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Ubiratan
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UBIRATAN BORGES DE MACEDO
1937/2007
BIBLIOGRAFIA E ESTUDOS CRTICOS
CENTRO DE DOCUMENTAO
DO PENSAMEJTO BRASILEIRO
2
SUMRIO
BIOGRAFIA E BIBLIOGRAFIA
ESTUDOS CRTICOS
Presena de Ubiratan Borges de Macedo
na filosofia brasileira contempornea Jos Maurcio de Carvalho
A recuperao da idia liberal na obra
de Ubiratan Macedo -Antonio Paim
O Crculo de Estudos do Liberalismo- Marcos Poggi de Arajo
3
BIOGRAFIA E BIBLIOGRAFIA
Nasceu em Curitiba, Paran, a 21 de agosto de 1937. Concluiu a
Faculdade de Direito do Paran em 1960 e, simultaneamente, o curso
de filosofia na PUC-PR. Durante o ano de 1963 fez curso de
especializao em direito na USP. Subsequentemente, em 1967/1968
estudou Filosofia Social e Histria da Filosofia, em nvel de ps-
graduao, na Universidade de Louvain (Blgica). Fez o mestrado em
filosofia na PUC do Rio de Janeiro, concludo em 1976 e doutorado na
mesma rea na Universidade Gama Filho, igualmente no Rio de
Janeiro, concludo em 1984. Seguiu a carreira do magistrio na
Universidade Federal do Paran, onde chegou a professor titular,
aposentando-se nessa condio. Pertenceu tambm ao Corpo Docente
da Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, e do Colgio
Interamericano de Defesa, em Washington, Estados Unidos.
Desempenhou diversas funes oficiais, entre estas membro da
Comisso Nacional de Moral e Civismo (1976-1980) e do Conselho
Federal de Educao (1984-1988). Foi ainda professor dos cursos de
ps-graduao em filosofia e direito, da Universidade Gama Filho, e do
doutorado em direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Faleceu em Curitiba a 16 de julho de 2007.
Bibliografia:
LIVROS
Introduo teoria dos valores. Curitiba, 1971.
A idia de liberdade no sculo XIX : o caso brasileiro. Rio de Janeiro :
Expresso e Cultura, 1977. 212 p.
_____. 2. ed. Rio de Janeiro : Expresso e Cultura, 1998. 215 p.
A liberdade no imprio. So Paulo : Convvio, 1977. 214 p.
Metamorfoses da liberdade. So Paulo : IBRASA, 1978. 250 p.
(Filosofia e religio, 4).
4
Os caminhos da democracia no Brasil : um estudo de histria das
idias. Rio de Janeiro : Universidade Gama Filho, 1984. 165 f. (Tese
de doutorado).
Fundamentao dos valores. Rio de Janeiro, 1988. (Tese).
Liberalismo e justia social. Prefcio Antonio Paim. So Paulo :
IBRASA, 1995. 242 p. (Biblioteca Sociologia e Poltica, 44).
O liberalismo moderno. So Paulo : Massao Ohno, 1997. (Cadernos
Liberais, 2).
A presena da moral na cultura brasileira : ensaio de tica e histria
das idias no Brasil. Londrina : Ed. UEL, 2001. 195 p.
Democracia e direitos humanos ; ensaios de filosofia prtica (poltica e
jurdica). Londrina : Ed. Humanidades, 2003. 345 p.
Estudos sobre o autor:
PAIM, Antonio. Apresentao. In : MACEDO, Ubiratan Borges de.
Liberalismo e justia social. So Paulo : IBRASA, 1995. p. 15-17.
REALE, Miguel. Macedo (Ubiratan Borges de.) In : LOGOS :
Enciclopdia Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa : Verbo, 1991. v. 3,
p. 567-568.
ARTIGOS NA REVISTA CONVIVUM
Coao e direito. 3 (2): 45-56, abril, 1964
Da interpretao em histria da filosofia. 11 (5): 439-450,
setembro/outubro, 1972
O problema do ponto de partida da filosofia. 11 (6): 549-559,
novembro/dezembro, 1972
A epistemologia do neopositivismo. 12 (4): 291-300, julho/agosto, 1973
Maritain e a filosofia no Brasil;notas preliminares. 12 (5): 492-498,
setembro/outubro, 1973
Primrdios da poltica de potncia no Brasil. 13 (2): 109-133, maro-
abril, 1974
O problema da liberdade em Kant. 13 (5): 395-414, setembro/outubro,
1974
Sobre as origens do pensamento catlico no Brasil. 14 (2(): 171-174,
maro/abril, 1975
O pensamento catlico no Brasil. 14 (4): 369-374, julho/agosto, 1975
5
A morte de um filsofo: Michele F. Sciaca--1908/1975. 14 (6): 558-561,
novembro/dezembro, 1975
Alguns dados sobre a situao florestal brasileira. 15 (1): 85-87,
janeiro/fevereiro, 1976
As metamorfoses da liberdade no pensamento brasileiro. 15 (4): 303-
309, julho/agosto, 1976
Filosofia e realidade brasileira. 15 (5): 446-449, setembro/outubro,1976
Origens nacionais da doutrina da ESG. 18 (5): 514-518,
setembro/outubro, 1979
O problema da participao. 19 (5): 17-29, setembro/outubro, 1980
O integralismo em Portugal e no Brasil. 22 (5): 323-340,
setembro/outubro, 1983
Formao intelectual de Alexandre Correa. 23 (5): 343-349,
setembro/outubro, 1984
Constituinte e razo. 24 (5): 368-383, julho/agosto, 1985
O significado presente da democracia. 24 (5); 388-396,
setembro/outubro, 1985
Os modelos de liberalismo no Brasil. 25 (5): 351-360,
setembro/outubro, 1985
H muito que fazer... 26 (6): maio/junho, 1987
O pensamento poltico de Fidelino de Figueiredo: um projeto poltico
para Portugal. 26 (6): 358-374, julho/agosto, 1987
ARTIGOS NA REVISTA BRASILEIRA DE FILOSOFIA
Crtica ao estadualismo jurdico. v. 13, n. 50, p. 219-228, abr./jun.
1963.
As origens do empirismo do pensamento luso-brasileiro. v. 23, n. 92, p.
425-447, out./dez. 1973.
Cincias humanas e valor. v. 25, n. 99, p. 329-347, jul./set. 1975.
Cincias humanas e valor. v. 25, n. 100, p. 448-469, out./dez. 1975.
Gustavo Coro (1896-1978). v. 30, n. 113, p. 8-10, jan./mar. 1979.
A filosofia em Ortega y Gasset. v. 34, n. 134, p. 130-137, abr./jun.
1984.
As idias no Brasil. v. 33, n. 136, p. 400-403, out./dez. 1984.
A crise da cincia e o renascimento da filosofia poltica. v. 35, n. 142,
p. 87-102, abr./jun. 1986.
A crise da cincia e o renascimento da filosofia poltica. v. 35, n. 143,
p. 183-199, jul./set. 1986.
A idia de liberdade em Tobias Barreto. v. 38, n. 154, p. 127-144,
abr./jun. 1989.
Presena de Miguel Reale na cultura brasileira. v. 40, n. 165, p. 8-20,
6
jan./mar. 1992.
O ideal de sociedade aberta em Stuart Mill e sua crtica. v. 41, n. 174,
p. 170-184, abr./jun. 1994.
Roque Spencer Maciel de Barros, ou uma viso liberal-trgica do
homem. v. 44, n. 186, p. 148-158, abr./jun. 1997.
A crtica de Michael Walzer a Rawls : liberalismo versus
comunitarismo na universalidade tica. v. 44, n. 187, p. 335-351,
jul./set. 1997.
Direitos humanos : crise e perplexidade. v. 45, n. 193, p. 34-48,
jan./mar. 1999.
Adolpho Crippa (1929-2000). v. 50, n. 198, p. 147-158, abr./jun. 2000.
Ainda a retirada de Jos Pedro Galvo de Sousa do Convivium. v.
