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O objeto de trabalho deste estudo é entender as razões da utilização da mão de obra escrava, principalmente do negro africano para o desenvolvimento da economia capitalista da colônia portuguesa, o Brasil. A partir de suas características especificas e de seus recortes históricos, analisaremos as complexas relações do escravismo colonial no desenvolvimento da economia capitalista, desde sua lógica interna e seus principais mecanismos de dominação.
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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e LetrasCampus de Araraquara - SP
CLAUDEMIR CARLOS PEREIRA
TRABALHO AVALIATIVO SOBRE A ESCRAVIDÃO NATRABALHO AVALIATIVO SOBRE A ESCRAVIDÃO NA
AMÉRICA COLONIAL PORTUGUESAAMÉRICA COLONIAL PORTUGUESA
ARARAQUARA – S.P.2015
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CLAUDEMIR CARLOS PEREIRA
TRABALHO AVALIATIVO SOBRE A ESCRAVIDÃO NATRABALHO AVALIATIVO SOBRE A ESCRAVIDÃO NA
AMÉRICA COLONIAL PORTUGUESAAMÉRICA COLONIAL PORTUGUESA
Relatório Apresentado para a Disciplina SOC1244D – Formação e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira – do Curso de Ciências Sociais, ministrada pelo Prof.° Dr. José Antonio Segatto.
ARARAQUARA – S.P.2015
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RESUMO
O objeto de trabalho deste estudo é entender as razões da utilização da mão de obra escrava, principalmente do negro africano para o desenvolvimento da economia capitalista da colônia portuguesa, o Brasil. A partir de suas características especificas e de seus recortes históricos, analisaremos as complexas relações do escravismo colonial no desenvolvimento da economia capitalista, desde sua lógica interna e seus principais mecanismos de dominação.
Palavras – chave: Escravidão. Brasil. Escravismo Colonial.
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INTRODUÇÃO
Nos séculos que se seguiram ao colapso do Império romano, a escravidão não
desapareceu por completo na Europa ocidental e mediterrânea. No entanto, no decorrer da
Baixa Idade Média, a escravidão como sistema de trabalho deixou de existir no Ocidente
europeu, se excetuando os países do Mediterrâneo, isto é, das penínsulas Ibérica e Itálica.
Mesmo aí, ela foi, nos séculos XIV e XV, tão somente uma instituição urbana, com
importância limitada no conjunto da economia; o emprego em larga escala de cativos na
produção agrícola havia se tornado residual nestas últimas regiões.
A recriação do sistema de escravismo, com o emprego massivo de escravos nas tarefas
agrícolas, seria realizada por portugueses e espanhóis somente após a segunda metade do
século XV, com a introdução da produção açucareira nas ilhas atlânticas orientais (Canárias,
Madeira, São Tomé), e, no século XVI, com a exploração e colonização do Brasil.
Baseada na experiência acumulada com o fabrico do produto açúcar nas ilhas da
Madeira e de São Tomé, a Coroa Portuguesa procurou estimular a construção de unidades
açucareiras no Brasil desde a década de 1530. Mas, até os anos 1570, os colonos encontraram
grandes dificuldades para fundar em bases sólidas uma rede de engenhos no litoral, como
problemas com o recrutamento da mão de obra e falta de capitais para financiar a montagem
dos engenhos.
Ao serem superadas tais dificuldades, com atrelamento da produção brasileira aos
centros mercantis da Europa e a articulação do tráfico de escravos entre África e Brasil,
tornou-se viável o arranque definitivo da indústria de açúcar escravista da América
portuguesa, o que ocorreu entre 1580 e 1620, quando o crescimento acelerado da produção
brasileira ultrapassou todas as outras regiões abastecedoras do mercado europeu.
