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REVISTA DE FFLCH-USP
Revista de Historia 134 ¡"semestre de 1996
TRIMALCHIO, CLASSE SOCIAL E ESTAMENTO
Prof: Fábio Faversani
Universidade Federal de Ouro Preto
RESUMO: Este aiti go propõe uma reflexão acerca de elementos Conceituais utilizados na análise da história social roma
na. Para tal, utilizamos uma figura literária construída por Petronio (Trimalchio), que foi considerada como típica da so
ciedade romana à época do Principado por parcela significativa da historiografia. Nossa intenção última é ressaltar os
limites e possibilidades apresentados pôr estes conceitos e refletir sobre a possibilidade de superação de entraves que
estes apresentem a uma mais rica compreensão desta sociedade. .,
ABSTRACT - This article intends lo reflect upon some conceptual elements of the analysis of Roman Social History. In
order to achieve this goal, we study Petronius* literary character Trimalchio, who is considered typical of Roman society
during the period of the Principale by a significant number of historians. Our purpose is to stress the limitations of these
concepts and to reflect upon the possibility of overcoming the barrier that they present for a richer understanding of that
society. "* - . . . . - . -
PALAVRAS-CHAVE: História Romana, História Social, Trimalchio, História e Literatura.
KEY-WORDS: Roman History, Social History, Trimalchio, History and Literature.
1. Introdução
Nosso objetivo, com o presente trabalho,' é apre
sentar uma reflexão sobre dois conceitos que têm se'
mostrado básicos às análises da imensa maioria dos
historiadores sociais, quais sejam:'!) o conceito de
classe social e 2) o conceito de estamento. Nossa re
flexão se dará a partir da tentativa de compreender a
posição social ocupada por um p e r s o n a g e m do
Satyricon de Petronio, Trimalchio, tomando por base
os conceitos aludidos.
A escolha de Trimalchio, obviamente, não é ca
sual . E la se expl ica p e l o p róp r io d e b a t e h i s to
riográfico que este personagem gerou. Trimalchio
foi considerado 'por inúmeros historiadores como
uma figura típica da sociedade romana à época do
Principado. Portanto, através dele não correremos o
risco de estar tomando c o m o exemplo uma figura
social singular ou até m e s m o "anômala" para em-
basar empir icamente nossa ref lexão. Out ross im,
8 Fábio Faversani / Revista de História 134 (1996). 7-18
em que pese o virtual consenso relativo à tipicidade de Trimalchio, há, entre os historiadores, uma rica polêmica quanto à questão da caracterização dessa tipicidade.
Citaremos duas posições que julgamos exemplares da latitude do debate que Trimalchio propicia apenas para exemplificar a riqueza de nosso exemplo, já que não é possível, neste momento, discutir a questão de sua tipicidade em si ' . Para ROSTOVTZEFF (1937, t. I, pp. 120 ss.), ele é o típico representante de uma classe ascendente, mais vinculada ao mercado, e concorrente ou aliada plausível da aristocracia fundiária de Roma; para VEYNE, (1961, pp. 213-247) ele é típico por representar justamente o contrário, ou seja, a demonstração da impossibilidade de os libertos se tornarem um grupo hegemônico, ou mesmo serem admitidos naquele pré-exislcnte por suas limitações jurídicas (condição de cx-escra-vo, portanto não-cidadão) e culturais (carências da formação cultural erudita, tida como própria aos membros da aristocracia romana de nascimento livre)2.
Assim, temos uma figura duplamente "típica" c bastante rica do ponto de vista da análise social como base empírica para a reflexão dos conceitos que são objeto de nossa análise.
1. C(. D'Arms, 198I, pp. 97-120. Para Jean Andreau: os libertos "são estranhos à época em que vivem: na gama de papéis oferecidos pela sociedade romana, Trimalquiào nño encontra nenhum para s i" (Andreau, 1991, p . 150). Segundo Pedro López Barja de Quiroga: "La discontinuidad en los nomina [de libertos e patronos na epigrafia funeraria de ostia] muestra que en Ostia (y, probablemente, también en^Puteoli) hubo pocos Trimalciones". (Quiroga, 1991, p. 174). Segundo Ste Croix. Trimalchio 6 : "in reality [...] a ludicrous series of comic exaggerations". (Ste Croix, 1983, p. 178).
2. Finley, entre muitos outros, endossa a perspectiva de Veyne em A Economia Amiga. Porto, Afrontamento, 1980, p. 44.
2. Breve retrato de Trimalchio3
Será útil criar um breve retrato de Trimalchio que balize sua classificação social ulterior através dos conceitos de classe social e estamento. Nossa intenção com estes apontamentos não é discutir à exaustão este rico personagem, mas tão somente expor os elementos constitutivos deste para sua utilização aos fins que nos propomos4.
