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Tradição e Modernidade na obra de Ricardo Piglia Renata Meirelles Ricardo Piglia, o “debate realista” e a polêmica entre Brecht e Lukács Este artigo tem por objetivo promover uma primeira aproximação entre a obra de Ricardo Piglia e a teoria estética de Brecht. Ricardo Piglia, escritor e crítico literário, é hoje considerado um dos mais proeminentes intelectuais do campo intelectual argentino. Sua trajetória como escritor começa durante a década de 1960, em meio ao denominado boom da literatura latino-americana, quando publica seus primeiros contos. O reconhecimento, no entanto, se dá com Respiração Artificial, a mais celebrada obra de Piglia, publicada em 1980, em meio à Ditadura Argentina (1976-1983). A obra de Piglia foi sempre marcada por intensa experimentação em sua linguagem, o que, no entanto, jamais significou o descolamento dos temas e questões da realidade. Respiração Artificial é bastante emblemático nesse sentido, pois, ao mesmo tempo em que Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense

Tradição e Modernidade Na Obra de Ricardo Piglia

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Critica literária.

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Tradição e Modernidade na obra de Ricardo Piglia

Renata Meirelles∗

Ricardo Piglia, o “debate realista” e a polêmica entre Brecht e Lukács

Este artigo tem por objetivo promover uma primeira aproximação entre a obra de

Ricardo Piglia e a teoria estética de Brecht. Ricardo Piglia, escritor e crítico literário, é hoje

considerado um dos mais proeminentes intelectuais do campo intelectual argentino. Sua

trajetória como escritor começa durante a década de 1960, em meio ao denominado boom

da literatura latino-americana, quando publica seus primeiros contos. O reconhecimento, no

entanto, se dá com Respiração Artificial, a mais celebrada obra de Piglia, publicada em

1980, em meio à Ditadura Argentina (1976-1983).

A obra de Piglia foi sempre marcada por intensa experimentação em sua linguagem,

o que, no entanto, jamais significou o descolamento dos temas e questões da realidade.

Respiração Artificial é bastante emblemático nesse sentido, pois, ao mesmo tempo em que

∗ Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense

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traz, em sua forma, uma narrativa fragmentada, alude, ainda que de maneira indireta, à

Ditadura Argentina que vigorava.1

Para pensar a obra de Piglia, tão marcada pela experimentação e pela presença de

elementos alegóricos em sua narrativa, pode ser profícuo recuperar o chamado “debate

realista” e a polêmica sobre realismo, arte e vanguardas entre Brecht e Lukács. O próprio

Piglia, hoje mais dedicado à atividade de crítica literária que à escrita, reivindicou uma

postura brechtiana dentro desse debate. Em Crítica y Ficción, Piglia recorda o período em

que, quando esteve à frente de uma revista literária, buscou enfrentar a tradição lukacsiana:

era un intento de intervenir en el debate de la izquierda, enfrentar la tradición de Lukács y el realismo, empezar a hacer entrar los problemas que planteaban Brecht, Benjamin, la tradicion de la vanguardia rusa de los años 20, Tretiakov, Tinianov, Lissitsky2

Para compreender o que Piglia chama de “tradição de Lukács”, é preciso remontar

ao cenário artístico da Alemanha dos anos 1920. Como resposta à crise do Expressionismo,

surge a Neue Sachlichkeit, movimento que foi traduzido por “Nova Objetividade” ou

“Novo Realismo”.3 Esse movimento procurou romper com a centralidade atribuída ao

sujeito nos processos de representação do mundo, característica do Expressionismo. Na

literatura, o retorno ao realismo é comum a algumas obras de Heinrich e Thomas Mann,

Alfred Döblin, Franz Werfel, Erich Maria Remarque e Lion Feuchtwanger.4

O pensador húngaro celebra o renascimento do da literatura realista por esta ser

capaz refletir a “própria realidade fiel e objetivamente”.5 Naquele momento, embora

assistisse ao renascimento do Realismo na Alemanha, Lukács tinha consciência de que a

literatura burguesa contemporânea estaria repartida entre dois principais movimentos:

Realismo e vanguardas.

