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ANDREIA LAGARTO CORREIA DE OLIVEIRA
CORRELATOS DA QUALIDADE DE VIDA DE ESTUDANTES UNIVERSITRIOS
UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA
FACULDADE DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
Porto, 2010
ANDREIA LAGARTO CORREIA DE OLIVEIRA
CORRELATOS DA QUALIDADE DE VIDA DE ESTUDANTES UNIVERSITRIOS
UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA
FACULDADE DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
Porto, 2010
ANDREIA LAGARTO CORREIA DE OLIVEIRA
CORRELATOS DA QUALIDADE DE VIDA DE ESTUDANTES UNIVERSITRIOS
Dissertao apresentada Universidade Fernando
Pessoa como parte dos requisitos para obteno do
grau de Mestre em Psicologia Clnica e da Sade,
com a orientao da Professora Doutora Rute
Meneses.
I
Resumo
Ao longo da vida acadmica, os estudantes universitrios passam por um importante
perodo de desenvolvimento pessoal e social, com possveis implicaes na sua
Qualidade de Vida (QDV). Assim, pretende-se com este estudo identificar e explorar os
seus correlatos entre variveis sociodemogrficas, clnicas, perturbaes do sono e
perturbaes afectivas.
Participaram 175 estudantes (81,1% do sexo feminino, mdia de idades 20,93 anos) da
Universidade de Aveiro, a frequentar o 3 ano de diferentes licenciaturas no ano lectivo
2008/2009. Foi desenvolvido um Questionrio Scio-demogrfico e Clnico que se
administrou colectivamente com: o World Health Organization Quality of Life-Bref
(WHOQOL-Bref), a Epworth Sleepiness Scale (ESS) e a Hospital Anxiety and
Depression Scale (HADS).
Os resultados apontam para uma amostra, no geral, sem problemas significativos a nvel
da QDV e referidos correlatos, contudo, tambm se concluiu que: o sexo feminino
apresenta pior QDV; quanto pior a percepo do estado de sade menor a QDV; e,
quanto mais problemas do sono, sintomas de ansiedade e depresso, pior a QDV.
Estes resultados confirmam, em geral, os dados da literatura analisada, tendo
implicaes para a prtica clnica.
Palavras-chave: estudantes universitrios, Qualidade de Vida (QDV), variveis
sociodemogrficas e clnicas, perturbaes do sono, perturbaes afectivas.
II
Abstract
Throughout their academic life, college students go through an important period of
personal and social development, with possible implications in their Quality of Life
(QOL). This study aims, therefore, at identifying and exploring the correlates of college
students QOL between socio-demographic, clinical, sleep disorders, and affective
disorders variables.
The subjects of the study were 175 students (81,1% females, average age 20,93) from
the University of Aveiro, attending the third year of different degrees in the school year
of 2008/2009. A Socio-Demographic and Clinical Questionnaire was devised and
applied alongside with: the World Health Organization Quality of Life-Bref
(WHOQOL-Bref), the Epworth Sleepiness Scale (ESS) and the Hospital Anxiety and
Depression Scale (HADS).
The outcomes reveal a sample that, in general, shows no significant problems at the
QOL level and the reported correlates; however, we could also conclude that: females
reveal worse QOL; the worse the health level perception is the lesser QOL; and, the
more sleeping problems, anxiety and depression symptoms, the worse QOL.
In general, the results confirm the data conveyed by the literature reviewed, thereby
having implications in the clinical practice.
Key words: college students, Quality of Life (QOL), socio-demographic and clinical
variables, sleep disorders, affective disorders.
III
Rsum
La vie acadmique correspond une priode importante du dveloppement personnel et
social des tudiants universitaires, et peut ventuellement provoquer des rpercussions
sur leur Qualit de Vie (QDV). Le but de cette tude, est didentifier et explorer les
subsquentes corrlations entre variables sociodmographiques, cliniques, des troubles
du sommeil et des perturbations affectives.
Ont particips 175 tudiants de lUniversit de Aveiro (81,1% du sexe fminin, ge
moyen 20,93 ans), en troisime anne de licences diverses pendant lanne universitaire
2008/2009. Un Questionnaire Sociodmographique et Clinique a t distribu
collectivement avec, joints : le World Health Organization Quality of Life-Bref
(WHOQOL-Bref), la Epworth Sleepiness Scale (ESS) et l Hospital Anxiety and
Depression Scale (HADS).
Les rsultats rvlent un chantillon gnralement sans problmes significatifs au
niveau de la QDV et des corrlations rfrencies. Nanmoins, ltude a mis en
vidence que : le sexe fminin a une QDV moindre ; la diminution de la perception de
ltat de sant implique une QDV infrieure ; laugmentation des troubles du sommeil,
des symptmes danxit et de dpression rduisent la QDV.
Ces rsultats confirment, dans lensemble, les positions de la littrature analyses, et de
ce fait se rpercutent dans la pratique clinique.
Mots-cls : tudiants universitaires, Qualit de Vie (QDV), variables
sociodmographiques et cliniques, troubles du sommeil, perturbations affectives.
IV
ndice
Pg.
Introduo 1
Parte I Enquadramento terico
Captulo I Perturbaes do sono 5
1.1 A importncia do sono e suas fases 5
1.2 Definio e classificaes das perturbaes do sono 10
1.3 Perturbaes do sono em estudantes universitrios 20
Captulo II Perturbaes afectivas 25
2.1 Importncia, definio e classificaes das perturbaes
afectivas
25
2.2 Perturbaes afectivas em estudantes universitrios
39
Captulo III Qualidade de Vida
42
3.1 Importncia e definio de Qualidade de Vida
42
3.2 Avaliao da Qualidade de Vida
52
3.3 Qualidade de Vida de estudantes universitrios
57
Parte II Contribuio emprica
Captulo IV Objectivos, hipteses e variveis do estudo
63
Captulo V Mtodo 65
5.1 Participantes
65
5.2 Material
71
5.3 Procedimento
79
Captulo VI Apresentao e Discusso dos Resultados 82
6.1 Qualidade de Vida, Sonolncia Diurna Excessiva, Ansiedade e
Depresso
82
V
6.2 Relao entre Qualidade de Vida e variveis sociodemogrficas
85
6.3 Relao entre Qualidade de Vida e variveis clnicas
87
6.4 Relao entre Qualidade de Vida e perturbaes do sono
90
6.5 Relao entre Qualidade de Vida e ansiedade
6.6 Relao entre Qualidade de Vida e depresso
91
92
Concluso
94
Referncias Bibliogrficas
Anexos
Anexo A Quadro 1. Fases de um ciclo de sono num jovem adulto
saudvel
Anexo B Quadro 2. The Internacional Classification of Sleep
Disorders (Classificao Internacional dos Distrbios
do Sono)
Anexo C Quadro 3. Organizao das perturbaes do sono
(DSM-IV-TR)
Anexo D Quadro 4. Organizao das perturbaes do sono
(ICD-10)
Anexo E Figura 1. Representao esquemtica da definio de
Qualidade de Vida
Anexo F Quadro 5. Domnios e Facetas do WHOQOL-Bref
VI
ndice de Tabelas
Tabela 1 Categorias de diagnstico de perturbaes da ansiedade segundo o
DSM-IV-TR e a ICD-10
28
Tabela 2 Categorias de diagnstico de perturbaes depressivas
segundo o DSM-IV-TR e a ICD-10
35
Tabela 3 Caracterizao sociodemogrfica da amostra
68
Tabela 4 Caracterizao do estado de sade da amostra
69
Tabela 5 Caracterizao do estado de sono
70
Tabela 6 Frequncia nas consultas de Psicologia e Psiquiatria e consumo de
medicao psicotrpica
70
Tabela 7 Coeficiente alpha de Cronbach para os domnios do WHOQOL-Bref,
para a ESS e para a HADS
79
Tabela 8 Resultados do teste de normalidade (Kolmogorov-Smirnov)
82
Tabela 9 Medidas descritivas observadas nos domnios do WHOQOL-Bref,
para a ESS e para a HADS
84
Tabela 10 Caracterizao do grau de ansiedade e depresso
85
Tabela 11 Comparao da Qualidade de Vida em funo do sexo
86
Tabela 12 Comparao da Qualidade de Vida em funo do nvel
socioeconmico
87
Tabela 13 Comparao da Qualidade de Vida em funo da percepo do
estado de sade
89
Tabela 14 Comparao da Qualidade de Vida em funo do facto de estar
doente
89
Tabela 15 Correlao da Qualidade de Vida com a sonolncia diurna excessiva
91
Tabela 16 Comparao da Qualidade de Vida em funo do facto de ter
insnias
VII
91
Tabela 17 Correlao da Qualidade de Vida com a ansiedade e depresso
93
ndice de Figuras
Figura 1 Os dois traos latentes para ansiedade e depresso
VIII
37
IX
Lista de Siglas
QDV Qualidade de Vida
UA Universidade de Aveiro
NREM Sono lento
REM Sono Paradoxal
EEG Electroencefalograma
EOG Electroculograma
ICSD International Classification of Sleep Disorders
DSM-IV-TR Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
APA American Psychological Association
The WHO The World Health Organization
SDE Sonolncia Diurna Excessiva
ESS Epworth Sleepiness Scale
HADS The Hospital Anxiety and Depression Scale
WHOQOL-Bref The World Health Organization Quality of Life-Bref
OMS Organizao Mundial de Sade
WHOQOL-100 The World Health Organization Quality of Life-100
WHOQOL-Group The World Health Organization Quality of Life-Group
BDI Beck Depression Inventory
SASUA Servios de Aco Social da Universidade de Aveiro
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
1
Introduo
Cramer (1994, citado por Pais-Ribeiro, 2005 p. 101) afirma que Qualidade de
Vida um estado de bem-estar fsico, mental e social e no somente a ausncia de
doena ou de incapacidade. De facto, a Qualidade de Vida uma das dimenses da
vida humana, desejada e perseguida por todos os indivduos desde a infncia at
velhice (Barbosa & Ribeiro, 2000, p. 149) e, neste sentido, tem sido objecto de
investimento e de investigao em diversas reas do conhecimento, durante as ltimas
dcadas, pretendendo-se ultrapassar a ambiguidade e subjectividade que lhe esto
associadas, definindo-a em termos concretos, gerais e vlidos para todos os indivduos e
sociedades (Barbosa & Ribeiro, 2000).