Cabe aqui algumas palavras sobre o papel que o tráfico transatlântico de africanos
desempenhou no deslanche da produção açucareira brasileira. A mão de obra empregada na
montagem dos engenhos de açúcar no Brasil foi predominantemente indígena. Uma parte dos
índios (recrutados em aldeamentos jesuíticos no litoral) trabalhava sob-regime de
assalariamento, mas a maioria era submetida à escravidão. Os primeiros escravos africanos
começaram a ser importados em meados do século XVI; seu emprego nos engenhos
brasileiros, contudo, ocorria basicamente nas atividades especializadas de cultivo da cana de
açúcar e da produção manual do açúcar.
Por esse motivo, eram bem mais caros que os indígenas: um escravo africano custava,
na segunda metade do século XVI, cerca de três vezes mais que um escravo índio. Após 1560,
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com a ocorrência de várias epidemias no litoral brasileiro (como sarampo e varíola), os
escravos índios passaram a morrer em proporções alarmantes, o que exigia reposição
constante da força de trabalho nos engenhos.
Na década seguinte, em resposta à pressão dos jesuítas, a Coroa Portuguesa promulgou
leis que coibiam de forma parcial a escravização de índios. Ao mesmo tempo, os portugueses
aprimoravam o funcionamento do tráfico negreiro transatlântico, sobretudo após a conquista
definitiva de Angola em fins do século XVI.
Os números do tráfico bem o demonstram: entre 1576 e 1600, desembarcaram em
portos brasileiros cerca de 40 mil africanos escravizados; no quarto de século seguinte (1601-
1625), esse volume mais que triplicou, passando para cerca de 150 mil os africanos aportados
como escravos na América portuguesa, a maior parte deles destinada a trabalhos em canaviais
e engenhos de açúcar.
O sucesso da produção escravista de açúcar da América portuguesa logo atraiu a
atenção dos demais poderes coloniais europeus. Já em fim do século XVI, era crescente o
envolvimento de negociantes ingleses e holandeses no comércio açucareiro entre Brasil e
Europa.
As invasões holandesas da Bahia (1624) e Pernambuco (1630) foram em grande parte
motivadas pelo dinamismo da economia açucareira dessas capitanias. Os membros e
acionistas da Companhia das Índias Ocidentais Holandesas (WIC), contudo, na época em que
comandaram a invasão das regiões produtoras de açúcar no Brasil, desconheciam por
completo os segredos da produção do artigo, que se resumiam basicamente a três aspectos: as
técnicas de processamento da cana-de-açúcar, as técnicas de administração dos escravos e a
organização do tráfico negreiro transatlântico.
Cedo os invasores perceberam a estreita relação geoeconômica que havia entre a
África e as regiões de plantation escravista na América. De nada valeriam as possessões
brasileiras se não se conquistassem os pontos que forneciam escravos do outro lado do
Atlântico. Por esse motivo, sob o comando de Maurício de Nassau, a WIC promoveu em 1638
a conquista do entreposto português de São Jorge da Mina e em 1641 a invasão de Angola.
O domínio holandês em Pernambuco durou pouco. Em 1645, eclodiu a revolta dos
colonos luso-brasileiros, que levaria à expulsão definitiva dos holandeses da América
portuguesa em 1654; antes disso, em 1648, os colonos luso-brasileiros do Rio de Janeiro se
responsabilizaram diretamente pela expulsão dos holandeses de Angola.
Com o fracasso da experiência brasileira e angolana, a WIC deixou de priorizar a
produção de açúcar e passou a direcionar-se para a compra do produto obtido em regiões que 5
não estavam sob seu comando direto. Nesse sentido, os comerciantes holandeses procuraram
estimular os colonos ingleses e franceses do Caribe a produzir açúcar.
Ainda durante a ocupação do Brasil, na segunda metade da década de 1640, os
mercadores holandeses transmitiram as técnicas dos engenhos brasileiros aos colonos ingleses
de Barbados e aos franceses da Martinica e Guadalupe, além de abastecê-los com escravos
trazidos dos entrepostos da WIC no golfo da Guiné. A partir da década de 1660, a produção
de açúcar com mão de obra escrava nas ilhas inglesas e francesas verificou crescimento
notável, além de os mercadores desses dois países passarem a envolver-se diretamente no
tráfico negreiro transatlântico.
