30
UBIRATAN BORGES DE MACEDO 1937/2007 BIBLIOGRAFIA E ESTUDOS CRÍTICOS CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO DO PENSAMEJTO BRASILEIRO

Ubiratan

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Ubiratan

Citation preview

  • UBIRATAN BORGES DE MACEDO

    1937/2007

    BIBLIOGRAFIA E ESTUDOS CRTICOS

    CENTRO DE DOCUMENTAO

    DO PENSAMEJTO BRASILEIRO

  • 2

    SUMRIO

    BIOGRAFIA E BIBLIOGRAFIA

    ESTUDOS CRTICOS

    Presena de Ubiratan Borges de Macedo

    na filosofia brasileira contempornea Jos Maurcio de Carvalho

    A recuperao da idia liberal na obra

    de Ubiratan Macedo -Antonio Paim

    O Crculo de Estudos do Liberalismo- Marcos Poggi de Arajo

  • 3

    BIOGRAFIA E BIBLIOGRAFIA

    Nasceu em Curitiba, Paran, a 21 de agosto de 1937. Concluiu a

    Faculdade de Direito do Paran em 1960 e, simultaneamente, o curso

    de filosofia na PUC-PR. Durante o ano de 1963 fez curso de

    especializao em direito na USP. Subsequentemente, em 1967/1968

    estudou Filosofia Social e Histria da Filosofia, em nvel de ps-

    graduao, na Universidade de Louvain (Blgica). Fez o mestrado em

    filosofia na PUC do Rio de Janeiro, concludo em 1976 e doutorado na

    mesma rea na Universidade Gama Filho, igualmente no Rio de

    Janeiro, concludo em 1984. Seguiu a carreira do magistrio na

    Universidade Federal do Paran, onde chegou a professor titular,

    aposentando-se nessa condio. Pertenceu tambm ao Corpo Docente

    da Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, e do Colgio

    Interamericano de Defesa, em Washington, Estados Unidos.

    Desempenhou diversas funes oficiais, entre estas membro da

    Comisso Nacional de Moral e Civismo (1976-1980) e do Conselho

    Federal de Educao (1984-1988). Foi ainda professor dos cursos de

    ps-graduao em filosofia e direito, da Universidade Gama Filho, e do

    doutorado em direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    (UERJ). Faleceu em Curitiba a 16 de julho de 2007.

    Bibliografia:

    LIVROS

    Introduo teoria dos valores. Curitiba, 1971.

    A idia de liberdade no sculo XIX : o caso brasileiro. Rio de Janeiro :

    Expresso e Cultura, 1977. 212 p.

    _____. 2. ed. Rio de Janeiro : Expresso e Cultura, 1998. 215 p.

    A liberdade no imprio. So Paulo : Convvio, 1977. 214 p.

    Metamorfoses da liberdade. So Paulo : IBRASA, 1978. 250 p.

    (Filosofia e religio, 4).

  • 4

    Os caminhos da democracia no Brasil : um estudo de histria das

    idias. Rio de Janeiro : Universidade Gama Filho, 1984. 165 f. (Tese

    de doutorado).

    Fundamentao dos valores. Rio de Janeiro, 1988. (Tese).

    Liberalismo e justia social. Prefcio Antonio Paim. So Paulo :

    IBRASA, 1995. 242 p. (Biblioteca Sociologia e Poltica, 44).

    O liberalismo moderno. So Paulo : Massao Ohno, 1997. (Cadernos

    Liberais, 2).

    A presena da moral na cultura brasileira : ensaio de tica e histria

    das idias no Brasil. Londrina : Ed. UEL, 2001. 195 p.

    Democracia e direitos humanos ; ensaios de filosofia prtica (poltica e

    jurdica). Londrina : Ed. Humanidades, 2003. 345 p.

    Estudos sobre o autor:

    PAIM, Antonio. Apresentao. In : MACEDO, Ubiratan Borges de.

    Liberalismo e justia social. So Paulo : IBRASA, 1995. p. 15-17.

    REALE, Miguel. Macedo (Ubiratan Borges de.) In : LOGOS :

    Enciclopdia Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa : Verbo, 1991. v. 3,

    p. 567-568.

    ARTIGOS NA REVISTA CONVIVUM

    Coao e direito. 3 (2): 45-56, abril, 1964

    Da interpretao em histria da filosofia. 11 (5): 439-450,

    setembro/outubro, 1972

    O problema do ponto de partida da filosofia. 11 (6): 549-559,

    novembro/dezembro, 1972

    A epistemologia do neopositivismo. 12 (4): 291-300, julho/agosto, 1973

    Maritain e a filosofia no Brasil;notas preliminares. 12 (5): 492-498,

    setembro/outubro, 1973

    Primrdios da poltica de potncia no Brasil. 13 (2): 109-133, maro-

    abril, 1974

    O problema da liberdade em Kant. 13 (5): 395-414, setembro/outubro,

    1974

    Sobre as origens do pensamento catlico no Brasil. 14 (2(): 171-174,

    maro/abril, 1975

    O pensamento catlico no Brasil. 14 (4): 369-374, julho/agosto, 1975

  • 5

    A morte de um filsofo: Michele F. Sciaca--1908/1975. 14 (6): 558-561,

    novembro/dezembro, 1975

    Alguns dados sobre a situao florestal brasileira. 15 (1): 85-87,

    janeiro/fevereiro, 1976

    As metamorfoses da liberdade no pensamento brasileiro. 15 (4): 303-

    309, julho/agosto, 1976

    Filosofia e realidade brasileira. 15 (5): 446-449, setembro/outubro,1976

    Origens nacionais da doutrina da ESG. 18 (5): 514-518,

    setembro/outubro, 1979

    O problema da participao. 19 (5): 17-29, setembro/outubro, 1980

    O integralismo em Portugal e no Brasil. 22 (5): 323-340,

    setembro/outubro, 1983

    Formao intelectual de Alexandre Correa. 23 (5): 343-349,

    setembro/outubro, 1984

    Constituinte e razo. 24 (5): 368-383, julho/agosto, 1985

    O significado presente da democracia. 24 (5); 388-396,

    setembro/outubro, 1985

    Os modelos de liberalismo no Brasil. 25 (5): 351-360,

    setembro/outubro, 1985

    H muito que fazer... 26 (6): maio/junho, 1987

    O pensamento poltico de Fidelino de Figueiredo: um projeto poltico

    para Portugal. 26 (6): 358-374, julho/agosto, 1987

    ARTIGOS NA REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA

    Crtica ao estadualismo jurdico. v. 13, n. 50, p. 219-228, abr./jun.

    1963.

    As origens do empirismo do pensamento luso-brasileiro. v. 23, n. 92, p.

    425-447, out./dez. 1973.

    Cincias humanas e valor. v. 25, n. 99, p. 329-347, jul./set. 1975.

    Cincias humanas e valor. v. 25, n. 100, p. 448-469, out./dez. 1975.

    Gustavo Coro (1896-1978). v. 30, n. 113, p. 8-10, jan./mar. 1979.

    A filosofia em Ortega y Gasset. v. 34, n. 134, p. 130-137, abr./jun.

    1984.

    As idias no Brasil. v. 33, n. 136, p. 400-403, out./dez. 1984.

    A crise da cincia e o renascimento da filosofia poltica. v. 35, n. 142,

    p. 87-102, abr./jun. 1986.

    A crise da cincia e o renascimento da filosofia poltica. v. 35, n. 143,

    p. 183-199, jul./set. 1986.

    A idia de liberdade em Tobias Barreto. v. 38, n. 154, p. 127-144,

    abr./jun. 1989.

    Presena de Miguel Reale na cultura brasileira. v. 40, n. 165, p. 8-20,

  • 6

    jan./mar. 1992.

    O ideal de sociedade aberta em Stuart Mill e sua crtica. v. 41, n. 174,

    p. 170-184, abr./jun. 1994.

    Roque Spencer Maciel de Barros, ou uma viso liberal-trgica do

    homem. v. 44, n. 186, p. 148-158, abr./jun. 1997.

    A crtica de Michael Walzer a Rawls : liberalismo versus

    comunitarismo na universalidade tica. v. 44, n. 187, p. 335-351,

    jul./set. 1997.

    Direitos humanos : crise e perplexidade. v. 45, n. 193, p. 34-48,

    jan./mar. 1999.

    Adolpho Crippa (1929-2000). v. 50, n. 198, p. 147-158, abr./jun. 2000.

    Ainda a retirada de Jos Pedro Galvo de Sousa do Convivium. v.

