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CN EM SÉRIE Corrupção MARTINA CAVALCANTI [email protected] 18 Cidade Nova • Setembro 2015 • nº 9 Tudo sob controle? ÓRGÃOS DE CONTROLE Na última reportagem da série sobre corrupção no Brasil, Cidade Nova tenta responder à pergunta: a atuação da Polícia federal, do Ministério Público e da Corregedoria-Geral da União pode ser mais efetiva no combate às irregularidades? Brasil ocupa o 72º lugar en- tre os países mais corruptos do mundo, de acordo com ranking da ONG Transpa- rência Internacional, em classifica- ção que abarca 175 países. O país ficou com nota vermelha na avalia- ção: 4,2 numa escala de 0 a 10. Já o prejuízo econômico com a corrupção pode chegar aos R$ 69 bilhões por ano, o que equivale a 2,3% do PIB brasileiro, segundo es- timativas de 2010 da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A corrupção afeta o nível de in- vestimento na economia e gera im- pactos negativos em áreas cruciais para o desenvolvimento, como edu- cação, saúde, habitação e infraestru- tura. Em tempos de contenção de despesas devido à crise econômica, o combate à corrupção se faz ainda mais urgente. Além da delação premiada e das Comissões Parlamentares de Inqué- rito (CPIs), temas das duas reporta- gens anteriores desta série, órgãos de controle como Polícia Federal (PF), Ministério Público (MP), Po- der Judiciário, Tribunais de Con- tas e Corregedoria-Geral da União (CGU) são imprescindíveis no com- bate a ações irregulares na esfera pública. E eles têm se destacado nos casos mais recentes de corrupção. Compartilhamento A Operação Lava Jato, que in- vestiga irregularidades geradoras de prejuízo superior a R$ 6 bilhões à Petrobras, é tocada por uma força- -tarefa composta por PF, MP e Ju- diciário. A ação conjunta tem dado celeridade às investigações e aos processos judiciais. Até o fechamen- to desta edição R$ 500 milhões já haviam sido recuperados. Na força-tarefa, as funções de cada órgão se complementam. En- quanto a Polícia Federal investiga e deflagra operações com mandados de busca e prisão emitidos pela Jus- tiça, o Ministério Público entra com ações contra os beneficiários do es- quema, que serão posteriormente julgados – e eventualmente conde- nados – pela Justiça. “Com a constituição da força- -tarefa vários órgãos trabalham juntos ao invés de ficar brigando e sonegando informação porque [um] quer faturar sozinho o caso. Se a investigação for bem feita, todo mundo será reconhecido”, afirma o professor de Ciências Sociais da PUC-Rio, Ricardo Ismael. Outro exemplo de parceria é a realização de 14 operações integra- das entre CGU, PF, MP e Receita Federal no primeiro semestre deste ano. As investigações permitiram identificar desvios de recursos pú- blicos no valor de R$ 37 milhões entre fraudes em licitações e contra- tos, além de sobrepreço e superfatu- ramento na execução de programas de governo. A CGU é responsável pelo con- trole interno dos órgãos públicos, relacionando-se diretamente com O

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Órgãos de controle - Na última reportagem da série sobre corrupção no Brasil, Cidade Nova tenta responder à pergunta: a atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e da Corregedoria-Geral da União pode ser mais efetiva no combate às irregularidades?

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18 Cidade Nova • Setembro 2015 • nº 9

Tudo sob controle?ÓRGÃoS de conTRole Na última reportagem da série sobre corrupção no Brasil, Cidade Nova tenta responder à pergunta: a atuação da Polícia federal, do Ministério Público e da Corregedoria-Geral da União pode ser mais efetiva no combate às irregularidades?

Brasil ocupa o 72º lugar en-tre os países mais corruptos do mundo, de acordo com ranking da ONG Transpa-

rência Internacional, em classifica-ção que abarca 175 países. O país ficou com nota vermelha na avalia-ção: 4,2 numa escala de 0 a 10.

Já o prejuízo econômico com a corrupção pode chegar aos R$ 69 bilhões por ano, o que equivale a 2,3% do PIB brasileiro, segundo es-timativas de 2010 da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

A corrupção afeta o nível de in-vestimento na economia e gera im-pactos negativos em áreas cruciais para o desenvolvimento, como edu-cação, saúde, habitação e infraestru-tura. Em tempos de contenção de despesas devido à crise econômica, o combate à corrupção se faz ainda mais urgente.

Além da delação premiada e das Comissões Parlamentares de Inqué-rito (CPIs), temas das duas reporta-gens anteriores desta série, órgãos de controle como Polícia Federal (PF), Ministério Público (MP), Po-der Judiciário, Tribunais de Con-tas e Corregedoria-Geral da União (CGU) são imprescindíveis no com-bate a ações irregulares na esfera pública. E eles têm se destacado nos casos mais recentes de corrupção.

compartilhamentoA Operação Lava Jato, que in-

vestiga irregularidades geradoras de prejuízo superior a R$ 6 bilhões à Petrobras, é tocada por uma força--tarefa composta por PF, MP e Ju-diciário. A ação conjunta tem dado celeridade às investigações e aos processos judiciais. Até o fechamen-to desta edição R$ 500 milhões já haviam sido recuperados.