No início da Era Moderna, os interesses europeus centravam-se no comércio de
especiarias com elevado valor em seu mercado e obtidas principalmente no Oriente. A
regularidade deste comércio era garantida pelas feitorias distribuídas de forma estratégica ao
longo das rotas. Mas a concorrência e a relativa saturação desta atividade aliadas às
potencialidades agrárias das áreas tropicais levaram os europeus a se tornarem colonizadores,
principalmente na América, tendo como base a agricultura de produtos também valorizados,
destacando-se a cana-de-açúcar, tabaco, algodão, anil e arroz. Assim implementaram os
europeus no Novo Mundo um sistema em que caberia às colônias, estruturadas na grande
propriedade, na monocultura e no trabalho compulsório, a transferência da sua produção às
respectivas metrópoles, via classe dos comerciantes.
O DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA COLONIAL
A percepção de Caio Prado Jr. (1969) que identifica o sentido da colonização - dos
trópicos - como sendo o de uma vasta empresa comercial colada a um amplo movimento de
expansão comercial europeia intensificada a partir do século XV, capta apenas parcialmente a
essência das transformações da época. Na realidade tal expansão comercial é apenas uma
dimensão de um processo maior, que foi o da constituição do modo de produção capitalista.
Marx chama de acumulação primitiva o processo histórico que dissocia o trabalhador
dos meios de produção ou, sob outro ponto de vista, que concentra a riqueza nas mãos de
poucos a partir da expropriação de muitos. Tal acumulação é anterior à plena constituição do
modo capitalista de produção, não respeitando sua lei de "equivalência" - lei do valor - base
sob a qual o capital se autonomiza.
É, portanto, primitiva, e sujeita à anteparos extra-econômicos, necessários para
alavancar a inicial expansão do capital, então em forma predominantemente mercantil. Um
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destes mecanismos de alavancagem foi o sistema colonial. Busquemos investigar então, a
formação deste (Novais, 1989) e sua funcionalidade dentro do processo de acumulação
primitiva, para no final podermos extrair um conceito mais completo para o sentido da
colonização.
A colonização é, portanto, um fenômeno decorrente da crescente processo de
mercantilização que marcou o período de crise do feudalismo, e de sua transição para o
capitalismo. É uma resposta capitaneada pelo nascente estado nacional absolutista às tensões
sociais e lutas concorrenciais. Faz parte da expansão comercial europeia, como já havia
apontado Caio Prado Jr., mas, acima de tudo, está profundamente marcada pelo movimento
mais geral de constituição do modo de produção capitalista. É provocado pela ânsia de
expansão do capital comercial, mas ao mesmo tempo a alimenta, dada a ampliação do seu
espaço de valorização. Em síntese:
“A conformação do antigo sistema colonial aparece como momento essencial para o avanço do capitalismo na Europa. A valorização do capital comercial é dinamizada pela nova malha de circuitos entre colônias e metrópoles, ao mesmo tempo em que a entrada de produtos coloniais estimulava o comércio entre as próprias nações europeias. O mercado colonial servia de alavanca para o desenvolvimento da produção mercantil das metrópoles, particularmente da produção manufatureira. Finalmente, a entrada maciça de metais preciosos da América vinha permitir a superação da "depressão monetária " que dificultava a circulação mercantil na Europa na fase de crise do feudalismo." (OLIVEIRA, 1985, p.97).
Gorender (1978) critica a ideia de que o sistema colonial foi a principal alavanca na
gestão do capitalismo moderno ou elemento decisivo na criação de pré-requisitos do
capitalismo industrial. Acrescenta também que a categoria capitalismo comercial foi muito
usada e abusada pelos historiadores brasileiros e que ela se constitui em uma pseudo
categoria.