51, n. 201, p. 142-144, jan./mar. 2001
7
E S T U D O S C R T I C O S
8
Presena de Ubiratan Borges de Macedo na filosofia brasileira
Jos Maurcio de Carvalho
Departamento de Filosofia da Universidade Federal de So Joo del
Rei
Vida e obra:
Ubiratan Macedo nasceu em So Paulo no dia 21 de agosto de
1937. Graduou-se em Direito e simultaneamente cursou Filosofia na
Pontifcia Universidade Catlica do Paran. Em 1963 fez curso de
especializao em direito na USP. Tambm fez cursos de especializao na
Universidade de Louvain (Blgica) nos anos de 1967/8. Concluiu o
mestrado em filosofia na PUC/Rio em 1978 e o doutorado na Universidade
Gama Filho em 1984, tornando-se professor na prpria Universidade Gama
Filho e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Aposentou-se como
Professor Titular da Universidade Federal do Paran. Tambm pertenceu
ao Corpo Docente da Escola Superior de Guerra e do Colgio
Interamericano de Defesa em Washington (USA). Integrou a Comisso
Nacional de Moral e Civismo (1976-1980) e o Conselho Federal de
Educao (1984-1988). Faleceu em Curitiba a 16 de julho de 2007.
Borges de Macedo autor de vrias obras de destaque: Introduo
teoria dos valores (1971), A liberdade no imprio (1977), Metamorfoses
da liberdade (1978), Caminhos da democracia no Brasil (1984),
Fundamentao dos valores Tese (1988), Liberalismo e justia social
(1995) e O liberalismo moderno (1997). O livro A liberdade no imprio foi
reeditado com o ttulo A idia de liberdade no sculo XIX: o caso
brasileiro (1997), A presena da moral na cultura brasileira (2001) e
Democracia e direitos humanos, ensaios de filosofia prtica (2003). Ele
tambm possui vrios trabalhos em co-autoria: Rumos da filosofia atual no
Brasil (1976), As idias filosficas no Brasil (1978), As idias polticas no
Brasil (1979), Filosofia e ensino da filosofia (1979), Filosofia luso-
brasileira (1983), Nova poltica para a educao no Brasil (1985), A
faanha da liberdade (1986), Evoluo histrica do liberalismo (1986),
Constituio de 1988 o avano do retrocesso (1990), tica, filosofia e
esttica (1997), Introduo histrica ao liberalismo (1997), alm de ser um
dos organizadores do livro Miguel Reale, homenagem a seus 90 anos
(2000). Ele escreveu numerosos artigos. Ubiratan Macedo tambm traduziu
Pierre Bigo; marxismo e humanismo (1963), Basave Fernandez del Valle;
filosofia da religio (1976) e Mariano Grondona; pensadores da liberdade
(1998).
9
Para um aprofundamento de suas idias deve-se consultar a
apresentao elaborada por Antnio Paim para o seu livro Liberalismo e
justia social (1995); o item 2 do captulo VII de A filosofia
contempornea no Brasil (2000), de Antnio Paim; e o verbete escrito,
sobre ele, por Miguel Reale na Enciclopdia Logos.
Idias fundamentais:
No mbito do direito examinou as teses que assinalam a supremacia
e a autonomia dos prncipes seculares frente ao Papa, em assuntos
temporais. Essa foi uma das questes magnas da tica e da poltica
medievais. Aos poucos seus interesses se ampliaram e ele passou a estudar
teses contemporneas de tica e poltica.
Ubiratan Macedo um dos mais renomados estudiosos brasileiros
da filosofia liberal, do pensamento catlico, alm de reconhecido
comentador das teses de Jos Ortega y Gasset (1883-1955). Como seguidor
entusiasmado do filsofo espanhol, ele chamou ateno para o vnculo do
pensamento orteguiano com a tradio espanhola, voltada para os
problemas do homem concreto, isto , daquele que ama, sofre, goza,
respira, luta. Ao referir-se existncia como realidade particular, Ortega
tinha em vista a vida humana como coisa singular, realidade de cada um.
Isso no o impediu de enxergar o indivduo integrante da sociedade,
membro de um grupo social. Tudo o que cada indivduo humano usa para
construir o seu mundo singular tem um componente biolgico ou social,
explicou Ortega. Entre as circunstncias sociais que marcam o sujeito est
a lngua que ele fala, os costumes, as crenas e as opinies. A radicalidade
do indivduo se sustenta, pois, na vida social. Essa caracterstica do
pensamento orteguiano foi muito bem assimilada por Ubiratan, que
percebeu nele um liberal, mas no um individualista ou exclusivista. De
Ortega, Ubiratan Macedo aprendeu que o espao da liberdade no s o
indivduo, mas a sociedade. Assim a prpria iniciativa privada passa a
objeto de estudo na medida em que assume papel social muito bem
definido. Esses elementos foram bem assimilados por Macedo, que pode
assumir uma postura liberal de destaque, sem deixar de ser um dos maiores
nomes da filosofia catlica em nosso pas.
Sua contribuio para a filosofia brasileira apresenta-se em vrios
ensaios e livros que a ela dedicou. De uma perspectiva terica, como
historiador da filosofia, ele organizou o debate filosfico levado a termo
pelos maritanistas no Brasil em relao ao humanismo. Em sntese, o
humanismo de nosso tempo, explicou, mais que uma reflexo terica,
inclui uma prxis montada sobre o alicerce teortico. A relevncia da
filosofia para esse movimento de valorizao do homem decorre de a
filosofia servir para justificar e fundamentar um humanismo, mas no se
10
identifica com ele (Metamorfoses da liberdade. So Paulo: IBRASA, 1978.
p. 13).
No livro A presena da moral na cultura brasileira (2001) Ubiratan
Borges de Macedo apresenta uma srie de ensaios sobre a tica e a histria
das idias no Brasil. O mais importante do livro a explicao para as
dificuldades morais vividas pela sociedade brasileira. No primeiro e mais
criativo dos ensaios, Macedo defende que as dificuldades da sociedade
brasileira comeam na falta de discusso dos problemas ticos. Mostra
como, em outros pases, os livros de tica so abundantes e sua leitura
generalizada. Alm disto, o comportamento moral das personagens de
nossa literatura, toma dois romances de Machado de Assis como
paradigmticos, so exemplos de frouxido tica quando comparados com
o que se passa no universo anglo-saxo no mesmo perodo. Na busca de
uma explicao para tal circunstncia discorda da tese de Antnio Paim
segundo a qual nossos problemas na rea decorrem da persistncia da
moral contra-reformista. Parece-lhe que as nossas dificuldades se originam
no romantismo, que reforou a herana contra-reformista, isto : o
desprezo ao trabalho orgnico e a ojeriza tica riqueza (p. 6). Ele explica
a razo da discordncia: nem todas as naes que tiveram o contra-
reformismo como base moral permaneceram com aqueles valores originais.
O romantismo, completa, que d o tom geral na nossa cultura: os gestos
valem mais do que o dever cotidiano, os valores da tica romntica (...) so
a liberdade do indivduo, a amizade (...) a auto realizao alm da nfase no
sentimento (p. 7). A pequena reflexo moral existente em nosso meio
decorre da compreenso romntica de que no h grande sentido na
meditao tica, pois valem mais os entusiasmos, os sentimentos
cultivados, a lealdade, amizade postas acima das leis abstratas e do
despotismo observados na sociedade colonial.
Outro aspecto importante de sua meditao sobre a filosofia
brasileira o exame que efetivou sobre o problema da liberdade no
Imprio, onde parece estar sua contribuio mais notvel. Na avaliao de
Antnio Paim esse estudo demonstrou a profundidade com que a
discutimos, de sorte a nada ficar a dever em face do confronto com os
centros mais velhos da cultura ocidental (A liberdade no Imprio. So
Paulo: Convvio, 1977. p. 15).
Em seu trabalho, Ubiratan Macedo partiu de um pressuposto muito
difundido entre os catlicos brasileiros do sculo XIX, o de que a liberdade
poltica incompreensvel sem a liberdade interior. Na reedio da obra o
autor cuidou de explicitar melhor o significado da liberdade moderna. A
liberdade moderna garantia um espao interior para o indivduo, torna-a
esfera indevassvel; aspecto no reconhecido pela chamada liberdade
antiga, restrita participao do indivduo na designao da autoridade. Na
prtica, asseverou, a vida poltica significava um totalitarismo brutal em
11
Roma e na Antiga Grcia. Para os antigos o homem era simples indivduo
e no uma pessoa, para usarmos a distino maritaineana (1997, p. 29).