Trimalchio é um dos personagens do Satyricon, romance escrito por um consular romano em meados do século I d. C , do qual nos restou apenas uma parcela de seu conteúdo completo3. O fragmento mais
3. Utilizamos o texto estabelecido por Alfred Ernout (Pétrone, Le Satiricon. IO*1"" éd., Paris, Les Belles Lettres, 1990), sendo as traduções de nossa autoria. Os números que aparecem entre parênteses nesta seção se referem a localização das passagens do Satyricon que julgamos conveniente citar ou apontar para apoiar este "breve retrato de Trimalchio". Não entramos aqui na discussão sobre os exageros que Petronio cria, com uma intencionalidade cômica, na construção de Trimalchio. Satisfaz-no notar algo óbvio: ele é verossímil dentro da sociedade romana do século 1, como o demonstra a existência de outros libertos que eram mais poderosos que Trimalchio c controlavam riqueza comparável à sua (cf. Tác. Ann. XII, 53). Para detalhes veja-se: Alfõldy. 1989, pp. 122 ss.; Quiroga, 1991, pp. 163-174: D'Arms, 1974, pp.l04-124 e a lista das maiores fortunas privadas, compilada por Richard Duncan-Jones (19S2, pp. 343-344) a partir das cifras apontadas pelas fontes antigas, na qual, dentre as dez maiores, quatro são de libertos.
4. Assim, algumas polêmicas interessantes não serão abordadas por serem neste contexto irrelevantes. Citamos como exemplo, a polêmica sobre se Trimalchio era primordialmente um comerciante, agiota ou latifundiário, bem como àquela que discute se houve significativo crescimento de sua fortuna ou não. Basta-nos, como ja foi apontado, que ele seja considerado típico desta sociedade e, portanto, pertinente à analise que empreenderemos.
5. Não nos importa discutir aqui o quanto do Satylicon original nos restou. O debate sobre este tema tem estimado que originalmente a obra deveria ser 6 ou até 12 vezes maior que a atual. Para Santidrián (1987, p. 11), seria 6 vezes; para De Guerle (s/d, p. XI), 10; segundo Rat (1934, p. VI), que se apoia em outros autores para tal (Douza e Colüngnon) entre 6 e 12; Sullivan (1979, p. 13) fala entre 6 e 10 vezes maior. Sobre esta questão concordamos com Alfred Ernout que diz: "En vérité, toutes les suppositions qu'en pourra faire à ce sujet ne
Fábio Faversani / Revista de História 134 (1996), 7-18 9
longo da obra é a Cena Trimalchionis. Neste banquete, Petronio apresenta diversos personagens que, através de suas falas, vão dando ao leitor noção de quem são eles e da trajetória que os conduziu até ali. O personagem exposto com mais detalhes aos olhos do leitor é o anfitrião, Trimalchio. Trata-se de um homem idoso (XXVIÏ, 1) que é casado com Fortunata, uma ex-escrava que cuida dos bens de seu marido. Segundo um conviva: "Ele próprio [Trimalchio] não sabe o que possui de tão rico que é; mas aquela filha da mãe [Fortunata] sabe de todas as coisas, até o que você não imaginaria'"'. Assim, Trimalchio é um grande proprietário que não tem como preocupação primordial a administração de seus bens, à melhor moda da aristocracia romana.
Mas, no que consiste a riqueza de Trimalchio? Cremos poder dividi-la em três partes, a fim de expô-la: 1) terras c escravos; 2) estrutura comercial e 3) dinheiro entesourado ou emprestado a juros. Destas três parcelas da riqueza de Trimalchio, a primeira é apontada como vastíssima. Diz um conviva: "Trimalchio tem tantas terras quanto pode um gavião enxergar em um vôo [...]. Quanto aos seus escravos -puxa vida! - creio, por Hércules, que nem um décimo deles conheça seu senhor pessoalmente"7.
Quanto à riqueza investida em atividades comerciais, temos uma fala "casual" de Trimalchio que nos dá suficiente noção de sua amplitude: "Nasci sob [a constelação de] Câncer: e como um caranguejo tenho muitos pés, assim, no mar e na terra muitas coi-
seront jamais que fantaisie et jeu d'imagination. Elles ne peuvent avoir de valeur probante, et n'avanceront pas d'une ligne notre connaissance de Pétrone" {Ernout, 1950, p. XIV).
6. "Ipse nescit quid habeat. adeo saplutus est; sed haec lupatria prouidet omnia, et ubi non putes." (XXXVII. 6)
7. "Trimalchio fundos habet. quantum milui uolant [...] Familia uero - babac babae! non mchercules puto decumani partem esse quae dominum suum nouent." (XXXV1I, S-9). Cf. ainda: XLVIII. 2-3; LUI, 1-3 e 5-9.S
sas possuo8, como um caranguejo que se adapta bem tanto lá quanto cá"9.
Por fim, temos sua riqueza em moeda destinada ao empréstimo. Esta riqueza era complementar e se destinava simplesmente a fazer com que o dinheiro não ficasse no caixa sem se fazer rendoso. Os montantes envolvidos são enormes. Em um dia: "foram recolhidos à arca, já que não se pode colocá-los [em empréstimo], cem mil sestércios"10. Segundo um conviva, Trimalchio "tem dinheiro que não acaba mais. A grana guardada no quartinho de seu porteiro é mais do que alguém teria por lodo seu patrimônio, [...] Em resumo, coloca no bolso todos estes babacas [referindo-se aos outros convivas]"" '2 .