Na força-tarefa, as funções de cada órgão se complementam. En-quanto a Polícia Federal investiga e deflagra operações com mandados de busca e prisão emitidos pela Jus-tiça, o Ministério Público entra com ações contra os beneficiários do es-quema, que serão posteriormente julgados – e eventualmente conde-nados – pela Justiça.

“Com a constituição da força--tarefa vários órgãos trabalham juntos ao invés de ficar brigando e sonegando informação porque [um] quer faturar sozinho o caso. Se a investigação for bem feita, todo mundo será reconhecido”, afirma o professor de Ciências Sociais da PUC-Rio, Ricardo Ismael.

Outro exemplo de parceria é a realização de 14 operações integra-das entre CGU, PF, MP e Receita Federal no primeiro semestre deste ano. As investigações permitiram

identificar desvios de recursos pú-blicos no valor de R$ 37 milhões entre fraudes em licitações e contra-tos, além de sobrepreço e superfatu-ramento na execução de programas de governo.

A CGU é responsável pelo con-trole interno dos órgãos públicos, relacionando-se diretamente com

o

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a Presidência da República. Desde 2003, sob supervisão da contro-ladoria, 5.390 servidores públicos foram expulsos por envolvimento com corrupção e outros atos ilícitos, uma média de mais de uma por dia.

Apesar dos avanços, ainda é ne-cessário que a ação conjunta expan-da o plano federal, atingindo tam-bém as esferas estadual e municipal, defende Ismael. “É um aspecto-cha-ve a integração do ponto de vista mais horizontal, entre órgãos fede-rais, e vertical, de federais com sub-nacionais. Essa união é fundamen-tal para aumentar a base de dados e resolver casos de corrupção”, diz.

A ação isolada tende a ser inefi-caz em uma federação como Brasil, cujos poderes são separados e au-tônomos, o que justifica a necessi-dade das parcerias, acrescenta José Maurício Conti, professor de direito financeiro da Universidade de São

Paulo. “É necessário informação de todos os órgãos e setores. O compar-tilhamento aumenta a eficiência e facilita as ações desses órgãos.”

destaquesPara Ismael, a investigação com-

partilhada é o terreno que mais tem evoluído, tornando mais eficiente a ação dos órgãos de controle. “Os ór-gãos não estão funcionando 100% bem ainda, senão não teríamos o escândalo na Petrobras. Mas as des-cobertas da Operação Lava Jato e as condenações do Mensalão apontam para o fortalecimento das institui-ções, que melhoram à medida que conquistam mais autonomia”, afir-ma o professor.

Outro avanço desses órgãos se dá pelos meios eletrônicos, que têm facilitado as comunicações, melho-rando a atuação das instituições no

controle dos fluxos de capital pelo mundo, segundo Carlos Ari Sun-dfeld, professor de Direito da Fun-dação Getúlio Vargas. “No Brasil, há vários anos, vêm se desenvolvendo os órgãos do governo que ajudam no controle de recursos e na relação com órgãos correspondentes em outros países. É a melhoria tecnoló-gica que ajuda a rastrear essas infor-mações no exterior”, reforça.

A Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financei-ras (Coaf) têm papel importante no rastreamento de contas. Por meio dessa ação, é possível encontrar di-nheiro público desviado que foi de-positado em contas estrangeiras. A novidade limita ainda mais a ação de corruptos que acreditavam sair impunes depositando verbas ilícitas em paraísos fiscais.

Para Conti, a desburocratização, tanto nos órgãos de controle inter-nos quanto nos externos, é mais um ponto positivo para a efetividade da ação dessas entidades. “Ambos têm procurado atuar no sentido de fis-calizar mais a qualidade do gasto público do que o registro formal das despesas públicas. Isso é rele-vante porque a constatação de ir-regularidades formais não tem sido suficiente para evitar prejuízos aos cofres públicos”, observa.

Como exemplo, o especialista destaca a eficiência da CGU, sob a gestão do ministro Jorge Hage, na identificação de irregularidades e o desbaratamento da máfia do INSS, investigação iniciada pelo órgão de controle interno executivo do mu-nicípio de São Paulo.

dificuldadesMas nem só de elogios vivem os

órgãos de controle. De acordo com os especialistas, alguns entraves ain-da precisam ser superados. Para Con-ti, os órgãos deveriam aumentar a c

acordo de cooperação contra a corrupção. da esquerda: marcus vinicius coêlho (presidente da oaB), Rodrigo Janot (procurador­geral da República), Ricardo lewandowski (presidente do STf), José eduardo cardoso (ministro da Justiça), luis inácio adans (advogado­geral da União)

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intensidade de atuação para dar conta de tudo o que há para ser fiscalizado.