Essa problemtica preocupou outros catlicos, Tancredo Neves, por
exemplo, tambm examinou o tema. Para aprofundar essa distino,
Macedo valeu-se de Hannah Arendt (1906-1975), Jacques Maritain (1882-
1973) e Paul Ricoeur (nasc. em 1913). Da primeira apreendeu a gnese da
concepo poltica de liberdade nascida no relacionamento humano: antes
que se tornasse um atributo do pensamento ou uma qualidade da vontade,
a liberdade era entendida como o estado do homem livre (1977, p. 22); do
segundo, os problemas decorrentes de um sistema orientado pela liberdade
interior, mas fechado s liberdades polticas, paradoxo que adotava
soluo diversa numa e noutra ordem (idem, p. 23); de Ricoeur, a
dificuldade de transpor a idia de liberdade para o espao social, a
liberdade real no absoluta, ela encontra poderes que a limitam no
mundo (idem, p. 24).
Ubiratan tambm examinou a criao filosfica e, com base nela,
explicou que os autores nacionais integram a cultura ocidental. Vivemos o
ocidente, somos o ocidente, o ocidente institucional, tico, filosfico,
religioso, tecnolgico e industrial, e completaria, nossa tradio tambm
uma ramificao dessa mesma planta cultural (idem, p. 38), lembrando as
palavras de Vicente Ferreira da Silva. Com base nessa constatao
concluiu:
Dentro da cultura ocidental estamos em casa,
pois, e a validade de uma idia depender mais
de sua capacidade de resolver o problema que a
originou de que do seu coeficiente de
originalidade (idem, p. 39).
O exame dos vrios autores voltados para o tema da liberdade no
perodo imperial permitiu-lhe distinguir momentos bem definidos do
debate. Houve uma poca inicial onde afirmou-se a liberdade; e um outro,
j no final do segundo imprio, onde prevaleceu a sua negao. Esses
momentos apenas revelam a prevalncia das posies, pois justo na
ltima fase que Tobias Barreto, um de nossos maiores filsofos brasileiros,
elaborou uma abordagem tica da liberdade. A questo central no imprio
a da liberdade, para afirm-la ou neg-la e o problema de sua existncia ou
no foi discutido autonomamente nos planos filosfico, poltico e religioso.
Ao avaliar as contribuies dos autores que examinou, Ubiratan pde
concluir:
Este resultado geral confirma a incluso da
cultura brasileira dentro da ocidental, embora o
12
ritmo faseolgico seja diverso e o acento
prioritrio nos problemas tambm (idem, p. 199).
Quanto ao ncleo temtico ele explicou que havia uma certa
unidade de pensamento nos dois ciclos, cada um com pequenas
divergncias, consenso que garantiu uma certa organicidade da cultura
durante o imprio, mas que no permaneceu quando adveio a Repblica.
Ubiratan tambm vem contribuindo para o aprofundamento de
questes de tica e poltica que preocupam os homens de nosso tempo.
Nesse sentido, merece destaque seu estudo sobre a justia social (1995).
Depois de mostrar que durante boa parte de nosso sculo essa idia
imperou por toda a parte, revelou que se trata de uma referncia confusa
e que remete outra igualmente confusa, a de igualdade social. O
problema, explicou, que para realizar a justia social o caminho
normalmente apontado o da interveno estatal, o que algo que hoje
desejamos evitar. Quanto menos o Estado intervir na vida dos cidados,
mais estes lucram, procura mostrar. Assim entendeu que os principais
aspectos a serem preservados e buscados no universo da poltica so a
liberdade e a democracia. Ele concluiu, ento, pela excluso da justia
social de nosso uso lingstico, exceto se o sentido for procedimental.
Ainda assim cuidou de advertir quanto ao uso moral da idia de justia.
Quais as razes de seu temor? Ele explicou que muitas vezes, em nome
da justia, os homens perseguem, matam-se, torturam e atacam a
liberdade das outras pessoas. Por esse motivo considerou a justia uma
idia muito imperfeita para mobilizar a tica, preferindo uma outra mais
ampla, a do amor. o amor que deve orientar a vida humana nas suas
vrias dimenses. Centrar no amor as preocupaes ticas, afirmou:
No tira valor justia, nem atenua o significado
da ordem instaurada sobre ela, mas indica
apenas, sob outro aspecto, a necessidade de
recorrer s foras bem mais profundas do
esprito, que condicionam a prpria ordem da
justia (Macedo, 1985. p. 72).
Ao centrar a tica no amor, Ubiratan revelou que no h razo para
abandonar esse princpio basilar do cristianismo nem exclu-lo em nome da
justia. Ao contrrio, esta pode e encontra lugar em seu meio. O amor o
fundamento da tica. Seguindo as lies mais interessantes de So Paulo,
para quem o amor deve presidir todas as aes humanas, Ubiratan Macedo
entende que sem o amor todas as outras virtudes ficam incompletas e sem o
fundamento necessrio. Podemos e devemos buscar a justia, mas no
13
encontraremos melhor apoio para as aes humanas que o amor, essa a
lio deixada pelo pensador.
Num artigo intitulado Dez anos da queda do muro de Berlim,
Ubiratan Macedo sistematizou sua percepo da poltica internacional. O
artigo importante porque expe parcela de sua filosofia poltica. Segundo
ele, nosso tempo se caracteriza: pelo fim da estrutura bipolar do poder
militar, pela globalizao econmica e tambm pela economia de blocos,
pulverizao poltica e retorno ao pluralismo cultural. O fim da estrutura
bipolar de poder conseqncia da hegemonia americana nos campos
econmico e militar. Trata-se de posto instvel, j ocupado, em outras
pocas, por diversas naes. A globalizao nada tem de ideolgica ou
demonaca, resultado da difuso das tcnicas de produo e comunicao
de nossa poca. O resultado do processo a unificao do mercado
financeiro mundial com aumento das oportunidades e riscos. A diviso da
economia em blocos revela que, apesar da globalizao, a economia e os
mercados ainda no esto unificados. O que funciona so blocos, dos quais
so exemplos: O Mercado Comum Europeu, o Nafta, a Federao Russa e
o Mercosul. Por pulverizao poltica, o filsofo entende a constituio de
novas naes soberanas, at pouco tempo atrs colnias de outras. O
resultado da emancipao poltica desses povos que os organismos
internacionais ficam imobilizados no meio de tantos e to diversos
interesses. Por retorno ao Pluralismo cultural ele compreende a nsia de
independncia poltica e religiosa dos grupos, promovendo disputas
localizadas. Apesar desses problemas, o novo quadro mundial reflete um
aumento da conscincia tica contra as guerras, violncia em geral,
inclusive contra as minorias, mulheres e crianas. Assim, na sua avaliao,
a expanso do iderio liberal, em que pesem as dificuldades concretas que
suscitou, levou a um mundo melhor do que era at pouco tempo. Com sua
anlise, Ubiratan revela ainda uma viso otimista quanto ao futuro da
humanidade e se alinha entre os defensores do progresso tico.
14
A recuperao da idia liberal
na obra de Ubiratan Macedo
Antonio Paim
As pessoas que tiveram a oportunidade de conviver com Ubiratan
Macedo (1937/2007) somos unnimes em reconhecer sua notvel
informao e amplitude de interesses em matria de saber. Nessa
circunstncia , adquire ares de arbitrariedade pretender destacar o que pode
ser apontado como central em sua contribuio contempornea meditao
brasileira. Contudo, creio que no seria, de modo algum, amesquinh-la
apontar a centralidade da recuperao da idia liberal nos cursos que teve
oportunidade de organizar e, sobretudo, no crculo de estudos que manteve
em sua residncia por mais de vinte anos. Traos dessa permanncia
encontram-se no conjunto da sua obra, razo pela qual permito-me referi-
la, ainda que privilegiando o aspecto considerado.