Na década de 1960 e principalmente na de 1970, nossa historiografia foi sacudida por
novas propostas teórico-metodológicas que vieram polemizar e enriquecer o debate sobre o
sentido da colonização europeia. A nova postura deixou de admitir serem as colônias uma
espécie de simples quintal das metrópoles e existirem em função do sistema colonial
mercantil e de sua acumulação primitiva, conforme Cardoso, um dos pioneiros desta
interpretação. Ele mesmo assinala:
“Dizer que o sentido do sistema colonial mercantilista foi preparar o advento do capitalismo industrial contemporâneo não explica a racionalidade daquele sistema para os homens que o viveram (CARDOSO, 1987, p.122).”
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Prosseguindo a sua apreciação, Gorender (1978) afirma que o sistema desenvolveu sua
própria lógica interna, o “escravismo colonial” e, este surgiu e se desenvolveu dentro da
determinação de fatores complexos socioeconômicos rigorosamente no binômio tempo/
espaço, isto é, no bojo de um contexto histórico, bem determinado. Para Gorender (1978)
tanto a plantagem como a escravidão constituem as categorias do escravismo colonial.
A plantagem, forma dominante neste novo modo de produção, se caracterizava,
segundo este pensador, pela especialização produtiva de gêneros comerciais destinados ao
mercado mundial; trabalho por equipe sob o comando unificado com produção em larga
escala e numerosa mão de obra; conjugação estreita e indispensável no mesmo
estabelecimento do cultivo agrícola e do beneficiamento complexo do produto; divisão do
trabalho quantitativa e qualitativa.
A disponibilidade de terras, grátis ou de baixo valor monetário, as condições naturais
favoráveis e a mão de obra foram os fatores que desestimularam os avanços técnicos no setor
da agricultura, afetando o desenvolvimento das forças produtivas.
Gorender foi o pensador que levou às últimas consequências a ideia da existência do
modo de produção escravista colonial. Ele partiu do processo de produção (relações sociais de
produção e forças produtivas) ao invés de privilegiar a circulação, comenta Cardoso (1988).
Ele chegou mesmo a formular leis de funcionamento do escravismo colonial.
Argumenta Gorender que o tipo de utilização da força de trabalho não pode ser fator
contingente ou acidental em qualquer modo de produção. Do tipo de trabalho decorrem
relações essenciais que definem leis específicas de cada modo de produção. No sistema
colonial, a relação do plantador e escravos vai definir o caráter do modo de produção.
Este eixo explicativo sobre a formação social e o modo de produção escravista
colonial como dominante na formação econômica brasileira, que teria existido no período
moderno, também foi alvo de críticas.
Mas não basta que saibamos que a conformação do antigo sistema colonial foi uma
peça chave para o desenvolvimento do capitalismo, é necessário também entender suas
características básicas, pois só assim compreenderemos o verdadeiro sentido da colonização.
O comércio estava na base das relações entre metrópole e colônia. A montagem do
aparato institucional que viabilizou a funcionalidade do antigo sistema colonial tinha por
objetivo maximizar a apropriação do excedente gerado nas colônias, em benefício das
metrópoles.
Seu mecanismo básico era o "exclusivo metropolitano" (Novais, 1989), ou seja, a
garantia de reserva do mercado colonial para as respectivas metrópoles. Buscava-se a 8
apropriação do sobreproduto das economias coloniais, através da redução a níveis mínimos
dos preços de compra dos seus produtos vis-à-vis uma elevação a níveis máximos dos preços
de venda dos produtos da metrópole.
Ao mesmo tempo, esse lucro mercantil podia ser potencializado em território europeu,
através da venda dos produtos coloniais a preços vantajosos. O que temos então é a
concentração de excedentes nas mãos de uma classe mercantil ascendente, que podia explorar
as vantagens do monopólio - ou quase monopólio - tanto no lado da oferta, quanto no da
demanda.
O importante a ressaltar é a funcionalidade desses recursos no processo de acumulação
primitiva, pois se impõe a lógica do "comprar barato para vender caro", típica da valorização
do capital mercantil, e que possibilitará a eclosão da Revolução Industrial.