    51, n. 201, p. 142-144, jan./mar. 2001

  • 7

    E S T U D O S C R T I C O S

  • 8

    Presena de Ubiratan Borges de Macedo na filosofia brasileira

    Jos Maurcio de Carvalho

    Departamento de Filosofia da Universidade Federal de So Joo del

    Rei

    [email protected]

    Vida e obra:

    Ubiratan Macedo nasceu em So Paulo no dia 21 de agosto de

    1937. Graduou-se em Direito e simultaneamente cursou Filosofia na

    Pontifcia Universidade Catlica do Paran. Em 1963 fez curso de

    especializao em direito na USP. Tambm fez cursos de especializao na

    Universidade de Louvain (Blgica) nos anos de 1967/8. Concluiu o

    mestrado em filosofia na PUC/Rio em 1978 e o doutorado na Universidade

    Gama Filho em 1984, tornando-se professor na prpria Universidade Gama

    Filho e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Aposentou-se como

    Professor Titular da Universidade Federal do Paran. Tambm pertenceu

    ao Corpo Docente da Escola Superior de Guerra e do Colgio

    Interamericano de Defesa em Washington (USA). Integrou a Comisso

    Nacional de Moral e Civismo (1976-1980) e o Conselho Federal de

    Educao (1984-1988). Faleceu em Curitiba a 16 de julho de 2007.

    Borges de Macedo autor de vrias obras de destaque: Introduo

    teoria dos valores (1971), A liberdade no imprio (1977), Metamorfoses

    da liberdade (1978), Caminhos da democracia no Brasil (1984),

    Fundamentao dos valores Tese (1988), Liberalismo e justia social

    (1995) e O liberalismo moderno (1997). O livro A liberdade no imprio foi

    reeditado com o ttulo A idia de liberdade no sculo XIX: o caso

    brasileiro (1997), A presena da moral na cultura brasileira (2001) e

    Democracia e direitos humanos, ensaios de filosofia prtica (2003). Ele

    tambm possui vrios trabalhos em co-autoria: Rumos da filosofia atual no

    Brasil (1976), As idias filosficas no Brasil (1978), As idias polticas no

    Brasil (1979), Filosofia e ensino da filosofia (1979), Filosofia luso-

    brasileira (1983), Nova poltica para a educao no Brasil (1985), A

    faanha da liberdade (1986), Evoluo histrica do liberalismo (1986),

    Constituio de 1988 o avano do retrocesso (1990), tica, filosofia e

    esttica (1997), Introduo histrica ao liberalismo (1997), alm de ser um

    dos organizadores do livro Miguel Reale, homenagem a seus 90 anos

    (2000). Ele escreveu numerosos artigos. Ubiratan Macedo tambm traduziu

    Pierre Bigo; marxismo e humanismo (1963), Basave Fernandez del Valle;

    filosofia da religio (1976) e Mariano Grondona; pensadores da liberdade

    (1998).

  • 9

    Para um aprofundamento de suas idias deve-se consultar a

    apresentao elaborada por Antnio Paim para o seu livro Liberalismo e

    justia social (1995); o item 2 do captulo VII de A filosofia

    contempornea no Brasil (2000), de Antnio Paim; e o verbete escrito,

    sobre ele, por Miguel Reale na Enciclopdia Logos.

    Idias fundamentais:

    No mbito do direito examinou as teses que assinalam a supremacia

    e a autonomia dos prncipes seculares frente ao Papa, em assuntos

    temporais. Essa foi uma das questes magnas da tica e da poltica

    medievais. Aos poucos seus interesses se ampliaram e ele passou a estudar

    teses contemporneas de tica e poltica.

    Ubiratan Macedo um dos mais renomados estudiosos brasileiros

    da filosofia liberal, do pensamento catlico, alm de reconhecido

    comentador das teses de Jos Ortega y Gasset (1883-1955). Como seguidor

    entusiasmado do filsofo espanhol, ele chamou ateno para o vnculo do

    pensamento orteguiano com a tradio espanhola, voltada para os

    problemas do homem concreto, isto , daquele que ama, sofre, goza,

    respira, luta. Ao referir-se existncia como realidade particular, Ortega

    tinha em vista a vida humana como coisa singular, realidade de cada um.

    Isso no o impediu de enxergar o indivduo integrante da sociedade,

    membro de um grupo social. Tudo o que cada indivduo humano usa para

    construir o seu mundo singular tem um componente biolgico ou social,

    explicou Ortega. Entre as circunstncias sociais que marcam o sujeito est

    a lngua que ele fala, os costumes, as crenas e as opinies. A radicalidade

    do indivduo se sustenta, pois, na vida social. Essa caracterstica do

    pensamento orteguiano foi muito bem assimilada por Ubiratan, que

    percebeu nele um liberal, mas no um individualista ou exclusivista. De

    Ortega, Ubiratan Macedo aprendeu que o espao da liberdade no s o

    indivduo, mas a sociedade. Assim a prpria iniciativa privada passa a

    objeto de estudo na medida em que assume papel social muito bem

    definido. Esses elementos foram bem assimilados por Macedo, que pode

    assumir uma postura liberal de destaque, sem deixar de ser um dos maiores

    nomes da filosofia catlica em nosso pas.

    Sua contribuio para a filosofia brasileira apresenta-se em vrios

    ensaios e livros que a ela dedicou. De uma perspectiva terica, como

    historiador da filosofia, ele organizou o debate filosfico levado a termo

    pelos maritanistas no Brasil em relao ao humanismo. Em sntese, o

    humanismo de nosso tempo, explicou, mais que uma reflexo terica,

    inclui uma prxis montada sobre o alicerce teortico. A relevncia da

    filosofia para esse movimento de valorizao do homem decorre de a

    filosofia servir para justificar e fundamentar um humanismo, mas no se

  • 10

    identifica com ele (Metamorfoses da liberdade. So Paulo: IBRASA, 1978.

    p. 13).

    No livro A presena da moral na cultura brasileira (2001) Ubiratan

    Borges de Macedo apresenta uma srie de ensaios sobre a tica e a histria

    das idias no Brasil. O mais importante do livro a explicao para as

    dificuldades morais vividas pela sociedade brasileira. No primeiro e mais

    criativo dos ensaios, Macedo defende que as dificuldades da sociedade

    brasileira comeam na falta de discusso dos problemas ticos. Mostra

    como, em outros pases, os livros de tica so abundantes e sua leitura

    generalizada. Alm disto, o comportamento moral das personagens de

    nossa literatura, toma dois romances de Machado de Assis como

    paradigmticos, so exemplos de frouxido tica quando comparados com

    o que se passa no universo anglo-saxo no mesmo perodo. Na busca de

    uma explicao para tal circunstncia discorda da tese de Antnio Paim

    segundo a qual nossos problemas na rea decorrem da persistncia da

    moral contra-reformista. Parece-lhe que as nossas dificuldades se originam

    no romantismo, que reforou a herana contra-reformista, isto : o

    desprezo ao trabalho orgnico e a ojeriza tica riqueza (p. 6). Ele explica

    a razo da discordncia: nem todas as naes que tiveram o contra-

    reformismo como base moral permaneceram com aqueles valores originais.

    O romantismo, completa, que d o tom geral na nossa cultura: os gestos

    valem mais do que o dever cotidiano, os valores da tica romntica (...) so

    a liberdade do indivduo, a amizade (...) a auto realizao alm da nfase no

    sentimento (p. 7). A pequena reflexo moral existente em nosso meio

    decorre da compreenso romntica de que no h grande sentido na

    meditao tica, pois valem mais os entusiasmos, os sentimentos

    cultivados, a lealdade, amizade postas acima das leis abstratas e do

    despotismo observados na sociedade colonial.

    Outro aspecto importante de sua meditao sobre a filosofia

    brasileira o exame que efetivou sobre o problema da liberdade no

    Imprio, onde parece estar sua contribuio mais notvel. Na avaliao de

    Antnio Paim esse estudo demonstrou a profundidade com que a

    discutimos, de sorte a nada ficar a dever em face do confronto com os

    centros mais velhos da cultura ocidental (A liberdade no Imprio. So

    Paulo: Convvio, 1977. p. 15).

    Em seu trabalho, Ubiratan Macedo partiu de um pressuposto muito

    difundido entre os catlicos brasileiros do sculo XIX, o de que a liberdade

    poltica incompreensvel sem a liberdade interior. Na reedio da obra o

    autor cuidou de explicitar melhor o significado da liberdade moderna. A

    liberdade moderna garantia um espao interior para o indivduo, torna-a

    esfera indevassvel; aspecto no reconhecido pela chamada liberdade

    antiga, restrita participao do indivduo na designao da autoridade. Na

    prtica, asseverou, a vida poltica significava um totalitarismo brutal em

  • 11

    Roma e na Antiga Grcia. Para os antigos o homem era simples indivduo

    e no uma pessoa, para usarmos a distino maritaineana (1997, p. 29).