Esta proverbial riqueza garantia a Trimalchio auto-suficiência. Tudo quanto consumia fazia produzir em suas propriedades (XXXVI, 1). Deste modo, linha importantes características comuns ao restritíssimo grupo que na sociedade romana poderia ser visto como a classe dominante ou o estamento hegemônico (como a riqueza, absenteísmo e auto-suficiência). No entanto, não pertencia a ele. Faltava-lhe a condição de cidadão13 , relações de amizade com homens de grande poder14, uma car-
8. Quando ele fala possuir bens no mar, por certo se refere a navios (e cargas) que eram utilizados no comércio de longo percurso.
9. "In cancro ego natus sum: ideo mullís sto, et in mari et in terra multa possideo; nam cancer et hoc et Hoc quadrat." (XXXIX, 8)
10. "in arcam rei atum est, quod collocari non potuit, sestcrtium centies." (LUI, 4)
11. Sendo que sã um deles possui um patrimônio de oitocentos mil sestércios (XXXVIII, 7).
12. "Nummorum nummos. Argentum in ostiarii illius cella plus ìacet, quam quisquam in fort un is habet. [...]. Ad summain, quemuis ex ìstis babaecatis in rutae folium coniciet". (XXXVII, 8 e I0)zz
13. Mesmo que adaptasse símbolos distintivos de cidadãos das classes censitárias mais alias (cf. XXXI, 3; LX, 8-9; LXXI.9).
14. Não há referências de que Trimalchio, que tem todos os seus sinais distintivos expostos ao extremo no texto de Petronio, tivesse relações sequer com um decuríão do
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reira pública15, tradição familiar, controle da cultura erudita16 etc.
3. A classe social de Trimaichio
Antes de tentarmos classificar Trimaichio segundo o conceito de classe social, cremos serem necessárias algumas palavras sobre o que entendemos sobre este conceito.
Pára tal é inevitável perceber que desde a obra • marxiana — que o cita por diversas vezes sem ter nunca ter chegado a definirlo (ELSTER, 1989, p. 166) -o conceito de classe social passou por inúmeras cri- • ticas e reformulações que trouxeram boa dose de confusão a quem procura defini-lo de forma mais universal. No entanto, parece-nós possível estabelecer que o conceito de classe social visa organizar os diversos agentes e compreender suas possibilidade de ação coletiva a partir da constatação de que ocupam uma posição similar na estrutura de uma determinada sociedade. Para ser possível tal diagnóstico, é ne-
imtnicipium provinciano cm que se encontrava. A relação de amicilia mais elevada que estabeleceu é com Habinnas, um marmoreiro. Isso se torna ainda mais importante se notarmos que o banquete se passa no litoral campaniano, onde os libertos tinham uma inserção social bastante considerável. Cf. Quiroga, 1991, pp. 163-174. Ainda que Jean Andrcau (1991, pp. 147-165) afirme que os "notáveis" não admitiam estabelecer relações de amizade com libertos, a Taita de uma eficiente comprovação dessa sua impressão a faz ficar sem maior valor. '
15. Ainda que Trimaichio procure "falsificar" o cumprimento de atividades públicas (XXX,.1-4, LXXI, 9) e, paradoxalmente, afirmasse não desejar exercê-las (LXXI, 12).
16. Sua ignorância é freqüentemente exposta, bem como sua afinidade com atitudes atribuíveis a indivíduos grosseiros (cf. XXIX, 9; L, 2 ss.; LII.3; Lll, 9-10; LIU, 12-13: LV; LIX, 3; LXXIII, 3), ainda que pretenda a todo momento se mostrar erudito (cf. L, 2: LIX, 3) e, a exemplo do que acontece com a carreira política, afirme desprezar o mecanismo de formação utilizado pelos indivíduos considerados eruditos (LXXI, 12).
cessário tomar alguma variável, ou variáveis, que propiciem'o ordenamento lógico do corpo social17.
Parece-nos que quatro variáveis têm tido emprego largamente preponderante18. Examinemo-las uma a uma, perguntando-nos em que classe social encontraríamos Trimaichio através de sua aplicação.
A primeira e, sem dúvida, a mais difundida, classifica os agentes pelo controle ou não dos meios de produção19. Segundo este critério, Trimaichio pertenceria à classe dos latifundiários romanos por deter bens de raiz em quantidade invejável.
A segunda variável se refere à posição dos agen- . les nas relações de exploração do trabalho, criando-se, assim, três classes possíveis, formadas por: 1) aqueles que trabalham menos do que seria necessário para produzir o que obtém no processo produtivo; 2) aqueles que trabalham mais do que obtém e 3) aqueles que trabalham aproximadamente o equivalente ao que obtém. Novamente, empregando este critério, Trimaichio estaria na classe dominante, a par dos senadores romanos.
