e professor
universitário, tendo lecionado Filosofia da Educação na Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Araraquara (1959-1962), uma das instituições de
educação superior que deram origem à Faculdade de Ciências e Letras, campi
da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) nessa
cidade do interior do estado.
Com uma atuação multifacetada, Herculano Pires teve participação
singular na luta em defesa da escola pública, laica e gratuita durante os
debates que foram travados no cenário educacional brasileiro na virada dos
anos 50 para os anos 60, entre os que defendiam a escola pública e os que,
sob a bandeira da liberdade de ensino, defendiam privilégios para as escolas
particulares e confessionais (Incontri, 2001). Vejamos o que dizia o Manifesto
em Defesa da Democratização Escolar, assinado pelo Clube do Jornalista
Espírita, presidido por Pires, e enviado ao Senado Federal, a propósito da
aprovação de um substitutivo de Carlos Lacerda a LDB, em discussão desde
1948:
“Os princípios confusionistas do projeto aprovado, que mistificamo problema do ensino, misturando deveres do Estado, cominteresses particulares, em evidente benefício de interessesconfessionais — ainda mais nocivos do que aqueles, por
18 JAIME, Jorge. História da filosofia no Brasil. Petrópolis, São Paulo, Vozes e Faculdade Salesianas,2000.19 É considerado autor de um novo gênero literário, a “ficção científica paranormal”.20 Foi Presidente do Sindicato dos Jornalistas de 1957 a 1959
38
implicarem coação de consciência — são simples resíduos doobscurantismo medieval”. (Apud INCONTRI 2001, p. 275)
Esse movimento culminou na fundação, em 1960, também sob a
liderança de Herculano, da Associação Espírita em Defesa da Escola Pública,
que em 62 lança um novo manifesto, conclamando espíritas e não-espíritas à
luta pela escola pública como espaço de liberdade de consciência. Eram esses,
dentre outros, os princípios da associação:
“(a) Luta incessante contra o ensino religioso nas escolas, porconstituir instrumento de coação das maiorias religiosas contraas minorias, o elemento de condicionamento das consciências,conseqüentemente, de deformação do ensino e da educação; (b)luta incessante contra as discriminações raciais, de cor,ideológicas e religiosas, nos estabelecimentos de ensinopúblicos e particulares, com denúncia e ação judicial nos casosconcretos”. (Associação Espírita em Defesa da Escola pública,1962. Apud INCONTRI, 2001, p. 276)
Ao contrário do que se poderia pensar, os espíritas estiveram, como
acabamos de ver, do lado da escola pública, laica e gratuita, sendo coerentes
com os princípios do espiritismo postulados por Kardec, que rompe com as
instituições, liturgias e hierarquias religiosas, propondo, como Pestalozzi uma
religião natural, interior.
No que diz respeito à coerência com o espiritismo, Pires foi exemplar, se
tornando inclusive, um dos mais, senão o mais contundente e engajado crítico
de setores do movimento espírita brasileiro que consideram essa doutrina
apenas como uma religião. Em seu livro “O Centro Espírita” (LAKE, 1992),
disserta sobre diversos aspectos do movimento espírita, a partir de sua célula
básica. São temas como: a falta de entendimento dos espíritas sobre as idéias
codificadas por Kardec; a própria função e significado do centro; a assistência
social prestada pela instituição; a relação com a comunidade; política, dentre
39
outros. É um verdadeiro compendio crítico à prática do movimento espírita
“oficial” no Brasil. Dizia ele: “A expansão do Espiritismo em nossa terra é
incessante e prossegue em ritmo acelerado. Mas o que fazemos em todo esse
vasto continente espírita é um esforço imenso de igrejificar o Espiritismo, de
emparelhá-lo com as religiões decadentes e ultrapassadas…” (PIRES, 1992, p.
XXI).
No campo da Pedagogia Espírita, o filósofo é considerado o seu grande
teórico e incentivador, tendo produzido vasta bibliografia acerca do assunto.
Liderou três congressos educacionais espíritas no estado de São Paulo21.
Fundou o Instituto Espírita de Educação, resultante do primeiro congresso.
Também foi criador e editor da revista “Educação Espírita”, publicada entre os
anos de 1970 e 1974 (FUCHS, 1990)22.
José Herculano Pires (1990) compreende o espiritismo como sendo uma
“mundivivência” e como projeto cultural, por isso, deve influenciar
significativamente todos os âmbitos da sociedade e do conhecimento. A sua
legitimidade estaria fincada no fato do espiritismo ter surgido naturalmente, e
não por vontade de uma autoridade, firmando-se como doutrina, “com
concepção do mundo e do homem devidamente estruturada em princípios
filosóficos” (p. 5), esses confirmados pela experimentação positiva, realizada
por Kardec ao longo de seus estudos sobre o fenômeno das mesas girantes, e
perfeitamente passíveis de reprodução23. Dessa mesma forma encontramos a
legitimidade da Educação Espírita, que, nas palavras do jornalista “(...) não
21 I, II e III Congresso Educacional Espírita paulista, realizados em 1949, 1955 e 1970, respectivamente.22 Prefácio à primeira edição do livro Pedagogia Espírita, no qual estão reunidos os mais significativostextos de Herculano Pires na revista.23 O segundo livro da chamada codificação espírita, O Livro dos Médiuns (1861), levava o subtítulo“Espiritismo Experimental” e pode ser considerado um manual para repetição dos experimentos deKardec.
40
surge como uma elaboração artificial em nosso tempo, como mais uma
novidade educacional” (idem).
Herculano defendia a educação na sua realidade transcendente, como
ser reencarnado e por isso a educação vista do prisma da Doutrina Espírita,
“(...) nos apresenta dois aspectos fundamentais: é o processo de integração
das novas gerações na sociedade e na cultura do tempo, mas é também o
processo de desenvolvimento das potencialidades do ser na existência, com
vistas ao seu destino transcendente. (ibidem, p. 113)” Isso significa uma
mudança substancial na postura da escola, do educador e das práticas
educativas.
Pedro Camargo (1878-1966), conhecido pelo pseudônimo Vinícius, foi
orador espírita e autor de obras que reforçavam o caráter evangélico do
Espiritismo. Em seus livros estão presentes os princípios da educação não-
autoritária e da auto-educação que servirão de base para experiências como a
do Professor Ney lobo, em Curitiba/PR. Comerciante de profissão cursou, mas
não concluiu, o curso de Direito. No movimento espírita, além de palestras
atuou nas áreas de assistência social e evangelização infantil. Era um defensor
dos direitos humanos e como tal defendeu a recuperação por meio da
educação de criminosos, fazendo coro com Eurípedes Barsanulfo e Ney Lobo,
na defesa da não punição como ato pedagógico. Foi fundador do Instituto
Espírita de Educação, sendo seu presidente durante 20 anos. (INCONTRI,
2001)
Professor Ney Lobo foi diretor do Colégio Lins de Vasconcellos24, e lá
deu intensa e importante contribuição para a constituição da Pedagogia
24O Colégio Lins de Vasconcelos foi arrendado em 1998 para um grupo educacional privado, pelaFederação Espírita do Paraná (mantenedora do colégio), que alegou dificuldades financeiras e que o Lins
41
Espírita. De sua experiência extraiu e sistematizou uma teoria da Pedagogia
Espírita, que pode ser encontrada nos 5 volumes de Filosofia Espírita da
Educação (FEB). À frente do colégio, o qual era mantido pela Federação
Espírita Paranaense, o Professor criou a Cidade Mirim, onde os alunos elegiam
o Prefeito, seus vereadores e gerenciavam a cidade, praticando o princípio da
atividade como eixo fundamental de seu método educacional.
Sobre a ousadia do diretor Dora Incontri nos informa que ao assumir a
gestão da instituição:
“Ney Lobo aboliu em todas as séries as aulas tradicionais evendeu as carteiras escolares, assim que assumiu a direçãodo Instituto, mandando fazer módulos que se ajustavam aostrabalhos em equipe. Em vez de aulas, foram estabelecidas‘sessões de trabalho’, nas quais havia sempre um trabalhoindividual (TI) e um trabalho coletivo (TC), apenas brevementeorientados pelo professor.” (INCONTRI, 2001, p. 247).
Sobre a base de uma educação ativa, o Gestor implementou, na esteira
de Rousseau, Pestalozzi, e Eurípedes, novidades também no campo da
avaliação. “Desaparecem as provas periódicas e os exames finais. A avaliação
era contínua, através dos trabalhos individual e coletivo” (Ibidem, 249).
Qualquer tipo de punição ou recompensa é abolido. Para substituir essa prática
e de fato contribuir para o crescimento dos estudantes Ney Lobo propõe o
princípio da reparação:
“Consiste (este princípio) em induzir o educando, por meioshábeis, a reparar, de alguma forma, as faltas cometidas;voluntariamente, isto é, sem imposição ou ameaças. Faltasessas de qualquer natureza: ofensas, agressões, danos ouprejuízos causados. A reparação é a correção educativa porexcelência”. (LOBO, 2001 p 2. Apud INCONTRI, 2001, p. 250).
não contribuía com a divulgação do espiritismo, missão primeira da entidade, acabando com o que foiuma das mais avançadas e inovadoras práticas educacionais do país.
42
Como pudemos perceber a prática de Ney Lobo, fundamentada
pedagogia da cooperação, da ação e da caridade, é repleta de referências aos
princípios do Espiritismo, bem como da herança pedagógica de Rousseau,
Pestalozzi, Kardec e Eurípedes Barsanulfo. Ela constitui exemplo para a
proposta pedagógica da Pedagogia Espírita, sendo considerada, pelos
defensores dessa idéia, como sendo em si, uma prática bem sucedida dessa
teoria pedagógica.
3.2 – As Idéias
A Pedagogia Espírita está, segundo seus teóricos, inserida num
continum, que tem Sócrates e Platão num extremo e as práticas de educadores
espíritas brasileiros no outro. Como vemos em Incontri, seus princípios e
desdobramentos “brotam da maiêutica de Sócrates, da mensagem do Cristo,
das contribuições de Comenius, Rousseau e Pestalozzi, solidificam-se com
Kardec e florescem no Brasil com Eurípedes e Anália, Ney Lobo e Herculano
(INCONTRI, 2001, p.281)”. Todos esses estendidos a partir do paradigma do
espírito, em que essa Pedagogia está fundada.
Suas idéias emergem das obras básicas espíritas e das práticas
educacionais que já vimos, assim como da própria releitura, a partir desse novo
paradigma, da obra dos grandes pensadores da educação, já citados. Mas
essencialmente dos fundamentos e princípios espíritas, encontrados ao longo
das obras básicas da codificação Kardequiana e dos doze volumes da Revista
Espírita, publicada mensalmente durante doze anos pela Sociedade de
Estudos Espíritas de Paris, na qual Kardec falava de temas atuais da época, se
43
correspondia com correligionários e apresentava os resultados de suas
pesquisas.
Dora incontri em sua tese de doutorado sobre a Pedagogia Espírita
extrai da obra Kardequiana os fundamentos e princípios dessa pedagogia,
apresentando de forma sintética o conjunto da cosmovisão espírita, que
segundo ela, tem na educação, a justificativa, o processo e o fim da vida
humana. A seguir apresentaremos os principais fundamentos e princípios da
Pedagogia Espírita, a fim de buscar as respostas das perguntas postas no
início desse trabalho. Vejamos então primeiro os fundamentos e depois os
princípios, mantendo a divisão que a autora fez.
O primeiro e considerado o mais original de todos os fundamentos, que
caracterizaria a Pedagogia Espírita como uma proposta revolucionária,
segundo seus adeptos é o entendimento do ser humano como um ser
interexistente. Esse termo foi cunhado por Herculano Pires, a fim de sintetizar a
visão Espírita de homem. Dizia ele:
“A concepção espírita de homem nos mostra o ser naexistência com duas formas corporais e dois destinos inter-relacionados. O corpo físico é o seu instrumento de vivênciaterrena, mas o corpo espiritual é o seu organismo etéreo deque deve servir-se na continuidade superexistencial dessavivência (PIRES, 1990, p. 114)”.
(...) A criatura humana, mesmo nesta existência, não estásujeita apenas ao plano existencial terreno. Ela existe no aquie no agora, mas traz consigo a mente de profundidade queliga à existência espiritual de que provém. (...), Vivemos entreduas existências e não apenas numa, como supões a ilusãomaterialista. Não somos apenas o existente na concepçãoexistencialista, como o interexistente da concepção espírita.(Ibidem, p. 117).
Essa concepção de interexistência está, como pudemos perceber em
nosso estudo, ligada fundamentalmente à idéia de Reencarnação. Isso significa
entender o homem, não apenas como existente na dimensão espiritual e
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material, no aqui e no agora, mas também considerar sua existência espiritual
anterior a essa vida, e, sobretudo as sucessivas existências que teve no seu
passado milenar. Incontri diz:
“(...) o ser existe além das dimensões físicas e visíveis, porquese expande em espírito no tempo e no espaço. No tempo,porque em seu íntimo carrega um passado histórico denso ase manifestar em lembranças, intuições, tendências, impulsos,conhecimentos inatos, experiências já adquiridas. No espaço,porque está em permanente contato extrasensorial com outrosseres, capta outras dimensões, através de sonhos, visões,mensagens telepáticas e comunicações explícitas e diretas.”(INCONTRI, 2001, p. 282)
Segundo Incontri, como o devido entendimento da sua interexistência, o
homem teria melhores condições de realizar as suas potencialidades. Porém
alerta que, na visão espírita, essa compreensão, não é conseqüência de uma
revelação divina, salvacionista, ou resultado de técnicas específicas para
adquirir dons mediúnicos. Ela “passa pela racionalidade (...), é fruto maduro de
reflexão racional, experimentação pessoal e esforço de evolução”. (ibidem,
p.23).
A visão espírita sobre o educando está intimamente ligada ao
entendimento do homem como ser interexistente. A idéia de criança da
Pedagogia Espírita, não é diferente, porém merece destaque por ser a ela
atribuída destacada importância.
A criança, “é um ser inteiro e livre, interexistente que se manifesta em
corpo frágil, para retomar as experiências do mundo em moldes diversos dos
que já experimentou no passado, e poder integrar essa nova personalidade em
formação às múltiplas já vividas, que constituem o seu eu original”.(Ibidem, p.
284). Na sua Interexistência, ela é submetida às influências da hereditariedade,
do meio sóciocultural e das limitações psíquicas e das que o corpo físico impõe
ao espírito. Essas influências, segundo o espiritismo, foram aceitas e
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escolhidas livremente pelo espírito antes da sua reencarnação, para contribuir
no seu processo educativo na existência. A sua reencarnação, de acordo com
a bibliografia espírita se justifica pela necessidade de o espírito auto-educar-se
permanentemente, com vistas a atingir a perfeição.
A Pedagogia Espírita faz, fazendo jus a sua origem Rousseauniana,
considera a criança essencialmente boa, pois tem em si o germe da perfeição.
Considera ainda a infância um “estado de permeabilidade psíquica e moral”,
em que a criança é ávida por aprender e agir, por expandir-se em energia e
afetividade. (INCONTRI, 2001).
A terra, na concepção espírita é a morada temporária de espíritos que
estão, para usar a terminologia espírita, encarnados. Ela é apenas um, dentre
infinitos mundos no universo, que servem, como a Terra, de escola e
laboratório, onde durante sucessivas vidas os Espíritos aprendem através de
experiências, na existência material e se aperfeiçoam.
O entendimento dos defensores da Pedagogia Espírita sobre a
Educação é que essa conciste em “processo permanente de aperfeiçoamento
do Espírito, é o despertar de suas potencialidades, a realização gradativa de
sua divindade e não apenas numa dada existências, mas eternidade afora”.
(Ibidem, p. 287). Ela é considerada o sentido mesmo da existência e deve:
promover a vida interexistente; promover a responsabilidade do educando de
auto-educar-se; conquistar a adesão do educando para sua própria educação;
deve ainda, evitar a estagnação, a apatia, o adormecimento da vontade. (Idem)
Na mesma linha de pensamento, o educador também é ressignificado.
Ocupa uma centralidade no processo educativo proposto pela Pedagogia
Espírita, no entanto divide essa centralidade com o educando que deve ter
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papel ativo e protagonista em sua auto-educação e na educação coletiva. O
papel do educador para essa pedagogia é de mobilização, motivação da
vontade de evolução desse educando. “É o que observa atentamente, amando
com intensidade, o ser-educando, e descobre como atingir o seu âmago, para
tocar sua essência divina e deflagrar o processo de auto-educação”. (ibidem, p.
288).
São funções do educador, segundo a Pedagogia Espírita: captar o
educando em suas heranças passadas, suas promessas futuras e suas
relações espirituais presentes; orientar e influenciar, sem jamais ferir a
liberdade do educando; Deve, ele mesmo, estar imerso num intenso processo
de auto-educação, para poder empolgar o educando com seu exemplo.
(INCONTRI, 2001).
Podemos perceber, nesse conjunto teórico, apresentado como
fundamentos da Pedagogia Espírita, uma série de pilares de outras propostas
educacionais. Como o amor Pedagógico de Pestalozzi ou a essência boa da
criança e a educação natural de Rousseau, o que demonstra a assunção de
uma ligação desses pensadores/educadores com a pedagogia tratada aqui, por
parte dos seus teóricos.
Os princípios da Pedagogia Espírita são o amor, a liberdade, igualdade
na singularidade, a naturalidade, a ação e a educação integral. A seguir
apresentaremos cada um sucintamente, para continuar nosso objetivo de
caracterizar essa teoria.
O amor é o primeiro e máximo princípio. Incontri, em sua exposição
sobre o tema, alerta para o desvirtuamento do conceito. Define-o pela eleição
do que ele não poderia ser. Segundo a jornalista e educadora, teórica da
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Pedagogia Espírita o amor não possui, não domina o outro, não fere, não se
acomoda com o poder e a injustiça, não é chantagista. O amor proposto aqui
deve permear todas as relações educativas, entre educadores e educandos.
Deve ser entendido como doação e empenho do primeiro em benefício do
segundo, com o objetivo de mobilizar o educando na busca de sua auto-
educação. Para isso, ele deve repudiar qualquer tipo de violência ou ato de
punição, deve ser ativo e corajoso para conquistar o educando para o projeto
proposto de auto-educação.
A liberdade é a conseqüência do amor. Não pode ser apenas a
assunção racional de um direito somente, deve ser fundado, para os teóricos
dessa idéia, nos laços da fraternidade.
“A obediência à autoridade constituída deve ser substituídapela anuência consciente e espontânea, que o educador deveaprender a conquistar amorosamente, quando, e apenasquando, se tratar do bem do próprio educando. Mas, em últimainstância, o ato pedagógico é sempre uma oferta, um convite,uma possibilidade que o educando tem a liberdade de aceitarou recusar”. (INCONTRI, 2001, p. 290).
O princípio da igualdade com singularidade vai nos dizer que todos os
seres humanos são iguais, têm os mesmos direitos e deveres, têm a mesma
natureza, espiritual, biológica e social. Contudo, são também essencialmente
diferentes, pois cada um se encontra num estágio na escala da evolução
espiritual, têm experiências diferenciadas nesta vida e ainda estão inseridos em
contextos socioculturais diversos. Ao assumi-lo, a Pedagogia Espírita propõe,
coerente com Kardec, a abolição de qualquer hierarquia e competição entre os
indivíduos. Também afirma não aceitar gurus e mestres a serem
reverenciados.
