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TRATADO DE DIREITO PRIVADO PARTE ESPECIAL TOMO XXII Direito das Obrigações: Obrigações e suas espécies. Fontes e espécies de obrigações. LIVRO IV DIREITO DAS OBRIGAÇÕES TITULO 1 OBRIGAÇÕES E SUAS ESPÉCIES PARTE 1 Obrigações em geral, fontes e espécies das obrigações CAPITULO 1 DIREITOS, PRETENSÕES E EXCEÇÕES; DEVERES E OBRIGAÇÕES § 2.679. Conceito de direito da. Obrigação . 1. Obrigações e vinculou pessoais. 2. Negócios jurídicos de direito das obrigações e negócios jurídicos de direito das coisas. 3. Acordos de constituição e de transmissão. 4. Auto-regramento (dito “autonomia da vontade”) e direito das obrigações. 5. Direitos absolutos e direitos de obrigação. 6. Conceitos de “obrigação ”. 7. Interesse do credor e obrigação 7 § 2.680. Figurantes da. Relação juridica. 1. Devedor e credor.2.Dívida, crédito; obrigação, pretensão. 3. Dever e obrigação crédito e pretensão. 4. Crédito, pretensão e ação .5.Direitos formativos contidos no crédito. 6. Podêres e direitos. 7. Exceções. 8. Direitos e pretensões inútil 2.681. lados Execução forçada. 1. Patrimônio e execuÇão forçada. 2. Responsabilidade irrestrita e responsabilidade restringida. § 2.682.Titulos executivos.1.Tutela jurídica executiva. 2.Problemas ligados à executividade. 3. Patrimônio ereatriçõesà responsabilidade.4.Pluralidade de credores33§ 2.683. Direitoa acessórios.1. Direitos e aceasoriedade. 2.Elementos e direitos acessórios § 2.684. prestaçâo . 1. Obrigação e patrimonialidade. 2. Licitude do objeto. 3. Possibilidade do objeto. 4. Determinação determinabilidade da prestação § 2.685. Regra. juridica. do Livro III do Código Civil. 1. Código Civil, Livro III. 2. Divisio da matéria 47 CAPITULO II FONTES DAS OBRIGAÇÕES Fatos jurídicos e obrigações . 1. Licito o ilícito. 2. Licito e obrigação. 8. Espécies de ilícito ................ Ato. juridicos. 1. Eficácia, dai atos jurídico.. 2. Negócios jurídicos unes 1. Conceito do extensão. 2. Fixação peLo negocio Jurídico. 8. Negócio jurídico, ou 1.1... 6G

Tratado de Direito Privado Tomo22

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TRATADO DE DIREITO PRIVADO

PARTE ESPECIAL

TOMO XXII

Direito das Obrigações: Obrigações e suas espécies. Fontes e espécies de obrigações. LIVRO IV DIREITO DAS OBRIGAÇÕES TITULO 1 OBRIGAÇÕES E SUAS ESPÉCIES PARTE 1 Obrigações em geral, fontes e espécies das obrigações CAPITULO 1 DIREITOS, PRETENSÕES E EXCEÇÕES; DEVERES E OBRIGAÇÕES § 2.679.Conceito de direito da. Obrigação . 1. Obrigações e vinculou pessoais. 2. Negócios jurídicos de direito das obrigações e negócios jurídicos de direito das coisas. 3. Acordos de constituição e de transmissão. 4. Auto-regramento (dito “autonomia da vontade”) e direito das obrigações. 5. Direitos absolutos e direitos de obrigação. 6. Conceitos de “obrigação ”. 7. Interesse do credor e obrigação 7 § 2.680.Figurantes da. Relação juridica. 1. Devedor e credor.2.Dívida, crédito; obrigação, pretensão. 3. Dever e obrigação crédito e pretensão. 4. Crédito, pretensão e ação .5.Direitos formativos contidos no crédito. 6. Podêres e direitos. 7. Exceções. 8. Direitos e pretensões inútil 2.681. lados Execução forçada. 1. Patrimônio e execuÇão forçada. 2. Responsabilidade irrestrita e responsabilidade restringida. § 2.682.Titulos executivos.1.Tutela jurídica executiva. 2.Problemas ligados à executividade. 3. Patrimônio ereatriçõesà responsabilidade.4.Pluralidade de credores33§ 2.683.Direitoa acessórios.1. Direitos e aceasoriedade. 2.Elementos e direitos acessórios § 2.684. prestaçâo . 1. Obrigação e patrimonialidade. 2. Licitude do objeto. 3. Possibilidade do objeto. 4. Determinação determinabilidade da prestação § 2.685.Regra. juridica. do Livro III do Código Civil. 1. Código Civil, Livro III. 2. Divisio da matéria 47 CAPITULO II FONTES DAS OBRIGAÇÕES Fatos jurídicos e obrigações . 1. Licito o ilícito. 2. Licito e obrigação. 8. Espécies de ilícito ................ Ato. juridicos. 1. Eficácia, dai atos jurídico.. 2. Negócios jurídicos unes 1. Conceito do extensão. 2. Fixação peLo negocio Jurídico. 8. Negócio jurídico, ou 1.1... 6G

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CAPITULO IV OBRIGAÇÕES DE DAR Conceito de obrigação de dar. 1. Divida e obrigação. 2. Espécies de obrigações de dar Obrigações de dar coisa oferta. 1. Certeza da coisa. 2. Acesso e pertenças. 8. Perda ou deterioração de coisa, pertencente ao devedor, antes da tradição. 4. Propriedade ou posse ou titularidade da coisa certa e tradição. 5. Obrigações de restituir. 6. Melhoramentos, acréscimos e frutos. Dividas pecuniaria.. 1. Função do dinheiro. 2Dividasde dinheiro aulas de moeda. 1. Espécies de cláusulas de moeda. 2.Se há regra jurídica “a priori” de vedação de cláusulas-ouro Obrigações de dar coisa incerta. 1.Indicação mínima. 2.Prestação da coisa incerta. 3. Responsabilidade antes da concretiação . 4. Concretização. 5. Efeitos da concretização CÂPITULO V OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER Conceito. 1. Obrlgaç5ea negativas. 2. Obrigação de tolerar. 3. Obrigação de incursão pasaiva. 4. Transmissão das obrigações de não fazer § 2.700. Inadimplemento das obrigações de não fazer. 1. Resolução do contrato e outras sanções. 2. Impossibilidade3.Prescrição . 4. Extinção CAPITULO VI OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS 2.701.Conceito de obrigações alternativas. 1. Alternatividade e objeto da prestação. 2. Direção da pretensão com alternativa1 § 2.702.Fontes das obrigações alternativas. 1. Negócio jurídico 2. Alcance do Código Civil, arts. 884-888127§ 2.703.Direito de escolha. 1. Conceito de escolha. 2Eficáciada escolha. 3. Mora e escolha 2.704. Titularidade do direito de escolha. 1. Quem pode escolher. 2.Escolha por terceiro. 3. Pluralidade de titulares de escolha 4 2.705.Exercicio do direito de escolha. 1. Natureza da escolha como ato jurídico “stricto sensu”. 2. “Facultas alternativa” e escolha. 3. Dispositividade de regras jurídicas. 4. Prescrição e escolha. 5. Dever de exibição dos objetos. 6.Pluralidade de prestações e escolha. 7. Representação e exercício do direito de escolha 132 2.706.Impossibilidade da prestação. 1. Obrigação alternativa e impossibilidade. 2. Nenhuma culpa dos figurantes. 3. Impossibilidade anterior e impossibilidade superveniente à conclusio do negócio jurídico136 2.707.“Facultas alternativa”. 1. Obrigação alternativa e facultas alternativa”. 2. Prestações a serem feitas. 3. Crédito com “facultas alternativa”. 4. Oferecimento da prestação CAPITULO VII OBRIGAÇÕES DIVISíVEIS E OBRIGAÇÕES INDIVISíVEIS 4 2.708. Conceito de divisibilidade e conceito de indivisibilidade. 1.Precisões conceptuais. 2. Divisibilidade e indivisibilidade. 3. Objeto divisível, e objeto indivisível. 4. Direitos que se hio de prestar. 5. Doutrina romana. 6. Conteúdo da regra jurídica do Código Civil, art. 889. 7. Definição de obrigação indivisível e de obrigação divisível 4 2.709.Causas da indivisibilidade. 1. Preliminares. 2. Lei e indivisibilidade. 3. Manifestação de vontade. 4. Adimplementos parciais e prestações sucessivas. 5. Limites da incidência do art. 889 do Código Civil 1 § 2.710. Pluralidade subjetiva. 1. Conceitos. 2. Espécies ....

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2.711. Pluralidade de devedores. 1. Posição do problema. 2. Prestação (objeto) divisível e pluralidade de devedores. 3. Prestação (objeto fáctico) indivisível e pluralidade de devedores § 2.712.Regramento interno em caso de indivisibilidade subjetiva. 1.Natureza da regra jurídica do Código Civil, art. 891, parágrafo único. 2. Em caso de falta de regramento... 2.713.Unidade, frações e pluralidade de prestações. 1. Principio da indivisibilidade da prestação. 2. Restrição feita à prestação 2714.Obrigações a prestação continuada. 1. Prestações de uma vez e prestações continuadas. 2. Prestações contínuas. 2715.Obrigações a prestações reiteradas e parciais. 1. Conceitos. 2. Prestações sucessivas 2716.Pluralidade de credores. 1. Indivisibilidade e pretensão.2.Credores da prestação indivisível. 3. Mudança do objeto da prestação. 4. Outros sistemas jurídicos CAPITULO VIII DEVER DE INDENIZAR 2717.Preliminares. 1. Conceito de dever de indenização. 2. Espécies de indenização. 3. Valor e indenização. 4. Causação (fato e dano). 5. Algumas espécies 2718.Causas do dever de indenizar. 1. Fatos ilícitos, em geral. 2.Responsabilidade e capacidade. 3. Atos-fatos ilícitos,fatos ilícitos “stricto sensu” e atos lícitos. 4Pluralidadede devedores de indenização 2719.Atos, atos-fatos e fatos simples positivos. 1. Causas positivas. 2. Fato ilícito “stricto sensu” positivo 2720. Omissão. 1. Causa de dano. 2. Dever de atividade. 193 ‘21. Culpa ou risco do ofendido. 1. Dano e culpa de quem o sofreu. 2. Pressupostos da concorrência. 3. Direito comum. 4. Direito brasileiro. 5. Concorrência da culpa do ofendido. 6. Responsabilidade do ofensor, pelo fato ilícito “stricto sensu”, ou pelo ato-fato ilícito. 7. Responsabilidade do ofendido, por fato ilícito “stricto sensu”, ou pelo ato.fato ilícito. 8. Dolo do ofensor. 9. Relação causal e grau de culpa. 10. Representação legal e culpa do ofendido.11.Auxiliares e serviçais. 12. Orgão das pessoas jurídicas e culpa própria. 13. Estimação da indenização.... 2722.O que se há de indenizar. 1. Extensão do dano. 2. Dano patrimonial e ressarcimento. 3. Dano emergente e lucro cessante. 4. Avaliação dos danos 2723.Dano moral. 1. Indenizabilidade do dano moral. 2. Reparação moral. 3. Transmissão do dever de indenizar o dano moral. 4. Dano moral e transmissão hereditária do direito 2724.Ônus da prova. 1. Prova do nexo causal. 2. Concorrência de causa, da parte do ofendido. 3. “Compensatio lucri cum dano”. 4. Perda da coisa ou do direito e dever de indenizar. 5. Momento em que se aprecia o valor do bem ofendido. 6. Ofendido, que evita ser concausador e agravador do dano 2725.Reposição natural. 1. Reparação primacial. 2. Ressarcimento e Uius tollendi”. 3. Ressarcimento e direito de retenção 2726. Pretensão ã prestação de contas. 1. Contas e inventário. 2.Cumulação de ações CAPITULO IX DEVER DE RESTITUIÇÃO 727. Conceito de restituição. 1. Crédito e restituição. 2. Traços comuns e traços distintivos. § 2.728. Objeto da restituição. 1. Generalidades sobre o objeto darestituição.2. Alegação de não ser titular do direito depropriedade § 2.729.Ato de restituição. 1. Conceito e natureza. 2. Espécies complexas.3. Dever de § 2.730.Nascimentos extinção dó dever de restituição. 1. Nascimento - 2.Entrega da coisa restituenda a terceiro, em vez de ao credor. 3. Falência e outros concursos de credores.4. Extinção do dever de restituição

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CAPITULO X DEVER DE REEMBOLSO DE DESPESAS § 2.731.Conceito de despesas. 1. Despesas. 2. Despesas e danos § 2.732.Reembôlso. 1. Valor do reembôlso. 2. Juros § 2.733.“lus toflendi”.. 1. Direito de toler. 2. Nascimento douius tollendi”. 3. Restituição com detrimento da coisa.4.Terceiros e “ias tollendi”. 5. Exercício do “ius tol-lendi” § 2.734.Direito de retenção. 1. Conceito e natureza do direito de retenção. 2. Prestação retenda. 3. Acessoriedade do direito de retenção. 4. Direito de retenção e dicotomia “pessoal” e “real”. 5. Fontes do direito de retenção. 6. Pré-excluibilidade do direito de retenção 2735.Pressupostos - 1. Princípio da conexidade dos créditos.2.Vencimento do crédito. 3. Aplicação de princípios. 2736.Eficácia do direito de retenção. 1. Princípios básicos.2.Adquirentes do bem retendo. 3. Credores do dono ou titular do crédito sobre a coisa retenda - 4. Credores privilegiados e titulares de direitos reais. 5. Direito de re-tenção e compensação de créditos. 6. Extensão do direito de retenção § 2.737.Exerci cio do direito de retenção. 1. Oponibilidade da exceção - 2. Condenação e “ius retentionis”. 3. Direito de retenção e mora do devedor - 4. Mora do credor e direitoderetenção. 5. Omissão de exercício de retenção. 6. Julgamento sobre oposição de direito de retenção. 7. Ação de-claratória e direito de retenção. 8. Prescrição e direito deretenção § 2.738.Casos principais de direito de retenção. 1. Direito de re-tenção “legal” - 2. Penhor e direito de retenção. 3. Devedor de coisa certa. 4. Locatário e direito de retenção.5.Mandatário e direito de retenção - 6. Depositário e di-reito de retenção. 7. Danos causados pelo objeto da prestação. 8. Quitação e direito de retenção. 9. Dono do negócio e direito de retenção. 10. Alienante, evicção e direito de retenção. 11. Gestão de negócios alheios e direito de retenção. 12. Mora do credor. 13. Armazéns gerais, docas, emprêsas de transportes. 14. Leiloeiro e direito de retenção. 15. Empreiteiros. 16. Cônjuges e direito de retenção. 17. Herdeiros e direito de retenção. 18. Desa-propriação e direito de retenção. 19. Decretação de nulidade ou de anulação e direito de retenção. 20. Considera-ções finais § 2.739.Extinção do direito de retenção. 1. Extinção da pretensão de que nasce o direito de retenção. 2. Extinção da pretensão devida. 3. Caução para se assegurar a e a satisfação do direito de retenção. 4. Outras causas de extinção . CAPITULO XI DEVER DE PRESTAR SEGURANÇA Prestação de segurança. 1. Conceito e natureza. 2. Fontes do dever de segurança Espécies de prestações de segurança. 1. Dicotomia básica.2.Consignação ou segurança consignativa300 CAPITULO XII NÃO À CESSÃO DA PRETENSÃO CONTRA TERCEIRO -Precisões conceptuais. 1. Indenizar, restituir, segurar e reembolsar e outros modos de satisfação. 2. Pretensão do credor à cessão da pretensão à indenização Conceito e natureza. 1. Conceito e nome. 2. Quando nasce a pretensão à cessão. 3. Fatos de que se pode irradiar a pretensão cedenda. 4. Natureza da ação de pretensão à cessão da pretensão contra terceiros. 5. Espécies de pre tensões contra o terceiro L.Divida de indenização por impossibilidade. 1. Pretensão à cessão. 2. Divisibilidade e impossibilidade 311 Considerações finais. 1. Princípios. 2. Outros sistemas jurídicos. 3. Relação jurídica com mudança de conteúdo e relação jurídica nova

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CAPITULO XIII OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS 6.Pluralidade de credores e pluralidade de devedores. 1. Conceitos preliminares. 2. Obrigações solidárias e obrigações correais. 3. Conteúdo dos créditos solidários e das obrigações solidárias 7.Fontes e espécies de solidariedade. 1. Lei e negócio jurídico. 2. Solidariedade ativa e passiva. 3. Cláusula explícita e cláusula implícita de solidariedade SEÇÃO 1. SOLIDARIEDADE ATIVA ~8.Credores solidários. 1. Conceito. 2. Cláusula de solidariedade. 3. Determinações mexas 19.Fatos supervenientes concernentes «. um dos créditos solidários.’ 1. Principio geral. 2. Eficácia dos créditos solidários. 3. Mora e impossibilidade da prestação. 4. Prescrição Eficácia da solidariedade. 1. Consequências da solidariedade. 2. Objeções, exceções e compensações. 3. Garantias. -Extinção dos créditos solidários. 1. Princípios. 2. Litispendência. 3. Demanda por um dos credores Credores eoUddrios entre si. 1. Relaç5es entre os credores solidários. 9. Pretensões entre devedoress solidários .. Créditos e dividas pseudo-solidarios. 1. Concorrência de pratens6es ou de obrigações . 9. As dlstinç6es perante a dou.Devedores solidarios. 1, Conceito, 9. Construção da solidariedade passiva. 3. Fontes da solidariedade passiva. 4.Espécies frequentes. 5. Obrigações solidárias e sua eficácia 0. Sucessão nas dividas ..830 9,755,.Eficiencia da solidariedade passiva.1.Redação jurídica em que há a solidariedade passiva.2,ImpossibIlidade d aprestação. 8. Obrigaçãoalternativae solidariedade passiva , Mora de um dos obrigados solidários. 5. Mora do credor. 6. Convenções ulteriores do devedor solidário. 7.Sucessão hereditária. 8, Prescrição Extinção das obrigações solidárias . 1. Causas de extinção. 9, Direito romano e comum. 8. Direito brasileiro..., Relação juridica entre os obrigados ao solidario 1. Pretensões oriundas de relação jurídica interna. 9. Solução da divida ar um ou alguns dos devedores, 3. Enriquecimento CAPITULO XIV OBRIGAÇÕES EM MÃO COMUM CAPITULO XV OBRIGAÇÕES ABSTRATAS 2.768,Conceito de crédito abstrato e de obrigação aba tsata, 1. Promessas de divida abstratas e promessas de divida abstratinadas. 9. Problema técnico da abstração. 3. Negócios jurídicos que podem ser abstratos 12.764.Técnica juridica da abstração. 1. Momento de se abstrair. 2 Gradação em matéria de abstratividade 8 3~ Direito romano e comum, 4. Direito alemão. 5~ Direito inglês. 6.Direito francês. 7. Outros sistemas jurídicos. 8. Atitudes erradas ou superadas 9. Sistema jurídico brasileira Eficácia do negócio juridico abstrato. 1. Validade e eficácia - 2. Princípios. 3. Nulidade e negócio jurídico abstrato - 4. Relação entre o negócio jurídico abstrato e a obrigação causal Obrigações abstratas e enriquecimento injustificado. 1. Causa e enriquecimento sem causa - 2. Conteúdo do art - do Código Civil402

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LIVRO IV

DIREITOS, PRETENSÕES E EXCEÇÕES; DEVERES E OBRIGAÇÕES § 2.679. Conceito de direito das obrigaç6ea 1. OBRIGAÇÕES E VÍNCULOS PESSOAIS. Quando se vai falar de direito das obrigações já se restringe a tal ponto o conceito de obrigação, Já se pr6-excluem obrigações que não entram no quadro, e de tal modo se precisa o conceito, que em verdade melhor teria Bido que às obrlgaç6es que são objeto do Direito das Obrigações se houvesse dado outro nome. Porque a direito corresponde dever, de que o devido é objeto a prestar-se, e a pretensão corresponde obrigação, sem que se possa negar que há pretensões e obrigações fora do Direito das Obrigações . Essa restrição operou na mente humana como se fosse faixa que recobrisse parte dos fatos; e chegou-se, erradamente, a pretender que o dono do bem gravado deva ao titular do direita de garantia e assim se carrearia para o direito das obrigações a relação jurídica real. Tal deformação, contorcendo a realidade, acabou, em muitos, por cegar a psique. Os que não vêem que o sujeito passivo, nos direitos reais de garantia, aio todos, e não o dono ou possu!dor, sio vitimas de daltonismo que a restríçção do conceito de obrigação produziu, aqui e ali. Temos, portanto, de tratar das “obrigações”, em senso restrito, sem apagarmos o que também é obrigação e não está no Direito das Obrigações. Temos de ver que, do outro lado, ou logo após, estio obrigações que não cabem no terreno que exploramos: basta que o sujeito passivo delas seja total, “todos”, e não ad “alguém”. O Direito das Obrigações é ramo de direito em que se constituem relações jurídicas de estrutura pessoal; mas, ainda assim, há direitos de estrutura pessoal que estão fora dele. Por ai se vê quão artificial é o conceito, e como havemos de ter cuidado no trato do artificial, sem que a artificialidade nos engane. Nas ciências físicas ainda há conceitos que provêm de certos momentos históricos e se ressentem dessa origem. Não é de admirar que os haja na ciência jurídica, em que o objeto éparte da própria história do homem, ligada a momentos de adaptação que passaram, deixando fórmulas que os tempos posteriores recebem sem as terem criado. No direito romano, as relações jurídicas do direito das obrigações eram mais estritamente pessoais do que hoje. O vinczdum juris prendia as pessoas do devedor e do credor, de modo que o objeto da prestação era secundário. O direito germânico foi que concorreu para essa deslocação dos pontos de ligação, caracterizando a pessocilidade do direito e das pretensões como relação entre sujeito ativo e passivo porém sem a inserção da pessoa em si (cf. B. DELBRÍJcK, Die t?bernahme fremder Sohulden nach gemeinem u. preussischem Reoht, 3 s.; KARL voN AMIRA, Grundrias des germanischen Rechts, 3.a ed.. 212; sem razão, A. HEUSLER, Institutionen des deutschen Privatrechts, 1, 373 s., e II, 226 s.). O devedor de hoje deve o fazer ou o não fazer, ou o dar (que é fazer), mas do fazer ou do não fazer ele é que tem o arbítrio. Se emprega êsse arbítrio contra aquilo a que está vinculado responde pelos danos. As obrigações de dar compreendeas obrigações de entregar posse, propriedade ou outro direito, porém não há a constrição pessoal a isso. A concepção germânica preparou o princípio da transmissibilidade das relações jurídicas de obrigação. 2.NEGÓCIOS JURÍDICOS DE DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E NEGÓCIOS JURÍDICOS DE DIREITO DAS coísÃs. Os negócios jurídicos de direito das obrigações irradiam pretensões pessoais, isto é, pretensões a que alguém possa exigir de outrem, debitor, que dê, faça, ou não faça, em virtude de relação jurídica só entre eles. A pretensão supõe o crédito; a obrigação, a divida. O crédito é direito que se dirige à pessoa do devedor, para que ele preste (= porque ele deve a prestação). Os negócios juridicos de direito das coisas, não: o objeto não é a atividade de alguém, positiva ou negativa; é a coisa, sObre a qual o titular do direito real tem poder que a lei define e delimita. O direito real entra na classe dos direitos absolutos, de que tantas vêzes falamos: existe e exerce-se contra quem quer que seja, pasto que alguém possa ser, no momento, a pessoa mais alcançada por ele (e. g., o possuidor da coisa de outrem, o titular no momento do direito de usufruto, de uso ou de habitação, ou o locatário). O crédito é direito relativo: em princípio, a direção do crédito, ou das obrigações e ações que dele se irradiam, é coiftra o devedor, ou obrigado, ou sujeito passivo da ação. Os terceiros, ainda quando tenham de considerar existente e eficaz a relação jurídica entre o credor e o devedor, ou possam opor a eficácia erga omites de outra relação jurídica em que se acham, não estão na relação jurídica pessoal. Portanto, nem têm dever pessoal, nem obrigação pessoal. A diferença ressalta quando se examina o que se passa ao se comprar sem que a tradição da coisa móvel se opere imediatamente. O comprador não pode apanhar no mostruário, ou no armazém do vendedor, a coisa móvel que comprou, ainda que tenha sido objeto do contrato de compra-e-venda coisa certa (o quadro n. 5 do pintor A, o aparelho de chá que pertenceu ao Rei B). O comprador tem de exigir do devedor que cumpra

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oprometido. Se o vendedor já alienou a propriedade da coisa vendida, a obrigação de prestar, por parte do vendedor, continua, tal como era. O terceiro, que adquiriu, é estranho à relação jurídica entre o credor e o devedor. Se ao devedor já não épossível prestar a coisa, que vendera, tem de responder pelo inadimplemento. Todavia, a técnica jurídica criou eficácia erga omnes a negócios jurídicos de direito das obrigações, para que no tocante ao credor não tenham efeitos as alienações que o devedor leve a cabo. Os expedientes dos registros, que depois serão expostos com a amplitude que se faz mister, servem a essa excepcional extensão aos terceiros, extensão negativa. Dai não exsurge realificação do direito pessoal, da pretensão, ou da ação. O sistema jurídico brasileiro desconhece tua ad rem, isto é, direito de obrigação com eficácia real relativa. Não é direito ad rem o que tem o outorgado de direito de obrigação que recebeu a posse e a exerce. Nem a é o locatário que, em virtude do contrato de locação em que se inseriu a cláusula de ser eficaz em relação aos adquirentes do prédio e foi registado, pode opá-lo a êsses. Na falencia, ou noutro concurso de credores, de regra os credores sio postos na mesma situação, que é a par condicio ereditorura, de modo que sofrem redução nas prestações que lhes tocariam. Os privilégios estabelecem exceçaes, que apenas dão ordem a adimplementos, criando subelasses. O titular do direito real é estranho ao que aconteceu ao falido, ou insolvente: O seu direita dirige-se contra todos, de modo que se nio insere, juridicamente, na massa, não sofre a incidência das regras jurídicas concursais. Se o sujeito passivo tem de prestar o que lhe foi entregue em negócio jurídico real, a sua responsabilidade é rigorosa. Depende do fato de haver recebida; é responsabilidade pelo recebida (Empfangshaftung>. Supõe-se vigilância, custódia, como pius. O que se tem era e é de outrem, ou já é de outrem (e. g., Código Civil, arta. 1.266-1.274, 1.277, 1.251 e 1.253). Se há mora, incidem os arts. 956 e 957 (ad. 958). No direito romano, ligava-se isso a perpetuatio obligationi-s. Uma vez inscrito o acordo de constituição, a eficácia em relação a terceiros nio é somente a respeita de terceiros sucessores do constituinte ou adquirentes de direitos reais sobre os imóveis, é a respeito de quaisquer terceiras. Os frutos pendentes fazemse impenhoráveis pelos credores posteriores àinscrição e não podem ser compreendidos na arrematação, devendo o juiz entender que se aliena o domínio, para se respeitar o acordo de constituição inscrito. 3.ACÓRDOS DE CONSTITIJIÇXO E DE TRANSMISSÃO. Nos sistemas jurídicos do Código Civil francés e da Common La’w, os juristas não tiveram olhos para ver que silo negócios jurídicas diferentes o contrato de compra-e-venda e o acordo de transmis são da propriedade. Âpenas apontavam como dois efeitos do contato, por bem dizer paralelos, o que em verdade vinha de maior profundidade. Dissociaram efeitos, em vez de dissociarem negócios jurfdicos: o contrato de compra-e-venda e o acordo de transmiaio da propriedade; aquele, foco de irradiação da relação jurídica otrigacional; êsse, da vinculação à transmissão, a que se há de seguir a tradição ou o registro, para que de outrem se torne o bem móvel ou o bem imóvel. Quando se teve de elaborar e discutir projeto interestatal de lei uniforme sobre compra-e-venda, tiveram de admitir os juristas dos países que não haviam prestado atenção à dualidade de negócios jurídicos a necessidade da distinçâo. No sistema jurídico brasileiro, com os euremas do “por esta escritura vende e transfere a propriedade e a posse”, nunca se poderia deixar de discernir o contrato de compra-e-venda, o acordo de transmissão da propriedade e o acordo de transmissão da posse. 4.AUTO-REGRAMENTO (fITO “AUTONOMIA DA VONTADE”) E DIREITO DAS OBRIGAÇOES. O direito é processo social de adaptação, um dos processos sociais de adaptação. A técnica legislativa, desde os costumes das tribos primitivas, ao deixar às pessoas a determinação de certos direitos e deveres, de certas pretensões e obrigaç5es, atende a que a adaptação ainda se tem de fazer por meio de contactos individuais. Diminui essa margem, à medida que as regras jurídicas, que se estabelecem, já são cogentes, ou se tornam cogentes as que eram dispositivas ou interpretativas. A maior adaptação caracteriza-se por essa eliminação progressiva do que fica à mercê das manifestações individuais de vontade. 5.DIREITOS ABSOLUTOS E DIREITOS DE OBRIGAÇÂO. Os direitas absolutos distinguem-se dos direitos relativos em que àqueles correspondem deveres absolutos, isto é, deveres de todos (Tornos II, § 163, 2, V, § 617, 6, VII ~§ 727, 763, 9, e XVIII, § 2.139, 1>. Os direitos de personalidade são absolutos; mas absolutos também são os direitos reais. Por onde se vê que a subjetividade passiva total existe assim em direitos reais como em direitos que não são reais. Quem infringe direito absoluto fica obrigado, pessoalmente. A obrigação, em vez de ser absoluta, é relativa. £sse ponto tem sido descurado pelos investigadores, alguns dos quais, por não verem a diferença entre direita absoluto e direito relativo, procuram apontar sujeita passivo individual nos direitos. reais e negam que haja direitos erga omnes.

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O direito de personalidadt existe perante todos, e todos têm de abster-se de qualquer ato que o ofenda. Se alguém o ofende, nascem ao titular do direito pretensão e ação contra o ofensor. A pretensão reivindicatória é contra quem quer que assuma a posse do bem: a ação é contra quem quer que no momento tenha a posse. ODireito das Obrigações é o campo mais vasto dos direitos relativos. Não há pensar-se em que a diferença entre os direitos de obrigação e os outros direitas esteja em que aqueles nascem de coopei~ação entre as pessoas (e. gj E. BETTI,’ Teoria Genetale defle Obôtigazioni, 1, 24) : jem que é que o autor do ato ilícito, do ato-fato ilícito ou do fato ilicito coopera? Nem há pensar-se em que, nos direitos reais, haja atribuYção, e não exista nos direitos de obrigação: os direitos formativos atri-. buemn; quaisquer direitos de obrigação são atribuições. O de que se há mister, em ciência do direito, é de precisão nos conceitos. Tôda preocupação de originalidade na exposição dos conceitos tumultua a investigação. O que o sábio pode fazer, que mereça mais do que expor e precisar, é descobrir diferenças interiores aos conceitos e conceitos novos, que não sejam simples alterações por pendores individuais. 6.CONCEITOS DE “OBRIGAÇÃO”. Em sentido estrito, “obrigação” é a relação jurídica entre duas (ou mais) pessoas, de que decorre a uma delas, ao debitor, ou a algumas, poder ser exigida, pela outra, creditar, ou outras, prestação. Do lado do credor, há a pretensão; do lado do devedor, a obrigação. Logo se percebem as ambiguidades que advêm de se chamar obrigação à dívida e de se deixar de distinguir do crédito exigível o não-exigível. Na verdade, o Direito das Obrigações trata de direitos, deveres, pretensões, obrigações e ações, como todos os outros ramos do direito. Aludindo-se a obrigações, no sentido estrito, de que aqui falamos, corta-se ao conceito de obrigações o que é obrigação fora do direito das obrigações e diz-se obrigação o que às vOzes só é divida. Ali, obrigações são apenas certas obrigações pessoais; aqui, fala-se de obrigação onde há dívida e onde não há obrigação. O Direito das Obrigações é o campo maior dos direitos relativos. Diante do credor há, sempre, o devedor pessoal; e raramente a sua pretensão alcança terceiro. Quem compra bem imóvel ou móvel não pode, só pelo fato de o comprar, tomar posse dele: pode ir contra o vendedor, para que adimpla a obrigação de vendedor. Se o vendedor vendeu o mesmo bem a outrem e, acordando na transmissão, o bem imóvel foi registado como adquirido por essa pessoa, o.u a posse do bem móvel se lhe entregou, o primeiro comprador nada pode pleitear contra Osse terceiro, sucessor singular do vendedor. O que lhe toca é ação pessoal contra o vendedor, ou seu sucessor universal. Nos concursos de credores, inclusive na falência, a diferença entre direitos de obrigação e direitos reais ressalta. Quanto àquele há a par condicio creditorum; quanto a êsses. há a eficácia contra todos, com a conseqúente imunização do direito real ao que não é em relação com todos e prior tempo re. Os três sentidos de “obrigação” continuaram na terminologia jurídica, a despeito de se haverem precisado os conceitos de dever (dívida) e de obrigação e de se terem apontado as obrigações que est&o fora do direito das obrigações. Além disso, há a relação jurídica de obrigação (relação jurídica obrigacional>, com a irradiação de direitos acessérios do crédito, direitos formativos, direitos de resolução e de resilição. Na exposição científica do direito não podemos deixar que a terminologia perturbe o sistema jurídico, ou a visão dele. Ao se lançar, de público, a declaração unilateral de vontade, com o ato de alguém, a que nasça direito, ou ao se concluir o contrato, não se pode dizer que a relação jurídica de obrigação se inicia. Inicia-se a relação jurídica pessoal, porque a prestação pode ainda não ser exigível (= não ter nascido a obrigação). Os créditos e, pois, as dívidas podem ir surgindo, à medida que se avança no tempo, como acontece com os créditos por locação ou reembólso de despesas. Não só: a relação jurídica pessoal pode permanecer, a despeito da cessão dos direitos que dela se irradiaram, como se o locador cede o direito aos alugueres (vencidos ou vincendos) sem transferir o contrato de locação. O locador continua com os seus direitos, fora os que cedeu, e com os seus deveres. 7. INTERÉSSE DO CREDOR E OBRIGAÇÃO. O interesse (lo credor é o que se satisfaz quando se solve a dívida. Tal interesse é de importância, por exemplo, para se saber se foi satisfeito quando terceiro solveu a dívida, ou, no plano do direito pré- -processual, para se responder à questão sobre se há, ou não, in casu, necessidade da tutela jurídica (Código Civil, art. 76; Código de Processo Civil, art. 2.~ e parágrafo único).

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Se o negócio jurídico versou sobre prestação que não poderia, de modo nenhum, ser de interesse do outorgado, crédito não surge. Não se há de pensar em inexistén eia. do negócio jurídico, nem em invalidade. É o caso de quem estipulou que alguém rezasse três orações por dia, ou todos os dias cortasse em seis pedaços uma fôlha de papel. Tal negócio jurídico n~’o foi sério (Tomo IV, § 440). Se o negócio jurídico produziu o crédito e a pretensão, mas, após a irradiação de efeitos, se extinguiu o interesse do credor, extingue-se o crédito e, pois, a pretensão (Tomo III, § 253, 8). Qualquer interesse, ainda não patrimonial, pode ser o do credor. Tanto a prestação pode interessar ao credor quanto a outrem, sendo indireto o interesse do credor. O interesse de beneficência, altruístico, ou de caridade, é interesse como qualquer outro. Se o interesse é moral, à infração do de”er corresponde à indenizabilidade do dano moral. Obem, nos direitos de crédito, é, no fundo, ato do devedor (dare, facere, non facere). Os que afirmam que o direito de crédito recai sobre a pessoa do devedor, confundem o bem e o devedor (pólo da relação jurídica obrigacional). A obrigação de fazer, por exemplo, é obrigação que tem o devedor de praticar ato positivo. O bem é o ato. Quem é obrigado ao ato é o devedor. Portanto, o devedor, a pessoa do devedor, é o sujeito passivo, na relação jurídica obrigacional; o bem, que se deve, é o seu ato. A pessoa do devedor é sujeito passivo, e não bem. Tão-pouco seria de acolher-se a teoria daqueles que vêem no direito de crédito direito sobre o patrimônio do devedor. Ali, o raciocínio escorregou do bem, que é o ato, para a pessoa do devedor, que teria de praticar o ato. Aqui, desliza do bem, que é o ato, para o patrimônio, que, na falta de prática do ato, fica exposto à execução. (No art. 1.174 do Código Civil italiano, diz-se que “la prestazione che forma oggetto dell’obbligazione ... deve corrispondere a un interesse ... deI creditore”. A heterotopia de tal regra jurídica ressalta. Os inconvenientes são graves. O credor é que há de saber até onde vai o seu interesse e pode ter interesse em que se satisfaça prestação que é do interesse de terceiro, sem se ter de recorrer à figura do outorgado de poder de representação, ou do comissário. Assaz louvável foi o comedimento do legislador brasileiro que, ainda a respeito de estipulação a favor de terceiro, se. absteve de aludir ao “interesse”; cf. Código Civil italiano, art. 1.411. O art. 76 do Código Civil brasileiro é regra jurídica de direito pré-processual, como a do art. 2.0 do Código de Processo Civil.) § 2.680. Figurantes das’ relações jurídicas 1. DEVEDOR E CREDOR. O devedor tem de fazer ou de não fazer, de dar ou de não dar, que também são fazer e não fazer. Deve fazer, ou deve não fazer. (Algumas vêzes, leis e juristas empregam a palavra “dever” em sentido mais largo: dever do comprador de apontar os defeitos, dever de apresentar o crédito à falência. Mas, ai, não há dever: quem deixa de apontar os defeitos da coisa comprada, ou de concorrer à falência, acarreta com a preclusão da ação redibitória e quanti minoris, ou sofre a conaseqüência de comparecer à via recursal. Trata-se de ônus ou de incumbências.) A relação jurídica a que correspondem os direitos reais recai sobre a coisa, a res, razão por que pode ser entre o titular do direito e todos: não tem de incidir em ato positivo ou negativo de determinada pessoa, o que a personalizaria. O poder, o senhorio exclusivo, sobre a coisa está ligado a isso. Na relação jurídica do direito pessoal há objeto que está no patrimônio do devedor e é devido, ou é devido corno ato do devedor; na relação jurídica do direito real, o objeto já está no patrimônio do sujeito ativo, de jeito que os sujeitos passivos só devem a abstenção, o atendimento, o respeito. No patrimônio desses o objeto não está; está no patrimônio do sujeito ativo. Ao passo que, tratando-se de direitos de obrigação, está no patrimônio do credor a pretensão a que o objeto venha a ele. O objeto pode ainda não existir, ter de ser feito pelo devedor (contrato de obra ou de serviço, contrato de trabalho, encomenda de livro, ou de obra de arte). 2. CRÉDITO; OBRIGAÇÃO, PRETENSÃO. Ê indiferente ver-se a relação jurídica do pólo ativo para o póío positivo, ou desse para aquele. Não há credor sem alguém que deva: nem devedor sem alguém a quem se deva. Pretensão é o poder exigir a prestação, ainda que se trate de pretensão à abstenção. O direito processual pôs em relêvo pretensões declaratórias e pretensões constitutivas, mas a pretensão oriunda de qualquer direito implica a pretensão à declaração desse direito, ou (lo direito e dela mesma, inclusive somente quanto à sua própria extensão e à extensão da sua eficácia. O credor não é vinculado à obrigação. Vinculado é o devedor. O credor apenas está na relação jurídica, como sujeito ativo. Em todo caso, pode dar-se que terceiro tenha interesse em que o credor exerça atos de salvaguarda do direito, da pretensão, ou da ação que lhe cabe, ou de exercício do direito, da pretensão, ou da ação. Não basta haver o

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interesse, é preciso que, por efeito de negócio jurídico, ou por lei, o credor tenha. de ser diligente, para que lhe nasça dever e obrigação perante o terceiro. Por aí já se vê que não existe, a priori, dever de resguardar direito, pretensão, ou ação, ou de exercê-los. A vinculação provém de outra relação juridi~a, inclusive quando o credor se expõe a medidas fundadas no art. 675, II, do Código de Processo Civil, ou no art. 938 do mesmo Código. Na diligência do credor pode s~r interessado o próprio devedor, com& se o que se deve e se há de prestar tem de ser gravado de inalienabilidade por imposição do próprio devedor; ou de outrem, a favor do devedor. Idem, se do devedor obteve o credor contrato de opção. 3.DEVER E OBRIGAÇÃO; CREDITO E PRETENSÃO. Na linguagem vulgar, empregam-se um por outro os termos “crédito” e “pretensão”, “divida” e “obrigação”, mas o jurista, se quer escapar a erros graves, só os pode usar com a precisão que se há de esperar a tôda investigação cientifica. Inclusive para poder interpretar as leis, ou os decretos, nem sempre feitos por gente técnica. Os créditos são direitos, direitos pessoais. Às vêzes, nas leis e nos livros se encontram expressões como “crédito real”, “dívida real”, mas havemos de recebê-las como elipses.:”crédito (garantido por direito) real”, “dívida (garantida por direito) real”, ou “direito e garantia real incorporados em cédula”, ou “título em que se incorpora direito real de garantia”. As pretensões reais irradiam-se de direitos reais; as pretensões pessoais, de direitos, que podem ser reais ou pessoais. Não se conhecem pretensões reais oriundas de créditos, direitos pessoais: conhecem-se direitos pessoais e pretensões pessoais a que se conferiu eficácia erga omnes (e. g., Código Civil, ad. 1.197). À relação jurídica de obrigação corresponde pretensão. Porém nem tôda pretensão é ligada a relação jurídica de obrigação. Há, por exemplo, as relações jurídicas de direito de família, como a pretensão à entrega da criança. Ocréditc, atribui ao credor o direito à prestação e faz o devedor “devê-la”. A pretensão consiste em poder exigir a prestação. Se o devedor ainda não prestou, tem o credor a pretensão, pretensão que, de regra, pode ser exercida com a tutela jurídica estatal. A ação é mais do que a pretensão, porque, com ela, não só se exige, age-se. Com a tutela jurídica estatal, a ação exerce-se segundo as espécies adequadas (declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental, executiva). Pode faltar a ação, ou a ação e a pretensão, e continuar de existir o crédito. Pode faltar a ação, e continuarem de existir crédito e pretensão. Pretensão e ação são efeitos do crédito. Desde que o Estado verifica que o demandante tem interesse na aplicação da lei ao caso que expôs, a necessidade da tutela jurídica determina que ele defira ou indefira o pedido. Se o juiz defere o pedido, o interesse na prestação (que é outro conceito) tem valor; se não se trata de interesse patrimonial, ainda assim cabe a avalia ção. Por isso mesmo tem-se de afastar qualquer interpretação dos textos legais, ou qualquer atitude doutrinária, que exija das obrigações o serem de interesse patrimonial para o credor. O que não pode ser objeto da prestação é o fazer ou o não fazer que esteja imediatamente ligado àpersonalidade, ao direito de família ou ao direito das sucessões. O direito público também contém direito das obrigações, mas as regras jurídicas desse são próprias (publicísticas), pôsto que, por vêzes, coincidam com as do direito privado das obrigações (O. MAYER, Deuteches Verwaltungsrecht, II, 1.~ ed.,195 s.; O. vON GIERKE, Devtsches Privatrceht, III, 55). Por vêzes os atos de direito público penetram na esfera jurídica privada, mas os princípios constitucionais preestabelecem a reparação dos danos. 4.CRÉDITO, PRETENSÃO E AÇÃO. Começa de existir o crédito desde o momento em que a prestação é <ferida. Prestação devida não é, necessàriamente, prestação que se pode reclamar. Pretensâo há desde o momento em que o titular do direito pode exigir a prestação. j,Pode haver obriga $o sem haver dever (dívida)? Noutros termos: ~. pode haver obrigação de alguém sem que haja direito de crédito? Por mais estranho que pareça, procurou-se. com a afirmativa, explicara situação como a do subscritor e emitente do título de crédito ao portador, a cujas mãos foi ter o título. Então, seria obrigado sem ter direito de créditu. Dar-se-ia o mesmo no caso de título endossável que houvesse voltado ao emitente ou ao aceitante. Quem levantou a questão foi E. VON JEERINO (Die passive Wirkung (ler Rechte. Jahrbiicher fiir die Dogmatilc, 10, 454 s.; cf.: O. STOI3BE, Handbuch des deutschen .Privatrechts, III, 210 s.; P. KRErSCHMAR, Theorie der Confusion, 44 s.). Faltaria, para E. VON JHERINO, o direito, embora exista estado de sujeição ou limitação jurídica na qual pessoa ou coisa fica subordinada. ainda se não existe, no momento, titular que pudesse legitimar-se. A artificialidade ressalta. Não menos artificial foi a construção de O. STOBBE que aludia a direito que dorme. Ao termos de expor a doutrina dos títulos circuláveis ao portador e à ordem, tivemos ensejo de mostrar que E. voN JEERING e O. STOBBE negligenciara a pesquisa científica do que se passa para desfazer contradição só aparente do sistema jurídico. A “relação jurídica sem sujeito”, a que se apegou E. 1. BEKKER (System, 1, § 18, 51 a.), foi tentativa desesperada de deixar a contradição como se fôsse inevitável. Tinha de ser refugada, por ser inconcebível relação sem pólos entre os quais se dê. Outros escritores, em desespêro, viram pólo <sujeito) sem relação jurídica (e.

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g., HANS REICHEL, Der Begriff der Frucht, Jherings Jahrbiicher, 42, 258), o que não é menos absurdo. Se a pretensão não é satisfeita, surge a ação, que, de ordinário, tende, com o pedido de tutela jurídica, a condenar o demandado a prestar. À sentença condenatória segue-se a ação executiva de sentença. Pode ser que a divida seja, por si, título executivo, e então já se inicia a lide com a execução, tendo-se o titulo como hábil a incompleta cognição. Ocredor tem pretensão contra o devedor, isto é, pode reclamar a prestação que lhe é devida e a que o devedor está na obrigação. Nessa relação, são sujeitos ativo e passivo ele e o devedor. A ação nasce do inadimplemento. O exercício da ação era entregue ao próprio credor, mas, tendo o Estado proibido, em princípio, a justiça de mão própria, monopolizou a justiça. O credor expõe o seu direito, aponta a pretensão e ação, que tem, e pede que o Estado cumpra a sua promessa de fazer ser respeitado o direito. Essa pretensão contra o Estado éinconfundível com a pretensão coútra o devedor, res in indicium deducta. Quando o Estado reputa a causa, ou algum documento, inclusive a sentença, suficiente para a execução estatal, que é a única que ele admite, depois que proibiu a ajuda própria ofensiva, de que falamos (Tomo II, §§ 191-196, 218, 2), alia a essa condição de especialidade da causa ou certeza jurídica o conferimento de pretensão a executar, pretensão à tutela jurídica, como tôdas as outras. A certeza está longe de ser a mesma para todos os casos de eficácia executiva. A cognição da pretensão de direito material pode não ter sido definitiva, antecipando-se-lhe a execução; porque, em tais casos (raciocina o legislador), o que mais acontece é merecer o conferimento de efeito executivo o pedido, o documento ou a sentença. Alguma cognição há; não há completa. As razões que tem o legislador para antecipar a executividade, ou advém da natureza da obrigação e da cártula em que se inscreve (1), ou da natureza circulatória do título (2), como se dá com os títulos cambiários, ou devido à pessoa do credor e ao valor probante dos seus escritos (3). Nas espécies (1), o efeito executivo é superficial; nas espécies (2), parcial ou com ressalva, porque só se admitem algumas exceções do réu; nas espécies (3), a particularidade é subjetiva, salva a defesa do devedor (processo, já evoluido, injuncional). A parcela de cognição, com que se começa, justifica, no plano da construção jurídica, que se “adiante” ao autor a prestação jurisdicional de execução. “Parcela”, dissemos, para que o térmo possa compreender (a> o simples adiantamento (cognição adiantada), correspondente à provisoriedade característica da execução, (b) a cognição parcial (quer dizer “salvo” exceções admitidas), (e) a cognição de primeiro exame ou superficial, (d) a cognição injuncional. Em qualquer desses processos, há cognição, maior ou menor, pôsto que incompleta; em todo caso, menor do que a operada na execução de sentença (Código de Processo Civil, arts. 882, 886, 889, 892-894, 906, 1.008-1.016). A correspondêneia entre a dose de cognição e a espécie de executiva é dado de técnica legislativa; de lege lata, constitui elemento de interpretação das regras da lei processual. Como espécie de procedimento especial, o processo executivo caracteriza-se pela prevalência da eficácia executiva, em comparação com a eficácia declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental, portanto com a função declarativa, constitutiva, de condenação e de mandamento do juiz. Não que essa cognição não se complete: apenas ~e adianta a prestação jurisdicional, que passa a ser, nas execuções provisórias, isto é, nas espécies (a), completa quanto ao objeto e incompleta no tempo (portanto, provisória) ; ou se adianta em parte, quanto ao objeto, pela possibilidade de se contra-executar, tal como acontece às espécies (b) ; ou se adianta, nas espécies (e), em virtude de primeiro e superficial exame, como ato de fé no valor mesmo dos escritos. Em tôdas as quatro classes, ressalta que a prestação jurisdicional se completará por ocasião da sentença final (Código de Processo Civil, arts. 301, 294-297; e art. 1.016). Portanto, o executivo Código de Processo Civil, arts. 298-301 é apenas aquéleem que, em vez de separado do processo cognitivo pino, em que a execução é outro processo, com a sua particularidade de inversão, o efeito executivo é atendido antes <te se completar a cognição, que tem, nête, dois momentos: um inicial e outro final. O processo ordinário e outros processos, de cognição completa final (e nenhuma, que se possa levar em grande conta, inicial), constituem os processos normais; os executivos por títulos extrajudíciais, os anormais. À base desses está favor, interesse de execução vem à frente da simples e serena convicção completa do orgão do Estado. O proceasus ezecutivua, de origem medieval, que ainda se encontra no Código de Processo Civil, foi o resultado da experiência em que se não prosseguiu de se estabelecer forma processual correspondente à espécie de pretensão à tutela jurídica. Os velhos juristas portuguêses chamavam à execução de sentença (que se proferiu causa cognita, quer dizer, com a completa cognição) execução mera, e aos juizes da execução, executores meri, porque só lhes caberia tratar da execução das sentenças, não da justiça delas (“debent tractare de executione sententiae, neque de iustitia illius possunt se ulIo modo intro.. mittere”). As ações executivas de cognição incompleta diziam-se mistas, porque, embora sejam causa non cognita, se evidenciam executivas per concessionem factam per Principem. A defesa faz-se para atacar a concessão (PEDRO BAIWoSA, Commentarii ad interpretationem 2’ituli Pandectarum de iudiciis, 462). Nas ações de cognição ações declarativas em sentido larguíssimo, de que não usamos há enunciados sobre

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incidência (tôda aplicação de lei é enunciado sobre incidência) e certa quantidade de raciocínio que o juiz deve fazer. Nas ações executivas, ou há também, pela duplicidade de elementos (cognitivo, executivo), Osse raciocínio, como é o caso das ações do Código de Processo Civil, ad. 298; ou ficou para trás, noutro processo, a cognição, como ocorre com as ações de execução de sentença. O enunciado sobre incidência, nas ações executivas, é mínimo, e não tem raciocinio posterior, que leve a conclusões. Tudo se resume ém admitir a execução, levá-la a cabo e confirmá-la, se preciso. “O titulo é executivo: deferido o pedido de execução”. A defesa do executado pela sentença em .embargos, não em contestação, e a do terceiro tambêm em embargos ou pelo recurso (com elemento mandamental negativo) do terceiro prejudicado (Código de Processo Civil, ad. 815), são ataques noutro processo, que, ainda no caso do recurso, conserva tôda a reminiscência da ação autônoma. Nas ações executivas do ad. 298, os dois elementos, o executivo e o condenatório, enchem o processo, de modo que a ação não deixa de ser (ou já é> executiva, embora se tenha de desenvolver o processO de cognição. Otitular do direito pessoal patrimonial pode, como todo titular de direito, ter interesse em que se declare a relação jurídica em que é sujeito ativo. O interesse pode ser na declaração da relação jurídica de pretensão (para o sujeito passivo, relação jurídica de obrigação). Pode o seu Interesse ser mais especializado: em que se declare a ação que lhe toca, ou em que se declarem as ações que lhe tocam. Ao titular do direito é dado propor, apenas, a ação de indenização por inadiinplemento, ou por inadimplemento não~satisfatório. A ação de perdas e danos é separável da ação de execução forçada e, por vêzes, como se a execução efetiva é impossível, tem de ser separada. A pretensão dirige-se contra o obrigado. No direito das obrigações, pessoalmente. O titular pode exigir a prestação, isto é, pode pretender. Os meios de execução vão do lembrete e da interpelação até a execução forçada, hoje limitada ao patrimônio do obrigado, por se ter eliminado a constríção do ccrWU debitoris. Se o obrigado, com o aviso, o lembrete, a ínterpelação, ou a citação não adimple, obrigado, que está, pela divida, tem a pretensão à tutela jur&Iica, que corresponde à obrigação doEstado a aplicar a lei, a fazer justiça, pois, tomando-se a si tal função, como monopólio, prometeu a prestação jurisdicioIi~l. Através dos seus órgãos, o Estado atende às ações que nasceram ao credor ou ao titular da pretensão. Uma delas a mais eficiente, a ação por bem dizer-se exaustiva é a ação executiva: o Estado faz passar ao patrimônio do credor o que é indispensável à satisfação das suas pretensões ou da sua pretensão . Por vêzes se encontra nos livros que a obrigação se dirige contra o patrimônio do devedor, e não contra ele. A confusão é evidente. A relação jurídica somente pode ser entre pessoas. Não há relações jurídicas entre pessoa e animal, ou pessoa e coisa, ou entre animais, ou entre coisas. Nos tempos primitivos e na antiguidade, a justiça de mio própria exercia-Se contra o corpo do devedor ou contra o seu patrimônio, mas após o inadimplemento ou adimplemento uio~satisfatóriO. Hoje, o Estado chamou a si tal função. A relação jurídica processual passou a ser entre credor e Estado e Estado e devedor. Tanto é de repelir-se a teoria da obrigação vinculativa da pessoa (o que, em verdade, tornaria “reais~~ todos os direitos) quanto à da obrigação vinculativa do patrimônio, o que elimina, por bem dizer, a obrigação, para só mostrar a subordinação do patrimônio ao credor. Nem se salva a teoria com a concepção de transferência (fictícia, de parcela do patrimônio do devedor ao credor, e. g. E. 1. BEKKER). A obrigação nem é nem nunca foi vinculo da pessoa. Sempre foi obrigação de ato, vinculo a praticar ato, positivo ou negativo. A manlfl injeetio era modo de execução, não elemento necessário da definição da obrigação. O que é grave é que, ainda hoje, grande parte da doutrina raciocina como se a obrigação fôsse vinculo da pessoa; outra, como se a ele houvesse sucedido a vinculação do patrimonio. A bonorura venditio, que veio após a mania iniectio, não justifica que se pense em vinculo do patrimônio. Vinculo só há entre pessoas. Não há vínculo das coisas, em’ se tratando de direitos reais, nem vinculo de pessoas, no que tange aos direitos pessoais. Vinculo, no sentido de relação que liga, só existe entre pessoas, totalmente (direitos reais), ou singularmente <direitos pessoais). Tôda confusão entre sujeito passivo e objeto perturba e turba, profundameflte~ o sistema jurídico. A evolução que se operou foi no tocante ao modo de ezecução, e não quanto ao objeto da obrigação. Onde se mantém a forma constritiva da prisão por divida, o que é estranho ao sistema jurídico brasileiro <constitinção de 1946, art. 141, § 22), é fácil a confusão que faz ter-se a pessoa do devedor como objeto da obrigação. A prisão até pagar seria forma de constrição forma de execução seria a prisão que se convertesse em capitis deminutio mazima. Sendo máxima a capitis de,ninittiO, uma cabeça. caput, deixaria de figurar no círculo de homens com personalidade (GEKHARD BESELER, Beitrilge, IV, 92). Mas tudo leva a crer-se em que a capitis deminutio minima foi a mais antiga, o que afasta que se tenham obligatio e risco de capitis deminutio maxima como correlativos. A mania iniectio era após trinta dias que se davam uara a solução da dívida. Após éles, o devedor era conduzido até o Pretor que, não aparecendo fiador, adjudicava o devedor ao credor. Ainda tinha de ser exposto no mercado o devedor, por três dias, para que alguém o resgatasse, solvendo a dívida. Se ninguém aparecia, o credor ou matava ou

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vendia, fora de Roma, o devedor. Êsses expedientes típicos da violência romana não permitem ver-se na obrigação ligação do devedor com o seu corpo, ou com a sua pessoa. A legis acUo per nzanus iniection em era técnica de execução, e não consequência necessária da obrigação. A obrigação resulta do dever; quem é obrigado só o éporque deve. Como há de solver se voluntâriamente não o faz, isso é questão que diz respeito à justiça de mão própria, ou à justiça estatal, já pertence ao direito proce~sual. Há pessoas que devem e não podem ser executadas (cf. Código de Processo Civil, art. 918. parágrafo único). A prisão por dívida, inclusive, hoje, a do depositário (Código Civil, art. 1.287), é medida constritiva. Foi meio de execução, se consistia em capitis derninutio maxuna, ou em exigência de trabalhos forçados para adimplemento (KAaL voN AMIRA, Nordgerntanisches Obligationenrecht, II, 172 s. ; II. BRUNNER, Deutsche Rechtsgeschichte, II, 23 ed., 477 s., e Grunázilqe, 63 ed., 214; R.LOENING, Der Vertragsbruch, 247; M. RINTELEN, Schuldhaft und Einlager im Voltstreckungsverfahren des altniederUindisehcn ?,nd siichsischen Reehts, 111 s.). A distinção entre a divida, com a sua relação jurídica, e a execução por infração, a despeito da falta da investigação cientifica, vem de tempos anteriores ao direito romano (cf. P. KosclÀíER, Ba bylonisch-assyrisches Bftrgsehoftsrecht, 109-116; J. PARTSCH, Griechisebes Bilrgschaftsrecht, 1. 7 s.; E. RABEL. Grundzlige des rú,nisehen Privatrechts, 73 ed., 453; O.CORNIL,~ Debit,’m et obligatio, Mé?anges Giiard, 199 a.; OTTO voN GIERCE, SchuId nnd Haftung, 6 s., 98 a.). Observe-se que não confundimos a obrigação e a executabilidade do patrimônio. O Estado, se a sua legislação não permite que se lhe penhorem os bens, (leve e é obrigado, pôsto que a execução não se possa iniciar. Essa limitação é pré--processual, e não de direito material. Quando muitos juristas resistem à concepção da obrigação em que o interesse do credor é só moral também são vitimas da confusão entre dever (e obrigação) e executabilidade da dívida. Têcnicamente, foi Orro exigir-se, em tantos sistemas jurídicos, que o interesse seja só patrimonial, e ainda o é onde se postula que a prestação há de ser suscetível de avaliação econômica (e. g., Código Civil italiano, art. 1.174, 1.a parte). Ao direito pré-processual é que cabe dizer se e até onde concebe a pretensão executiva. Pré-excluir a irradiação da obrigação por se não poder avaliar o interesse moral é dar-se a direito, que é, por definição, sobre aplicação do direito material, formular regra jurídica sobre não-incidência do direito material. Não só é difícil de conceber-se dano moral irressarcivel como também, sem ressarcimento, se pode constranger a que se não cause o dano moral ainda, se irressarcível: mediante o preceito cominatório. O dever de prestar independe e vem antes da executabilidade. A assimilação dos direitos pessoais aos direitos reais, porque, no fim de contas, é sobre bem do patrimônio que se vai executar, peca, como tôdas as outras concepções do direito de obrigação como direito sobre o patrimônio, ou sobre parcela dele. Ainda quando se recorra à escapatória da “expectativa jurídica”, a que se agarrou, como em naufrágio, O. PACCHIONT (Trattato detie Obbligazion.i, 1, 46 a.). Não há expectativa de executar forçadamente: há apenas a possibilidade de que o ato ilícito relativo ocorra. As assimilações dos direitos reais aos direitos pessoais, ou vice-versa, tentam apagar o que historicamente se construiu e atendeu à natureza das coisas e a necessidades da vida. Algumas chegaram a absurdos ridículos, como a de F. CARNELUTTI (Studi di Diritto civile, 241 5.; Teoria generale dei Diritto, 244 s.), que foi ao ponto de tentar reduzir a obrigação de fazer a obrigação de tolerar a incursão do credor. Porque quem deve é o sujeito passivo da relação jurídica, a confiança, que ele inspira, pesa no crédito que ele merece. Porque, se ele não adimple, ou só insatisfatôriamente adimple, têm-se de pedir ao Estado a condenação e a execução, e o patrimônio, que ele tem, a sua fortuna, confirma ou afirma a sua solvabilidade. Quando se fala de responsabilidade do patrimônio, ou do bem, de Haftung, no sentido de situação jurídica do patrimônio, ou do bem, na possível execução forçada, pessoal ou real, em verdade se abstrai de qualquer relação jurídica e não se emprega o termo “responsabilidade” no sentido de posição de sujeito passivo na relação jurídica. Sem se atender a isso, “responsabilidade” é termo ambíguo. “O patrimônio A responde” não é mais nem menos do que “Na execução contra o sujeito passivo da relação jurídica, que é A, a quem toca o patrimônio, o Estado pode retirar para satisfazer o credor o quanto necessário para a satisfação da dívida”. “O bem B responde” não é mais nem menos do que “Na execução contra o sujeito passivo total, quem quer, portanto, que seja, no momento, o dono ou possuIdor do bem, pode o Estado retirar o bem (ou o que se extraia como valor do bem) para satisfazer a pretensão do titular da pretensão real”. “O devedor responde” não é mais nem menos do que “O património do devedor está exposto à execução forçada”.

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5.DIREITOS FORMATIVOS CONTIDOS NO CRÉDITO. Às vêzes, da relação jurídica de crédito se irradiam direitos formativos geradores. É o caso do direito de opção, do direita de marcar prazo, do direito de provocar o vencimento do crédito por interpelação ou por outro ato, e do direito de compensação (que alguns juristas erradamente têm por exceção). Tais direitos são inconfundíveis, com as pretensões: por eles, nada exige o titular do direito; apenas, com o exercício do direito formativo, conseque o que quer. Pode acontecer que o direito formativo resulte da relação jurídica de obrigação, e não da relação jurídica de crédito, como acontece se o locatário denuncia o contrato, ou por alguma razão pode dar por expirada a locação. Os direitos formativos ou criam (direitos formativos geradores), ou modificam (direitos formativos modificativos), ou eliminam direitos, pretensões, ações ou exceções <direitos formativos extintivos). Precedem a direitos. De regra, o que dependeria de acordo, ou porque o acordo já se deu e dele se irradiou o direito formativo, ou porque de outro fato jurídico decorreu, é efeito do exercício do direito de que se trata; de modo que, ~em verdade, pode o titular do direito formativo constituir, unilateralmente, a relação jurídica, ou modificá-la, ou extingui-la. Quando alguém oferta conclusão de contrato, enquanto não ocorre algum dos fatos do art. 1.081 do Código Civil, ou não expira o prazo para a aceitação, . vinculação do oferente. Nasce ao destinatário da oferta direito formativo gerador,-o que não é o que ocorre se houve promessa de contratar (pré-contrato). a) O direito de empção, o de preempção, o direito que tem o portador do titulo cambiário ou cambiariforme, ou outro título, de encher o branco que se deixou, e o de ratificação pelo dominus negotii (Código Civil, art. 1.343), são direitos formativos geradores. b)O direito de escolha, nas obrigações alternativas (Código Civil, arts. 884 e 887), o de interpelar para provocar a exigibilidade do crédito, ou para que se inicie a mora (Código Civil, art. 960, alínea 2.8), o de pedir abertura do concurso de credores, inclusive falencial, o que tem o terceiro de pedir a execução da obrigação (Código Civil, art 1.099), são direitos formativos modificativos. c) A denúncia vazia do contrato de locação ou de trabalho não são direitos formativos extintivos. Nem se deve incluir no rol a revogação do mandato: revogabilidade é retirada da voz; a revogação passa-se no múndo fáctico, com o efeito de, privando de elemento o suporte fáctico, extinguir a relação jurídica. Há poder, e não direito de revogar: direito confere-se ao outro figurante se se faz irrevogável o mandato. A compensação resulta de direito formativo extintivo. Resta saber-se se são direitos formativos extintivos as pretensões e ações de nulidade ou de anulação. Alguns juristas as incluem no rol dos direitos formativos extintivos. Há direitos formativos que só se exercem pela via judicial; mas, de regra, não precisam eles de ação, para seu exercício. Quando têm necessidade dela, ou a forma judicial apenas integra o ato de exercício, ou a decisão é apenas declaratéria. Se a decisão éconstitutiva positiva ou negativa, não há pensar-se em direito formativo gerador, modificativo ou extintivo: o que gera, modifica ou extingue é a sentença mesma, não o exercício de direito formativo. Tão-pouco é direito formativo extintivo o de pedir a dissolução da sociedade por ato ilícito do sócio (Código Comercial,art. 386, III) : o que há é pretensão à dissolução, ação constitutiva negativa. As ações que hascem de inadimplemento ou de adimplemento não-satisfatório não são direitos formativos: são pretensões e ações constitutivas. 6. . PODÉRES E DIREITOS. É preciso que se não confundam com. os direitos formativos os podêres. Quando o procurador assina o contrato, ou pratica atos jurídicos unilaterais, em nome do procurado, não exerce direito formativo, exerce poder de procura, representa. Quando o órgáo da pessoa jurídica conclui contrato, ou faz declaração unilateral de vontade, como órgão, não exerce direito formativo: exerce poder, que se lhe conferiu, de presentar a pessoa jurídica. Quando se diz que o mandatário tem direito de propor ação, ou de passar recibo, não se afirma que tem direito formativo: apenas se refere o seu poder, o não ser contra direito o que faz. ‘7. ExCEÇõES. Do crédito podem emanar exceções. E. g.: o credor invoca o crédito para recusar a contra-prestação devida (exceção non adimpleti contractus, Código Civil, art. 1.092, 1.~ alínea) ; o credor alega que o é para entregar o que com ele está. As exceções são inconfundíveis com os direitos formativos. A exceção, o direito de exceção, é o direito de alegar o que encubra a eficácia do direito, da pretensão, da ação ou da própria exceção que se exerce contra o titular do ius exceptionis. Não se objeta: não se alega fato que impediu o nascimento do direito, ou que o extinguiu. Excepciona-se: contrato há, vale e é eficaz, mas não se pode exigir a execução por um dos figurantes se quem exige não adimpliu, como devera (Código Civil, art. 1.092, alínea 1~a; exceção non adimpleti contractu.s) ou está prescrita a pretensão; ou tem o obrigado ou demandado direito de retenção, que exceção é.

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É êrro considerar-se exceção a alegação de direito real ou pessoal à posse da coisa, se se trata de reivindicação ou de vindicação da posse. Oexcipiente recusa-se a satisfazer a pretensão porque a eficácia dessa está encoberta. Não objeta, não alega fato extintivo ou modificativo, ou que teria impedido o nascimento do direito do demandante. Nas objeções não há alegações de direitos, mas de fatos; nas exceções, há exercício de direitos, por meio de alegações e oposições . Por isso mesmo, têm de ser exercidas. Quanto à de coisa julgada, a legitimação ativa importa particularidades. O titular do direito de exceção pode renunciar a ele. Basta-lhe declaração unilateral de vontade, feita extrajudicial ou judicialmente. Se há prazo para ser exercida, extingue-se se não foi oposta oportunamente. Quando o locatário alega que o é e tem a posse do bem locado, alega o seu direito, não excepciona. Na ação de reivindicação, o terceiro, que invoca o seu direito de posse, eficaz, ex hypothesi, contra o reivindicante, não é excipiente. A dilatação do conceito de exceção até abranger os direitos reais ou pessoais sobre o bem tirar-lhe-ia muito da sua coincidência com os fatos e da sua precisão. Lê-se no art. 516 do Código Civil: “O possuidor de boa. fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se lhe não forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis, poderá exercer o direito de retenção”. No ad. 517, l.~ parte: “Ao possuidor de má fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias”. zTrata-se de direito mutilado? Se afirmativa a resposta, não há pretensão, só há a exceção, como em direito comum (B. WINDSCHEm, Lehrbuch, II, 9Y ed., 874) e ainda no direito suíço, segundo a interpretação de FRITz OSTERTAG (Sachenrecht, Schu’eizerisches Zivilgesetzbuch de M. GMÚR, IV, 11.1, 101). Essa não é a solução em direito brasileiro, nem no direito alemão (Código Civil alemão, §§ 1.000 e 1.001), pôsto que o possuidor somente possa exercer a pretensão se o proprietário recupera a posse do bem, ou lhe aprova as despesas. A solução do direito comum e de outros sistemas jurídicos não é acertada. A concordata extingue no todo ou em parte a divida do insolvente, o que não foi extinto perdura sem pretensão (há obrigação natural), razão por que persistem a fiança e os direitos reais de garantia. Se o devedor pagou o resto, não Pode repetir o que pagou, nem tal pagamento é doação. Os créditos entre cônjuges ficam, de regra, sem ação, durante a sociedade conjugal (Código Civil, art. 168, 1, arg. ao art. 248, 11-VI), salvo a ação declaratória. As ações de condenação e de execução é que não podem ser propostas. 8. DIREITOS E PRETENSÕES MUTILADOS. Já vimos (Tomo VI, ~§ 640~645, 649 e 719, 2) que há direitos, pretensões e até ações mutilados. Àqueles e a essas correspondem posições jurídicas imperfeitas, obrigações naturais, pela perda do efeito ou pelo encobrimento do efeito. Não é o mesmo ser sem pretensão ou ação o direito, ou estar prescrita a pretensão ou a ação. Os deveres morais são deveres a que faltam a obrigação e a ação, ou somente a ação. O Estado não pode prometer, a respeito deles, a execução forçada. Por outro lado, reconhece que o adimplemento déles não é doação, nem pode dar ensejo à ação de enriquecimento injustificado (Código Civil, art. 970, 2~a parte) a execução pode ser vâlidamente prometida (atiter, odireito mutilado por ilicitude da pretensão ou inacionabilidade). A dívida prescrita ou por outro modo encoberta em sua eficácia não é divida inexistente, não-divida (Nichtschuld). Dai o que se diz no art. 970, 1.a parte, do Código Civil. A divida prescrita pode ser garantida por fiança, penhor ou outro direito real. Permite direito de retenção. Não se pode exigir do locador de serviços que os preste, nem do escritor que escreva. Isso já mostra que há direitos cuja pretensão não é de exigir-se diretamente. t menos do que o que se passa com a divida prescrita, mas a pretensão já nasce assim, sem a executabilidade direta. § 2.681. Execução forçada 1. PATRIMÔNIO E EXECUÇÃO FORÇADA. Em principio,. a responsabilidade do devedor estende-se a todo o seu patrimônio, tal como êsse é no momento da execução. Todavia, a técnica legislativa, atendendo a sugestões da vida econômica, a razões morais e políticas, discrimina o que há de escapar, o que pode escapar, ou o que há de estar em certa ordem quando o Estado inicia a execução forçada (= ~manda proceder-se à constrição dita penhora). 2.RESPONSABILIDADE IRRESTRITA E RESPONSABILIDADE RESTRINGIDA. O patrimônio responde tal qual é no momento da execução e no tempo que advém. Portanto: a) o que se acrescenta ao patrimônio do devedor depois de se haver irradiado a dívida responde pôr essa (idem, quanto à obrigação que nasceu antes) ; b) o que se acrescenta ao patrimônio, ainda depois de nascer a ação ou de ser proposta, fica exposto à execução e a que se estenda a êsses bens supervenientes a execução; e) o que sai do patrimônio, antes da medida constritiva, em principio

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deixa de ser exposto à execução, conforme resulta do conceito mesmo de patrimônio (para que, saindo, possa ser apanhado, é preciso que o adquirente, o titular do outro patrimônio a que se traslada o elemento, esteja sujeito a eficácia da pretensão, o que ou decorre de ser contra todos a pretensão, ou de ter havido anulação por fraude contra credores, ou revogação concursal, ou eficácia sentencial semelhante, que a lei crie) ; d) não se pode pré-excluir, em princípio, a atingibilidade dos elementos do patrimônio, à execução forçada, mas as leis disciplinam a clausulação de inalienabilidade, ou de impenhorabilidade (restrição objetiva), o que é assaz relevante em direito brasileiro (e. g., Código Civil, art. 1.723), e o sistema jurídico permite a cláusula de restrição quantitativa da responsabilidade (HANS REICHEL, Gewillkih-te Haftungsbeschrdnkunrj, 8): ~de discutir-se se podem os figurantes do contrato, ou qualquer promitente por promessa unilateral, estabelecer que a execução será objetivamente restringida, isto é, se pode ser estipulado que a execução forçada somente pode recair em certos elementos do patrimônio, ou que certos elementos, em princípio penhoráveis, se pré-excluem, negocialmente, da execução forçada. A resposta é afirmativa (KONRAD HELLWIG, Lehrbuch des dcutschen Zivilprozessrechts, 1, 227; G. PLANCK, Kominent ar, II, 30; O. vON GIERRE, Vereine ohne Rechtsfàhigkeit, 2a ed., 39; O. GElE, Rechtsschutzbegehren und An&pruchsbestdtigung, 171; A. VON TUER, Der Allgemeine Teu, 1,326 s.; sem razão, E. HÓLDER, Natlirliche und juristische Personen, 285). O credor tem interesse em que todo o patrimônio do devedor esteja sujeito à execução forçada por seus art. 336, III): o que há é pretensão à dissolução, ação constitutiva negativa. As ações que hascem de inadimplemento ou de adimpleimento não-satisfatório não são direitos formativos: são pretensões e ações constitutivas. 6.PODÉRES E DIREITOS. Ê preciso que se não confundam com os direitos formativos os podêres. Quando o procurador assina o contrato, ou pratica atos jurídicos unilaterais, em nome do procurado, não exerce direito formativo, exerce poder de procura, representa. Quando o órgão da pessoa jurídica conclui contrato, ou faz declaração unilateral de vontade, como órgão, não exerce direito formativo: exerce poder, que se lhe conferiu, de presentar a pessoa jurídica. Quando se diz que o mandatário tem direito de propor ação, ou de passar recibo, não se afirma que tem direito formativo: apenas se refere o seu poder, o não ser contra direito o que faz. 7.ExCEÇõES. Do crédito podem emanar exceções. E. g.: o credor invoca o crédito para recusar a contra. prestação devida <exceção non adimpleti contractus, Código Civil, art. 1.092, 13 alínea) ; o credor alega que o é para entregar o que com ele está. As exceções são inconfundíveis com os direitos formativos. A exceção, o direito de exceção, é o direito de alegar o que encubra a eficácia do direito, da pretensão, da ação ou da própria exceção que se exerce contra o titular do jus exceptionis. Não se objeta: não se alega fato que impediu o nascimento do direito, ou que o extinguiu. Excepciona-se: contrato há, vale e é eficaz, mas não se pode exigir a execução por um dos figurantes se quem exige não adimnpliu, como devera (Código Civil, art. 1.092, alínea 13; exceção non adirnpleti contractus) ou está prescrita a pretensão; ou tem o obrigado ou demandado direito de retenção, que exceção é. É êrro considerar-se exceção a alegação dc direito real ou pessoal à posse da coisa, se se trata de reivindicação ou de vindicação da posse. Oexcipiente recusa-se a satisfazer a pretensão porque a eficácia dessa está encoberta. Não objeta, não alega fato extintivo ou modificativo, ou que teria impedido o nascimento do direito do demandante. Nas objeções não há alegações de direitos, mas de fatos; nas exceções, há exercício de direitos, por meio de alegações e oposições. Por isso mesmo, têm de ser exercidas. Quanto à de coisa julgada, a legitimação ativa importa particularidades. O titular do direito de exceção pode renunciar a ele. Basta-lhe declaração unilateral de vontade, feita extrai udicial ou judicialmente. Se há prazo para ser exercida, extingue-se se não foi oposta oportunamente. Quando o locatário alega que o é e tem a posse do bem locado, alega o seu direito, não excepciona. Na ação de reivindicação, o terceiro, que invoca o seu direito de posse, eficaz, ex frypothesi, contra o reivindicante, não é excipiente. A dilatação do conceito de exceção até abranger os direitos reais ou pessoais sobre o bem tirar-lhe-ia muito da sua coincidência com os fatos e da sua precisão. Lê-se no art. 516 do Código Civil: “O possuidor de boa. fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto As voluptuárias, se lhe não forem pagas, -a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis, poderá exercer o direito de retenção”. No art. 517, 13 parte: “Ao possuidor de má fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias”. 2,Trata-se de direito mutilado? Se afirmativa a resposta, não há pretensão, só há a exceção, como em direito comum (B. WINDsCHEm, Lehrbuch, ~ 93 ed., 874) e ainda no direito suíço, segundo a interpretação de FRITz OSTERTAG

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(Sachenrecbt, Schu’eizerisches Zivilgesetzbuch de M. GMVR, IV, III, 101). Essa não é a solução em direito brasileiro, nem no direito alemão (Código Civil alemão, §§ 1.000 e 1.001), pôsto que o possuidor somente possa exercer a pretensão se o proprietário recupera a posse do bem, ou lhe aprova as despesas. A solução do direito comum e de outros sistemas jurídicos não é acertada. A concordata extingue no todo ou em parte a dívida do insolvente. O que não foi extinto perdura sem pretensão (há obrigação natural), razão por que persistem a fiança e os direitos reais de garantia. Se o devedor pagou o resto, não pode repetir o que pagou, nem tal pagamento é doação. Os créditos entre cônjuges ficam, de regra, sem ação. durante a sociedade conjugal (Código Civil, art. 168, 1, arg. ao art. 248, 11-VI), salvo a ação declaratória. As ações de condenação e de execução é que nâo podem ser propostas. S. DIREITOS E PRETENSÕES MUTILADOS. Já vimos (Tomo VI, §§ 640645, 649 e 719, 2) que há direitos, pretensões e até ações mutilados. Àqueles e a essas correspondem posições jurídicas imperfeitas, obrigações naturais, pela perda do efeito ou pelo encobrimento do efeito. Nâo é o mesmo ser sem pretensâo ou ação o direito, ou estar prescrita a pretensão ou a ação. Os deveres morais são deveres a que faltam a obrigação e a ação, ou somente a ação. O Estado não pode prometer,a respeito déles, a execução forçada. Por outro lado, reconhece que o adimplemento déles não é doação, nem pode dar ensejo à ação de enriquecimento injustificado (Código Civil, art. 970,2a parte) a execução pode ser válidamente prometida (alite>,odireito mutilado por ilicitude da pretensão ou inacionabilidade). A dívida prescrita ou por outro modo encoberta em sua eficácia não é dívida inexistente, não-dívida (Nichtschuld>. Dai o que se diz no art. 970, 1.a parte, do Código Civil. A dívida prescrita pode ser garantida por fiança, penhor ou outro direito real. Permite direito de retenção. Não se pode exigir do locador de serviços que os preste, nem do escritor que escreva. Isso já mostra que há direitos cuja pretensão não é de exigir-se diretamente. É menos do que o que se passa com a dívida prescrita, mas a pretensão já nasce assim, sem a executabilidade direta. ~ 2.681. Execução forçada 1.PATRIMÔNIO E EXECUÇÃO FORÇADA. Em princípio,. a responsabilidade do devedor estende-se a todo o seu patrimônio, tal como êsse é no momento da execução. Todavia, a técnica legislativa, atendendo a sugestões da vida econômica, a razoes morais e políticas, discrimina o que há de escapar, o que pode escapar, ou o que há de estar em certa ordem quando o Estado inicia a execução forçada (= manda proceder-se à constrição dita penhora). 2.RESPONSABILIDADE IRRESTRITA E RESPONSABILIDADE RESTRINGIDA. O patrimônio responde tal qual é no momento da execuçção e no tempo que advém. Portanto: a) o que se acrescenta ao patrimônio do devedor depois de se haver irradiado a dívida responde pôr essa (idem, quanto à obrigação que nasceu antes) ; b) o que se acrescenta ao patrimônio, ainda depois de nascer a ação ou de ser proposta, fica exposto à execução e a que se estenda a êsses bens supervenientes a execução; o) o que sai do patrimônio, antes dá medida constritíva, em principio deixa de ser exposto à execuçção, conforme resulta do conceito mesmo de patrimônio (para que, saindo, possa ser apanhado, é preciso que o adquirente, o titular do outro patrimônio a que se traslada o elemento, esteja sujeito a eficácia da pretensão, o que ou decorre de ser contra todos a pretensão, ou de ter havido anulação por fraude contra credores, ou revogação concursal, ou eficácia sentencial semelhante, que a lei crie) d) não se pode pré-excluir, em princípio, a atingibilidade dos elementos do patrimônio~ à execução forçada, mas as leis disciplinam a clausulaçção de inalienabilidade, ou de impenhorabilidade (restrição objetiva), o que é assaz relevante em direito brasileiro (e. g., Código Civil, art. 1.723), e o sistema jurídico permite a cláusula de restrição quantitativa da responsabilidade (HANS REICHEL, Gewillkitrte Haftungsbeschrànkuflg, 3): É de discutir-se se podem os figurantes do contrato, ou qualquer promitente por promessa unilateral, estabelecer que a execução será objetivamente restringida, isto é, se pode ser estipulado que a execução forçada somente pode recair em certos elementos do patrimônio, ou que certos elementos, em princípio penhoráveis, se pré-excluem, negocialmente, da execução fotçada. A resposta é afirmativa (KoNRAD HELLWIG, Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechts, 1, 227; O. PLANCK, Komment ar, II, 80; O. VON GIERKE, Vereine ohne Rechtsfãhigkeit, 2.a ed., 39; O. GEla, Rechtsschutzbegehren unci Áns-pruchsbestdtigung, 171; A. VON TUHR, Der Augemeine Teu, 1, 826 s.; sem razão, E. HÓLDER, Natiirliche und juristisobe Personen, 285). O credor tem interesse em que todo o patri mônio do devedor esteja sujeito à execução forçada por seus créditos. Se admite que somente parte dele seja penhorável para isso, ou que parte dele não fique exposta à execução forçada, não restringe ele a tutelà jurídica pelo Estado: restringe a dívida, restringe o crédito, restringe a pretensão, que virá a ser a res in judicium deducta.

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A restrição, a despeito das palavras que empregue o manifestante da vontade, não é à tutela jurídica, nem ao processo: é no plano da assunção da obrigação por parte do devedor, razão por que a defesa, se se infringe o que foi estabelecido, há de ser em embargos do executado, por terem sido penhorados bens que o não podiam ser (cp. Código de Processo Civil, art. 1.010, III, 2a parte). Aí, a impenhorabilidade, negocial, há de ser tratada como a impenhorabilidade se há outios bens, quanto à necessidade da alegação, porém como a itnpenhoraliilidade absoluta, no que respeita à imunidade objetiva dos bens pré-excluídos. Aliás, na sentença de condenação já se deve frisar a pré-exclusão, cabendo embargos de declaração se não foi ainda implicitamente dito (cf. O. GEla, Rechtsschutzbegehren und Ánspruchsbestãtigung, 173). O contraente que oferta ou aceita, com restrição à responsabilidade do patrimônio, corta no que é seu interesse; o promitente que só se vincula com a restrição à responsabilidade do patrimônio pesou o seu interesse e não quis dever ou dever e obrigar-se além daquilo que estipulou. Tal manifestação de vontade, em vez de ser constitutiva, por ser à base da vinculação (restrição ao conteúdo da dívida), pode ser declarativa, como acontece se a dívida teria de recair ou não poderia recair em patrimônio especial e se entende declarar, em negócio jurídico, tal situação dos bens. A responsabilidade do patrimônio ou de elemento dele pode ser estabelecida para a execução forçada de crédito contra outrem, O patrimônio do terceiro responde, então, no lugar ou ao lado do patrimônio do devedor. Por aí se vê que o conteúdo do crédito é que determina qual o patrimônio que responde e até onde, ou desde quando, ou até quanto o patrimônio responde. Temos exemplos expressivos na garantia por fiança, na dação de penhor, hipoteca ou anticrese por terceiro e nas restrições de responsabilidade de certos bens, ou pré-excluídos certos bens, feitas pelo próprio devedor. A execução forçada é a realização de pretensões de direito material mediante ato estatal, que foi prometido a quem pedisse tutela jurídica. Quem executa é o Estado, porque o demandado não executou ou executou insatisfatôriamente. Quando a justiça retifica, reforma, rescinde ou decreta a nulidade de decisões, ou declara inadmissível a execução forçada, não executa forçadamente, como se retifica o rol de credores concursais, ou dá provimento ao recurso que se interpôs da decisão na ação executiva; mas é inegável o elemento executivo, embora não preponderante, que há em todos êsses julgamentos. Sempre que há, para os bens, passagem de um patrimônio para outro, há execução, estatal, se é o Estado que manda proceder-se a ela. Se, depois, os bens têm de voltar, a volta também é execução forçada, porque desfaz a anterior. Na execução forçada, supóe-se condenação (execução de sentença) ou condenabilidade, que desde já se aprecie em cognição incompleta. De qualquer modo, o Estado faz da condenação anterior pressuposto da execução inicial ou da execução definitiva. Não se tire daí que sejam ligadas as duas pretensões, ou que sejam uma só. Trata-se de pretensões específicas. Há processos que não levam à execução forçada; ressalta ‘a especificidade deles quando se exige que o processo condenatório anteceda ou seja simultâneo ao da execução. Quando o Estado executa, só o faz porque prometeu a tutela jurídica. Dessa promessa decorreu a pretensão à tutela jurídica, que têm autor e réu. A ação executiva é a que corresponde à pretensão à tutela jurídica. Dirigem-se contra o Estado. Se o demandado executa, não mais o pode executar o Estado: cessa a possibilidade da atuação do Estado: não há mais a pretensão executável, a pretensão contra o demandado. § 2.682. Títulos executivos 1.TUTELA JURÍDICA EXECUTIVA. A sentença é o mais importante dos títulos executivos. Os outros títulos, para serem executivos, têm de ser considerados à semelhança das sentenças condenatóriasl Porém, uma vez que eles não são sentenças, a condenatoriedade deles tem de ser por adiantamento, o que se obteve, em técnica legislativa, pela atribuXção de eficácia de incompleta cognição: tudo se passa como se o juiz, examinando, inicialmente, o título, condenasse e mandasse, em consequência, executar. O despacho diz que é de executar-se o título, porque, pelo exame incompleto mais completável, é de declarar-se a pretensão e de condenar-se o demandado. Todavia, deixa-se a êsse defender-se. Após as sentenças é que vêm os títulos executivos não -sentenciais, títulos a que a lei conferiu a executividade. Tal conferência é pré-processual e, pôsto que por vêzes se insiram nas leis de direito material, ou nas leis de processo, regras jurídicas que digam serem executivos os títulos da classe a, ou os da classe b, essas regras jurídicas não são de direito material, nem de direito processual. Ésses títulos têm adiantamento de execução. Entenda-se: oEstado executa, forçadamente, antes de haver sentença. A sentença virá mais tarde e então se completará, ou não, a cognição que fôra incompleta.

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2.PROBLEMAS LIGADOS À EXEcUTIvIDADE. (a) <tPode-se conferir eficácia executiva adiantada a título que não a tem por lei? Noutros termos, a eficácia de que se cogita no art. 298 do Código de Processo Civil pode ser atribuida, negocialmente, a titulo que não a tem? No direito brasileiro, não se admite o pactum executivum. O devedor não pode fazer executivo título ou documento a que a lei não atribuiu executividade. Alguns sistemas jurídicos o consideram válido e eficaz, ainda que fora do título ou documento mesmo, ou posterior; e até como declaração unilateral de vontade não-receptícia. No direito brasileiro, se A deve x a B e B quer que a sua dívida possa ser executada adiantadamente, o caminho que há é o de satisfazer, no título, os pressupostos pré-processuais, entenda-se de executividade; por exemplo, os do art. 298, XII, ou XIII, ou XIV, 33 parte, do Código de Processo Civil. (b)Também se discute se pode ser elidida, por acordo entre os interessados, a exercitabilidade da ação condenatória e da ação executiva; isto é, se negocialmente se pode pré--excluir a pretensão à condenação e à execução. Em verdade,aí se renunciaria à pretensão à tutela jurídica. O argumento,a favor da afirmativa, fundado em que o mesmo se passa quando os figurantes assinam compromisso (Código Civil, arts. 1.037-1.048; Código de Processo Civil, arts. 1.031-1.046), não é de pêso: substituir o juízo arbitral ao juízo estatal não épré-eliminar a pretensão à tutela jurídica. Não se há de permitir, sequer, o pacto de se não proceder à execução adiantada 0= segundo a eficácia executiva do título extrajudicial>, ainda se para efeito só pessoal (sem razão, HANS REICHEL, Gtwillkilrte HaftungsbesthrdflkUção, 19). A restrição quantitativa, sim, é permitida. Bem assim, o pacto de non petendo. 3.PATRIMÔNIO E RESTRIÇÕES À RESPONSABILIDADE. As restrições à responsabilidade pelo patrimônio, quer se trate de restrições de máximo, quer de restrições quanto à atingibilidade de alguns bens, não são restrições ao conteúdo das dividas,são restrições à executabilidade. O crédito mesmo não fica diminuído em comparação com o que aconteceria se tais restrições não houvessem intervindo. Nas fianças e nos próprios negócios jurídicos de constituição de direitos reais de garantia pode-se fixar máximo, mas, aí, há restrição à dívida. No que respeita à pré-exclusão da atingibilidade de certos bens pela execução forçada, passa-se o mesmo que dissemos quanto às outras restrições à executabilidade: a restrição não recai na própria dívida, mas sim na executabilidade. 4.PLURALIDADE DE CREDORES. Os credores elo, em principio, tratados igualmente. Não se atende à prioridade. Q patrimônio responde a todos. À abertura do concurso de credores, quaisquer bens que vão ao patrimônio do devedor entram na massa concursal, excetuados os bens impenhoráveis e os que somente respondem a algum titular de direito. Se, encerrado o concurso, o devedor não satisfez todos os credores, integralmente, ou em virtude de concordata, continua devedor e obrigado pelo restante. Opagamento aos credores em concurso é pra rata. § 2.683. Direitos acessórios 1.DIREITOS E ACESSORIEDADE. Os direitos podem ser considerados em si mesmos, sôzinhos, e podem ser ligados a outros, como direitos acessórios (Nebenrechte). Os direitos acessórios de modo nenhum se incluem nos direitos de que sao acessórios: a relação entre eles é de anexidade, não de derivação, ainda quando se trate de interesses e perdas e danos pela mora. A fluência dos juros ou provém da lei, ou de estipulação: não deriva do crédito mesmo; o crédito poderia não os produzir. Passa-se o mesmo com a pena convencional. Não são extensão cio crédito; são juntos ao crédito. Nos direitos acessórios consistentes em penhor, hipoteca e outros direitos de garantia e no direito de retenção, a anexidade ressalta mais, porém, no próprio direito aos juros, há elemento de crédito. Nascer junto, anexo, não é nascer dentro, ou em extensão. A propriedade do documento de crédito é direito acessório do crédito, porque o documento é pertença do crédito. A propriedade do título incorporante, não; porque título incorporante e crédito são partes integrantes do mesmo bem. Ganhou muito a ciência do direito quando se chegou à precisão desses conceitos. 2.ELEMENTOS E DIREITOS ACESSÓRIOS. Para bem distinguirmos elementos do crédito e direitos acessórios, nada mais adequado do que considerarmos o privilégio que a lei atribui ao crédito e o penhor com que se garante o crédito. No- direito de penhor, por exemplo, há direito a mais, direito que se pode extinguir sem que no direito principal se reflita a extinção; no privilégio, não há outro direito, junto ao direito de crédito, porque privilégio creditório não é direito: é elemento, qualidade do crédito. No art. 1.197 do Código Civil, explicita-se que a alienação do bem locado rompe a locação <Kauf bricht Miete). Todavia, permite-se o registro da cláusula de vigência no caso de alienação. Não surge daí direito nôvo. A eficácia, que, antes do registro, .e só em relação com o locador, passa a ser erga omnes. Tanto assim que, se, sem registro, o locador aliena o bem e não se pode impor ao adquirente a locação, responde - por perdas e danos o locador. Dá-se o

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mesmo com outros registros que não criam direito real e apenas estendem a todos a eficácia do crédito. Se no negócio jurídico, ou em pacto posterior, se introduziu cláusula compromissória, não se estabelece, com isso, direito acessório: apenas se restringiu o exercício da pretensão à tutela jurídica. (a)Para que haja a acessoriedade, é preciso que um direito dependa do outro. Até que ponto há tal dependência, resulta dos modos e causas da acessoriedade. Ou o direito a) instrumenta, interna ou externamente, o direito principal, isto é, o amplia ou o reforça (inclusive garantindo-o>, ou b) é direito que somente nasce se o direito principal nasceu, ou e) se extingue ao extinguir-se o direito principal, ou d) ou se transfere com êsse, ou e) ou é inseparável do direito principal, ou 1) um só se exerce com o outro, ou o direito acessório só se exerce com o principal. As combinações que podem surgir são muitas, mas alguns direitos acessórios apresentam tipo fAcilmente definível. a)São exemplos de direitos acessórios como em a) o crédito contra o fiador, o direito de penhor, o de hipoteca e o de anticrese, a propriedade e a posse sobre o documento da dívida e o mesmo documento de dívida em relação ao direito do terceiro sobre o crédito, o direito a juros, quer de origem negocial quer de origem legal, as custas judiciais (não a reparação do dano por impossibilidade da prestação ou outra causa), o direito de exibição, inspecção ou inventariação de algum bem. Na reparação do dano por impossibilidade da prestação ou outra causa (e. g., culpa do devedor), não há acessoriedade (sem razão, A. VON TUHR, Der Áligemeine Teu, 1, 280) o que se dá é a mudança do objeto concreto, material, da prestação; a. pretensão é a mesma, deixa de ser à pretensão in natura para ser em perdas e danos. Os direitos que o proprietário emprega, com intenção de permanência e inserção no destino do imóvel, quer para a sua exploração industrial, aformoseamento, ou comodidade, não são partes integrantes do imóvel (poderiam ser partes integrantes de emprêsa) : são pertenças incorpóreas. Os direitos de vizinhança são conteúdo do direito de propriedade; as servidões são pertenças, e não partes integrantes. Não é parte integrante a hipoteca de proprietário, nem o é o direito do dono ou enfiteuta do prédio à metade do tesouro (Código Civil, art. 607). A respeito convém advertir-se em que o Código Civil alemão, § 96, foi demasiado longe, e as consequências do seu erro de técnica tiveram de ser atenuadas pela doutrina, que repeliu tratar-se como parte integrante de imóvel direito, real ou pessoal. Lê-se no § 96 do Código Civil alemão: “Os direitos que com a propriedade de um prédio se unem tem-se como partes integrantes do prédio” (“Rechte, die mit dem Eigentum an einem Grundstticke verbunden sind, gelten ala Bestandteile des Grundstticks”). O legislador pulou a linha divisória entre parte integrante e pertença. Por outro lado, onde devera falar de direitos, um, principal, e outro, acessório, aludiu ao objeto do direito principal e ao direito acessório. A hipoteca das pertenças, a que se refere o art. 810, II, do Código Civil, é hipoteca conjunta, e não parte integrante da hipoteca do imóvel. Mas é certo que, com as duas hipotecas, se dá acessoriedade de uma delas. Com a incorporação do direito no título, e. g., nos títulos de crédito, o dono do título é que é titular do direito, não há acessoriedade de um ou de outro. Alguns juristas ainda não se livraram de falsas noções sobre a incorporação dos direitos nos títulos (e. g., A. VON TUHR, Der Aflgemeine Teu, 1, 23 s.). Cf. Tomo V, § 575. b)São exemplos de direitos acessórios como em b) os direitos a interesses, de jeito que, se se extingue, qualquer que seja a causa, o direito principal, deixam de fluir os interesses (se foi estabelecido que continuariam de correr, não sao mais interesses, mas renda constituída, portanto outro direito, não- -acessório, C. CROME, System, II, 605). c)São exemplos de direitos acessórios como em e) a fiança, o penhor, a hipoteca e a anticrese. Note-se a diferença entre êsses direitos acessórios e os de que se falou em b) : a fiança, o penhor, a hipoteca e a anticrese cessam com o crédito que eles garantem; a pretensão aos interesses vencidos subsistem à extinção do crédito (são direitos acessórios anvpliantes, ou alargantes, Tomo V, ~ 575, 6). d)São exemplos de direitos acessórios como em d) o direito a interesses não vencidos (que se transferem com o crédito), a hipoteca, o penhor e a anticrese (que se não podem ceder ej’<n se ceder o crédito), os sinais distintivos e mais direitos acessórios da emprêsa, que somente ela pode exercer. (b) Quanto às causas da acessoriedade, ou é a lei que a determina, ou resulta de negócio jurídico, principalmente de pactos ad jectos outorgativos. A stipulatio romana era promessa abstrata. A indicação da causa da obrigação podia fazer-se; não era necessária, nem o que mais acontecia. Dentre as referências à causa estava a que se havia de conter em estipulações adjectas, ou, melhor, anexas. Um dos meios para se estabelecerem direitos acessórios era a adstipulatio (GAIO, Inst., III, §§ 110-114), pela qual, concluído o contrato principal, o adstipulator, em negócio jurídico distinto, estipulava que o devedor lhe devesse também o que devia ao credor. A correalidade ativa exsurgia. Os pacta adjecta permitiram acordos adjectos (= não principais, não independentes), pactos que não modificam o negócio jurídico principal, sem que importe o tempo em que se fazem (in continenti; ou algum tempo depois, ex

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intervaila), ou o que estabelecem de mais, ou de menos, em relação ao negócio jurídico principal (ad minuendam obligationem, como se criam facultas solutionis, ou se permitem ao devedor fracionar a prestação, ou ad augendam obligationem, como se dão direito a juros, ou os aumentam, ou pretensão à caução, ou à cláusula penal, ou se se adjecta cláusula penal). A principio, o pacto adjecto era ineficaz (cf. PAULO, Sententiae, II, 14, 1: “Ex nudo pacto inter cives Romanos actio non nascitur”). O sistema primitivo do direito romano sobre os pactos é sem interesse para os sistemas jurídicos de hoje. OPretor criou a exceção pacti contra quem violasse pacto que extinguisse ou diminuísse obrigação (L. 7, ~ ‘7, D., de pactis, 2, 14). Nos contratos de boa fé, não era preciso inserir-se a exceção pacti, porque se subentendia (E. 3, D., de rescindenda venditione et quando licet ab emptione discedere, 18, 5; E. 7, ~ 5, D., de pactis, 2, 14; aliás, cp. L. 27, § 2, O., de pactis, 2, 14). A doutrina acabou por admitir a eficácia imediata do pacto adjecto in continenti. Quanto aos pactos ad augendam obligationem, a evolução operou-se, embora sem tanta largueza, quanto aos pactos in continenti, não para os ex intervalio. A adstipulação que não cria a correalidade, mas apenas a adjecticiedade, faz o crédito entrar numa das espécies de direitos acessórios, ou em espécie mista. No direito moderno, a adstipulação e o pacto adjecto exercem função freqúentíssima no mundo dos negócios bancários, industriais e agrícolas, inclusive para que as soluções das dívidas sejam simultâneas e uno a,ctu, e os inadimplementos das duas ou mais dívidas sejam subordinados às mesmas penalidades. £ o caso do crédito da venda e instalação de aparelhos elétricos em que a emprêsa vendedora cobra, na mesma conta, o preço do aparelho vendido mais a conta do instalador, que ela junta, a despeito de, indicado por ela, ter havido trato, verbal ou escrito, entre o comprador e o instalador, inclusive oferta, discussão e aceitação quanto ao importe da obra e materiais de instalação. Nos próprios contratos de adesão, ou com o público, pode haver negócio jurídico adjecto com cada um dos que aderem, surgindo, assim, acessoriedade do crédito. § 2.684. Pressupostos da prestação 1.OBRIGAÇÃO E PATRIMONIALIDADE. Longe vai o tempo em que se não atendia ao interesse somente moral da prestação, em que se dizia que a prestação tinha de ser patrimonial. O que se deve pode não ter qualquer valor material, como se A obtém de E que o acompanhe ao teatro por ser E de alta família. Nem o interesse é patrimonial, nem a prestação é de valor patrimonial, nem há ilicitude na promessa. Diz-se que épreciso ser suscetível de valoração econômica o que se presta. Se foi estabelecida pena convencional, nem pôr isso se deu valor econômico à prestação: estipulou-se pena para o caso de inadimplemento. No direito brasileiro, não há regra jurídica que exija às prestações prometidas o serem avaliáveis em dinheiro. O art. 76 do Código Civil enuncia ser necessário àpropositura da ação ter-se “legítimo interesse econômico ou moral”. No Código de Processo Civil, art. 2.0, reafirma-se o princípio. Certamente, se a prestação não-fungivel não éfeita, à ação de perdas e danos seria objetado não ser suscetível de avaliAção a prestação e, pois, de satisfação de perdas e danos e danos em caso de adimplemento. Mas e fato de não se poder converter em indenização a prestação não é óbice à exigibilidade. Quem foi vítima de omissão por parte do promitente de prestação inavaliável nem por isso está em situação de não ser satisfeito. A executabilidade não é pressuposto da declaratividade, nem da condenatoriedade. Quem foi ofendido com o não-cumprimento da promessa de ato inavaliável pecuniàriamente pode, com a sentença declaratória, pedir cominação (Código de Processo Civil, art. 290), a fortiori com a sentença condenatória; ou, sem aquela ou essa sentença, propor a ação cominatória do art. 802, XII, para a qual basta o interesse moral no ato positivo ou negativo que se prometeu ou está previsto em lei. No art. 1.174 do Código Civil italiano, diz-se que a prestação que é objeto da obrigação deve ser suscetível de valoração econômica e deve corresponder a interesse do credor, ainda que não seja patrimonial (“La prestazione che forma oggetto dell’obligazione deve essere suscettible di valutazione economica e deve corrispondere ad un interesse, anche non patrimoniale, deI creditore”). Só se aludia à não-patrimonialidade do interesse; exigiu-se a valorabilidade econômica da prestação. Para o legislador italiano, o que, não sendo fungivel, não pode ser prestado em pecúnia, não é objeto de obrigação. Não importa, apenas, saber-se se o interésse é patrimonial, ou não. A ressarcibilidade do dano, que seria ligada à conseqUência do inadimplemento, passou a ser pressuposto da inseribilidade da prestação como objeto da obrigação. Em vez de se lançar mão da indenização como ato de justiça, se não se pode fazer prestar o que se deveria prestar, donde a regra jurídica implícita “Se há inadimplemento, ressarce-se, pois há ressarcibilidade”, ousou-se formular regra jurídica sobre impossibilidade, tornando-se prius o posterius: “Se não há ressarcibilidade, não houve obrigação”. Fêz-se essencial à obrigação o poder ser objeto de execução forçada, pelos meios vulgares. No sistema jurídico brasileiro, não se pode introduzir a regra jurídica italiana. Se a prestação é lícita, não se pode

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dizer que não há obrigação (= não se irradiou) se a prestação não é suscetível de valoração. Assim, o objeto da prestação pode ser patrimonial, ou não. Qualquer interesse pode ser protegido, desde que lícito, e todo interesse protegível pode ser objeto de prestação, como a obrigação de enterrar o morto segundo o que ele, em vida, estabelecera, ou estipularam os descendentes ou amigos ou pessoas caridosas. As opiniões de PAUL OERTMANN (Recht der Schuldverhiiltnisse, 12 s.; Schuldrecht, ~, 2.~ ed., 20), F. ENDEANN (Lehrbuch, 1, 626), K. COSACK (Lehrbuch, IV, 2), II. DERNBURG (Dos Biirgerliche Recht, II, 1, 218 s.), KONRAD HELLWIG (tYber die Grenzen der vertragsmõglichkeit, Archiv 1 úr die civilistische Praxis, 86, 223), que animavam díscussao vinda do direito comum (cp. E. WINDSCREID, Lehrbuch, II, g~a ed., 3, nota 3), foram postas de lado (e. g.: C. CROME, Systern, II, 18 5.; E. SCRoLLMEYER, Recht der Schuldverhãltnisse, 3; G. PLANCX, Komrnentar, ~ 4Y ed., 10 s.; R.STAMMLER, Das Recht der Schuldverhtíltflisse, 2; JOSEF KOHLER, Lehrbu eh, II, 89; E. SIBER, Der Reohtszwaflg ira SchuldverMltrtis, 94). 2.LICITUDE DO OBJETO. O objeto da obrigação há de ser lícito, isto é, permitido em direito. O art. 145, ~ 2.~ parte, (lo Código Civil enuncia, a respeito dos atos jurídicos em geral, que o objeto há de ser lícito. Se o não é, o ato jurídico stricto .Sensu ou o negócio jurídico é nulo. Existe, mas é nulo. No direito privado, como, também, no direito público, a regra jurídica de que o art. 145, fi, 23 parte, é expressão, funciona como limitação ao auto~regramento da vontade (à chamada autonomia da vontade). Ilícito diz~se o pretendido objeto quando, a respeito dele, como prestação, ou como objeto de direito absoluto, há regra jurídica cogente, ou, a fortiori, de ordem pública, que seria violada em se lhe admitindo figurar como objeto de direito ou de obrigação. Não só às obrigações se veda terem por objeto o ilícito: a ilicitude pode estar à base mesma da manifestação de vontade, na causa; ou ser relativa à condição (Código Civil, art. 116, 2.~ parte). Em verdade, aprecia-se a licitude ou ilicitude do objeto desde o momento em que se manifesta a vontade; antes, portanto, da irradiação dos direitos, deveres, pretensões, obrigações e ações. Todavia, nem tôda regra jurídica cogente faz ilícito o objeto. É preciso, para que tal se dê, que se refira ao objeto. Donde diferença entre o art. 145, II, 2.2 parte, e o art. 145, V, do Código tivil. 3.POSSIBILIDADE~ DO OBJETO. Quanto à possibilidade da prestação, ou é anterior à manifestação de vontade, ou é posterior. A impossibilidade superveniente não invalida a manifestação de vontade. Mais uma vez se há de prestar atenção ao momento em que se comporia o ato jurídico, especialmente o negócio jurídico. Se a impossibilidade é anterior, o negócio jurídico é nulo; e a obrigação, como o dever, não se irradia dele. O nulo não produz efeito. Daí a grave inconveniência das elipses (e. g., “obrigação nula”), porque se adjetiva o efeito, que, aliás, na espécie, não se produziu (pois o nulo, em princípio, não produz efeitos), como se se estivesse a adjetivar o negócio jurídico: “obrigação nula” está por “negocio jurídico nulo de que nenhuma obrigação se irradia”. A distinção entre impossibilidade objetiva e impossibilidade subjetiva não tem, aí, cabimento, porque, em matéria de nulidade, o que importa é que o objeto seja impossível, sem se ter de averiguar se é E que não pode prestar e outrem o poderia. O objeto é impossível se o é para todos. O elemento subjetivo não entra em conta. Quaisquer discussões a respeito são retóricas, próprias de juristas acadêmicos, que mais têm por fito o discurso que a investigação. Se E prometeu ir à estratosfera, correu o risco de tal obrigação, que no momento em que lançou a promessa não é de prestação impossível, pôsto que, pelo que se sabe, B não possa adimplir. (Confusão entre impossibilidade subjetiva e impossibilidade superveniente causada pelo promitente, em E. BETTI, Teoria Generale delie Obbligazioni, 1, 48 s.; cp. L. BARASSI, La Teoria Generale deUe Obbligazioiti, 1, 161 s.) Sobre o preciso conceito de impossibilidade do objeto, invalidante dos atos jurídicos, Tomo IV, § 397, 3. É escusado frisar-se, pois todos logo o percebem, que a distinção entre impossibilidade absoluta e impossibilidade relativa é, aí, sem razão. Impossibilidade, que impede serobjeto da obrigação algum ato, só se há de considerar a a impossibilidade absoluta: impossível relativo não é impossível. Impossibilidade só subjetiva não é impossibilidade. A relatividade pré-exclui a impossibilidade. Se A não pode pagar, a prestação não é impossível; A é que está ou sempre estêve em situação de não poder pagar o que prometeu, ou, talvez, aquilo a que está obrigado por ato ilícito, ato-fato ilícito ou fato atricto sensu ilícito. Ocorre o mesmo se A prometeu obra, feita por ele, que não pode fazer, por falta de material ou de habilitação técnica. 4~ DETERMINAÇÃO OU DETERMINABILIDADE DA PRESTAÇÃO. A prestação há de ser determinada ou determinável. Não importa qual o meio adequado para se chegar à determinação das prestações que não foram, de inicio, determinadas. Se não há meio, com o qual se determine o objeto, então se pode falar de prestação indeterminável. O incerto, lê-se no art. 874 do Código Civil, há de ser indicado, pelo menos~, “pelo gênero e quantidade”. Trata-se de alusão ao principio da determinação do objeto.