Embora haja nascido em So Paulo (em 1937), pertencia a
tradicional famlia paranaense, tendo ali se radicado. Concluiu a Faculdade
de Direito do Paran em 1960 e, simultaneamente, o curso de filosofia na
PUC-PR. Durante o ano de 1963 fez curso de especializao em direito na
USP. Subseqentemente, em 1967-1968 estudou Filosofia Social e Histria
da Filosofia, em nvel de ps-graduao, na Universidade de Louvaina
(Blgica). Fez o mestrado em filosofia na PUC do Rio de Janeiro,
concludo em 1976 e doutorado na mesma rea na Universidade Gama
Filho, igualmente no Rio de Janeiro, concludo em 1984. Seguiu a carreira
do magistrio na Universidade Federal do Paran, onde chegou a professor
titular, aposentando-se nessa condio. Pertenceu tambm ao Corpo
Docente da Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro e do Colgio
Interamericano de Defesa, em Washington, Estados Unidos. Desempenhou
diversas funes oficiais, entre estas membro da Comisso Nacional de
Moral e Civismo (1976-1980) e do Conselho Federal de Educao (1984-
1988). Na parte final de sua existncia atuou como professor dos cursos de
ps-graduao em filosofia e direito, da Universidade Gama Filho e do
doutorado em direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Tomando o conjunto de seus ensaios e livros, pode-se concluir
que se ocupou inicialmente da histria da filosofia, com nfase na
discusso em torno dos valores no sculo XX mas tambm na obra de
alguns autores. Desse conjunto sobressaem a tese de concurso publicada
em Curitiba (Introduo teoria dos valores, Editora dos Professores,
1971) e alguns estudos sobre filsofos como Kant, Ortega e Sciacca.
15
Progressivamente, entretanto, Ubiratan Macedo fixou-se na
filosofia poltica. Na tese de doutorado (Os caminhos da democracia no
Brasil, Rio de Janeiro, UGL, 1984) que lamentavelmente no chegou a
publicar teria oportunidade de deslindar os campos entre filosofia poltica
e cincia poltica, traando ao mesmo tempo notvel painel da evoluo
desta ltima nos Estados Unidos, simultaneamente, deteve-se no
pensamento poltico brasileiro. Na mencionada tese de doutorado estuda
autores patrcios como Manoel Gonalves Ferreira Filho e Wanderley
Guilherme dos Santos.
Na espcie, o texto mais notvel que produziu no perodo
consiste no livro que inicialmente intitulou de A liberdade no Imprio (So
Paulo, Convvio, 1971), posteriormente refeito e denominado de forma
mais apropriada: A idia de liberdade no sculo XIX: o caso brasileiro
(Rio de Janeiro, Expresso e Cultura, 1997).
Entendo que duas so as contries fundamentais na matria? 1)
a distino entre o tradicionalismo e conservadorismo liberal; e, 2) o
estabelecimento do significado da obra dos liberais no Segundo Reinado.
O tradicionalismo
Ubiratan Macedo entende, antes de mais nada, que no se deve
identificar tradicionalismo e catolicismo, embora historicamente haja
ocorrido semelhante confluncia. A circunstncia, entretanto, transitria,
alm de que nunca houve adeso oficial da Igreja Catlica a nenhum tipo
de conservadorismo ou tradicionalismo. E quanto ao tradicionalismo como
corrente filosfica, foi abertamente condenado pela igreja. Assim, a
aproximao pretendida repousa em bases falsas. No aspecto poltico, o
tradicionalismo uma ideologia e no se pode, legitimamente, equiparar
ideologia e religio. No aspecto filosfico, o tradicionalismo
expressamente rejeitado.
Cabe, portanto, estudar o tradicionalismo como ideologia poltica
e corrente filosfica, sem identific-los com o catolicismo. Com esse
esprito, efetiva a caracterizao dos traos essenciais de ambos os
fenmenos.
O tradicionalismo poltico ou conservadorismo no uma
simples defesa do status quo. Dispe de um plano para modificar o
presente e consiste numa forma de utopia, como bem o viu Mannheim no
conhecido ensaio sobre o pensamento conservador.
16
O tradicionalismo poltico corresponde reao contra a
Revoluo Francesa. Formulou-se simetricamente em sinal oposto ao
liberalismo. Seus principais representantes foram Burke, Adam Moeller e a
escola histrica de Savigny, os tradicionalistas franceses Maistre, De
Bonald, Bautain, Rohrbacher e Louis Veuillot, os italianos Ventura de
Raulica, Taparelli dAzeglio, os espanhis Donoso Corts, Balmes,
Vazques de Mella, os alemes Stahl e Vogelsang.
Ubiratan Macedo sugere esta caracterizao para o
tradicionalismo poltico: 1 Anti-racionalismo. No mximo admitir a
razo subordinada a uma origem divina e controlada pela revelao; 2
Nacionalismo; 3 Apologia da hierarquia social, contrariando o princpio
liberal da igualdade; 4 Defesa das estruturas e corpos intermedirios entre
o Estado e o indivduo, atribuindo-lhes funes polticas; 5 Hostilidade
para com o sufrgio universal; 6 Defesa do Direito Natural como
fundamento e norma absoluta da vida social, mas distinto do direito natural
iluminista e reduzido a uns quantos princpios que se devem encarnar na
histria para serem reais; 8 Crena de que existem valores superiores
vida humana, aos quais deve ser sacrificada, numa postura antihumanista; 9
Antiindividualismo sem ser coletivismo, antes um transpersonalismo; 10
Hostilidade para com o Liberalismo, a Reforma Protestante, Revoluo
Francesa, Capitalismo (sonho de regresso a uma sociedade agrria),
Tecnologia, Cincia Moderna, Progresso, e, paradoxalmente, contra o
Romantismo, apesar de ser, no fundo, uma atitude tpica do romantismo; 11
O uso da violncia no banido; subordinado justia com o
aprazimento em imaginar situaes onde seria lcita e obrigatria a
violncia, fazendo assim uma preparao espiritual em prol da violncia, ao
contrrio do liberalismo que tendia para o pacifismo e punha nfase no
debate, parlamentar e pela imprensa, para resolver os impasses sociais; 12
Defesa da comunidade local e de seus privilgios; 13 Insistncia no
concreto, nas liberdades concretas, em oposio ao liberalismo que
criticado como abstrato e irreal; 14 Presena, em graus diversos, de uma
atitude favorvel religio como fora social.
O tradicionalismo assim definido recente e no corresponde a
uma atitude universal como por exemplo o conservadorismo fisiolgico.
Esse aparecimento tardio deixou-lhe a marca do tempo, em especial no que
respeita ao nacionalismo e ao organicismo social. Formulando-se em
contraposio a certa ordem de idias, onde o iluminista fala de Razo,
prefere termos tais como Histria, Vida ou Nao.
Como filosofia, a exemplo de suas congneres modernas, uma
teoria do conhecimento. Sustenta o primado da razo coletiva contra a
individual. Adota como critrio de verdade no a evidncia, que considera
17
individualista, mas o consenso unnime dos povos, a revelao conservada
pela tradio ou diretamente a tradio. Essa filosofia enfatiza a
necessidade de resguardar verdades bsicas como a existncia de Deus, a
religio, a imortalidade da alma, a autoridade e combater as chamadas
conquistas de 89 (liberalismo, razo individual etc.).
Ubiratan Macedo, no livro considerado, procede igualmente ao
levantamento pioneiro da vertente tradicionalista, entendida nos termos
antes indicado, distinguindo-a claramente do neotomismo, o que
corresponde a outra conquista notvel do ciclo de estudos ora analisado.
Assim, seria a partir desse embasamento pioneiro que se desenvolveram,
desde ento, os estudos que permitiram a ampla caracterizao da trajetria
do tradicionalismo brasileiro. Aspecto igualmente pioneiro seria a sua
indicao da necessidade de confrontarmos tal parcela da meditao
brasileira ao tradicionalismo portugus. Assinale-se que essa linha foi
seguida risca. No balano efetivado da interface Brasil/Portugal da
corrente tradicionalista, levado a cabo no VII Congresso Antero de Quental
(So Joo del Rei, setembro, 2006) indica-se expressamente que os Anais
(publicados pela UFSJ em 2009) destinam-se a homenagear o saudoso
Ubiratan Borges de Macedo.
A primeira personalidade estudada por Ubiratan Macedo, no
livro indicado, d. Romualdo Seixas 91787/1860), que era natural do Par
e sobrinho de d. Romualdo Coelho de Souza, oitavo bispo do Par (1762-
1841). Sua educao, que se iniciou na provncia, completou-a em Lisboa
na ordem do Oratrio, que to grande influncia exerceu no curso da
cultura luso-brasileira, atravs de Verney e Silvestre Pinheiro Ferreira. De
regresso ao Brasil, ensinou retrica e filosofia, tendo chegado a vigrio
geral da provncia. Nomeado arcebispo da Bahia, tomou posse em janeiro
de 1828. Ascendeu condio de Primaz do Brasil, cabendo-lhe, em 1841,
presidir a solenidade de sagrao do segundo imperador.