“(...) a Pedagogia Espírita é igualitária no sentido de tratartodos os seres humanos no mesmo diapasão de respeito,
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fraternidade e compreensão. Mas deve reconhecer e descobriras riquezas de cada ser singular e incentivá-las, socializá-las,observando da mesma forma as imperfeições de cada umpara trabalhá-las”. (Ibidem, p. 291).
O princípio da naturalidade nos mostra que essa proposta pedagógica
compreende que o universo se compõe, todo ele, de uma só natureza divina.
Que o mundo espiritual é tão natural quanto o físico, “lados da mesma moeda”.
Assume-se que há uma natureza humana que engloba o aspecto social,
biológico e espiritual do homem. Há uma natureza da criança, que a Pedagogia
Espírita propõe aos educadores compreendê-la para melhor auxiliá-los na sua
auto-educação. O conhecimento dessa naturalidade do ser humano e do
universo permite, segundo os espíritas, respeitar o fluxo harmônico das coisas,
dos seres.
“Assim como para se colher o fruto de uma árvore, é precisosemeá-la, adubá-la e conservá-la segundo a natureza, para secolher a luz humana, é preciso educar o ser interexistente, emobediência a todas as leis naturais — físicas e morais — queregem o seu desenvolvimento. Essas leis, porém, não sãorígidas e lineares, mas flexíveis e orgânicas, porque a maiorde todas elas é a lei do amor e onde há amor, há criatividade,expansão, espontaneidade”. (Ibidem, 292).
É a partir da ação no mundo que o Espírito de desenvolve. Baseado
nessa compreensão a Pedagogia Espírita se propõe eminentemente ativa,
propõe o aprendizado através da ação livre. “A ação em si – traduzindo-se em
atividades sociais, em produções estéticas, intelectuais e manuais – põe em
uso as potencialidades humanas, que só podem ser trazidas à tona e
aperfeiçoadas pelo exercício”. (ibidem, 293).
O último princípio coroa todos os demais. A educação intergral, que
somente é possível para os espíritas se balizada pelos demais princípios,
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esses ancorados nos fundamentos da Pedagogia Espírita, que já
apresentamos.
A educação integral é entendida como a busca do equilíbrio entre a
moralidade e a inteligência, num processo educativo que trabalhe
simultaneamente diversas potencialidades e faculdades do ser humano. Nela,
é preciso observar quais as vocações da criança e do jovem, para incentivar o
uso ético de suas inteligências.
Uma educação integral, para a Pedagogia Espírita deve desenvolver-se
numa proposta global, que trabalhe a educação dos setores, afetivo, estético,
intelectual, religioso, sexual, físico e mediúnico. Esse último, pudemos
perceber, constitui uma originalidade destacável do arcabouço pedagógico
espírita, uma vez que os demais setores podem ser encontrados nas propostas
de Pestalozzi, Froebel, Comenius, Rousseau. Trata-se, segundo Incontri, do
setor destinado à educação para a vivência consciente da interexistência,
fundamento primeiro da Pedagogia Espírita que já apresentamos aqui.
3.3 – A Práxis
A Educação Espírita, como pudemos ver, emerge do escopo teórico do
Espiritismo, contudo, foi na aplicação prática desses princípios que surgiu, a
Pedagogia Espírita, considerada pelos seus intelectuais como uma contribuição
filosófica originalmente brasileira. Incontri, a partir da análise dessas práticas
educativas, empreitadas por educadores espíritas, organiza em sua pesquisa
de doutoramento, um conjunto de eixos práticos dessa teoria da educação.
Todavia, é imperioso alertar que na bibliografia considerada de referência
dessa pedagogia, na encontramos alusão a um método espírita de educação,
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pelo contrário, a pedagogia espírita assume que cada escola espírita deve se
constituir de acordo com sua comunidade (por isso diferentes entre si),
respeitando o arcabouço teórico-filosófico do espiritismo. “A proposta é mesmo
a de considerar as circunstâncias socioculturais locais onde a escola vá se
instalar e ainda de se invocar a participação ativa e criativa dos membros da
comunidade escolar, o que implicará necessariamente em modelos
diferenciados.”(INCONTRI, 2001, p. 295).
Dando continuidade a tarefa proposta nesse estudo, apresentaremos os
eixos que segundo Incontri, caracterizam, no seu conjunto, a práxis da
Pedagogia Espírita. São eles: A escola livre e afetiva, atividades éticas,
produções estéticas, produções intelectuais, abolição dos castigos e
recompensas, cultivo da espiritualidade, autogestão administrativa, co-gestão
pedagógica, compromisso social e escola universal.
A escola livre e afetiva baseia-se nos fundamentos do amor e da
liberdade, já expostos nesse trabalho, e é ao mesmo tempo, uma proposta e
uma crítica ao modelo escolar dos nossos dias. A pedagogia espírita é
contundente em sua crítica a mercantilização da educação, à burocracia,
competição incentivada e conseqüente exclusão produzida pelo sistema
escolar homogeneizante que o sistema capitalista se utiliza, dentre outras
coisas, para produzir a sociedade neoliberal em que vivemos. Herculano Pires
afirmou nos idos de 1970, em meio ao movimento pela educação espírita, que
organizou três congressos e publicou uma revista: “A exploração comercial da
educação é um mal cujas conseqüências sociais ainda não podemos avaliar”.
(PIRES, 1990, p. 130). Dora Incontri defende que deverá ocorrer uma
transformação radical da escola:
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“A obrigatoriedade, o formalismo, a burocratização do ensino,as relações hierárquicas — tudo isso fica abolido e a escoladeve renascer livre e amorosa. Os currículos fixos, asprogramações rígidas, os resultados homogeneizantes, aeducação em massa, em que todos são coagidos às mesmasatividades, ao mesmo tempo, com idênticos resultados — tudoisso deverá desaparecer. O ambiente escolar deve sertransmudado.” (INCONTRI, 2001, p. 295).
A autora propõe, dentre outras coisas, fortemente influenciada pelas
experiências de Ney Lobo, no Lins de Vasconcelos e de Eurípedes Barsanulfo,
no colégio Allan Kardec, que a rigidez dos currículos, as salas tradicionais, e as
atividades impostas e sem sentido não têm espaço na escola livre e afetiva. A
arquitetura deverá ser pensada para estimular o gosto estético e harmonizar a
mente ao coração. (Idem).
A comunidade escolar deve estar altamente envolvida, dentro e fora da
escola, em ações éticas. Sempre orientadas e planejadas pelos educandos,
sob os auspícios dos educadores. Tais ações pertencentes ao eixo atividades
éticas, proposto por Incontri, deve despertar no educando a preocupação
solidária com o outro, fazendo britar, na prática, não só o sentimento ou a
racionalização da justiça e solidariedade, mas a ação pautada por esses
valores.
Uma das propostas práticas da Pedagogia Espírita é que sejam
disponibilizadas aos educandos as mais belas produções estéticas que a
humanidade já produziu. Essa proposição parte da idéia de que a arte “é uma
forma de manifestação existencial do Espírito” (INCONTRI, 2003, p.175). Isso
significa que, para os intelectuais espíritas adeptos da pedagogia que ora
estudamos, a arte não é um dom inato de algum privilegiado, o artista, ou ainda
somente pinturas, esculturas poesia e música, cinema, etc. Arte é a expressão
cotidiana do homem e faz parte da integralidade do ser na interexistência. A
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preocupação estética, da educação incentiva o educando na busca pela
perfeição em todas as coisas, “Amor, Sabedoria e Beleza são aspectos
inseparáveis da perfeição”. (Idem). Dessa forma contribui, a educação estética
para o fim último da educação espírita.
De modo geral a Pedagogia Espírita propõe que “elementos estéticos
estejam presentes no meio ambiente e no conteúdo da educação”.(Ibidem,
p.176), pois a arte tem uma função indutiva, podendo estimular ao aprendizado
e à convivência elevada, ou ainda à melancolia e ao pessimismo depressivo.
Para eleição de conteúdos estéticos que contribuam para o bom convite à auto-
educação, Incontri sugere: “Nesta escolha do melhor, não adianta nos
apegarmos aos rótulos. Não se trata, por exemplo, de oferecer apenas música
erudita e jamais a música popular. Há muita boa música popular e muita
música erudita sombria...” (p. 177). Não se trata de proibição de certas
produções, mas de apelo ao espírito crítico dos educadores e dos educandos.
Especificamente, essa pedagogia propõe que se deve estimular a
criatividade, incentivar a produção artística, inclusive dotando o educando de
certas técnicas específicas dessa ou daquela arte, de acordo com o interesse
de tendências dos educandos, mas nunca valorizando a técnica em detrimento
da criatividade, que “(...) trabalhada pela educação estética não servirá apenas
para a execução de obras de Arte. Desenvolverá a capacidade criativa do
indivíduo inteiro, que poderá estende-la a qualquer atividade intelectual,
manual ou moral”. (Ibidem, p. 178).
A educação estética é ainda defendida, por Dora Incontri, em seu livro A
educação segundo o espiritismo (Comenius, 2003), como uma espécie de “luta
e resistência cultural” ao processo de massificação mercantilizadora da arte,
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que bombardeia nossos sentidos todos os dias, com os produtos do mercadão
de sucessos musicais, de best seller da auto-ajuda (inclusive no promissor
mercado editorial espírita) e de produções cinematográficas com violência e
terror gratuitos.
No que diz respeito às produções intelectuais a Pedagogia Espírita
propõe que a escola seja uma universidade em miniatura, incentivando a
reflexão crítica, o espírito científico e todo o tipo de produção intelectual. Nesse
sentido, não há espaço para a rigidez das disciplinas e dos conteúdos
predeterminados. O conteúdo a ser estudado deve partir do interesse dos
alunos ou ainda de necessidades reais, para aplicação prática. “O que se deve
evitar é a abstração ininteligível, a memorização vazia, o ensino mecanicista de
conceitos inaplicáveis na vida comum” (INCONTRI, 2001, p. 298).
A abolição de castigos e recompensas é um imperativo quando se fala
de uma educação baseada na liberdade, na solidariedade e no amor. A autora
propõe que a escola deve abolir, regimentalmente, qualquer subterfúgio
punitivo premiações de toda sorte, inclusive as notas, a exemplo do que fez
Barsanulfo em Sacramento.
“As avaliações serão feitas na base das produções de cadaum e nunca de forma numérica, quantitativa, mas de maneiradescritiva, qualitativa, para melhorar o trabalho, encarando-seerros e problemas como naturais da aprendizagem. Emparceria com o educador, o aluno fará sua autoavaliação,apontando aquele os aspectos que devem ser aperfeiçoados einformando este as suas dúvidas e dificuldades”. (Ibidem,299).
A pedagogia espírita propõe ainda que todos os problemas da escola
sejam resolvidos ou que as soluções sejam buscadas com base no diálogo.
Conversas entre educadores e educandos devem ser constantes, assim como
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assembléias gerais para discutir os comportamentos de grupos e as
necessidades para melhor convivência, bem como para a gestão da escola.
Como forma de superar essa educação de resultados condicionadora
que temos atualmente a autora propõe o diálogo. Na esteira dessa proposta,
de uma escola renovada, emerge a necessidade também de novas formas
administrativas para a instituição escolar. A proposta apresentada pelos
teóricos da pedagogia que destacamos como objeto desse estudo, é a da
autogestão administrativa. Todavia, embora a proposta seja feita claramente,
Incontri não passa nenhum receituário. Apenas defende a idéia de que as
esferas administrativas e pedagógicas estejam atreladas e por isso a
administração da escola espírita não deva ferir nenhum dos fundamentos que a
caracteriza como tal. E em coerência ao princípio da escola livre e afetiva,
deixa para as comunidades resolverem essa questão, da melhor forma que
lhes couber, somente alertando que a relação patrão-empregado deve ser
abolida e que uma escola espírita não deve ter o lucro como objetivo: “O
importante é manter os princípios de liberdade e igualdade, onde todos os que
participem da comunidade escolar possam ser ouvidos, tomem parte em
decisões que os afetem diretamente e tenham acesso à visão geral da
administração da escola”. (Ibidem, p. 303).
Outra proposta, a co-gestão pedagógica, caracteriza-se pela
disponibilização para toda a comunidade escolar, de todos os conhecimentos
que cada um, partícipe dessa comunidade, possui. Isso significa que pais,
alunos e funcionários, poderão sugerir grupos de estudos, laboratórios, projetos
de pesquisas e praticar a liberdade de ensinar e aprender.
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Por fim o compromisso social da comunidade escolar é a
responsabilidade de a escola estar inserida na realidade que a cerca, devendo,
manter diálogo com as instituições locais. A escola social deve ainda, segundo
Incontri, incentivar seus membros (pais alunos, docentes e técnico-
administrativos) a militarem em causas que envolvam o bem coletivo, como
campanhas fraternas e de defesa de direitos. “A escola social “(...) é aquela
que o educando toma consciência na prática, dos problemas de seu meio e das
suas possibilidade de atuação efetiva”(Ibidem, p. 305) para a transformação.
A Pedagogia espírita propõe um novo olhar para o ser humano, de
cidadão, radicado numa localidade e numa nação, passa o ser humano a ser
encarado como um cidadão do universo. Esse conceito vai além de qualquer
teoria internacionalista, pois segundo o espiritismo, há uma multiplicidade de
mundos habitados por espíritos, em todo o universo. O eixo escola universal
trata especificamente desses dois aspectos da escola espírita. O primeiro é
que ela deve manter contato com outras culturas no planeta terra, vivenciando
a proposta de tolerância étnica e religiosa dessa pedagogia espírita. O ensino
de línguas ganharia o sentido de aproximar diferentes povos, e de aprender o
que há de positivo em suas culturas, ao invés de ser exclusivamente utilizado
como “valor agregado” ao curriculum do trabalhador especializado,
entendimento que somente aprofunda a desigualdade social capitalista, pois a
escola para o povo raramente proporciona um ensino satisfatório, tornando a
aquisição de uma segunda língua privilégio de poucos. Também nessa
perspectiva de cidadão do cosmos, o ensino de astronomia, proposto por
Barsanulfo e por Novelino, influenciados por Camille Flamarion ganha força e
materialidade, mostrando a responsabilidade em pacifica-lo, pois o ser
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humano, no entendimento espírita, independente de qualquer contexto étnico,
racial, sóciocultural e de gênero, faz parte de uma mesma família estelar.
Como pudemos perceber, e tentamos demonstrar nesse trabalho a
Pedagogia Espírita este inserida na tradição filosófica espiritualista, que
remonta a Sócrates e Platão. Como tal não pode deixar de trabalhar com
entendimentos e propostas que considerem uma realidade transcendente do
ser humano. No caso da pedagogia espírita ela trabalha com o entendimento
de que o homem é um espírito reencarnado, e isso, como já vimos
anteriormente, reconfigura toda sua proposta pedagógica, fazendo parecer de
certa forma anacrônica. Contudo, é bom lembrar, até por questão de
honestidade intelectual, que a pedagogia espírita não trabalha com a idéia de
que a tradição filosófica espiritualista esteja superada. Pelo contrário, trabalha
com a idéia de que ela tem sido sistematicamente silenciada, como tentamos
demonstrar na introdução ao nosso texto. Dessa forma o cultivo a
espiritualidade, ganha lugar de destaque práxis pedagógica espírita, pois ela
faz, segundo seu entendimento, parte da realidade interexistente do ser
humano, e não pode ser negada, sob o prejuízo de realizar uma educação
parcial, e não integral, que é sua intenção. Especificamente nesse eixo propõe
que:
“(...) toda prática pedagógica espírita deve estar impregnadade intensa espiritualidade, entendendo-se que não se trata aíde fanatismo religioso e nem de dogmatismo específico. Aomesmo tempo em que se deve oferecer aos alunos, oconhecimento de todas as religiões, com suas práticas efilosofias, de forma imparcial e precisa (e para isso podem sertrazidos os representantes de cada uma ou os próprios alunos-adeptos podem fazer suas intervenções, mostrando aos outrosa sua fé), deve-se cultivar uma religiosidade genérica. Oraçõesem conjunto; leituras de textos religiosos de diferentescorrentes (que não ofendam as outras presentes), discussõessobre religiões comparadas e filosofia espiritualista — tudoisso deve lançar o aluno na dimensão do espiritual, fazendo-o
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compreender que se trata de uma dimensão humana, natural euniversal, necessária ao pleno desabrochar do homem”.(Ibidem, p. 300).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Bogdan Suchodolski (1992), filósofo e pedagogo polonês propôs em seu
livro A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas (Livros Horizonte, 1992)
a divisão das correntes pedagógicas em dois grandes grupos, o das
Pedagogias da Essência e o das Pedagogias da Existência. Essa divisão, entre
essência e existência, entendida pelo polonês como conflito fundamental do
pensamento pedagógico, é decorrente da oposição histórica na filosofia, entre
as Filosofias da Essência e as Filosofias da Existência.
A querele entre as Pedagogias da Essência e as Pedagogias da
Existência, tem sua origem no renascimento, quando uma série de
transformações sociais, políticas e intelectuais tornam-se fontes de novas
concepções de homem e colocam em cheque o monopólio da cosmovisão
religiosa tradicional e sua autoridade em ditar as normas da atividade humana.
(SUCHOLDOLSKI, 1992).
As Pedagogias da Essência, abstraindo-se aqui, a sua diversidade (que
foi riquíssima) e o papel histórico desempenhado por cada uma delas, por não
caber nesse espaço uma reflexão mais demorada sobre o assunto.
Constituíam-se fundamentalmente por postularem que o ser humano possui
uma essência, que vai além da experiência empírica, e que a educação tem
como referência essa essência, devendo atuar para que o homem se aproprie
na existência de sua essência verdadeira e também para destruir o que pode
corrompê-lo, é em suma uma educação voltada para um homem idealizado.
Elas encontram sua origem em Platão, passando por todas as pedagogias
religiosas, protestantes e católicas, pela Educação Natural de Comenius e
Locke e pela originalidade idealista de Kant, Fichte, Hegel, até chegar nas
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tentativas de existencialização da Pedagogia da Essência no século XIX.
(Idem)
As Pedagogias da existência deu seus primeiros passos no século XVII,
sob a predominância das diversas formas da concepção da pedagogia da
essência. Conciste, fundamentalmente na negação da essência, defendendo
que o homem e a vida humana estão limitados às experiências empíricas.
Remonta aos estudos de fim da vida de Comenius, que proporcionaram o
entendimento de considerar a criança viva e espontânea. Contudo foi, segundo
Suchodolski, Rousseau o primeiro que se lançou radicalmente em oposição à
pedagogia da essência e à criação de perspectivas para a construção de uma
pedagogia da existência. Pestalozzi e Froebel (1782-1852) são considerados
seguidores de seu pensamento, defendendo a máxima de que a educação
deve realizar-se a partir da própria vida da criança. (Idem)
Para o filósofo e pedagogo polonês as tendências opositoras da
pedagogia da essência ainda estavam numa fase incipiente, “marcadas ainda
por um cunho de generalidade e homogeneidade (Ibidem, p. 57)”. Foi somente
no século XIX que teve início um processo de diferenciação da pedagogia da
existência, dado pelo conjunto das obras, de Kierkegaard, Stiner e Nietzsche,
cada qual com sua especificidade e diferenças. Também as teorias da
evolução de Darwin, Spencer e Bérgson, mais uma vez guardada as
especificidades, contribuíram para a constituição dessa grande corrente do
pensamento pedagógico (Idem).