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Se o objeto da prestação não foi determinado, nem e determinável, obrigação não há. Nem se irradiou do -negócio jurídico o crédito, nem, portanto, se poderia irradiar a pretensao. A indeterminabilidade absoluta do objeto importa em inexistência do crédito. Se o objeto da prestação é determinável, nenhum obíce surge, ligado à determinação do objeto, à existência do crédito ou da pretensão. A determinação pode ser contemporânea à conclusão do negócio jurídico, ou ser posterior, desde que o objeto seja determinável. A determinação contemporânea à conclusão do negócio jurídico ou é por acórdo dos figurantes, se bilateral o negócio jurídico, ou é por nzanif estação unilateral de vontade, se unilateral o negócio jurídico. Tratando-se de fatos ilícitos, de atos-fatos ilícitos, ou de atos ilícitos, a determinação é pela regra jurídica, ou conforme arbitramento. A determinação posterior à conclusão do negócio jurídico pode ser pelos figurantes, ou por terceiro, ou por um dos figurantes, desde que não seja de puro arbítrio a fixação. A respeito da compra-e-venda, o Código Civil, art. 1.125, diz que “nulo é o contrato de compra-e-venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a taxação do preço”. Arbítrio exclusivo é arbítrio puro, e não o arbítrio de equidade, ou a arbítrio que atenda a lucro de quem aliena e lucro de quem adquire. A fixação da prestação à taxa do mercado, ou da bôlsa, em certo e determinado dia e lugar (Código Civil, art. 1.124),é determinação pelos figurantes, ou pelo figurante, pôsto que só se possa conhecer no dia e lugar, que foram mencionados. Dá-se o mesmo se foi fixado o preço conforme as tabelas oficiais, ou o preço corrente em certo dia e lugar. A determinação deixada a exclusivo arbítrio de um dos figurantes, ou do figurante, faz nulo o negócio jurídico (arg. ao Código Civil, art. 1.255), no que ressalta a diferença em relação ao negócio jurídico de que é indeterminável o objeto, pois êsse negócio jurídico não é. A prestação precisa poder ser determinada; não é de mister que seja determinada ao se prever, ou ao nascer a pretensão. A determinação pode ser por um dos figurantes. Não se há de deixar ao arbítrio do outro figurante, ou do figurante único, determinar a prestação: seria nula a declaração de vontade. Porém, se se disse que o figurante determinaria a prestação, o que se há de entender é que se lhe deu escolha entre prestações prefíxadas, ou que a fixação há de ser segundo a equidade. Tal fixação tem de ser comunicada ao outro interessado. Os juristas romanos distinguiam a mera voluntas (L. 75, pr., O., de legatis et fideicommissis, 30), o plenum arbitrium voluntatis (L. 11, § 7, O., de legatis et fideicommissis, 32), o liberum arbitrium (L. 8, § 1, O., de rebus dubiis, 34, 5), arbítrio puro, e o arbitrium boni viri, que se havia de exercer segundo a eqUidade (e. g., L. 137, § 2, O., de verborum obligationibus, 45, 1; L. 69, § 4, D., de jure dotium, 23, 3). A determinação da prestação ou da contraprestação pelo terceiro pode não ser por equidade, portanto sem conteúdo declarativo. É o arbitrium liberum, a mera. voluntas. O art. 1.123 do Código Civil não o proibe, dentro dos limites da determinabilidade da prestação. O que se tem de perguntar é se, não se tendo precisado de qual arbítrio se haveria de cogitar, há regra jurídica dispositiva, ou interpretativa que, na dúvida, faça entendérse escolhido, não o liberum arbitrium, mas o bani viri arbitrium. No direito brasileiro, a regra jurídica não está escrita, mas existe. ~É de direito interpretativo? Não; é de direito dispositivo (cf. TH. SCHIRMER, Arbitriitm merum und arbitrium bani viri, Arch,iv fúr die civilistieche Pra xis, 91, 140 s.). Se a determinação da prestação foi deixada a terceiro, tem êsse de desincumbir-se do que se lhe cometeu, segundo a equidade. Aí, o manifestante ou os manifestantes da vontade escolheram meio para a determinação: o que não foi determinado fêz-se determinável, ou, se já o era, passou a ser determinável por êsse meio que se selecionou. A estipulação de se consultar, pedir ou oficiar a alguém, para se saber qual o preço do mercado, ou da bôlsa, não é determinação deixada a terceiro. Mas há tal determinabilidade escolhida se se deixou a árbitros dizer qual o preço justo, o menor preço ou a mais própria qualidade do bem a ser prestado, ou que se deveria ter prestado. Não é preciso que o figurante ou os figurantes conheçam a pessoa do terceiro. O que importa é que se saiba quem seja (P.OERTMÃNN, Recht der SchuldverMltni.sse, 176). Vale a cláusula de poder o terceiro atribuir a outrem, inclusive órgão seu, a. missão de determinar (O. WARNEYER, Xommentar, 1, 558). O terceiro, que se desincumbe dela, ou a pessoa, que ele designou, fica vinculado ao figurante ou figurantes pelo que resolveu. Se o terceiro aceitou a incumbência e dela não se desempenha, a determinação é por sentença (no Código Civil, o art. 1.128, 2a parte, só se referiu a espécie em que o terceiro não aceitou). Se há pluralidade de terceiros incumbidos, o desempenho há de ser por maioria (aliter, no direito alemão, que exige, como jus interpretativum, a unanimidade, Código Civil alemão, § 317, 2a alínea, 1a parte). Tratando-se de determinação de quantidade, toma-se a média, se há divergência entre todos; não assim, se houve maioria sobre

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determinado valor. A declaração de que se cometeu a arbitradores ou peritos a determinação não significa que se renunciou à ação fundada em ser contra a equidade a deliberação. A declaração feita pelo terceiro pode ser atacada por êrro, dolo ou violência. Trata-se de declaração unilateral receptícia, irrevogável. Se foi exigida a determinação precisamente necessária a um fim, pré-exclui-se a equidade. Se se anula a declaração, tem o terceiro de fazer outra (P, OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 178; sem razão,G. PLANCK, Kornrn,entar, II, 1, 852; H. DERNEURO, DasBitrgerliche Rechi, II, 1, 226). § 2.685. Heras jurídicas do Livro III do Código Civil 1.CÓDIGO CIVIL, LIVRO III. As regras jurídicas do Livro III do Código Civil, que vão do art. 863 ao art. 1.571, incidem, não só no tocante a obrigações, senso estrito, como também a propósito de relações jurídicas regidas pelas leges apeciales, no que essas não estabeleceram normas suas, e pelo direito comercial, se omisso o texto. Outrossim, no que respeita a relações jurídicas de direito público, porém, aqui, por se terem tais regras jurídicas como revela ções de princípios comuns ao direito privado e ao direito público, se êsse explícita ou implicitamente não estatui diferentemente. Em tal caso, são, por igual, regras jurídicas que fazem parte do sistema do direito privado e do direito público. Tendo dedicado um Livro ao Direito de Personalidade, ao Livro III do Código Civil corresponde o Livro IV desta obra. 2. DA MATÉRIA. O Livro III do Código Civil divide-se em nove Títulos (1, Das modalidades das obrigações; II, Dos efeitos das obrigações; III, Da cessão de crédito; IV, Dos contratos; V, Das várias espécies de contratos; VI, Das obrigações por declaração de vontade; VII, Das obrigações por atos ilícitos; VIII, Da liquidação das obrigações; IX, Das preferências e privilégios creditórios). A ordem não é perfeita. Primeiro, pôsto que assim se use, não se justifica que se trate dos negócios jurídicos bilaterais antes de se tratar dos negócios jurídicos unilaterais. Segundo, há contratos típicos que foram objeto de regras do Código Comercial ou de leis especiais sem que a eles se refira o Código Civil. Finalmente, a concepção do direito privado, em vez da concepção do direito civil, exige que demos à matéria tôda a extensão que ela tem, no campo privatístico. Pareceu-nos mais aconselhado inverter a ordem quanto às obrigações de dar e às de fazer, pondo a essas em primeiro lugar. O geral antes do especial. Por muito tempo hesitamos entre só nos referirmos às obrigações de fazer, de que as obrigações de dar seriam espécie. e das outras, ou tratarmos das obrigações de dar (Código Civil, arts. 863-877), das obrigações de fazer (arts. 878-881) e das obrigações de não fazer (arts. 882 e 883). Dar é fazer, porém fazer que se trata de modo especial, porque supóe o bem que se desloca. O fazer, em senso estrito, ou é o fazer própria-mente dito, como o prestar serviço ou trabalho, ou o responder por outrem, como acontece ao fiador. Não há razão suficiente para que se afaste a trípartição romana (L. 3, pr., D., de obligationibus et actionibus, 44, 7: “Obligationum substantia in eo consistit, ... ut alium nobis obstringat ad dandum aliquid vel faciendum vel preestandum”). As obrigações de não fazer compreendem as obrigações de não fazer, senso estrito, e as obrigações de tolerar, que são as de abster-se de reação ou oposição ao fazer do outorgado <cf. P. OERTMANN, Rucht der Schuldverhdltnisse, 15; F. ScHOLLMETER, Recht der Schuldverhdltnisse, 5). Se o devedor o é de não fazer < de abstenção), não mais pode adimplir a obrigação se uma vez a infringiu: quem tinha de abster-se, e fêz, não pode mais adimplir abstendo-se. Todavia pode o outorgado propor ação de abstenção para que o outorgante não viole outra vez o que prometeu ou a que está obrigado. O assunto será tratado oportunamente. CAPITULO II FONTES DAS OBRIGAÇÕES

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§ 2.686. Fatos jurídicos e obrigaçâes 1.LICITO E ILÍCITO. O promitente tem o dever de cumprir a promessa quando o promissário puder exigir. Mas ter o dever de cumprir agora ou mais tarde já é ter dever. Ésse é um dos pontos em que mais se emaranha o pensamento dos que não se firmam na precisão da diferença entre dever e obrigação. Quem vende à vista já tem o dever e a obrigação de prestar o que vendeu. Quem vende para entregar no comêço do próximo ano já deve, porém ainda não está obrigado. Nasceu o dever, a dívida; porém não ainda a obrigação. O comprador tem o direito, o crédito; não, a pretensão. Se o vendedor há de prestar entre os dias 1 e 30 e não o presta até 30, nasce a ação do comprador. Tudo assim se passa, quer unilateral quer bilateral (ou plurilateral) a manifestação de vontade. Nos negócios jurídicos bilaterais, um dos figurantes pode já estar obrigado e não o estar o outro, ou não o estarem os outros. O vínculo já se formou; há deveres para todos: para todos ainda não nasceram as obrigações. Se a relação jurídica é a sujeito passivo total, quem ofende o direito absoluto responde pela violação: todos já eram devedores e obrigados à abstenção, ou, o que é raro, ao ato positivo com que se atenderia ao direito absoluto; quem infringiu a ordem jurídica, praticando o ato positivo ou negativo, deixou de adimplir o seu dever e a sua obrigação. Nascem, então, o dever e a obrigação de indenização, que se irradiam da relação jurídica relativa, pessoal, que se estabeleceu. Somente com esses conceitos e raciocínios exatos se pode entender, em tôdas as suas premissas e conseqUências, o sistema jurídico. Os negócios jurídicos, foram concebidos para satisfazer funções de relação entre os homens. O direito é processo social de adaptação. Onde aquelas funções são típicas, os sistemas jurídicos criaram negócios jurídicos típicos. Vender, trocar, emprestar tinham de ser contratos distintos, com as suas regras jurídicas peculiares, sobre o lastro comum das regras jurídicas gerais sobre atos jurídicos, negócios jurídicos e contratos. A propósito dos direitos reais de garantia vimos como se foram construindo os institutos da hipoteca, do penhor e da anticrese, por serem insatisfatórias as transmissões de propriedade em garantia. Ainda hoje, vemos suceder ao contrato de locação de serviços o contrato de trabalho, e assistimos como surgiu e como exerce a função que dele se esperou. Os bens têm de circular, de modo que a vida social precisou da compra-e-venda, da troca, do contrato estimatório, do contrato de fornecimento, do contrato de vinculação. Alguns bens prestam-se a que se passem a outrem, definitivamente, ou temporáriamente, o uso e a fruição ou só o uso ou só a fruição; e surgiram os acordos de constituição da enfiteuse, da anticrese, ou os contratos de locação de coisas, o comodato. A vida de relação exigia que a alguém se desse algo e depois fôsse restituído: teve-se o mútuo, teve-se o contrato de conta corrente, tiveram-se os contratos bancários, os títulos de crédito. A função de garantia foi preenchida pela hipoteca, pelo penhor, pelas letras hipotecárias, pelas cédulas hipotecárias, pignoratícias e mistas. A gestão de negócios alheios foi objeto de representação voluntária, mandato, comissão, gestão sem procura, mediação e depósitos. O trabalho pessoal teve tôda a escala das relações jurídicas antigas e medievais e ainda hoje, livres todos os homens, tem o direito vários tipos de contrato cujo conteúdo é a prestação de atividade pessoal. A função de cooperação na dimensão jurídica suscitou os contratos de sociedade, os negócios jurídicos de cooperativa e a própria estrutura da associação ou cooperativa compulsória. Se o que está em causa é a ofensa aos direitos alheios, as funções de equilíbrio e de reparação foram entregues à responsabilidade pelo fato ilícito, pelo ato-fato ilícito e pelo ato ilícito, com tôda a gama do fundamento de condenar, às obrigações por enriquecimento injustificado, ao principio Cuius convm,oda eius et incommoda e outros semelhantes. Além disso, apareceram, como que brotadas de estruturas sociais primitivas e antigas, obrigações de alimentos, obrigações oriundas de relações de vizinhança e propter rem, e as resultantes de munus (e. g., tutela, curatela). Existe o ato ilícito absoluto e o ato ilícito relativo. O ilícito absoluto é o que fere os direitos absolutos; o ilícito relativo, oque fere os direitos relativos. Tratando-se de direito relativo, e. g., de crédito de compra--e-venda, a quem infringe o dever de prestar pode nascer obrigação pelo ilícito antes de nascer a obrigação de prestar preço ou coisa vendida. Tal é o caso do devedor que, pendente termo suspensivo ou condição suspensiva (Código Civil, art. 865, 2~a alínea), destrói o bem que haveria de prestar. Ainda não era obrigado a prestar, mas já lhe exsurge a obrigação de indenizar. Essa obrigação se irradia do dever de prestar, embora ainda não fôsse obrigado a prestar quem tinha o dever de. fazê-lo em certo tempo ou se ocorresse certo fato. Ao direito do comprador se liga a pretensão a perdas e danos, sem que ainda houvesse surgido a obrigação de prestar.

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Tudo isso acentua quanto é relevante distinguir-se do direi. to a pretensão, do dever ou dívida a obrigação. Se não se separaram as datas em que nascem dever e obrigação, entende-se que nascem simultâneamente, ou essa dez dias após (Código Civil, art. 952; cp. Código Comercial, art. 137: “Tôda obrigação mercantil que não tiver prazo certo estipulado pelas partes, ou marcado neste Código, será exeqUível dez dias depois da sua data”). O Código Comercial, art. 137, seguiu o principio da posterioridade da obrigação; o Código Civil, art. 952, o principio da simultaneidade. Ainda é de se observar que os efeitos da mora dependem, em direito comercial, da exigência (Código Comercial, art. 138), e, em direito civil, se regem pelos arts. 955 e 960 do Código Civil. De iniuria só se pode falar se alguém, que era sujeito passivo em relação jurídica, ainda como unidade em sujeito passivo total, estava adstrito a fazer algo, que não fêz, ou a não fazer algo, que fêz. A adstrição não se opera somente no sentido de que se lhe impute o que por culpa sua aconteceu, ou deixou de acontecer. Há relações jurídicas em que o sujeito passivO, ainda unidade de sujeito passivo total, tem o dever de resguardar a outrem, ou aos outros, ainda quanto a atos-fatos ilícitos e a fatos siricto sensu ilícitos. Há fatos puros que não entram no mundo jurídico, mas há outros que se fazem fatos jurídicos si ri ct o sensu, alguns, fatos jurídicos lícitos, e outros, ilícitos. Já tivemos ensejo de versar a responsabilidade por tais fatos ilícitos e pelos atos-fatos ilícitos. (Quando se diz que os direitos e pretensões reais não são créditos, nem nascem de créditos, apenas se adota o conceito de credor no sentido de espécie de titular de direito, o que esta certo; mas erra-se se se entende que a pretensão real não decorre de direito. O argumento de se não levar à massa concursal o que é direito real nada prova: a pretensão real não vai ao concurso, porque o devedor, se empregamos o termo no sentido de sujeito passivo, são todos, e o que vai a concurso é o que é divida pessoal do concursado. As pretensoes por indenização, essas, irradiadas do dever que nasceu do ato ilícito, ou do ato-fato ilícito, ou do fato siricto sensu ilícito, concorrem, porque o dever é pessoal e pessoais as pretensões. Por onde se vê que não é do direito real que se irradia a pretensão de indenização pelos danos causados a ele.) 2. LiciTo E OBRIGAÇÃO. Os deveres e obrigações podem resultar de atos jurídicos lícitos, de atos-fatos lícitos e de fatos siricto sensu lícitos. O promitente deve e pode ser obrigado a cumprir o que prometeu. Se o dever e a obrigação nasceram simultâneamente, é devedor e obrigado sem que qualquer ato ilícito se lhe impute. A divisão romana das obrigações em obligatiofles ex contractu e obligationes ex delicto tinha de completar-se com as duas classes, a mais, das obligationes quasi ex contraciu e das obligationes quasi ex delicto. Mas em verdade persistiu incompleta, devido a haver obrigações que não resultam ex contractu, nem quasi ex contraciu, nem ex delicio, ou quase ex delicto. Há obrigações que se irradiam de fatos jurídicos, de atos-fatos jurídicos, de atos juridicos sineta sensu, de fatos siri eta sensu ilícitos, ou de atos-fatos ilícitos; portanto, obrigações que não poderiam caber nas quatro classes. Certamente, o contrato e o ato ilícito são as fontes principais das obrigações. Teremos, porém, de considerar as que promanam de negócios jurídicos unilaterais e, mais largamente, de atos jurídicos unilaterais (e. g., promessas de recompensa, gestão de negócios alheios sem mandato, títulos ao portador e endossáve4s), as que exsurgem de danos causados sem culpa e, até, sem ato do obrigado, e as que decorrem da lei (obligationes ex lege). 3. ESPÉCIES DE ILÍCITO. A origem das obrigações por atos ilícitos nada tem com o ser ilícito penal, ou não no ser, o ato ilícito. Além, há atos-fatos ilícitos e fatos sineta sensu ilícitos que geram obrigações pelo ilícito. O ilícito abrange mais do que o ilícito dos atos ilícitos e, a. fontiori, do que o ilícito dos atos ilícitos penais. Se a lei impõe, no interesse geral, que alguém pratique, ou não pratique certos atos (e. g., não deixar na rua os cães, não alojar os empregados em lugar infecto), o dever e a obrigação nascem simultâneamente. Não é verdade, como se tem escrito, que, por falta de credor, não haja obrigação: há titulares do direito e há sujeitos passivos da relação jurídica, devedores, no sentido largo. A obrigação não se vê à parte, por ser nascida simultâneamente com o dever. A infração faz nascer a obrigação de indenizar, ou outra sanção, de jeito a poder-se caracterizar a obrigação pessoal de alguém, que, dentre os devedores-obrigados, foi o infrator. O dever de se abster de tôda ofensa aos direitos absolutos, entre os quais estão os de personalidade, os de propriedade e os outros direitos reais, são deveres acompanhados, desde logo, de obrigação de não fazer. Dizer-se que são deveres sem obrigação, por lhes faltar credor, é admitir-se que haja deveres sem direitos correlatos, o que se chocaria com a noção mesma de relação jurídica. Se alguém há de responder pela indenização, ao quebrar as vidraças do edifício de B, ou lhe turbar a posse, é porque o direito real, que é direito absoluto, é direito contra todos e em todos estava B. Se A esbulha B, dono do automóvel, B tem contra A a) a pretensão e a ação de indenização, ii) a pretensão e a ação de vindicação, esteja a posse com A, ou já esteja com outrem, contra quem a ação pode ir, e e) a pretensão e ação possessórias. As pretensões e ações b) e e) são pretensões e ações reais, que nascem do direito de propriedade; não são pretensões e ações pessoais, que derivem, como as pretensões e ações a),

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dccrédito que se gerou a favor de 8. O dono reclama o que é seu: o demandado não prometeu prestar, nem lhe nasceram, ex lege, dever e obrigação de prestar. Uma das consequências da diferença entre a pretensão real e a pretensão pessoal está em que, em princípio, quem há de prestar ou restituir por obrigação pessoal, pode invocar o art. 869 do Código Civil, e não quem é demandado em ação real-A boa fé é que pode atuar. Se não está em causa subtração ou retenção da posse, as despesas da restituição são sempre pelo autor da violação do direito absoluto. Os deveres pessoais dos cônjuges são deveres que nascem simultâneamente com as obrigações; não são deveres sem obrigações, como pareceu a A. VON TUER (Der Aligemeine Teu, 1, § 6,111). Não geram obrigações de indenizar, isto é, obrigações por inadimplemento, pôsto que possam dar ensejo as medidas sobre alimentos (obrigação conjugal de prestar alimentos, Código Civil, arts. 224, 233, V, 231, III, e 248, VIII), de dissolução da sociedade conjugal e outras. Dá-se o mesmo a respeito dos deveres dos pais no que concerne aos filhos (Código Civil, arts. 231, III, 384, II, 397, etc.). Algumas obrigações pessoais obrigações em sentido estrito, como em “direito das obrigações” não são objeto do Livro III do Código Civil (Do Direito das Obrigações) ficaram no Direito de Família ou no Direito das Coisas, e há algumas no Direito das Sucessões. Por exemplo: os créditos e pretensões resultantes do regime matrimonial de bens; os créditos (direitos) e pretensões resultantes de posse de coisa pertencente a outrem e, portanto, os débitos e obrigações que àqueles créditos e àquelas pretensões correspondem; os créditos, pretensões, dívidas e obrigações oriundos de testamento. É preciso ter-se sempre em vista que a distinção entre direito de família, direito das coisas, direito das obrigações e direito das sucessões é mais didática. O sistema jurídico é um 50. Mais importa saber-se o que é direito real e o que 4 direito pessoal; o que é direito absoluto e o que é direito relativo, o que é pretensão real e o que é pretensão pessoal. ~ 2.687. Atos jurídicos 1. EFICÁCIA DOS ATOS JURÍDICOS. As obrigações são deites de fatos jurídicos; a própria obrigação ex lege é obrigação que supõe fato, que entre no mundo jurídico e a irradie. A fonte principal das obrigações pessoais é o contrato, porém a vida contemporânea deu lugar especial aos negócios jurídicos unilaterais, com a promessa de recompensa, os títulos ao portador e os títulos endossáveis, de que são espécies notórias os títulos cambiários e cambiariformes, a gestão de negócios sem mandato, o legado. As obrigações oriundas de relações jurídicas de comunhão (compropriedade, co-titularidade de direitos reais limitados, composse, co-crédito) são ditas ex lege, sem que o nome se justifique plenamente, ainda quando se trata de obrigação de caucionar. O negócio jurídico gera obrigação porque se reconhece aos homens liberdade de querer, autonomia de vontade, ou, melhor, auto-regramento da vontade. Ou a) só uma pessoa, ou algumas pessoais unilateralmente se obrigam, o que é elipse de “lançam declaração de vontade, que entra no mundo jurídico como negócio jurídico unilateral, e dele se irradia obrigação, ou se irradiam obrigações”; ou b) duas ou mais pessoas cooperam, uma em frente a outra ou umas em frente a outra, ou uma em frente a outras, ou umas em frente às outras, em acordo sobre o que querem, nascendo o negócio jurídico bilateral, ou e) algumas pessoas, por maioria simples, ou outra maioria mais forte, inclusive unanimidade, tomam resolução (deliberação, decisão). Os mais importantes de todos os negócios jurídicos foram os negócios jurídicos da classe b) ; porém os nossos tempos assistiram e assistem a constante crescimento da relevância dos negócios jurídicos a) e e). Quanto aos negócios jurídicos e), é preciso advertir-se em que nem sempre a deliberação é o elemento componente do acordo: passa-se, então, dentro da associação. ou da sociedade, ou da fundação, apenas como ato jurídico de autorização ou permissão a que o órgão da associação, da sociedade, ou da fundação conclua o negócio jurídico. Se isso. se dá, a deliberação não é, só por si, negócio jurídico, mas ato jurídico stricto sensu. Se o negócio jurídico é concebido em termos tais que somente se e) acontecer, ou quando E falecer, nascerá o crédito, então o direito, que se irradia imediatamente do negócio jurídico, não é o crédito, mas o direito ao crédito. Isso é raro, fora dos testamentos. O que mais ocorre, ou, melhor, quase sempre ocorre é nascer o crédito simultâneamente com a eficácia do negócio jurídico e a pretensão ao implir-se a condição, ou ao atingir-se o termo. Prius é sempre o crédito, o direito, ainda que pretensão e direito, in casu, nasçam simultâneamente. Na locação de prédio, por exemplo, se o pagamento do aluguer é por mês, somente completo o mês, ou no dia marcado para termo da primeira prestação (último dia do mês, se a locação começou no meio do mês, alguns dias antes ou depois do meado do mês), é que nasce a pretensão, pôsto que o direito do locador se houvesse iniciado com a entrega do prédio (KONRAD HELLWIG, Anspruch. und Klagrecht, 41; cf. PAUL MOELLER, Der [sohuldrechtliche] An.spruch und das Sehuldverhà.Unis ais Einheitsverhãltni.s, 55). Não há pretensão não vencida; o que há é crédito não

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vencido. 2. NEGÓCIOS JURÍDICOS UNILATERAIS E DELIBERAÇÕES. No direito romano e no direito comum, pouco se sabia sobre os negócios jurídicos unilaterais. Não havia, então, teoria dos negócios jurídicos unilaterais, o que teremos ensejo de referir e aprofundar. A ciência foi apontando e pondo em relêvo, confrontando e examinando, os diferentes negócios jurídicos unilaterais, que existiam e não eram vistos pelos juristas. Por outro lado, a técnica legislativa apreendeu o que a investigação científica indicara como resultados definitivos e foi aplicando, na feitura das leis sobre institutos já conhecidos ou na criação de novos institutos, que a vida social reclamava. Também as deliberações, resoluções por assembléias ou reuniões , as decisões dos particulares tomaram grande incremento, o que se deve à necessidade de crescente cooperação dos homens e não só ao corporativismo dos últimos tempos, revelação de transformações profundas. O contrato conservou a sua função específica, mas sofreu, também ele, a influência dos nossos tempos. No direito romano, havia, pelo menos, a poilicitatio, que desaparecera no direito comum. Mas é indiscutível a existência de promessas ao público, de obrigações ao portador e a “aceitação” de assinação ou delegação. No direito germânico, havia obrigações oriundas de negócios jurídicos unilaterais (II. SIEGEL, Das Versprechen ais Verpflichtungsgrund, 3 5.; CAItL ADOLF SCHMIDT, Der prinzipielie Unterschied zwischen dem ràmischen und germanischen Rechte, 1, 251 s.; J. E. KUNTzE, fie Lehre von deis Inhaber-. papiereis, 1, 353; GEORO BESELER, Svstem des gemeineis deutacheis Privatrechts, II, 2.~ ed., 284), porque mais importante era a figura do devedor que a do credor. Ai a fundamental diferença de concepção entre o direito romano e o germânico. Cumpre observar que o votum, em direito canônico, era promessa unilateral <O. VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 311). Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 11, pr., e §§ 1, 2 e 3, fala-se do vendedor (devedor), e não do credor (cf. Titulo 13, § 6). No Título 38, pr., do foreiro, e não do senhorio. A respeito de penas convencionais, é do devedor que se cogita (Titulo 70, pr.). No Titulo 72, ainda do lado do devedor é que se põe o legislador: “Se alguma pessoa em qualquer contrato prometer dar, ou fazer alguma coisa a tempo certo sob certa pena, e, não dando, fazendo, ou pagando ao dito tempo, que logo seja feita execução em seus bens, sem ele mais ser citado, nem ouvido com seu direito, mandamos que tal desaforamento não valha, pôsto que logo assi a tal convença seja julgada por sentença: E que sem embargo de tal contrato e sentença, se não faça execução por ela, até o condenado ser chamado e ouvido com seu direito sobre essa execução”. A figura do credor é esbatida, irreferida, secundária. O mesmo pensamento está nas Ordenações Afonsinas, Livro IV, Titulo 37, § 2, Título 45, pr. e §§ 1-10, Titulo 79, pr. e §§ 1-7, Título 62, § 5 e, Titulo 7, § 2. No Código Civil francês, art. 1.108, e nos que o copiaram, ou lhe sofreram a influência, a figura do credor, à romana, conserva-se à frente: “Quatre conditions sont essentielles pour la validité d’une convention: Le consentiment de la partie que s’oblige... Na doutrina francesa e na italiana, para as quais era novidade a concepção do negócio jurídico unilateral, tentou-se considerar o testamento e a “aceitação” da herança como atos jurídicos constitutivos de negócio jurídico bilateral (e. g., CIMBALI, Dei Possesso per acquiatare i frutti, 17; GIORGIO GIORaI, Teoria deile Obbligazioni, III, 16 s.; W. FILDERMANN, Les Successions eis droit compard, 1, 88s.). Os arta. 1.581-1.585 e 1.590, 2a parte, do Código Civil falam de aceitação; mas essa aceitação é “da herança”, e não “de oferta” (arts. 1.081-1.086). Com essa explicação, evita-se a ambigUidade e, talvez, o equivoco. Na própria Alemanha, houve quem visse na aceitação da herança aceitação de oferta, E. STAMPE (Urtsere Rechts- und Regriffsbildung, 55 5.; e Besprechung, Juristiache Wochensckrift, 51, 22). O que aí há é a adição, o adire h-ereditatem, tante’ que, enquanto os heredes eztranei não adiam à herança, era incerta a hereditas, que algum terceira poderia usucapir (usucapio pra herede); e, havendo testamento, a princípio a bilateralidade era em vida do testador, para que o fiduciário transmitisse ao beneficiado. Os negócios jurídicos unilateralizaram-se. A resistência à concepção dos negócios jurídicos unilaterais, que foi grande, proveio, em grande parte, da falta de método científico no estudar os fatos jurídicos. No entanto, os livros de J. E. KUNTZE e H. SIEGEL foram, respectivamente, de 1857 e 1874. Grande êrro foi pôr-se o problema da existência ou não--existência dos negócios jurídicos unilaterais, das promessas unilaterais vinculativas, como se a sua entrada no mundo jurídico tivesse de consistir em poder cada um vincular-se sem ser a alguém que antes manifestasse vontade. Não basta dizer-se “Prometeste? Solve!” i.Que laço seria êsse: jurídico, ou ético? Não se forraram a isso aqueles mesmos que mais concorreram, a princípio, para a teoria das declarações unilaterais de vontade negociais (e. g., H. SIEGEL e A. KOEPPEN). Quando a manifes tação unilateral de vontade entra no mundo jurídico, a revogabilidade ow irrevogabilidade depende da lei, que é o que cobre, à entrada, o fato, para que se torne jurídico. O manifestante vincula-se; se não se pode desvincular, ou se

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só em determinadas circunstâncias ou satisfeitos certos pressupostos se pode desvincular, di-lo a lei, que o fêz vinculado (dai a sem razão do que escrevia R. ELIAS, Théorie de la force obligatoire de la volonté unilatérale, 61, em sua crítica a RENÉ WoRMS, cf. A. TALANDIER, De l’Engagement par volonté unilatérale, 36). A “aceitação” que se quis ver no ato de quem faz aquilo a que se promete a recompensa não é aceitação de oferta, nem, de modo nenhum, aceitação. Mais: o ato, que se recompensa, pode ter sido praticado sem ser para isso. Não há. necessidade de que, do lado de quem vai ser recompensado, haja outra vontade. Os que criticam a concepção da promessa unilateral porque não pode haver devedor sem haver credor confundem dívida ou obrigação com vinculação (cf. Tomos III, § 252; V, §§ 507 e 567,3; XIII, § 1.459). O próprio oferente, nos contratos, vincula-se antes da aceitação, em sentido próprio. O promitente unilateral vincula-se: para revogar, e. g., a promessa de recompensa tem de o fazer, antes de prestado o serviço, com a mesma publicidade <Código Civil, art. 1.514, alínea 1.~), porém não o pode revogar se fixou prazo para o ato recompensável (art. 1.514, alínea 2a)~ Custou entender-se isso em povos latinos (cf. R. GUIBAIRE, -De la Force obligatoire de la Déclaration unilatérale de volonté, 37 s.). Quando se procura na fidelidade à palavra dada, na “Gebundenheit ans Wort”, a explicação da vinculação pela promessa unilateral, toma-se o efeito pela causa, a vinculação pela determinação da própria vinculação <e. g., H. SIEGEL, Das Versprechen ala Verpflichtungsgruncl, 41 5.; O. STOBBE, Handbuch des deutschen Privatrechts, ~ 33 ed., § 219). A mesma lei que, nessa regra jurídica, faz vinculativas a oferta e a aceitação (negócios jurídicos bilaterais), noutra considera vinculado n promitente unilateral. Entre a promessa unilateral vinculativa e o contrato há a oferta antes da aceitação, que é unilateral-mente vinculativa <e. g., se tem prazo, Código Civil, ad. 1.081, II), embora com a finalidade da bilateralização, e há a própria aceitação da oferta, se é, por exemplo, a da espécie prevista no art. 1.083. Foi a recepção do direito romano que esparziu pelos países germânicos a exigência da bilateralidade <CHR. THOMASIUS, Institutiones iuris canonici, II, c. 6, § 12; N. H. GUND UNO, lus naturue et gentium, c. 11, §§ 12 e 13; B. VON LtIDING-. HAUSEN-WOLFF, Die bindende Kraft des einseitigen Versprechens, 38 s.). Além das manifestações unilaterais de vontade, que se encontram nos títulos ao portador e na promessa de recompensa, H. SIEGEL e O. STOBBE apenas apontaram a promessa de doação, que não existia no direito alemão vigente. Por seu lado, J. UNGER e HERMANN 15kv mencionaram as obrigações oriundas de listas de contribuição. ‘O que mais importa é que não só se procurem obrigações oriundas de promessas. A investigação havia de ser quanto aos negócios jurídicos unilaterais, entre os quais estão aqueles de que resultam obrigações e aqueles que apenas têm eficácia investitiva, ou divestitiva, como a derrelicção e a renúncia da propriedade imobiliária. § 2.688. Extensão da prestação 1. CONCEITO DE EXTENSÃO . A prestação tem a extensão que qualquer objeto, uso, fruição, ou ato ou omissão pode ter. Depende da natureza da prestação. A extensão pode ser no espaço ou no tempo. Fixam-na os negócios jurídicos, ou a lei. Por vêzes, a lei a limita, como ocorre a propósito de taxas de juros. Outras vêzes, determina, dispositivamente, o quanto. Na maioria das espécies, o sistema jurídico, na falta de manifestação de vontade do figurante ou dos figurantes, deixa que o juiz aprecie os fatos, após a produção de elementos probatórios, inclusive perícias e avaliações. Na fixação da reparação moral, a liberdade do juiz é maior, sem que se possa pensar em mero arbítrio. O art. 118 do Código de Processo Civil exerce relevante função, uma vez que se atenda ao seu preciso conteúdo. 2.FIXAÇÃO PELO NEGÓCIO JURÍDICO. Pode dar-se que negócio jurídico, unilateral ou bilateral, diga qual a exata extensão da prestação. Mas a extensão exata pode ser dependente de liquidação, isto é, de operação que seja exame do que há de ser levado em conta na determinação daquilo de que o quanto exato é função. O figurante ou figurantes não deixaram margem à apreciação judicial, porém os fatos não escapam a essa apreciação e o número deles pode influir. Os recibos de prestações são declarações de fatos, podem ser muitos e ter o juiz de somar os importes de deve e de haver. As chamadas dívidas certas e líquidas são aquelas que constam, certamente, do documento, ou do título, e não dependem de qualquer exame judicial quanto à quantia ou quantidade, pelo menos em primeira e incompleta cognição. A técnica jurídica, por sugestão profunda da vida, atendeu à natureza desses documentos ou títulos, e lhes atribuiu a executividade por adiantamento <cf. Código de Processo Civil, art. 298). Se o negócio jurídico não precisa o quanto da prestação, ou só especifica o fim e os elementos característicos da prestação, ou se apenas alude ao fim, têm de ser apreciadas as circunstáncias, o fáctico, para se poder saber qual é, precisamente, a extensão da prestação. Por outro lado, pode acontecer que o negócio jurídico deixe sem referência explícita obrigações que se juntam ou

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eventual-mente se podem juntar ao que deve a pessoa. Qualquer que seja o esfôrço do intérprete ou do juiz para resolver, juridicamente, dentro do que foi estabelecido entre os figurantes, ou pelo figurante, o assunto é de interpretação dos negócios juriditos. O juiz não tem podêres de completar, em vez de interpretur negócios jurídicos, salvo onde a lei Ibos deu. A lei pode atribuir-lhes, até, a edicção de regras jurídicas, como se prevê no art. 123, § 2.~, da Constituição de 1946 (“A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho”). 3. NEGÓCIO JURÍDICO, OU LEI. No fundo, somente determina a extensão da obrigação o negócio jurídico ou a lei. Ainda naquelas espécies em que o sistema jurídico supõe omissão da lei e do negócio jurídico (zz não há regra jurídica cogente, nem dispositiva, nem interpretativa) e dá ao juiz poder de resolver, ou êsse poder a) é de edicção de regra jurídica, ouii)de aplicação de uso e costume (o que contradiz a premissão’ de não haver manifestação de vontade), ou e) de apreciação de valôres que teriam influído na ‘vontade do figurante ou dos-figurantes se ao tempo do negócio jurídico se lhe houvesse apresentado a espécie, com todos os pormenores (o que, em lógica rigorosa, ainda é contradizer a premissa de não ter havido vontade: o que não houve foi a manifestação explícita da vontade). § t689. Obrigações de prestações transitórias e obrigações de prestações duradouras 1.DISTINÇÃO QUANTO À DURAÇÃO DAS PRESTAÇÕES. No tempo, ou as prestações são punctuais, como se A faz tradição-do bem imóvel, ou assina a escritura de transmissão da propriedade imobiliária, ou de curta duração; ou duradouras, isto é, de duração prolongada. A prestação de duração prolongada ou é de atos seguidos, ou de contínua conse4úência de ato, ou de não fazer. Seja como fôr, o devedor presta e não pode impedir a duração da prestação. É o que acontece com a prestação de arrendamento ou locação, de depósito, de administração, ou de uso e fruição, ou só de uso, ou só de fruição. Parecidas, porém não assimiláveis às prestações duradouras, são as prestações reiteradas, como a de alugueres, alimentos e salários. Em ambas as espécies, a relação jurídica obrigacional é unitária. Mas, no tocante à prestação duradoura,oprestado permanece, dura, ao passo que o prestado da prestação reiterada se repete, se pluraliza, como se fôsse em pulsações. A prestação do locador de coisas é dúradoura; a do locatário,reiterada. Tudo se passa no tempo. A prestação punctual é a que se tem por feita no instante em que se faz, ou se omite. Há prestaçoes punctuais de abstenção, pôsto que, na maioria das espécies, prestações de omissão sejam prestações duradouras. Pode A concluir contrato com B, ou B unilateralmente lhe prometer que no dia tal, às tantas horas, não entrará no jardim, ou não estará na cidade, ou não abrirá o registro de água das suas terras (H. LEHMANN, Die Unterlassungspflicht,59; OTTO VON GIERRE, Dauernde Schuldverhàltnisse, Jherings Jahrbúcher, 64, 359). A prestação é punctual se há um instante em que ela se presta. Os próprios fatos ilícitos, os atos-fatos ilícitos e os atos ilícitos podem ser duradouros e duradouramente irradiar efeitos. Então, duradoura é a própria fonte da obrigação e a prestação cresce com a continuidade do ilícito. Porém a prestação, que cresce, continua ou in*ermitentemente, não é prestação duradoura: o que dura, em sua formação, é a obrigação. As obrigações de prestações duradouras são a) as obrigações de prestações duradouras próprias, como as das locações e as dos depósitos, e b) as oriundas de contratos de fornecimento sucessivo. 2. PRESTAÇÕES DE ESPÉCIES DIFERENTES. Por vezes ocorre que o figurante tem pretensão a prestação duradoura e, ainda que eventualmente, a prestação ou prestações transitórias. É o que ocorre ao locatário: tem pretensão à prestação duradoura do uso e da fruição , ou só de uso, e pretensão a que o locador faça as reparações de que necessita a coisa locada. 3.EXTINÇÃO DA PRETENSÃO À PRESTAÇÃO OURADOURA. Se o direito não é, conceptualmente, perpétuo, extingue-se pelo advento do termo, ou do fato que impede a titularidade (e. g., morte, perda de capacidade de direito), ou pelos outros modos de extinção, como, a respeito da locação, a denúncia vazia ou a denúncia cheia. A execução da prestação duradoura não a exaure enquanto não se extingue a relação jurídica. Há adimplemento, a cada momento, mas, por ser duradoura a prestação, a obrigação não se extingue enquanto o adimplemento não chega a seu termo. Prestação duradoura, adimplemento duradouro. Daí ter-se de pensar em pagamento continuado. Se parte falta, falta o todo; ou o resto, se a prestação duradoura foi recebida no tempo passado, como se o locatário ocupou o prédio antes da infração da obrigação de deixar o locatário usar. Em todo caso, a execução parcial não é

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satisfativa. Nas obrigações a prestações duradouras, como a de serviços, a de sociedade, a de fiança a longo prazo, a de fornecimeúta de água, luz, gás e serviço telefônico, há sempre a denunciabilidade pelo inadimplem.’nto da outra parte, ou outra infração do contrato, ou a reai.liç Lo por ato, que corresponde, nas obrigações de prestações por serem feitas, não à exceção non adirnpleti contra.ctus, mas à resolução. A cláusula de desligação da energia elétrica, ou d< interrupção de qualquer fornecimento continuo ou sucessivo, apenas explicita o direito de resilição, que é mais do que o de~ denúncia (cf. JOSEF ESSER, Lehrbuch des Schuldrechts, 33 e 51). Orro VON GIERKE (Dauernde Schuldverhãltnisse, Jherings Jahrbiicher, 64, 387), que aí via denúncia sem prazo, anuía em que o resultado seria o mesmo. A denúncia cabe quando o ato do credor nas obrigações duradouras seria justiça de mão própria (e. g., nas locações as coisas). Á resilição é que é a solução adequada quando a continuaçâo da presta ção implicaria crescimento da parcela nulo paga da contraprestação. O que está prestando os serviços deixa de prestá-los; o que está fornecendo energia elétrica, inclusive telefone, desliga-a; o que presta água, duradouramente, fecha o registro, ou corta o cano. A desligação ou corte da prestação duradoura (e. g., fornecimento de luz, gás, telefone, água, serviços continuados ou sucessivos) não é criação do direito público, que o teria excepcionalmente estabelecido nos contratos de concessão, O inadimple. mento da contraprestação, ou da parcela periádica da contra. prestação, dá ensejo nas obrigações duradouras àresilição. Quem desliga o fio do telefone resile o contrato por inadimplemento por parte de outro contraente, ou por outra infração do contrato. Quem denuncia por inadimplemento ou outra causa, ou o faz com prazo, ou sem prazo. A denúncia sem prazo (P. ELTZBACHER, Grossberliner Mietvertrdge, 40 e 60 s., que fala de denúncia para já, Kiindigung aul sofort) é a desligação ou corte sem aviso, porque avisado está o devedor do qUe lhe há de acontecer. Se saimos do direito das obrigações e observamos os direitos a sujeitos passivos totais (direitos absolutos>, temos -de admitir que as prestações das pretensões básicas que lhes correspondem são prestações duradouras. 4 § 2.690. Conteúdo da pretensão 1.CONTEÚDO E PRETENSÃO. A pretensão há de ter conteúdo, para que se saiba o que se pode exigir. Aliás, o próprio direito o há. de ter, razão por que, se não é dotado de pretensão, ou se foi mutilado, ou está prescrita a pretensão, se sabe qual o conteúdo do direito. O devedor, querendo, pode prestar o que poderia ser exigido se a pretensão existisse (= se a obrigação existisse), ou não estivesse prescrita. O conteúdo do direito ou da pretensão determina-se pelas regras jurídicas e pelos negócios jurídicos de que se irradiam. O que concerne ao como se há de adimplir a obrigação também atende a circunstâncias de lugar e de tempo e às pessoais, mas isso entra no que se atribui ao próprio negócio jurídico, inclusive como uso do tráfico. As expressões “objeto do direito de crédito” (ou “objeto da pretensão”) e “conteúdo do direito de crédito” (ou “conteúdo da pretensão”) levam a ambigUidades e confusões, que se têm de evitar. Conteúdo do direito de crédito, ou da pretensão, é o poder que se atribui ao credor, e não a prestação, ou o conteúdo da prestação. B. WINDSCHEID (Lehrbuch, II, 93 ed., 86) teve toda razão em profligar passagens de F. voN SAVIGNY (Das Obligationenrecht, 295), J. E. KUNTZE (Die ObUgation und die Singularsuccession, § 34), G. F. PUCHTA (Pandekten, 9S ed., 338-372, onde a confusão lastra através de capítulos) e outros. Objeto do crédito é o que se há de prestar, a prestação em si, o facere ou o non facere. O conteúdo da prestação e o conteúdo do crédito são conceitos distintos. 2. PRESTAÇÃO. Conteúdo da obrigação é o prestar. É o que o devedor tem de satisfazer e o que o credor pode exigir. Todavia, é de advertir-se em que o direito pode ser desmunido de pretensão, ou estar prescrita a pretensão, e então há o direito, com o seu conteúdo, prestar, sem que possa ser exigida a prestação, ou por faltar a pretensão, ou por estar encoberta a sua eficácia. (a) A prestação é ato, positivo ou negativo, do devedor que há de ser proveitoso ao credor, ou, pelo menos, corresponder ao que ele quis ou quis e quer. Livremo-nos de afirmar que, para existir direito de obrigação, ou obrigação, seja preciso haver interésse do credor na prestação. O direito brasileiro admite prestação de qualquer gênero. No campo do direita material, fio é preciso que o interésse não-pecuniário seja avaliável em dinheiro. Pode A obter de B contrato pelo qual B se obrigue a não acender as luzes do jardim pela madrugada (e. g., são as horas em que A trabalha), ou em que seu filho ou sobrinho C prometa não beber mais. Indo a juízo, contra o credor e titular da pretensão, pode’ ser alegado que ele nâo tem interesse legítimo (Código Civil, art. 76; Código de Processo Civil, art. 2.~). Com isso não se diz que ele não tem direito, ou que não tem

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pretensão, ou ação; diz-se que ele não tem necessidade da tutela jurídica. A pré-processualidade ressalta, fnconfundivelmente. (b)Também nem sempre importa ao credor que a prestação parta do devedor. Pode ser feita por terceiro, ou por um dos devedores solidários. A exigência de o fazer, ou de o dar, ou de a nâo fazer eonsistir em ato estreitamente ou preponderante-mente do devedor é elemento que se insere no conteúdo, se essa foi a vontade do credor, ou dos figurantes. Se A encomenda roupa a B, que é o alfaiate que lhe apraz, nio pode 13 prestar roupa que foi feita por C. Não importa, ai, que E tenha cortadores, costureiros, calceiros, ou outros empregados, que a ele laquem seniços; mas nada obsta a que se precise que a roupa seja cortada por B. O conteúdo da prestaçâo tem, entâo, ésse elemento a mais. A prestação pode ser feita por outrem se é indiferente ao credor, segundo o conteúdo da pretensão, que o seja pelo devedor au por outrem. Indiferente ao credor = se a prestação por B ou por C dá o mesmo resultado, conforme a vontade de A, au de A e B. Ointeresse que se exige ao titular da pretensão e dele cogitam o ad. 76 e parágrafo única do Código Civil (Código de Processo Civil, ad. 2.0 e parágrafo único) é pré-processua). Uma das conseqUências disso é não acarretar nulidade dos atos juridicos atricto seneu e dos negócios jurídicos a falta de interesse. Menos ainda inexistência. Se o conteúdo da prestação há de ser determinada por fato futuro, incerto, que, pela natureza da relação jurídica de obrigação, nada tem com a prestação, nem com aquela, não se formou relação jurídica (O. WÁRNnn, Kommentar, 1, 897). (e)As promessas feitas fora da mundo dos negócios, como as que se exprimem por amabilidade, ou em trato social, sem se querer vínculo jurídico, não entram no mundo jurídica ( permanecem só no mundo fáctico) e, pois, não fazem nascer relação juridica. O comerciante que prometeu almoçar com outro, para pormenores de negócio jurídico, ou para concluir contrato, sobre cujas cláusulas se hão de entender, não assumiu obrigação (jurídica) de comparência. Áliter, se escreveu, ou telegrafou, que aceitava a oferta e estaria a tantas horas, no restaurante R, para assinar o contrata, que ele (ou o oferente) levaria. Teremos ensejo de versar êsse ponto. (d)Quem tem de receber é, de regra, o credor. A solução é, sempre, a ~Ie, porém não necessAriamente em mãos déle. O recebedor pode ser terceiro, sem que o terceiro seja órgão (seria a pessoa jurídica quem receberia), ou o representante, ou núncio. A estipulação a favor de terceiro é a espécie mais corrente. Outra a que se tem na obriga ção de liberar (Liberatíonspflicht), pela qual o outorgado se libera do que deve a terceiro com a prestação feita pelo outorgante a êsse. Porém quase sempre só se lança m& da estipulação de terceiro, isto é, sem se aludir à relação jurídica entre o outorgado e o terceiro. Algumas vêzes, o devedor assume a divida do credor. Se o devedor, por qualquer motivo, não pode cumprir o que prometeu para liberação do credor, tem de providenciar para que o credor fique coberto. Dar cobertura é pôr à disposição de alguém o suficiente para se liberar de alguma dívida, algumas ou tódas. Inclusive mediante consignação em pagamento, ou depósito em banca para que êsse solva a dívida. Se o que deveria liberar-se com o ato do devedor, ou ficar coberto, tem de solver ele mesmo a dívida, toca-lhe o direito ao reembôlso do que pagou. (e)Para que a divida se transfira, é preciso que o credor a quem o promitente há de pagar consinta. Outra negócio jurídico se constitui entre eles, que há de ser examinado em capítulo especial. Há, quanto à dívida que se há de solver, sucessão sem novação. A assunção de dívida de outrem pode ser cumulativa: A deve a B, C assume a divida de A, sem que A se libere. Pode ser para adimniemento: promete O solver a divida de A,ou por outro modo obter de B que se dê por satisfeito. Pode ser transiativa: muda a figura do devedor, pois que o credor consentir>. (f)No contrato de seguro, o segurador assume o risco. O que era incerto para o segurado, que presta o prêmio, faz-se certo para ele e incerto para o segurador. O segurador é sujeito passivo de relação jurídica pessoal; não garante, assume; não é devedor condicional, é devedor, desde já, da certeza de não vir a ter danos. O segurador não é como o empenhante, nem como o hipotecante, nem, sequer, como o fiador; presta, desde já, a apólice, que é assunção de risco. Chegou perto de tal concepção FE. HÂYMANN (Leistung und Gegenleistuno im Versicher’ungsvertrag, 20 s.). 3.PREsTAÇÃO E INADIMPLEMENTO. O devedor há de prestar o que prometeu, no tempo (nascimento da obrigação, ou no prazo após o nascimento, se a favor do devedor) e no lugar devidos. Se o não faz, incorre na obrigação por inadimplemento (ato ilícito, ato-fato ilícito, fato stricto sensu ilícito), que se não confunde com a obrigação de prestar, que se violou. Quem tem de prestar o que prometeu tem de prestá-lo conforme se determina no negócio jurídico. Não são o mesmo o que há de ser prestado pelo joalheiro de jóias finas e de alta elegância e o que há de ser entregue por joalheiro de segunda ou terceira classe, a quem não se encomendaria trabalho de gôsto requintado. O problema tem certa importância quando se pergunta se o devedor responde por culpa, ou se só se exime~da responsabilidade se ocorreu

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impossibilidade (objetiva, que é a única que importa). No sistema jurídico brasileiro, a impossibilidade superveniente pode ser com culpa ou sem culpa do devedor; de moda que incidem os arta. 865, 2.~ alínea, 867, 870, 876, 879, 2A parte, e 888 do Código Civil, se culpado o devedor. Se não se trata de impossibilitação (impossibilidade objetiva posterior), o principio é o da responsabilidade ainda sem culpa, porque se dein de adimplir sem se alegar impossibilidade. Aqui, convém prevenirmo-nos contra influência de leituras alemãs e italianas. No Código Civil alemão, § 275, alínea 1.a, põe-se, acertadamente, o mesmo princípio em que está a base do direito brasileiro das obrigações: o devedor libera-se das obrigações de prestar, se a prestação se tornou impossível por fato superveniente ao nascimento da divida, sem culpa sua. Mas na alínea 2~a acrescentou o § 275: “À impossibilidade superveniente da prestação equipara-se a inaptidão patrimonial superveniente do devedor à prestação”. Não há, no sistema jurídico brasileiro, tal regra jurídica. A matéria da impossibilidade da prestação é uma das mais árduas do direito brasileiro das obrigações, porque os textos a respeito só se referem às espécies de prestações: Código Civil, arts. 865-867 e 869-871, relativos às obrigações de dar coisa certa; art. 877, concernente às obrigações de dar coisa incerta; art. 879, referente às obrigações de fazer; art. 882, que alude às obrigações de não fazer; arts. 886-888, sobre obrigações alternativas; e art. 908, a propósito de obrigações solidárias. Dai termos de versar a matéria, depois, mais de espaço. No direito italiano, duas regras jurídicas foram formuladas que criaram sérias perpiexidades: no art. 1.176, alínea 13, o Código Civil italiaúo pôs por princípio que “nell’adempiere l’obbligazione II debitore deve usare la diligenza del buon padre di famiglia”; no art. 1.218, “II debitore che non esegue esatta mente la prestazione dovuta é tenuto ai risarcimento del danno, se non prova che l’inadempimento o il ritardo é stato determinato da impossibilità della prestazione derivante da causa a lui non imputabile”. Diante dos dois princípios, havia de ficar estarrecida a doutrina italiana (e. g., L. BARASSI, La. Teoria generale dele Qbbligazioni, III, 2.~, 281 s., que até mudou de opinião, no tocante à 1.~ ed.), mas a solução de iure condito aqui não nos interessa. De jure condendo, a regra jurídica sobre diligência necessâriamente altera a regra jurídica que 86 ressalva a impossibilidade (objetiva), sem culpa. Ou se concebe a regra jurídica sobre imperícia como regra jurídica sobre o que se há de considerar culpa, ao se inquirir da causa da impossibilidade; ou se concebe como regra jurídica que, ainda onde não haja. impossibilidade objetiva, escusa o inadimplemento. Para focalizarmos os textos italianos: ou o art. 1.176, alínea 13, é caso que se subsume no art. 1.218, 23 parte; ou se intercala após o “se non prova” do art. 1.218. Ou, aqui, se tem: “Somente comete inadiinplemento quem deixa 70 de prestar, ou presta insatisfatôriamente, a despeito da sua diligência de bom pai de família, ou se há impossibilitação sem culpa sua”; ou, ali: “Comete inadimplemento quem não presta, ou presta insatisfatóriamente, salvo se há impossibilitação sem culpa sua, inclusive por falta da diligência de bom pai de família”. Osistema jurídico brasileiro não tem a regra jurídica do art. 1.176, 1.a alínea, do Código Civil italiano, nem o § 275, 2.~ alínea, do Código Civil alemão. 4.IMPUTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE. Pode-se violar o direito de crédito ou a) deixando-se de adimplir, ou adimplindo-se insatisfatóriamente (adimplemento insatisfatório), ou b) praticando-se atos ou omissões contrários ao dever e à obrigação que correspondem ao direito e pretensão do credor, ou e) tornando-se impossível o adimplemento. Em LO está a chamada violação positiva da dívida <ou do contrato). A noção de imputação tem aqui lugar próprio para ser precisada e esclarecida. Imputar, imput are, é oriundo de puto, putare, que é cortar; imputar é cortar de modo que fique algo dentro, é marcar. Quem amputa retira o que corta. Quem reputa lembra o corte. Tudo se passa objetivamente. Por isso, pode-se imputar ao devedor, ou ao credor, a responsabilidade ou carga dos riscos. Não importa quem o causou, nem a imputação depende de dolo, ou de culpa. Ao devedor sem culpa ‘imputa-se a responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa, nas obrigações genéricas, ainda que provenha de caso fortuito ou fôrça maior (Código Civil, art. 877). Imputar não é inculpar. Assim, quer se trate de insatisfação do crédito, quer de satisfação incompleta ou adimplemento insatisfatório, quer de violação positiva da obrigação, quer de impossibilidade de adímplemento, o que primeiro importa é saber-se se a conseqUência é de imputar-se ao devedor ou ao credor. Ao lado da insatisfação do crédito e do adimplemento insatisfatório, que são imputáveis ao devedor, ou ao credor, há a insatisfação não imputável e o adimplemento insatisfatório não imputável. Ao lado da violação positiva da obrigação, imputável ao devedor, há a violaÇU() que não lhe é imputável. Ao lado da impossibilidade objetiva que é imputável há a impossibilidade, ainda objetiva, que não é imputável.

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(a)A insatisfação e o adimplemento insatisfatório são causas da mora (Código Civil, arts. 955-963; Código Comercial, arts. 136-188) e, nos contratos bilaterais, das exceções non adimpleti contractus e non rite adimpleti contractus (Código Civil, art. 1.192, alínea l.~). Também nos contratos bilaterais, dá ensejo à caução segundo o art. 1.092, 23 alínea, se os pressupostos se compõem. (b)A violação positiva da pretensão (Tomo II,’ § 174) determina conaseqüências semelhantes às das violações negativas. A positividade não lhe tira a natureza do dever e da obrigação. (c)A impossibilidade superveniente a impossibilidade preexistente à conclusão do negócio jurídico interessa à validade dele pode ser imputável, ou não. Quando a lei diz, por exemplo, que, na espécie, o devedor responde pela culpa, imputa-lhe tal impossibilidade superveniente. Por vêzes, o devedor só responde pelo dolo; outras vêzes, ainda sem dolo e sem culpa, isto é, imputa-se-lhe suportar os riscos (caso fortuito ou fôrça maior). Como é de ocorrer que a impossibilidade se estabeleça após a conclusão do negócio jurídico e antes da insatisfação ou do inadimplemento insatisfativo, somente se pode carregar ao devedor a responsabilidade pela mora se a impossibilidade lhe é imputável. t assim que se há de ler o art. 963 do Código Civil: “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre êste em mora”. Após a mora, a responsabilidade pela impossibilidade objetiva (impossibilidade estabelecida após a mora) é-lhe sempre imputável, salvo se alega e prova que o dano sobreviria ainda quando a obrigação tivesse sido oportunamente desempenhada (art. 957). Dolo, culpa, caso fortuito e fôrça maior são conceitos que servem à determinação da responsabilidade; não à constituição da mora. A responsabilidade pela impossibilidade objetiva que foi criada por dolo é assente no sistema jurídico brasileiro como em todos; e tal responsabilidade não pode ser pré-excluída por pacto, porque seria ilícito o objeto (= o pacto é nulo). A responsabilidade pela culpa na impossibilitação aparece no Código Civil, arts. 865, alínea 2~a, 867, 870, 871, 2.~ parte, 876, 879, 2a parte, 883, 887, 895, §§ 1Y e 2.0, 908, 909, 2a parte, eventualmente nos arts. 923, 1.057, alíneas 1a e 2~a, 1.267, 1.800 e 1.310, 1.312, 1.336 e 1.520. Cumpre observar que há regras jurídicas sobre culpa na execução das obrigações que nada têm com a mora. A mora tem os seus princípios próprios. Assim, quando, no art. 1.057, alínea 1a, do Código Civil, se diz que, nos contratos unilaterais, responde por simples culpa o contraente, a quem o contrato aproveite, e somente por dolo aquele a quem não favoreça. a regra jurídica de modo nenhum se refere à mora. Há execuções, negativas e positivas, de obrigações que nada têm com o tempo em que se há de prestar. As regras jurídicas sóbre responsabilidade, em caso de mora, são outras (Código Civil, arts. 957 e 958). CAPITULO III OBRIGAÇÕES DE FAZER § 2.691. Conceito e espécies 1.CONCEITO. Todo ato positivo, todo facere, pode ser prestação, salvo impossibilidade ou ilicitude. A prestação pode ser (A) positiva ou (B) negativa. As prestações positivas, que são as de fazer, incluidas as de dar, podem ser (Aa) de atos pessoais ou (Ab) de objetos. Aquelas consistem (Aaa) em atos de ordem física, estrito senso, ou (Aab) em atos de ordem psíquica. Tais como a prestação de serviço, de trabalho, de conservação ou guarda de coisa, e. g., a do depositário, a de prestar informações, a de comunicar, a de concluir contrato, ou outro negócio jurídico ou ato jurídico stricto sensu, a de apresentar contas. As outras, as prestações de objetos, supõem que se haja de prestar bem já existente. É o que ocorre com quem há de entregar a coisa, ou transferir a propriedade, ou pagar em dinheiro, ou ceder crédito ou renunciar a direitos, pretensões, ações, ou exceções. Os que dizem prestações materiais as prestações positivas que não são prestações de atos pessoais dilatam o conceíto de matéria. A obra literária de que o autor promete a edição é prestação de bem incorpóreo, é prestação de objeto; ao passo que a prestação do autor que se obrigou a escrever a obra literária é prestação de ato de ordem psíquica. Por vêzes, a prestação é de objeto e de aVo de ordem física ou psíquica. Não raro há urna após ‘a outra (e. g., o vendedor tem de conservar a coisa e, ao ser exigível a prestação, entregá-la). Outras vêzes, trata-se de prestação (le ato e ocorre que se tem de prestar objeto (e. g., o depositário tem de fazer despesas com o bem depositado). De regra, quando não se presta o ato positivo, que se devera prestar, tem-se de prestar objeto. Procurou-se apontar, além das obrigações de fazer, de dar e de não fazer, outra espécie, que seria a das obrigações

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criadoras de pessoas jurídicas (sociedades, fundações). Assim, RENÉ DEMOCUE (TraiU des Obligations en général, VI, 75). Mas o êrro é evidente. As obrigações estabelecem-se, sem se sair das duas classes (fazer, incluído dar, e não fazer). A publicidade é efeito posterior que a lei atribui a outros atos jurídicos, de regra o de registro. Os créditos e pretensões a que correspondem as obrigações de fazer ou de não fazer são bens móveis, ainda que se refiram a atos relativos a imóveis, exceto a obrigação de declaração de vontade para alienar ou gravar imóveis. Às vêzes as obrigações de fazer são acessórias das obrigações de dar, mas não raro o trato delas tem de ser independentemente. 1-Já obrigações de fazer em comum, ou em colaboração, como a dos dois proprietários vizinhos que se obrigam à reconstrução do muro, por meação. Tal obrigação não se confunde com a de prestar a metade do preço, ou de contribuir para a empreitada, ou para o contrato de trabalho. A responsabilidade segundo o art. 879 do Código Civil não se confunde com a resultante de danos causados ao credor, por culpa (art. 1.057, alíneas 1.8 e 2.’) ou responsabilidade objetiva. se é o caso. A obrigação de guardar e a de conservação são obrigações de fazer. Às vêzes é acessória da obrigação de restituir ou de dar. Quem conserva faz, mas há de abster-se do que possa prejudicar a coisa que se há de conservar. Quem guarda pode não ter de conservar, mas igualmente tem de abster-se do que possa ser danoso à coisa que se guarda. Na conservação ou está incluído o ter de prestar o necessário à conservação, ou o poder desembolsar para as despesas necessárias, ou o ter de receber o que seja necessário à conservação. 2. EXTENSÃO DA PRESTAÇÃO. As obrigações de fazer <Aa) somente podem ir até onde o homem física ou psiquicamente pode chegar. “Pode chegar” esta aí em vez de: pode, conforme os meios de que o homem, no momento, dispõe, chegar a fazer (Ultra posse nemo obligatur). As obrigações de dar (Ab) independem da suficiência do patrimônio de quem tem de dar. Os conceitos de insolvabilidade e de falência de modo nenhum se referem a limite à promessa de dívida: apenas atendem ao dado fáctico, para que não se falseie a tutela jurídica. A falta de meios para solver nada tem com o direito material: é dado para regras de direito pré-processual e processual. Existe e vale o negócio jurídico em que alguém contrai divida que não pode pagar ao ser exigida, nem poderia pagar em qualquer tempo. O ad. 399, 2.8 parte, do Código Civil, sim, limita a obrigação do parente que há de prestar alimentos. Aí, tudo se passa no direito material. § 2.692. Prestação pelo devedor ou por outrem 1.OBRIGAÇÃO DE ATO QUE OUTREM PODE PRATICAR. (a) Diz o art. 881: “Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora dêste, ou pedir indenização por perdas e danos”. A regra jurídica, de que se trata, de nenhum modo corresponde à do Código Civil francês, art. 1.144: ‘te créancier peut aussi, en cas d’inéxecution, être autorisé à faire exécuter lui-même l’obligation aux dépens du débiteur”. No texto francês, prevê-se a espécie em que o devedor outorgue tal poder, ou, em caso de mora, que tal autorização seja dada pelo juiz. No direito brasileiro, o poder de incumbir outrem da prática do ato resulta de regra jurídica dispositiva, no plano do direito material; de modo que: ou a) o credor, havendo recusa ou mora do devedor, manda praticar o ato, nascendo-lhe crédito contra o devedor pelas despesas; ou b) o credor vai ao juízo da execução e pede que, avaliado o serviço, ou a obra, se proceda à concorrência pública, e se leve a cabo, à custa do executado (Código de Processo Civil, art. 1.000). (b)Os arta. 881 e 882 pré-excluem a constrição pessoal, a compulsão ao fazer e ao não-fazer, a coação ao ato ou àomissão. Se o fazer consiste em~ manifestar vontade (pré-contrato), há pretensão a que o juiz supra a declaração que deveria ser feita pelo obrigado. Então, exercendo a pretensão à execução (pré-processual), o titular da pretensão consegue que o juiz execute (execução forçada de obrigação de declarar vontade, que é obrigação de fazer). pretensão de que cogita o art. 878 do Código Civil irradjam-se, principalmente, a ação de condenação alternativo ao adimplemento ou a que outrem execute a prestação, e a ação de preceito cominatório (faça ou sofra que se faça por sua conta). 2.REGRA JURÍDICA DISPOSITIVA. A inserção da regra jurídica dispositiva no Código Civil é originalidade do sistema jurídico brasileiro, que não foi entendida por CLÓVIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, IV, 26>. Para ele, o credor não no poderia ordenar por autoridade própria: “Seria”, dizia ele, “fonte de abusas”, “anarquia imprópria de legislação sistematizada”; o credor teria~de ir a juízo. Em suma: como por vêzes, queria o autor do Projeto primitivo que prevalecesse o que ele escrevera no art. 1.029 do Projeto, e não o que se votara e edictara. Leu por outro modo o art. 881 M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA (Doutrina e Prática das Obrigações, 1, 214) : “A hipótese é a de um fato que não dependa de aptidões especiais do devedor e, portanto, que possa ser realizado por qualquer encarregado seu. E uma prestação de solução mais fácil para o devedor e por isso a lei é mais rigorosa. Se

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ele recusa ou retarda a execução, o credor tem dois caminhos a escolher: ou manda executar, ou pede desde logo a indenização. Assim, alugo uma propriedade e no contrato obriga-se o locador a mandar abater umas árvores que me sombreiam outro lado. Desde que ele não o faça, posso eu fazer à custa do aluguer que tenho a pagar Mando construir uma casa sob um plano dado. O empreiteiro modifica a seu talante a fachada e se recusa a restabelecer o desenho que recebeu. Posso mandar executar as reformas à sua custa, isto é, descontando no que me resta a lhe dar”. Há, porém, um ponto em que o civilista não estava certo: quanto ao desconto ou abate, O credor pode mandar que alguém pratique o ato e cobre do devedor, ou que o pratique cobrando ao credor, que se faz credor do devedor pelo desembôlso por êsse ato de outrem. Não pode abater o quanto ao aluguer, nem à prestação que há de pagar ao empreiteiro. A despesa é à custa do devedor, não, porém, dívida desde logo compensável. Nos outros sistemas jurídicos, não há êsse caso de justiça de mão própria, que o art. 881 criou (cp. Código suíço das Obrigações, art. 98; Código Civil argentino, art. 630: “Si ei hecho pudiere ser ejecutado por otro, eI acreedor podrá ser autorizado é. ejecutarlo por cuenta dei deudor, por si é por un tercero, ó solicitar los prejuicios é intereses por la inejecución de la obligación”). 3.EXECUTABILIDADE PELO ESTADO. Se o ato, sem coação pessoal do devedor, pode ser executado pelo Estado, de regra pelo juiz, e a lei o permite, cessa a invocabilidade do princípio Memo ad .factum precise cogi potest. O que importa é saber-se se a) o ato pode ser praticado por terceiro, e não pelo juiz, ou se b) o pode ser por terceiro, incluído o juiz, ou se c) só o pode ser pelo juiz, ou se d) somente pode ser pelo devedor, O art. 880 do Código Civil só se refere à espécie d). O art. 881, 1.8 parte, às espécies a) e b). O art. 1.006 do Código de Processo Civil é uma das subespécies contidas na espécie e). A t~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 2 de dezembro de 1943 (1?. dos T., 151, 194), levada por leituras de sistema jurídico inferior ao nosso, não entendeu o art. 1.006 e § 2.0 do Código de Processo Civil. O pré-contrato, se satisfaz o art. 1.006, § 2Y, já dá ensejo à execução do contrato definitivo. De modo que o argumento de não poder a sentença substituir o consenso que não foi prestado é de todo sem pertinência; bem assim o conceituar-se a ação do art. 1.006 como ação de condenação: trata-se de ação executiva de obrigação de manifestar vontade, que é obrigação de fazer, plenamente prestável o facere, no sistema jurídico brasileiro, pelo juiz da execução. Somente se, in casu, não é exequivel a prestação em natura, é que se há a condenação e execução em perdas e danos (certa, a 48 Câmara Civil, a 15 de março de 1956, R. dos T., 251, 301). A 2.8 Turma do Supremo Tribunal Federal, a 7 de janeiro de 1947 (1?. 9., 112, 383), bem frisou, interpretando o art. 880 do Código Civil, que as obrigações faciendi, em princípio, permitem a execução in natura (cp. art. 881), e só se tal execução importaria em constrangimento pessoal do devedor (Nemo ad factum precise cogi potest) é que se pre-exclui a execução pela prestação do ato. Se basta, para o adimplemento, que o juiz diga o que o figurante teria de dizer, é, então, possível a prestação in natura. Só se têm de pedir perdas e danos se o ato não é praticável por terceiro, ou pelo Estado. Para a execução por sentença do juiz, não se precisa coagir o demandado, nem, a fortiori, lançar mão de fôrça militar, ou de outros meios coercitivos. Os arts. 1.005 e 1.006, com os seus §§ 1.0 e 2.0, do Código de Processo Civil são expressivos. A ação do art. 1.006 do Código de Processo Civil nada tem com a ação cominatória do art. 302, XII (4.’ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 29 de junho de 1945, 1?. F., 107, 78), do mesmo Código, que não é ação executiva; nem com a ação de resolução dii de resilição (eficácia ez nunc) do pré-contrato, que se funda no art. 1.092, parágrafo único, do Código Civil e na qual podem ser pedidos e haver-se perdas e danos, se os há (cf. 3.’ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 17 de outubro de 1946, R. 9., 115, 540). O art. 1.092 do Código Civil é invocável pelo demandado em qualquer das três ações (cp. 30 Grupo de Câmaras Cíveis, 18 de agôsto de 1950). O pré-contrato de sociedade é, em princípio, executável em natura (3.’ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de junho de 1948). As perdas e danos podem ser devidas ainda que se tenha dado a execução em natura. A fortiori, as despesas e custas com a sentença executiva e as formalidades para registro e do registro (3.’ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 26 de setembro de 1945, R. dos 7., 159, 222; sem razão a 3.’ Câmara Civil, a 12 de dezembro de 1943, 151, 194). A falta de habilitação suficiente é falta subjetiva. Se por essa deficiência, ou insuficiência, o devedor não cumpre a obrigação, há culpa sua (cf. 8.’ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 22 de julho de 1946, R. 9., 112, 149). A falta de outorga uxória se o devedor dela precisa não é impossibilidade objetiva: há culpa do devedor que deveria ter-se munido do assentimento da mulher (2.’ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 20 de maio de 1947, Paraná 3., 56, 48). Se o bem é comum, necessário é o consentimento do outro cônjuge, de modo que a falta cresce de ponto:

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prometeu o marido o que só em parte era dele. A 5.’ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 25 de junho de 1948 <R. doa T., 176, 235), achou sem culpa o vendedor que adquirira o bem em hasta pública e não pôde, depois, transferir a propriedade ao comprador. E levar demasiado longe o conceito de não-culpa. Ainda se houvesse transferido, responderia pela evicção. (A 1.’ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 6 de agôsto de 1942, A. 3., 64, 68, quis insistir em que as obrigações de dar não são obrigações de fazer. São. Apenas, sendo subespécies, as obrigações de dar hão de ser tratadas à parte, por haver regras jurídicas especiais. Rigorosa-mente, haviam de incluir-se nas obrigações de fazer, embora com trato diferente, no que são distintas das outras.) § 2.698. Obrigações de fazer e seu adimplemento 1. ADIMPLEMENTO E “FACERE”. A obrigação de fazer adimple-se com o ato-fato, de modo que o ato inconsciente que perfaça a prestação é suficiente, porque adimplemento é ato- -fato jurídico, e não, necessâriamente, ato jurídico. Pintar quadro, escrever livro, construir casa, representar peça e outros atos exigem que a inteligência e a consciência funcionem; mas a entrega, como ato de adimplemento, é ato-fato jurídico. Isso nada tem a ver com a pessoalidade do ato: o Interesse do credor pode consistir em que o ato ou a série de atos parta do devedor, e não de outrem. Daí dizer o Código Civil, no art. 878: “Na obrigação de fazer, o credor não éobrigado a aceitar de terceiro a prestação, quando fôr convencionado que o devedor a faça pessoalmente”. Ato pessoalmente praticado pelo devedor pode ser ato somente executado pelo devedor, ou por ele e auxiliares, ou projetado por ele, ou projetado por outrem e levado a cabo por ele. O conteúdo da obrigação há de precisar até onde vai o interesse do credor em que o ato seja pessoal. Q inadimpiemento ou o adimplemento insatisfatório caracteriza..se pelo ato que não é tal qual se exigiu: ato de terceira,ou do devedor, se foi isso o que se prometeu; ato só de alguém, e não do devedor, se o devedor se obrigou a prestação de ato pessoal de outrem, pessoa determinada; ato só do devedor, segundo as espécies de que antes se falou, se se fêz objeto da prestação ato pessoal do devedor. Daí dizer o ad. 880 do Código Civil: “Incorre também na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor, que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível”. A promessa de fato que pode ser executado por terceiro torna o adimplemento praticável em natura, em vez de se lançar mão, em caso de inadimplemento, da prestação de perdas e danos. “Se o fato puder ser executado por terceiro”, estatui o art. 881 do Código Civil, “será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora dêste, ou pedir indenização por perdas e danos”. 2.IMPOSSIBILIDADE DA PRESTAÇÃO DE FAZER. Qualquer que seja a impossibilidade que resultou de culpa do devedor, responde êsse por perdas e danos. Se a impossibilidade foi causada sem culpa do devedor, a obrigação resolve-se. Também aqui o que acontece é que nasce ao devedor e ao credor a objeção de resolução. A resolução, em si, é automática. Pode o devedor propor a solução por outro meio. Pode o credor fazê-lo. Qualquer deles pode preferir a resolução. É assim que se hão de interpretar as duas partes do art. 879 do Código Civil, onde se lê: “Se a prestação do fato se impossibilita sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa do devedor, responderá êste por perdas e danos É preciso não se confundirem as regras jurídicas do Código Civil, arts. 865, alínea 2.’, 867, 870, 871, 2.’ parte, 876, 879, 2.’ parte, 883, 887, 895, §§ 1.0 e 2.0, 908, 909, 2.’ parte, sobre impossibilidade, com as regras jurídicas sobre a inexecução das obrigações sem ser com impossibilitação (art. 1.057), nem com as regras jurídicas sobre mora (arts. 957 e 958). A. impossibilidade de que se trata naqueles pontos do Código Civil que mencionamos é a impossibilidade superveniente à conclusão do negócio jurídico, ocorrida entre essa conclusão e a data em que se deu a mora. A impossibilidade que acontece após a mora é regida pelos arta. 957 e 958, tendo-se de apurar o tempo em que a prestação se tornou impossível porque nem sempre responde o devedor pela impossibilidade objetiva se exsurgiu antes da mora. A responsabilidade pela impossibilidade objetiva ocorrida após a conclusão do negócio jurídico, e antes da mora, só é imputada ao devedor se a êsse foi carregada conforme os arta. 865, alínea 2.’, 867, 870, 871, 2.’ parte, 876, 879, 2.’ parte, 883, 887, 895, §§ 19 e 2.0, 908, 909, 2.’ parte, todos regras jurídicas sobre impossibilidade objetiva da prestação e consequente responsabilidade. A mora vai dar-se se o devedor não comunica ao credor, antes do dia em que há de adimplir, que a impossibilidade ocorreu e não alega que a responsabilidade não se lhe carrega, conforme a lei. Essa comunicação contém enunciado de fato, ou é verdadeira, ou é falsa. Se é verdadeira, a mora não pode sobrevir: encontra situação que impossibilitou o adimplemento, sem responsabilidade do devedor. Se, ao invés, é falsa, ou o devedor presta, antes da mora, o que lhe incumbe prestar, em virtude da incidência de algum daqueles artigos sobre responsabilidade pela impossibilidade acontecida entre a conclusão do negócio jurídico e a mora, de modo que se extinga a divida, ou incorre em mora. O credor pode exigir o adimplemento em natura, se somente o devedor pode cumprir a obrigação, mas há de haver a

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cominação para o caso de se recusar a adimplir em natura. Se a prestação pode ser feita por terceiro, a cominação é para. o caso de o devedor não cumprir. O devedor não pode preferir indenizar; indeniza, se se recusa a cumprir em natura. Pode o juiz condenar à execução em natura, ou a pagar a indenização, inclusive condenar à execução em natura com a determinação de quantia para tempo de atraso na execução em natura. Em todo caso, ao devedor é dado pagar desde logo a indenização. A opinião que, em caso de mora, só admite a condenação em perdas e danos é de afastar-se. Ainda após a condenação, o executado tem oportunidade para purgar a mora (Código de Processo Civil, arts. 999 e 1.005), adimplindo a obrigação de fazer, ou para que a obra seja feita por outrem. Apenas é o xeqtiente quem escolhe (cf. Código de Processo Civil, art. 1.004: “Se o exeqúente preferir a indenização das perdas e danos, far-se-á a liquidação, prosseguindo-se como na execução por quantia certa”). Se o interesse público está em causa, é preciso que se nau confunda a pretensão à execução que tem o credor com a que possa ter o Estado, ou o povo, nas ações populares, para que algo se altere à execução da divida de direito privado. A mistura das pretensões, para que se propende em doutrina francesa (e. g., M. MINOTTE, De lo .Sanction des Obliqations de w pa~ faire, 52 s.) é de repelir-se. A execução forçada de direito privado cessa onde encontra a vedação de direito público, se a lei dc direito público é acorde com a Constituição de 1946. Se a exclusão do sócio ou associado é contrária à lei. pode ser reintegrado na sociedade ou na associação, inclusive em se tratando de sindicato. CAPÍTULO IV OBRIGAÇÕES DE DAR § 2.694. Conceito de obrigação de dar 1. DÍvIDA E OBRIGAÇÃO. Sabemos que há créditos de dar sem que lhes haja nascido, ou já se lhes haja desaparecido ou prescrito a pretensão a que se dê. A tais créditos não corresponde pretensão, como às dívidas, que lhes são correlatas, não corresponde obrigação. Todavia, na linguagem generalizada, so se sói falar de obrigações de dar, porque de regra das dívidas de dar se irradiam obrigações de dar. Se queremos rigor e verdade, enquanto não há pretensão a que se dê não há obrigação de dar, pôsto que já exista crédito de dar e dívida de dar. O intérprete e o aplicador da lei têm de estar atentos aos dois conceitos: crédito e pretensão; a que correspondem os outros dois: dívida e obrigação. É preciso não se confundir a obrigação de dar com a transferência. Quem vende obriga-se a dar; ainda não dá. Se deu imediatamente após obrigar-se, obrigou-se e transferiu. Nas escrituras públicas costuma-se dizer: “vende e transfere a propriedade e a posse”. Aí, vende-se, portanto obriga-se a dar; e dá-se, O dar já é execução da obrigação. Tanto assim que resulta de acordo de transmissão, que serve ao registro da propriedade imobiliária, e é ineliminável na transferência da propriedade mobiliária. Por outro lado, pode alguém se obrigar a dar, e. g., vendendo o imóvel, livre e desembaraçado, e somente poder transferir a propriedade, conforme o registro, por lhe faltar a posse. Tal adimplemento é insatisfatório, porque se prometeram propriedade e posse e só se presta propriedade. Se o adquirente anui em só receber a propriedade, tem pretensão a que se indenize do dano causado pela falta da transferência da posse. Houve acordo de transmissão da propriedade, e não houve, ou foi ineficaz, o acordo de transferência da posse. Os intérpretes de códigos que reputam adquirente, desde a perfeição do contrato de compra-e-venda, o comprador, não atendem a que, com o contrato de compra-e-venda, apenas nasce a obligatio. Para que ocorra a aquisi~áo é preciso que se observe a lei sobre aquisição da propriedade, que é de direito das coisas, e não de direito das obrigações. Têm-se de evitar, enérgica-mente, todos os erros da doutrina francesa e de povos que a imitaram. No sistema jurídico brasileiro, não há, nem se podem insinuar, regras jurídicas como as do Código Civil francês, art. 1.138, alínea 23, e 1.588. Naquele está escrito, o que se choca, fundamente, com os princípios fundamentais do sistema jurídico brasileiro: “Efle (la obligation de livrer la chose> rend le créancier proprietaire et met la chose à ses risques dês l’instant oú elie a dê être livrée, encore que la tradition n’en ait point été faite, à moins que le débiteur ne soit en demeure de la livrer; auquel cas la chose reste aux risques de ce dernier”. Tudo que ai está não cabe em sistema jurídico que alcançou a mais perfeita teoria da posse e de modo nenhum permite aquisição da propriedade mobiliária pela tradição sem tradição; nem confunde a eficácia do registro de imóveis com a de transmissão de posse.

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A obrigação de dar coisa futura põe ao vivo a distinção entre obrigação de dar e dação, entre a obrigação do vendedor ou do locador e a aquisição da propriedade e posse do bem vendido ou da posse imediata do bem alugado. A propósito de coisas futuras, pode haver o acordo pelo qual o outorgado, em dado momento, ou época (e. g., colheita), exerça os atos possessórios, mas êsse é outro problema de que já se tratou no direito das coisas. A propósito de universalidades, o acordo de transmissão determina que se adquiram os bens futuros à medida que se tornem bens atuais. Se há impossibilidade decorrente de não ser proprietário o outorgante, nas obrigações de dar, também é preciso que se evite falar de nulidade ou de rescisão. Quem vende a coisa de outrem apenas não pode prestá-la sem que a adquira: nenhuma impossibilidade objetiva existe, no momento da conclusão do’ contrato, que justifique invocar-se o Código Civil, art. 145, II, 23 parte. É caso de resolução. Se, a despeito da alienidade:. o outorgante presta, presta o que não era seu, e ou (a) adquire,., depois, a propriedade, e dá-se a pós-ef icacizaçáo, ou (b) o credor que recebeu o que não podia ser prestado satisfatôriamente pede a resolução do contrato. Se vem contra o outorgante o terceiro, dono ou possuidor do bem prestado, há a ação por evicção. No plano do direito das obrigações, a pós-eficacização suscita alguns problemas. Se o alienante de coisa alheia adquire o que alienara, sem ter direito de propriedade, e no momento da aquisição tem dívidas, ,L pode ser penhorada, no momento da aquisição, a propriedade que está a passar por ele? A resposta tem de ser negativa, desde que tenha eficácia erga omnes o negócio jurídico de transferência (e. g., foi feito o registro do documento de alienação do bem móvel). O direito do adquirente de que se trata é direito expectativo (Tomo V, §§ 578, lO, 576, 577, 578 e 591, 6). Tem-se pretendido que, se A envia x, em dinheiro, por E, a C, B, mandatário, ou serviçal da posse, se torna dono do dinheiro. Em princípio, diz-se, o mandatário torna-se dono do dinheiro, salvo se foi entregue o dinheiro em embrulho fechado, maleta, ou cofre. Ora, em principio, o contrário é que ocorre: o mandatário não se torna dono do dinheiro; o mandatário adquire, apenas, a posse imediata imprópria. Quando a lei faz passar ao patrimônio do contraente o que se lhe entrega, os textos são explícitos (e. g., Código Civil, art. 1.280, sobre depósito, e art. 726, sobre usufruto). Se o mandatário se apropria do dinheiro com que iria solver a obrigação do mandante, comete ato ilícito absoluto, e não só relativo. Se A vende a B e, antes da transmissão, O, credor de A, penhora bens desse, a coisa vendida pode ser incluída, salvo se o acordo de transmissão, ou, o que é excepcional, o contrato de compra-e-venda tem eficácia erga omites. 2. EsPÉcIES DE OBRIGAÇõES DE DAR. As obrigações de dar ou são obrigações de dar coisa certa ou obrigações de dar coisa incerta. Observe-se, de início, que o conceito de certo aqui só se refere ao bem, à coisa, e não à divida. A divida pode ser certa, pôsto que incerta a coisa que é objeto da obrigação. De regra, as obrigações ditas certas e liquidas são obrigações certas de coisas incertas (e. g., tantos mil cruzeiros) e líquidas, isto é, concebidas com liquidez ou já liquidadas. A divisão das obrigações (ou dos créditos) em mobiliários e imobiliários liga-se a elipses que se devem evitar: obrigações de prestar bens móveis, obrigações de prestar bens imoveis. Não é menos elíptica a que se faz entre obrigações reais e obrigações pessoais: obrigações que se irradiam do fato de alguém ser possuidor, dono, ou titular de direito real limitado;e obrigações que se irradiam da imputação a alguém sem se atender a qualquer titularidade de direito real. § 2.695. Obrigações de dar coisa certa 1. CERTEZA DA COISA. Coisa certa é a coisa individuada. As características apontadas só as tem a coisa que se há de prestar. Noutros termos: os sinais distintivos bastam para a identificação. Não há outra que os tenha a todos. Pelo menos um há de faltar às outras coisas do mesmo gênero. Se a coisa que e há de prestar foi indicada com características que em sua totalidade outras coisas têm, é uma dentro do gênero; não é coisa certa. A obrigação de dar coisa certa é obrigação em que se determinou o objeto a ser prestado e se individuou tal objeto. Por isso mesmo, “o credor de coisa certa não pode ser obrigado a receber outra, ainda que mais valiosa” (Código Civil, art. 863). De regra, tal obrigação tem por objeto coisa não -fungível, porém o conceito de fungibilidade é estranho à distinção das obrigações em obrigações de dar coisa certa e obrigações de dar coisa incerta. O figurante ou os figurantes do negócio jurídico podem estabelecer a certeza da coisa, a despeito de sua fungibilidade. Pode-se, até, comprar a cédula de mil cruzeiros da emissão z, n. 10.000, ou prometer-se contraprestar tal cédula. A executabilidade forçada em natura não caracteriza as obrigações de dar. Há outras obrigações de fazer que são executáveis, forçadamente, em natura. O próprio Código Civil, no art. 881, supõe que existam: “Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à conta do devedor, havendo recusa ou mora dêste, ou pedir indenização

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por perdas e danos”. As obrigações de obra ou de serviço que possa ser executado por terceiro estão previstas nos arts. 1.000--1.003 do Código de Processo Civil. As obrigações de declarar vontade são executáveis, forçadamente, conforme o art. 1.006 do Código de Processo Civil. Obrigações de dar não são apenas as de entregar a coisa para que o credor adquira a propriedade. O contrato de compra--e-venda é gerador de obrigação de dar. A transferência da propriedade provém do acordo de transmissão: que não gera obrigação, pôsto que vincule. Dá-se a posse, mediata, ou imediata, própria ou imprópria. Dá-se o que se prometeu entregar. A passagem da coisa não é característica da obrigação de dar. Se E recebe de A cartazes para pregar nas ruas, frão é de dar a obrigação, mas de fazer. Se C encomendou retrato a D, a obrigação de D é obrigação de fazer, não é de dar (compra-e-venda). Mas é obrigação de dar a do pintor que promete entregar o quadro já pintado. 2. ACESSÕES E PERTENÇAS. A obrigação de (lar coisa certa abrange as acessões e as pertenças, salvo ressalva. Di-lo oCódigo Civil, art. 864, explicitamente, pôsto que em má terminologia: “A obrigação de dar coisa certa abrange-lhe os acessórios, pôsto não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso”. 3.PERDA OU DETERIORAÇÃO DA COISA, PERTENCENTE AO DEVEDOR, ANTES DA TRADIÇÃO. Se a coisa se perde ou deteriora antes de ser entregue ao credor e a tradição pode ser qualquer: simples, longa manu, brevi manu, ou pelo constituto possessório, ou pela cessão da pretensão à entrega o que importa saber-se é se houve culpa do devedor, ou se não houve. (a) Porque o art. 865, alínea 1~a, do Código Civil estatui: “Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes”. E a alínea 2.a: “Se a perda resultar de culpa do devedor, responderá êste pelo equivalente, mais as perdas e danos”. A perda da coisa certa tem como conseqUência nascer o direito à resolução (lo negócio jurídico, cabendo ao devedor O OBUS ole alegar e rova r r e nio ter tido culpa. A resolução importa em que o devedor restitua o que recebeu do credor. Se houve culpa do devedor, a resolução pode ocorrer, mas o credor tem pretensão a haver o equivalente mais perdas e danos. Num e noutro caso, o devedor tem de comunicar ao credor o que aconteceu. A resolução não é automática, ipso jure. Nasce ao devedor, na espécie do art. 865, alínea 1a, direito formativo extintivo, que é o direito à resolução. Com o exercício dele, pode o credor repetir o que prestara. Se houve culpa do devedor (art. 865, alínea 2.¶, não há direito de resolução: o credor tem pretensão a haver o equivalente mais perdas e danos. Quando se fala de culpa do devedor há de entender-se dele, do seu representante legal, ou voluntário, ou do servidor da posse ou do auxiliar. Se o devedor transforma a coisa devida, de modo que surja espécie nova, ou se tal acontece por ato de representante legal,ou voluntário, ou servidor da posse, ou auxiliar, rege oart. 867, e não o art. 865, alínea 2a, do Código Civil. Salvo se, com a especificação, a nova species pertence a outrem, porque, então, houve “perda”, segundo o art, 865. (b) Estatui o art. 866 do Código Civil: “Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação ou aceitar a coisa, abatido ao seu preço o valor, que perdeu”. Com as expressões “poderá o credor resolver a obrigação~~ ou ~aceitar a coisa”, os legisladores do Código Civil puseram a alternativa: recebimento da coisa mais o valor que a coisa perdeu; ou direito à resolução. Para exercer êsse, é preciso não aceitar, ou, receber não sem protesto, a coisa, tal como se acha. Se o devedor foi culpado, não há resolubilidade do negócio jurídico. A alternativa é diferente. Diz o art. 867 do Código Civil: “Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos”. (c)O figurante ou os figurantes podem inserir cláusula de prazo para o exercício do direito de resolução. Se não se estabeleceu prazo, pode o outro figurante pedir ao juiz que preceite, corninatóriamente, o titular do direito de resolução, §§ 2.694-2.695. OBRIGAÇÕES DE DAR fixando-lhe prazo razoável para o exercício, findo o qual se extinga o direito de resolução. Além disso, o decurso de algum tempo, após a ciência do nascimento do direito de resolução, pode ser renúncia a êsse, o que cumpre averiguar-se. O que acima dissemos só se entende com as obrigações de dar a coisa certa, que mio é do credor. Da perda ou deterioração das coisas restituíveis, cogitam os arts. 869-878 do ‘Código Civil. 4.PROPRIEDADE OU POSSE OU TITULARIDADE DA COISA CERTA E TRADIÇÃO. Enquanto a coisa certa

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não é prestada ao credor, pertence ao devedor, ou a outrem, ou, se a obrigação é de prestar a posse da coisa certa, possuidor é o devedor, ou terceiro, ou, se se trata de direito certo ou pretensão certa que, é objeto da prestação, o devedor ou terceiro é o titular. O ad. 868 do Código Civil apenas cogitou de uma das espécies, a das obrigações de dar coisa certa, com transferência do domínio; daí dizer: “Até a tradição, pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço. Se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação”. Melhoramentos e acrescidos são, aí, benfeitorias, não o que se compreende no objeto da prestação, consoante o que se estatui no art. 864 do Código Civil. Melhoramentos e acrescidos são benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias. As últimas não dão ensejo a que, não as querendo pagar o credor, nasça ao devedor direito a resolução do contrato, ainda se não as quiser toler o devedor. Aliter, as necessárias. Quanto às úteis, seria difícil exclui-las, de lege lata, da incidência do ad. 864. Quanto aos frutos da coisa certa, antes da tradição, explicita o art. 868, parágrafo único: “Também os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes”. Frutos que pendem são frutos que ainda são parte integrante do bem. Se o devedor incorre em mora, tem de prestar perdas e danos pelos frutos que pendiam no momento em que deveria ter sido entregue a coisa certa. Se o outorgante presta a posse, mas ainda deve a propriedade, os riscos aio a seu cargo, porque houve tradição da pose, e não transmissão da posse e da propriedade. Àlitcr, se a dívida era só de posse. Se o obrigado prestou a posse do bem imóvel e assinou o acordo de transmissão, a transferência só depende do registro, de modo que os riscos estão a cargo do credor, e não do devedor que, se eficaz o acordo de transmissão, está liberado. No caso de venda da coisa móvel futura, os riscos são do devedor até o momento da tradição. A distinção que se pretendeu improvisar, na doutrina francesa e na italiana, entre venda de coisa futura e venda dê expectativa, foi de artificialidade gritante; e fêz bem F. DE VISSCHER (La Vente dos choses futures et la théorie d’un risque contractuel, 112) em criticá-la. Os riscos são, na dúvida, do credor, e não salvo estipulação em contrário, porque a futuridade implica assunção de riscos, se não resulta das circunstâncias que os manteve para si o devedor. Se a venda foi de colheita, tem-se de interpretar o contrato e, na. dúvida, o credor assumiu os riscos. O art. 868 do Código Civil diz que, até à tradição, a coisa pertence ao devedor, e o art. 865, alínea 1a, cogita da impossibilidade objetiva sem culpa do devedor. Se a prestação é em bem imóvel, a dntrega da posse ou é seguida do acordo de transmissão da propriedade, ou não é. Se não houve acordo de transmissão da propriedade imóvel, o acordo de transmissão da posse não pode deslocar a imputação dos riscos, porque não liberou o devedor. Se houve e é eficaz, a liberação ocorreu, e. os riscos são carregados ao credor. Em se tratando de promessa unilateral, as regras jurídicas sobre os riscos incidem até o dia em que o beneficiário recebe e após a reçepção. O credor pode não ser o proprietário. Então, com a tradição, o devedor deixa de ser carregado com os riscos e a outrem passam eles. A quem? ~Res perit domino ou res perit creditori? A situação do credor, que recebeu a coisa e ainda não é dono, depende de se saber se o devedor já se liberou ou não. Se já se liberou, não há dúvida que o credor enfrenta os riscos. Se havia apenas obrigação de dar a posse, e o devedor se liberou, os riscos são conforme os princípios concernentes à posse mediata e à posse imediata, pois algo permanece de regramento entre os dois possuidores, ou entre eles e o possuidor mediato próprio. No direito brasileiro, para que haja liberação do devedor que se obrigou a prestar propriedade de bem móvel, é de mister a tradição ou a cessão da pretensão à entrega (Código Civil, arts. 620-622). Para que ceda pretensão à entrega, é de mister que .a tenha. Não se faz cessão de pretensão à entrega sem que se tenha tal pretensão. (De passagem, observemos que, em direito francês, o mais imperfeito sistema jurídico em matéria de posse e de transferência da propriedade que já 8 concebeu, a venda transmite a propriedade dos bens moveis ainda antes do pagamento, sendo isoladas as opiniões contrárias, e. .q., A. BURADA, Les Droits du vendeur d’effets mobíhers non payés, 113.) A entrega dos títulos representativos é tradição, no sentido (los arts. 620-622 do Código Civil, e no sentido do art. 520, II. ~ o caso dos warrants e dos conhecimentos de depósito, (lO de?iverij ordre assinado pelo agente do navibt 5.OBRIGAÇÕES DE RESTITUIR. Quem restitui dá, porém dá o que não é seu, nem de terceiro, e sim do próprio credor, ou de alguém que ao credor outorgou a entrega. Restitui-se o que é de propriedade alheia, restitui-se o que é de posse alheia, restitui-se o objeto sobre que o credor tem algum direito que já existia ao tempo do nascimento da obrigação. As obrigações de restituir são espécie das obrigações de dar. (a)O Código Civil, nos arts. 869-87.3, cogitou, em particular, das obrigacôes de restituir coisa certa. Primeiro, tratou da perda da coisa. “Se a obrigação fôr de restituir coisa certa”, diz o art. 869, “e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, salvos, porém, a ele os seus direitos até o dia da perda”. A resolução é, pois, ipso iure. O que o~orre é que nasce ao credor e ao devedor objeção de resolução.

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O que seria contraprestação pelo tempo em que a coisa certa estêve com o devedor é devido ao credor: são “os seus direitos até o dia da perda”, conforme o art. 869. Se a coisa restituível se perde por culpa do devedor, incide oart. 865, 2.8 alínea (Código Civil, art. 870:. “Se a coisa se perdeu por culpa do devedor, vigorará o disposto no ar t. 865,2Y~ parte”; aliás, 2.8 alínea). Não há, então, pensar-se em direito de resolução. O devedor, em vez de prestar a coisa, presta o equivalente mais as perdas e danos. (b)O art. 871 do Código Civil tem por assuntos a deterioração da coisa restituível, se não há, ou se há culpa do devedor: “Se a coisa restituível se deteriorou sem culpa do devedor, recebê-la-á, tal qual se ache, o credor, sem direito à indenização; se por culpa do de ledor, observar-se-á o disposto no art. 867”. Ou o credor exige o equivalente, ou aceita a coisa no estado em que se acha, é com direito a reclamar, numa e noutra espécie, indenização de perdas e danos. Há compensabilidade do valor das benfeitorias com e dos danos (art. 518). É preciso que aquelas existam ao tempo da restituição (arg. ao art. ~ 23 parte). O direito de opção de que fala o art. 519 tem-no o devedor que restitui. 6.MELHORAMENTOS, ACRÉSCIMOS E FRUTOS. Pode ser que o devedor da coisa restituível tenha de melhorar ou aumentar a coisa. Importa saber-se se houve despesa ou trabalho do devedor, ou se não houve. Se não houve, rege o art. 872: “Se, no caso do art. 869, a coisa tiver melhoramento ou aumento sem despesa, ou trabalho do devedor, lucrará o credor o melhoramento, ou aumento, sem pagar indenização”. Se houve, diz o art. 873: “Se, para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho, ou dispêndio, vigorará o estatuído nos arts. 516 a 519”. A remissão aos arts. 516-519 explica-se por se tratar de restituição, e não de dação do seu. A diferença entre o art. 873 e o art. 868 está, principalmente, em que, no art. 868, se podia estabelecer o direito de resolução, e no art. 873. não . Trata-se o devedor como possuidor de coisa alheia. As benfeitorias necessárias e úteis são indenizadas, se feitas de boa fé. Quanto às voluptuárias, feitas de boa fé, há o devedor o iix,s toliendi. Pela indenização daquelas, tem o devedor direito de retenção (art. 516). Se de má fé as fêz, só lhe cabe a pretensão à indenização das necessárias, sem direito de retenção. Se de má fé fêz as voluptuárias, nenhuma pretensão lhe assiste. nem o jus toliendi. § 2.696. Dividas pecuniárias 1. FUNÇÃO DO DINHEIRO. A tôda economia financeira, ou, em particular, monetária, corresponde supra-estrutura juridica, de caráter financeiro, ou monetário. No estado atual dos sistemas jurídicos, as normas de tal ramo do direito ou são de direito público ou de direito privado, porém maior é o número daquelas do que o dessas. A importância do regime jurídico do dinheiro ressalta sempre que se atenda à quase-onipresença da prestação pecuniária: nas compras-e-vendas, nas locações, no mútuo, nas empreitadas, nos atos e contratos de direito administrativo, nas sociedades, nos seguros, nas múltiplas operações de bancos; mas, principalmente, nos títulos de crédito. Por outro lado, as obrigações que não contêm prestação em dinheiro soem transformar-se em obrigações de prestar pecúnia, por função específica da moeda. Aqui, duas interpretações são dadas ao fato da substituição do dinheiro à prestação não-pecuniária: a) quem alguma coisa promete, que não é dinheiro, já promete dinheiro, se não prestar a coisa; b) quem alguma coisa promete, que não é dinheiro, promete a coisa, e o dever de prestar dinheiro é interior àrelação jurídica processual, derivada, portanto, de obrigação oriunda da condenação pelo juiz. Compare-se o que disse MARTTN WOLFF, em V. EHRENBERG (Handbuch des gesamten Hdndelsrechts, IV, 569), onde se &nceitua o dinheiro como objeto auxiliar das obrigações, objeto, substitutivo em geral, da obrigação, com o que dizia GUSTAV HARTMANN (tYber den rechtlichen Regriff das Geldes und de» Jnhalt der Geldschulden, 50, e Internostionale Geldschulden, 20), que apontava o dinheiro como o último meio de solução no tocante à coação, “o meio compulsôriamente último de solução”. Não é possível apoiar-se uma ou nutra atitude, aprioristicamente: a análise das relações em causa 4 que nos diz se, no. espécie, é um ou outro o papel do dinheiro. Nem o dinheiro é sempre o meio de solução previsto no direito material, ou, pelo menos, tal função não resulta a priori dos seus caracteres; nem é de mister, tão-pouco, que se aluda àexedução forçada para se falar de tal papel do dinheiro. Com essa atitude, afastamos a divergência teórica, que desatende àmultiplicidade das relações e à liberdade dos legisladores na disciplina das obrigações de direito privado. A êsse problema liga-se outro, que iremos encontrar: o de se saber se o juiz pode ou se o juiz deve conderar em dinheiro quando a promessa é de outra coisa. Além da função, de que falamos, concernente às obrigações de prestar coisa que não seja dinheiro, inclusive ato ou omissão (obrigações de fazer e de não fazer), o dinheiro de um Estado exerce a de nele se reduzir a dívida em dinheiro estrangeiro. Cresceu ela de ponto quando o mundo entrou neste período da história monetária, que vivemos e a que se chamou de economia doente.