Dentro dessa mesma visão fica fácil de entender o papel também importante do tráfico
negreiro na engrenagem da acumulação. Marx (1989) e, principalmente Novais(1989)
colocam o comércio de escravos africanos - e os vários circuitos mercantis que se
estabeleceram - como importante fonte de valorização do capital mercantil, através da geração
de significativos lucros comerciais.
Não seria vantagem, dado o princípio de buscar-se a máxima apropriação de recursos
da colônia, que fosse internalizado o comércio de mão de obra escrava, pela exploração do
indígena. Não só os recursos ficariam endogenizados na colônia, como se perderia a
oportunidade de aproveitamento da exploração cativa da demanda colonial por mão de obra.
Assim, tendo sempre como pano de fundo o movimento da acumulação primitiva, o
sistema colonial tinha o objetivo de colonizar para o capital. Isto significava a necessidade da
exploração mercantil de produtos que tivessem valor comercial nos mercados europeus. Tais
eram os produtos ditos tropicais, como a cana, o tabaco, o algodão, o anil etc., e os metais
preciosos.
Toda a organização da base material deveria girar em torno desta produção, o que
gerava o caráter de vasta empresa comercial, ressaltada por Caio Prado Jr. A monocultura, as
grandes propriedades e a utilização do trabalho compulsório (no limite, a escravidão) foram,
portanto, uma consequência da face eminentemente mercantil que marcou a colonização dos
trópicos, e mais do que isso, da dimensão expansiva do capital, que às vésperas da sua
autonomização - leia-se: da constituição do modo de produção especificamente capitalista,
com a revolução industrial - invadiu a esfera produtiva das colônias e lhe imprimiu sua
dinâmica valorativa (mercantil, ainda).
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Como já havíamos apontado acima, a organização da produção colonial assentou-se
sobre o tripé: grande propriedade, monocultura e trabalho compulsório - aqui, a escravidão.
Tais elementos, típicos de toda exploração tropical, são derivados da necessidade de produção
em grande escala de produtos capazes de proporcionar um alto retorno mercantil nos
mercados europeus, num ambiente físico a princípio hostil, e estranho ao colonizador
europeu. A empresa nos trópicos deveria garantir o maior retorno possível para os capitais
aqui empatados. Seus dirigentes - empresários - não viriam para cá a fim de "trabalhar",
viriam para empreender, para estar à frente de um vultoso negócio.
A falta de mão de obra, e a possibilidade de que em vindo o colono europeu, este teria
a opção de ocupar a vastidão do novo território, ao invés de se submeter ao trabalho
assalariado (se isso ocorresse os salários seriam incompativelmente elevados), impôs a
necessidade da utilização do trabalho compulsório - no nosso caso, o Brasil, da mão de obra
escrava predominantemente de origem africana.
Ora, estava claro desde o começo que o objetivo não era o simples povoamento, com a
constituição de uma sociedade de pequenos produtores e camponeses, de forma a reproduzir o
padrão de vida europeu. Isto ocorreu nas colônias americanas do norte, de clima temperado.
Dos trópicos o que se exigia era sua integração funcional aos interesses mercantis da
metrópole. O que se esperava da mão de obra, era o máximo dispêndio de força física,
imposta pelo tipo de exploração que aqui se realizava.
O USO DO TRABALHO ESCRAVO NA COLÔNIA PORTUGUESA DA AMÉRICA
A introdução do estatuto da escravidão em plena época de "libertação" do trabalho na
Europa, pode até parecer um contrassenso, dado seu anacronismo com relação aos padrões
morais e sociais então vigentes. Por outro lado, se percebemos o trabalho compulsório, na sua
versão extrema da escravidão, como imposto pelas necessidades de valorização, no contexto
de um mundo imerso no processo de acumulação primitiva, fica claro que "libertação" na
Europa e escravidão nos trópicos são duas faces da mesma moeda.
As demais atividades da colônia eram meramente subordinadas ao núcleo central, este
sim ligado ao comércio internacional de produtos tropicais e metais preciosos. Por suposto era
objetivo de a metrópole desestimular, para não dizer proibir, toda e qualquer atividade que
deste objetivo se desviasse.