O relatrio The Impact of Increasing Levels of Psychological Disturbance
amongst Students in Higher Education, elaborado em 1999 por responsveis de
servios de aconselhamento da Association for University and College Counselling
(uma diviso da British Association for Counselling), revelou que existe consenso geral
quanto ao facto dos problemas de sade mental estarem a aumentar entre os jovens,
envolvendo doenas psiquitricas, distrbios do comportamento e dificuldades
psicolgicas e sociais, os quais podem ter efeitos seriamente perniciosos na capacidade
de os estudantes prosseguirem os seus estudos adequadamente (Dias, 2006, p. 137).
Como afirmam Tosevski, Milovancevic e Gajic (2010, p. 48), os estudantes
universitrios representam o capital nacional e investimento para o futuro e, ao
enfrentarem mltiplos stressores, como desempenho acadmico, presso constante para
ter sucesso, conflitos com os pares e preocupaes com o futuro, podem desenvolver
psicopatologias (Dias, 2006). Estudos revelaram problemas como ansiedade, baixa
auto-eficcia, abuso de substncias, depresso, distrbios alimentares, auto-mutilaes e
suicdio e o conhecimento destas situaes essencial para o desenvolvimento de
programas de interveno que, indo de encontro s necessidades dos estudantes, os
ajudem no processo de coping dos seus problemas (Tosevski, Milovancevic & Gajic,
2010).
Em Portugal, o estudo na rea da vida acadmica dos estudantes universitrios e
a preocupao com questes como bem-estar no ensino superior data de incios da
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
2
dcada de 80 do sculo XX, pela Universidade Tcnica de Lisboa, como pioneira neste
contexto (Gomes, 2001). Ao longo do tempo e actualmente continua a ser uma rea de
investigao que requer a devida ateno, sendo que um estudo de Tinto (1987) apontou
para cerca de 40% de estudantes universitrios a vivenciarem problemas significativos
de ordem psicolgica enquanto frequentavam a universidade. De facto, existe um
conjunto vasto de desafios presente no contexto acadmico que tem, em maior ou menor
grau, impacto na vida dos estudantes universitrios e seu desenvolvimento pessoal e
social (Soares, Guisande, Diniz & Almeida, 2006).
Neste sentido, compreende-se que h factores associados vida na Universidade
- construo da identidade, procura de novas relaes significativas, horrios de aulas e
frequncias a determinadas aulas marcados por irregularidades; horrios de estudo e
trabalho escolar autnomo; diminuio dos limites parentais; exigncias de
responsabilidade; preparao para o mundo de trabalho, etc. - que podem criar contextos
propcios a que um aluno sofra distrbios afectivos e altere os seus horrios de sono e
viglia, de trabalho e de lazer (Gomes, 2001; Silva & Costa, 2005). possvel afirmar
que o ensino superior facilita a resoluo de importantes tarefas desenvolvimentistas
como a consolidao da identidade, a construo da intimidade ou a aquisio de uma
maior autonomia e independncia familiar (Ferreira & Ferreira, 2005, p. 133), no
entanto, importa ter em considerao que nesta etapa da vida - a fase adulta - que os
estudantes podem apresentar dificuldades desenvolvimentais com maior ou menor
gravidade, pois este um processo em permanente construo que, por sua vez, pode
reflectir problemas de uma estrutura neurtica, limite ou psictica da personalidade
porque a estrutura da personalidade no est de facto ainda consolidada (Dias, 2006, p.
137). Compreende-se, portanto, que a juventude uma fase de procura de si prprio e
de um sentido para a vida (Silva & Costa, 2005, p. 111).
Paralelamente, sabe-se que a ansiedade e a depresso so as perturbaes
afectivas que mais frequentemente levam os indivduos a procurar ajuda teraputica
(Hallstrom & Mcclure, 2000). Ora, sendo a depresso o transtorno psiquitrico mais
frequente e debilitante e a depresso major a 4 maior causa global de incapacitao,
prevendo-se que em 2020 seja a 2 maior causa (Murray & Lopez, 1997), torna-se
pertinente estudar esta perturbao afectiva nos jovens estudantes. Tambm a ansiedade
se revela essencial de abordar no contexto acadmico, contexto capaz de despoletar esta
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
3
perturbao, uma vez aqui que se vivenciam importantes desafios inerentes ao facto de
se ser estudante, jovem adulto, em construo do presente e do futuro que e ser a sua
vida num mundo em mudana (Ferreia & Ferreira, 2005).
Por sua vez, as perturbaes do sono (como a sonolncia diurna excessiva - SDE
- e as insnias) tambm so de estudar, reconhecendo a importncia fulcral do sono no
quotidiano dos indivduos, neste caso especificamente dos estudantes universitrios. A
opinio geral que por vezes emerge a de uma populao saudvel, no tendo
propriamente problemas de sono nem implicaes significativas no funcionamento
diurno (apenas problemas do foro clnico tero repercusso diurna assinalvel)
(Gomes, 2001, p. 5). Mas na prtica a vida universitria nem sempre caracterizada por
comportamentos saudveis de sono (Gomes, Tavares & Azevedo, 2009) e, de facto, os
estudantes universitrios nem sempre tm uma boa higiene de sono (p.e., em virtude de
estudarem noite dentro, sarem noite e/ou consumirem substncias) (Gomes, 2001, p.
5). Justifica-se tambm assim a importncia de estudar o sono nesta populao, no
sentido que ao se avaliar o sono, est-se a avaliar uma parte da vida (Rios, Peixoto &
Senra, 2008, p. 34), uma vez que as perturbaes do sono provocam consequncias
adversas na vida das pessoas ao diminuir o funcionamento dirio, aumentar a propenso
a distrbios psiquitricos, dfices cognitivos, problemas de sade, riscos de acidentes de
trfego, absentismo no trabalho, e por comprometer a qualidade de vida (Mller &
Guimares, 2007, para. 6).
Assim, revela-se pertinente estudar a realidade dos estudantes Portugueses, no
contexto de uma Universidade Portuguesa, especificamente na Universidade de Aveiro
(UA) (onde a autora do presente estudo assegura Consultas de Psicologia), analisando
aspectos da vida de estudantes universitrios, nomeadamente a Qualidade de Vida
(QDV) e seus potenciais correlatos dos quais se destacam as perturbaes do sono (SDE
e insnias) e as perturbaes afectivas (ansiedade e depresso).
A presente dissertao apresenta uma sequncia que organiza por assuntos as
reas cientficas abordadas, estando dividida em duas grandes partes. A primeira parte
corresponde ao enquadramento terico que, por sua vez, se subdivide em trs captulos.
O primeiro captulo diz respeito s perturbaes do sono, o segundo s perturbaes
afectivas, e o terceiro refere-se QDV. A segunda parte deste trabalho pertence
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
4
contribuio emprica, que se divide em trs captulos: a enunciao dos objectivos,
hipteses e variveis do estudo (quarto captulo), o mtodo (quinto captulo) e a
apresentao e discusso dos resultados encontrados no estudo (sexto captulo). Por fim,
apresenta-se uma reflexo (concluso) acerca do trabalho realizado, seguindo-se as
referncias bibliogrficas (obras que contriburam para o nascimento desta dissertao)
e os anexos.
Pretende-se, ento, contribuir para lanar alguma luz sobre a rea da QDV e seus
correlatos e suscitar interesse neste sentido, de modo tambm a possibilitar futuramente
uma melhor adequao de estratgias de interveno neste campo, promovendo a QDV
em contextos acadmicos.
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
5
Parte I Enquadramento terico
Captulo I Perturbaes do sono
1.1 A importncia do sono e suas fases
O sono uma condio imanente da prpria vida (Madalena, 1979, p. 11).
O sono de importncia vital sobrevivncia, sendo a necessidade de dormir
to imprescindvel como a necessidade de respirar (Gomes, 2001) e esta necessidade de
dormir, se no for satisfeita, traduz-se em fadiga fsica e mental semelhante fome e
sede e automaticamente faz sentir-se (Madalena, 1979, p. 14). Segundo Chaplin (1981,
p. 537), o sono um estado do organismo caracterizado por conscincia bastante
reduzida, inactividade, reduo dos processos metablicos e relativa insensibilidade
estimulao. Por se tratar de um fenmeno complexo, necessrio ter em considerao
que o sono um estado comportamental em que ocorre descanso e percepo reduzida
a estmulos externos, sendo que a actividade cerebral abranda aderindo a um ritmo
sincronizado, a frequncia cardaca diminui e os msculos relaxam (Gomes, 2001, p.
16). Contudo, o sono no um estado passivo e sim um estado de introverso
energtica, sendo a viglia o estado de extroverso de energia orgnica (Madalena,
1979, p. 18). O equilbrio entre o estar a dormir e o estar acordado, os diferentes estados
de sono e viglia, verificam-se ao longo de um perodo de 24 horas (ritmo circadiano),
correspondente a um dia e uma noite (Gaillard, 1994) e este equilbrio o alfa e o
mega da unidade do organismo individual na integrao das funes vitais
(Madalena, 1979, p. 13).
possvel afirmar que o sono preenche aproximadamente um tero da vida do
ser humano e fundamental para a recuperao fsica e psquica do indivduo (Davies,
2003, p. 15). atravs do acto de dormir que se restaura o desgaste ocorrido durante o
tempo em que se est acordado (viglia), assumindo assim o sono uma importante
funo de restaurao fsica e neurolgica (Gomes, 2001). A privao do sono e/ou
distrbios do sono podem ser responsveis por muitos acontecimentos negativos na vida
dos seres humanos, como por exemplo: o aumento da probabilidade de contrair vrios
tipos de doenas temporrias e crnicas; dificuldades cognitivas, como no desempenho
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
6
e concentrao; desenvolvimento de perturbaes do humor, como depresses; aumento
do risco de acidentes de trabalho e viao (Almondes, 2007; Morch & Toni, 2005).
Estima-se que as perturbaes do sono afectem at um tero da populao adulta a nvel
mundial, com maior prevalncia de insnias e apneia obstrutiva do sono (Rios, Peixoto
& Senra, 2008), o que se revela um dado preocupante tendo em conta a importncia
fulcral do sono na vida dos indivduos.