1 Kathleen Newman sustenta que a construção literária do romance é tão sofisticada que apenas os leitores mais educados seriam capazes de decifrar as referências do texto e relacioná-lo à situação histórica do regime militar. Para a autora, Respiração Artificial conseguiu ser publicado em meio à censura apenas em face de sua estrutura hermética.Ver: NEWMAN, Kathleen. Historical knowledge in the post-boom novel. In: BALDERSTON, Daniel. (org.) The historical novel in Latin America. Gaithersburg: Ediciones Hispamérica, 1986. p. 215. 2 PIGLIA, Ricardo. Crítica y ficción. Buenos Aires: Editorial Planeta Argentina, 2000. p. 103. 3 ALMEIDA, Jorge. Crítica dialética em Theodor Adorno: música e verdade nos anos vinte. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007. p. 159-161. 4 Idem, ibidem. pp. 159-161. 5 LUKÁCS, Georg. Realismo crítico hoje. Brasilia: Coordenada, 1969. p. 42.

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É bastante conhecida a posição de Lukács sobre a literatura de vanguarda, cuja

concepção de mundo, na visão do autor, transmite uma impressão global de estagnação. A

exemplo disso, a literatura de autores como Joyce e Kafka não primaria por mostrar a

“realidade efetiva” e tampouco traria personagens enraizados concretamente no seio das

relações históricas.6 Dentro desse ponto de vista, a vanguarda literária, portanto, não

considera “mais do que “o” homem, o indivíduo que existe desde sempre, essencialmente

solitário, desligado de todas as relações humanas.”7

Em consonância com a “Nova Objetividade” ou “Novo Realismo” (Neue

Sachlichkeit), Lukács se posicionou em favor da forma realista de literatura e, ao mesmo

tempo, se mostrou extremamente refratário à experimentação, à linguagem abstrata e às

alegorias tão características da literatura moderna do início do século XX. Tendo como

modelo a literatura realista, sobretudo a obra de Thomas Mann, por esta refletir de maneira

fiel e objetiva a realidade, a concepção de arte do marxista húngaro enfatizou, portanto, a

semelhança entre arte e realidade.

Ricardo Piglia, escritor que sempre fez questão de demarcar sua filiação a escritores

considerados modernos, a exemplo de Kafka, Joyce e Faulkner, de maneira coerente,

procurou se afastar da teoria literária lukácsiana, ao mesmo tempo em que buscou

aproximar-se do pensamento de Brecht e dos formalistas russos.

Em sua teoria estética do teatro, Brecht reivindicou para si e para sua prática teatral

uma postura que se declarava radicalmente inovadora por se distinguir do chamado “teatro

burguês” ou “teatro dramático” (dramatic theatre). A seu ver, este estaria ligado ao tipo de

representação melodramática com o gosto sentimental e o apelo aos sentimentos e emoções

que reforçavam o sentimento de eterno e imutável da natureza humana. Brecht associa esse

tipo de teatro ao “teatro aristotélico”, considerado por ele essencialmente estático e

centrado nas emoções que apenas aprisionam a mente do espectador.8

De acordo com Kiralyfalvi, Brecht começa a formular a ideia de teatro épico pouco

antes da exposição aos textos de Marx. Em 1926, em entrevista a Walter Benjamin, ela já

6 Idem, Ibidem. p. 37. 7 Idem, ibidem. p. 37. 8 Kiralyfalvi, Bela. The Aesthetic Effect: A Search for Common Grounds Between Brecht and Lukacs. Journal of Dramatic Theory and Criticism, 1990.

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identifica a ideia de “empatia” 9 como o tipo de sentimento que deveria ser extirpado do

teatro e formula a noção de teatro épico como aquela que traria a “razão” aos palcos.

Acredita que a noção aristotélica de “imitação” é a principal responsável pela forte

identificação emocional entre personagens e platéia. Ainda de acordo com Kiralyfalvi,

Brecht equivocadamente associou as recomendações de Horácio e Cícero para provocar

lágrimas nas platéias à autoria de Aristóteles. Apesar de sua leitura de Aristóteles, Brecht é

bastante preciso ao observar que o teatro ocidental que ele testemunhou é largamente

influenciado pelos ideais de Aristóteles e da tragédia grega e suas respectivas concepções

de “imitação”, “catarse” e “universal”.