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No direito, o conceito de dinheiro é um dos mais importantes. As letras de câmbio (Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, art. 1, II) e as notas promissórias (art. 54, II) são promessas de soma de dinheiro, não podem ser promessas de qualquer outra prestação; os cheques devem conter a indicação em cifra e por extenso da soma de dinheiro a ser paga (Lei n. 2.591, de 7 de agôsto de 1912, art. 2.0, 6). O capital de algumas sociedades há de exprimir-se em dinheiro. As hipotecas, os penhôres e as anticreses (Código Civil, art. 761, 1) somente são eficazes contra terceiros se declaram o valer da dívida, isto é. a soma de dinheiro, ou a sua estimação em dinheiro. Porém &que é dinheiro? Um dos sentidos é o de dinheiro amoedado, o que já constitui restrição. Outro, é o de expressão de dinheiro amoedado, de modo que pode ser dinheiro amoedado ou não, e. g., cheque, letra de câmbio. O art. 947 do Código Civil emprega o termo nesse sentido, quando fala de “pagamento em dinheiro”. E dinheiro é o nacional ou o estrangeiro. Por onde se vê como é incerta a terminologia. Em conseqUência disso, aqui como em outros casos, a proposição serve à determinação do conceito, em vez de só ser o conceito que diz qual o conteúdo da proposição. A matéria é que pode dizer-nos se se trata de dinheiro-expressão, se se trata de dinheiro amoedado nacional, ou de dinheiro amoenado nacional ou estrangeiro, ou de dinheiro-expressão, sendo o que se exprime dinheiro nacional ou estrangeiro. Imaginemos, porém, que nenhuma indicação se tem. Que é dinheiro? Que é moeda?. Não vale reportar-se ao principio de direito que diz a que se reduz o objeto da obrigação se não é dinheiro e não pôde ser prestado, porque aí também caberia perguntar-se o que é isso a que tal objeto se reduz. Por outro lado, não há princípio a priori que imponha aos legisladores o reconhecimento de que os credores de prestação de coisa, ou de ato, ou de omissão, tenham de receber dinheiro, ainda quando o caso fôr de indenização: a regra que se encontra nos diferentes sistemas jurídicos, e não em todos, é a posteriori. Longe se está do Omnis condemnatiê pecuniaria est e, por igual, do princípio a priori de que tôda obrigação se reduz a dinheiro. O dinheiro não é, de modo geral, o último meio forçado de solução, pôsto que o seja em muitos casos. O que se sabe é que o dinheiro é coisa fungível e serve à vida de relações econômicas, com certa abstração do valor intrínseco. Porém isso não basta. Já se distingue de muitas coisas fungíveis em que o valor de matéria não é o que o determina, ainda levado em tonta o fator trabialho: não é o metal em que se cunhou, nem o mérito do esfôrço artístico, que concorre para que Me valha; tão-pouco, a substância com que foi feito, pôsto que essa substância possa valer por si. Não raro se põe de lado o valor do dinheiro amoedado, porque vale mais a coisa fungível que Me e do que Me corno dinheiro. Há, tiMe, indicação, que lhe confere valor seu, num sistema de signos monetários, a partir de unidade ideal de valor. Na tela~ célebre, o valor da coisa e o da pintura são diferentíssimos. mas o valor da pintura é real, no sentido de que é o valor que as coisas obtêm, pelo que fisicamente representam, e a pintura é valor físico. Na cédula de dinheiro, não: o valor do papel ou do~ que ele fisicamente representa é inconfundível com o valor ideal que se lhe confere como dinheiro; o papel pode valer lx. a estampa, por ser dinheiro antigo, para as coleções numismátitas, 100 x, ao passo que o dinheiro, que nele se exprime, vale tantas vêzes a unidade ideal, que o Estado adotou, o real, no Brasil, de que tiramos, a unidade, também ideal, que foi o mil-réis e, hoje, é o cruzeiro. É discutível se se faz mister referência de tal unidade a algo de quantidade metálica. Juri dícamente, a pólêmica é sem interesse. A expressão “unidade ideal” foi usada por ARTHUR NUSSBAUM, em vez de outras: unidade de metal (GtJSTAv HARTMANN); unidade de dinheiro (v. PHILOn”ovícl); unidade monetária (P. LANGHEINEKEN) ; unidade de valor (G. ICNAPP)unidade de cálculo (KARL HELFFERICH, R. LIEFMANN). Unidade abstrata. Parece-nós feliz, porque: primeiro, nenhuma das Outras faz diferençarem-se o valor da coisa fungível, com ou sem o trabalho humano, e o valor do dinheiro; segundo, no sentido filosófico, o adjetivo é aceitável, é o de tirado pelo espírito, desligado do valor real, material; terceiro, convencional não bastaria, pois o metro, o litro e o hectare são convencionais, sem que se possa equiparar a eles o dinheiro. O dinheiro conduz o valor da unidade abstrata; não se identifica com esta (R. LIEFMANN), nem a unidade ideal só ébase do sistema monetário, sem no ser do dinheiro mesmo (KARL HELFEERICH), nem é só o modo cartular do meio de pagamento, chartales Zahlungsmittel (O. RNAPP), nem, sequer, o valor da unidade abstrata já conduzida, às vêzes, por segundo veículo (cheque, letra de câmbio, nota promissória, etc.). F. BENDIXEN e A. NUSSBAUM concorreram para que as noções de unidade abstrata e de dinheiro se precisassem. O que importa frisar-se é que a unidade abstrata existe sem o dinheiro, por sua natureza abstrata, como se verifica na fixação de preços máximos, podendo as mercadorias ser trocadas sem que se precise do dinheiro em que a unidade abstrata se concretize e, até certo ponto, se realize; sendo sem razão e, de algum modo, incoerente, dizer A. NUSSBAUM que a unidade ideal não tem existência material fora do dinheiro. Ela se incorpora na cédula. Os signos monetários é que precisam de referir-se à unidade ideal. A alusão à unidade ideal é possível, de parte dos nominalistas, se por ideal entendem “arbitrária”, de modo que o dinheiro não teria nenhum valor próprio, ou, em sentido de representação, por parte de outros, os valoristas. Em

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verdade, a unidade abstrata tem o seu valor, pôsto que, aliás como todos os valores , não-estável. (Não cabem nesse livro análises dos projetos, como o de IRVING FISEER, para a estabilização mesma do valor da unidade abstrata. São assuntos de política financeira, particularmenf e monetária; e não de direito privado. Devemos permanecer, com proveito para a exposição, no terreno do direito.) 2.DIVIDAS DE DINHEIRO. As dívidas de dinheiro não são, tôdas, da mesma espécie: há dívidas de dinheiro nacional, dívidas de dinheiro estrangeiro, dívidas de moeda específica, dívidas de divisas, dívidas com câmbio, etc. Sem o conhecimento preciso, exato, de tais prestações prometidas, não é possível chegar-se a bom termo em matéria de dívidas pecuniárias. Por outro lado, as cláusulas podem ser complexas: de dinheiro nacional ouro, de dinheiro estrangeiro prata, etc. Há princípios comuns; mas há, também, os princípios peculiares a certas prestações. A dívida pecuniária é dívida do valor da quantidade devida, e não dívida de determinada moeda, ou de quantidade de determinada espécie monetária. Ainda que se diga que o pagamento há de ser em notas de mil cruzeiros, a dívida é de valor, a despeito da cláusula. Se, na ocasião, não houver tai; notas, por terem saído da circulação, solve-se a divida com o dinheiro em curso. Se houve pacto adjecto, pode ser distratado, segundo os princípios. Outra espécie de obrigação de dar é a obrigação de dar certa quantidade de peças de determinada moeda, como se o ourives tivesse de fazer trabalho de joalheiro com libras esterlinas, ou dólares. Aí, a obrigação não é pecuniária; não é obrigação de dar coisa certa: é obrigação genérica. É de repelir-se considerar-se tal obrigação como obrigação pecuniária própria. As dívidas de moedas individualmente determinadas não são dívidas pecuniárias, mas de diferentes gêneros; as obrigações que delas se irradiam são obrigações genéricas. § 2.697. Cláusulas de moeda 1. ESPÉCIES DE CLÁUSULAS DE MOEDA. No estudo das cláusulas de pagamento, de solução em dinheiro, o que preliminarmente importa é distinguirem-se, umas das outras, as cláusulas possíveis, pelo menos as mais características. Não só aconselha e impõe tal procedimento metódico a natureza específica de cada uma delas como também, por vêzes, os textos legais as submetem a diferentes tratamentos, ora pelas considerar umas nulas outras não, ora pelas separar conforme certos contratos ou só segundo o seu emprêgo. É inegável o elemento de nominalidade que existe no crédito pecuniário, de modo que os credores, desde muitos séculos, têm recorrido a cláusulas--metais (A) que lhes evitem os contratempos do papel moeda e outros inconvenientes do dinheiro. A cláusula-Ouro, que é a mais radical, abre a lista das cláusulas-metais. Ela mesma já se diferencia em cláusula-ouro (A’> e clâusula.valor-ouro (A”). A cláusula-prata (B) e a cláusula.valor-Prata (13’) vêm após, simêtricamente, posto que, econômicamente, não ofereçam a mesma segurança, por não ter a prata a estabilidade do ouro. Tais cláusulas são de uso nos tratos a longo termo, porque supõem, no tempo, o crescimento dos riscos da depreciação da moeda corrente, e. g., nas promessas de compra de imóveis, nas hipotecas e nos empréstimos internacionais, nos seguros de vida contratados com estrangeiros ou com indivíduos ligados à vida econômica e financeira de outro Estado e nos débitos de guerra (e. g., Tratado de Versalhes, arts. 232, 235, 262; de Saint.Germain art. 146). As cláusulaS-OUrO e a cláusula-Prata podem associar-se: tanto ouro, tanto prata; ou ouro ou prata (cláusula mista ouro e prata). Hoje, devido às oscilações do valor da prata, a cláusula prata perdeu a importância que teve. A cláusula-ouro e a cláusula-prata podem coligar-se à cláusula de determinada moeda (14) e tem-se (AM): a) a cláusula moeda do Estado x em ouro, ou em prata (em ouro, em moeda ouro do Brasil, em dinheiro ouro do Brasil, em moeda brasileira ouro, em cruzeiro-ouro ou ao padrão ouro do Brasil b) em moeda sonante, expressão que não determina a moeda de certo Estado, mas essa será a que se deva entender segundo o direito competente, espacial e temporalmente, para reger o ato jurídico ou segundo as regras de. interpretação que tal direito ditar; o) em moeda-ouro de certos Estados; o) a cláusula.moeda-oUro com explicitação do valor em peso. Chama-se cláusula de moeda especifica (ME) aquela em que se promete determinada classe de moeda, nacional ou estrangeira. É inconfundível com a cláusula de moeda estrangeira simpIes, que é cláusula de determinado sistema monetário. A Lei n. 401, de 11 de setembro de 1S46, revogou a proíbição de certas cláusulas que continham as Ordenações, porem não se pronunciou sobre os pagamentos em moeda pequena, de difícil transporte. O Decreto n. 625, de 28 de julho de 1S49, art. 2.~, dispôs: “As moedas de prata, de que trata o art. 1.0, não serão admitidas, nem na receita nem na despesa das Estações públicas, nem nos pagamentos entre particulares (salvo caso de mútuo consentimento dêstes) senão até a quantia de vinte mil réis”. A cláusula que obrigasse o credor a receber moeda fracionária, em quantia superior a vinte mil réis, seria cláusula de moeda especifica no interesse do devedor. Tal cláusula é, de regra, permítida~ Não no é, porém,

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sempre, a cláusula ordinária, a favor da credor. As cláusulas de moeda especifica ainda deixam incólume o papel pecuniário da moeda. Pode dar-se que êsse papel desapareça, que a moeda seja tratada como coisa, isto é, em dívida de coisa de ouro (Geldsarhenschflldefl, débito monetário), e não como dinheiro (débito pecuniário). Não se estipula o pagamento em moeda como dinheiro, e sim corno coisa. As regras que afastam tais estipulações são as regras sobre compra-e-venda de ouro, ou de prata, ou de outro metal. Porém, como se alude a moeda, podendo haver o intuito de fraude à lei sobre cláusulas pecuniárias, os juizes hão de reputá-las nulas, sempre que não esteja claro que se prometeu ouro, ou prata, e não moedas. Aliás, é possível que o próprio comércio do ouro ou da prata não seja livre. A legislação e a jurisprudência dos diversos Estados é no sentido de se considerar nulo o negócio jurídico em que houve infração das regras proibitivas das cláusulas-ouro e das cláusulas de moeda. Na Alemanha, invocou-se o § 134 do Código Civil, que é como se se invocasse, no Brasil, o art. 145, V, do Código Civil, aliás de redação diferente. Diz o § 134: “É nulo um negócio jurídico que atenta contra proibição legal, se outra coisa não resulta da lei”. O art. 145 estatui: “É nulo o ato jurídico: V. Quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito”. 2.SE HÁ REGRA JURíDICA <1A PRIOR!” DE VEDAÇÃO DE CLÁUSULAS OURO. Discute-se, se, a. príori, a cláusula-ouro é vedada. Tal questão não tem sentido, ou só tem o seguinte econômícamente, ~ a cláusula-ouro atenta contra o curso legal? Se atenta, é juridicamente inadmissível, porque se supôs, ex hrypothesi, a inviolabilidade do curso legal. A resposta há de ser afirmativa. Porém não se diga o mesmo quanto à cláusula -valor-ouro. Econômicamente, não atenta contra o curso legal: o curso legal fica incólume, a prestação é que pode crescer ou decrescer; deve-se dinheiro de curso legal, sem se saber, desde agora, a quantia. Portanto, quanto à cláusula-valor-Ouro, é preciso haver proibição de direito positivo. Os legisladores é que decidem a questão, que é de poiltica financeira, susceptível de ganhar em estabilidade passando a ser lei a solução adotada. Os legisladores, dissemos; os legisladores ou quem, segundo o método de fontes e interpretação da lei do Estado que se tem em vista, faça ou revele a regra jurídica. No Brasil, só o legislador federal. ~2.698. Obrigações de dar coisa incerta 1.INDICAÇÃO MíNIMA. A obrigação de dar coisa incerta supõe que a coisa se possa tornar certa. Torna-se certa a coisa incerta sempre que se determina, segundo o gênero e qualidade, a coisa que há de ser prestada. A obrigação de dar coisa incerta que não se poderia tornar certa não é obrigação: não é nula, porque não se trata, aí, de impossibilidade do objeto, mas sim de indeterminabilidade, que pré-exclui haver-se querido. Oobjeto da prestação é determinado, nas obrigações genéricas, por algumas características de gênero e qualidade. Nas obrigações de dar coisa certa, a prestação é indicada por seus sinais particulares. Ooutorgante pode determinar o gênero mediante as características que entenda e, se bilateral o negócio jurídico, há de ter havido o acordo na determinação. Maior número de características diminui o gênero. Uma delas, para maior exigência, é a de proveniência; outra, a do fabricante, ou a do lugar em que se acha a coisa. Menos características ou sinais se apontaram, maior é a liberdade do devedor no escolher (expressão que adiante examinaremos). 2.PRESTAÇÃO DA COISA INCERTA. Lê-se no ad. 875 do Código Civil: “Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do titulo da obrigação. Mas não poderá dar coisa pior, nem será obrigad.o a prestar a melhor”. Há duas regras jurídicas no art. 874: uma, a da 2a parte, diz que o devedor não há de prestar o pior, nem é adstrito a prestar o melhor (= há de prestar o que é de gênero médio e de qualidade média) ; outra, a da 1a parte, é ins dispoftitiviflfl, e enuncia que ao devedor cabe escolher dentro da classe de coisas que podem ser prestadas.. Essa classe de coisas é a das coisas desde as tidas como coisas piores do mesmo gênero e qualidade até as coisas melhores do mesmo gênero e qualidade. Dividas de coisas determinadas pelo gênero e qualidade (Gattungsschuldefl) são dívidas de prestações em coisas que se fixam por sinais de gênero e de qualidade. Sem êsses sinais, não há determinabilidade (W. HAVER, Die Gattungsschutd, 6). O fato de só existir uma coisa do gênero e qualidade não tira à dívida o ser dívida de coisa determinada pelo gênero e qualidade. A dívida de títulos negociáveis não deixa de ser dívida de coisa determinada pelo gênero e qualidade porque só restam alguns exemplares, um só ou nenhum. Nem é essencial que a determinação se cifre em sinais de gênero, nem, tão-poucos que seja fungível. “Pior”, no art. 875, 2~a parte, é o objeto abaixo do médio (= da qualidade inferior à média) - “Melhor” é o que está

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acima de qualquer objeto acima do médio. A dicotomia das coisas em fungíveis e não fungíveis nada tem com a das obrigações em obrigações de dar coisa certa e obrigações de dar coisa incerta (obrigações genéricas ou de dar coisas determinadas pelo gênero e qualidade). Quase sempre, porém não sempre, o objeto das prestações, nas obrigações genéricas, são coisas fungíveis; e nas obrigações de dar coisa incerta (zz obrigações de dar coisas individualizadas), são coisas infungíveis. Mas pode haver obrigações de dar coisa certa, a despeito da fungibilidade (e. g., a de prestar o relógio da marca tal que o outorgante tem desde alguns meses), e obrigações de dar coisa incerta, a despeito da infungibilidade (e. g., a de prestar uma tela de tal pintor). As obrigações genéricas ( de prestar coisas determinadas pelo gênero e qualidade) podem ser puramente genéricas ou restritamente genéricas, aquelas permitem escolha dentro de classe, essas, não, porque se reduziu a classe a ponto de ser sem sentido a escolha (e. g., três caixas do vinho que foi remetido pelo vapor tal; dois touros da fazenda de criação de B; um dos meus cavalos). Alguns autores confundiram as obrigações genéricas restritas com as obrigações alternativas (e. g., O. PLANCK, Komrnentar, II, 1, 4.~ ed., 47; CARL CROME, System, II, 46, nota 7; 1’.OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 19; WILHELM CUNO, tlbergang der Gefahr bei Gattungssch,ulden ruxch dem 8GB., 7; G. PESCATORE, Die Wahlschuldverhilltnisse, 146; W. SCHÓLLFIR, fie Folgen schuldhafter Nichterfiillung, Gruchots Beitrage, 46, 27), o que vem de longe (cf. E. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, 9Y ed., 21, nota 17) ; mas as obrigações alternativas põem em foco duas ou mais prestações, uma só das quais pode ser executada, razão por que pode ocorrer alternatividade a respeito de duas ou mais obrigações de gênero e qualidade. A investigação científica repeliu a confusão doutrinária (e. g., WALTER HAVER, Die Gattungsschuld, 21 5.; F. SCEOLLMEYER, Recht der Schuldverhtiltnisse, 9; H. A. FISCHER, Konzentration und Gefahrtragung bei Gattungsschulden, Jherings ,Iahrbiicher, 51, 160; E. HAVENSTETN, fie Gattung, Gruchots Reitrdge, 55, 449; W. ICíscn, Gattztngsschuld und Wah,lschuld, 93). Oconceito de “escolha” nos arts. 875-877 não é o mesmo <los arts. 884 e 887. Ali, por se tratar de escolha dentro do genero ou do subgênero (espécie), não há escolha entre duas prestações: há escolha interna. Nos arts. 884 (escolha pelo devedor, nas obrigações alternativas) e 887 (escolha pelo credor, nas obrigações alternativas), a escolha é externa. Não há, nos arts. 875-877, escolha entre a e b, ou entre a, b e o, mas apenas dentro de a, ou de b, ou de o. Em verdade, não se escolhe: presta-se o que está em a e qualquer elemento de a satisfaz (prestabilidade objetiva). A escolha, nos arts. 875-877, éconcretização; não, prôpriamente, escolha. O devedor concretiza numa coisa a prestação, de modo que tal concretização torna certa a coisa, que era incerta. Adiante, n. 4. Oart. 875, 13 parte, é ius dispositivum (“se o contrário não resultar do título da obrigação”) ; e também o é, sem que o diga, a 23 parte: pode-se explícita ou impflcitamente dispor diferentemente; Se o industrial ou o comerciante vende produto da sua fábrica, ou mercadoria do seu estabelecimento comercial, é d> jentender-se que o objeto da compra foi o produto da fábrica, ou a mercadoria do estabelecimento comercial. Se a coisa é acima da espécie pior e abaixo da melhor, ou a melhor, decide-se pelos usos e costumes do lugar da execução(G.PLANCK, Komrnentar, II, 1, 48), mas as circunstâncias podem estabelecer que seja conforme o lugar da conclusão do negócio jurídico. Se o devedor solve com a melhor qualidade, o credor somente pode rejeitar a prestação se alega e prova que o seu interesse se firmou especialmente na qualidade média, ou outra, intercalar (H. DERNEURG, Das Biirgerliche Recht, II, 1, 35). Se a coisa mudou, tem-se a coisa mudada como se não houvesse mudado (O. WARNEYn, Komrnentar, 1, 401). Tratando-se de obrigações de legado, o Código Civil estatui (art. 1.697): “Se o legado consiste em coisa determinada pelo gênero, ou pela espécie, ao herdeiro tocará escolhê-la, guardando, porém, o meio termo entre as congêneres da melhor e pior qualidade (art. 1.699) “. No art. 1.698: “A mesma regra observar-se-á, quando a escolha fôr deixada a arNtrio de terceiro; e, se éste a não quiser ou não puder exercer, ao juiz competirá fazê-la, guardado o disposto no artigo anterior, última parte”. “Se a opção foi deixada ao legatário”, previne o art. 1.699, “Oste poderá escolher, do gênero, ou espécie, determinado, a melhor coisa, que houver na herança; e, se nesta não existir a coisa de tal espécie, dar-lhe-á de outra congênere o herdeiro, observada a disposição do art. 1.697, última parte”. A determinação genérica pode ser pela quantidade, ou pelo ano (e. g., três dúzias de garrafas de aguardente “coroa”, isto é, da primeira aguardente produzida, no ano, pelo alambique; cinqUenta arrôbas de batatas apanhadas por B no corrente ano; vinte caixas de vinho marca M, do ano de 1947). Com isso não se tomou certa a coisa. Mas é de coisa certa a obrigação do vendedor de tôda a colheita, ou de todos os vinhos de 1947 que se acham no armazém C. A obrigação de prestar o vinho do tonel T, engarrafado, é obrigação de dar coisa certa, mesclada a obrigação de fazer, que é a de engarrafar; a obrigação de prestar vinte garrafas de vinho do tonel de cinqUenta, ou cem, é obrigação genérica (cf. H. A. FTSCHER, Konzentration ind Gefahrtragung bei Gattungsschulden, Jhering8 Jahrbiicher, 51,

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179 5.; W. Krscn, GattungsschuU une! Wahlschuld, 67 s.). Se a obrigação genérica é irrestrita, não há impossibilidade liberatória pela extinção do gênero ou qualidade que se tenha, salvo se a prestação mesma se tornou impossível. Existe,no sistema jurídico brasileiro, regra jurídica não-escrita, que corresponde, aproximadamente, à do § 279 do Código Civil alemão, onde se diz que, se o objeto devido só é determinado por seu gênero, o devedor, enquanto a prestação desse gênero é possível, também responde por sua inaptidão à prestação, ainda que não tenha culpa. Todavia, a regra jurídica tem diferente extensão. No direito brasileiro, antes da concretização, o devedor responde pela prestação, quer se tenha extinto a coisa, que pretendia prestar, quer o gênero mesmo, uma vez que tal impossibilidade sobrevejo. Se há impossibilidade superveniente znterior e exterior, isto é, se não há possibilidade de se obter fora da massa total, de que se haveria de tirar a coisa prestanda, aquilo que se prometeu, Genus non perit, mas tem-se de atender a que a impossibilidade seja absoluta, tal como se o Estado desapropriou ou requisitou, expropriativamente, todos os objetos do mesmo gênero. Rigorosamente, não há exceção à regra jurídica Gentis perire mm censetur, porque se supôe impossibilidade de prestação, e não só perecimento do gênero. Enquanto há possibilidade de prestar, pôsto que haja perecido o gênero. de que se havia de tirar, o devedor responde, ainda sem culpa. Todavia, cumpre distinguir-se: se o gênero foi restringido, a impossibilidade liberatória ocorre mais fâcilmente, porque pode não se ter deixado margem à obtenção fora da massa total, que se tinha em vista. Aí, a impossibilidade é oh jetiva, e não subjetiva (isto é, fêz-se, pela restrição, objetiVa). 3.RESPONSABILIDÁDE ANTES DA CONCRETIZAÇÂO. (a) Antes da concretização, dita, nos arts. 875-877 do Código Civil. escolha, todo risco cabe ao devedot (art. 877: “Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por fôrça maior, ou caso fortuito”). Genus perire iloil censetur. A obrigação de dar dinheiro pode ser obrigação de dar, com escolha, se destinado a algum fim determinado. Odevedor fica livre da responsabilidade se a prestação se tornou objetivamente impossível sem culpa dQ devedor, e sem que ele possa obter o que poderia fazer as vêzes da coisa prometida, ou se a dificuldade objetiva pode ser tida como impossibilidade (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnissc, 98; H. REHBEIN, Das Bitrgerliche Gesetzbuck, II, 110 s.;Ti. DERNBURO, Das Biirgerliche Reoht, II, 1, 151, nota 2; E.MATrHIASS, Lehrbuch, ~, 6Y-73 ed., 210; H. TITZE, Pie Unmõgtichkeit der Leistung, 91; sem razão: G. HARTMANN, 0k Obligation, 172; G. PLANCK, Komrnent ar, II, 1, 208, cp. 206 e 208; F. ENDEMÁNN, Lehrbuch, 1, 693; P. RRÚCKMANN, Unmdglichkeit und Unmbglichkeitsprozess, Árohiv fiir die civilistische Praxis, 101, 1 s.; O. WEND’r, Unterlassungen und Versãumnisse, 92, 53; F. ELEINEIDAM, Unmóglichkeit uivE Unvermógen, 14, e Eluige Streitfragen aus der Unmdglichkeitslehre, Jherings Jahrb-Ucher, 43, 108; WILHELM BIERMANN, Zur Lebre von der Unmõglichkeit der Leistung, Archiv filr die civilistische Praxis, 91, 76). A extraordinária dificuldade impossibilidade é. Não há, porém, invocar-se equidade, porque seria criar-se regra jurídica nova, nem introduzir-se cláusula rebus sfr etantibus implícita ou tácita. Os usas e costumes é que podem estabelecer equivalência entre dificuldade extraordinária e impossibilidade. Não na há no tocante à elevação dos preços, ou dos transportes, ou à falta de braços. Há, no que tange àdestruiçção da colheita da região, se foi restrita a ela a obrigação de dar coisa incerta (0 WARNEYER, Kommentar, 1, 494). A greve não é impossibilidade, se a prestação é a tempo certo. Dai a vantagem da cláusula de greve (Streitklausel). Se a impossibilidade só atingiu parte da massa total que havia de ser destinada a alguns adquirentes, tem o devedor de dividir proporcionalmente o restante, e pode fazê-lo. A doença, a morte e o desconhecimento da dívida não eximem da responsabilidade segundo o art. 877 do Código Civil o devedor (K. CoSACK, Lehrbuch, 6.’ ed., 1, 422; F.ICLEINEIDAM, Untnãglichkeit und Unvermógen, 125; H. A. FISCHn, Em Beitrag zur Unmãglichkeitslehre, 80; E. HOLDER, Zur Lehre von der Haftung fim Verzug, Das Recht, 15, 679; sem razão: P. OERTMANN, Reeh-t der Schuldverhdltnisse, 129; O. PLANOR, Komrnentar, II, 1, 237; H. DERNEURO, Das Biirgerliche Recht, II, 1, 157; CARL CROME, System, II, 123, nota 15; E.GOLDMANN-H. LTLIENTHAL, Das Búrgetliehe Gesetzbuch. 1, 165; W. BERNDORFF, Lhe Gattungssehuld, 47; W. KIscH, Dieirkung der rtachtr4ulich eintretenden Unmõglichkeit der ErfiiUung, 117; H. TInE, Die Unmàglichkeit der Leistung, 92;E.HEYMANN, Das Verschulden beim Erfiiilungsverzu#, 145). A falta de recursos do devedor nunca é suficiente para que se componha a figura da impossibilidade objetiva. Nem basta o ter invertido e perdido dinheiro para adquirir o que pudesse ser prestado (H. DEitNBURG, Das Biirgerliche Recht, II, 1, 184; F. EiJDz~MANl4, Lehrbuch, 1, 697; sem razão, II. TInE, Die UnmõgU keit der Leistung, 92, e E OERTMANN, Recht der Schuldverhdlts?tisse, 103 s.). A 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 1? de fevereiro de 1944 (A. J., 74~ 174), teve ensejo de decid r caso em que os credores eram &e outro Estado (Bolivia), a que havia de ser enviada a prestação. Ocorreram dois fatos que o devedor alegou: inundação no depósito e proibição de exportação. O tratarem-se os dois com os mesmos princípios

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seria grave &ro: a inundação não eximiria o devedor uma vez que ainda não se dera a concretização de prestar o que prometera, e poderia adquirir o gentes. Havia-o. Quanto à proibição de exportação, ter-se-ia de indagar, o que, in caste, não se fêz, se a obrigação era de exportar ou de entregar para ser exportado, ou a quem se fêz credor de coisa genérica. Na generalidade dos casos, o comprador estrangeiro não compra com a obrigação de remeter e chegar a certo momento, compra com a obrigação de remeter até certa data. £sse comprador pode preferir mandar buscar as mercadorias, ou ele mesmo buscá-las. Então, a proibição de exportação não o atinge. Comprou o que qualquer outra pessoa poderia comprar. A proibição de exportAção somente é óbice ao adimplemento da obrigação genérica se o devedor não pode prestar, a despeito de o querer. A perda ou deterioração do que estava depositado não impedia que o devedor adquirisse fora, pois a obrigação não fôra obrigaçâo genérica restringida. A impossibilidade, oriunda da proibição estatal de exportação, somente poderia existir se a prestação fôsse de exportar mercadoria, porque, ai, estaria impossibilitada aprestação mesma. O acórdão misturou conceitos e solapou o ad. 877, chegando mesmo a invocar o art. 865 só referente às obrigações de dar coisa certa. No momento em que, nas obrigações genéricas, o devedor presta, fazendo a tradição, necessâriamente escolheu, se a escolha a ele tocava, ou escolheu o credor, pois que, tendo de escolher, recebeu. Em verdade, houve escolha e tradição. O que dissemos há de entender-se para qualquer espécie de tradição. O que importa é que o devedor haja prestado e o credor haja recebido (= não haja recusado). Se a obrigação é de prestar género e a escolha cabe ao devedor, a expedição contém escolha. Se a escolha foi atribuida ao credor, a expedição não significa que o credor escolheu. Pode acontecer, porém seria de alegar-se e provar-se, que o credor haja, por urgência, aberto mão da concretização por ato seu, mas isso não atinge o principio de que a expedição não contém escolha. A determinação do momento da escolha, ainda se escolha contida em ato tradição, é assaz importante porque os riscos são regulados conforme os arts. 877 e 876 do Código Civil (antes ou depois da escolha, respectivamente). É perigoso, em se tratando de mercadorias expedidas, com a escolha pelo credor, supor-se que o credor preferiu a expedição urgente ou mais cômoda (e. g., mais barata, devido a oportunidade de frete) ao exercício do direito de concretização. Não se deve mesclar a êsse problema o da recusa das mercadorias por não caberem no género, ou por estarem com vícios. Se a expedição não foi feita com instruções do credor, que teria a escolha, foi a risco do devedor, e não há pensar-se em- que o credor não pode recusar a prestação com a alegação de que o gênero contém outras coisas que ele escolheria. O que acima se disse sobre expedição pode ser invocado para a remessa de titulo representativo da mercadoria, sempre que não representa quota em gênero representado. (b) O ad. 877 é iii., dis’positivum. A responsabilidade, antes da concretização, pode ser regrada diversamente. É o que acontece, por exemplo, quando se inclui cláusula de greve, ou cláusula de revolução, ou cláusula de guerra, ou outra cláusula liberatória por fato. Todavia, havemos de advertir em que a cláusula de greve não pré-exclui a responsabilidade se a greve foi provocada pelo devedor, como se derivou de despedidas injustas de operários (P. KRBCKMANN, Zur Streikklausel, M’chiv flir die civilistische Praxis, 101, 482), salvo se a cláusula expílcitamente pré-excluiu a responsabilidade ainda por culpa do devedor (O. WARNEYER, Komment ar, 1, 495). A interpretação da cláusula é estrita. Quanto ao anus da prova, o devedor é que tem de provar que houve a impossibilidade objetiva, ou que alguma circunstância, prevista pelo negócio jurídico, ocorreu, que o liberou. Se a coisa a ser prestada não poderia ser adquirida de outrem, toca ao devedor alegá-lo e prová-lo (Fa. LEONHARD, Die Reweislast, 365). Quando ocorre a impossibilitação tem o devedor o onus de comunicá-lo ao credor, se pode advir a êsse algum dano (cp. F. LEONHAIW, Die Beweistast, 865; W. KISCH, Die Wirkung der nachtrdglich eintretenden Unmóglichkeit derErfidiuno, 118). 4.CONCRETIZAÇÃO. Diz o art. 876 do Código Civil: “Feita a escolha, vigorará o disposto na seção anterior”. Seção anterior é a seção sobre obrigações de dar coisa certa (arta. 863-873). A concretização torna certa a coisa. Não basta que o devedor envie a coisa ao devedor: é preciso que Me faça saber ao credor que adimple, com a coisa enviada, a obrigação genérica (O. WAflNEYER, Ko~mntentar, 1, 401). Nas obrigações genéricas a distância, o credor tem de comunicar a concentração antes de remeter, ou entregar ao transportador. Em se tratando de transporte por mar, ou ar, o conhecimento de transporte é que pode significar entrega, mas a concretização há de ser antes comunicada, ou o art. 876 do Código Civil somente incide a partir da comunicação. Não basta despacho da mercadoria em vapor, ou aeronave. Se nenhuma comunicação foi feita, a que. resulte do recebimento do conhecimento de transporte, da fatura ou outro papel é que pode contê-la. Na doutrina e na jurisprudência, ainda alemãs, há ambigilidade no emprêgo da expressão concentração, Konzentration. Ora se refere à escolha nas obrigações genéricas, ora à escolha nas obrigações alternativas. Já é muito que se fale de escolha a propósito de obrigações genéricas e de obrigações alternativas, pois o conteúdo de “escolha”, aqui e ali, não é o mesmo. Quanto ao mesmo termo, concentração, para, as duas espécies, é de repelir-se. Tem-se de usar apenas para uma. Ora, se, no que concerne às obrigações alternativas, se pode falar de con

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c~ntraçáo, e escolha, realmente, há, não é que ocorre com as obrigações genéricas. Nessas, nem há prôpriamente escolha, salvo se a dizemos interna, nem assenta falar-se de concentração. Quem escolhe internamente (= dentro do gênero) não concentra, concretiza. Dai, no propósito de precisão termlnológica, reservamos “concretização” para as obrigações genéricas e “concentração” para as obrigações alternativas. -A teoria da separação (Ausscheidungstheorie) ou da individualização exigia a separação ou individualização da coisa determinada, perante o credor, e a teoria da entrega (Lieferungstheorie) só concebia escolha, concretização, com o ato de entrega. A teoria da separação em verdade parte-se em tres: a da separação por ato unilateral com remessa da declaração (F. REGELSEERCER, tiber die Tragung der Gefahr beim Genuskauf, Arehiv /1k die civilistiache Praia, 49, 209); a da separação, com manifestação de vontade recepticia (que, no fundo, era a de H.THÕL (Das Handelsreeht, 1, §§ 78 e 74, nota 18; 6.’ rJ, § 262) ; a dd separação em virtude de negócio jurídico bilateral (E. 1. BEKKER, em 1862). As advertências de W. ENDEMANN (Das deutache Handelsrecht, § 110, notas 17-21) deveriam ter bastado para se não admitir c); e as de H. TRÕL, para se não insistir em a). Foi Ii. vON JEERING quem mais sustentou a teoria da entrega, ou pela remessa com tradição, ou pela tradição com o constituto possessório, ou pela mora do credor que não foi buscar. Sempre podem os contraentes ou o declarante unilateral fixar em outro momento a eficácia do ato de escolha. Então, a concretização dá-se conforme se estabeleceu, afastada a regra jurídica dispositiva. A concretização também pode dar-se pelo comum acordo do devedor e do credor (F. SCEOLLMEYER, Recht der Schuldverhãltnisse, 11; P. OEETMANN, Recht der Schuldverhiiltnisse, 20). Mas é preciso advertir-se em que, uma vez que a concretização (= escolha, no sentido dos arta. 875-877) tocava ao devedor, há mudança no conteúdo do negócio jurídico (WALTEE HAVER, Die Gattungsschuld, 37 s.; F. ENDEMANN, Lehrbuch, 1, 675, nota 13 a), ou a manifestação de vontade do credor foi apenas recebimento satisfativo da prestação. A concretização pode ter sido deixada ao credor (Código Civil, art. 875, 1~a parte). Tudo se passa como se estabelece no art. 876, bem como conforme o art. 877, salvo se o credor deixa de exercer, em tempo, o poder de concretizar. 5.DA CONCRETIZAÇÃO. A eficácia da concretização é a de tornar certa a coisa incerta, mas a acertação não se entende ter sido desde o comêço (= a concretização não tem eficácia ex tune, como se daria com a escolha nas obrigações alternativas). O art. 865 do Código Civil pode incidir desde a concretização; bem assim, o art. 866, ou o art. 867. Se o credor incorre em mora de receber, após a concretização pelo devedor, o art. 958 é invocável. O credor pode exercer o que lhe resulte da incidência dos arts. 1.101-1.106 do Código Civil. Cumpre, porém, atender-se a que, se o credor alega existir vício, sem argúir ter sido contra os princípios a concretização, não mais pode ir contra o devedor por inadimplemento do contrato. Se o devedor infringiu a regra jurídica do art. 875, 2a parte, o credor há de rejeitar a prestação, como se não houvesse ocorrido a concretização (KONRAD SCENEIDER, Trezi und Glauben, 244). Admitido que não foi observada a regra jurídica do art. g57, 2A parte, ou cláusula negocial que substituiu tal norma, que é dispositiva, não tem o credor de alegar e provar haver interesse especial em que se obedeça à regra jurídica ou à cláusula. No momento em que se dá a concretização, o tornar-se certa a coisa incerta, a obrigação genérica desaparece, por transformação: a obrigação passou a ser de coisa certa. A concretização pode ser no momento da entrega, ou antes, se foi isso estabelecido; ou se só resta uma coisa do gênero. Se nada se dispôs, a concretização tem de ser imediatamente antes da entrega, ou remessa, pelo menos, para que se possa dar a mora accipiendi. Se o devedor tem de prestar a coisa no domicílio, ou residência do credor, ou noutro lugar que foi designado, a concretização tem de ser imediatamente antes da entrega, pelo menos. Se o credor tem de enviar a coisa, a comunicação da concretização pode ser durante o trajecto, portanto antes da mora accipiendi, até a chegada ao credor. Se o credor tem de ir buscar a coisa, a apresentação da coisa é concretização e comunicação dessa. Se a remessa é coletiva, como se o devedor envia, indivisa-mente, para dois ou mais credores, vagões de gêneros, ou se há de considerar a massa total como concretização pro indiviso (e então todos os credores correm o risco da viagem, por haver comunhão de interesses), ou como primeiro passo para a concretização, como se algum devedor que tivesse de prestar vinte coisas a cinco credores e tivesse cem, primeiro elegesse vinte e deixasse para depois a eleição das outras. Não há solução a priori. A remessa somente é a risco dos credores se éde supor-se que os credores tinham de admitir a remessa em massa. Em qualquer caso, a concretização tem de dar-se, ao mais tardar, com a mora accipiertdi, isto é, imediatamente antes de se produzir a mora. As obrigações de dar coisa incerta são obrigações que têm a destinação da mudança, de se tornarem obrigações de dar coisa certa. A concretização opera essa transformação sem que se varie de conteúdo da obrigação. Apenas o incerto cede lugar ao certo, que estava dentro do que se prometeu. O regime jurídico deixa de ser o das obrigações

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genéricas para ser o das obrigações de dar coisa certa. Se o devedot, antes da concretização, sofre a perda ou a deterioração da coisa (Código Civil, art. 877), não lhe nasce a pretensão à contraprestação. Se o credor exige perdas e danos, a pretensão à contraprestação nasce e persiste. Portanto, r pretensão à contraprestação é dependente da atitude do credor: enquanto o devedor não presta o que havia de prestar, há a exceção non adimpleti contractus; se comunica ao credor que a coisa se perdeu ou deteriorou, suscita a atitude do credor, que ou deixa de contraprestar, ou pede perdas e danos e contra-presta, Após a concretização e antes da mora, as regras jurídicas sobre imputação da responsabilidade pela impossibilidade objetiva são as regras jurídicas do Código Civil, arts. 865, alínea 2.¶ 867, 870 e 871, 1.’ parte. Se sobrevém a tradição, cessa a responsabilidade do devedor. Se incorre em mora, a regra juridica que incide é a do art. 957. Durante o intervalo, poderia o devedor ter comunicado ao credor o que aconteceu, impossibilitando, objetivamente, a prestação. Se verdadeira a afirmação. mora não ocorreria; se falsa, teria de prestar a indenização. antes, para que em mora não incorresse. A mora nada tem com oque se imputa ao devedor, por fato antes da mora. Apenas, se, ao tempo que seria o de adimplir, a obrigação subsiste, o devedor que não satisfaz a obrigação incorre em mora. CAPITULO V OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER § 2.699. Conceito 1.OBRIGAÇÕES NEGATIVAS. Obrigação de fazer é a obrigação de abstenção, a obrigação negativa. O devedor, que poderia praticar o ato, obriga-se a não o praticar. Surge, de inicio, o problema dos atos proibidos, isto é, dos atos que o devedor não poderia, juridicamente, praticar, como cortar as árvores alheias, inclusive as árvores bens públicos ou de uso comum. Há duas atitudes radicais: (a) a promessa de não praticar o ato ilícito, positivo ou negativo, a) é nula, ou b) não faz nascer qualquer obrigação, por não entrar no mundo jurídico; (lO a promessa de não praticar o ato ilícito gera obrigação. No direito brasileiro, há regras jurídicas sobre as condições de fazer o juridicamente impossível (Código Civil, art. 116, 2.’ parte). Nada se estatui sobre a promessa de não fazer o juridicamente impossível, porque a regra jurídica do Código Civil, art. 145, II, não a apanha, pôsto que faça nula a promessa de fazer o juridicamente impossível. As fontes das pretensões negativas são as mesmas das positivas. Em todo caso, a lei exerce maior função quanto àquelas, devido à existência de direitos absolutos, que não derivam de negócio jurídico, como a maior parte dos direitos reais. Quando, por exemplo, o art. 302, XII, do Código de Processo Civil, fala de obrigações de não fazer, oriundas da lei (verbis “por lei ... tiver direito de exigir de outrem que se abstenha de ato”>, tanto se refere a obrigações ex contractu, - quanto a obrigações reais ou correspondentes a direitos absolutos não reais. O negócio jurídico, de que resulte a obrigação ou omissões de não fazer, pode ser unilateral. Nada obsta, em principio, a que alguém prometa, unilateralmente, determinada omissão (ERNST KNIGGE, Die negative Leistung, 33). São exemplos de prestações negativas: a promessa de não adquirir algum direito (e. g., o estabelecimento de C), a de não alienar (proibição negocial de alienar, rechtsgeschdftliches Verdusserungsverbot>, a de não concorrer com o outorgado negociante, a de não usar a cobertura do edifício de apartamentos, a de não abrir fossos ou fechar caminhos, a de não pôr cartaz à porta do edifício. Tôdas essas obrigações podem ser só pessoais. Quem se obriga a não fazer tem de abster-se de todos os atos que impediriam ou dificultariam o adimplemento da prestação negativa. Se a infração da obrigação de se abster consiste em prática de ato jurídico (negócio jurídico ou ato jurídico otricto sensu), o ato jurídico de modo nenhum sofre, por isso, em sua validade. Se A e E acordaram em que E não venderia a casa vizinha à de A, e E a vende, válido é o contrato de compra-e-venda, pôsto que tenha B de prestar perdas e danos. É êrro construir-se a obrigação de não fazer como renúncia ao direito de fazer (e. g., H. GEREER, Reitrdge zur Lehre t’om Klagegrunde um! der Beweislast, 37 s.>, ainda quando se recorre ao subterfúgio da renúncia tícita (J.

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MAxEN, LYber Reweislast, Einreden und Ezeeption.en, 200 s.). Não resistiu às críticas de JoSEF UNGER (Svstem, II, 568), A. THoN (Reehts norm und sub jektives Reeht, 200, nota 118) e G. HARTMANN (fie Obligation, 118).. Enquanto há a omissão, o credor não é ofendido, porém não há satisfação: a satisfação só se dá quando cessa o dever de omissão, sem ter sido infringido. A prestação é indivisível. O art. 891 do Código Civil incide, porque todos têm de abster-se, e nenhum pode prestar pelos outros (cp. O’rro HAENSELL, Dir Besonderheiten der Unterlassungsschutden, 32 s.) ; mas o art. 892 não tem ensejo para invocação. Tem-se frisado que a obrigação positiva leva o devedor a mudar algo nas circunstâncias, a criar algo que poderia não ser criado, e isso não ocorre à obrigação negativa (e. g., ERNsTKNIGGE, fie negative Leistung, 10>. Tal interpretação dos fatos desloca para o mundo o que só se havia de examinar na pessoa. Para o próprio mundo, em que a atividade do homem é possibilidade, tanto muda circunstâncias o tacere como o non facere. Para o homem, com mais forte razão, fazer e não fazer, que estão por igual no seu arbítrio, são atos possíveis, e tanto é obrigar-se ao ato quanto à omissão. Ambas as obrigações cerceiam. Dai não se tire que se haja de ter de apontar ação no omitir. Houve quem o tentasse: H. GERBER (Beitrtige zur Lehre vom Klagegrunde um! Beweislast, 87 s.) e J. MAXEN (ttber Reweislast, Einreden u. Exceptionen, 200 í.). O êrro de H. GERBER consistiu em querer equiparar as cláusulas e pactos de obrigações in non 1 acendo ao paotum de non petendo. Ora, no pacto de não pedir, de certo modo se renuncia ao exercício da ação, que há de já existir para que a ela se possa renunciar. Não é isso, de modo nenhum, o que ocorre com a cláusula ou pacto de não fazer: nesse, ou naquela, não há renúncia, porque nada há a que se renuncie; apenas se promete não se fazer, isto é, não se praticar ato positivo. Foi por isso que tão enêrgicamente revidou A. THON <Rechtsnorm um! sub jektives Reeht, 200, nota 118) : a construção de H. Gnnn contém, não só deformação desnatural da relação jurídica, mas, acima disso. impossibilidade gritante; porque existe renúncia a direitos, pretensões, ações e exceções; e direito ao fazer, a que se possa renunciar, não existe. Se se pudesse acolher tal explicação, ter-se-ia de falar de obrigações positivas como se fôssem renúncias ao direito de não fazer, de omitir. Por vêzes, no trato do direito, se encontram nos juristas essas confusões entre o ato e a omissão, que acontecem no mundo fáctico, e o direito a fazer, ou a não fazer, que já supõem entrada do ato ou da omissão no mundo jurídico. Concorre para isso a existência de regra jurídica como a do art. 141, § 29, da Constituição de 1946, onde se diz que “ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, regra jurídica que se há de ler como se lá estivesse escrito: “O fazer e o deixar de fazer passam-se no mundo fáctico, a arbítrio da pessoa; para que alguém tenha dever de fazer, ou de não fazer, é preciso que lei o determine, ou permita que se crie o dever”. Todavia, A. THoN (Rechtsnorm um! sub jektives Recht, 199 e ?00, nota 18) nega que se tenha, nas obrigações negativas, determinação de vontade prometida. Ora, há essa determinação da vontade que se promete, e é determinação de vontade de inércia (J. KOHLER, Das Autorrecht, .Tahrbiicher flir die Dogmatik, 18, 263). Aliás, havemos de precisar: o que se promete e a que se está obrigado é à inércia, para a qual se há de ter a mesma diligência que para a prática de atos positivos, razão por que se determina a vontade futura. Tanto é plus, no tempo a vir, o non facere quanto o minus. Alude a algo, que se há de fazer ou de não fazer (sem razão, ERNST KNIGGE, Die nega.tive Leistung, 18). Na literatura encontra-se a opinião de alguns (e. g., A. UBBELORDE, fie Lehre von devi unteilbaren Obligationevi, 105), segundo a qual a ação derivada da infração da obrigação de não fazer é ação para a prestação de dinheiro. Sem razão; ivi obligation,e, o que se há de prestar é a omissão como tal. Tanto é certo isso que a ação de preceito cominatório tem por fito a omissão, e não a pena, que se comina; e a ação de prestação futura pode caber. Na obrigação de omissão dura-doura, a importância das duas ações cresce de muito, porque a infração pode ser duradoura, ou de conseqOéncias definitivas, e se há de evitar o curso do prazo prescripcional. 2. OBRIGAÇÃO DE TOLERAR. A obrigação de tolerar, obligatio ad patiendum, é espécie de obrigação negativa: prometeu-se não-reagir, não-resistir, não-se-opor. 3.OBRIGAÇÃO DE INCURSÃO PASSIVA. A obrigação de não fazer pode consistir em abrir portão para que o outorgado entre, ou em dar acesso à casa, ou fazenda, ou depósito. Devido a se tratar de domicílio, residência, ou de lugar cercado, murado, ou de edifício, é de mister a permissão, mas essa permissão é simples meio. Não fica a líbito do devedor. Uma vez que lhe cabem dever e obrigação de dar entrada, ou não se opor à incursão, não pode deixar de praticar o até positivo necessário ao adimplemento da obrigação negativa. Quem se obriga a tolerar não só se há de abster de quanto possa obstar ou dificultar a prestação negativa como também há de remover, com ato positivo, o que a obste ou dificulte. Se alguém promete permitir, ou o permitir é o conteúdo da prestação positiva, ou é apenas meio para que t prestação negativa seja adimplida. O dever de permitir, Gestattungspflicht, ali é o dever de prestar permissão; aqui. é o dever inicial de não obstar à prestação negativa. Não se pode dizer, com alguns juristas, que seja espécie de obrigação de

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tolerar; são o dever contido, como inicio, na obrigação de tolerar. 4.TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER. A pessoa do credor ou a do devedor, ou ambas, podem mudar nas obrigações de não fazer como acontece nas obrigações de fazer e de dar. Se a obrigação corresponde a pretensão oriunda de crédito incedível, pode ser incedível, ou não. A cessão de crédito rege-se pelos arte. 1.065-1.077 do Código Civil. A propósito de pretensões reais, não se pode pensar em cessão do direito (art. 1.078), porque o que se transfere é o direito real. A a.ssunção de divida, que consiste na sucessão passiva, também pode ocorrer a respeito de obrigações negativas (ERNST RNIGGE, Die negative Leistung, 48>. § 2.700. Inadimplemento ~Ias obrigações de não fazer 1.RESOLUÇÃO DO CONTRATO E OUTRAS SANÇÕES. Se a obrigação de não fazer resulta de contrato bilateral, a mora do credor dá ensejo a nascer direito de resolução. O art. 1.092, parágrafo único, do Código Civil incide. Se a infração é do devedor, ou o credor invoca o art. 1.092, parágrafo único, ou o art. 883. Ali, exerce o direito de resolução; aqui, “praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos”. No art. 1.056, o Código Civil põe por princípio geral que, não cumprindo a obrigação (inadimplemento), ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos (adimplemento insatisfatório), responde o devedor por perdas e danos. No art. 685 do Código de Processo Civil, há as regras jurídicas sobre processo das medidas cautelares. Foi êsse processo que o art. 1.007, parágrafo único, da lei processual adotou para a ação juditati da sentença cominatória de nue se fala no art. 1.007. Ação de condenação à abstençãO, seguida ot execução de sentença. Quem faz, tendo obrigação de não fazer, sómente porque faz responde pela infração: tem de prestar perdas e danos. A ação do art. 1.007 do Código de Processo Civil não é a ação cominatória conforme o art. 302, xii, mais geral; nem a pré-exclusivo o interessado pode exercer uma ou outra. Nem é cautelar. Por isso mesmo, se ocorrem os pressupOstoS da ação cautelar (Código de Processo Civil, aris. 675 e 616). pode ser proposta. A construção que somente vê pretensão à abstenção quando tAC infringe o dever de omissão é de repelir-Se. A pretensão existe desde que se pode exigir o 50$ facere. Para se satisfazer tal pretensão ou se há de cessar atividade, ou se há de continuar de não fazer. Se não cessa, infringem-56 o dever e a obrigação; se se continua de não fazer, mas, depois ainda que imediatamente depois se faz, não é a pretensão que com isso se inicia, mas a ação, que nasce. 2.IPOSSIBILIDADE A impossibilidade da obrigação de não fazer só acontece quando o devedor, por impOsiçãO acima do dever de direito privado, tem de fazer aquilo de que prometeu abster-Se. Se o não fazer se tornou impossíVel~ sem. Culpa do devedor, extingue-Se a obrigação. Diz o Código Civil, art. 882: “Extingue-Se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-Se do fato, que se obrigou a não praticar”. A distinção entre impossibilidade objetiva ocorrida entre a conciusção do negócio jurídico e a data do adiniplemento ou do comêço do adimPlemento e a mora também há de ser feita, rigoro5am6nte~ a respeito das 0brigaçóes negativas. Não é verdade que não haja mora de obrigações negativas. Há. Se a abstençãO foi objetivamente 1~9o55lb1lítada após a conclusão do negócio jurídico e antes de se ter de adimplir ou de se ter de começar a adimplir, há impossibilidade objetiva, pela qual somente não responde o devedor se não tem culpa (Código Civil, art. 882: a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-Se do tato, que obrigou a não praticar”). A contrario sensu: é imputável a responsabilidade ao devedor se, por sua culpa, se lhe tornou impossível abster-Se do fato, que se obrigou a não praticar. O art. 882 é regra jurídica sobre responsabilidade por impossibilidade objetiva, que se dê entre a conclusão do negócio jurídico e a data do adimplemento ou do comêço do adimplemento. Muito diferente é a responsabilidade pelo inadimplemento ou qualquer precedente de impossibilitaçãO objetiva. O inadimplemento é, então, regido pelo art. 883 do Código Civil. Se tá possibilidade de ser elidido o efeito da inexecução, o devedor pode ser admitido a purgar a mora (i então houve mora e continuar abatendo-se. Por onde se vê que mora é falta e pode ocorrer nas obrigações negativas, razão por que o art. 961 estatui: “Nas obrigações negativas, o devedor fica constituído em mora, desde o dia em que executar o ato de que se devia abster” (cf. arta. 883 e 1.535). Há mora ex. re, corno é o caso da mora pelo fato ilícito (art. 962: “Nas obrigações provenintes de delito, considera-se o devedor em mora desde que o perpetrou”). Tem-se pretendido que, nas obrigações negativas contínuas, não há mora: ou há adimplemento, ou há impossibilidade objetiva. Certamente, se a infração torna sem interesse, para o credor, tôda a prestação negativa continua, a primeira infração sacrifica tôda a prestação negativa: houve falta de adimplemento, com impossibilitação

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do resto, se se prefere; mas em verdade o que sé deu foi inadimplemento total, como seria total o adimplemento se, em vez de matar o cavalo a ser prestado, o devedor lhe cortasse um pé. O interesse do credor, segundo o negócio jurídico, é o que ai mais importa. Se lhe convem que se indenize o dano parcial resultante e se prossiga na abstenção , a prestação negativa continua não foi concebida como indivisíveL Têm de ser examinadas as cláusulas negociais e as circunstâncias para se distinguir o continuo indivisível e o continuo divisível, tal como acontece nos negócios. jurídicos a prestações sucessivas. 3.PRESCRIÇÃO. A diferença entre as pretensões positivas e as pretensões negativas, no tocante à prescriçãC~ consiste em que, nas obrigações de fazer, o ato positivo há de ser praticado e a pretensão nasce quando deve ser praticado (= quando pode ser exigido), ao passo que, nas obrigações negativas, ou a omissão supõe cessar o ato ou a série de atos, e então coincidem inicio da pretensão e mudança de status qua, ou a inércia é o status quo e a infração só se caracteriza com a prática de ato positivo, com o facere infringente. Não se tratando de obrigações negativas, em que se precise de cessar ato continuado, ou série de atos positivos, o devedor, enquanto não infringe (= não pratica o ato que prometeu não praticar) o que lhe incumbe, está a prestar. A prescrição não pode começar a correr; o prazo de prescrição só se inicia com o nascimento da ação. A pretensão à omissão não se satisfaz enquanto ainda se há de omitir; mas, enquanto se omite, não pode correr o prazo prescripcional, pois que se está a prestar. As pretensões podem ser reais. A pretensão a que ninguém use a patente, a marca de indústria ou comércio, o modêlo de utilidade, o desenho ou modêlo industrial, a variedade nova de planta ou de animal, ou o segrêdo de fábrica ou de indústria, é pretensão real: é pretensão a que tôdas as pessoas se abstenham. Tais pretensões são a prestações duradouras (à abstenção unitária), ou a prestações repetidas, de modo que, ali, se houve violação, que cessou, a pretensão persiste, enquanto não há total infração da pretensão (Tomo VI, § 670, 1), e, aqui, há prazo a cada violação. Se o ato é continuativo, de jeito que apanha todo o tempo em que havia de abster-se o obrigado, ou o excede, a prescrição pode dar-se (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnis, 614; KONRAD COSACK, Leh,rbuch, ~, 6a ed., 307 s.); O. WENDT, Die Bedeutung der Unterlassung in Zivilrecht, Archiv flir die civilistische Praxis, 92, 93 s., cp. 97;A.STEPIIAN, lhe Unterlassungsklage, 110 5.; E. HÔLDER, Uber das Klagrecht, Jherings Jahrbilcher, 46, 802; sem razão,H.LEHMANN, Lhe Unterlassungspflicht, 322 e 324, nota 2, que nega a prescritibilidade, e P. LANGHEINEKEN, Anspruch um! Einrede, 256, que se satisfazia com uma só infração). Assim, as pretensões, reais ou pessoais, as prestações negativas duradouras, prescrevem se a violação foi definitiva, por continuarem, até expirar o prazo prescripcional, ou não prescrevem se a infração não continuou, porque, em tal caso, se restabeleceu a omissão. Convém ir-se aos exemplos: a)Prometeu A a B que não fecharia a passagem à água que vem da montanha e banha as terras de A e a de B e, devido a obras de A, desmoronou-se ribanceira e a água desviou-se para as terras de C. Se A, advertido pelos empregados, faz voltar a água ao leito que era o dela, a pretensão de B continuou, e o que pode prescrever é a ação de indenização de B contra A, pelos prejuízos sofridos. Aliter, se não mais pode ser retomado, pela água, o antigo curso, e. g., com a dinamitação para as obras, a fonte mesma mudou de lugar. b> Se A prometeu a B todos os domingos abster-se de ligar o moinho, que faz ruido, e o fêz, uma ou duas vêzes, a prescrição só é da ação de indenização pelos danos que a violação causou. Salvo se R quer a resolução do contrato, por inadimplemento. Nas obrigações continuas de não fazer, e. g., se alguém se obrigou a não fazer concorrência, ou a não empregar certos cartazes, a infração do prometido ou a) é impossibilitação total da prestação pelo devedor (não mora!), ou b) impossibilitação parcial. Num e noutro caso, o devedor é responsável pela impossibilidade, salvo fôrça maior. Se a impossibilidade é parcial, tem o credor a opção entre exercer o direito de resilição e de aceitar a abstenção posterior, com perdas e danos. Para que se possa exigir a pena convencional, é preciso que tenha havido culpa (cf. Código Civil, art. 928; ERNsT KNIGGE, Die negative Leistung, 48>. Se a divida é de não fazer durante certo tempo, que só se inicia com a contraprestação, ou após ela, tem o devedor exceção non adimpleti contractua. 4. ExTiNçÃo. O implemento extingue as obrigações negativas.Quanto a elas, não há pensar-se em compensação. O dist rato pode extingui-las. Bem assim, a remissão de d<vida. O chamado contrato de reconhecimento negativo de dívida ( negócio jurídico de declaração negativa de dívida,negócio juridico declarativo negativo) ou é simplesmente declarativo, ou implica remissão da divida. A confusão pode dar-se a respeito de obrigações negativas como a respeito de obrigações positivas. Idem, quanto a condição extintiva e termo extintivo.

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CAPITULO VI OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS § 2.701. Conceito de obrigações alternativas 1.ALTERNATIVIDADE E OBJETO DA PRESTAÇÃO. Pode dar-se que a obrigação seja de duas ou mais prestações; mas de tal maneira que só uma seja de adimplir-se. Se é a vontade do devedor, ou a do credor, ou a de terceiro, que escolhe qual a prestação que se há de fazer, diz-se alternativa a obrigação. Se não é da vontade, mas de outra circunstância, que a determinação depende, não há obrigação alternativa: há relação fáctica entre dois objetos da prestação (Leistungsgegenstãnde), como se se convencionou que se prestaria A e, na falta, B, ou se, não executando o devedor a obrigação, tem de prestar perdas e danos (Código Civil, arts. 1.056-1.058). Na obrigação alternativa, há algo de semelhante à obrigação de gênero; mas, enquanto, nessa, os objetos pertencem ao mesmo gênero, podem ser de gêneros assaz diferentes os objetos da obrigação alternativa, com a particularidade de poderem alguns deles ser determinados pelo gênero e outros individualmente, ou todos por seus gêneros (e. g., na compra-e-venda com especificação, Spezifikationskaut, em que cabe ao comprador indicar as qualidades gen6rica~ dos objetos comprados, se se fêz referência a dois ou mais; se não se fêz, não há alternativa; sem razão, A. VON TUHR, Partie Génárale diz Code fêdéral da Obligations, 1, 63; certõ, L. EI4NECCUUS, Lehrbuch,31.845.8 ed., II, 70, nota 2). A opinião, que via na obrigação alternativa, duas ou mais Prestações devidas, que a escolha reduz a uma, é totalmente de afastar..se (teoria da pendência resolutória). Bem assim a que recorria à concepção da obrigação sem conteúdo, que só se enche quando ocorre a escolha (teoria da pendência suspensiva). Ora, em verdade, já se deve uma prestação, e só uma; apenas essa prestação ainda não está determinada. Nem cabe adotar-se, para a obrigação alternativa a favor do credor, a teoria da pendência resolutória, e a da pendência suspensiva, para, a obrigação alternativa a favor do devedor (assim, F. LrrrEN, Die Wahlschuld, 78). O crédito é um só, uma só a obrigação, uma só a prestação: essa, indeterminada a princípio, se determina pela escolha pelo que pode e tem direito de escolher (credor, devedor, ou terceiro). Já tivemos ensejo de nos referirmos à diferença entre a concretiza ção segundo os arte. 875-877 e a escolha dos arte. 884 e 887. Se preferimos o termo generalizador “escolha”, temos de adjetivá-lo: nos arte. 875-877, a escolha é interna (qualquer bem dentro de a, que é o género) ; nos arte. 887 e 888, externa (ou a ou b). Portanto, há concentração, e não concretização. 2. DA PRETENSÃO COM ALTERNATIVA. A pretensão, nas obrigações alternativas, dirige-se a duas ou mais prestações, de modo que só uma delas, determinada pela escolha, se haja de realizar. A indeterminação, com que nasce o crédito, serve ao credor, ou ao devedor, tal como se o hóspede pode escolher, dentre os pratos do dia (entrada, peixe, carne e sobremesa), ou a legatária pode escolher o anel de brilhante ou os brincos, tu como se o vendedor de café pode entregar o tipo a ou o tipo b. A pretensão é uma só; uma só a obrigação. O conteúdo é que é indeterminado. Muito diferente é o que se passa quando pretensão e direito ou duas ou mais pretensões concorrem (resolução e perdas e danos, ad. 1.092, parágrafo único; redibição e pretensão quanti minoria, arte. 1.101-1.106). Os arte. 884888 do Código Civil não são aplicáveis em tais casos. Nas obrigações alternativas, o que as caracteriza é poder um dos figurantes escolher entre diferentes prestações possíveis, desde que se concebam como uma só. Se se discute ter havido convenção sabre prestação genérica determinada, ou sobre prestações diferentes, tratadas como uma só, é problema de interpretação do negócio jurídico (W. KISCH, Gattungsachuld und Wahl.achuld, 144 e., 174 e. e 182). Nas obrigações alternativas. não há pluralidade de obrigações, nem condição quanto ao objeto; se a pluralidade ocorre, ou se ocorre condição, alternatividade não há. A obrigação alternativa distingue-se: a) da compra-e-venda de especificação, salvo se ocorrem os outros pressupostos; b) da facultas alternativa do devedor, em que a impossibilidade originária, só referente à prestação devida, faz nulo o contrato (Código Civil, art. 145, II, 2.8 parte; aliter, arE 885), e a impossibilidade superveniente, fortuita, da prestação facultada não libera o devedor, e ai a alegação é exceção, ao passo que a alegação da alternatividade é defesa; c) da facultas alternativa do credor, em que pode êsse exigir, em lugar da prestação devida, outra, espécie na qual a impossibilidade da prestação devida tem todos os efeitos, não podendo o credor eleger a outra (cf. para b) e e), PAUL OERTMANN, Recht der Schuldverhâltnisse, 70; E. GERNS}IEIM, fie Ersetzungsbefugnis, 14 5.; F. LITTEN, fie Wahlschuld, 93, nota 8, e

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96; G. PLANCK, Koinmentar, II, 1, 4~8 ed., 128 e 125 5.; F. RECELSEERGER, Alternativobligation und alternative Ermãchtigung des Glãubigers, Jahrbiicher fiir die Dogmatik, 16, 159; sem razão, G. PESCATORE, fie Wahlschddverhdltnisse, 258). A diversidade das prestações, a despeito de se terem de conceber como uma só, pode recair sobre a coisa, ou sobre lugar, tempo, ou outra circunstância (modalidade). Há obrigação alternativa se se deixa a um dos figurantes escolher que a prestação seja na cidade A, ou na cidade B, ou no dia 15 de novembro ou no dia 25 de dezembro, ou engarrafado o vinho, ou em barril. O conteúdo das obrigações, em qualquer desses casos, é diverso e é alternativo (P. OERTMANN, Reeht der SchuldverMltnisse, 70; G. PESCATORE, fie Wahtschuldverhtiltnisse, 140; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 439; já V. CÁNETrÁ, Zur Lehre von den sog. alternativen Obligationen, 13;A.MARCUS, fie Wahlschuld des .8GB., 10; W. MtILLER, Wahlschuld und alterna tive Ermttchtigung das Schuldners, 15;E.CHAMIZER, Natur, Gebiet und Grenzen der Wahlschuld, 22; li.LEUCRTENBERGER, Unter welchen Voraussetzungen tritt bei Wahlschzclden eine Beschrdnkung des Schuldverhãltnisses auf tine Leistung e&il, 7; E. LITTEN, fie Wah.lschuld, 108: P.LANGREINEKEN, Anspruch und Rinrede, 207; sem razão,H.DERNBURG, Das Biirgertiche Recht, II, 1, § 45, 119;G.PLANCK, Kommentar, ~ J, 4Y ed., 123; E. GERNSHEIM, fie Ersetzungsbefugnis, 20). O direito de escolha é direito formativo. “Nas obrigações alternativas”, diz o Código Civil, art. 884, “a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou”. Assim, segundo essa regra jurídica di.spositiva, e não só para o caso de dúvida, titular do direito de escolha é o devedor;, mas a regra jurídica pode funcionar como interpretativa, se há dúvida. Das circunstâncias não pode resultar que se haja de entender titular o credor, porque o art. 884 só admitiu que seja titular o credor, “se outra coisa se estipulou”, Portanto, adotou-se a opinião mais corrente (G. PLANCK, Kornrnentar, ~ J, 4~a ed., 129; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 72; G. PESCAIORE, fie Wahlschuldverhdltnisse, 155; sem razão, O. WARNEYER, Komrnentar, 1, 439, e edições anteriores de G. PLANCK), pois que se trata de regra jurídica dispositiva. Também incide se o direito de escolha provém de texto de lei (obrigação legal com escolha; cf. P. OERTMANN, Recht der Schzddverhãltnisse, 72; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 129). O direito de escolha transmite-se; pode ser cedido, com o direito de crédito, e, se o devedor consente, ainda sem o crédito, ou o crédito sem ele (G. PLANCK, Kommentar, 11,1,130; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, ~ 31~t35a ed., 72> ; e vai ao que assume a dívida, se se trata de direito de escolha a favor de devedor. Se um dos objetos de prestação não é transmissivel, o direito de escolha não épenhorúvel (FALKMANN, Die Pfandbarkeit von Wahlforderungen, Das Recht, 15, 1; contra: CITRON, Unpfãndharkeit einer Alternative bei Wahlschuld, Deu tsche Juristen-Zeitung, 15. 196). No mais, é penhorável. Nas apólices de seguros costumam as companhias inserir a cláusula de alternatividade: ou prestar o valor do seguro ou fazer o consêrto, reconstituição ou substituição do bem segurado. A mora da devedora não a priva da escolha, mas o credor pode interpelá-la (3.5 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 5 de junho de 1946, 1?. dos 7h, 164, 278; 1.~ Câmara Civil, 3 de março de 1955, 238, 372), ou propor contra ela ação comiinatória em que se tenha como pena a fixação de uma só das maneiras de execução, ou desde logo a ação de condenarão em que a sentença condenaria com a alternativa (cf. 1. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 25 de setembro de 1945, J., 28, 44 s.). Exercida a escolha, não pode ser revogada, ainda que em parte (1.8 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de abril de 1942, R. dos 2h, 188, 288). Processualmente, quando se propõe ação de condenação, a sentença dirige-se à obrigação alternativa (condenação com alternatividade, Código de Processo Civil, arta. 900-902). O devedor tem de provar que é alternativa a obrigação; não que lhe incumbe a escolha: contra a sua alegação de caber-lhe escolher há de alegar e provar o autor. Se, em vez de obrigação alternativa, entende o devedor que tem facultas alternativa, oOnus de provar que lhe toca incumbe ao devedor (L. ROSENusa, Zur Lehre vom sog. qualifizierten Gestãndnisse, Archiv flir die civilistiache Praia, 94, 81; FR. LEoNHARD, Die Beiveialaat, 348; sem razão, E. voN SÁvIG?n¶, System, ‘1, 155). 3 2.702. Fonte das obrigações alternativas 1.NEGÓCIO JURIDICO E LEI. As obrigações alternativas emanam de negócio jurídico, especialmente contratos e legados (nada obsta a que se prometa, unilateralmente, com alternatividade), ou da lei. t exemplo de obrigação alternativa oriunda da lei a de executar, que tem o mandatário, se fêz contrato em nome do mandante, e êsse não ratificou a falta de podêres, que o terceiro desconhecia (arg. aos arts. 1.304 e 1.305 do Código Civil). 2.ALCANCE DO CÓDIGo CIvIL, ARTS. 884-888. Os arte. 884-888 também apanham as obrigações alternativas oriundas da lei.

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fi 2.703. Direito de escolha 1.CONCEITO DE ESCOLHA. Escolher a prestação á determinar qual a que há de ser devida, ou em obrigação ou ~m paga. Nas obrigações alternativas, é determinar qual das Prestações, devidas alternativamente, é a que se há de pagar. Portanto, o que em verdade se determina é o objeto do cumprimento. Ambas as prestações estão no plano elo dever e da obrigação , in obligatione, pôsto que uma só se possa exigir e prestar. Dai ter-se (a) de considerar a obrigação, desde que nasce, como obrigação estruturada definitivamente, só se vendo a escolha como cumprimento, com a consequência de se não poder pensar em declaração de escolha sem cumprimento fáctico; ou (b) de se atentar na configuração mesma da obrigação alternativa, que nasce indeterminada, sujeita, portanto, a modificação, com a conseqUência de ser relevante a declaração de escolha, ainda sem o adimplemento. Negou-o G. PESCA1’ORE (fie Wahlschuldverhàltnisse, 169 s.), e outros o negaram, ou não no viram. A ciência assentou que existe o direito formativo modificativo de escolher, o chamado direito de concentração, que se exerce mediante declaração de vontade ao outro figurante. Com o exercício do direito de escolha, determina-se (modifica-se) o conteúdo da obrigação; e tem-se a prestação escolhida como a única devida desde o comêço. O art. 884 permite que “outra coisa se estipule”. Outra coisa não é só a titularidade do credor, em vez do devedor; é também o modo de exercer-se o direito de eleição, e. g., dentro de certo prazo antes do cumprimento, por escritura pública, ou em cumprimento fáctico (exclui-se, então, qualquer eficácia eletiva da declaração). 2. EFICÁCIA DA ESCOLHA. Ao efeito da escolha chama-se juização. Tentou-se firmar que, antes dela (= antes da declaração de vontade dirigida ao outro figurante), a obrigação alternativa não é suscetível de cumprimento (F. LITrEN, fie Waktschuld, 122 e 164 s.). Sem razão; seria alternação do crédito, e não da obrigação; se o devedor, com direito de escolha, presta ao terceiro, que recebe a prestação, libera-se, ainda que o credor o ignore, salvo se ficou estabelecido, ou se resulta da natureza da prestação, que seria ineliminável a declaração recepticia (sobre isso, largamente, G. PESCATORE, liXe Wahlschuldverkiiltnisse, 179 e 183 s.; cf. fie sog. alterna-tive Obligation, 151 s.). Referimo-nos a terceiro com podêres. Se o devedor recusa a prestação oferecida, cumprimento não houve. Certo, houve, implícita, a declaração de vontade por parte do devedor titular do direito de escolha; mas, não se tendo realizado o adimplemento, a declaração de vontade, que só ezistia no ato de oferecimento, apaga-se: as declarações implícitas dependem da sorte dos atos em que se inserem (não viu isso F. LIT’rrN, fie WahUehuld, 160) ; explícitas, podem ser sós. 3.MORA E ESCOLHA. A mora não extingue o direito de escolha do devedor. O credor demanda-o pela obrigação alternativa, “a ou b”. Se o credor começa a execução somente por a, ou somente por 6, ou (a> se teria de julgar improcedente a demanda, porque pedir a execução de a é pedir execução por obrigação simples e não há identidade entre pedir a e pedir ou a ou b, ou (6) se teria de reputar pedida a execução por a ou 6, a despeito da alusão somente a a, ou (c) se teria de admitir que, com o comêço da execução forçada, o direito de escolha se transfere ao credor, não restando ao devedor mais do que facultas alternativa, ou (ti) se teria de admitir a passagem ao credor, após a citação. Como em (c>, R. STAMMLER (Recht der Schuldverhàltnisse, 118), G. PLANCK, nas edições anteriores à 4&, Ei. DERNBURG (Das Biirgerliche Recht, IX, 1, 116), F. LImN (fie Wahl.schuld, 173), E. GnNsníM (Die Ersetzungsbefvgnis, .243) e outros. Como em (a>, quem quer que interprete à letra o pedido. É preciso notar-se que nem sempre seria possível, pela diferença entre as regras da execução, manter-se a interpretação (6). A condenação tem de ser alternativa, porque o conteúdo da obrigação o é; a execução tem de sedirigir a uma das coisas. De acordo com o direito comum (E. WINDSCHEID, Lehrbuch, fl, 9Y ed., 30), oCódigo Civil alemão, § 264, alínea 1.8, permitiu ao credor dirigir a execução a um dos objetos, ficando ao devedor, até a execução, o poder de se liberar. No direito suíço, não há regra escrita; uns querem que se siga a regra jurídica alemã, outros, como E. Osn, nota III, 3, ao art. 72, que o credor proponha ação (intercalar) para forçar o devedor a escolher. Seria, no direito brasileiro, o preceito cominatório (Código de Processo Civil, art. 302, XII). Devemos entender que, se o credor não propõe em tempo a ação cominatória, não perde o devedor o direito de concentração, a despeito de o pedido só se ter referido a um dos objetos. O credor, que tem consigo sentença de condenação alternativa, pode exercer a pretensão cominatória, inclusive com preceito inicial; se o não faz, o Código de Processo Civil,arts. 900 e 901, combinou o pedido de execução de a, ou b, com a cominação implícita: “Se a condenação fôr alternativa e, nos térmos da lei civil, a escolha couber ao devedor, o exeqUente pedirá a citação do executado para, no prazo improrrogável de cinco dias, cumprir a prestação, prosseguindo-se na execução conforme a natureza da obrigação escolhida” (art. 900) ; “Se o executado, no prazo a que se refere o artigo anterior, deixa de cumprir uma das prestações, devolver-se-á ao exeqflente o direito à escolha” (art. 901). O devedor, em caso de mora do credor, pode consignar a coisa devida (Código Civil, art: 978, 1). Todavia, se o

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credor, com direito a escolher, ainda não escolheu, ainda é alternativo o conteúdo da obrigação; e não poderia o devedor pretender que se consigne a, ou que se consigne b, nem se compreenderia que tivesse de consignar a e b. No Código Civil, art. 981, diz-se: “Se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, será ele citado para êste fim, sob cominação de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor escolher. Feita a escolha pelo devedor, proceder-se-á como no artigo antecedente”, isto é, cita-se o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de ser depositada. A solução vem-nos do Código Civil argentino, art. 766: “Si la cosa dehida fuese indeterminada y á elección deI acreedor, eI deudor debe hacerle intimación judicial para que haga la elección. Si rehusare hacerla,.el deudor podrá ser autorizado por eI juez para verificaria. Hecha ésta, ei deudor debe hacer la intimación para que la reciba, como en ei caso de Ia deuda de cuerpo cierto” (cf. Código Civil uruguaio, art. 1.489). Se o direito de escolher cabe ao credor, o início de execução por um dos objetos contém declaração (Código de Processo Civil, art. 902). Se o credor incorre em mora, nem por isso perde o seu direito de escolha; todavia, pode o devedor empregar o preceito cominatório (Código de Processo Civil, art. 802, XII), para que escolha dentro do prazo marcado, findo o qual, se não escolhe, passa ao devedor o direito de escolher. A questão de poder, ou não, o devedor, ao fixar o prazo, oferecer, desde logo, a prestação, que escolherá, se o credor não escolher a outra, resolve-se, no direito brasileiro, afirmativamente, portanto no sentido que adotaram, para o direito alemão, F. SCHOLLMEYER (Recht der Schzddverh4ttnisse, 67), C. CROME (System, II, 94), F. LITTEN (fie Wahlschzdd, 188), J. KOHLER (Lehrbuch, 1, 58) e G. PLANa (Kommentar, II, 1, 4~a ed., 136), contra P. OnTMANN (Recht der Schuldverhdltnisse, 76), E. GOLDMANN -H. LILIENTEAL (D as Burgerliche Gesetzbuch, 1, 2.~ ed., 307), O. PESCATORE (fie Wahlschuldverhiiltnisse, 234) e W. KISCH (Gattungsschuld und Wahllschuld, 202). A 2.~ parte do art. 981 não é obstáculo a isso; a cominação está na lei, e o devedor pode antecipar a escolha, fundindo as duas citações. Tal solução cabe, ainda que não haja regra jurídica explícita sobre cominatória. § 2.704. Titularidade do direito dc escolha 1. QUEM PODE ESCOLHER. É titular do direito de escolha, de regra, o devedor, não porque seja o que mais acontece, nos fatos da vida, pois exatamente o contrário é o mais frequente, e sim porque o devedor de a ou b, se solve com a., se libera, e é razoável que não precise consultar o credor, se quer solver. A regra jurídica do Código Civil, art. 884 “Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou” é ins dispositivum, e não só interpretativum; não só corta dúvida, preenche o vácuo, a lacuna. OCódigo Civil brasileiro está certo (cf. R. STAMMLER, Das Recht der Schuldverhdltnisse, 78; E. LIrTEN, Die WahlschuJd, 132; O. PESCATORE, fie Wahlschuldverhiiltnisse, 165). Era a solução aconselhável, de lege ferenda. 2.ESCOLHA POR TERCEIRO. Se se deixa a terceiro a eleição, supõe-se que êsse exerça o direito de escolha de modo regular (arg. ao Código Civil, art. 160, 1, 2.a parte). Se se recusa a escolher, ou se não pode ou não quer escolher, há falta de declaração de vontade, o que se resolve conforme os arte. 1.098--1.100 do Código Civil, se houve estipulação pura a favor do’ terceiro, ou pela sentença judicial (constitutiva modificativa), se o terceiro havia de determinar segundo a equidade, ou pela escolha pelo devedor, ou pelo credor, conforme a vontade do terceiro completaria a daquele, ou a desse. Nem sempre, advirta-se, é de puro arbítrio do terceiro a escolha, tanto assim que, se o terceiro, que haveria de escolher com equidade, escolhedentre dois ou três terrenos o que, devido a obras, ficou alagado, o credor pode impugnar a eleição. 3.PLURALIDADE DE TITULARES DE ESCOLHA. Se há pluralidade de titulares do direito de escolha, devedores ou credores, ou se se trata de obrigações comuns, é indispensável que todos declarem: nenhum deles, sôzinho, pode transformar a obrigação. Se, em vez disso, as obrigações são solidárias, qualquer deles pode escolher, com eficácia sâmente para si (pró e contra), ficando inalterada para os outros. Sem razão, portanto, F. SCHOLLMEYER (Recht der SchuldverMltnisse, 64), que admitia a eficácia, pró e contra todos, da escolha por um deles; J. KOHLER (Lehrbuch, 1, 147) e G. PESCATORE (fie Wahlsc?uldverhãltnisse, 205 s.) ; certos, P. OERTMANN (Recht der Schuldverhàltn4sse, 73), G. PLANCK (Kommentar, II, 1, 43 ed., 132). O fiador da obrigação alternativa não escolhe; escolhe o devedor (W. WESTERKAMP, Biirgschaft um! Schuldbeitritt, 377 s.). § 2.705. Exercício do direito de escolha 1.NATUREZA DA ESCOLHA COMO ATO JURÍDICO “STRICTO SENSTJ”. O direito de escolha exerce-se mediante declaração unilateral de vontade, receptícia, sem exigência de forma (pode ser tácita) e, feita eficazmente, irrevogável (a implícita em oferecimento da prestação, recusado, não teve eficácia). Se o devedor, titular do direito

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de escolha, presta, no todo ou em parte, e o credor recebe, houve eleição tácita; idem, se o credor, com direito de eleição, aceita a prestação, ainda em parte, ou se propõe ação de condenação por uma só das prestações, ou ação executiva (Código de Processo Civil, art. 902). Em tais espécies, é de mister que o titular conhecesse o seu direito de escolha (F. LITTEN, fie Wahlschuld, 149; sem razão, G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 43 ed., 131). Se o devedor pagou, ignorando que era titular de direito de escolha (cria simples, e era alternativa a obrigação), seria de discutir-se se cabe a condictio, por ter sido indevido o pagamento. Noutros termos: se dever a ou b, em vez de a, é causa de ação de enriquecimento injustificado, se pensou dever a, e não a ou b. A sutileza de JULIAXO viu-o na L. 32, § 3, II.,de coridictione indebiti, 12, 6: “O que em termos gerais prometeu homem (escravo) é como (sirniUs est) .0 que deve escravo ou dez moedas (hominem ad decem debet) : e, por isso, se, crendo que prometeu Estico, o houver dado, reclama-o pela condictio, mas poderá liberar-se dando outro qualquer”. Importa dizer-se: a obrigação de a não é idêntica à obrigação de a ou b; não sendo idêntica, se se paga a, por se ignorar que se deve a ou b, e não, simplesmente, a, pagou-se o indevido a obrigação de a não ezistia). Também pode ser intentada a ação de anulação por êrro (arts. 86 e 89). Já G. PESCATORE (Die Wahlschuldverhiiltnisse, 186 s.> se insurgia contra a condictio indebiti em tal espécie; mas a solução de JULIANO impôs-se ao próprio direito contemporâneo (E OERTMANN. Recht der Schuldverhãltnisse, 74; F. ENDEMANN, Lehibuch, 1, 668; F. LI¶rrzN, Die Wahlschzdd, 149; divergente, P. KRETSCH MAR, Die Erfiilhzeng, 134). Na L. 10, C., de condictiona indebiti, 4, 5, Justiniano resolveu dúvida entre as opiniões de Caso, MARCELo e ULPIANO, de um lado, e JULIANO e PAPINLANO, do outro. Mas a questão era diferente: alguém devia a ou b, isto é, liberar-se-ia pagando a, ou pagando b, mas entregou a e b; ULPIANO entendia que a repetição dependia da escolha do recebedor (credor) e afirmava estarem de acordo com ele MARCELO e Caso; PAPINIANO sustentava que a escolha cabia ao que pagou, pois que tinha o direito de escolha. Com ele JULIANO, summae auctoritatis homo. E a constituxção j ustinianéia decidiu com JULIANO e PAPINIANO. Certamente, com a escolha, a determinação sucede à indeterminagem. A alternatividade desaparece. Um só objeto é devido. Com a solução, nada mais se deve. Se se afirma que se prestou a porque não se sabia que era de prestar-se a ou b), não houve escolha. A solução da divida, que deveria ter sido com a concentração implícita, não a continha. Antes do pagamento ou com ele teria de haver a escolha: o Orro consistiu em se prestar a, como se não pudesse ser prestado ii. Não se trata de êrro invalidante, porque o pagamento é ato-fato jurídico; mas sim de êrro que gera a condictio. O que fôra prestado não fôra escolhido. Se o devedor prestou, por êrro, cumulativamente (a e em vez de a ou b), discute-se se o devedor continua com o direito de escolha que tinha, ou se passa a quem o não tinha e recebera sem ter havido escolha. CELSO, MARCELO e ULPIANO retiravam o direito de escolha a quem o tinha (cf. ULPIANO, L. 26, § 13, D., de condictione indebiti, 12, 6; L. 10, C., de coridictione indebiti, 4, 5). JULIANO e PAPINIANO, mantinham-no. Segundo a L. 10, C., 4, 5, se alguém prometera escravo de certo nome, ou determinada quantidade de soldos, ou outra coisa, e, tendo direito (ijoentia) para se liberar entregando só uma dessas coisas, entregou uma e outra, duvidava-se quanto a qual das coisas se lhe dá, por lei, a repetição, se do escravo se do dinheiro, se a faculdade para isso tem o estipulador ou o promitente. ULPIANO admitia a eleição, em verdade, a quem recebeu ambas as coisas, para devolver a que lhe aprazia, e disse que tanto MARCELO quanto CELSO estavam de acordo com ele. Mas PAPINIANO dava a eleição a quem entregou ambas as coisas, quem, também antes de as entregar tem a escolha do que há de entregar, e aponta como dessa opinião a SÁLVIO JULIANO, homem de suma autoridade e redator do Edicto do Pretor. Justiniano terminou por proclamar que a opinião de JULIANO e de PAPINIANO é a que apraz, para que tenha a eleição para receber quem a tinha para dar (ut habeat electionem recipiendi, qui et dandi habuit). A solução de JULIANO é a que mais atende ã função da condictio: a restauração do status ante errorem. Todavia, a convicção de CELSO era arraigada em seu espírito (L. 19, D., de legatis et fideicommissis, 31). Os juristas romanos atendiam a que a manifestação de vontade, sendo ato jurídico, podia não existir no ato-fato jurídico do pagamento. O que lhes faltava era a técnica que somente rigorosa classificação dos fatos jurídicos poderia dar. Objeto devido seria qualquer dos dois. Ora, o que foi prestado não foi escolhido (L. 32, § 3, D., de condictione indebiti, 12, 6; cf. CARL BERNSTEIN, Zur Lehre vom alternativen Willen und den alterrtativen Rechtsgeschdften, 60 s.). Não é o mesmo que apenas se ter prestado excessivamente, porque então se poderia repetir o excesso. A anulação produz os mesmos efeitos <art. 158) que a repetição; mas o devedor, ali, está obrigado a ressarcir o interésse negativo (o dano que o credor não teria sofrido, se o devedor não houvesse errado e dado ensejo à anulação). 2.“FACULTAS ALTERNATIVA” E ESCOLHA. As regras jurídicas sobre exercício do direito de escolher não se estendem aos casos de facultas alternativa. Se a declaração do devedor, que a tem, é eficaz, depende das circunstâncias (O. WARNEYER, Kornrnent ar, 1, 441). Teremos ensejo de tratar do assunto.

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3. DIsposITIvmÀnE DE REGRAS JURÍDICAS. Tem-se de entender o direito brasileiro como se houvesse regra escrita que dissesse: “A escolha opera-se pela declaração ao outro figurante”. Existe, no sistema jurídico, essa regra não-escrita, ius di&positivum. Também o efeito retroativo, que tem a escolha ooutro objeto de prestação nunca foi devido), é proveniente de regra jurídica, dispositiva, e afastável, portanto, pela vontade dos figurantes (O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 4,8 ed., 133). A declaração de escolha não pode ser condicional, ou a prazo, salvo se assentem os figurantes (O. PESCATORE, fie Wahlschuldverhttltnisse, 198; Fa. LEONHARD, fie Wahl hei der Wahlschuld, Jherings Jahrbiicher, 41, 57; E. F. BRuCK, Redingungefeinaliche RechtsgescMfte, 127). Há de entender-se, porém, que não se exclui a condictio in praeserw vel in praeteritum coliata, ou o térmo ou a condição que se realiza antes do vencimento. Pela admissão de condição e de termo, F. LITTEN (fie Wahlschuld, 152 s.) e W. KISCH (Gattungsschuld um! Wahlschuld, 244). 4. PRESCRIÇÃO E ESCOLHA. Se o direito de escolha só se exerceu após o prazo de prescrição, a exceção de prescrição persiste (O. WARNEYER, Kommen.tar, 1, 441). a) Se foi o devedor que escolheu, sem simultâneo adimplemento, antes de terminar o prazo prescripcional, à recepção da manifestação de vontade pelo credor interrompe-se a prescrição: é ato inequívoco de reconhecimento da pretensão pelo devedor o exercer êsse o direito de escolha (Códiko Civil, art. 172, V). Quem escolhe o que há de pagar e o comunica ao credor reconhece ser devedor. Apenas o reconhece já feita a escolha. Se a escolha foi posterIor à prescrição, a prescrição, consumada, fica incólume. Prescrita estava a pretensão, prescrita fica. Mas a escolha está feita. b) Se ao credor é que cumpria, escolher e escolheu, antes de se ultimar a prescrição, não mais pode mudar de vontade: é irrevogável o ato de escolha. Porém a recepção pelo devedor não interrompe a prescrição: nem é citação (Código Civil, art. 172, 1); nem protesto (art. 172, II) ; nem apresentação de título em juízo de inventário ou concurso de credores (art. 172, III>; nem é ato que constitua em mora o devedor (= não contém interpelação). 5.DEvER DE EXIBIÇÃO DOS OBJETOS. Se o devedor tem, ou não, o dever de exibir os objetos a que se refere o direito de eleição, depende da vontade dos figurantes e das circunstâncias. Na dúvida, procura-se a presumível vontade deles, ou dele; e tem-se por estabelecido o dever de exibição, se se trata de coisas certas, que o titular do direito de escolha não conhece e sem cujo conhecimento não poderia fundamentar preferência (cf. L. ENNECCERUS, Lehrbuch, ~ 31a35a ed., 74). 6.PLURALIDADE DE PRESTAÇÕES E ESCOLHA. O devedor, que tem direito de escolher, sem serem só duas as prestações (e.g., a ou b, ou e; ou ac, ou ab, ou bc), pode exercê-lo segundo o que se lhe permitiu. “Não pode, porém, o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra” (Código Civil, art. 884, § 1.0). A regra jurídica é dispositiva. Bem assim a do § 2.0: “Quando a obrigação 1 ár de prestações anuais, subentender-se-á, para o devedor, o direito de exercer cada ano a opção”. 7. REPRESENTAÇÃO E EXERCÍCIO DO DIREITO DE ESCOLHA. Nada obsta a que o direito de escolha se exerça por intermédio de representante ou a representante. Nos podêres judiciais, é de entender-se, na dúvida, que o procurador do credor com direito de escolher pode determinar o que há de pedir ou executar (cf. L. ENNECCERUS, Lehrbuch, fl, 31.~-35Y ed., 73), e o do credor ou do devedor, para receber a declaração. A manifestação de vontade do escolhente, feita a órgào de pessoa jurídica, é escolha perante a pessoa jurídica, e não perante procurador. Feita por órgão de pessoa jurídica, é escolha feita pela pessoa jurídica. § 2.706. Impossibilidade da prestação 1.OBRIGAÇÃO ALTERNATIVA E IMPOSSIBILIDADE. A alter-natividade tem seus reflexos na teoria da impossibilidade da prestação. Se ambas as prestações são impossíveis, originàriamente, claro é que tudo se passa como se só se tratztsse de obrigação simples e a prestação. originàriamente fôsne impossível. Se, porém, só uma é impossível, resta a outra e o contrato é eficaz para ela; salvo se é o caso de se admitir que, conhecendo a impossibilidade, o figurante ou os figurantes r,to teriam concluído o negócio jurídico. Quem a A lega a ou li, e a B o que A não escolher, “porque quer assegurar habitação a B”, só legou a A, porque só existe a. A regra jurídica é, pois, dispositiva: “Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação, ou se tornar inexequível, subsistirá o débito quanto à outra” (Código Civil, art. 885). Para o devedor titular do direito de escolha, torna-se simples a obrigação; para o credor titular do direito de escolha, tudo ocorre como se já houvesse escolhido. Se, em vez de só duas prestações estarem em alternativa (ou a ou b), estão três (ou a, ou b ou c), ou mais, a impossibilidade originária quanto a uma ou duas, restando outras, não exclui a alternatividade da obrigação. Os arts.

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884-888 do Código Civil incidem, por ser a referência a duas prestações apenas exemplificativa. 2. NENHUMA CULPA DOS PIGURANTES. Se sobreveio impossibilidade, sem culpa de qualquer dos figurantes, dá-se a fixação: só uma coisa é devida; a, e não mais a ou b. Tal a solução que se tira do art. 885 e se tiraria, ex argumento, dos arts. 886 e 887 do Código Civil. Impõe-se-nos, a priori; no entanto, não era assim em alguns sistemas jurídicos. A L. 47, § 3, II., de legatis et fideicommissis, 30, tirada de ULPIANO, permitia prestar-se uma das coisas legadas ou a estimação da outra; e dai E. WINDSCHETD (Lehrbuch, II, 9a ed., 30) concluiu que existia tal regra de teoria geral das obrigações (contra, O. PESCATORE, fie sog. alternative Obligation, 201 5.; duvidoso, entre nós, LACERDA DE ALMEIDA, Obrigações, 100). No sistema do Código Civil brasileiro, não há a alternativa com a estimação, salvo se foi estabelecida no negócio juridico ou pela lei. Lê-se no Código Civil, art. 885: “Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação, ou se tornar inexequível, subsistirá o débito quanto à outra”. O art. 885, já dissemos, é dispositivo. Oart. 885 do Código Civil contém duas regras jurídicas diferentes: uma, ligada ao art. 145, II, 2.8 parte, que é aquela que diz nulo o negócio jurídico, se uma das prestações alternativas é impossível; outra, concernente à impossibilidade superveniente, que, no caso de uma das obrigações alternativas se extinguir, enuhcia que a outra subsiste. Assim, se unia das prestações alternativas não pode ser objeto da obrigação, a nulidade do negócio jurídico é parcial (cf. art. 153, l.~ parte). Se uma das prestações alternativas se torna inexeqUível, subsiste o crédito quanto à outra. A primeira regra jurídica poderia ser tirada dos arts. 145, II, 2.~ parte, e 153, 1.8 parte; a segunda exigiria interpretação que preenchesse lacuna, pOsto que a alternatividade das prestações de si mesma a sugerisse. (a) Se houve culpa do devedor na impossibilidade, cabendo ao devedor a escolha, a sua obrigação é quanto à prestação que existe: escolheu, embora impossibilitando. (b) Se a culpa foi do credor, cabendo ao devedor o direito de escolher, pode êsse entregar a que resta, pedindo perdas e danos pela outra, ou recusar-se a prestar, por ter ocorrido impossibilidade ( escolheu a coisa que pereceu ou se tornou, por outro modo, de impossível prestação, por culpa do próprio credor). Tal regra jurídica está implícita no sistema do Código Civil (cf. L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 31.~~35. ed., 76, nota 6). toca (c) Se houve culpa do devedor, mas o direito de escolher credor, provê o Código Civil, art. 887, alínea 1.8: “Quando a escolha couber ao credor e uma das prestações se tornar impossível por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir ou a prestação subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos (d)Se por culpa, do credor se impossibilita uma das prestações e o direito de escolher lhe cabia, a obrigação persiste quanto à restante, respondendo o credor pelo dano causado ao outro objeto. (e)Se por culpa do devedor não se pode cumprir a obrigação, estatui o Código Civil, art. 887, alínea 2.8: “Se, por culpa do devedor, ambas se tornarem inexeqUíveis, poderá o credor reclamar o valor de qualquer das duas, além da indenização pelas perdas e danos~’. (f) Se as prestações se tornam impossíveis, ou se uma já o era ou algumas já o eram e a outra se torna ou as outras se tornam, sem culpa do devedor ou do credor, extingue-se a obrigação (Código Civil, art. 888). Mas, se a primeira se tornou impossível por culpa do devedor e a segunda fortuitamente, o devedor continua responsável pela indenização relativa àprimeira (E. RLEINEIDAM, Unmõglichkeit und Yavermôgen, 103), se a escolha competia ao credor ou não. Aliás, o art. 888 não permite outra solução: “Se tOdas as prestações se tornarem impossíveis, sem culpa do devedor, extinguir-se-á a obrigação”. Se houve culpa, não. O Código Civil, art. 886, somente cogitara da impossibilidade, por culpa do devedor, de tOdas as prestações: 4’Se por culpa do devedor não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou mais as perdas e danos”. Se a escolha tocaria ao credor, dá-se a espécie do art. 887, alínea 2.8. Se a impossibilidade de uma das prestações é só em parte, o art. 885 não incide: ou a escolha é do credor e pode ele escolher o que resta da prestação parcialmente impossibilitada, ou a escolha é do devedor e pode êsse eleger êsse resto (W.KISCH, fie Wirkung der naehtrdglich eintretenden Unmàglichkeit der Erfitllung, 237; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhtiltnisse, 71; contra: F. LITTEN, fie Wahlschuld, 208 5.; H. TITZE, fie Unmôglich.keit der Leistung, 197 s.), salvo se, com a impossibilitação parcial, a prestação tôda ficou imprestável ( sem interesse para o credor). 3.IMPOSSIBILIDADE ANTERIOR E IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE À CONCLUSÃO DO NEGóCIO JURÍDICO. A escolha, nas obrigações alternativas, opera como se, desde todo o comêço, somente fOsse devida a prestação que se escolheu. A concentração é, portanto, de eficácia ex tune. Não seria acertado dizer-se, como há

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quem o haja dito, que a lei finge que a obrigação desde todo o princípio foi sempre a de se prestar o que se escolheu. Alternatividade não é fingimento. O devedor não se libera da prestação que não foi escolhida, expressões de que se abusa (e. g., L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 75); porque eleger não éliberar-se e fazer cessar a alternatividade. Não se precisa de tanto rodeio para se enunciar que, após a concentração, o deve- dor responde pela prestação que escolheu, ou por sua impossibilitação, ainda que a outra, a que não foi escolhida, subsista. OCódigo Civil não cogitou da situação do devedor após a escolha, mas tudo se deduz do conceito mesmo de obrigação alternativa. A prestação que não foi escolhida saiu de cogitações. Não importa se continua possível, ou se se tornou impossível. Se remontamos para aquém do momento em que se concluiu o negócio jurídico, temos o problema da impossibilidade contemporânea à conclusão, que faz nulo o negócio jurídico, conforme o art. 145, II, 2~ parte, do Código Civil. Se incidisse, sem atenção à alternatividade, o art. 145, II, 2.~ parte, o negócio jurídico seria nulo se uma das prestações já. fOsse impossível ao se concluir o negócio jurídico. Mas isso seria contrário ao conceito mesmo de alternatividade. A impossibilidade não é da prestação, e sim apenas de uma das prestaçOes; de jeito que subsiste o negócio jurídico “concentrado”, digamos assim, pelo. fato da impossibilidade: concentração, frise-se, conata à conclusão do negócio jurídico. Existe, portanto, no sistema jurídico, o principio da subsistência do negócio jurídico que se concluiu sem alterrtatividade praticável. A regra jurídica é jus dispositivum: pode-se estabelecer que, se impossível, à conclusão do negócio jurídico, uma das prestações e, pois, impraticável a escolha, não subsista o negócio jurídico. Com isso não se deixa campo aberto à incidência do art. 145, II, 2.8 parte, que é regra jurídica sObre nulidade (deficiência do suporte fáctico do negócio jurídico). Aqui, cumpre termos todo o cuidado com a terminologia. O art. 145, II, 2.8 parte, não incide. Melhor: continua de não incidir. Nem se compreenderia que a expressão da vontade determinasse a nulidade. Nada mais destoante dos princípios. A vontade, nos negócios jurídicos, joga com existência e eficácia, não, porém, com invalidade. A despeito disso, a incorreção. de linguagem e de conceito aparece em G. PESCATORE (fie Wahlschuldverhtiltnisse, 253) e L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 75). A dispositividade da regra jurídica consiste em se poder estipular que o negócio jurídico se resolve se uma das obrigações era impossível. Se o devedor conhecia a impossibilidade de uma das prestações, tem de indenizar o interesse negativo, se a escolha tocava ao credor, se não quer a outra prestação (Código Civil, art. 887). Se a escolha tocava ao devedor, a ele caberia escolher e poderia escolher a que subsiste (cf. art. 885). Se a outra prestação se torna, supervenientemente, impossível, a indenização é que pode acudir ao credor, o art. 886 é que se há de invocar <valor da última que se impossibilitou mais perdas e danos). Quanto às impossibilidades supervenientes, o Código Civil previu: a> a impossibilidade somente quanto a uma das prestações, cabendo a escolha ao devedor; b) a impossibilidade quanto às duas ou mais, se houve culpa do devedor; e) a impossibilidade quanto às duas ou mais sem culpa do devedor; d) a impossibilidade somente quanto a uma das prestações, com culpa do devedor, cabendo a escolha ao credor, ou e) sem culpa do devedor. A distinção entre culpa e sem culpa interessa em todas as espécies, exceto em a). be a culpa da impossibilidade de uma das prestações foi do credor, que tinha a escolha, pode ele escolher a prestação impossibilitada por ele e assim se libera da indenização pelo ato ilícito. Se a escolha tocava ao devedor, a impossibílitação de uma das prestações pelo credor, que não podia escolher, dá ao devedor o poder de escolher a que foi impossibilitada pelo credor ou de fazer a outra prestação e exigir do credor a indenização das perdas e danos. § 2.707. “Facultas alternativa” 1.OBRIGAÇÃO ALTERNATIVA E “FACULTAS ALTERNATIVA”. A obrigação pode ser com facultas alternativa: só se deve uma prestação, não há o dever-se uma ou outra, nem, com mais forte razão, o deverem-se duas ou mais; só uma prestação se deve e a só uma se é obrigado, apenas o devedor pode liberar-se mediante outra prestação, sem procisar do assentimento do credor, porém de tal jeito que apenas se substitui a única prestação devida. Daí chamar-se faculdade de substituição. Tal é o caso de quem contrata para pagar em dólares, mas aereacenta-ee que, se o devedor o entender, poderá prestar opreço em cruzeiros. O que contratou para gerir negócios de outrem pode exigir que o dono do negócio ratifique o contrato, ou que lhe pague o importe das despesas. No caso de revogação da doação com fundamento no art. 1.183, se há direitos adquiridos por terceiro (art. 1.186, verbis “a indenizá-las pelo meio termo do seu valor”), há facultas alternativa. No art. 726 há facultas alternativa do usufrutuário. Na remição de bens, há facultas alternativa (Código de Processo Civil, art. 986) bem assim na prestação de alimentos mediante aplicação de capital, pois a prestação devida é a prestação conforme o art. 919 do Código de Processo Civil (ao revés, tratando-se de obrigação por ato ilícito, arts. 911 e 912).