Na definio dos parmetros tpicos de um sono normal, existe uma grande
variabilidade individual e, no prprio indivduo, de noite para noite, mesmo assim,
sendo uma tarefa complexa, a evoluo cientfica do estudo do sono tem permitido
conhecer cada vez mais e melhor a sua estrutura e caractersticas, pelo que possvel
constatar que o sono no um estado uniforme (Gomes, 2001; Rente & Pimentel,
2004).
A investigao sobre o sono tem por base o conhecimento da existncia de dois
estados do sono que alternam durante a noite, segunda uma sequncia organizada
(Rente & Pimentel, 2004, p. 3). Estes estados so denominados de sono lento (No -
REM ou NREM) e o sono paradoxal (REM), sendo que a sigla significa na lngua
inglesa Rapid-Eye-Movements, traduzindo, movimentos rpidos oculares (Rente &
Pimentel, 2004). Rente e Pimentel (2004) caracterizam o sono lento (NREM) por:
O traado electroencefalogrfico mostrar uma lentificao progressiva, que aumenta medida
que o sono se torna mais profundo, bem como uma diminuio da sudao, da frequncia
cardaca, da tenso arterial e da temperatura. H uma diminuio global de consumo de oxignio
e o tnus muscular tambm diminui em relao viglia, embora no tanto como no sono REM.
(p. 4)
O sono paradoxal (REM), por sua vez, caracteriza-se por o traado
electroencefalogrfico mostrar um traado de frequncias rpidas beta ou mesmo alfa,
semelhantes viglia, de baixa amplitude. H uma grande variabilidade da frequncia
cardaca e respiratria e um aumento da temperatura, sudao e consumo de oxignio
(Rente & Pimentel, 2004, p.4).
Ondas de elevada frequncia (13-50 Hz) e de pequena amplitude (Gomes, 2001, p. 18).
Ondas harmoniosas e uniformes (8-12 Hz) estado de relaxamento (Gomes, 2001, p. 18).
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
7
A passagem da viglia para o sono gradual e o acto de adormecer caracteriza-se
pelo surgimento dos movimentos lentos dos olhos (ou SEM: Slow Eye Movements),
ocorrendo assim a entrada na primeira fase do sono (Gaillard, 1994; Gomes, 2001).
As vrias fases do sono so definidas objectivamente atravs de trs registos,
nomeadamente o electroencefalograma (EEG) que regista a actividade elctrica
cerebral, o electromiograma (EMG) para registo da actividade elctrica muscular e o
electroculograma (EOG) para registar o movimento dos olhos (Gomes, 2001, p. 18).
Tendo em considerao que ocorrem alteraes no padro sono-viglia ao longo da vida,
estado de sade e consumo de substncias, usual tomar como referncia o jovem
adulto saudvel para o estudo e caracterizao do sono nocturno (Gomes, 2001). Como
afirmam Rente e Pimentel (2004), o sono NREM dividiu-se em quatro fases de acordo
com as alteraes do EEG e o sono REM no , normalmente, dividido em fases. Esta
diviso do sono em estados e em fases est representada no Quadro 1 (anexo A).
A fase 1 corresponde experincia subjectiva de sonolncia e de
adormecimento (Gomes, 2001, p. 18). O indivduo ainda no sente estar mesmo a
dormir, tem noo dos rudos do ambiente que o rodeia, podendo voltar rapidamente ao
estado de viglia e, por vezes, pode sentir-se como se estivesse a flutuar,
experimentando alguns pensamentos arbitrrios e imagens visuais (as chamadas
alucinaes hipnaggicas) (Gomes, 2001; Madalena, 1979). nesta fase que ocorrem os
movimentos lentos dos olhos detectados pelo EOG (Gomes, 2001). Passados alguns
segundos ou minutos, o EEG detecta uma diminuio gradual do ritmo alfa at
surgirem as chamadas ondas teta (Gomes, 2001, p. 18).
Cerca de quinze minutos depois surge a denominada fase 2, j considerada
como sono propriamente dito (Gomes, 2001, p. 18). Aqui o sono considerado leve,
apesar de j ser mais difcil o indivduo despertar com pequenos rudos e o EEG marca
o surgimento dos complexos K e dos fusos do sono (Gomes, 2001). Os fusos do sono
so surtos breves de ondas de frequncia rpida, com durao entre 0,5 e 3 ou mais
segundos (Rente & Pimentel, 2004, p. 6). De ressalvar que o tempo que decorre entre o
indivduo se preparar para dormir e o aparecimento do primeiro fuso designa-se por
latncia do sono (Gaillard, 1994). Os complexos K, por sua vez, so ondas de grande
amplitude, formadas por uma pequena onda negativa aguda, seguida de um componente
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
8
positivo, com uma durao entre 0,5 e 2 segundos (Gomes, 2001, p. 18). Os fusos e os
complexos K so predominantes nesta fase do sono e podem prolongar-se pela fase 3 e
4, apesar da sua frequncia ir diminuindo gradualmente (Rente & Pimentel, 2004).
Cerca de trinta minutos aps o adormecimento ocorre a fase 3 do sono, j mais
profundo em que se d uma diminuio do ritmo respiratrio e cardaco e baixa a
presso arterial (Madalena, 1979, p. 54). Nesta fase aparecem no EEG as ondas delta,
ondas lentas de grande amplitude que, nesta fase, ocupam menos de 50% do tempo
(Gomes, 2001, p. 18).
A fase 4 consiste num aprofundamento das caractersticas da fase 3 sendo, por
conveno, definida quando se assiste a um predomnio das ondas delta (mais de 50%
do tempo) (Gomes, 2001, p. 20). Aqui verifica-se que as funes vitais baixam
lentamente at ao mnimo e os msculos relaxam (Madalena, 1979, p. 54). As fases 3 e
4 constituem o que se designa por sono lento profundo (sono delta ou sono de ondas
lentas), em que difcil acordar um indivduo, enquanto que as fases 1 e 2 compem o
chamado sono superficial, em que o indivduo desperta mais facilmente (Gomes, 2001;
Rente & Pimentel, 2004).
Tomando ainda em considerao o sono de jovens adultos saudveis, possvel
constatar que, ao longo de uma noite, se verifica uma constante alternncia entre sono
NREM e REM, pelo que a cada conjunto NREM/REM se chama ciclo de sono (Gomes,
2001). Segundo autores como Madalena (1979), Gomes (2001) e Rente e Pimentel
(2004), a durao mdia de um ciclo de sono aproxima-se dos 90 minutos, embora
possa oscilar entre 70 a 120 minutos, de modo que 8 horas de sono - mdia considerada
normal - compreendem cerca de 4-5 ciclos, ou seja, repetem-se por 4 a 5 vezes. Neste
contexto, as duraes NREM e REM, em cada ciclo de sono, variam ao longo do tempo
que o indivduo dorme (Gomes, 2001; Rente & Pimentel, 2004). Globalmente, e como
afirma Gomes (2001) no jovem adulto saudvel:
O sono NREM ocupa 75-80% da noite e o sono REM 20-25%. Quanto s quatro fases NREM,
predomina a fase 2, 45-55%, ao passo que a fase 3 preenche 3-8% do sono e a fase 4 10-15%. O
tempo acordado no ultrapassa por norma os 5%, sucedendo o mesmo com a fase 1. (p. 22)
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
9
Em 2005 foi realizado um estudo com indivduos adultos Portugueses em que se
verificou que 50,6% no esto satisfeitos com o seu sono, 28,1% sofrem de insnia,
mais de 70% referem acordar durante a noite, 16% queixam-se de cansao ao acordar e
11% de sonolncia diurna (Associao Portuguesa do Sono, 2005, para. 2). A Sade
Mental e a Vitalidade foram os aspectos da QDV mais afectados pela m qualidade do
sono relativa s insnias, tornando-se a questo particularmente preocupante quando a
sonolncia diurna atinge nveis que podem pr em causa a segurana do prprio ou dos
que o rodeiam, sendo que um em cada cinco inquiridos afirmaram que com alguma
frequncia esto to sonolentos que possvel adormecerem ao volante (Instituto
Nacional de Sade, 2005, para. 5).
Em 2007 os portugueses gastaram cerca de 80 milhes de euros em medicao
para dormir, valores acima da mdia europeia (Paiva, 2008, p. 11) e mais dados
registam que um tero dos portugueses vive com SDE, o que equivale a cerca de 3
milhes de indivduos (Paiva, 2010).
Em 2010, e assinalando o Dia Mundial do Sono (19 de Maro), a Associao
Portuguesa do Sono realizou um rastreio de rua em vrios pontos do pas, tendo os
participantes respondido Epworth Sleepiness Scale (ESS) (Escala de Sonolncia de
Epworth) em que se verificou elevada frequncia de SDE entre os Portugueses (Paiva,
2010, para. 2). De citar Paiva (2010) ao afirmar que:
Os jovens vo ter problemas se no se fizer nada em relao qualidade do sono e, dentro de
alguns anos, Portugal vai ter um problema gravssimo de sade pblica com o uso de hipnticos
e antidepressivos para compensar a falta de sono. (para. 4)
Esta autora avana que, apesar de ainda no haver dados concretos para 2010,
possvel que os resultados de estudos anteriores como o referido de 2005 tenham
aumentado significativamente devido ao estilo de vida cada vez mais gerador de stress
(Paiva, 2010).
Especificamente em relao ao contexto acadmico, salienta-se Gomes (2001, p.
5), ao afirmar que os estudantes universitrios nem sempre tm uma boa higiene de
sono, facto que merece ateno, uma vez que a higiene do sono - conjunto de regras
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
10
que tendem a proporcionar um sono reparador e contnuo (Centro do Sono, s.d.) -
relaciona-se com as perturbaes do sono, como as insnias, sendo que em alguns
doentes, as insnias so uma consequncia do estilo de vida, em outros, uma m higiene
do sono surge em consequncia de insnias (Attarian, 2001, p. 25).
Neste contexto, mencionam-se algumas regras para uma boa higiene do sono:
no estar tempo excessivo na cama, aumentar o exerccio fsico, retirar os relgios do
quarto, usar actividades de distraco para induzir o sono, no ingerir cafena, evitar a
nicotina e o lcool e seguir um esquema regular e programado de sono-viglia
(Attarian, 2001, p. 32). Constata-se, ento, que manter uma adequada higiene do sono
essencial e deve fazer parte da vida como a higiene do corpo, pois se aquela no se
praticar, o sono no ser reparador, com todas as consequncias negativas que da
advm (Centro do Sono, s.d.).