Derivado deste, temos um terceiro meio'de ordenar os agentes em classes sociais que se funda na relação dos agentes no mercado de trabalho. Neste caso teríamos, mais uma vez, três classes sociais identificáveis: 1) a dos que compram força de trabalho; 2) a dos que vendem e 3) a dos que não compram nem vendem, garantindo uma situação de au-
17. Desde que não ocorra uma "infinita fragmentação" (cf. Elster, que se remete a Marx: an. cil. p. 167), que tiraria a utilidade analítica do conceito.
IS. Para a definição do conceito de classe, seguimos de perto as proposições feitas por Elster a respeito (I989, pp. 165-IS7 e 1991, pp. 319-344).
19. Utilizamos o termo controle, ao invés de propriedade, por assim incluir altos dirigentes de propriedades corporativas (como a eclesiástica) ou das sociedades anônimas, em especial as transnacionais que, embora não sejam proprietários dos meios de produção, controlam os bens que lhes garantem uma posição social elevada.
Fabio Faversani / Revista de Historia ¡34 (1996), 7-18 11
tonomia em relação a este mercado. De novo, tería
mos em Trimalchio um membro da classe dominante.
Por firn, um quarto critério traça divisões de clas
ses segundo o poder dos diversos agentes nas rela
ções de trabalho. Por este critério teríamos também
três classes: 1) os que controlam (altos dirigentes); 2)
os que são controlados (trabalhadores) e 3) os que
têm superiores e subordinados (posições de co
mando intermediárias e inferiores). Mais uma vez,
Trimalchio pertenceria, sem dúvida, à classe domi
nante.
Portanto, Trimalchio, rico proprietário de terras
e escravos, controlador de meios de produção e de
seres humanos, pertenceria, segundo a apl icação
do conceito, à classe dominante romana. Ele, que
foi conduzido à condição de membro da classe ex
ploradora e poderosa pelo uso do conceito de clas
se social, não a ocupava concretamente. M e s m o
que tenhamos em vista formas diversas de compre
ender a sociedade romana, parece-nos c laro que
faltam-lhe caracteres fundamentais à posição que
conceitualmente ocuparia (ALFÕLDY, 1989, pp.
130-148; MACMULLEN, 1986, pp. 85 e 9 8 - 1 0 1 ;
ANDREAU, 1991 , pp. 160 e 163-164; VEYNE,
1961, pp. 213-247; GARNSEY &SALLER, 1982, p.
24; FUNARI, 1994, p. 31) . Ou seja, em que pese
Trimalchio se situar em uma "posição estrutural"
bastante privilegiada, isto não garante uma equiva
lência com respeito a sua concreta situação socio
politica, para a qual são relevantes características
superestruturais das quais carecia, como já ressal
tamos.
Assim, parece-nos mais razoável pensar que o
conceito de classe social se mostra, na melhor das
hipóteses, insuficiente para a análise da sociedade
romana, visto ser incapaz de compreender um ele
mento social que é considerado típico desta socieda
de. É preciso lembrar que uma definição não faz uma
teoria e que um conceito pode ser reconstruído a fim
de garantir uma mais geral e confiável aplicabilidade.
No entanto, tal como se apresenta hoje, é necessário
atestar que o conceito de classe social tem uma utili
dade altamente discutível para a história social roma
na20 .
4 . O es t amento de T r ima lch io
A exemplo do que fizemos quando examinamos
o conceito de classe, exporemos, sucintamente, o que
entendemos pelo conceito de estamento. Tendo gera
do muito menos polêmica que o anteriormente discu
tido, cremos ser possível retomá-ío a partir da com
preensão que teve dele o autor que inspirou a muitos
em seu emprego, ou seja, Max Weber.
Util izaremo-nos das palavras do próprio Weber
para estabelecer nossa definição, procurando verifi
car se Trimalchio pode ser classificado através deste
conceito de forma satisfatória:
Em oposição à situação de classe, condicionada por motivos puramente econômicos, chamaremos de situação estamental todo componente típico do destino dos homens que é determinado por uma estimativa social específica -negativa ou positiva - da honra." (GERTH & MILLS, 1947, pp. I86-187)
Se cons ide ramos " c o m o es t imat iva soc ia l da
honra" a cond ição de ex -e sc r avo , por ce r to T r i
malchio poderia ser percebido como membro de um
estamento, o dos libertos. Sigamos, assim, com a de
finição weberiana:
Tanto indivíduos proprietários, quanto não-proprietá-rios, podem constituir um mesmo estamento e freqüentemente isto acontece com conseqüências muito apreciáveis. (GERTH & MILLS, 1947, p. 187)
20. Confome já apontavam as críticas feitas por marxistas aos limites deste conceito em um artigo (Annequin, Clavel-Leveque & Favory, 1979, pp. 5-54, em especial, p. 14), já ant igo, que não receberam so luções sat isfatórias a té aqui.