Na perspectiva de solucionar o conflito entre essas duas grandes
correntes do pensamento pedagógico, Suchodolski encontra os esforços da
educação nova, das pedagogias do grupo social e da cultura e das pedagogias
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metafísicas. A primeira, partindo da criança/indivíduo como sujeito da sua
educação esbarra no conflito entre a utopia da pedagogia do desenvolvimento
e do conformismo da pedagogia da adaptação. As segundas, igualmente, mas
por caminhos diferentes, reeditam esse mesmo conflito. Suchodolski afirma ao
final da análise que empreitou sobre essas pedagogias: “O problema do conflito
entre o desenvolvimento do caráter humano universal da criança e o âmbito
real de sua vida mantinha-se sem solução”. (Ibidem, p. 117). A terceira
corrente, em oposição à educação nova e às pedagogias do grupo social e da
cultura, por considera-las insuficientes, afirma que era preciso concentrar a
educação no nível metafísico do homem ao invés de “tomar como ponto de
partida o curso presente da vida do indivíduo” ou ainda as “exigências da
história social ou da cultura”. (p. 119), configurando-se como uma moderna
pedagogia da essência, enquanto as outras estariam no âmbito das
pedagogias da existência. O conflito ainda era eminente.
Para Bogdan Suchodolski, as tentativas de união entre as pedagogias
da essência e da existência, na perspectiva de superar o moderno conflito
entre essas – “Unir educação e vida de modo que não seja necessário um
ideal, ou definir um ideal tal que a vida real não seja necessária”. (p. 123) –
davam uma força perigosa às tais tendências, por terem atingido ganhado certa
força com as correntes nacionalistas de vários países, inclusive o fascismo e o
hitlerianismo.
Considerando que essas duas correntes seculares do pensamento
pedagógico, traíram seus princípios fundamentais – a pedagogia da existência:
a defesa do desenvolvimento livre do homem; a pedagogia da Essência: uma
educação baseada em valores universais e permanentes – porque acabaram
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por reforçar a noção de que “as contradições que se manifestavam não
provinham das más relações sociais” e sim de uma noção errada dos direitos
do indivíduo e da sociedade, o que implicava em “(...) transformar, não as
relações sociais, mas a maneira de conceber a existência individual e o ideal,
causas dessas contradições”. (Ibidem, p. 126). Daí o filósofo afirma:
“A pedagogia devia ser simultaneamente pedagogia daexistência e da essência, mas esta síntese exige certascondições que a sociedade burguesa não preenche, exigetambém que se criem perspectivas determinadas de elevaçãoda vida quotidiana acima do nível actual. O ideal não devenem sancionar a vida actual, nem deve tomar uma formatotalmente alheia a essa vida”(Ibidem, p. 127)
Suchodolski propõe a educação virada para o futuro como único
caminho para a resolução da antinomia do pensamento pedagógico moderno.
O autor caracteriza essa pedagogia, numa perspectiva de um sistema social à
escala humana, como uma tendência pedagógica que não aceita o estado de
coisas existentes e que atue para transforma esse estado de coisas. Deve ser
crítica ao presente e acelerar a construção do novo.
“Uma tal crítica pressupõe um ideal que ultrapasse o presente;neste sentido, a educação virada para o futuro integra-se nagrande corrente pedagógica que designamos por pedagogiada essência. Trata-se contudo de uma simples afinidade poistem profundas divergências, constituindo a diferença essencialno facto de este ideal se caracterizar por uma diretriz deacção no presente , ação que deve transformar a realidadesocial de acordo com as exigências humanas. Na medida emque o ideal que inspira a crítica da realidade deve representaruma directriz para a acção no presente tem de organizar asforças actuais e deve encorajar o homem a fazer uma opçãono momento actual . A educação orientada para o futuro liga-se neste sentido à segunda grande corrente do pensamentopedagógico, à pedagogia da existência. Todavia, também aquinão encontramos senão uma afinidade; a diferença essencialconsiste em que, nesta concepção da educação, a vida é oaspecto presente da edificação do futuro ”.(SUCHODOLSKI, 1992, p. 129)25.
25 Grifos meus.
62
Perceba que os trechos grifados encontram certa similaridade com as
propostas da pedagogia espírita, como, por exemplo, o entendimento de que a
educação tem como objetivo a transcendência do espírito, mas propões uma
ação na existência, considerando a vida presente como pilares da edificação
do futuro (PIRES, 1990).
Sua origem deriva das tendências que não aceitam o princípio da
adaptação ao presente como se fosse o ponto de partida fundamental da
educação e a inda daqueles que entendiam a crítica do presente como um
“apelo para melhora-lo” e não um convite para evadir-se dele.
Propõe ainda que a educação tradicional deve ser abandonada, pois
estariam completamente anacrônicas em relação à nova realidade social e
econômica. A formação social, no sentido que cada cidadão se torna
responsável pela democracia, tem posição de destaque nessa pedagogia
proposta pelo polonês. A educação moral, como educação da vida cotidiana
em situações sociais concretas, também ganha destaque. Não cabe aqui o
alongamento na análise da pedagogia de Suchodolski, apenas nos interessa o
alinhavamento desta, a fim de poder refletir sobre a questão da superação do
conflito das pedagogias.
Se fizermos um exercício de abstração dos princípios espiritualistas da
pedagogia espírita e dos princípios marxianos da pedagogia do filósofo polonês
vamos encontrar, como já apontamos, uma série de conjunções, tanto do ponto
de vista da crítica aos sistemas educativos burgueses, da perspectiva de futuro
e da crítica à sociedade presente, como do ponto de vista dos fundamentos
práticos de uma e de outra.
63
A preocupação com a educação cotidiana, que busca ensinar ao homem
compreender o próximo e prestar atenção ética a este, encontra similaridade
com o princípio da educação ética da Pedagogia Espírita. Ambas buscam
romper com a moral superficial e externa dos códigos de conduta e atuam na
perspectiva de uma moral que brote do interior do ser humano. Vejamos o que
Suchodolski diz:
“(...) a educação moral deve fundamentar-se na educaçãosistemática do homem desde sua mais tenra infância, numaeducação que desenvolva e crie ‘este impulso do coração’imperceptível, de que fala a psicanálise com tanta parcialidadee erro, mas que é todavia um dos mais importantesfundamentos da dignidade humana que se opõe ao fascínio deuma má conduta”. (Ibidem, p. 133).
Também a preocupação com a educação social do polonês pode ser
encontrada na proposição da escola social da pedagogia espírita, ou ainda nas
propostas de autogestão administrativa e co-gestão pedagógica.
É claro que quando falamos de conceitos como esses na educação não
podemos nos dar ao luxo, como fazem alguns teóricos materialistas, quando se
apropriam de pedagogias surgidas no âmbito de uma visão espiritualista de
mundo que trabalham com essas como se os tais fundamentos não fossem
relevantes. Poderia eu, ou qualquer outro pesquisador, fazer isso com a
pedagogia proposta por Suchodolski, desconsiderar seu contexto ideológico
histórico e social? É claro que não. A nossa discussão e as comparações feitas
entre as pedagogias espírita e “do futuro” têm aqui o intuito de problematizar o
monopólio da segunda na busca bem sucedida pela superação do conflito
secular exposto na obra de Bogdan Suchodolski.
A Educação Espírita propõe o conceito de ser interexistente, e a partir
dele estabelece a sua Pedagogia. Poderia ser esse novo entendimento, uma
64
superação do conflito entre as pedagogias? Como pudemos ver, se
considerarmos as mesmas categorias que Suchodolski, de educação na
existência com vistas no o futuro, de crítica ao presente e de perspectiva social,
poderíamos dizer que a pedagogia espírita inaugura uma nova solução para o
conflito secular entre as pedagogias da essência e da existência? Ao meu
modo de ver essa hipótese não poderia, de maneira alguma, ser refutada de
forma simplista pelos materialistas, muito menos ser afirmada rapidamente
pelos adeptos da pedagogia espírita. Será preciso debruçar melhor tanto sobre
a pedagogia espírita, que se reivindica herdeira do legado de Comenius,
Rousseau e Pestalozzi, bem como sobre a pedagogia histórico-crítica, vertente
que se fundamenta nas idéias de Suchodolski e tem se dedicado à superação
do conflito sob perspectiva marxista.
Esse trabalho teve por objetivo, dar voz à pedagogia espírita e seus
autores, com o intuito de proporcionar uma reflexão mais profunda sobre as
concepções filosóficas e educacionais que permeiam as pedagogias. No que
diz respeito às perguntas norteadoras do nosso estudo, cremos ter respondido
com satisfação, durante todo o trabalho, as três primeiras, que versavam sobre
o conceito, as concepções de homem/criança e as origens da pedagogia
espírita. A última “Quais perspectivas podemos esperar, se aplicadas as suas
propostas?”, creio ser um tanto quanto precipitado reponde-la de forma
definitiva. O que temos são as experiências do passado, que foram bem
sucedidas e com certeza contribuíram para a construção de um mundo mais
justo e igualitário, assim como diversas práticas pedagógicas progressistas que
pipocaram no Brasil durante o século XX. A originalidade da Pedagogia Espírita
está justamente em considerar a transcendência humana de forma não
65
alienada da existência, “do aqui e do agora”. É certo que suas propostas têm
mais condição de ser desenvolvidas junto a instituições de educação infantil e,
sobretudo no campo da educação não-formal (Ong’s), pois as suas teorias
estão em campo mais avançado do que a escola fundamental e média, essa
ainda muito arraigada ao ensino tradicional e à escola burguesa, enquanto a
educação infantil e a educação não-formal assumem teoricamente suas
práticas como transformadoras dessa realidade.
Outra questão muito cara nessa discussão pé a laicidade da escola
publica. Embora Herculano Pires defenda que esse princípio deva estar
presente na pedagogia espírita, pois trata da religião, como parte do
conhecimento humano e de forma interdisciplinar e não doutrinadora, esse é
um terreno complexo que os teóricos da pedagogia espírita deverão enfrentar,
sob pena de relegarem-se ao limbo das escolas confessionais.
Por fim, ficam as questões, dentre outras: A pedagogia Espírita supera o
conflito secular entre a pedagogia da essência e a pedagogia da existência?
Que relação teria essa teoria pedagógica com a escola pública? É possível a
laicidade numa pedagogia que se admite cristã? O que tem levado o
movimento espírita institucional a fechar escolas e institutos espíritas de
educação, aparentemente de forma arbitrária?
66
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASFACULDADE DE EDUCAÇÃO
RAFAEL DOS SANTOS PEREIRA
UM ESTUDO SOBRE A PEDAGOGIA ESPÍRITA ESEUS PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS.
CAMPINAS/SP2006
2
Universidade Estadual de CampinasFaculdade de Educação
Rafael dos Santos Pereira
Um estudo sobre a Pedagogia Espírita e seuspressupostos filosóficos.
Monografia apresentada à Faculdadede Educação da Unicamp, sob aorientação do Prof. Dr. SílvioAncízar Sanches Gamboa(DEFHE), para obtenção do títulode Licenciado em Pedagogia.
Campinas/SP2006
3
Dedicatória
Dedico este trabalho aos meus dois filhos, o João Rioe o “Pacu”, esse gestado junto com o TCC, os quaismerecem, como todas as crianças, um mundo maisfraterno...
4
Agradecimentos...
À sociedade Paulista, à maioria trabalhadora como eu, principalmente como meuspais, que financiou meus estudos com o pagamento de caros impostos (ICMS), e não pode,apesar de dona, freqüentar a Universidade Pública. Vejo no horizonte, um mundo em queisso não mais acontecerá;
Ao Prof. Dr. Silvio Ancizar Sanches Gamboa, pela orientação desse trabalho e peloincentivo à diversidade intelectual na Universidade;
À Profa. Dra Dora Incontri por participar da banca como segunda leitora, compreciosas contribuições, pelo ânimo e alegria com que me incentivou, nas nossas poucas,mas valiosas conversas;
Ao Professor Alessandro Bigueto, pela amizade e pelas imprescindíveis, prazerosase apaixonadas reflexões em meio a uma ou outra aula na Unicamp;
À Profa. Dra. Sônia Giubilei, pelo seu exemplo, amizade e incentivo;
Ao Will (William Chiuffa), pela leitura e correção dos erros de português;
Aos meus pais, Maria Aparecida e José Ronaldo, por terem me apresentado aDoutrina Espírita ainda na infância, pelo apoio desinteressado e por terem me dado maisuma oportunidade de viver na Terra;
Aos meus irmãos (Camila, Carina e Júnior), pelo companheirismo, amizade econvivência leve. Grandes parceiros de existência!
Aos meus tios, Rozaura (Tia Zau) e Lúcio, sem os quais tudo seria mais difícil,algumas coisas até impossíveis;
À toda minha família, os Rodrigues/Pereira (Pai) e os Santos (Mãe), que têm partedireta na minha formação, esse trabalho leva um pouco de cada um, eu levo um pouco decada um;
Aos meus companheiros (e adversários) de militância política, quantas coisas nãoaprendemos?! Que a chama de nossos sonhos e lutas, não se apague na dureza do cotidianoe permaneça acessa em nossos corações, mentes e mãos;
Aos amigos do Centro espírita Allan Kardec de Itajubá, por despertaram em mim ointeresse para o estudo da Pedagogia Espírita;
À Adriana Silva, por aceitar essa parceria existencial chamada João Rio e peloaprendizado que isso nos proporciona.
Ao meu filho João Rio, por trazer felicidade e esperanças para a minha vida.
E, por fim, à Kamille Vaz, companheira de todas as horas, raio de luz na minhavida.
5
“(...) nosso primeiro desejo é que todos os homens sejam educadosplenamente em sua plena humanidade, não apenas um indivíduo,não alguns poucos, nem mesmo muitos, mas todos os homens,reunidos e individualmente, jovens e velhos, ricos e pobres, denascimento elevado e humilde — numa palavra, qualquer um cujodestino é ter nascido ser humano: de forma que afinal toda a espéciehumana seja educada, homens de todas as idades, todas ascondições, de ambos os sexos e de todas as nações”.ComeniusIn: Pampaedia, 1965
6
RESUMO
Esta monografia, que se constitui num trabalho de conclusão de curso da graduação empedagogia na Unicamp, visa realizar um estudo sobre a pedagogia espírita e seuspressupostos filosóficos, dando voz à pedagogia espírita e seus autores, com o intuito deproporcionar uma reflexão mais profunda sobre as concepções filosóficas eeducacionais que permeiam as pedagogias. Também é objetivo desse trabalho refletirsobre a superação do conflito secular entre as Pedagogias da Essência e as Pedagogiasda Existência. Para tal utilizamos como método a pesquisa bibliográfica, analisando erefletindo sobre a bibliografia básica dessa pedagogia e sobre a obra do pedagogopolonês Bogdan Suchodolski (1903-1992), a Pedagogia e as grandes correntesfilosóficas (Livros horizonte, 1992).
Palavras Chave: 1. Pedagogia – Teoria 2. Educação e Espiritismo 3. Espiritismo
7
SUMÁRIO
RESUMO _______________________________________________________________ 6
SUMÁRIO ______________________________________________________________ 7
APRESENTAÇÃO_______________________________________________________ 8
INTRODUÇÃO ________________________________________________________ 11
CAPÍTULO I – O CONTEXTO ___________________________________________ 14
CAPÍTULO II - DIÁLOGOS ENTRE FILOSOFIA, CIÊNCIA E R ELIGIÃO ____ 26
CAPÍTULO III – A PEDAGOGIA ESPÍRITA_______________________________ 31
CONSIDERAÇÕES FINAIS______________________________________________ 58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______________________________________ 67
8
APRESENTAÇÃO
Essa apresentação ganhou força em meio à escrita desse TCC. Com o
intuito de contextualizar esse estudante que vos dirige a palavra, tanto no
tema, como na própria natureza de um trabalho de conclusão de curso.
Meu interesse em pesquisar a temática “Espiritismo e Educação” vem
desde o início da faculdade. Aliás, cheguei à Universidade, e em meio ao
deslumbramento com idéia de “fazer Unicamp”, uma possibilidade tão remota
e “impossível” para um estudante mediano de uma escola pública do Sul de
Minas, o que explica o deslumbre. Incentivado pela idéia de estudar a escola
espírita. Porém o curso de pedagogia mostrou-me que essa era muito mais do
que a escola, mostrou-me as várias facetas desta instituição, as várias faces da
educação. E pude perceber ano-a-ano, no turbilhão da militância política
estudantil, das leituras e discussões acadêmicas, das vivências diversas que
fizeram explodir uma cachoeira de reflexões, no início políticas, depois
acadêmicas e teóricas até explodir nas profundas e por vezes desconcertantes
reflexões existenciais. O caminho foi longo, 6 anos de graduação. Nesse
período, sonhos emergiram e sucumbiram, perguntas foram respondidas, mas
mais do que isso, perguntas surgiram! Sucumbiu a idéia ingênua de um estudo
de caso sobre uma escola, e emergiu a proposta de em vez de buscar
respostas, buscar perguntas. E é com esse sentimento que propus, a mim
mesmo, um exercício reflexivo, perguntador, sobre as idéias que me
trouxeram ao maravilhoso, esperançoso e ao mesmo tempo, desalentador
mundo da educação. Um estudo sobre as bases filosóficas da pedagogia
espírita se tornou imperativo para me situar teoricamente, para fazer emergir
da minha formação minha leitura sobre a educação e poder, daí, com bases
mais fixas, caminhar na dura, mas gratificante, estrada da docência. O
exercício proposto se justifica, pois a universidade me propôs refletir sobre
diversos aspectos da realidade, porém sempre sob o ponto de vista
materialista, com forte conotação histórico-social. Era preciso que eu pudesse
9
elaborar questões que fizessem aparecer, com certa maturidade, o conflito
entre o materialismo e o espiritualismo, presente na minha formação. Para tal
elegi a realização desse trabalho como parte dessa empreitada, mas destinado a
contrabalançar a formação teórico-ideológica que a universidade me
oportunizou. Durante o curso, durante a militância, priorizei, talvez por falta
de opção, a formação teórica materialista. Neste momento, recuperando a
função e a natureza de um trabalho de conclusão de curso, como um exercício
acadêmico-reflexivo sobre a minha formação, ganhou força a reflexão que
recuperasse a tradição filosófica espiritualista, que o século XIX relegou à
marginalidade acadêmica, ao misticismo dogmático das religiões antigas,
modernas e contemporâneas. Na verdade, o que pretendo fazer é reviver o
conflito histórico entre as pedagogias da essência e as pedagogias da
existência, mas para isso a necessidade de refletir sobre idéias pedagógicas que
remontam à minha formação espiritual ganhou força e característica de
problema de pesquisa, quando surgiu uma proposta pedagógica, defendida em
tese de doutorado na USP (INCONTRI, 2001), que se reivindica, mesmo
trabalhando com categorias das filosofias da essência, revolucionária, no
sentido em que, segundo seus defensores, conjugava a fé e a razão, numa
práxis pedagógica crítica (tanto para o lado materialista como para o lado
espiritualista) e proponente de uma educação para a transformação do ser
humano e do mundo.Veja-se que, diferente de outras propostas pedagógicas
como a católica, por exemplo, essa se coloca no campo que admite a
necessidade de mudar o mundo, resta-me no decorrer do estudo buscar a
confirmação dessa hipótese na prática com que essa teoria dialoga. Por isso
meu objetivo nesse trabalho não é o de ser apologista da Pedagogia Espírita,
mas dar voz a ela, a partir de seus autores/pesquisadores de referência e
procurar entender sua concepção de mundo, de educação, sua visão sobre os
momentos históricos em que se encontram suas raízes filosóficas, com o
intuito de contrapor à minha formação acadêmica, e poder melhor refletir
10
sobre minha prática. Acredito ainda que o presente estudo, incipiente, pode
contribuir para que outros façam o mesmo: Tomem conhecimento, com
maior amplitude possível, das diferentes teorias e concepções pedagógicas,
para com mais clareza epistemológica poder, pronunciar, parafraseando Paulo
Freire, a educação. É daqui que parte meu exercício reflexivo, que deve
buscar, não respostas, mas elementos para uma reflexão mais completa.