Brecht acredita, portanto, que a razão e o aprendizado e não as emoções são

compatíveis com o entretenimento dentro do teatro. Brecht propõe então sua concepção de

teatro que romperia com o teatro tradicional na medida em que traria o “efeito de

alienação” (Verfremdungseffekt), a mais conhecida característica do teatro épico. É Piglia

que, em Crítica y ficción, Piglia disserta sobre como Brecht travou conhecimento com o

chamado “efeito de alienação”:

En 1923, Brecht conoce, en Berlin, a la directora teatral soviética Asja Lacis y ella quien lo ponde em contacto com las teorías y experiencias de la vanguardia soviética. Por intermedio de Asja Lacis, Brecha conoce la teoría de la ostranenie que han elaborado los formalistas rusos y que él traduce como efecto-v.10

O termo “efeito de alienação” teria origem na concepção do formalista russo Victor

Shklovsky, "Priem Ostrannenija", que significa literalmente “um dispositivo para causar

estranhamento”. Brecht objetivava aumentar o raio de percepção e de tornar os objetos não-

familiares. Ele tenta, dessa forma, utilizar o efeito-v como uma barreira à “empatia” e que

torna possível o reconhecimento do objeto ao mesmo tempo em que o faz parecer não-

familiar.

9 O que Brecht entende por “empatia” é uma forte identificação emocional entre o público e os personagens, o que impede que os espectadores façam juízos críticos independentes sobre as ações dos personagens. Ver. Kiralyfalvi, Bela. The Aesthetic Effect: A Search for Common Grounds Between Brecht and Lukacs. Journal of Dramatic Theory and Criticism, 1990. p. 28. 10 PIGLIA, Ricardo. Op. cit. P. 180.

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Brecht esperava que, através do efeito-v, o espectador poderia ser capaz de “criticar

construtivamente de um ponto de vista social”.11 Para o dramaturgo tal efeito tem por

objetivo trazer o espectador para um estado de alta consciência de um certo aspecto da

realidade social humana.

A postura de Brecht difere bastante daquela de Lukács acerca do que este entende

por “efeito estético”. Lukács torna a noção de catarse aristotélica a chave para a sua

definição da experiência estética, ainda que sua concepção de catarse seja bastante diferente

daquela de Aristóteles. 12 Para Lukács, catarse significava um efeito que prepararia as

almas para aceitar aquilo que é moralmente bom. Para Lukács, portanto, o efeito da

experiência artística seria de natureza moral e não emocional, aprofundando, dessa forma as

relações entre estética e ética. Portanto, de maneira semelhante a Brecht, desconfia dos

efeitos artísticos meramente emocionais.

O que Kiralyfalvi mostra é que Brecht posteriormente modifica um pouco a sua

posição sobre a pertinência do estímulo às emoções no palco, concluindo, em 1944, que

seria um erro afirmar que o teatro épico é contrário a todo e qualquer tipo de emoção. O

teatro épico, afirma, continuaria a desempenhar um papel diferenciado à medida que propõe

examinar as emoções e não apenas estimulá-las. Portanto, não se renuncia às emoções, ao

contrário, tenta estimular certo de tipo de emoções como o sentimento de justiça, a

necessidade de lutar pela liberdade e o ódio justificado.

É nesse ponto que é possível perceber uma aproximação entre as posições de Brecht

e Lukács. Ambos estão de acordo com uma arte cujo efeito no ser humano deve ser de

natureza ética e convergem também no sentido de que se deve evitar a empatia, entendida

aqui como a relação acrítica e passiva estabelecida entre público e arte. A empatia que

Brecht evita é aquela forte identificação estabelecida entre o público e os personagens que

impede que os espectadores façam qualquer juízo crítico sobre as decisões e ações desses

personagens. O que Brecht entendia por “empatia” era algo que, na visão de Lukács,

também deveria ser evitado na obra de arte. Nesse sentido, as obras de arte que estimulam a

imersão nos sentimentos alheios são por ele consideradas triviais e escapistas.

11 Kiralyfalvi, Bela. Op. cit. p. 22. 12 Idem, ibidem. p. 23.

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Muito embora seja possível perceber certas aproximações entre as concepções de

“efeito estético” e de efeito-v de Lukács e Brecht, é possível notar também que suas

respectivas concepções sobre arte diferiram em aspectos importantes, sobretudo no que diz

respeito às inovações estéticas trazidas pelas vanguardas.