D. Romualdo Seixas recebeu do Imprio o ttulo de Marqus de
Santa Cruz. Teve suas Obras Completas publicadas em seis volumes,
sendo os trs primeiros em 1839; o quarto, em 1852, e os dois ltimos em
1858. Em 1876 reiniciou-se sua publicao, que entretanto no passou do
primeiro volume.
No que respeita filosofia de Cousin, d. Romualdo adverte
mocidade para que esteja de sobreaviso, e se no deixe iludir das
quimricas especulaes de um sistema que, fugindo talvez dos escolhos do
sensualismo, vai naufragar e perder-se nos ltimos limites de um idealismo
exagerado ou, na frase de Schelling, em uma filosofia de pura abstrao,
que diviniza o nada e reduz o Cristianismo e a vida a uma v
18
fantasmagoria.
Para o combate a essa filosofia e s diversas outras manifestaes
racionalistas, d. Romualdo criou o semanrio Noticiador Catlico, que
circulou entre 1848 e 1860 e patrocinou a edio do compndio de Frei
Itaparica, em 1852.
Outra figura estudada por Ubiratan Macedo Braz Florentino
Henriques de Souza que, entende, foi por equvoco arrolado como
neotomista quando, na verdade, tradicionalista. Analisa igualmente a
obra de Frei Firmino de Centelhas, tradicionalista tpico e, por isto mesmo,
mais conhecido.
Como foi referido, o estudo pioneiro de Ubiratan Macedo
ensejou a efetivao de diversas pesquisas que vieram a proporcionar um
quadro presumivelmente completo da trajetria do tradicionalismo no
Brasil. So as seguintes: O discurso autoritrio de Cairu (Fortaleza,
Universidade Federal do Cear, 1982), de Joo Alfredo Montenegro; O
tradicionalismo em d. Romualdo Antonio de Seixas (Rio de Janeiro,
Universidade Gama Filho, 1983), de Dinorah Berbert de Castro; O
tradicionalismo em Pernambuco (Recife, Editora Massangana, 1988), de
Tiago Ado Lara; e O tradicionalismo na Repblica Velha (Rio de Janeiro,
Universidade Gama Filho, 1984), de Cassiano Cordi. Em relao ao tema
considerado, vale referir ainda que Ubiratan Macedo chamou a ateno
para a provvel presena do pensador portugus Antonio Sardinha na
atividade desenvolvida pelo Centro Dom Vital nos anos vinte, hiptese que
viria a comprovar-se graas edio da correspondncia entre Alceu
Amoroso Lima e Jackson de Figueiredo, efetivada pela Academia
Brasileira de Letras (1991-1992). Incumbiu-se tambm da organizao dos
Ensaios Polticos e Filosficos de Alexandre Correia (1890-1984), editados
por Convvio (1985).
A par da tese de que o tradicionalismo no deva ser qualificado
de catlico, em que pese o fato de que, sobretudo na Repblica, a
hierarquia da Igreja Catlica no se haja furtado a expressar suas
preferncias por aquela vertente poltica, Ubiratan Macedo buscou tambm
ordenar a evoluo do pensamento catlico no Brasil, num conjunto de
ensaios reunidos no livro Metamorfoses da liberdade (So Paulo, Ibrasa,
1978).
Liberalismo doutrinrio e Segundo Reinado
O liberalismo doutrinrio corresponde a uma das fontes em que
se inspiraram os liberais moderados no Imprio, a par da influncia que
19
sobre eles exerceram Hiplito da Costa e Silvestre Pinheiro Ferreira.
Ubiratan Macedo estudou a obra e a personalidade daquele que seria talvez
o mais importante doutrinrio brasileiro, Paulino Jos Soares, visconde de
Uruguai (1807-1866) em ensaio constante do referido Metamorfoses da
liberdade e, ao mesmo tempo, proporcionou-nos uma ampla caracterizao
daquela doutrina em ensaio includo na coletnea Evoluo histrica do
liberalismo (Belo Horizonte, Itatiaia, 1987). Define-o deste modo:
O liberalismo doutrinrio a verso francesa do liberalismo
ingls, embora no se trate de simples cpia ou transplante. Ao contrrio,
os doutrinrios franceses elaboraram questes tericas da maior relevncia,
que no se encontravam no horizonte das preocupaes da liderana liberal
inglesa. Por isto mesmo ocupam, juntamente com Kant, uma posio
fundamental na evoluo histrica do liberalismo. Desde os meados do
sculo XIX, este no apenas a experincia, as instituies e a doutrina
inglesa mas esse conjunto acrescido da meditao de Kant e dos
doutrinrios. De modo que o processo de democratizao da idia liberal
na segunda metade da centria, de que a Inglaterra tambm o arqutipo,
j no se inspira apenas na atividade terica local, mas leva em conta a
contribuio do continente. Na obra de Kant e dos doutrinrios que se
encontram os argumentos para a crtica do cartismo expresso inglesa do
democratismo continental.
Ubiratan Macedo entende que tem na figura de Benjamin
Constant (1767-1830) o seu grande precursor. Constant outra
personalidade familiar nossa elite imperial, sendo o Brasil o pas que
adotou a sua proposta de constituir o Poder Moderador, proposta essa que
tanto impressionaria D. Pedro I. A esse propsito, Ubiratan Macedo lembra
que Benjamin Constant era conhecido na poca como o Chef de la Gauche,
parecendo-lhe plausvel admitir que D. Pedro dele se aproximou
justamente por sua condio subversiva. Ao que acrescenta: ... o nosso
primeiro imperador lutou denodadamente contra o absolutismo monrquico
e na formao desse seu esprito liberal o conhecimento da obra de
Benjamin Constant h de ter desempenhado um papel decisivo, fato
atestado pelo seu bigrafo Octavio Tarqunio de Souza. No seria estranho
predileo do nosso primeiro imperante a tumultuada vida pessoal de
Benjamin: paixes e casamentos sucessivos, duelos, a postura bomia, nada
conservadora.
Benjamin Constant considerava a liberdade como o ncleo do
seu sistema. A partir de tal princpio concebeu a monarquia constitucional,
de governo representativo, embrionariamente parlamentarista e bicameral,
como definiu Ubiratan Macedo. segunda Cmara (o Senado), duradoura,
incumbe no apenas a prudncia nas reformas, mas, sobretudo, evitar
20
retrocessos na marcha poltica para maior liberdade e igualdade. O modelo
de Constant atribui papel especial ao Monarca, ao lhe delegar a funo que
se chamou de Poder Moderador. Explica Ubiratan Macedo: Na fase em
que viveu o nosso autor, a questo no se resumia harmonia entre
Judicirio e o Executivo ou entre este e o Parlamento. A rigor no existia
Parlamento mas duas Cmaras separadas e freqentemente em conflito.
Havia tambm atritos entre o Rei e seus Ministros, num tempo em que
somente na Inglaterra se consagrara a figura do Primeiro-Ministro. De sorte
que tem toda pertinncia a idia de criar-se uma outra Magistratura, com
atribuies de exercitar a coordenao dos vrios poderes; pairando acima
deles como rbitro. Essa doutrina deve ser avaliada luz da circunstncia
concreta em que apareceu. Em sua poca a idia era absolutamente vlida
e, de certo modo, imprescindvel, porquanto o sistema de governo
constitucional, inaugurador de uma nova realidade de poder
descentralizado, ainda no havia formado os mecanismos coordenadores
que se criariam de formas mltiplas, segundo a experincia de cada pas.
O liberalismo doutrinrio formou-se em contraponto a Benjamin
Constant, reunindo, como lderes, um grupo de intelectuais de grande
nomeada, como Franois Guizot (1787-1874) e Pierre-Paul Royer-Collard
(1763-1845). Royer-Collard o fundador da Escola Ecltica, sendo seus
discpulos Victor Cousin (1792-1867) e Theodore Jouffroy (1796-1842).