11
INTRODUÇÃO
Dora Incontri (2001) em sua tese de doutorado1 questiona os motivos
que levaram o Espiritismo, “uma corrente do pensamento francês do século
XIX, que provocou grande impacto social” (p. 16), à marginalidade dos estudos
acadêmicos, sendo abordada, quando muito, do ponto de vista antropológico,
como fenômeno social e raramente a partir de suas próprias idéias2.
No mesmo estudo a pesquisadora apresenta diversas personalidades
das ciências, das mais diversas áreas do conhecimento, que dispensaram
atenção ao estudo do espiritismo, dentre eles estariam: Arthur Conan Doyle
(1859-1930), célebre escritor inglês, pai de Sherlock Holmes, e autor da obra
“História do Espiritismo”3; o astrônomo Camille Flammarion (1842-1925)
fundador da Sociedade Astronômica da França; e o jovem biólogo Alfred
Russel Wallace, que apresentou simultaneamente com Darwin a Teoria da
Evolução na Sociedade Lineana de Londres em 1858, tendo divergido de
Darwin ao admitir a possibilidade de interferências não identificáveis nas
causas da evolução. Continua chamando a atenção para a omissão dessas
informações nas biografias e estudos sobre as idéias desses pensadores ainda
mais quando esses constituem referência em suas áreas.
O que teria provocado isso que parece um implícito e estranhopacto de silêncio, em torno de uma filosofia, que teve suaprojeção na Europa do século XIX e continua conquistandoadeptos, 150 anos depois? Ainda que fosse para criticá-la, porque não comentá-la? (ibidem, p. 21).
1 COLOMBO, Dora Alice (Dora Incontri). Pedagogia Espírita: Um projeto brasileiro e suas raízeshistórico-filosóficas. São Paulo, Feusp, 2001 (tese de doutorado).2 Exemplos dessa abordagem: CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira (org.). Católicos, protestantes,espíritas. Petrópolis, Ed. Vozes, 1973; CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira. Kardecismo e umbanda.São Paulo, Pioneira, 1961; CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. O mundo invisível. Rio deJaneiro, Zahar, 1983. (Apud INCONTRI, 2001, p. 11).3 DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. São Paulo, O Pensamento, 1960.
12
Ferro (1989), ao analisar o modo de produção das obras históricas,
demonstra que a história é produzida a partir de focos distintos de produção de
conhecimento. Ele analisa o historiador como subserviente a grupos e
instituições, tendo o Estado como a principal instituição, e de maior alcance. É
nesse sentido que os teóricos da Pedagogia Espírita questionam o
silenciamento das filosofias espiritualistas, sobretudo para com a doutrina
espírita, e a notoriedade de outras teorias, em geral de fundo materialista,
como o marxismo e o positivismo, ambos contemporâneos do Espiritismo.
Os teóricos dessa pedagogia defendem a Doutrina Espírita como
categoria de análise, como matriz teórico-metodológica para pesquisas
acadêmicas, para leitura do mundo e a resolução dos seus problemas. Nesse
sentido argumentam em favor do espiritismo, questionando o silêncio que
“paira” em torno dele, como corrente de pensamento e o confrontando com as
grandes correntes de pensamento do século XIX e XX.
Esse é o debate que a Pedagogia Espírita trava, no esforço de se
consolidar, enquanto teoria pedagógica, fundamentada na filosofia espírita da
educação que, por sua vez, está assentada sobre os pilares da Doutrina
Espírita.
Tomamos como pauta para essa reflexão as seguintes questões:
• O que vem a ser a pedagogia espírita?
• Quais são suas origens?
• Qual a sua concepção/visão de educação, de homem e de criança?
• Quais perspectivas podemos esperar, se aplicadas as suas
propostas?
13
Para o melhor entendimento do debate, faz-se necessário que
organizemos a exposição de forma lógica na tentativa de responder às
questões acima colocadas. É o que faremos nos seguintes capítulos.
No primeiro capítulo nosso objetivo foi contextualizar o Espiritismo, que é
a base fundamental da Pedagogia Espírita. Nele nos esforçamos para mostrar
brevemente o entendimento dos teóricos dessa pedagogia sobre o século XIX
e XX, destacando suas principais idéias, observando o que há de convergente
ou divergente entre elas e o espiritismo. Ao final, apresentamos um resumo do
espiritismo com o intuito de completar a tarefa proposta pelo capítulo.
A pauta do segundo capítulo foi o diálogo entre filosofia, ciência e
religião, proposto pela Doutrina Espírita, alertando para a especificidade de
cada conceito, e apresentando o entendimento dos espíritas sobre o tema.
No terceiro capítulo, o objetivo central foi caracterizar a pedagogia
espírita, seu conceito, origens, principais idéias e seu movimento.
Ao final do trabalho, nas considerações finais procuramos responder às
questões colocadas no início desse trabalho. Também fizemos um esforço
comparativo entre a pedagogia proposta pelo pedagogo polonês Bogdan
Suchodolski (1903-1992) e a Pedagogia Espírita. Para isso apresentamos uma
síntese da análise que o autor faz sobre o conflito histórico entre as
Pedagogias da Essência e as Pedagogias da Existência e a superação desse.
Procuramos, ainda, refletir sobre a perspectiva que a pedagogia Espírita teria
de ser uma alternativa a superação dessa antinomia, propondo ao final novas
questões que continuem esse debate.
14
CAPÍTULO IO CONTEXTO
1. O século XIX
Bigueto (2006), em sua dissertação de mestrado sobre o educador
espírita Eurípides Barsanulfo, defendida na Unicamp4, apresenta um
“panorama conjuntural do final do século XIX” (p. 3), no qual aponta para um
período caracterizado pelo otimismo originário dos ideais iluministas e da
Revolução Francesa de 1789. Dora Incontri, ao analisar esse século, com o
intuito de confrontar o espiritismo com seu contexto histórico-cultural, aponta no
mesmo sentido: “Por 200 anos, a civilização européia viveu um frenesi
entusiástico de idealismo progressista, (...), Tudo tem sabor de confiança, de
uma vontade aceita como possível de atingir dias mais radiantes para a
humanidade. (INCONTRI, 2004 p. 35)”.
Entretanto, esses dois pesquisadores admitem que em tal período, nem
tudo foi tão animador: “É verdade que, por outro lado, no século XIX, há
ressaibos de sombra e amargor (ibidem, p.37)”. Alessandro Bigueto diz:
“Havia pesadelos incômodos. Em meio à longa paz daqueleperíodo, havia um mal-estar, os críticos identificaram impulsospara a morte e para a guerra, na consciência individual ecoletiva. É possível localizar o tédio romântico, a afirmação daidentidade nacional à custa da destruição mútua e a sombrado ultramontanismo católico-romano. (BIGUETO, 2006 p.14)”.
Regis de Morais (2002), ao falar dos “caminhos e descaminhos do
século XIX”, em seu livro Educação e Espiritualidade, aborda a contradição do
período:
De um lado, formidáveis conquistas científicas e tecnológicas,bem como avanços artísticos, insuperáveis até hoje;
4 BIGUETO, Alessandro César. Euripedes Barsanulfo: um educador espírita na Primeira República.Campinas-SP, Faculdade de Educação da UNICAMP, 2006 (dissertação de mestrado).
15
surgimento de várias ciências vitais e consolidação dasCiências humanas. De outro lado, a lógica industrialista comseu empobrecimento de concepção de ser industrialistahumano e de valor da vida do homem, o acendramento dascompetições e da agressividade da vida social. Século degrandes realizações e de grandes equívocos. (MORAIS, 2002,p.23).
Poderíamos, segundo Alessandro Bigueto definir o esprit du temps
desse século:
“(...) resumindo-o em linhas gerais: 1) as idéias evolucionistas,2) a crença no progresso, 3) a época do cientificismo, 4) asteses utilitaristas, 5) a renovação religiosa, 6) astransformações políticas, econômicas e sociais, 7) a filosofiademocrática, 8) a filosofia liberal, 9) a filosofia positivista, 10)os movimentos sociais: socialistas, anarquistas e comunistas e11) os arraigados nacionalismos (BIGUETO, 2006, p.13)”.
A evolução era vista como uma lei natural e tinha um sentido, senão
determinado ou previsível, pelo menos pensável, inteligível. O indivíduo
transcendia em algo maior (sociedade, ciência). A ciência era capaz de
determinar a verdade. O Espiritismo era original quando considerava o
indivíduo devidamente, numa relação dialética com a sua metanarrativa, não o
diluindo na espiritualidade e nem a desconsiderando. (INCONTRI, 2004)
A equação “fé/razão” foi muito debatida no período em questão. A regra
era romper com qualquer resquício da Idade Média, e se essa fora dominada
pela Igreja, pela revelação divina e pela figura de Deus no centro de qualquer
sofrimento ou melhora, o século que nascia deveria ser voltado para a razão,
para as descobertas científicas, advindas da observação da natureza sem
qualquer interferência sobrenatural, e como vimos anteriormente, o homem
tomava de Deus as rédeas da humanidade e a galope seguia rumo à
felicidade, sendo ele o agente de transformação. Vejamos o que Dora incontri
diz sobre o cientificismo nascente:
16
“O método científico, constituído a partir do Renascimento,propõe-se desvendar a estrutura da realidade e estedesvendamento produz ações. A tecnologia, cujos primórdiosde desenvolvimento remontam à Revolução Industrial, é oresultado prático da ciência e portanto um indício evidentepara a mentalidade da época de que o progresso não terialimites e poderia realizar os sonhos humanos. (INCONTRI,2006, p.40).
O espiritismo não fugia à crítica aos sistemas religiosos do passado,
porém o fazia sem negar a essência espiritual do homem, como fizeram a
maioria das correntes de pensamento do “século dos materialismos”. Sobre
essa questão Dora Incontri nos alerta: “O contexto histórico ocidental, porém,
tornava sinônimos religião e Cristianismo e este, num certo sentido, visto como
Igreja Católica. Aliás, o próprio absolutismo desta determinara tal concepção.
(INCONTRI, 2004, p.44)”. Kardec, na contramão, das teorias materialistas e da
ortodoxia católica, propunha revitalizar a pureza inicial do Cristianismo, sem
cultos exteriores, sacerdócio, liturgias ou organização institucional. Desse
modo, o pedagogo se manifestou, ao mesmo tempo recusando e apontando o
caráter religioso, cristão dessa doutrina:
“Assim, pois, o Espiritismo se fundamenta em princípios geraisindependentes de toda questão dogmática. É verdade que eletem conseqüências morais, como todas as ciências filosóficas.Suas conseqüências são no sentido do Cristianismo. (...) OEspiritismo não é, pois uma religião. Do contrário, teria seuculto, seus templos, seus ministros. Sem dúvida cada um podetransformar suas opiniões numa religião, interpretar à vontadeas religiões conhecidas; mas daí à constituição de uma novaIgreja há uma grande distância e penso seria imprudenteseguir tal idéia. (KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 149. ApudINCONTRI, 2004, p. 60)”.
Entretanto, o espiritismo não tem exclusividade nesse movimento,
voltado para um Cristianismo tradicional não ortodoxo. Ao longo dos tempos
foram vários os movimentos e pensadores que tentaram reviver o cristianismo
17
original, opondo-se ao catolicismo e ao protestantismo tradicionais, como foi o
caso do movimento franciscano. (INCONTRI, 2004).
Entretanto, essa visão espiritualista crítica, que buscava suas raízes na
religião natural de Rousseau e Pestalozzi, no Pietismo inicial, no hussismo5 dos
Morávios e é claro no Cristianismo original não foi regra no chamado século
das luzes. Na esteira da negação ao velho representado pela Igreja e pelo
regime sócio-político-econômico da Idade Média, as correntes de pensamento
assumiram uma postura antiespiritualista, admitindo para leituras legítimas do
mundo exclusivamente pressupostos materialistas e ateus.
Desde Comte, que defendia a superação dos estados fetichista e
metafísico pelo estado positivo6, passando por Marx & Engels, defensores da
idéia de que a religião era mais um instrumento de dominação, a ser extirpado
na ditadura do proletariado, rumo ao comunismo; por Nietzsche que decretou a
morte de Deus, até chegar em Freud, que pregou em “O futuro de uma ilusão”
a religião como criação psicológica do homem diante do mundo, confirmando
as influências no século XX da onda materialista do século XIX, percebemos o
esforço em atrelar qualquer pensamento espiritualista ao conservadorismo, à
alienação e até mesmo a um delírio coletivo.
Sobre a querela entre espiritualismo e materialismo Bigueto tenta
demonstrar que:
“Apesar de, historicamente, o ateísmo ter se disseminadocultural e socialmente, deixando de ser uma convicção depoucos, as profecias do fim da religião e do espiritualismo nãose concretizaram. As experiências religiosas cresceram, nãohouve uma dissolução da transcendência e a idéia de Deusnão morreu. Ao contrário, paradoxalmente, o fenômeno
5 Refere-se aos descendentes de Jan Huss, antigo Reitor da Universidade de Praga queimado vivo pelainquisição em 1415, que fundaram um movimento inserido na Reforma, da qual Comenius era integrante.6 É curioso e pertinente lembrar que Augusto Comte, pai do Positivismo criou uma espécie de religião dahumanidade, onde encontramos hierarquia, ritos e sacerdotes.
18
espiritual e religioso continuou vivo e fecundo”. (BIGUETO,2006, p. 16-17).
Remonta aos ideias do líder socialista francês Jean Jaurès (1859-1914),
para alertar que o espiritualismo ainda era vivo nas idéias sociais do século XIX
e ao caráter essencialmente espiritualista da filosofia de Sócrates e Platão,
fazendo coro com Herculano Pires7, ao defender que historicamente
encontramos a tendência e tradição filosóficas no campo do espiritualismo. E
continua afirmando:
“(...) as previsões dos profetas materialistas foramcontrariadas. Para muitos, isso pode comprovar o quanto o serhumano é religioso. A secularização, não conseguindo acabarcom a religião, sem querer deu mostras da sua importância, danecessidade e da naturalidade da dimensão espiritual dohomem. A grande maioria da humanidade continuoureligiosa”.(ibidem, p. 18).
Como vimos, os teóricos da Pedagogia Espírita buscam demonstrar a
contemporaneidade do espiritismo com as grandes corrente de pensamento
surgidas no século XIX, defendendo a tese de que na tradição filosófica
espiritualista podem-se encontrar visões de mundo críticas, abrindo então o
debate, antes considerado fechado pelos materialistas.
2. O século XX
As correntes do século XX encontram suas raízes no século XIX, “como
oposição ao evolucionismo otimista e o cientificismo racionalista”. (INCONTRI,
2004, p.63), segundo a pesquisadora Dora Incontri, esse século é
caracterizado pela nadificação de tudo. Ela atribui essa tendência ao próprio
contexto totalizante do século anterior:
7 PIRES, Herculano. O espírito e o tempo. São Paulo, Pensamento, 1964, p. 165-166.
19
“Se o inchaço do espírito e do coletivo social sugere a reaçãodo singular e do individual de um Kierkegaard e de umNietzsche, projetando-se para o século XX no domínio dosubjetivismo, aquela absorção do ser individual no todo ohavia esvaziado de essência e quando se reafirma o indivíduo,já ele não tem mais substância alguma. Primeiro se nadificaperante o todo, depois se nadifica na solidão e na angústiaexistencial, suspenso no vácuo da perda de todos osparâmetros que o sustentavam”. (ibidem, p.64).
Adiante continua: “A dilatação da razão até o limite do irracional é que
prepara o irracionalismo desenfreado de Nietzsche, envenenando a filosofia do
século XX de uma desconfiança na racionalidade”. (ibidem, 65).
Morais (2002) em seu intrigante ensaio “Das orgias materialistas do
século XIX às orgias místicas do século XX” em que discorre sobre o
movimento pendular das correntes de pensamento desse período, defende a
idéia de que o século passado foi herdeiro “das conquistas e dos equívocos
estagnantes do oitocentos” (p.24).
Poderíamos caracterizar esse período, principalmente a segunda
metade, como o da descrença em qualquer tipo de metarrelato, de qualquer
verdade ou parâmetro. Tudo vira jogo de linguagem. Está estabelecido um
vazio ético.
“Fragmentação do sujeito, nadificação da verdade, ausênciade sentido, ininteligibilidade das coisas, irracionalidade dodiscurso – esses são os traços predominantes do século XX,sem aparentes perspectivas de qualquer segurança ouconforto no limiar do século XXI. Tudo isso, evidentemente,gerou uma crise de valores, sem precedentes na história dahumanidade”.(INCONTRI, 2004, p. 71).
São nas teses pós-modernas que vamos encontrar a origem dessas
idéias. Como bem nos demonstra Eagleton: “Pós-modernidade é um
pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade
e objetividade, a idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas
20
únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos da explicação”.
(Eagleton, 1999, Apud Freitas, 2005, p. 13).
Luiz Carlos de Freitas (2005) argumenta que o pós-modernismo serve à
causa liberal-conservadora, tornando o entendimento do mundo uma questão
local, individual. Alerta ainda, que “nem mesmo a crítica do moderno, já
acumulada ao longo da própria modernidade, é levada em conta. É como se a
história tivesse começado agora, (...), é como se ela não fosse relevante para o
presente...” (p.14).
Na esteira de seu pensamento, Freitas se preocupa com as
conseqüências de tais teses: “A regra tem sido a insegurança, o consumismo,
a competição, a virtualização das relações, a aceleração de todos os tempos,
até a instantaneidade da extraterritorialização do celular. Parecera que não há
futuro”.(ibidem, p. 91). Sobre os efeitos dos ventos pós-modernos Dora Incontri
diz:
“Em nossa democracia moderna, em que pese a aparentevalorização da escolha individual o indivíduo na realidade nãoé. Não é, por que as filosofias contemporâneas vivemapregoando o ser e o nada, mas também porque ele se fazresultante de uma modelação ideológica, empreendida pelamídia, a serviço de uma economia capitalista”. (INCONTRI,2004, p.65).
Esses trechos demonstram que o interesse nas conseqüências filosóficas,
que têm reverberações sociais e políticas, não é exclusividade dos espíritas.
Embora partam de lugares diferentes e estejam em campos teóricos opostos
aos dos espíritas, os próprios marxistas alertam para a dificuldade de se definir
o que é justo ou injusto nos tempos atuais (NANDA, 1999, Apud Freitas, 2005).
Para os espíritas o que está em jogo é a substituição do “homem-sujeito
autônomo, livre, responsável, pelo homem-corpo, homen-animal, puro instinto
21
ou ainda homem desejo”. Incontri defende a tese de que a origem da ética
universal, ”com todo seu cortejo de liberdade, consciência, igualdade”, está na
assunção do espírito e de sua transcendência.
Abolido o espírito ou quaisquer resquícios dele (que os havia,mesmo inconscientemente em doutrinas materialistas doséculo XIX), sobrou a corporeidade, a única instânciaexistencial, a única realidade tangível. O que é o homem semespírito? Um animal determinado pela genética, feito pelomeio, moldado pelas circunstâncias, porque a únicapossibilidade de ser de fato é de ser que transcende.(INCONTRI, 2004, p.73).
