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PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
DEPARTAMENTO CENTRAL DE INVESTIGAÇÃO E ACÇÃO PENAL
João Melo
Conferencia “Trafico de Seres Humanos –Prevenção , Protecção e Punição
I- Salão Nobre da Ordem dos Advogados
14 de Março de 2016
Contributos sobre a
intervenção e investigação
dos órgãos de polícia
criminal e do Ministério
Público perante o fenómeno
criminal do tráfico de seres
humanos e criminalidade
associada
Geralmente pensa-se que a escravatura é um facto do passado, mas na verdade, esta praga
social continua muito presente no mundo de hoje.
Persistem múltiplas formas abomináveis de exploração do ser humano por outro ser
humano com fins ilegais : o tráfico de seres humanos, nomeadamente de menores, o
comércio dos migrantes ; a prostituição , o trabalho-escravo, entre outras
Em 2014, o primeiro Índice Global de Escravatura revelava que havia 29 milhões de escravos no
mundo. Portugal tinha entre 1300 e 1400 escravos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima
que há 21 milhões de pessoas vítimas de trabalho forçado, e que esta é uma actividade que gera um lucro
anual de 111 mil milhões de euros — a agricultura e trabalho doméstico são as áreas de maior
preocupação,notam num relatório de Maio de 2014.
Jornal Público 05-09-2014
Treze condenados no maior processo de escravatura em Portugal
Estavam acusados 48 arguidos num megaprocesso Tribunal de São João Novo, Porto. Penas variaram entre os
cinco anos e seis meses e os 12 anos.
Jornal Público 20-08-2014
Relação confirma condenação de família acusada de escravatura
Vítimas eram pessoas com deficiência mental e outras vulnerabilidades. Trabalhavam todos os dias e dormiam juntas
em cativeiro. Comiam restos e eram castigadas. Voltaram a Portugal "em pele e osso"
Jornal Público 06-09-2014
Julgamentos por escravatura são escassos, lembram peritos da ONU e da Organização Internacional do
Trabalho. Assegurar que vítimas recebem indeminização é essencial. Trabalho forçado gera lucro anual de
111 mil milhões de euros
Em Portugal Pelo menos 38 pessoas foram condenadas por tráfico de seres humanos desde 2007, ano em que o
crime deixou de contar apenas quando o destino era acto sexual ou prostituição e passou a abranger a exploração
laboral e a extracção de órgãos. Desde o início do ano de 2013, houve 16 indivíduos condenados.
Segundo o Ministério da Justiça, os tribunais de primeira instância dão conta de três condenados em 2008, cinco em
2009 e seis em 2012.2
Breve caracterização do fenómeno criminal em Portugal
e as medidas e meios processuais previstos em sede de inquérito
Salvo melhor opinião, no tipo de crimes em referência, Portugal parece surgir, na maioria dos casos
conhecidos, como um País de destino de vítimas de crimes de tráfico de seres humanos, não como País de
origem das mesmas.
Com efeito, exceptuando alguns casos de recrutamento de trabalho “escravo” em
Portugal, que parecem ter uma expressão bastante reduzida (os casos conhecidos já foram quase todos
julgados) a maioria das situações conhecidas de trafico de seres humanos estarão ligadas a redes e
associações criminosas, com natureza transnacional, que se dedicam à exploração da prostituição,
recrutando/angariando para efeito de exploração sexual, vítimas, na sua maioria do sexo feminino. Mais
recentemente o trafico de seres humanos para o trabalho agrícola e doméstico e também trafico de
menores parece estar a aumentar.
O fenómeno da emigração ilegal com destino ao Espaço Europeu, - maxime crimes p. e p. pelos
artº 181 a 183 da Lei 23/07 de 04JUL, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 29/12 de 09AGO) ,
pode por vezes surgir associado a crimes de trafico de seres humanos, previstos e puníveis pelos artº 160º
do Cód Penal, nomeadamente no que respeita a situações de exploração sexual ou envolvendo vítimas
menores, destinados a serem explorados ou adoptados ilegalmente.
Em qualquer das situações mencionadas, surge normalmente o recurso a associações
criminosas que se cruzam, nomeadamente redes de traficantes que recorrem a redes de falsificação
de documentos de identificação e a redes de branqueamento e outras.
Outra dificuldade acrescida ás investigações, ocorre quando a verdadeira identidade das
pessoas envolvidas é desconhecida e não é possível obter a sua verdadeira identificação junto dos
respectivos Países de origem.
Nas situações referidas os crimes de trafico de seres humanos é cometido em
concurso com outros crimes, nomeadamente lenocínio, falsificação de documentos,
branqueamento de capitais, extorsão, associação criminosa e outros.
Trata-se de uma realidade criminal que salvo melhor opinião não terá diminuído nos
últimos anos.