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Na facultas alternativa, o devedor pode prestar em lugar da prestação o que a substitui; nas obrigações alternativas, nenhuma prestação é em lugar da outra: qualquer delas pode ser prestada, conforme a escolha pelo devedor, ou pelo credor. ERNST ZITELMANN (Jrrtum und Rechtsgeschãft, 508 a.) frisou que, nas obrigações alternativas, há o propósito alternativo; na facultas alternativa, o propósito nós diríamos alternatividade mesma é eventual. Aqui, há propósito principal, a que sobrevém, eventualmente, outro (eventuelle Absicht). Em todo caso, há facultas alternativa em que não se pode falar, sequer, de propósito. Há a facultas alternativa do devedor, assaz usada na literatura do direito comum, e a facultas alternativa do credor, assunto que a F. REGELSUERGER (Alternativobligation und alternative Ermáchtigung des Glãubigers, Jahrbiicher Ijir die Dogmatik, 16, 166 s.) muito deve. Seguiu-se-lhe G. PESCATORE (Die sog. alternative Obligation, 264 a.), seu opositor, que a reduzia a espécie de obrigação alternativa do credor. De pasdagem, observemos que são de repelir-se as explicações que apontam a) uma obrigação sob condição resolutiva e outra sob condição suspensiva, ou b) coerção jurídica à datio in solutum, ou o), como a de E. RECELSEERCER, duas obrigações que estariam à base da facultas alternativa (ainda com o esclarecimento de W. GOrTHELI’, t7ber Kauf mii Vorbehalt des Umtausch.es, 23 s.), ou d) concorrência eletiva (Elektivkonkurrenz), em que há pluralidade de pretensões <e. g., G. PEsCATORE, Die sog. alternative Obligation, 70 e 279), ou e) prestação só tn solutione (cf. H. SIBER, Der Rechtszwang im SchuldverMltniss, 64, nota 2). A facultas alternativa é permissão de prestação subsidiária. Na obrigação alternativa, o conteúdo é indeterminado (ou a ou b) ; na facultas alternativa, já se determinou e o que pode ocorrer é substitutivamente. Escolhe-se, na facultas alternativa, alterando-se, donde ter-se pensado em coerção jurídica à outra prestação; na obrigação alternativa, determinando-se. Em verdade, não se escolhe entre a e b; substitui-se b a a. Não se põem, na facultas alternativa, em pé de igualdade a prestação devida e a eventual: outra é permitida, facultada, eventual-mente. Não são poucos os escritores que confundem as obrigações alternativas com a facultas alternativa: e. g., F. von SAVIGNY (Das Obligationenrecht, 1, 396) falou de obrigações alternativas a propósito de laesio enormis; 5. ZIMMERN (Das System des ràmischen Noxalklage~, 156 s.) viu nas ações noxais obrigação alternativa do dominus à prestação da litis asstimatio ou da nosrae deditio; L. ARNDTS (Lehrbuch. der Pandekten, 83 ed., 349) pretendia que muicta poenitentialis fôsse obrigação alternativa. As ações noxais foram tidas como exemplo típico de facultas alternativa. O assunto é complexo. Nos primeiros tempos, o ato ilícito praticado pelo filho ou pelo escravo apenas retirava ao pai ou ao dono o poder de impedir que o ofendido exercesse contra o ofensor a vingança. Se se negava a entregar o ofensor (nozae deditio), tornava-se pessoalmente responsável. A concepção posterior, que fêz o pai ou o dono iesponsável, é dos princípios da República. O direito clássico criou fórmula em que a facultas alternativa ressalta: ou se pagava a indenização ou se entregava o ofensor. Seria a facultas noxae dedendae. O’r’ro KARLOWA (Der rãmische Zivilprozess zu Zeit des Legisaktionen, 120 s.) a punha, ao tempo das legi.s actiones, na intentio, mas sem que a noxae deditio fôsse in obligatione; Oro LENEL (Das Edictum perpetuum, SY ed., 159 sj, na. condemnatio e na intendo (cf. P. F. GIRARD, Les Actions nora-les, 40 s.), que nega a alturnatividade). É curioso notar-se que também se procurou ver ~ noxae deditio como in obligatione e a prestação indenizató ia in solutione (e. o., KARL SaL,Aus dem Noxalrechte der Rõmer, 79 s.; O. PESCATORE, Die sog. alternative Obligation, 265). É preciso, porém, acompanhar-se a evolução do direito, desde o comêço das ações noxais, pois foi mudando a concepção mesma. Na facultas alternativa, até ser prestado o que se deve, não há vinculação à manifestação de vontade de escolha. Se o credor “escolheu” a primária prestação, em vez da secundária, não fica ligado ao que manifestou, salvo se fêz pacto que alterou o conteúdo do negócio jurídico (P. LANGIIEINEKEN, Anspruch und Einrede, 212; 1. HELLWTG, Anspruch und Klagrecht, 102; HERRMANN WEITZ, fie Facultas alternativa, 61). Mas fica ligado ao que manifestou se disse querer prestar subsidiáriamente. 2. PRESTAÇÕES A SEREM FEITAS. A facultas alternativa distingue-se da obrigação alternativa em que, naquela, há uma prestação, que pode ser substituida, e, nessa, duas prestações uma só das quais se deve. Aqui, as duas prestações estão em plano igual, até que se dê a escólha; ali, não: a prestação uma só; a outra só a substitui. De regra, os princípios relativos à obrigação alternativa não apanham os casos de facultas alternativa: a) o devedor, para se liberar com a prestação do objeto substitutivo, tem de entregá-lo, não precisa declarar que quer prestar com o objeto substitutivo, nem essa declaração (regra dispositiva!) tem qualquer eficácia; b) se a impossibilidade originária se refere à prestação devida, e não ao objeto substitutivo, é nulo o negócio jurídico (Código Civil, art. 145, II), não se poderia invocar o art. 885; c) se a impossibilidade é superveniente, sem culpa e só referente à prestação devida, extingue-se a obrigação (arts. 865 e 866, 876, 879 e 882), mas, só referente ao objeto substitutivo, não atinge a existência da obrigação, pois não está ele in obligatione (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 444) ; d) se o devedor alega a facultas alternativa, tem de prová-la, portjue se trata de restrição à pretensão, e não negação dela; e) o que presta o que devia, ignorando a facultas alternativa, não pode usar da condictio indebiti (arts. 964-971), porque a

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faculdade não torna outra a obrigação e conceptualmente a obrigação com facultas alternativa é idêntica ã que não na tem (1’. LANGHEINEKEN, Anspruch und Einrede, 213; O. PESCATORE, Die Wahlschuldverhtiltnisse, 274; 145 sem razão: TE. Kín’, em B. WINDSCHEID, Lehrbuch, ~ 9Y ed., 36; H. TITZE, Pie Unmãglichkeit der Leistung, 196; R. vON MAYR, Der Bereicherungsanspruch, 478; H. SInta, em O. PLANa, Kommentar, 1, 4A ed., 124, contra as edições anteriores) ; e, em virtude disso, quem ignorava a faculdade de compensação, que é facultas alternativa legal, não pode repetir. Na obrigação alternativa, o conteúdo da obrigação ainda não está determinado; a facultas alternativa de modo nenhum importa em indeterminação, o objeto substitutivo é subsidiário, razão por que, quanto a uma ou outra das prestações, ou tôdas as prestações, nas obrigações alternativas, pode haver facultas alternativa. Na obrigação com faculdade alternativa, o que está na obrigação e é conteúdo dela é a prestação devida: a outra não é conteúdo da obrigação; é facultas solutionis. Alguns exemplos de facultas alternativa do credor. a)Quem tem direito a reembôlso de despesas, por ter contraído obrigação para isso, pode exigir que seja exonerado de tal obrigação, ou que se dê segurança de cumpri-la. Aí, há facultas alternativa. É espécie sobre a qual o direito brasileiro não tem regra jurídica escrita, mas a regra jurídica está inclusa no sistema jurídico (cp. Código Civil alemão, § 257; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 64; P. LANGREINEKEN, Anspruch und Em rede, 206). b) Quando o sócio sai da sociedade, a parte dele no ativo se junta à dos outros. Têm eles de liberá-lo das dívidas comuns e de prestar-lhe o que o sócio que se retira obteria na liquidação da sociedade. Se as dívidas comuns ainda não estão vencidas, podem os outros prestar-lhe garantia, em vez de liberá-lo. Também aí há facultas alternativa (cf. Código Civil alemão, § 738). c) O fiador, se contra o afiançado tem direitos de mandatário, segundo as regras jurídicas da gestão de negócios alheios, e há razão para pedir que seja liberado, ou que o afiançado lhe dê garantia, tem tal pretensão e dá-se caso de facultas alternativa contra o afiançado, (P. LANGHEINEKEN, Ansvruch und Einrede, 206; HERRMANN WEITZ, Pie facultas alternativa 7; sem razão, W. MtYLLER, Wahlschuld uni) alternative Ermdchtigung des Schulders, 36). d) O fiduciário de títulos de crédito, de títulos incorporantes, ou de ações de sociedade, que podem ser ao portador ou nominativas, pode, em vez de depositar os títulos ao portador, pedir a conversão em títulos nominativos, gravados pelo fideicomisso. Tem igual facultas alternativa quem quer que haja de entregar títulos a alguém, exercendo, no intervalo, direitos sobre eles. e)Se a legítima não mais se pode completar, por se terem cumprido legados ou outras deixas, pode o herdeiro necessário exigir a restituição do que desfalcou a legitima, mas o obrigado à restituição tem a facultas alternativa de prestar o equivalente do bem que teria de restituir (P. LANGHEINEKEN, Anspruúh ‘md Finrede, 206). 1’) Quando o obrigado tem de restituir e não pode, útil-mente, alegar impossibilidade da prestação, que enseje resolução do contrato, ou liberação, tem a facultas alternativa de pagar a indenização. g)Se da ofensa resulta defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu oficio ou profissão, ou lhe diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, inclui pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu (Código Civil, art. 1.539). O devedor, e não o credor (aliter, Código Civil alemão, § 843: P.LANGHEINEKEN, Anspruch und Einrede, 204), pode, no direito brasileiro, prestar, desde logo, o que dê suficientemente para essa pensão. h)Há facultas alternativa do devedor se há pluralidade de credores e obrigação indivisível: pode o devedor solver a todos, conjuntamente; ou a um deles, exigindo caução (Código Civil, art. 892). 3.CRÉDITO COM “FACULTAS ALTERNATIVA”. Também o crédito pode ser com facultas alternativa, se, em lugar da prestação devida, pode o credor exigir outra, que a substitua. Se o contrário não se dispôs, a impossibilidade originária da prestação devida faz nulo o negócio jurídico (art. 145, II). Se sobrevém a impossibilidade de tal prestação, o art. 885 não incide; o credor não pode exigir o objeto substitutivo. Desde F.REGELSBERGER <Alternativobligation und alternative Ermáchtigung des Glãubigers, Jakrbidcher fUr die Dogmatik, 16, 159 s.), se assentou a existência de facultas alternativa do credor; negou-a, radicalmente, O. PESCATORE (Die Wahlschuldverhtiltnisse, 258 s.). A análise dos casos, apontáveis ou imaginados, mostra que a cláusula de facultas alternativa a favor do credor implica, de regra, alternatividade da obrigação. Cf. Tomos VIII, § 827, 6, 7; XIII, § 1.513, 7, 9; e XIV, § 1.580, 3. Lê-se no Código Civil, art. 918: “Quando se estipular a a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a beneficio do credor” (cf. Código Comercial, art. 128: “Havendo no contrato pena convencional, se um dos contraentes se arrepender, a parte prejudicada só poderá exigir a pena” [art. 128]). ~Trata-se de facultas alter-nativa? Afirmativamente responderam muitos:

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KAItL JACUBEZKI (Bemerkungen zu dem Entwurfe eines RGB., 107, a propósito do futuro § 340 do Código Civil alemão), F. SCHOLLMEYER (Recht der Schuldverhdltnisse, 244), E. GERNSHEIM (Die Ersetzungsbefugnú, 269), P. LANCHEINEKEN, Anspruch und Ein,rede, 204), G. PLANCK, Kommentar, II, 1, nota ao § 340, até a 3a ed.) e outros. Negativamente, P. OERTMANN (Recht der Schuldverht.iltnisse, 227), L. KUHLENBECI< (J. v. Staudingers Kommentar, II, 321), O. PLANCI< (Kommentar, ~ 4.~ ed., 444 s.), E. SZKOLNY e H. CARO (Burgerliches Gesetzbuch, 889). Há duas pretensões diferentes. A pretensão à multa é diferente da pretensão à execução e independente dessa. Donde duas prescrições diferentes. A prestação primária tem o seu prazo; a pretensão à pena tem outro, que é o da prescrição ordinária (O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 445; L. KUHLENBECK, J. v. Staudingers Kornmentar, 821; O. WARNEYER, Ko’mmentar, 1, 612). Alguns exemplos de facultas altgrnativa do credor: a)Quem é obrigado a reparar, em conseqdêflcia de ato ilícito, ato-fato ilícito, ou fato atricto seneu ilícito, ou restabelece o estado de coisas anterior, ou indeniza. Ai está facultas alternativa do credor. A alusão de F. ENDEMANN (Eiitfuhiitng in cl. Studium des RUA., § 128, nota 27) a obrigação alternativa foi êrro grave (cf. O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 80). Note-se que, aí, a impossibilidade da reparação não libera odevedor (G. DESCHAMPS, Die obligatorischen Wahlverhdltnisse, ‘78). b)Em caso de usufruto sobre créditos (Tomo XIX, §§ 2.294, 2, e 2.299, 2), o credor e o usufrutuário podem exigir o pagamento ou a consignação a favor de ambos. Qualquer deles o pode. Tem-se ai facultas alternativa do credor (P. LANaHETNEKEN, Anepruch und Einrede, 204, a propósito do § 1.077 do Código Civil alemão; HERRMANN WEITZ, Die Facultas alter. nativa, 19 s.). c) Quando o devedor, no penhor pecuário, pretende vender o gado empenhado, ou por negligente ameaça prejudicar o credor, pode êsse requerer que se depositem os animais sob a guarda de terceiro, ou que se lhe pague imediatamente a dívida (Código Civil, art. 786; Lei n. 492, de 30 de agosto de 1937, arts. 12, § 1.0, e 35; cf. Código Penal, art. 171, § 2.0, III). d)Deteriorada a coisa, não sendo culpado o devedor; pode o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido ao preço o valor que perdeu (Código Civil, art. 866). Há, aí, facultas alternativa do credor. e)Também há facultas alternativa do credor se o devedor é culpado da deterioração: o credor pode exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com indenização, num e noutro caso, das perdas e danos (Código Civil, art. 867). Idem, na espécie do art. 871, in .tine. f)Se, na obrigação de fazer, o ato pode ser executado por terceiro, tem o credor a facultas alternativa: ou manila cumprir a obrigação, à custa do devedor, ou pede a indenizacão por perdas e danos (Código Civil, art. 881). g) Se o empreiteiro se afasta das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas, tem o dono da obra facultas alternativa: ou enjeita a obra ou recebe-a com abatimento no preço (Código Civil, arts. 1.242, 2.~ parte, e 1.243). No mesmo sentido, a propósito de § 635 do Código Civil alemão, P. LANGHEINEKEN <Ansp>’vch nnd Binrede, 205) e G. DECHAMPS (Vir obligatorischen Wahli.erhàltnisse, 77). h)No caso de vícios redibitórios, pode o credor rejeitar a coisa, ou exigir abatimento no preço (Código Civil, art. 1.105>. Há, aí, facultas alternativa do credor. i)Facultas alternativa é o que tem o credor na espécie do art. 956 e parágrafo único do Código Civil: se a prestação se torna, por causa da mora, inútil ao credor, ou ele exige indenização do prejuízo, recebendo a prestação (art. 956), ou a enjeita, com a satisfação das perdas e danos (art. 956, parágrafo único). j)O dominus negotii tem facultas alternativa: ou ratifica ou não ratifica o que o gestor de negócios fêz (Código Civil, arts. 1.343 e 1.344, cf. RONRAD HELLWIG, Ánspruch und Klagreeht, 104 s.). No direito de família, é facultas alternativa a do cônjuge que, na ação de nulidade ou de anulação do casamento, pede a declaração de putatividade (Código Civil, art. 221). Os exemplos que demos bastam para não se poder negar a existência das faculdades alternativas atribuidas ao credor. Casos há, é certo, que se apontavam como de facultas alternativa, e não no eram; e casos em que se dizia haver obrigações alternativas e em verdade o que havia era facultas alternativa. A exposição, em termos precisos e como balanço ao que se meditou e concluiu desde o trabalho de F. REGELSEERGER, em 1878, torna patente a diferença entre a obrigação alternativa e a facultas alternativa, com relevante proveito para o trato de alguns problemas do direito das obrigações (e. g., na interpretação do Código Civil, arts. 221, 786, 866, 867, 881, 956, 1.242, 2.a parte, 1.105, 1.343 e 1.844). 4. OFERECIMENTO DA PRESTAÇÃO. O oferecimento da prestação devida é ato jurídico formativo, portanto irrevogável; não no é o oferecimento da prestação subsidiária (= do objeto substitutivo), pode ser revogado enquanto o credor não no aceita. O credor, que exigiu o objeto substitutivo; pode, se o devedor lho recusa, exigir a

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prestação devida. Em todo o caso, a revogação da oferta ou a retirada da exigência pode dar ensejo a pretensão de ressarcimento (e. g., se outro figurante fêz gastos para receber ou para entregar). 5.NEGÓCIO JURÍDICO SOBRE A “FACULTAS ALTERNATIVA” DO CREDOR. A facultas alternativa do credor, como a facultas’eZter,ttiLtiVa do devedor, pode provir de cláusula inserta no negocio jurídico, de que se irradiou o crédito, ou de pacto posterior. Pacto posterior pode extinguir a facultas alternativa do credor, como poderia extinguir a facultas alternativa do devedor. CAPITULO VII OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E OBRIGAÇÕES INDIVISÍVEIS 1.PRECISõES CONCEPTUAIS. A doutrina das obrigaçõeS divisíVeiS e indivisiveis foi sacrificada, através de séculos, pela referência ao objeto que a vontade dos figurantes OU do figurante fêz objeto da prestação. Agravou-Se a sítuação com o Código Civil francês, arte. 1.217, 1.218 e 1.221, que desatendeu à diferença entre o objeto tal qual (= no mundo táctico, onde ele, por sua natureza, é divisível ou indivisivel) e o objeto da prestaçãO, que já se apresenta como o objeto tal como o quís o figurante, no negócio jurídico unilateral, ou tal tomo o quiseram os figurantes, no negócio jurídico bilateral. Os textos franceses foram copiados e imitados, e ainda agora persistem por ai fora, inclusive no Código Civil italiano (e. g., ad. 1.316). A formação filosófica, defeituOsa, dos juristas levou-OS a teorias que perturbaram o estudo das obrigações indivisiveis. Somente se pode chegar a conclusões precisas e claras, partindo-se dos conceitos tantas vêzes encarecidos nesta obra mundo fádico, onde há os objetos fdcticos; mundo jur’Edicey, onde os fatos jurídicos, fatos que enttarani no mundo jurídico, irradiam relações jurídicas, em que há sujeitos ativos e sujeitos passivoS e objeto que entrou no mundo jurídico (objeto juridico). A equivocidade de termos, desde os glosadores, foi aflitiva. Nenhuma coisa entra no mundo jurídico como objeto de obrigação: o que é objeto da obrigação é a prestação . Quem diz prestação obrigacional diz ato ou não-ato (abstenção). Do devedor. Quando se fala de objeto da prestação em verdade se alude ao que se há de prestar. No direito das obrigações, o objeto do direito, da pretensão ou da ação não é coisa, res; é ato ou omissão do devedor: êsse, como pessoa, tem de fazer (inclusive dar), ou não fazer. O ato, positivo ou negativo, tira á sua atividade ato, para outrem, ou abstenção, ou ao seu patrimônio , mas, também aqui, por ato seu, positivo ou negativo. Oobjeto sobre que versa o ato, positivo ou negativo, não é objeto da obrigação: nem é o objeto da prestação; oconteúdo do crédito é que determina q ue se há de fazer adação da coisa tal, pois a coisa, em si, não é devida, devido é odar. O que se deve é a prestação da coisa ou quantidade. Quando se fala de objeto da obrigação de dar não é objeto dela o que se dá, mas o fazer: objeto da prestação é o dar ou o fazer o que se prometeu; objeto da obrigação é a prestação de dar ou de fazer, ou de não fazer. Reduzir-se a indivisibilidade ou a divisibilidade das obrigações à indivisibilidade ou divisibilidade da prestação, foi a trilha que tomou quase tôda a doutrina. Às vêzes fala-se do objeto, e não da prestação. Mas, a cada passo surge a advertência de não corresponderem, em todos os casos, indivisibilidade do objeto e indivisibilidade da obrigação. Só se atender à manifestação de vontade daria certo na maioria das espécies e dos casos, porém falharia onde fôsse impossível dividir materialmente ou intelectualmente o objeto <bem que não seria dividido sem ofensa à lei, bem.sobre que não pode haver comunhão). 2.DIVISIBILIDADE E INDIVISIBILIDADE. A divisibilidade ou indivisibilidade da obrigação em geral consiste na possibilidade ou impossibilidade de se fracionar o objeto da prestação, isto é, a prestação mesma (pois o dividi-lo importaria em dividir-se a prestação). De início, é de observar-se que a divisão do objeto da prestação não implica que se divida a relação jurídica pessoal, ou a obrigação; de modo que a obrigação divisível não se divide em duas ou mais obrigações. A divisão, de que aqui se cogita, é divisão interna da prestação, a prestação é que se divide. Obrigação divisível é obrigação que se pode cumprir em partes,obrigação que não se divide a si mesma mas permite que o seu adimplemento se divida. Se a prestação é fácticamente divisível, mas juridicamente não o é (= incide o Código Civil, art. 889), o adimplemento não pode ser por partes da prestação.

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3.OBJETO DIVISÍVEL E OBJETO INDIVISÍVEL. Se o objeto tal qual (objeto fáctico) é indivisível, nem por isso há de ser indivisível a prestação (e. g., A vende a máquina de fiação, prestável cada peça conforme prefira o devedor). Se o objeto tal qual (objeto fácticof é divisível, a vontade do figurante ou dos figurantes pode estabelecer a indivisibilidade da prestação, o que se tem por assente, no sistema jurídico brasileiro, se nada se dispôs. Se a prestação é de dar tôda a coisa certa, indivisível, a vontade dos figurantes ou do figurante encontra determinação fáctica, a que tem de obedecer, salvo se vai até ã deterioração da “coisa”, salomônicamente. Outra precisão conceptual que se impõe é concernente a objeto da prestação e efeito do facere, do dare ou do non facere. Não há obrigação de transferir propriedade, há obrigação de dar, ou de fazer, de cujo adimplemento, com o acordo de transmissão, resulta a transferência (a transferência é efeito da tradição ou do registro). A afirmação de serem (sempre) indivisíveis as obrigayes de fazer (J. Runo, Versuch einer Erkutrung der Fragmente Ler, 2, 3, 4, 85, Dig. de verborum obtigationibws, 45, 1, 37; J.MoLÃrroi~, Cours de Droit romain, 1, 310 s.) é falsa. Grande parte das obrigações indivisíveis são-no porque foram feitas, pelos interessados, indivisíveis as prestações. Grande parte das obrigações divisíveis são-no porque foram feitas, pelos interessados, divisíveis as prestações. O tempo é contínuo e pode tornar indivisível a prestação duradoura, mas isso não impede que seja divisível a obrigação de trabalho por dia (cf. J. GAUDEMET, Êtude sur le régirne juridique de l’Indivision en droit romain, 204), ou que o próprio dia se possa dividir em horas, abatendo-se na contraprestação as faltas de horas, como divisão excepcional, por se não tratar de horarium aI ficium, mas de redução talvez dependente de justificativa. A construção de edificio, na empreitada, ou no contrato de trabalho global, já exige por si a indivisibilidade. Quis-se o odo. Poder-se-ia ter querido o todo ou o edifício por partes (frações), ainda sem haver pluralidade de empreiteiro ou prestadores de serviços. 4.DIREITOS QUE SE HÃO DE PRESTAR. No falarem de prestação indivisível ou divisível, frequentemente os juristas dizem, por exemplo, que a propriedade é divisível e, portanto, pode transferir-se por frações distintas como prestações de muitos devedores. Acrescentam que isso não ocorre com a posse. Primeiramente, advirta-se em que se está a falar da propriedade, e não de obrigação divisível ou indivisível. A prestação do devedor de fração distinta da propriedade é indivisível, e indivisível a obrigação que se irradia do dever de prestar. O momento em que os juristas falam de ser divisível - a propriedade énecessàriamente anterior àquele em que o proprietário pra indiviso aliena ou apenas vende a sua quota na propriedade. Partiu-se a propriedade (é êrro dizer-se que se dividiu a propriedade: propriedade só se divide quando se divide a coisa que é objeto do direito de propriedade) e, após partir-se, o dono da pars indivisa prometeu prestá-la a outrem. É indispensável, em ciência, precisão de conceitos. Quanto à pósse, passa-se o mesmo. Quando, em vez de posse, há composse, ainda que só haja um possuxdor e as outras quotas na posse estejam sem titular, partiu-se a posse. A prestação que consista em se dar a parte indivisa na posse é indivisível, e indivisível, portanto, a obrigação de prestá-la. 5.DOUTRINA ROMANA. Nas fontes romanas, e. g., na L. 2, pr. e § 1, D., de verborunt obligationibus, 45, 1, alude-se à natureza da prestação (quaedam [stipulationes] partium praestationem recipiunt .. . quaedam non recipiunt, ut iii his quae natura divisionem non admittunt). De modo que se dizia, e se diz, que a obrigação é divisível quando é tal a prestação que se possa exigir em parte sem se atingir a natureza da prestação. Não se levou em conta o objeto prestando, abstraindo-se, portanto, da divisibilidade ou indivisibilidade objetiva do bem, o objeto fáxtico. O prédio indivisível pode ser objeto de condomínio e a obrigação do condômino, vendedor, é obrigação de prestar a quota, obrigação indivisível, porque a prestação o é. Note-se, portanto, que o objeto em si pode ser indivisível e haver prestações de quotas, se há comunhão pro indiviso; mas o objeto em si não é o objeto da prestação, objeto da prestação é a quota. O - objeto em si ou como tal é o elemento táctico, que pode cçincidir com o objeto da relação jurídica, ou não. O prédio, divisível ou indivisível, é objeto da relação jurídica real (ai, de domínio) e a quota do domínio objeto da prestação da obrigação pessoal. A doutrina corrente, romanistica, pode assentar que a obrigação é indivisível quando é indivisível a prestação que é o seu objeto. Nesse sentido, pode-se dizer que se sabe se a obrigação se há de considerar indivisível, ou divisível, quando se atende a ser indivisível, ou não, a prestação devida, e não o objeto como tal. Se o jurista enuncia isso e omite o “como tal”, a ambigúidade leva a erros; porque se pode pensar em objeto da prestação, ou em objeto de alguma relação jurídica a que se liga o objeto da prestação. Quem diz que a obrigação é indivisível quando o objeto da prestação é indivisível diz o mesmo que aqueloutro para quem a obrigação é indivisível se o é a prestação devida. A referência à “coisa” já desencaminha o raciocínio. O grande êrro proveio dai. Obrigação indivisível é aquela que, devido à natureza do objeto da prestação, ou à falta de contrária disposição dos figurantes, ou do figurante, ou da lei, não é susc6ivel de ser adimplida por parte. Daí o art. 889 do Código Civil, que pré-

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-exclui a execução por parte, ou partes, se nada se dispôs em contrário. 6.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA DO CÓDIGO CIVIL, ART. 889. Lê-se no art. 889 do Código Civil: “Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou”. Daí se tira: que a prestação (ou o objeto da prestação) pode ser divisível e ser indivisível a obrigação, porque foi isso o qie, em regra jurídica dispositiva, estabeleceu o Código Civil, ní art. 889. Apenas se há de prever a regra jurídica especial (lez specialis) que faça indivisível, cogentemente, determinada prestação. A indivisibilidade da obrigação por ser indivisível a prestação (ou o objeto da prestação) não exaure os casos de indivisibilidade, porque há, no direito brasileiro, a regra jurídica de serem indivisiveis as obrigações, salvo disposição em contrário. Oart. 889 leva à tautologia, não a contém: indivisível é o que não se pode prestar por partes; não se pode prestar por partes o que é objeto de obrigação indivisível. Dividaum proprie dicitur quod potest pro parte, individuum (Iuod nou potest pro parte praestari. O Código Civil absteve-se de definir obrigações indivisiveis e obrigações divisíveis. Pôs a regra jurídica do art. 889, que é jus dispositivum e pode ser lido como se dissesse: as obrigações são, em principio, indivisíveis. Pré-exclui-se a indivisibilidade se se dispõe em cláusula exceptiva do princípio. A indivisibilidade perde-se se ocorre alguma das espécies do art. 895. No sistema jurídico brasileiro, que fêz depender da vontade manifestada a divisibilidade da obrigação, não se pode dizer que a obrigação de dar quantitas de coisa fungível <cem tonéis de vinho, trinta automóveis Ford 1960) seja divisível, par sua natureza (aí confundido com o seu objeto). ~ o que resulta do Código Civil, art. 889. Se o figurante ou os figurantes criaram no negócio pluralidade de devedor, ou de credor, em obrigação que teria possibilidade de ser fâcilmente divisível, por ser divisível o objeto, então se tem por manifestada vontade de divisibilidade da obrigação, e incide o ad. 890. Daí resulta: que o devedor pode e deve prestar partes reais aos credores, porque foi vontade sua, ao obrigar-se, prestar partes reais e não partes ideais da quantitas. Todavia, a obligutio specierurn <os cavalos a, b e c) não é tratável como a abtigatio genérum, ainda quando se pense em gênero restrito. Aqui, a divisão seria divisio quotis (ci GINO SEGRÊ, Corso di Diritto romano, 1, 49 4. A lei pode estabelecer, como ler specialis, a divisibilidade de alguma prestação, como se diz que a prestação de algum gênero em quantidade q há de ser feita em trés pl’estaçôe3 de q,’3, ou a indivisibilidade, se diz que a prestação do gênero em quantidade q não pode, a despeito da vontade dos figurantes, ou do figurante, ser feita em prestações periódicas. A indivisibilidade da obrigação não depende só da indivisibilidade do objeto da prestação; porque a indivisibilidade é o principio. Do que acima se disse tira-se que, se não há pluralidade de credores, ou de devedores, o problema da indivisibilidade ou divisibilidade se simplifica extraordinàriamente; porque o sistema jurídico, em vez de pôr por princípio fundamental, que a indivisibilidade do objeto ou a sua divisibilidade é que faz ser indivisível ou divisível a prestação e, pois, a obrigação, adotou solução radical, embora só dispositivamente: as obrigações sção indivisíveis, a despeito da divisibilidade do objeto. 7.DEFINIÇÃO DE OBRIGAÇÃO INDIVISÍVEL E DE dERIGAÇÁCI DIVISÍVEL. Quando se define, empregam-se os elementos fáctica para enuncuido de fato (statement of faet> se há autonomia da vontade e o definido depende da vontade manifestada, só se pode definir com o querido, porque foi o querido que estabeleceu a dicotomia. a) Se a regra juridica houvesse de ser no sentido de serem tidas por indivisíveis algumas prestaç5es, e outras, um, poder-se-ia definir a indivisibilidade pela menção dos sinais distintivos da classe de prestações. b) Se a regra jurídica fôsse assim concebida e se deixasse à vontade dos figurantes, ou do figurante, pré-excluir a indivisibilidade (= dispor contra a natureza das prestaç5es), a definição de indivisibilidade far-se-ia com a referência àqueles sinais e a ressalva da vontade expressa em contrário (= salvo se o figurante ou os figurantes querem divisível a prestação). e> Se a regra jurídica se edictou como regra jurídica sobre divisibilidade e ficou aos figurantes ou ao figurante pré-exclui-la, a definíçâo de divisibilidade seria com a ressalva da manifestação de vontade em contrário, d) Se a regra jurídica considera indívisiveis tôdas as prestações, salvo se o figurante ou os figurantes dispuseram em contrário, a definição de indivisibilidade tem-se de cíngir à alusão ao principio dispositivo da indivisibilidade de tôdas as prestações. Nas expressôes “obrigações indivisíveis” e 4’obrigaçoes divisíveis” há elipses: obrigações indivis5veis são as que se não podem adimplir por partes; obrigações divisíveis, as que podem ser adimplidas por partes. Portanto: “obrigação indivisível” = “obrigação (em que o adimplemento é) indivisível”; ~‘obrigação divIsível” “obrigação (em que o adimplemento é) divisível”. Nessa, o credor, recebendo parte, parcialmente se satisfaz; naquela, não: o

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adimplemento parcial não seria adimplemento, ou teria havido acordo posterior, que atingiria a relação jurídica. O que dá a natureza de indivisibilidade do objeto da prestação é a vontade dos figurantes ou do figurante, portanto como o objeto da prestação só é divisível se a vontade dos figurantes ou do figurante o fêz o conteúdo da vontade <ou da lei, se há regra jurídica cogente). Aqueles que dizem ter-se de considerar divisível a obrigação se o objeto que se tem de prestar é divisível, ou erram. ou falam linguagem ambígua. tObjeto tal qual, ou objeto da prestação? A dicotomia dos bens em divisíveis e indivisíveis não está à base da distinção entre obrigações divisíveis e obrigações indivisíveis; nem, sequer, se pode dizer que se presume ter-se querido a divisibilidade da prestação divisível, porque se pôs por princípio que, ainda se a prestação <aí, o objeto) é divisível, a obrigação se tem por indivisível, salvo disposição em contrário. A afirmativa de alguns juristas (e. g., C. GANO!, Le Obbligazioni, Concetto, obbligazioni naturali, solidali, divisibili e indivísibili, 280) quanto a ser, sempre, indivisível a obrigação de transmitir posse, é de. repelir-se. A posse pode prestar-se por partes (“entregar-me-à a posse do prédio todo, ou da parte que puder ser entregue, no momento, ou em comum, meia a meia”). Partes divisas, ou partes indivisas. A prestação da composse não divide a posse, somente a parte. A prestação da posse de parte divisa divide a posse. Na L. 72, pr., D., de verborum obligationibus, 45, 1, ULPIANO disse que se não dividem as estipulações das coisas que n~o admitem divisão, como as das servidões de caminho, passagem, condução, aqueduto e as demais, e que ele o mesmo opinava (idem puto) se alguém estipulou que se haja de fazer algo, por exemplo entregar fundo (fundum tradi), cavar fôsso, fabricar, ou que se faça obra, ou algo semelhante a isso; porque a divisão dessas coisas vicia a estipulação. Depois de referir CELSO, que pensou em se prestar o que foi feito se não se fêz tudo, e teve de convir em que “justa aestimatione facti dandam esse petitionern” (satisfaz-se a petição pela justa estimação do fato). Quis-se ver na estipulação ‘tfundum tradi” a promessa de transferir a detentio, e não a possessio, por ser indivisível a tença (cf. A. UBBELOHDE, Die Lehre von den unteilbaren Obligationen, 43>. Mas a lenda, a despeito de ter chegado até nossos dias, fôra destruída por C. MOLINAUS (Extricatio labyrinthi dividui et individui, Opera, IV, II, n. 803, c. 407: “. detentio. potest tradi non solum pro parte divisa sed etiam pro parte indivisa”). A propósito da L. 72, pr., D., de verborum obligationibus, 45, 1, discute-se o que se há de entender por fundum tradere: ou o ato de tradição (KARL MIESCHER, Die Besitzínterdikte unter Mitbesitzern, Archiv Ijir die civiiistische Praxis, 59, 152; O.RtYMELIN, Die Teilung der Rechte, 191; A. v. SCHEURL, Teilbarkeit ais Eigerischaf É von Rechten, 74) ou o ato-fato da posse, como relação fáctica, indivisível, com a coisa (A. liaBELOHDE, fie Lehre von den unteilbaren Obligationen, 37 s.) ; ou o que se há de restituir, como ocorre com o bem usufruído, usado, habitado, ou comodado (G. J. RIBBENTROPP, Zur Lehre von dei?. Korrealobligationen, 129). Mas o que acima dissemos exaure as espécies. A doutrina sobre a divisibilidade e indivisibilidade das obrigações continua a doutrina romana, apenas precisada e com esclarecimentos técnicos. Não é ligada à natureza do sistema romano das ações e das formas negociais, como ainda queria J. Rufo <Versuch einer ErkUirung der Fragmente L. 2, 3, 4, 85, O., de verborum obligationibus, 45, 1, 166 s.; cp. WALTER MEYER, fie versohiedene Rehandlung der teilbaren vnd vnteilbaren Obtigationen, 55). Ainda falam da indivisibilidade da tradição CÂRLO LONGO (Corso di Diritto romano, Obbligazioni, 397), E. ALBERTARIO (Corso di Diritio romano, Le Obbligazioni, 271). Da divisibilidade, a priori, na esteira de MOLINAUS, F. LAURENT <Prtnctpes de Droit civil français, 17, 410 s.) e A. ROrnÊRE (De la Sotidarité d de l’Indivisibilité, 849 s.). O objeto da prestação é a coisa; o ato da tradição, trate-se de posse ou de tença, é prestação. t preciso saber-se o que é que se tem de prestar. A coisa pode ser indivisívet ou divisível; e a vontade pode ter apagado, ou não, a indivisibilidade. Por outro lado, é preciso que se não confunda a pretensão a que se preste o direito de propriedade, que é, por exenipio, a do comprador, com a pretensâo a que se restitua a coisa,que já é propriedade do titular da pretensão. Essa confusão foi vulgar entre escritores franceses (e. g., BOURGNON DE LAVRE, TraiU sur les Obligations divisibies et indivisibies, 182 s.; DANTÉLOPOULO, Des Obligations divisibies et indivisibles en droit romain et en droit français, 819). Se a obrigação é de dar ou entregar, inclusive se dura-doura, e é fungível a coisa, a regra é a divisibilidade. Outrossim, se se há de prestar obra fungível, ou se a obrigação é como de entregar (plantar dois mil pés de café, fazer quatro pares de sapatos), ou se o ato negativo é praticável por partes. A obrigação de transferir a propriedade só é divisível se o bem alienado o é. 4 distinção entre alienação de todo o bem ou de tôdas as partes é aqui sem relevância (e. q., pode dar-se que o interesse do adquirente seja de só adquirir o prédio todo, embora pertença a dois ou mais condôminos). § 2.709. Causas da indivisibilidade

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1. PRELIMINARES. A indivisibilidade decorre da incidênciado art. 889 do Código Civil, ou manifestação de vontade dos figurantes ou do figurante, ou da lei. A natureza do objeto somente intervém como elemento fáctico determinante da vontade; mas êsse elemento pode existir sem que a determine. Quem compra genêricamente o animal morto, com tantos quilos, compra tôdas as partes de um animal, desde que pesem os quilos que se fixaram. Quem compra animal vivo dif’icilmente poderia querer comprar por partes. Não é, contudo, impossível a espécie. Para se compor, depende de manifestação de vontade do comprador. Os juristas tropeçam em dados do mundo fáctico porque não atendem a que o problema da indivisibilidade ou divisibilidade das obrigações é problema do mundo jurídico, problema de se saber como, a respeito do objeto como tal, entrou no mundo jurídico o negócio. Nas obrigações de fazer e nas obrigações de não faz~r, o que se presta é fato, positivo ou negativo (incluídos o nou dare e o 1 acere) . O fato mesmo pode ser indivisível, ou divisível. Porém é ineliminável o que a vontade dos interessados pode impor, ou, melhor, o que resulta da modelagem voluntária. Se a obrigação negativa é de adimplemento duradouro, a vontade, expressa ou tácita, é que divide o tempo, fazendo indivisível o que dentro dessa duração se há de passar. Quanto às obrigações de fazer, ou o fato, que se há de prestar, é divisível, ou não no é. No fato a vontade deixa marcado o que se há de considerar divisível. O transportar não é divisível, porque se transporta do lugar a para o lugar e; mas o objeto pode ser divisível. A obrigação de guardar, que O. BALBI (L’Obbligazione di custo(Vire, 60 s.) tem, sem razão, como indivisível, pode ser divisível se o objeto o é <e. g., depósito de cem caixas de vinho). Em tudo isso, não se pode desatender à vontade dos figurantes, como fazem alguns ‘juristas (e. g., A. ASQUINI, Dei Contratto di trasporto, 125). A obrigação duradoura pode ter o objeto da prestação determinado no tempo, ou determinado quanto ao fim, como ocorre na locatio operis, e então há de ser respeitada a determinação. Não há adimplemento se não se satisfaz todo o tempo, ou se não se satisfaz o fim. A obrigação duradoura pode ser divisível em função do tempo, e pode não ser. O objeto da prestação duradoura pode ser continuativo e divisível, ou indivisível; e o próprio objeto da prestação repetida pode ser divisível ou indivisível. As obrigações a prestações repetidas não são divisíveis em função do tempo, porque foi o tempo mesmo que as fêz repetidas e não mais intervém para as dividir. Quanto à divisibilidade ou indivisibilidade das obrigações de não fazer, A. voN SCI-LEIJRL (Teiibarkeit ais Eigenschaft von Rechten, 75 s.) e O. RÍ5MELIN (Die Teilung der Rechte, 207 e 269) entendiam que as obrigações negativas são sempre indivisíveis, porque o são as prestações (cf. E. ENOEMANN, Einfiihrunq in das Studiurn des BGJ3., 1, 516). B. WINDSCHEID <Lehrbuch, ~J, 9Y ed., 18, nota 9) e A. UBBELOHDE (fie Lehre vou den untejibareu Obiigationen, § 14, 285 s.) entendiam que o que se pode fazer por metade também se pode não fazer por metade, generalização que foi demasiado longe. O que se pode afirmar é que, de regra, a omissão é indivisível, indivisível a prestação e indivisível a obrigação; mas pode ocorrer que se possa fraccionar o não fazer. Se há pluralidade de devedores, dificilmente se conceberia a divisibilidade. Se o dono do prédio a faleceu e tinha obrigação pessoal de amplius non agi, cada herdeiro, após a divisão do prédio, é obrigado. Na L. 4, § 1, D., de verborum obligationibus, 45, 1, previu-se a espécie: at si de eo cautum sit, quod divisionem recipiat, veluti ‘amplius non agi’, tum eum heredem, qui adversus ea fecit, pro portione sua solum poenam committere”. A questão da indivisibilidade ou divisibilidade da obrigação negativa perde um tanto da sua importância, no direito brasileiro, em relação ao direito alemão, porque não se tem no Código Civil brasileiro regra jurídica que corresponda ao § 431 do Código Civil alemão. 2. LEI E INDIVISIBILIDADE. Quando a indivisibilidade da obrigação decorre da lei, o que seria divisível passou a ser, juridicamente, indivisível, e isso se traduz, no fundo, pela cogéncia de regra juridica que proibe a manifestação de vontade contrária à indivisibilidade do objeto da prestação. A indivisibilidade fáctica que, normalmente, se impõe é a da coisa certa, indivisível (O. RÚMELIN, Die Teiiung der Rechte, 191), mas pode o figurante ou podem os figurantes estabelecer que a tradição seja de tôda a posse, ou de composse, ou composses sucessivas. Também a indivisibilidade fáctica da custódia ou guarda se impõe, normalmente, e os juristas o frisam (e. g., O. BALBI, L’Obbligazioni di custodire, 60 s.), mas o figurante ou os figurantes podem estipular que a custódia se estenderá a todos os bens entregues, ou àqueles que o custodiante entender que não precisam ser entregues a frigoríficos. À obrigação de transportar de regra corresponde prestação indivisível (e. g., VALERI, Trasporti curnulativi, 158), mas a divisibilidade pode ser pactuada. É preciso que se não confunda a alienabilidade da quota com a divisibilidade da prestação (e. g., A. WERNER, J. v. Staudingers Kommentar, II, 1, 901 s.). A quota que se vende é tôda a prestação e pode-se estabelecer, ou não, a

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respeito dela, a divisibilidade. 3.MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. A manifestação de vontade pode ser expressa ou tácita, ou pelo silêncio, se, segundo os princípios, se há de interpretar como manifestação de vontade. Pode dar-se em negócio jurídico unilateral (declaração unilateral de vontade, como promessa de recompensa, testamento, título de crédito) ou bilateral. Certamente, a obrigação é indivisível ou divisível porque é possível o fracionamento do objeto da prestação (fato positivo, inclusive dação de coisa, ou fato negativo). Mas êsse fracionamento pode ser impôsto, querido, contra o que mais acontece fàcticamente. A prestação é do que se considerou objeto. De modo que há escala que se desce: a) obrigação divisivel, por ser divisível a prestação, que, b) por sua vez, o é por ser e) divisível o objeto. Quem fita os olhos em a e só discute o problema do conceito considerando a), não vê b), nem e). Quem fita os olhos em b) e só discute o problema do conceito, tendo em conta a prestação, esquece a) e não atende a e). que é o objeto da prestação. Quem fita os olhos em e) e só discute o problema do conceito, tendo em conta o objeto, (e. g., MARCEL PLANIOL-O. RIPERT, Traité élément gire, II, 614; R. CICALA, Concetto di divisibilitâ e di indivisibiiitâ deile obbiigazwnz, 230 s.), arrisca-se a se encerrar no mundo fáctico, descurando o que se irradiou do ato jurídico ou do fato jurídico, a obrigação, e o em que ela consiste. Objeto da prestação é o objeto fáctico <coisa ou ato positivo ou negativo) tal como entrou, com o negócio jurídico, ou outro fato jurídico, no mundo jurídico. positivaa Art. 889Pretensãonegativa 4.ADIMPLEMENTOS PARCIAIS E PRESTAÇÕES SUCESSIVAS. Na execução forçada e no concurso de credores, o credor tem de aceitar adimplementos parciais sobre os bens penhorados ou arrecadados (massa concursal). Ocredor pode cobrar somente parte, embora lhe caibam pretensão e ação pelo todo, ou dispor de parte do crédito Art. 890-892(e. g., cedê-lo em parte). Aliás, pode compensar somente com parte do crédito. Bem assim, o devedor <1’. OERTMANN, Recht der Schnidverhtiltnisse, 79; FR. LEONHARD, fie Aufrechnung, 153; LIPPMANN, Rtickwirkung und Rechtsgeschãft der Aufrechnungserklãrung, Jherings ,Iahrbúcher, 43, 490). Às regras jurídicas do art. 889 do Código Civil escapam as prestações sucessivas (e. g., compra-e-venda a prestações) e os fornecimentos sucessivos. (a) Se o credor recebe parte do que lhe é devido, sem que fôsse obrigado a recebê-la, só tem direito aos juros sobre o resto. Se o devedor consigna parte e o credor levanta o depósito, dá-se o mesmo. Se não levanta e discute, vencendo o qúe entendiM. os interesses são sobre o todo. (b) Se há dois ou mais devedores em obrigação indivisível, o todo é que há de ser prestado por todos o,u qualquer um, mas só a todos é exigível. Tudo se passa como em (a). 5.LIMITES DA INCIDÊNCIA DO ART. 889 no CÓDIGO CIVIL. Não se afasta a inv5cabilidade do art. 889 com alegação de má fé, de abuso do direito (O. PLÂNCK, Kommentar, II, 1, 143), ou de ser sem relevância para o credor o prestar-se por partes ou por inteiro (O. WARNEYER, Kornmentar, 1, 445). Se o credor acordou em prazo de graça, com isso não se submeteu a receber prestações parciais. Nem tem o credor de justificar porque recusa receber a prestação parcial. Se o credor só pediu, judicialmente, parte do crédito, pode o devedor solver parcialmente (O. PLANCK, Komrnentar, II, 1, 143). Se o credor solicitou parte do débito, antes do vencimento, pode o devedor exigir que lhe dê maior prazo para pagar o restante. § 2.710. Pluralidade subjetiva 1. CoNCEITos. A indivisibilidade e a divisibilidade de que temos falado são a indivisibilidade objetiva e a divisibilidade objetiva, isto é, do objeto da prestação. Mas há o problema da indivisibilidade subjetiva e da divisibilidade subjetiva do objeto da prestação. Aqui, entra em causa a pluralidade de deve- dores ou de credores. Quer se trate de indivisibilidade objetiva, quer de indivisibilidade subjetiva, o adimplemento não pode ser parcial. Tanto a indivisibilidade objetiva como a subjetiva, tanto a divisibilidade objetiva como a subjetiva somente derivam da incidência de regra jurídica dispositiva <Código Civil, arts. 889-891), ou de manifestação de vontade do figurante ou dos figurantes, ou de ler speeialis. No fundo, o que importa é a vontade negocial, ou a lei.

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Quando se fala de indivisibilidade objetiva e de indivisibilidade subjetiva em verdade se alude ao suporte fáctico do negócio jurídico, e não à obrigação em si. Daí poder acontecer que se trate de divisibilidade subjetiva de coisa objetivamente indivisível, como quando se compra a jóia pelo ouro e os diamantes que tem, ou o boi para ser morto e vendido aos pedaços (A.WERNER, em J. v. Staudin.gen Kommentar, II, 1, 901). Quem tem de pagar a, e pede de empréstimo z, sabendo o promitente do mútuo que o empréstimo é para solver a divida de x, não pode querer que o promissário só receba z 1. -Por outro lado, estão postas de parte, por imprestáveis, as distinções em indivisibilidade própria e indivisibilidade imprópria, que ainda aparece em alguns escritores (no século passado, e. g., A. UBBELOHDE, Die Lehre von den unteilbaren Obligationen, 31 s.; recentemente, F. MESSINEO, Manuale di Dir’itto civile e comrnerciale, 417, A. TRABUCCHI, Istituzioni di Diritto civile, 453, e MÂXIO ALLARA, Le Nozioni fondamentali dei Diritto civile, 1, 33 ed., 535 s.). 2.ESPÉCIES. . Se em relações jurídicas pessoais há pluralidade de sujeitos ativos ou de sujeitos passivos, pode dar-se: (a) Cada um dos credores pode exigir só uma parte da prestação e cada um dos devedores só está obrigado a uma parte, o que exclui que se trate de uma só relação jurídica péssoal (há prestação divisível e, rigorosumente, pluralidade de prestações), pôsto que possa o credor ter contra todos a exceção non adimpleti contractus, embora só um dos devedores haja deixado de adimplir, ou exercer contra todos o direito de resolução por inadimplemento, ainda se só um não adimpliu,e possam ser demandados conjuntamente todos os devedores ou todos os credores. (b) Cada um dos credores pode exigir o todo, de modo que só se tem de prestar uma vez, <solidariedade ativa) ou <ou e) cada um dos devedores está obrigado a tôda a prestação, só tendo de prestar uma vez (solidariedade passiva). Ai, a um só ou a alguns devedores se pode pedir o todo. (e) Somente todos os credores podem exigir ou (ou e) somente a todos os devedores pode ser exigida a prestação <obrigações de indo comum). § 2.711. Pluralidade de devedores 1. PosiçÃo DO PROBLEMA. Já vimos que o Código Civil pôs como princípio o da indivisibilidade das obrigações. Rege ele, ainda que divisível o objeto (fáctico) da prestação. Se ocorre que há pluralidade de devedores, o problema consiste em se saber como se há de tratar a espécie, em sendo divisível e em sendo indivisível o objeto (fáctico) da prestação. Isto e, se o objeto não seria ou seria suscetível de divisão. ~Qual a solução que se preferiu? Temos de examinar duas Interpretações do Código Civil, art. 890: <a) A solução que o Código Civil adotou seria a de só se abrir exceção ao princípio da indivisibilidade, em caso de pluralidade de devedores, se divisível o objeto fáctico. Conforme tal opinião, o art. 891 subsumir-se-ia no art. 889; e, ainda que nêJe não se s~ibsumisse, apenas redigiria explícitação, como se fósse tirado, a contrario sensít, do art. 890. A confusão terminológica entre prestação <objeto) divisivel e obrigação divisível ainda apareceria no art. 890 do Código Civil, onde, tendo dé referir-se à prestação divisível, o legislador pôs “obrigação divisível”. O que tinha de enunciar, após o princípio do art. 889 <indivisibilidade das obrigações>, seria o de divisibilidade da obrigação se há pluralidade de devedores e a espécie, se tal pluralidade não houvesse, estaria regida pelo art. 889. (b)Se damos interpretação literal ao art. 890 do Código Civil, primeiro se tem de apurar se, conforme o art. 889, a obrigação seria divisível, o que só a vontade do figurante, ou dos figurantes, poderia estabelecer, ou, excepcionalissimamente, a lei. Então, o art. 890 não seria exceção ao principio da indivisibilidade das obrigações, mas sim regra jurídica explicitante de não haver solidariedade e sim di.stintividade e igualdade das obrigações. 2.PRESTAÇÃO (OBJETO) DIVISÍVEL E PLURALIDADE DE DEVEDORES. Diz o Código Civil, no art. 890: “Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas2 quanto os credores, ou devedores”. A regra jurídica do art. 890, se verdadeira a solução (a), seria a primeira exceção ao art. 889, onde se pôs por princípio, dis positivamente, que as obrigações são indivisíveis. Poder-se-ia construir a espécie, uma vez que é ins dispositivum o art. 889, como aquela em que a vontade do devedor, ou do devedor e do credor se manifestou contra o principio da indivisibilidade: quem quer a pluralidade de devedores dispõe contráriamente àquele principio. Não seria, todavia, a melhor exegese, dentro da opinião (a), porque o próprio art. 890 é regra jurídica de presunção: o que em verdade se entenderia, em presunção luris tantum, seria que se excetuou o princípio da indivisibilidade das obrigações. O art. 890 só se referiria

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às prestações (objetivamente) divisíveis. Far-se-ia corresponder à divisibilidade objetiva a divisibilidade subjetiva. Porém ir-se-ia mais longe: a “obrigação divisível” ter-se-ia como pluralidade de obrigações iguais e distintas, portanto seria contradição falar-se de obrigação divisível, uma vez que se presume haver pluralidade de obrigações (= pluralidade de relações obrigacionais). O art. 890 seria exceção ao princípio da indivisibilidade, não em favor da divisibilidade da obrigação, e sim da presunção da pluralidade de obrigações. Mas a verdadeira solução é (b). Se a obrigação aplicado o art. 889 do Código Civil é divisível (não “se só édivisível o objeto láctico”) e há pluralidade de devedores, a obrigação é múltipla, plural: “dividiu-se” com a pluralidade de devedores; seria divisivel. Se, conforme o art. 889, a obrigação é indivisível, não há pensar-se no art. 890. O art. 890 somente incide se a obrigação é divisivel, conclusão a que só se chega aplicando-se à espécie o art. 889. 3.PRESTAÇÃO (OBJETO FÁCTICO) INDIVISÍVEL E PLURALIDADE DE DEVEDORES. Se a prestação é indivisível, rege o art. 889 do Código Civil, e não seria razoável supor-se que se dividiu, subjetivamente, o indivisível, porque a divisão subjetiva importaria em divisão objetiva. Para se obviar aos graves inconvenientes disso, o Código Civil, art. 891, criou a responsabilidade dos devedores pela divida tôda. Mas o art. 891 não écogente; é regra jurídica dispositiva (ius dispositivum>. No art. 891, o Código Civil estabelece: “Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não fôr divisível, cada um será obrigado pela dívida tôda”. No art. 891, parágrafo único: “O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor, em relação aos outros coobrigados”. A primeira questão que surge é a de natureza do art. 891: cogente, dispositivo ou interpretativo. Se o objeto fáctico é indivisível, ou a vontade do figurante ou dos figurantes o fêz divisível, de modo que o objeto da prestação é divisível, a despeito da indivisibilidade fáctica; ou o objeto entrou no mundo jurídico como indivisível, e não há pensar-se em divisão do objeto da prestação (= objeto jurídico). A vontade manifestou-se a a propósito, a despeito da pluralidade de devedores. No direito alemão, a regra jurídica do § 420 do Código Civil alemão é ius interpretativum: se duas ou mais pessoas (Mehrere) devem prestação divisível (teilbare Leistung), na dúvida cada devedor é obrigado por parte igual. Se indivisível a prestação, há solidariedade (§ 431). Oart. 891 é ius dispositivum. A regra jurídica do art. 891 não é regra jurídica sobre solidariedade. Nem no é a regra jurídica do art. 892. A parecença pode iludir. Nem o devedor, no art. 891, nem o credor, no art. 892, é solidário. Por isso mesmo, incide o art. 176 do Código Civil, e não o art. 176, § 1.0. Há lez lata. Não há, no sistema jurídico brasileiro, regra jurídica como a do § 431 do Código Civil alemão. Tem-se de tratar a espécie com os seus próprios princípios. Às vêzes os juizes confundem com a solidariedade a indivisibilidade de que trata o art. 891 (e. g., 4.~ Câmara Civil do Tribunal de ApeIação de São Paulo, 5 de agôsto de 1944,R. dos T., 104, 47r; certa, a 43 Câmara Civil da Côrte de Apelação de São Paulo, a 2 de outubro de 1934, 1?. F., 96, 123), o Que é de lamentar-se. No direito alemãd, se a prestação é indivisível, as dividas sao solidáriaã (Código Civil alemão, § 431). Não há tal regra jurídica no direito brasileiro. Cada um .4 obrigado pela divida tôda (Código Civil, art. 891), porém sem que haja solidatiedade. A ação, que nasce ao devedor solvente, é ação oriunda da sub-rogação pessoal (art. 891, parágrafo único) ; e não só a de reembôlso (arts. 913-915). Cada um dos devedores tem de prestar o todo, porque a obrigação é cumulativa. Se cada um fôsse obrigado por sua parte ou quota, tratar-se-Ia de obrlgaç~es parctals. Se há cumulativldade, e não solidariedade,odevedor não pode pagar a um, ou a alguns, sem exigir a caução a que se refere o ad. 892, II, do Código Civil, e, sê ofaz, corre o risco de ter pago mal; nem o credor podo exigir a um só, ou a alguns, pois teria de exercer a pretensão perante todos. No Código Civil alemão, 1 482, explietto4e que, havendo pluralidade de credores, sem haver solidariedade, o devedor só a todos bá de solver, e cada credor só pode exigir a prestação a todos os devedores. De nso haver, no sistema jurídico brasiieiro, regra juridica como a do § 482 do Código Civil alemão, não se pode tratar, ainda só processualmente, o co-credor segundo o ad, 892. 13 parte, como o credor segundo o art, 898. O credor de que tala o art. 898, credor cumulativo, é legitimado ad causam e legitimado processual, O credor referido no art, 892, 1,’ parto, é legitimado ad causam, quanto ê sua pretensão, e pode pedir tôda a prestação, estabelecendo-se litisconsórcio necessário. No direito alemão, a assimilação é completa. § 1712. Regrainento interno em caso de indivisibilidade subjetiva

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1. NATUREZA DA REGRA JURÍDICA DO CÓDIGO CIVIL, ART. 891, PARÁGRAFO ÚNICO. Devido à indivisibilidade objetiva e subjetiva, que o art. 891 do Código Civil prevê, o devedor, que paga a divida de todos, sub-roga-se no direito do credor, em relação aos outros coobrigados (isto é, aos que não adimpliram). Tal pretensão a exigir o quanto que pagou a mais do que lhe cabia pagar não existe se houve pacto que pré-excluiu a sub-rogação pessoal. O pacto pode, em vez disso, estabelecer outra medida para o importe da sub-rogação. O pacto pode ser expresso ou tácito. Se o solvente assumira, animus dortandi, a obrigação indivisível, pré-excluiu a sub-rogação. Se se tratava de divida de sociedade, a composição interna é segundo as quotas sociais, ou o que se estabeleceu nos estatutos, e não segundo o critério de igualdade. Se foi criada como dívida de condomínio, ou de comunhão pro diviso, regem os arts. 625 e 626 do Código Civil, ou os arts. 50 e 8.o~1O do Decreto n. 5.481, de 25 de junho de 1928. 2. EM CASO DE FALTA DE REGRAMENTO. Se não existe regramento negocial, ou legal, ou se o regramento não foi eficaz, incide o art. 891, parágrafo único, do Código Civil, conforme o devido ao credor comum. Não há pensar-se em verificar-se se houve enriquecimento injustificado, mas a sub-rogação segundo aquela regra jurídica leva a tiuase os mesmos resultados. O que importa, no direito brasileiro, é saber-se se o art. 891 incidiu e foi invocado e se houve adimplemento por um ou alguns em lugar dos outros. A sub-rogação é no que se pagou por outrem. Não se fêz referência a quotas iguais. O que alega a sub-rogação pessoal tem o ônus de dizer o quanto e de prová-lo. Se nada se pode provar, ~ então rege o art. 913 do Código Civil? “O devedor, que satisfez a divida por inteiro, tem direito a ~exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver. Presumem-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores”, lê-se no art. 913 do Código Civil. “No caso de rateio entre os co-devedores, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente (art. 913), contribuirão também os exonerados da solidariedade pelo credor (art. 912) “, acrescenta o art. 913. Cf. art. 915. Sirva de exemplo o que se passa entre co-fiadores entre si, pôsto que não houvessem assumido no mesmo momento a fiança, ou entre os co-delinqúentes. Porém não estamos a falar de obrigações solidárias. No direito brasileiro, a solidariedade não se presume, nem há a regra jurídica do § 431 do Código Civil alemão, de modo que os princípios da solidariedade pudessem ser invocados. Nas obrigações de que tratam o art. 891 do Código Civil (pluralidade de devedores) e o art. 892 (pluralidade de credores), há cumulatividade, e não solidariedade da obrigação. Um só crédito, uma só pretensão, uma só dívida, uma só obrigação, com dois ou mais sujeitos ativos, ou passivos. Note-se que, no sistema jurídico brasileiro, se há solidariedade, a relação jurídica interna entre devedores tem as conseqíléncias dos arts. 913-915; se não há, apenas se dá a sub-rogação pessoal, cabendo ao solvente o ônus de alegar e provar que pagou mais do que lhe tocava. A sub-rogação pessoal estende-se às garantias pessoais e reais ao crédito e alcança os privilégios, desde que não prejudique o credor. A responsabilidade é de cada devedor pelo que deveria ter pago e não pagou. § 2.713. Unidade, frações e pluralidade de prestações 1.PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA PRESTAÇÃO. Já vimos que, ainda se a prestação é divisível, tem o devedor de fazê-la como um todo e de uma vez. Se o credor recusa a prestação parcial, não incorre em mora accipiendi; nem se forra a mora debendi o devedor que, estando em tempo de prestar o todo, só apresenta parte. Cumpre, porém, atender-se a que o crédito pode não ser único e ocorrer derivarem da mesma relação jurídica quotas de créditos parciais, no tempo, como os alugueres, ou créditos parciais, que correspondem a pluralidade subjetiva (dois ou mais devedores, dois ou mais credores), ou oriundos de fornecimento sucessivo, dentro de prazo, ou de cláusulas negociais que prevêem a parcialidade das prestações (e. g., compra-e-venda a prestações). 2. RESTRIÇÃO FEITA À PRESTAÇÃO. A prestação pode ser restringida a importe máximo. Então, a responsabilidade é quantitativamente restringida. O conteúdo mesmo da dívida foi restringido. O máximo é medida de responsabilidade; supõe-se que pudesse haver maior. Porém o patrimônio do devedor responde por tôda a dívida ou obrigação restringida qualitativamente. Quaisquer elementos penhoráveis do patrimônio ficam expostos à execução forçada. A restrição da responsabilidade pode ser relativa a determinado patrimônio, ou quota de património, ou determinados bens <responsabilidade objetivamente restringida). O herdeiro não responde por encargos superiores à herança (Código Civil, arta. 1.587 e 1.796). Em direito de família, os arts. 263, VI. VII, X, e 264, 270, 1 e II, 274 e 275, e 299 e §§ 1.0, 2.0 e 3.~, são de tôda relevância. Os membros de sociedade sem capacidade jurídica podem obrigar-se só expondo à execução os bens dasociedade. Quem assume patrimônio só responde com o patrimônio (cum uiribus). A regra jurídica é co gente. A /acuZta8 alternativa, que tem, por exemplo, o devedor que responde com todo o patrimônio mas pode liberar-se

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abandonando o objeto, tal como se passava nas ações noxais romanas, não é efeito de reatrição à reeponsabllidade: a responsabilidade é de todo o patrimônio, com a alternativa de abandonar o objeto. 114 obrigações em que a prestação é feita do uma vez. como a de dar a coisa que se vendeu, a do entregar a roupa que se fêz, a de pagar o titulo cambiário ou o cheque, a missão de abrir o portão quando, em certa data, tiver de passar por ali o cofre que não pode entrar pela frente do prédio de quem o adquiriu, mas sim pelo quintal do vizinho, Mão obrigações que se cumprem num momento, ainda que êsse momento exceda de hora ou de dias <e, g,, a passagem do gado pertencente a A, pela fazenda de a>, O empreiteiro, ao entregar o edifício, cumpre obrigação que se executa num momento, com a visita aos salões e demais dependêncIas e entrega das chaves, ou só entrega das chaves. Ai, a visita, com o exame do edifício, mais minudente ou menos minudente, superficial ou com verificações técnicas, apenas constitui atos preparatórios. O exame pode ser posterior, mas a lei dá prazo preclusivo, curto, para ele. 2. PRESTAÇÕES CONTÍNUAS. As prestações contínuas ou continuadas supõem atitude positiva ou negativa, ininterrupta, do devedor. Qualquer momento já presta, e a continuidade temporal estende, no tempo, a prestação mesma. A prestação é uma só, a despeito da permanência da atitude adimplidora. Alguns juristas somente vêem prestação contínua nas obrigações negativas; mas sem razão: a obrigação de manter cheio o açude é obrigação a prestação continua. Ainda que o pagamento da contraprestação seja periódico, a obrigação de fornecer, noite e dia, x de energia elétrica, é obrigação a prestação continua. Tais obrigações são inconfundiveis com as obrigações em que o devedor há de prestar a momentos diferentes, regularmente ou não, como as de consertar os aparelhos de lavar roupa ou pratos, ou de ar-condicionado. Aqui, as obrigações são múltiplas, embora se irradiem do mesmo negócio jurídico. Má pluralidade de prestações, a despeito da unidade jurídica. A prestação somente é contínua se é uma só, ainda que possa haver obrigações côntínuas sucessivas. § 2.115. Obrigações a prestaçoes reiteradas e parciais 1.CONCEITOS. As prestações reiteradas são prestações de uma vez, mas regularmente (periódicas) ou irregularmente repetidas (circunstanciais). A dívida de conservação pode ser com obrigações de exame e atividade cada mês, ou quando seja preciso, informado o devedor. Prestações parciais são partes de prestação, que, feitas, apenas diminuem o que é devido. Não há reiteração, porque não há pluralidade; há unidade, que ~e. parte. A prestação parcial é prestação fracionária do devido. As prestações parciais, que na espécie se admitam, são prestações que objetivamente dividem a prestação que se deve, mas sem que ocorra a liberação do devedor. A unidade jurídica permanece. O devedor pode fazer prestações parciais se o negócio jurídico lho permitiu, se, pela natureza da prestação, não pode ser feita de um jacto (sem se tratar de prestação contínua), ou se o crédito só foi reconhecido, judicialmente, em parte, ou em parte foi reconhecido pelo devedor, e nada obsta a que se preste a parte reconhecida. Se o credor aceita parte do pagamento, o crédito subsiste pelo resto, com as garantias que tinha. 2. PRESTAÇÕES SUCESSIVAS. Nas obrigações a prestações sucessivas, não tem o credor, salvo disposição em contrário, de fazer os pedidos ou a reclamar em certo prazo os adimplementos parciais (fornecimentos sucessiVOs, inclusive periódicas). Se houve pacto de dever de pedir, ou de ir buscar, ou de cooperar no ato de adimplemento, podem dar-se a mora accipiendi e a mora debendi. Circunstâncias especiais não podem estabelecer qualquer desses deveres, mas a manifestação de vontade pode ser tácita. Na L. 41, § 1, D., de untris et fructibus et caiais et omnibus accessionibus et mora, 22, 1, tem-se de MODESTINO: “Lutius Titius cum centum et usuras aliquanti temçíoris deberet, minorem pecuniam quam debebat obsignavit: quaero, an Titius pecuniae quam obsignavit usuras praestare non debeat. Modestinus respondit, si non hac lege mutua pecunia data est, uti liceret et particulatim qiaod acceptum est exsolvere, non retardari totius debíti usurarum praestatíonem, si, cum creditar paratus esset totum suscipere, debitor, qui in exsolutione totius cessabat, solam partem deposuit”. Lúcia Titio, que degia cem e os interesses de algum tempo, depositou quantia menor do que a devida. Pergunto: ~ deveria Lúcio Tício pagar interesses do dinheiro que depositou? MODESTINO respondeu que, se o dinheiro não foi dado em mútuo com êsse pacto de ser licito pagar parcialmente o que se recebeu, não se suspende a prestação dos interesses de tôda a divida, se, estando o credor disposto a receber o todo, o devedor, que deixou de solver tôda a divida, só depositou parte. A L. 21, D., de irebus crectitis si cerium petetur et de condictione, 12, 1, JULULNO expõe: “Quidam existimaverunt

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neque eum, qui deceni peteret, cogendum quinque accipere et reliqua persequi, neque eum, qui funduni suum diceret, partem dumtaxat iudicio persequi: sed iii utraque causa humanius facturus videtur praetor, si act orem compulerit ad accipiendum id quod offeratur, cum ad c,fficium ejus pertineat lites deminuere”. Opinaram alguma, informa JULIANO, que nem o que pedisse dez seria abrigado a receber cinco, e reclamar o restante~ nem o que dissesse que era seu o fundo, a pedir em juízo só urna parte. Mas, num e no outro caso, parecia que o Eretor obraria mais humanamente se compelisse o autor a receber o que se lhe oferecesse, uma vez que é de sua função diminuir os pleitos. Sugestão ao Eretor? Assim pensou O. O. v. MADAI (Die Lehre von der Mora, 238). ~Passagem antiquada, como queria o.E. F. SINTENIS (Das praktisch~e gemeine Civilrecht, II, § 84, nota 41, cf. E. DEENEURG, Pandekten, ~ 7.~ ed., 153)? A ação fica restringida, mas o credor não é obrigado a aceitar parte (E.C. GESTERDING, Ausbeute von Nachforschflflgefl úber verschiedene Rechtsmateriefl, 111, 418 s.). 13.WINDSCHEID (Lehrbuch, ~ 9.~ ed., 423) interpretava que o credor, de regra, não podia ser constrangido a receber prestação parcial, tal como assentavam E. O. GESTERDINO (111, 410 s.) e FR. MOMMSEN (Die Lehre von der Mora, 149), contra a opinião isolada de E. VON SAVIGNY (Das Obligaiionenrecht, 322) ; mas, se o devedor, demandado pelo todo, só admitia parte, havia de recebê-la o credor. Essa era a opinião de J.A. FRITZ (Eruiuterunflefl, Zusiitze um? Berichtigttngefl, 11, 107). Tn. MOMMSEN (Die Lehre von der Mora, 148) não admitia o constrangimento a receber se isso fôsse, provada-mente, contra o interesse do credor. § 2.716. Pluralidade de credores 1. INDIVISIBILIDADE E PRETENSÃO. Segundo o direito comum, havendo duas ou mais pessoas que podem exigir a prestação indivisível, qualquer delas tem pretensão para haver o todo. Só se presta uma vez, porque se há de prestar tudo. Prestado o que se deve, extingue-se a obrigação. O sistema jurídico alemão afastou-se daí, nos §§ 431 e 432 do Código Civil alemão, até certo ponto, pela confusão da conaseqüência da indivisibilidade com a da solidariedade. Precisemos o que se passa no sistema jurídico brasileiro. Se há dois ou mais devedores e a prestação não é divisível, cada um deles é obrigado pelo todo (Código Civil, ad. 891). A obrigação é cinnulativa. Se a prestação indivisível (a prestação, não necessàriamente a coisa) é devida a pluralidade de. credores, a razão está, de regra, em que no negócio jurídico há um só devedor e muitos credores e se estabeleceu a indivisibilidade da prestação, ou resultou da natureza da coisa prestada, ou não se pré-excluiu a incidência do art. 889 (Código Comercial, ad. 431). Diz o art. 892 do Código Civil: “Se a pluralidade fôr dos credores, poderá cada um dêstes exigir a divida inteira. Mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando: 1. A todos conjuntamente. IX. A um, dando êste a caução de ratificação dos outros credores”. 2.CREDORES DE PRESTAÇÃO INDIvISíVEL. Cada credor tem a sua pretensão, de que pode dispor (cessão, remissão de divida ou outro meio de se desligar da relação jurídica). Pode exigir que se adimpla o que se lhe deve. Todavia, se a prestação, feita a um só dos credores, não libera o devedor, é de entender-se que o co-credor, que exige o adimplemento da sua pretensão, quer, simultâneamente, o adimplemento das pretensões do outro ou dos outros. Dai a regra jurídica do art. 892, 1a parte, do Código Civil, que admite a cobrança ou a cobrança executiva de todo o crédito, seguida de outra (art. 892, 2.8 parte, II) em que se dá ao devedor a faculdade de prestar a um só, exigindo-lhe caução de ratificação pelos outros. Se um dos credores cobra ou executa e não pode ser prestado o que se deve, a obrigação indivisível transforma-se em divisível, por ser substituida pela obrigação de indenizar em dinheiro. Eptâo, cada um exige o que lhe toca. A extensão do dano determina-se conforme o direito do credor no tocante ao bem que deveria ter sido prestado, ou na proporção da sua quota, em se tratando de comunhão. Nenhum dos credores pode exigir, sôzinho, a prestação, como aconteceria se solidária, ativamente, a obrigação. Quando um deles, ou alguns exigem o todo, exigem o que é seu e o que 4 do outro, ou dos outros. A entrega, mediante caução, é entrega a todos, tanto assim que a lei fala de ratificação. “Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte, que lhe caiba no total” (Código Civil, art. 893). Ai, não só se supôe que o credor haja recebido a prestação, por inteiro, como ser de tal natureza a prestação que feita a um, não possa ser dividida, posteriormente,

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por todas. Por Isso, em vez de se cogitar da divisão, se satisfazem os interessados com o equivalente das suas quotas, em dinheiro. Também fio incide o art. 893 se a comunhão pra diviso e pro indiviso pode caber. Então, incide o art. 892, II, e não o art. 894. Lê-se no art. 894 do Código Civil: “Se um dos credores remitir a divida; a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas êstes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente”. Acrescenta o parágrafo único do art. 894: “O mesmo se observará no caso de transação, novação, compensação e confusão”. 3.MUDANÇA DO OBJETO DA PRESTAÇÃO. Estatui o Código Civil, no art. 895: “Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos”. E o § 12: “Se, para êsse efeito, houver culpa de todos os devedores, responderão todos por partes iguais”. Mas, diz o § 2.0, “se fôr de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só êsse pelas perdas e danos”. O art. 895, § 22, há de ser lido tomo se dissesse: “Responde pelas perdas e danos o devedor culpado de se resolver em perdas e danos o adimplemento da obrigação; e respondem os que o forem, se mais de um teve a culpa”. Ou: “Não responde pelas perdas e danos quem não teve culpa em se resolver em perdas e danos o adimplemento da obrigação”. O que se resolve em perdas e danos é o adimplemento, que deveria ser em natura; e não a obrigação. Se A danifica o bem que pertence a 13 e C, nasce obrigação indivisível de A a B e C, que podem exigir a reparação. Enquanto a reparação se tem de prestar como reposição natural a obrigação é indivisível; desde o momento em que se assenta que a reparação se há de fazer em dinheiro, ou outro bem fungivel, a obrigação indivisível torna-se divisível. Aqui, convém evitar-se o êrro em que incorrem os que crêem que a obrigação de indenizar é sempre, e desde que nasce a obrigação, divisível, porque se hão de avaliar os danos e prestar o equivarente em dinheiro. Primeiramente, o dever, que se irradia do fato ilicito .stricto sensu, do ato-fato ilícito ou do ato ilícito, não é o de prestar perdas e danos, em dinheiro, é o de reparar em natura, se possível. Antes de qualquer avaliação, pode o dono do bem ofendido exigir a reparação e prontificar-se o devedor, ainda em juízo, a fazer a reposição natural. Somente se não é possível tal reposição, ou se foi afastada, é que há a reparação cm dinheiro e a obrigação de indivisível se faz divisível. Se A e 8, donos do prédio, o dão em locação ou em comodato a C, ou em locação ou em comodato a C e o art. 892 permite que A ou B exija o aluguer inteiro a C, ou C e D: se o pagamento é feito só a A, ou só a B, é eficaz, liberando C, ou C e O, se quem recebe promete caucionadamente a ratificação do outro. A promessa caucionada de ratificação pode ser, no negócio jurídico, dispensada, e então se estabelece solidariedade entre A e 8. Se não há solidariedade, ou a prestação aproveita a todos os credores (execução de obra, reposição natural, adimplemento de obrigação de não fazer), e o que se cumpriu está cumprido, devendo ser interpelados os credores, ou a prestação consiste em entrega de coisa e pode ocorrer que, entregue a um dos credores, se perca ou deteriore. Daí, ou ter de ser dispensada a colaboração de todos os credores, se prestada a um, ou ter o devedor de constituir em mora o co-credor. Ê preciso não se confundir a indivisibilidade da prestação <por elipse, indivisibilidade da obrigação> com a disponibilidade de cada crédito (cessão, remissão de divida, etc.) e a independência da pretensão (reclamação amigável ou judicial do que se deve a cada credor). O art. 892 do Código Civil diz que, se a obrigação é indivisível, pode cada um dos credores exigir a dívida inteira. Já vimos como se há de interpretar tal regra jurídica. Se, na aplicação do art. 892 do Código Civil, se verifica que o demandado não pode prestar o todo, incide o art. 895 (1.~ Câmata Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 2 de maio de 1945, 3%, 26-27, 298 s.). mente, declarar o crédito, podaria a ação de cobrança ou de execução e desatenderia ao art. 92 do Código Civil suíço. A necessidade, para os credores, de exigir o todo, a despeito de só terem direito a parte, deriva da indivisibilidade da prestação. Passa-se o mesmo se há comunhão de mão comum (cp. Código Civil, ad. 1.580, parágrafo único). A mora de um não se estende aos outros credores <P. OERTMANN, Recht der Sch.uldverhtiltnisse, 368; H. DERNBURG, Das RI.irgerliche Recht, 11,1,469, nota 8). 4.OUTROS SISTEMAS JURÍDICOS. A solução técnica do art. 892, 2.~ parte, II, do Código Civil distingue-se da que se adotou no Código Civil alemão, § 432 (cada credor pode exigir que o devedor consigne a coisa devida, por conta de todos os credores, ou seja depositada judicialmente) e da que está no Código Civil suíço, art. 70, alínea 13, que não fala da consignação, nem do pagamento a um só dos credores, mediante caução. (Compreende-se que a doutrina haja cogitado da consignação e não se pode pré-eliminar o pagamento a um só dos credores mediante caução.) A solução de doutrinadores. em tôrno do texto suíço, no sentido de só se poder, judicial-

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r CAPITULO VIII DEVER DE INDENIZAR § 2.717. Preliminares 1.CONCEITO DE DEVER DE INDENIZÂÇLO. Na linguagem do direito brasileiro, reparar e restituir compreendem a recomposição natural e a recomposição pelo equivalente. Indenizar, em sentido estrito, 6 somente prestar o equivalente, O dever de indenizar supõe ter havido dano. Os suportes tácticos das regras Jurídicas sObre indenização são diferentes entro si, Em alguns, A elemento táctico necessario a culpa, Noutros, preso independe qualquer culpa, mas exige-se a causação entre o ato o o dano, Noutros, abstrai-se de qualquer culpa ou ato, Á causação 6 entro ato-fato ou fato “stricto soneu” e dano. 9.INDENIZAÇÃO. <a> Sempre que há dano? isto é, desvantagem no corpo, na psique, na vida, na saúde, na honra, ao normal, no crédito, no bem estar, ou no patrimônio, nasce o direito à indenização. Me o dano foi devido a o devedor não ter prestado, a indenização é em lugar da prestação devida: a pretensão à indeniza$o substitui a pretensão à prestação, como meio prático para a execução forçada. Cumpre, aqui, que se distingam: a)A indenização pelo dano causado pelo fato ilícito (ato ilícito absoluto, ato-fato ilícito absoluto, fato ilícito stncto sensu absoluto), em que o dever e a obrigação são de indenizar, origináriamente. b)A indenização substitutiva da prestação devida e não adimplida (e. g., em vez da coisa certa, que teria de ser entregue, a indenização pelas perdas e danos como adimplemento, isto é, em lugar da coisa). e) A indenização decorrente do não-adimplemento. Quase sempre, o inadimplente tem de prestar a indenização b), substitutiva, mais a indenização c). A indenização a) não é substitutiva, é equilibrante do patrimônio: P = P 1 + a. A indenização b) é substitutiva. P = P 1 + 1 P 1 + b. A indenização c) é a) ao lado deb). P = P -1 + 1 = P(- 1 + a) + b + a. O Código Civil cogita das três espécies: a) nos arta. 159, 1.518-1.532, 1.537-1.553; b) nos arts. 1.056-1.058; e) nos arts. 1.059-1.061. São as passagens principais. <b) O dever de indenizar ou se irradia a) de ato ilícito, ou de ato-fato ilícito, ou de fato ilícito stricto sensu; ou b) de inadimplemento ou de adimplemento insatisfatório de obrigação pessoal ou real; ou e) por ser inválido (nulo ou anulável) o negócio jurídico; ou d) em virtude de negócio jurídico unilateral ou bilateral (e. g., A promete indenizar os prejuízos que B possa sofrer com a exploração da mina, que se descobrira em terras de A, de B ou deC). (c) Se foi concluído contrato em nome próprio, mas por conta alheia, ou se houve estipulação unilateral a favor de terceiro, é de entender-se que se pode exigir o adimplemento no que toca ao interesse do terceiro, salvo se não há. qualquer ligação entre o estipulante e o terceiro, que justifique a atuação do estipulante. Sempre que há dever de entregar, se se presta ao estipulante, cabe a ação de reclamação do interesse de terceiro (Código Civil, art. 1.098). O devedor não tem alternativa de prestar ou ressarcir perdas e danos. O seu dever é de prestar; a sua obrigação é de prestar. Se falta àquele, já tendo de prestar, infringe o dever. Se fôsse possível, sempre, constrangê-lo a prestar em natura, não se precisaria de pensar em perdas e danos. O devedor não tem de prestar, se quer; tem de prestar, e, se não presta, como devera, comete ato ilícito relativo, do qual sé irradia o efeito de ter de prestar o sucedâneo. Se houvesse facultas, seria no mundo fáctico, e não facultas solutionis, nem, tão-pouco, alternação de prestação, fantasia de RUDOLF SOHM (Der Begriff <les Forderungsrechts, Gr-iinhuts Zeitschrif e, IV, 472), tantos anos mais tarde reeditada por alguns italianos. O ressarcimento do dano é pelo fato da infração. 3. VALOR E INDENIZAÇÃO. Às vêzes, as leis limitam ao pretium comrnune o quanto indenizável. Ressarce-se conforme critério legal, mas ressarce-se. A indenização não é segundo o valor comum, mas pelo valor que em verdade tem para o lesado o bem que se destruiu, ou a perda que sofreu. Por isso mesmo, quando se manda avaliar o dano causado ao que colecionava livros de determinada mate-ria, ou telas de determinada época, não se avalia só o que foi destruído, mas o que valia o livro ou a tela na coleção. O que se indeniza é o que sofreu a pessoa ou seu patrimônio, o pretium .singula.re, que pode ser acima do comum, salvo se é possível a prestação na mesma coisa, adquirível no mercado ou com facilidade. Se, por

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exemplo, o que foi prejudicado já havia vendido a coisa, a preço acima do comum, é o pretium singulare que se há de prestar, e não o pretium commune. A reposição natural é a que se teria de fazer, sendo possível. Porque não é possível é que nasce a pretensão àindenização de perdas e danos. A prestação do equivalente, id quod interest, ordinâriamente em dinheiro, é imperfeita, aproximativa, mas tornou-se a mais frequente, por mais fácil. Em sentido amplo, indenização é o que se há de prestar para se pôr a pessoa na mesma situação patrimonial, ou, por incremento do patrimônio, no mesmo estado pessoal em que estaria se não se houvesse produzido o fato ilícito (lato sen.su) de que se irradiou o dever de indenizar. Tem-se de considerar dano o que ofende o patrimônio, ou a pessoa <corpo e psique). O que tem valor pecuniário há de ser indenizado por êsse valor. Se não no tem, ou só o tem em l)arte, atende-se a regras jurídicas de estimação, como as do Código Civil, arts. 1.537-1.540, 1.545, 1.546, 1.547-1.552. t da maior importância o art. 1.553, por ser abrangente de quaisquer danos que tenham valor pecuniário, ou não no tenham, se não há regra jurídica especial sobre eles: “Nos casos não previstos neste Capítulo se fixará por arbitramento a indenização’. 4.CAUSAÇÃO (FATO E DANO). Só se indeniza o dano que é conseqUência do fato ilícito, ou do ato-fato iii cito, ou do ato ilícito, absoluto ou relativo, de que se irradia o dever de indenizar. O nexo causal há de ser verificado entre o fato e o dano, e não sempre entre o devedor e o dano, porque o ato ilícito não é a única fonte dos deveres de indenizar. A causação entre fato e dano é probabilistica. Não se há de pensar em determinismo absoluto entre o fato e o dano. Não é exigido que o fato, de que se trata, tenha causado, sôzinho, odano: basta que sem Ole não se haveria causado o dano. A respeito, há duas teorias: a) A teoria da conexdo adequada (Theorie des ad!iquaten Zusammenhangs), segundo a qual, além de ser necessário que haja o nexo causal, é preciso que ile seja adequado. Ainda quando o dano não se teria produzido se o fato não houvesse ocorrido, não há a relação causal, para o direito, se, nem a Intromissão de clrcunstánclas extraordinárlas, não teria r~~uJtq4o o dano. Assim, se A pâs o automóvel na garagem, e o ea~’alo de outrem, entrando na garagem, fês rodar o automóvel estrada ingreme abaixo, indo danificar o prédio vizinho, A não é responsável, porque, lem a circunstãncia extraordinária da entrada do cavalo, não poderia o automóvel ser levado pela ribanceira. b)A teoria da eond4do (Bedingungstheorie), ~egundo *qual são causais todos ou qualquer um dos jatos cuja coincidência fêz a causa conjunta do dano. Seguiram a teoria da conexão adequada, e. o., O. PLANCK (Kommentar, II, 1, 71 a,), F. ENDEMANN (Lehrbuch, 1, S.~-9Y ed., 785, nota 9) e P. OflTMANN (Reekt der SoktddverlWtltnisse, 30 s.). A teoria da condição foi sustentada por Fa. MoMMSEN (Zur Lehre vom Interesse, 137 s.), B. WINDSCHEW (Lekrbuch, ~f, 9a ed., 38) e F. SCHOLLMEYER (Recht der Schuldverhdltnisse, 38). No direito penal, a teoria da condição tomou a dianteira com M. v. BURI (Die Kausalitãt und ihre strafrechtlichen Beziehungen, 1 a.). O que importa é que o dano seja conseqUência do fato (ato ilícito, ato-fato ilícito, ou fato ilícito stricto sensu) que cria a responsabilidade. O princípio da causação vige em tôda a extensão. Causação entre o ato ilícito, o ato-fato ilícito, ou o fato ilícito stricto sensu, e o dano; e não entre o responsável, que pode não ser o ágente, e o dano. A respeito dos atos lesivos há a regra jurídica do art. 159, alíneas lA e 2.~, do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.582 e 1.537 a 1.553”. A propósito dos atos-fatos ilícitos, dos fatos ilícitos stricto sensu e das indenizações por ato lícito, que as há, as regras jurídicas são de menor extensão ou especiais. Exemplo de ato jurídico, lícito, de que resulta dever de reparação, tem-se no art. 160, II (art. 1.519 e art. 1.520, parágrafo único; veja Tomo II, § 187). A conexão causal é da máxima importância quando não se apura a culpa, como se a responsabilidade provém de fato ligado a alguma empresa. Sempre que o fato é próprio para causar o dano, a responsabilidade estabeléce-se. Se o fato não é causalmente adequado à produção do dano, não há pensar-se em ser responsável o agente, por ato positivo ou negativo. Se o atraso na saída do navio fêz o comerciante perder o carregamento de frutas que só chegou muitos dias depois, a emprêsa responde. Porém não responde se o carregamento partiu no dia certo e a tempestade reteve o navio noutro pôrto. Nem respon4e o alfaiate se, não remetendo a roupa ao freguês, êsse deixou de tomar a aeronave e perdeu negócio que teria de ser fechado, impreterivelmente, no dia da chegada. As perdas e danos não se estendem ao que está fora da relação de causalidade. Se o prédio está para desabar e a inundação derruba os prédios do local, inclusive o que se achava em perigo, não pode o que temia conseqUências ofensivas pelo desabamento exigir perdas e danos (L. 4, D., de impenais in res dot aí es factis, 25, 1) a causa foi a

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inundação, e não a ruína do prédio. Cumpre distinguir do caso fortuito ou fôrça maior pré--excludente da responsabilidade o caso fortuito ou a fôrça maior que se assume em virtude de ato ilícito, ou de ato-fato ilícito, ou de fato ilícito stricto sensu anterior, tal como ocorre em caso de mora, ou após ato-fato ilícito, ou fato ilícito stricto sensu, de que resultou responsabilidade por tôdas as circunstâncias nocivas posteriores. Todavia, a responsabilidade do devedor em mora, em se tratando de caso fortuito, ou de fôrça maior, só se estabelece se o dano é conseqúente, ainda mediatamente, ao inadimplemento <= se, adimplida a obrigação, o caso fortuito ou a fôrça maior não teria causado o dano de que se trata). ~ O caso fortuito ou a fôrça maior há de ser o mesmo caso fortuito ou a mesma fôrça maior? Se o devedor em mora alega que a coisa foi destruída, mas o caso fortuito ou a fôrça maior a teria atingido ainda que não tivesse havido mora, porque e. g. também outro incêndio destruiu a casa do credor, onde ela estaria se tempestivamente tivesse sido prestada, ~ não se livra da responsabilidade? ~ É preciso que o caso fortuito seja o mesmo ou a mesma fôrça maior? No direito romano (L. 10, § 1, D., de lege Rhodia de iactu, 14, 2), que é de LABEXO, considerou-se não ser responsável o devedor que, tendo de remeter a mercadoria por um navio, a remete por outro e ela perece pelo caso fortuito, mas, se pelo navio que fôra indicado tivesse sido envMda, também teria perecido. Ai, o caso fortuito não foi o mesmo. O art. 957 do Código Civil dilata a responsabilidade, porque o ato ilícito relativo já ocorreu (aliás, também no caso de ato ilícito absoluto, e. g., o ladrão responde pela perda da coisa se sobrevém por fôrça maior ou caso fortuito, cfr. art. 962). Abre-se exceção à regra jurídica da causação (nexo causal), de modo que não se exige, para a incidência do art. 957, SY parte, que o mesmo caso fortuito ou a mesma fôrça maior teria atingido a coisa ainda que prestada houvesse sido. A responsabilidade não cessa se o acontecimento que teria provocado o dano, se adímplida tivesse sido a obrigação, foi posterior ao que se produziu após a mora. Se E causa a morte de A, não pode objetar que A, que ia partir dois dias após, teria falecido no naufrágio do navio, ou na queda da aeronave, ou no desastre de trem. Nem se exime à responsabilidade o diretor de banco que se apropria de alguns títulos se alega que, dias após, todos os títulos foram roubados. Se, ao produzir-se a responsabilidade, já havia elemento que diminuira o valor (e. g., o animal morto já se achava doente), a coisa a restituir-se ou a prestação já tinha vícios de que não tinha responsabilidadé o devedor, o que se dá é que se diminui o quanto a ser prestado (A. VON TUHR, Der Not stand im Civilrecht, 62; Zur Schàtzung des Schaderts in der lex Aquilia, 12). 5. ALGUMAS ESPÉCIES. Lê-se no art. 1.128 do Código Civil: “Se a coisa fôr expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por sua conta correrão os riscos, uma vez entregues a quem haja de transportá-la salvo se das instruções dele se afastar o vendedor”. Os danos produzidos só têm de ser suportados pelo vendedor, na espécie do art. 1.128, se, tendo o vendedor seguido as instruções, o dano não teria ocorrido. Na espécie do art. 956 do Código Civil, que é a de mora do devedor, responde êsse pelos prejuízos que dela resultem. O art. 1.058 inclui a responsabilidade pelos prejuízos oriundos de fôrça maior, ou caso fortuito, o que o Código Comercial, art. 202, pré-exclui, na compra-e-venda: “Quando o vendedor deixa de entregar a coisa vendida no tempo aprazado, o comprador tem opção, ou de rescindir o contrato, ou de demandar o seu cumprimento com os danos da mora; salvo os casos fortuitos ou de fôrça maior”. Se o locatário derruba a parede, contra a vontade do locador e êsse pede indenização, o locatário pode objetar que o locador já requereu A municipalidade a licença para demolição da casa e nova construção (PH. HEÇK, Grundriss des Schuldrechts, 48). Idem, se é certa a deliberação imediata do locador. Levam-se em conta as circunstâncias que o agente podia conhecer ao tempo de se causar o dano e as que se podiam conhecer (r os outros homens, normalmente, podiam conhecer, cf. L. TRÁGER, Der Kausalbegriff im Straf- ind Zivilrecht, 159). São de repelir-se a opinião dos que exigiam a ciência do autor ao tempo do ato, e a de M. RÚMELIN <Die Verwendung der Kausalbegriffe im Straf- und Civilrecht, Archiv fiir diu civilistische Prazis, 90, 2171), que admitia não poderem conhecer a causação salvo depois os homens comuns. Tem-se frisado que é preciso que, de regra, o ato cause o dano <e. q.. embora cada um com a sua fórmula. M. Rt~MELIN.L.Taloza, FR. LEONHÀRD; respectivamente: que de modo geral o ato seja apto a produzir o dano; que favoreça a produção do dano, sendo desconhecido o ato antes, teoria da causa adequada de noticia posterior; que favoreça resultado da espécie produzida; que dê o resultado conforme regra geral). A fórmula segundo a qual causa o dano o que favorece, em geral, êsse dano, é imperfeita, porque: a) pode haver dano que foi causado por ato que, em geral, não o causa, nem o favorece (o agravamento da responsabilidade após a mora, a despeito de serem as mesmas as circunstâncias, mostra que há distinções a serem feitas, dentro da regra geral; b) a causaçáo pode, por circunstAncia extraordinária, -não se dar, embora de regra geral fôsse de esperar-se.

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Se dois ou mais de dois atos causam o dano (concorrência de causas) e nenhum deles o produziria sôzinho, há concorrência necessária e todos os atos são causais. Se qualquer dos atos concdrrentes bastaria para causar o dano, todos os agentes respondem. Idem, se não se pode saber ao certo qual o ato que determinou o dano. O ato qu~ causa o dano pode partir de quem não previu o dano (para a existência da causação não se exige a previsibilidade do dano). Aqui, cumpre que se distingam o ato ilícito que o é em si e o ato de que resulta o dano e, pois, é ilícito (absoluto). Quem entra na propriedade alheia, ou quem corta o fio elétrico que não podia cortar, comete ato ilícito, porque o direito de propriedade é a sujeito passivo total; e o agente responde pelo dano, ainda que o não pudesse prever. Se o f lo elétrico é próprio, mas a lei veda que o dono o mude, corte, ou desligue, há infração de dever absoluto por parte do dono da casa e do fio. A culpa só se apura, de regra, se a infração é de praticar ato, positivo ou negativo, que causa dano, e não de dever, de que pode resultar dano ou não. Ninguém pode entrar na casa alheia sem permissão do dono. Se entra e algum dano imprevisível ocorre, a responsabilidade pelo dano é ainda sem culpa, se há nexo causal entre a infração do dever e o dano. A causa pode ser mio-próxima ou ser mediata, a) Se o corretor recebeu ações de companhia de eletricidade para as vender em bOlsa no dia 1.0, e no dia 3 houve arrombamento do açude, baixando o preço das ações, responde o corretor pelo não-cumprimento das instruções. Se o depositário usa a coisa e do uso resulta o dano, responde (Código Civil, art. 1.275). Se o caso fortuito ocorreu; ou atingiu a coisa, porque foi usada, a responsabilidade é inegável. b) Se houve a tentativa de morte e o ferimento cicatrizou, crendo-se curado o ferido, mas dois anos depois falece, devido, segundo a ciência médica, ao ferimento, a causa da morte foi a tentativa. Aliás, o dever de indenização por lesão corporal se estende, de regra, às conseqUências do tratamento médico defeituoso ou da anestesia. e) Nem sempre a ocorrência de outro fato corta (xx interrompe) o nexo causal. § 2.718. Causas do dever de indenizar 1. FATOS ILÍCITOS, EM GERAL. O dever de indenizar não resulta somente de ato ilícito, nem só de ato culposo. Pode irradiar-se de fato ilícito etricto sensu e é o caso de quem quer que responda ainda por fôrça maior ou caso fortuito; ou de ato-fato ilícito, isto é, de ato que entre no mundo jurídico mas somente como fato. 2.RESPONãABILIDADE E CAPACIDADE. Se a responsabilidade é pelo fato ilícito stricto sensu, ou pelo ato-fato ilícito, não se apura a capacidade. O incapaz, ainda o absolutamente incapaz, responde, como se dá quando por motivo de confusão, comistão ou adjunção, o absolutamente incapaz tem de prestar a indenização a que se refere o art. 615, § 2.0, do Código Civil, ou se, em virtude de avulsão (art. 541), se tem de indenizar o perdente de porção de terra. 3. ATOS-FATOS ILÍCITOS, FATOS ILÍCITOS “STRETO SENSU” E ATOS LÍCITOS. Por vêzes o crédito tem por objeto reparação de dano. A fonte mais freqUente dos deveres de reparar é a falta cometida pelo autor do dano, entendendo-se por falta a culpa pela prática do ato ou da omissão, quer se trate de ato ilícito absoluto, quer de infração de obrigação contratual (ato ilícito relativo). Mas tal fonte não é a única e muitos deveres de indenização do dano surgem que não supõem culpa, nem, sequer, ato: ou o ato entra no mundo jurídico como ato-fato, ou há apenas fato que entra no mundo jurídico e se faz fatn ilícito st ri eta sensu, embora se estabeleça vínculo entre duas ou mais pessoas. No correr desta obra temos mostrado os atos--fatos ilícitos e os fatos ilícitos strieto sensu (Tomo II, §§ 162--181). Há, ainda, reparações de danos causados por atos lícitos.. Por outro lado, pode alguém assumir, negocialmente. o dever e a obrigação de repor em natura, ou indenizar em dinheiro, ou em outro bem, o dano de que não seria responsável, inclusive por meio de promessa de garantia, ou pela constituição de garantia real ou pessoal, ou por negócio jurídico de seguro. Se faz promessa de reparar o dano, por outrem, que seria o responsável, ou o dano pelo qual outrem não seria responsável, doa: ali, ao responsável; aqui, ao outorgado da garantia. Na primeira espécie, há estipulação a favor de terceiro. Dano é diminuição do patrimônio ou de algum direito não-patrimonial. No sistema jurídico brasileiro, não seria certo dizer-se que a ofensa a bens jurídicos pessoais não é dano. 1-lá ofensa ao nome, à honra e a outros direitos que não atingem o patrimônio, razão por que a indenização, que se há de prestar, não substitui, apenas satisfaz, ainda quando seja em dinheiro ou outro valor. Para que a diminuição do patrimônio seja dano, é de mister que se produza contra a vontade do titular do patrimônio, ou, pelo menos, sem o seu consentimento. Todavia, quem não pode consentir, não pode consentir em que outrem lhe

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diminua o patrimônio. O absolutamente incapaz que deu entrada no portão a alguém para se arrancar a estátua do jardim, ou tirar os frutos, ou depredar as obras, não consentiu no dano, porque não há consentimento se a pessoa não pode consentir. O agente responde pelos danos causados à residência do absolutamente incapaz como causador de atos ofensivos sem consentimento do dono da residência. a)Se o ato (ou fato) retira algo ao patrimônio, como se alguém furta os animais ou as jóias, ou deixa aberto o portão e os animais fogem, há dano. b) Se os atos (ou fatos) criam necessidades, para a satisfação das quais é de mister ato positivo ou omissão, que diminua o patrimônio, a alienação ou consumo de valor, ou a cessação e incremento ou conservação do patrimônio, há dano. c) Se, por violência, ou outra pressão ilícita (ameaça. mistificação, falcatrua), alguém é levado a alienar ou consumir, há dano (sem o ato de pressão ilícita não se teria dado). d) Quando há algum fim a ser atingido e o ato (ou fato), eliminando-o ou tornando-o práticamente inalcançável, diminui o patrimônio ou sacrifica alguma das suas destinações, há dano. Por exemplo: A tem de partir domingo de aeronave e compra o bilhete, E impede-o de partir e perde A a viagem (o preço do bilhete, pelo menos, é dano) ; A montou a indústria, contando com determinadas máquinas que adquiriu de E, que as fornece, e E não as entrega, no devido temko <há a infração do contrato, com ofensa ao fim para que B forneceria as máquinas). Todos os danos de que acima falamos são exprimíveis em parcelas do passivo ou em supressão ou diminuição de parcelas do ativo. O que do ativo excede o passivo é o patrimônio líquido. A supressão de parcelas do ativo pode resultar de perda de parte do artigo do ativo, ou de perda total do ativo, ou apenas de desvalorização. O incremento do passivo pode provir de nova divida, ou de crescimento de alguma dívida, ou reconhecimento de divida prescrita para efeito de torná-la eficaz (negócio jurídico eficacizante). O corpo e a psique não são elementos do patrimônio . Todavia, são causas de produção e crescimento de valôres patrimonais. Quem deixa de ganhar ou fica em situação de não poder ganhar torna-se inapto a produzir ou fazer crescer o que, sem a causa do dano ao corpo ou à psique, poderia obter de lucro ou de aumento de lucro. Passa-se o mesmo se o dano consiste em aparição ou agravamento de necessidades materiais. Não se pode dizer que em todos os casos haja dever de indenização se o agente produziu causa que, em correlação com outras, ou sôzinha, provocou o dano. Tal enunciado apenas apanharia os atos ilicitos e os atos-fatos ilícitos ou atos lícitos que fazem nascer dever de indenização. Ficariam de fora os fatos ilícitos st ri eta sensu, a respeito dos quais rege o princípio de causação e se põe ao vivo que a causação é entre fato e dano> e não entre agente e dano. 4.PLURALIDADE DE DEVEDORES DE INDENIZAÇÃO. (a) Há concausação quando duas ou mais pessoas concorreram para o mesmo resultado. Os responsáveis são co-autores, porque houve concausas, e não uma causa só, ou pluralidade de causas para resultados diferentes, que deram ensejo ao dano. Os concausadores ou são instigadores, ou cúmplices, ou causadores, sem ligação, do mesmo dano, que nenhum deles, sôzinho, poderia determinar. Os causadores de danos, que se juntaram, não são concausadores: cada um responde por sua parte ou porção, porque a relação causal é entre o ato e o dano que cada um produziu, e não do dano total. Se uma causa só não produziria o mesmo dano, nem duas ou mais causas, separadas, não o produziriam, há concausas. Se cada uma provocou situação que a outra agravou, mas somente a última fêz o dano, porque a primeira não o poderia determinar, não há concausa. (b) Diferente é o que se passa a propósito das causas concorrentes. Aqui, a causa a seria suficiente para exsurgir o dano d, bem assim a causa b; mas acontece que, houve as causas a. e b. Por exemplo: dois salteadores, ignorando um o que o outro fazia, atiram sobre o passante: os tiros atingem a vitima, que morreria com qualquer um dos tiros. Qualquer dos agentes é responsável. No plano da responsabilidade contratual, se A contratou o fornecimento do manganês por E e o do ferro por C e ambos caem em mora, pretensão à indenização é contra ambos. Nenhum -pode alegar que também houve atraso por parte do outro. (c) Há causalidade alternativa quando o dano pode ter sido causado e o foi pelo ato de A ou pelo ato de E, sem se poder determinar, com certeza, qual dos dois o causou. Há duas soluções de técnica legislativa: a) a de se entender que, na falta de prova de quem causou o dano, ainda que haja indícios veementes contra ambos os apontados, nenhum pode ser responsabilizado; b) uma vez que os fatos se apresentam como um todo, a de se ter como responsável qualquer dos participantes. § 2.719. Atos e atos-fatos e fatos simples positivos 1. CAUSAS POSITIVAS. As causas mais importantes, por sua freqUência, são as que consistem em atos positivos, atos--fatos positivos ou fatos simples (~ stricto sensu) positivos. O fazer culposo que infringe, como o fazer não culposo, que se tem por infracional, e o acontecer, porque se

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responde, são fontes de obrigação por ilicitude. 2.FATO ILÍCITO “STRICTO SENSU” POSITIVO. O fato ilícito “stricto sensu” pode ser positivo (e. g., a queda do jarro de planta, devida ao vento, causa dano e determina responsabilidade segundo o art. 1.529 do Código Civil) ou negativo (e. g., estando em mora o devedor, a falta de chuva destruiu eu deteriorou a safra). § 2120. Omissão 1. CAUSA DE DANO. A abstenção, omissão, ou ato negativo, também pode ser causa de dano. Se o ato cuja prática teria impedido, ou, pelo menos, teria grande probabilidade de Impedir o dano, fói omitido, responde o omitente. Por exemplo: a omissão de aviso ao que vai atravessar a ponte em que há perigo de vida, ou de que a casa alugada está em risco de incêndio. t preciso, porém, que haja dever de praticar o ato que se omite. Nos dois exemplos acima, o dever de aviso. Convém atender-se a que a omissão pode dar ensejo à responsabilidade pela indenização se é causa do dano, ou porque, de si só, infringe dever de atividade. Diz-se, por vêzes, que omissão não pode causar, mas essa concepção da causalidade só entre fatos positivos levaria a conseqUências erradas. Pode-se assassinar por simples omissão: viu-se aberta a caixa de esgotos de águas pluviais, sabia-se que cairia e morreria quem por ali passasse e, vendo-se aproximar de lá alguém, não se avisou (cf. L. TRÁGER, Das Problem der Unterlassungsdelikte, Fest gabe fiir L.ENNECCERUS, 20 s.). 2.DEVER DE ATIVIDADE. O dever de atividade (= de não omitir) pode ser de direito privado ou de direito público. Há de ser dever jurídico. Não basta o dever moral. Assim, o dono do terreno por onde há passagem permitida de pessoas ou de animais, sem ser preciso que se trate de servidão de passagem ou de trânsito, tem o dever jurídico de colocar sinais que advirtam de estar inutilizada pelas chuvas a ponte, ou de não suportar, por qualquer outra causa, o pêso dos carros, ou dos próprios sêres vivos. Não há, porém, dever jurídico, geral, a priori, de ajudar os semelhantes. Quem guarda pessoa ou animal, a que deva alimentar, se omite o ato de dar-lhe ou fornecer-lhe alimentos, causa dano. Por exemplo: se o pai ou mãe deixa que faleça ou se enfraqueça de fome o filho; se o vigilante da obra não está atento a quem entra; se o professor de natação, ou de equitação não salva, podendo fazê-lo, o discípulo; se o encarregado da guarda do prédio não extingue o fogo que começou; se o policial, indo pela rua, não dá voz de prisão ao homem que está a preparar arma proibida. Quem criou o perigo, ainda sem culpa, tem o dever de eliminá-lo. Responde pelo risco 4uem dele foi causa, porque lhe nasce o dever de evitar o dano. A ilicitude, aí, pode não ser do ato positivo, mas, sim, tão-só, do ato negativo. Se se iniciou fogo na fazenda de E, tem ele dever de apagá-lo para que não se propague às outras fazendas. O negociante de mercado que descobre doença transmissível nos animais que vende tem o dever de informar os negociantes vizinhos para que imunizem os seus animais. Se a água está a arrasar a muralha do vizinho e êsse não providencia para lhe evitar o desabamento, responde pelos danos: a sua omissão, infração de dever, foi causadora da derruíção. A polícia prendeu o homem e verificou, depois, que não fôra ele o culpado. Há o ato positivo, danoso, da prisão injustificada, e, depois, o ato negativo (omissão) de não soltar (cf. L. TEXOER, Der Kausalbegriff im Straf- und Zivilrecht, 978.). A criança ou o adulto traz o animal alheio e deixa-o prêso no meu sitio; comete omissão danosa se não o solta, ou se não avisa o dono, e. g., se consta da coleira quem é e seu telefone. Alguns deveres morais entraram no mundo jurídico, fazendo-se deveres jurídicos, por se ter tornado regra jurídica a opinião geral do tráfico. Tem-se dito que a omissão não pode ser causa de efeito, porque a inação não muda o mundo exterior. Tal raciocínio desatende a que o ordenamento causa] do mundo social conta com atos que em determinadas circunstâncias têm de ser praticados, razão por que não se precisa de explicação para se admitir que a omissão se tenha, em certos momentos, por ilícita. Quem assistiu ao desabamento da ponte e, estando na estrada, não adverte o automóvel, ou outro veículo, ou transeunte que se aproxima, sem poder distinguir o que era e o que é o caminho, comete omissão ilícita (Código Civil, art. 159). A “ação” e a ‘‘omissão voluntária’’ foram tratadas com a mesma regra jurídica no art. 159 do Código Civil. Não se trata, apenas, de omissões que hajam sucedido a atos positivos criadores de perigos (cf. L. 27, § 9, D., ad legem Aquilia>m, 9, 2). Basta que, segundo a concepção do tráfico, seja de esperar-se, pelas circunstâncias, que a pessoa praticaria o ato (aviso, retirada do perigo). Não só o Estado é responsável pelos danos que cause a abertura de buracos nas ruas, sem sinal conveniente; também a pessoa que, vendo o fio de eletricidade quebrado fia estrada, não telefona às autoridades, ou à emprêsa de eletricidade, podendo fazê-lo. § 2.721. Culpa ou risco do ofendido

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1. DANO E CULPA DE QUEM O SOFREU. A técnica legisla~ tiva teve de enfrentar um dos problemas mais delicados de apuração da responsabilidade, o da culpa do ofendido. O ato ou omissão do que sofreu o dano foi, ex h~pothesi, concausa do dano, ou, pelo menos, de seu maior importe. O dano, somente com o atd positivo, ou negativo, de outrem, não seria ou seria d, com o ato positivo ou negativo do prejudicado, é d, ou é á + 1. Preliminarmente, é de afastar-se o conceito, que turvou a investigação e perturba a discussão, ainda hoje, de compensação de culpas. Culpas não se compensam. O ato do ofendido é concausa, ou aumentou o dano. Trata-se de saber até onde, em se tratando de concausa, responde o agente, ou como se há de separar do importe o excesso, isto é, o que tocaria ao que fêz maior o dano, que, ai, é o ofendido. 2.PRESSUPOSTOS DA CONCORRÊNCIA. Pôsto que quase só se fale de concorrência de culpas do ofensor e do ofendido, ou de concorrência de culpa do ofendido (o que abrange as espécies em que há responsabilidade, da parte do ofensor, por culpa, ou por fato ilícito stricto sensu, ou ato-fato lícito, e culpa do ofendido), há espécies em que o ofendido teria de responder por fato ilícito stricto seneu ou por ato-fato ilícito. 3. DIREITO COMUM. No direito comum, se havia culpa do ofendido, não surgia dever de indenizar (L. 203, D., de diversis regulis iurfl antiqui, 50, 17: “Quod quis ex culpa sua damnum sentit, non inteliegitur damnum sentire”; L. 23, ~ 8, D., de aedilicio edicto et redhibitione et quanti minoris, 21, 1; L. 52, pr., O., ad legein Aquiliam, 9, 2; L. 30, § 4). Todavia, em caso de dolo do agente, não cabia a pré-exclusão da indenizabilidade do dano (L. 45, § 1, D., de actionibus empti venditi, 19, 1; L. 9, § 4, ad legcin Aquiliam, 9, 2). 4. DIREITO BRASILEIRO. No direito brasileiro, a regra jurídica sobre concorrência de culpa do ofendido (concorrência de culpa própria), pode ser redigida do seguinte modo: Se, para a produção do dano, a pessoa ofendida contribuiu com a sua culpa (concausa ou determinação de aumento do dano), tem-se de apurar, conforme as circunstâncias, a qual dos causadores se há de atribuir a maior responsabilidade e fixar-se-á o que há de prestar o ofensor. Todavia, é preciso advertir-se em que a regra jurídica da concorrência da culpa do ofendido se subsume noutra, que é a da concorrência da responsabilidade eventual do ofendido. Teremos de tratar do assunto mais de espaço, convindo falar-se primeiro da concorrência da culpa do ofendido, que corresponde às espécies mais freqUentes. 5.CONCORRÊNCIA DA CULPA DO OFENDIDO. A regra jurídica da concorrência de culpa do ofendido tanto se refere às indenizações ex delicto quanto às indenizações por não-adimplemento de obrigação e às indenizações de outra fonte (cf. G. PLANCK, Koinmentar, II, 1, 105; P. OnTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 58; H. DERNEURO, Das BIÁrgerliche Recht, II, 1, 88; L. COHN, Untersuchungen zu § 254 EGB., Gruchote Beitrâge, 43, 122; W. KIsCE, Griinhuts Zeitschr-ift, 1929, 351). É preciso que o ofendido possa ser responsável por culpa (capacidade delictual) e seja previsível o resultado em danos. A regra jurídica do art. 156 do Código Civil incide. A solução de se descontar ao que se há de indenizar ao absolutamente incapaz o que proveio ue ato positivo desse, ou de omissão, é de repelir-se: não se lhe apura culpa; só há a do agente (ALnED GOTTSCHALK, Das mitwirkende Verschulden des Beschiídigten, 69; L. TRÂGER, Der Kausalbegrif 1 im Straf- und Zivilrecht, 338 s.; sem razão, M. RÚMELIN, Die Verwendung der Kausalbegriffe im Straf- und Civilrecht, Archiv fiir die civilistische Praxis, 90, 316; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 56; C. CROME, System, 1, 497; R. WEYL, Syjstem des Ver- schuldensbegiiffe, 297 a.; Tn. PFIZER, Verschulden eines Kindes unter sieben Jahren, Deutsche JuristenZeitung, IX, 762). Só se leva em conta o ato do incapaz, de culpa própria, se, nas mesmas circunstâncias, responderia por dano a outrem. A embriaguez não pré-exclui a responsabilidade, salvo se provém de dolo de outrem, sem culpa do ofendido em se embriagar. A prática de ato proibido não é de considerar-se sempre, em qualquer circunstância, culposa; por exemplo, se foi para legítima defesa, ou em caso de necessidade, ou em cumprimento de dever moral. Se o dano resultou de ato positivo ou de ato negativo do responsável e só o poderia evitar por ato positivo o ofendido, nada impede a incidência da regra jurídica da concorrência da culpa própria (ALFRED GOTTSCHALK, Das mitwirkende Verschulden des Beschddigten, 70; P. KRISCKMANN, Verachuldensaufrechnung, Gefãhrdungsaufrechnung und Deliktsfãhigl<eit, Jherings Jahrbiicher, 55, 16; contra P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 53; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 103; M. RÚMELIN, Die Verwendnng der Kausalbegriffe im Strafund Civilrecht, Archiv .tiir die civilistische Praxis, 90,