Analisada a importncia do sono, passar-se-o a descrever situaes que podem
ocorrer quando os indivduos apresentam problemas neste campo, ou seja, quando o
sono no eficaz para o bem-estar dos mesmos.
1.2 Definio e classificaes das perturbaes do sono
As numerosas perturbaes do sono so definidas na literatura em trs principais
sistemas de classificao (Muller & Guimares, 2007), nomeadamente:
1. International Classification of Sleep Disorders - ICSD (Classificao
Internacional de Distrbios do Sono) (American Academy of Sleep Medicine, 2001):
classificao detalhada e mais utilizada pelos profissionais da rea da medicina do
sono (Muller & Guimares, 2007, para. 8), apresentada no Quadro 2 (anexo B);
2. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM-IV-TR
(Manual Diagnstico e Estatstico de Doenas Mentais) (American Psychological
Association [APA], 2000/2002): classificao psiquitrica que organiza as
perturbaes do sono em quatro grandes seces de acordo com a presumvel etiologia
(APA, 2000/2002, p. 597). O quadro 3 (anexo C) apresenta esta organizao das
perturbaes do sono segundo o DSM-IV-TR; e
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
11
3. International Classification of Diseases - ICD - 10 (Classificao
Internacional de Doenas) (The World Health Organization [The WHO], 1992):
classificao utilizada por mdicos em geral publicada pela Organizao Mundial de
Sade (OMS) e visa padronizar a codificao de doenas e outros problemas
relacionados com a sade (Muller & Guimares, 2007, para. 11). A ICD-10 agrupa as
perturbaes do sono em diferentes categorias distinguindo as perturbaes no-
orgnicas do sono e que so apresentadas no quadro 4 (anexo D).
Tanto a ICD-10, como o DSM-IV-TR, ou a ICSD, constituem manuais de
referncia que convergem parcialmente nas classificaes das perturbaes do sono e,
apresentando conhecimentos nesta rea, so instrumentos de trabalho teis para
diagnosticar e codificar estas perturbaes, possibilitando a posterior planificao de
tratamentos (Muller & Guimares, 2007). De salientar que a ICD-10 (1992), consiste
num sistema de codificao oficial e outros documentos e instrumentos clnicos e de
investigao com ele relacionados, sendo que os cdigos e termos fornecidos ao
DSM - IV (1994) so totalmente compatveis tanto com a ICD-9 como com a ICD-10
(APA, 1994/1996, p. 21).
No mbito das perturbaes do sono, tambm possvel verificar relao entre o
DSM e a ICSD, relao esta descrita naquele manual em cada seco das diferentes
perturbaes do sono existentes. O DSM-IV-TR apresenta tambm descrita a relao
com os critrios de diagnstico para investigao da ICD-10 que, por sua vez, apresenta
compatibilidade a nvel dos diagnsticos e cdigos diagnsticos com o manual da ICSD
(Azevedo, Ferreira, Silva, Coelho & Clemente, 1992). Contudo, so manuais
independentes e verificam-se diferenas entre os mesmos no que diz respeito a critrios
de incluso, epidemiolgicos, de diagnstico e interpretao de resultados sobre as
diferentes perturbaes do sono (Muller & Guimares, 2007, para. 13).
Atravs da anlise dos referidos quadros B, C e D, possvel constatar a
existncia de pontos em comum e pontos divergentes a nvel dos tipos de quadros
clnicos considerados e sua organizao em grupos nos trs manuais. Verifica-se maior
nmero de diferenas do que semelhanas, sendo que a ICSD apresenta uma
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
12
classificao das perturbaes do sono mais completa e detalhada que o DSM-IV-TR e
a ICD-10 (Muller & Guimares, 2007).
Tendo em considerao as classificaes de cada um dos referidos manuais,
passa-se a descrever genericamente as perturbaes do sono mais abordadas no presente
estudo, nomeadamente as insnias e hipersnias, segundo a ICSD (American Academy
of Sleep Medicine, 2001), manual que reflecte os avanos no conhecimento das
patologias do sono, constituindo um instrumento eficaz e completo de trabalho para os
profissionais que lidam com as mesmas (Azevedo, Ferreira, Silva, Coelho & Clemente,
1992).
As insnias e hipersnias inserem-se na classificao das perturbaes do sono
referente s dissnias - perturbaes do sono que produzem, ao mesmo tempo,
dificuldades em iniciar ou manter o sono - insnia e/ou sonolncia excessiva -
hipersnia (American Academy of Sleep Medicine, 2001; Rente & Pimentel, 2004) e,
segundo Caballo, Navarro e Sierra (2002, citado por Rios, Peixoto & Senra, 2008, p.
24) constituem as perturbaes de sono mais importantes associadas com o sono
nocturno perturbado ou com a viglia perturbada.
As dissnias so subdivididas em: perturbaes intrnsecas do sono - provocadas
primariamente por factores circunscritos ao organismo (perturbaes mdicas e
psicolgicas que produzem uma perturbao primria do sono so includas aqui);
perturbaes extrnsecas do sono - provocadas por factores externos ao organismo; e
perturbaes do ritmo circadiano do sono - relacionadas com factores cronofisiolgicos
e tempo de sono ao longo das 24h (American Academy of Sleep Medicine, 2001;
Azevedo, Ferreira, Silva, Coelho & Clemente, 1992).
As insnias no se definem pelo tempo total de sono, mas pela incapacidade de
obter um sono de qualidade e durao suficiente para que o indivduo se sinta
recuperado no dia seguinte (Attarian, 2001, p. 23). Existem vrios tipos de insnias,
sendo as psicofisiolgicas as mais frequentes, as insnias tambm podem ser o sintoma
de apresentao de muitas doenas primrias do sono e ser parte de um problema
mdico, psiquitrico ou induzido por drogas (Attarian, 2001, p. 23).
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
13
A insnia considerada a perturbao do sono mais prevalente na populao a
nvel mundial (Passos, Tufik, Santana, Poyares & Mello, 2007) e, de facto, a queixa
mais frequente relacionada com o sono e a segunda causa mais comum (depois das
dores) referidas nos consultrios de clnica geral (Attarian, 2001, p. 23). Tendo em
considerao que ter insnia apresentar dificuldades repetidas para iniciar e/ou
manter o sono (insnia inicial e de manuteno), despertar precoce (insnia terminal) ou
sono no restaurador (Passos, Tufik, Santana, Poyares & Mello, 2007, p. 280), a
insnia considerada ligeira, mdia ou grave em funo da sua durao, frequncia e
intensidade (American Academy of Sleep Medicine, 2001). Assim, a insnia ligeira
descreve uma noite quase completa de quantidade de sono insuficiente ou falta de
sensao de descanso depois do episdio habitual de sono e acompanhada por uma
pequena ou nenhuma evidncia de prejuzo na funcionalidade diurna (American
Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 23). A insnia considerada moderada
caracterizada pelos mesmos sintomas que a anterior, mas aqui j se verificam ao longo
de uma noite completa e originam um mdio ou moderado prejuzo na funcionalidade
diurna (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 23). A insnia severa consiste
nos mesmos sintomas que a anterior, mas que passam a ser acompanhados por um
severo prejuzo na funcionalidade diurna (American Academy of Sleep Medicine,
2001, p. 23). Os trs tipos de gravidade de insnia esto associados a sensaes de
falta de descanso, irritabilidade, ansiedade e fadiga ao longo do dia, agravando-se
consoante se inserem no sentido das insnias ligeiras at s severas (American
Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 23). Em relao sua durao, a insnia deve ser
considerada crnica quando os seus sintomas persistem por um perodo superior a um
ms, ou aguda se estiver directamente associada presena de um factor estressor e no
exceder um perodo superior a trs meses (Passos, Tufik, Santana, Poyares & Mello,
2007, p. 280).
As hipersnias, por sua vez, traduzem a existncia de SDE, abrangendo um
nmero muito varivel de situaes e no obrigando a que haja um nmero total de
horas de sono nas 24 horas (Rente & Pimentel, 2004, p. 57). Assim sendo as queixas
de hipersnia abrangem quer situaes crnicas quer outras temporrias, o que permite
compreender a disparidade de resultados nos estudos epidemiolgicos em relao
queixa de hipersnia, que varia entre 3% e 20% da populao (Rente & Pimentel,
2004, p. 57). Tambm comum um indivduo apresentar em simultneo queixas de
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
14
insnia e hipersnia como resultado de um sono insuficiente ou no-reparador (Rente &
Pimentel, 2004).
A hipersnia considerada ligeira, mdia ou grave em funo da sua durao,
frequncia e intensidade (American Academy of Sleep Medicine, 2001). Assim, a
hipersnia ligeira descreve episdios de sono presentes apenas durante perodos de
descanso ou quando necessrio prestar alguma ateno em determinada situao
(American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 23). So exemplos situaes como
ver televiso, ler um livro enquanto se est deitado, ser passageiro num veculo
(American Academy of Sleep Medicine, 2001, p.23), sendo que os sintomas da
hipersnia ligeira causam um impacto ligeiro a nvel das funes sociais ou
ocupacionais (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p.23). A hipersnia
moderada caracterizada por episdios de sono presentes diariamente e que ocorrem
durante actividades que requerem um moderado nvel de ateno (American Academy
of Sleep Medicine, 2001, p. 23). Por exemplo em situaes como espectadores de
concertos, cinema, teatro, encontros entre grupos (American Academy of Sleep
Medicine, 2001, p. 23), causando moderado impacto a nvel das funes sociais ou
ocupacionais (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 23). J na hipersnia
grave, os episdios de sono esto presentes diariamente em situaes que requerem
ateno considerada de ligeira a moderada (American Academy of Sleep Medicine,
2001, p. 23). So exemplos situaes como comer, contacto pessoal directo, conduzir
veculos e actividades fsicas (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 23). Os
sintomas de hipersnia severa produzem um grave impacto a nvel das funes sociais
ou ocupacionais (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 23), podendo
influenciar a sade geral e, especificamente, as funes cognitivas (Meneses, Ribeiro &
Silva, 2001). A SDE assim uma das principais causas de acidentes de viao e de
trabalho, sendo tambm identificada em situaes clnicas como a hipersnia, apneia do
sono, narcolepsia, depresso e abuso de substncias (Meneses, Ribeiro & Silva, 2001,
p. 10).