Modernidade e experimentação na obra de Ricardo Piglia

A luz sobre o chamado “debate realista” e sobre a polêmica entre Brecht e Lukács

em torno da arte pode iluminar a controvertida e ancestral questão acerca das relações entre

arte e sociedade, discussão que se mostra premente no cenário literário argentino, no qual,

desde a segunda metade do século XX, é possível destacar um seleto grupo de escritores

que se dedicaram a carregar nas tintas da experimentação em suas obras. É o caso de

Borges, Bioy Casares, Cortázar, Manuel Puig e Ricardo Piglia. Muitas das obras desses

escritores apontam para um tipo de literatura que, de certa forma, representa uma linha de

continuidade com a modernidade das chamadas “vanguardas literárias” do início dos anos

1920. Nessas obras, ainda que seja possível reconhecer o real, seus contornos são cada vez

menos nítidos. É o caso de Cidade Ausente (1992), romance de Ricardo Piglia.

Nesse romance, a narrativa é ambientada em Buenos Aires em um período de tempo

não definido pelo autor. Um dos personagens, Junior, jornalista, recebe informações de

uma misteriosa mulher que transmite relatos de assassinatos e perseguições. Ao longo da

narrativa, o leitor percebe que a tal mulher se encontra internada em um suposto

manicômio, onde é submetida a sessões de choques elétricos.

O argumento do livro Cidade Ausente (1992), de Ricardo Piglia, poderia ser

compreendido como o de um relato policial - no qual sucedem misteriosos eventos que

envolvem personagens com delírios psicóticos e um jornalista responsável por cobrir os

crimes para seu jornal - se a ele não fosse acrescida a existência de uma máquina capaz de

multiplicar e transformar relatos. No livro, a tal máquina teria sido obra do escritor

argentino Macedonio Fernández. (1874-1952) que, após a trágica morte de sua esposa

Elena, teria sido capaz de restituir-lhe a vida, transformando-a em uma máquina e

conferindo-lhe poderes telepáticos.

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À medida que percorremos as páginas de Cidade Ausente, é possível notar que a tal

máquina é a própria mulher responsável por transmitir informações a Junior. Chama-se

Elena e se encontra internada em uma clínica, na qual é submetida a sessões de choques

elétricos e onde se encontra na iminência de ser operada. A personagem Elena seria, na

verdade, a falecida esposa do escritor argentino Macedonio Fernández. (1874-1952) que,

após a trágica morte de sua esposa Elena, teria sido capaz de restituir-lhe a vida,

transformando-a em uma máquina e conferindo-lhe poderes telepáticos.

A trama de A cidade ausente é construída em torno da figura do escritor Macedonio

Fernández, cuja misteriosa trajetória inspira Piglia a preencher as lacunas deixadas por sua

biografia. Depois da morte da sua mulher, Macedonio passou a ter uma vida errante e

escassamente documentada. Seus textos, segundo depoimentos de Borges, foram

abandonados nos diversos locais em que morou e, ao invés de fixar suas idéias sob a forma

escrita, ele procurava disseminá-las através de longas conversas.

A narrativa de Cidade Ausente, portanto, se desenvolve em meio a um emaranhado

de elementos e eventos fantásticos, a qual inclui a presença igualmente fantástica do

escritor Macedonio Fernández e de sua mulher Elena Obieta, transformada em máquina. A

narrativa fragmentada sequer permite ao leitor saber ao certo se a personagem Elena sofre

uma absurda alucinação que não tem quaisquer conexões com a realidade ou se, em função

das sessões de tortura que sofreu, narra histórias que apenas em aparência soam absurdas.

Em Cidade Ausente Piglia opta por continuar com uma escrita tão ou mais

hermética que a de seu romance anterior, Respiração Artificial (1980). Mais uma vez,

percebe-se uma estrutura de texto fragmentada, da qual só se torna possível apreender o

real por meio de uma leitura extremamente atenta.

No entanto, é possível remetê-la à situação histórica da sociedade argentina, ainda

que a associação de Cidade Ausente à dinâmica sócio-política da Argentina pós-Ditadura

não esgote sua compreensão. Há, no texto, uma série de elementos que permitem relacioná-

lo ao debate em torno da questão da memória sobre os crimes perpetuados pelo aparelho de

Estado militar ocorridos durante a Ditadura (1976-1983).