Alguns brasileiros, como Domingos Gonalves de Magalhes (1811-1882)
e Salustiano Pedroza (fim do sculo XVIII/1858) teriam oportunidade, em
Paris, de ser alunos de Jouffroy. Ao liberalismo doutrinrio associa-se
Alexis de Tocqueville (1805-1859), cujo grande feito consiste em haver
recuperado o valor do ideal democrtico, de todo desmoralizado pelo
democratismo. A partir de sua obra sobretudo de A democracia na
Amrica (1835) comea o processo de democratizao da idia liberal
sendo seu grande artfice o lder liberal ingls William Gladstone (1809-
1898).
Ubiratan Macedo resume deste modo as principais teses dos
doutrinrios:
1. A Revoluo Francesa um fato a ser aceito com suas
conseqncias. A volta ao Antigo Regime impensvel, tanto em nvel
prtico como terico;
2. A Revoluo no pecou por demasia. A sua doutrina terica (o
democratismo) que era falha;
3. O constitucionalismo condio indispensvel de organizao
do Estado. Os direitos e liberdades individuais no tm, contudo, origem
21
racional, mas resultam de condies histricas concretas;
4. A soberania popular um mito, ponto no qual discordam
frontalmente de Benjamin Constant. A Cmara representa interesses e
correntes de opinio e no a noo abstrata de povo; e,
5. Ao sistema representativo no incumbe representar apenas
correntes de opinio e interesses, mas todas as foras e instituies
existentes no pas, inclusive a Monarquia. Ao mesmo tempo, recusa a idia
de Poder Moderador.
Concluindo a sua brilhante anlise, escreve Ubiratan Macedo:
Assim, os doutrinrios deram uma contribuio fundamental no sentido de
preservar o esprito da idia liberal, no sculo anterior virtualmente
circunscrita Inglaterra, distinguindo-o nitidamente do democratismo
difundido pela Revoluo Francesa, sem voltar as costas ao sistema
representativo e deste modo distinguindo-se tambm do tradicionalismo,
que em nosso pas, ainda hoje, lamentavelmente entendido como nica
forma de conservadorismo. Sua atuao no se circunscreveu ao plano
doutrinrio, sendo inestimvel a contribuio que deram configurao de
instituies liberais. Est neste caso o grande esforo que desenvolveram
no sentido de tornar a Universidade pblica uma instituio laica. Os
doutrinrios conceberam e plasmaram as Foras Armadas como uma
instituio profissional.
Dessa sua atuao prtica no resultou a sonhada estabilidade
poltica e talvez essa ambio estivesse muito acima de suas foras.
No livro A idia de liberdade no sculo XX destaca sobretudo o
significado da estabilidade poltica conquistada no Segundo Reinado.
Escrevendo na dcada de cinqenta, o republicano francs Charles
Ribeyrolles registra que no pas h anos no h mais nem processos
polticos, nem prisioneiros de Estado, nem processos de imprensa, nem
conspirao, nem banimento (Le Brsil Pittoresque. Rio de Janeiro, 1859).
E assim vivemos por quase meio sculo, situao que contrasta de modo
flagrante com a Repblica. Boanerges Ribeiro, no livro Protestantismo e
Cultura Brasileira (1981) ressalta a exemplar tolerncia religiosa garantida
por autoridades policiais e judicirias, no imprio, apesar de haver uma
religio oficial. Ao contrrio do que ocorria em Portugal, conforme enfatiza
o mesmo autor.
preciso ter presente as dificuldades do liberalismo na Europa
catlica e patrimonialista, na mesma poca. Basta recordar o que ocorreu
na Frana, com a derrubada do governo liberal em 1848 e a proclamao da
Repblica, seguindo-se a reintroduo da monarquia e a grande
22
instabilidade poltica que culminou com a derrota militar de 1870, a
Comuna de Paris e a III Repblica, por sua vez notoriamente instvel. O
panorama de tais dificuldades vem de ser sistematizado por Arno Mayer
(Dinmica da Contra-Revoluo na Europa 1870-1956 e A Fora da
tradio: Persistncia na Europa 1848-1914). Tudo isto serve para realar
o significado da situao brasileira. Em que pese a tradio patrimonialista
e a maioria catlica, o regime conseguiu afeioar-se aos pases protestantes,
como Inglaterra e Estados Unidos. Trata-se de um feito que nunca
demais exaltar, cumprindo enterrar de vez o longo menosprezo que lhe tem
devotado a estril e infecunda historiografia positivista-marxista.
Liberalismo e justia social (1996)
Ubiratan Macedo prestou aos liberais brasileiros um servio
inestimvel ao contribuir para o restabelecimento dos nossos vnculos com
o pensamento liberal nos grandes centros, alm da elaborao de questes
tericas relevantes em suas obras anteriores.
Somente quem fez a opo liberal nos anos sessenta e setenta
pode avaliar o grau de isolamento a que havamos chegado nessa matria.
Com poucas e raras excees, a liderana liberal ps-Estado Novo vinha do
perodo anterior ditadura de Vargas. Desapareceu em grande parte no
breve interregno democrtico que ento tivemos, a exemplo de Otvio
Mangabeira ou Armando Salles de Oliveira. Os remanescentes foram
afastados da cena subseqente a 64 (Milton Campos, Adauto Lcio
Cardoso, Carlos Lacerda etc.). Mais uma vez proclamou-se a morte do
liberalismo, buscando-se um sistema de base consensual, como era o
propsito aberto desde o governo Mdici.
O reduzido nmero de professores que no se deixou encantar
por aquele canto da sereia, mantendo-se firmes em suas convices liberais
ou optando por elas, ficou praticamente sem referncias contemporneas.
Nos comeos da dcada de setenta, com o livro Introduo Filosofia
Liberal, Roque Spencer Maciel de Barros proporcionara um roteiro das
principais etapas percorridas por aquele iderio. Coube a Ubiratan Macedo,
ao permanecer quatro anos nos Estados Unidos, traar-nos um quadro
preciso da temtica em debate e dos principais autores envolvidos. A
notvel informao de que dispe sobre o mais recente ciclo do liberalismo
pode ser avaliada na obra Liberalismo e justia social (So Paulo,
IBRASA, 1996).
No entendimento de Ubiratan Macedo, o liberalismo no se reduz
a uma simples doutrina poltica entre as outras. Corresponde na verdade ao
pleno desabrochar do sentido profundo da histria do Ocidente. Aquilo que
23
o Oriente nos forneceu de tpico, em matria de organizao da vida em
sociedade, seria o despotismo, to bem estudado por Wittfogel, sendo o
totalitarismo sovitico sua mais legtima expresso. No que se refere
civilizao que teve sua origem na Europa Ocidental, sua maior criao
corresponde tolerncia. No h, com efeito, na histria da humanidade,
nenhum precedente, sendo, ao contrrio, a intolerncia a verdadeira
constante, sobretudo em matria religiosa. Mesmo os cristos que se viram
barbaramente castigados no Imprio Romano, logo esquecerem aquela
lio quando o cristianismo foi proclamado religio oficial. Assim, a
civilizao em que temos procurado nos inserir algo de absolutamente sui
generis. O sistema representativo concebido por Locke equivale ao seu
corolrio natural, do mesmo modo que o aperfeioamento subseqente,
resultante da aproximao ao ideal democrtico. De modo que Ubiratan
Macedo est coberto de razo ao proclamar que o liberalismo a autntica
filosofia da modernidade, sendo o primeiro e mais coerente humanismo, e
pode, por isso, a um nvel mais profundo, ser, como o sustentava B. Croce,
o sentido e sinnimo da histria.
Aps a mencionada conceituao do liberalismo, Ubiratan
Macedo caracteriza autores e grupos liberais do sculo XX.
O liberalismo no Brasil acha-se discutido com a maior amplitude,
avanando igualmente uma interpretao liberal da Carta de 88. Detm-se
na anlise do que denomina de fundo antiliberal da cultura brasileira.
Trata-se da corrente de opinio chamada de tradicionalismo. Segundo
referimos, justamente Ubiratan Macedo o autor da distino entre
conservadorismo liberal e tradicionalismo. Este nunca se reconciliou com
as instituies do sistema representativo, sendo a fora dominante nos
crculos catlicos, at ser substitudo por outra vertente antiliberal, desta
vez francamente totalitria.