Isto porque, por um lado, o tráfico de seres humanos gera avultados proventos
e, por outro, porque está geralmente associado a redes criminosas bem organizadas,
que não são desmanteladas facilmente e não abdicam de se financiarem através das
referidas actividades ilícitas.
Conhecedor desta realidade, o Legislador Português, integrou o crime de trafico de seres
humanos no conceito de criminalidade altamente organizada, fixado no Artigo 1º al. m)
do Código de Processo Penal:
Nos seguintes termos “Para efeitos do disposto no presente Código considera-se:
m) Criminalidade altamente organizada as condutas que integrarem crimes de
associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de
substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência, participação económica em
negócio ou branqueamento.
Tal enquadramento jurídico tem por efeito a aplicação, em fase de inquérito de outros
preceitos que estabelecem imunidades, prerrogativas e alargamento dos meios e prazos da
investigação, essenciais para a recolha da prova e conclusão do inquérito
Como tal , sempre que são detectados indícios de criminalidade altamente organizada
, tal como definido no CPP , há lugar às seguintes regras especiais:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:remissões ao conceito de Criminalidade Altamente Organizada – na Fase de Inquérito:
• Artigo 139º, nº 2 - Imunidades, prerrogativas e medidas especiais de protecção de
testemunhas
• Artigo 143º, nº 4 - Primeiro interrogatório não judicial de arguido detido
(possibilidade de ser decidida a incomunicabilidade de detidos)
• Artigo 174º , nº 5, alínea a) - Alarga pressupostos das Revistas e Buscas – em
certas circunstancias os mandados podem ser emitidos por OPC)
• Artigo 177º , nº 2, alínea a) – Busca Domiciliária (pode ser executada entre as 21 e
as 07h00)
• Artigo187º , nº 2, alínea a) – Admissibilidade de escutas telefónicas)
• Artigo 202º , nº 1, alínea c) – Admissibilidade de Prisão Preventiva
• Artigo 215º , nº 2 e 3 - Aumento dos Prazos de duração máxima do inquérito e da
prisão preventiva
• Artigo 283º , nº 7 - Acusação pelo Ministério Público (aumento do limite legal de
testemunhas )
– As directrizes estratégicas de prevenção e combate ao trafico depessoas deverão ser entendidas como sendo as mesmasorientações que são fixadas na U.E. para a prevenção ecombate da criminalidade altamente organizada e passam por :
– Garantir a supervisão judicial efectiva das atividades em
matéria de segurança
– Prevenção e antecipação: uma abordagem proactiva e
baseada na informação
– Elaboração de um modelo global de intercâmbio de
informações sobre o fenómeno
– Cooperação Operacional
– Cooperação Judiciária em Matéria Penal
– Gestão Integrada das Fronteiras
– Dimensão Externa da Segurança Interna/Cooperação com
países terceiros
– Flexibilidade para se adaptar aos futuros desafios
INVESTIGAÇÃO / METODOLOGIA
Combate à Criminalidade Altamente Organizada
– Reconstituição histórica – investigaçãotradicional
– Actuação Flexível
– Cooperação Judiciária Internacional éfundamental
– Cooperação Policial
– Utilização de Tecnologia
– Foco no Fenómeno e no GrupoCriminoso Organizado vs. CasoConcreto
A RESPOSTA
– Especialização de magistrados e órgãos de polícia
criminal
– Centralizar investigações
– Concentrar meios de investigação
– Concentrar Informação
– Estabelecer Estratégias
– Disponibilização de Meios
– Rapidez
– Agilidade
– Dinâmica
– Neste tipo de criminalidade é muito importante
INVESTIGAÇÃO / METODOLOGIA
No combate e investigação de fenómenos relacionados com criminalidade especialmente violenta e
organizada, nomeadamente o crime de trafico de seres humanos , muitas vezes é essencial recorrer a
Meios Especiais de Obtenção de Prova, nomeadamente :
–Intercepção das Comunicações e Obtenção dos Dados de Tráfego de Comunicações; dispositivos de
vigilância e seguimento electrónico e outros meios tecnológicos disponíveis á investigação criminal.