Kardec (1993), já apontava, na segunda metade do século XIX as
conseqüências da doutrina que propõe ao homem, nada existir, antes da vida e
nada existir depois da morte:
“O homem, não sendo senão matéria, não há de real e deinvejável senão os gozos materiais; as afeições morais nãotem futuro; os laços morais são quebrados sem retorno namorte; as misérias da vida são sem compensação; o suicídiotorna-se o fim racional e lógico da existência, quando ossofrimentos são sem esperança de melhora; é inútil se imporum constrangimento para vencer seus maus pendores; viverpara si o melhor possível, enquanto estiver aqui; (...) O bem eo mal são coisas de convenção; o freio social é reduzido aopoder material da lei civil”. (ibidem, p.190).
De fato, se observarmos o noticiário televisivo, on-line ou impresso,
perceberemos que a atualidade está imersa na violência e no total desrespeito
à vida, sem qualquer tipo de parâmetro que possa frear esse estado de coisas.
Desde a decisão dos Estados Unidos de invadir o Iraque e o Afeganistão,
passando por cima das decisões da ONU, baseados em argumentos forjados e
motivados por interesses puramente econômicos, passando pelos assassinatos
em massa cometidos por adolescentes desequilibrados aqui e ali, pelo alto
consumo de drogas (lícitas e ilícitas) praticado pela juventude, em boa medida,
de alto padrão aquisitivo e cultural, até chegar à realidade mais cotidiana, na
22
escola, na família ou no trabalho, o que vemos é a confirmação das
preocupações acima expostas.
3. O que é o Espiritismo?
O Espiritismo é uma doutrina que surgiu na segunda metade do
efervescente século XIX. Teve seu marco inicial em 18 de abril de 1857,
quando o pedagogo francês Hippolyte Leon Denizard Rivail (1804-1869), sob o
pseudônimo de Allan Kardec lançou “O Livro dos Espíritos”. Nesse livro, o autor
colocava-se como organizador de idéias apresentadas por inteligências
metafísicas, através de um processo psíquico chamado por ele de
mediunidade. Tais inteligências, a observação veio demonstrar, eram espíritos
de homens desencarnados, ou seja, sem corpo, ou ainda, para usar um termo
de entendimento universal, mortos.
Os espíritos comunicavam-se com o mundo dos vivos através da
mediunidade, que consiste na mediação entre os mundos material e espiritual,
em que o espírito utiliza-se do corpo físico de uma pessoa viva para comunicar-
se com as demais. A partir desse processo psíquico, respondiam perguntas
elaboradas por Kardec e seu grupo. As respostas foram compiladas, estudadas
e comparadas com outras, obtidas por processos semelhantes em diversas
partes do mundo e enviadas a Kardec por carta. As que demonstravam o
mesmo conteúdo em diversas partes do planeta, coerência e lógica com as
demais repostas (afinal, uma afirmação não poderia contradizer a outra) e
fundamentação eram tomadas como repostas corretas e constituintes dessa
doutrina dos espíritos, designada Espiritismo pelo seu codificador, como queria
ser chamado Allan Kardec.
23
“Agi, pois, com os espíritos, como o teria feito com os homens;foram para mim, desde o menor ao maior, meios de meinformar, e não reveladores predestinados.Tais foram adisposições com as quais empreendi, e sempre persegui osmeus estudos espíritas; observar, comparar e julgar, tal foi aregra constante que segui”. (KARDEC, 1993, p. 260).
O processo, que culminou no surgimento do espiritismo teve início no
final da década de 1840, quando fenômenos considerados paranormais foram
descritos no interior dos Estados Unidos e na Europa. Mais tarde, tais
fenômenos fizeram-se comuns, sendo atração nas rodas sociais parisienses,
que se divertiam com as tais “mesas-girantes”8. Foi em uma dessas reuniões
que o pedagogo Denizard Rivail, desconfiado, teve o primeiro contato com o
Espiritismo. E diante do fato das mesas responderem questões inteligentes,
terem vontade própria, humor e, à primeira vista não serem animadas por
ninguém que pudesse manipular seu comportamento, Rivail pôs-se a estudar o
fenômeno.
“Esse movimento era lógico, eu concebia a possibilidade domovimento por uma força mecânica, mas, ignorado a coisa e alei do fenômeno, parecia-me absurdo atribuir inteligência a umacoisa puramente material. Estava na posição dos incrédulos denossos dias que negam porque não vêem senão um fato doqual não se dão conta Há 50 anos, se tivessem dito, pura esimplesmente, a alguém que se podia transmitir um despacho a500 léguas, e receber-lhe a resposta em uma hora, se vos ririana cara, não teriam faltado excelentes razões científicas paraprovar que a coisa era materialmente impossível. Hoje, quandoa lei da eletricidade é conhecida, isso não espanta ninguém,mesmo os camponeses. Ocorre o mesmo com os fenômenosespíritas; para quem não conhece as leis que o regem, parecemsobrenaturais, maravilhosos, e, por conseqüência, impossíveise ridículos; uma vez conhecida a lei, o maravilhoso desaparece;a coisa nada mais tem que repugne à razão, porque se lhecompreende a possibilidade”. (KARDEC, 1993, p. 256-257).
8 O fenômeno das mesas girantes virou atração comum nas reuniões da sociedade parisiense no início dosanos de 1850. Basicamente tratava-se de reuniões em que as mesas se debatiam, se movimentavam emmeio às pessoas, que se divertiam muito. Pelo fato das mesas movimentarem-se pelo salão, respondendoperguntas ou demonstrando seu humor esse fenômeno ficou assim conhecido.
24
Membro de várias sociedades científicas9, professor e autor de livros
pedagógicos e didáticos, dentre eles: “Plano proposto para a melhoria da
instituição pública (1928), Curso prático e teórico de aritmética, segundo o
método Pestalozzi, para uso dos professores primários e das mães de família
(1829), (...) Ditado normal dos exames da prefeitura e da Sorbonne (1849)”.
(Revista Espírita, maio 1869), esse último muito utilizado na época de sua
publicação, Rivail, foi rigoroso em seu estudo, aplicando um método
investigativo minucioso.
“Apliquei a essa nova ciência, como fizera até então, o métododa experimentação; jamais ocasionei teorias preconcebidas:observava atentamente, comparava, deduzia as conseqüências;dos efeitos procurava remontar às causas, pela dedução e oencadeamento lógico dos fatos, não admitindo uma explicaçãocomo válida senão quando podia resolver todas as dificuldadesda questão. Foi assim que sempre precedi em meus trabalhosanteriores, desde a idade de 15 a 16 anos. (...) seria preciso,pois, agir com circunspecção, e não levianamente; ser positivonão idealista, para não se deixar iludir”.(KARDEC, 1993, p.259).
Segundo Incontri (2004), essas palavras demonstram que Kardec
pensava a Pedagogia como uma ciência, assim como seu mestre, Pestalozzi.
A autora alerta, ainda, para a herança iluminista do educador francês, com a
qual “partia para a pesquisa dos fenômenos em vista, já que é impossível, (...),
interpretar qualquer fenômeno sem um referencial teórico” (p. 27). Contudo,
mostra a honestidade de Kardec em se dedicar à pesquisa desses fenômenos
sem pré-conceitos.
Herculano Pires (1957) em texto escrito por conta das comemorações de
100 anos da publicação de “O livro dos Espíritos” analisa o conjunto dessa obra
e sua importância para a doutrina espírita e para o mundo moderno. Nessa
9 Destaca-se sua presença na Academie Royale d’Arras, que em concurso realizado no ano de 1831premiou a dissertação “Qual é o sistema de estudos mais em harmonia com as necessidade da época?”
25
análise, Pires demonstra que as demais obras básicas dessa doutrina partem
do seu conteúdo, colocando-o não só como marco inicial do espiritismo ou sua
pedra fundamental, mas como “(...) seu núcleo central, e ao mesmo tempo
arcabouço geral da doutrina, (...) seu verdadeiro tratado filosófico” (idem).
O livro dos Espíritos lançou as bases de uma doutrina complexa,
multifacetada, porém simples, de fácil entendimento10, que responde grandes
questões existenciais do ser humano11. Essas respostas têm como base de
sustentação o processo do qual foram resultadas, que pode ser repetido por
qualquer pessoa, e, tomadas às precauções inerentes a qualquer método
experimental, tirar a contraprova. Como fez o químico e físico inglês, prêmio
Nobel de química (1907) Sir William Crookes (1832-1919), quando contratado
pela corte inglesa para desmistificar o espiritismo, e em uma série de
experimentos, constatou a veracidade dos fenômenos espíritas. Os resultados
de sua pesquisa foram publicados no livro Fatos Espíritas (FEB, 1991).
Essas são faces de dois aspectos do Espiritismo, o filosófico e o
científico, que conjugados têm conseqüências morais, constitui uma ética. Da
conjugação desses dois aspectos com aquele que lhe é conseqüência, temos
o tripé da doutrina dos espíritos: filosofia, ciência e religião. Para entender
melhor essa questão, dedicaremos um capítulo do nosso trabalho ao proposto
diálogo. É o que segue.
escrita pelo educador Denizard Rivail.10 O Livro dos Espíritos (OLE) foi publicado em Francês popular, sem preocupações técnicas dalinguagem e exposição filosóficas, para o entendimento de todos.11 Por exemplo, questões relativas à continuidade evolutiva da vida, à origem e destino do homem, douniverso, imortalidade da alma, desigualdade de aptidões, riquezas.
26
CAPÍTULO IIDIÁLOGOS ENTRE FILOSOFIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO...
Esse capítulo tem por objetivo, apresentar a proposta espírita de diálogo
entre filosofia, ciência e religião. Reconhecemos a importância e pertinência de
um debate mais demorado e meticuloso sobre o assunto, porém não teremos
espaço nesse trabalho para essa tarefa, devido a sua própria natureza, de
TCC, e ainda a necessidade de nos concentrarmos no recorte que optamos
fazer. O debate é denso e requer, quem sabe, um trabalho específico. Para
nós é importante, no contexto dessa reflexão, uma vez que tratamos, ora de
maneira direta, ora como pano de fundo, de conceitos de ciência, filosofia e
religião.
Como apontamos no capítulo anterior, o Espiritismo propõe um diálogo
entre a filosofia, a ciência e a religião. Pudemos perceber isso em “O Livro dos
Espíritos” e mais tarde na demais obras consideradas básicas pelos adeptos
dessa corrente de pensamento. Vejamos o que Chibeni diz sobre tal
abordagem:
“Se pensarmos no Espiritismo em termos de filosofia, será umafilosofia apoiada em bases científicas, e que tem como um dosobjetivos centrais o estudo das questões morais. Se pensarmosem termos de ciência, não será uma pesquisa seca, quesimplesmente constate e sistematize fatos, mas de umainvestigação de longo alcance sobre um objeto de fundamentalimportância, o elemento espiritual. Essa ciência complementa,pois, as ciências acadêmicas, cujo objeto de estudo é oelemento material. E, pela própria natureza de seu objeto deestudo, a ciência espírita necessariamente diz respeito a tópicosgenuinamente filosóficos, dentre os quais ressalta, por suaimportância prática, aqueles referentes à moral” (CHIBENI,2003).
Kardec afirma:
O Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação euma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas
27
relações que se podem estabelecer com os Espíritos; comofilosofia, ele compreende todas as conseqüências morais quedecorrem dessas relações. (KARDEC, 1959).12
Os trechos transcritos explicitam a tese de indissociabilidade entre
filosofia, ciência e religião proposta pelo Espiritismo. Entretanto, é preciso
alertar para a especificidade desses conceitos. A doutrina dos espíritos é
apresentada por Allan Kardec de forma a não se confundir nenhum deles com
os até então utilizados.
A ciência espírita possui objeto e método próprios, não podendo ser
adaptada às metodologias das ciências materialistas como vimos em Chibeni.
Sua contribuição capital é a conjugação entre fé e razão, na aplicação do
método experimental às coisas metafísicas. A filosofia espírita, isenta de
“prejuízos de sistema”, é uma filosofia racional, que tem seus fundamentos na
imortalidade da alma, evidenciada pela mediunidade:
“A metafísica torna-se pois um pressuposto dado pela ciênciaespírita e o desdobramento filosófico se dá pela discussãoracional, construindo-se a coerência interna da doutrina. Afilosofia espírita alimenta-se ao mesmo tempo dos fenômenosestudados pela ciência espírita e do ensinamento dado pelosespíritos desencarnados (...)” (INCONTRI, 2004, p.29).
A religião espírita talvez seja o aspecto que mais tem suas diferenças
fundamentais enfatizadas, em relação ao conceito a si atribuído. Kardec era
defensor da religião natural, uma religião sem sacerdotes, sem igrejas, liturgias
ou hierarquias, de caráter interior. Enorme foi a ênfase que ele deu, em seus
escritos, à crítica dos sistemas religiosos tradicionais, protestantes ou
católicos. Características como o controle universal do ensino dos espíritos
distingue de forma capital o espiritismo das religiões tradicionais, baseadas na
12 KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. 1959.
28
revelação de um só profeta. O espiritismo é ainda “uma revelação religiosa, por
que pela mediunidade, os espíritos propõem teorias teológicas e morais e
filosóficas e cosmológicas” (ibidem, p. 30).
Embora seja consenso, no movimento espírita, que o Espiritismo propõe
com sucesso o diálogo entre filosofia, ciência e religião, o mesmo não
aconcetece quando o assunto é pesquisa acadêmica. Pesquisadores espíritas,
reconhecidos no meio universitário em suas áreas de conhecimento,
consideram que, embora seja uma ciência e uma filosofia, o espiritismo não
deve servir de base para pesquisas acadêmicas. Essa tendência encontra
fundamentos no entendimento de que a academia moderna é local privilegiado
das ciências de fundo materialista, sobretudo o positivismo, que superou o
pensamento teológico predominante nas universidades na Idade Média. Sobre
isso, Chagas, no texto “Espiritismo na academia?” apresenta um “passeio
histórico” remontando à origem da academia e das universidades, no qual
analisa a situação destas em relação às correntes de pensamento:
“Certas disputas de cátedras tornaram-se célebres. Opositivismo conquistou maiores posições e no início do século(após a 1ª Guerra mundial), parece ter havido um armistício.Surgiu uma terceira força neste embate: o marxismo, que seinstalou oficialmente na recém-criada União Soviética. Asituação atual nos países ocidentais, onde nos incluímos, énítida a predominância ideológica do positivismo, com algunsbolsões teologias (católicos ou protestantes), todos vivendouma aparente coexistência pacífica. O marxismo, apesar demuito difundido, poucas vezes ameaçou o poder daacademia” (CHAGAS, 1994, p. 21-22).
Outra tendência, na qual a pedagogia espírita está inserida, vê no
espiritismo uma matriz teórico-metodológica que deve servir de base para
pesquisas acadêmicas, como já foi mencionado nesse trabalho. Para a defesa
(http://www.espirito.org.br/portal/codificacao/oq/index.html)
29
de tal empreendimento, seus adeptos recorrem, assim como seus opositores,
à história da universidade, considerando essa como espaço privilegiado,
imprescindível para as transformações.
“A universidade é uma das belas heranças que o final daIdade Média nos deixou. Os séculos XII e XIII, que viram seuinício, foram palco das mudanças sociais, culturais e políticas,que desembocariam no Renascimento. Aliás, o século XII éconsiderado como a primeira etapa do movimento que tomariamais tarde esse nome.” (INCONTRI, 2003).
Também a universidade brasileira é objeto de análise do artigo. A autora
alerta para o fato do Brasil somente fundar sua primeira universidade na
década de 1930, quando praticamente em todos os países da América Latina
já havia Universidades que contavam pelo menos 100 anos. Esse fato
constitui, segundo Incontri, uma das causas para a falta de originalidade (Salvo
Darcy Ribeiro e Sergio Buarque de Holanda) da academia brasileira e para o
colonialismo intelectual predominante.
Para Incontri o espiritismo entendido como “método de conhecer” ,
como um novo paradigma, constitui valiosa possibilidade de contribuição
original brasileira para a filosofia e a ciência.
“E essa originalidade pode ser uma contribuição espírita àcultura brasileira e, ao mesmo tempo, uma contribuiçãobrasileira à cultura internacional. Mas ela precisa serconstruída. Está implícita em Kardec, mas longe de estaraplicada (com todas as suas articulações) nas várias áreas doconhecimento. E essa construção só pode ser feita nauniversidade.” (idem)
No fundo dessa divergência encontramos entendimentos opostos sobre
a academia e sobre a universidade. O que constitui, de certa forma,
divergências sobre o próprio conceito de ciência. Entretanto, é lugar comum
entre essas duas visões que o Espiritismo constitui uma ciência, específica,
com método e objeto próprios, e que dele emerge um novo paradigma.
30
Para superar essa querela, é importante que seja realizada uma
pesquisa de fôlego, que debata as raízes epistemológicas espíritas,
confrontando com o debate teórico mais geral sobre teoria do conhecimento e
epistemologia, bem como reflita sobre a história e a natureza da universidade e
da academia, continuando o trabalho iniciado por Dora Incontri (2001, 2003,
2004), já citada aqui, os estudos de Chibeni sobre a cientificidade do
espiritismo (1988, 1990, 1994, 2003) e de Chagas (1987, 1994, 1995).
31
CAPÍTULO IIIA PEDAGOGIA ESPÍRITA
Imperioso para o correto entendimento sobre a Pedagogia Espírita, sem
os prejuízos de conceitos pré-estabelecidos, é o entendimento de que essa
teoria pedagógica está inserida na tradição filosófica ocidental espiritualista e
se afirma a partir da emersão de um novo paradigma, o paradigma do espírito,
a partir do qual é possível uma releitura dessa tradição filosófica ocidental.
O paradigma do espírito, segundo Incontri, tem se constituído há 2500
anos como projeto de emancipação humana, e remonta a Sócrates e Platão,
passando por Cristo, Comenius, Rousseau e Pestalozzi, até chegar a Kardec,
quando fica explícito, a partir de uma experimentação positiva fundamentada,
conceitos como imortalidade da alma e reencarnação, até então intuitivos na
obra e prática dos seus precursores (INCONTRI, 2001.)
Assim Incontri (2001) resumiu os principais pontos desse paradigma: 1)
Entendimento de Jesus fora dos padrões míticos que o têm cercado; 2)
afirmação do sujeito autônomo e livre; 3) segura racionalidade, aliada a fé sem
fanatismos; 4) proposição de uma educação humana, que faça brotar as
potencialidades do homem e o conduza à felicidade individual e coletiva; 5)
busca de um conhecimento verdadeiro e manifestação da crença na ação
transformadora do homem.(p. 110).