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311). Se o ofendido concorreu para o dano, ou se o aumentou, a relação de causação entre o dano e o fato pelo qual outrem éresponsável é apenas a do dano causado menos aquele que se liga ao ato do ofendido. Não se pode dizer que há duas responsabilidades, como fazem alguns juristas. Há, apenas, o responsável, ainda que, ex h’ypothesi, haja concausas, ou causa de aumento do dano. Ninguém responde a si mesmo. Tanto destoava dos princípios a solução do direito comum, sobre a não-indenizabilidade se havia culpa do ofendido como são de repelir-se, em direito brasileiro, a solução que consiste em medir culpas, em vez de danos, em vez de procurar relações causais, e a que deixa tôda a apreciação à eqUidade. Ésse é um ponto que merece tôda a atenção. A responsabilidade, não só em casos de responsabilidade por culpa, se há culpa do ofendido, ou se êsse seria responsável pelo ato-fato ilícito, ou pelo fato ilícito stricto sensu, apenas pré-diminui ou pré-exclui a responsabilidade do ofensor. Mas apenas pré-diminui ou pré-exclui; isto é, o ofensor responde, ou deixa de responder porque só até aquele ponto foi responsável, ou não foi responsável. Não há duas responsabilidades uma das quais diminua ou exclua a outra. Tudo se há de considerar antes (conceptualmente) da incidência e, a fortiori, antes da aplicação da regra jurídica: no próprio suporte fáctico do ato ilícito, do ato-fato ilícito, ou do fato ilícito stricto seneu do ofensor. No mundo jurídico, já acontecera a diminuição ou exclusão, de modo que não se há de pensar em qualquer operação de subtração. Os atos que há de praticar o que pode ser ofendido, OU que o foi, para que se não impute ser concausador, ou agravador do dano, são os que homem razoável praticaria, sendo da aptidão ou profissão especial que ele tem. Não se pode admitir que o dono da casa incendiada arrisque a vida para a salvar; mas é de exigir-se que ele telefone ao corpo de bombeiros. Não se pode pretender que o médico, ferido, se opere a si mesmo, porém há cuidados que ele, como médico, tem de tomar. Máxime se cirurgião. Se o ato positivo, ou negativo, do ofendido, obedeceu a dever moral, ou, pelas circunstâncias, ao que poderia parecer seu dever moral, não há pensar-se em concorrência de culpa. O ferido que não procura o médico, ou se recusa a intervenção cirúrgica tida por imprescindível, agrava o dano, por culpa sua. A imprescindibilidade para evitar o aumento do dano é de verificar-se segundo os recursos da ciência. Se nenhuma culpa teve o ofendido, nem lhe cabe responder pelo risco, o problema não se põe : responde exclusivamente o agente. Não sofreu dano ex culpa sua, ou por fato ilícito. Aí, o direito contemporâneo coincide com o direito comum. A divergência começa quando se assume que houve culpa. Primeiramente, a culpa contra si mesmo é infração de regra de conduta, porque todos os homens têm do dever, nas relações com os outros ( no tráfico da vida), de proceder de tal! modo que evitem dano aos outros e a si mesmos. Esse dever é jurídico, como o é o de respeitar os sinais de trânsito, o de se pôr nas filas de passagem ou de compras, ou o de não fechar com o carro a estrada. A regra jurídica da concorrência da culpa própria também incide: a) em se tratando de redibição se a restituição se fez impossível por culpa de ambos os contraentes (Código Civil, arts. 1.101-1.106) ; 14 se houve culpa de ambos os contraentes em pré-contratos; o) nas espécies de que cogita o art. 1.527 do Código Civil; d) nos casos de abalroamentos de navios, a despeito da parte final do art. 750 do Código Comercial, pois êsse passo só se refere à falta de prova de culpa (= não se sabe qual foi o culpado), e não à concorrência de culpas; e) nas espécies dos arts. 1.537-1.540 do Código Civil; 1) na reivindicação, quanto a danos sofridos pela coisa restituenda que hajam de ser indenizados (Código Civil, arts. 513, 514, in fiiie, ex argumento, e 515) ; g) em se exercendo pretensão por execução provisória de sentença (Código de Processo Civil, arts. 882, II, e 883, II), arresto, seqUestro, ou outra medida cautelar (F.STEIN, Zivilprozessordnung, II, 404, nota 54; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 101, 1; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 421; discordava ADOLF WAcH, fie Novelie zur Civilprozessordnung, Deutsche Juristen-Zeitung, III, 66) ; h) nas espécies dos arts. 904, 909 e 913, e 1.518, 2.~ parte, e 1.519 do Código Civil (O. WARNEYER, Kommeniar, 421 s.) ; i) se ocorre resolução do contrato, por impossibilidade devida a culpa de ambos os contraentes (Código Civil, arts. 865, alínea 2.~, 870, 876, 879, 2.~ parte, 883, 886, 887, 895, 902 e 908, 23 parte). Oart. 2.0 da Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, alude à concorrência de culpa. “Se, nos casos dos ns. 2, 3, 4, 5, 6 e 7 do artigo antecedente”, diz o art. 2.0, “concorrer a culpa da estrada de ferro com a do remetente ou destinatário, será proporcionalmente dividida a responsabilidade”. Os casos do art. lA, ns. 2, 3, 4, 5, 6 e 7, são os de perda ou avaria por vício intrínseco da mercadoria ou causas inerentes à sua natureza, o de se tratar de animais vivos e a morte ou avaria ter sido conseqUência do risco Que a espécie de transporte faz naturalmente correr, o de ter havido mau acondicionamento da mercadoria ou a de ter sido entregue para transportar sem estar encaixotada, enfardada, ou protegida por envoltório, o de se haver transportado a mercadoria em vagão descoberto por agente, ou por aplicação de regulamento, e o de ter sido feito pelo remetente, ou pelo destinatário, ou seus agentes, o carregamento ou descarregamento. A falta de diligência compreende atos positivos e atos negativos. Ou a diligência consistiria em ato positivo ou em atos positivos, ou consistiria em ato negativo ou em atos negativos, ou em ato positivo e ato negativo, ou em atos

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positivos e atos negativos. A omissão é, aí, infração de dever. O ato positivo, infração de dever de diligência. A falta de diligência ou resulta: a) de ter o ofendido contribuído para a ocorrência do dano, inclusive por provocação do agente, ou por descuido de evitamento ou minoração do dano; ou ti) de ter concorrido para que o dano continuasse (crescimento no tempo), ou se fizesse maior (crescimento objetivo). Quem omite informar o ofensor do importe dos danos que pode causar concorre em culpa. Diz-se no art. 1.519 do Código Civil: “Se o dono da coisa, no caso do art. 160, n. II, não fôr culpado do perigo, assistir-lhe-á direito à indenização do prejuízo, que sofreu”. A simples leitura do art. 1.519 poderia levar a afirmar-se que ou há responsabilidade do causador do dano ou não há, conforme não haja, ou haja, culpa própria. Seria o dilema: ou há culpa do dono da coisa, e está pré-excluida a indenização; ou não há, e cabe a ação de indenização. O argumento a. contrario seneu precisa não ser radical, exatamente porque existe a regra jurídica da concorrência da culpa própria. Se há culpa total do dono da coisa ou titular do direito, e nenhuma responsabilidade de outrem, claro é que o dono da coisa ou titular do direito carece de ação de indenização. Pode acontecer que ato seu tenha sido concausa, ou haja determinado aumento do dano. Então, não há pensar-se em que se resolva de acordo com o dilema. A regra jurídica de concorrência de culpas não se entende (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 421) com as avarias grossas (Código Comercial, art. 763: “As avarias são de duas espécies: avarias grossas ou comuns, e avarias simples ou particulares. A importância das primeiras é repartida proporcionalmente entre o navio, seu frete e a carga; a das segundas é suportada ou só pelo navio, ou só pela coisa que sofreu o dano ou deu causa à despesa”). 6.RESPONSABILIDADE DO OFENSOR, PELO FATO ILÍCITO “STRICTO SENSU”, OU PELO ATO-FATO ILÍCITO. Se a responsabilidade do ofensor é pelo fato ilícito stricto seneu, ou pelo ato -fato ilicito, pode dar-se que se tenha de atender à regra jurídica da concorrência da culpa do ofendido. Pode haver, por exemplo, alegação de culpa do ofendido se é de incidir o art. 17, alínea 2.’, inciso 2.0, da Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912 (vertia “culpa do ofendido, não concorrendo culpa da estrada”), ou o art. 1.529, ou o art. 1.527, ou o art. 1.528 do Código Civil. 7.RESPONSABILIDADE DO OFENDIDO, POR FATO ILÍCITO “STRICTO SENSU”, OU PELO ATO-FATO ILICITO. Se o ofendido serIa responsável pelo fato ilícito etricto aensu, ou pelo ato-fato ilícito, pode ser objetado que houve concausa ou aumento do dano. Por onde se vê que as express6es “çoncorrência de culpa do ofendido”, “culpa própria” e outras de modo nenhum abarcam tôdas as espécies. O que concorre é causa de responsabilização, que ai ré-diminui a responsabilidade do ofensor. Não se trata, note-se bem, de diminuição, mas de pré-diminuição, -uma vez que não vemos na alegação exceptio, mas objeção O ofensor só responde até onde a sua responsabíliade encontra a que teria o ofendido se ofendido fôsse outrem. Com essas proposições precisas o assunto assaz se clarcia. Acontece que os juristas às vêzes se perturbam com a delicadeza do assunto em espécies em que o suporte fáctico ainda se está completando quando o fato ocorreu. Por exemplo: B espantou o cavalo de corrida que, saltando o gradil, machucou o pé ou a perna; e ainda não se sabe, dias após o fato, se o animal ainda pode competir nos grandes prêmios, ou se está excluido - de qualquer corrida, ou se o dano consiste apenas no que resulta de não correr durante o mês mais as despesas de tratamento, salário fixo do jóquei e dos tratadores e outras. Se houve concorrência de culpa, pode ter-se dado antes do fato, durante ele, ou após ele; isto é, enquanto não se completa o suporte táctico do ato ilícito do ofensor. 8. DOLO DO OFENSOR. Se há dolo do ofensor, não há invocar-se a regra jurídica de concorrência da culpa. Com o dolo culpa não concorre. Se o dolo é do ofensor e do ofendido, como se ambos dolosamente se conduziram na conclusão do contrato (Código Civil, art. 97), não há alegabilidade do dolo de um pelo outro. A invocação do art. 97 do Código Civil opera como objeção (Tomo IV, §§ 453, 2, e 455 3)~~ A jurisprudência alemã (e. g., Reichsgericht, 28 de março de 1908) admitiu, em caso de dolo enantiomórfico, a aplicação da regra jurídica de concorrência da culpa própria (aí, dolo próprio)~ mas, de lege ferenda, a solução brasileira é preferível, e de lege lata o art. 97 do Código Civil obriga a essa atitude. O que importa averiguar-se é se há as causações “ato (positivo ou negativo) doloso, por parte de A, e dano d” e “ato (positivo ou negativo) doloso de B e dano d”, ou se o dano que o ato de A produziu não é o dano que o ato (positivo ou negativo) de B produziu, ou só aumentou ao dano produzido por A. Se há concausa, o art. 97 incide. Tratando-se de conclusão de negócios jurídicos bilaterais, há, necessàriamente, concausa, o que pré-exclui a indenizabilidade, pois a relação é entre dolo e conclusão do contrato. Se o dolo de B não produziu, concausalmente, o dano d, não há invocar-se o art. 97, que só se refere à anulab,jlidade do negócio jurídico e à indenizabilidade pelo dolo na conclusão do negócio jurídico bilateral. Por isso mesmo, fora dos negócios jurídicos., ou somente no que não envolvem alegação de invalidade do negócio

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jurídico, a regra da concorrência de culpa ai, de dolo incide, se os danos têm causações diferentes. 9.RELAÇÃO CAUSAL E GRAU DE CULPA. O que importa para a determinação do dever de indenizar não é o pêso das culpas do ofensor e do ofendido, mas a relação causal. O dolo do ofendido, que não concausou o dano, nem o aumentou, não é de considerar-se. A simples culpa não teve aquela função, nem essa; apenas suscita a incidência da regra jurídica de concorrência de culpa, que melhor se exprimiria como regra jurídica de concorrência de causação pelo ofendido. Por isso mesmo, se a parte de influência do ato (positivo ou negativo) do ofensor, ou do ofendido, é mínima, na determinação do dano, não há pensar-se em concorrência:, ali, porque falta pretensão ao ofendido; aqui, porque a espécie não é de dano ex culpa propria. 10.REPRESENTAÇÃO LEGAL E CULPA DO OFENDIDO. Tratando-se de culpa em negócio jurídico, em que o absolutamente incapaz seja o ofendido, a culpa do representante legal é culpa própria <culpa do ofendido), e só lhe cabe a ação regressiva contra o representante legal (Código Civil, arts. 384, V, 426, 1, e 431, 1.~ parte). Quanto às pessoas que servem ao ofendido para o adimplemento das suas obrigações, cumpre discutir-se o assUnto diante do direito comum e do direito brasileiro. No direito comum, a culpa pela qual respondia o devedor, no caso de atos dos auxiliares, era a culpa in eligéndo, ou na formulação de instruções, ou a culpa in vigilando (J.CIIR. HASSE, Die Culpa des râmischen Rechts, 408 5.; P.F. VON Wvss, Die Haftung f-iir fremde Culpa, 97 s.). No direito brasileiro, há a responsabilidade pelo ato de outrem, no cumprimento das obrigações; e o absolutamente incapaz responde, se se trata de adimplemento de obrigação (aliter, de ato ilícito absoluto, isto é, de culpa extranegocial). O art. 1.521, [-IV, do Código Civil enumera as pessoas responsáveis por atos de outrem; porém as espécies apontadas não pré-excluem a responsabilidade pela culpa in etigendo, ou in vigitarulo, fora do que se apontou ho art. 1.521, 1-1V. A regra jurídica de que a culpa do representante legal é culpa do representado entende-se quanto a quaisquer representantes legais: titular do pátrio poder, tutor, curador, inventariante, síndico de massa falida, marido ou mulher chefe ‘da sociedade conjugal, no que representa, e testamenteiro (ERNST PEnEi, V’erantwortlichkeit 11k ftemdes Verschulden, 24; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 116; E. JAEGER, Xommentar zur Konkursordnung, 1, 156, nota 17; G. PLANCK, Komment ar, II, 1, 228; diferente, H. REHBEIN, Das lihirgerliche Cesetzbuch, II, 105; J. BIERMANN, Bilrgerliches Recht, 1, 263). No caso de representação coletiva, a culpa de um dos representantes basta para se compor a culpa própria do representado (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 486). Lê-se no art. 1.521, V, do Código Civil que também responde pela reparação do, dano quem participou dos produtos do crime até à concorrente quantia. Se B, que foi lesado por A, incientemente, se locupleta com o que A lhe tirou, ou com o produto do dano causado, não há pensar-se em invocação do art. 1.521, V. O que se tem de fazer é considera ro quanto da participação, para se diminuir ao dano sofrido (xx para se pré-subtrair ao elemento dano que é um dos elementos do suporte fáctico), ou para se dar como prestado o quanto da partici pação <adimplemento, por A, da obrigação de indenizar). O título da aquisição muito importa. Se A roubou o aderéço de E e o vendeu, comprando, com todo o preço, ou parte, anel e outras jóias, ou outro aderêço, de que fêz presente a E, a doação vale e é eficaz, porque B, aí, não participou do produto do crime. Se B se aproveitou do produto do ato ilícito de A sem ser a titulo oneroso, ou a título gratuito, ou foi acorde na simulação do titulo, há locupletamento sem causa ou em virtude do negócio jurídico simulado, e tem-se de proceder à pré- -subtração do quanto. 11.AUXILIARES E SERVIÇAIS. Quanto aos auxiliares e serviçais, a culpa .é própria do ofendido, porque o é pelo fato da escolha, ou através do representante legal. Trata-se de pessoas que o ofendido pusera para a prática de atos como seus. Já se expôs suficientemente o que era de mister saber-se sobre anúncio (e. g., Tomo III, §§ 314, 4, 323, 386, 6, 441 e 446). A matéria das obrigações por fato ilícito etrieto sensv, ato-fato ilícito ou ato ilícito, absolutos, de outrem está fora de exame, porque a regrou o art. 1.521, III, do Código Civil. O que se tem dé versar somente concerne ao ilícito absoluto ou relativo (= ilícito nas relações jurídicas negociais), particularmente no adimplemento das obrigações, se o auxiliado é acusado de culpa própria, por ter de responder pelo ato do auxiliar, segundo o art. 1.521, III, do Código Civil. Rigorosa-mente: se se tem de atender a que há concorrência de causação. Falta, no sistema jurídico bra~ileiro, regra jurídica escrita que corresponda ao § 254 do Código Civil alemão, com a remissão ao § 278, mas essa regra jurídica existe, se revelamos o sistema, em sua plenitude. Na doutrina alemã houve divergência: havia os que liam o § 254, 2.~ alínea, como se só se referisse, na remissão ao § 278, ao cumprimento das obrigações, o que deixaria fora do seu alcance a culpa do auxiliar ofendido nos casos de atos ilícitos absolutos e outros (e. g., E. ENDEMANN, Lehrbuch, 1, 761, nota 25), e os que lhe deram interpretação ampla (G. PLANCK, Komment ar, II, 1, 107; E. ENNECCERUS, 1, 2, 39, nota 11, e nas edições recentes, § 12, nota 11; P.OERTMANN, Recht der

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Schuldverhàltnisse, 59). A opinião certa é a segunda, quer no sistema jurídico alemão quer no brasileiro. Se a regra jurídica sobre os auxiliares e núncios não se estendesse a todos os casos em que o auxiliado ou nunciado se vincularia, o terceiro que responde pela indenização acarretaria com todo o importe do dano, a despeito de ser causado, em parte, por culpa do auxiliar ou núncio. A opinião que somente vê culpa própria, ou causa própria (risco próprio), por ato de representante legal ou auxiliar, se há relação jurídica anterior entre o devedor e o credor, é de repelir-se (sobre isso, com razão, JULIUS KÃHN, Rulpaeompensation und Gehilfenhaftung, Archiv fiir Biirgerliches Recht, 34 355 s., cp. A. NUSSBÃUM, Haftung flir Hiilfspersonen nach § 278 RGB., 52 s., e KURT PRIEWE, Die Haftung des Schuldners flir seine Gehilfen, 61 s.). 12.ÓRGÃO DAS PESSOAS JURIDICAS E CULPA PRÓPRIA. O ato do órgão das pessoas jurídicas é ato da pessoa jurídica, de modo que não há concorrência de culpa do representante do ofendido, que deva ser tida como culpa do ofendido: a culpa é do ofendido mesmo, porque o árgão presenta, não representa. Regem o art. 15 do Código Civil (e arta. 24 e 27), os arts. 302, inciso 3, 308, 311, 316, 319, 326 e 344 do Código Comercial e os arts. 116 e §§ 1.o~7Y, 120, 121-123 do Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, e outras regras jurídicas. Na doutrina alemã, certa foi a opinião de P. OEBTMANN (Recht der Schuldverhiiltni.sse, 116) e O. WARNEYER (Kommentar, 1, 486), que disse~am incidir o § 31 do Código Civil alemão, e não o § 278 (sem razão, H. DERNEURG, Das Burgerliche Recht, II, 1, 171, nota 2). O§ 31 do Código Civil alemão é aquele em que se cogita da responsabilidade pelo árgão (diretor, ou membro, ou estranho que pelos estatutos seja o árgão, a despeito de incorreção de linguagem do texto alemão). O § 278 é que se refere aos representantes legais ou não. 13.ESTIMAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. Na apreciação da pretensão à indenização, ou (a) se afirma que não houve concorrência de causa, por parte do ofendido, nem agravação do dano, e o ofensor responde pelo total desse, ou (10 se chega à conclusão de não ter havido mais do que causa por parte do ofendido (e. g., 5a jogar a estatueta no pretenso ofensor. que se defendeu, que -ando-a com a bengala), ou (e) se admite que houve concausa, ou (d) se assenta que o ofendido seria responsável pelo aumento do dano. O critério é o da relação causal entre a causa e o dano, ou o aumento do dano. Se há três concausas, ou mais, o exame da preponderância de urna das causas é o que mais importa. Não se pesam graus de culpa, nem culpa e risco, ou dolo e culpa ou risco, ou dolo, culpa e risco, mas apenas danos em relação a causas. Se há risco mais culpa ou dolo de empregados do ofendido, a responsabilidade desse seria maior, se o ofendido fôsse outrem, de modo que mais se pré-diminui à responsabilidade do ofensor. Pesam-se danos em relação a causas, e não causas ou graus de causa, o que seria medir-se o qualitativo. § 2.722. O que se há de indenizar 1. EXTENSÃO DO DANO. Para se pensar em extensão do dano tem-se de partir do nexo causal. A indenízabilidade do dano é na medida em que ele se acha em relação à causa, ou as concausas, ou à causa de aumento. Tem-se de considerar o prejuízo que o ofendido sofreu, ou sofreu e ainda vai sofrer, e o que pode haver lucrado, bem como a sua participação nas causas do dano ou no aumento desse. À base do dever de indenizar está o interésse do ofendido, isto é, da pessoa cujo patrimônio ou personalidade sofreu o dano. (O interesse, de que aqui falamos, é o interesse de direito matérial, e não o interésse pré-processual, que consiste na necessidade da tutela jurídica, conceitos que alguns juristas lamentàvelinente confundem.) De regra, o dano, que se há de indenizar, é o dano imediatamente sofrido, e não o dano causado a terceiros (dano mediatamente sofrido). Mas há exceções. Por exemplo: no caso de homicídio, a indenização abrange o luto da família e a prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia (Código Civil, arts. 1.537, II, 1.545 e 1.546). Por isso, quem fere ou prende o ator, que, por êsse motivo, não pode representar a peça, quem fere ou prende o empregado da fábrica ou do escritório, tem o dever de indenizar o ator ou empregado, e não a éle e à emprêsa, que, no entanto, pode ter sofrido prejuízos graves. Em todo caso, as circunstâncias podem compor a figura da causação do dano ao empregado e à emprêsa, o que se evidencia, por exemplo, no fato de ter o ofensor ferido o ator, ou prêso o empregado da fábrica ou do escritório para que não representasse, ou não fôsse ao trabalho que, sem ele, estaria sacrificado no todo ou em parte. Se, no momento da infração, existia relação juridica segundo a qual o interesse tenha passado a terceiro, ou haja de se transferir ao terceiro, é ao ofendido que se há de indenizar, e não ao terceiro, O terceiro tem interesse em reclamar o pagamento ao ofendido, desde que a relação jurídica com o terceiro já esteja constituída ao tempo da reclamação (interpelação). Sobre isso, F. REGELSBERGER (Ersatzpflícht aus Vertriigen fúr den Schaden, den durch den

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Vertragsbruch em Dritter erleidet, Jherings Jahrbúcher, 41, 251 s.), B. WINDSCHEID (Lehrbuch, II, 65 s.), A. VON TUHR (Elgenes und fremdes Verschulden hei Schadensersatz aus Vertrãgen, Griinhuts Zeitschrift, 25, 529 sã, P. OERTMANN (Recht der Schuldverhtiltnisse, 46 s.), H. A. FTSCHER (Der Schaden. nach dem BGB., 103 s.), CARL CROME (Die partiarischen Rechtsgeschiif te, 300), KONRAD HELLWIG (Die Vertrdge auf Leistung an Dritte, 82 s.), KLUCKHOI-IN (Zwei Fragen des Schadensersatzrechts, Archiv flir die oivilistische Praxú, 111, 406 s.) e Fit. LEONHARD (Allgenzeines Schuldrecht, 201 s.). É de repelir-se a limitação feita por P. KRÚCKMANN (Schadensliquidation aus fremdem Interesse, Jherings Jahrbúcher, 56, 259), segundo a qual a relação juridica com o terceiro já teria de existir ao tempo da infração, pôsto que a tenham seguido P. OERTMANN (46), FR. LEONHARD (203) e L. ENNECCERUs - H. LEHMANN (Lehrbuch, II, 1, ~ 13, nota 2). O ofendido, nas espécies acima referidas, pode reclamar o interesse do terceiro, pois que reclama em seu próprio interesse. A regra jurídica de concorrência ae causa, por parte do ofendido, pode ser invocada. L. ENNECCERUS e II. LEHMANN (Lehrbuch, II, 1, § 13, nota 3) admitem que alegue a culpa do terceiro que fôsse mediatamente prejudicado, como se o comi-tente omitiu, culposamente, aviso ao comissionário de haver perigo de dano extraordinário, e por isso também êsse deixou de comunicá-lo ao transportador. 2.DANO PATRIMONIAL E RESSARCIMENTO. Têm-se de considerar o patrimônio do ofendido no momento a (momento em que ocorreu a. oiensay mais o que seria se o ato (ou fato) não houvesse ocorrido e o que é no momento da indenização. Tal é ia quod interest. Se o dano consiste em se ter o patrimônio tornado de menor valor do que seria sem o acontecimento, o dano emergiu. Há Jamnum emergens. Se o dano consiste na pré-exclusão de ganho, por ter ficado intacto o patrimônio, ou por haver dano emergente que, indenizado. o faz de valor igual ao que ele tinha, há lucrum cessans. O valor é o do dia do dano, salvo incremento desse, ou narcela de lucros cessantes. Se B subtrai a A trinta ações qo portado? e só as restitui ou não as i’estitui no dia em que o juiz profere a decisão, ou em que transita em julgado, o que o credor pode exigir é a) a cotação do dia da subtração, pois que as poderia ter vendido naquele dia, sem que se possa levar em conta qualquer baixa posterior, mais os dividendos perdidos ou recebidos pelo ofensor, mais os juros legais desde a data da ofensa, ou b) a cotação do dia do julgamento, porque seria o valor que estaria em seu patrimônio se as ações ainda nele se achassem, mais os dividendos perdidos ou recebidos pelo ofensor e os juros legais desde a data do julgamento. Se é de prever-se que o dano pode aumentar durante o processo ou após o julgamento, tem o ofendido de pedir que a sentença leve em conta o acontecimento futuro, ou os acontecimentos futuros (dano futuro, danos futuros). Basta a probabilidade do dano a mais, ou do incremento do dano. Todavia, A) se não houve pedido do ofendido, nem B) a decisão pré-exclui qualquer alegação futura, o que só se entende existir se foi objeto de postulação, C) a todo tempo pode o ofendido pedir a indenização do dano não previsto que resultou da mesma causa de pedir, ou o aumento de dano. A sentença que se refere ao dano futuro, ou a) fixa, definitivamente, o quanto da indenização, ou lO a sentença fêz ressalva da apreciação posterior, ou c) de ação posteriormente proponível. Na espécie b), a ação é de modificação; na espécie e), há ação nova, condenatória, que aprecia o que sobrevejo. 4 No intervalo entre a sentença que condenou à indenização e a decisão sobre danos ou aumento de dano sobrevindos pode ser proposta ação declaratória da responsabilidade pelo dano futuro. O direito romano e o direito francês só conheciam a reparação em dinheiro. No art. 159 do Código Civil só se falou de reparar: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. No art. 1.518, apenas se acrescenta que os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação. No art. 1.553, diz-se que, nos casos não previstos pelo Código Civil, se fixa por arbitramento a indenização. Quando se arbitra a indenização, tanto se pode arbitrar para a reposição natural como para a indenização em dinheiro, O juiz fixa o modo de reparacão. Em vez do restabelecimento do estado anterior, que é a reparação em natura, pode o ofendido exigir a quantia necessária a isso, desde que não superior ao valor <ainda estimativo) do bem lesado. Tem de ser reembolsado das despesas que já fêz, por serem úteis, ou porque tinha dever de fazê-las. A reparação em natura pode ser feita pelo ofensor, ou pessoas que encarregue disso, se o ofendido assente; se o ofendido não assente, ou ele escolhe alguém que a faça, à custa do ofensor, ou recebe o quanto necessário à reparação. Se o ofendido destina o dinheiro a isso, ou se não destina, é assunto que não interessa ao ofensor, salvo se a aplicação é necessária ao evitamento de danos maiores ou agravamento de dano e por aqueles ou êsse ainda teria de responder o ofensor.

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O valor objetivó, o verurn. rei pretium, nem sertipre corresponde ao valor que tem o bem no patrimônio do ofendido. Não indenizaria ‘o patrimônio o que se prestasse, como reparação, tomando-se por base só o verum rei pretium. As monografias com que trabalha o matemático ou o médico ou o jurista para execução de obra, para que são indispensáveis, têm preço acima do preço que ele obteria se as quisesse vender, a despeito Ia dificuldade de aquisição. A destruição de peça de instalação industrial pode suspender tôda a exploração. O jarro de porcelana que faz par com outro igual tem o valor da unidade mais o de fazer par. Quebrado um, o outro se desvaloriza. O que se indeniza é o interésse sacrificado, o valor que estava no patrimônio, por vêzes superior ao valor material da coisa e ao valor no mercado- Se se tem de substituir o que se danificou, há de ser levado em conta o custo de tal substituição. Móvel antigo, peça de valor histórico, não se substitui, integralmente, por outro, igual, nôvo. Se o ofendido aceita a substituição material, pode exigir a diferença de valor. O valor material ou objetivo pode ser superior ao interesse do proprietário (= ao valor que lhe dá o proprietário) - Se A édono de prédio, com edifício, que vale cinco milhões de cruzeiros, mas vai demoli-lo para no mentos, o valor para A milhões de cruzeiros) mais trezentos mil cruzeiros). responde B, pode B fazer a autoridades municipais a e contratado com a emprêsa caso, o proprietário pode terreno construir casa de apartamento é o do terreno (digamos: três o material da demolição (digamos: Se sobrevém incêndio, pelo qual prova de que A já havia pedido às licença para a nova construção demolidora a demolição. Em todo alegar e provar que mudara de vontade, tanto que, por exemplo, pré-contratara o aluguer do prédio, após reparações, ou o alugara como se o seu valor fôra de cinco milhões de cruzeiros ou mais. Entenda-se que, somente prestando o valor conforme a atitude do proprietário, tem o ofensor de prestar, as despesas já feitas pelo proprietário para a reedificação, se ficam sacrificadas, e o que ele sofrer de lucros cessantes pelo atraso das obras. O chamado interesse de afeição, ou valor de estima, dá ensejo à indenização do interesse patrimonial. E. g-: o objeto pertenceu a B e A adquire-o, a preço alto, por alguma razão pessoal; o livro tem a dedicatória a C e por isso A o comprou. A perda objetivamente parcial pode ser, para o ofendido, perda total, se não mais pode ser utilizada por Me, ou não convém que o seja. A reparação há de ser, então, completa, ficando ao ofensor o bem danificado. As coisas deterioradas dificilmente podem ser avaliadas. Da! a recomendabilidade técnica da solução. Se, por alguma circunstáncia, a reparação em natura, ou a restituição demora demasiado (e. g., com pleito sobre a coisa entre o devedor e terceiro), pode o juiz condenar o devedor desde logo à Indenização em natura ou em dinheiro, como se estivesse definitivamente perdida a coisa. O devedor não poderia impor ao credor propor a ação contra o terceiro, ou entrar na relação jurídica processual. Aliter, no direito romano, onde a L. 60, § 2 (LAREXO), li., locati conducti, 19, 2, diz: “Vestimenta tua fuilo perdidit et babes unde petas nec repetere vis: agis nihilo minus ex locato cum fuílone, sed iudicem aestiinaturum, an possis adversus furem magis agere et ab eo tuas res consequl, fuílonis videlicet sumptibus: sed si hoc tibi impossibile esse perspexerit, tune fuílonem quidem tibi condemnabit, tuas autem actiones te ei praestare compellet”. Se o lavadeiro ou lavadeira perdeu os vestidos e o dono não os quer reclamar, tem êsse, ainda assim, a ação de locação de serviços, diz LABEXO. Mas cabe ao juiz verificar se mais acertado seria exercer a ação contra o ladrãç e (lele conseguir as peças, pôsto que por conta do lavadeiro (ou lavadeira). Se isso não se dá, a ação é de levar-se a cabo contra o lavadeiro (ou lavadeira), a quem seria compelido o dono a ceder as ações contra o ladrão (ei pruestare compellet). No direito brasileiro, à satisfação completa do titular da pretensão à indenização, entende-se que ao solvente passaram as ações que teria o titular da pretensão à indenização, sem se precisar da figura da cessão compulsória. Se o dono da coisa teria de propor ação de reivindicação e há indenização total, adquire o indenizante a ação de reivindicação, tornando-se proprietário desde êsse momento, e não 50 ao entrar na posse da coisa (Código Civil, art. 621; diferente o direito civil suíço, OSTERTAG, 5 do art. 924 C. C. s.), ou desde que se registrou o título de transferência da propriedade. A solução brasileira coincide com a alemã, § 931. Se, por alguma circunstância, o ofendido reivindica, a despeito da transferência da pretensão reivindicatória, cabe a ação de enriquecimento injustificado (Código Civil, arts. 964-968; cf. L. 2, D., de condictione sitie causa, 12, 7; L. 17, § 5, D., 18, 6). Se a propriedade se transferira, o devedor pode reivindicar contra o credor. Diga-se o mesmo em se tratando de transferência de direitos pessoais (cessão de créditos, ou de outros direitos). Quanto às perdas, darnnuin emergens, o agente responde pelas conseqüências do seu ato, ainda que não as tenha previsto, ou não as pudesse prever. O art. 1.059, parágrafo único, do Código Civil, só se refere ao luerum cessans (verbis “lucros, que foram ou podiam ser previstos na data da obrigação”. O devedor, que, por sua culpa, viola a sua obrigação, responde por tôdas as conaseqüências do seu ato, e da mora provém ato ilícito relativo <arts. 958-961 e 968), ou absoluto (art. 962). O caso fortuito e a fôrça maior conceptualmente pré- -excluem que tenha havido ato de incursão em mora. Outro

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conceito é o de fôrça maior ou caso fortuito subseqUente à mora. Ali, não há mora, porque o fato resultou de caso fortuito ou de fôrça maior. Aqui, supôe-se ter havido mora; portanto, ato, positivo ou negativo, que produziu a mora, e o caso fortuito ou a fôrça maior ocorre depois, já durante o estado de mora. Daí dizer o art. 957: “O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito, ou fôrça maior, se êstes ocorrerem durante o atraso, ainda que a obrigação fôsse oportunamente desempenhada (art. 1.058)”. Se não há fato ou omissão imputável ao devedor, mora não há. Portanto,. se houve fôrça maior ou caso fortuito, que determinou o atraso, não houve ato, positivo ou negativo, que se possa atribuir, de regra, ao devedor, e não há falar-se de mora (Código Civil, art. 968). Se o devedor, por culpa sua, viola a obrigação, responde pelas conseqUências, ainda se imprevisíveis, em se tratando de perdas. Assim, o locatário, que fêz uso inadmitido do bem locado, ou se sublocou sem poder sublocar, está sujeito a prestar o dano oriundo de fôrça maior ou de caso fortuito. O responsável tem de prestar o dano causado, sem que possa o juiz atenuar ou ssravar a responsabilidade conforme a falta do responsável. 2esponde-se pelo dolo como se responde pela culpa. Assim, o direito comum, o direito alemão e o brasileiro, contra o Código Civil francês, art. 1.150, o Preussisches Alígemeines Landrecht (1, 5, §§ 288, e 6, §§ 1 s.), o Código Civil austríaco, § 1.824, e o Código suíço das Obrigações, art. 48, alínea 1.8. De lege ferenda, a solução brasileira é a que desejava E. VON JHERING (Das Schuldmoment mi rómiscken Privatrecht, 54 s.). No Código Civil francês, o art. 1.150 diz: “Le débiteur n’est tenu que des dommages et intérêts qui ont été prévus ou qu’on a pu prévoir lors du contrat, lorsque ce n’est point par son do! que l’obligation n’est point exécutée”. No Código Civil austríaco, § 1.324, fala-se de má intenção e falta de cuidado manifesta, para a indenização completa. No Código suíço das Obrigações, art. 48, alínea 1.8, ao juiz ficou determinar a extensão da reparação, conforme as circunstâncias e a gravidade da culpa. A gravidade da falta não influi. Tão-pouco, a situação econômica do ofensor. 8. DANO EMERGENTE E LUCRO CESSANTE. O dano pode consistir em diminuição do patrimônio no momento do fato que o causou, ou em impedimento de elevação do patrimônio. Ali, o dano é emergente, damnum emergens; aqui, lucro cessante, luer-um cessans. De lucrum cessans (interesse negativo> tem-se exemplo no que tem de ser prestado pelo locatário se ele, a despeito de ter o locador, no momento da conclusão do contrato, duas ofertas, propõe ação de anulação por êrro (Código Civil, arts. 86-91). A indenização (art. 158> é das despesas que fêz o locador para apropriar a loja ao negócio do locatário e do que deixa de ganhar, mediante outro arrendamento, por não ter sabido da invalidade. Quanto ao lucro cessante, só há nexo causal se, sem o fato, que obriga a indenizar (= de que se irradiam o dever e a obrigação de indenizar), o poderia ter ganho o demandante e o teria querido ganhar, licitamente. Em verdade há três pressupostos: o ter podido obter o lucro cessante, o tê-lo querido e a licitude do ganho. O que se teria ganho com ato contrário a direito não se indeniza. Nem o que, ainda com o fato, se teria ganho. Nem o que não se teria querido ganhar. Se o ganho seria, com grande probabilidade, de esperar-se, e homem normal (FR. MÓMMSEN, Zur Lehre vom Interesse, 174 e 181 s.), ou o demandante, por sua notória aptidão, ou por sua atividade conhecida, teria querido e obtido, tem de ser indenizado o lucro cessante. Supôe-se, sempre, o curso normal dos fatos, ou as circunstâncias especial da situação do indenizado. Aqui, convém frisar-se que houve divergência, na doutrina, quanto ao conceito de lucro cessante. Alguns exigiam que, ao se produzir o fato que gera o dever de indenizar já se pudeste esperar com probabilidade, conforme o curso normal dos fatos, ou as circunstâncias especiais (G. PLANCK, Kommentar, II, 1.~ e 2~a ed., ao § 252; com a opinião de L. ENNECCERUS, desde a 3a ed.) ; outros não precisavam o tempo em que se haveria de esperar o ganho (Ii ENNECCERUS, Lehrbuch, 1, 2, 35, nota 21; 1-1. IJERNEURG, Das RUrgerliche Rechi, II, 1, 70; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 49; F. SCHOLLMEYER, Reeht der Sch’ildverhàltnisse, 37; L. TRÂGER, Das Kausalbegrif 1 nu Straf- und Zivilreúht, 255; sem razão, C. CROME, Systcrn, II, 73; E. MÂTTI-IIASS, Lehrbuch, 189; E. Ecx, Vortrdge, 1, 280). Compra A a E o terreno por um milhão de cruzejros, que era o exato valor conforme os preços do mercado de imóveis, mas a transcrição não se pôde fazer ainda um ano depois do acordo de transmissão, devido a defeitos dos documentos do vendedor, que, mal os pôs em ordem, vendeu o mesmo terreno a C e foi feita a transcrição. No ano após isso, D oferece dois milhões de cruzeiros pelo terreno. Pôsto que ao fato de que se irradiou o dever de indenizar houvesse sido posterior a oferta de D, tem E de indenizar o lucro cessante. O com que, segundo as circunstàncias gerais ou particulares, e. g., conforme os preparativos e instalações, se teria de contar e não se lucrou, devido ao fato, que ocorreu, é lucro cessante. Não se distingue se o lucro advém de direito, ou de simples fato (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 417), como se no terreno que se teria adquirido se descobre mina,

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ou se a valoriFação foi devida a estrada de rodagem, asfaltada, que passou perto do terreno, ou o cortou. Não basta a simples possibilidade. ~ preciso a gran(le probabilidade. Não importa se o outro contraente conhecia os propósitos do legitimado à indenização: tem aquele de prestar o lucro cessante que ele não previa pudesse resultar do seu ato <P. OERTMANN, Recht der Schuldverhàltnisse, 48). Se o legitimado à indenização é empregado, ou exerce profissão liberal, de que temporàriamente ou definitivamente fica privado, o lucro cessante também se inclui no quanto a ser prestado (1<. KOBER, J. v. Staudingers Kommentar, II, 75; sem razão, P. OERTMANN, Reeht der Schuldverhtfltnisse, 50). Para se atender ao lucro cessante que proveio de elevação de preço, não é de mister que a mercadoria seja cotada, ou tenha preço de mercado. Por outro lado, ainda se a coisa já não éproduzida, o lucro cessante há de ser prestado. Se, ainda sem o ato gerador de responsabilidade, o ganho não se teria produzido, não há pensar-se em indenização. Nem se computa o que o obrigado a indenizar ganhou com o ato. Pode dar-se compensatio lucri cum damno. Ao obrigado a indenizar cabe alegar e provar que o lucro cessante não poderia, in casu, ter ocorrido. O legitimado à indenização que aponta as circunstâncias e a grande probabilidade do ganho, tem a presunção de que teria obtido o lucro. Os lucros cessantes foram assunto de regras jurídicas especiais que cumpre serem entendidas cuidadosamente. No art. 1.059, o Código Civil diz o que é que se há de indenizar, em caso de inexecução de obrigações: perdas e lucros cessantes. No art. 1.059, parágrafo único, que o devedor, que não pagou no tempo e forma devidos, só responde pelos lucros, que foram ou podiam ser previstos na data da obrigação. A limitação somente concerne aos lucros cessantes, e não às perdas. Daí dizer o art. 1.060, 2.~ parte, que, “ainda que a inexecução resulte de dolo, as perdas e danos só incluem ... lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”. Se B quebra a máquina que pertence a A, ou está alugada ou emprestada a A, o dano pode consistir no consêrto da máquina (ou na prestação do valor corresponde à diminuição do valor da máquina) mais o que resultou de perda de lucro pela interrupção na exploração da máquina (ou na prestação do que medeou de perda de lucro devido à interrupção da expIo’ ração) - Há, assim, o dano imediato e o mediato. As circunstâncias que aumentam o dano podem ser fatos normais, fatos <regulares, ou consistir em ato do agente (ou responsável), ou de terceira pessoa, ou do próprio ofendido. De lege ferertda, há duas soluçôes a respeito do dano mediato ou indireto. Ou lá se computa como dano indenizável, em se dando inadimplemento ou adimplemento insatisfatório do contrato, o dano imediato ou direto (direito comum, CHR. FR. VON GLtYCK, Ausfiihrliche ErUiuterung de; Pandecten, IV, 446; direito prussiano, Aligemeines Landrecht, 1, 6, §§ 2 e 8; direito francês, Código Civil francês, art. 1.151), ou se segue a esteira do Código Civil alemão, §§ 276, alínea 1.’, e 277, do Código suíço das Obrigações de 1911, art. 99, e do brasileiro, arts. 1.056, 1.059 e 1.060. Lê-se no Código Civil, art. 1.560: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”. A referência a efeito direto e imediato (aliás, direto ou imediato) só se liga a lucros cessantes. Há duas regras jurídicas no art. 1.060: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos”, “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”. Se B vende a A o animal e o rebanho de A fica contaminado pelo animal que recebeu de B, responde B; se, devido à contaminação, A deixa de colhêr a safra, por falta de animal, E não responde ~,elo lucro cessante, porque não foi efeito direta da prestação. 4.AVALIAÇÃO DOS DANOS. São peritos que fazem avaliações, ditos avaliadores. Se a coisa foi destruída, ou se perdeu sem ser encontrada, as indicações objetivas são feitas pelo ofendido, com o depoimento de testemunhas, ou de pessoa a quem foi adquirida, as fotografias, ou desérições registárias ou não. O juiz aprecia as provas. Na fixação do quanto do lucrum cessatu, tem o juiz de se ater ao que mais freqúentemente acontece, ao que seria verossimilmente de prever-se e se taia produzido, se o fato ilícito não houvesse ocorrido. Se a casa se incendeia, o culpado responde conforme o valor locativo do contrato que tinha sido ofetecido, no que concerne ao lucrum cessans, além do que se considera o damnum emergens. § 2.723. Dano moral 1.INDENIZAEILIDADE DO DANO MORAL. O dano moral ou se repara pelo ato que o apague (e. g., retrataÇo do caluniador ou do injuriante, casamento da mulher deçãorada>, ou pela prestação do que foi considerado como reparador. Por isso, o Código Civil, no ad. 1.547, parágrafo único, a respeito. do dano resultante da calúnia ou da injúria, diz que, se não puder ser provado prejuízo material, o ofensor há de pagar o dôbro da multa no grau máximo

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da pena criminal respectiva. Para alguns atos ilícitos de que resulta pretensão à indenização do dano moral, extingue-se o crédito se o ofensor e o ofendido se conciliam; para outros, o crédito extingue-se se o ofendido remite tâcitamente o crédito, ou não mais deseja o cumprimento da promessa de casamento. Não é possível, aqui, falar-se de perdão, êrro em que incorreu A- vOM TiraR (Partie Générale diz Cade Fédéral des Obligations, 1, 107). Dano moral e ofensa a sentimento não são o mesmo. A pretensão da menor delarada à indenização do dano moral é independente dos seus sentimentos. Adultério perdoa-se, e com isso se extingue a ação do cônjuge, para dissolução da sociedade conjugal (sObre o perdão e sua natureza, Tomo II, §§ 240-247). Crédito remite-se; perdão não é remissão de crédito: seria remissão de pretensão desconstitutiva, se as leis considerassem o perdão como negocial; o perdão é ato jurídico ai ri ei o senn, que produz caducidade. As pessoas jurídicas podem sofrer dano moral. 2. REPARAÇÃO MORAL. A reparação moral pode ser específica; e. g., retificação, reconhecimento de honorabilidade. O preceito cominatório pode ser conforme o ad. 302, XII, do Código de Processo Civil, ou, se fôr o caso, conforme a lei de imprensa. Se foi pedida a indenização em ação de condenação, a sentença pode ser com alternativa (e. g., retificar ou prestar x), ou cumulativa (e. g., retificar e prestar ij), ou, ainda, cumulativa e alternativa (e. g., retificar ou prestar x e prestar y). 3.TRANSMISSÃO DO DEVER DE INDENIZAR O DANO MORAL. t preciso que se não confunda a indenização do dano moral com a pena patrimonial. Diminui-se o patrimônio do responsável, sem se infligir pena. O dever de indenizar com dinheiro transmite-se entre vivos e a causa de morte, como todos os outros deveres de indebizar pecuniáriamente. Di-lo, explicitamente, ~o ad. 1.526 do Código Civil 4.DANO MORAL E TRANSMISSÃO HEREDITÁRIA DO DIREITO. Quanto à transmissibilidade hereditária da pretensão à indenização do dano moral, a afirmativa impôs-se na doutrina (Tomo VII, § 748, 2 e 3). As três soluções lutaram: a) intransmissibilidade, pelo menos para alguns fatos geradores de dever de indenizar; b) transmissibilidade, se por algum meio o titular do direito à indenização manifestou vontade de exercer a pretensão (e. g, se já fôra proposta a ação, ou, no direito romano, se houve litú contestatio, E. WINDSCHEID, Lehrbuch, § 356; se o credor constituiu advogado para isso; se deu procuração em causa própria, ou cedeu o crédito, caso em que a pretensão cedida é transmissível a causa de morte; se obteve reconhecimento da dívida pelo ofensor; se por outro modo manifestou vontade de exercer a pretensão indenizatória) ; e) transmissibilidade em princípio, só sendo intransmissível a pretensão .por lez specialis. O art. 1.526 do Código Civil seguiu a solução e) : “O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança, exceto nos casos que êste Código excluir”. Isto é: exceto nos casos que regra jurídica especial torne incólume a herança ao principio da transmissibilido4e da pretensão ú indenização pelo dano moral. No direito alemão, os §§ 847 e 1.800 do Código Civil alemão lançaram regras jurídicas de intransmissibilidade, mais ou menos da classe b) ; porém, de jure condendo, desaconselháveis as do § 847, que se refere às ofensas à integridade física (lesões corporais), à saúde e à liberdade, somente transmissíveis as pretensões se negocialmente reconhecidas ou se já há litispendência. Os arta. 1.548 e 1.549 do Código Civil dão-nos o problema maior. Neles não se disse, nem se disse alhures, que as pretensões de que eles tratam são hereditâriamente intransmissíveis, salvo se ocorre manifestação de vontade de exercício pelo titular do direito à indenizáção. Em vez disso, o art. 1.526 pôs por principio a transmissibilidade, salvo exceção ou lex specialis. Ora, seria absurdo que não se fizesse limitação ao princípio em se cogitando de ofensa à mulher. Tem-se de atender a que a natureza do delito sugere que se adotei como exceção, o principio da solução lO. Seria contra o próprio fim da reparação moral que a virgem e menor, que foi declarada, ficasse exposta, depois de morta, à apuração de delito, que ela não narrou; ou que o mesmo acontecesse à mulher honesta que foi violentada ou aterrada por ameaças, ou seduzida com promessa de casamento, ou raptada. Bem assim, estando em causa qualquer outro crime de violência sexual. Aí, sim, tem o intérprete de admitir exceção implícita ao art. 1.526 do Código Civil.

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§ 2.724. Ônus da prova 1.PROVA DO NEXO CAUSAL. Para a prova do nexo causal, há de o interessado mostrar que o dano não se teria produzido se não houvesse ocorrido o ato que obriga à indenização. Se se teria produzido, ainda sem ele, é negação da alegação de quem afirma aquilo e o pretende provar. 2.CONCORRENCIA DE CAUSA, DA PARTE DO OFENDIDO. Se se alega risco, ou culpa, ou dolo do ofendido, o ônus da prova incumbe ao ofensor. Porém a prova da responsabilidade do ofendido, se outrem fôsse, em se tratando de risco (fato ilícito stricto sensu, ato-fato ilícito), apenas consiste em se mostrar que o ofendido estaria em tal situação. Se, pelas circunstâncias, seria pôr-se em evidência, ou é de presumir-se a sua culpa, feita está a prova. Pode bem ser que a própria exposição do ofendido contenha afirmação do que o ofensor alegou, tanto mais quanto, processualmente, o art. 209 do Código de Processo Civil pode ser invocado. Se há duas ou mais versões igualmente possíveis, sem que se possa apurar qual a verdadeira, só se tem por provada a concorrência de culpa por parte do ofendido se em tôdas está (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 428). 3.“COMPENSATIO LUCRI CUM DAMNO”. O que tem pretensão à indenização tem pretensão a que se lhe ressarça prejuízo, não a enriquecer-se injustificadamente. Por isso: a) se o acontecimento (fato ilícito stricto sensiz, ato-fato ilícito ou ato ilícito) causou dano, mas, por outro ladd produziu vantagem ao ofendido, o desfalque no patrimônio não foi de todo o dano, mas sim do dano menos a vantagem (lucrum) - O que se deve é d 1, e não d. O objeto da prestação é menor do que o dano sofrido. Em verdade, não se compensa o lucro com o dano, o lucro pré-diminui o importe da indenização. Não Há duas pretensões, a de indenização e a de restituição de equivalente da vantagem, o que daria, literalmente, a com pensa.tio lucri cum damno: há pretensão única, que é a pretensão a haver o equivalente do dano menos a vantagem. O que se exige para que a vantagem pré-diminua o dano é que ambos derivem do mesmo fato, ainda que só mediatamente causada a vantagem. Sem isso, não se poderia pensar em pré-diminuição, e a compensação.poderia ocorrer, se satisfeitos os pressupostos, entre duas pretensões diferentes. Dano e vantagem têm de surgir como unidade de efeito fáctico. Se o comprador vai contra o vendedor em mora para que o indenize das despesas que fêz para que não lhe faltasse no armazém a mercadoria, pode o vendedor alegar <objeção!) que o preço subiu tanto, após a mora, que o lucro do comprador, não com a mercadoria que comprou para se cobrir, porém com a que dele recebeu dep,ois, atenua, de muito, o dano que sofreu. Então pré-diminui-se êsse lucro ao dano oriundo da mora do vendedor. (O lucro com a mercadoria Já adquirida não se computa como vantagem.) A prestação indenizatória apenas consiste na diferença entre o dano (maior) e a vantagem (menor) - Se há conexão causal para o dano e para a vantagem, ainda que seja mediata a produção dessa, basta (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 38; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 80 s.; sem razão, W. STINTZING, Findet Vorteilsausgleichung beim Schadensersatzanspruch statt’?, 1 s.). Se a vantagem resultou de outro fato, sem nexo causal com o que produziu o dano, não há pré-diminuição: não se computa essa vantagem causalmente estranha (e. g., L. 23, L. 25 e L. 26, 13., pro socio, 17, 2). Aliter, se há pluralidade de fatos, que hão de ser considerados econômicamente (= fâcticamente), como um só. Na L. 10, D., de negotiis gest is, 3, 5, ULPIANO explicou como se hão de apreciar as espécies. O ato do terceiro, que se praticou por motivo do dano, mas independentemente; não pode ser tido como concausado objetivamente. Se as vantagens do ato são do próprio ofendido para diminuir os danos, ou para cobrir com vantagens novas o dano sofrido, não pré-diminuem o dano. Tudo se passa como post enus, de modo que só se poderia pensar em diminuição do quanto da liquidação (compensação, prôpriamente dita), e não em pré-diminuição. Por isso mesmo, o locatário, que infringiu o contrato e deu azo à resolução, não pode objetar ao locador que êsse fêz com outrem, depois, contrato excelente (cf. L. 24, § 4, O., locati conducti, 19, 2). À prestação que se teria de pagar por lesão corporal pré- diminui-se o que por lei se há de prestar ao ofendido, ou viúva e filhos. Não assim o que resulta de seguro de vida, ou de acidentes, renda ou auxilio por enfermidade, nem o que, sendo sócio de irmandade, ou fundação, o lesado, lhe foi prestado em socorro, internação hospitalar e outras ajudas (cp. P. OERTMANN, Die Vorteilsausgleichung beim Schadensersatzanspruch, 111 s., 123 s.). As pensões e auxílios, que institutos estatais ou paraestatais, pagam, por contribuição de empregados e empregadores, ou deles e do Estado, ou só dos empregados, ou só dos empregadores, embora fundados em planos de criação estatal, ‘ou por taxação oficial, não são vantagens ex lege. Quanto ao ônus da prova, quem alega que há pré-diminuisão a ser atendida no cômputo do dano, tem de provar que houve a vantagem e que é caso para se considerar elemento negativo no cálculo (G. PLANCK, Komment ar, II, 1, 87; P.OERTMANN, Recht der Schuldverhiiltnisse, 40, e fie Vorteilsausgleichung beim Schadensersatzanspruch,

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247; sem razão, Ft LEONHARD, fie Bcweislast, 341 s.). Pretendeu L. ENNECCERUS (Lehrbuch, II, 61) que, se éexigida a indenização pecuniária, e a vantagem obtida também foi pecuniária, há objeção, e não exceção, por se operar automàticamente a redução do dano, de modo que, nos demais casos, seria exceção a alegação de vantagem. De modo nenhum. Há, sempre, aí, objeção, e não exceção. O que se reduz é o importe do dano; a prestação devida expressa-se em dano menos vantagem, o que independe da oposição de exceptio. Por isso mesmo, pode o juiz, com o que consta dos autos, determinar d v (dano menos vantagem), em vez de d; ainda que o ofendido não haja alegado ter havido o lucro. A doutrina alemã tem sugerido que, se o lucro não consistiu em dinheiro, possa o indenizando escolher entre deduzir do seu crédito o valor da vantagem e entregá-la ao indenizante. Não há, no sistema jurídico brasileiro, tal regra jurídica- ainda não-escrita (cp. G. PLANCK, Kommentar, II, 80; Tx. Rim’, em B. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, ‘73). 4.PERDA DA COISA OU DO DIREITO E DEVER DE INDENIZAR. Quem tem em seu poder bem de cuja perda ou deterioração possa ser responsável, ao prestar a indenização total adquire. implicitamente, as pretensões que competem ao titular da pretensão à indenização, em virtude de propriedade, ou de qualquer outro direito. Não há, própriamente, cessão legal, mas cessão tácita, cessão implícita, como contraprestação ao devedor que presta totalmente. Poder-se-ia dizer que nasce a pretensão àcessão, mas aí já se prestou, e o que se há de entender é que se prestou o que se devia e não o acima do que se devia. Até o momento de indenizar o devedor tem direito de retenção; após o pagamento, o que se tem de assentar é que prestou o suficiente para se fazer dono da coisa, ou titular do direito. No direito romano, MARCELO, na L. 12, D., de re indicaM, 42, 1, pôs claro que, na ação de depósito, ou de comodato, ainda que falte a coisa por dolo do demandado, se sói socorrer o condenado, de modo que o dono lhe ceda as suas ações (In depositi vel commodati iudicio, quamquam dolo adversarii res absit, condemnato succurri solet, ut ei actionibus suis dominus cedat). Na L. 25, § 8, D., locati conducti, 19, 2, GAIO refere-se à cessão, em se tratando de locação. Na L. 60, § 2, o texto é de LABEÂO. Na L. 54, § 3, O., de furtis, 47, 2, PAULO enuncia: “O que se ofereceu para gerir negócios alheios não tem a ação de furto. ainda que a coisa haja perecido por culpa sua, mas é de ser condenado na ação de negócios alheios, se o dono lhe cede a ação (actione negotiorum gestorum ita damnandus est, si dominus actione ei cedat) “. Só é sublinhar-se, no texto de PAULO,. o “si”; porque dá a prova de que a cessão vem antes, conceptual-mente, da prestação do quanto indenizatório. Cf. L. 6, § 4, O., nautae caupones stabularii ut recepta rcstituant, 4, 9, O que se cede ou se há de ceder não é só a ação de indenizar, mas, também, a ação de reivindicação, a de vindicação de posse, as ações possessórias, ou, se não se trata de direito real, as áções que concernem ao direito. Se o indenizador é emprêsa de seguros, cumpre distinguir se a indenização há de ser total, ou só do dano. Se total, há a transferência das pretensões contra os responsáveis; se parcial, tem-se de indagar se o pagamento compreendeu a cessão das pretensões, ou se não a compreendeu. A construção é, pois, a seguinte: quando se solve, completamente, a divida de indenização e ao credor competiriam pretensões e ações contra outrem, a solução operou-se com a transferência das pretensões e ações que o credor havia. Se se devia x e as pretensões e ações contra terceiros valiam um têrço de x, prestando-se dois têrços de x não se presta completamente, mas, prestando-se z, a prestação foi de x e o térço de x, que teria de ser pago por terceiro, foi prestado pelo devedor, que pode haver do terceiro êsse têrço de x. Não houve cessão legal; cessão, se houve, foi voluntária, ou pela circunstância de ter o credor pretensão contra o devedor por dois terços de x e contra o terceiro por um têrço, ou contra o devedor por x. 5.MOMENTO EM QUE SE APRECIA O VALOR DO BEM OFENDIDO. O valor do objeto que foi ofendido é o do momento em que se deu a perda, destruição ou não-prestação. Todavia, o incremento de valor que se pode, com certeza, levar em conta, como o aumento automático de vencimentos, é de indenizar-se. É preciso atender-se a que as leis ora estabelecem a necessidade da relação de causa, ora a de conexão adequada, ora dispensa uma e outra. Daí os perigos de soluções simplistas e metafísicas. Se a responsabilidade é pelo fato ilícito stricto sensu, o que se tem de apurar é apenas se houve dano, pois que, se dano há, houve fato que o causou, e não importa verificar-se qual foi, nem vem ao caso levar-se em conta o que o responsável praticou, ou deixou de praticar, ou defeituosamente praticou. Discussão em tôrno do nexo causal só tem significação tratando-se de atos. Então é que se há de perguntar qual a relação aue se há de exigir entre o ato e o dano (conexão adequada ou causa ame qua notO. Desde que se exige causa, ou só se entende a causa mais eficiente (1<. LRKMEYER), ou a causa decisiva, entre as causas impulsivas e as obstativas (teoria da causação adequada, 1. BINDINC; contra: L. TRÁGER, Der Kausalbegrif 1 im .Straf- uná Zivilrecht, 80 s.), ou a causa, que, no curso natural das coisas, é a modificativa (L. VON BAR).

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6.OFENDIDO, QUE EVITA SER CONCAUSADOR E AGRAVADOR DO DANO. As medidas razoáveis que há de tomar o ofendido, para afastar ou diminuir o dano, são por conta de quem as teria de tomar. O responsável por elas pode não ser o ofensor, se a causa, que se lhe imputa, é posterior ao nascimento de tal dever de outrem. Se o ofendido devia reparar o terreno e não no fêz, de modo que o automóvel de outrem, desviando-se do perigo, mas imprudentemente, foi de encontro ao portão, há concausas. Se o terreno é de outrem, há dois responsáveis. Se o ofendido, no momento da ofensa, se defende com a coisa de outrem, arruinando-a, responde pelo dano, mas o ofensor há de ressarci-lo. Se o ferido, para evitar dano maior, se interna e se faz operar, as despesas são por conta do ofensor. O que se há de gastar para que o dano não cresça inclui-se no dano, como o que se despende para recuperação do perdido. Cumpre advertir-se em que o direito às medidas para evitamento do dano ou de sua agravação vai mais longe que o dever de tomar precauções. Daí serem ressarcíveis tais despesas ainda quando, faltando a atividade do ofendido, não seria de imputar culpa no evitar o dano ou sua agravação. § 2.725. Reposição natural 1. REPARAÇÃO PRIMACIAL. Para a reposição ou restabelecimento do estado anterior, com os mesmos elementos ou elementos equivalentes, o princípio primeiro é o da reposição natural. É a restituição da integridade ao patrimônio, mais dificilmente à pessoa. Tal reposição pode não ser perfeita. Por isso mesmo, pode haver pretensão à reparação natural imperfeita mais perdas e danos (reparação pecuniária do restante ou da imperfeição). Por outro lado, às vêzes a reposição material ou a indenização tem de ser aberta, isto é, sem coisa julgada sobre o importe dos danos, de modo que se terão de reparar naturalmente ou de indenizar o que se produzir de perda ou dano após a prestação da reposição natural ou da indenização. Tal não ocorre quando se adotaram, e foram tomadas, medidas que uma e outra parte tiveram por satisfatórias. Sç o dano cofisistiu em assunção de divida, ou constituição de obrigação contratual, a reposição opera-se pela liberação da dívida ou obrigação (O. WARNEYER, Ko>nmentar, 1, 407). 225 Se o dano proveio de dolo do contraente, tudo se há de repor no estado em que seria o do bem, se o dolo não houvesse ocorrido, incluidos os interesses negativos. A pretensão à indenização pode fundamentar pedido de medida cautelar se os pressupostos do art. 675 do Código de Processo Civil se compõem. Para que haja a reposição natural não é preciso que o dano seja patrimonial (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 68). A infração de contrato pode dar ensejo a danos imateriais (cp. O. WARNEYER, Konimentar, 1, 408). Se os há, a ação é pelo fato ilícito absoluto, ou ~pelo ato-fato ilícito absoluto, ou pelo ato ilícito absoluto. Em principio, presta-se o que se prometeu, ou se há de restituir. Daí a freqUência da reposição natural. Há de ser reposto o estado anterior; isto é, no mundo fáctico, o patrimônio há de ser como era, no tocante ao que sofreu o dano, salvo se não é possível a reposição, ou foi previsto que se prestasse o valor. Porém, em certas circunstâncias, a indenização consiste em se criar o que não existia, porque a intercorrência do dano exigiu que se estabelecesse algo de nôvo. Por exemplo: o vizinho perfurou o terreno e fêz rachar a muralha; a reposição natural exige estacas de cimento e outras obras que lá não existiam. Por outro lado, pode ser que o ato cause o dano, e êsse tenha conseqUências que, sem aquele, não existiriam; essas conseqUências são conseqUências mediatas do ato, O banco deixou de pagar o cheque, a despeito da provisão, e levou o comerciante à falência. Não são só o importe do cheque e os juros legais que o banco tem de pagar. Desde que a reposição natural não seja possível, ou não mais seja possível, o sucedâneo é a indenização em dinheiro. De regra, presta-se capital; mas pode prever-se prestação periódica, cujo valor varie. Quem foi condenado a pagar as mensalidades do colégio do menor, ou mesada do estudante de escola superior, foi condenado a prestar o que em cada período fôr exigido pelo colégio ou pelas necessidades do estudante. A indenização em dinheiro pode ser ainda que tenha havido reposição natural, se essa não exaure o objeto da prestação. Prestam-se, por exemplo, a coisa e os provéntos que dela se teriam tirado no passado, ou se a reposição natural não pode ser integral (e. g., a tela foi perfurada). Se a ofensa é à honra (injúria ou calúnia), a reposição natural há de ser por meio de retratação pública (O. WARNEYER, Komment ar, 1, 408). O art. 1.547 do Código Civil diz: “A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”; porém há de ser entendido como alusivo à reparação natural e à indenizatória. O ofensor pode obrigar-se, eficazmente, por contrato, à reparação natural ~= à retratação) ; se o não cumpre, cabe a ação do art. 1.006 do Código de Processo Civil. Se foi violado o segrêdo de correspondência e o ofensor publicou a carta, ou a divulgou por outro meio, não mais

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cabe a reposição natural. A ação de abstenção (Ilnterlassungsklage), com o fim de impedir que nova ofensa se dê, não é ação de reposição natural. -Somente se o ato é continuativo é que se pode pensar em reposição natural. Se a indenização é por ter havido ofensa a pessoa ou a coisa, pode o credor exigir, em vez da reposição natural, a quantia necessária à cura ou à reparação. A opção compete ao credor. Se a reposição natural é de difícil execução, pode o juiz determinar o ressarcimento em dinheiro, desde que seja equivalente àquela. Sempre que se determine a reposição natural, tem o juiz de marcar prazo para a sua realização, findo o qual se há de exigir a indenização em dinheiro, devendo-se entender que a sentença foi alternativa (condenação à reposição natural ou condenação ao ressarcimento em dinheiro), o que permite, sem mais, a ação judicati. Se em parte já se cumpriu a reposição natural, avalia-se o que resta, em liquidação da sentença; mas, provado que não há interesse do credor no que foi feito, pode-se exigir a indenização total (C. CROME, System, II, 68 s.). Se a prestação não pode ser fixada pelo valor pecuniário do dano, nem cabe a reposição natural, a pretensão seria impossível. Todavia, se o interesse é moral, cabe indenização equitativa em dinheiro (cf. Código Civil, art. 76 e parágrafo único; cf. Código de Processo Civil, art. 2.0). 2.RESSARCIMENTO E “IUS TOLLENDI”. Por vêzes nasce a alguém, que fêz despesas, direito à indenização. Despender é pôr, voluntâriamente, valor patrimonial em bem alheio, ou próprio. Se o bem é alheio, há algo que se parece com o dano: quem sofre dano perde algo do património; quem despende em bem alheio dá algo do patrimônio. Despesas vencem interesses desde que se fazem, isto é, desde o desembôlso das quantias, ou a assunção da dívida. Se durante algum tempo os proveitos são percebidos pelo que fêz os gastos, não bá pensar-se em interesses enquanto os proveitos não passam a outrem. É o que ocorre ao usuário, ao usufrutuário e ao habitador. Todavia, se a obrigação tocava ao outro contraente, a inversão é com interesses desde que houve o desembôlso (e. g., benfeitorias necessárias feitas pelo locatário) - Quem tem direito a retirar alguma coisa, ou instalação, tem de repor o estado anterior. O exercício do ins toltendi supõe ou que se possa, sem detrimento do bem, retirar o que se pôs (Código Civil, art. 516, 1a parte), ou que se restaure o que seja atingido. 3.RESSARCIMENTO E DIREITO DE a coisa está em poder de quem fêz direito de retenção (§§ 2.734-2.739). RETENÇÃO. Sempre que despesas, sem má fé, há § 2.726. Pretensão à prestação de contas 1. CONTAS E INVENTÁRIO. Quem tem de apresentar a outrem receita e despesa, ou só receita, ou só despesa, presta contas. Quem tem de informar sobre estado de bens, ou de patrimônio, e entregá-lo, ou entregar rendimento, há de fazer inventário, ou de fazer inventário e prestar contas. Não tem dever e obrigação de inventariar quem apenas tem consigo bens que não fazem conjunto, provenientes de diferentes negócios jurídicos, pois faltaria unidade de relação jurídica entre o dominvs negotii e o gestor <K. LASSEN, Rechtliche Natur und Inhalt des im § 561 Abs. 2 BGB. dem Vermieter gegebeneu Anspruchs auf “Herausgabe zum Zwecke der Zurúckschaffung”, Archiv fUr Bzirgerliches Recht, 30, 274 a.). 2. CUMULAÇÃO DE AÇÕES. À ação de prestação de contas ou de apresentação de inventário pode cumular-se a de condenação à entrega do saldo credor, ou dos objetos inventariados. Se não se deu a curnulação, a sentença não tem carga suficiente de executividade para que se possa requerer, nos mesmos autos, a execução contra o devedor. Daí a ação dos arts. 307-810 do Código de Processo Civil, que, em caso de saldo a favor do autor, tem a carga seguinte: CAPITULO IX DEVER DE RESTITUIÇÃO Supôs-se, portanto, o pedido do saldo credor. Quem gere negócios alheios, ou com procura, ou sem ela, tem de prestar contas. Há dever e obrigação de prestar contas, a que correspondem direito e pretensão à prestação de contas. Da pretensão à prestação de contas nasce a ação de prestação de contas, que tem o doininus negotii; da obrigação de prestar contas nasce a ação de prestar contas, que é modo de se exercer aquela obrigação. Têm de prestar contas, principalmente, o mandatário, o tutor e o curador, o gestor de negócios sem mandato, o titular do direito de penhor que percebe frutos à conta da dívida, o fiduciário, o testamenteiro, o inventariante, as diretorias de sociedades e fundações, o comuneiro que gere com ou sem podêres. Em geral, quem cuida de assuntos alheios, ou ao mesmo tempo alheios e próprios, têm dever e obrigação de prestar contas. Quem apenas tem direito a percentagem sobre o líquido não tem ação de prestação de contas (C. CROME, Die partiarischen Rechtsgeschdf te, 220), salvo se a lez specialis o estabelece (e. g., Lei n. 4.790, de 2 de janeiro de 1924, art. 5.o), ou resulta de cláusula negocial. O Código de Processo Civil, nos arte. 307-310, cogitou das ações de prestação de contas.

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§ 2.727. Conceito de restituição 1.CRÉDITO E RESTITUIÇÃO. Por vêzes os créditos têm por objeto a restituição de coisa que se acha com o devedor. A coisa restituenda pode ser fungível ou não-fungível. Restituem, por exemplo, o locatário, o depositário, o mandatário, o locador de serviços que recebeu a coisa para o seu trabalho, o armazém de depósito, o usufrutuário, o usuário, o habitador, o anticresista, o titular do direito de penhor. No direito romano, as obrigações do usufrutuário e do titular do direito de penhor irradiavam-se de contrato, a cautio usufructuoria e o contractus pigneraticius. No direito brasileiro, a lei estabelece-as (Código Civil, arts. 729, verbis “e entregá-los, findo ,usufruto”, 745, 748 e 772). A restituição supõe ligação do bem à pessoa a quem se restitui: ou por haver o demandante direito de propriedade, ou direito de posse ou posse por direito real ou pessoal (e. g., o sublocatário restitui ao locatário), ou simples tença (e. g, o ladrão restitui ao servidor da posse ou empregado do possuidor), ou direito á. propriedade ou à posse ou à tença. 2.TRAçOS COMUNS E TRAÇOS DISTINTIVOS. Tanto é falsa a doutrina que nega estrutura comum ~os deveres de restituição como a que procede a distinções minudentes, a ponto de apagar os traços daquela estrutura, e a que trata dos deveres de restituição como se tudo se reduzisse à mesma estrutura. Certamente, a distinção entre contratos consensuais e contratos reais não mais pode servit a diferenciações. Nem o restituir por ter findado o direito real limitado e o restituir por ter acabado o contrato pode determiná-las. A restituição pode não ser conteúdo do direito real e pode ser (e. q., sobre a anticrese, Tomo XXI, § 2.628, 4; sobre o usufruto, Tomo XIX, § 2.337, 1). Prestar por simples obrigação de dar, ou de fazer, ou de não fazer é prestar o que está no patrimônio do devedor, sem que pese qualquer dever anterior. Restituir é entregar o que foi retirado a outrem, ou entregue por outrem, ainda que não tenha sido por ato do credor. § 2.728. Objeto da restituição 1.GENERALIDADES SOBRE O OBJETO DA RESTITUIÇÃO. Restitui-se a coisa certa: o devedor entrega o que recebeu, pois não é o dono, mas apenas possuidor imediato, por ser possuidor mediato o credor, ou por ser possuidor imediato o titular do direito de usufruto, de uso, de habitação, ou de anticrese, ou do direito de penhor. Ou apenas tenedor. O tenedor também restitui. Pouco tem consigo, mas tem. Tem o que não é seu; dai ter de restituir, de prestar o alheio. O dono do prédio que o alugou e, depois, retira a posse ao locatário, tem de restituir a posse imediata, que não é sua, ou, se o bem estava sublocado e não retirou ao sublocatário a posse imediata, tem de restituir a posse mediata imprópria, posse mediata, que não é a sua. (A dívida decorrente do mútuo não é dever de restituição, porque o que se há de pagar é valor pecuniário que se inseriu no patrimônio do mutuário.) O credor, possuidor mediato, alega e prova que entregou a coisa ao devedor, de modo que a obrigação nasce re, no sentido romano, e não conseneu. O credor pode não ser proprietário; basta que tenha a posse mediata. Se B, locatário, subloca o prédio que o dono A lhe alugou, o sublocatário, possuidor imediato, tem de restituir-lho, e ele, possuIdor mediatizado, ao dono. A restituição pode também 8er ao enfiteuta, ao usufrutuário, ao usuário, ao habitador, ao anticresista. Ocredor pode não ser possuidor. O doméstico que deu a guardar a outrem o objeto que estava limpando, ou a quem foi furtado, pode ir contra o tenedor, ou contra o ladrão. Mais falamos do credor possuidor mediato, próprio ou não, e do devedor possuidor imediato, por serem os casos mais frequentes. 2.ALEGAÇÃO DE NÃO SER TITULAR DO DIREITO DE PROPRIEDADE. Não pode o devedor, que tem de restituir, alegar, em objeção, que o credor não é proprietário, pOsto que, tratando-se de direito real limitado, ou de transferência do direito não necessAriamente domínio do credor, notificada ao devedor (cf. Código Civil, arts. 1.067 e 1.069), a entrega haja de ser ao que no momento em que se há de restituir é o titular (e. g., o proprietário). Se, ao terminar o contrato, ou outra fonte de obrigação, de que resultou o dever de restituir, o devedor ainda não restituiu, tem de fazê-lo a quem sucedeu ao credor na posse mediata. Tem-se de prestar atenção a que se trata de restituir posse imediata ao possuidor mediato, ou quem, ciente o possuidor imediato, haja sucedido na posse mediata de que derivou a posse imediata do devedor. § 2.729. Ato de restituição

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1. CONCEITO E NATUREZA. O ato de restituir consiste em se entregar a posse imediata a quem é o possuidor mediato legitimado. Na expressão restituir há alusão à legitimação da pessoa a quem se entrega. Na classificação dos fatos jurídicos, o ato de restituição é ato-fato jurídico, porque apenas se faz tradição da posse. Uma das conaseqüências está em que não há invalidade: o absolutamente incapaz pode restituir, se tal obrigação lhe tocava; ainda que inválido o negócio jurídico, por alguma causa de anulabilidade, a restituição é incólume a alegações de nulidade e anulabilidades. Não as há de atos- -fatos jurídicos. 2.. a) Se há faculdade, para o devedor, de restituir, em vez da coisa recebida, outra da mesma natureza, a facultas alternativa importa em que se haja de tratar a espécie como obrigação de prestar coisa certa. Somente com a prestação efetiva de uma das coisas se libera o devedor. O devedor libera-se se a coisa recebida perece. O art. 885 do Código Civil não é de invocar-se, porque não se trata de obrigação alternativa. b) Se o que se tem de restituir é bem determinado pelo gênero, o que não se confunde com o prestar género (e. g., mútuo), surgem figuras anômalas mas reconhecidas pelo sistema jurídico. É o que acontece com o depositum irregulare, com o quasi usais fructus (Código Civil, art. 726; Tomo XIX, §§ 2287, 2; 2.291; 2.291, 1; 2.300, 3; 2.306, 1; 2.307, 1; 2.337, 1) e com o pignus irregulare (cf. H. DERNBURC, Pandekteta, 1, 7.~ ed., § 272, nota 10, 665; Tomo XXI, § 2.616, 1). c) Se há dever de restituição, mas o objeto é coisa fungivel, que se mistura com outras de outros credores, a dívida de restituição não se transforma em obrigação genérica (= de dar coisa incerta). Permanece dívida de coisa certa. A cada restituição reduz-se, proporcionalmente, a massa de bens, o estoque restituível. 3.DEVER DE CONSERVAR. A obrigação de conservar de regra é junta à de restituir, mas essa pode existir sem aquela, e aquela sem essa. Conserva-se o que foi parar às mãos do credor de conservação, ainda que não sejam a mesma pessoa quem tem direito e pretensão à restituição e quem tem direito e pretensão à conservação. O sublocatário tem de restituir ao locatário, se a sublocação acaba antes da locação, ou ao locador, se locação e sublocação cessam no mesmo momento, ou se foi estabelecida a entrega direta ao locador. A obrigação de conservar tem-na o sublocatário perante o locatário. Áliter, a pessoa a quem se houvesse transferido (= cedido) a locação. A dívida e a obrigação de conservar começam no momento em que se recebe a posse, mas a pessoa a quem nasceu a dívida de conservar pode ter culpa (não se trata aí de mora) em não ter tomado posse, como deveria, se já assumira dever de conservar e podia tomar posse. Se o carregamento incumbe ao sujeito passivo do dever de conservar e os bens a serem carregados já estão à espera de serem carregados, o devedor de conservação já está obrigado a isso, a despeito de não estar na posse. Trata-se de infração de dever de tomar posse, o. que de modo nenhum se confunde com a mora de receber. § 2.730. Nascimento e extinção do dever de restituição 1. NASCIMENTO. O dever de restituir nasce após a entrega da coisa; a pretensão é que exsurge ao poder ser exigida. Se o obrigado não cumpre a obrigação de restituir, nasce a ação de restituição. 2.ENTREGA DA COISA RESTITUENDA A TERCEIRO, EM VEZ DE AO CREDOR. Se o devedor, em vez de restituir a coisa ao credor, a entrega a terceiro, o credor, se é proprietário, pode reivindicar a coisa, ou vindicá-la, se usufrutuário, usuário, habitador, anticresista, ou titular de direito de penhor, ou propor a ação possessória, que lhe compita, se somente é possuidor e o terceiro não é pessoa de quem ele houve a posse mediata. A posse pelo terceiro, sem ser em nome do credor, é ofensiva à posse desse. Passa-se o mesmo a respeito do mandatário que entrega a coisa, não ao mandante, como devera, mas a terceiro. Tem-se sempre de raciocinar com as premissas: o dever de restituição nasce a quem tem posse imediata, ainda que se mediatize, e titular dele é quem tem a posse mediata, de que aquela proveio. Se a entrega é a terceiro, ficando com posse mediata o que teria de restituir, há ofensa à posse mediata, superior, do credor e à relação jurídica negocial de que se irradiou o dever de restituir. 3.FALÊNCIA E OUTROS CONCURSOS DE CREDORES. O direito pessoal de restituição permite ao credor, ainda que não seja proprietário, o pedido de restituição da coisa arrecadada em processo concursal (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 76), ou a ação de embargos de terceiro (Decreto-lei n. 7.661, art. 79). O bem restituendo não pertence ao falido ou insolvente civil, nem, portanto, à massa. 4. EXTINÇÃO DO DEVER DE RESTITUIÇÃO. O dever de restituir somente se extingue se o devedor sucede na

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posse mediata de que proveio a sua posse imediata, inclusive se se tornou proprietário. Se, ao se concluir o negócio jurídico de que se irradiaria o dever de restituição e o que se disse credor figurou como proprietário, sendo proprietário, em verdade, o que se disse devedor, tem-se de indagar se o outorgante era possuidor e entregou a posse imediata ao outorgado, ou se o não era. Não se pode falar, aí, de nulidade do negócio jurídico, por impossibilidade de prestação, porque o proprietário pode não ser, no momento da conclusão do negócio jurídico, possuidor e ser possuidor imediato, mediatizando-se o butorgado, ou possuidor mediato, de cuja posse mediata derive a posse imediata de outrem que o proprietário. Pode dar-se que o credor, que tem pretensão à restituição, a exija ao mesmo tempo que outrem, por ação de reivindicação, ou de vindicação de usufruto, uso, ou habitação. de penhor, ou de anticrese, o faça. Não há solução, a priori, porque se tem de apurar se se extinguiu, ou não, o direito à posse que tinha o credor com direito à restituição. Se se extinguiu, o devedor, ciente, tem de entregar a coisa ao possuidor mediato, uma vez que a posse mediata de que proveio a sua se extinguiu. Se não se extinguiu, é ao credor que se há de restituir. A questão de se saber a quem se há de restituir a coisa se a perdeu o que se~ apresenta como credor ou quem se diz proprietário ou sucessor, tem de resolver-se segundo os princípios: a) os arts. 1.268, 1.269 e 1.273 do Código Civil cogitaram do depósito, para, pôsto o principio da restituibilidade ao depositante, abrir as exceções da penhora, notificada ao depositário, do arresto, do seqUestro, da suspeita de furto ou roubo, com depósito judicial requerido pelo depositário, ou compensação fundada noutro depósito; b) em geral, conforme a prova da posse mediata, cabendo o requerimento do depósito judicial em caso de dúvida, ou a conduta que o mandado judicial de penhora ou de outra medida constritiva determine. Se o devedor, adquire a propriedade da coisa restituenda, odever de restituição somente se extingue se o devedor houve do proprietário a posse imediata- Não se pode dizer, como fez A.VON TUHR (Partie Générale du Code fédéral des Obligations, 1, 115), em termos gerais, que a locação se extingue se o locatário adquire a propriedade da coisa locada. Para que isso se dê é preciso que não haja ligação entre a posse do locatário e a posse mediata que não seja própria e subsista. No direito romano, a solução era diferente, devido a não ser possuidor, prôpriamente, em direito romano, o locatário: havia de restituir a coisa e, depois, exercer a ação de proprietário com o procedimento especial (B. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, 739>. Se ao credor, que tem direito de restituição, ou é proprietário da coisa, o devedor alega ou procede como se alegasse ser dono da coisa, nasce a quem coincide ser credor a ação de reit’in diCação. A ação de restituição e a de reivindicação concorrem. A ação real e a ação pessoal coexistem. Se o devedor pretende ser possuidor imediato por outro motivo, a discussão pode ser na ação de restituição, ou na ação possessória. Sempre que há dúvida sobre a quem se há de restituir, a solução é o depósito judicial, salvo se a dívida é de ir buscar. Se o caso é de achádigo, incidem os arts. 608-606 do Código Civil (Código de Processo Civil, arts. 591-594). § 2.731. Conceito de despesas 1.DESPESAS. Despesas são gastos, que se fazem para serviços, ou serviços que haveriam de ser pagos, mas cujo valor se emprega em alguma coisa ou direito ou patrimônio, ou inversões feitas em dinheiro ou outros bens que aproveitem a coisa, direito ou patrimônio. Se as despesas são a favor de quem as faz, há lançamentos de gastos e de proveitos, pôsto que êsses nem sempre correspondam àqueles ou aumentem o patrimônio de quem despende. Nos textos romanos não há definição de despesas (impensae, L. 38, 13., de hereditatis petitiorte, 5, 3; expensae, li 39, ~ 1, 13., de minoribus viginti quin que anis, 4, 4; impendium, L. 27, § 4, 13., mandati vel contra, 17, 1; meliorationes, L. 3, C., de emphiteutico jure, 4, 66; sumtus, L. 79, 13., de iudiciis: ubi quis que agere vel convenire debeat, 5, 1; cf. F. W. SCHMIDT, Verwendungsanspruch des Resitzers, 7 sj. Despesas, que se hão de reclamar, não são apenas as que se fazem em coisas. Há a> despesas com a coisa, como consertos, plantações, adubamento (cf. L. 14, 13., de dali mali et rnetus ezeeptione, 44, 4; L. 14, 13., de impensis in res dotales factis, 25, 1), com a situação jurídica da coisa, como solução de impostos e taxas e assunção de dividas (cf. L. 32, § 6, 13., de administratione et periculo tutorum a curatorum, 26, 7; L. 55, E’., soluto matrimonio dos quemadmodum petatur, 24, 3), com a exploração da coisa (L. 2, 13., de impensis in. res dotales factis, 25, 1), ou com as exigências para ê transmissão (e. g., registro) b) despesas com algum direito, como as que se fazem para se evitar a execução hipotecária ou pignoratícia; e) despesas ditas interiores à relação jurídica, ou, melhor, para melhor exercício de algum direito, ou em proveito de

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alguma relação jurídica (cf. KARL WEIDEMANN, Verwendnngsbegriff i’nd Verwendungsklage, 5); d) despesas com o corpo ou a psique, ou com o corpo e a psique de alguém (cf. JoSEP KOHLER, fie Menschenhtilfe im Privatrecht, Jahrbiicher fiir die Dogmatik, 25, 99) ; e) despesas com coisas coletivas, feixe de direitos, ou patrimônio (e. g., impensae hereditatis, cf. L. 50, § 1, 13., de hereditatis petitione, 5, 8,). Nas fontes romanas muitas passagens há sôbie o enriquecimento injustificado por despesas feitas em bem de algum patrimônio de outrem, porém sem referência a ação em geral. Qual a ação adequada muito se discutiu: uns entendiam que a condictio; outros, a negotiorum gestorum adio; outros, especial repetitio, que teria sido acho in factum que o direito romano evolvido teria aplicado às despesas. No século XIX propagou-se a opinião que negou a existência de qualquer ação a que bastasse o suporte fáctico da aplicação das despesas (A. voN VANGEROW, Lehrbuch der Pandelcten, ~, 7.~ ed., § 884; H. WINDSCHEID, Lehrbuch, 1, 981 s., e II, 875; A. PERNICE, Labeo, II, 122 s.; li. WirrE, fie Bereicherungsklagen, § 1; M. VOICT, tYber die condictiones ob causam und ilber causa vnd titulus im AUge mcinen, 888 s.; A. LANCPELD, fie Lclzre vom Retentionsrecht, § 6). Não havia, certamente, ação de despesas, que fôsse geral. A condíctio, de que romanistas falaram, seria tal remédio; mas outros advertiram que as fontes somente aludem ao direito de retenção do possuidor de boa fé, que, assim, não teria a condictio (sobre isso a L. 14, 13., de dou mali et metus exceptione, 44, 4, KÃRL WEIDEMANN, Verwendungsbegriff und Verwendungsklage, 17). É interessante observar-se que o fundamento para a inacionabilidade seria o de que o possuidor despende por egoísmo, e não para bem de outrem (J. KORLER, fie Menschenhtilfe im Privatrecht, Jahrbiicher fiir die Dogmatik, 25, 99 s.), ou o de se tratar de incursão no patrimônio alheio <E. VON MONROY, Die Voltmachtlose Ausiibung fremder Vermõgensrechte, 176). Cp. L. 5, C., de rei vindicatione, 8, 82, e L. 5, § 5, 13., de negotiis gestis, 3, 5, que J. KOHLER analisou. Á discussão concentrou-se demasiadamente na espécie do possuidor de boa fé, que somente tem oportunidade para pedir indenização se lhe retiram a posse. A adio negotiorum gestorum contraria utilis era ação de despesas. Nem sempre quem faz despesas presta, como se devesse; razão óbvia para que nem sempre se pudesse pensar em condictio. Às vêzes o que cabe é a actia negotiorum gestorum contraria utilis, que nada tem de condictio e não poderia ser atribuida ao possuidor de boa fé: a boa fé mostra, de si sé, que ele não geria a coisa como se fôsse coisa alheia. OCódigo Civil francês, arts. 2.175, 1.881, 861 e 555, tomou outro caminho. Era, de certo modo, a generalização da repetitio. Para o direito alemão, Código Civil alemão, §§ 450, alínea 2~a, 588, 547, alínea 2.8, 581, 850, 994-996, 2.023, 2.125, 2.185, 2:381 e outros passos. 2. DESPESAS E DANOS. As despesas são diminuições do patrimônio, que a pessoa se impõe de vontade própria, ou por dever, ou a favor de terceiro, ou de quem seja dono ou tenha direito real sobre bem ou bens ou patrimônio. Se quem fêz as despesas tem direito a reembôlso é porque as despesas não lhe aproveitam, ou entram no cômputo de indenização a ser-lhe paga, ou foram feitas em virtude de negócio jurídico bilateral, ou gestão de negócios alheios. As despesas ou são necessárias, ou úteis, ou voluptuárias. Se aplicadas a coisas, dizem-se benfeitorias. As despesas podem consistir em dação de dinheiro, ou noutros objetos que o inversor emprega na conservação da coisa ou em coisa (e. g., alimentos para animais, materiais incorporados em construção, limpeza e conservação do edifício), ou na transferência do uso, ou no uso da coisa para utilidade de outrem, ou na prestação de serviços (e. g., o médico atende ao chamado de alguém porque o filho do vizinho se feriu), OL. na assunção de obrigações a favor de outrem (e. g., encomenda peças para as máquinas de outrem, devendo pagar o preço em certo tempo). O dano que se sofre na gestão de negócio alheio não é despesa; o dano sofre-se, a despesa faz-se. O mandatário pode reclamar reembôlso de despesas (Código Civil, arts. 1.310, verbis “as despesas de execução do mandato”, e 1.811) e perdas que sofreu na execução do mandato, se não resultaram de culpa própria ou excesso de podêres (art. 1.812). Todavia, se, conhecendo o perigo, alguém expõe bem próprio no interesse de outrem, discute-se se se há de pensar em dano, ou em desvesa (cp. Código Civil, art. 160, II, onde a espécie é de emprêgo de coisa alheia). A respeito das despesas em bem ou patrimônio alheio há: a)à pretensão à indenidade ou reparação, como ocorre ao possuidor de boa fé, quanto às benfeitorias necessárias e úteis (Código Civil, art. 516, 1.~ parte), e ao possuidor de má fé, quanto às necessárias (art. 517> b) o iva toilendi; c) o direito de retenção; d) a ação para prestar contas, fixando-se prazo para que a pessoa a favor de quem se fizeram as despesas as aprove ou impugne, com a cominação de, não contestando, ou não impugnando, não mais ser ouvido (analogia com o art. 302, v, 2Y parte, do Código de Processo Civil), isto é, com rito do art. 307 da lei processual (cf. F. STEINBACH, fie Anspriiche wegen Veru,enctvngen nach dem Rechte des Ruirgerlichen Gesetzbuches, 28 s.) ; e) a actio negotionim gestorunv contraria utilis, ou a que se irradiar da relação jurídica. § 2.732. Reembôlso

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1. VALOR DE REEMBÔLSO. As despesas hão de ser reembolsadas pelo valor que foi empregado. O reembôlso há de ser feito, de regra, em dinheiro. Em todo caso, excepcionalmente, pode ter de ser feito em bens fungíveis do gênero que foi incorporado à coisa alheia, ou ao corpo humano, como se o comerciante fêz transportar ao pôrto, em seu caminhão, as mercadorias do outro, ou o médico pediu de empréstimo a injeção rara para a dar no que tem de reembolsar, ou no filho menor desse. Todavia, o que se passa a respeito do objeto danificado que tem de ser indenizado pelo valor do tempo do fato causador, ou pelo valor maior do tempo do julgamento. 1 2. JUROS. O valor pecuniário das despesas rende juros a partir do desembôlso. Salvo se há uso, ou fruição, ou uso e fruição por tempo anterior ao desembôlso, por parte de quem usa, frui ou usa e frui. É o que acontece, por exemplo, ao locatário, ao usufrutuário, ao usuário, e ao anticresista, se o dono do bem as permitiu. Só se devem juros do que seria de exigir-se desde logo, ou se as despesas incumbiam ao dono do bem. § 2.783. “Ius toliendi» 1. DIREITO DE TOLER. Se quem fêz as despesas uniu objeto a outro que ele deve restituir, ou prestar, tornando aquele parte integrante não-essencial ou pertença desse, pode o titular da pretensão ao reembôlso das despesas, se o não consegue, retirar o objeto, recuperando o direito de propriedade, se o perdera. O direito de toler, iva toliendi, compete ao possuidor de boa fé (Código Civil, art. 516, 1Y parte), e ao usufrutuário, ao usuário e ao habitador, ao anticresista, ao locatário, ao fiduciário, pelo que despendeu, devendo ser pago pelo dono do bem, se pode ser exercida a retirada sem detrimento do bem. No direito brasileiro, a possibilidade da retirada, sem detrimento do bem (Código Civil, art. 516, 1.a parte, Tomo X, § 1.128, 4), é elemento necessário da existência do iva toilendi. Se, para se desligar o que foi unido a outro objeto, é preciso deteriorar, arruinar, inutilizar ou desvalorizar o bem, tendo-se como base o seu valor antes da inserção, não há iva toliendi. Também se há de reconhecer direito de toler ao devedor em caso de enriquecimento injustificado, ao gestor de negócios alheios e a quem quer que tenha unido uma coisa a outra e possa exigir reembôlso de despesas feitas, sem o ter conseguido. O possuidor de boa fé, êsse, ao restituir a coisa, pode toler a benfeitoria voluptuária, se não prejudica o bem (art. 516, 1a parte). O direito de toler não é direito de crédito, mas direito formativo gerador de propriedade ou de posse (se a propriedade não foi perdida). Tem de ser exercido antes da restituição da coisa, salvo se não foi feita a reserva de ser exercido mais tarde, caso em que a retirada só pode ser feita com o assentimento do credor que recebeu e tem a posse, ou judicialmente. Tem-se discutido se há iva toilendi se da união resulta tornar-se a) parte essencial ou b) só não-essencial, ou c) essencial ou não-essencial, ou só pertença a coisa unida, ou d) só parte não-essencial, ou pertença. Como em e), KLEIN (Zu BGB. § 258, Juristi.sche Wochenschrift, 81, 647), BARING <Anwendungen, Verwendungen, Einrichtungen und ihr Ersatz, Sdchsiaches Archiv, 14, 459, e 15, 30) e 1’. OERTMANN (Recht der Schuldverhtiltnisse, 65> ; como a), L. RUGE (Das Wegnahmerecta, 67). A opinião certa é a opinião d). Sobre partes integrantes essencial e não-essencial e pertença, Tomo II, §§ 127- -131,143-149. A parte essencial ou não-essencial não é objeto jurídico, por si só. Não se pode falar de qualquer delas como coisa. Para que se torne res, é preciso que se divida a coisa, ainda que a divisão seja mais corte, separação, do que propriamente transformação da coisa em duas ou mais coisas da mesma espécie. A retirada do cofre, que se embutira na parede, não é divisão, e sim separação, ainda que o cofre se haja tornado parte não-essencial do prédio. As dificuldades surgidas aos juristas no tocante ao ias toilendi foram enormes. Uma delas era a resultante de armarem-se ou construírem-se moinhos em terras alheias. No direito romano, os textos mais expressivos eram a L. 27, § 5, e a L. 38, D., de rei vindicatione, 6,1, e a L. 9, D., de impensis in res dotales factis, 25, 1. Na E 27, § 5, PAULO frisou que se, antes de contestada a lide, o possuidor fêz gastos na coisa pedida, tem ele contra o autor a exceção doU mali, se êsse insiste em querer a coisa sem reembolsar ao demandado as despesas. Salvo se o dono consente em que se desprenda. No exemplo (aliás interpolação) tratava-se de toliere aedificium. Na L. 38, CELSO, depois de figurar a espécie em que alguém edificou ou plantou em prédio alheio, referiu que, na reivindicação, há ressarcimento de gastos que aumentaram o valor do bem e a permissão de se retirar aquelas coisas que o possam ser, desde que não se deteriore o fundo mais do que se não se houvesse edificado. Todavia, podia o dono preferir pagar o importe do valor. A ação maliciosa de toler era repelida. A parte interpolada é assaz expressiva: “si paratus est dominus tantum dare, quantum habiturus est possessor his rebus ablatis, fiat ei potestas”. £ de CELSO a passagem em que profliga os atos de má fé, como o de arrancar o estuque e as pinturas, se Com isso causa dano sem

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proveito, ou não causa dano mas do ato nenhum proveito tira. Na L. 9, ULPIÁNO diz que, no que tange aos gastos voluptuáwos, se admite a cobrança pelo marido se a mulher não estg disposta a consentir em que ele retire os adornos. Se a mulher quer havê-los, deve satisfazer as despesas, que o marido fêz; se não o quer, deve consentir em que se levem, se suscetíveis de separação (‘... . si vult habere mulier, reddere ea quae impensa sunt debet manto: aut si non vult, pati debet tollentem, si modo recipiant separationem”>. O direito de toler era, como é hoje, direito de separação e de repristinação. Que não se referia apenas às partes não- -essenciais di-lo o texto de CELSO, na L. 38: “his rebus ablatis”. A pertença pode estar de tal maneira aplicada ao bem, que o retirá-la exija separação e repristinação, como se foi fixada ao solo a cadeira do dentista e tem de ser tolida e refeito o piso, na parte em que o pé se cravava (cf. L. 59, D., de rei vindicatione, 6, 1). Não há ius toilendi se, em vez de se unir parte não--essencial, ou se ligar pertença, houve especificação (Código Civil, arts. 611-614), porque, aí, ou há redução (art. 612, § 1.0) ou não é irredutível a espécie nova (art. 612) ; e reduzir não é toler. Nem nos casos de separação dos elementos, conforme o art. 615, § 1.0, em se tratando de confusão, mistura ou adjunção. O separar, aí, não é toler. Não há dominium dormiens: ou não há domínio, porque houve a integração, ou sempre o houve, por se tratar de pertença. Sobre o direito de toler no direito germânico, O. STOBBE (Eeitràqe zur Gesckichte des deutschen Rectas, 64 s.) ; para o direito francês, E. MICOLESCO (Ou Droit résultant dês constructions faites sur le terrain d’autrui, 186 s.) ; para odireito austríaco, L. VON KIRCHSTETTER (Kornrnentar zuni õsterreichischen allgerneinen biir.qerlichen Gesetzbuche, 195 s.). Se a separação não é de interesse para quem uniu ou ligou o bem, não há ins toltendi. Aqui, o interesse não é o interesse pré-processual, a que se refere o Código Civil, art. 76, e o Código de Processo Civil, art. 2.0; é elemento do suporte fáctico da regra jurídica que cria o bis toilendi (portanto, de direito material). Quem pintou as paredes, se não há interesse em que o dono não exiba as figuras pintadas (e. g., retratos de família, cópias de ilustrações de livros do locatário), não as pode raspor. ou mandar raspar, para as pintar como eram em pnístino. Dá-se o mesmo com ladrilhos, tapêtes colados ou não e peças embutidas nas colunas, portões ou paredes, ‘que, arrancados, se quebrariam ou ficariam inutilizados. Tapêtes que, retirados, ainda podem ser vendidos, são tolíveis. No caso de pacto de retrovenda, o vendedor, que exerce o direito à. retrovenda, tem de reembolsar despesas, que se fizeram para melhoramentos (Código Civil, art. 1.140, parágrafo único). Por essas despesas tem o comprador direito de retenção. Outrossim, ius tollertdi quanto ao que pode ser retirado sem detrimento da coisa (cf. art. 516, 1a parte, in fine), ainda que se haja fixado o valor acima do preço por que foi vendido (e. g., o valor do tempo em que retrocompra, P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 489; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 832). O art. 1.199 do Código Civil regula o direito de retenção dos locatários. Se há possibilidade de levantar benfeitorias e pertenças, sem dano para o bem, há o ius toliendi, que pode ter maior extensão por cláusula contratual. A renúncia do locatário ao ius toliendi não importa em renúncia à ação pessoal pelas despesas (MAx MITTELSTEIN, Die Miete, 33 ed., 279; O.NIENDORFF, Mietrecht rtach denv BGB., 103 ed., 265). O comodatário tem direito a toler o que ligou à coisa, desde que a separação não importe em detrimento (cf. Código Civil alemão, § 601, alínea 23, 23 parte). Segundo as circunstâncias, pode exsurgir, a favor do mandatário, .ius touendi (G. PLANCK, Kommentar, II, 2, 43 ed., 667). 2. NASCIMENTO DO “1135 TOLLENDI”. Não há ius toilendi somente onde a lei o diz. Há tal direito sempre que se compõem os pressupostos de regra jurídica geral, não escrita, que corresponde ao art. 516, 13 parte, do Código Civil. Oque é preciso é que haja despesas a serem pagas, ou que se trate de benfeitorias voluptuárias. Quando é caso dessas, raramente há união do bem móvel a outro bem, móvel ou imóvel. Por onde se vê que o toler por falta de reembôlso é apenas espécie: há iv,,s toilendi sem o credor de restituição da coisa ter dever de reembolsar. Se a retirada é impossível operar-se sem detrimento da coisa, ou o que fêz a união perdeu a coisa e não pode pretender indenização, ou se havia permissão para tal união o credor a quem se restitui tem de indenizar. O princípio no direito brasileiro é o de que só há ius toilendi se a retirada é praticável sem detrimento da coisa. Tal atitude do legislador corresponde à opinião de C. CROME (System, 1, 366) e de F. SCHOLLMEYER (Recht der Schuldverhãltnisse, 52) e se afasta da que tinham P. OERTMANN (Recta der Schuldverhãltnisse, 65) e O. PLANCK (Kommentar, II, 1, 117), que falavam de indenização se impossível a retirada. Se não se pode levantar a benfeitoria sem detrimento da coisa, não há falar-se de bis toilendi. O direito brasileiro ficou com a doutrina certa. O direito de toler pode ser objeto de penhora e entra na massa dos credores, segundo os princípios (A. BROWN, The

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Law of Fixtures, 181 e 185 s.; J. KOHLER, Zur Lehre von den Pertinenzen, JahrUicher Ijir die Dogmatik, 26, 51; E. MicoLESCO, Du OroU résultant des constructions faites sur te terrain d’autrui, 127). 3.RESTITUIÇÃO COM DETRIMENTO DA COISA. “Sem detrimento da coisa” entende-se sem dano que não possa ser reparado imediatamente (= antes da restituição) e às expensas do restituinte. A restituição com detrimento da coisa é execução contra a lei, com tôdas as suas consequências, como o é a restituíção com a retirada sem que houvesse ius toilendi. Se acaso há o izi.s toilendi a despeito da entrega da coisa, somente pode ser exercido após caução de reposição da coisa no estado anterior. 4.TERCEIROS E “1135 TOLLENDI”. Na L. 7, § 11, II., de adquirendo rerum dominio, 41, 1, diz GAIO que contra o adquirente do edifício não há ação de reivindicação de materiais. Na L. 23, § 1, D., de usurpationibws a usucapionibus, 41, 3, JAvOLENO adianta que, em caso de evicção de coluna, cabe a ação de compra contra o vendedor. Dai se tirou que não há bis toilendi, se o bem foi transferido a outrem. O que importa saber-se é se a pessoa continua na posse, ou se o terceiro sucedeu na posse e está na mesma relação jurídica com o domznus. Durante a posse, o direito de toler é ín rem, como a exccprza doU o era e a exceção de reembôlso (cf. L. GOLDSCHMIDT, Handbuch des Handelsrechts, 1, 2, 990 s.). Se a posse cessou, sem se haver perdido o direito à benfeitoria voluptuária, ou ao objeto voluptuário, resta pretensão pessoal a haver a inversão, ou o bem. Contra o terceiro, não (Huco DONELO, Commentarii de Jure dviii, 1, 63 ed., 541). Se a pessoa contra quem se exerceria o bis toliendi procede à repristinação, o que se retira cai sob o domínio do titular do direito de toler, se ainda o tem; em se tratando de pertença, não tem tanta relevância o ato de quem haveria de tolerar a separação, porque a propriedade já era do titular do ius toliendi. 5.EXERCÍCIO DO “1135 TOLLENDI”. Quem tem ius toilendi não precisa de exercê-lo perante o juiz, salvo se há eficácia mandamental de despacho que vede alterar o status quo. Sem razão, G. DEMELIUS (Die Exhibitio’ns~pflicht, 124), que exigia exercício em juízo ou autorização judicial. § 2.734 Direito de retenção 1.CONCEITO E NATUREZA DO DIREITO DE RETENÇÃO. Trata-se de um dos conceitos mais estreitos e precisos, porém a respeito do qual as confusões da meia ciência são fáceis. O direito de retenção nem sempre pertence a quem é possuidor, ou tem direito à posse. Casos há em que o devedor, que dele se crê titular, não tem posse, nem direito à posse. Em princípio, retém quem tem, se o sistema jurídico permite que retenha. Se o que retém é possuidor, a retentio é continuação na posse. Se o que retém há a tença, e não a posse, levanta-se a questão de se saber se a posição do titular do jus reterttionis, após o exercício de tal direito, é possessória, ou só de tença, posterior à retença, à retenção. Falando, às vêzes, de retenção como continuação da posse, não podemos esquecer os casos em que a lei ou a vontade confere direito de retenção a quem não tem posse. Então, o em que se continua é a tença, e não a posse: re-t em-se, no sentido do étimo, que é mais largo que o de continuidade na posse. Retém quem não tem posse como quem tem posse. Se posse tem, a retenção estende, no tempo, a posse. Se posse não tem, a retenção é só continuação da tença. (a) O jus retentionis, o direito de retenção, é exceção, que permite não prestar o que se haveria de prestar sem ser por inadimplemento da contraprestação, mas em virtude da posição de devedor a que toca outra pretensão. Daí, de comêço, a diferença quanto à exceção non adimpleti contractus, e à exceção non rite adimpleti contractus, que é espécie dessa. A exceção do art. 1.092, 1.a alínea, do Código Civil permite recusar-se a solver enquanto o outro figurante não contrapresta; a exceção de retenção dá ao que há de prestar o poder reter o bem até que se solva a dívida que deu ensejo ao ius retentionis, dívida que não é a da contraprestação. A opinião que reduz as exceções non adimpleti contractus e non rite adimpleti contractus a casos de direito de retenção é de repelir-se (certos, FRANZ SCHLEGELBERGER, Das Zuriickbehaltungsrecht, 101 e 148; P. LANGHEINEXEN, Anspruch und Einrede, 335; sem razão: O. PLANCK, Komrnentar, II, 1, 167). Quando o devedor deixa de solver a dívida porque o credor não fêz a contraprestação que lhe incumbia, não há falar-se de exercício de direito de retenção. Aí, não se retém; da -se de adimplir. Exerce-se exceção non adimpleti contractus ou non rite adimpleti contractus, e não direito de retenção. Não tem direito de retenção, mas exceção non adirnpleti contractus, ou non rUe adimpleti contractus,

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quem deixa de prestar porque o outro contraente não contraprestou, ou de contraprestar, porque o outro não prestou. No direito romano, o direito de retenção aparece como exceptio doU (tal exceptio senta para cobrir algumas relações jurídicas não fixadas, ou não suficientemente desenvolvidas, cf. A. HÂNEL, tYber das Wesen und den heutigen Gebrauch der actio und exceptio dou, Árchiv fúr die civilistische Prazis, 12, 408 s.). O direito de retenção é direito potestativo, porque dá à pessoa a possibilidade de, por manifestação de vontade, ai declaração, conseguir determinado efeito jurídico (Tomo V, § 566, 2). Não deriva da posse, nem é emanação dela (cp. C.W. SCHENCK, Die Lehre von dem Retentionsrechte, 36 s.). Exceção, e só exceção. Direito negativo, como alguns frisam <JOsEF RORLER, Lehrbuch des Konkursrechts, 163 s.). Mediante o seu exercício, a situação patrimonial tácita permanece a mesma (C. G. VON WXCHTER, Pandekte#, II, 337). Continua em mãos de alguém o que ele devia entregar, até que seja satisfeito do crédito contra quem poderia exigir a entrega. Há semelhança com o início de execução e parecenças com o arresto; mas é de afastar-Se qualquer assimilação às medidas constritivas, seja às executivas seja às assecuratórisa. Há certa incursão na esfera jurídica alheia, mas essa incursão é par abstenção, pela permanência do status qua. 2. PRESTAÇÃO RETENDA. A prestação retenda pode ser de valor patrimonial, ou não. E. g.: carteira de depósito bancário ou de caixas econômicas, ou outros papéis de legitimação; quitação (Código Civil, art. 939); apólice de seguro; talão de penhor; documento probatório (G. PLANCK, Kommefl tar, 11, 1, 167; contra, FRANZ SCHLEGELBER<~It, Das ZurUckbelwltungsretht, 113); cartas missivas. Quanta à quitação, diz o ad. 939: “O devedor, que paga, tem direito à quitação regular (ad. 940), e pode reter o pagamento, enquanto lhe não fôr dada”. A regra jurídica sobre o direito de retenção está implícita no art. 434, alínea 13, do Código Comercial: “O credor, quando o devedor se não satisfizer com a simples entrega do título, é obrigado a dar-lhe quitação ou recibo, por duas ou três vias, se ele requerer mais de uma”. O herdeiro que tem de prestar o legado não o pode reter, nem o inventariante, quanto à quota do herdeiro. Tudo isso se regula no inventário e partilha, com as reposições, para as quais o juiz pode exigir garantias. Nas pretensões de entrega de menores e incapazes não’ é de admitir-se que nasça direito de retenção (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 463). O colégio, que recebeu a mensalidade ou outra prestação, não pode reter o aluno porque causou danos~ ou deu despesas a mais (e. g., operação cirúrgica), pois a prestação retenda não é patrimonial. Aliás, também não poderia opor exceção de inadimplemento ou de adimplemento insatisfatório (exceção non adimpieti contraxtus e exceção non rite adimpleti contractus). Não cabe exercício de direito de retenção se, para atendê-lo, o dano ao objeto seria maior do que o crédito que tem O devedor (e. g., o animal morreria de fome, a máquina ficaria inutilizada pelo lugar em que se acha). Não há direito de retenção se admiti-lo seria contra a finalidade da obrigação cujo cumprimento se quer adiar com a exceção dilatória de retenção (é o que freqúentemente acontece com as obrigações de não fazer, cf. H. LEHMANN, Die tinteriassunun~fIicht, 305 s.; H. REHBEIN, Das Biirgerliche Gesetzbuch, II, 96). 3. ACESSORIEDADE DIREITO DE RETENÇÃO. Se o poder de continuar na posse, ou na tença, não é acessório, não se trata de direito de retenção. Ao conteúdo da pretensão de gue se irradia o direito de retenção é estranho êsse. Não há direito de retenção que não seja direito acessório. A segurança, que ele proporciona, não é, em si, de direito real, é segurança advinda de continuação, que se admitiu, na posse que se tinha. Se a continuidade faz parte do conteúdo do direito, ou se passou a fazer parte (e. g., prorrogação da locação), não há direito de retenção. Por outro lado, há exceções que permitem continuar de ter, reter, sem que sejam de direito de retenção. Nos textos romanos, o duplo sentido de retinere ressalta: retém-se, por despesas necessárias (L. 8, pr., 1?., de pigneraticia actione veZ contra, 13, 7), ou por outras despesas (ci L. 15. § 2, D., de jurtis, 47, 2; L. 33, D., de corulictione indebiti, 12, 6), mas também se fala de “ex compensatiofle retinere” (L. 4, D., de com pensationibtis, 16, 2; cf. L. 30, pr., 11, de actionibus empti venditi, 19, 1), passagens em que se dá a retinere, reter, o sentido, mais largo, de não prestar. No sentido preciso, que tem em bis retentionis, expressão estranha às fontes, mas sugerida por elas, quem deixa de solver, invocando o art. 1.092, alínea 13, do Código Civil (exceção twn adimpleti contractus, exceção non rite adimpieti contractus), prôpriamente não retém: deixa de adimplir. No Código Civil, art. 806, diz-se que o anticresista pode fruir diretamente o imóvel, ou arrendá-lo a terceiro, salvo pacto em contrário, mantendo, nó último caso, até ser pago, o direito de retenção do imóvel. Já no art. 760 se assentara que Ale tem “direita a reter em seu poder a coisa, enquanto a divida não fôr paga”. AI, a fluência do ter é conteúdo do direito de anticrese; não é conteúdo de direito acessório, que consista em poder reter. O direito, que tem o anticresista, é o de posse, como o usufrutuário, o usuário, ou o habitador, ou o credor pignoraticio comum. Não é de reter. Tem posse, não só poder de continuá-la (cf. Tomo XXI, § 2.626>. Não há direito de retenção sem tença da prestação pelo devedor. Para se reter é preciso, pelo - menos, que se tenha.