12 Fábio Faversani / Revista de História ¡34 (1996), 7-18
Então p e r t e n c e r i a m ao m e s m o e s t a m e n t o de
Trimalchio, tanto libertos ricos como era seu próprio
caso , quanto aqueles miseravelmente pobres. Avan
cemos então:
Em resumo, a honra estamental é normalmente expressa por, antes de tudo, um estilo de vida que deve se esperar de iodos aqueles que integram este círculo fechado, objetivando, assim, restringir a mobilidade 'social' (ou seja. aquela mobilidade não submetida a motivações econômicas ou comerciais). Estas restrições podem reduzir os casamentos ao interior do próprio estamento c podem levar a um completo fechamento endogàmico. (GERTH & MILLS, 1947, pp. 187-I88)
S e f ô s s e m o s a t r i bu i r um estilo de vida a
Trimalchio, cer tamente teríamos que atentar a três
pontos básicos: 1) a precariedade de seus conheci
mentos no campo da cultura erudita; 2) a ausência de
atividades vinculadas à vida pública e; 3) afastamen
to em relação a uma tradição familiar a ser cultivada.
Quanto ao primeiro aspecto do "estilo de vida" de
Trimalchio, teremos que excluir do estamento dos li
bertos alguns "indivíduos que pertenciam ao mesmo
status jurídico do personagem petroniano. Já que de
vemos considerar a existência de libertos que escapa
ram a este "estilo de vida", como os escravos - po
tenciais libertos - formados pelos senhores na fun
ção de educar os filhos da mais fina elite romana, ou
os escravos educados desde a infância pelos senho
res para serem um símbolo de podei* (como o pró
prio Tr imalchio os tinha, sem conseguir torná-los
eruditos por suas óbvias limitações), entre inúmeros
outros casos (RAWSON, 1985, pp. 6 ss.; VEYNE,
1961, p. 220), como o de Terêncio, um dos maiores
comediógrafos romanos e que era um liberto.
Da mesma forma, teríamos que excluir alguns in
divíduos ao examinar o concernente ao afastamento
em relação à carreira pública. Vários libertos a prati
caram, em especial na condição de decuriões das ci
dades que encontravam dificuldades para recrutar,
entre os membros livres (ingenui) de seu municipium,
elementos dispostos a financiar o evergetismo que se
exigia dos pretendentes ao cargo21, sem contar com
os Augustales, que não se poderá tratar como despre
zíveis, mesmo que não tenham poder decisório sobre
assuntos municipais.
Além disso, pela aplicação do .conceito, todos os
caracteres vinculados à superexposição de sua rique
za deveriam ser desconsiderados para a tentativa de
"compreensão de ações coletivas" empreendidas por
Trimalchio, já que a riqueza não é elemento funda
mental para a divisão estamental (conforme vimos
Weber explicitar acima) e, ainda, porque a imensa
maioria dos libertos não tinham riquezas em quanti
dade suficiente para praticá-la. Destaque-se que esta
superexposição da riqueza 6 uma das características
mais marcantes de Trimalchio.
Alem destas flagrantes limitações do conceito de
es tamento para garant i r a compreensão de Tri
malchio, o que surge como mais significativo nesta
•passagem refere-se à impossibilidade de se pensar
em uma estabilidade estamental dos libertos, devido
à peculiaridade de não se reproduzirem geneticamen
te e, portanto, carecerem de um elemento fundamen
tal de perpetuação de um "estilo de vida". Ora, o fi
lho de um liberto é de status jurídico livre e, assim,
cria uma instabilidade dada pela renovação familiar
completa de seus membros a cada geração, sendo di
fícil pensar que tal conjunto de indivíduos se torne
um estamento no sentido atribuído ao conceito. Não
21. Em 24 d. C , a lex Visellia proibiu este acesso dos libertos as magistraturas municipais, ainda que, se pensarmos no grande número de transgressões a esta lei no Baixo Império, seja possível imaginar que seu efeito tenha sido limitado mesmo logo após o início de sua vigência. Ainda que seja uma hipótese razoável, esta teria que ser comprovada para se tornar um argumento mais sólido. Ainda assim, é certo que muitos libertos alavancaram a carreira política de seus filhos, influindo, de forma indireta, em um universo que estar-lhes-ia fechado. Cf. Quiroga, 1991, 163-174; D'Arms, 1974, pp. 104-124; Andreau, 1973, pp. 213-254.
Fábio Faversani/Revista de História ¡34 (1996), 7-Í8 13
há perspectiva de estruturação de um "estilo de vida"
marcante que sobreviva com este nível de renovação,
em especial se pensarmos que quase todos seus
membros chegam ao "estamento" na idade adulta.
Além disso, independe da vontade dos membros do
estamento o ingresso de novos elementos, já que a
manumissão era de competência externa a eles, ou
seja, dependia de senhores e escravos22.