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Somente aquela produção extremamente essencial, e que não pudesse ser atendida
diretamente pela metrópole - dentro do esquema do "exclusivo" - era aceita. Uma lavoura
básica de subsistência, uma incipiente produção artesanal dentro dos grandes núcleos
agrícolas, e a pecuária - responsável pela interiorização e expansão das nossas fronteiras -
constituíram-se nas atividades básicas de apoio ao "setor exportador".
Com esse tipo de organização econômica, surgiu na colônia uma sociedade dual, parte
dela integrada organicamente ao sistema colonial montado e, portanto, plenamente funcional
quanto aos interesses da metrópole - ajustada ao "sentido da colonização" - e outra parte
marginalizada, pela sua incapacidade de se "colar" ao sistema, ou pelo fato de ter se
"descolado" deste.
O setor orgânico da sociedade organizava-se em torno do clã patriarcal, unidade
celular da sociedade colonial. No clã materializava-se a estrutura econômica acima
desenhada, ou seja, era a grande propriedade, de exploração extensiva, monocultural e com
utilização de mão de obra escrava. Mas além desta dimensão econômica, o clã representava o
poder e a organização social, dentro de uma sociedade marcada pela dispersão, e onde o poder
central da metrópole - e, portanto, sua estrutura administrativa - tinha por objetivo último
garantir os interesses fiscais do erário real.
A escravidão constituiu-se, na opinião de Caio Prado (1969), no cimento que
amalgamou o tecido social que aqui estava se formando. São muitas as implicações deste fato,
cujo amplo espectro cultural, antropológico, psicológico etc., escapa ao escopo deste trabalho,
donde nossa opção por pinçar algumas consequências mais gerais de ordem econômica e
social.
Assim, no nosso entendimento a consequência mais marcante do estatuto da
escravidão e de sua ampla disseminação na vida econômica do país, foi a asfixia sofrida pelo
trabalho livre e, por decorrência, limitações de absorção de camadas inteiras da população nos
setores dinâmicos da sociedade. Note-se bem, não é a escravidão em si o problema, mas sim a
constituição de um sistema produtivo escravista, ou seja: a constituição de uma base produtiva
calcada na utilização do trabalho escravo, com quase nenhum espaço para o trabalho livre.
Com isso, dentro do clã patriarcal temos que o senhor, sua família e alguns agregados
(que ocupavam o pouco espaço reservado ao trabalho livre), e mais a mão de obra escrava,
estavam perfeitamente integrados econômica e socialmente à estrutura da sociedade colonial.
Já aqueles que não tinham recursos econômicos para ter um plantel mínimo de
escravos, e daí poderem levar à diante a empresa colonial, e também não conseguiam se
inserir no clã, estavam fadados à marginalidade. 11
Isto é agravado ainda mais pelo sentido desabonador e humilhante que o trabalho
passou a ter, já que identificado com a figura do escravo. Para completar o quadro, a
autonomia econômica dentro dos clãs - onde se produzia de quase tudo no que concerne às
necessidades básicas - e a inexistência de núcleos urbanos significativos reduziam ainda mais
o espaço para o trabalho livre.
Conforme indica Sérgio Buarque de Holanda, a presença do negro representava um
fator obrigatório no desenvolvimento do latifúndio colonial. O trabalho escravo negro nas
colônias inglesas, sobretudo no sul, foi introduzido principalmente pela necessidade de mão
de obra nas plantations. O trabalho escravo era, teoricamente, mais rentável e barato que a
mão de obra livre.
No Brasil o trabalho escravo negro foi implantado, principalmente após o fracasso na
tentativa de escravização do indígena. O indígena, que em muito contribuía com os
portugueses em outras atividades, não conseguia se adaptar à dinâmica do trabalho nos
engenhos de açúcar, segundo alguns autores.