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Se o credor que se pretende retentor não tinha em seu poder o bem a ser prestado, como devedor, à pessoa contra quem o reteria, não se lhe pode reconhecer qualquer efeito da retenção, porque retenção não houve, nem poderia ter havido (cf. 2a Câmara CIÚeI da Côrte de Apelação do Distrito Federal, 6 de julho de 1923, R. de D., 71, 353). Tratando-se de servidores da posse e de empregados salariados, nenhum direito de retenção têm eles, porque os serviços que prestam nada têm com a prestação de objetos e qualquer ato de recusa à entrega seria esbulhativo <MARTIN RIEGER, Das Zuriickbehaltunçjsrecht des 8GB., 59). Aí, quem há a tença não a tem em razão de ser devedor. Contra C. W. SCHENCI< (Die Lehre voit dem Retentionsréchte, § 11 s.) e C. F. F. SINTENIS (Das praktische gerneine Civilrecht, II, 169), negou G. C. GROSKOPFP (Zur Lehre vom Retentionsrechte, 75 s.) ser acessório o direito de retenção: seria confundi-lo com o penhor. Porém a argumentação não convenceu. Para se chegar até aí fôra preciso que se considerasse o direito de retenção. ligado à tutela jurídica (zrque se deslocasse do direito material para o pré-processual). Todavia, o direito de retenção pode exercer-se extrajudicialmente, como a exceção non adimpleti contractus, ou a non rite adimpleti contractus. Teve razão O. C. GaOsKoPFF em combater a assimilação do direito de retenção às medidas cautelares e ao penhor. Se ele segura, a expressão “segurança’~ está em sentido bem mais largo, que não coincide com o de segurança, ou garantia, nas medidas cautelares (arresto, sequestro) e nos direitos reais de garantia. O segurar está, aí, no fim., e não na função mesma, no meio. Por outro lado, mais se significa não prestar do que segurar-se. O direito de retenção fica entre a medida constritiva cautelar e a compensação, sem se confundir com aquela ou com essa. O direito de retenção é meio constritivo, como exceção, que é; não medida constritiva executória, nem assecuratória. A compensação vai mais longe, porque é extintiva; o direito de retenção, não no é. A compensabilidade não depende da conexidade das dívidas. O direito de retenção, sim. 4.DIREITO DE RETENÇÃO E A DICOTOMIA “PESSOAL” E “REAL”. As exceções são pessoais ou reais segundo derivam de direitos pessoais ou reais. As pessoais ou só correspondem ao credor contra o devedor, ou contra ele e o sucessor no crédito, e contra o devedor ou quem lhe haja sucedido. As exceções fundadas em direito real tocam a quem quer que seja o titular do direito real e contra quem quer que seja. Há exceções que provêm de fatos que dizem respeito a direito, positiva ou negativamente, como a de coisa julgada e a de prescrição (exceptiones rei cohaerentes, exceptiones in rem). A exceção de retenção, o bis retentionis, pode provir de direito real ou de direito pessoal. - No direito francês e italiano, há quem sustente tratar-se de direito real (e. g., E. D. CAnTE, Dii Droit de rétention, 130 s.; 5. GUALTIER, Dii Droit de rétention, 168; contra, CHARLES LECRAND, Du Droit de rétention, 57 s. e 84; O. P. Cml~ONI, Trattato dei Privilegi, deite Ipotechi e dei Pegno, ~, 2.~ ed., ris. 188 e 189). A opinião que, no direito brasileiro, considera o direito de retenção direito real de garantia (e. g., J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado de Direito Comercial, VIII, 180; OLÂVO DE ANDRADE, Notas sObre o Direito de retenção, 27; OTÁVIO MENDES, Falências e Concordatas; 228; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, Direito de retenção, 264 s.) é insustentável. Trata-se de exceção nascida da pretensão do devedor contra o credor, pretensão que pode ser real ou pessoal, e seria surpreendente que pretensões pessoais gerassem exceção que fôsse direito real de garantia. Por outro lado, quem tem direito real de garantia, ou tem posse (penhor comum, anticrese) ou não tem; se tem posse, não precisa, durante a existência do direito real de garantia, de continuar na posse: aí, exerce posse, como conteudo do direito, que tem; não precisa, em virtude de outro direito, continuar na posse, reter. Quem tem posse, poder fáctico, exerce-o: não lhe é de mister invocar outra pretensão, de que lhe nasça direito temporâneo à posse. Se o direito de retenção fôsse direito real de garantia, todos os direitos reais de garantia seriam direitos de retenção; e teríamos apagado, fundido, a categoria jurídica. Oser real ou pessoal o direito de retenção não depende de se. contrapor a pretensão pessoal ou real (E. 1. BEKKER, Zur Reform des Besitzrechts, 31; II. DERNBURG, Pandektún, 1, 7~a ed., 323, nota 18, que PAUL SOKoLOWSKI suprimiu na sua edição, 1, 248) ; mas sim deser pessoal ou real a pretensão de que nasce o direito de retenção. Foi E. GIÁNTURCO (Sistema di Diritto civile italiano, 1, 132) um dos que primeiro o afirmaram, pôsto que incompletamente. Quando, a favor da tese de ser real o direito de retenção, se argumenta que as ações possessórias são reais, parte-se de lamentável confusão: a posse é tutelada, excepcionalmente, como poder fáctico, e as ações possessórias só se referem h posse; o direito de retenção é exceção que se firma em haver direito à continuação da posse. A diferença entre posse e direito à posse é essencial. Demais, a retenção pode ser continuação de tença. e não de posse. O que se há de prestar e que se pode reter é qualquer entrega ou restituição, trate-se de bem próprio, ou de bem alheio, inclusive bem consistente em ato ou omissão. Por onde se vê que o direito de retenção pode ser no tocante a coisa possuída, mas pode nada ter com posse. Na doutrina do direito comum, quis-se limitar às coisas corpóreas o

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direito de retenção <assim, C.W. SCHENCK, Die Lehre von dem Retentionsrechte, 76 s. e 97). Mas a melhor e mais antiga doutrina abstraía da corporeidade do objeto da prestação e não distinguia entre bens corpóreos e bens incorpóreos, nem entre dure, facere e non facere (cf. A. LANGFELD, Lehre vom Retentionsrecht, 112 5.; MARTIN RIE«za, Das Zuriickbehaitungsrecht des 8GB., 20 s.; G.PLANCK, Kommentar, II, 1, 166). Não se pode dizer que seja pressuposto da exceção de direito de retenção que a coisa seja alheia. O devedor <sublocatário) ao locatário, o que deve restituição ao usufrutuário ou ao anticresista, ou o próprio dono da coisa que está em locação feita a ele pelo usufrutuário, ou em sublocação feita pelo locatário, tem direito de retenção. O que tem de prestar coisa certa (Código Civil, art. 868), ou gênero (art. 877), que ainda lhe pertence, tem direito de retenção sobre coisa sua. Por onde se vê como é sem fundamento pôr-se como pressuposto do direito de retenção que haja posse ou tença sobre coisa alheia. Tão-pouco é de exigir-se que a res retenta. seja bem corpóreo. Há posse, no direito brasileiro, de bens incorpóreos, e a fortiori tença. A posse pode existir, ou não. j. Tem sempre a posse o titular do direito de retenção? Bá três opiniões: a) a de que o direito de retenção não contém posse da coisa, ou, pelo menos, tal poder sobre a coisa não é protegível pelas ações possessórias; b) a de que o titular do direito de retenção é tanto possuidor imediato quanto o usufrutuário e o locatário (art. 486, verbis “por fôrça de direito”) ; c) a de que, ao exercer o titular o direito de retenção, a detenção se torna retenção, tornando-se o titular possuidor imediato, se já não no era. Em virtude do direito de retenção, quem está com a posse da coisa tem exceção oponivel ao proprietário ou a alguém que tenha a posse mediata. A exceção nasce do direito de retenção; a oposição dela é exercício de tal direito, porque é exercício da exceção dele nascida. Quem retém é porque tem; mas o que ~ dono não só retém: seria sem sentido que alguém só retivesse o que é seu. Razão, essa, para se ter como desacertada a alínea 1a do § 273 do Código Civil alemão, onde se pode pensar que se considera direito de retenção o que tem o devedor de denegar a contraprestação até que o credor satisfaça o que lhe deve, por estar vencida a prestação. Dilatar-se-ia, evidentemente, o conceito. O art. 1.092 não permite que se receba, nesse ponto, sem detido exame, a doutrina alemã. A exceção non adimpieti contractus não se inclui no conceito de direito de retenção. O devedor, aí, recusa, fundado no seu direito de excepcionar; não retêm. O credor exige, injustificadamente, a prestação; o devedor, a que nasce, com isso, a exceção, opõe-na. Quem retém recusa o que tem de outrem, ou que tem sem ser como contraprestação; o devedor, que opõe a exceção non adimpleti contractus, tem o que é seu, pois que apenas está na obrigação de prestar. Aliás, a despeito do § 273, alínea 1.¶ houve reação na doutrina alemã, em prol da boa técnica (F. SCHLEGELEERGER, Das Zuriickbehaltuflgsrecht, 101 e 148, e E. LANGEEINEXEN, Anspruoh und Einrede, 335). No direito brasileiro, direito de retenção e exceção non adimpleti contracttts são inconfundíveis e não se dilata, contra a sistemática científica, o conceito de direito de retençãO. Muito diferente da exceção de contrato não adimplido é o direito de retenção por danos sofridos e por despesas, que tem o obrigado a entregar objeto (coisa ou direito), não tendo sido tais danos e despesas oriundos de ato ilicito seu, nem tendo sido adquirida de má fé a tença da coisa, ou o direito (cf. art. 516, in (me). Respondendo-Se à questão sobre a posse, é de dizer-se que: a)em se tratando de posse própria do devedor,.ele não pode deixar de ter posse, se a retém; LO se é de posse imediata imprópria que se cogita, o devedor a retém, e portanto continua de ter posse; o) se o objeto da prestação não é suscetível de posse, nem o devedor é possuidor~ nem se pode fazer possuidor, retendo. São os casos, respectiVameflte a.) da casa comercial que, a despeito de ter sido pago o preço da mercadoria, ou ainda não estando em tempo de exigi-lo, retém a mercadoria. que, por não ter sido retirada no momento marcado para a tradição, ficou depositada e paga o depósito, ou de quem há de prestar preço em dinheiro e o retem porque o credor, que prestou a mercadoria, não entrega os documentos alfandegários; b) do locatário que retém a coisa por benfeitorias necessárias (Código Civil, art. 1.199, 1a parte) ; e) o do devedor que retém a declaração de vontade, que prometera, porque o credor não depositou em cartório as despesas da escritura pública. Se o devedor há de prestar declaração de vontade, tendo, portanto, obrigação de fazer, e houve despesas que o credor tem de solver para que a declaração de vontade eficazmente ou vâlidamente se faça, há direito de retenção, que não se confunde com a exceção non adimpleti contranius ou non riU adintpleti contractits, por se tratar de conexidade entre divida e res, e não de bilateralidade de prestações. Benfeitorias, por exemplo, não são só, para se falar de direito de retenção, as benfeitorias materiais; há-as objetivas, mas juridicas, como a liberação da coisa, no que respeita a §§ 2.734-2.789. DIREITO DE direito real ou medida constritiva (L. 1, pr., ti, quibus modis pignus veZ hypotheta solvitur, 20, 6; A. LÃNGFELD, Die Lehre vom RetentiOflSrecht, 33 a.).

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Tão-pouco se há de entender que a res retenta não possa ser bem fungível (sem razSO, A. E. CARNEIRO FACHEGO, Do Direito de retenção, 166, que se deixou levar por L. RÃMPONI, li Diritto di ritenziOfle, 1, 124 s.; idem, GIORCIO GlOBO!, Teorta defle ObbliYaZiOTIt II, 486). Nem sequer o dinheiro escapa ao direito de retenção (sem razão, J. X. CARVALHO DE ~ENDONÇA, Tratado de Direito Comercial, VIII, 174; com razão, ARNaLDO MEDEIROS DÁ FONSECA, Direito de retenção, 201). Não se exige, de modo nenhum, que o crédito seja liquido, pôsto que tenha de se. certo. Os bens dominicais do Estado (Cadigo Civil, art. 66, 111) podem ser TeR retenta. O que é imprescindível é a tença do que se vai reter. Não pode reter quem não tem. Quem tem posse tem mais do que tença; por isso, pode reter. A posse pode ser imediata ou mediata, própria ou imprópria. A boa fé é elemento que a lei emprega para QUS nasça, ou não, pretensão, e só exccepcionalmente. para que se pré-elimine o direito de retenção, a despeito de nascer a pretensão (e. g., código Civil, ad. 51’7, 2. parte). Se, a propósito de semeadura, plantação, ou construção, houve má fé de ambos os interessados, possuidor ou tenedor e dono, nasce a pretensãO ao ressarcimento do valor das benfeitorias (art. 548). Se o que o há de receber tem a posse ou tença do terreno, pude exercer direito de retenção, salvo se o caso é de conteúdo da obrigação do que se restitui (exceção non adimpleti contracttts ou no?? rite adimpUti contractus). 5.FONTES DO DIREITO DE RETENÇÃO. O direito de retenção pode derivar a) da lei e das interpretaçoes dos textos como reveladores de princípio geral, ou LO de negócio jurídico. Os figurantes de negócio jurídico bilateral podem estabelecer que um deles possa reter até que algum crédito se lhe satisfaça, como se ao locatário se atribui tal direito a respeito de benfeitorias para cuja indenização não teria ele o direito de retenção do art. 1.199 do Código Civil. t o chamado jus retentiofliS voluntcirurfl, diferente do jus retentioflis legale, que se irradia de situações jurídicas previstas em lei. O jus retentionis voluntarium, direito de retenção de origem negocia], também pode resultar de declaração unilateral de vontade, como se o promitente unilateral de recompensa subordina a entrega do prêmio ao pagamento de despesas de conservação a partir de certo dia. O direito de retenção pode ser, portanto, legal, ou volunMilo. Nada obsta a que judicialmente se determine, se os pressupostos se satisfazem. Em carteira de depósitos bancários pode ser estabelecido que a carteira somente pode ser restituida após a solução de alguma dívida para cuja paga se entregou, mas, aí, nEo há constituxção de direito de retenção, e sim de direito de garantia (penhor da quantia depositada). Na fundo, o direito de retenção é exceção, como outra qualquer; e não exercício de pretensão à tutela jurídica, de mão própria, o que PH. J. HEISLn (Dias, de Jure retentionis, § 28) pretendeu sustentar, há quatro séculos, ao frisar a arbitrariedade do exercício. As exceções podem ser opostas extrajudicialmente, se extrai udicialmente se pede a prestação. O direito de retenção negocial não se confunde com o direito que tem o devedor de ficar com a bem, até certo tempo, em se dando algum fato, ou enquanto algo faltar ou persistir. Ai, o devedor tem por si o conteúdo do próprio dever. Tem-se exemplo na cláusula freqUente: “quaisquer despesas extraordinárias serão pagas por ocasião da entrega das chaves”. O direito de retenção negocial é reconhecido peia jurisprudência (e. 0~, R. do S. T. F., 67, 217; R. dos 7., 60, 348). Mas é preciso que se não confunda direito à continuação na posse, ou na tença, com direita de retenção, como aconteceu, e. g., a ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECÂ (Direito de retenção, 98 e 109). É preciso advertir-se que a fato de haver o Decreto-lei ii 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 102, § 2.0, III, 2.~ parte, explicitado a regra jurídica (a) de existir direito de retenção sobre bens móveis que se acharem em poder de credor, com o consentimento do devedor, se há conexidade entre a dívida e a coisa retenda, de modo nenhum pré-exclui que exista outra regra juridica (b), semelhante, a respeito de bens imoveis. Aos autores da lei de falência apenas pareceu que se impunha, no momento, a redação da regra jurídica (a). As duas regras jurídicas existem no direito brasileiro. Quando a mulher casada tem de concorrer para as despesas do casa] e dos filhos (e. g., Código Civil, art. 277), mas há risco de o marido receber a contribuÍçâo e gastá-la, pode ela ficar com ela e aplicá-la no que fôr necessário. Não se trata, ai, de direito de retenção, a despeito de se poder falar de “reter” a mulher a contribuição (P. LANGHETNEKEN, Anspruoh und Binrede, 833). Se um dos desquitados ou divorciados tem de prestar contribuIção para o alimento e educação dos filhos e é de temer-se que o outro, que a teria de receber, a desvie, pode o devedor da contribuição aplicá-la diretamente. Não se trata, ai, de direito de retenção. Se as prestações têm de ser simultáneas, e não se trata de prestação e contraprestação, a conexidade cria o direito de

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retenção: ao que reclama o devedor pode opor que está pronto a solver a sua dívida, se o credor solve a sua. 6. PRÉ-EXCLUSIVIDADE DO DIREITO DE RETENÇÃO. A aparição do direito de retenção pode ser pré-excluída pelos interessados (4 Càmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, 6 de agôsto de 1937, 1?. de O., 127, 149; sem razão, a 5.~ Càmara CiveI, a 7 de abril de 1942, J. do T. di A., X, 80), salvo se, pela natureza do crédito, a lei o concebeu como de interésse público ou lei de proteção. § 2.735. Pressupostos 1. PRINCIPIO DA CONEXIDADE DOS CRÉDITOS. A causa do direito de retenção há de ser ligada à da dívida (e. g., o possuidor de boa fé, direito de retenção por benfeitorias necessárias e úteis, Código Civil, art. 516; o devedor, enquanto não se lhe dá quitação regular, art. 939; o depositário, por despesas no bem ou com o bem depositado, arta. 1.278 e 1.279; o mandatário, enquanto não se reembolsa do que despendeu no desempenhe do cargo, art. 1.315; o locatário, em se tratando de benfeitorias necessárias e de benfeitorias úteis que foram autorizadas, art. 1.199). Se há dois ou mais negócios jurídicos no mesmo instrumento, a pretensão ligada a um não permite reter-se o que concerne a outro. É preciso haver a ligação econômica, a conexidade. A exigência da conexidade é de fazer-se ainda quando se trate de contrato unilateral. Mas conexidade e união jurídica não são o mesmo. O termo “conexidade” é criação da escola romanística. no fim do século xvi, aludindo à homogefleidade das prestações, mas, primitivamente~ demasiadamente restrita à coisa, objeto da prestação vida e retenda e objeto em que se origina a pretensão à prestação que se quer assegurar (cp. O. XV. SCHENCK, fie tehre vau dem Retentioflsreehte. 150 e 188; MArTElAS K. E. REal, Das Rechtsverhaitflis, em Beitrag zur Lehre von der Konnexltat und dem Zurtlck ~6~5jtungSrecbt, 5). A controvérsia em tôrno do conceito era inevitável e travou-Se. Para L. GOLOSCHMmT (HandbuCh ás Handelsrechts, 1, 964 s.>, conexidade existe se a pretensão e a pretensão contrária (entenda-se: a pretensão contra o que étitular do direito de retenção e a de que nasce o direito de retenção), formam unidade natural ou admite unidade querida expressa ou tàcitamente, porque, se tal não ocorre, se fere a boa fé do tráfico. A alusão à bona fides irritou a alguns; porém muitos seguiram os passos do comercialista (cp. A. LM4GYZW. Die Lehre tom netentionsrecht, 97 si. Logo se viu que a conexidade “jurídica” não era o pressuposto que se procurava fixar. A conexidade, de que aqui se cogita, não é entre d<vidas, mas entre dívida e bem, entre divida e bem que não é objeto da divida; porque, se o bem lhe fôsse objeto; sena caso de conteúdo, e não de conexidade, de nexo interno, e não de conexão. É o que se tem chamado conexidade objetiva. A conexidade jurídica é entre direitos; a conexidade, em se tratando de pressupostos do direito de retenção, é elemento de suporte fáctico de regra jurídica sobre direito de retenção. Portanto, um dos pressupostoS. mas pressupOstO puramente fáctico (cp. MArTElAS K. E. REGE, Das RechtsVerhãlt me, em Beitrag zur Lehre vou der Konnexitàt und dem ~~~jjckbehaItungsrecht, 6 s. , 7 s., contra M. RIECER e a propósito de L. SC1IOENENBE~3.II. A. I3REUER, Das ~~~~j0k5ehaItUflg$recht des BGB., 54). A conexidade não consiste no ter de ser prestada a divida contra a prestação da outra, não é o fato de haver relação legal de prestações concomitantes (em gesetzliches Zug um Zug~Verhãltni5) ; porque isso é efeito dela. A conexidade pode provir e é o que mais acontece do fato de emanarem da mesma relação jurídica as pretensões, a do credor, que vai poder ser retida, e a do devedor, qu~ vai poder reter. A espécie mais simples é a da relação jurídico única, oriunda de um só negócio jurídico. Daí em diante há outras fontes de conexidade, que apenas supõem conexão intrínseca, a despeito da pluralidade de relaçoes jurídicas (MÃTTEIAS 1<. II. REGE, Das Rechtsverhiiltrtifi, 96>. Assim, se se trata de diferentes negócios jurídicos, que concernem ao mesmo empreendimefltO~ ou ao mesmo fornecimento, a unidade econômica permite que se crie, pela conexidade, direito de retenção, bem assim a união de negócioS jurídicos entre um banco e o cliente (cf. P. OERTMANN. Zivil- und handelsrecbtliches Pfand- und lxxi Bankverkehr, Bank-ArOhiV, VI, 137; ARTEUR MEZ, Em Beitrag zur rechtlichen Betrachtiing des Giroverkehrs, Archiv flir Buirgerliche.s Rechi, 30, 47; KLEIN, fie zahlungseinstelluflg des Girokundefl, Zeitschrift flir das gesamie Handelsrecht. 55, 181 s.). Para uniões de negócios, com permanência, que sejam pertinentez a determinadas mercadorias, ou determinadas operações, pode haver unidade de relação jurídica, principalmente se têm de ser comunicados a bolsa, ou corretor. 2.VENCIMENTO no CREDITO. O crédito que se há de solver, para que cesse o jus retentionis, tem de estar vencido (G. PLANCK, Kornmentttr, 1, 169 s.; contra, P. LANGEEINEKEN, Anspruch und Einrede, 330). A contraprestação não precisa estar vencida quando o devedor tem de solver a sua obrigação. 3.APLICAÇÃO DE PRINCIPIOS. Com a cessão do crédito. O cessionário é legitimado ao direito de retenção se é

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devedor da contraprestação (E. EMMERICE, 285; FRANZ SCHLEGELBF .~GER, Das 108 a.). A simples cessão do crédito, não. Em virtude de lei. O direito de retenção .sõ existe entre titulares de pretensões contrárias, porém iss’~ não significa c~ue se apague se cessa essa contrariedade de prestações (O. PLANCK, Komment ar, II, 1, 171). Em caso de assunção da dívida, que não seja dação em soluto, o assumente exerce o direito de retenção, se não é o credor da contraprestação. Com o assentimento à assunção da dívida por outro, não se torna o credor sujeito ao direito de retenção pelo devedor primitivo. Nas estipulações a favor de terceiro, o promitente pode opor a exceção, do direito de retenção ao terceiro (Código Civil, art. 1.098, parágrafo único), o que nos daria exemplo de direito de retenção sem contrariedade de prestações se o terceiro não estivesse, aí, em lugar do estipulante (KONRAD HELLWIG, Die Verirâge auf Leistung an Dritte, 280 s.; A.RAPPAPORT, fie Einrede aus dem fremden Rechtsverhàltnisse, 142). Não é preciso que o contrato seja bilateral, O gestor de negócios alheios- tem direito de retenção; o tutor e o curador, também o têm, a despeito de exercerem munus. O direito de retenção conforme o art. 939 do Código Civil pode ser exercido pelo devedor por eficácia de contrato unilateral ou de negócio jurídico unilateral. Se o devedor tem de prestar antes de qualquer fato que possa criar direito de retenção, é óbvio que êsse não se cria. O Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, no art. 102,§ 2.0, III, fala de dívida que “não esteja vencida”, mas devido a se tratar de falência e haver necessidade de se atender à eficácia da falência quanto a vencimento das dívidas dó falido <Decreto-lei n. 7.661, art. 25). A alegação do direito de retenção ou é elemento do exercício de direito, ou é rato ilícito. Perante o juiz, dá-lhe a cognição do Caso, e o julgamento é declaratório (existe ou não existe a relação jurídica a que corresponde o direito de retenção, isto é, há ou não há a relação jurídica que se aponta, há ou não o efeito a que se chama jus retentionis). Não é preciso, de modo nenhum, que já tivesse sido declarado. A alusão à certeza somente significa que o retentor tem o ônus de alegar e provar. A exigibilidade, sim, é pressuposto do direito de retenção. Crédito que não é exigível não pode dar azo a direito de retenção. O crédito subordinado a condição resolutiva pode dar ensejo a direito de retenção; o que depende de condição suspensiva, não, salvo se a condição suspensiva é a de tornar-se exigível o crédito sobre cuja prestação se há de exercer o direito de retenção. Mas, aí, impliu-se a condição. prescrita não é pretensão extinta. Só se pode atender, se em defensiva; e defensiva é, sempre, a atitude do retentor. Não há direito de retenção contra a pretensão a ter quitação (OTTO PALANDT, lihirgerliches Gesetzbnck, 262) ; nem se o fim do direito de retenção foi obtido por outro meio (hipoteca, penhor, caução, anticrese). § 2.736. Eficácia do direito de retenção 1.PRINCIPIOS BÁSICOS. Se a pretensão é pessoal, pode ser oposta a exceção do direito de retenção ao devedor, ao herdeiro ou ao cessionário. Se se trata de adio in rem ou actio in rem seripta, ao devedor, ao herdeiro, ou quem adquiriu do devedor originário, jure cessionis, a ação real (A. LANGEELD, fie tehre vom Retentionsrecht, 137). Além disso, há a eficácia erga omnes oriunda de registro, a das despesas e a dos danos causados pela res retenta. A oponibilidade a terceiros, se o direito de retenção, in easu, é pessoal, depende de princípios gerais, inclusive de registro de títulos e documentos e de registro imobiliário, como se consta de inscrição que o devedor propôs a ação de consignação em pagamento, exercendo, porém, o direito de retenção (o que lhe conserva a posse mediata), ou se, tendo o credor inscrito a citação na ação reipersecutória, o devedor obteve que se averbasse (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945. art. 281) o ter sido oposto o direito de retenção. Daí não ser possível enunciar-se como princípio inexcetuável que o direito de retenção não tem efeitos oponíveis a terceiro (e. g., N. A. ELEKES, Droit de rétention, 125; TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, Comentários à Lei de Falénc ias, II, 97). Nem adotar-se a antítese: o direito de retenção tem sempre oponibilidade a terceiro (e. g., M. PLANIOL, G. RIPERT e E.ESMEIN, Traité pratique de froit civil, VI, 1, 617 e 629; ARNOLDO MEnEIROS DA FONSECA, Direito de retenção, 288 s. O direito de retenção não vai até à compensação, não é meio de pagar-se; é meio de se manter o status quo. A adjudicação judicial e a venda amigável do penhor de que se cogita no art. 802, IV, do Código Civil (arts. 774, II, e 785) são efeitos estranhos ao ius retentionis e inconfundíveis com ele. Donde não se poder falar de jus retentionis qualificatum, em oposição às outras espécies que seriam de ins retentionis simples (cf. C. G. VON WÁCHTER, Pandekten, II, 338). 2.ADQUIRENTES DO BEM RETENDO. Os sucessores, entre vivos ou a causa de morte, do credor, que é quem tem a pretensão à prestação da coisa retenda e é devedor que há de prestar o que dá ensejo ao bis retentiortis, estão

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sujeitos a êsse. O adquirente do bem retendo expõe-se à retenção. Por isso mesmo, os credores do dono ou o credor da coisa retenda, só tendo os direitos que êsse teria, não podem escapar à eficácia do direito de retenção. 3.CREDORES DO DONO OU TITULAR DO CRÉDITO SOBRE A COISA RETENDA. Os credores quirografários só têm sobre os bens do devedor (aí, credor do devedor, titular do direito de retenção) pretensão executiva sobre os direitos que e devedor mesmo tem, pretensão executiva imediata ou dependente de sentença de condenação. Por isso mesmo, o direito de retenção tem eficácia contra eles. Não importa indagar-se, em princípio, se o objeto retendo é bem móvel ou imóvel, nem há razão para se verificar datas de títulos, salvo para se saber se há ineficácia de atos do credor-devedor, subordinado ao direito de retenção, ou revogabilidade em concurso. Nas leis de falência costuma-se atender a isso, dizendo-se que os créditos de que se irradia direito de retenção têm privilégio especial. Esse privilégio especial é apenas reconhecimento da sua eficácia, no que toca à res retenda. ODecreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 (!ei de falências), art. 102, § 2.0, III, atribui privilégio especial aos “creditos a cujos titulares a lei confere o direito de retenção, sobre a coisa retida”, e acrescenta: “o credor goza, ainda, do direito de retenção sobre os bens móveis que se acham em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja vencida a divida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade, entre comerciantes, resulta de suas relações de negócios”. Oart. 102, § 2.~, III, do Decreto-lei n. 7.661, contém duas regras jurídicas distintas, e convém tratá-las em separado, por andarem em livros e jurisprudência assaz encambulhadas. a) A primeira é a que concerne a todos os créditos de que se irradia direito de retenção, em virtude de lez specialis, ainda que tal lez tenha sido revelada pela jurisprudência. “Créditos”, diz o art. 102, § 2?, III, 1Y parte, do Decreto-lei n. 7.661, “a cujos titulares a lei confere o direito de retenção”. O privilégio especial é sobre o bem retido, contra o credor e devedor na relação jurídica de que exsurgiu o direito de retenção. b) A segunda regra jurídica, que está no ad. 102, § 2.c?, III, 2Y parte, do Decreto-lei n. 7.661, enuncia princípio geral de criação de ius retentionis: lá se diz que “o credor goza, ainda, de direito de retenção sobre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja vencida a dívida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade, entre comerciantes, resulta de suas relações de negócios”. A lei falencial atendeu ao princípio geral, não-escrito, da criabilidade do direito de retenção por negócio jurídico (direito de retenção negocia), em vez de legal). A 2.8 parte do art. 102, § 2?, III, do Decreto-lei n. 7.661, não é apenas regra jurídica de direito comercial, nem só se cogita de direito de retenção entre comerciantes. No primeiro enunciado “o credor goza . . . do direito de retenção sobre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja Vencida a dívida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida” há regra jurídica comum ao direito civil e ao comercial; mais ainda: ao direito público. No segundo enunciado “presumindo-se que tal conexidade, entre comerciantes, resulte de suas relações de negócios”, há regra jurídica sobre ônus de prova: se credor e devedor são comerciantes, presume-se (presunção juris tant um) que há a conexidade; portanto, que há direito de retenção. A lei de falências é lei processual comercial, mas Os direitos, pretensões, ações e execuções, a que ela alude, podem ser civis, comerciais ou de direito público. Resta saber-se se os credores concursais, ou não, podem penhorar e fazer vender o bem retido. Ou (a> se considera que a penhora e a venda são possíveis e extinguem a divida, ou (14 se subordina a venda à prévia solução do crédito do retentor, ou (e) se admitem a penhora e a venda, tendo o arrematante ou adjudicatário de solver a dívida, salvo se o juízo previu que do preço se subtrairá o que baste para satisfazer o retentor. Contra (a), é fácil argumentar-se que ou o direito de retenção existe e é de mister que o sistema jurídico atenda a essa existência, portanto à sua eficácia; ou não existe. Admitir-se penhora por credores do credor, cuja pretensão não foi satisfeita pela retentio da prestação, com a conseqUência de se extinguir o ins retentionis, dinamitaria princípios. A solução (b) retarda a medida constritiva da penhora e desatende a que os dois créditos têm de ser tratados com iguadade. A solução (e) cinde-se, ou não. Ou se entende que se faz a penhora e se vende o bem, ou se adjudica, devendo a) adquirente solver a dívida do executado ao retentor antes de rQceber o bem, ou b) se deposita todo o preço, para que o levantem executado e retentor, conforme os seus créditos. Como em 14, CHARLES LEGRAND (Diz Droit de rétention, 80 a.), S.GUALTIER (Du Droit de rétention, 162) e PAUL BARRY (Le Droit de rétention en droit civil français, 183). Como em a), A. BUTERA (Dcl Diritto di ritenzione, 474 a.) e A. F. CARNErRO PACHECO (Do Direito de retenção, 105). O Código Civil argentino, art. 3.942, estatuiu: “El derecho de retención no impide que otros acreedores embarguen la cosa retenida, y hagan la venta judicial de elIa; pero eI adjudicatario, para obtener los objetos comprados, debe

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entregar ei precio aí tenedor de ellos, hasta la concorrencia de la suma por la que éste sea acreedor”. ~ a solução a). A solução 14 é a que mais atende à lei processual (Código de Processo Civil, art. 977: “O preço da arrematação não poderá ser levantado, se houver protesto por preferência ou rateio”). 4.CREDORES PRIVILEGIADOS E TITULARES DE DIREITOS REAIS. Quanto aos credores privilegiados e titulares de direitos reais, a doutrina dividiu-se entre a) os que atendiam à prioridade, só tendo eficácia contra o credor hipotecário o direito de retenção anterior à constituição do direito real (e.g., A. CoLIN e H. CAPITANT, Cours élémentaire de Droit civil, J~, 4.~ ed., 777; PAUL BARRY, Le Droit de r*~tention, 186 s.) 14 os que distinguem direito de retenção sobre móveis e sobre imóveis (AUBRY e RAU, Cours de Droit civil français, ~I~, 5~& ed., 195) ; e) os que entendem que o direito de retenção é oponível a quaisquer credores do que sofre a retenção e contra quaisquer titulares de direito real (e. g., S. GUALTIER, Diz Droit de rétention, 164; CHARLES LEGRAND, Du Droit de rétention,81 s.; A. E. CARNEIRO PACHECO, Do Direito de Retenção, 97 e 195; E. ZARA, Diz Droit de rétention, 123 a.; CLÓVIS BEVILÁQUA, Código Civil comentado, III, 387; AFONSO FRAGA, Direitos reais de garantia, 481-489). Em princípio, porque tem a posse, o titular de direito de retenção não pode ser tratado, no tocante a benfeitorias, senão como possuidor. Ocorre que há o art. 1.564 do Código Civil, onde se diz: “Do preço do imóvel hipotecado, porém, serão deduzidas as custas judiciais de sua execução, bem como as despesas de conservação com ele feitas por terceiro, mediante consenso do devedor e do credor, depois de constituída a hipoteca”. Daí se pretendeu tirar que as despesas necessárias e úteis feitas pelo possuidor de boa fé e as necessárias feitas pelo próprio possuidor de má fé não podem ser atendidas, se não consentiram o hipotecante e o titular do direito de hipoteca. Essa interpretação não merece acolhida e tem de ser afastada~ Admitiu-a ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA (Direito de retenção, 298 s.), mas o art. 1.564 do Código Civil supõe negócio jurídico com o terceiro, no qual sejam figurantes o dono do prédio e o titular do direito de hipoteca. Noutros termos: supõe-se tudo se passar no mundo jurídico; não no mundo fáctico. No mundo fíctico somente se podem invocar princípios que regem a posse e, se se impõem ao dono do prédio, a fortiori aos titulares de direitos reais limitados. Resta o problema dos direitos de retenção que se não originam de simples posse. Aí, está-se em pleno mundo jurídico. Sunde-se que não haja qualquer dúvida sobre o domínio, ou a enfiteuse. se hipotecante é o enfiteuta. Supôe-se mais que a escritura de constituição de hipoteca não aluda à divida do hípotecante de que possa surgir direito de retenção. O direito de retenção é de quem tem direito de posse e exige pagamento do que lhe cabe por divida do credor, de modo que, por exemplo, o locatário possa reter, materialmente, a coisa, ou opor o seu direito de retenção, para que a penhora o respeite, reconhecendo-lhe posse mediata, invocado o art. 1.199 do Código Civil. Então, ou foram consentidas pelo locador as benfeitorias úteis, ou não no foram. Se o não foram, toflitur quaestio. Se o foram, tem de pagá-las o locador, exercendo o locatário o direito de retenção. O contrato de locação, em que se consentiu, ou o pacto posterior de consentimento de benfeitorias úteis, pode ser registado antes da constituição da hipoteca, e tem eficácia erga omrtes. Se não foi registado, o titular do direito de hipoteca pode ir contra o contrato ou o pacto, por fraude contra credores, ou simulação, inclusive para provar que as benfeitorias não foram úteis. Se as despesas de conservação do bem bocado (não as despesas necessárias, prôpriamente ditas) foram feitas depois de constituída a hipoteca, rege o art. 1.564 do Código Civil: só se deduzem do preço se devedor e credor consentirem. Se o credor não consentiu, a despeito de as ter permitido o devedor, direito de retenção há, em virtude do art. 1.199, e o art. 1.564 não atinge possuidores que se tenham de tratar como simples possuidores. Em suma: só às despesas de conservação prôpriamente ditas, que foram feitas por possuidores que não teriam, quanto a elas, direito de retenção (r= não foram necessárias nem úteis), e as que não foram feitas por possuidores, se há de entender referir-se o art. 1.564. Ainda as despesas necessárias e úteis feitas por terceiro não-possuidor, se o foram para evitar perigo iminente (Código Civil, art. 1.840), ou por vontade presumida do dono e do titular do direito de hipoteca (ad. 1.381). É preciso não se perder de vista que não só donos e possuidores podem ter direito de retenção. O dono, que tem de pr~tar, e tem crédito, com o pressuposto de conexidade de que se tratou, faz-se retentor. Por igual, o possuidor, que tem de prestar e é titular de crédito, com o pressuposto de conexidade, pode reter. Mas direito de retenção também compete a quem somente retém. 5. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS. Se os créditos são compensáveis, os efeitos do exercício do direito de retenção, que é exceção, são semelhantes ao do exercício do direito de compensação. (a)Surge, de comêço, o problema da existência, ou não, de regra jurídica não-escrita, que se poderia redigir nos seguintes termos : “Se, entre a divida, que dá ensejo ao direito de retenção, e a dívida, cujo objeto se retém, não há

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compensabilidade, não pode haver direito de retenção”. Nesses termos gerais, a regra jurídica não existe no sistema jurídico brasileiro, nem em outros sistemas jurídicos, a despeito do que disseram J.KOHLER (Lehrbuch, II, 212), F. ENDEMANN (Lehrbuch, 1, ga~g& ed., 832, nota 5), li. SINZHEIMER (Lohn und Aufrechnung, 77; Das Kammergericht und die Frage naeh der Zulãssigkeit des Zurtickbehaltungsrechte an unpfãndbaren Lohnforderungen, Das Recht, VII, 426), ERICE WALLROTH (fie Versuche einer Durchbrechung des Lohn-Aufrechnungs.. verbots, Árchiv flir BUrgerliches Recht, 24, 250; Das Verbot der Auf rechnung gegen Loknforderungen, 10 s.), Pu<. LOTMÂR (Der Arbeitsvertrag, 1, 423) e Ta. WOLFF (Darf das Zurtickbehaltungsrecht in den Fãllen geltend gemachten werden, in denen die Aufrechnung vecboten ist?, .4rchiv fur Elirgerliches Recht, 26, 815), sustentadores da tese como princípio geral; nem se pode acolher a antítese, que levaria a extremos de permissão (e. g., P. . OERTMANN, Rechi der SchuUverhiiunúse, 95; F. SCEOLLMEYER, Recht der Schuldverhã.itnisse, 847; E.DERNEURO, Das Bitroerliche Recht, II, 1, 149; FRANZ SCHLEGELEERCER, Das Zuruckbeholtungsrecht, 134; 1>. LANCHEINEKEN, Ãnspruch und Einrede, 329; MÃx PAPPENKEIM, Das Zurflckbehaltungsrecht gegentiber unpfandbaren Forderungen, Deuteche Juristen-Zeitung, VII, 86). Primeiramente, têm-se de distinguir dos créditos incompensáveis por serem infungíveis as prestações, ou uma delas oser (Código Civil, art. 1.010), ou, em se tratando de obrigaçâ~ genéricas, por se ter caracterizado no negócio jurídico a qualidade (art. 1.011), ou nas espécies do art. 1.012 do Código Civil, os créditos de que fala o art. 1.015, III (“Se uma for de coisa não suscetível de penhora”; ai, se a prestação que se teria de fazer fôsse impenhorável). O problema inicial é mais preciso: se o bem que se há de prestar e a respeito do qual se teria de exercer direito de retenção é impenhorável, ~ é óbice ao nascimento do direito de retenção a impenhorabilidade? Resolvido isso, está respondida a questão quanto àespécie do ad. 1.015, III. Foi exatamente essa a que deu ensejo a fácil generalização da equiextensão da incompensabilidade e da inexistência de direito de retenção. Trouxe-se à balha que a compensação é retentio perpetua e o direito de retenção retentio temporalis, mas a compensação nada tem com a ,etentio, por ser transíativa da titularidade (cf. C. W. SCHENCK, Pie Lehre von dem Retentionsrechte nach gemeinen Rechten, 47 s.), e reter não é retirar. Direito de retenção não libera, nem satisfaz. a) A impenhorabilidade primeira (Código de Processo Civil, art. 942, 1) concerne a bens inalienáveis. A compensação,. satisfativa, como é, não os pode apanhar. Isso de modo nenhum fundamenta que o possuidor de boa fé não tenha sobre eles direito de retenção (Código Civil, ad. 516) por benfeitorias necessárias e úteis, pois o uso e a fruição pode pagá-las, nem que o deixe de ter o devedor enquanto não lhe fôr dada quitação regular (art. 939>, ou o depositário (art. 1.279), ou o mandatário (ad. 1.315), ou o locatário (arE 1.199). b) Em seguida, a lei fala de. serem impenhoráveis as provisões de comida e combustíveis necessários à manutenção do executado e de sua família durante um mês (Código de Processo Civil, ad. 942, II) ; mas atenda-se a que: a) os bens, de que se trata pertencem ao executando, e as pretensões pessoais a prestação de comida e combustíveis não são impenhoráveis. Salvo se a destinação ao sustento do executando e da família foi negocialmente preestabelecida, como a pensão de viveres ou os viveres que têm de ser fornecidos periádicamente, até o que se faz de mister durante um mês. AI, a obrigação de dar gênero já se fêz com a cláusula implícita de pré- -exclusão de qualquer exceção, salvo a de inadimplemento ou de adimplemento insatisfatório (exceções non adimpleti contractus e non rife adimpleti crnttractus), que expressamente se podem pré-afastar. e)Em terceiro lugar, cogita a lei de serem impenhoráveis o anel nupcial e os retratos de família (Código de Processo Civil, art. 942, III). São alienáveis, mas impenhoráveis. Se o dono deles os entregou ao joalheiro ou a outro profissional para os consertar, ou os depositou, não se pode dizer que o consertador ou o depositário não tenha direito de retenção (Código Civil, art. 1.279) e exceção. non adirnpleti contractv.s ou non rife adimpleti contractus (art. 1.265, parágrafo único). Note-se, de passagem, que a compensabilidade da dívida foi limitada (art. 1.273) e não no foi o direito de retenção. d) A regra juridica do Código de Processo Civil, art. 942, IV, também não pré-exclui direito de retenção. Tudo se rege como se disse a respeito do art. 942, II. e)Os objetos de uso doméstico, cujo produto de venda seria ínfimo em relação ao valor de aquisição (Código de Processo Civil, art. 942, V) podem ser retidos pelo titular de ias retentiorns. f) Quanto aos, socorros em dinheiro ou em natura, que derivam de ajuda, estatal ou não, em ocasião de calamidade pública (Código de Processo Civil, art. 942, VI), são eles prestados segundo regras jurídicas especiais: se há, por exemplo, intermediário para os receber (Código Civil, art. 1.315), entende-se que aceitou a incumbência sem poder exercer direito de retenção. O mandato presume-se gratuito (Código Civil, art. 1.290, parágrafo único) e a estipulação do direito de reter seria nula (Código Civil, art. 145, II). No tocante ao devedor de tais, socorros, não pode ele ter direito de retenção porque a finalidade mesma da prestação

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o pré-exclui. g) Chegamos ao punetum dolens: os salários, em sentido amplo. Diz o art. 942, VII, do Código de Processo Civil, serem impenhoráveis “os vencimentos dos magistrados, professôres e funcionários públicos, o sôldo e fardamento dos militares, os salários e soldadas, em geral, salvo para pagamento de alimento à mulher e aos filhos, quando o executado houver sido condenado a essa prestação”. Foi MAx PAPPENHEIM (Das Zurtickbehaltungsrecht gegenúber Lohnforderungen, Deutsche Juristen- Zeitung, VII, 86 s.) quem tomou a dianteira no sustentar que a proibição de compensar salários não implica a pré--eliminação de direito de retenção. Depois, frisou-se que a proibição de compensar é só entre empregador e empregado. Entre empregado e empregador, ou há compensação, ou não há, conforme a lei o estatua. Se o empregador solveu dívida do empregado que teria de ser diminuída no ordenado, como contribuição obrigatória, não há falar-se de compensação, mas sim de crédito conexo à divida do ordenado, dando ensejo à retençdio. Negá-lo seria agravar-se o que a lei estabeleceu excepcionalmente (SCHMELZLE, Verbot der Aufrechnung hei Lohnforderungen und Zurúckbehaltungsrecht, Seuf.ferts Ruir-ter, 66, 289 s. e 305 s.). h) As prestações de que fala o ad. 942, VIII, do Código de Processo Civil também estão na situação dos salários, de que acima se tratou. 1)Os livros, máquinas, utensílios e instrumentos necessários e titeis ao exercício de qualquer profissão são impenhoráveis (Código de Processo Civil, art. 942, IX), porém não ~1 inalienáveis. Tem-se de pensar como se fêz a propósito do art. 942, III. Antes, c). j)A espécie do art. 942, X, do Código de Processo Civil (prédio pequeno de morada ou cultivo próprio ou da família), é de bem impenhorável, porém não inalienável. Para que haja direito de retenção, é preciso que tenha havido transmissão temporária (ex hypothesi) da posse imediata. k)Os materiais necessários para obras em andamento são impenhoráveis, porém não inalienáveis. Se estão na posse imediata de outrem, sem serem incluidos nas obras, não se dá a espécie do art. 942, XI, do Código de Processo Civil. 1) Os fundos sociais escapam à penhora por dividas do sócio (aliter, os lucros líquidos verificados em balanço), e não há pensar-se em direito de retenção porque a sociedade não os deve (cp. Código Comercial, ad. 323). m)Os móveis, o material fixo e rodante das estradas-de-ferro e os edifícios, maquinismos, animais e pertenças de estabelecimentos de indústria extrativa, fabril, agrícola e outras, indispensáveis ao seu funcionamento, são impenhoráveis separadamente (Código de Processo Civil, art. 942, XIII). Separados, podem ser penhorados, isto é, se o dono da emprêsa os desprende ou afasta e transfere a posse imediata a outro. A compensação pode não ser possível, devido ao art. 1.010 do Código Civil. O direito de retenção pode nascer. Aliás, o direito de retenção pode ser sobre todo o fundo industrial ou agrícola, se está na posse imediata de outrem. n) A indenização proveniente do seguro de vida é impenhorável (Código de Processo Civil, art. 942, XIV), mas, de regra, alienável. Nada obsta a que, estando em mãos do segurador, ou de terceiro (e. g., o mandatário), possa êsse invocar direito de retenção. o) O indispensável para cama e vestuário de alguém ou de sua família, bem como os utensílios de cozinha (Código de Processo Civil, art. 942, XV), são impenhoráveis. Não são inalienáveis. Se estão na posse imediata de outrem, pode ocorrer direito de retenção. O art. 1.011 do Código Civil refere-se à incompensabilidade se há diferença de qualidade do que se deve e do que se quer receber; mas isso de modo nenhum é invocável em se tratando de direito de retenção (G. PLANCK, Komraentar, II, 1, 174). (p) O exercício do direito de retenção não conduz, por si só, à compensação, se caberia alegá-la. É êrro dispensar-se a essa a invocação por se haver invocado aquele (sem razão, LACERDA DE ALMEIDA, Obrigações, 474, 2.’ ed., 407; a discussão que se vê na R. dos T., 36, 461 s., 37, 522 s., e 38, 205-207, é meramente advocatícia). Pode o devedor alegar compensação e ser repelida a alegação. Isso não exclui o exercício do direito de retenção se ainda pode ser exercido (O. WARNEYER, Komrn.ent ar, 1, 460). 6.DO DIREITO DE RETENÇÃO. O direito de retenção não se estende a todo o objeto da prestação que o seu titular teria de fazer. Não pode exceder o que é o importe da pretensão de que nasce, nem ser exercido acima do que é necessário à cobertura. Se o crédito tem garantia própria (e. g., garantia hipotecária), não há direito de retenção. Todavia, se a prestação é indivisível, pode o devedor retê-la tôda; se é divisível, pode o credor prontificar-se a receber o excesso, até que se julgue se cabia o direito de retenção ou até que solva a divida. § 2.737. Exercício do direito de retenção 1.OPONIBILIDADE DA EXCEÇÃO. O direito de retenção é exceção, e não pretensão. Não tem eficácia sem ser

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exercido. Não se leva em conta se, exercendo-se, não o soube o credor. O conhecimento pelo credor não precisa ser em virtude de declaração expressa. Pode derivar de atitude inequívoca do devedor. A alegação de compensação não colide com o exercício do direito de retenção (O. WARNEVER, Kornmentar, 1, 460). Se a compensação extinguiria o débito, tem-se o direito de retenção como alternativa (= para o caso de não ser admitida in castO. Se o débito é maior, a retenção é do resto. Se o devedor, ao alegar compensação, em verdade opôs direito de retenção, ou vice-versa, o juiz decide de acordo com o que foi a verdadeira vontade do devedor (Código Civil, art. 85). (a)A pretensão de que nasce o direito de retenção somente pode existir e ser exercida se já se venceu o crédito. Direito de retenção só há se vencido o crédito, porque se irradia da pretensão. No art. 102, § 2.0, III, do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, diz-se “embora não esteja vencida a dívida”, porque se havia de atender à eficácia da decretação de falência. A dívida torna-se exigível e da pretensão nasce o direito de retenção. Se o credor reclama a prestação da coisa retenda, o devedor, que credor é, a latere, do credor, nega-se a prestar, alegando que tem direito de retenção. Recusa da prestação + invocação do ins retentionis = exercício do direito de retenção. Nem basta recusar a prestação, nem basta alegar que tem direito de retenção. Se entrega a prestação, extingue-se o direito de retenção; se a recusa sem dizer que exerce direito de retenção, incorre em inadimplemento e, pois, em mora debendi. (Trata-se de exercício de direito, e não ato de constituição de direito, como acontece ao que tem pretensão a constituir penhor legal, Tomo XX, § 2.572, 2-4.) (b)Se o credor pede, judicialmente, o adimplemento da prestação retenda, o devedor, credor com direito de retenção, exerce-o perante o juiz, como exceção. Se alguém esbulha ou turba a posse do retentor (portanto já após o exercício do direito de retenção), pode êsse exercer a justiça de mão própria (Código Civil, art. 502, 2.~ parte) ou a legítima defesa (Código Civil, art. 502, 1~a parte), como qualquer possuidor (Tomo X, §§ 1.061, 2; 1.067, 5; 1.074, 1, 2; 1.118, 4; 1.124 e 1.121). Para que haja posse do retentor, é preciso que a retenção seja retenção da posse, e não da tenço. (Tomo X, § 1.061, 2). Se & demandante é o próprio credor, a alegação de direito de retenção, mera exceção, não é reconvenção. Não precisa reconvir quem só excepciona. Falta a tal postulação o exercício de prestação em forma ofensiva (L. ROSENHERC, Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechts, 416). O direito de retenção tem de ser exercido, judicialmente, quando o titular fala pela primeira vez no processo em que ele é parte. Então, ou alega que já o exerceu, extrajudicialmente, ou que no momento o exerce. Se o exerceu extra-judicialmente, e não o diz ao falar em juízo, tem-se como renunciado o direito de retenção, se em verdade o exerceu. A exceção, de direito material, há de ser exercida na primeira vez em que se fala, portanto na contestação (Código de Processo Civil, arts. 180 e 292), ou nos embargos do executado (Código de Processo Civil, arts. 1.010, III, 1.012 e 1.113, 1 e III). No tocante ao ônus das da prova, tem o demandado de provar que existe o crédito contra o credor, a conexidade e outros pressupostos do direito de retenção. Aí, ressalta mais uma diferença em relação à exceção non adimpleti contractns: o excipiente, na exceção de contrato inadimplido, não tem o ônus da prova, pois quem tem de provar o adimplemento é o demandante (13. WINDSCHEID, Lehrbuch, ~ 93 ed., 321). Se a ação é executiva de título extrajudicial, não há dúvida quanto a ter de ser alegado o direito de retenção no momento em que se contesta. Se a ação é condenatória, pergunta-se se a exceção tem de ser oposta desde logo, na contestação, ou se há de ser na execução. Tôda assimilação à alegação de compensação seria perturbadora dos raciocínios; mas, a despeito da diferença, tem-se de entender que a exceção direito de retenção pode ser oposta em embargos do executado, nas ações reais e reipersecutórias, de acordo com o art. 1.012 do Código de Processo Civil e, fora dai, tem de ser oposta desde logo na ação de condenação, salvo se o direito de retenção só nasceu depois da contestação. Na ação de condenação, o titular do direito de retenção tem de opá-lo na contestação, como exceção dilatória de direito material, que é. Na ação executiva de título extrajudicial, ao demandado cabe o ônus de alegar e provar que já opusent a exceção de direito de retenção, antes da lide; ou opô-la, se não incidira em mora. (c> Se o próprio titular do direito de retenção quer adimnplir, sem perda do direito de retenção, pois muitas vêzeo é do seu interesse (e. g., Código Civil, art. 866), pode pedir o depósito em consignação para pagamento (art. 973>, ressalvado o seu direito de retenção. O deferimento pelo juiz, seguido do depósito, torna o retentor possuidor mediato ou tenedor, até que se lhe pague o seu crédito, O depósito somente pode ser levantado pelo consignatário se desinteressa o retentor. (d) Se terceiro executar o bem retendo, o titular do direito de retenção exerce a sua exceção por meio de embargos de

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terceiro (certa, a 5a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 10 de fevereiro de 1938, R. 9., 74, 54). Se tem posse, ofendidos foram o seu me retentionis e a sua posse; se só se lhe atribuiu tença, a ofensa é só ao direito de retenção. O direito de retenção é exceção. O retentor fica em defensiva, não em ofensiva (Supremo Tribunal Federal, 1.O de outubro de 1928, R. dos T., 73, 186). Todavia, pode o titular do direito de retenção ser atingido pela medida constritiva contra o credor, como a penhora do imóvel alugado, sem que haja sido citado. Quid iuris? Possuidor, ou tenedor, o titular do direito de retenção pode alegar o seu direito. Mas jonde e como? Certamente, no mesmo juízo, porque o depósito em consignação de pagamento iria contra a constrição, se feito alhures, O meio para se chegar ao exercício da exceção pode ser: se a penhora ou outra medida constritiva é em mãos dele, pedida por terceiro, pode exercer o direito de retenção perante os próprios oficiais, reafirmando-o em juízo, litisconsorcialmente (Código de Processo Civil, art. 88) se a penhora não se fêz com a sua ciência, houve ofensa à posse de terceiro, ou à tença de terceiro, e cabem os embargos de terceiro, que têm natureza defensiva. 2.CONDENAÇÃO E “BIS RETENTIONIS”. Em qualquer caso de condenação do devedor retentor, o condenado tem de prestar o que deve contra o pagamento do que se lhe deve (Erfiillvng Zug um Zug). Ainda que se trate de dívidas de dinheiro, a condenação não pode ser pela diferença a mais, porque estaria o juiz a julgar compensação, e não exceção de direito de retenção (O. WARNEVER, Ko,nment ar, 1, 464). Se foi julgado estar em mora o devedor, que opôs, inoportunamente, a exceção de direito de retenção, isso não obsta a que seja condenado a prestar contra o que se lhe deve, se houve reconvenção, ou se o juiz teve de apreciar a divida do credo?, Em todo caso, se foi o devedor que injustificadamente retivera a prestação, pode o credor executar a decisão. A decisão das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 17 de julho de 1946 (1?. de .1. B., 89, 72), que remeteu o retentor às vias ordinárias, nenhum fundamento teve. Com isso, violou-se a lei sobre i245 retentionis, reduziu-se a nada: Se, na espécie, cabe invocar-se o art. 519 do Código Civil, o credor tem de optar antes de receber a prestação ou de levantar o depósito. Quem não exerce o direito de retenção perde-o. Com isso não sofre a pretensão de que nascera. Não o exerce quem presta o que deve e alega o direito de retenção, ou quem o alega mas presta o que deve. Se, na ocasião de prestar, com alegação do direito de retenção e com a promessa de recebimento contra prestação (Srfiillung Zug um Zug), o credor toma a posse, contra a vontade do devedor, turba-o ou esbulha-o. O devedor pode (lefender..Se ou exercer a justiça de mão própria (Código Civil, art. 520, 1,a e 2.~ partes). Dá-se o mesmo, se, antes do oferecimento da prestação pelo devedor com direito de retenção, o credor lhe toma o objeto da prestação devida (cf. Supremo Tribuna! Federal, 10 de abril de 1935; 4~ Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal. 11 de agôsto (te 1933, 1?. de J. E., 32, 311). Nos casos em que o devedor, que tem ~us retentionis, não é possuidor (e. g., o servidor da posse que, indo levar a registro título de propriedade, a que faltava nôvo sêlo, o pôs>, a tomada da tença ofende o jus retentionis, sem que se precise do argumento, nem sempre cabível, de haver gestão de negócios alheios com tomada de posse. Se alguém é atacado por um cão, derivando despesas, e prende o cão até que o dono o reclame, e ao ser reclamado alega que tem indenização para receber e só após o pagamento entregará o cão, a espécie é daquelas em que há conexidade entre a obrigação de restituir e a de indenização. No Código Civil suíço, art. 700, 2a parte, previu-se tal direito de retenção. No direito brasileiro, temos de entender que o ofendido pode alegar interesse na detenção do animal, para saber, por exemplo, quem é o responsável (cf. Código Penal, art. 164; Código Civil, arts. 588>. Na apreciação da alegação de ius retentionis, o juiz apenas examina se os pressupostos foram satisfeitos. É preciso não se confundir a cognição do juiz no tocante ao exercício do direito de retenção e a função constitutiva de direito de retenção que pode ter o juiz, para comodidade de solução nos juízos de partilha e noutros entre comuneiros (e. g., Código de Processo Civil, arts. 503 e 505, III). O retentor tem os deveres que tinha com a tença ou posse da coisa retida. Não há assimilar a sua responsabilidade à do titular do direito de penhor, com posse imediata ou mediata. 3.DIREITO DE RETENÇÃO E MORA DO DEVEDOR. Quem exerce direito de retenção não cai em mora se, prontificando-se a prestar, opõe a exceção (P. OERTMANN, Redil der Schuldverhttltnisse, 96; sem razão, P. LANGHEINEKEN, Ãnspriich und Einrede, 93). Mas é preciso que, sendo a obrigação de ser procurada pelo credor a prestação, ainda não a tenha procurado, a despeito de se ter tornado exigível o crédito; ou que, vencido o crédito, o devedor, que tinha de levá-la ao credor, a tenha levado. É de mister que, ao exercer, perante o credor; o direito de retenção, não haja incorrido em mora. Todavia, o devedor, que tem de prestar, a dia certo ou não, pode comunicar

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que tem direito de retenção e vai exercê-lo. Se há direito de retenção e, ao ser exigida a pretensão,o titular do jus retentionis não o exerce, incorre em mora (O. WARNEYER, Kommenta.r, 1, 460). 4.MORA DO CREDOR E DIREITO DE RETENÇÃO. O exercício’ do direito de retenção é independente da constituição em mora do credor. Pode ser estabelecida essa e exercido o direito de retenção, ou exercido êsse antes de aquela se estabelecer. 5.OMISSÃO DE EXERCÍCIO DE RETENÇÃO. Quem, ignorando o direito de retenção, presta o que podia deixar de prestar até que se lhe satisfizesse a pretensão que dá causa ao direito de retenção, ou se a coisa por outro motivo, que não seja ilícito, vai parar às mãos do credor, não pode pedir restituição (P.OERTMANN, Recht der Schuldverhiiltnisse, 96). Se o direito de retenção proveio de cláusula negocial, pode exigir a restituição (O. WARNEYER, Konzntentar, 1, 458). 6.JULGAMENTO SOBRE OPOSIÇÃO DE DIREITO DE RETENÇÃO. Se foi oposto direito de retenção, tem o titular de alegá-lo perante o juiz, mas basta que o faça o credor a quem se opôs. O juiz não pode conhecer de ofício (O. WARNEYER, Kornrnentar, 1, 461). Se foi apenas alegada compensação, o juiz não pode entender, no caso de ser incabível a compensação, que houve exercício do direito de retenção. O próprio direito de retenção para a eventualidade tem de ser alegado em juízo. O simples fato de reter não é exercício de direito de retenção. A reclamação em falência, inclusive em embargos de terceiro, não contém exercício de direito de retenção. 7. AÇÃO DECLARATÓRIA E DIREITO DE RETENÇÃO. Se o que entende ter direito de retenção, ou quem o nega a outrem, tem interesse na declaração, nada obsta a que proponha a ação declaratória do art. 2.0, parágrafo único, do Código de Processo Civil. A relação jurídica a que corresponde o ins retentionis é relação jurídica como qualquer outra (dai não ter razão a opinião contrária de O. WARNEYER, Kommentar, 1, 463). Apenas é preciso que se declare, antes, na mesma sentença, ou em sentença anterior, trAnsita em julgado, a existência ou inexistência da relação jurídica a que corresponde a pretensão de que nasce o direito de retenção. 8.PRESCRIÇÃO E DIREITO DE RETENÇÃO. A propósito da prescrição da pretensão que dá ensejo ao direito de retenção, há duas atitudes, que merecem exame, tanto mais quanto o Código Civil não contém regra jurídica explícita. a> Reter não é citar, nem protestar, nem constituir em mora; de jeito que a prescrição continua de correr se se iniciou. Nem a retenção supõe ou importa reconhecimento da pretensão pelo devedor. 19 Enquanto o retentor mantêm a tença ou posse do bem retido não corre prescrição (L. 7, § 5, C., de praescriptione XXX veZ XV ançãorum, 7, 39: “Immo et illud procul dubio est, quod, si quis eorum, quibus aliquid debetur, res sibi suppositas sine violentia tenuerit, per hanc detentionem interruptio fit prateriti temporis, si minus effluxit triginta vel quadraginta annis, et multo magia, quam si esset interruptio per conventionem introducta, cum litis contestationem imitatur ea detentio9. Trata-se de exercício de direito, e o ato do devedor, não indo contra a retenção, induz reconhecimento da pretensão (arg. ao Código Civil, art. 172, V). A opinião certa é a). Leia-se o que foi dito no Tomo VI, § 677, 3, 4. § 2.738. Casos principais de direito de retenção 1. DIREITO DE RETENÇÃO “LEGAL”. Firmados o conceito, a extensão e o modo de exercício do direito de retenção, convém que se lhe apontem as espécies principais, os casos que a lei aponta. A má fé somente pré-exclui o direito de retenção se a lei o diz (e. g., Código Civil, arts. 517 e 873). Não se precisa de texto se a má fé corta mais fundo nos interesses e pré-exclui própria pretensão, como se dá nas espécies do art. 547. Nas ações de vindicação da posse (Código Civil, art. 521),o autor tem de pagar o preço por que o demandado comprou, em leilão público, feira ou mercado, o bem cuja posse se vindica. Por êsse preço tem direito de retenção o demandado. As espécies do art. 1.140 (pacto de retrovenda) e 1.158 do Código Civil (pacto de melhor comprador) não são, de modo nenhum, casos de direito de retenção. Trata-se de exceção non adimpleti contractus. 2.PENHOR E DIREITO DE RETENÇÃO. O titular do direito de penhor ou tem posse Imediata, ou posse

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mediata, conforme os princípios que foram expostos, mas, em todos os cases, a posse, imediata ou mediata, é conteúdo do direito de penhor. Paga a dívida, não se pode recusar à entrega do objeto penhorado, se tem a posse imediata, ou a tradição da posse mediata. Todavia, se teve de fazer despesas justificadas, sem que fôssem causadas por culpa sua, tem pretensão a havê-las do empenhante, ou seu sucessor, e pode exercer direito de retenção <Código Civil, art. 772, alínea 2.’). Não há direito de retenção nas espécies do Código Civil, arts. 760, 806 e 808, § 1.~ (anticrese). O direito de posse do anticresista é conteúdo do direito de anticrese. 3.DEVEDOR DE COISA CERTA. Durante o tempo em que alguém tem coisa certa que há de prestar, os melhoramentos e os aumentos, em que o devedor empregue trabalho, ou dispêndio, hão de ser indenizados, É o que resulta do ad. 873 do Código Civil. Mas a indenização somente concerne às benfeitorias necessárias e úteis, se de boa fé o devedor (art. 516, 1’ parte), ou às benfeitorias necessárias, se estava de má fé (art. 517). O direito de retenção só o tem o devedor que estava de boa fé e se necessárias ou úteis as benfeitorias (ad. 516, 2.’ parte). Ã4liter, quanto às voluptuárias, a respeito das quais pode existir bis toliendi. A generalidade é grande, pois o art. 873 do Código Civil concerne a quaisquer obrigações de dar coisa certa ou genérica após a concretização. Quanto às terras devolutas, tem-se de atender à distinção entre posseiros, posseiros com posse legitimada e posseiros com posse titulada (Tomo XII, § 2.418, 2). Quanto às terras de silvícolas, há respeito à posse, com a eficácia do direito comum (§§ 2.420 e 2.421). Se, fora dos tipos referidos, o Estado dá posse a alguém, ou apenas. põe o tenedor na situação de que trata o art. 487, ou na situação prevista no art. 497 do Código Civil, é questão de fato, que se tem de resolver antes de qualquer discussão sobre haver pretensão à indenização e, poi~, direito de retenção, ou não no haver <ei. Supremo Tribunal Federal, 10 de abril de 1935, 1?. de J. 8., 32, 311 s.>. Cumpre, ainda, observar-se que pode apenas haver tença e o direito de retenção resultar dos termos do negócio jurídico entre o possuidor e o tenedor, como acontece se o locatário de serviços prevê que o locador faça benfeitorias no terreno ou casebre em que mora. Se há consentimento do possuidor, o tenedor tem direito de retenção pelo menos pelas benfeitorias necessárias. 4.LOCATÁRIO E DIREITO DE RETENÇÃO. O locatário tem, no sistema jurídico brasileiro, direito de retenção por benfeitorias necessárias (Código Civil, art. 1.199, lA parte). Quanto às benfeitorias úteis, só o tem se houve expresso consentimento do locador (art. 1.199, 2.’ parte). Portanto, a declaração de vontade do locador ou se refere, explicitamente, ao nascimento de direito de retenção, ou está implícita no consentimento que deu. A melhor construção é a de direito de retenção de origem negocial. No direito alemão, § 556, 2.’ alínea, pré-exclui-se, de todo, ao locatário de prédio qualquer direito de retenção. Em todo caso, o § 556, 2.’ alínea, do Código Civil alemão, somente incide se a pretensão de restituição, que o locador exerce, é pretensão de locador, e não de proprietário (G. PLANCK, Kommentar, II, 474; MAX MITTELSTEIN, Die Miete, 3.’ ed., 382). Na interpretação do art. 1.199 do Código Civil, a destinação do prédio, inclusive rústico, pode ter o papel do consentimento expresso. O prédio para cinema ou restaurante, que se tornou um tanto impróprio para os novos aparelhos, ou pela mudança de classe da rua, por sua destinação, pode justificar que se hajam por presumidamente consentidas benfeitorias úteis (aí a utilidade quase se faz necessidade). Dá-se o mesmo com certas plantações em prédios rústicos, ou edificações conhecidas do dono do prédio (Supremo Tribunal Federal, 28 de dezembro de 1942; 1.8 Turma, 81 de outubro de 1946; 8.’ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 16 de outubro qe 1946). As plantações são benfeitorias úteis (Tribunal de Justiça de São Paulo, 2 de dezembro de 1927, 1?. dos T., 64, 257; sem razão,~ a 2.’ Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 23 de agôsto de 1926, 1?. de D., 82, 415), salvo se destoantes da destinação do imóvel (cf. 4.’ Câmara Cível. 5 de abril e 1.~ de outubro de 1940, E. dos 7’., 139, 714 s.,e 25 de abril d~ 1941, O D., IX, 877; 5.’ Câmara Cível,19 de abril de 1940, III, 820, e 19 de agôsto de 1941,J.do 7’. de A., VII, ~4; 4A Câmara Cível, 12 de maio de 1942, IX, 53). Tem-se sustentado que não cabe direito de retenção se odevedor incorreu em mora. Quem pode reter não incorre em mora. Os casos têm sido de locação se o locatário deixa de pagar o aluguer. A jurisprudência ora nega o direito de retenção, ora o afirma (e. g., 45 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 25 de abril de 1941, ,T. do 7’. de A., IX, 42, sobre compensação). Se há o direito de retenção, tem o locador de solver, antes, a dívida de benfeitorias, se foi exercido tal direito, e o locatário, depois, pode purgar, ou não, a mora. Mas atenda-se a que não se trata de compensação, e sim de direito de retenção, e a que êsse recai sobre o prédio, e não sobre o aluguerl As

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discussões olvidaram-se disso. Com o aluguer pode haver compensação; para que houvesse direito de retenção sobre ele seria preciso que a conexidade fôsse entre o crédito do locatário e o aluguer, como se o locador que estava na Europa telegrafa, tardiamente, para que o depósito do aluguer seja feito em banco do Rio de Janeiro e o locatário providencia para que o dinheiro remetido volte, com perda de valor do dinheiro e despesas. Pelo importe pode, então, reter o aluguer, porque a conexidade é entre crédito e aluguer. Não é o art. 1.199 do Código Civil que se há de invocar, mas a regra jurídica sobre direito de retenção em caso de gestão de negócios alheios. 5. MANDATÁRIO E DIREITO DE RETENÇÃO. No art. 1.315 do Código Civil, foi dito que o mandatário tem sobre o objeto do mandato direito de retenção, até se reembolsar do que no desempenho do encargo despendeu. O mandatário teria exceção de hão adimplemento, ou de adimplemento insatisfatório (exceção non adimpleti contractus, ou non rite adimpleti contractus), se gratificado fôsse o mandato e a gratificação tivesse ~ie ser paga antes ou simultâneamente com a entrega (cf. Supremo Tribunal Federal, 24 de maio de 1921, E. do 3. 7’. E’., 32, 165). A exceção do direito de retenção é diferente: concerne a prestaQão, que não é a do mandatário nem a da gratificação. Assim, não se precisa invocar o choque com a boa fé para se negar a exceção do ius retentionis ao mandatário a que se pede prestação de contas. Nesse érro incorreu L. ENNECCnIJS (Lehrbuch, II, 91). Por isso, acertado andou o Tribunal de Justiça de são Paulo, a 17 de novembro de 1917 (R. dos 7’., 24, 85), em só reconhecer ao advogado direito de retenção sobre quantias despendidas com o mandato, fora do previsto no contrato. Quanto ao que se previra no contrato, a dívida é conteúdo do negócio jurídico de mandato e, pois, só daria ensejo a exceção iwn adimpleti contra ctu.q ou non rite adimpleti contractia. O art. 156 do Código Comercial estabelece: “O mandatário tem direito para reter, do objeto da operação que lhe foi cometida, quanto baste para pagamento de tudo quanto lhe fôr devido em consequência do mandato”. O entendimento que se lhe havia de dar seria o mesmo que se dá ao ad. 1.315 do Código Civil. Se há remuneração, a bilateralidade estabelece-se, e não há pensar-se em direito de retenção, mas em exceção non adimpleti contractus, ou non rite adimpleti contractt4s. Lamentavelmente não viu a diferença a 4.’ Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 11 de agôsto de 1933 (apelação cível n. 3.681). 6. DIREITO DE RETENÇÃO. Se o depositante faz despesas ou emprega serviços com o fim de conservação, ou sofre prejuízos causados com a coisa depositada <= se, não depositada, os prejuízos não adviriam), tem pretensão ao reembOlso e à indenização. Despesas com a coisa se de conservação (reparação, alimentação, cura, prémios de seguros, licenças). O dever de ressarcir pressupõe que era de crer-se na indispensabilidade, e não que de fato o foram. A presunção da vontade dos figurantes é de grande importância. O depositário, em direito romano, não tinha, em caso algum, jus retentionis (L. 11, C., depositi, 4, 34, cp. Código Civil, arts. 273, 1.268, 1.269 e 1.279), inclusive se o depositário sofresse dano causado pela coisa depositada. A L. 11 nunca foi lei em direito luso-brasileiro, ou brasileiro. No direito comercial, o Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, ad. 278, vedava ao depositário ficar com o dejxisit.o a titulo de despesas <ou não pagamento (Ia n’tribuiçção>. TEIXEIRA DE FREITAS (Consolidação das Leis Civis, nota 22 ao ad. 450) interpretou o ad. 278 do Reg. n. 787 no sentido de só se referir ao depositário judicial. O Código Civil, art. 1.279, veio ctrtar cerce as dúvidas oriundas do Alvará de 5 de março de 1825, das Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 54, § 1.0, e do Reg. n. 737, art. 278. Diz o ad. 1.279: “O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos, a que se refere o adigo anterior, provando imediatamente êsses prejuízos ou essas despesas”. No ad. 1.278 estatui que “o depositante é obrigado a pagar as despesas feitas com a coisa, e os prejuízos que do depósito lhe vierem O direito de retenção é pelo que deriva de despesas e pelo que emana de danos que o bem em depósito causou. Se as despesas ou prejuízos não são provados suficientemente, ou são ilíquidos, o depositário pode exigir caução idônea do depositante, ou, na falta, a remoção da coisa para o depósito público, até que se liquidem (art. 1.279, parágrafo único). Note-se que não se Introduz o requisito da liquidez dos créditos para que o depositário possa ter direito de retenção. Se os créditos não são liquidos, ele o tem, mas reduzido à pretensão cautelar à caução, ou à remoção para o depósito público, até que se ultime a liquidação . O art. 1.279 e seu parágrafo também incidem em caso de depósito necessário (arta. 1.282 e 1.283). Quanto ao depositário judicial, não há, hoje, regra jurídica que o prive, a priori, de direito de retenção, e. g., o art. 278 do Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, na interpretação restrita que lhe dera TEIXEIRA DE FItEITAS. As legislações processuais, ao tempo da pluralidade de leis processuais, foram explicitando que o depositário

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judicial o tinha. O art. 1.279 do Código Civil incide (Supremo Tribunal Federal, 25 de abril de 1925, R. do S. 7’. E’., 85, 481, e 1?. de D., 79, 374). A extensão à percentagem é êrro, porque se trata da contraprestação, e nisso incorreu o Supremo Tribunal Federal, a 24 de dezembro de 1920 (Rido S. 7’. E’., V, 19). Cf. Decreto-lei n. 2.035, de 27 de fevereiro de 1940, art. 178, § 2.0 (Decreto-lei n. 8.527, de 31 de dezembro de 1945, ad. 438), que também confundiu exceção non adimpleti contractus ou non rife adimpleti contractus com direito de retenção. O contrato de cofres é locação, locação de espaço do edifício; de modo que a emprêsa, bancária ou não, que loca os cofres, tem o direito de penhor legal, a que se refere o art. 776, II, do Código Civil (H. BRÍICKNER, Welches Rechtsverhãltnis liegt vor, wenn eh Bankier Tresorfãcher in seiner Stahlkammer an Geschâftsfreunde zur Aufbewahrung von Wertpapieren u. s. w. gegen Entgelt {iberlãsst?, Das Recht. VI, 252; 5. JAPPÉ, Die Banktresorvertrãge, 38 5.; W. WIMMER, Das Kassenschrankfachgeschdft, 47). Todavia, se os valores são postos em gaveta, ou estante, ou compartimento do cofre-forte, ou do quarto de aço ou caixa forte, sem que o possuidor continue possuidor imediato, por não ser fechada a gaveta, estante, ou compartimento, não é de locação, que se trata, e sim de depósito, pois é o baníueiro ou emprêsa de cofres que guarda: as chaves ficam-lhe, não são entregues ao possuidor. No depósito, o possuidor mediatiza-se. O depositário tem apenas o direito de retenção, com fundamento no art. 1.279 do Código Civil, ainda que se trate do depósito fechado, colado, selado. ou lacrado, de que fala o art. 1.267. 7.DANOS CAUSADOS PELO OBJETO DA PRESTAÇÃO. Se o objeto da prestação causa danos ao devedor e se daí resulta, para o credor, dever de indenizar, tem o devedor direito de retenção. “Se daí resulta dever de indenizar”, dissemos, porque, se não há tal dever, por parte do credor, também jus retentionis não há: o ladrão, que sofreu danos com o objeto roubado, não tem direito à indenização; portanto direito de retenção não lhe assiste (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 175). A justiça de mão própria permitida pelo sistema jurídico não é ato ilícito (KLEINRATH, Besitzesschutz und Selbsthilfe, Deutsche Juristen-Zeitung, 54, 488 s.). Na L. 7, § 2, D., de damno infecto et de suggrundis et de protectionibus, 39, 2, pergunta-se se, tendo caído a casa antes de se dar caução e não querendo o dono retirar os escombros, há contra ele< alguma ação, ao que se respondeu afirmativamente; e se expôs a espécie em que as quisesse retirar, e se assentou que há de recolher todos os escombros, inclusive o inútil, devendo dar caução do dano futuro e do passado. Na L. 9, §§ 1 e 3, também se fala de caução em caso de coisas arrastadas por águas do rio e de barco que foi parar em campo alheio. 8. QUITAÇÃO E DIREITO DE RETENÇÃO. O Código Civil, art. 939, foi explícito quanto ao direito de retenção. Não o fora o Código Comercial, art. 434; nem as leis emergenciais sobre locação (e. g., Lei n. 1.800, de 28 de dezembro de 1950, arts. 9? e 20, II, que considera contravenção penal a recusa do recibo do aluguer; cf. Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951, art. 9Q, II). Nem o próprio Código Civil alemão, § 368. Mas a doutrina assentou que é o caso de direito de retenção (J. Ii. A. BREUER, Das Zur-iickbehaltungsrecht des SOB., 72 s. MATTIIIAS K. H. RECH, Das Rechtsverhiiltnis, 60; G. PLANCK, Knmmentar, II, 1, 488). 9.DONO DO NEGÓCIO E DIREITO DE RETENÇÃO. Em caso de gestão de negócios alheios, com ou sem podêres, pode o dono do negócio reter o que teria de pagar de despesas das remessas ou entregas que ainda vão ser feitas. Mas, aí, não há direito de retenraó. O caixeiro viajante não tem direito (te retenção sobre as mercadorias por seu salário, ainda que se trate de percentagem. 10. ALIENANTE, EVICÇÃO E DIREITO DE RETENÇÃO. No Código Comercial, art. 216, diz-se que “o comprador que tiver feito benfeitorias na coisa vendida, que aumentem o seu valor ao tempo da evicção, se esta se vencer, tem direito a reter a posse da mesma coisa até ser pago do valor das benfeitorias por quem pretender”. Supõe-se que a posse, imediata ou mediata, haja passado ao comprador (ou outro alienante), e que ele haja feito benfeitorias necessárias ou úteis (aliter, as voluptuárias indespregáveis sem dano ao bem evicto). No Código Civil não há regra jurídica, escrita, que corresponda ao art. 216 do Código Comercial, mas havemos de entender que existe, não-escrita, porque o art. 1.112 do Código Civil a supõe quando diz que, se “não abonadas ao que sofreu a execução”, as benfeitorias necessárias e úteis têm (te ser pagas pelo alienante. A regra é, portanto, serem abonadas pelo autor da ação de que resulta a evicç5o. Se por alguma razão não o foram, hão de ser indenizadas pelo alienante. Para que o autor seja constrangido a pagar-lhes o valor, há o direito de retenção, como em direito comercial. Nas ações reais e ipersecutórias, por explícita regra jurídica da lei processual civil, o direito de retenção pode ser oposto em embargos do executado (Código de Processo Civil, art. 1.012). O Tribunal de Justiça de São Paulo, a 30 de setembro de 1919 (R. dos T., 55, 178), exigiu a boa fé do adquirente evicto (cf. 3& Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, 21 de maio de 1930, R. de D., 99, 483). A 2.’

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Turma do Supremo Tribunal Federal, a 21 de novembro de 1950 (D. da J. de 15 de setembro de 1952), negou-lhe direito de retenção sempre que há acessão <Código Civil, art. 547). Mas, se há pretensão à indenização, ~ como se não admitir ao possuidor o direito de retenção? A distinção entre possuidor de boa fé e possuidor de má fé é necessária, diante dos arts. 516 e 517 do Código Civil. 11.GESTÃO DE NEGÓCIOS ALHEIOS E DIREITO DE RETENÇÃO. O direito 4e retenção do gestor de negócios alheios,, com posse, ou tença daquilo de que cuidou, ou cuida, é geralmente reconhecido (MÁrrHíÂs K. li. REci, Das Rechtsverhdjtnis, 60 s.). Se o dono do negócio aprova a gestão, incide o ad. 1.315 do Código Civil, que é relativo ao mandato (ad. 1.343). Se & desaprova, incidem os arta. 1.332 e 1.339, salvo o que se estabelece no ad. 1.340 (ad. 1.344). 12.MORA DO CREDOR. A mora do credor obriga-o a ressarcir as despesas com a conservação do bem que teria de ser entregue (Código Civil, art. 958, 2.’ parte), salvo dolo do devedor. ~ Tem o devedor direito de retenção por essas despesas, ou essas despesas são parte da indenização por perdas e danos? O fundamento da pretensão do devedor contra o credor em mora, no tocante às despesas de conservação (aí, compreendidas as benfeitorias necessárias), é o de se tratar de ncgotiorum 968t to. O direito de retenção exsurge, por estarem satisfeitos os seus pressupostos (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtíltnisse, 153). Pelos danos que a coisa cause ao devedor tem ação de indenização o devedor e direito de retenção, como teria se já houvesse acabado a mora do credor e a coisa permanecesse com o devedor. 13.ARMAZÉNS GERAIS, DOCAS, EMPRÉSAS DE TRANSPORTES. Segundo a Lei n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, art. 14. têm as emprêsas de armazéns gerais direito de retenção pelos créditos de armazenagem (sio) e de despesas com a conservação e com as operaçoes , benefícios e serviços prestados às mercadorias, a pedido do dono, pelos créditos por adiantamentos feitos com fretes e seguro, e pelas comissões e juros, quando as mercadorias lhes tenham sido remetidas por consignação (Código Comercial, art. 187). Misturaram-se exceções non .adim-pleti contractus ou non rite adimpleti contractus e direito de retenção. No final diz-se que “também têm as empresas de armazéns gerais direito de indenização peles prejuízos que lhes venham por culpa ou dolo do depositante”, o que faz interpretar-se o texto como atributivo de direito de retenção. Ocorre o mesmo com os entrepostos, armazéns e trapiches alfandegados (Decreto n. 2.647, de 19 de setembro de 1860, ad. 273), com as emprêsas de docas (Lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, art. 1.~, § 12), de navegação, de estradas de ferro e de aeronaves (Decreto n. 15.673, de 7 de seternbro de 1922, arts. 135 e 136; Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1922, arts. 2.0, VII, e 10). É de ob~ervar-se que não há direito de retenção por falta de pagamento de armazenagem dentro do prazo, ou de frete: a exceção, aí, é non adimpleti co» tractus, ou vwn rUe adimpleti contractus. O direito de retenção só se entende com a armazenagem após o tempo em que teria de ser retirada a mercadoria. com as despesas de conservação, ou com as operações, benefícios e serviços prestados às mercadorias a pedido do dono. O art. 14 da Lei n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, tem de ser lido como se dissesse: têm as emprêsas de armazéns gerais direito de retenção: a) pelos créditos de armazenagem, passado o prazo do depósito; b) pelas despesas de conservação; e) pelo importe das operações, benefícios e serviços prestados às mercadorias, a pedido do dono; d) pelo que sobrevier à expiração do prazo. Pelos créditos de armazenagem, dentro do prazo do depósito, pelos adiantamentos feitos com fretes e seguros e pelas comissões e juros, em caso de consignação de mercadorias (Código Comercial, art. 187), o direito da emprêsa de armazén9 gerais é o de não adimplir sem que o credor adizupla: a exceção é no» adimpleti contraetwç, ou non rite adimpleti contractus, e não a do ins retentwnis. Quanto aos bens transportados por terra, água ou ar, no art. 2.0, VII, 3a alínea, do Decreto n. 19.473, também há êrro em se falar de direito de retenção “por falta de pagamento de frete”; aliter, pelas despesas. No que respeita a objetos que hão de ser entregues a domicilio, a mora do destinatário pode causar despesas, inclusive de armazenagem, e há o direito de retenção (cf. Decreto n. 19.473, art. 10). As bagagens e mercadorias não retiradas das estações destinatárias (mora creditoris!) e as que, não despachadas, forem encontradas nas estações, ficam em depósito, se não há inconveniência, e pagam armazenagem, de conformidade com o regulamento de transportes (Decreto n. 15.673, de 7 de setembro de 1922, arts. 135 e 136). Por essa armazenagem tem a emprêsa direito de retenção. Pelo não pagamento do frete, a não-entrega é em virtude da exceção no» adimpleti contractus ou no» rite adimpleti contractws. No Código Comercial, arts. 116 e 117, cogitou-se de “hipoteca tácita” e de seqUestro pelos comissários e condutores. Nada se disse sobre o direito de retenção, mas há tal - exceção se os pressupostos se perfazem. Pelo preço ajustado, não: tratar-se-ia de exceção no» adimpleti contractus ou no» rite adimpleti contractus.

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O que acima se disse também se há de entender quanto aos donos, administradores e arrais de barcas, lanchas, saveiros, faluas, canoas e outros quaisquer barcos, empregados no transporte ‘de mercadorias (Código Comercial, art. 118). No art. 632, alínea 1~a, do Código Comercial, diz-se que o capitão tem hipoteca privilegiada para pagamento do preço da passagem em todos os efeitos que o passageiro tiver a bordo, direito de os reter enquanto não fôr pago”. Não se trata de direito de retenção, mas de exceção no» adimpleti contractus ou non rite adimpleti contractus; nem de “hipoteca tácita”, que aí está por preferência. A respeito da carga, dá-se, hoje, o mesmo, devido ao art. 2.0, VII, do Decreto n. 14.473, de 10 de dezembro de 1930, que derrogou o art. 619 do Código Comercial. Se o passageiro solicitou medidas de conservação, ou se tiveram de ser feitas despesas à parte do frete, há direito de retenção. 14. LEILOEIRO E DIREITO DE RETENÇÂO. Lê-se no Decreto n. 21.081, de 19 de outubro de 1932, art. 40: “O contrato que se estabelece entre o leiloeiro e a pessoa, ou a autoridade judicial, que autorizar a sua intervenção ou efetuar a sua nômeação para realizar leilões, é de mandato ou comissão e dá ao leiloeiro o direito de cobrar judicialmente a sua comissão e as quantias que tiver desembolsado com anúncios, guarda e conservação (lo que lhe fôr entregue para vender, instruindo a ação com os documentos comprobatórios dos pagamentos que houver efetuado por conta dos comitentes e podendo reter em seu poder algum objeto, que pertença ao devedor, até o seu efetivo embôlso”. Há, aí, as duas figuras, a da exceção non adimpleti contractus ou nou rUe adimpleti contractus e a da exceção do ins retentionj,q Se o leiloeiro deixa de prestar porque se lhe não paga a comissão (Decreto n. 21.081, art. 24) ou o que despendeu com despesas, dentro do máximo de que cogita o art. 25 do Decreto n. 21.081. a exceção é non aduupletz contractus ou non rite aditnpletj contractas; se o leiloeiro deixa de prestar porque o cliente não lhe paga o prejuízo sofrido com o objeto do contrato (Código Comercial, arts. 156 e 190), o direito é de retenção. 15. EMPREITEIROS. Os empreiteiros, construtores ou não, entram na classe dos credores por benfeitorias necessárias ou úteis. zTêm eles direito de retenção? Se a empreitada consistiu na execução dessas benfeitorias, não; porque seria a prestação do empreiteiro. A exceção, que têm, é a non adiniphti contractas ou nou rite adimpleti contractus. Seria possível imaginar-se benfeitoria fora do conteúdo do contrato, e esta espécie seria (le direito de retenção. O problema nada tem com o art. 1.566, III, (lo Código Civil, concernente ao privilégio especial que toca aos credores por benfeitorias necessárias ou úteis, no tocante á coisa beneficiada. Cp. 3a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 26 de junho de 1935 <1?. dos 7’., 100, 459) 2.~ Câmara Civil, 24 de julho de 1936 (105, 5.36). Não se pode, a priori, negar aos empreiteiros -construtores direito de retenção (sem razão, 2a Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, 18 de janeiro dc 1907, II. dc D., IV, 442, e 7 de agôsto de 1923, 70, 372; 33 Câmara Cível, 15 de maio de 1933, 109, 350, e 21 de agôsto de 1933, 111, 306; 5.” Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 18 de março de 1941, .1. do T. de A.. III, 79) ; nem afirmar que o tenham sempre. A solução depende de se saber se foram, ou não, satisfeitos os pressupostos. Se os pressupostos foram satisfeitos, nasce o direito de retenção (2.~ Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, 18 de junho de 1915, R. de D., 39, 312 s.: “o detentor (pode) reter a coisa ou recusar a sua restituição por motivo de despesas úteis ou necessárias, feitas com a mesma coisa , porque não se pode “exigir de outrem o cumprimento da obrigação de entrega ou restituição de objeto, sem também, por sua parte, executar a obrigação correlativa”; Câmaras Cíveis Reunidas, 7 de dezembro de 1922, R. do S. T. F., 54, 392; 68 Câmara Cível, 22 de novembro de 1946, 1?. de J. R., 26, 67; 6.~ Câmara Civil da Côrte de Apelação de São Paulo, 10 de março de 1937, R. 9., 71, 114; 2.8 Turma do Supremo Tribunal Federal, 8 de outubro de 1946, D. de J. de 16 de julho de 1947, R. de 3. R., 76, 39, e R. 9., 110, 99). Não se precisa indagar se, in casu, o empreiteiro recebeu a posse ou a tença. Pode ser que só seja tenedor, ou que seja possuidor (Tomo X, § 1.079, 5). 16.CÔNJUGES E DIREITO DE RETENÇÃO. O cônjuge que tem, com fundamento na administração e usufruto dos bens do outro, ou comuns, pretensão à indenização, tem direito de retenção (cf. Código Civil, arts. 241 e 307, 516 e 873). Se mulher contribui para as despesas do casal, conforme o art. 277 do Código Civil, e o marido expõe a mulher ou a família a não ter sustento, pode a mulher deixar de entregar ao marido o sue lhe cumpria. Mas, aí, não há direito de retenção <P. LÃNGHEINEKEN, An.spruch und Einrede, 333). A exceção é à semelhança da que se permite no ad. 1.092, alínea 2.8, sem todavia com ela se confundir. O cônjuge que tem a posse e administração dos bens do outro cônjuge (Código Civil, arts. 260 e 251) tem direito de retenção nos mesmos casos em que assiste ao mandatário ou ao depositário, conforme incide o art. 260, II, ou o art. 260, III. 17.HERDEIROS E DIREITO DE RETENÇÃO. O herdeiro que está de posse da herança tem dever de

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administrar, até que seja nomeado inventariante, se não há cônjuge sobrevivente que assuma o cargo de cabeça do casal (Código Civil, art. 1.579). Quais as despesas pelas quais responde o monte, somente se pode saber inquirindo-se da sua boa fé, ou da sua má fé. Se pretensão tem, também direito de retenção lhe cabe. Por isso mesmo, na falta de cônjuge sobrevivo, nomeado inventariante há de ser o co-herdeiro que esteja “na posse corporal e na administração dos bens” (art. 1.579, § 2.0). O herdeiro aparente é apenas possuidor, a que se há de verificar a boa fé, ou a má fé. Tratando-se de herdeiro excluído da herança (Código Civil, art. 1.596), se tem pretensão por despesas, tem direito de retenção (ad. 1.601: “O herdeiro excluído terá direito a reclamar indenização por quaisquer despesas feitas com a conservação dos bens hereditários, e cobrar os créditos que lhe assistam contra a herança”). Só se lhe apura má fé para se saber se tem pretensão por benfeitorias úteis, ou se tem direito de retenção por benfeitorias necessárias (art. 517). 18. DESAPROPRIÇÁO E DIREITO DE RETENÇÃO. A doutrina que via na permanência do dono do bem desapropriando exercicio de direito de retenção, pois a indenização ainda não fôra paga, a despeito de a sentença já a haver fixado, é de repelir-se. No sistema jurídico brasileiro, a indenização há de ser prévia (Constituição de 1946, ad. 141, § 16, 1.8 e 2.8 partes; Tomo XIX, §§ 1.609, 1, 8, 1.616 e 1.617, 3). Nos países em que não há a exigência constitucional de ser prévia a indenização compreende-se que a doutrina se haja dividido, em parte para obviar aos inconvenientes da falta do texto constitucional. Se o direito admite que a indenização seja posterior, tem-se, transferida a propriedade, de pensar em não se entregar a posse, e dai a) a figura do direito de retenção, ou b) a da exceção no» adimpleti cottractus, ou no» rUe adimpleti contractus. Se o direito exige a previedade da indenização, e) de nenhuma exceção se precisa. A discussão onde não se tem explícita a regra jurídica da previedade tinha de surgir. Como em a), muitos escritores franceses (e. g., E. D. CABRYE, Diz Droit de rétentio», 123; CHARLES MAUGER, De Ia Nature du Droit de rétentio», 82). Como em e), A. GUARRACINO, L. RAMPONI, R. MONTESSORI e outros. Mas, na falta do texto constitucional ou legal sobre o pressuposto da indenização prévia, a solução seria b), e não c). A combinação de a) e e), para os casos de indenização préviae os em que há posse provisória, não atende aos princípios (e. g., GEORGIO GIORGI, Teoria deile Obbligazioni, ~ 7Y ed., 534). Pode-se pensar em direito de retenção, após a desapropriação; e. g., se há a transferência da propriedade, paga a indenização, e, ao vir tomar posse do bem desapropriado, o demandado opõe que teve de fazer benfeitorias necessárias depois de receber o preço. 19. DECRETAÇÃO DE NULIDADE OU DE ANULAÇÃO E DIREITO DE RETENÇÃO. Discutiu-se se cabe direito de retenção em caso de decretação de invalidade, devendo as prestações ser restituidas (Código Civil, art. 158). MATTIIIAS E. II. RECH (Das Rechtverhãltnis, 65 s.) tratou o assunto como ele merecia ser tratado: a partir da afirmação de que o nulo é, pôsto que o comum dos que não atendem à evolução filosófica, operada após os juristas romanos, pense que o nulo não é. O que o restituinte tem para receber por danos ou despesas é por enriquecimento iniustificado do outro figurante do negócio jurídico. A indenização do interesse negativo pode ser pedida (Tomo IV, §§ 388; 422, 2; 429, 1; 448; e 455, 5). Com o desembôlso por benfeitorias necessárias nasce o direito de retenção, que há de ser exercido por ocasião da ação do credor para haver a coisa retenda; bem assim quanto a benfeitorias úteis que sejam indenizáveis a gestor de negócios, ou por enriquecimento injustíficado. Não se tem de pensar, aí, em regras jurídicas sobre posse. 20. CONSIDERAÇÕES FINAIS. A exposição, que fizemos, pôs claro o que é direito de retenção, matéria de que muitos trataram sem conhecerem ou reconhecerem aquilo de que tratavam. Conforme vimos, o termo retenere é demasiado largo e nem todo reter é exercício de direito de retenção. Alguns pontos ficaram convenientemente esclarecidos, evitando-se, portanto, confusões: (a) Quando o reter é conteúdo de direito real ou pessoal, não pensar-se em direito de retenção, que é direito acessório. (b) Nada há de compensação no direito de retenção. Quem retém não se satisfaz; portanto não compensa. Não há, na compensação, simples exceção; no direito de retenção, não há transiação de titularidade. O direito de retenção não ésatisfativo; satisfativa é a compensação. (c) Também ficou nos devidos termos a distinção entre direito de retenção e exceção no» adimpleti contractus ou non rite adimpleti contractus: essas duas exceções, que em verdade são uma só, concerne a não se contraprestar, porque o credor não prestou; aquela, ius retentionis, se liga a outro crédito, e não aquele em que um dos figurantes é credor e devedor e o outro devedor e credor.