    Essa problemtica preocupou outros catlicos, Tancredo Neves, por

    exemplo, tambm examinou o tema. Para aprofundar essa distino,

    Macedo valeu-se de Hannah Arendt (1906-1975), Jacques Maritain (1882-

    1973) e Paul Ricoeur (nasc. em 1913). Da primeira apreendeu a gnese da

    concepo poltica de liberdade nascida no relacionamento humano: antes

    que se tornasse um atributo do pensamento ou uma qualidade da vontade,

    a liberdade era entendida como o estado do homem livre (1977, p. 22); do

    segundo, os problemas decorrentes de um sistema orientado pela liberdade

    interior, mas fechado s liberdades polticas, paradoxo que adotava

    soluo diversa numa e noutra ordem (idem, p. 23); de Ricoeur, a

    dificuldade de transpor a idia de liberdade para o espao social, a

    liberdade real no absoluta, ela encontra poderes que a limitam no

    mundo (idem, p. 24).

    Ubiratan tambm examinou a criao filosfica e, com base nela,

    explicou que os autores nacionais integram a cultura ocidental. Vivemos o

    ocidente, somos o ocidente, o ocidente institucional, tico, filosfico,

    religioso, tecnolgico e industrial, e completaria, nossa tradio tambm

    uma ramificao dessa mesma planta cultural (idem, p. 38), lembrando as

    palavras de Vicente Ferreira da Silva. Com base nessa constatao

    concluiu:

    Dentro da cultura ocidental estamos em casa,

    pois, e a validade de uma idia depender mais

    de sua capacidade de resolver o problema que a

    originou de que do seu coeficiente de

    originalidade (idem, p. 39).

    O exame dos vrios autores voltados para o tema da liberdade no

    perodo imperial permitiu-lhe distinguir momentos bem definidos do

    debate. Houve uma poca inicial onde afirmou-se a liberdade; e um outro,

    j no final do segundo imprio, onde prevaleceu a sua negao. Esses

    momentos apenas revelam a prevalncia das posies, pois justo na

    ltima fase que Tobias Barreto, um de nossos maiores filsofos brasileiros,

    elaborou uma abordagem tica da liberdade. A questo central no imprio

    a da liberdade, para afirm-la ou neg-la e o problema de sua existncia ou

    no foi discutido autonomamente nos planos filosfico, poltico e religioso.

    Ao avaliar as contribuies dos autores que examinou, Ubiratan pde

    concluir:

    Este resultado geral confirma a incluso da

    cultura brasileira dentro da ocidental, embora o

  • 12

    ritmo faseolgico seja diverso e o acento

    prioritrio nos problemas tambm (idem, p. 199).

    Quanto ao ncleo temtico ele explicou que havia uma certa

    unidade de pensamento nos dois ciclos, cada um com pequenas

    divergncias, consenso que garantiu uma certa organicidade da cultura

    durante o imprio, mas que no permaneceu quando adveio a Repblica.

    Ubiratan tambm vem contribuindo para o aprofundamento de

    questes de tica e poltica que preocupam os homens de nosso tempo.

    Nesse sentido, merece destaque seu estudo sobre a justia social (1995).

    Depois de mostrar que durante boa parte de nosso sculo essa idia

    imperou por toda a parte, revelou que se trata de uma referncia confusa

    e que remete outra igualmente confusa, a de igualdade social. O

    problema, explicou, que para realizar a justia social o caminho

    normalmente apontado o da interveno estatal, o que algo que hoje

    desejamos evitar. Quanto menos o Estado intervir na vida dos cidados,

    mais estes lucram, procura mostrar. Assim entendeu que os principais

    aspectos a serem preservados e buscados no universo da poltica so a

    liberdade e a democracia. Ele concluiu, ento, pela excluso da justia

    social de nosso uso lingstico, exceto se o sentido for procedimental.

    Ainda assim cuidou de advertir quanto ao uso moral da idia de justia.

    Quais as razes de seu temor? Ele explicou que muitas vezes, em nome

    da justia, os homens perseguem, matam-se, torturam e atacam a

    liberdade das outras pessoas. Por esse motivo considerou a justia uma

    idia muito imperfeita para mobilizar a tica, preferindo uma outra mais

    ampla, a do amor. o amor que deve orientar a vida humana nas suas

    vrias dimenses. Centrar no amor as preocupaes ticas, afirmou:

    No tira valor justia, nem atenua o significado

    da ordem instaurada sobre ela, mas indica

    apenas, sob outro aspecto, a necessidade de

    recorrer s foras bem mais profundas do

    esprito, que condicionam a prpria ordem da

    justia (Macedo, 1985. p. 72).

    Ao centrar a tica no amor, Ubiratan revelou que no h razo para

    abandonar esse princpio basilar do cristianismo nem exclu-lo em nome da

    justia. Ao contrrio, esta pode e encontra lugar em seu meio. O amor o

    fundamento da tica. Seguindo as lies mais interessantes de So Paulo,

    para quem o amor deve presidir todas as aes humanas, Ubiratan Macedo

    entende que sem o amor todas as outras virtudes ficam incompletas e sem o

    fundamento necessrio. Podemos e devemos buscar a justia, mas no

  • 13

    encontraremos melhor apoio para as aes humanas que o amor, essa a

    lio deixada pelo pensador.

    Num artigo intitulado Dez anos da queda do muro de Berlim,

    Ubiratan Macedo sistematizou sua percepo da poltica internacional. O

    artigo importante porque expe parcela de sua filosofia poltica. Segundo

    ele, nosso tempo se caracteriza: pelo fim da estrutura bipolar do poder

    militar, pela globalizao econmica e tambm pela economia de blocos,

    pulverizao poltica e retorno ao pluralismo cultural. O fim da estrutura

    bipolar de poder conseqncia da hegemonia americana nos campos

    econmico e militar. Trata-se de posto instvel, j ocupado, em outras

    pocas, por diversas naes. A globalizao nada tem de ideolgica ou

    demonaca, resultado da difuso das tcnicas de produo e comunicao

    de nossa poca. O resultado do processo a unificao do mercado

    financeiro mundial com aumento das oportunidades e riscos. A diviso da

    economia em blocos revela que, apesar da globalizao, a economia e os

    mercados ainda no esto unificados. O que funciona so blocos, dos quais

    so exemplos: O Mercado Comum Europeu, o Nafta, a Federao Russa e

    o Mercosul. Por pulverizao poltica, o filsofo entende a constituio de

    novas naes soberanas, at pouco tempo atrs colnias de outras. O

    resultado da emancipao poltica desses povos que os organismos

    internacionais ficam imobilizados no meio de tantos e to diversos

    interesses. Por retorno ao Pluralismo cultural ele compreende a nsia de

    independncia poltica e religiosa dos grupos, promovendo disputas

    localizadas. Apesar desses problemas, o novo quadro mundial reflete um

    aumento da conscincia tica contra as guerras, violncia em geral,

    inclusive contra as minorias, mulheres e crianas. Assim, na sua avaliao,

    a expanso do iderio liberal, em que pesem as dificuldades concretas que

    suscitou, levou a um mundo melhor do que era at pouco tempo. Com sua

    anlise, Ubiratan revela ainda uma viso otimista quanto ao futuro da

    humanidade e se alinha entre os defensores do progresso tico.

  • 14

    A recuperao da idia liberal

    na obra de Ubiratan Macedo

    Antonio Paim

    As pessoas que tiveram a oportunidade de conviver com Ubiratan

    Macedo (1937/2007) somos unnimes em reconhecer sua notvel

    informao e amplitude de interesses em matria de saber. Nessa

    circunstncia , adquire ares de arbitrariedade pretender destacar o que pode

    ser apontado como central em sua contribuio contempornea meditao

    brasileira. Contudo, creio que no seria, de modo algum, amesquinh-la

    apontar a centralidade da recuperao da idia liberal nos cursos que teve

    oportunidade de organizar e, sobretudo, no crculo de estudos que manteve

    em sua residncia por mais de vinte anos. Traos dessa permanncia

    encontram-se no conjunto da sua obra, razo pela qual permito-me referi-

    la, ainda que privilegiando o aspecto considerado.