Outro ponto, não menos importante, é considerar que a proposta da
pedagogia espírita se contextualiza numa dualidade do movimento espírita
brasileiro. No qual encontramos duas tendências bem definidas uma que dá
mais atenção ao aspecto religioso, assistencialista e institucional, da doutrina,
imprimindo no espiritismo um caráter conservador; outra que entende esse
32
como um projeto pedagógico-cultural, progressista, com claras contribuições
para a transformação da humanidade. Incontri caracteriza bem tais tendências,
identificando na segunda a Pedagogia Espírita:
“A primeira reduz a questão educacional espírita aos centros,com cursos internos para adultos sobre Espiritismo e achamada ‘evangelização’ das crianças — cujo nome já indicao caráter predominantemente religioso e mesmo catequético.A segunda propugna pela criação de escolas, centrosculturais, universidades espíritas, sem caráter sec tário .Numericamente, a primeira tendência é maior, porquepossivelmente arraigada na mentalidade brasileira, poucoafeita às questões culturais e pedagógicas. A segunda, porém,apresenta muito maior consistência teórica e já tem semanifestado em experiências práticas e ensaios teóricos”.(INCONTRI, 2001, p. 209).13
Não nos interessa aqui fazer um estudo detalhado sobre as experiências
pedagógicas espíritas, interessa-nos captar o que vem a ser essa pedagogia,
traçando seus princípios e conseqüências práticas, por isso vamos nos ater em
apenas citar tais experiências a fim de situar o leitor, e poder melhor responder
nossas questões norteadoras.14
3.1 - Os Precursores:
A pedagogia espírita nasce, segundo Dora incontri, da prática
pedagógica inovadora de educadores espíritas brasileiros que produziram,
fundamentados no Espiritismo, uma práxis significativamente diferenciada da
educação tradicional. “Pode uma escola não alcançar a prática integral de
todos os princípios pedagógicos espíritas. Mas não basta uma escola
autodemoninar-se espírita, para se inserir no quadro desta Pedagogia”.(ibidem,
p. 211 – nota 375). São eles: A carioca de nascimento e paulista radicada
13 Grifos meus.
33
Anália Franco, os mineiros Eurípedes Barsanulfo e Tomás Novelino, o paulista
interiorano Herculano Pires, Pedro Camargo e o paranaense Ney Lobo.
Anália Franco (1853-1919) foi feminista, republicana, abolicionista e
espírita, numa época que a regra era ser escravocrata, machista, monarquista
e católico. A sociedade brasileira se organizava por esses quatros últimos
pilares, sendo de extrema coragem a postura dessa professora paulista, que
acolheu, numa casa alugada com recursos próprios, crianças negras, “filhos e
filhas” da Lei do Ventre Livre, fazendo assim sua primeira Casa Maternal
(INCONTRI, 2001).
Com apoios da Maçonaria, de companheiros espíritas e de outras
mulheres funda, em 1901, a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, que
constitui creches e asilos por todo estado de São Paulo com os seguintes
objetivos:
“1º recolher as mulheres pobres, com ou sem filhos, quese acham ao desamparo; 2º meninas órfãs ou filhas depais inválidos; 3º meninos com suas mães, até 8 anos; 4ºos filhos de mães operárias de 2 anos para cima; 5º criaraulas de instrução primária, secundária e profissional,diurnas e noturnas, para as asiladas ou não; 6º criarsecções especiais para enfermeiras (sic) e mulheresarrependidas (sic).”(FRANCO, 1903. p.5. ApudINCONTRI, 2001)15
Anália Franco é considerada uma representação fiel da mulher
defendida e anunciada por Kardec, no Livro dos Espíritos:.
“A lei humana, para ser justa, deve consagrar a igualdade dedireitos entre o homem e a mulher; todo privilégio concedido aum ou a outro é contrário à justiça. A emancipação da mulhersegue o processo de civilização, sua escravização marchacom a barbárie. Os sexos, aliás, só existem na organização
14 Para uma visão mais detalhada veja: COLOMBO, Dora Alice (Dora Incontri). Pedagogia Espírita: Umprojeto brasileiro e suas raízes histórico-filosóficas. São Paulo, Feusp, 2001 (tese de doutorado).15 FRANCO, Anália. Escholas maternaes. In: A Vóz Maternal, São Paulo, I (1), 1º/12/1903, p. 5.Apud INCONTRI, 2001.
34
física, pois os Espíritos podem tomar um e outro, não havendodiferenças entre eles a esse respeito. Por conseguinte, devemgozar dos mesmos direitos”.(KARDEC, DATA, p. XXX).
Segundo Incontri, Anália Franco tinha uma prática educativa que se
distanciava de qualquer proselitismo ou doutrinação. Mesmo sendo espírita
confessa, Anália não ensinava espiritismo em suas creches e asilos. “Incentiva,
porém, uma religiosidade ecumênica, despertando entre os alunos alguns
conceitos comuns a todas as crenças: a oração, a imortalidade da alma, a
veneração a Deus, a fraternidade humana”. (INCONTRI, 2001, p.229). O que
estaria em pleno acordo com o Espiritismo e indo ao encontro de outras
experiências educacionais espíritas.
Assim Dora Incontri sintetiza a contribuição dessa educadora, mulher
ativista da transformação social:
“A obra abrangente de Anália Franco indica que faz parte dospostulados espíritas uma visão social transformadora,alavancada pela educação, com claras conotações igualitáriase democráticas. Liberdade de pensamento, valorização damulher, respeito às diversidades religiosas e étnicas — todosesses são elementos espíritas encontrados na ação de Anália.Do ponto de vista de sua prática pedagógica, a presençadesses elementos mais as heranças pestalozzianas,fröbelianas e francesas apontadas revelam avanço em relaçãoao tradicionalismo da época”.(Ibidem, p. 234-235)
Eurípedes Barsanulfo (1880-1918), é considerado o primeiro a organizar
uma escola espírita que atendesse ao critério citado. Em 1907, ele funda o
Colégio Allan Kardec, na cidade mineira de Sacramento. Num período em que
era comuns castigos físicos e recompensas, educação diferenciada e separada
para meninos e meninas, Eurípedes aboliu os castigos, as recompensas e
montou classes mistas, suscitando movimentos contrários ao seu colégio. Isso
35
para ficar somente em questões de clara percepção. Assim Bigueto descreve o
Colégio Allan Kardec:
“A escola era particular, gratuita e sem fins lucrativos. Iniciousuas atividades com umas 80 crianças de ambos os sexos epretendia contribuir na valorização da infância, despertar osentimento do bem e a vontade de conhecer. Desde o início,Eurípedes compreendia que o problema educacional ia alémdo mero aprender a ler, contar e escrever. Distanciava-setambém das idéias coercitivas que vigoravam na educação eprocurou substituir práticas pedagógicas tradicionais por umensino cooperativo, adotando métodos que incentivavam aação, a liberdade, a investigação. A experiência do colégioAllan Kardec tinha a intenção de negar a escola livresca,autoritária e distante da realidade. Ao contrário, pretendia criaruma nova forma de lidar com os alunos considerando seusinteresses, necessidades, vivências, promovendo a educaçãointelectual, física e moral.” (BIGUETO, 2006, p.152).
O autor demonstra em sua dissertação de mestrado, Eurípedes
Barsanulfo, um educador espírita na primeira república (2006), a proximidade
das propostas de Eurípedes com as defendidas e praticadas por Pestalozzi em
Stans e Yverdon, de uma práxis espiritualizada, preocupada em formar o ser
humano na sua integralidade, respeitando e criando condições para o
desenvolvimento individual do educando.
Tomás Novelino (1901-2000), motivado pela expulsão de um aluno, de
uma pequena escola de Franca, dirigida por um ex-seminarista, pelo fato do
menino ser espírita, tomou a decisão, de fundar uma escola que protegesse os
estudantes espíritas e de quem quer que fosse, independente de credo. Sua
proposta era de uma escola que não fizesse separações e sob a bandeira da
tolerância religiosa aceitasse crianças de todos as crenças. Dizia ele, o
saparativismo era o mal das religiões. Fundamentado nos ideias espíritas, e no
aprendizado de Novelino com Barsanulfo e Anália Franco16, em 1° de Agosto
16 Órfão de pai e mãe, Novelino foi internado junto com os irmãos e irmãs no asilo Anália Franco em SãoPaulo (1908). Também foi aluno de Eurípedes, no Colégio Allan Kardec, em Sacramento.
36
de 1944, iniciava suas atividade o Educandário Pestalozzi, como a
materialização dessa idéia. (INCONTRI, 2001).
Assim estava escrito na pedra fundamental das obras de ampliação do
projeto educacional, que já não cabia mais, nas instalações iniciais:
“O Educandário primará por ser livre e fazer homens emulheres livres, criaturas ciosas de sua liberdade,amantes do bem, do trabalho, da atividade, da evolução,e não seres modorrentos que muito embora consigam àsvezes grande cultura, a traga simplesmente acumuladana memória. (…) O educandário porfiará por lapidar emseus alunos intelecto e coração, aprimorando-lhes razãoe sentimento”. (Educandário Pestalozzi, 1943. ApudINCONTRI, 2001, p.238).17
A experiência de Novelino, para Incontri, encontra paralelos muito
estreitos com as experiências e propostas de Pestalozzi, para uma educação
integral do ser humano. A autora ainda relaciona a ligação entre a indústria de
sapatos, financiadora do projeto, com as escolas, a fazenda e o observatório,
com experiências socialistas como a de Robert Owen (1771-1858), fundador do
cooperativismo.
Embora tenha inovado pouco na questão pedagógica, se comparada à
proposta de Barsanulfo, Tomás Novelino e sua esposa deram uma inestimável
contribuição no que diz respeito à estabilidade financeira, a qualidade
institucional e à preocupação estética e ambiental. (INCONTRI, 2001),
apontando caminhos e mostrando ser possível o envolvimento dos espíritas em
projetos educacionais e culturais.
Herculano Pires (1914-1979) foi reconhecido pelo primeiro presidente, e
fundador da Academia Brasileira de Filosofia, Jorge Jaime de Souza Mendes,
17 Educandário Pestalozzi (in: A Nova Era. Franca, XIX (734), 31/1/46, p 1.). Apud INCONTRI, 2001, p.238.
37
na obra que constitui importante referência para a filosofia brasileira. Em
“História da filosofia no Brasil18”, o acadêmico afirma que “a história da filosofia
brasileira já possui o filósofo do Espiritismo, e esse foi, indiscutivelmente, José
Herculano Pires” (Jaime, 2000, p. 144).
Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1957), jornalista
de profissão, foi também poeta, romancista19, sindicalista20 e professor
universitário, tendo lecionado Filosofia da Educação na Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Araraquara (1959-1962), uma das instituições de
educação superior que deram origem à Faculdade de Ciências e Letras, campi
da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) nessa
cidade do interior do estado.
Com uma atuação multifacetada, Herculano Pires teve participação
singular na luta em defesa da escola pública, laica e gratuita durante os
debates que foram travados no cenário educacional brasileiro na virada dos
anos 50 para os anos 60, entre os que defendiam a escola pública e os que,
sob a bandeira da liberdade de ensino, defendiam privilégios para as escolas
particulares e confessionais (Incontri, 2001). Vejamos o que dizia o Manifesto
em Defesa da Democratização Escolar, assinado pelo Clube do Jornalista
Espírita, presidido por Pires, e enviado ao Senado Federal, a propósito da
aprovação de um substitutivo de Carlos Lacerda a LDB, em discussão desde
1948:
“Os princípios confusionistas do projeto aprovado, que mistificamo problema do ensino, misturando deveres do Estado, cominteresses particulares, em evidente benefício de interessesconfessionais — ainda mais nocivos do que aqueles, por
18 JAIME, Jorge. História da filosofia no Brasil. Petrópolis, São Paulo, Vozes e Faculdade Salesianas,2000.19 É considerado autor de um novo gênero literário, a “ficção científica paranormal”.20 Foi Presidente do Sindicato dos Jornalistas de 1957 a 1959
38
implicarem coação de consciência — são simples resíduos doobscurantismo medieval”. (Apud INCONTRI 2001, p. 275)
Esse movimento culminou na fundação, em 1960, também sob a
liderança de Herculano, da Associação Espírita em Defesa da Escola Pública,
que em 62 lança um novo manifesto, conclamando espíritas e não-espíritas à
luta pela escola pública como espaço de liberdade de consciência. Eram esses,
dentre outros, os princípios da associação:
“(a) Luta incessante contra o ensino religioso nas escolas, porconstituir instrumento de coação das maiorias religiosas contraas minorias, o elemento de condicionamento das consciências,conseqüentemente, de deformação do ensino e da educação; (b)luta incessante contra as discriminações raciais, de cor,ideológicas e religiosas, nos estabelecimentos de ensinopúblicos e particulares, com denúncia e ação judicial nos casosconcretos”. (Associação Espírita em Defesa da Escola pública,1962. Apud INCONTRI, 2001, p. 276)
Ao contrário do que se poderia pensar, os espíritas estiveram, como
acabamos de ver, do lado da escola pública, laica e gratuita, sendo coerentes
com os princípios do espiritismo postulados por Kardec, que rompe com as
instituições, liturgias e hierarquias religiosas, propondo, como Pestalozzi uma
religião natural, interior.
No que diz respeito à coerência com o espiritismo, Pires foi exemplar, se
tornando inclusive, um dos mais, senão o mais contundente e engajado crítico
de setores do movimento espírita brasileiro que consideram essa doutrina
apenas como uma religião. Em seu livro “O Centro Espírita” (LAKE, 1992),
disserta sobre diversos aspectos do movimento espírita, a partir de sua célula
básica. São temas como: a falta de entendimento dos espíritas sobre as idéias
codificadas por Kardec; a própria função e significado do centro; a assistência
social prestada pela instituição; a relação com a comunidade; política, dentre
39
outros. É um verdadeiro compendio crítico à prática do movimento espírita
“oficial” no Brasil. Dizia ele: “A expansão do Espiritismo em nossa terra é
incessante e prossegue em ritmo acelerado. Mas o que fazemos em todo esse
vasto continente espírita é um esforço imenso de igrejificar o Espiritismo, de
emparelhá-lo com as religiões decadentes e ultrapassadas…” (PIRES, 1992, p.
XXI).
No campo da Pedagogia Espírita, o filósofo é considerado o seu grande
teórico e incentivador, tendo produzido vasta bibliografia acerca do assunto.
Liderou três congressos educacionais espíritas no estado de São Paulo21.
Fundou o Instituto Espírita de Educação, resultante do primeiro congresso.
Também foi criador e editor da revista “Educação Espírita”, publicada entre os
anos de 1970 e 1974 (FUCHS, 1990)22.
José Herculano Pires (1990) compreende o espiritismo como sendo uma
“mundivivência” e como projeto cultural, por isso, deve influenciar
significativamente todos os âmbitos da sociedade e do conhecimento. A sua
legitimidade estaria fincada no fato do espiritismo ter surgido naturalmente, e
não por vontade de uma autoridade, firmando-se como doutrina, “com
concepção do mundo e do homem devidamente estruturada em princípios
filosóficos” (p. 5), esses confirmados pela experimentação positiva, realizada
por Kardec ao longo de seus estudos sobre o fenômeno das mesas girantes, e
perfeitamente passíveis de reprodução23. Dessa mesma forma encontramos a
legitimidade da Educação Espírita, que, nas palavras do jornalista “(...) não
21 I, II e III Congresso Educacional Espírita paulista, realizados em 1949, 1955 e 1970, respectivamente.22 Prefácio à primeira edição do livro Pedagogia Espírita, no qual estão reunidos os mais significativostextos de Herculano Pires na revista.23 O segundo livro da chamada codificação espírita, O Livro dos Médiuns (1861), levava o subtítulo“Espiritismo Experimental” e pode ser considerado um manual para repetição dos experimentos deKardec.
40
surge como uma elaboração artificial em nosso tempo, como mais uma
novidade educacional” (idem).
Herculano defendia a educação na sua realidade transcendente, como
ser reencarnado e por isso a educação vista do prisma da Doutrina Espírita,
“(...) nos apresenta dois aspectos fundamentais: é o processo de integração
das novas gerações na sociedade e na cultura do tempo, mas é também o
processo de desenvolvimento das potencialidades do ser na existência, com
vistas ao seu destino transcendente. (ibidem, p. 113)” Isso significa uma
mudança substancial na postura da escola, do educador e das práticas
educativas.
Pedro Camargo (1878-1966), conhecido pelo pseudônimo Vinícius, foi
orador espírita e autor de obras que reforçavam o caráter evangélico do
Espiritismo. Em seus livros estão presentes os princípios da educação não-
autoritária e da auto-educação que servirão de base para experiências como a
do Professor Ney lobo, em Curitiba/PR. Comerciante de profissão cursou, mas
não concluiu, o curso de Direito. No movimento espírita, além de palestras
atuou nas áreas de assistência social e evangelização infantil. Era um defensor
dos direitos humanos e como tal defendeu a recuperação por meio da
educação de criminosos, fazendo coro com Eurípedes Barsanulfo e Ney Lobo,
na defesa da não punição como ato pedagógico. Foi fundador do Instituto
Espírita de Educação, sendo seu presidente durante 20 anos. (INCONTRI,
2001)
Professor Ney Lobo foi diretor do Colégio Lins de Vasconcellos24, e lá
deu intensa e importante contribuição para a constituição da Pedagogia
24O Colégio Lins de Vasconcelos foi arrendado em 1998 para um grupo educacional privado, pelaFederação Espírita do Paraná (mantenedora do colégio), que alegou dificuldades financeiras e que o Lins
41
Espírita. De sua experiência extraiu e sistematizou uma teoria da Pedagogia
Espírita, que pode ser encontrada nos 5 volumes de Filosofia Espírita da
Educação (FEB). À frente do colégio, o qual era mantido pela Federação
Espírita Paranaense, o Professor criou a Cidade Mirim, onde os alunos elegiam
o Prefeito, seus vereadores e gerenciavam a cidade, praticando o princípio da
atividade como eixo fundamental de seu método educacional.
Sobre a ousadia do diretor Dora Incontri nos informa que ao assumir a
gestão da instituição:
“Ney Lobo aboliu em todas as séries as aulas tradicionais evendeu as carteiras escolares, assim que assumiu a direçãodo Instituto, mandando fazer módulos que se ajustavam aostrabalhos em equipe. Em vez de aulas, foram estabelecidas‘sessões de trabalho’, nas quais havia sempre um trabalhoindividual (TI) e um trabalho coletivo (TC), apenas brevementeorientados pelo professor.” (INCONTRI, 2001, p. 247).
Sobre a base de uma educação ativa, o Gestor implementou, na esteira
de Rousseau, Pestalozzi, e Eurípedes, novidades também no campo da
avaliação. “Desaparecem as provas periódicas e os exames finais. A avaliação
era contínua, através dos trabalhos individual e coletivo” (Ibidem, 249).
Qualquer tipo de punição ou recompensa é abolido. Para substituir essa prática
e de fato contribuir para o crescimento dos estudantes Ney Lobo propõe o
princípio da reparação:
“Consiste (este princípio) em induzir o educando, por meioshábeis, a reparar, de alguma forma, as faltas cometidas;voluntariamente, isto é, sem imposição ou ameaças. Faltasessas de qualquer natureza: ofensas, agressões, danos ouprejuízos causados. A reparação é a correção educativa porexcelência”. (LOBO, 2001 p 2. Apud INCONTRI, 2001, p. 250).
não contribuía com a divulgação do espiritismo, missão primeira da entidade, acabando com o que foiuma das mais avançadas e inovadoras práticas educacionais do país.
42
Como pudemos perceber a prática de Ney Lobo, fundamentada
pedagogia da cooperação, da ação e da caridade, é repleta de referências aos
princípios do Espiritismo, bem como da herança pedagógica de Rousseau,
Pestalozzi, Kardec e Eurípedes Barsanulfo. Ela constitui exemplo para a
proposta pedagógica da Pedagogia Espírita, sendo considerada, pelos
defensores dessa idéia, como sendo em si, uma prática bem sucedida dessa
teoria pedagógica.
3.2 – As Idéias
A Pedagogia Espírita está, segundo seus teóricos, inserida num
continum, que tem Sócrates e Platão num extremo e as práticas de educadores
espíritas brasileiros no outro. Como vemos em Incontri, seus princípios e
desdobramentos “brotam da maiêutica de Sócrates, da mensagem do Cristo,
das contribuições de Comenius, Rousseau e Pestalozzi, solidificam-se com
Kardec e florescem no Brasil com Eurípedes e Anália, Ney Lobo e Herculano
(INCONTRI, 2001, p.281)”. Todos esses estendidos a partir do paradigma do
espírito, em que essa Pedagogia está fundada.