O próprio argumento central do romance - a existência de uma máquina que relata,

dentre as mais variadas histórias, a trajetória de pessoas perseguidas, crimes e até mesmo de

cemitérios clandestinos - sugere uma alusão à memória dos crimes recentemente cometidos

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pelo aparelho de Estado argentino. A máquina pode ser interpretada como uma alegoria da

memória sobre a experiência traumática da Ditadura, sobretudo porque, e isso fica claro ao

longo da narrativa, sua existência representa uma ameaça ao establishment. Por isso, a

torturam, a submetem a choques elétricos e optam por operá-la com a finalidade última de

apagar a sua memória e, assim, pôr fim às suas recordações traumáticas.

O debate em torno da memória sobre os crimes praticados durante a Ditadura

ganhou ampla repercussão na sociedade argentina, uma vez que as narrativas testemunhais

se tornaram a principal fonte de conhecimento sobre os crimes, já que os arquivos militares

permaneceram fechados. Com o fim da Ditadura, o ato de recuperar a memória dos traumas

sofridos tornou-se uma atividade de restauração dos laços sociais e comunitários perdidos

durante o exílio ou destruídos pela violência de Estado.13 A luta pelo julgamento dos

militares ao longo das últimas décadas tem transcorrido em meio a permanentes tensões

entre militares e vítimas e parentes de vítimas.

Um dos primeiros atos de Alfosín, presidente que liderou a transição democrática

na Argentina, foi promover o júri popular dos ex-comandantes da ditadura, o que permitiu

desvendar as atrocidades cometidas durante o regime. Contudo, a pressão por parte dos

militares acabou levando o governo de Alfosín a recuar, com a promulgação da Lei “del

Punto Final” (no. 23.492, dezembro de 1986), a qual limitou o período de acusação dos

envolvidos na repressão militar a apenas 60 dias e que teve as suas drásticas conseqüências

radicalizadas com a “Lei de Obediencia debida” (setembro de 1987) que isentou de culpa

todos os militares inferiores ao general de brigada., as quais impediam a abertura de novos

processos contra militares. É apenas durante o governo do peronista Nestor Kirchner que

essas leis foram revogadas.

Conclusão

É preciso, antes de tudo, destacar que o presente trabalho trouxe apenas os primeiros

apontamentos de uma pesquisa que ainda se encontra em fase inicial. A ideia de promover

13 SARLO, Beatriz. Tiempo Pasado: cultura de la memoria y giro subjetivo – Una discusión. Buenos Aires: Siglo veintiuno editores. p. 58.

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uma primeira aproximação entre Piglia e a teoria estética de Brecht poderá ser em outra

oportunidade melhor desenvolvida.

Feitas essas observações, é possível afirmar que a modernidade das “vanguardas

literárias” do início do século, a exemplo de Kafka e Joyce, trouxe como marcas uma

literatura assinalada pelo predomínio do imaginário sobre o real e pela primazia do

elemento alegórico. Por esfumaçar de tal forma a realidade, a ponto de torná-la cada vez

mais difícil de apreender, a modernidade da obra de Piglia, assim como a de muitos

escritores de fins do século XX, representa um desafio à interpretação e à crítica literária.

A intertextualidade, a presença do fantástico e a fragmentação do texto de tais obras

trazem algumas dificuldades para serem lidas dentro dos marcos do realismo. Na literatura

moderna ainda que seja possível perceber o real, este não aparece da mesma forma que na

literatura realista, na qual seus contornos aparecem de maneira nítida. A literatura moderna,

em consonância com a teoria estética brechtiana apresenta o real de maneira diferente e

não-familiar, mas ainda o apresenta de forma reconhecível. Por isso, pode ser extremante

profícuo levar a perspectiva estética de Brecht para a compreensão da modernidade literária

do século XX.

Bibliografia

ALMEIDA, Jorge. Crítica dialética em Theodor Adorno: música e verdade nos anos vinte.

São Paulo: Ateliê Editorial, 2007

KIRALYFALVI, Bela. The Aesthetic Effect: A Search for Common Grounds Between

Brecht and Lukacs. Journal of Dramatic Theory and Criticism, 1990.

LÖWY, Michael. Franz Kafka: sonhador, insubmisso. Rio de Janeiro: Azougue Editorial,

2005.

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_____________. Cuidad Ausente. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1992.

SARLO, Beatriz. Tiempo Pasado: cultura de la memoria y giro subjetivo – Una discusión.

Buenos Aires: Siglo veintiuno editores

WILLET, John (org) Brecht on Theatre. Nova York: Hill and Wang, 1992.