    Embora haja nascido em So Paulo (em 1937), pertencia a

    tradicional famlia paranaense, tendo ali se radicado. Concluiu a Faculdade

    de Direito do Paran em 1960 e, simultaneamente, o curso de filosofia na

    PUC-PR. Durante o ano de 1963 fez curso de especializao em direito na

    USP. Subseqentemente, em 1967-1968 estudou Filosofia Social e Histria

    da Filosofia, em nvel de ps-graduao, na Universidade de Louvaina

    (Blgica). Fez o mestrado em filosofia na PUC do Rio de Janeiro,

    concludo em 1976 e doutorado na mesma rea na Universidade Gama

    Filho, igualmente no Rio de Janeiro, concludo em 1984. Seguiu a carreira

    do magistrio na Universidade Federal do Paran, onde chegou a professor

    titular, aposentando-se nessa condio. Pertenceu tambm ao Corpo

    Docente da Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro e do Colgio

    Interamericano de Defesa, em Washington, Estados Unidos. Desempenhou

    diversas funes oficiais, entre estas membro da Comisso Nacional de

    Moral e Civismo (1976-1980) e do Conselho Federal de Educao (1984-

    1988). Na parte final de sua existncia atuou como professor dos cursos de

    ps-graduao em filosofia e direito, da Universidade Gama Filho e do

    doutorado em direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

    Tomando o conjunto de seus ensaios e livros, pode-se concluir

    que se ocupou inicialmente da histria da filosofia, com nfase na

    discusso em torno dos valores no sculo XX mas tambm na obra de

    alguns autores. Desse conjunto sobressaem a tese de concurso publicada

    em Curitiba (Introduo teoria dos valores, Editora dos Professores,

    1971) e alguns estudos sobre filsofos como Kant, Ortega e Sciacca.

  • 15

    Progressivamente, entretanto, Ubiratan Macedo fixou-se na

    filosofia poltica. Na tese de doutorado (Os caminhos da democracia no

    Brasil, Rio de Janeiro, UGL, 1984) que lamentavelmente no chegou a

    publicar teria oportunidade de deslindar os campos entre filosofia poltica

    e cincia poltica, traando ao mesmo tempo notvel painel da evoluo

    desta ltima nos Estados Unidos, simultaneamente, deteve-se no

    pensamento poltico brasileiro. Na mencionada tese de doutorado estuda

    autores patrcios como Manoel Gonalves Ferreira Filho e Wanderley

    Guilherme dos Santos.

    Na espcie, o texto mais notvel que produziu no perodo

    consiste no livro que inicialmente intitulou de A liberdade no Imprio (So

    Paulo, Convvio, 1971), posteriormente refeito e denominado de forma

    mais apropriada: A idia de liberdade no sculo XIX: o caso brasileiro

    (Rio de Janeiro, Expresso e Cultura, 1997).

    Entendo que duas so as contries fundamentais na matria? 1)

    a distino entre o tradicionalismo e conservadorismo liberal; e, 2) o

    estabelecimento do significado da obra dos liberais no Segundo Reinado.

    O tradicionalismo

    Ubiratan Macedo entende, antes de mais nada, que no se deve

    identificar tradicionalismo e catolicismo, embora historicamente haja

    ocorrido semelhante confluncia. A circunstncia, entretanto, transitria,

    alm de que nunca houve adeso oficial da Igreja Catlica a nenhum tipo

    de conservadorismo ou tradicionalismo. E quanto ao tradicionalismo como

    corrente filosfica, foi abertamente condenado pela igreja. Assim, a

    aproximao pretendida repousa em bases falsas. No aspecto poltico, o

    tradicionalismo uma ideologia e no se pode, legitimamente, equiparar

    ideologia e religio. No aspecto filosfico, o tradicionalismo

    expressamente rejeitado.

    Cabe, portanto, estudar o tradicionalismo como ideologia poltica

    e corrente filosfica, sem identific-los com o catolicismo. Com esse

    esprito, efetiva a caracterizao dos traos essenciais de ambos os

    fenmenos.

    O tradicionalismo poltico ou conservadorismo no uma

    simples defesa do status quo. Dispe de um plano para modificar o

    presente e consiste numa forma de utopia, como bem o viu Mannheim no

    conhecido ensaio sobre o pensamento conservador.

  • 16

    O tradicionalismo poltico corresponde reao contra a

    Revoluo Francesa. Formulou-se simetricamente em sinal oposto ao

    liberalismo. Seus principais representantes foram Burke, Adam Moeller e a

    escola histrica de Savigny, os tradicionalistas franceses Maistre, De

    Bonald, Bautain, Rohrbacher e Louis Veuillot, os italianos Ventura de

    Raulica, Taparelli dAzeglio, os espanhis Donoso Corts, Balmes,

    Vazques de Mella, os alemes Stahl e Vogelsang.

    Ubiratan Macedo sugere esta caracterizao para o

    tradicionalismo poltico: 1 Anti-racionalismo. No mximo admitir a

    razo subordinada a uma origem divina e controlada pela revelao; 2

    Nacionalismo; 3 Apologia da hierarquia social, contrariando o princpio

    liberal da igualdade; 4 Defesa das estruturas e corpos intermedirios entre

    o Estado e o indivduo, atribuindo-lhes funes polticas; 5 Hostilidade

    para com o sufrgio universal; 6 Defesa do Direito Natural como

    fundamento e norma absoluta da vida social, mas distinto do direito natural

    iluminista e reduzido a uns quantos princpios que se devem encarnar na

    histria para serem reais; 8 Crena de que existem valores superiores

    vida humana, aos quais deve ser sacrificada, numa postura antihumanista; 9

    Antiindividualismo sem ser coletivismo, antes um transpersonalismo; 10

    Hostilidade para com o Liberalismo, a Reforma Protestante, Revoluo

    Francesa, Capitalismo (sonho de regresso a uma sociedade agrria),

    Tecnologia, Cincia Moderna, Progresso, e, paradoxalmente, contra o

    Romantismo, apesar de ser, no fundo, uma atitude tpica do romantismo; 11

    O uso da violncia no banido; subordinado justia com o

    aprazimento em imaginar situaes onde seria lcita e obrigatria a

    violncia, fazendo assim uma preparao espiritual em prol da violncia, ao

    contrrio do liberalismo que tendia para o pacifismo e punha nfase no

    debate, parlamentar e pela imprensa, para resolver os impasses sociais; 12

    Defesa da comunidade local e de seus privilgios; 13 Insistncia no

    concreto, nas liberdades concretas, em oposio ao liberalismo que

    criticado como abstrato e irreal; 14 Presena, em graus diversos, de uma

    atitude favorvel religio como fora social.

    O tradicionalismo assim definido recente e no corresponde a

    uma atitude universal como por exemplo o conservadorismo fisiolgico.

    Esse aparecimento tardio deixou-lhe a marca do tempo, em especial no que

    respeita ao nacionalismo e ao organicismo social. Formulando-se em

    contraposio a certa ordem de idias, onde o iluminista fala de Razo,

    prefere termos tais como Histria, Vida ou Nao.

    Como filosofia, a exemplo de suas congneres modernas, uma

    teoria do conhecimento. Sustenta o primado da razo coletiva contra a

    individual. Adota como critrio de verdade no a evidncia, que considera

  • 17

    individualista, mas o consenso unnime dos povos, a revelao conservada

    pela tradio ou diretamente a tradio. Essa filosofia enfatiza a

    necessidade de resguardar verdades bsicas como a existncia de Deus, a

    religio, a imortalidade da alma, a autoridade e combater as chamadas

    conquistas de 89 (liberalismo, razo individual etc.).

    Ubiratan Macedo, no livro considerado, procede igualmente ao

    levantamento pioneiro da vertente tradicionalista, entendida nos termos

    antes indicado, distinguindo-a claramente do neotomismo, o que

    corresponde a outra conquista notvel do ciclo de estudos ora analisado.

    Assim, seria a partir desse embasamento pioneiro que se desenvolveram,

    desde ento, os estudos que permitiram a ampla caracterizao da trajetria

    do tradicionalismo brasileiro. Aspecto igualmente pioneiro seria a sua

    indicao da necessidade de confrontarmos tal parcela da meditao

    brasileira ao tradicionalismo portugus. Assinale-se que essa linha foi

    seguida risca. No balano efetivado da interface Brasil/Portugal da

    corrente tradicionalista, levado a cabo no VII Congresso Antero de Quental

    (So Joo del Rei, setembro, 2006) indica-se expressamente que os Anais

    (publicados pela UFSJ em 2009) destinam-se a homenagear o saudoso

    Ubiratan Borges de Macedo.