No mbito do presente trabalho, no se pretende apresentar uma caracterizao
exaustiva das insnias e hipersnias, mas sim descrever os seus tipos mais frequentes
tendo em considerao os aspectos clnicos mais relevantes, segundo a perspectiva de
Rente e Pimentel (2004) e tendo por base a ICSD.
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
15
Relativamente s insnias, distinguem-se os seguintes tipos:
- Insnia psicofisiolgica ou condicionada - a causa mais frequente de insnia
(Rente & Pimentel, 2004, p. 143). Consiste na incapacidade de adormecer e uma
desordem de tenso somatizada que surge numa altura em que se verificam outros
factores de cariz emocional (como o stress), sendo que aps alguns dias a dormir pouco,
o indivduo fica preocupado e comea a insistir cada vez mais em adormecer, o que
origina um ciclo vicioso em que se d um agravamento das insnias (American
Academy of Sleep Medicine, 2001; Attarian, 2001). Estima-se que cerca de 15% dos
insones so diagnosticados com insnia psicofisiolgica, sendo desconhecida a
verdadeira incidncia na populao geral e a maior parte dos indivduos afectados
corresponde ao sexo feminino (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 30);
- Insnia sem comprovao objectiva ou m percepo do estado de sono - no
existe uma evidncia objectiva da perturbao do sono, mas uma queixa de insnia ou
sonolncia excessiva em que os indivduos podem referir que no dormem h semanas,
meses ou anos (Attarian, 2001, p. 25). No entanto, constatada uma grande
discrepncia entre as queixas e os resultados obtidos pela polisonografia, pois os
indivduos efectivamente dormem vrias horas em cada noite (American Academy of
Sleep Medicine, 2001; Attarian, 2001). Consideram-se vrios factores que podem estar
na base deste tipo de insnia como excessivos pensamentos durante o sono, problemas
psicolgicos, como certas obsesses, sintomas hipocondracos e iluses somticas
(American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 33);
- Insnia idioptica ou de incio na infncia - incapacidade crnica e grave de
adormecer e dormir continuadamente, que pode encontrar-se presente desde as
primeiras semanas de vida (Attarian, 2001, p.24). Este tipo de insnia pode estar
relacionado com uma anomalia do controlo neurolgico do sistema viglia-sono e o
perodo de latncia do sono pode ser muito longo e o sono ser interrompido por muitos
acordares (American Academy of Sleep Medicine, 2001);
- Insnia relacionada com outras perturbaes intrnsecas do sono (sndrome de
apneia obstrutiva do sono, movimentos peridicos do sono, etc.) - a ttulo de exemplo, a
apneia caracterizada por repetidos episdios de obstruo de ar ao respirar durante o
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
16
sono, usualmente associados a uma reduo na saturao de oxignio no sangue
(American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 52). O acto de ressonar est associado
a este tipo de insnia, que se caracteriza por cessao da respirao, apesar dos
movimentos respiratrios, usualmente, se manterem, particularmente nas apneias de
severidade mdia, pois indivduos com apneia de severidade grave podem ter episdios
mais prolongados de parar de respirar que precedem a diminuio dos movimentos
respiratrios. (American Academy of Sleep Medicine, 2001). Aqui a prevalncia,
mais comum na idade adulta e em homens (4%) do que em mulheres (2%)
(American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 55);
- Insnia relacionada com a higiene inadequada do sono - surge como uma
consequncia do estilo de vida ou como uma consequncia de insnias crnicas
(Attarian, 2001, p. 25). Substncias como o lcool e a cafena, excesso de exerccio
fsico antes de deitar, intenso esforo intelectual pela noite fora, so exemplos de
hbitos e comportamentos inconsistentes com os princpios da organizao do sono
(American Academy of Sleep Medicine, 2001). Segundo a ICSD, o paciente com esta
perturbao queixa-se de insnias e/ou sonolncia diurna excessiva (American
Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 76). Apesar da prevalncia desta perturbao no
ser conhecida, considera-se que a causa primria para as perturbaes do sono
(American Academy of Sleep Medicine, 2001);
- Insnia relacionada com factores externos ou ambientais (altitude, alergia
alimentar, etc.) sendo geralmente transitria, pode evoluir para cronicidade ou
insnia psicofisiolgica (Rente & Pimentel, 2004, p. 147). Aqui so includos factores
como rudos, mudanas de clima, altitude (usualmente superior a 4000 m) e tambm
algumas alergias alimentares (como ao leite de vaca) (Rente & Pimentel, 2004);
- Insnia dependente de hipnticos - caracterizada por insnias provocadas pela
paragem abrupta de medicamentos indutores do sono ou ansiolticos utilizados de forma
crnica, uma situao muito comum na prtica clnica, existindo quer de forma
isolada, quer associada a outros tipos de insnia (Rente & Pimentel, 2004, p. 147). A
sua prevalncia desconhecida (American Academy of Sleep Medicine, 2001).
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
17
- Insnia relacionada com drogas ou frmacos - insnias provocadas por drogas
estimulantes, como a cocana, e outras mais comuns, como a cafena. O lcool e o
tabaco provocam uma fragmentao do sono, com aumento dos despertares (Rente &
Pimentel, 2004, p. 147). Relativamente aos frmacos, comum encontrar na prtica
clnica perturbaes do sono induzidas por exemplo por esterides, anti-hipertensores,
frmacos com efeito antiparkinsnico, anti-histamnicos e por vezes alguns
antidepressivos como os inibidores da recaptao da serotonina (Rente & Pimentel,
2004, p. 147). De salientar que o seu uso deve ser sempre clinicamente controlado e
revisto periodicamente (Rente & Pimentel, 2004). A prevalncia deste tipo de insnia
desconhecida (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 112);
- Insnia relacionada com perturbaes do ritmo sono-viglia - pode ocorrer
como uma perturbao extrnseca - insnia de adaptao, em que o indivduo tem de se
adaptar a um novo horrio ou ritmo de sono, como o trabalho nocturno, por turnos, e a
mudana de fusos horrios. Aqui a insnia devida a um desfasamento a nvel do
horrio de sono-viglia condicionado por factores externos (American Academy of
Sleep Medicine, 2001). As perturbaes do ritmo sono-viglia tambm podem resultar
de uma perturbao intrnseca a nvel do padro circadiano sono-viglia endgeno
(Amrica Academy of Sleep Medicine, 2001), como consequncia de uma sndrome da
fase de sono adiantada ou atrasada ou um ritmo de sono-viglia diferente de 24 horas
(Rente & Pimentel, 2004, p. 148). Este tipo de insnia relativamente raro (American
Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 117);
- Insnia causada por doenas mentais, neurolgicas ou outras doenas mdicas
- muito comum, variando a prevalncia de acordo com a doena em questo e pode
ocorrer devido a vrias perturbaes, nomeadamente: mentais - psicoses, perturbaes
do humor (como vrios tipos de depresso e perturbao bipolar), perturbaes da
ansiedade, perturbao de pnico e alcoolismo; neurolgicas - perturbaes
degenerativas cerebrais, demncia, doena de Parkinson, epilepsia, insnia familiar fatal
(sendo esta doena rara), cefaleias relacionadas com o sono e outras (American
Academy of Sleep Medicine, 2001). De destacar tambm as insnias associadas a outras
doenas mdicas doenas endocrinolgicas (como a diabetes), doenas reumticas e
outras (Rente & Pimentel, 2004);
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
18
Quanto s hipersnias, elaborada a seguinte distino:
- Narcolepsia - a causa neurolgica mais frequente de hipersnia e est
associada a cataplexia (episdios breves de sbita perda do tnus muscular bilateral) e
outros fenmenos relacionados com o sono REM, como a paralisia no sono e as
alucinaes hipnaggicas (Rente & Pimentel, 2004, p. 60) e a ICSD (American
Academy of Sleep Medicine, 2001) define-a como:
Uma doena de etiologia desconhecida em que ocorrem episdios repetidos de sestas ou sonos
de curta durao (normalmente de menos de uma hora) em que o paciente dorme durante 10 a 20
minutos e acorda sentindo-se revigorado mas passadas duas ou trs horas volta a sentir sono e a
situao repete-se. (p. 38)
Esta perturbao, segundo a ICSD (American Academy of Sleep Medicine,
2001) verifica-se em:
Situaes em que o cansao comum, como viajar ou tentar estar desperto aps uma noite mal
dormida, mas tambm pode acontecer em situaes em que o sono no comum, como a
realizao de um exame, enquanto se toma uma refeio, a caminhar e a conversar activamente.