Seguindo com a definição weberiana:
O desenvolvimento do estamento c essencialmente uma questão de estratificação resultante de uma usurpação na maior parte das vezes. Ta! usurpação é origem normal da maior parte da honra estamental. Mas o caminho que liga a situação puramente convencional a um privilégio legal -positivo ou negativo - é facilmente trilhado tão logo quanto uma determinada estratificação tenha de fato sido 'vivida' e tenha obtido estabilidade em virtude de uma estável distribuição do poder econômico. (GERTH & MILLS, 1947, p. 188)
Aqui é bastante difícil determinar que espécie de
"usurpação" teria sido praticada para se criar o
estamento dos libertos. A obtenção da condição de
liberto junto a um senhor tem motivações cuja varia
bilidade é enorme e não creio ser possível atribuir a
nenhuma delas a condição de usurpadora. Além dis
to, e mais importante, novamente a idéia de estabili
zação de um grupo de indivíduos na condição de li
bertos com pequeno grau de renovação é, por defini
ção, impossível. Assim, um componente importante
do conceito inexiste, pois, para Weber, as ações con
juntas são dadas pelo "sentimento que têm os que
agem de pertencerem a um conjunto" (GERTH &
MILLS, 1947, p. 183), "com a exclusão deliberada
dos estranhos como o outro lado da moeda" (SEDI,
22. É claro que os libertos podiam interferir em casos particulares, quer comprando a liberdade de escravos, quer libertando ou não escravos seus. Mas isto não altera o fundamental: o ingresso de novos membros não estava sobre controle exclusivo do próprio "estamento".
1973, p. 45)2 3 . Não é possível saber quem é o outro
lado da moeda: os escravos, os livres pobres, a elite
senatorial, os eqüestres? Eu não arriscaria uma pro
posição neste sen t ido e não saber ia , igualmente ,
como explicar tomando o conceito de estamento, que
os libertos urbanos tenham agido várias vezes em
conjunto com esc ravos e l ivres p o b r e s u rbanos ,
como, por exemplo, nos distúrbios que acometeram
Roma durante as Guerras Civis do final da Repúbli
ca (BRUNT, 1981, pp. 87-117), e não tenham empre
endido nenhuma ação coletiva com libertos rurais
que estariam supostamente do m e s m o lado da moe
da. Não teria explicação igualmente para responder
porque Petronio colocou, como convivas de Petro
nio, membros do o u t r o lado da m o e d a c o m o os
scholastici A g a m n e m n o n , Encolp io e Asci l to. Do
mesmo modo, não vemos como encontrar uma posi
ção estamental dos libertos quanto a "uma estável
distribuição do poder 'econômico" que caberia aos li
bertos no quadro da sociedade romana.
Como fizemos com o conceito de classe, somos
obrigados a atestar os grandes limites encontráveis na
aplicação do conceito de estamento que, se pode ser
maravilhosamente aplicado para compreender a eli
te senatorial, é ineficiente em relação aos libertos e,
certamente, se mostraria ainda mais l imitado se apli
cado aos ingenui romanos ou aos não-cidadãos livres
pobres do Império2 4 .
Ainda mais, cumpre destacar que, a bem da ver
dade, a noção de estamento para a Antigüidade tem
23. Que cita Weber, Max Economía y Sociedad, México, Fondo de Cultura Económica, 1948, t.l, pp. 245 ss. para sustentar suas palavras.
24. Esta diferente adequação da utilidade do conceito weberiano às elites parece-nos explicável, ao menos em parte, pela própria concepção elitista do autor quanto às possibilidades de intervenção dos membros de uma sociedade na definição de seus rumos (cf. Weber, I993). Para Weber (1993, p. 126): "Não é a 'massa' politicamente passiva que forja o dirigente, mas é o dirigente político que conquista seus segui-
14 Fábio Faversani / Revista de História 134 (1996), 7-18
sido utilizado, em geral, de fornia muito mais pobre
do que aquela proposta por Weber. Comumente o que
se vê é a criação de uma confusão entre estamento e
categorias de status j u r í d i c o " , ou seja, a recriação de
uma categoria específica de divisão do corpo social
estabelecida pelos antigos com uma finalidade e gê
nese específicas cuja t ransformação em categoria
sociológica estabelece u m a rcadequação de cuja va
lidade duvidamos tanto em sua utilidade analítica,
quanto nos interesses que parecem motivar sua utili
zação (LEVEQUE, 1972, pp. 71-93; CARDOSO, 1988,
p. 13).