    A primeira personalidade estudada por Ubiratan Macedo, no

    livro indicado, d. Romualdo Seixas 91787/1860), que era natural do Par

    e sobrinho de d. Romualdo Coelho de Souza, oitavo bispo do Par (1762-

    1841). Sua educao, que se iniciou na provncia, completou-a em Lisboa

    na ordem do Oratrio, que to grande influncia exerceu no curso da

    cultura luso-brasileira, atravs de Verney e Silvestre Pinheiro Ferreira. De

    regresso ao Brasil, ensinou retrica e filosofia, tendo chegado a vigrio

    geral da provncia. Nomeado arcebispo da Bahia, tomou posse em janeiro

    de 1828. Ascendeu condio de Primaz do Brasil, cabendo-lhe, em 1841,

    presidir a solenidade de sagrao do segundo imperador.

    D. Romualdo Seixas recebeu do Imprio o ttulo de Marqus de

    Santa Cruz. Teve suas Obras Completas publicadas em seis volumes,

    sendo os trs primeiros em 1839; o quarto, em 1852, e os dois ltimos em

    1858. Em 1876 reiniciou-se sua publicao, que entretanto no passou do

    primeiro volume.

    No que respeita filosofia de Cousin, d. Romualdo adverte

    mocidade para que esteja de sobreaviso, e se no deixe iludir das

    quimricas especulaes de um sistema que, fugindo talvez dos escolhos do

    sensualismo, vai naufragar e perder-se nos ltimos limites de um idealismo

    exagerado ou, na frase de Schelling, em uma filosofia de pura abstrao,

    que diviniza o nada e reduz o Cristianismo e a vida a uma v

  • 18

    fantasmagoria.

    Para o combate a essa filosofia e s diversas outras manifestaes

    racionalistas, d. Romualdo criou o semanrio Noticiador Catlico, que

    circulou entre 1848 e 1860 e patrocinou a edio do compndio de Frei

    Itaparica, em 1852.

    Outra figura estudada por Ubiratan Macedo Braz Florentino

    Henriques de Souza que, entende, foi por equvoco arrolado como

    neotomista quando, na verdade, tradicionalista. Analisa igualmente a

    obra de Frei Firmino de Centelhas, tradicionalista tpico e, por isto mesmo,

    mais conhecido.

    Como foi referido, o estudo pioneiro de Ubiratan Macedo

    ensejou a efetivao de diversas pesquisas que vieram a proporcionar um

    quadro presumivelmente completo da trajetria do tradicionalismo no

    Brasil. So as seguintes: O discurso autoritrio de Cairu (Fortaleza,

    Universidade Federal do Cear, 1982), de Joo Alfredo Montenegro; O

    tradicionalismo em d. Romualdo Antonio de Seixas (Rio de Janeiro,

    Universidade Gama Filho, 1983), de Dinorah Berbert de Castro; O

    tradicionalismo em Pernambuco (Recife, Editora Massangana, 1988), de

    Tiago Ado Lara; e O tradicionalismo na Repblica Velha (Rio de Janeiro,

    Universidade Gama Filho, 1984), de Cassiano Cordi. Em relao ao tema

    considerado, vale referir ainda que Ubiratan Macedo chamou a ateno

    para a provvel presena do pensador portugus Antonio Sardinha na

    atividade desenvolvida pelo Centro Dom Vital nos anos vinte, hiptese que

    viria a comprovar-se graas edio da correspondncia entre Alceu

    Amoroso Lima e Jackson de Figueiredo, efetivada pela Academia

    Brasileira de Letras (1991-1992). Incumbiu-se tambm da organizao dos

    Ensaios Polticos e Filosficos de Alexandre Correia (1890-1984), editados

    por Convvio (1985).

    A par da tese de que o tradicionalismo no deva ser qualificado

    de catlico, em que pese o fato de que, sobretudo na Repblica, a

    hierarquia da Igreja Catlica no se haja furtado a expressar suas

    preferncias por aquela vertente poltica, Ubiratan Macedo buscou tambm

    ordenar a evoluo do pensamento catlico no Brasil, num conjunto de

    ensaios reunidos no livro Metamorfoses da liberdade (So Paulo, Ibrasa,

    1978).

    Liberalismo doutrinrio e Segundo Reinado

    O liberalismo doutrinrio corresponde a uma das fontes em que

    se inspiraram os liberais moderados no Imprio, a par da influncia que

  • 19

    sobre eles exerceram Hiplito da Costa e Silvestre Pinheiro Ferreira.

    Ubiratan Macedo estudou a obra e a personalidade daquele que seria talvez

    o mais importante doutrinrio brasileiro, Paulino Jos Soares, visconde de

    Uruguai (1807-1866) em ensaio constante do referido Metamorfoses da

    liberdade e, ao mesmo tempo, proporcionou-nos uma ampla caracterizao

    daquela doutrina em ensaio includo na coletnea Evoluo histrica do

    liberalismo (Belo Horizonte, Itatiaia, 1987). Define-o deste modo:

    O liberalismo doutrinrio a verso francesa do liberalismo

    ingls, embora no se trate de simples cpia ou transplante. Ao contrrio,

    os doutrinrios franceses elaboraram questes tericas da maior relevncia,

    que no se encontravam no horizonte das preocupaes da liderana liberal

    inglesa. Por isto mesmo ocupam, juntamente com Kant, uma posio

    fundamental na evoluo histrica do liberalismo. Desde os meados do

    sculo XIX, este no apenas a experincia, as instituies e a doutrina

    inglesa mas esse conjunto acrescido da meditao de Kant e dos

    doutrinrios. De modo que o processo de democratizao da idia liberal

    na segunda metade da centria, de que a Inglaterra tambm o arqutipo,

    j no se inspira apenas na atividade terica local, mas leva em conta a

    contribuio do continente. Na obra de Kant e dos doutrinrios que se

    encontram os argumentos para a crtica do cartismo expresso inglesa do

    democratismo continental.

    Ubiratan Macedo entende que tem na figura de Benjamin

    Constant (1767-1830) o seu grande precursor. Constant outra

    personalidade familiar nossa elite imperial, sendo o Brasil o pas que

    adotou a sua proposta de constituir o Poder Moderador, proposta essa que

    tanto impressionaria D. Pedro I. A esse propsito, Ubiratan Macedo lembra

    que Benjamin Constant era conhecido na poca como o Chef de la Gauche,

    parecendo-lhe plausvel admitir que D. Pedro dele se aproximou

    justamente por sua condio subversiva. Ao que acrescenta: ... o nosso

    primeiro imperador lutou denodadamente contra o absolutismo monrquico

    e na formao desse seu esprito liberal o conhecimento da obra de

    Benjamin Constant h de ter desempenhado um papel decisivo, fato

    atestado pelo seu bigrafo Octavio Tarqunio de Souza. No seria estranho

    predileo do nosso primeiro imperante a tumultuada vida pessoal de

    Benjamin: paixes e casamentos sucessivos, duelos, a postura bomia, nada

    conservadora.

    Benjamin Constant considerava a liberdade como o ncleo do

    seu sistema. A partir de tal princpio concebeu a monarquia constitucional,

    de governo representativo, embrionariamente parlamentarista e bicameral,

    como definiu Ubiratan Macedo. segunda Cmara (o Senado), duradoura,

    incumbe no apenas a prudncia nas reformas, mas, sobretudo, evitar

  • 20

    retrocessos na marcha poltica para maior liberdade e igualdade. O modelo

    de Constant atribui papel especial ao Monarca, ao lhe delegar a funo que

    se chamou de Poder Moderador. Explica Ubiratan Macedo: Na fase em

    que viveu o nosso autor, a questo no se resumia harmonia entre

    Judicirio e o Executivo ou entre este e o Parlamento. A rigor no existia

    Parlamento mas duas Cmaras separadas e freqentemente em conflito.

    Havia tambm atritos entre o Rei e seus Ministros, num tempo em que

    somente na Inglaterra se consagrara a figura do Primeiro-Ministro. De sorte

    que tem toda pertinncia a idia de criar-se uma outra Magistratura, com

    atribuies de exercitar a coordenao dos vrios poderes; pairando acima

    deles como rbitro. Essa doutrina deve ser avaliada luz da circunstncia

    concreta em que apareceu. Em sua poca a idia era absolutamente vlida

    e, de certo modo, imprescindvel, porquanto o sistema de governo

    constitucional, inaugurador de uma nova realidade de poder

    descentralizado, ainda no havia formado os mecanismos coordenadores

    que se criariam de formas mltiplas, segundo a experincia de cada pas.

    O liberalismo doutrinrio formou-se em contraponto a Benjamin

    Constant, reunindo, como lderes, um grupo de intelectuais de grande

    nomeada, como Franois Guizot (1787-1874) e Pierre-Paul Royer-Collard

    (1763-1845). Royer-Collard o fundador da Escola Ecltica, sendo seus

    discpulos Victor Cousin (1792-1867) e Theodore Jouffroy (1796-1842).