O livro em epgrafe de Ubiratan Macedo ocupa-se tambm da
sobrevivncia da filosofia poltica ao ataque dos neopositivistas, que
pretenderam substitu-la por inspidas anlises quantitativas, felizmente
sem sucesso.
No tocante ao controvertido tema da justia social, no livro que
ora nos ocupamos proporciona uma soluo deveras inovadora.
Comea por evidenciar como essa idia tornou-se definidora de
nosso sculo para em seguida traar-lhe a histria desde os seus
primrdios. Em continuao mostra como a entenderam os primeiros
formuladores do liberalismo social (Green, Hobhouse etc.), os marxistas e a
Igreja Catlica, enunciando os marcos fundamentais da meditao
24
contempornea. Depois dessa viso panormica, se deter na anlise
circunstanciada de dois posicionamentos bsicos diante da matria, a saber:
o catlico e o liberal.
Segundo Ubiratan Macedo, os catlicos em sua maioria
consideram a justia social uma virtude, vale dizer, uma regra interna de
perfeio moral. Assim, no corresponde a um estado de coisas
independentes das pessoas, mas um princpio orientador da ao dos
catlicos. Segundo o seu entendimento, os catlicos que enxergam na
justia social um estado futuro da sociedade, a ser alcanado pela
revoluo, discrepam do grande esturio formado pela tradio de Roma.
Acha mesmo que o Papa Joo Paulo II encerra o ciclo em que a instituio
condenava o capitalismo, reduzindo essa condenao ao perodo inicial
(manchesteriano) do sculo XIX, anterior legislao protecionista do
trabalho, dando agora sua adeso ao capitalismo ocidental moderno.
Embora divergindo em certa medida, os liberais partem de pressupostos
comuns. Ubiratan Macedo destaca o reconhecimento de que a sociedade
formulou regras consagradoras da proteo dos direitos sociais, razo pela
qual no cabe discutir abstratamente questes relacionadas com o direito
natural. A segunda linha de convergncia corresponde recusa da busca de
uma igualdade de resultados. Os liberais esto engajados nos programas
capazes de assegurar a igualdade de oportunidades j que as pessoas, por
aptides individuais inalienveis, a partir dessa conquista social comum
(igualdade de oportunidades), com certeza produziro efeitos diversos. O
terceiro pressuposto aceito por todas as vertentes a concepo da
sociedade como uma ordem no planejada.
Minimiza a divergncia de Hayek com a idia de justia social
concebida segundo os pressupostos antes explicitados. Segundo supe,
admite o que chama de justia dos comportamentos, isto , a obedincia
a regras fixadas por um tipo de justia processual que conduza igualdade
de oportunidades e reconhea a impossibilidade de influir sobre os
resultados. Caberia lembrar aqui o que j dizia Max Weber: a justia que
se proponha assegurar a igualdade de resultados deve comear por cometer
a suprema injustia de punir aos bem-dotados. A esse propsito, conclui
Ubiratan Macedo: Esta afirmao no tira o valor da justia nem atenua o
significado da ordem instaurada sobre ela; mas indica apenas, sob outro
aspecto, a necessidade de recorrer s foras bem mais profundas do
esprito, que a prpria ordem da justia.
Do que precede creio que se pode considerar como central, na
meditao de Ubiratan Macedo, a recuperao da idia liberal. Preservar
essa conquista torna-se, portanto, no s perpetuar a presena do grande
mestre como, sobretudo, contribuir para a preservao da sempre ameaada
25
tradio liberal brasileira.
26
O CRCULO DE ESTUDOS DO LIBERALISMO
Marcos Poggi de Arajo
Entre as inmeras atividades intelectuais de Ubiratan Borges de
Macedo inclua-se a coordenao do Crculo de Estudos do Liberalismo,
que reuniu, ao longo da ltima dcada do Sculo XX e primeira dcada
deste sculo, um grupo de filsofos, advogados, economistas e estudiosos
interessados na discusso dos temas ligados ao liberalismo em geral e aos
caminhos do liberalismo brasileiro contemporneo, em particular.
Quanto ao liberalismo brasileiro, estimulou a criao e o funcionamento do
mencionado crculo o sentimento da necessidade de reaproximao dos
liberais brasileiros da discusso dos temas de interesse do liberalismo nos
principais centros culturais do Ocidente.
No seria demais lembrar que, consoante a introduo de Antonio
Paim e Ricardo Velez Rodriguez na apresentao do opsculo Crculo de
Estudos do Liberalismo 1996 Textos Reunidos que vitimas do
autoritarismo republicano, os liberais brasileiros foram perdendo
sucessivamente os laos que os mantinham como participantes do grande
debate que sempre animou os crculos liberais, notadamente na Europa e
nos Estados Unidos.
Do Crculo de Estudos do Liberalismo, alm do prprio Ubiratan,
participaram ativamente Antonio Paim, Arsnio Correa, Eduardo Saphira,
Francisco Martins de Souza, talo da Costa Jia, Jos Maurcio de
Carvalho, Jos Ribas Vieira, Leonardo Prota, Marcos Poggi, Paulo Kramer,
Paulo Viana, Ricardo Lobo Torres, Ricardo Velez Rodriguez, Roberto
Aguiar, Silvino Antonio Mafalti e Vitor Mrcio Konder.
No Crculo, as obras lidas e debatidas seno propostas pelo prprio
Ubiratan eram submetidas a sua apreciao, que, em comum acordo com
o decano do grupo, o professor Antonio Paim, selecionava o ttulo a ser
estudado. Seguia-se a designao de um ou mais relatores por obra (em
geral, um relator por captulo do trabalho, cuja apresentao era seguida de
debate.
Em uma primeira fase de funcionamento do Crculo, procedeu-se
reconstituio da trajetria do liberalismo brasileiro, tendo em vista a perda
de contato dos seguidores da doutrina no Brasil com os principais centros
liberais no exterior, desde o Estado Novo, atravessando o interregno
democrtico de 1945 at os primeiros anos da dcada de 1960, e
culminando com os governos militares. Nesses ciclos da nossa histria,
difundiu-se amplamente no Brasil a falsa tese de que o Liberalismo
fracassara.
Somente nos anos setenta, possivelmente inspirada em parte no
esforo de desregulamentao iniciado nos Estados Unidos e na Inglaterra,
27
comeara a surgir, ainda que debilmente, uma reao tese de fracasso das
idias liberais no Brasil. De notvel importncia nesse contexto foi o
aparecimento do livro Introduo doutrina liberal, de Roque Spencer
Maciel de Barros.
Depois de mais de um ano de leitura e discusses sobre o
Segundo Tratado do Governo de Locke, os escritos polticos de Kant, A
democracia na Amrica de Tocqueville, alm de textos de Gladstone,e
Keynes e a Sociedade aberta de Popper, os representantes do Crculo de
Estudos do Liberalismo Ubiratan de Macedo e Antonio Paim frente
diligenciaram junto a Roque Spencer no sentido de que ele fizesse uma
nova edio de sua obra.
Diante da recusa do autor, o Crculo optou por prepara o texto que
foi publicado pela Editora Itatiaia com o ttulo de Evoluo Histrica do
Liberalismo.
O livro obra conjunta de Antonio Paim, Francisco Martins de
Souza, Ubiratan Borges de Macedo, Jos Osvaldo de Meira Penna e
Ricardo Vlez Rodriguez possui oito captulos: I. A formulao inicial
do Liberalismo na obra de Locke; II A fundamentao do estado liberal
segundo Kant; III O liberalismo doutrinrio; IV O pensamento de
Tocqueville; V As reformas eleitorais inglesas; VI Emergncia da
questo social e posio anterior a Keynes. O Keinesianismo; VII A
crtica do Keinesianismo; e VIII A prova da Histria e perspectivas O
Liberalismo no Sculo XX
Possivelmente, a fase mais fecunda do crculo coordenado por
Ubiratan deu-se entre 1996 e 2002. Naquele perodo luz da hiptese de
que (depois da queda dos regimes comunistas no incio dos anos 1990) a
discusso doutrinria pertinente no se dava mais entre liberais e
socialistas, mas entre liberais e social-democratas o Crculo de Estudos
do Liberalismo, tratou basicamente da crtica das questes ligadas s
principais manifestaes e vertentes da social-democracia contempornea
lato senso. Entre os temas abordados estavam A resposta liberal aos
comunitaristas, e a avaliao crtica de duas das principais manifestaes
da social-democracia: o interessante caso francs e da proposta da
chamada Democracia Deliberativa.