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§ 2.739. Extinção do direito de retenção 1. EXTINÇÃO DA PRETENSÃO DE QUE NASCE O DIREITO DE RETENÇÃO. O direito de retenção irradia-se da pretensão que tem o devedor contra o credor, sem ser a contraprestação desse. Se a pretensão desaparece, porque desapareceu o crédito, direito de retenção não há. Se o crédito subsiste mas perdeu a pretensão, não nasce ou se extingue o direito de retenção. Daí a importância da distinção entre direitos sem pretensão e direitos com pretensão prescrita. Ésses dão ensejo a direitos de retenção. 2. EXTINÇÃO DA PRETENSÃO DEVIDA. Se a pretensão se extinguiu, sem o devedor ter de indenizar, não há pensar-se em retenção do que não é. Resta saber-se se o devedor que há de prestar (a) pelo caso fortuito ou pela fôrça maior, ou (b) por culpa, ou (e) pelo dolo, tem direito de retenção. Quanto ao caso fortuito ou à fôrça maior, ou a) a responsabilidade deriva de mora do devedor, ou b) não deriva de mora. Nas espécies a), o direito de retenção não nasce porque já se estabeleceu, ex hypothesi, a mora do devedor. Nas espécies b), ou há responsabilidade pelo fato ilícito stricto sensiz, ou pelo ato-fato ilícito; ou por ter havido, antes, dolo. Ali, não há pré-excluir-se o direito de retenção. Aqui, a questão se desloca: de (a> para (e). A prescrição da pretensão de que resulta o direito de retenção não o extingue (Tomos IV, § 423, 2, e VI, §§ 667, 5, e 691, 7). Admitiram a réplica da prescrição G. PLANCK (Kommentar, II, 1, 170 s.) e outros; mas o assunto foi mal tratado pelos que não partiram do princtpio da imprescritibilidade das exceções e do fato de nascer a exceção, o ius retentiorãs, antes da prescrição: Se falta pretensão (direito desprovido de pretensão), não há direito de retenção, porque da pretensão é que ele se gera <P. OERTMANN, Reckt der Schuldverhtiltnisse, 93; G. PLANCK, Komntentar, II, 1, 170; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 460). Mas, com a prescrição, não falta pretensao; apenas se lhe encobre a eficácia, no tocante a atos positivos. O exercício do direito de retenção impede incursão de outrem, não consiste em ato positivo, em ação (cf. A. LANGFELD, Lehre Retentionsreeht, 145; MARTIN RIEGER, Das Zvrkekbehaltungsreckt des BaR., 70). As pretensões desprovidas de ação (pretensões mutiladas), ou, a fortiori, os direitos desprovidos de pretensão (direitos mutilados) não dão direito de retenção (cf. F. SCHLEGELBERGER, Das Zur-iickbehaltungsreeht, 146 s.). Pretensões prescritas não são pretensões mutiladas. Encobriu-se-lhes a ação. A afirmação de que contra a exceção do direito de retenção pode ser, em réplica, oposta a de prescrição, é sem fundamento, porque se o direito de retenção persistiu seria contraditório admitir-se a exceção, em réplica, de pr~scrição, que não pré-excluira, ex hypothesi, a persistência do direito de retenção. A opinião verdadeira está em F. BEGELSEERGER (Zur Lehre von der Wirkung der Anspruchsverjahriiíg, Jherings Jabrôjicher, 41. 834), H. REHBEIN (Das Rhirqúrliche Gesetzbuch, II, 91), KONRAD COSAcK (Lehrbuch, ~ ga ed., 359) e E. SCHLEGELBERGER (Das Znriiekbehaltungsrccht, 147). 3. CAUÇÃO PARA SE ASSEGURAR A SATISFAÇÃO DO DIREITO DE RETENÇÃO. O direito de retenção tem as características de ato em segurança: o devedor, retendo a prestação devida, segura-se contra o inadimplemento do seu crédito lateral. Por isso mesmo, se êsse está suficientemente garantido, direito de retenção não exsurge; nem subsiste à entrega da posse, mediante caução. Aqui, convém precisarmos que a caução só por si não o extingue: o que o extingue é a entrega da posse, mediante a prestação da caução. Aliás, qualquer entrega da posse, ainda sem caução, o extinguiria. A eliminabilidade do direito de retenção pela caução suficiente é princípio quê não precisa estar em lez seripta. Alguns juristas negavam que pudesse ser imposta ao titular do direito de retenção a caução (C. XV. SCHENCK, Die Lehre von. Dem Retentionsrechte, 889 5.; II. voN HOLZSCHUEER, Theorie und Kaeuistik des gemeinen Civilrechts, 1, 91 s.; O. C. GROSKOPFF, Zur Lehre vom Retentionsrechte, § 14) ; outros o afirmavam (CHR. ER. VON GLÍYCK, Áusfiihrliche ErUiuteru,zg der Pandecten, 15, 124, e a quase totalidade dos anteriores, pois os que divergiam apenas acentuavam que seria difícil segurança a crédito não liquidado). Se não é liquido o crédito, arbitra-se a caução. Alguns juristas (e. g., MARTIN RIEGER, Das Zuriickbehaltungsreeht, 70) entendem que a caução suspende a eficácia do direito de retenção, não o extingue. Em verdade, prestada a caução, extingue-se o direito desde a entrega do. prestação. Não se pode raciocinar, na espécie, como se raciocinaria em casos em que a caução é prestada pelo que teria de adimplir sem que o credor pratique ato tão definitivo como é solver a sua dívida. Quanto à caução como meio de se extinguir o direito de retenção, é de pêso o argumento que se tira do art. 996 do Código de Processo Civil: “Se, no prazo legal, o executado opuser embargos, o exeqilente não poderá receber a coisa sem prestar caução”. Quer dizer: ainda que o credor tenha ação executiva e a exerça, o devedor, opondo embargos, há de entregar a coisa, prestando caução o exeqilente; se é retentor, ainda que não tenha o credor ação executiva, é

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eficaz o direito de retenção, mas sujeito a caução. A jurisprudência é no sentido de se admitir a caução (2.~ Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, 18 de junho de 1915, R. de D., 39, 814; Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de abril de 1921, R. dos T., 87, 82). No sistema jurídico brasileiro, a caução pode ser fidejussória. Não há a limitação que se contém no § 278, alínea g~a, do Código Civil alemão. Os juristas que confundem a exceção de direito de retenção com a exceção non adimpleti contractus ou a non rite adimpleti contractus têm de pensar em exceção ao princípio da caucionabilidade, por ser inadmissível impor-se caução na espécie do art. 1.092, alínea 13, do Código Civil. Mas o êrro há de ser evitado. A propósito de caução, ainda cumpre observar-se que o art. 1.279 do Código Civil não pré-exclui o direito de retenção se o crédito é ilíquido. A liquidez não é pressuposto necessário do direito de retenção. Apenas, se o devedor exerce o direito de retenção, tem sempre o credor a alternativa: ou a) deixa a prestação em poder do devedor e aguarda a liquidação do crédito do devedor, para que possa solver a sua dívida e exigir, eficazmente, o que se lhe deve; ou b) presta a caução. Na espécie do art. 1.279 do Código Civil, há, para o retentor, pretensão a que o credor preste caução, ou a pretensão a depositar, como conteúdo do direito de retenção e exercício dele. 4. OUTRAS CAUSAS DE EXTINÇÃO. O direito de retenção também se extingue: a) pelo perecimento total de objeto retendo, sem culpa do devedor, ou pelo perecimento total do objeto retido, sem culpa do devedor, e nos casos em que o retentor não mais teria de prestar, devido a deterioração do objeto (o art. 871, l.~ parte, do Código Civil é ins dispositivo b) pela perda da tença ou posse; e) pela confusão na mesma pessoa das qualidades de retentor e dono do bem, se tal confusão extingue a pretensão contra o retentor; d) pela renúncia ao direito de retenção, inclusive pelo não-exercício dele no momento oportuno. a) Se há perecimento do objeto retendo ou retido, subsistituto a pretensão contra o retentor, o direito de retenção recai sobre a indenização a ser paga, inclusive a de seguro (sem razão: OLAVO DE ANDRAIJE, Notas sobre o Direito de retenção, 65; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, Direito de retenção, 818). Vi Se o retentor perde a tença ou a posse, de que se irradiaria, ou se irradiou o direito de retenção, não nasce, nem se extingue direito de retenção. Se houve esbulho e ainda persiste a posse (= as ações possessórias ou de vindicação da posse), ainda pode nascer ou resistir aos acontecimentos o direito de retenção. Se o caso é apenas de retentor com tença, a perda extingue o direito de retenção. Mas, ocorrendo reaquisição da tença ou da posse, a tempo de ser prestado o objeto, como se o possuidor reivindica o bem,o direito de retenção exsurge. Se o bem vai ser desapropriado, ou requisitado, ou se houve acidente, com indenização por seguro, o direito de retenção não desaparece. O argumento que se quis tirar do art. 808, § 29, do Código Civil, é sem qualquer pertinência, por se tratar de regra jurídica só pertinente à anticrese; aliás, o art. 125, § 19, do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, é expressivo, e cabe reler-se o que se escreveu no Tomo XXI, § 2.629, 4, 5. Se o titular do direitjde retenção tem de penhorar o bem que há de reter ou retém por outra divida, não xenuncia, somente por isso, ao direito de retenção. Aliter, se o faz pelo crédito de que se irradiou o direito de retenção: preferiu a penhora à retenção. Se o titular do direito de retenção tem de vender o objeto sobre que recairia ou recaiu o direito de retenção, ficando em seu poder ou consignado em seu nome o valor, não se extingue o direito de retenção. É preciso, a respeito, livrar-se a doutrina brasileira da influências de outros sistemas jurídicos (sem razão, OLAVO DE ANDRADE, Notas sobre o Direito de retençâo, 68 s.; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, Direito de reten$o, 314). Ao titular do direito de retenção aproveita qualquer sub-rogação real do bem que deveria prestar e poderia reter. Também lhe é dado reter o bem substitutivo, se lhe toca facultAs alternativa. Em se tratando de obrigações alternativas, retém ele aquilo que pode escolher. Se a escolha cabe ao credor, à escolha, que êsse faça, dá-se a concentração, e sóbre o objeto em que a prestação se concentrou é que se há de exercer o direito de retenção. e> Se a coincidência das qualidades de credor e de devedor não produz, in casn, a extin$o do crédito, não há pensar-se em extinção do direito de retenção. d) A renúncia ao direito de retenção tem de ser feita para eficácia em relação ao credor contra quem se exerceria, ou se exerce, ou se exerceu,, ou, segundo os princípios que regem a publicidade para efeitos erga omnes, em relação a qualquer cessionário ou sucessor do crédito. DEVER DE PRESTAR SEGURANÇA

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§ 2.740. Prestação de segurança 1. CoNcEITO E NATUREZA. Segurança ou garantia é o reforçamento de algum direito, ordinâriamente crédito. Alguém, por outrem, ou o próprio sujeito passivo da relação jurídica, com a sua promessa, ou com a dação da posse, ou do domínio, ou direito real limitado, torna mais fàcilmente executável a divida ou mais fàcilmente exercivel o direito. - O conteúdo da obrigação pode ser a prestação de segurança (Sicherheitsleistung). O devedor deve a garantia. Por vêzes as leis falam de garantia que tem de prestar o devedor. Mediante a garantia, ou se suspende a eficácia do direito do outro figurante, como se A tem de prestar antes de B, mas alega que ocorreu o que se prevê no art. 1.092, alínea 2.¶ do Código Civil, e recusa-se a prestar se B não presta caução, eu se garante antes de se ter de prestar. 2.FONTES DO DEVER DE SEGURANÇA. A obrigação de segurança ou provém da lei, ou de negócio jurídico, ou de sentença. A caução que há de prestar o tutor é oriunda de lei (Código Civil, ad. 419). Os herdeiros de ausentes, imitidos na posse dos bens arrecadados, prestam garantia da restituição~ (art. 478), só levantável por ocasião da sucessão definitiva (ad. 481). A caução de dano iminente é prevista em lei (ad. 555). Outrossim, a dos possíveis prejuízos causados por chaminés, fogões ou fornos no prédio vizinho (ad. 582>. No caso de obra nova, com travejamento, que crie risco, o ad. 580, parágrafo único, dá pretensão à caução. O usufrutuário está sujeito a regras jurídicas sobre caução (arte. 729-731). Em todos Osses exemplos há obrigação legal de prestar segurança. A prestação de segurança pode ser prometida. Tal negócio jurídico não está sujeito às exigências formais feitas, pelas leis, às seguranças (cf. Tomo XIII, §§ 1.432, 4, 5, 1.435, 1.474, 1.475 e 1.514, 2). Assim, o pré-contrato de penhor (pactuni de pignore dando), o de fiança (pactum de fidejussore dando) e os outros pactos de dar segurança criam, negocialmente, obrigação de prestar garantia. Pode ser em geral (e. g., “garantia suficiente”.), ou a respeito de determinada espécie de garantia (hipoteca, penhor, anticrese, fiança), ou de garantia com determinada coisa (hipoteca do prédio tal). A fonte da obrigação de segurança pode ser judicial, como se, nas partilhas de herança, o juiz entende que um dos herdeiros há de prestar caução do que tem de repor. A obrigação que se garante pode já existir ao tempo em que se promete a garantia, ou pode ainda não existir e depender (ou não) da garantia. Se se empresta dinheiro com a obrigação simultânea de garantia, o mutuante não é adstrito a entregar a quantia enquanto não se lhe dá a garantia. Pode o mutuante prestar e marcar prazo ao mutuário para que preste a segurança prometida com a cominação da resolução do contrato ou da resilição. Quase sempre precedem ao mútuo dois pactos: o pactum de mutuo dando e o pactum de fidejussore dando ou qualquer outro pacto. § 2.741. Espécies de prestaçâes de segurança 1. DICOTOMIA BÁSICA. As seguranças ou são pessoas: fiança; entrega de título de crédito abstrato emitido por terceiro, aval (que pode ser prometido) ; ou reais: penhor, caução. hipoteca, anticrese, warrant, transmissão em garantia. 2.CONSICNAÇÂO OU SEGURANÇA CONSIGNATIVA. A segurança consignativa ou simplesmente consignação (que se não há de confundir’ com a consignação em pagamento) é a prestação de garantia, pela destinação de dinheiro ou papel de valor ao portador, para que, tornando-se exigível o crédito, o consignatário entregue ao credor o que foi depositado. Ressalta a estrutura do contrato a favor de terceiro. Pela consignação em pagamento, o devedor, se ocorrem cedas circunstâncias, ou se foi estabelecido, negocialmente, ou por decisão judicial. deposita o objeto da obrigação, para que, após a satisfação de certos pressupostos, se libere da obrigação. A consignação em segurança garante, não solve. O devedor pode solver a divida; o credor pode remitir o crédito,. transferi-lo, a consignação não libera, somente garante. No direito brasileiro, tal consignação não dá ao credor direito de penhor (aliter, no Código Civil alemão, § 233). Desde que foi notificado o credor, pelo consignatário, de que lhe será entregue, na oportunidade, o objeto consignado, é irrevogável a consignação. Também o é se o credor, ciente,comunica ao consignatário que exercerá no devido tempo o direito. Se o devedor tem de consignar, sem se ter dito qual o objeto, entende-se que é dinheiro. Se o objeto há. de ser papel de valor ao portador (e. g., ações ao portador, debêntures. letras de câmbio), a garantia pode ter de ser reforçada se sobrevém desvalorização. Os títulos endossados em branco podem ser objeto de consignação. Não os chamados

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títulos de legitimação (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 3911. -Quem consignou pode trocar por valores mais seguros o dinheiro, ou os valores consignados, ou por dinheiro os valores consignados. A troca feita é irrevogável. Outra troca depende de assentimento do outorgado (G. PLANCK, Kommentar, 1,582 s.; diferente, E. ECK, Vortrdge, 1, 225), ou de apreciação judicial. O devedor tem obrigação de reforçar a garantia dada se insuficiente (E. HÓLDER, Allgemeiner Teu, 473; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 393; sem razão, G. PLANCK, Ko>nmentar, 1, 585), ou tornada insuficiente sem culpa do credor, ou de substitui-la. A escolha entre refârço e substituição cabe ao devedor (G. PLANCK, Kornmentar, 1; 586; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 683). O devedor tem o ônus de alegar e o de provar a culpa do credor. Não há dever de refôrço ou de substituição se foi acordado em qual seria a prestação ou os interessados entendem que há de continuar a consignação feita. No negócio jurídico em que se estabeleceu o dever de segurança pode-se estipular que a obrigação de refôrço, ou de substituição, não se produz, ou qual o refôrço ou a substituição que se impõe (quando, porque, como e com quê), ou quando se dispensará a segurança, ou se há de restabelecer. A obrigação de segurança, oriunda de lei, tem exemplo no Código Civil, arts. 419, 473, 481, 555, 582, 580, parágrafo único, 729 e 1.092, alínea 23. CAPITULO XII PRETENSÃO À CESSÃO DA PRETENSÃO CONTRA TERCEIRO § 2.742. Precisões conceptuais 1.INDENIZAR, RESTITUIR, SEGURAR, REEMBOLSAR E OUTROS MODOS DE SATISFAÇÃO. Se tratássemos da pretensão à cessão da pretensão contra terceiro no capítulo referente a indenizar, preestabeleceríamos que tal pretensão é indenizatória e somente caberia em caso de pretensão à indenização contra terceiro. Ficariam de fora as pretensões à restituição, à segurança, ao reembôlso e outras pretensões que se podem ter contra terceiro pela causação de impossibilidade da prestação. Temos, assim, de empregar termo geral pretensão contra terceiro e de não aludir à indenização que, conforme veremos, dá causa à pretensão à cessão da pretensão contra terceiro, porém não na contêm. Se o devedor recebe a indenização que lhe tinha de pagar oterceiro, responsável pela impossibilitação, o credor pode exigi-la, como poderia exigir a cessão da pretensão contra oterceiro: se a coisa volta ao devedor, a ponto de ser possível prestá-la, o que o credor pode exigir é a coisa mesma, salvo se, pela mora, já isso não é do seu interesse. 2.PRETENSÃO DO CREDOR Á CESSÃO DA PRETENSÃO ÁINDENIZAÇÃO. (a) Às vêzes há impossibilitação da prestação sem culpa do devedor <Código Civil, arts. 865, alínea 1.a, 866, 871, 13 parte, 876, 879, 13 parte, e 882) e, pois, deixa de nascer o dever de indenizar, mas a impossibilitação resultou de ato ilícito, ou de ato-fato ilícito, ou de fato ilícito sir-icto sensu de terceiro, de que se irradiou, para êsse, dever de indenização. Temos, pois, devedor desobrigado, em princípio, mas credor de indenização, ou de 6utra prestação; credor, que prestou, e tem de reaver o que contraprestou, ou se ainda não contraprestara tem pretensão ao que teria ganho se o devedor houvesse prestado. Se contraprestou e há interesse em exercer a pretensão à cessão da pretensão à indenização ou outra prestação, e. g., por ser mais expedita a solução, ou por estar insolvente o devedor, cabe exercê-la. Idem, se, apesar da restituição da contraprestação, ou de não ter sido feita, a indenização ao devedor é maior, devido à valorização do objeto. Não há, ai, sub-rogação legal, razão por que nos parece forçado falar-se de Surrogationsprinzip. Trata-se de “pretensão retida” <verhaltener Anspruch) o credor pode reclamar a cessão, não se sub-rogou ao devedor credor do terceiro, nem tem de exercer a pretensão (G. PLANCK, Komrnentar, II, 1, 246; P. OERTMANN, Recht der Srhuldverhãltnisse, 126; P. LIANCEEINEKEN, Der verhaltene Ansprnck, 6; F. SCHULZ, System der Rechte auf den Eingriflserwerb, Archiv flir die dviii stische P,axi.ç~ 105, 16>. Se o devedor é responsável, ou não, pela impossibilidade, não importa <O. WARNEYER,- Komraentar, 1, 498); de jeito que também existe a pretensão à cessão se pela impossibilidade foi em parte culpado o devedor, como se o terceiro pode invocar a regra jurídica da concorrência de causa, por parte do devedor. Se o devedor alegou impossibilidade para se recusar a prestar, não se pode pensar em pretensão à cessão, porque impossibilidade não existiu: a pretensão do credor é ao adimplemento ou indenização por não-adimplemento. O princípio da pretensão à cessão sámente se há de invocar se ao tempo do acontecimento danoso já existia a relação

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jurídica entre o credor e o devedor (P. OERTMANN, Reekt der Schuldverhaltnisse, 126; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schnldverhãltnisse, 112; G. PLÂNCE, Komment ar, II, 1, 325; H. DERNBURG, Das Elirgerliche Recht, II, 1, 155, nota 12; E. KLEINEI-. DAM, Unmõgliehkeit uind Unvermiigen, 43; W. KISCH, Die Wirkungen der nachtràgflch eint,-etendcn Unmiigliebkeit der Erfullung, 210; sem razão: H. TITZE, Die Unmõglichkeit der Leistung, 253, nota 9; WILHELM BIERMANN, Zur Lebre von der Unmõglichkeit der Leistung, Archiv flir die oivilistisehe Praxzs, 91, 96; F. SCHULZ, Riickgriff und Weitergrif 1, 125). Se B vende a A a coisa que fôra danificada, antes, por C, o que A pode alegar é ter vicio a coisa, que ele ignorava. Diferente é o que acontece se, já vendida a coisa, C a danifica. Não é preciso, está claro, que a relação jurídica já existente seja negocial, nem a regra jurídica exige que a relação jurídica cujo crédito se liquida seja negocial (cf. A. BURKHARDT, Der Sehadensersatzanspruch des Forderun.qsberechtigten, 36 s.; H. A. FIscEER, Der Sob aden nach. dem BGB, 81). (b) Se o devedor tem culpa e há de indenizar, a pretensão do credor à indenização faz nascer a pretensão à cessão da pretensão à indenização pelo terceiro, porque a lei prevê que o credor tenha de, executando a dívida, preferir a constrição desse crédito. O direito brasileiro não limitou a pretensão àcessão da pretensão contra terceiro ao caso de não-responsabilidade do devedor pela impossibilidade. Se o devedor teve parte na culpa quanto à impossibilitação, tem de indenizar totalmente, mas pode o credor exercer a pretensão à cessão da pretensão contra o terceiro. § 2.743. Conceito e natureza 1. CONCEITO E NOME. No direito comum falava-se, com referência ao assunto da pretensão à cessão, de principio da sub-rogação (Surrogationsprinzip), mas houve confusão com a sub-rogação real (e. g., Código Civil, arta. 293, parágrafo único, 735, § 2.0, 738, 762, § 1.0, 787, e 1.677) e com a sub-rogação pessoal <e. q., arts. 985-990). Não há, verdadeiramente, sub- -rogação pessoal; há pretensão à cessão da pretensão à indenização ou outra prestação, da qual resulta a sucessão. No Código Civil francês, art. 1.303 (“Lorsque la chose est périe, mise hors de commerce ou perdue, sans la faute du débiteur” advirta-se que essa limitação não há no direito brasileiro, nem, de jure condendo, é aconselhável “il est tenu, s’il y a quelques droits ou actions en indemnité par rapport à cette chose, de les céder à son créancier”), só se aludiu à pretensão à cessão da pretensão à indenização. Idem, no Código Civil saxônico, § 960. Não se trata de ação de sub-rogação, nem de substituição (Ersatzartspruch), mas de pretensão à cessão de pretensão à indenização ou outra prestação. O “Ersatz” dc § 281 do Código Civil alemão tem significado que nào é o de gub-rogação (W.RISCH, Die Wirkungen der nachtrágtith eintreterulen Unmàglichkeit der Erf’Uulung, 198 s.; sem razão, RII¶çãoLY SEEPRIETI, Der Paragraph 281, 51>. O máximo que se poderia conceder seria considerar-se suh-rogaçío o efeito da cessão obtida voluntária ou forçadamente, mas já seria deturpar-se o conceito de cess~c e ter-se como fato jurídico à parte o que apenas é efeito da cessão. 2.QUANDO NASCE A PRETENSAO À CESSÃO. (a) A pretensão à cessão da pretensão à indenização ou outra prestação nasce com os pressupostos, e não somente quando o credor que a quer exercer, em vez de aceitar tôda a indenização pelo inadimplemento, ou apenas a restituíção do que contrapresta , entende reclamar. Se o periculunt, o risco, cabe ao credor, não há pretensão à cessão, porque a pretensão à indenização ou outra prestação quem a tem é o próprio credor (Nam et commodus elus esse debet CUÍUE est perículum, § 3, IX, de locatiorte et con4uctione, 8, 24; cp. HosENs, Wer trãgt bei Obligationen die Gefahrt 2 s.; aliás observe-se que o princípio Casum sentit dominus, de que lança mio, na matéria, A. ERINZ, Lehrbuch der PandeJcten~ II, 2.~ ed., 312, nenhuma pertinência tem, porque o pericutunt pode tocar ao simples credor>. Cujus est periczdum ejue et coinmodum esse debet. Quem sofre o risco é que tem a pretensão à indenização ou outra prestação. O commodum consiste, aqui, na pretensão contra o terceiro. Se tem o risco o credor, a Me é que nasce a pretensão à indenização ou a outra prestação. (b) Não há pretensão à e sessào da pretensão à entrega se o terceiro adquiriu a coisa; mas há, se o terceiro, que adquiriu, tem de indenizar. Se o devedor comprou o bem para prestar, mas surgiu impossibilidade porque o terceiro vendeu, também, a outrem, e o acordo de transmissão com a outra pessoa foi registado antes de o ser o acordo de transmissão com o devedor, tem êsse ação contra o terceiro (cp. G. HARTMANN, Jwristischer Casus und seine Prãstation bei Obligationen auf Sachleistung, insbesondere beim ICauf, Jahrbitcher fiir die Dogmatik, 22, 485), e cessão de tal ação pode ser pedida. Os efeitos da cessão da pretensão contra o terceiro são os da dação em , mas, se hoúve exercicio judicial da pretensão à cessão, a eficácia final é a da penhora e adjudicaçção do direita e ação do devedor, conforme o ad. 938 do

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Código de Processo Civil, onde aparece a expressão “sub-rogado”, mas tivemos ensejo de reprochar o texto, nos Comentários ao Código de Processo Civil. Não há qualquer automaticidade da transferência. O credor tem de declarar que quer a cessão. Pode renunciar antes de exigir, porque, se é certo que o que se lhe permite é especificar o que deseja se lhe ceda, também o é que a pretensão à cessão da pretensão contra o terceiro lhe nasce com a impossibilidade. A pretensão é à indenização, à restituição, à repetição eu qualquer outra, que tenha derivado do fato impossibilizante, pretensão à transmissão de pretensão (cf. Tu. ERLANGER, Der GesetzeswidertPrttch der ~§ 184, 138 8GB. rnit § 817 BGB., 22). Se alguém se cria em interesse próprio e o interésse era de terceiro, também cabe a ação de cessão da pretensão àindenizaçao ou outra prestação. Por exemplo, A depositou em mios de B a coisa pertencente a C; e a coisa foi destruida por O. C tem, contra A, ação de cessão da pretensão à indenização. 3.FATOS DE QUE SE PODE IRRMMAR A PRETENSÃO CEDENDA. Há três grupos de fatos de que pode resultar commodunt ao devedor, dando ensejo à invocação do principio Cuins eM perictdum ejus d commodum esse debet: (a) O primeiro grupo é o daqueles casos em que a impassibilidade da prestação e o comnwdum resultam a) de fato ilicito stricto geneu, L’) de ato-fato ilícito, e) de ato ilícito, ou d) ainda de ato licito, pelo qual responde terceiro. São, respectivamente: a) o caso do terceiro que tem de indenizar o prejuízo que o vendedor do gado sofreu porque o fazendeiro, que estava em mora de o entregar, não o pode mais entregar, devido a inundação que o levara com as águas (Código Civil, art. 957), b) o caso do locatário, de quem, ausente, alguém geriu, contra a sua vontade os negócios e sublocou o prédio a quem o danificou (o locatário responde segundo o art. 1.192, 1 e IV, do Código Civil; o gestor de negócios alheios, segundo o art. 1.332; o sublocatário, conforme o ad. 1.192, 1 e IV) e)o caso do devedor que deixa de prestar, por impossibilidade criada por ato ilícito de terceiro, o que é mais freqúente; d) o caso do devedor que não pode prestar por impossibilidade criada por ato lícito de quem deteriorou ou causou destruição a coisa alheia, a fim de remover perigo iminente (Código Civil, art. 160, II) e tem de indenizar (art. 1.520). (b) O segundo grupo compreende aqueles casos em que a impossibilidade provém de negócio jurídico do devedor. Por exemplo, se o devedor vendeu a coisa certa a terceiro e transferiu a propriedade, não tendo ainda recebido todo o preço, ou tendo pretensão à resolução do contrato bilateral. Assim, F. SCIIOLLMEYER (Recht der Schuldverhtiiltnisse, 2), Til. Ktn (em E. WINDSCHEID, Lehrbuch, 1, § 64, 4; GERHARDT RÓMER, Ist § 281 EGE. auf das durch Rechtsgeschãft erlangte Entgelt anwendbar?, Arehiv flir die eivilistische Praxis, 119, 293 s.; H. LEHMANN (fie Kriegsbeschlagnahrne, 46) ; sem razão, W. RIsCH (Die Wirkungen der nachtrÉiglich eintretenden Un.mãglichkeit der Erfiillung, 198) e O. PLANCK (Komnientar, II, 244 s.). Argumenta-se em contrário à aplicação da regra jurídica sobre pretensão à cessão da pretensão contra o terceiro, em se tratando de pretensão oriunda de negócio jurídico, que o princípio Com modum ejus esse debet cuins penou/um est só se referia ao comrnodum ex re, e não ao cornmadum ex negotiatione perceptum. Primeiro, quanto ao direito romano, observe-se que não é indiscutível essa limitação (cp. E. RABEL, Grundziige des ro2nisehen Pnivatrech is, 1, § 92, nota 2). No direito comum, havia quem admitisse a extensão do contmodurn até o que concernia às fontes negociais (FR. MOMMSEN, fie Unmôglichkeit der Leistung, 297, e Eràrteru.ngen aus dem Obligationenreoht, 1, 108 s.; II. DERNEURO, System des ràmischen Rechis, 8.~ ed. de PAUL SOXOLOWSKI, II, 591, nota 10; R. VON JHERING. Abhartdlungen au,s dem rtmischen Recht, 85). Só uma opinião foi plenamente negativa: a de L. KUHLENBECK (Von deva Pandekten zum BGR., II, 96 a.); mas sem base. A contraprestação pode ser em qualquer valor, sem se poder reduzir a classe das pretensões cedíveis àquela das pretensões na mesma espécie ou em dinheiro (sem razão, R. SEEFRIED, Der Paragrapl& 281, 51; li. ALLERMANN, Reitráge zur Lchre von der Unmõglichlceit der Leistung, 45). Quando os juristas falam de prete. são à cessão da pretensão à indenização, deve-se entender qu indenização está, ai, por equivalente do objeto da prestação. Se o herdeiro, ignorando a existência de testamento, ou de testamenc posterior, aliena a coisa legada, não se há de entender que as vantagens sejam a favor do monte. Se o herdeiro a vendeu e ainda não recebeu o preço, ou tem contra o comprador alguma outra pretensão, tem-se de admitir a pretensão do monte à cessão da pretensão ou pretensões contra o terceiro. As ações do monte são ações reais, se cabem na espécie, por se tratar de alienação de coisa alheia. (c)O terceiro grupo é complexo; abrange, entre outros: a)o caso da indenização por desapropriação (cf. O. HARTMANN, .Turistischer Casns und seine Prástation hei Obligationen auf Sachleistung, insb. beim K uf, Jahrbiicher /14 die Dogma tik, 22, 417 s.; RUDOLF SEFERIEU, Der Para graph 281, 45) ou requisição estatal (Constituição de 1946, art. 141, § 16) ; 1>) o caso do devedor que

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apenas era possuidor da coisa, mas já tem ação de usucapião; e) o caso das ações de decretação da nulidade de averbações em processos executivos. 4.NATUREZA DA AÇÃO DE PRETENSÃO À CESSÃO DA PRETENSÃO CONTRA TERCEIROS. Discute-se se a pretensão à cessão da pretensão indenizatéria é caso de sub-rogação, o que já afastamos, para o direito brasileiro, ou se é pretensão indenizatória por si (E. MATTHIASS, tehrbueh, 1. 381), ou se é pretensão de execução, pois se supõe a ação de indenização contra o devódor pela impossibilidade da prestação e se exige determinado objeto, que é a pretensão contra o terceiro. Essa pretensão -pode não ser mesmo indenizatória, no sentido estrito. A obrigação extingue-se porque o credor aceita (~ pediu a cessão) a prestação de outra coisa. Os dois conceitos são de grande utilidade científica. u) Ou o credor, cobrando ao devedor, recebe o quanto, no qual se inclui a pretensão ou se incluem as pretensões cedidas, o que pode ser subentendido se o que ao devedor ficaria o injustificadamente, ou b) o credor vai a juízo e pede a condenação ã cessão, ou inclusive à cessão, ou à execução de tal condenação. Ali, o devedor oferta e ele aceita; aqui, há a petitio ao juiz, com tôdas as suas variedades circunstanciais. 5. ESPÉCIES DE PRETENSÕES CONTRA O TERCEIRO. A pretensão à indenização cuja cessão se pode pedir são a pretensão à indenização prôpriamente dita, a pretensão ao seguro, as pretensões oriundas de negócios públicos do devedor com terceiro (RUDOLP SEEFRIED, Der Para graph 281, 54), e a pretensão à desapropriação (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 125; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 244; W. Kísdn, fie Wirkungen der nachtrdglich eintretenden UnntãgUchkeit der Erfiillung, 201 e 208). Se a pretensão do credor era apenas pelo uso e fruição, ou só pelo uso ou só pela fruição da coisa que foi atingida pelo fato pelo qual responde o terceiro, a cessão não vai além daquilo que corresponde, na indenização, ao seu direito (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 245; P. OflTMÂNN, Recht der Schuldverhifíltnisse, 126; W. 1CISCH, Pie Wirkung der nachtrdglich eintr’tertden Unmóglichkeit der ErfiWung, 265; F. SCHULZ, Systein der Rechte auf den Eingriffserwerb, Ãrchiv flir die civilistiache Praxis, 105, 7). Por isso, se o locatário teve de deixar a casa incendiada, pode exercer a pretensão à cessão conta, o culpado, ou contra a companhia de seguros. Idem, se foi desapropriado o prédio. O objeto da pretensão cedida indeniza, em sentido lato, o cessionário, que é sucessor do cedente, a quem já se deu quitação desse elemento do objeto cuja prestação se tomou impossível. Pode ser dinheiro, pode ser coisa restituível, pode ser parte real de bem em vez da parte ideal (L. 13, § 17, D., de actionibus empti venditi, 19, 1), pode ser qualquer pretensão real ou pessoal cessivel. Quanto às pretensões resultantes de negócio jurídico, tem-se a passagem da L. 1, § 47, 1?., depositi vel contra, 16, 3, e a classificação de que falamos, já esboçada na obra de TH. MOMMSEN (Erôrterungeva, 1, 84 s.) e não temos de atender a discussões em tôrno de commodum, no direito romano, e de Ersa-tz, no § 281 do Código Civil alemão (cp. W. KISCH, Pie Wirkungen der nachtrãghich eintretenden Unmóglichkeit der Erfiiflung, 198 e. e 210). Aliás, já estava ~erto RUDOLF SEEFRIED (Der Para grapk Diz-se no art. 79 do Código Civil: “Se a coisa pereceu por fato alheio à vontade do dono, terá êste ação pelos prejuízos contra o culpado”. No art. 80: “A mesma ação de perdas e danos terá o dono contra aquele que, incumbido de conservar a coisa, por negligência a deixe perecer; cabendo a êste, por sua vez, direito regressivo contra o culpado”. A regra jurídica, não-escrita, concernente à pretensão àcessão da pretensão contra terceiro, nada tem com o domínio, pôsto que, em princípio, seja o dono quem sinta o perigo. A jurisprudência alemã que excluiu da pretensão à cessão a pretensão reivindicatória e as outras pretensões reais é insustentável. A pretensão à cessão também existe em se tratando de obrigações genéricas restritas, se não é possível obterem-se coisas do gênero restrito necessárias ao adimplemento da prestação <e. g., requisição segundo o art. 141, § 16, da Constituição de 1946> e há indenização ou pretensão à indenização. § 2.744. Dívida de indenização por impossibilidade 1.PRETENSÃO A CESSÃO A pretensão do credor à cessão não é contida na pretensão à indenização contra o devedor: nasce dela, o que mostra que nela não é contida. Tão-pouco, é pretensão indenizatória à parte. Não se pode acolher o gue dizia F. KLEINEIDAM (Unmôglichkeit und Tinverrnãgen, 120), nem o que pensava W. KISCH (Pie Wirkungen der nacht rei glich eintretenden Unraôgliohkeit der ErfiiUung, 214>. O que se tem de saber é porque, se o credor pede a cessão e adquire, perde a parte correspondente na indenização. Não se trata de dívida Alternativa (e

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bem o frisou RUDOLF SEEnnD, Der Para graph 281, 75), nem de sub-rogação real e pessoal ao mesmo tempo; nem de facultas alternativa, porque o credor é que exige uma ou outra (cf. li’. KLEINEIDAM, Unmõglichkeit und Unvermâgeva, 120; W. KISCH, Pie Wirkungen der nachtrdglich eirttretenden Unmôglichkeit der ErfiiJÂung, 215). Sabemos que a divida se extingue no que corresponde ao valor da pretensão cedida ao tempo da cessão. Se a cessão foi voluntária, houve como dação -em soluto; se foi forçada, a executividade caracteriza-se. Mas, se voluntária, é preciso atender-se a que há, antes da dação em soluto, a pretensão à cessão, o que afasta a assimilação à dação em soluto. Portanto, no fundo, o que há é pretensão ao adimplemento, ou à execução forçada. Quanto à pretensão ao adimplemento, o devedor solve com o que, segundo os princípios e iva casu, pode satisfazer e satisfaz. Quanto à pretensão à execução, a condenação, que a precede, para que se chegue ao título executivo judicial, a penhora e adjudicação ou arrematação recaem no que se “cede” como poderia recair em outro bem. 2.DIVISIBILIDADE E IMPOSSIBIIIDADE. Se a prestação que se tornou impossível era indivisível, a impossibilidade somente pode ser total. Impossibilidade parcial somente pode ocorrer a prestação divisível. Se a prestação é divisível e a impossibilidade foi só parcial, pode o credor receber a parte, que se pode prestar, mais a pretensão à cessão da pretensão contra terceiro, correspondente à outra parte. No direito brasileiro, não é adstrito a receber aq ila: pode exigir a indenização total, ou a parte de indenização ~ do que excede o valor da pretensão cedida, ou somente essa, se a pretensão cedida cobre a indenização. O art. 889 do Codigo Civil é jus ais pasitivum. O devedor não pode alegar que não é obrigado a solver somente parte, invocando o art. 889, porque, se o credor exerce a pretensão à cessão da pretensão contra terceiro, ou ao valor dessa se junta o resto do valor, comparada a soma ao valor da prestação impossibilitada, ou aquele valor coincide com o valor da prestação impossibilitada. § 2.745. Considerações finais 1.PRINCIPIOS. Classificando a pretensão à cessão da pretensão contra terceiro como pretensão executiva, temos de frisar: (a)A pretensão à cessão não se contém na pretensão do credor à indenização pela impossibilidade, tanto assim que pode existir sem ser culpado o devedor e, pois, sem ter de responder, e se, na espécie, não caberia a responsabilidade pelo caso fortuito ou fôrça maior. (14 A pretensão à cessão não supôe que se haja conde nado o devedor, ou o terceiro, mas supôe que o devedor haja reconhecido a condenabilidade própria ou admitido a do terceiro, ou que o juiz haja julgado o devedor, ou, absolvendo-o, haja reputado existente a responsabilidade do terceiro. (c)O credor tem ação declaratória da relação jurídica de que se irradia a pretensão à cessão, bem como dessa relação jurídica e da relação jurídica em que é devedor o terceiro. (d) O exercício da pretensão à cessão é início de execução, porque, ainda que se tenha de propor ação de condenação contra o terceiro, a executividade está na transferência da pretensão contra o terceiro para o patrimônio do credor. Se alguém tem de ceder por existir pretensão a isso (portanto por ser obrigado) e a cessão se opera, executou-se o devedor. (e)Não há pretensão à cessão se o seu exercício implicaria enriquecimento injustificado do credor. Por isso, o credor que contraprestara a tem, ainda que se resolva a obrigação; não na tem o credor que não contraprestara, e se resolve a obrigação, sem se ter de indenizar o credor. (f) Sempre que há resolução e o credor não recebe indenização pela impossibilidade, o devedor tem de prestar a indenização que recebeu do terceiro ou a pretensão à indenização ou outra semelhante, salvo se a contraprestação foi totalmente restituida. (g)Quanto à prescrição, nenhum problema nôvo surge. A pretensão à cessão é pretensão contra o devedor e somente acaba a) se a pretensão contra o terceiro já precluiu, b) ou se precluiu a pretensão à indenização por inadimplemento, se é o caso. Se a pretensão à indenização contra o devedor prescreveu, a sua eficácia está encoberta. zTambém, a da pretensão à cessão? Não. Pode-se ceder a pretensão com eficácia encoberta. Se o caso é de pretensão à cessão, mas o devedor não tem de indenizar, a pretensão à cessão somente preclui quando a pretensão contra o terceiro preclui. Porém, ainda prescrita essa, pode o credor exercer a pretensão à cessão da pretensão (prescrita) contra o terceiro, porque o prazo de prescrição da pretensão à cessão é, também az. próprio: o do art. 177 do Código Civil (ações pessoais, pois a pretensão à cessão, ainda em se tratando de ações reais contra o terceiro, é ação pessoal). Tem-se de afastar o que sugerem juristas alemães sobre a prescrição da pretensão à cessão no mesmo tempo em que a pretensão contra o terceiro prescreve(e.g., L. ENNEcCERUS-H. LEHMANN, 11,1, § 46, II, d). 2.OUTROS SISTEMAS JURÍDICOS. No Código Civil francês, art. 1.303, só se fala da pretensão à cessão da

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pretensão contra terceiro se a impossibilidade foi sem culpa do devedor. No Código Civil alemão, § 281, não se pode insinuar tal limitação, e seria de repelir-se a doutrina que o quisesse introduzir, mas supõe-se que o devedor não esteja, in casu, obrigado a indenizar. No direito brasileiro, a pretensão é como o correspondente anterior dos arts. 930, V, 931, 936 e 938 do Código de Processo Civil fora das ações executivas do art. 298 e da adio judicati. <b) ~ preciso que o commodurn provenha da circunstância que produziu a impossibilidade. (c)Se há impossibilidade da prestação, sem indenização, não há qualquer problema: a relação jurídica extingue-se com a resolução para ambos os figurantes (C«digo Civil, arts. 865,869, 876, 866 e 871, 1.~ parte). (d) Se há impossibilidade da prestação, sem indenização, mas o credor tem a pretensão à cessão da pretensão contra terceiro, o que está à base de tal pretensão à cessão é a relação jurídica que se criou a favor do credor, que sofreria em seu patrimônio, pois que se enriqueceria o do devedor se a pretensão não lhe fôsse cedida. 3.RELAÇÃO JURÍDICA COM MUDANÇA DE CONTEÚDO E RELAÇÃO JURÍDICA NOVA. Surge a questão de se saber se, tendo de prestar indenização o devedor, a) há substituição do objeto, por efeito do ato ilícito absoluto, ou do ato-fato ilícito ou do fato ilícito, ou se b) o crédito se transmuda em crédito de indenização (extingue-se um crédito, outro nasce). (a)Pôsto que a doutrina haja encambulhado, com prejuízo para a investigação científica, as espécies, algo se conseguiu de rigorosamente indutivo, a que se hão de juntar consideracões e conclusões novas. Têm-se de separar, com atenção, as espécies em que há a) resolução do contrato com indenização, inadimplemento ou adimplemento insatisfatório, Código Civil, art. 1.092, parágrafo único (deterioração da coisa certa, havendo culpa do devedor, arts. 867 e 871, 2a parte; deterioração com culpa do devedor, da coisa incerta, que se tornou certa com a escolha pelo devedor, art. 876, remissivo aos arts. 867 e 871, 23 parte) e em que há b) resolução sem indenização (impossibilidade total e definitiva, arts. 865, 869, 876, remissivo aos arts. 865, 866 ou 869; deterioração sem culpa do devedor, arts. 866 e 871, 1a parte). Quanto a a), no sentido de se tratar de adimplemento sucedâneo da mesma obrigação, pôsto que outro o substrato da prestação, L. ENNECCERUS (Das Rechtsgeschàft, 593 s.), P. OERTMANN (Recht der Schuldverhdiltnisse, 124; Fa. LEONHARD, Die Beweislast, 354; O. WARNEYER, Kornmentar, 1, 496; contra, G. PLÂNCE, Kommentar, II, 1, 240). OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS ~Z746. Pluralidade de credores e pluralidade de devedores 1. CONCEITOS PRELIMINARES. Na relação jurídica pessoaI podem achar-se, como sujeitos ativos ou como sujeitos passivos, duas ou mais pessoas. Donde três grupos de pluralidade subjetiva: (a)Se há pluralidade de credores ou de devedores, ou de credores e de devedores, com pluralidade de relações jurídicas, ou a) os créditos são parciais, ou b) as dívidas são parciais, nu c) são parciais os créditos e as dividas. Em a), há pontos de que partem para um só ponto os créditos; em b), há um ponto de que parte o crédito para dois ou mais pontos ;-. em e), há pontos de que partem os créditos para diferentes pontos, traçando linhas que não se tocam. Há tantos créditos quantos são os credores, porque a cada credor corresponde um devedor. O art. 890 do Código Civil apanha as três espécies do grupo (a) “Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores”. O que há de comum é elemento que está em todos os suportes fácticos. Se a prestação é indivisível, o art. 890 não incide. Se a obrigação se refere a prestações divisíveis e a prestações indivisíveis, a divisibilidade da obrigação só concerne àquelas. Se a obrigação é alternativa, com prestação divisível e prestação indivisível, a escolha da prestação divisível divide a obrigação. (b) Cada um dos credores pode exigir o todo; de modo que, prestado a um credor, se extingue a divida. Se há plural!dade de devedores, cada um deles tem de prestar o todo e, uma vez feita a prestação, extingue-seR obrigação, liberando-se todos. Há, então, solidariedade de credores, ou de devedores, ou uma e outra. Se a obrigação é divisível e há pluralidade de credores ou de devedores, sem se ter preestabelecido solidariedade, incide o art. 890 do Código Civil. Se indivisível, cada um dos devedores é obrigado pela divida tôda (art. 891), porém tal conseqUência resulta da indivisibilidade, e não de solidariedade. Se a pluralidade fôr de credores, incide o art. 892, em virtude da indivisíbilidade, e não de solidariedade. O art. 890 é ias dispositivum (o § 420 do Código Civil alemão, ias inter-pretativum). Pode afastar-lhe a incidência a convenção ou a declaração unilateral de vontade (e. g., disposição testamentária) - Se a pluralidade é de devedores,

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tem-se de atender às regras jurídicas sobre solidariedade que pré -excluem a incidência do art. 890- (c) Se há apenas pluralidade de credores conjunta-mente, ou se há apenas pluralidade de devedores conjuntamente, ou se há pluralidade de credores e de devedores conjuntamente, ou a) o credor não pode exigir a prestação, no todo ou em parte; para si só, ou 19 não se pode exigir, no todo ou em parte, a um só devedor, ou c) o credor não pode exigir a prestação, no todo ou em parte, para si só, nem a um só dos devedores, no todo ou em parte. Há então mancomunidade de credores ou de devedores ou de credores e de devedores. Se os créditos pertencem a patrimônio especial, com pluralidade de titulares em mão comum, os créditos são créditos em. mão comum. t o que ocorre com o patrimônio especial comum conjugal e com a herança- As dividas de tais patrimônios especiais em mão comum são dividas em mão comum, salvo se se cogita da satisfação delas fora desse patrimônio especial (e. g., Código Civil, art. 274). Com a divisão, cessa a comunhão e, pois, a mancomunidade (e. g., arts. 268 e 1.796). As três figuras são expressivas e, na sistemática e na solução prática das questões, tem-se de ter todo o cuidado para que se não confundam elementos de uma com elementos das outras, nem se invoquem a respeito de uma princípios próprios das outras. Teremos de tratar, separadamente, das três, frisando, aqui e ali, os traços distintivos e procedendo a discriminações que a ciência teve de fazer. 2.OBRIGAÇOES SOLIDÁRIAS E OBRIGAÇÕES CORREAIS. No direito comum, distinguiam-se das obriga çôcJ solidárias simples as obrigações correais, mas a discussão em tôrno dos dois conceitos nunca terminou, pósto que uma das opiniões se haja tornado a dominante. Houve quem negasse a própria distinção, reputando-a obra de interpolações (e. g., FR. EISELE, Correalitãt und Solidaritãt, Archiv [1k die civilistische Praxis, 77, 374 s.; J. BINDER, Vis Korrealobligationen, 830 s.; contra, E. HRUZA, Kritische Vierteljahrsschrift, 42, 193 s.). a)Obrigação correal é a obrigação unitária, atribuida a dois ou mais devedores, ou a dois ou mais credores, que, em virtude da própria unidade da relação jurídica, se pode extinguir ou modificar devido a circunstâncias que ocorram na pessoa de um dos devedores ou credores, ainda que não haja satisfação do crédito. No direito romano, a lUis tontestatio por um dos credores correais extinguia o direito e a pretensão dos outros e a ação do credor contra um dos devedores liberava os outros. Justiniano ab-rogou a regra jurídica concernente aos devedores correais. b)Obrigações solidárias são duas ou mais obrigações independentes que somente têm de comum a satisfação do mesmo interesse. Quando o interesse está satisfeito, extinguem-se as obrigações solidárias; por exemplo, em se tratando de indenização de danos por dois ou mais devedores, se se solve a dívida. No mais, cada devedor é atingido pelo que lhe concerne e só pelo que lhe concerne. As relações jurídicas entre os credores solidários não provêm de igualdade de conteúdo, porque o conteúdo pode ser diferente para as obrigações singulares. Os credores ou devedores estão unidos, por fôrça de lei ou voluntàriamente, porque têm todos o mesmo fim. O fim é que é comum. Daí caracterizar-se a solidariedade ativa pela finalidade de se satisfazer qualquer dos credores e a solidariedade passiva pela satisfação do credor por qualquer um dos devedores. Se não há o fim comum, solidariedade não há. O dano pode ser o mesmo sem serem solidários os responsáveis (e. g., o incendiário e o segurador; o locatário ou o comodatúrio e o ladrão; o tutor e o advogado). As obrigações são distintas, mas irradiam-se da mesma relação jurídica. Não há alternatividade de credores, nem de devedores; todos são credores, ou devedores. Créditos subjetiva-mente alternativos e dívidas subjetivamente alternativas são outras figuras. Nos escritores brasileiros, a concepção justinianéia da unidade da obrigação perdurou, lamentâvelmente (e. g., EDMUNno LINS, Da unidade e pluralidade de vínculos na obrigação solidária, R. F., 1, 5-12; LACERDA DE ALMEIDA, Obrigações, 27 5.; AI. 1. CARVALHO DE MENDONÇA, Doutrina e Prática das Obrigações, 321; J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado de Direito comercial, VI, 259). 3.CONTEÚDO DOS CRÉDITOS SOLIDÁRIOS E DAS OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS. Os créditos solidários e as obrigações solidárias podem te~ qualquer conteúdo. Entre si, as obrigações solidárias podem ser diferentes (e. g., uma, sob condição, outra a termo outra pura). Umas podem ser dependentes de interpelação; e outra, ou outras, não. § 2.747. Fontes e espécies de solidariedade 1.LEI E NEGÓCIO JURÍDICO. A solidariedade pode resultar de incidência de regra jurídica (e. g., Código Civil, arts. 1.493, 1.518, parágrafo único, 1.521 e 1.546), ou em virtude de negócio jurídico unilateral ou bilateral. A inconveniência do pagamento a um dos credores, liberando-se o devedor, não pesou para que o legislador

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deformasse a estrutura da solidariedade ativa. Solidariedade só há se a lei a preestabelece, ou se os figurantes do negócio jurídico a quiseram. Não se presume solidariedade. Nos testamentos, se o disponente diz que “deixa a A ou 13’, entende-se que deixa a determinação ao herdeiro. No antigo direito romano, a solução era diferente: tratava-se de crédito correal. Justiniano fêz ler-se “e” em vez de “ou” (L. 4, C., de verborum et rerum significatione, 6, 38). 2.SOLIDARIEDADE ATIVA E PASSIVA. Lê-se no art. 896 do Código Civil: “A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”. Na solidariedade ativa, cada credor tem o crédito e a pretensão quanto ao todo da prestação, mas o devedor, que paga a um, libera-se. Na solidariedade passiva, cada devedor tem de prestar a totalidade, mas o credor só há de receber uma vez a prestação. É o que resulta dos arta. 896, parágrafo único, do Código Civil, e dos arts. 898-901 e 904. Diz o art. 896, parágrafo único: “Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigação à dívida tôda”. 3.CLÁUSULA EXPLÍCITA E CLÁUSULA IMPLÍCITA DE SOLIDARIEDADE. O Código Civil, art. 896, diz que a solidariedade não se presume. O texto legal pré-exclui qualquer presunção h~inis a respeito de solidariedade, bem assim a revelação de qualquer presunção iuris tant um, se não há lei expressa. Porém o art. 896 não disse que a solidariedade depende de cláusula explícita. A vontade dos figurantes, ou do figurante (testador, depositante ou estipulante em favor de dois ou mais terceiros), pode manifestar-se sem termos que sejam diretos (e. g., abertura de crédito com movimentabilidade por todos os outorgados, figurantes, o que exprime ser solidária a dívida, cf. 1~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 1.0 de setembro de 1953, 1?. dos T., 217, 275). A cessão da pretensão contra um dos devedores solidários é possível (HANS REICHEL, Die Schuldmitiibernahme, 458; J. BINDER, fie Korrealobligationen, 591; diferente, sem razão: O. VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 261 s.; R. LEoNHARD, fie Abtretung des Anspruches gegen einen von mehreren Gesamtschuldern, Das Recht, 15, 241 5.; RIcHAIW SCHorr, tber Cession von Correalobligationen, 93). Antes da notificação a que se refere o Código Civil, art. 1.069, o pagamento ao cedente libera a todos os devedores. A fiança prestada, conjuntamente, a um só débito, importa em solidariedade passiva, salvo se foi reservado o SEÇÃO 1 SOLIDARIEDADE ATIVA § 2.748. Credores solidários 1. CONCEITO. Credor solidário é o que pode exigir, sôzinho, a totalidade da prestação, de modo que, recebendo a prestação que lhe entrega o devedor, a obrigação se extingue. O devedor pode, portanto, pagar a qualquer deles. O simples fato de figurarem no negócio jurídico dois ou mais outorgados não os faz credores solidários. No art. 896, parágrafo único, 1.~ parte, do Código Civil, disse-se que há solidariedade (ativa) quando na mesma obrigação concorre mais de um credor e no art. 898 acrescentou-se: “Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro”. Adiante, o art. 900 completa o conceito: “O pagamente feito a um dos credores solidários extingue inteiramente a dívida”. No parágrafo único, explícita-se: “O mesmo efeito resulta da novação, da compensação e da remissão”. Se a lei não estabelece a solidariedade dos credores, nem resulta do negócio jurídico, solidariedade não há. Se indivisível a prestação, incide o art. 892 do Código Civil, pelo fato da indivisibilidade da prestação, porém não por ser solidária a obrigação. Os arts. 893-895 podem ser invocados; não, os arts. 898-900 e 902. Solidariedade somente há, ainda que indivisível a prestação, se há lei ou negócio jurídico que a determine. A cessão da pretensão feita por um dos credores solidários deixa incólume a do outro, ou incólumes as dos outros (G. PLANcK, Kommentar, II, 1, 636). 2.CLÁUSULA DE SOLIDARIEDADE. A cláusula de solidariedade ativa pode ser expressa ou tácita. Se o devedor prometeu prestar a A ou a B, entende-se que qualquer deles pode reclamar a prestação inteira, se é indivisível, mas o devedor se libera se paga a todos conjuntamente, ou a um, se êsse dá caução de ratificação dos outros credores (art. 892). Se prometeu prestar a A ou a 13, “solidàriamente”, ou “com o mesmo direito”, “sem necessidade de caução”, ou expressão equivalente, há solidariedade, e o pagamento feito a um dos credores extingue a dívida, inteiramente (art. 900), sem se precisar de caução 328 de ratificarem os outros credores (cp. art. 892, II). Os depósitos bancários, em conta de duas ou mais pessoas,

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implicam solidariedade, se se diz que qualquer delas a pode movimentar. As simples expressões “conta conjunta”, “conta em dois nomes” e outras semelhantes não bastam, porque conta conjunta é a conta em que os credores têm de figurar, nos levantamentos, conjuntamente. É preciso ter-se todo cuidado na verificação do que se passa: porque, no caso de pluralidade de credores de prestação indivisível, sem solidariedade, o que é a regra, só afastável pela lei ou pela cláusula negocia!, o pagamento a um só exige a caução de ratificação, a remissão por um só não extingue a díx-ida, nem a transação, a novação, a compensação ou a confusão somente coín um dos credores (art. 894 e parágrafo único), ao passo que o pagamento feito a um dos credores extingue tôda a dívida, sem ser preciso caução de ratificação pelos outros, e igual conseqUência têm a remissão por um, a novação por um e a compensação somente com um (art. 900 e parágrafo único). Quanto à confusão, adiante, § 2.751, 1. 3. DETERMINAÇÕES INEXAS. Cada crédito solidário pode ser sujeito a condição ou termo diferente, ou ser simples e o outro ser ou serem os outros subordinados a condição ou termo. Por isso, a renda sobre imóvel constituída a favor de A e de E, solidâriamente, subsiste em seu todo, morto A, a favor de 13. O crédito poderia ser constituído, solidáríamente, a favor de A, 13 e C, sob a condição, para C, de sobreviver a A e a E, ou a A. Se A e 13 não receberam o pagamento, nem reclamaram em juízo a prestação, C, com a morte de 13, pode pedi-lo. Daí dizer-se no art. 897 do Código Civil: “A obrigação solidária pode ser pura e simples para um dos co-herdeiros ou co-devedores, e condicional ou a prazo para os outros”. § 2.749. Fatos supervenientes concernentes a um dos créditos solidários 1. PRINcIPIo GERAL. De regra, o que ocorre a um dos créditos, pró ou contra ele, só surte efeitos quanto a ele. A exceção do art. 899 do Código Civil provém de regra jurídica que só se invocava, em direito romano, a propósito das obrigações correais: se um dos credores propõe ação condenatória ou executiva de cognição antecipada contra o devedor não mais pode o devedor pagar a outro. 2.EFICÁCIA DOS CRÉDITOS SOLIDÁRIOS. Da natureza da solidariedade ativa resulta, em primeira linha, que um dos credores pode exigir e demandar a prestação em sua totalidade, ou parte da prestação. Se um a pede, judicialmente, conforme o art. 899 do Código Civil, verbis “demandar”, não pode o devedor pagar a outro. A prestação feita aos que não a pediram judicialmente é a risco do devedor. Os outros credores podem litisconsorciar-se. Nas contas correntes abertas a favor de duas ou mais pessoas, e nos depósitos bancários, com movimentalidade da parte de qualquer dos legitimados, há solidariedade, que se impõe aos herdeiros de qualquer deles. O legitimado ou o inventariante de algum deles pode levantar o saldo, ou parte dele, respondendo aos outros (cf. 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, 21 de novembro de 1950, D. da J. de 22 de agôsto de 1952) pelo que lhes toque (relação jurídica interna, que não atinge a relação jurídica externa entre emprêsa ou banco e os legitimados). 3.MORA E IMPOSSIBILIDADE DA PRESTAÇÃO. Se algum dos credores constitui em mora o devedor, êsse somente quanto ao credor de que se trata fica em mora. E só a favor desse credor correm os juros da mora. Aliter, na espécie do art. 960 do Código Civil. Mas, se só um dos credores incorre em mora, só a favor desse se há de consignar o pagamento ou a favor de todos. Se a prestação se torna impossível por culpa do devedor, todos os credores têm direito a perdas e danos, determinando-se a parte de cada um conforme o seu interesse na prestação (cf. Código Civil, art. 903), porém essa operação nada tem com o devedor, porque a solidariedade subsiste. O art. 902 do Código Civil é expressivo: “Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste a solidariedade, e em proveito de todos os credores correm os juros da mora - O devedor que, no dia marcado para o pagamento (Código Civil, art. 960), não o faz, incorre em mora debertdi em relação a todos os credores, porque aí a atitude do devedor atinge a todos. Não se pode dizer o mesmo se é preciso interpelação, porque então a mora só interessou a um. Se êsse intenta ação de cobrança, nenhum dos outros credores pode mais liberar o (levedor, de jeito que havemos de interpretar que a interpelação contida na citação tem eficácia contra todos os credores. A propósito da mora, o Código Civil alemão, § 429, pôs por princípio que a mora de um dos credores aproveita ao devedor contra todos os credores. A solução no direito brasileiro há de ser a mesma, porque o devedor tem de pagar a qualquer deles e, com a mora do credor, a eficácia é do seu ato de prestar a dívida tôda Se há mora accipiendi, a purga da mora só se pode dar por ato do credor que nela incorrera, porque o que se

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estendera aos outros credores fôra a eficáciá da mora e não a própria mora. 4. PRESCRIÇÃO. Os prazos prescripcionais correm separadamente para cada crédito. Quanto à interrupção da prescrição, estatui o Código Civil, art. 176, § 1.~, 1.~ parte: “A interrupção . . . aberta por um dos credores solidários aproveita aos outros”. Quanto à suspensão, diz o art. 171: “Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se o objeto da obrigação fôr indivisível”. § 2.750. Eficácia da solidariedade 1. CONSEQÚENCIAS DA SOLIDARIEDADE. Na solidariedade ativa há dois ou mais créditos que se irradiam do mesmo fato jurídico e a que corresponde a mesma relação jurídica obrigacional. Cada um dos credores pode dispor do seu crédito; e. g., cedê-lo, remitir a dívida, dá-lo em soluto. Cada um dos credores pode exigir o pagamento, amigàvelmente ou em juízo, pôsto que possam preferir dois, alguns ou todos exercer a pretensão. O devedor demandado por um deles pode querer que o processo corra contra dois, alguns ou todos, e nada obsta a que provoque o litisconsórcio voluntário, ou proponha contra o outro, ou os outros, ação declaratória da inexistência do direito desse, ou desses. 2.OBJEÇÕES, EXCEÇÕES E COMPENSAÇÕES. Cada um dos créditos está exposto a objeções, exceções e compensações concernentes a ele. No direito brasileiro, em virtude do art. 900, parágrafo único, do Código Civil, a compensação com um dos credores extingue tôda a divida. 3. GARANTIAS. Cada crédito solidário pode ter garantias particulares. A segurança pessoal ou real a um não se estende ao outro ou aos outros. § 2.751. Extinção dos créditos solidários 1. PRINCÍPIOS. Os créditos solidários correspondem à mesma relação jurídica obrigacional. Daí o pagamento a um dos credores liberar o devedor quanto à totalidade da dívida. “O pagamento feito a um dos credores solidários extingue inteiramente a dívida” (Código Civil, art. 900). Se um dos credores recebe parte da prestação, perde o outro ou perdem os outros o direito a essa parte. Dação em soluto pagamento é. Quanto à confusão, há o art. 1.051 do Código Civil: “A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue a obrigação até à concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo quanto ao mais a solidariedade”. A cessão do crédito de qualquer dos credores deixa incó1umes os créditos dos demais. Também se extingue a dívida por novação, compensação ou remissão. Se só um dos credores novou, compensou ou remitiu, responde ao outro ou aos outros pela parte ou partes que lhes caibam. O art. 903 do Código Civil somente se referiu, no tocante à responsabilidade, ao pagamento e à remissão da dívida, mas a regra jurídica, atendendo-se ao art. 900, parágrafo único, há de ser interpretada como abrangente dos quatro fatos jurídicos. Diz o art. 903: “O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento, responderá aos outros pela parte que lhes caiba”. A remissão de dívida por um dos credores, conforme os arts. 900, parágrafo único, e 903 do Código Civil foi construída por ED. DONNEvERT (Die unechten Solidarobligationen, 36) e FRITZ KLINGMtYLLER (Unechte Gesamtschuldverhãltnisse, Jherings iahrbiicher, 64, 89> corno negócio jurídico por parte de representante negocial presumido dos outros credores RALUZA (Die Verschiedenheit der echten um! unechten Soudaritdt im RGB., 24 s.) tentou explorá-la como caso de estipulação a favor de terceiro. Nenhuma dessas opiniões se pode admitir, porque sé trata de efeito da solidariedade, que prescinde das noções de representação e de estipulação a. favor de terceiro. 2. LITISPENDEiNCIA. Se um dos credores solidários demanda o devedor, sem procuração dos outros e sem os representar legalmente, a sentença só tem eficácia contra ele. Se favorável a sentença condenatória, ou se o crédito é título executivo, pode, sozinho, iniciar execução. O único efeito, quanto ao outro, ou aos outros credores, é o de não mais poder o devedor, desde a litispendência, pagar aos outros credores, ou a alguns, ou a algum deles (Código Civil, art. 899: “Enquanto algum dos credores solidários não demandar o devedor comum, a qualquer daqueles poderá êste pagar”).

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3.DEMANDA POR UM DOS CREDORES. Até o momento de um dos devedores solidários demandar o devedor comum (não simplesmente interpelar o devedor), pode êsse pagar a qualquer dos credores, à sua escolha. Enquanto existe ação promovida por A, não pode E, nem C, recebendo a prestação, liberar o devedor. tsse, se paga, assume o risco, que é o de ser julgada procedente a ação intentada por A. Aqui, surge a questão da proponibilidade de outra ação por parte de outros credores, ou de outras ações por parte de outros credores. Conforme o direito comum, não pode E, se A propôs a ação de cobrança, ir contra o devedor (E. WINDSCHEID, Lehrbuch, § 296, nota 1). No Código Civil alemão, § 428, 2~a parte, adotou-se solução diferente: o devedor pode pagar a qualquer dos credores ainda que um deles haja proposto ação de cobrança. Após a propositura da ação de cobrança por um dos credores pode o outro ou podem os outros constituir em mor@ o devedor e propor ação. O art. 899 do Código Civil apenas deu à litispendência o efeito de retirar ao devedor a escolha do credor a quem há de pagar. Havendo pluralidade de ações condenatórias, o pagamento há de ser feito ao credor que primeiro propôs ação. Se êsse não consegue sentença favorável, cessando a instância, a prioridade passa ao que propos ação em segundo lugar e assim por diante. Se a primeira ação proposta foi ação executiva, não pode o outro credor penhorar de nôvo outros bens do devedor: a solução acertada é penhorarem-se os mesmos bens, como segunda penhora (cf. Código de Processo Civil, arts. 946 e 947>. § 2.752. Credores solidários entre si 1.RELAÇÕES ENTRE OS CREDORES SOLIDÁRIOS. É de supor-se que haja entre os credores regramento da partilha do crédito. Tal regramento ou provém de lei, ou de pacto inserto no instrumento do negócio jurídico que preestabeleceu a solidariedade, ou de outro negócio jurídico, a que aquele faça ou não faça referência. Essas relações entre credores são externas, e não internas ao negócio jurídico em que se incluiu a cláusula de solidariedade. Duas vêzes o Código Civil aludiu às partes dos credores solidários no crédito: a) ao tratar da solução da dívida a um dos credores, ou da remissão da dívida por um só (art. 903: “O credor que tiver remitido a dívida, ou recebido o pagamento, responderá aos outros pela parte que lhes caiba”) ; b) ao supor a morte de um dos credores (art. 901: “Se falecer um dos credores solidários, deixando herdeiros, cada um dêstes só terá direito a exigir e receber a quota de crédito que corresponder a seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação fôr indivisível”). No art. 901, sabe-se qual a quota dos herdeiros, porém o valor de tal quota depende de se conhecer a parte do decujo úo crédito solidário. No ad. 903, a parte tem de ser conhecida conforme os dados do negócio jurídico. Não há regra jurídica, dispositiva ou interpretativa, semelhante à que se tem no art. 939 do Código Civil, a propósito do condomínio, nem cabe, de modo nenhum, invocá-lo por analogia. O Código Civil alemão, § 430, redigiu a regra jurídica, como jus dispositivum, de modo que, se diferentemente não se dispôs, os credores solidários, nas relações entre si, têm partes iguais. 2.PRETENSÕES ENTRE CREDORES SOLIDÁRIOS. As pretensões entre credores solidários são pretensões oriundas da relação jurídica entre eles. Qualquer deles tem a ação declaratória da sua parte, ou da relação jurídica entre eles, e a ação para haver a parte que lhe cabe na prestação (Código Civil, art. 903). Oque recebeu ou promoveu a ação pode reclamar as despesas com o recebimento, não o que foi despendido judicialmente em ação que só ele propôs. fi 2.753. Créditos e dividas pseudo-solidários 1.CONCORRÊNCIA DE’ PRETENSÕES OU DE OBRIGAÇÕES. Do mesmo fato jurídico (fato ilícito atricto sensu, ato-fato ilícito, ato ilícito, ato licito> pode provir pluralidade de credores ou de devedores sem haver fim comum. São créditos pseudo -solidários ou dividas pseudo-solidárias. As regras jurídicas sobre créditos solidários ou obrigações solidárias não incidem. Não há a eficácia coletiva da satisfação (Código Civil, art. 900 e parágrafo único); nem a da mora accipiendi, conforme a solução que demos para a lacuna do texto legal. Nas relações jurídicas entre os credores, é de invocar-se o art. 903. Se dois ou mais credores podem reclamar do devedor a mesma prestação, mas só a um deles há de ser entregue, não há solidariedade ativa. Os demais credores não podem exigir que se lhes satisfaça a pretensão. Somente aquele pode receber a prestação. Na espécie do art. 1.099 do Código Civil, por exemplo, o estipulante pode exigir que o devedor preste ao terceiro, porém não pode exonerar o devedor. O direito pessoal de A à restituição da coisa pode concorrer com o de B à reivindicação ou à vindicação de direito real limitado.

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2.As DISTINÇÕES PERANTE A DOUTRINA. A distinção entre créditos solidários e créditos pseudo-solidários, ou entre dividas solidárias e dividas pseudo-solidárias, impôs-se à doutrina (e. g.: FR. EISELE, Correalitãt und Solidaritãt, Árchiv fúr die c,vilistische Praxis, 77, 478 a.; G. HARTMANN, Der Civilgesetzentwurf, 73, 397; O. PLANCK, Kommentar, II, § 421, 1;R.REKEEIN, Das RIM-gerliche Gesetzbuch, II, 451 5.; FRITZ KLINGMV’LLER, Unechte Gesamtschuldverhãltnisse, Jherings Jahrbiicher, 64, 83 a.). Repeliam-na A. LAST (Anspruchskonkurrenz uni.! GesamtschuldverMltnis, 39 s.), E. URUZA (Korrealobligation und Verwandtes, Sàchsisches Archiv, V, 6), e H. KRESS (Lehrbuch des aU gemeinen Schvldrechts, 609). HANS REICHEL (Die Schuldmitilbernahme, 50 s.) tentou distinção entre obrigações solidárias da mesma causa e obrigações solidárias de diferentes causas. R.SCHMIDT (Unechte Solidaritãt, Jherings Jahrbúcher, 72, 1 s.) viu créditos pseudo-solidários (ditos solidários impróprios>, por terem causas diferentes, e negou a existência de dívidas pseudo-solidárias (ditas solidárias impróprias). Diferente é o que se passa quando o fato somente concerne à pessoa do credor, como é o caso da mora do devedor, se só um dos credores a provocou. Se o credor que exigiu a prestação a recusa e reclama indenização por inadimplemento, os efeitos são pertinentes a ele, e não ao outro ou aos outros credores, salvo se iniciou ação de cobrança. Opedido de resolução do contrato por inadimplemento (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único) somente pode ser feito por todos os credores. Portanto, se a mora teve eficácia para todos. SEÇÃO II SOLIDARIEDADE PASSIVA ed., 228 s. O art. 891 do Código Civil nada tem com o conceito de solidariedade.) A função da solidariedade passiva é de maior vantagem e de maior probabilidade de bom êxito para o credor, inclusive quanto à facilitação da cobrança e da execução. 2.CONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE PASSIVA. Surge, aqui, o problema de construção: ,da relação jurídica ii :adia-se um só crédito contra todos os devedores solidários, ou há tantos créditos quantos os devedores solidários? Afaste-se, de inicio, que se trate de pluralidade de relações jurídicas. A figura ou é (A) ou (B) § 2.754. Devedores solidários (crédito único) (pluralidade de créditos) 1. CONCEITO. Se há devedores solidários é porque o credor pode exigir de qualquer deles tôda a prestação. Qualquer deles continua devedor até que se solva inteiramente a dívida. Há relação jurídica entre o credor e os devedores solidários. O que se passa entre os devedores solidários é estranho à relação jurídica entre o credor e eles. A solidariedade passiva pré-exclui que se divida a prestação. Daí, se o objeto da prestação era indivisível e houve alteração do conteúdo da obrigação, de modo que se pôs, em vez dele, objeto divisível, a prestação continua com o caráter que era o seu; e tal caráter teria, ainda que, de início, fôsse divisível o objeto. (A propósito convém advertir-se em que o direito contemporâneo precisa os conceitos, de jeito que não há mais pensar-se em que a indivisibilidade imponha solidariedade, como em direito romano, cf. B. WINDSCHEID, Lehrbuch, ~J, 9M Nunca: c (pluralidade de relações jurídicas) O ‘1 (O) (pluralidade de relações jurídicas e uma só obrigação)

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Para J. E. KUY4TZE (fie Obligatiofl und die Singularauccessiott, 1141 e.), há pluralidade de obrigações e unidade do conteúdo. Por sua vez, T. ERACXENHOEfl (Die Identitdt itnd tna~ terielie Konnezitdt, 145 s.) pensou em unidade da obrigação correal ativa e pluralidade na obrigação correal passiva. Outra série de opiniões que se tem de pôr de lado é a dos que pretenderam reduzir as obrigações correais ou solidárias a obrigações alternativaS, o que levaria ou a ter-se por indeterminada ou determinada, alternativamente, a pessoa do credor (e. g., li. PrrTING, Die Nwtur der ~0~~ealobligatiOnefl, 3 s.; C. F. XOCH, Das Reeht der Forderungefl, LI, 2.~ ed., § 62; W. GIRTANNER, BIÃrgSChalt nath geiflCifl6~L Civilrechie, 75 s., 397 s.; Die Stipulatio4, 252 si R. 3T1NTZ1140, Zur Lehre voa den ~~~~ealobligatiOflefl, Kriti.sche Vierteljahnschflft, 1, 509 s.; contra, FR. SANEABER, Zur Lehre t,on der Korreaiobltgattol’L, 125, e C. SALIWWSKI, Zur Lehre von der Novation, 456 s.). A essa concepçção da alternatividade subjetiva pela alternativi dade do conteúdo aderiu, explicitanlente, E. WINDSCEEID (Lehr buch, ~ 9’ ed., 202). Queria J. BAtON (Die GesamtrethUVeTMltflUSe, § 19) que se visse na solidariedade passiva pluralidade de obrigaçoes para os devedores e obrigação única para todos. A opinião de E. SIEBENHAAR (Correalobugatioflefl na-eh rômiachem, gemeilteflt ht. 8ttchstschem Redil, 26 sj, sobre se tratar de obrigação única que ao mesmo tempo é múltipla, 4 inconstrulvel. Nem se havia de admitir a de J. IJNGER (Passive Correalitãt und Solidaritãt im rômischen u. heutigen Rechte, Jahrbiicher flir die Dogmatik, 22, 208 e.), que via na solidariedade multiplicidade de obrigações, postas conceptual-mente numa 50. Para E. HÓLDER (Zwei Ábhandtwflgen, 48 e.; fie Einheit der Correalobligation und die lBedeutuflg juristiseber Fictionen, Árehiv /1k die civilistiache Prazis, 69, 203 e., 231 s.), a obrigação de um seria concebida como de outro. Para O. HARTMANN (fie Obligation, 153 s.), haveria pluralidade de obrigações como regra, podendo ocorrer unidade. Ai, em vez de ver a solidariedade na dívida, mais se descem os olhos à relaçêo jurídica ou às relações jurídicas que possam estar sob ela. Ora, o que se quer saber é qual a estrutura da relação jurídica em que há credor e devedores solidários. Apegados à concepção germânica da distinção Schuld e Na/hino, L. KUHLENEECK (3. v. Staudin gera Komrytentar, II, 508) quis apontar na obrigação indivisível com muitos devedores pluralidade de responsabilidade e unidade de obrigação, e CLAUDIUS v. SÇHvERIN (Schuld und Mal hing, 30), na obrigação solidária conforme o conceito de hoje, viu o mesmo (cf. tarnbém E. STROHÁL, Schuldi2berltfthlfte, 800 e.). Mas, em verdade, na solidariedade passiva, qualquer dos devedores “deve”, não só “responde” (O. vON GfflRKE, Deutaches Privatrecht, II, 259, nota 63). A fórmula (D) é a de pluralidade de relações jurídicas e uma só obrigação. Em má terminologia, a opinião (A) foi a de F. L. v. KELLER (ti ber Litis-Contestatiott und Urteil nach claa8iachem rómischem Reeht, 446 a.) e outros, dominante até meado do século XIX. Já J. Gim. fiAssE (Beitrag zur Revision der bisherigen Theoríe von der eheliehen Giitergemeinsehaft, 47 s.>, no comêço do século passado, tentara mostrar a unidade do direito e a pluralidade de obrigações. Contra ele, O, J. RIBBENTROPP (Zur Lehre von den KorrealobligdtiOttefl, 17). E. L BEKSER <fie rozeasualiSChC ConsumtiOn, § 17) supôs unidade de pretensão com pluralidade de ações (contra,B. WINDSCHEID, Vir Lehre von der Korrealobligation, Kritische tYberséhau, VI, 222>. A noção de representação de todos por um dos devedores é impertinente e a tentativa de A. BRINZ (Zur Lehre von der Correalobligatiolt und der solidarischen SchuldverMltntsse, 1 s; Lehrbuch der Pa.ndelcteit, II, §§ 235 e 253) fracassou desde o inicio (cp. H. FrrnNG, Dia Natt&r der Correalobligationefl, 5 s.; J. F- DWoRZAX, Zur Lehre von der ICorrealobligation, Haimeri Vierteliahrsschrift, VIII, c. 2; V. WALDNER, fie korreale Solidaritdt, 23). Os juristas romanos longe estiveram da formulação de urna teoria. Ora se referiam a obrigação única, ora a pluralidade de obrigações. Mas em verdade o fim é que as unia (.d. E. LEVY,fie Konkurrenz der Áktionen und Personen im klassischen rõmischen Recht, 1, 16 s., 76 s., 184; GERHARD BESELER, Reitrâge, IV, 271 s.). Os elementos históricos são parcos e a autenticidade deles rara. Poucos foram os assuntos em que houve interpolações e alterações tão grandes. O que faz a solidariedade passiva não é a unidade de dívida e, pois, de crédito, mas sim a comunidade do fim. Nem a causa das obrigações, nem a própria fonte precisa ser a mesma: um dos devedores pode dever era virtude de ato ilícito, outro, por fôrça de lei, e outro por infração de contrato. O que importa é que se haja constituído a relação jurídica única, com a irradiação de pretensão a que correspondem obrigações solidárias. Se as obrigações são solidárias, cada um dos devedores deve o todo; e pode o credor, se o quer, exigir de cada um dos devedores tóda a prestação, pôsto que também lhe seja permitido só exigir parte da divida ou receber parte. No concurso, o devedor pode incluir o que deve como divida concursal, mas tal atitude não quebra a vinculação dos outros devedores ao todo. Os demais devedores só se liberam quando de todo o crédito o credor fôr satisfeito. Lê-se no art. 904 do Código Civil: “O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial, ou

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totalmente, a dívida comum”. Demais disso, pode o credor demandar todos os devedores, que passam a ser litisconsortes. Ofim, não o conteúdo, nem a unicidade da obrigação, é que faz a solidariedade (cf. R. STAMMLER, Das Reeht der Schuldverhãltnisse, 247 s.; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 307 s.; G. BUCH, Schuld und Haftung, 30, nota 3). A vinculação é uma só. Uma só a relação jurídica, de que aliás se irradia pretensão única a que correspoúdem obrigações solidárias. Assim, a) a relação jurídica é uma só; b) o crédito é um só; o) a pretensão é uma só; d) as obrigações são múltipIas. A figura é a seguinte: A atividade do crédito e da pretensão é uma; a passividade, múltipla. Andou perto da verdade T. BRACKENEOFT (fie Identitdt und rnaterielle Konnexitdt, 145 s.). O credor tem a sua pretensão contra todos ou cada um como se fôsse somente contra um. Os . coobrigados têm de prestar ao credor como se cada um fôsse o obrigado uníco. Há unidade da direção ativa e pluralidade da passividade. A ligação entre os coobrigados é interna. À velocidade da pretensão do credor é indiferente o caminho que toma; donde a unidade da pretensão, que é energia ativa. Aos coobrigados não é indiferente que um pague por todos, porque, ex h~nothesi, são pessoas diferentes, com patrimônios distintos. 3.FONTES DA SOLIDARIEDADE PASSrVA. As dívidas solidárias podem constituir-se: a> por negócio juridico, e não só por contrato, como é costume dizer-se, pois as dívidas tomadas pelos promitentes unilaterais podem ser solidárias e o caso dos obrigados cambiários é notável; à) por fôrça de lei, como acontece com as obrigações por atos ilícitos se mais de um autor teve a ofensa (Código Civil, ad. 1.518), mas também se há de entender quanto às pessoas que respondem pelo dano ainda sem culpa, ou por culpa presumida, ou como é o caso dos condôminos, após a divisão do prédio sujeito a constituição de renda (Código Civil, art. 754). No Código Civil alemão, § 427, diz-se que, se muitos se obrigaram pelo mesmo contrato, conjuntamente, por prestação divisível, Ãe têm, na divida, por devedores solidários. No direito brasileiro, não há tal regra jurídica. Os arts. 890 e 891 do Código Civil nada têm com a solidariedade. Para que se constitua obrigação solidária, é preciso que se estabeleça a solidariedade, que não se presume <Código Civil, ad. 896). Por exemplo, se o negócio jurídico emprega os térmos “solidâriamente”, “com solidariedade”, “um por todos”, “juntos e de per si”, “cada um pelo todo”. A relação de acessoriedade não determina solidariedade (HANS REICHEL, Die Schuldmitiibernahme, 41 s.; G. PLANCK, Komntentar, II, 1, 622; E’. OERTMANN, Recht der Schzddverhãltnisse, 348). Não há solidariedade entre a obrigação do afiançado e a do fiador. A obrigação do fiador é regulada independentemente das regras jurídicas sobre solidariedade (G. PLANCK, Komment ar, II, 1, 622). É solidária a obrigação de quem assume, em refôrço, a dívida (adesão à dívida, Schuldbeitritt, ou coassunção de divida, Schutdmitubernahme, como preferiu HANS REICHEL) : quem adere à dívida assume-a independentemente, e não acessória-mente, nem como obrigado secundário (B. MA’rTHIASS, Lehrbuch. des bilrgerlichen Rechts, 259; G. PLÃNCK, Xommentar, II, 1, 594). Tal obrigação solidária pode ser sob a condição de não pagar o devedor originário (O. WARNEYER, Kornrnentar, 1, 730>. Porém não há pensar-se em solidariedade, se terceiro, em promessa abstrata de divida, feita ao credor, se obriga por soma igual. Se, porém, duas ou mais pessoas se obrigam à mesma prestação, de modo que seja de supor-se que cada um promete o todo, é de ver-se, ai, estipulação tácita de solidariedade. 4.ESPÉCIES FREQUENTES: a> No direito brasileiro, ainda se duas ou mais pessoas são figurantes, conjuntamente, num contrato com alguém, as obrigações que resultam são simples, e não solidárias. Não há. presunção da solidariedade. A regra jurídica do Código Civil alemão, ~ 427, não teve acolhida. Só a propósito da fiança existe a do art. 1.493 do Código Civil, a propósito de co-fiadores. b) O adquirente de patrimônio, inclusive herança (Código Civil, art. 57), e o alienante respondem solidàriamente, salvo se a respeito de determinado crédito se operou a cessão, com eficácia contra o devedor (arts. 1.065-1.070). c) Se há dois ou mais depositários da mesma coisa, a responsabilidade é solidária pela natureza do depósito (cf. Código Civil, art. 896, parágrafo único). d) No direito brasileiro, os mandatários conjuntamente mencionados não se têm por solidários (cf. Código Civil, arts. 1.304 e 896, 1.~ parte). e) Na sociedade em comandita, os sócios não comanditários são solidários (Código Comercial, arts. 311, 313 e 314). Nas sociedades em nome coletivo, todos os sócios o são (Código Comercial, art. 316). Nas sociedades de capital e indústria, todos os sócios capitalistas <Código Comercial, arts. 320 e 321). r Nas sociedades em conta de participação, os sócios ostensivos (Código Comercial, arg. ao art. 326). As pessoas que, antes da constituição da sociedade por açóes, tomaram parte na sua formação, pessoas ditas

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fundadoras, respondem solidâriamente, no caso de dolo ou culpa, pelos prejuízos resultantes da inobservância das regras jurídicas sobre constituição da sociedade, bem como pelos prejuízos que se originarem de atos e operações (Decreto-lei n. t627, de 26 de setembro de 1940, art. 49). Os primeiros diretores silo responsáveis, solidâríamente, perante a sociedade, pelos prejulzos causados pela demora no cumprimento das formalidades complementares à sua constituição (Decreto-lei n. 2.627, art. 55). Também é solidária a responsabilidade dos primeiros diretores pelos atos e operações por Me praticados antes de cumpridas as formalidades da constituição, salvo se a sociedade a assumiu, por deliberação da assembléia geral dos acionistas (Código Comercial, art. 55, parágrafo único). A responsabilidade dos associados, nas sociedades cooperativas, é, sempre, subsididlria, conforme o que se estabeleceu nos estatutos (Decreto n. 22.239, de 19 de dezembro de 1932, art. 10). Os administradores são responsáveis solidários pelos prejuízos resultantes de seus atos se, dentro das suas atribuições, procedem com dolo ou culpa, ou violam a lei ou os estatutos (Decreto n. 22.239, art. 14, § 1.0>. Os terceiros que possam ir contra administradores, solidàriamente, podem pré-excluir no negócio jurídico, ou por pacto posterior ou prévio, a solidariedade passiva. f) A solidariedade pode resultar de cláusula de negócio jurídico único, ou de pacto que a Me se refira, ou de dois ou mais negócios jurídicos entre cada devedor e o credor. Devedor, que já o era ou se fêz após a constituição da divida por outrem, pode juntar-se a essoutra pessoa como devedor solidário. Dá-se, então, adesão à divida existente, quase sempre em assunção cumulativa de dívida (Schtddmit/dbernahnze). Tal adesão solidarizante pode ocorrer sem assentimento e, até, contra a vontade do antigo devedor, salvo se, com a adesão, há alteração do contrato que existia. A obrigação do assumente não se irradia se a obrigação do devedor não existia (e. o., era nulo ou ineficaz o negócio jurídico), ou se o negócio jurídico foi desconstituído por ser anulável, ou rescindido (cp. HANS REICHEL, Pie Schuldmiti.2bernahme, 344). É preciso que se conheçam o conteúdo e a extensão da divida para que se saiba qual a obrigação que cumulativamente se assumiu. Tal figura jurídica é inconfundível com a fiança. Chegamos a um ponto em que algumas precisões são de mister. Ou (a) a dívida foi assumida pro parte, ou pro rata, portanto sem se poder pensar em solidariedade, nem em assunção cumulativa. Ou (b) foi assumida cumulativamente, sem solidariedade (a dois ou mais sujeitos correspondem dois ou mais objetos, mas acontece que coincidem ser o mesmo, idêntico, o objeto). Ou (e) foi assumida solidàriamente (há pluralidade de sujeitos, com pretensão ao todo, ou obrigação pelo todo, porém não cumulativamente). Em (a) há pluralidade de objetos, no mesmo objeto. Em lO, pluralidade de objetos, que coincidem ser idênticos. Em c), só há um objeto idêntico e único. Os três conceitos ressaltam: pluralidade, pluralidade e identidade, unidade e unicidade. Uma das espécies mais freqUentes de assunção cumulativa de dívida é a que resulta de ter a mulher casada assinado o contrato em que o marido se obrigou. Por exemplo, o contrato de locação em que é locatário o marido, porque, aí, a assinatura da mulher não se pode considerar como de assentinte ao contrato (no direito brasileiro, o marido não precisa do assentimento da mulher para se fazer locatário). Seriam devedores conjuntos, não-solidários, se o contrato dissesse “A e sua mulher”. Tratar-se-ia, então, de assunção cumulativa de dívida. Uma das conseqUências de tal contrato, sem solidariedade passiva, está em que o penhor legal pode recair sobre bens que só à mulher pertencem. A cláusula de solidariedade, essa, há de constar do negócio jurídico, ou de outro negócio jurídico, anterior, cuja cláusula seja referida naquele, ou de pacto posterior. Ainda no caso da mulher casada, de que acima demos exemplo, a cumulatividade fâcilmente pode exsurgir, ao passo que a solidariedade depende da regra jurídica do art. 896 do Código Civil. g) Nós termos do art. 668, alínea 12, 1.2 parte, do Código Comercial, “sendo diversos os seguradores, cada um deve declarar a quantia por que se obriga, e esta declaração será datada e assinada”. “Na falta de 2.2 parte, do ad. 668, “a solidária por todo o valor Aí, a responsabilidade émente. Para que seja pro cláusula expressa. declaração”, acrescenta a alínea 1., assinatura importa responsabilidade segurado”. Trata-se de ler speciaiis. solidária e se constitui, dispositivo parte ou pra rata é que depende de 5. OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS E SUA EFICÁCIA. As obrigações dos devedores solidários são obrigações distintas, de jeito que a existência e a eficácia de cada uma hão de ser separada-mente verificadas. Pode dar-se que o negócio jurídico, no que geraria a obrigação de um deles, ou as obrigações de alguns, não exista, ou seja nulo, ou anulável. Pode ocorrer que exista e valha, porém não a produza ou não as produza. Cada devedor solidário tem as objeções comuns e as suas objeções, as exceções comuns e as exceções pessoais, direitos formativos comuns e próprios, como o de compensação. “O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando, porém”, diz o ad. 911 do Código Civil, “as pessoais a outro co-devedor”. Objeções comuns podem originar-se de ser inexistente, nulo, ou anulável, ou ineficaz o negócio jurídico, ou de já se ter como inexistente o ato ilícito, ou o ato-fato ilícito, ou o fato 8tricto sensu ilícito, de que se poderiam irradiar as obrigações solidárias. Também podem provir de resilição, resolução, revogação, ou rescisão. Outrossim, de causas

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extintivas, que operem para todos os devedores. Se o credor não adimpliu, nem ofereceu a prestação. que lhe incumbia, há a excepção non adimpleti contractus, ou non rUe adimpleti contractus, comum a todos os devedores. Aliter, se as obrigações fôssem parciais. Todavia, como as obrigações dos devedores podem ser correspondentes a diferentes contraprestações, é possível que uns tenham a exceção non adimpleti contractus ou a non rUe adimpleti contractus, e outro ou outros não a tenham. É pessoal a cada devedor a defesa que se funda em existir condição ou termo, concernente à sua obrigação. Bem assim, a de invalidade do negócio jurídico no que se refere ao devedor incapaz, ou a de anulabilidade que só ele possa alegar. Odevedor solidário não pode fazer objeção, ou opor exceção, que seja pessoal a outro devedor, ou a outros devedores (exceptio de jure tertii). Não pode querer que tenha eficácia a seu favor o prazo que o credor concedeu a outro devedor, ou a anulabilidade que só diz respeito a outro devedor. A compensáção supõe ato de disposição. A despeito disso,o art. 1.020 do Código Civil estatuiu: “O devedor solidário só pode compensar com o credor o que êste deve ao seu coobrigado, até ao equivalente da parte dêste na dívida comum”. Dispõe do que não é seu. Influência da doutrina francêsa; aliás contra o texto do Código Civil francês, art. 1.294, alínea 3.’: “Le débiteur solidaire ne peut pareillement opposer la compensation de ce que le créancier doit à son codébiteur”. No Código Civil alemão, § 425, e no direito suíço, a solução é no mesmo sentido do Código Civil francês. O Código Civil argentino, art. 830, foi mais radical do que o Código Civil brasileiro: “El deudor solidario puede invocar la compensación dei crédito del acreedor con eI crédito de él, ó de otro de los codeudores solidarios Se o devedor solidário deixa de fazer objeção comum ou de opor exceção, comum, responde aos outros devedores solidários, salvo se ignorava a objeção comum ou a exceção comum. Se um dos devedores solidários paga a dívida em sua totalidade, pode ocorrer: a) que nenhum a tenha pago e lhe caiba a ação de reembôlso; b) que algum tenha pago parte da divida, o que correspondia à sua parte na divida (segundo a relação jurídica interna); c) que algum tenha pago parte da dívida, maior do que seria o que lhe tocaria pagar, em reembôlso, ao devedor que solveu tôda a dívida; d) que algum ou alguns hajam pago tôda a dívida. Nas espécies e) e d), o devedor solidário, que solveu, pode ignorar o pagamento já feito, e de modo nenhum há de ser responsabilizado por não ter alegado a extinção da dívida (objeção comum). Resta saber se quem paga tem o dever de avisar aos outros devedores solidários, ou se quem paga tem, antes, de indagar se algum dos outros devedores solidários já pagou. A primeira solução supõe que todos os devedores solidários se conheçam, o que nem sempre acontece. A segunda retardaria o adimplemento das obrigações de cumprimento urgente. Dever de aviso existe se, segundo o tráfico, seria de esperar-se que o devedor solvente avisasse. Quanto ao dever de informar-se, não há como extrai-lo do sistema jurídico. O devedor que paga deve avisar, se as circunstâncias, segundo a opinião do tráfico, lho indicam. Daí lhe pode advir responsabilidade. Mas ai está suposta a regra jurídica costumeira. As anulabilidades somente aproveitam aos que são legitimados à alegação e ação de desconstituição e as alegam, propondo a ação. “Só os interessados as podem alegar”, diz o art. 152, alínea 2.’, do Código Civil, “e aproveitam exclusivamente aos que as alegam, salvo o caso de solidariedade, ou indivisibilidade”. O art. 152, alínea 2.’, do Código Civil não pode ser lido como se dissesse: “só os interessados as podem alegar ... salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade”. O que está escrito é que “só os interessados as podem alegar”; e “aproveitam, exclusivamente, aos que alegam, salvo o caso de solidariedade, ou indivisibilidade” (Tomo IV, § 416, 2, 3). A anulação apanha o negócio jurídico e, pois, a relação jurídica; não pode haver solidariedade com o que deixou de ser, como seria inconcebível a solidariedade com o que dimana do nulo, pois o nulo não produz efeitos e a obrigação é efeito. Isso não quer dizer que a relação jurídica desapareça, sempre, em virtude da anulação: a conseqUência da anulação é somente no tocante à solidariedade, e não no tocante ao outro vinculo. Se A e B contraíram, negocialmente, obrigação, e o negócio jurídico era anulável e foi anulado, a respeito de A, B não é mais solidário, mas pode continuar devedor. A sua dívida irradiou-se da parte do negócio jurídico inatingida pela anulação (Código Civil, art. 153, 1.8 parte: “A nulidade parcial de um ato não o prejudica na parte válida, se esta fôr separável”). A eficácia sentencial que excepcionalmente aproveita a outrem somente concerne à solidariedade, e não ao que resultou de parte válida do negócio jurídico. “O credor, propondo ação contra um dos devedores solidarios, não fica inibido de acionar os outros” (Código Civil, art. 910). A sentença, que então se profere, é somente de contra o demandado, ainda que se refira à solidariedade. O litisconsórcio deveria ter sido estabelecido, e não foi. lima vez que se não chamou à relação jurídica processual o devedor, ou a ela não se chamaram os outros credores, unspendência só houve quanto ao demandado, e a decisão, contra outro devedor, pode negar, quanto a êsse, a existência da relação jurídica de divida, ou afirmar a invalidade do negócio jurídico, ou dizer que há a relação jurídica de dívida mas sem solidariedade. Apenas se há de atender a que o recebido pelo demandante, em virtude da primeira sentença, diminui o quanto a ser prestado pelo segundo

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demandado ou pelos segundos demandados. No art. 152, 2.~ alínea, 23 parte, também se alude àeficácia quanto a outros, se ocorre “indivisibilidade”. Os devedores não são, aí, solidários, nem cumulativos; todos devem o todo, mas pro parte indivisa, e a anulação tem a conseqUência de não se poder obrigar o que venceu na ação de anulação a prestar a sua parte, sem a qual não há satisfação. A eficácia da sentença, quanto ao outro devedor, é apenas no que se refere à parte do autor ganhante; e ai estaca. O outro ou os outros não ficam liberados, porque apenas se estabeleceu a impossibilidade subjetiva: se não adquirem do autor ganhante a parte indivisa, com que completem o objeto do adimplemento, têm de prestar perdas e danos. A regra jurídica do art. 152, alínea 23, 2.8 parte, provem do Projeto primitivo, art. 164, porém CLÓvIS BEvILÁQUA iião o explicou. Pareceu-nos mais acertado explicitar-lhe o conteúdo, ao tratarmos das obrigações solidárias. Antes, na matéria das anulabilidades, seria sem prévio conhecimento da solidariedade e da indivisibilidade. 6. SucEssÃo NAS DÍvIDAS. A concepção que fazia inseparável a qualidade de devedor, como a do credor, implicava em que não se pudesse suceder em dívidas, como em créditos. Até à transferência dos créditos o direito romano chegou, já no fim da civilização romana. A assunção de dívida, como eficácia de transmissão, é obra dos nossos dias. Tudo se passou à semelhança da cessão de créditos. Superaram-se os expedientes romanos do procurator in rem suam do devedor e da expromissio, ou da dele gatio debiti. Quem sucede na dívida solidária devedor solidário é. No caso de cessão de património ou de emprésa, tanto se sucede no ativo como no passivo. As dividas solidárias que se incluem no que se transfere continuam dividas solidárias. Há, ainda, a observar-se que o transferente responde solidàriamente com o adquirente do patrimônio. Tudo assim se passa quando há fusão de dois ou mais patrimônios. § 2.755. Eficácia da solidariedade passiva 1.RELAÇÃO JURÍDICA EM QUE HÁ A SOLIDARIEDADE PASSLNA. A relação jurídica é única; o crédito tem por sujeitos passivos duas ou mais pessoas; a pretensão dirige-se contra as duas ou mais pessoas, que tôdas são obrigadas. A pretensão é única; mas correspondem obrigações de todos os sujeitos passivos, com exaustão da pretensão pelo cumprimento que cada um deles ultime. A eficácia precípua coúsiste, portanto, em que a qualquer dos obrigados possa o credor exigir, no todo, ou em parte, o adimplemento. (a)O objeto da prestação é, de regra, o mesmo, para todos os devedores solidários. Mas é possível que o não seja. Há solidariedade entre obrigações com objetos diferentes, se, em virtude de convenção, ou de lei, a execução por um devedor solidário extingue a -obrigação do outro. A própria importância em dinheiro pode ser diferente. Se A paga x, B, que teria de pagar 2x, também está liberado, mas E, para que se liberasse e liberasse a A, teria de pagar 2x. (b) Também é admissível que as obrigações sejam distintas quanto ao termo de exigibilidade, ao lugar da prestação e à condição. Nada obsta a que se dê certa ordem à exigibilidade a respeito de cada devedor solidário (e. g.: primeiro, A; depois, E; só após, O). Uma ou algumas das obrigações podem ser com interesses; e outra, ou outras, não. Os interesses podem ser diferentes. Uma ou algumas podem ser garantidas com penhor, hipoteca, ou fiança, ou outro meio jurídico, sem que a outra ou as outras o sejam. As garantias podem ser diferentes. O penhor ou a hipoteca ou a anticrese em garantia de duas ou mais obrigações solidárias em verdade reúne dois ou mais penhôres da mesma coisa (J. BIERMANN, Pfandrechte und Hypotheken bei Gesamtschulden, Archiv fúr Rilrgerliches Reeht, 40, 838 s.; A. VON TUHR, Der Állgemeine Teu, 1, 90; veja Tomo XX, § 2.458, 8). 1 344 §§ 2.754-2.758. SOLIDARIEDADE PASSIVA (c) O credor pode exigir tôda a prestação, simultânea ou sucessivamente, a todos os devedores solidários. Tal não acontece com o devedor que apenas subsidiáriamente tenha de responder, porque a simultaneidade está, aí, pré-excluida, conceptualmente. A ação pode ir contra todos, um ou alguns. Indo contra dois ou mais, dá-se litisconsórcio. Se a ação foi contra um ou alguns, os outros não ficam liberados: liberação somente há se algum deles ou alguns deles satisfazem o credor. A penhora e a arrematação não têm tal efeito. É preciso que se haja levantado o preço (Código de Processo Civil, arts. 977 e 990). O credor pode só exigir parte, a seu líbito, a um ou a alguns obrigados solidários, salvo se houve cláusula ou pacto posterior em contrário (e. g., prevendo que, nesse caso, a A se teria de exigir 2, a B, 3, e a D, 1). É possível que se dê

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ordem às exigências, sem que desapareça a solidariedade. As Câmaras ReUnidas da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 25 de agôsto de 1921 (li?. J., 24, 362 s.), julgaram que, proposta a ação contra todos os devedores solidários, se renunciou à solidariedade. Mas tal decisão foi absurda. Entendia J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (Tratado de Direito comercial, VI, 272) que não pode o credor propor ação contra um devedor solidário e outra contra outro ou outras contra outros: “O que se lhe não consente é propor mais de uma ação contra os devedores solidários, quando poderia ter acionado todos juntamente. Lícito é, porém, ao credor desistir da ação proposta contra um, para intentá-la contra todos os outros ou contra qualquer dêstes”. Sem razão: a ação <lo credor pode ir contra A, ou qualquer dos outros devedores solidários; pode uma ir contra A, e outra contra B, ou contra C. ou outra contra B e C; pode ir contra A, fl e O, e não contra 1); e 1)Odt’ ir contra todos os <levedores solidários. (e)É preciso não se confundir com a relação acessória em que se acha a fiança ou outra garantia a propósito da dívida principal a de solidariedade. As obrigações solidárias de nenhum modo dependem uma d’as outras, nem são subsidiárias. Ainda quando o fiador se faz obrigado principal (Código Civil, art. 1.492, ~ 1.~ parte: “como principal pagador”), há renúncia à subsidiariedade, sem a haver à acessoriedade, que é inafastável. O art. 1.492, ~J, 2Y parte, cogita de fiador solidário (verbis “ou devedor solidário”), mas a figura apenas é próxima da solidariedade. (f) Se, em demanda contra o credor, um dos devedores obtém julgamento favorável, a eficácia sentencial é só a seu favor, uma vez que, ex hypothesi, os outros não foram partes. 2.IMPoSSIBILIDADE DÁ PRESTAÇÃO. A impossibilidade pode ser oriunda, ou não, de culpa dos devedores solidários. Se nenhum dos devedores solidários teve culpa, as obrigações solidárias extinguem-se como se extinguiria a obrigação simples. “Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado” (Código Civil, art. 908). A regra jurídica do art. 908 é diferente das que aparecem noutras legislações. Provém do Esbóço de TEIXEIRÃ DE FREITAS, art. 1.017, 2.~. Distingue-se, nitidamente, o equivalente e o que deriva do ato ilícito relativo, fora do equivalente. As expressões “perdas e danos” são, ai, eznpregadas em sentido estrito. Cumpre atender-se à diferença entre as regras jurídicas. 3.OBRIGAÇÃO ALTERNATIVA E SOLIDARTÉDADE PASSIvA. Se há dívida alteimativa e a escolha cabe aos devedores solidários, a escolha por um dos devedore& solidários não se impõe aos outros, pôsto que, para o eleitor, seja eficaz (J. KOHLER, Lehrbuch, II, 147; HANS REICHEL, fie Schuídmitiibernahme, 375 s.; duvidoso, EL PESCATORE, Die Wahlschuldverhàltnisse, 208 s.). Têm de ser repelidas a opinião de F. SCHOLLMEYER (Recht der Schuldverhàltnisse, 64) sobre ser eficaz para todos, e a dos que sustentam que só há eficácia se os demais aprovam ( consentem, ou = ratificam), como EL PLANCK, nas edições anteriores à ~ ed. 4.MORA DE UM DOS OBRIGADOS SOLIDÁRIOS. A mora de um dos obrigados solidários por ato, ou omissão opera contra os outros devedores solidários, como qualquer ato ou omissão de adimplemento operaria a favor. Os efeitos da mora do devedor só atingem a ésse. Ainda que todos os devedores hajam incorrido em mora, só há efeitos dos atos do credor concernentes à mora e à indenização para os devedores a que se dirigiram os atos do credor. A purga da mora, por parte do credor, que se oferece a receber a prestação recusada, sujeitando-se aos efeitos da mora até à mesma data (Código Civil, art. 959,~ II), tem eficácia coletiva. Todavia, tal purga da mora só se pode dar entre o credor e o devedor solidário ou devedores solidários que ofereceram a prestação. Entre o credor e devedor solidário ou devedores solidários que não ofereceram a prestação, não se pode pensar em eficácia coletiva (O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 626; P. OERTMANN, Recht der Schuldverháltnisse, 355; H. DERNEURO, Das Riirgerliche Recht, II, 1, 457, nota 15; HANS REICHEL, Die Schuldmit’Ubernahme, 479; W. WESTERKAMP, .Biirgschaft und Schuldbeitritt, 385). Devem ser rechaçadas a opinião de li. ROSENBERG (Der Verzug des Glãubigers, .Jherings Jahrbúcher, 43, 296 s.), que sustentou haver, em qualquer caso, eficácia para todos os devedores, e a de FR. HELLMANN (Zur Literatur des BOR., Kritische VierteUahrsschrift, 41, 247 s.), que negava qualquer purga da mora sem ser com todos. Para que se dê resilição ou resolução por inadimplemento, é preciso que todos’ os devedores hajam incorrido em mora. Nas espécies em que a lei permite ao credor cobrar a dívida antes de vencido o prazo (e. g., Código Civil, arta. 954 e 762; Decreto-lei n. 9.228, de 3 de maio de 1946, art. 4~O, b> ; Decreto- -lei n. 9.346, de 10 de junho de 1946, art. 6.~, b), não se considera vencida a divida para os outros devedores solidários, que não sejam insolventes. A cláusula penal pode referir-se a tôdas as obrigações, a algumas, ou a alguma. Não se pode preestabelecer que os

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devedores solidários tenham de responder por ela, se não é de interpretar-se que assumira tôda a responsabilidade. O argumento tirado ao art. 925 do Código Civil não basta (sem razão, J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado de Direito Comercial, VI, 274). 5.MORA DO CREDOR. A mora do credor (mora accipiendi) produz os seus efeitos a favor de todos os devedores solidários (eficácia coletiva da mora accipiendi). Compreende-se, fâcilmente, a razão disso: aceita a prestação, todos os devedores se liberariam; não aceita, todos foram atingidos pela mora do credor. 6.CONVENÇÕES ULTERIORES DO DEVEDOR SOLIDÁRIO. Em princípio, o devedor solidário pode alterar a sua situação; não lhe é dado agravar a do outro, ou as dos outros. Assim, se aumenta o valor da prestação, ou a prestação mesma, ou se toma obrigação de interesses, ou de interesses a mais, o que convencionou só tem eficácia para ele, e de modo nenhum alcança os outros devedores solidários. Para que a algum deles se estendam as conseqUências, é preciso que consinta. É o que está no art. 907 do Código Civil: “Qualquer cláusula, condição, ou obrigação adicional, estipulada entre um dos devedores solidários e o credor, não poderá agravar a posição dos outros, sem consentimento dêstes”. 7.SUCESSÃO HEREDITÁRIA. Diz o art. 905 do Código Civil: “Se morrer um dos devedores solidários, deixando herdeiros, cada um dêstes não será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação fôr indivisível; mas todos reUnidos serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores O art. 905 tem de ser entendido com a prévia leitura dos arts. 1.796 e 176, §§ 19 e 29. Note-se a particularidade da figura: há a solidariedade, porque a dívida do monte é solidária com outra; mas a transmissão da divida foi pro parte, de modo que o credor pode ir contra outro devedor, ou contra todos os sucessores a causa de morte, ou somente quanto à pars contra o herdeiro, que ~ legitimado passivo parcial. Se a obrigação é de prestação indivisível, então no que toca aos sucessores a causa de morte rege o art. 890 do Código Civil, que é o que o art. 905, 1.8 parte, explicita, verbis “salvo se a obrigação fôr indivisível”. 8. A prescrição cone contra cada um dos devedores solidários e somente a favor de cada um deles se suspende o curso do prazo prescripcional (Código Civil, arta. 168 e 189). O art. 170 só é de invocar-se a propósito de cada um. À interrupção dedicaram-se regras jurídicas especiais (Código Civil, art. 176, § 1.0: “. ..a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros”; e § 2.0: “A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica aos outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis”. Trata-se de reminiscência da unidade da obrigação solidária (cf. Código Civil francês, art. 1.205; Código suíço das Obrigações, art. 136, alínea 1.8). No art. 171, o Código Civil estatuiu: “Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se o objeto da obrigação fôr indivisível” (Tomo VI, §§ 675, 3, 679, 1). § 2.756. Extinção das obrigaç5es solidárias 1. CAUSAS DE ExTINÇÃO. Em princípio, as obrigações solidárias extinguem-se como quaisquer outras obrigações. Assim, a impossibilidade superveniente, que não tenha resultado de culpa do devedor, extinguea obrigação solidária, salvo se, ainda sem ter havido culpa do devedor, a obrigação simples não se extinguiria (e. g., Código Civil, art. 877, relativo à obrigação de coisa incerta, antes da concretização). Causa de extinção, que seja de natureza objetiva, atinge a todos os credores e todos os créditos se extinguem. A satisfação do credor por terceiro interessado (CódigoCivil, art. 985, III) não extingue a divida solidária como não extinguiria a divida simples, porque se dá a sub-rogação pessoal. 2.DIREITO ROMANO E COMUM. No direito romano comum, distinguiam-se as obrigações correais e as solidárias ditas simples. (a) No tocante aquelas, o efeito extintivo teria de ser a favor de todos os devedores para que se pudesse extinguir a obrigação correal (adimplemento, dação em soluto, consignação judicial, compensação operada, a acceptilatio, a remissão, a novação, sendo de notar-se que a litis contestatio, antes de Justiniano, tinha efeito extintivo, e a sentença absolutória que declara a inexistência da dívida). Não extinguiam a obrigação correal passiva: a) a confusão (L. 71, pr., D., de fidejussoribus et mandatoribus, 46, 1); b) o pactum de non petendo in personam, por somente aproveitar ao pactuante outorgado; e) o pactum in rem, por só se referir a coobrigados a que o pactuante ficaria, de outro modo, obrigado a reembôlso (L. 21, § 5, e L. 25, pr., D., de pactis, 2, 14) ; d) a in integrum restitutio, porque se limitava ao favorecido (L. 47, pr., D., de minoribus viginti quinque anflis, 4, 4); e) a

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impossibilidade meramente subjetiva. A prescrição somente concernia ao obrigado a respeito do qual ela se operara. (b) No que se referia às obrigações solidárias simples, só o adimplemento ou outro modo de satisfação do credor liberava a todos (pagamento, dação em soluto, consignação, compensação feita e, segundo o direito comum, a remissão que se dirigisse a todos, com a figura de contrato de remissão a favor de terceiro). 3.DIREITO BRASILEIRO. Da natureza da solidariedade passiva tirou a doutrina dos sistemas jurídicos hodiernos que as obrigações solidárias se extinguem sempre que se dá a satisfação do credor, salvo se há sub-rogação pessoal a favor do que adimpliu, como é o caso dos fiadores (Código Civil, art. 1.495) e do terceiro interessado que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado no todo ou em parte (art. 985, III), ou se resulta de convenção a sub-rogação pessoal (art. 986). (a> A extinção das obrigações solidárias ocorre, coletivamente, pelo adimplemento, inclusive se quem faz o pagamento é terceiro não interessado (Código Civil, art. 980, parágrafo único). O reconhecimento da multa penal, por parte de um dos obrigados solidários, com efeito de evitar pretensão indenizatória maior, não opera a favor dos outros obrigados solidários (O. WARNEYER, Komment ar, 1, 731). Opagamento feito, por um dos devedores solidários, de boa fé, ao credor putativo, que, depois, ficou provado não ser o credor (Código Civil, art. 935), libera a todos os devedores solidários (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 624). Se o solvente não era devedor e quem se tinha como outro devedor solidário era o único credor, de regra não se libera o devedor e tem o solvente ação de enriquecimento injustificado contra o credor (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 352), salvo se solveu também por conta de outro, declaradamente (art. 930, parágrafo único). Se o terceiro não interessado, nas espécies do art. 930, parágrafo único, do Código Civil, solve a dívida por um, alguns ou todos os obrigados solidários, todos se liberam. O fiador ou qualquer pessoa que se obrigou por terceiro não pode compensar essa dívida com o que o credor lhe deve (Código Civil, art. 1.019). A regra jurídica segundo a qual a compensação com um dos obrigados solidários opera quanto a todos não se estende aos fiadores, pois que êsses não são obrigados solidários (salvo se incide o art. 1.492, II, ou o art. 1.493 do Código Civil). (b)A daçãio em soluto extingue, coletivamente, as obrigações solidárias, inclusive se, em virtude de facultas alternativa, se presta objeto que não é o devido (O. WARNEYER, Komment ar, 1,730). (c) Há eficácia coletiva da extinção quando algum, alguns ou todos os obrigados solidários depositam para pagamento em consignação o objeto devido. Tal eficácia começa no momento em que a consignação se torna irrevogável <Código Civil, art. 977). (d) A extinção ocorre pela compensação com o obrigado solidário, credor pelo valor igual ou maior, ou com o obrigado solidário, credor de parte do valor, se outro devedor solidário é credor do resto, ou se os outros devedores solidários o são (Código Civil, art. 1.020). Qualquer dos obrigados solidários pode compensar tôda a dívida. No sistema juridico alemão, o crédito que tem um dos devedores solidários não pode ser dado em compensação pelo outro ou pelos outros obrigados solidários (Código Civil alemão, § 422, alínea 2.~). Não assim no sistema jurídico brasileiro. OCódigo Civil, no art. 1.020, prevê caso em que o devedor 4 solidário pode compensar com o credor o que êsse deve ao coobrigado: “O devedor solidário só pode compensar com o credor o que êste deve ao seu coobrigado, até ao equivalente da parte dêste na dívida comum”. (e) A extinção pela remissão da divida dá-se, com eficácia coletiva, se feita para que se extinga a obrigação a respeito de todos os devedores. Supõe-se ter havido tal intenção? t de mister que o alegue e prove o interessado em que se não declare a extinção. No Código Civil alemão, § 423, há regra jurídica segundo a qual é preciso que hajam querido os contraentes a remissão de tôda a dívida, para que se opere em relação a todos os devedores. Daí ter-se dado o ônus de alegar e provar àquele que tem interesse nisso. No direito brasileiro, a remissão pelo devedor solidário se entende liberatória de todos, salvo se o contrário foi querido. Ainda se quantitativamente total a remissão, pode ser estabelecido que não se estenda aos outros obrigados solidários (HANS REICHEL, Die Schutdmitiibernahme, 500) ; sem razão, G. PLANCK (Kommentar, II, 1, 625). A remissão de divida, feita só a respeito de um dos devedores solidários, é de eficácia restrita ao devedor a favor de quem se remitiu a dívida. Se a remissão da dívida se fêz pela entrega voluntária do único titulo da obrigação (Código Civil, art. 1.053), ou pela dação da quitação, entende-se que foi de tôda a dívida, de modo que se liberam todos os devedores solidários. Há três textos que são sedes materiae. a) No art. 1.055, diz o Código Civil: “A remissão concedida a um dos co-devedores extingue a dívida na parte a ele

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correspondente; de modo que, ainda reservando o credor a solidariedade contra os outros, já lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida”. Há como pagamento parcial. Daí o segundo texto, na ordem que damos aos três. b) Lê-se no art. 906 do Código Civil: “O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia paga, ou relevada”. c)Estatui o art. 912 do Código Civil: “O credor pode renunciar à solidariedade em favor de algum, alguns, ou todos os devedores”. E o parágrafo único: “Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores, aos outros só lhe ficará o direito de acionar, abatendo no débito a parte correspondente aos devedores, cuja obrigação remitiu (art. 914) Pode acontecer que a transação contenha remissão de dívida. Então, pôsto que inserto no negócio jurídico causal da transação, a remissão de dívida, negócio jurídico abstrato, dele se distingue precisamente. A sua eficácia extintiva coletiva depende da extensão subjetiva que tenha a remissão da dívida. Diz o art. 1.031, § 3~O, que, se a transação fôr concluida “entre um dos devedores solidários e seu credor, extingue a divida em relação aos co-devedores”. A regra jurídica é jus dispositivum. A transação só extingue a dívida, solidária se extinguiria a dívida simples. Se a transação apenas atinge parte da dívida, não há extinção, porque apenas se desconstitui parte da 4ívida. (f) A novação não é satisfação do credor. Quem nova a dívida não satisfaz. Tratando-se de obrigado solidário, a novação não pode ter eficácia coletiva se não foram todos obrigados solidários os que nela tomaram parte. A eficácia é pessoal. Todavia, se a dívida nova é criada em lugar do adimplemento da obrigação solidária, há extinção da relação jurídica e, pois, de tôdas as obrigações solidárias. Sobre a novação, em caso de devedor solidário, a doutrina alemã é divergente (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhãltnisse, 354; contra, F. SCROLLMEYER, Recht der SchuldverMltnisse, 422). Diz o Código Civil, art. 1.005: “Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente sêbre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as preferências e garantias do crédito novado”, <g) Quanto à assunção de divida, a liberação ocorre para todos os obrigados solidários, se implica em dação em soluto (P. OERTMANN, Recht der Schuldverhdltnisse, 853; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 624; 1’. SCHOLJLMEYER, Recht der Schuldverhdltnisse, 421; A. LAST, Anspruchkonkurrenz und Gesamtsehuldverhiiltnis, 120, nota 5; FRITZ KLINGMtYLLER, Unechte Gesamtschuldverhãltnisse, Jherings Jahrb’Ucher, 64, 85; cp. HÁNS REICHEL, fie SchuldmitUbernahme, 488). Na dúvida, tem-se que a assunção de dívida foi para liberar a todos (E. STROHAL, Schuld4ibernahme, 138; idem, Jherings Jahrbiicher, 57, 368). (h)A confusão não extingue as obrigações solidárias. A eficácia da confusão é somente a respeito do adquirente do crédito. Se a confusão é com todos os obrigados solidários, extinguem-se as obrigações solidárias quanto a todos, mas pode haver pretensão à nivelação interna (= pretensão ao reembôlso). (i) Pode ocorrer que acontecimentos pessoais tenham importância para o fim da relação jurídica obrigacional, tornando-se, portanto, comuns. É o que acontece se A contrata com B, C e D, solidâriamente, a construção do edifício, em que B, C e D são técnicos e profissionais, e sobrevém dano por culpa de C. Ou com o marido e a mulher que deram em arrendamento a fazenda, ou o prédio (cf. HANS REICHEL, fie SchuldmitUberna.hme, 288). Ou com os dois ou mais advogados que recebem procuração com podêres solidários. § 2.757. Relação jurídica entre os obrigados solidários 1.PRETENSÕES ORIUNDAS DE RELAÇÃO JURÍDICA INTERNA. (a) O art. 913, 2.a parte, do Código Civil dá ensejo a pretensão ã nivela çiio das partes na prestação (Ausgleichungsanspruch). Qualquer dos co-devedores solidários pode, antes de desembolsar, pedir: a) que lhe seja declarada a quota de cada um, ou a sua (ação declaratória) ; b) que se preceite o outro co-devedor, ou se preceitem os outros co-devedores, para que depositem ou juntem à quota do demandante aquela a que éobrigado o demandado ou aquelas a que são obrigados os demandados (ação de preceito cominatório, Código de Processo Civil, art. 802, XII). A relação entre os devedores solidários já determina que eles colaborem no adimplemento. A pretensão do reembôlso sobrevém ao pagamento e supóe o dever de nivela ção ou de ajustamento, a que corresponde o direito de nivela gão ou de ajustamento. A pretensão à nivela ção ou ao ajustamento precede à pretensão ao reembôlso. Aquela é a Ausgleichungsanspruch, a que tanto deram atenção os juristas alemães, e ess’a, a Riiclcgriffsanspruch. A infração do dever de nivelação faz nascer a pretensão à indenização.