    Alguns brasileiros, como Domingos Gonalves de Magalhes (1811-1882)

    e Salustiano Pedroza (fim do sculo XVIII/1858) teriam oportunidade, em

    Paris, de ser alunos de Jouffroy. Ao liberalismo doutrinrio associa-se

    Alexis de Tocqueville (1805-1859), cujo grande feito consiste em haver

    recuperado o valor do ideal democrtico, de todo desmoralizado pelo

    democratismo. A partir de sua obra sobretudo de A democracia na

    Amrica (1835) comea o processo de democratizao da idia liberal

    sendo seu grande artfice o lder liberal ingls William Gladstone (1809-

    1898).

    Ubiratan Macedo resume deste modo as principais teses dos

    doutrinrios:

    1. A Revoluo Francesa um fato a ser aceito com suas

    conseqncias. A volta ao Antigo Regime impensvel, tanto em nvel

    prtico como terico;

    2. A Revoluo no pecou por demasia. A sua doutrina terica (o

    democratismo) que era falha;

    3. O constitucionalismo condio indispensvel de organizao

    do Estado. Os direitos e liberdades individuais no tm, contudo, origem

  • 21

    racional, mas resultam de condies histricas concretas;

    4. A soberania popular um mito, ponto no qual discordam

    frontalmente de Benjamin Constant. A Cmara representa interesses e

    correntes de opinio e no a noo abstrata de povo; e,

    5. Ao sistema representativo no incumbe representar apenas

    correntes de opinio e interesses, mas todas as foras e instituies

    existentes no pas, inclusive a Monarquia. Ao mesmo tempo, recusa a idia

    de Poder Moderador.

    Concluindo a sua brilhante anlise, escreve Ubiratan Macedo:

    Assim, os doutrinrios deram uma contribuio fundamental no sentido de

    preservar o esprito da idia liberal, no sculo anterior virtualmente

    circunscrita Inglaterra, distinguindo-o nitidamente do democratismo

    difundido pela Revoluo Francesa, sem voltar as costas ao sistema

    representativo e deste modo distinguindo-se tambm do tradicionalismo,

    que em nosso pas, ainda hoje, lamentavelmente entendido como nica

    forma de conservadorismo. Sua atuao no se circunscreveu ao plano

    doutrinrio, sendo inestimvel a contribuio que deram configurao de

    instituies liberais. Est neste caso o grande esforo que desenvolveram

    no sentido de tornar a Universidade pblica uma instituio laica. Os

    doutrinrios conceberam e plasmaram as Foras Armadas como uma

    instituio profissional.

    Dessa sua atuao prtica no resultou a sonhada estabilidade

    poltica e talvez essa ambio estivesse muito acima de suas foras.

    No livro A idia de liberdade no sculo XX destaca sobretudo o

    significado da estabilidade poltica conquistada no Segundo Reinado.

    Escrevendo na dcada de cinqenta, o republicano francs Charles

    Ribeyrolles registra que no pas h anos no h mais nem processos

    polticos, nem prisioneiros de Estado, nem processos de imprensa, nem

    conspirao, nem banimento (Le Brsil Pittoresque. Rio de Janeiro, 1859).

    E assim vivemos por quase meio sculo, situao que contrasta de modo

    flagrante com a Repblica. Boanerges Ribeiro, no livro Protestantismo e

    Cultura Brasileira (1981) ressalta a exemplar tolerncia religiosa garantida

    por autoridades policiais e judicirias, no imprio, apesar de haver uma

    religio oficial. Ao contrrio do que ocorria em Portugal, conforme enfatiza

    o mesmo autor.

    preciso ter presente as dificuldades do liberalismo na Europa

    catlica e patrimonialista, na mesma poca. Basta recordar o que ocorreu

    na Frana, com a derrubada do governo liberal em 1848 e a proclamao da

    Repblica, seguindo-se a reintroduo da monarquia e a grande

  • 22

    instabilidade poltica que culminou com a derrota militar de 1870, a

    Comuna de Paris e a III Repblica, por sua vez notoriamente instvel. O

    panorama de tais dificuldades vem de ser sistematizado por Arno Mayer

    (Dinmica da Contra-Revoluo na Europa 1870-1956 e A Fora da

    tradio: Persistncia na Europa 1848-1914). Tudo isto serve para realar

    o significado da situao brasileira. Em que pese a tradio patrimonialista

    e a maioria catlica, o regime conseguiu afeioar-se aos pases protestantes,

    como Inglaterra e Estados Unidos. Trata-se de um feito que nunca

    demais exaltar, cumprindo enterrar de vez o longo menosprezo que lhe tem

    devotado a estril e infecunda historiografia positivista-marxista.

    Liberalismo e justia social (1996)

    Ubiratan Macedo prestou aos liberais brasileiros um servio

    inestimvel ao contribuir para o restabelecimento dos nossos vnculos com

    o pensamento liberal nos grandes centros, alm da elaborao de questes

    tericas relevantes em suas obras anteriores.

    Somente quem fez a opo liberal nos anos sessenta e setenta

    pode avaliar o grau de isolamento a que havamos chegado nessa matria.

    Com poucas e raras excees, a liderana liberal ps-Estado Novo vinha do

    perodo anterior ditadura de Vargas. Desapareceu em grande parte no

    breve interregno democrtico que ento tivemos, a exemplo de Otvio

    Mangabeira ou Armando Salles de Oliveira. Os remanescentes foram

    afastados da cena subseqente a 64 (Milton Campos, Adauto Lcio

    Cardoso, Carlos Lacerda etc.). Mais uma vez proclamou-se a morte do

    liberalismo, buscando-se um sistema de base consensual, como era o

    propsito aberto desde o governo Mdici.

    O reduzido nmero de professores que no se deixou encantar

    por aquele canto da sereia, mantendo-se firmes em suas convices liberais

    ou optando por elas, ficou praticamente sem referncias contemporneas.

    Nos comeos da dcada de setenta, com o livro Introduo Filosofia

    Liberal, Roque Spencer Maciel de Barros proporcionara um roteiro das

    principais etapas percorridas por aquele iderio. Coube a Ubiratan Macedo,

    ao permanecer quatro anos nos Estados Unidos, traar-nos um quadro

    preciso da temtica em debate e dos principais autores envolvidos. A

    notvel informao de que dispe sobre o mais recente ciclo do liberalismo

    pode ser avaliada na obra Liberalismo e justia social (So Paulo,

    IBRASA, 1996).

    No entendimento de Ubiratan Macedo, o liberalismo no se reduz

    a uma simples doutrina poltica entre as outras. Corresponde na verdade ao

    pleno desabrochar do sentido profundo da histria do Ocidente. Aquilo que

  • 23

    o Oriente nos forneceu de tpico, em matria de organizao da vida em

    sociedade, seria o despotismo, to bem estudado por Wittfogel, sendo o

    totalitarismo sovitico sua mais legtima expresso. No que se refere

    civilizao que teve sua origem na Europa Ocidental, sua maior criao

    corresponde tolerncia. No h, com efeito, na histria da humanidade,

    nenhum precedente, sendo, ao contrrio, a intolerncia a verdadeira

    constante, sobretudo em matria religiosa. Mesmo os cristos que se viram

    barbaramente castigados no Imprio Romano, logo esquecerem aquela

    lio quando o cristianismo foi proclamado religio oficial. Assim, a

    civilizao em que temos procurado nos inserir algo de absolutamente sui

    generis. O sistema representativo concebido por Locke equivale ao seu

    corolrio natural, do mesmo modo que o aperfeioamento subseqente,

    resultante da aproximao ao ideal democrtico. De modo que Ubiratan

    Macedo est coberto de razo ao proclamar que o liberalismo a autntica

    filosofia da modernidade, sendo o primeiro e mais coerente humanismo, e

    pode, por isso, a um nvel mais profundo, ser, como o sustentava B. Croce,

    o sentido e sinnimo da histria.

    Aps a mencionada conceituao do liberalismo, Ubiratan

    Macedo caracteriza autores e grupos liberais do sculo XX.

    O liberalismo no Brasil acha-se discutido com a maior amplitude,

    avanando igualmente uma interpretao liberal da Carta de 88. Detm-se

    na anlise do que denomina de fundo antiliberal da cultura brasileira.

    Trata-se da corrente de opinio chamada de tradicionalismo. Segundo

    referimos, justamente Ubiratan Macedo o autor da distino entre

    conservadorismo liberal e tradicionalismo. Este nunca se reconciliou com

    as instituies do sistema representativo, sendo a fora dominante nos

    crculos catlicos, at ser substitudo por outra vertente antiliberal, desta

    vez francamente totalitria.