Suas idéias emergem das obras básicas espíritas e das práticas
educacionais que já vimos, assim como da própria releitura, a partir desse novo
paradigma, da obra dos grandes pensadores da educação, já citados. Mas
essencialmente dos fundamentos e princípios espíritas, encontrados ao longo
das obras básicas da codificação Kardequiana e dos doze volumes da Revista
Espírita, publicada mensalmente durante doze anos pela Sociedade de
Estudos Espíritas de Paris, na qual Kardec falava de temas atuais da época, se
43
correspondia com correligionários e apresentava os resultados de suas
pesquisas.
Dora incontri em sua tese de doutorado sobre a Pedagogia Espírita
extrai da obra Kardequiana os fundamentos e princípios dessa pedagogia,
apresentando de forma sintética o conjunto da cosmovisão espírita, que
segundo ela, tem na educação, a justificativa, o processo e o fim da vida
humana. A seguir apresentaremos os principais fundamentos e princípios da
Pedagogia Espírita, a fim de buscar as respostas das perguntas postas no
início desse trabalho. Vejamos então primeiro os fundamentos e depois os
princípios, mantendo a divisão que a autora fez.
O primeiro e considerado o mais original de todos os fundamentos, que
caracterizaria a Pedagogia Espírita como uma proposta revolucionária,
segundo seus adeptos é o entendimento do ser humano como um ser
interexistente. Esse termo foi cunhado por Herculano Pires, a fim de sintetizar a
visão Espírita de homem. Dizia ele:
“A concepção espírita de homem nos mostra o ser naexistência com duas formas corporais e dois destinos inter-relacionados. O corpo físico é o seu instrumento de vivênciaterrena, mas o corpo espiritual é o seu organismo etéreo deque deve servir-se na continuidade superexistencial dessavivência (PIRES, 1990, p. 114)”.
(...) A criatura humana, mesmo nesta existência, não estásujeita apenas ao plano existencial terreno. Ela existe no aquie no agora, mas traz consigo a mente de profundidade queliga à existência espiritual de que provém. (...), Vivemos entreduas existências e não apenas numa, como supões a ilusãomaterialista. Não somos apenas o existente na concepçãoexistencialista, como o interexistente da concepção espírita.(Ibidem, p. 117).
Essa concepção de interexistência está, como pudemos perceber em
nosso estudo, ligada fundamentalmente à idéia de Reencarnação. Isso significa
entender o homem, não apenas como existente na dimensão espiritual e
44
material, no aqui e no agora, mas também considerar sua existência espiritual
anterior a essa vida, e, sobretudo as sucessivas existências que teve no seu
passado milenar. Incontri diz:
“(...) o ser existe além das dimensões físicas e visíveis, porquese expande em espírito no tempo e no espaço. No tempo,porque em seu íntimo carrega um passado histórico denso ase manifestar em lembranças, intuições, tendências, impulsos,conhecimentos inatos, experiências já adquiridas. No espaço,porque está em permanente contato extrasensorial com outrosseres, capta outras dimensões, através de sonhos, visões,mensagens telepáticas e comunicações explícitas e diretas.”(INCONTRI, 2001, p. 282)
Segundo Incontri, como o devido entendimento da sua interexistência, o
homem teria melhores condições de realizar as suas potencialidades. Porém
alerta que, na visão espírita, essa compreensão, não é conseqüência de uma
revelação divina, salvacionista, ou resultado de técnicas específicas para
adquirir dons mediúnicos. Ela “passa pela racionalidade (...), é fruto maduro de
reflexão racional, experimentação pessoal e esforço de evolução”. (ibidem,
p.23).
A visão espírita sobre o educando está intimamente ligada ao
entendimento do homem como ser interexistente. A idéia de criança da
Pedagogia Espírita, não é diferente, porém merece destaque por ser a ela
atribuída destacada importância.
A criança, “é um ser inteiro e livre, interexistente que se manifesta em
corpo frágil, para retomar as experiências do mundo em moldes diversos dos
que já experimentou no passado, e poder integrar essa nova personalidade em
formação às múltiplas já vividas, que constituem o seu eu original”.(Ibidem, p.
284). Na sua Interexistência, ela é submetida às influências da hereditariedade,
do meio sóciocultural e das limitações psíquicas e das que o corpo físico impõe
ao espírito. Essas influências, segundo o espiritismo, foram aceitas e
45
escolhidas livremente pelo espírito antes da sua reencarnação, para contribuir
no seu processo educativo na existência. A sua reencarnação, de acordo com
a bibliografia espírita se justifica pela necessidade de o espírito auto-educar-se
permanentemente, com vistas a atingir a perfeição.
A Pedagogia Espírita faz, fazendo jus a sua origem Rousseauniana,
considera a criança essencialmente boa, pois tem em si o germe da perfeição.
Considera ainda a infância um “estado de permeabilidade psíquica e moral”,
em que a criança é ávida por aprender e agir, por expandir-se em energia e
afetividade. (INCONTRI, 2001).
A terra, na concepção espírita é a morada temporária de espíritos que
estão, para usar a terminologia espírita, encarnados. Ela é apenas um, dentre
infinitos mundos no universo, que servem, como a Terra, de escola e
laboratório, onde durante sucessivas vidas os Espíritos aprendem através de
experiências, na existência material e se aperfeiçoam.
O entendimento dos defensores da Pedagogia Espírita sobre a
Educação é que essa conciste em “processo permanente de aperfeiçoamento
do Espírito, é o despertar de suas potencialidades, a realização gradativa de
sua divindade e não apenas numa dada existências, mas eternidade afora”.
(Ibidem, p. 287). Ela é considerada o sentido mesmo da existência e deve:
promover a vida interexistente; promover a responsabilidade do educando de
auto-educar-se; conquistar a adesão do educando para sua própria educação;
deve ainda, evitar a estagnação, a apatia, o adormecimento da vontade. (Idem)
Na mesma linha de pensamento, o educador também é ressignificado.
Ocupa uma centralidade no processo educativo proposto pela Pedagogia
Espírita, no entanto divide essa centralidade com o educando que deve ter
46
papel ativo e protagonista em sua auto-educação e na educação coletiva. O
papel do educador para essa pedagogia é de mobilização, motivação da
vontade de evolução desse educando. “É o que observa atentamente, amando
com intensidade, o ser-educando, e descobre como atingir o seu âmago, para
tocar sua essência divina e deflagrar o processo de auto-educação”. (ibidem, p.
288).
São funções do educador, segundo a Pedagogia Espírita: captar o
educando em suas heranças passadas, suas promessas futuras e suas
relações espirituais presentes; orientar e influenciar, sem jamais ferir a
liberdade do educando; Deve, ele mesmo, estar imerso num intenso processo
de auto-educação, para poder empolgar o educando com seu exemplo.
(INCONTRI, 2001).
Podemos perceber, nesse conjunto teórico, apresentado como
fundamentos da Pedagogia Espírita, uma série de pilares de outras propostas
educacionais. Como o amor Pedagógico de Pestalozzi ou a essência boa da
criança e a educação natural de Rousseau, o que demonstra a assunção de
uma ligação desses pensadores/educadores com a pedagogia tratada aqui, por
parte dos seus teóricos.
Os princípios da Pedagogia Espírita são o amor, a liberdade, igualdade
na singularidade, a naturalidade, a ação e a educação integral. A seguir
apresentaremos cada um sucintamente, para continuar nosso objetivo de
caracterizar essa teoria.
O amor é o primeiro e máximo princípio. Incontri, em sua exposição
sobre o tema, alerta para o desvirtuamento do conceito. Define-o pela eleição
do que ele não poderia ser. Segundo a jornalista e educadora, teórica da
47
Pedagogia Espírita o amor não possui, não domina o outro, não fere, não se
acomoda com o poder e a injustiça, não é chantagista. O amor proposto aqui
deve permear todas as relações educativas, entre educadores e educandos.
Deve ser entendido como doação e empenho do primeiro em benefício do
segundo, com o objetivo de mobilizar o educando na busca de sua auto-
educação. Para isso, ele deve repudiar qualquer tipo de violência ou ato de
punição, deve ser ativo e corajoso para conquistar o educando para o projeto
proposto de auto-educação.
A liberdade é a conseqüência do amor. Não pode ser apenas a
assunção racional de um direito somente, deve ser fundado, para os teóricos
dessa idéia, nos laços da fraternidade.
“A obediência à autoridade constituída deve ser substituídapela anuência consciente e espontânea, que o educador deveaprender a conquistar amorosamente, quando, e apenasquando, se tratar do bem do próprio educando. Mas, em últimainstância, o ato pedagógico é sempre uma oferta, um convite,uma possibilidade que o educando tem a liberdade de aceitarou recusar”. (INCONTRI, 2001, p. 290).
O princípio da igualdade com singularidade vai nos dizer que todos os
seres humanos são iguais, têm os mesmos direitos e deveres, têm a mesma
natureza, espiritual, biológica e social. Contudo, são também essencialmente
diferentes, pois cada um se encontra num estágio na escala da evolução
espiritual, têm experiências diferenciadas nesta vida e ainda estão inseridos em
contextos socioculturais diversos. Ao assumi-lo, a Pedagogia Espírita propõe,
coerente com Kardec, a abolição de qualquer hierarquia e competição entre os
indivíduos. Também afirma não aceitar gurus e mestres a serem
reverenciados.
“(...) a Pedagogia Espírita é igualitária no sentido de tratartodos os seres humanos no mesmo diapasão de respeito,
48
fraternidade e compreensão. Mas deve reconhecer e descobriras riquezas de cada ser singular e incentivá-las, socializá-las,observando da mesma forma as imperfeições de cada umpara trabalhá-las”. (Ibidem, p. 291).
O princípio da naturalidade nos mostra que essa proposta pedagógica
compreende que o universo se compõe, todo ele, de uma só natureza divina.
Que o mundo espiritual é tão natural quanto o físico, “lados da mesma moeda”.
Assume-se que há uma natureza humana que engloba o aspecto social,
biológico e espiritual do homem. Há uma natureza da criança, que a Pedagogia
Espírita propõe aos educadores compreendê-la para melhor auxiliá-los na sua
auto-educação. O conhecimento dessa naturalidade do ser humano e do
universo permite, segundo os espíritas, respeitar o fluxo harmônico das coisas,
dos seres.
“Assim como para se colher o fruto de uma árvore, é precisosemeá-la, adubá-la e conservá-la segundo a natureza, para secolher a luz humana, é preciso educar o ser interexistente, emobediência a todas as leis naturais — físicas e morais — queregem o seu desenvolvimento. Essas leis, porém, não sãorígidas e lineares, mas flexíveis e orgânicas, porque a maiorde todas elas é a lei do amor e onde há amor, há criatividade,expansão, espontaneidade”. (Ibidem, 292).
É a partir da ação no mundo que o Espírito de desenvolve. Baseado
nessa compreensão a Pedagogia Espírita se propõe eminentemente ativa,
propõe o aprendizado através da ação livre. “A ação em si – traduzindo-se em
atividades sociais, em produções estéticas, intelectuais e manuais – põe em
uso as potencialidades humanas, que só podem ser trazidas à tona e
aperfeiçoadas pelo exercício”. (ibidem, 293).
O último princípio coroa todos os demais. A educação intergral, que
somente é possível para os espíritas se balizada pelos demais princípios,
49
esses ancorados nos fundamentos da Pedagogia Espírita, que já
apresentamos.
A educação integral é entendida como a busca do equilíbrio entre a
moralidade e a inteligência, num processo educativo que trabalhe
simultaneamente diversas potencialidades e faculdades do ser humano. Nela,
é preciso observar quais as vocações da criança e do jovem, para incentivar o
uso ético de suas inteligências.
Uma educação integral, para a Pedagogia Espírita deve desenvolver-se
numa proposta global, que trabalhe a educação dos setores, afetivo, estético,
intelectual, religioso, sexual, físico e mediúnico. Esse último, pudemos
perceber, constitui uma originalidade destacável do arcabouço pedagógico
espírita, uma vez que os demais setores podem ser encontrados nas propostas
de Pestalozzi, Froebel, Comenius, Rousseau. Trata-se, segundo Incontri, do
setor destinado à educação para a vivência consciente da interexistência,
fundamento primeiro da Pedagogia Espírita que já apresentamos aqui.
3.3 – A Práxis
A Educação Espírita, como pudemos ver, emerge do escopo teórico do
Espiritismo, contudo, foi na aplicação prática desses princípios que surgiu, a
Pedagogia Espírita, considerada pelos seus intelectuais como uma contribuição
filosófica originalmente brasileira. Incontri, a partir da análise dessas práticas
educativas, empreitadas por educadores espíritas, organiza em sua pesquisa
de doutoramento, um conjunto de eixos práticos dessa teoria da educação.
Todavia, é imperioso alertar que na bibliografia considerada de referência
dessa pedagogia, na encontramos alusão a um método espírita de educação,
50
pelo contrário, a pedagogia espírita assume que cada escola espírita deve se
constituir de acordo com sua comunidade (por isso diferentes entre si),
respeitando o arcabouço teórico-filosófico do espiritismo. “A proposta é mesmo
a de considerar as circunstâncias socioculturais locais onde a escola vá se
instalar e ainda de se invocar a participação ativa e criativa dos membros da
comunidade escolar, o que implicará necessariamente em modelos
diferenciados.”(INCONTRI, 2001, p. 295).
Dando continuidade a tarefa proposta nesse estudo, apresentaremos os
eixos que segundo Incontri, caracterizam, no seu conjunto, a práxis da
Pedagogia Espírita. São eles: A escola livre e afetiva, atividades éticas,
produções estéticas, produções intelectuais, abolição dos castigos e
recompensas, cultivo da espiritualidade, autogestão administrativa, co-gestão
pedagógica, compromisso social e escola universal.
A escola livre e afetiva baseia-se nos fundamentos do amor e da
liberdade, já expostos nesse trabalho, e é ao mesmo tempo, uma proposta e
uma crítica ao modelo escolar dos nossos dias. A pedagogia espírita é
contundente em sua crítica a mercantilização da educação, à burocracia,
competição incentivada e conseqüente exclusão produzida pelo sistema
escolar homogeneizante que o sistema capitalista se utiliza, dentre outras
coisas, para produzir a sociedade neoliberal em que vivemos. Herculano Pires
afirmou nos idos de 1970, em meio ao movimento pela educação espírita, que
organizou três congressos e publicou uma revista: “A exploração comercial da
educação é um mal cujas conseqüências sociais ainda não podemos avaliar”.
(PIRES, 1990, p. 130). Dora Incontri defende que deverá ocorrer uma
transformação radical da escola:
51
“A obrigatoriedade, o formalismo, a burocratização do ensino,as relações hierárquicas — tudo isso fica abolido e a escoladeve renascer livre e amorosa. Os currículos fixos, asprogramações rígidas, os resultados homogeneizantes, aeducação em massa, em que todos são coagidos às mesmasatividades, ao mesmo tempo, com idênticos resultados — tudoisso deverá desaparecer. O ambiente escolar deve sertransmudado.” (INCONTRI, 2001, p. 295).
A autora propõe, dentre outras coisas, fortemente influenciada pelas
experiências de Ney Lobo, no Lins de Vasconcelos e de Eurípedes Barsanulfo,
no colégio Allan Kardec, que a rigidez dos currículos, as salas tradicionais, e as
atividades impostas e sem sentido não têm espaço na escola livre e afetiva. A
arquitetura deverá ser pensada para estimular o gosto estético e harmonizar a
mente ao coração. (Idem).
A comunidade escolar deve estar altamente envolvida, dentro e fora da
escola, em ações éticas. Sempre orientadas e planejadas pelos educandos,
sob os auspícios dos educadores. Tais ações pertencentes ao eixo atividades
éticas, proposto por Incontri, deve despertar no educando a preocupação
solidária com o outro, fazendo britar, na prática, não só o sentimento ou a
racionalização da justiça e solidariedade, mas a ação pautada por esses
valores.
Uma das propostas práticas da Pedagogia Espírita é que sejam
disponibilizadas aos educandos as mais belas produções estéticas que a
humanidade já produziu. Essa proposição parte da idéia de que a arte “é uma
forma de manifestação existencial do Espírito” (INCONTRI, 2003, p.175). Isso
significa que, para os intelectuais espíritas adeptos da pedagogia que ora
estudamos, a arte não é um dom inato de algum privilegiado, o artista, ou ainda
somente pinturas, esculturas poesia e música, cinema, etc. Arte é a expressão
cotidiana do homem e faz parte da integralidade do ser na interexistência. A
52
preocupação estética, da educação incentiva o educando na busca pela
perfeição em todas as coisas, “Amor, Sabedoria e Beleza são aspectos
inseparáveis da perfeição”. (Idem). Dessa forma contribui, a educação estética
para o fim último da educação espírita.
De modo geral a Pedagogia Espírita propõe que “elementos estéticos
estejam presentes no meio ambiente e no conteúdo da educação”.(Ibidem,
p.176), pois a arte tem uma função indutiva, podendo estimular ao aprendizado
e à convivência elevada, ou ainda à melancolia e ao pessimismo depressivo.
Para eleição de conteúdos estéticos que contribuam para o bom convite à auto-
educação, Incontri sugere: “Nesta escolha do melhor, não adianta nos
apegarmos aos rótulos. Não se trata, por exemplo, de oferecer apenas música
erudita e jamais a música popular. Há muita boa música popular e muita
música erudita sombria...” (p. 177). Não se trata de proibição de certas
produções, mas de apelo ao espírito crítico dos educadores e dos educandos.
Especificamente, essa pedagogia propõe que se deve estimular a
criatividade, incentivar a produção artística, inclusive dotando o educando de
certas técnicas específicas dessa ou daquela arte, de acordo com o interesse
de tendências dos educandos, mas nunca valorizando a técnica em detrimento
da criatividade, que “(...) trabalhada pela educação estética não servirá apenas
para a execução de obras de Arte. Desenvolverá a capacidade criativa do
indivíduo inteiro, que poderá estende-la a qualquer atividade intelectual,
manual ou moral”. (Ibidem, p. 178).
A educação estética é ainda defendida, por Dora Incontri, em seu livro A
educação segundo o espiritismo (Comenius, 2003), como uma espécie de “luta
e resistência cultural” ao processo de massificação mercantilizadora da arte,
53
que bombardeia nossos sentidos todos os dias, com os produtos do mercadão
de sucessos musicais, de best seller da auto-ajuda (inclusive no promissor
mercado editorial espírita) e de produções cinematográficas com violência e
terror gratuitos.
No que diz respeito às produções intelectuais a Pedagogia Espírita
propõe que a escola seja uma universidade em miniatura, incentivando a
reflexão crítica, o espírito científico e todo o tipo de produção intelectual. Nesse
sentido, não há espaço para a rigidez das disciplinas e dos conteúdos
predeterminados. O conteúdo a ser estudado deve partir do interesse dos
alunos ou ainda de necessidades reais, para aplicação prática. “O que se deve
evitar é a abstração ininteligível, a memorização vazia, o ensino mecanicista de
conceitos inaplicáveis na vida comum” (INCONTRI, 2001, p. 298).
A abolição de castigos e recompensas é um imperativo quando se fala
de uma educação baseada na liberdade, na solidariedade e no amor. A autora
propõe que a escola deve abolir, regimentalmente, qualquer subterfúgio
punitivo premiações de toda sorte, inclusive as notas, a exemplo do que fez
Barsanulfo em Sacramento.