(p. 38)
Daqui decorrem consequncias como acidentes rodovirios, acidentes laborais e
em casa, bem como problemas no relacionamento social e dificuldades de aprendizagem
(American Academy of Sleep Medicine, 2001). A prevalncia desta perturbao
mnima: 0,03%-0,16% da populao geral com taxas iguais nas mulheres e nos
homens (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p.40);
- Hipersnia recorrente, segundo a ICSD (American Academy of Sleep
Medicine, 2001) :
Uma desordem caracterizada por episdios recorrentes de hipersnia que normalmente ocorrem
em semanas ou meses separadamente e em que o paciente apresenta queixas de sonolncia
excessiva pelo menos ao longo de 18 horas dirias e pelo menos uma ou duas vezes por ano,
com a durao mnima de 3 dias e mxima de 3 semanas. (p. 43)
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
19
Esta desordem ocorre predominantemente em homens iniciando-se
normalmente na adolescncia (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 43);
- Hipersnia idioptica - caracterizada por uma queixa constante ou
recorrente de sonolncia diurna excessiva, normalmente com episdios com durao de
uma ou mais horas (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 46). O indivduo
que apresenta este tipo de perturbao tem dificuldades em despertar, com perodos de
confuso (subviglia) e, por vezes, dificuldade na coordenao de movimentos, podendo
executar determinadas tarefas automticas ou actos inapropriados de que no se recorda
posteriormente (Rente & Pimentel, 2004, p. 70). Esta perturbao ocorre em cerca de
5%-10% de pacientes que apresentam queixas de sonolncia, sem diferenas entre os
sexos (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 47);
- Hipersnia ps-traumtica - define-se como uma desordem de sonolncia
diurna excessiva, pelo menos durante um ms e que ocorre em resultado de um
acontecimento traumtico a nvel do sistema nervoso central (American Academy of
Sleep Medicine, 2001, p. 49). Exemplos desta situao so Traumatismos Crnio-
Enceflicos e perodos de coma superiores a 24 horas (Rente & Pimentel, 2004, p. 81)
que podem provocar alteraes dos padres de sono que o paciente apresentava pr-
trauma, sendo que a durao do episdio maior de sono pode ser prolongada
comparativamente ao episdio antecedente (American Academy of Sleep Medicine,
2001, p. 49);
- Sndrome da apneia obstrutiva do sono - caracterizada por repetidos
episdios de interrupo, durante o sono, do fluxo oro-nasal, por um perodo igual ou
superior a dez segundos, normalmente associado a uma reduo na saturao de
oxignio no sangue (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 52). Segundo
Rente e Pimentel (2004, p. 87) a ausncia do fluxo areo deve-se ocluso total da
faringe durante o sono mas os movimentos respiratrios toraco-abdominais esto
mantidos. Para alm da apneia obstrutiva, a ICSD (American Academy of Sleep
Medicine, 2001)
distingue a apneia central (que tambm pode coexistir em doentes com apneia
obstrutiva) em que o indivduo pra igualmente de respirar em mdia por um perodo
igual ou superior a dez segundos, mas em que aqui se verifica inclusivamente uma
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
20
ausncia de movimentos respiratrios (toraco-abdominais). O acto de ressonar
intensamente um sintoma frequente das apneias (American Academy of Sleep
Medicine, 2001; Rente & Pimentel, 2004) e a SDE o principal sintoma diurno
estando presente em cerca de 80%-100% dos doentes, que resulta na maior parte das
vezes de uma fragmentao do sono e diminuio do sono lento profundo (fases 3 e 4 e
sono REM) (Rente & Pimentel, 2004, p. 96). A apneia obstrutiva do sono tem uma
prevalncia entre 1%-7% da populao adulta, sendo de 4% no sexo masculino e 2%
no sexo feminino. Pode ocorrer em qualquer grupo etrio mas mais frequente entre os
40-60 anos (American Academy of Sleep Medicine, 2001, p. 55), salientando-se que
em Portugal, at ao momento actual, no existem estudos epidemiolgicos, mas os
nmeros no so diferentes dos registados pela American Academy of Sleep Medicine
(Rente e & Pimentel, 2004, p. 87).
Focando agora as caractersticas da amostra do presente estudo, segue-se uma
apresentao de algumas investigaes na rea do sono e suas perturbaes, que permite
vislumbrar este contexto entre os estudantes do ensino superior.
1.3 Perturbaes do sono em estudantes universitrios
Efectuando uma reviso da literatura, possvel encontrar estudos empricos na
rea do sono dos estudantes universitrios, alguns dos quais se passam a apresentar.
Means, Lichstein, Epperson e Johnson (2000) avaliaram 118 estudantes da
Universidade de Memphis (E.U.A.) com uma mdia de idades de 20 anos, em que 57
apresentavam insnia e 61 no tinham queixas de insnia (grupo de controlo). Os
estudantes responderam Insomnia Impact Scale (IIS), Dysfunctional Beliefs and
Attitudes About Sleep Scale (DBAS), Epworth Sleepiness Scale (ESS), Fatigue
Severity Scale (FSS) and Penn State Worry Questionnaire (PSWQ). Os estudantes com
insnia apresentaram: menos nveis de energia, menor ateno nas aulas, e ausncia de
boa disposio.
Um estudo longitudinal sobre a relao entre aspectos do sono durante os anos
passados na universidade e a depresso clnica e mal-estar psiquitrico nos anos
subsequentes registou que de entre 1053 indivduos do sexo masculino que, dos anos
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
21
1948 a 1964 frequentaram a Escola Mdica da Universidade de Johns Hopkins, 101
desenvolveram depresso clnica durante um perodo de follow-up de 34 anos (Chang,
Ford, Mead, Cooper-Patrick & Klag, 1997, para. 3). O risco de desenvolver depresso
foi superior nos indivduos que apresentaram insnia durante a frequncia universitria
bem como nos que tinham dificuldades em dormir em situaes de stress e nos que
demonstraram pobre qualidade de sono, dormindo menos de 7 horas.
Danda, Ferreira, Azenha, Souza e Bastos (2005) avaliaram 410 estudantes
(46,8% mulheres) com uma mdia de idades de 21,73 anos, do 3. ano do curso de
Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (Brasil), recorrendo ESS e
verificaram que:
O ciclo sono-viglia da populao estudada foi irregular, com aumento estatisticamente
significativo das horas de sono nos fins-de-semana, em comparao com os dias da semana,
reflectindo uma privao do sono nos dias de semana e tendo-se verificado uma alta prevalncia
de Sonolncia Diurna Excessiva SDE (39,26%). (p. 106)
Um estudo de Rodrigues, Viegas, Silva e Tavares (2002), avaliou 172 estudantes
do 3. ano do curso de Medicina da Universidade de Braslia (Brasil) recorrendo ESS
no incio e no final do semestre lectivo e anlise das notas mdias destes estudantes.
Os resultados revelaram sonolncia diurna excessiva desde o incio do semestre em
39,53% dos alunos e, nos restantes, observou-se sonolncia diurna crescente no decorrer
do semestre, tendo-se observado tambm que os estudantes mais sonolentos
apresentaram pior desempenho acadmico (Rodrigues, Viegas, Silva e Tavares, 2002,
para. 10). Este estudo alertou para o risco da sonolncia diurna excessiva como factor
despoletador de mau humor e estados depressivos entre estudantes universitrios e
populao em geral (Rodrigues, Viegas, Silva & Tavares, 2002, para. 11).
Estrella, Bentez, Rodrguez e Sandoval (2005) avaliaram 638 estudantes
universitrios da Universidade de Yucatan, Mxico (53% mulheres) com uma mdia de
idades de 22 anos, aplicando a ESS. Na amostra, 31,6% apresentava um elevado nvel
de sonolncia diurna e estudantes com sintomas depressivos tinham altos ndices de
sonolncia durante as aulas, percepo da qualidade do sono pobre, dificuldades em
adormecer e manter o sono.
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
22
Num estudo de Morales, Flores, Meneses, Figueiras e Guerrero (2005) foi
aplicada a ESS a 64 estudantes (62,5% mulheres) com uma mdia de idades de 22 anos,
do curso de Psicologia da Universidade Nacional Autnoma do Mxico. Constatou-se
que a presena de sonolncia diurna excessiva estava relacionada com um significativo
estado alterado e negativo de humor, sendo necessrios cuidados no impacto negativo
da sonolncia na sade dos estudantes universitrios (Morales, Flores, Castao,
Figueiras & Guerrero, 2005, p. 9).
Schneider (2009) recorreu ESS num estudo com 372 estudantes (66,7%
mulheres) com uma mdia de idades de 21,6 anos, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (Brasil) e os resultados revelaram SDE em 39,5% dos estudantes com
prejuzos para a sade fsica e mental dos mesmos.
Kang e Chen (2009) realizaram um estudo com 160 estudantes universitrios
(49,3% mulheres) com uma mdia de idades de 22 anos, de uma Universidade de
Taiwan, aplicando a ESS. Constataram uma relao entre a elevada prevalncia de
horrios irregulares de dormir e a qualidade pobre do sono (33,8%), o que resultou
tambm em SDE (14,4%) e cansao (37,5%).
Reid e Baker (2005) avaliaram 986 estudantes universitrios (53% mulheres)
com uma mdia de idades de 21 anos, da Universidade de frica do Sul, tendo utilizado
a ESS. Reid & Baker (2005) concluram que:
A qualidade do sono e sonolncia diurna no foram influenciados pelo gnero ou etnia, 2%
relatou que adormeceu ao volante, 18% apresentou pobre qualidade do sono, 44% tinha elevada
tendncia para sonolncia diurna excessiva e apenas 4% consultaram um mdico devido a
problemas do sono. (p. 286)
Estes autores apelaram necessidade dos estudantes estarem informados sobre
problemas do sono e suas consequncias e terem ajuda de profissionais como
psiclogos e mdicos neste contexto (Reid & Baker, 2005, p. 287).
Carvalho, Ferraz e Silva (2007) realizaram um estudo com 48 estudantes do 3.
ano dos cursos de Fisioterapia e de Educao Fsica da Faculdade de Minas de Muria-
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
23
MG (Brasil), utilizando um questionrio composto por 17 perguntas fechadas sobre o
estado do sono e hbitos relacionados. A maioria dos estudantes apresentava algum
dfice quanto qualidade do sono: 45,84 obteve dbito de sono leve, 37,5% com
dbito de sono moderado, 12,5% um dbito de sono grave e apenas 4,16% foram
classificados como sono normal (Carvalho, Ferraz & Silva, 2007, p. 75).
Almondes e Arajo (2003) avaliaram 37 estudantes universitrios com uma
mdia de idades de 21 anos, de uma turma do 2. ano do Curso de Medicina da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil). Utilizaram um questionrio
sociodemogrfico, o ndice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (IQSP), o Inventrio de
Estado e Trao de Ansiedade (IDATE) e um questionrio para identificao do
cronotipo. Verificou-se relao entre o ciclo sono-viglia e a ansiedade, tendo Almondes
& Arajo (2003) concludo que:
38,9% dos estudantes: apresentava m qualidade do sono associada com privao do sono e
irregularidade do ciclo sono sono-viglia, altos scores de estado e trao de ansiedade,
nomeadamente os que tinham maior score de trao de ansiedade acordavam mais cedo nos dias
de semana e fins-de-semana, enquanto que os que apresentavam irregularidade do ciclo sono-
viglia tinham maior estado de ansiedade. (p. 39)
Um estudo de Anderson (2007) avaliou 26 estudantes universitrios com uma
faixa etria dos 23 aos 30 anos, divididos em dois grupos com nmeros iguais de
homens e mulheres, sendo que um grupo ficou acordado durante aproximadamente 35
horas (um dia, uma noite e o dia seguinte), enquanto o grupo de controlo ficou acordado
em ambos os dias mas dormiu normalmente em casa durante a noite. No fim do
segundo dia ambos os grupos visualizaram 100 imagens que variavam de
emocionalmente neutras a altamente perturbadoras enquanto faziam ressonncia
magntica funcional (Anderson, 2007, para. 5). Verificou-se associao entre privao
do sono e instabilidade emocional (determinados padres psiquitricos patolgicos,
mesmo em pacientes saudveis), tendo Anderson (2007) encontrado:
Diferenas significativas nos crebros do grupo privado de sono quando foram expostos s
imagens negativas e em vez de o crebro ser entorpecido ou suprimido na sua actividade ao ficar
privado de sono, os centros emocionais profundos do crebro foram cerca de 60% mais
reactivos. (para. 6)
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
24
Pizo e Martino (2005) elaboraram um estudo com 109 alunos com e sem o
estatuto de trabalhadores estudantes, do 1.. ao 4.. ano do curso de Enfermagem da
Universidade Estadual de Campinas (Brasil) com uma mdia de idades de 22 anos, que
preencheram um dirio de sono de 15 dias para avaliao do ciclo sono-viglia. Os
estudantes dormiam menos do que as 8 horas de sono consideradas ideias por noite,
independentemente do dia da semana; os trabalhadores-estudantes dormiam menos
horas; no fim-de-semana os horrios de acordar e deitar eram mais tardios e a
quantidade e qualidade de sono melhor que ao longo da semana, em que os estudantes
se deitavam tarde e acordavam cedo, apresentando um sono nocturno de baixa
qualidade e sensao de cansao ao acordar (Pizo & Martino, 2005).