No que se refere resposta liberal aos comunitaristas, o crculo
deu especial ateno aos autores norte-americanos Michel Walzer e
Michael Sandel, crtico do individualismo de John Rawls. Parte dos
documentos resultantes desse trabalho foi apresentada no opsculo
denominado Crculo de Estudos do Liberalismo -1996: Textos Reunidos.
Esse trabalho conjunto reuniu os seguintes textos: A crtica de Sandel ao
individualismo de Rawls, de Antonio Paim e Ricardo Vlez Rodriguez:
A crtica de Michel Walzer a Rawls, de Ubiratan Borges de Macedo; As
28
esferas da Justia e o Estado, de Ricardo Lobo Torres; e O liberalismo
poltico de Rawls Uma avaliao, de Antonio Paim.
Como para os objetivos do grupo, as teses comunitaristas estavam
suficientemente tratadas, a ateno do crculo direcionou-se, mais
especificamente, para o debate com os social-democratas. Nesse contexto,
o grupo tratou basicamente de dois temas: a avaliao crtica do que se
denominou social-democracia francesa e a crtica proposta da chamada
democracia deliberativa, centrada principalmente na obra do pensador
argentino Carlos Santiago Nino, considerada representativa da referida
doutrina.
No que tange crtica da social-democracia francesa, os
integrantes do crculo arrolaram como social-democratas (apesar de no
haver na Frana um Partido Social-Democrata com esse nome) trs autores:
Alain Bergounioux, Alain Tourraine e Pierre Rosanvallon. A obra dos
dois ltimos foi analisada e o resultado desse trabalho reunido em um
volume denominado Avaliao crtica da social-democracia - O Exemplo
Francs, da Coleo Cadernos Liberais, editado em 2000 por Massao
Ohno Editor/ Instituto Tancredo Neves.
Esse livro, dividido em quatro partes ou sees, abordou na Parte I
as circunstncias particulares da Frana, com um captulo sob a
denominao de O gigantismo estatal francs: aspecto poltico, por
Ricardo Vlez Rodriguez, outro sob o ttulo A singularidade da evoluo
poltica francesa, na qual Antonio Paim aponta a ausncia de um partido
social democrata na Frana e chama ateno para o fato de que o Partido
Socialista Francs o nico (dentre os grandes partidos sob a gide
socialista na Europa Ocidental) que no passou social-democracia. No
obstante tais singularidades, o pensamento social-democrata no deixa de
estar presente na Frana.
A Parte II do livro trata da avaliao crtica da obra de Alain
Touraine, com um artigo de Marcos Poggi de Arajo intitulado Crtica da
Modernidade de Alain Touraine: uma breve apreciao, um texto de
Selvino Antonio Malfatti sobre a Amrica Latina na viso de Touraine, sob
o ttulo Alain Touraine Uma proposta poltico social para a Amrica
Latina, e um artigo de Antonio Paim sobre o Conceito de democracia de
Touraine.
A crtica bsica de Touraine ao liberalismo a de que o
liberalismo, ao procurar dotar o indivduo de racionalidade, elimina o
sujeito. E que o homem precisa voltar-se para si mesmo e resgatar o sujeito.
Na viso de Touraine, a democracia se definir como uma cultura poltica.
Segundo Paim, se assim colocada a questo, Touraine parece desinteressar-
se das questes essenciais, como o aprimoramento da representao, a luta
pela autenticidade dos partidos polticos e a perfeita hierarquizao dos
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temas que dizem respeito s tomadas de deciso coletivas que geram
obrigaes para todos.
Segue-se, na Parte III do livro uma Avaliao crtica da proposta
social-democrata de Pierre Rosanvallon, incluindo um estudo de Antonio
Paim sobre A reforma do Estado Assistencial que trata sobretudo como
distinguir liberais e social-democratas em matria de previdncia social.
Segundo Paim, enquanto os liberais consideram ideal o modelo norte-
americano que associa o Social Security aos fundos de penso, os social-
democratas, em geral, tendem a optar pelos sistemas estatais de
previdncia.
Tambm na Parte III, includo texto do prprio Pierre
Rosanvallon, segundo o qual o estado providncia (francs) funcionava sob
o vu da ignorncia, na medida em que pressupunha a igualdade dos
indivduo diante dos diferentes riscos sociais, e prope uma aproximao
da justia sob o sol do conhecimento das diferenas entre os homens.
Completa a mencionada Parte III do livro, um trabalho de Marcos Poggi de
Arajo sobre a proposta de individualizao dos direitos sociais que,
segundo Rosanvallon, seria uma imposio do estado-providncia. No
texto, Marcos Poggi anota a dificuldade prtica pelo gigantismo do
aparato burocrtico necessrio a tal propsito da adoo do que
Rosanvallon chama de judiciarismo do social, ou seja, como se d na
esfera judicial, um modelo de tratamento de cada caso concreto de
necessidade de apoio social.
O Crculo tratou do tema democracia deliberativa de 1998 a
2000, em especial debruando-se sobre a obra de Carlo Santiago Nino, The
Constitution of Deliberative Democracy (Yale University Press, 1966).
Desse esforo, resultou a publicao do livro Avaliao crtica da proposta
de democracia deliberativa, editado pela Edies Humanidades em 2002.
O livro resultante das discusses do crculo dividido em duas partes: a
Parte I dedicada apresentao e anlise dos captulos do livro de Carlo
Nino; a parte II apresenta uma avaliao crtica da obra do pensador
argentino.
A bibliografia sobre a matria foi complementada, at mesmo
para avaliao da obra de Carlos Nino, com a leitura dos ensaios The
coming age of Deliberative Democracy, de James Bohman (in The Journal
of Political Philosophy, 1998) e The Disharmony of Democracy, de Amy
Gutmann (da obra coletiva intitulada Democracy Community, New York
University Press, 1993).
A Parte I, por sua vez, dividida em sete captulos: 1. A
complexidade da Democracia Constitucional, por Marcos Poggi de Arajo;
2. A observncia da Constituio Histrica, por Antonio Paim; 3. A
constituio ideal dos direitos: O Liberalismo Igualitrio na obra de
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Santiago Nino, escrito por Ricardo Lobo Torres; 4. Concepes alternativas
de democracia, de talo da Costa Jia; 5. Fundamentos da concepo
deliberativa da democracia, por Marcos Poggi de Arajo; 6. Estabelecendo
a Democracia Deliberativa, por Ubiratan Borges de Macedo; e 7. Uma
anlise de Judicial Review in a Deliberative Democracy, por Jos Ribas
Vieira.
A Parte II composta pela apreciao de Ricardo Vlez
Rodriguez, sob o ttulo de Algumas consideraes crticas acerca do
conceito de democracia deliberativa.. Nela, Ricardo Vlez identifica, na
democracia deliberativa, duas caras: uma voltada para o interior das
organizaes polticas; outra direcionada defesa da utopia socialista.
Segundo o representante do Crculo, a proposta da democracia deliberativa
sugerida por Carlo Nino est associada concepo unanimista de
sociedade inspirada em Rousseau. Para Ricardo Vlez, Nino parte do
desconhecimento de dois pontos capitais do modelo liberal, com so a
legitimidade da defesa dos interesses individuais e o valor insubstituvel da
democracia representativa como primeiro mecanismo poltico para defesa
daqueles. O clima em que se movimenta o mencionado filsofo o de uma
substituio dos interesses individuais pelo arrazoado moral, de acordo
com uma vaporosa vontade geral e do desconhecimento da democracia
representativa que deveria ser substituda por assemblias deliberativas
norteadas pelo esquisito imperativo categrico da busca da unanimidade
E mais adiante: Quo longe est o arrazoado de Nino da defesa
que a tradio liberal sempre fez da democracia representativa, a nica
consentnea, no mundo moderno, com a defesa da liberdade e dos
interesses dos indivduos.
Marcos Poggi de Arajo, estudioso de histria e filosofia, ensasta e
escritor, autor de dois romances bem como de ensaios e artigos,
sendo igualmente colaborador freqente da imprensa brasileira.