“As avaliações serão feitas na base das produções de cadaum e nunca de forma numérica, quantitativa, mas de maneiradescritiva, qualitativa, para melhorar o trabalho, encarando-seerros e problemas como naturais da aprendizagem. Emparceria com o educador, o aluno fará sua autoavaliação,apontando aquele os aspectos que devem ser aperfeiçoados einformando este as suas dúvidas e dificuldades”. (Ibidem,299).
A pedagogia espírita propõe ainda que todos os problemas da escola
sejam resolvidos ou que as soluções sejam buscadas com base no diálogo.
Conversas entre educadores e educandos devem ser constantes, assim como
54
assembléias gerais para discutir os comportamentos de grupos e as
necessidades para melhor convivência, bem como para a gestão da escola.
Como forma de superar essa educação de resultados condicionadora
que temos atualmente a autora propõe o diálogo. Na esteira dessa proposta,
de uma escola renovada, emerge a necessidade também de novas formas
administrativas para a instituição escolar. A proposta apresentada pelos
teóricos da pedagogia que destacamos como objeto desse estudo, é a da
autogestão administrativa. Todavia, embora a proposta seja feita claramente,
Incontri não passa nenhum receituário. Apenas defende a idéia de que as
esferas administrativas e pedagógicas estejam atreladas e por isso a
administração da escola espírita não deva ferir nenhum dos fundamentos que a
caracteriza como tal. E em coerência ao princípio da escola livre e afetiva,
deixa para as comunidades resolverem essa questão, da melhor forma que
lhes couber, somente alertando que a relação patrão-empregado deve ser
abolida e que uma escola espírita não deve ter o lucro como objetivo: “O
importante é manter os princípios de liberdade e igualdade, onde todos os que
participem da comunidade escolar possam ser ouvidos, tomem parte em
decisões que os afetem diretamente e tenham acesso à visão geral da
administração da escola”. (Ibidem, p. 303).
Outra proposta, a co-gestão pedagógica, caracteriza-se pela
disponibilização para toda a comunidade escolar, de todos os conhecimentos
que cada um, partícipe dessa comunidade, possui. Isso significa que pais,
alunos e funcionários, poderão sugerir grupos de estudos, laboratórios, projetos
de pesquisas e praticar a liberdade de ensinar e aprender.
55
Por fim o compromisso social da comunidade escolar é a
responsabilidade de a escola estar inserida na realidade que a cerca, devendo,
manter diálogo com as instituições locais. A escola social deve ainda, segundo
Incontri, incentivar seus membros (pais alunos, docentes e técnico-
administrativos) a militarem em causas que envolvam o bem coletivo, como
campanhas fraternas e de defesa de direitos. “A escola social “(...) é aquela
que o educando toma consciência na prática, dos problemas de seu meio e das
suas possibilidade de atuação efetiva”(Ibidem, p. 305) para a transformação.
A Pedagogia espírita propõe um novo olhar para o ser humano, de
cidadão, radicado numa localidade e numa nação, passa o ser humano a ser
encarado como um cidadão do universo. Esse conceito vai além de qualquer
teoria internacionalista, pois segundo o espiritismo, há uma multiplicidade de
mundos habitados por espíritos, em todo o universo. O eixo escola universal
trata especificamente desses dois aspectos da escola espírita. O primeiro é
que ela deve manter contato com outras culturas no planeta terra, vivenciando
a proposta de tolerância étnica e religiosa dessa pedagogia espírita. O ensino
de línguas ganharia o sentido de aproximar diferentes povos, e de aprender o
que há de positivo em suas culturas, ao invés de ser exclusivamente utilizado
como “valor agregado” ao curriculum do trabalhador especializado,
entendimento que somente aprofunda a desigualdade social capitalista, pois a
escola para o povo raramente proporciona um ensino satisfatório, tornando a
aquisição de uma segunda língua privilégio de poucos. Também nessa
perspectiva de cidadão do cosmos, o ensino de astronomia, proposto por
Barsanulfo e por Novelino, influenciados por Camille Flamarion ganha força e
materialidade, mostrando a responsabilidade em pacifica-lo, pois o ser
56
humano, no entendimento espírita, independente de qualquer contexto étnico,
racial, sóciocultural e de gênero, faz parte de uma mesma família estelar.
Como pudemos perceber, e tentamos demonstrar nesse trabalho a
Pedagogia Espírita este inserida na tradição filosófica espiritualista, que
remonta a Sócrates e Platão. Como tal não pode deixar de trabalhar com
entendimentos e propostas que considerem uma realidade transcendente do
ser humano. No caso da pedagogia espírita ela trabalha com o entendimento
de que o homem é um espírito reencarnado, e isso, como já vimos
anteriormente, reconfigura toda sua proposta pedagógica, fazendo parecer de
certa forma anacrônica. Contudo, é bom lembrar, até por questão de
honestidade intelectual, que a pedagogia espírita não trabalha com a idéia de
que a tradição filosófica espiritualista esteja superada. Pelo contrário, trabalha
com a idéia de que ela tem sido sistematicamente silenciada, como tentamos
demonstrar na introdução ao nosso texto. Dessa forma o cultivo a
espiritualidade, ganha lugar de destaque práxis pedagógica espírita, pois ela
faz, segundo seu entendimento, parte da realidade interexistente do ser
humano, e não pode ser negada, sob o prejuízo de realizar uma educação
parcial, e não integral, que é sua intenção. Especificamente nesse eixo propõe
que:
“(...) toda prática pedagógica espírita deve estar impregnadade intensa espiritualidade, entendendo-se que não se trata aíde fanatismo religioso e nem de dogmatismo específico. Aomesmo tempo em que se deve oferecer aos alunos, oconhecimento de todas as religiões, com suas práticas efilosofias, de forma imparcial e precisa (e para isso podem sertrazidos os representantes de cada uma ou os próprios alunos-adeptos podem fazer suas intervenções, mostrando aos outrosa sua fé), deve-se cultivar uma religiosidade genérica. Oraçõesem conjunto; leituras de textos religiosos de diferentescorrentes (que não ofendam as outras presentes), discussõessobre religiões comparadas e filosofia espiritualista — tudoisso deve lançar o aluno na dimensão do espiritual, fazendo-o
57
compreender que se trata de uma dimensão humana, natural euniversal, necessária ao pleno desabrochar do homem”.(Ibidem, p. 300).
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Bogdan Suchodolski (1992), filósofo e pedagogo polonês propôs em seu
livro A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas (Livros Horizonte, 1992)
a divisão das correntes pedagógicas em dois grandes grupos, o das
Pedagogias da Essência e o das Pedagogias da Existência. Essa divisão, entre
essência e existência, entendida pelo polonês como conflito fundamental do
pensamento pedagógico, é decorrente da oposição histórica na filosofia, entre
as Filosofias da Essência e as Filosofias da Existência.
A querele entre as Pedagogias da Essência e as Pedagogias da
Existência, tem sua origem no renascimento, quando uma série de
transformações sociais, políticas e intelectuais tornam-se fontes de novas
concepções de homem e colocam em cheque o monopólio da cosmovisão
religiosa tradicional e sua autoridade em ditar as normas da atividade humana.
(SUCHOLDOLSKI, 1992).
As Pedagogias da Essência, abstraindo-se aqui, a sua diversidade (que
foi riquíssima) e o papel histórico desempenhado por cada uma delas, por não
caber nesse espaço uma reflexão mais demorada sobre o assunto.
Constituíam-se fundamentalmente por postularem que o ser humano possui
uma essência, que vai além da experiência empírica, e que a educação tem
como referência essa essência, devendo atuar para que o homem se aproprie
na existência de sua essência verdadeira e também para destruir o que pode
corrompê-lo, é em suma uma educação voltada para um homem idealizado.
Elas encontram sua origem em Platão, passando por todas as pedagogias
religiosas, protestantes e católicas, pela Educação Natural de Comenius e
Locke e pela originalidade idealista de Kant, Fichte, Hegel, até chegar nas
59
tentativas de existencialização da Pedagogia da Essência no século XIX.
(Idem)
As Pedagogias da existência deu seus primeiros passos no século XVII,
sob a predominância das diversas formas da concepção da pedagogia da
essência. Conciste, fundamentalmente na negação da essência, defendendo
que o homem e a vida humana estão limitados às experiências empíricas.
Remonta aos estudos de fim da vida de Comenius, que proporcionaram o
entendimento de considerar a criança viva e espontânea. Contudo foi, segundo
Suchodolski, Rousseau o primeiro que se lançou radicalmente em oposição à
pedagogia da essência e à criação de perspectivas para a construção de uma
pedagogia da existência. Pestalozzi e Froebel (1782-1852) são considerados
seguidores de seu pensamento, defendendo a máxima de que a educação
deve realizar-se a partir da própria vida da criança. (Idem)
Para o filósofo e pedagogo polonês as tendências opositoras da
pedagogia da essência ainda estavam numa fase incipiente, “marcadas ainda
por um cunho de generalidade e homogeneidade (Ibidem, p. 57)”. Foi somente
no século XIX que teve início um processo de diferenciação da pedagogia da
existência, dado pelo conjunto das obras, de Kierkegaard, Stiner e Nietzsche,
cada qual com sua especificidade e diferenças. Também as teorias da
evolução de Darwin, Spencer e Bérgson, mais uma vez guardada as
especificidades, contribuíram para a constituição dessa grande corrente do
pensamento pedagógico (Idem).
Na perspectiva de solucionar o conflito entre essas duas grandes
correntes do pensamento pedagógico, Suchodolski encontra os esforços da
educação nova, das pedagogias do grupo social e da cultura e das pedagogias
60
metafísicas. A primeira, partindo da criança/indivíduo como sujeito da sua
educação esbarra no conflito entre a utopia da pedagogia do desenvolvimento
e do conformismo da pedagogia da adaptação. As segundas, igualmente, mas
por caminhos diferentes, reeditam esse mesmo conflito. Suchodolski afirma ao
final da análise que empreitou sobre essas pedagogias: “O problema do conflito
entre o desenvolvimento do caráter humano universal da criança e o âmbito
real de sua vida mantinha-se sem solução”. (Ibidem, p. 117). A terceira
corrente, em oposição à educação nova e às pedagogias do grupo social e da
cultura, por considera-las insuficientes, afirma que era preciso concentrar a
educação no nível metafísico do homem ao invés de “tomar como ponto de
partida o curso presente da vida do indivíduo” ou ainda as “exigências da
história social ou da cultura”. (p. 119), configurando-se como uma moderna
pedagogia da essência, enquanto as outras estariam no âmbito das
pedagogias da existência. O conflito ainda era eminente.
Para Bogdan Suchodolski, as tentativas de união entre as pedagogias
da essência e da existência, na perspectiva de superar o moderno conflito
entre essas – “Unir educação e vida de modo que não seja necessário um
ideal, ou definir um ideal tal que a vida real não seja necessária”. (p. 123) –
davam uma força perigosa às tais tendências, por terem atingido ganhado certa
força com as correntes nacionalistas de vários países, inclusive o fascismo e o
hitlerianismo.
Considerando que essas duas correntes seculares do pensamento
pedagógico, traíram seus princípios fundamentais – a pedagogia da existência:
a defesa do desenvolvimento livre do homem; a pedagogia da Essência: uma
educação baseada em valores universais e permanentes – porque acabaram
61
por reforçar a noção de que “as contradições que se manifestavam não
provinham das más relações sociais” e sim de uma noção errada dos direitos
do indivíduo e da sociedade, o que implicava em “(...) transformar, não as
relações sociais, mas a maneira de conceber a existência individual e o ideal,
causas dessas contradições”. (Ibidem, p. 126). Daí o filósofo afirma:
“A pedagogia devia ser simultaneamente pedagogia daexistência e da essência, mas esta síntese exige certascondições que a sociedade burguesa não preenche, exigetambém que se criem perspectivas determinadas de elevaçãoda vida quotidiana acima do nível actual. O ideal não devenem sancionar a vida actual, nem deve tomar uma formatotalmente alheia a essa vida”(Ibidem, p. 127)
Suchodolski propõe a educação virada para o futuro como único
caminho para a resolução da antinomia do pensamento pedagógico moderno.
O autor caracteriza essa pedagogia, numa perspectiva de um sistema social à
escala humana, como uma tendência pedagógica que não aceita o estado de
coisas existentes e que atue para transforma esse estado de coisas. Deve ser
crítica ao presente e acelerar a construção do novo.
“Uma tal crítica pressupõe um ideal que ultrapasse o presente;neste sentido, a educação virada para o futuro integra-se nagrande corrente pedagógica que designamos por pedagogiada essência. Trata-se contudo de uma simples afinidade poistem profundas divergências, constituindo a diferença essencialno facto de este ideal se caracterizar por uma diretriz deacção no presente , ação que deve transformar a realidadesocial de acordo com as exigências humanas. Na medida emque o ideal que inspira a crítica da realidade deve representaruma directriz para a acção no presente tem de organizar asforças actuais e deve encorajar o homem a fazer uma opçãono momento actual . A educação orientada para o futuro liga-se neste sentido à segunda grande corrente do pensamentopedagógico, à pedagogia da existência. Todavia, também aquinão encontramos senão uma afinidade; a diferença essencialconsiste em que, nesta concepção da educação, a vida é oaspecto presente da edificação do futuro ”.(SUCHODOLSKI, 1992, p. 129)25.
25 Grifos meus.
62
Perceba que os trechos grifados encontram certa similaridade com as
propostas da pedagogia espírita, como, por exemplo, o entendimento de que a
educação tem como objetivo a transcendência do espírito, mas propões uma
ação na existência, considerando a vida presente como pilares da edificação
do futuro (PIRES, 1990).
Sua origem deriva das tendências que não aceitam o princípio da
adaptação ao presente como se fosse o ponto de partida fundamental da
educação e a inda daqueles que entendiam a crítica do presente como um
“apelo para melhora-lo” e não um convite para evadir-se dele.
Propõe ainda que a educação tradicional deve ser abandonada, pois
estariam completamente anacrônicas em relação à nova realidade social e
econômica. A formação social, no sentido que cada cidadão se torna
responsável pela democracia, tem posição de destaque nessa pedagogia
proposta pelo polonês. A educação moral, como educação da vida cotidiana
em situações sociais concretas, também ganha destaque. Não cabe aqui o
alongamento na análise da pedagogia de Suchodolski, apenas nos interessa o
alinhavamento desta, a fim de poder refletir sobre a questão da superação do
conflito das pedagogias.
Se fizermos um exercício de abstração dos princípios espiritualistas da
pedagogia espírita e dos princípios marxianos da pedagogia do filósofo polonês
vamos encontrar, como já apontamos, uma série de conjunções, tanto do ponto
de vista da crítica aos sistemas educativos burgueses, da perspectiva de futuro
e da crítica à sociedade presente, como do ponto de vista dos fundamentos
práticos de uma e de outra.
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A preocupação com a educação cotidiana, que busca ensinar ao homem
compreender o próximo e prestar atenção ética a este, encontra similaridade
com o princípio da educação ética da Pedagogia Espírita. Ambas buscam
romper com a moral superficial e externa dos códigos de conduta e atuam na
perspectiva de uma moral que brote do interior do ser humano. Vejamos o que
Suchodolski diz:
“(...) a educação moral deve fundamentar-se na educaçãosistemática do homem desde sua mais tenra infância, numaeducação que desenvolva e crie ‘este impulso do coração’imperceptível, de que fala a psicanálise com tanta parcialidadee erro, mas que é todavia um dos mais importantesfundamentos da dignidade humana que se opõe ao fascínio deuma má conduta”. (Ibidem, p. 133).
Também a preocupação com a educação social do polonês pode ser
encontrada na proposição da escola social da pedagogia espírita, ou ainda nas
propostas de autogestão administrativa e co-gestão pedagógica.
É claro que quando falamos de conceitos como esses na educação não
podemos nos dar ao luxo, como fazem alguns teóricos materialistas, quando se
apropriam de pedagogias surgidas no âmbito de uma visão espiritualista de
mundo que trabalham com essas como se os tais fundamentos não fossem
relevantes. Poderia eu, ou qualquer outro pesquisador, fazer isso com a
pedagogia proposta por Suchodolski, desconsiderar seu contexto ideológico
histórico e social? É claro que não. A nossa discussão e as comparações feitas
entre as pedagogias espírita e “do futuro” têm aqui o intuito de problematizar o
monopólio da segunda na busca bem sucedida pela superação do conflito
secular exposto na obra de Bogdan Suchodolski.
A Educação Espírita propõe o conceito de ser interexistente, e a partir
dele estabelece a sua Pedagogia. Poderia ser esse novo entendimento, uma
64
superação do conflito entre as pedagogias? Como pudemos ver, se
considerarmos as mesmas categorias que Suchodolski, de educação na
existência com vistas no o futuro, de crítica ao presente e de perspectiva social,
poderíamos dizer que a pedagogia espírita inaugura uma nova solução para o
conflito secular entre as pedagogias da essência e da existência? Ao meu
modo de ver essa hipótese não poderia, de maneira alguma, ser refutada de
forma simplista pelos materialistas, muito menos ser afirmada rapidamente
pelos adeptos da pedagogia espírita. Será preciso debruçar melhor tanto sobre
a pedagogia espírita, que se reivindica herdeira do legado de Comenius,
Rousseau e Pestalozzi, bem como sobre a pedagogia histórico-crítica, vertente
que se fundamenta nas idéias de Suchodolski e tem se dedicado à superação
do conflito sob perspectiva marxista.
Esse trabalho teve por objetivo, dar voz à pedagogia espírita e seus
autores, com o intuito de proporcionar uma reflexão mais profunda sobre as
concepções filosóficas e educacionais que permeiam as pedagogias. No que
diz respeito às perguntas norteadoras do nosso estudo, cremos ter respondido
com satisfação, durante todo o trabalho, as três primeiras, que versavam sobre
o conceito, as concepções de homem/criança e as origens da pedagogia
espírita. A última “Quais perspectivas podemos esperar, se aplicadas as suas
propostas?”, creio ser um tanto quanto precipitado reponde-la de forma
definitiva. O que temos são as experiências do passado, que foram bem
sucedidas e com certeza contribuíram para a construção de um mundo mais
justo e igualitário, assim como diversas práticas pedagógicas progressistas que
pipocaram no Brasil durante o século XX. A originalidade da Pedagogia Espírita
está justamente em considerar a transcendência humana de forma não
65
alienada da existência, “do aqui e do agora”. É certo que suas propostas têm
mais condição de ser desenvolvidas junto a instituições de educação infantil e,
sobretudo no campo da educação não-formal (Ong’s), pois as suas teorias
estão em campo mais avançado do que a escola fundamental e média, essa
ainda muito arraigada ao ensino tradicional e à escola burguesa, enquanto a
educação infantil e a educação não-formal assumem teoricamente suas
práticas como transformadoras dessa realidade.
Outra questão muito cara nessa discussão pé a laicidade da escola
publica. Embora Herculano Pires defenda que esse princípio deva estar
presente na pedagogia espírita, pois trata da religião, como parte do
conhecimento humano e de forma interdisciplinar e não doutrinadora, esse é
um terreno complexo que os teóricos da pedagogia espírita deverão enfrentar,
sob pena de relegarem-se ao limbo das escolas confessionais.
Por fim, ficam as questões, dentre outras: A pedagogia Espírita supera o
conflito secular entre a pedagogia da essência e a pedagogia da existência?
Que relação teria essa teoria pedagógica com a escola pública? É possível a
laicidade numa pedagogia que se admite cristã? O que tem levado o
movimento espírita institucional a fechar escolas e institutos espíritas de
educação, aparentemente de forma arbitrária?
66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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