No que diz respeito realidade Portuguesa, revelou-se escassa a produo de
estudos neste contexto3. Deste modo, pode-se apenas presumir que os resultados so
semelhantes aos dos estudos realizados noutros pases, o que corroborado pelos que se
seguem.
Na investigao de Gomes, Tavares e Azevedo (2009, p. 547), com estudantes
da Universidade de Aveiro, sendo a amostra constituda por 1654 estudantes (55%
mulheres), dos 1. aos 3. anos, representativa de 50% dos cursos da Universidade, os
alunos responderam a questionrios de auto-resposta desenvolvidos para o levantamento
de hbitos de sono de estudantes da Universidade de Aveiro. Gomes, Tavares e
Azevedo (2009) verificaram que:
Tanto a obteno de sono suficiente como uma boa qualidade de sono em tempo de aulas
mostraram-se significativamente associadas, quer a medidas de bem-estar percebido (menor
sonolncia diurna e melhores nveis de humor, vigor e funcionamento cognitivo em aspectos
como a ateno e a concentrao, por exemplo), quer s classificaes alcanadas no final de
semestre. (p. 551)
3 Motores de busca cientfica como a Medline, B-on, Scielo, Eric e Ebsco foram pesquisados para recolha
de artigos originais e foi igualmente consultado material de outras fontes de organismos nacionais (como
livros ou dissertaes de mestrado e teses de doutoramento). Estas dificuldades na pesquisa da
bibliografia portuguesa prendem-se com a indexao em bases de dados nacionais ser incompleta e haver
um grande nmero de publicaes sem peer-review e de edio voltil (Gusmo, Xavier, Heitor, Bento &
Caldas de Almeida, 2005), pelo que possvel existirem estudos nacionais no contemplados nesta
reviso.
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
25
Lopes (2010, citado por Santos, 2010) avaliou 754 estudantes da Universidade
do Minho atravs de um questionrio online e verificou que 64,8% dos estudantes
apresentaram m qualidade do sono e 38% consideravam que a sua qualidade era m
ou muito m, sendo que apenas 10% referiram j ter recorrido a ajuda especializada
(Santos, 2010). Encontrou-se relao entre a qualidade do sono, o consumo de tabaco e
bebidas com cafena, o grau de satisfao com as classificaes acadmicas e com a
adaptao s exigncias do curso, no sentido em que quanto menor a qualidade do sono,
maior o consumo das referidas substncias e menor a satisfao nas outras situaes.
de sublinhar a importncia de incidir na investigao nesta rea do sono de
estudantes universitrios tambm para colmatar a aparente escassez de estudos prvios.
Neste sentido existe uma diversidade de tcnicas de avaliao disponvel, tanto a nvel
de questionrios especficos (avaliao da qualidade do sono, hipersnia, perturbaes
respiratrias do sono e ritmo sono-viglia) como de registos/dirios do sono e/ou
mtodos laboratoriais (polissonografia, pupilografia, actigrafia, teste mltiplo de
latncia do sono, etc.) (Centro do Sono, s.d; Togeiro & Smith, 2005).
Neste primeiro captulo foi analisado o sono, suas classificaes e perturbaes
focando o contexto dos estudantes universitrios, em que foi possvel constatar a
prevalncia de problemas do sono. Segue-se agora a anlise das perturbaes afectivas
de modo a compreender a sua importncia no mbito do presente estudo.
Captulo II Perturbaes afectivas
2.1 Importncia, definio e classificaes das perturbaes afectivas
Ansiedade e depresso so as perturbaes mentais mais comuns que levam as
pessoas a procurar ajuda teraputica (Vaccarino, Evans, Terrence & Amir, 2008, p.
1006).
Ao longo dos tempos possvel verificar que ansiedade e depresso,
consideradas dimenses afectivas negativas, so importantes tanto a nvel terico como
a nvel da sade mental, assumindo-se como dimenses chave na psicologia e
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
26
psicopatologia (Pais-Ribeiro, Honrado & Leal, 2004). Aqui so constituintes
determinantes de um grande leque de doenas mentais (Pais-Ribeiro, Honrado & Leal,
2004, p. 230) e, neste contexto, a importncia de identificar e caracterizar estas
perturbaes afectivas reflecte precisamente a sua importncia na investigao e prtica
clnicas.
A afectividade uma dimenso fundamental de toda a vida psicolgica humana,
sendo as emoes e os sentimentos o regente primordial da aco dos indivduos atravs
de um plano externo, muitas vezes observvel e traduzido em comportamentos e
interno, assumindo um vivenciar prprio que influencia o mundo psicolgico de cada
indivduo (Meireles & Cameiro, 2005). Meireles e Cameiro (2005, p. 2) defendem
que na articulao desta duplicidade, que podemos encontrar uma afectividade
patolgica pois, tal como outras dimenses da natureza humana, tambm a afectividade
pode ser disfuncional e desadaptativa. Neste contexto, em manuais como o
DSM-IV-TR (APA, 2000/2002) esto categorizadas as Perturbaes da Ansiedade e as
Perturbaes Depressivas (Meireles & Cameiro, 2005).
A ansiedade, estado emocional inerente ao ser humano, um mecanismo
adaptativo que permite ao organismo accionar mecanismos de defesa perante situaes
que representem uma ameaa ou um perigo real externo ou interno para o indivduo ou
que seja interpretado como tal (Golberg & Huxley, 1996; Neto, Gauer & Furtado,
2003). Este estado emocional apresenta uma componente psicolgica fortemente
influenciada pela personalidade e mecanismos de defesa e uma componente somtica
manifestada por estado de alerta e vigilncia aumentadas, alteraes na frequncia
cardaca e presso arterial (Neto, Gauer & Furtado, 2003, p. 650).
Sob o ponto de vista orgnico e fisiolgico, o organismo reage atravs da
ansiedade para se proteger de sensaes como estmulos novos, estmulos punitivos e
medos inatos (Oliveira, 2005). Sob o ponto de vista neurolgico, a ansiedade gerada
pela hiperactividade do hipocampo que envia o estmulo amgdala, ao septo, ao
sistema lmbico em geral e ao crtex, activando o sistema septo-hipocampal (Oliveira,
2005, p. 169).
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
27
possvel distinguir entre ansiedade estado e ansiedade trao, sendo que o
estado de ansiedade transitrio e caracteriza-se por sentimentos desagradveis de
tenso conscientemente percebidos e por um aumento na actividade do sistema nervoso
autnomo, enquanto que o trao de ansiedade se refere a caractersticas individuais
relativamente estveis na propenso ansiedade (Marturano, Linhares & Loureiro,
2004, p. 26).
Mas se a ansiedade normal e necessria, pode-se questionar o que a
ansiedade patolgica. A ansiedade como sintoma representa um contnuo desde a
emoo normal at ansiedade patolgica, a qual ultrapassa os limites adaptativos,
afectando de forma negativa, o funcionamento do indivduo (Haggstram, 2003, p.
181). Distingue-se ansiedade normal da patolgica pela sua severidade, persistncia,
associao a eventos neutros ou prejuzo significativo no funcionamento bio-psico-
social do indivduo (Hallstrom & Mcclure, 2000; Neto, Gauer & Furtado, 2003). Existe
assim uma perturbao de ansiedade quando esta se apresenta sem causa definida, de
forma exacerbada e contnua, sendo extremamente desagradvel e desgastante para o
indivduo, com repercusses em reas de vida importantes (profissionais, sociais, etc.)
(Haggstram, 2003).
De entre todas as perturbaes psicolgicas, as de ansiedade so as mais
frequentes, sendo que se tem verificado um aumento ao longo do tempo do nmero de
pessoas com este tipo de perturbao por todo o mundo (Kasper, Boer & Sitsen, 2003;
Schneier, 1997, p. 160), incluindo estudantes universitrios (Baez, 2005). Aqui o
impacto revela-se sobretudo nas actividades acadmicas (diminuio do rendimento
intelectual e do sucesso escolar) e sociais (reduo das aptides no relacionamentos com
os pares, familiares, etc.) (Baez, 2005).
Existem dois principais sistemas de classificao de perturbaes de ansiedade:
a ICD-10 e o DSM-IV-TR (j anteriormente referidos) e, neste mbito, a Tabela 1
apresenta os principais grupos de diagnstico destes manuais.