dores e, airavés da 'demagogia' , conquista a massa". Seguindo este raciocínio, parece-nos igualmente razoável pensar que os limites deste conceito no campo da história social da Antigüidade só não tem sido colocados mais claramente devido à predominância de abordagens elitistas nesta área (cf. Funari, 1989, pp. 9-10 e 73-75), quando não claramente preconceituosas em relaç3o aos setores menos favorecidos das sociedades clássicas. Citamos, apenas a título de exemplo, algumas passagens de autores com perspectivas analíticas bastante diversas: "Só quem trabalhava era a gentinha; as pessoas de bem exerciam em todas as coisas uma atividade de direção" (Veyne, 1990, p.137). Esta afirmação de Veyne acerca dos grupos sociais livres da Roma Imperial menos privilegiados socialmente, não lhe é exclusiva. Rostovizeff, a quem Veyne se opôs quanto a Trimalchio, antes dele já dizia que: "Da vida das classes inferiores da época (séc. I a.C.) nada sabemos, mas é pouco provável que tivesse atrações especiais" (Rostovtzeff, 1967, p. 160). Mesmo autores que se debruçaram sobre estas "classes inferiores" não apontaram para proposições mais vatorizadoras destes grupos enquanto objeto de estudo; como exemplo disto temos Catherine Salles que os estudou e diz: "Bandidos, escroques ou prostitutas estão longe de constituírem 'categorias sócio-profissionais'; n3o passam da escória das sociedades harmoniosas; não passam da escória das sociedades harmoniosas e bem organizadas, uma escória cada vez maior, que ía invadindo o mundo antigo e o teria submergido se esse não tivesse erguido barreiras capazes de conter a ladroagem e a miséria numa espécie de no man's land" (Salles, 1982, p. 281 ). E. Badián, por sua vez, afirmou que: "o estudo da República Romana - e, em grande parte, também do Império - n3o é. basicamente o estudo de suas massas nem tampouco o das grandes personalidades: é substancialmente o estudo de suas classes dominantes" (Badián, 1968, p. 92, apud Funari, 1989).'
25. Para citar um exemplo que conheceu grande difusão: Petit, 1976. pp. 79 ss. e 155 ss.
5. N e m classe social, nem es tamento . Há u m a
a l t e rna t iva?
Por tudo o que vimos, não há como discordar das
palavras escritas por Finley:
Em conclusão, podemos demonstrar que, atualmente [ 1963], com relação a este tópico em particular [taxionomia social], o uso de rótulos e conceitos encontra-se em um estágio insatisfatório, no qual a terminologia incongruente reflete uma confusão mais profunda quanto à interpretação das próprias instituições. (FINLEY, 1989, p. 62)
N o entanto , sua propos ição de superação do
impasse causado por esta constatação não nos pa
rece razoável . Consubs tanc iada na idéia de um
continuum social (FINLEY, 1980, pp. 88 ss. e 1983,
pp. 116-132) que impossibilita a construção de qua
dros comparativos, a não ser inspirados na confiança
do bom "instinto" do pesquisador, e reduz a pesqui
sa histórica a um exacerbado empirismo, ou pior, ao
"achismo" livremente autorizado26.
Outra tentativa de construir uma alternativa para
este impasse é proposta por Paul Veyne em seu Como
se Escreve a História, que encontrou notável difusão
em nosso país. Quanto aos graves limites revelados
pelas proposições do autor não é necessário dizer
mais do que se lê na recensão de A. CARANDINI
26. Autorizando nossas conclusões, afirma: "Não é de surpreender que tentativas de classificação boas ou más,.dependam de considerações teóricas ou subjacentes" e, por isso, "não são suficientes as classificações." (Finley, 1991, pp. 73-74). Deste modo não conseguimos encontrar sentido em palavras como as de Roland Etienne (1992, p. 376) que, em resenha ao último livro de Finley (Sur l'Histoire Ancienne. Paris, Editions la Découverte. 1987, coin tradução publicada pela Martins Fontes, de São Paulo, em 1994), escreveu: "Si F Brãudel disait ne pas écrire une ligne sans avoir au préable relu une page de K.' Marx, notre génération d'antiqui san ts ne devrait pas prendre la plume sans relire les textes de M. I. Finley".
Fábio Faversani / Revista de História ¡34 (1996), 7-J8 15
(1979, pp. 329-354)27 que demonstrou cabalmente as
graves limitações das proposições epistemológicas de
Veync para uma compreensão totalizante da História.
Além das proposições de Veyne cm seu "ensaio de
epistemologia", temos um retrato de sua efetiva apli
cação em um livro menos conhecido no Brasil. Em
Le Pain et le Cirque2* o autor reedita os limites de sua
perspectiva como se encarregaram de demonstrar,
desta feita, Peter GARNSEY (1991 , 164-168)2 9 e
ANDREAU, SCHNAPP e SCHMITT ( 1978, 307-325)30
Outra alternativa interessante no campo da histó
ria social da Antigüidade é apresentada pelo grupo
conhecido como os "vernantiants". Para se notar os
limites impostos pela sua importante proposta de re
visão metodológica quanto ao aspecto específico que
discutimos, basta lembrar que dois de scus mais im
portantes representantes não conseguiram chegar a
um acordo sobre se os escravos constituem ou não
uma classe social (VIDAL-NAQUET, 1989, pp. 86-97
e VERNANT, 1992, pp. &&) 3 1 . Este desacordo de-
27. Para Carandini: "Cotidianidadc e psicologismo estão bem delimitados. Assim, para o autor (Veyne)', a cotidianídade é a cotidianídade das classes dirigentes", (p. 341) e, ainda, "Quando entre economia e história, entre matéria c espírito se cria um abismo, é sinal que não se quer compreender o real na sua totalidade pelo temor de mudar a ordem social existente (temor inconfessável, ainda que muitas vezes confessado)." (p. 354). A crítica de Carandini não conhece, curiosamente, tradução para o português.