“Quanto maior o número de servidores, mais as instituições po-derão atuar”, opina. Conti obser-va ainda que a influência política resultante da indicação de nomes para essas entidades compromete as investigações e é algo que deve ser evitado para garantir a autonomia.

Outro problema é a falta de pre-venção. Na opinião de Ismael, a ação preventiva deveria ser mais va-lorizada por essas instituições, que acabam esperando os escândalos de corrupção estourarem para começar a atuar. “As instituições de contro-le estão aí, mas, por alguma razão, estão bloqueadas e só passam a in-vestigar quando surge a denúncia”, explica. “Os mecanismos de contro-le têm que agir preventivamente, de maneira a inibir a corrupção ou tor-ná-la mais residual. Quando o leite é derramado, fica mais complicado.”

Já Sundfeld acredita que o com-bate à corrupção é limitado pelo lento andamento dos processos ju-diciais. “O que estamos assistindo na Lava Jato tem impressionado muito, mas os processos ainda estão na primeira instância e preveem muito mais recursos do que seria razoável”, critica.

O especialista defende a revisão do processo penal e da legislação pe-nal para que a justiça criminal possa concentrar seus esforços em casos importantes, como os de corrupção.

legislaçãoMuitas leis foram criadas para

combater a corrupção e auxiliar os órgãos de controle nessa missão nos últimos anos. É o caso da Lei de Aces-so à Informação, aprovada em 2012, e da Lei Anticorrupção, que vigora desde o ano passado, como resposta aos protestos de junho de 2013. Mas será que elas funcionam na prática?

Para Sundfeld, a Lei Anticorrup-ção, que responsabiliza empresas por atos ilícitos, é ruim e serve me-nos para combater a corrupção do que para gerar confusão. “[A lei] não tem colaborado para absolutamente nada e muitas vezes promove até mesmo injustiças. Ela foi editada com objetivo de fazer propaganda após as manifestações em 2013. Mas é ineficaz e, inclusive, atrapalha.”

É unanimidade entre os especia-listas que o país já possui uma quan-tidade de leis suficiente. Para eles, o que falta é aplicá-las. “A legislação é razoavelmente adequada. A falha está mais no não cumprimento da legislação do que na necessidade de modificá-la”, resume Conti.

Para Ismael, o maior problema é a falta de autonomia. “Já temos quantidade de leis suficiente sobre a corrupção. O problema é que, sem autonomia, os órgãos de controle são impedidos de ir ao fundo da corrupção”, afirma. “E, se a inves-tigação for mal feita, o responsável vai ficar livre.”

autonomiaPropostas de Emenda Constitu-

cional (PECs) que poderão dar auto-nomia administrativa e orçamentá-ria à CGU e à PF aguardam votação no Congresso. Para Sundfeld, os pro-jetos não passam de pautas corporati-vas para atrair mais recursos salariais e não representam a busca por mais eficiência. Além disso, ele ressalta que a PF já tem bastante autonomia e que sua vinculação com o Ministério da Justiça é importante para corrigir desvios que às vezes acontecem no interior da própria polícia.

“É claro que os advogados têm que ter autonomia para trabalhar, assim como o médico tem que ter autonomia para tomar as decisões necessárias sem consultar o prefei-to. Mas sou cético em relação à tese

de querer reforçar a qualidade da atuação da PF e da CGU, desvincu-lando-os do Executivo. Isso resulta-ria na diminuição da eficiência des-ses órgãos”, na opinião do analista.

Conti também vê riscos na me-dida. “A autonomia pode ser uti-lizada somente para fins internos e corporativos e acaba não tendo vantagem na fiscalização pública”, observa o professor.

Já Ismael considera importante manter a autonomia dos órgãos de controle em termos operacionais, desde que eles sigam prestando con-tas à Presidência.

desafiosMelhorar a eficiência da gestão

é o principal desafio, na opinião de Sundfeld. “Temos muitos órgãos de controle, uns atuando sobre os ou-tros e olhando para a administração pública de maneira formalista. Há menos eficiência porque as autori-dades têm medo de cair nas malhas dos órgãos de controle por uma bes-teira qualquer”, afirma.

Para Ismael, autonomia e trans-parência são as palavras-chaves para tornar os órgãos mais eficien-tes. O especialista destaca a necessi-dade de haver publicidade de licita-ções do governo e respeito à Lei de Acesso à Informação para garantir investigações cada vez mais preci-sas e permitir que o cidadão comum possa investigar irregularidades.

“A transparência nas licitações e nos gastos dá margem para que o cidadão comum, o pesquisador, a oposição e a imprensa fiscalizem”, diz. Segundo ele, é óbvio que o ci-dadão não pode investigar um es-quema de corrupção sozinho, mas a participação mais ativa da socie-dade na fiscalização da corrupção pode gerar um efeito muito positivo na administração pública, ao desen-corajar atos ilícitos.