    O livro em epgrafe de Ubiratan Macedo ocupa-se tambm da

    sobrevivncia da filosofia poltica ao ataque dos neopositivistas, que

    pretenderam substitu-la por inspidas anlises quantitativas, felizmente

    sem sucesso.

    No tocante ao controvertido tema da justia social, no livro que

    ora nos ocupamos proporciona uma soluo deveras inovadora.

    Comea por evidenciar como essa idia tornou-se definidora de

    nosso sculo para em seguida traar-lhe a histria desde os seus

    primrdios. Em continuao mostra como a entenderam os primeiros

    formuladores do liberalismo social (Green, Hobhouse etc.), os marxistas e a

    Igreja Catlica, enunciando os marcos fundamentais da meditao

  • 24

    contempornea. Depois dessa viso panormica, se deter na anlise

    circunstanciada de dois posicionamentos bsicos diante da matria, a saber:

    o catlico e o liberal.

    Segundo Ubiratan Macedo, os catlicos em sua maioria

    consideram a justia social uma virtude, vale dizer, uma regra interna de

    perfeio moral. Assim, no corresponde a um estado de coisas

    independentes das pessoas, mas um princpio orientador da ao dos

    catlicos. Segundo o seu entendimento, os catlicos que enxergam na

    justia social um estado futuro da sociedade, a ser alcanado pela

    revoluo, discrepam do grande esturio formado pela tradio de Roma.

    Acha mesmo que o Papa Joo Paulo II encerra o ciclo em que a instituio

    condenava o capitalismo, reduzindo essa condenao ao perodo inicial

    (manchesteriano) do sculo XIX, anterior legislao protecionista do

    trabalho, dando agora sua adeso ao capitalismo ocidental moderno.

    Embora divergindo em certa medida, os liberais partem de pressupostos

    comuns. Ubiratan Macedo destaca o reconhecimento de que a sociedade

    formulou regras consagradoras da proteo dos direitos sociais, razo pela

    qual no cabe discutir abstratamente questes relacionadas com o direito

    natural. A segunda linha de convergncia corresponde recusa da busca de

    uma igualdade de resultados. Os liberais esto engajados nos programas

    capazes de assegurar a igualdade de oportunidades j que as pessoas, por

    aptides individuais inalienveis, a partir dessa conquista social comum

    (igualdade de oportunidades), com certeza produziro efeitos diversos. O

    terceiro pressuposto aceito por todas as vertentes a concepo da

    sociedade como uma ordem no planejada.

    Minimiza a divergncia de Hayek com a idia de justia social

    concebida segundo os pressupostos antes explicitados. Segundo supe,

    admite o que chama de justia dos comportamentos, isto , a obedincia

    a regras fixadas por um tipo de justia processual que conduza igualdade

    de oportunidades e reconhea a impossibilidade de influir sobre os

    resultados. Caberia lembrar aqui o que j dizia Max Weber: a justia que

    se proponha assegurar a igualdade de resultados deve comear por cometer

    a suprema injustia de punir aos bem-dotados. A esse propsito, conclui

    Ubiratan Macedo: Esta afirmao no tira o valor da justia nem atenua o

    significado da ordem instaurada sobre ela; mas indica apenas, sob outro

    aspecto, a necessidade de recorrer s foras bem mais profundas do

    esprito, que a prpria ordem da justia.

    Do que precede creio que se pode considerar como central, na

    meditao de Ubiratan Macedo, a recuperao da idia liberal. Preservar

    essa conquista torna-se, portanto, no s perpetuar a presena do grande

    mestre como, sobretudo, contribuir para a preservao da sempre ameaada

  • 25

    tradio liberal brasileira.

  • 26

    O CRCULO DE ESTUDOS DO LIBERALISMO

    Marcos Poggi de Arajo

    Entre as inmeras atividades intelectuais de Ubiratan Borges de

    Macedo inclua-se a coordenao do Crculo de Estudos do Liberalismo,

    que reuniu, ao longo da ltima dcada do Sculo XX e primeira dcada

    deste sculo, um grupo de filsofos, advogados, economistas e estudiosos

    interessados na discusso dos temas ligados ao liberalismo em geral e aos

    caminhos do liberalismo brasileiro contemporneo, em particular.

    Quanto ao liberalismo brasileiro, estimulou a criao e o funcionamento do

    mencionado crculo o sentimento da necessidade de reaproximao dos

    liberais brasileiros da discusso dos temas de interesse do liberalismo nos

    principais centros culturais do Ocidente.

    No seria demais lembrar que, consoante a introduo de Antonio

    Paim e Ricardo Velez Rodriguez na apresentao do opsculo Crculo de

    Estudos do Liberalismo 1996 Textos Reunidos que vitimas do

    autoritarismo republicano, os liberais brasileiros foram perdendo

    sucessivamente os laos que os mantinham como participantes do grande

    debate que sempre animou os crculos liberais, notadamente na Europa e

    nos Estados Unidos.

    Do Crculo de Estudos do Liberalismo, alm do prprio Ubiratan,

    participaram ativamente Antonio Paim, Arsnio Correa, Eduardo Saphira,

    Francisco Martins de Souza, talo da Costa Jia, Jos Maurcio de

    Carvalho, Jos Ribas Vieira, Leonardo Prota, Marcos Poggi, Paulo Kramer,

    Paulo Viana, Ricardo Lobo Torres, Ricardo Velez Rodriguez, Roberto

    Aguiar, Silvino Antonio Mafalti e Vitor Mrcio Konder.

    No Crculo, as obras lidas e debatidas seno propostas pelo prprio

    Ubiratan eram submetidas a sua apreciao, que, em comum acordo com

    o decano do grupo, o professor Antonio Paim, selecionava o ttulo a ser

    estudado. Seguia-se a designao de um ou mais relatores por obra (em

    geral, um relator por captulo do trabalho, cuja apresentao era seguida de

    debate.

    Em uma primeira fase de funcionamento do Crculo, procedeu-se

    reconstituio da trajetria do liberalismo brasileiro, tendo em vista a perda

    de contato dos seguidores da doutrina no Brasil com os principais centros

    liberais no exterior, desde o Estado Novo, atravessando o interregno

    democrtico de 1945 at os primeiros anos da dcada de 1960, e

    culminando com os governos militares. Nesses ciclos da nossa histria,

    difundiu-se amplamente no Brasil a falsa tese de que o Liberalismo

    fracassara.

    Somente nos anos setenta, possivelmente inspirada em parte no

    esforo de desregulamentao iniciado nos Estados Unidos e na Inglaterra,

  • 27

    comeara a surgir, ainda que debilmente, uma reao tese de fracasso das

    idias liberais no Brasil. De notvel importncia nesse contexto foi o

    aparecimento do livro Introduo doutrina liberal, de Roque Spencer

    Maciel de Barros.

    Depois de mais de um ano de leitura e discusses sobre o

    Segundo Tratado do Governo de Locke, os escritos polticos de Kant, A

    democracia na Amrica de Tocqueville, alm de textos de Gladstone,e

    Keynes e a Sociedade aberta de Popper, os representantes do Crculo de

    Estudos do Liberalismo Ubiratan de Macedo e Antonio Paim frente

    diligenciaram junto a Roque Spencer no sentido de que ele fizesse uma

    nova edio de sua obra.

    Diante da recusa do autor, o Crculo optou por prepara o texto que

    foi publicado pela Editora Itatiaia com o ttulo de Evoluo Histrica do

    Liberalismo.

    O livro obra conjunta de Antonio Paim, Francisco Martins de

    Souza, Ubiratan Borges de Macedo, Jos Osvaldo de Meira Penna e

    Ricardo Vlez Rodriguez possui oito captulos: I. A formulao inicial

    do Liberalismo na obra de Locke; II A fundamentao do estado liberal

    segundo Kant; III O liberalismo doutrinrio; IV O pensamento de

    Tocqueville; V As reformas eleitorais inglesas; VI Emergncia da

    questo social e posio anterior a Keynes. O Keinesianismo; VII A

    crtica do Keinesianismo; e VIII A prova da Histria e perspectivas O

    Liberalismo no Sculo XX

    Possivelmente, a fase mais fecunda do crculo coordenado por

    Ubiratan deu-se entre 1996 e 2002. Naquele perodo luz da hiptese de

    que (depois da queda dos regimes comunistas no incio dos anos 1990) a

    discusso doutrinria pertinente no se dava mais entre liberais e

    socialistas, mas entre liberais e social-democratas o Crculo de Estudos

    do Liberalismo, tratou basicamente da crtica das questes ligadas s

    principais manifestaes e vertentes da social-democracia contempornea

    lato senso. Entre os temas abordados estavam A resposta liberal aos

    comunitaristas, e a avaliao crtica de duas das principais manifestaes

    da social-democracia: o interessante caso francs e da proposta da

    chamada Democracia Deliberativa.