28. Deste livro Veyne deu uma antecipação em artigo publicado em Annates (1969, pp. 785-825).
29. O autor chama atenção para a contradição entre a pretensa sustentação do trabalho na conceituação c erudição, quando VEYNE deixa a desejar em ambas (pp. 166-168), além de utilizar seu já conhecido estilo: "V. é um polemista descompromissado. Além disso, é um escritor difícil, por ser difuso e 'fuyant'." (p. 168).
30. As críticas feitas a sua obra por membros da sua própria "escola" foi ainda mais aguda do que aquela de Gamsey. Para estes: "O método de Pain et le cirque é mais uma técnica de escritura do que um sistema de análise. [...] O livro é, do começo ao fim, conflituoso - como é a posição de um erudito que se fecha em seu gabinete de humanista para as 'drogues' mais' importantes do século" (p. 323).
monstra o nível de importância que é dado por estes
excelentes historiadores à questão da taxionomia so
cial.
Vamos ficando, assim, pela inadequação de nos
sos conceitos, condenados ao puro empirismo no que
se refere à taxionomia social? Neste ponto do debate
parece-nos muito importante retomar as palavras de
Pierre Leveque:
a permanência de uma atitude - refugiada, com uma essência positivista, cm quadros estritamente jurídicos -revelam claramente também o uso de conceitos! - apresentados como específicos e naturais, seguindo diretamente um Aristóteles ou um Cícero, sem que seja colocada jamais a questão da gênese e da finalidade do direito e de suas categorias. [...1 Só o método marxista permite conduzir, para além das aparências, uma análise total32, já que, partindo de todos os aspectos da realidade histórica, revela o níveis complexos de articulação e coloca cm evidência as relações genéticas e estruturais que estabelecem entre si no desenvolvimento dialético da história. (LEVEQUE, 1972, 77 e 86-87)
Ainda que não possamos concordar com o bri
lhante historiador francês no que concerne ao mar
xismo ter que se fundamentar necessariamente em
uma Economia Política33 que tenha por base o con
ceito de classe, j á que, como vimos, este traz sérios
limites para os quais não conseguimos ver uma solu
ção satisfatória, e, diga-se de passagem, problemas
que há décadas tem-se tentado solucionar, a nosso
ver, sem sucesso. No entanto, é importante destacar
a relevância do que nos diz Leveque sobre o perigo
maior do empirismo exacerbado que nada explica e
31. Note-se que ambos ocuparam a direção do "Centre de Recherches Comparées sur les Sociétés Anciennes", tendo Vidal-Naquet substituído Vernant.
32. Cf. Cardoso, 1988, pp. 10 ss. 33. Uma excelente defesa da Economia Política encontra- -
se em Cardoso (1988, pp. 8-10), com o qual concordamos quando afirma que: "a questão central consiste em sabcr.se existem ou não, nas sociedades pré-capitalistas, regularidades estruturais passíveis de teorização. Acredito que sim." (p. 9)
16 Fábio Faversani / Revista de Hislória ¡34 (1996), 7-18
preserva os pré-conceitos dos antigos (CARDOSO, 1988, p. 13), garantindo um arsenal ideológico que as elites contemporâneas têm sabido recriar e aproveitar (FUNARI, 1989, pp. 74-75).
Neste sentido, parece-nos proveitoso - obviamente, aos pesquisadores preocupados cm compreender a história social antiga cm uma perspectiva transformadora - procurar encontrar mecanismos alternativos de compreensão da formação de grupos sociais que estabeleçam ações coletivas a partir de marcos metodológicos alternativos àqueles estabelecidos pelo conceito de classe social.
Assim, surge como promissora uma perspectiva de análise fundada nas relações diretas de poder (GARNSEY & SALLER, 1987, pp. 148-159) que propiciaria, por um lado, possíveis soluções às críticas levantadas ao conceito de classe e, por outro, garantiria, se empregada de uma forma múltipla, pensada como redes de relações, ao invés de forma binomial, a criação de grupos sociais que garantissem as categorias analíticas necessárias à compreensão das ações coletivas.
6. Conclusão
Retomando resumidamente tudo que vimos, cremos poder concluir que: I. a história social apresenta uma séria crise metodológica no que se refere à taxionomia social e à capacidade de compreendermos as ações coletivas em sociedades da Antigüidade; e que 2. há 1res soluções básicas para este
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7. Agradecimentos
Gostaria de agradecer a Pedro Paulo Abreu Funari c Norberto Luiz Guarinello que fizeram valiosas sugestões e críticas ao manuscrito deste artigo e a Adriano S. L. da Gama Cerqueira e Marcò Aurélio Santana pelas discussões que muito cooperaram para clarificar algumas de minhas idéias. Os equívocos e incorreções remanescentes são de minha inteira responsabilidade.
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Endereço do Autor: Universidade Federal de Ouro Preto - Departamento de História • Rua do Seminário, s/n •
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