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
28
Tabela 1: Categorias de diagnstico de perturbaes da ansiedade segundo o DSM-IV-TR e a ICD-
10 (Hallstrom & Mcclure, 2000, p. 15)
DSM-IV-TR ICD-10
Agorafobia
Ataque de Pnico
Perturbao de Pnico sem Perturbao de Pnico
Agorafobia
Perturbao de Pnico com Agorafobia com Pnico
Agorafobia
Agorafobia sem Histria de
Perturbao de Pnico
Perturbao da Ansiedade Perturbao da Ansiedade
Generalizada Generalizada
Fobia Social Fobia Social
Fobia Especfica Fobia Especfica
Perturbao Obsessivo-Compulsiva Perturbao Obsessivo-Compulsiva
Perturbao Ps-Stress Traumtico Perturbao Ps-Stress Traumtico
Perturbao Mista de Ansiedade e
Depresso
Neurastenia
Sndrome de Despersonalizao-
-Desrealizao
Perturbao Somatoforme Perturbao Somatoforme
Perturbao Aguda de Stress
Perturbao da Ansiedade Secundria
a um Estado Fsico Geral
Perturbao da Ansiedade Induzida por
Substncias
Perturbao da Ansiedade de Separao Ansiedade de Separao
Perturbao da Ansiedade sem Outra Perturbao da Ansiedade sem Outra
Especificao Especificao
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
29
Sendo o DSM-IV-TR, a principal referncia de diagnstico para os profissionais
de sade mental em contextos diferentes de interveno (APA, 2000/2002), passa-se a
descrever genericamente os quadros sub-clnicos das perturbaes de ansiedade
segundo este manual. Estas perturbaes tm em comum consequncias negativas a
nvel do funcionamento dos indivduos, na medida em que interferem
significativamente com as rotinas normais da pessoa, funcionamento ocupacional (ou
acadmico) ou com os relacionamentos ou actividades sociais (APA, 2000/2002, p.
463).
Um Ataque de Pnico ocorre no contexto de qualquer perturbao da ansiedade,
bem como de outras perturbaes mentais (como perturbaes do humor) e por alguns
estados fsicos gerais (como cardacos) e um perodo discreto no qual se inicia de
modo sbito uma intensa apreenso, medo ou terror, frequentemente associados com
sensaes de catstrofe iminente (APA, 2000/2002, p. 429). Durante estes ataques -
que atingem o seu pico num perodo de 10 minutos - esto presentes sintomas como
falta de ar, palpitaes, desconforto ou dor no peito, sensaes de sufoco e medo de
enlouquecer ou de perder o controlo (APA, 2000/2002, p. 429).
A Agorafobia define-se como a ansiedade ou evitamento de lugares ou
situaes nos quais a fuga pode ser difcil (ou embaraosa) ou nos quais possa no ter
ajuda no caso de ter um ataque de pnico ou sintomas semelhantes ao pnico (APA,
2000/2002, p. 429).
A Perturbao de Pnico sem Agorafobia (APA, 2000/2002) caracterizada por:
Ataques de pnico inesperados e recorrentes pelo menos ao longo de um ms acerca dos
quais existe uma preocupao persistente sobre ter novos ataques, as consequncias dos mesmos
e/ou uma alterao significativa no comportamento relacionado com os ataques. (p. 440)
Por sua vez, a Perturbao de Pnico com Agorafobia caracterizada da mesma
forma mais agorafobia (APA, 2000). Em amostras comunitrias, a prevalncia desta
perturbao (com e sem agorafobia) atinge os 3,5% e em amostras clnicas varia entre
10% e 30%, podendo chegar aos 60% nos servios de cardiologia (APA, 2000/2002).
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
30
A Agorafobia sem Histria de Perturbao de Pnico consiste na presena de
agorafobia e de sintomas semelhantes ao pnico (por exemplo tonturas ou diarreia), sem
histria de ataques de pnico inesperados (APA, 2000/2002, p. 429). Este tipo de
perturbao em amostras epidemiolgicas tem sido descrito como mais elevada do que a
Perturbao de Pnico com Agorafobia (APA, 2000/2002).
A Fobia Especfica caracterizada por ansiedade clinicamente significativa
que pode ter a forma de um ataque de pnico situacional e medo acentuado e
persistente que excessivo ou irracional provocados pela exposio a uma situao ou
objecto temido, que frequentemente conduz ao comportamento de evitamento (APA,
2000/2002, p. 429). A Fobia Especfica apresenta os seguintes subtipos (para indicar o
foco de medo ou do evitamento): animal, ambiente natural, sangue-injeces-
ferimentos, situacional, e outro tipo (outro estmulo) (APA, 2000/2002). Segundo o
DSM-IV-TR (APA, 2000/2002) as fobias so comuns na populao em geral mas de
salientar que, por sua vez:
Raramente resultam em mal-estar ou deficincia suficientes para justificar o diagnstico de fobia
especfica. Na comunidade a prevalncia relatada ao longo de um ano varia entre 4% e 8,8% e as
taxas ao longo da vida variam de 7,2% a 11,3%, declinando nos idosos. (p. 447)
A Fobia Social define-se como ansiedade clinicamente significativa que pode
ter a forma de um ataque de pnico situacional provocada pela exposio a certos
tipos de situaes sociais ou de desempenho que frequentemente conduzem ao
comportamento de evitamento (APA, 2000/2002, p. 429). Segundo este manual, a
prevalncia ao longo da vida varia de 3% a 13% e a maioria dos sujeitos com fobia
social tem medo de falar em pblico (APA, 2000/2002, p. 453).
A Perturbao Obsessivo-Compulsiva caracterizada por obsesses
(pensamentos, impulsos ou imagens que causam mal-estar ou ansiedade) e/ou
compulses (comportamentos repetitivos que servem para neutralizar a ansiedade)
(APA, 2000/2002, p. 429). As obsesses ou compulses provocam forte mal-estar e
consomem tempo (mais de 1 hora por dia) (APA, 2000/2002, p. 463). A prevalncia
ao longo da vida de 2,5% e a um ano de 0,5% a 2,1% nos adultos, sendo inferior
nas crianas e adolescentes (APA, 2000/2002, p. 460).
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
31
A Perturbao Ps-Stress Traumtico consiste na reexperincia de um
acontecimento extremamente traumtico acompanhado por sintomas de activao
aumentada com durao superior a 1 ms e pelo evitamento dos estmulos
associados com o trauma (APA, 2000/2002, p. 429). Cerca de 8% da populao adulta
dos E.U.A. apresenta esta perturbao, no existindo dados sobre a populao noutros
pases (APA, 2000/2002).
A Perturbao Aguda de Stress define-se como sintomas semelhantes aos da
perturbao ps-stress traumtico que ocorrem imediatamente como consequncia de
um evento extremamente traumtico (APA, 2000/2002, p. 429). A perturbao dura
no mnimo 2 dias e no mximo 4 semanas e ocorre nas 4 semanas a seguir ao
acontecimento traumtico (APA, 2000/2002, p. 472). A prevalncia na populao em
geral desconhecida, em indivduos expostos a traumas graves (como encontrar-se
num acidente de viao ou fazer parte de um grupo de pessoas objecto de tiroteio), as
taxas variam de 14% a 33% (APA, 2000/2002, p. 470).
A Perturbao da Ansiedade Generalizada caracterizada por pelo menos 6
meses de ansiedade e preocupao persistentes e excessivas acerca de um nmero de
acontecimentos ou actividades (tais como o trabalho ou o desempenho escolar) (APA,
2000/2002, p. 476). Esto presentes sintomas como agitao, nervosismo, fadiga fcil,
dificuldades de concentrao ou mente vazia, irritabilidade, tenso muscular e
perturbaes no sono (APA, 2000/2002 p. 476). A prevalncia ao longo de 1 ano de
3% e ao longo da vida de 5% (APA, 2000/2002, p. 474).
A Perturbao da Ansiedade Secundria a um Estado Fsico Geral consiste em
sintomas de ansiedade, ataques de pnico, obsesses ou compulses proeminentes que
so considerados uma consequncia fisiolgica directa de um estado fsico geral (APA,
2000/2002, p. 429). As taxas de prevalncia so iguais s da Perturbao da Ansiedade
Generalizada (APA, 2000/2002).
A Perturbao da Ansiedade Induzida por Substncias define-se como sintomas
de ansiedade, ataques de pnico, obsesses ou compulses proeminentes que so
considerados uma consequncia fisiolgica directa do abuso de drogas, medicamentos
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
32
ou exposio a txicos (APA, 2000/2002, p. 429). A prevalncia na populao em
geral desconhecida (APA, 2000/2002).
A Perturbao da Ansiedade de Separao (da categoria de Outras Perturbaes
da Infncia ou Adolescncia) (APA, 2000/2002; The WHO, 1992) tem incio antes dos
18 anos de idade e caracteriza-se pela ansiedade excessiva relativamente separao de
casa ou das figuras de vinculao, sendo este tipo de ansiedade no adequado ao nvel
de desenvolvimento e que persiste, no mnimo por 4 semanas causando sofrimento
intenso e prejuzos significativos em diferentes reas da vida das crianas e
adolescentes (APA, 2000/2002, p. 482). A prevalncia de 4% (APA, 2000/2002).
A Perturbao da Ansiedade sem Outra Especificao includa para codificar
as perturbaes com ansiedade ou evitamento fbico proeminentes que no preenchem
os critrios de nenhuma Perturbao da Ansiedade (APA, 2000/2002, p. 430). Os
exemplos incluem: perturbao mista de ansiedade e depresso, sintomas de fobia social
relacionados com o impacto social de ter um estado fsico geral ou uma perturbao
mental, situaes graves com diagnstico de perturbao da ansiedade mas em que o
indivduo no consegue descrever um nmero suficiente de sintomas para efectivamente
diagnosticar esta perturbao e situaes em que no possvel determinar se a
perturbao da ansiedade primria, provocada por um estado fsico geral ou induzida
por substncias (APA, 2000/2002).
Assim como a ansiedade, tambm a depresso um quadro clnico de elevada
prevalncia na populao geral, sendo que vrios estudos em diferentes pases
confirmam este facto (Bastos, Mohallem & Farah, 2008; Fleck et al., 2002; Gameiro et
al., 2008). O termo depresso deriva do latim deprimere, que significa fazer descer, ir
para baixo (Horimoto, Ayache, & Souza, 2005, p. 20) e esta provavelmente a mais
antiga doena psiquitrica, sendo que o conceito de melancolia (blis negra) remonta ao
sculo IV a.C., especificamente aos textos de Hipcrates (Hallstrom & Mcclure, 1999;
Ruiloba & Ferrer, 2000). possvel considerar que a depresso uma doena que
afecta o sistema nervoso central, interferindo na emoo, percepo, pensamento e
comportamento do indivduo, causando grande sofrimento emocional e prejuzos para
vida pessoal, social e profissional (Fleck et al., 2003, p. 115).
Correlatos da Qualidade de Vida de Estudantes Universitrios
33
Na definio de depresso importa compreender que a tristeza um estado
universal de desnimo ou frustrao em relao a algum ou a algo, e que funciona
como resposta s situaes que causam sofrim