–Uma eficaz aplicação do Estatuto da Protecção de Testemunhas
–O recurso a Ações Encobertas pode nalguns casos ser eficaz
–Recolha de Som e Imagem sem consentimento dos visados; – Conversação entre presentes
–Rapidez e Amplitude na quebra do Sigilo Bancário e do Sigilo Fiscal
–Garantir a tramitação do processo com aplicação de segredo de justiça , Actuação Sigilosa
–Instituto da Recuperação de Activos
–Não negligenciar os mecanismos legais associados à figura do Direito Premial : aplicação de
medidas de protecção de arguidos arrependidos ou colaborantes na descoberta da verdade , quando
admissível, quanto a criminalidade associada , utilização dos benefícios substantivos e processuais
legalmente previstos para os mesmos, suspensão provisória do processo, dispensa de pena e outros
–Não sendo em si um meio de obtenção de prova, é também importante preservar a autenticidade da
recolha de prova, nomeadamente com a garantia de um Regime Prisional diferenciado de forma a evitar
a possibilidade de coacção sobre testemunhas e arguidos
A importância da informação e “Intelligence”
Na prevenção e antecipação dos Riscos, Ameaças e Influência da
Acção
PREVENÇÃO
PROATIVIDADE
PREVISIBILIDADE
PADRÕES
Requer
Requer
Requer
Combate à Criminalidade Altamente Organizada -
Novos Paradigmas / Novas Abordagens Estratégicas
Ciclo de Informação / Investigação
– Existência de bases de dados
– Recolha de dados específicos
– Incluindo os obtidos por via de
– Cooperação Internacional
– Produção de informações
– Análise da informação
– Difusão das informações
– Feedback dos utilizadores
– Responder ás necessidades dos utilizadores
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Obtenção e Análise de informação
criminal com qualidade, são essenciais
para alcançar o objectivo da tomada de
decisão, que vise facilitar/potenciar:
oA REDUÇÃO
oA INVESTIGAÇÃO
oA PREVENÇÃO
Da actividade Criminosa
CONCENTRACÇÃO
Aquisição, Tratamento e
Análise de Informação
Otimização no uso
dos Recursos
Judiciais e Policiais
Estratégia
RESULTANDO EM
MAIS EFICÁCIA E EFICÊNCIA NA ACÇÃO
COORDENAÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO
Em estreita articulação com os elementos das forças de segurança afectos
ás investigações
gPrincipais dificuldades detectadas em casos práticos
e soluções encontradas:
I – Dispersão de inquéritos com objectos e modos operandi semelhantes a correr
termos em Comarcas e Distritos Judicias Distintos – solução encontrada: Por
decisão da Exmª Procuradora Geral da República foi pontualmente determinada a
concentração das investigações no DCIAP. Noutras situações deverá ser
rapidamente detectada e estabelecida a conexão de processos.
II – Equipas de investigadores distintas afectas a cada processo autónomo –
Solução encontrada : Afectação da mesma equipa de investigadores para todos os
processos cuja investigação foi concentrada, mesmo que os processos não tenham
sido apensados.
II- Informação útil dispersa e não tratada - Solução encontrada :
Determinação de quais as informações necessárias á investigação, diligencias
necessárias para a sua recolha e posterior análise e cruzamento de informações
efectuada de forma sistematizada.
III- Reforço dos canais de comunicação e troca de informações policiais em sede de
Cooperação Policial e Determinação de quais os elementos que só podem ser
obtidos por meio de pedidos de Cooperação Judiciária.13
Algumas especificidades e dificuldades inerentes á
investigação dos Crimes de Tráfico de seres humanos
Dificuldades quanto á rápida determinação da competência investigatória , quer do Ministério
Público , quer do Tribunal de Instrução Criminal, quer dos próprios órgãos de policia criminal
responsáveis pela Investigação : exemplo: aquilo que á primeira vista pode parecer apenas a pratica
de crimes relacionados com situações de imigração ilegal, pode na verdade representar crimes de
trafico de seres humanos e criminalidade associada a este fenómeno criminal.
Dificuldades relacionadas quer com a identificação dos intervenientes (criminosos e vítimas)
Dificuldades de conseguir assegurar a presença de intérpretes para determinadas línguas e
dialectos e de recolher a prova necessária, em 48 horas, para apresentação dos detidos, 141ºCPP
Necessidade de fazer intervir instituições de apoio ás vítimas e muitas vezes fazer intervir o
Tribunal de Menores, quando é necessário o recurso a medidas de promoção e protecção de
menores .
Necessidade de ser assegurada a prova com a tomada de declarações para memória futura, em
relação a vítimas ou testemunhas em relação ás quais se prevê o abandono do território Nacional
Dificuldades relacionadas com a necessidade de recurso a pedidos de cooperação judiciaria
internacional, cujo prazo de resposta, muitas vezes não é compatível com os prazos máximos
estabelecidos para conclusão do inquérito, em especial quando existem arguidos sujeitos a medidas
detentivas (Prisão preventiva ou OPHVE),
Especiais dificuldades de obter meios de prova do dolo específico exigido pelo
tipo legal do crime de trafico de seres humanos , principalmente quando a investigação surpreende
os suspeitos antes destes terem logrado colocar as vítimas no seu destino final. aliado ao facto de
muitos dos crimes serem consumados no estrangeiro14
João Melo
DCIAP- Rua Gomes Freire, 213
1150-178- LISBOA
Telefone - +351 213 847 000
Email – [email protected]
Obrigado pela Vossa atenção