    No que se refere resposta liberal aos comunitaristas, o crculo

    deu especial ateno aos autores norte-americanos Michel Walzer e

    Michael Sandel, crtico do individualismo de John Rawls. Parte dos

    documentos resultantes desse trabalho foi apresentada no opsculo

    denominado Crculo de Estudos do Liberalismo -1996: Textos Reunidos.

    Esse trabalho conjunto reuniu os seguintes textos: A crtica de Sandel ao

    individualismo de Rawls, de Antonio Paim e Ricardo Vlez Rodriguez:

    A crtica de Michel Walzer a Rawls, de Ubiratan Borges de Macedo; As

  • 28

    esferas da Justia e o Estado, de Ricardo Lobo Torres; e O liberalismo

    poltico de Rawls Uma avaliao, de Antonio Paim.

    Como para os objetivos do grupo, as teses comunitaristas estavam

    suficientemente tratadas, a ateno do crculo direcionou-se, mais

    especificamente, para o debate com os social-democratas. Nesse contexto,

    o grupo tratou basicamente de dois temas: a avaliao crtica do que se

    denominou social-democracia francesa e a crtica proposta da chamada

    democracia deliberativa, centrada principalmente na obra do pensador

    argentino Carlos Santiago Nino, considerada representativa da referida

    doutrina.

    No que tange crtica da social-democracia francesa, os

    integrantes do crculo arrolaram como social-democratas (apesar de no

    haver na Frana um Partido Social-Democrata com esse nome) trs autores:

    Alain Bergounioux, Alain Tourraine e Pierre Rosanvallon. A obra dos

    dois ltimos foi analisada e o resultado desse trabalho reunido em um

    volume denominado Avaliao crtica da social-democracia - O Exemplo

    Francs, da Coleo Cadernos Liberais, editado em 2000 por Massao

    Ohno Editor/ Instituto Tancredo Neves.

    Esse livro, dividido em quatro partes ou sees, abordou na Parte I

    as circunstncias particulares da Frana, com um captulo sob a

    denominao de O gigantismo estatal francs: aspecto poltico, por

    Ricardo Vlez Rodriguez, outro sob o ttulo A singularidade da evoluo

    poltica francesa, na qual Antonio Paim aponta a ausncia de um partido

    social democrata na Frana e chama ateno para o fato de que o Partido

    Socialista Francs o nico (dentre os grandes partidos sob a gide

    socialista na Europa Ocidental) que no passou social-democracia. No

    obstante tais singularidades, o pensamento social-democrata no deixa de

    estar presente na Frana.

    A Parte II do livro trata da avaliao crtica da obra de Alain

    Touraine, com um artigo de Marcos Poggi de Arajo intitulado Crtica da

    Modernidade de Alain Touraine: uma breve apreciao, um texto de

    Selvino Antonio Malfatti sobre a Amrica Latina na viso de Touraine, sob

    o ttulo Alain Touraine Uma proposta poltico social para a Amrica

    Latina, e um artigo de Antonio Paim sobre o Conceito de democracia de

    Touraine.

    A crtica bsica de Touraine ao liberalismo a de que o

    liberalismo, ao procurar dotar o indivduo de racionalidade, elimina o

    sujeito. E que o homem precisa voltar-se para si mesmo e resgatar o sujeito.

    Na viso de Touraine, a democracia se definir como uma cultura poltica.

    Segundo Paim, se assim colocada a questo, Touraine parece desinteressar-

    se das questes essenciais, como o aprimoramento da representao, a luta

    pela autenticidade dos partidos polticos e a perfeita hierarquizao dos

  • 29

    temas que dizem respeito s tomadas de deciso coletivas que geram

    obrigaes para todos.

    Segue-se, na Parte III do livro uma Avaliao crtica da proposta

    social-democrata de Pierre Rosanvallon, incluindo um estudo de Antonio

    Paim sobre A reforma do Estado Assistencial que trata sobretudo como

    distinguir liberais e social-democratas em matria de previdncia social.

    Segundo Paim, enquanto os liberais consideram ideal o modelo norte-

    americano que associa o Social Security aos fundos de penso, os social-

    democratas, em geral, tendem a optar pelos sistemas estatais de

    previdncia.

    Tambm na Parte III, includo texto do prprio Pierre

    Rosanvallon, segundo o qual o estado providncia (francs) funcionava sob

    o vu da ignorncia, na medida em que pressupunha a igualdade dos

    indivduo diante dos diferentes riscos sociais, e prope uma aproximao

    da justia sob o sol do conhecimento das diferenas entre os homens.

    Completa a mencionada Parte III do livro, um trabalho de Marcos Poggi de

    Arajo sobre a proposta de individualizao dos direitos sociais que,

    segundo Rosanvallon, seria uma imposio do estado-providncia. No

    texto, Marcos Poggi anota a dificuldade prtica pelo gigantismo do

    aparato burocrtico necessrio a tal propsito da adoo do que

    Rosanvallon chama de judiciarismo do social, ou seja, como se d na

    esfera judicial, um modelo de tratamento de cada caso concreto de

    necessidade de apoio social.

    O Crculo tratou do tema democracia deliberativa de 1998 a

    2000, em especial debruando-se sobre a obra de Carlo Santiago Nino, The

    Constitution of Deliberative Democracy (Yale University Press, 1966).

    Desse esforo, resultou a publicao do livro Avaliao crtica da proposta

    de democracia deliberativa, editado pela Edies Humanidades em 2002.

    O livro resultante das discusses do crculo dividido em duas partes: a

    Parte I dedicada apresentao e anlise dos captulos do livro de Carlo

    Nino; a parte II apresenta uma avaliao crtica da obra do pensador

    argentino.

    A bibliografia sobre a matria foi complementada, at mesmo

    para avaliao da obra de Carlos Nino, com a leitura dos ensaios The

    coming age of Deliberative Democracy, de James Bohman (in The Journal

    of Political Philosophy, 1998) e The Disharmony of Democracy, de Amy

    Gutmann (da obra coletiva intitulada Democracy Community, New York

    University Press, 1993).

    A Parte I, por sua vez, dividida em sete captulos: 1. A

    complexidade da Democracia Constitucional, por Marcos Poggi de Arajo;

    2. A observncia da Constituio Histrica, por Antonio Paim; 3. A

    constituio ideal dos direitos: O Liberalismo Igualitrio na obra de

  • 30

    Santiago Nino, escrito por Ricardo Lobo Torres; 4. Concepes alternativas

    de democracia, de talo da Costa Jia; 5. Fundamentos da concepo

    deliberativa da democracia, por Marcos Poggi de Arajo; 6. Estabelecendo

    a Democracia Deliberativa, por Ubiratan Borges de Macedo; e 7. Uma

    anlise de Judicial Review in a Deliberative Democracy, por Jos Ribas

    Vieira.

    A Parte II composta pela apreciao de Ricardo Vlez

    Rodriguez, sob o ttulo de Algumas consideraes crticas acerca do

    conceito de democracia deliberativa.. Nela, Ricardo Vlez identifica, na

    democracia deliberativa, duas caras: uma voltada para o interior das

    organizaes polticas; outra direcionada defesa da utopia socialista.

    Segundo o representante do Crculo, a proposta da democracia deliberativa

    sugerida por Carlo Nino est associada concepo unanimista de

    sociedade inspirada em Rousseau. Para Ricardo Vlez, Nino parte do

    desconhecimento de dois pontos capitais do modelo liberal, com so a

    legitimidade da defesa dos interesses individuais e o valor insubstituvel da

    democracia representativa como primeiro mecanismo poltico para defesa

    daqueles. O clima em que se movimenta o mencionado filsofo o de uma

    substituio dos interesses individuais pelo arrazoado moral, de acordo

    com uma vaporosa vontade geral e do desconhecimento da democracia

    representativa que deveria ser substituda por assemblias deliberativas

    norteadas pelo esquisito imperativo categrico da busca da unanimidade

    E mais adiante: Quo longe est o arrazoado de Nino da defesa

    que a tradio liberal sempre fez da democracia representativa, a nica

    consentnea, no mundo moderno, com a defesa da liberdade e dos

    interesses dos indivduos.

    Marcos Poggi de Arajo, estudioso de histria e filosofia, ensasta e

    escritor, autor de dois romances bem como de ensaios e artigos,

    sendo igualmente colaborador freqente da imprensa brasileira.