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(b)Desde que o co-devedor solidário desinteressa o credor e, assim, se libera a si e aos outros co-devedores solidários, toca-lhe a ação de reembólso (Rúckgriffsanspr-uch). A solução brasileira foi essa, e não a da transferência do crédito (sub-rogação pessoal). Isso não quer dizer que o credor não possa ceder a um dos devedores o crédito, ou que outrem não possa assumir a dívida de um dos coobrigados. A ação de reembôlso prescreve no prazo ordinário das ações pessoais, e não no prazo da ação do credor contra os coobrigados. O Código Civil alemão, § 426, alínea 2.’, adotou a solução da sub-rogação, para que o devedor solidário, que solveu, não tenha de invocar a relação jurídica entre ele e os demais, e vá. contra êsses como o credor iria, inclusive com as pretensões acessórias ao crédito e as ações especiais. Também o Código suíço das Obrigações, art. 149, alínea 1.’, adotou a solução da sub-rogação pessoal. Os inconvenientes ressaltam. Não há pensar-se em tal sub-rogação, no direito brasileiro. A concepção da pretensão ao reembôlso (Código Civil brasileiro, art. 913) e a sub-rogação pessoal (Código Civil alemão, § 426, alínea 2.’) atendem a que se tem de levar em conta o negócio jurídico subjacente ~u a natureza do crédito que foi satisfeito, respectivamente. Pelo fato de se, ter visto, por fora, a relação jurídica em que há obrigações solidárias e ter-se de preparar algum dado para a tutela jurídica, a técnica legislativa empregou dois expedientes: a pretensão ao reembôlso a) com sub-rogação pessoal; b) ou a só presunção da igualdade das partes que teriam de solver os coobrigados. Se as quotas são diferentes, é matéria para objeção. Os obrigados solidários têm o ônus de alegar e provar que não eram iguais as partes dos coobrigados. Alguns deles, ou alguns, ou todos os outros podem alegar e provar que a obrigação se extinguiu, por ter solvido exatamente quem, pela relação jurídica subjacente, tinha de solver. Por isso mesmo, prevê o Código Civil, art. 915: “Se a dívida solidária interesar exclusivamente a um dos devedores, responderá êste por tôda ela para com aquele que pagar”. Todos os obrigados solidários têm dever de concorrer para a prestação em igualdade, se não foi estabelecido, entre eles, diferentemente. Por isso mesmo, se um deles falta a êsse dever, incorre em mora perante os outros. Para que a presunção luris tantum que se cria no art. 913, 2Y parte, do Código Civil, não exista, é preciso que tenha sido pré-excluída. De regra, o meio para se afastar a incidência do art. 9~3, 2Y parte, é o negócio juridico, que pode ser à parte do negócio jurídico de que proveio o crédito, ou inserto nesse, ou em convenção adjecta ou não. A manifestação de vontade pode ser expressa ou tácita. Tem-se exemplo de convenção tácita na que se faz inclusa no negócio jurídico entre credor e obrigados solidários por influência das relações jurídicas existentes entre os devedores (obrigado solidário e mandatário, ou representante legal, ou gestor de negócios sem mandato, que assumiu a responsabilidade solidária). Não há pretensão ao reembôlso se a responsabilidade de algum dos devedores foi assumida aninius donandi, porque, aí, se doou a responsabilidade solidária. Tratando-se de sociedade, as obrigações solidárias assumidas pelos socios entendem-se conforme as quotas ou ações na sociedade. Se houve assunção de patrimônio, interpretativamente se há de resolver que a pessoa que assumiu o patrimônio tem de reembolsar o alienante quanto às -dívidas que êsse pagou pelo patrimônio, pois quem assumiu recebe ativo e passivo. A novidade da ação de reembôlso, ainda que não haja relação jurídica interna dos devedores solidários, foi no sentido, não de transparência da relação jurídica sobrejacente ou tida como tal, mas sim de eficácia da própria solidariedade passiva. A presunção, que há no art. 913, 2~a parte, tem tal função. Os devedores podem pré-eliminar ou eliminar a repartição igualitária. 2.SoLuçÃo DA DIVIDA POR UM OU ALGUNS DOS DEVEDORES. O credor pode exigir parcialmente, a qualquer dos devedores, a dívida comum, ou exigi-la tôda. “No primeiro caso”, diz o art. 904, parágrafo único, do Código Civil, “todos os demais devedores continuam obrigados solidâriamente pelo resto”. Se novos pagamentos parciais ocorrem, até ao adimplemento integral todos continuam obrigados, solidâriamente. O adimplemento integral por um dos devedores extingue o crédito. A exigibilidade pro rata de quem adimpliu a mais do que a sua quota não importa em que o crédito não se extinga: o que ocorre não é sub-rogação pessoal, conforme o art. 891, parágrafo único, do Código Civil, pois, no art. 918, a indivisibilidade seria conseqUência da solidariedade passiva e “ão há de ser tratada a espécie como se trataria a indivisibilidade comum. No art. 913 do Código Civil, não se alude à sub- -rogação pessoal: “O devedor que satisfaz a divida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver. Presumem-se iguais, no débito, as partes de

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todos os co-devedores”. A concepção da sub-rogação pessoal seria forçada. Tem-se de interpretar o art. 918 sem se lançar mão da figura da sub-rogação pessoal <Código Civil, art. 985); é o caminho mais acertado, porque a sub-rogação pessoal, ainda onde se admitiu, pareceu artificial (Código Civil alemão, § 426;G.PLANCE, Kommentar, II, 1, 632). A principio, em direito romano, o devedor que pagava ao credor comum não tinha ação para exigir dos co-devedores o reembôlso. Raciocinava-se como que só por fora da relação jurídica: cada um

devia o todo. Para que qualquer deles tivesse ação contra os outros era de mister que de outra relação jurídica essa, entre eles resultasse pretensão, de que a ação se irradiasse. Lendo a L. 62, pr. (ULPUNa), D., ad legam Fajcidiana, 85, 2, informa-se que JULLêNO disse que, havendo dois co-réus de prometer ou dois co-réus de estipular (si duo rei promittendi fuerint, vel duo rei stipulandi), se há de dividir entre eles a obrigação, como se cada um houvesse estipulado ou prometido parte do dinheiro. Porém, se entre Oles não tiver havido sociedade, fica pendente de qual dos dois se há de computar nos bens o que se deva, ou de qual dos dois se há de deduzir dos bens. A alusão à pendência mostra a vacilação ou a lacuna do sistema jurídico, Foi Diocleciano que deu o passo decisivo (L. 1, C., de duobus reis stipulartdi et duobus reis promittendi, 8, 89) se dois ou mais concluírem convenção> solidâriamente, com tradição de alguma coisa, a ação em sólido compete a qualquer deles, se fôr o caso, enquanto a coisa permanecer no mesmo estado. Na Nov. 99, o credor não podia exigir de cada um dos devedores correais o todo da prestação, mas só a quota, pôsto que pela parte correspondente aos ausentes e insolventes tivessem de responder os outros. Se o credor demandasse a um pelo todo, os outros devedores eram chamados para que o juiz examinasse a espécie e condenasse os solventes por partes iguais. Se algum dos obrigados solidários é insolvente, a quota, que lhe cabia, divide-se igualmente pelos outros. Como pode ter acontecido que o credor tenha exonerado da responsabilidade algum dos obrigados solidários (art. 912), prevê a lei a espécie. No art. 914, diz o Código Civil: “No caso de rateio, entre os devedores, solidários pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente (art. 913), contribuirão também os exonerados da solidariedade pelo credor (art. 912)”. A repartição da quota do insolvente é em panes iguais; a contribuição do exonerado também não é conforme a sua quota, mas sim conforme o princípio de igualdade. Aqui, a técnica legislativa apontou duas soluções: uma, a da igualdade na divisão da quota do insolvente, e tal o que se adotou no Código Civil brasileiro, art. 913; 1.~ parte, in fine, no Código suíço das Obrigações, art. 148, alínea 3.5; outra, a da divisão conforme as quotas dos outros devedores solidários (Código Civil francês, art. 1.214, alínea 2.~: “Si l’un d’eux se trouve insolvable, la pede qu’occasionne son insolvabilité se répartit par contribution entre tous les autres codébiteurs solvables et celui qui a fait le paiement”; segundo interpretação jurisprudencial, o § 426, alínea 1.8, 28 parte, do Código Civil alemão, cf. O. WARNEYER Kommentar, 1, 784). A açãó de reembôlso vai contra todos os devedores que se acham em relação de solidariedade com o solvente, inclusive contra os que o credor liberou por meio de remissão de eficácia puramente subjetiva. O devedor não pode, em convenção com o credor, escapar aos seus deveres em relação aos co-devedores. Se não existe qualquer pretensão ao reembôlso entre os devedores solidários, a remissão é assaz proveitosa a quem a logrou. §§ 2.754-2.758. SOLIDARIEDADE PASSIVA Para base dos cálculos de reembôlso toma-se em consideração, não o valor nominal do crédito, mas sim o que foi pago ao credor, conforme era devido, ou abaixo do valor nominal. Se foi prestada alguma coisa, em datio in solutum, tem de ser avaliado o que se deu, levando-se em conta o valor de estima para o credor, se é o caso. Se o devedor solidário, que solveu, teve de demandar o credor, ou defender-se na demanda que o credor propôs, com utilidade para os outros devedores solidários, as despesas e custas têm de ser acrescentadas ao que pagou. Se o devedor solidário somente solveu parte da dívida, a ação de reembôlso tem de restringir-se ao que excede ã parte que lhe cabia prestar. Se o devedor solidário, que solveu, deixou, com culpa, de fazer objeção, ou opor exceção, aquela ou essa comum a todos os devedores solidários, podem os outros, na ação de reembôlso que seja proposta contra eles, alegá-lo, para que não haja condenação, se nisso importaria o acolhimento da alegação que não fôra feita, ou para que se abata no quanto pago o que foi pago a mais, por se não ter objetado ou excepcionado. Se, ao pagar, deixou, por exemplo, de opor a exceção non adimpleti contractus, o reembôlso somente se pode dar depois de adimplir o credor a sua obrigação, ou de ter sido executado. Cogita-se de exceção non adimpleti contractus comum a todos os credores. Na

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ação de reembôlso, nada têm os demandados com as objeções ou exceções puramente subjetivas que poderia apresentar o devedor solidário solvente. Se o devedor solidário que pagou primeiro infringiu dever de aviso ao outro devedor solidário, que, ignorando o primeiro pagamento, prestou ao credor, pôsto que já estivesse solvida a dívida, e o juiz condena o primeiro que prestou a reembolsar da sua parte o segundo, o demandado pode exercer contra o credor a ação de enriquecimento injustificado. A responsabilidade de cada um dos devedores solidários perante o devedor solidário que solveu a dívida é somente da parte que lhe toca, sem qualquer solidariedade, salvo se entre si a convenciaram. Apenas, o que não pode ser reembolsado, por insolvência de um deles, rateia-se por todos, incluídos os exonerados da obrigação pelo credor (Código Civil, art. 914). Se o devedor solidário que paga e tem pretensão ao reembôlso não propõe ação contra todos, e algum deles, que não era insolvente, cai em insolvência, ja quota desse tem de ser dividida por todos ou se há de considerar perdida pelo solvente que retardou a exigência? A resposta há de ser no sentido de só se ter como a cargo de todos a parte de quem já era insolvente no momento da prestação. 3.ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO. Se nenhuma convenção se fêz, ou se foi feita e é ineficaz, e um dos obrigado’s solidários solveu com a nivelação patrimonial, como se A assuiniu a obrigação solidária crendo que era obrigado a isso, cabe-lhe ação de enriquecimento injustificado. Também há a ação de enriquecimento injustificado se A, erradamente, cria, que valia ou era eficaz o negócio jurídico de que resultaria ser C o credor. Se A solve a dívida, como se fôsse solidário com B, crendo iue era obrigado a isso, toca-lhe pretensão indenizatória contra B. Antes de pagar, não tem a ação de enriquecimento injustificado, porque ainda não houve enriquecimento de 13. Se 13 paga, em vez de o fazer A, e A não estava obrigado, solidáriamente, a fazê-lo, nenhuma ação tem B de reembôlso. Se demanda, A pode objetar que se crera devedor solidário sem no ser. R 2.758. “Solidariedade imperfeita” 1. CONCEITO. Entre diferentes créditos do mesmo credor contra diferentes devedores, pode dar-se que um se libere se o outro solve a divida. A causa seria a mesma, na solidariedade: ‘~a solidariedade imperfeita, há duas ou mais, conforme o número de devedores. ~ Pode-se dizer que a solidariedade dita imperfeita não é solidariedade? Não. O que se não confunde com a solidariedade é a concorrência de pretensôes sem solidariedade. Se o dano foi causado por B, e C, segurador, tem de responder, são diferentes as causas, e solidariedade não há; mas, seo fim é comum, solidariedade pode haver, O incendiário e o segurador respondem pelo mesmo dano, ~por6m não são devedores solidários, O ladrão e o comodatárlo ou locatário,

1 cuja negligência possibilitou o roubo, respondem pelo mesmo dano, sem que sejam devedores solidários. A diversidade de CAUSa não pré-exclui a solidariedade das obrigações. A distinção entre obrigações solidárias próprias e obrigações solidárias impróprias vem de juristas franceses (H. HÃRTMÃNN, Der Civilgesetzentwurf, Árchiv (1W die eivilistische Prazis, 73, 397> e de FR. EISELE (Correalitãt und Solidaritãt,Archiv flir die civilistiache Praxis, 77, 478 a.). Seguiram-no G.PLÂNCI< (Kcnnmentar, II, 1, 622), H. REHBEIN (Das Elirgerliche Gesetzbuch, II, 451 s.), FRITz KLINGMÚLLER (Unechte Gesamtschuldverhãltnisse, Jherings Jahrbiicher,64, 33 s.) e outros. Contra, A. LAST (Anspruchskonkurrenz und esamtsch,ddverhãltnis, 39 a.>, E. HRUZA (Xarrealobligation und Verwandtes, Sdchzisehes Archir, V, 6>, L. ENNECCERUS(Lehrbuch, II, 308), HuGo Kans (Lehrbuch des ailgemeinen SckuWrechts, 609) e muitos outros. Na doutrina brasileira, LÂCERDA DE ALMEIDA (Obrigações. 26-37) falou de solidariedade perfeita e solidariedade simples (= imperfeita); idem, M. 1 CARVALHO DE MENDONÇA (Doutrina e Prática das Obrigações, 1, 321 s.). 2.IMPRESTABILIDADE DÂ DISTINÇÃO. O conceito de solidariedade imprópria peca por dois defeitos graves: a) pde entre obrigações que estariam em solidariedade imprópria obrigações que sÃo, verdadeira e prôpriamente,

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solidárias, as que têm causas diferentes e estio unidas pelo mesmo fim; b) toma o que apenas se assemelha à solidariedade para se referir a solidariedade imprópria. Para bem frisarmos a diferença entre as espécies de solidariedade imprópria e as de solidariedade verdadeira ou própria (pôsto de lado, entenda-se, o que se meteu no conceito de solidariedade imprópria e é, prôpriamente, solidariedade), atenda-se a que quanto aos créditos concorrentes, a) não incide a regra jurídica da interrupção da prescrição (Código Civil, art. 176. §§ 1.0, 2.a parte, e 2.0), nem a de suspensão <art. 171); b), nem há a regra juridica sobre reembôlso, ainda se não há relação jurídica interna, salvo, se é o caso, a ação de enriquecimento injustificado. Em assunto rico de sutilezas, como é o da solidariedade das obrigações, todo propósito ou descuido que importe em apagar as linhas de friteiras e os traços diferenciais é de evitar-se e repelir-se. Muitos erros na doutrina e na jurisprudência, no tocante à solidariedade ativa e à solidariedade passiva, emanaram da mistura das ohrigaç5es solidárias com aquelas obrigações que os juristas chamavam obrfgaç5es solidárias impróprias. Quando se definem, com preeisâo e rigor, as obrigações solidárias, não há anfratuosidade, ou zona de coloração menos intensa, em que se possam apontar obrigações solidárias impróprias. Em verdade, o que importava aos investigadores e aos práticos era acentuar a inexistência de qualquer subclasse de obrigações solidárias e proclamar que não há gradações em se tratando de obrigações solidárias. Ou as obrigações são solidárias, ou não no são. A concorrência de pretensões au de ações, como se A responde pelo ato ilícito e B pelo fato de tal ato ilícito de A ser infração do contrato de A com C, somente implica solidariedade se a lei o estatui (e. g., Código Civil, art. 1.518, parágrafo único). Se não há ler specialis, o problema é de concorrência das pretensôes ou ações, sem que se possa enriquecer o titular com o ressarcimento duplo ou múltiplo do mesmo dano. Um dos ofensores n~o se libera pelo pagamento feito pelo outro: o quanto devido é como que elástico, de modo que A deve d se E não solveu d x; se B solveu d x, A deve x. O art. 176, § 1$ do Código Civil não pode ser invocado. Se A pagou d, tem ele ação de enriquecimento injustificado contra B; se A e B pagaram ri, portanto 2d, a ação de qualquer deles é contra C. OBRIGAÇÕES EM MÃO COMUM § 2.759. Mancomunhao e obrigações 1. CoNCEITO. Já tratamos de mancomunhão na propriedade (Tomo XVI, § 1.857, 1) e na posse (Tomo X, § 1.074). Aqui só nos interessa a mancomunhao nas obrigações, ativa e passivaniente. No crédito em mio comum, não se pode dizer que o credor tem direito a quota da prestação, mas sim todos & têm, con juntamente; a divida em mio comum é contra todos os devedores, conjuntamente, e não contra o devedor singular. A doutrina alemã, na construção jurídica da mancomunhão, não vê o que subjaz à estrutura dos créditos e das dívidas em mão comum. Não dizemos que o devia ver; apenas não devia raciocinar como se o ignorasse. Na mancomunhão não se levam em conta as quotas, não há quotas; mas, para aquém e para além da mancomunhão, elas aparecem e não deixam de sar~ embora sem serem vistas, durante a mancomunhão. Contra a construção da mancomunhão sem se verem as quotas, argúl R. SOHM (Der Gegenstand, 62 e 70) ser contradição em si: direito de que são titulares duas ou mais pessoas, sem haver partes, porém existancia de partes a pluralidade de titulares. Mas sem razão. Não se diz que os mancomuneiros não tenham relação entre si e, na comunhão matrimonial de bens, a meação ressalta; o que se afirma é que, na estrutura da mancomunhão, não se vêem as quotas. Ou o fato de se instalar a mancomunhão as encobriu e por isso não se vêem, ou ao surgirem os direitos dos mancomuneiros foram encobertas simultáneamente, por já existir a mancomunhão. Ao cessar a mancomunhão, as quotas aparecem, ou já surgem os quinhões. separados. “Qualquer dos co-herdeiros pode reclamar a universalidade da herança ao terceiro, que indevidamente a possua, não podendo êste opor-lhe, em exceção, o caráter parcial do seu direito aos bens da sucessão”, diz o Código Civil, art. 1.580, parágrafo-único. Não pode apontar a quota. Para bem se compreender o art. 1.580, parágrafo único, tem-se de atentar em que, no tocante à mancomunhão, a posse e o domínio são de todos, sem se levar em conta a fração que corresponderá e de direito hereditário corresponde a cada herdeiro. “Sendo chamadas, simultâneamente, a uma herança, duas ou mais pessoas, será indivisível o seu direito, quanto à posse e ao domínio, até se ultimar a partilha” (art. 1.580). Não se leva em conta o tamanho das quotas hereditárias, os direitos sobre a herança, em sua quantitatividade em relação ao objeto, porque a relação entre os co-herdeiros é de mancomunhão, e não de condomínio. Os co-herdeiros são mancomuneiros, e não condóminos. Se existia mancomunhão conjugal, subsiste para a posição do cônjuge sobrevivente como cabeça de casal <art. 1.579). Se não havia mancomunhão conjugal, ou não é o caso para a função de cabeça de casal, tem-se de

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nomear inventariante e, à diferença do que ocorre com o condomínio, a expressão fracionária dos direitos não pesa: nomeado inventariante há de ser o herdeiro, por mínima que seja a sua quota, que se ache na posse e na administração dos bens; entre os demais, a idoneidade é que conta. O herdeiro, antes da nomeação de inventariante, pode solver a dívida, em proveito de todos, e não é terceiro; pode tomar tôdas as providências acauteladoras dos interésses da herança, inclusive medidas preventivas e protestos cambiários ou interruptivos de prescrição. Para a eficácia dos atoa do herdeiro basta que o ato seja no interesse dele e dos outros. Depois da nomeação do inventariante, pode praticar os atos de que acima se falou sempre que o inventariante não o faça, ou é de se supor que o não faria a tempo. 2.SISTEMAS JURÍDICOS E MANCOMUNHAO . É interessante observar-se que em povos latinos que têm a mancomunhão, especialmente a matrimonial, os juristas costumam dizer que a não a têm, e deixam sem estudo numerosas relações jurídicas em que ela aparece, assim no direito das coisas como no direito -das obrigações e das sucessões. Os inconvenientes de tal superficialidade de investigação e de ensino são graves. § 2.760. Créditos em mão comum 1.CONCEITO E TITULARIDADE. Os créditos em mão comum pertencem aos mancomuneiros, cou juntamente. Durante o tempo da mancomunhão, ou tenham provindo de pluralidade de credores ou de um só credor, ou já se hajam criado durante a mancomunhão, não se vêem nem se levam em conta as quotas dos mancomuneiros. Como mancomuneiros, os titulares não têm quotas. 2. EXEMPLIFICAÇÃO. São créditos em mão comum os -que pertencem a património especial, se titulares em mão comum duas ou mais pessoas (e. o., o patrimônio da sociedade sem personalidade, a herança antes de transitar em julgado a sentença de partilha, os bens comuns no regime da comunhão universal ou no regime da comunhão limitada, os bana da comunidade continuada, como a do patrimônio do cônjuge sobrevivente e a herança, ou o dos desquitados ou divorciados enquanto não se faz a partilha ou a divisão, trAnsita em julgado a sentença). 3.MANCOMUNHÃO COM PLURALIDADE DE RELAÇÃO JURÍDICA. Sempre que duas ou mais pessoas têm pretensão a prestação indivisível e a lei ou negócio jurídico não estabelece a solidariedade, como é, no direito brasileiro, a regra, em se tratando de pluralidade de credores de prestação indivisível (Código Civil, art. 892), há mancomunhão. Mais uma vez observemos que o sistema jurídico brasileiro não contém a norma jurídica do § 431 do Código Civil alemão, o que faz serem mais freqflentes, no direito brasileiro, os casos de mancomunhão. O direito de crédito não está “dividido”: há co-credores em mancomunhão. Daí as regras jurídicas dos arta. 892-894 do Código Civil. Para o Código Civil alemão, § 431, se a prestação é indivisível e há muitos devedores, respon~ dem eles solidâriamente. O direito brasileiro distinguiu as conseqUências da indivisibilidade (Código Civil, art. 891) e as da solidariedade <art. 896, parágrafo único). A finura do legislador levou a sua técnica à redação do art. 905, em que teve de enfrentar os dois problemas. Passa-se o mesmo quanto à obrigação de dar, de fazer ou de não fazer, quando a substitui indenização em dinheiro (OTIO VON GIERKE, Dentschcs Privatrecht, III, 277, nota 49), porque ate à divisão ninguém é dono de parte que se possa separar. O devedor somente pode prestar a todos, conjuntamúnte, e somente a prestar a todos está obrigado. O que se permite no art. 892, II, do Código Civil não pré-exclui que se trate de mancomunhão de credores. A prestação há de ser oferecida a todos para que se dê mora creditoris. A mora de um credor não se estende a todos (P. OERTMANN, Reeht der Schuldverhtiltnisse, 368; H. DERNEURO, Das BUrgerliche Recht, II, 1, 469; LEO ROSENBERG, Der Verzug des Glãubigers, Jherings Jahrb-Ucher, 43, 174; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 740; sem razão: G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 639; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhiiltnisse, 443; CAUL CROME, Svstem, II. 399). Cada credor pode exigir, para todos, a prestação. Ou requerer a consignação em nome de todos. Qualquer dos credores pode demandar sôzinho, para todos, salvo se há administrador. O litisconsórcio é necessário e unitário (Código de Processo Civil, arts. 88, 2.~ alínea, 1.~ parte, 90 e 91). A relação interna de mancomunhão pode ser de diferentes espécies. Não aparece, ainda no processo. É assunto a ser resolvido extrajudicial ou judicialmente entre os interessados. Com a prova da relação interna de mancomunhão, pode qualquer credor requerer em juízo o levantamento mediante caução. Se houve consignação requerida por um só dos credores, ou por alguns, não tem o requerente ou não têm os

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requerentes o direito de levantamento. A liberação do devedor é imediata ao depósito satisfatório. A caução de que trata.o art. 892, II, do Código Civil tem antecedente na L. 1, § 36, e na L. 14, pr., D., depositi veZ contra, 16, 3. 4.MANCOMUNHÃO COM UNIDADE DE RELAÇÃO JURtDIÇA. A relação jurídica de que se irradiam os créditos em mão comum pode ser uma só. Tal mancomunidade pode resultar da lei. Um dos exemplos de mancomunhão ex lege tem-se no direito de retrovenda se duas ou mais pessoas são os titulares <Código Civil, art. 1.143 e § 1.0). Outro no caso de pluralidade de pessoas com direito de preempção (art. 1.154). Se a cláusula ou pacto de retrovenda é a favor de duas ou mais pessoas. a respeito da mesma coisa, e só uma exerce o direito, o que lhe é permitido, em nome de todos, pode o dono do bem fawr intimar as outras para nisso acordarem (art. 1.143). Se há acordo, nenhuma questão surge. Se não há, ou um deles ou alguns deles entram com a importância total, ou se extingue o direito de retrovenda. Se do direito de preempção são titulares duas ou mais pessoas, só em relação à coisa no seu todo pode ser exercido. Se alguma das pessoas, a quem toque, o perde, persiste para as restantes ou restante (art. 1.154). Há unidade de relação jurídica e mancomunhão (O. voN GIERRE, Deutsches Privatrecht, III, 280). Em princípio, cada titular só o pode exercer pelo todo. Se para um se extingue o direito, o outro ou os outros continuam de tê-lo pelo todo. As medidas conservatórias e cautelares podem ser tomadas por um, ou alguns dos titulares. Se a retrovenda se faz, a mancomunhão continua, até que se extinga a relação interna entre os co-titulares. Se é caso de outorga de podêres de administração a um dos co-titulares, ou a terceiro, o direito comum (Gesamtrecht) continua incólume, ainda que se trate de sociedade sem personalidade (Oro VON GIERKE, Das dcutsehc Genossenschaftsrecht, 359, nota 3, e 543 s.; Vereine ohne Rechtsfdhigkeit, 35). A comunhão matrimonial de bens e a comunhão por herança são mancomunhões com unidade de relação jurídica. O devedor da herança deve à mancomunhão. 5.DISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS. Somente a todos os mancomuneiros ou a quem possa, por lei, dispor por éles, cabe poder de disposição do crédito (cessão, empenhamento, caução). Podem, por lei, dispor, quanto a certos bens, e. g., o marido, como administrador, na comunhão matrimonial de bens,e o cônjuge sobrevivente, na mancomunhão continuada, como cabeça de casal. Discute-se se, ainda não havendo administrador, pode qualquer mancomuneiro exigir que se faça a prestação a todos, ou que se faça o depósito em consignação. Em princípio, a resposta é afirmativa, salvo em se tratando de sociedade, ou casos semelhantes. 6.SITUAÇÃO DOS MANCOMUNEIROS. Nenhum dos mancomuneiros pode com pensar parcialmente com um dos credores em mão comum o que deve a êsse. Nenhum dos mancomuneiros pode invocar confusão se o devedor herda de um dos credores em mão comum. O herdeiro continua devedor à herança ainda que a sua quota hereditária seja quase tôda a herança. A oferta da prestação e a própria prestação só se podem fazer, eficazmente, dirigindo-se o devedor a todos os credores. Basta que um deles não aceite, ou se negue ao que é indispensável coopenação para o adimplemento, para que se dê a mora o..ccipiendi. Incursos em mora os credores, pode o devedor consignar, e libera-se, imediatamente ao depósito. Assim são adstritas à pessoa do mancomuneiro as conseqiiências da culpa, da exigência da prestação, a prescrição a confusão, a cessão do crédito e a assunção de dívida. A mancomunhão em que há administrador com poder de dispor é mancomunhão em que a prestação pode ser recebida pelo administrador. Se não há poder de dispor, a respeito do bem que se vai prestar, a posse recebida pelo mancomuneiro administrador é composse, porém a recusa por parte dele não produz a mora quanto aos outros mancomuneiros ou o outro mancomuneiro. Assim, se C tem de prestar à mancomunhão conjugal de A e B e A não poderia dispor do que recebesse, o devedor tem de dirigir-se aos dois mancomuneiros para que se possa falar de mora. A interpelação há de ser feita ao marido e à mulher, como o depósito em consignação teria de ser em nome dos dois. A sentença em ação em que só um dos credores figurou só tem efeitos a favor e contra ele. Em todo caso, se o credor que foi autor, ou um dos autores, executa a sentença, a execução é pelo todo da prestação, a favor de todos os credores; e aí viu KONRAn HELLWIG (Wesen und sub jektive Begrenzung der T?cchtskraft, 24) efeito láctico; mas sem razão. Tudo se passa no mundo jurídico. A prestação foi pedida para todos. Prestada, ainda em juízo, após sentença, têm-se de obedecer aos princípios do art. 892: ou todos levantam o todo, ou o autor ou autores somente o podem levantar, dando caução. Durante a mancomunhão, o uso por um dos comuneiros não pode prejudicar os demais. Se não há administrador, pode ser pedida a regulação do uso (Tomo XII, § 1.273, 3, e 1.274, 3:

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XIX, § 2.381>. Os credores mancomuneiros têm pretensão à colaboração dos outros para o adimplemento da obrigação. § 2.761. Dívidas em mio comum 1.CONCEITO E TITULARIDADE. Dívidas em mão comum são aquelas em que são devedores os mancomuneiros, de modo que por elas responde o patrimônio comum. Devedores são todos, conjuntamente, e não cada um dos mancomuneiros. Só existe dívida em mão comum se a satisfação é sobre patrimônio especial. A violação da obrigação, por culpa de um, é violação de tôda a obrigação. 2. ExIGIBILIDÀDE. O credor de dívida em mão comum somente pode exigir a solução dirigindo-se a todos os mancomuneiros, ou a quem tenha poder de administrar o patrimônio especial. A interpelação e os outros atos que o credor pode praticar em relação ao devedor têm de ser contra todos os mancomuneiros. A execução forçada do patrimônio especial só se pode iniciar com título executivo, judicial ou extrajudicial, contra todos os devedores. O chefe da sociedade conjugal e o cabeça de casal têm podêres de administração, mas êsses podêres não bastam para a mora dos comuneiros se se trata de bem de que o administrador não poderia dispor. Por onde se vê quanto é de importância indagar-se se, a respeito do que se negocia ou litiga, o mancomuneiro tem poder de dispor. Se o não tem, há de figurar no negócio jurídico ou na relação jurídica processual em que é res o bem de que se trata. § 2.762. Cessação da opacidade 1.MANCOMUNEXO DAS QUOTAS. Durante a comunhão não se vêem as quotas, nem se levam em conta. Cessada a mancomunhão, que foi como regime opaco por sobre os direitos dos mancomuneiros, a personalidade desses ressurge e as quotas passam a ser vistas. A estrutura da mancomunhão nada predetermina quanto a crédito pessoal ou obrigação pessoal de cada um <pessoal está, aí, em vez de “por pessoa”). A natureza dos direitos que foram encobertos em sua relação interna é que diz se o crédito de cada um ou a obrigação de cada um se submete às regras jurídicas das obrigações parciais ou das obrigações solidárias. 2. MOMENTO DA CESSAÇÃO. Durante a mancomunhão, o procedimento que se instaurou, judicial ou extrajudicialmente, pode ser apenas para a partilha e a divisão. Assim, na ação de inventário e partilha, não se atende a quotas dos herdeiros, pôsto que seja a declaração do quanto dessas quotas e a execução das obrigações de partir e de dividir que sejam o fito precipuo do processo . CAPÍTULO XV OBRIGAÇÕES ABSTRATAS § 2.763. Conceitos de crédito abstrato e de obrigação abstrata 1.PROMESSAS DE DÍVIDA ABSTRATAS E PROMESSAS DE DIVIDA ABSTRATIZADAS. De regra, tôda promessa de dívida tem causa, fundamento jurídico (rechtlicher Grund, Código Civil alemão, § 802), fundamento determinante (Bestimmungsgrund, ou “motivo essencial”, expressão menos feliz usada em direito suíço, cf. THEO GUHL, Le Droit fédéral des obligations, 79). Se prometo dez mil cruzeiros, ou dôo, isto é, nada recebo do outorgado <causa donandi), ou dou para receber o preço, o que compõe a figura da compra-e-venda (causa lucrativa ou onerosa). Mas posso prometer sem causa, ou por tal modo que, ocorrendo certo fato, se abstraia da causa, como se o subscritor da duplicata mercantil a endossa, ou se a pessoa contra quem se tirou a aceita. Ali, a abstração é desde o início; aqui, a partir de determinado ato posterior à criação do título (abstratização, espécie de abstração, abstração posterior). Cf. Tomo III, § 270. Desde OT’ro BXHR, em 1855, que se fala de promessas abstratas de dívida (abstractes Schuldversprechen). A abstração do negócio jurídico faz equivalentes a promessa abstrata de dívida e o reconhecimento abstrato de divida. Tanto é abstratamente prometer a dívida quanto abstrata. mente reconhecê-la. (De passagem observemos que a expressão ‘‘promessa de dívida’’ em lugar de ‘‘promessa abstrata de dívida” é equivoca, e foi pena que no Código Civil alemão, § 780, se pusesse “Schuldversprechen”, em vez de “abstraktes Schuldversprechen”, cf. KONRAD

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COSACK, Lehrbuch, 1, 6Y ed., 659 s.). A causa ou fim não é somente donandi, solvenji, credendi ou obligandi. A opinião que a reduz a essas classes foi posta de lado desde muito (certos, B. WINnSCHEID, Die Lehre des rõmischen Rechts von der Voraussetzung, 89; A. ERXLEBEN, Die condictiones sine caus7a, 1, 83; li. Wírrs, Die Rereicherungs.. klagen, 57; sem razão, R. SCHLESINGER, Zur Lehre voit deva Formalcontracteva, 5 s.). A abstração do negócio jurídico começa com o contacto da voz com o alter, portanto, desde o início; ou com fato posterior, que o abstratize. De qualquer modo, o crédito e a dívida nascem abstratos porque a fonte é abstrata. Onegócio jurídico abstrato irradia créditos abstratos, dívidas abstratas, pretensões abstratas, obrigações abstratas. Os que viram na distinção apenas ser abstrata a ação oriunda do negócio jurídico dito abstrato erraram palmarmente. Os negócios jurídicos abstratos podem não ser negócios jurídicos que geram dívidas e obrigações. Se aqui temos de falar desses, acidentalmente, é apenas para não se versar só parcialmente o assunto. Crédito abstrato é o crédito que existe independentemente de causa. Pode ter havido causa; dela se abstrai. Aos créditos abstratos correspondem dividas abstratas. Pode ter havido causa, mas de qualquer modo se deve, ainda que não tenha havido causa. Abstrair é retirar, pôr fora. A obrigação abstrata é a obrigação que existe independentemente de causa. Pode ter existido causa; dela se abstrai. A tal obrigação corresponde pretensão abstrata, pretensão que é, sem que a sua existência dependa da causa, pois que dela, se exístís, se abstraiu. É interessante observar-se que em sistemas jurídicos, corno o inglês, em que se abstrai da causa, em direito civil, dela não se abstrai em direito cambiário, e outros, causalistas ao extremo, só abriram exceção para o direito cambiário. 2. PROBLEMA TECNICO DA ABSTRAÇÃO. Em nenhum lugar do Código Civil brasileiro se pôs a causa como pressuposto essencial dos negócios jurídicos, inclusive dos contratos. Os sistemas jurídicos, que têm tal regra jurídica <e. g., Código Civil francês, arts. 1.131 e 1.132; Código Civil italiano, ad. 1.325, 2), e art. 1.418, também explícito), ou abrem brecha nos princípios para admitir contratos em que a divida seja abstrata, ou resistem a tôda tentativa de condescendência. Só as promessas laterais de vontade poderiam irradiar obrigações abstratas. Em relação ao direito alemão, o direito brasileiro admite que valham negócios jurídicos bilaterais sem causa, porém não remontou ao conceito de causa formal do direito romano, de modo que a falta de causa seja superada, ou, melhor, remediada pela forma (Código Civil alemão, § 780). O Código Civil alemão e o brasileiro deram maior valor à autonomia da vontade, ou auto-regramento da vontade, que àexigência da causa. O Estado abstém-se de indagar sobre o fundamento de prometer. Se partimos da premissa de não ser preciso para se prometer que se explicite porque se promete, compreenderemos que os legisladores alemão e brasileiro atenderam a que a vida contemporânea tem de prescindir de indagações que pareciam inquirição nas relações jurídicas privadas. Por outro lado, a grande maioria dos negócios jurídicos bilaterais de hoje é entre pessoas que não se conhecem, que talvez nunca se viram antes, ou até que contraem sem se verem. A técnica legislativa alemã referiu-se à forma escrita como algo de substitutivo da causa. Lê-se no Código Civil alemão, § 780: “Para a validade de um contrato pelo qual foi prometida prestação, de modo que a promessa deva fundar, por si mesma, a dívida <promessa de dívida), é de exigir-se, no que não fôr exigida outra forma, outorga (Erteilung) escrita da promessa”. Viu-se aí reminiscência ou resurreição da causa civi.lis romanistica. A causa seria matéria; dispensa-se pela forma. Desprendeu~se:do terreno o que se atinha como que colado a ele; permitiu-se o vôo social, a assunção fácil e livre, a transmissão veloz, a circulabilidade. (a) O direito brasileiro não fêz da causa pressuposto de validade dos negócios jurídicos, unilaterais ou bilaterais, nen se referiu à forma .para ser possível abstrair-se da causa. As exigências de forma são as mesmas para os negócios jurídicos causais ou abstratos. Quem, prometendo, se obriga, obriga-se porque prometeu para criar obrigação (em. sentido jurídico). O promitente, que se torna sujeito passivo do crédito ou do crédito e da pretensão, é promitente que conta com a entrada da sua promessa no mundo jurídico. O contrato típico é como caixa em que as vontades cabem, e é fácil alojá-las. No contrato atípico, não se dá o mesmo, porque as caixas são feitas na ocasião, e fazê-las é dar-lhes características. No direito romano, o formalismo da conclusão dispensava o formalismo da tipicidade. No direito pós-clássico e justinianeu, a actio praescriptis verbis protegia os figurantes se um deles dera algo ao outro (causa data!). Até lá a promessa era revogável. Faltava-lhe a vinculação. Oproblema de se saber como a promessa abstraente se faz obrigatória, vinculante (enforceable), não é diferente do que se põe quanto aos negócios em geral: é o de indagar o que satisfaz para se tornar negócio jurídico. Ora, no fundo, o que importa é poder-se conhecer se o promitente quis que a sua promessa entrasse no mundo jurídico. Os negócios

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jurídicos típicos ou nominados como que exibem a causa, ou, pelo menos, lhe deixam supor a existência. Mas há os em que a tipicidade permite a abstração, em vez de apontar a causa. A forma protege o querer. Não a causa. Tanto resguarda o que se quis com causa, como o que se quis sem causa. Protege o querer sério. Mas a seriedade não é peculiar aos negócios jurídicos causais. Pode haver perfeita seriedade em negócios jurídicos abstratos. Há ainda a observar-se que a teoria do enriquecimento injustificado é, por bem dizer, pós-negocial: negócio jurídico houve, ou não houve; se faltou causa, não é fundamento para inexistência ou invalidade, mas para a repetição do que injustificadamente se au feriu. (b) Os argumentos mais fortes contra a concepção dos negócios jurídicos abstratos foram: tú Ser difícil, com a abstração, discernir-se do que não entra tÃo mundo jurídico o que entra. Noutros termos: ser perigoso, por se não saber se houve, ou não, intenção de se constituir vínculo em sentido jurídico, ter-se como negócio jurídico o que somente se fêz por atenção pessoal, ou cortesia, ou respeito, como se apenas se oferece o automóvel ao amigo que está na rua, esperando condução, ou se promete à filha passar as férias na Europa, ou se o filho ou cliente promete ao pai ou ao médico não mais fumar, ou não beber álcool. Entendia-se que a reciprocidade das prestações afasta a dúvida, ou o formalismo, a vestimenta, ou a tipicidade. Donde a hostilidade aos negócios jurídicos unilaterais e à abstração da causa dos negócios jurídicos bilateraís. Primeiramente, observe-se que o problema estaria em se verificar se houve a intenção de manifestar vontade que entre no mundo jurídico, o que não justificaria, de si só, regras jurídicas como as dos arta. 1.131 e 1.132 do Código Civil francês. Ou haveria a intenção, ou não haveria. Se intenção houve, ou se pela forma, ou vestimezta, se há de inferir que houve, a manifestação de vontade, ou as manifestações de vontade entraram no mundo jurídico. Dando-se de barato que intenção e causa se equivalessem, ou identificassem, os enunciados seriam enunciados de existência: o negócio é jurídico (= entrou no mundo jurídico), ou não é jurídico (= não entrou no mundo jurídico). A falta de intenção, ou de causa, seria insuficiência, e não deficiência (Tomo 1, § 9). Ora, em vez de pôr o problema no plano da existência, o Código Civil francês, art. 1.132, o pôs no plano da validade: “La convention n’est pas valable, quoique la cause n’en soit pas exprimée”. No art. 1.131, o legislador francês havia estatuido: “L’obligation sans cause, ou sur une fausse cause, ou sur une cause illicite, ne. peut avoir aucun effet”. Ineficácia ou invalidade? A solução certa teria sido se o argumento de que tratamos tivesse de pesar definitivamente a da inexistência, a concepção do negócio como negócio a juridico <= que não entrou no mundo jurídico). Na esteira do Código Civil francês, foram os códigos civis colocando a causa como pressuposto de validade. Na jurisprudência e na doutrina inglesas tiveram os juristas de examinar casos concretos, em que o que importava era verificar-se ter havido, ou não, ‘~intenti6n to enter into a binding contract” (e. g., W. li. ANSON, Principies ol the English Law of Contracta, 49; Balfour v. Balfour, 1919, 2, XC. B., 571). A decisão da Côrte de Orléans, a 23 de abril de 1842, que não admitiu a acionabilidade por divida que o notário Eorard, de Caen, assumira em carta a- mere (conforme ANTÔNIO FELICIANO DE CASTILIIO, assim se traduz “maire”), de doar, durante vinte anos, mil francos, em segrêdo, para os pobres, foi de injustiça evidente. Bastaria êsse exemplo para a condenação, de lege ferenda, dos arts. 1.131 e 1.132 do Código Civil francês, se em verdade foram eles que levaram o juiz a tal julgamento. A “obligation d’honneur” que “les sieurs Blandin” assumiram de reembôlso de capital, juros e custas, também foi tida por inacionável pela Côrte de Bordéus, a 31 de maio de 1848. Havia, pelo menos, reconhecimento de divida, por escrito. No caso Urbanowski v. Valdmann (Cassação Francesa, 13 de dezembro de 1875), considerou-se ter entrado no mundo jurídico “engagement d’honneur”. Na common law, mais rente se tratou o problema: a procura de dados que tornem certo ter existido bar gain (barganha = negócio jurídico) ; e de dados que, a despeito de tal existência, retirem a presunção de juridicidade do negócio, do bargain. Ora, a busca de dados que mostrem ter-se querido entrar em obrigação legal (to enter into legal obligation) é diferente daquela que indaga da causa. A entrada no mundo jurídico pode ser discutida tanto a respeito dos negócios jurídicos causais quanto dos negócios jurídicos abstratos. O juiz pode perguntar se, com os defeitos que tem, a nota promissória ou duplicata mercantil entrou no mundo jurídico. Portanto, se é. - Por outro lado, “social engagements”, que de ordinário não entram no mundo jurídico, podem entrar, o que bem mostra ter o problema transcendência que o afêrro à doutrina causalística absoluta não via. O elemento econômico que torna mais encontráveis aqueles dados pode aparecer nos negócios que são “merely social”. b)Outro argumento é o da dificuldade de se reparar o dano moral se ocorre inadimplemento da promessa abstrata que não seja de dinheiro ou valor patrimonial. Mas o argumento provaria contra a admissão da indenizabilidade do dano. moral (de lege ferenda), e não contra a das promessas abstratas. O dano moral foi implicitamente mencionado no art. 76, parágrafo único, do Código Civil (cf. Código de Processo Civil, art. 22; Comentários ao Código de Processo Civil, 1, 2.~ ed., 98s., 106, 363 s.; Tratado, III, §§ 185, 5, 253, 5; V, § 625, 1, 3, 5; VII, § 747, 3; XVII. § 2.100, 4).

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O negócio jurídico abstrato existe e vale. Mais ainda: é eficaz. O que se pode alegar contra ele não é, verdadeiramente, contra ele, mas contra a situação que se criou com a sua observância, com o adimplemento das dívidas e obrigações que dele se irradiaram. Ora, o ataque ao enriquecimento injustificado (= sine causa) que dele resultou não é por meio de remédios processuais em que se exerça ação declarativa de inexistência, ou desconstitutiva, mas sim por meio da condictio. A propósito dos títulos cambiários e cambiariformes, a lei preveniu que a ação de enriquecimento cambiário pode ser proposta (Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, art. 43, alínea 1~a:~~Sem embargo da desoneração da responsabilidade cambial, o sacador ou o aceitante fica obrigado a restituir ao portador, com os juros legais, a soma com a qual se locupletou à custa dêste”). A atitude do legislador é típica. Nenhum texto de lei, no sistema jurídico brasileiro, permite que se repute nenhum (inexistente), ou nulo, ou ineficaz, o negócio jurídico abstrato. Se não se menciona a causa, não se pode dar ao autor da ação o ônus da prova, porque não se acolheram no Código Civil brasileiro nem nas leis brasileiras os arts. 1.131 e 1.132 do Código Civil francês, irrefletidamente copiados por tantos códigos e leis. Quando, no sistema jurídico brasileiro, se inserem regras jurídicas em que a forma é tida como requisito de validade, ou, até, de existência, a ratio legis não está em obviar aos inconvenientes da eventual abstração que aconteça no negócio jurídico. Não se tem, sequer, regra jurídica como a do § 780 do Código Civil alemão (cf. §§ 873-877 e 925). Os princípios concernentes à existência e validade dos negócios jurídicos incidem sem distinção quanto a serem abstratos ou causais (Código Civil, arts. 24, 73, 82, 129, 130, 145, III, 134, 256, parágrafo único, 357, 375 e 1.168). Se não havia o que se solver, e se solveu, se nada se adquiriu, e se prestou para isso, é intuitivo que o enriquecimento injustificado se operou. Porém iáso nada tem com a existência ou com a validade do negócio jurídico. Verdade é que os povos onde a teoria causalistica absoluta dominou a legislação ou a doutrina, deformando o pensamento e fazendo tábua rasa da experiência e da ciência humanas, ainda hoje não sabem ao certo o que eles chamam causa. O direito é processo social de adaptação. Quando alguém promete lança adiante, mete mais tarde, pro-mittit. Se o faz é porque, dentro da sua psique, houve a determinação para isso, a causação, as circunstâncias pessoais ou interpessoais, para que chegasse a ponto de prometer. É desse pretérito que se abstrai. A ligação a alguma forma não provém do fato da abstração. Há negócios jurídicos típicos, causais, que estão subordinados a regras jurídicas sobre forma. Não só. A abstração pode (e freqUentemente ocorre) não ser oriunda diretamente da vontade dos figurantes, ou do figurante. Quem assina acordo de transmissdo da propriedade, ou quem subsçreve titulo ao portador ou à ordem, ou quem endossa, ou avaliza, pode pensar e querer que o negócio jurídico seja causal, e não abstrato; mas é sem qualquer relevância (= sem qualquer meio de entrada no mundo jurídico) o seu pensamento ou a sua vontade. Se expressa a vontade, fica de fora, como se não tivesse sido escrita. c) Os juristas que justificam a hostilidade aos negócios jurídicos abstratos com a observação de que a abstraçâo separa da função econômico-social os negócios jurídicos não atendem a que a lei impõe a abstração, em certas espécies, exatamente para que os negócios jurídicos exerçam mais eficientemente a função econômico-social que a vida exigiu deles. Resta ferir-se ponto que tem sido tratado sem as sugestões de livre disponibilidade de espírito, isto é, sem espírito científico. Alude-se à posição do juiz que não deve, pelo menos entre os figurantes, deixar de atender à falta de causa. Note-se, de antemão, que a alegação de inacionabilidade, ae que tanto se fala na jurisprudência francesa, contradiz a tese de nulidade do negócio jurídico sem causa, tal como se interpretaram os arts. 1.181 e 1.182 do Código Civil francês. Se o negócio jurídico é nulo, nenhum efeito produz; portanto, não produz direito e dívida, nem pretensão e obrigação, nem ação. Para que o problema consistisse em se indagar da acionabilidade ou inacionabilidade, ‘seria preciso que se partisse da premissa de existir direito e pretensão a que faltasse ação. Se essa fôsse a interpretação das regras jurídicas sObre o pressuposto da causa como pressuposto necessário, os arte. 1.131 e 1.1ZZ do Códigu Civil e as regras jurídicas iguais ou semelhantes que se alastraram no século XIX peto mundo latino, exceto no Brasil, teríamos que os negócios jurídicos abstratos existiriam, valeriam e teriam efeitos criativos de direitos e pretensões, mas desmunidas, essas, de ações. Quando as côrtes francesas pensam em inacionabilidade não atendem ao art. 1.131 do Código Civil francês, que diz: “L’obligation sans cause, ou sur une fausse cause, ou sur une cause ilicite, ne peut avoir aucun effet”. Aucun eI fet; em conseqUência não produz direitos, nem pretensões, nem ações. Já vimos que interpretar o art. 1.131 do Código Civil francês como regra jurídica de nulidade, tal como sugere o termo “valable” do ad. 1.182, seria permitir a existência dos negócios jurídicos abstratos. Existiriam, e não valeriam. Interpretá-lo como vedativo da entrada do negócio no mundo jurídico seria repelir tôda pesquisa do juiz quanto à acionabilidade ou inacionabilidade da pretensão: não haveria pensar em ação se não existisse o próprio direito, ou a pretensão de que dele derivasse. No tocante aos documentos em que A se diz devedor e B credor sem que se diga porquê (e. g., “Declaro que devo a

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B dez mil cruzeiros, que lhe serão entregues no dia 2, A.”), o direito francês e os outros sistemas jurídicos causalistas entendem que, a despeito da falta de “expressão” da causa (billet non causé, Código Civil francês, art. 1.132; Código Civil italiano, art. 1.988; cp. Código suíço das Obrigações, art. 17), pode ser feita a prova da causa. Nenhuma regra jurídica como a do art. 1.132 do Código Civil francês há no sistema jurídico brasileiro. Se o documento conténi a manifestação de vontade do outorgado, com as exigências de forma, se as há in casu, o juiz tem de julgar procedente a ação de condenação, ou outra que resultar do negócio jurídico, unilateral ou bilateral. Se, bilateral o negócio jurídico, o demandado tem exceção non adimpleti contractus ou non rite adimpleti contractus, ou quanti minoris, ou outra, isso nada tem com a existência, validade ou eficácia do negócio jurídico; só diz respeito a alterações supervenientes no conteúdo da obrigação. (b) Em relação ao direito alemão, o sistema jurídico brasileiro deixou de inserir a exigência de forma, em se tratando de negócio jurídico abstrato. Para a promessa de divida (Schuldversprechen) e para o reconhecimento de divida (Schuldanerkenntnis), o Código Civil alemão exige, nos §§ 780 e 781, a forma escrita. No direito brasileiro, não há a exigência da forma escrita, porém os arts. 184, II, e 135 do Código Civil reduzem de muito os inconvenientes que possa haver por falta do pressuposto de forma escrita. No direito alemão, as exigências de forma, que possam ser invocadas na espécie, têm de ser atendidas, porém, se não as há, a forma escrita é pressuposto formal da promessa de dívida e do reconhecimento de dívida. (c) O direito luso-brasileiro repeliu, como o direito alemão, o romanismo de não se poder executar o instrumento ex defectu causa debiti. Na L. 25, 1 4, D., de probationibus et praesumptionibus, 22, 8, lê-se trecho de PAULO (interpolado), onde se diz ter o ônus da prova aquele a quem se prestou indevidamente, se não havia o outorgante explanado as causas por que escreveu, caso, aliás, em que ainda se admitia ter prometido indevidamente (nisi evidentissimis probationibus in scriptis habitis ostendere paratus sit sese hace indebite promisisse). Note-se que o texto se refere à caução. Por influência de glosadores, SILvESTRE COMES DE MORAIS (Tractatus de Executionibu8, II, 87 a.) tratou da exceção de falta de causa e da falsa causa, porém de modo nenhum admitiu inexistência ou invalidade por falta de causa. De principio pôs claro que não se negava o direito ou a pretensão (II, 88: “Declaratur 1. huiusmodi primus casus, ut solum procedat parte opponente, meroque iure, tenet obligatio, et atipulatio sine expressione causae facta, ideoque nisi reus exceptione se tueatur, adversus ipsum ad exactionem procedetur”). Só se discutia se cabia a exceção defirdentis cauaae ábiti. Aliás, tantas exceções sofria a regra jurídica da iliquidez por falta de causa (illiquiditas ex defectu causae debiti) que o cardeal DE LUCA a considerava sem pertinência teórica e prática. A verdadeira solução deu-a o Senado português, em 1659 (Luís Álvares v. João da Rocha) “Et tanta recognitionis estvis, quod procedere facit, per decem dierum assignationem, etiam casu, quo chyrographum non habeat debiti causam” (cf. MANUEL ÁLVARES PtaAs, Resolutiones Forenses, 1, ‘7). Pela existência da exceção de/icientis causue debiti, SILVES. ‘rUE COMES DE MORAIS (Tractatus de Ezecuttonibus, 1, 86 s.), MANUEL ÁLVARES PÉGÁS (Resolutiones Forenses, 1, 58), MELO FREIRE (Institutiones, IV, 76), MANUEL MENDES DE CASTRO (Practica. Lusitana, 1, 124), e FELICIANO DA CUNHA FRANÇA (Additiones aureae que iliustrationes, 1, 252, que confundiu o problema com o da confissão). A doutrina que serviu ao Senado português está em J. VOET(Commentarius ad Pandectas, 1, 784), firmado em LAMBERTUS GaRIS, B. CARPZOV, MASCARDO, e J. DAMHOUDER, SIMON VAN LEEUWEN e GRoENEwEG. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Tratado prático com pendiário de tódas as Ações sumárias, 1, 406) corrigiu a SILVESTRE COMES DE MORAIS: ..... êsse romanismo está abrogado pelo uso das nações aonde vale, e se executa todo o instrumento que não tem causa expressa da obrigação: se atendemos ao direito natural, ele não exige tal causa na obrigação simples”. (d) No direito da common law, o documento subscrito, selado (= com sinete chancelado> e entregue contém a promessa, o fato oriundo da pessoa, que fica por isso vinculada ao fato seu, ao seu deed. O sinete, nobiliárquico, difundiu-se, popularizou-se. A dellvery, a entrega, podia ser condicionada, delivery in escrow. O deed não exige aceitação, salvo excepcionalmente. É formal, unilateral. Para alguns atos é meio próprio, e. g., para a constituição e transferência de direitos reais imobihinos. Por Ole, pode-se criar obrigação sem que o saiba o beneficiado. Na evolução técnica de hoje, a tendência é para substitui-lo por simples documento escrito, pois o seal e a delivery quase se reduziram a reminiscência.

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O deed pode ser promessa abstrata ou promessa causal (pode haver a consideration, ou a referência a condição de que dependa a promessa). Se há consideratiou, é de mister que se haja respeitado. (Até êsse ponto é que deveria ter chegado a discussão, nos povos latinos, a propósito da exceção dei icientis causae debiti, em vez de ficar em tôrno das afirmativas e das negativas radicais.) É interessante observar-se que a equity acabou por admitir o relief, mediante injunction, para que se atenda à eon sideratión, não expressa no deed, se fôra introduzida. Assim, mas apenas em tal situação, tem o juiz de proclamar a failure da consideration (CHESHIRE e FIFOOT, Cases on the Law of Contract, 5, nota 2). 3.NEGOCIOS JURÍDICOS QUE PODEM SER ABSTRATOS. Certos negócios jurídicos, pelo que lhes é essencial a prestação de um pela contraprestação de outrem, escapam à abstratividade. Quem compra compra a quem vende. Quem troca troca um bem por outro bem. Os contratos reais entram na mesma classe. As liberalidades levam consigo, por definição, a causa. Em vez disso, se o negócio jurídico pode ter diferentes causas, são elas como peças “enchíveis”, e não peças “cheias”. Os negócios jurídicos necessAriamente causais são como blocos de cristal, com forma de garrafa, ao passo que os negócios jurídicos não necessàriamente causlis são garrafas, cujo conteúdo pede variar e, até, ser retirado (abstraído). No mundo fáctico, nenhum negócio jurídico é, normalmente, sem causa. Ainda quando se pense na nota promissória que foi subscrita sem que o subscritor saiba a quem entregar, pois, se a subscreveu, como pilhéria, a causa foi certo efeito nas relações de amizade. Se alguém a enche, como tomador, o subscritor somente pode alegar que a criou por brincadeira, per jocum, e tem de prová-lo. Mas essa defesa não lhe assiste contra endossatário de boa fé, porque se trata de titulo abstrato. Se por Arro alguém subscreveu a nota promissória, crendo que estava a assinar anúncio de banco, tudo se passa como dissemos acima. Fâcticamente, tanto é causa o doar, o solver, o obter crédito, quanto o pilheriar e o satisfazer hábito de assinar papéis sem responsabilidade, como há pessoas que, mal vêem caneta e papel, desenham figuras geométricas ou animais. Se alguém promete abstratamente divida é porque se obriga sem dizer porque se obriga. Expõe-se como aquela que deixou :sôbre a mesa a nota promissória assinada, ou que assinou a nota promissória, crendo que apenas firmava, por hábito de assinar, anúncio de banco. § 2.764. Técnica jurídica da abstração 1.MOMENTO DE SE ABSTRAIR. O negócio jurídico pode a) nascer abstrato (= a abstração pode ser inicial, à conclusão do negócio jurídico), ou b) posterior. Temos exemplo da abstração posterior no título endossável que somente se faz abstrato no momento em que se lança o endôsso ao portador, ou em que se lança o endôsso a alguém a que se entrega o título. A letra de câmbio é abstrata desde que o subscritor a assina. Se ao portador, as exceções somente se podem opor ao possuidor de má fé. Se à ordem, já é abstrata, como a letra de câmbio ao portador, embora exposta a exceções em relação ao subscritor o tomador. Aceita, antes de qualquer endôsso, ou da própria inserção do nome dc tomador, a aceitação já é de título abstrato. Diferente é o que se passa com a duplicata mercantil. A abstratização somente se dá à aceitação ou ao endôsso. 2.GRADAÇÃO EM MATÉRIA DE ABSTRATIDADE. A abstração, conforme as diferentes soluções de técnica legislativa, não é de um mesmo grau para todos os sistemas jurídicos. Pode-se admitir o crédito abstrato, sem o expor, após o adimplemento, a qualquer ação concernente à causa, ou só se acolher ação de enriquecimento injustificado com pressupostos mais rigorosos que o da ação comum de enriquecimento injustificado, ou so haver exceções entre figurantes em contacto, ou alegação de nulidade por ilicitude, como acontece ao deed em direito inglês. 3.DIREITO ROMANO E COMUM. O fim é, quase sempre, intrínseco ao negócio jurídico. Quem se casa quer o matrimônio, quer a relação jurídica matrimonial. Quem compra compra a quem vende, quer o preço como contraprestação à alienação. Quem troca quer a coisa pela qual dá outra coisa. Quem adota criança quer tê-la como filho. Dai ter-se concluído, em generalização defeituosa, que só se pode concluir negócio jurídico que tenha fim, que seja causal. Ora, se é certo que há negócios jurídicos que têm tal ou qual causa (donandi, credendi, solvendi), também os há em que se abstrai da causa. Enriquece-se alguém, mas sem causa, e não se dá ensejo à pretensão por enriquecimento sem causa exatamente porque se abstraiu da causa, ou se quis o negócio jurídico a que a lei atribuiu eficácia ainda sem causa.

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Abstrair-se da causa, se há causa, é constituir-se negócio jurídico sem que se atenda (= em que se possa desatender e se desatenda) ao convênio sobre a causa. Com êsse expediente, que facilita as relações econômicas, mais se dá relevància à eficácia que à composição do negócio jurídico. A circulação torna-se cômoda e eficiente. Já no direito romano e comum havia negócios jurídicos abstratos. O formalismo romano primitivo havia de engendrar transmissões, créditos e dívidas sem causa que aparecesse; porque a forma é que importava. (a) Por isso mesmo o nexum, com a operação per aes et libram ligava, atingindo, danando o devedor: “Damnas esto”, dizia o credor. E de formalismo também se precisa1va para se liberar o devedor, não só do ato-fato do pagamento (cf. GAIO, III, § 174). (6) A sponsio, oriunda do juramento primitivo, passou a ser composta de pergunta e resposta: “Spondesne? Spondeo”. Não o credor, mas Deus “dana”. Após a lei das XII Tábuas teve-se a stipulatio. Nos tempos em que já se tinha. o simples tocar a balança com pedaço de cobre, depois um cêntimo (num mc uno), que fizesse baixar a balança, e a entrega ao outro contraente, formalidade sucedânea do ato solene per aes et libram (em que se pesava o cobre), a abstração dos negócios jurídicos de disposição foi ganhando terreno, de criação de obrigação e de distrato. Era a imaginaria venditio, a imaginaria solutio (GAIO, 1, 119; III, 173). Com a mancipatio, conservou-se aos negócios jurídicos o caráter de compra, mas o nummo uno tornou tão insignificante o preço que apenas se aludia, em reminiscência de formalidade, à causa. Dai chamar-se mancipatio nummo uno (C. G. BRUNS e O. GRAnENWITZ, Fontes iuris romani antiqui, 173 ed., 332 s.). Com a in jure cessio, a alienação negocial foi sempre abstrata: o alienante não se opunha à afirmação do adquirente e o magistrado confirmava, depois, a eficácia, com a sua sentença (addictio). Nenhuma referência, na fórmula, à causa. Com a stipulatio, negócio jurídico só obrigacional, apenas havia a pergunta e a resposta: “. . . Spondesne?”, “Spondeo”. Ou “. . .fide promittis?”, “Fide promitto”, ou “promittisne?”, “Promitto”, .... . dabisne?”, “Dabo”. Dispensou-se, mais tarde, o próprio uso do latim. Nos últimos tempos, dispensou-se a própria oralidade, evolução que se fêz através da admissão do escrito como instrumento de prova, até que, por influência grega, o escrito constituiu o negócio jurídico (H. R. GNEIST, fie formellen Verirâge, 253 5.; li. BRUNNER, Zur Rechisgeechichie der rõmischen u. germanischen Urkunde, 1, 62 s., 87 e 147; CARL FREUNDT, Wertpa,piere im antiken ii. friihmittelalterlichen Rechie, 1, 68 s.; li. STEINACKER, Die antiken Grundlagen der friihmittelalterlichen Priva tkunde, 83 s.). A fórmula grega “perguntada a pessoa (que se obriga), disse que estava de acordo”. Depois, até isso desapareceu em muitos tratos. A L. 14, C., de contrahenda ei committenda stipulatione, 8, 37, foi salto para trás, pois admitiu a impugnação do documento pela alegação e prova de não estarem presentes os contraentes (mas essa exigência regressiva não entrou no direito luso-brasileiro). A stipiflatio era promessa abstrata, pôsto que fôsse possível indicar causa, ou adjectar-se a outro negócio jurídico <adstipidatio). Para se obviar aos inconvenientes de alguém se enriquecer, injustificadamente, pela eficácia de algum negócio jurídico abstrato (e. g., inancipatio, in jure cessio, alguns casos de traditio), imaginou-se o corretivo da eortdictio. O dever de restituição, tal como ocorria no rnutuum, nascia de não se admitir que alguém injustificadamente se enriquecesse. A certos momentos a indistinção perturbava a mente dos juristas até que se mostrou a negociabilidade da fonte do dever de restituição que tem o mutuário e a extranegocialidade da fonte do dever de restituição do indebitum. Ao tempo de GAIo (III, 91) ainda havia de existir confusão, pois ele pergunta se há contrato real à base da restituição por enriquecimento injustificado. Depois de falar da restituição, em caso de mútuo, diz ele que é igualmente obrigado pela coisa a pessoa que recebeu o que se lhe paga por êrro, sem se dever a quem se pagou, pois a coridictio si parei eum dare oportere pode-se intentar contra essa pessoa, como se ela houvesse recebido mútuo. Após referir-se a alguns (quidam putant) que queriam assimilar as situaçães a ponto de não terem de restituir o indebitum os incapazes, acrescenta cabalmente: essa espécie de obrigação não resulta de contrato> pois quem dá com intenção de pagar mais quer desfazer do que contratar, mais distratar (distrahere) que contratar (contrahere). A restituição, se nenhuma relação jurídica havia, ou era ineficaz, é pelo enriquecimento injustificado. Se foi em virtude de negócio jurídico abstrato, não é o pagamento em virtude desse que se ataca, mediante a con.dictio. Invoca-se relação jurídica subjacente, de que se abstraira. (A despeito da luz que esparziu GAIO, para afastar a opinião de “alguns” que no seu tempo pensavam em contrato real à base da pretensão à restituição por enriquecimento injustificado, e em convenção causal, de que proviria, ainda há para além da segunda metade do século XX juristas que se perdem na classe dos “quidam putant”, anônimos, do texto de GAIO. Assim, não se há de admitir a explicação da ação de enriquecimento injustificado como ação contra o negócio jurídico abstrato, nem se pode dizer, como fêz HENRI DE PAGE, L’Obligation abstraite en droji interne ei en droji com pará, 128, que “a criação de obrigação autônoma faz desaparecer as exceções da dívida antiga, mas não a nulidade da obrigação autônoma se há existência da relação fundamental”, donde o recurso por

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enriquecimento injustificado.) O antigo direito romano era formal. No principio, era o verbo. Na palavra estava o querer. Não só no direito romano. Não se podia cogitar do problema da abstração, porque não havia relevância da causa: faltava aquilo de que se abstraísse (cf. A. PERNICE, Marcus Antistius Labeo, II, 1, 105; A. FRANKEN, Das franzôsische Pfandrecht im Mitielalter, 48; O. VOM ZALLINGER, Wesen und Ursprung des Formal ismus im alideutschen Privatrecht, 16; J. W. PLANCK, flas deutache Gerichtsverfahren im Miltelalter, 1, 164 e 238). Com o formalismo que protegia os homens, razão por que oEstado o sustentava, ou o criava, foi-se a segurança. Dai a aparição do processo inquisicional e do dogma da vontade, com investigação da causa. Livre da forma, não ficou livre o homem. O“sans cause est nuíle l’obligation” reflete a deficiência da tutela do indivíduo, na feitura dos negócios jurídicos. A carta, o escrito, não basta. .A pretensão por enriquecimento injustificado ou espécie de tal pretensão não surgiu com o negócio jurídico abstrato. Não foi, portanto, conseqUência de existirem negócios jurídicos abstratos. Só no fim da República foi que o direito romano teve a exceptio dou contra quem, com dolo, exigia a execução sem justificabilidade (GAIO, IV, 116 a) “Veluti si stipulatus sim a te pecuniam tamquam credendi causa numeraturus, nec numeraverim; nam eam pecuniam a te peti posse certum est, dare enim te oportet, cum ex stipulatu teneris; sed quia iniquum est te eo nomine condemnari, placet per exceptionem dou mali te defendi debere”. Antes apareceram a condictio indebiti, se solução tinha havido, e a condictio sine causa, se ainda se iria dar. No Império, a querela non numeratae pecunzae. Ássim, afirmar que a atipulatio mesma engendrava a exceptio d.oli foi ilação de escritores que não prestaram atenção a datas. Mais grave ainda foi o êrro de se fundar em direito romano, na falta de menção da causa no instrumento de obrigação, a ação de enriquecimento injustificado, tido por nulo aquále. Responsável por isso era a invocação da L. 25, § 4, D., de probationibus et praesumptionibus, 22, 3, texto evidentemente interpolado (cf. B. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, 93 ed., 315, nota 4, e 828, nota 2). Argumentar-se, hoje, com as proposições romanas sobre o nudum pact um, para se concluir pela inadmissibilidade de promessas abstratas vinculantes, é absurdo. Mesmo porque os pacto. eram, a princípio, só extintivos, e pois causais. J.VOET (Commentarius ad Pandectas, 1, 127) feriu o ponto quando disse: “Hodie ex nudo pacto nascitur actio”; “ex nudis, serio ac deliberato animo interpositis, aeque ac ex contractibus, actionem nasci Na interpretação da L. 25, § 4, D., de probationibus et praesumptionibue, 22, 3, J. VOET frisou ter havido desatenção ao próprio texto. Daí ter-se confundido nuduni pactum com a convenção ou caução que não tem causa expressa do débito (in praxi quoque receptum esse, quod ex nudo pacto actio non detur: manifesta erroris causa in eo haerente, quod perperam pacta nuda confundit cum ea conventione vel cautione, quae expressam non habet debiti causam”). A princípio, os pacto. não eram fontes de obrigação, porque apenas eram distrativos ou satisfatórios, portanto canceladores, extintivos, das obrigações. Só após se haver aceito a terminologia do Edicto pretório (L. 7, § 7, D., de pactis, 2, 14; cf. O. LENEL, Das Edictum perpetuum, 33 ed., 64 s.) foi que pacto. significou tôda classe de convenções não incluídas nos contratos do direito civil. Dos pactos não surgiam, portanto, ação, inter cives Romanos; salvo se adjectos. Porque, por sua origem, os pactos eram acordos, conclusões de paz (pactum, pacio = pactio, pax). Se o que sofreu .turtum, ou iniuria, perdoava, tinha de fazer pacto, para que as obrigações delituais se extinguissem. De regra, havia multa expiatória. Criadas as actiones poenales, para renunciar a elas tinha-se de fazer pactum. O direito honorário estendeu o pacto à extinção das outras obrigações. 4. DíaErro ALEMÂO. O próprio direito alemão teve de se libertar da exigência da causa. Em 1840, F. LIEBE (fie Stipn.lation und das einf ache Versprechen, VI, 3, 83 s.) apenas liga ao princípio do auto-regramento da vontade a afirmativa de que o devedor pode abstrair da causa o negócio jurídico. Todavia já no século XVIII se admitia a obrigação cambiária só formal e, pois, abstrata. De OT’ro BXHu (fie Ánerkennung ais Verpfliohtungsgrund, 33 ed., 9, 70 s., 75 s.) partiu a pesquisa científica do problema da abstração dos negócios jurídicos, com os seus recursos de historiador e de construtor. Daí veio a inspiração para o Código Civil alemão, a despeito do seu contendor W. KINDEL (Das Rechtsgeschtift und sem Rechtsgrund, 72-94). No Congresso dos Juristas Alemães, em 1871, R. VON JHERING obteve que se reconhecesse a validada dos negócios jurídicos abstratos. Depois veio o Código Civil alemão, com os§§ 780, 781 e 782. 5. DIREITO INGLÊS. No direito inglês, dividem-se os negócios jurídicos bilaterais em acordos selados (agreements under seal, ou by speciality) e acordos orais (agre ementa bv parol). Se são escritos, mas sem sêlo, são by parol, e tem de ser provada a causa (consideration). É o que dizia, no caso Rann vertia Hughes, em 1778, Lord SKYNNER. Por essas palavras logo se percebe que abstração só se dá se há acordo sob sêlo. Ou se faz acordo

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selado, ou é causal o negócio jurídico. O deed é o instrumento escrito, sob sêlo privado (selado) e entregue pelo devedor ao credor. A entrega provém da traditio per carta.m. A simples forma escrita fêz negócio jurídico formal o deed. Faltando o negócio jurídico bilateral escrito> a quem se diz credor por contrato verbal incumbe provar a causa. A ação penal de tres pata on the case transformou-se em ação de direito civil, de modo que persistiu a exigência da ilicitude da causa, se na espécie podia ser de considerar-se a causa. - Como o direito romano, o direito inglês de modo nenhum tornou a falta de consideration, de causa, deficiência do suporte fáctico, a ponto de determinar nulidade. 6.DíanTo FRANCÊS. No Código Civil francês (arts. 1.108, 1.131 e 1.132), a causa tornou-se elemento necessário, constitutivo, do contrato. Com tal deslize de técnica, cortou-se, de muito, o princípio do auto-regramento da vontade (dito princípio da autonomia). Tem de existir causa, ou não há validade do contrato. Negócio jurídico sem causa é negócio jurídico nulo. Ainda se os contraentes separam o negócio jurídico e a causa, a lei, inflexível, os reata. O causalismo francês espalhou-se pelos Estados que imitaram ou copiaram o Código Civil napoleônico. O Brasil escapou a isso. CARL CROME <ZACHARL&E Y. LINGENTRAL, Randbuch des franzõsischen Civilrechts, II, 83 ed., 753 s.) apontou duas exceções; .a remissão de divida segundo os arte. 1.282-1.288 do Código Civil francês e a entrega de objeto em pagamento. Aqui, seria negócio jurídico abstrato onde negócio jurídico não havia. 7.Ounos SISTEMAS jualoicos. O direito italiano continuou ligado à infiltração napoleônica (Código Civil italiano, art. 1.325): “1 requisiti dei contratto sono: ... 2.~ la causa”. No art. 1.988, estatuiu o Código Civil italiano: “La promessa di pagamento o la ricognizione di un debito dispensa colul a favore deI quale ê fatta dall’onere di provare il rapporto 390 fondamentale. L’esistenza di questo si presume fino a prova contraria>’. Ateve-se, portanto, à concepção da falta de causa como determinadora de deficiência do suporte fáctico. A propósito da promessa de dívida e do reconhecimento não foi até aos conceitos de promessa abstrata de dívida e de reconhecimento abstrato de divida; apenas inverteu o ônus da prova, no tocante aos dois institutos. 8.ATITUDES ERRADAS OU SUPERADAS. O êrro maior na doutrina foi confundir com a investigação do interesse a da natureza abstrata da obrigação; donde proposições como essas: só há direito onde se regram interesses; se a causa é o interesse in concreto, há contradição em se cogitar de obrigação abstrata. Essa a atitude negativista dos que só admitiam obrigação com causa. Mas a realidade da vida aí está. E. LAURENT (Principes, 16, 152), com aquele ranço apriorístico de tôda a sua obra, escreveu: “Les auteurs disent qu’une obligation sans cause serait un acte de folie. Cela est vrai, en ce sens que l’on ne conçoit pas d’obligation sans cause. Et, en vérité, la loi n’avait pas besoin de le dire. La cause pour laquelle nous contractons, c’est l’intérêt que nous avons à le faire; il n’est pas nécessaire que la loi dise aux hommes qu’ils ne neuvent contracter que s’ils y ont un intérêt. Toutefois il se peut qu’il y ait des conventions dépourvues de cause, alors ii n’y a réellement de convention”. Nesse deslizar de raciocínio fácil, sem contacto com o histórico, com a vida, tinha F. LAURENT, como aqueles a que se referiu, de festejar o art. 1.131, 1a parte, do Código Civil francês: “L’obligation sans cause ... ne peut avoir aucun effet”. Percebe-se o ambiente de opressão judicial, que se percebe no texto de BEAUMANOIR (Coutumes de Reo.uvaisis, c. 35, n. 22): “La lettre qui dit que je dois deniers, et ne fet pas mention de quoi je les dois, est souspechonneuse chose de malice, et quand tele lettre vient en cort, si doit savoir le juge la chose dont tele dette vient, avant qu’il le face paier”. Os eclipses de tal concepção que nunca penetrou no direito luso-brasileiro e brasileiro apenas chegaram a permitir que sem se averiguar a causa se condenasse ou se executasse por instrumentos escritos. 9.SISTEMA JURÍDIcO BRASILEIRO. O sistema jurídico brasileiro está pontilhado de negócios jurídicos

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abstratos, de créditos e dívidas abstratos, de pretensões e obrigações abstratas. Nunca se teve, no direito luso-brasileiro e no direito brasileiro, regra jurídica como a do art. 1.131, 1.~ parte, do Códigp Civil francês, e dos seus imitadores e copiadores mais ou menos inconscientes. Nos sistemas jurídicos contemporâneos tanto é regressão falar-se de falta de causa que veda a entrada da manifestação de vontade no mundo jurídico, ou que a invalida, ou que a expõe a exceção deficientis eausae debiti, quanto, no plano do sobre-direito, aludir-se a vontade do legislador, ou da lei (nosso Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, Archiv fiir R,echts- und Wirtschaftsphilosophie, 16, 522-543). É preciso que se atenda a que o ato humano, na vida social, tem de ter o papel que a vida social lhe atribui. Não importa se oral ou escrita a manifestação de vontade emitida: se alguma regra jurídica sobre prova exige a forma escrita, ou a forma de instrumento público, a promessa não pode ser tida como “juridicizada”, porque a pessoa que a fêz e as pessoas a que ela chega não podem, diante dos textos, considerar ligado quem a emitiu, nem com direito ou pretensão exaurgido dela quem seria por ela beneficiado. Tôda promessa que, feita em tais circunstâncias e com pressupostos subjetivos e objetivos, inclusive formais, que o homem comum, que a fêz, se possa considerar vinculado por ela, é produtora de direitos, pretensões e ações. A essa conclusão vão chegando os sistemas juridicos, a despeito das diferenças de nível em intensidade de relações negociais e de apuramento de cultura. O promitente, ao prometer, previu que se vincularia. Uma vez que todos têm de conhecer a lei, não pode furtar-se às conseqüências do seu ato, salvo entre ele e alguém que conhecesse a não-seriedade da manifestação de vontade. Não se tem de baixar à investigação da causa, seja a causa razoável, a rechtelicke oorzaeck de Huoo GRÓCIO, a causa que induziu o homem comum a fazer a promessa, algo de pesquisa por debaixo, seja qualquer outra, por se tratar de nome que se há do motivo determinante. Tem-se de enminar o querer, que se emitiu, nas circunstâncias em que foi emitido. Tão-pouco se há de inquirir do interesse: o interesse, dito legitimo, é o interesse na tutela jurídica; portanto, pré-processual. Se há causa, por ser coessencial à classe ou ao tipo do contrato (= por ser vedada a abstração), ou por se haver expresso a causa, há a exceção deficientis causae debiti. Mas só exceção. Não se atinge a existência, sem a validade. Apenas se pode opor à eficácia a exceção peremptória. (Aí, a diferença em relação à exceção non adim~p1eti cont*uctus, que é dilatória.) Se a classe ou tipo da promessa ou do contrato permite ou impõe a abstração e não foi inserta cláusula que explicitasse a causa, a promessa vincula, se feita em circunstâncias que bastavam para se considerar vinculado o promitente. Essas circunstâncias são as mesmas que levaram o beneficiado a crer que da promessa se irradiam direitos, pretensões e ações. Aqui a exceção deficientis causae debiti seria importuna. são exemplos de negócios jurídicos abstratos: a) o acordo de transmissão da propriedade imobiliária ou da propriedade mobiliária; b) os acordos de constituição de direitos reais limitados; e> a promessa abstrata de dívida; d) o reconhecimento abstrato de divida> inclusive o contrato de liquidação de contas; e) a cessão de crédito; f) a transferência de dívida ou assunção de divida de outrem; g) a estipulação a favor de terceiro; h) a remissão de divida; i) a assinação e a aceitação da assinação; 1) os títulos cambiários e cambiariformes. Em todos êsses casos, abstrai-se da causa, e a causa pode não ter, sequer, existido. Aquilo, em que se acorda, é preciso, sem qualquer referência à causa, explícita ou implicitamente. a) Quem acorda na transmissão da propriedade quer e declara transmitir, irradiando-se os efeitos do acordo, sem que importe ter havido, antes, contrato de compra-e-venda, troca, doação ou pagamento, ou outro negócio jurídico, ato jurídico siricto sensu, ato-fato jurídico. Quem causou dano a outrem pode acordar em transferência da propriedade, dizendo que “transfere propriedade e posse>’, sem ser de mister cÃae reconheça abstratamente ou causalmente dívida, ou que se aluda. na escritura pública, à dívida ou ato ilícito, ato-fato ilícito ou fato ilícito, pelo qual responde. A abstração é completa. É êrro dizer-se que, havendo, como há, a pretensão pelo enriquecimento sem causa, se volve à causa. Não; o que se passa é que a ordem jurídica tornou o enriquecimento sem causa como fato jurídico em si, do que resulta o dever de restituição do indebitum. No direito inglês foi-se mais longe: em se tratando de deed (negócio jurídico que não permite o exame da causa, da consideration), só a ilicitude, a causa ilícita, dá ensejo a restituição. Pode-se dizer que é o mais avançado sistema de abstratividade das obrigações, respeitando-se, assim, ao extremo, o princípio do auto-regramento da vontade.

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No direito brasileiro, permanece a concepção romana do duplo ato jurídico na transferência da propriedade imobiliária, com as alterações oriundas do registro de imóveis. Dominia rerum traditionibus, non nudis pactis trans feruntur. Precisa-se do acordo de transmissão, mais o registro, e não basta o negócio jurídico consensual. Antes do acordo de transmissão pode estar o contrato de compra-e-venda, ou outro. A transferência da propriedade imobiliária solo consensu foi aberração francesa, que nunca importamos, nem imitamos. Nem se exige o acordo de transmissão, nem a traditio ou formalidade registária. A confusão entre o que é pessoal e o que é real chegou, na concepção francesa, a figura absurda, por imperdoável desatenção aos conceitos. No direito luso-brasileiro e no brasileiro nunca se confundiram o contrato consensual (compra-e-venda, ou outro contrato),o acordo de transmissão e a tradição da posse do bem móvel ou a tradição da posse do bem imóvel, mais o registro de imóveis. Oacordo de transmissão é abstrato. O registro somente concerne à criação do efeito real, de modo que entre adquirentes sucessivos seja dono quem obteve o registro. A propriedade é adquirida ainda que alguém prove a nulidade do contrato consensual. Se não há terceiros adquirentes, o ato de transferência não se faz causal. Somente ocorre que o alienante pode ir contra o registro, pedindo a retificação. No direito suíço (Código Civil suíço, art. 973), a abstração só se dá quando se transfere a terceiro a propriedade. Assim, no direito brasileiro, o alienante pode alegar a nulidade do acordo de transmissão ou pedir a anulação e a restituição do imóvel, servindo para a retificação do registro a sentença. Aí, a diferença em relação ao § 925 do Código Civil alemão. b) Os acordos de constituição de direitos reais são abstratos. Não se vê, no acordo de constituição, o negócio jurídico que subjaz. A própria divida garantida pode ser abstrata. c) Quando se promete sem se ligar à causa a promessa, isto é, sem se aludir a por que se promete (causa, convenção de fim), há promessa abstrata de divida. E. g., “Devo a B duzentos mil cruzeiros, Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1957, A”. Não se precisa de prova escrita da aceitação. Chamou-a P. OERTMANN (Das abstracte Geschdft, 15) ato jurídico tipicamente abstrato. A promessa abstrata de divida facilita o bom êxito da pretensão contra o devedor. Em caso de novação, a promessá abstrata de divida suprime as alegações que, no tocante à dívida novada, existiriam, ligadas à causa. O reconhecimento abstrato tem as mesmas vantagens. d) O reconhecimento abstrato de dívida é o negócio jurídico de reconhecimento, abstrato, que coloca no passado a divida. A promessa abstrata de divida é o negócio jurídico iniciador, abstrato, que põe no presente (‘desde êste ato”) ou no futuro (“a partir de...”) a obrigação. Digamos, com todo o rigor, a “obrigação”; porque a divida, essa, exsurge, em qualquer espécie, no momento do ato de manifestação da vontade criativa. Chama-se contrato de liquida pio de contas o negócio jurídico pelo qual os figurantes> ordinâriamente duas pessoas, saldam entre si suas contas. Somados os créditos de cada um, reconhece-se-lhes a exatidão das somas, diz-se qual o crédito de cada um, compensam-se, a final, dividas, e aponta-se qual o saldo daquele a que toca o maior total. Nos créditos singulares incluem-se os interesses, de modo que cada soma seja dos créditos e dos interesses respectivos até o momento da compensação (F. REGELSEEROER, fie rechtliche Natur der Abrechnung, Jherings Jahrbiicher, 46, 1 s.; tber den Einfluss der rechtlichen Unwirksamkeit von Passivposten auf die Geltung der Saldoforderung hei der Abrechnung, 49, 407 s.). Não há novação, nem sucessivas novações, a propósito de cada crédito singular (sem razão, F. REGELSBERGER e 1-1. STAUB). Por isso, as garantias não se extinguem: reconheceu-se o saldo, não se novaram dividas. O reconhecimento do saldo, sem ressalva de reexame (e. g., sem o “salvo êrro ou omissão”), é negócio jurídico abstrato: o crédito independe da existência das parcelas, ou da exatidão delas e da liquidação. Os erros e omissões somente podem ser apreciados em ação de enriquecimento injustificado (pela condictio). O contrato de liquidação de contas envolve, operacionalmente, pelo menos dois negócios jurídicos de reconhecimento (pelo menos dois reconhecimentos de dívidas) e um negócio jurídico de compensação (F. REGELSBERGER, fie rechtliche Natur der Abrechnung, Jherings Jahrb’ãche~ 46,9; G. PLANCK, Komnienrar, II, z, 521). Não se “declara” apenas; há o negócio jurídico de reconhecimento abstrato. e) A cessão de crédito é contrato abstrato. A convenção sobre a causa de modo nenhum faz parte dele. O que importa é ter-se querido ceder o crédito. A despeito de se tratar de contrato, a posse da declaração escrita de cessão é prova suficiente de se ter aceito a oferta de ceder. Isso não quer dizer que não possam os figurantes, por inserção de condição, fazer influir a causa, ou necessária a aceitação escrita. f) A assunção de dívida alheia, ou simplesmente assunção de dívida, é o contrato pelo qual alguém assume dívida em lugar de outrem, que era, até o momento, o devedor, O contrato é abstrato. Não importa se concluído foi o contrato entre o assumente e o credor, ou se entre aquele e o devedor, assentindo o credor. Se houve negócio jurídico causal, subjaz: não é parte do contrato de assunção de divida. A invalidade do negócio jurídico de que resulta a relação

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jurídica subjacente não se contagia ao negócio jurídico da assunção de dívida. Cabe, todavia, a condictio ou a exceção se, em conseqUência do adimplemento, se enriquece ou se enriqueceria, injustificadamente, o credor. g) A estipulação a favor de terceiro é negócio jurídico abstrato: não importa a razão por que se favorece o terceiro. Isso não quer dizer que o direito do terceiro não fique sujeito às objeções que nasçam de invalidade, da natureza e do conteúdo do contrato. h) A remissão de divida é contrato abstrato. O devedor que alega ter sido remitida a divida não tem ânus de alegar e provar a causa da remissão, Se ocorre enriquecimento sem causa, cabe a condictio. Nada obsta a que se faça depender a remissão de existir a causa. i) Na assinação, autoriza-se o assinado a prestar por conta do assinante e autoriza-se o assinatário a cobrar e receber do assinado. Há duas outorgas de poder, por declarações unilaterais de vontade. Outorga de poder, porém não outorga de poder de representação, como parecia, erradamente, a O. LENEL (Stellvertretung und Vollmacht, Jherings Jahrbilcher, 36, 113 s.). A assinação e a aceitação da assinação são negócios jurídicos abstratos. Não dependem das relações jurídicas subjacentes entre o assinante e o assinatário e entre o assinante e o assinado. Foi êrro de técnica legislativa ter-se a assinação por duplo mandato, o que ainda perdurava no Código Civil austríaco, §§ 1.400-1.403, e no Código suíço das Obrigações, arts. 406-411. mas a Novela austríaca III (1912), arts. 176-179 corrigiu o texto austríaco. Nem é de admitir-se que se trate de poder de representação para encaixe (O. LENEL, Stellvertretung und ‘Vollmacht, Jherings Jahrbiuher, 36, 113 5.; K. HELLWIG, Die Vertrdge auf Leistung an Dritte, 100 e 130); nem de mandato (F. LENT, Die Anweisung ais Vollrnacht um! im Konkurse, 83), nem de duplo mandato (O. WIELAND, fie Ermãchtigung zum Leistungsempfang, Archiv flir die civilistische Praz is, 95, 161 s.). j)Os títulos cambiários e cambiariformes são, de regra, abstratos. Ou são ao portador, ou endossáveis. Quanto à letra de câmbio e à nota promissória, a formalidade e a abstração são decorrentes da lei especial e da evolução histórica dos institutos cambiários. O aceite da letra de câmbio é declaração unilateral de vontade, abstrata. Tudo se passa à semelhança da assinação, porém não idênticamente: o sacado éna posição do assinado, como o sacador na do assinante. Observe-se que o mesmo ocorre com o subscritor da duplicata me>’cantil e o aceitante. Quanto ao cheque, não há aceitação de cheque: apresentado, tem de ser satisfeito. Tanto a criação do cheque quanto a de títulos cambiários são declarações de vontade abstratas. Promete-se a quantia mencionada, em natura. Os títulos de valor podem ser causais ou abstratos. Abstratos, tudo se rege pelos princípios do direito cambitrio, ou conforme a lei da circulação (ao portador, à ordem, ou por cessão). O que disse a respeito dos títulos cambiários é de entender-se também quanto aos títulos cambiariforines (letras bipotecárias, cédulas hipotecárias, pignoraticias e mistas, promissória rural, warrants). k) A tradição da posse não é negócio jurídico; não se lhe pode atribuir ser abstrata. Trata-se de ato-fato jurídico. De nada abstrai: é sem causa. Do que acima se disse fâcilmente se tira que a abstração pode existir em negócios jurídicos que não geram obrigação (e. g., transferem). 1) Os títulos de crédito podem ser abstratos. Os títulos cambiários e cambiariformes são abstratos. Os títulos ao portador podem ser abstratos. Não no são necessâriamente (P. OrnaMANN, Das abstracte GescMft, 16). m)Os títulos incorporantes nominativos e não endossáveis também podem ser abstratos. Outrossim, os endossáveis e os ao portador. Os cupões de juros, rendas, bonificações, prêmios e preferência para subscrição de ações ou de debêntures são, de regra, causais. Idem, os cartões para substituição. Os documentos de crédito sem nome do outorgado, que não se possam considerar títulos ao portador, são causais; bem assim os títulos nominativos com cláusula de legitimação. A formalidade dos negócios jurídicos abstratos é coincidência, embora frequente. Não se trata de correlação necessária. Pode haver negócio jurídico abstrato aformal, como se dá com a tradição do titulo ao portador e a remissão de dívida segundo o art. 1.053 do Código Civil, e negócios jurídicos há, formais, que não são abstratos. Quanto à causa, aqueles que dizem não se conceber negócio jurídico sem causa e argumentam que tanto a causa existe neles que se apura, mais tarde, na ação de enriquecimento injustificado, são vítimas de êrro de conceito da ação de enriquecimento injustificado. Na ação de enriquecimento injustificado não se verifica se o negócio jurídico foi sem causa, ou se não foi. O negócio jurídico foi executado e tudo que a ele se prendia foi atendido, dentro das regras jurídicas. A ação de enriquecimento tem outro fundamento, que é o de exame das esferas jurídicas de duas ou mais pessoas, o de verificação do que, devido ao enriquecimento de uma, ou de algumas, perdeu o patrimônio da outra. Pode bem ser que não se possa averiguar. Pode bem ser que não tenha existido entre elas qualquer negócio jurídico. Bastaria isso para se ver que não é a causa do negócio jurídico que se faz vir à tona. Tanto pode ter havido negócio jurídico abstrato quanto negócio jurídico causal, ou não ter havido negócio jurídico, ou ter sido nulo. § 2.765. Eficácia do negócio jurídico abstrato

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1. VALIDADE E EFICÁCIA. No tocante à validade, o negócio jurídico abstrato, por isso mesmo que afasta a causa, se ela existe, livra-se de nulidades e anulabilidades que a ela se refiram. No que concerne à eficácia, a que tem o negócio jurídico abstrato é a que teria o negócio jurídico abstrato, mais a que resulta de se haver abstraído da causa. 2. PRINCÍPIOS. a) Quem alega negócio jurídico abstrato somente tem de provar o conteúdo desse negócio jurídico, não o que se refira à causa, se o houve. b) A validade do negócio jurídico abstrato é independente da causa; portanto da ilicitude ou da proibição da causa. c) O negócio jurídico abstrato abstrai da causa, não faz tábua rasa do que se possa ter passado entre os figurantes, noutro negócio jurídico; mas tOda a apuração de injustiça em prestações somente concerne a outro negócio jurídico, e contra o cumprimento das obrigações oriundas do negócio jurídico abstrato só há a condictio, a pretensão por enriquecimento injustificado, ou, entre os figurantes dele, exceções provenientes do negócio jurídico subjacente ou sobrejacente. Contra o negócio jurídico abstrato não se pode alegar que, sendo eivado de ilicitude (Código Civil, art. 145, II, 1. parte),nulo seja o negócio jurídico. Há exemplos que assaz esclarecem. A compra-e-venda de prédio à concubina, de que se fala nos arts. 1.177 e 248, IV, do Código Civil, é nula, incidindo o art. 145v II, 1.8 parte (ilicitude). Trata-se de negócio jurídico causal, a compra-e-venda. Se houve transmissão da propriedade, essa não poderia ser atacada, por ser negócio jurídico abstrato o acordo de transmissão, e por isso foi explícito o Código Civil, art. 248, IV, em permitir a reivindicação. Não se quebraram os princípios que regem os negócios jurídicos abstratos e o enriquecimento injustificado; deu-se a pretensão reivindicatória a quem obtiver a desconstituição do negócio jurídico (arts. 1.177 e 178, § 7,0, VI). A reivindicação tem aí alcance que a ação de enriquecimento injustificado não teria. Se, em vez do exemplo da transmissão de propriedade à concubina do homem casado, tomarmos outro, e. g., o do marido que, com procuração da mulher, vende e transmite a propriedade do prédio em comunhão a dono de prostíbulo, sendo o preço percentagem sObre os lucros do negócio de prostituição, o contrato de compra-e-venda é nulo, por incidência do art. 145, II, 1.~ parte, do Código Civil. Se já houve a transmissão, que se fêz em virtude de acOrdo de transmissão, que á negócio jurídico abstrato, não poderia ir contra o terceiro a mulher, porque a lei não lhe deu, ai, como a respeito dos bens transferidos àconcubina, a ação de reivindicação, pOsto que, ignoraudo a cláusula ilícita, pudesse ir com a condictio contra o adquirente. O marido não tem a condictio, por fOrça do art. 971 do Código Civil. 8. NULIDADE E NEGÓCIO JURÍDICO ABSTRATO. A ilicitude só é oponivel se se trata de pessoas em contacto (o sacador e o sacado, o endossante e o endossatário imediato), ou contra terceiro de boa fé. O negócio jurídico causal, que subjaz, ou outro fato jurídico vem à tona, se o demandante é pessoa em contacto, ou terceiro de má fé. Pergunta-se: ~o art. 145, II, 1.8 parte, do Código Civil é invocável contra o outorgado de promessa abstrata de divida, ou de reconhecimento abstrato de divida, ou de cessão de dívida? Já falamos dos negócios jurídicos superpostos (Tomo IV, § 407, 2). O que ali se disse também concerne à promessa abstrata de dívida e ao reconhecimento abstrato de dívida. Se o negócio jurídico é abstrato, a ilicitude somente pode vir à tona entre figurantes do negócio jurídico subjacente (Tomo IV, § 415, 1). Mas há o art. 971 do Código Civil: “Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei”. A ilicitude concerne ao objeto: ao dar, ao fazer, ao não fazer. Não à causa. Quando a causa é proibida, a lei edicta regra jurídica vedativa da doação (e. g., Código Civil, art. 1.177), ou da aquisição (e. g., Constituição de 1946, arta. 153, § 1.0, 155, parágrafo único, 160 e 180, §§ 1.0 e Se o negócio jurídico criaria obrigação de fazer o ilícito, ou de ilicitamente abster-se, ou de dar ilicitamente, do negócio jurídico consta a ilicitude, e a abstração não pré-elimina a nulidade, que é dele mesmo. Não há obrigação abstrata de saltear, ou de deixar de conviver com os filhos. Se a obrigação 4 de pagar x (e. g., nota promissória) e o tomador é B, não pode A alegar a ilicitude contra C, a quem B cedeu o crédito (ou endossou a nota promissória). Primeiramente, não se confundam alegação de nulidade, exceção e condictio. A nulidade pode ser matéria de defesa; não, porém, contra o negócio abstrato se da causa se abstraiu e a ilicitude está na causa. A condictio somente cabe se não é de reger a espécie o art. 971 do Código Civil. Oart. 145, II, 13 parte, do Código Civil não apanha os negócios jurídicos abstratos (L. ENNECCERUS, Lehrbuch, 1, 30.&34.a ed., 482; M. E. Eccius, Kondiktion des Wucherers nach BGB., Dentsche Juristen-Zeitung, VIII, 42; PETER KLEIN, Kann das abstrakte Rechtsgeschãft der Eigentumúbertragung nach dem deutschen BGB. jemais wegen Unsittlichkeit nichtig sem?, Aligemeine õsterreichische Gerichtszeitung, 54, 391 5.; ANDREAS VON TUHR, Der Aligerneine TeU, II, 2, 43 s.; sem razão: H. DERNBURG, Das Riirgerlicke Recht, 1, § 127, 2; Pn. LOTMAR, Der unrnoralische Vertrag, 63; MAX RUMPF, fie reichsgeríchtliche Rechtsprechung zu den §§ 138,

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817 BGB., Archiv fiir die civilistische Praxis, 117, 315 s.; a quem responde, excelentemente, A. VON TUHR, Eigentumser-werb aus unsittlichem Vertrag, Archiv fiir die civiustiache Praxis, 120, 1 s.). Também com a solução certa, H. LEONHARD (Der Allgemeine TeU, 379), G. PLANa (Xomment ar, 1, 4~ft ed., 368), P. OERTMANN, em muitos lugares, desde 1902 (Abstrakte Versprechen aus rechtswidrigem Verpflichtungsgrunde, Deutsche Juristen-Zeitung, VII, 105 s.), R. STAMMLER (Dia Lehre vom richtigen Rechie, 493), A. VON TUHR (Zur Lehre von deu abstrakten Schntdvertrdgen, 13 s.), F. SCHOLLMEYER (Recht der Schuldverhàltnisse, 186), H. DEGENKOLB (Zur Konstruktion und Systematik des Schuldversprechens, Jherings Jahrbiicher, 56, 228). Argumenta-se que, se se admite a condictio, quem abstratamente se obrigou não se obrigou (cp. 5. SCHLOSSMANN, Zur Lchre vo,t der Causa obligatorischer Vertrãge, 75; F. K. NEUBECKER, Der abstrakte Vertrag, Archiv fúr Buirgerliches Recht, 22, 84: “A pura obrigação de Tântalo!”). Mais do que a condictio, solapa-a a exceptio, acrescenta-se. O primeiro argumento peca por confundir com os meios de ataque ao negócio jurídico, tais como a ação de nulidade, a de anulação, a de resolução e a de rescisão, a pretensão por enriquecimento jurídico, que diz respeito a restituição mais precisamente, repetição por ter havido o fato do enriquecimento injustificado. A pretensão à repetição nada tem, aí, com o negócio jurídico. 4.RELAÇÃO ENTRE O NEGÓCIO JURÍDICO ABSTRATO E A OBRIGAÇÃO CAUSAL. Na dúvida, se a promessa de dívida ou o reconhecimento de dívida foi feito para assegurar o adimplemento de obrigação causal, entende-se que não foi novada, nem extinta por distrato (CARL CROME, System, II, 918). Então, há concorrência de obrigações. Todavia, pode resultar dos termos do negócio jurídico abstrato ou das circunstâncias que ele se extinguiu, por dação de título abstrato em soluto (O. vor~ GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 869). Quanto ao contrato de liquidação de contas, o reconhecimento abstrato das somas e do saldo não contém, conceptual-mente, como se tem dito, novação, de modo que as obrigações singulares se transformam na obrigação do saldo (sem razão,F.REGELSEERGER, fie rechtliche Natur der Abrechnung, Jherings Jahrbiicher, 46, 10 s.; O. VON GIERKE, Deutaches Privatrecht, III. 870). Tão-pouco a conta corrente comercial leva à novação, nem quanto às contas periódicas nem quanto à conta final. Com a aprovação da conta há negócio jurídico de reconhecimento abstrato. Até aí tem tôda razão a construção alemã; porém não novação <sem razão, O. VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 31; J. BREIT, em A. DÚRINGER e M. HACHENEURG, Das Handelsgesetzbuch, IV, 33 ed., 649 s.; KARL LEHMANN, Lehrbuch des Handelsrechts, 778; H. STAUB, Kommentar zum Handelsgesetzbuch, II, 1, 243). § 2.766. Obrigações abstratas e enriquecimento injustificado 1.CAUSA E ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. A ordem jurídica estabelece-se com o princípio de que não se tira a outrem o que é seu. Portanto, de que ninguém se locuplete com dano aos outros. Mas, nas relações entre si, nem sempre os homens estão em frente uns aos outros: A trata com B sobre a e sabre a, com C, e C, sobre a, com D. Se C se enriqueceu com a, justificadamente, pOsto que B tenha havido a sem causa, não pode A ir contra C. Se A tratou com B e E, justificadamente, houve a, mas, injustificadamente, C houve a, em negócio jurídico com E, não tem A pretensão e ação de enriquecimento injustificado contra C, pOsto que a tenha E. É o principio das pessoas~ em contacto. As ações reais é que escapam ao principio, porque a titularidade passiva cabe a todos. O enriquecimento injustificado somente pode ser oposto como exceção se os figurantes do negócio jurídico são o demandante e o demandado, ou, nos negócios jurídicos unilaterais, se estiveram em contacto. No direito brasileiro, o êrro no negócio jurídico não dá ensejo a exceção, mas a ação de anulação; não há ação de nulidade por êrro, de jeito que, em defesa, se pudesse alegar a nulidade por erro. O êrro no pagamento, esse, dá ensejo à pretensão restitutória por enriquecimento injustificado, o que só se concebe se pagamento já houve. ilícito, imoral ou proibido por lei. No texto suíço, fala-se de fim ilícito ou contrária aos costumes. A regra jurídica incide se o fim ilícito, imoral ou proibido por lei, foi colimada por ambos figurantes, ou só pelo que desejaria repetir. Basta ter havido á conclusão do negócio jurídica o intento ilícito, imoral ou proibido por lei. Não é preciso que tenha tida êxito. No que tange aos negócios jurídicos abstratos, a regra jurídica do art. 971 do Código Civil tem, na doutrina, a conseqUência de afastar um dos argumentos dos causalistas contra a própria existência de negócios jurídicos abstratas. 2.CONTEÚDO DO ART. 971 DO CÓDIGO CIVIL. Corno o Código Civil suíço, art. 66, o Código Civil brasileiro, art. 971, pré-exclui a repetição se algo se prestou para se obter fim

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