Conforme Caio Prado (1969):
“A agricultura tropical tem por objetivo único a produção de certos gêneros de grande valor comercial, e por isso altamente lucrativo. Não é com outro fim que se enceta, e não fossem tais as perspectivas, certamente não seria tentada ou logo pereceria. É fatal, portanto que todos os esforços sejam canalizados para aquela produção; mesmo porque o sistema da grande propriedade trabalhada por mão de obra inferior, como é a regra nos trópicos, e será o caso no Brasil, não pode ser empregada numa exploração diversificada e de alto nível técnico. Com a grande propriedade monocultural instala-se no Brasil o trabalho escravo. A escravidão torna-se assim uma necessidade: o problema e a solução foram idênticos em todas as colônias tropicais e mesmo subtropicais da América(...). É, aliás, esta exigência da colonização dos trópicos americanos que explica o renascimento, na civilização ocidental, da escravidão em declínio desde fins do Império Romano, e já quase extinta de todo neste séc. XVI em que se inicia aquela colonização.” (PRADO JR, 1969, P.34)
Aqui será o negro africano que resolverá o problema do trabalho. Os portugueses
estavam bem preparados para a substituição; já de longa data, desde meados do séc. XV
traficavam com pretos escravos adquiridos nas costas da África e introduzidos no Reino
europeu onde eram empregados em várias ocupações; serviços domésticos, trabalhos urbanos
pesados, e mesmo na agricultura.
Os colonizadores tinham conhecimento das habilidades dos negros, sobretudo por sua
rentável utilização na atividade açucareira das ilhas do Atlântico. Muitos escravos provinham
de culturas em que trabalhos com ferro e a criação de gado eram usuais. Sua capacidade
produtiva era assim bem superior à do indígena. O historiador americano Stuart Schwartz 12
calcula que, durante a primeira metade do século XVII, nos anos de apogeu da economia do
açúcar, o custo de aquisição de um escravo negro era amortizado entre treze e dezesseis meses
de trabalho e, mesmo depois de uma forte alta nos preços de compra de cativos após 1700, um
escravo se pagava em trinta meses.
Os africanos foram trazidos do chamado "continente negro" para o Brasil em um fluxo
de intensidade variável. Os cálculos sobre o número de pessoas transportadas como escravos
variam muito. Estima-se que entre 1550 e 1855 entraram pelos portos brasileiros 4 milhões de
escravos, na sua grande maioria jovem do sexo masculino.
A região de proveniência dependeu da organização do tráfico, das condições locais na
África e, em menor grau, das preferências dos senhores brasileiros. No século XVI, a Guiné
(Bissau e Cacheu) e a Costa da Mina, ou seja, quatro portos ao longo do litoral do Daomé
forneceram o maior número de escravos. Do século XVII em diante, as regiões mais ao sul da
costa africana - Congo e Angola - tornaram-se os centros exportadores mais importantes, a
partir dos portos de Luanda, Benguela e Cabinda. Os angolanos foram trazidos em maior
número no século XVIII, correspondendo, ao que parece a 70% da massa de escravos trazidos
para o Brasil naquele século.
Os grandes centros importadores de escravos foram Salvador e depois o Rio de
Janeiro, cada qual com suas organizações própria e fortemente concorrentes. Os traficantes
baianos se utilizaram de uma valiosa moeda de troca no litoral africano, o fumo produzido no
Recôncavo. Estiveram sempre mais ligados à Costa da Mina, à Guiné e ao Golfo de Benin,
neste último caso após meados de 1770, quando o tráfico da Mina declinou. O Rio de Janeiro
recebeu sobretudo escravos de Angola, superando a Bahia com a descoberta das minas de
ouro, o avanço da economia açucareira e o grande crescimento urbano da capital, a partir do
início do século XIX.
Na segunda metade do século XVII, as possessões do Novo Mundo se tornaram o
sustentáculo econômico de Portugal. Uma tributação pesada sobre o açúcar brasileiro foi
criada então para dar conta dos gastos com a diplomacia e a defesa do Reino. Tais
atribulações não impediram a sobrevivência da economia açucareira na América portuguesa.
Em que pesem a desorganização trazida pelas guerras do Atlântico Sul entre as
décadas de 1620 e 1650, a elevada taxação pós-1650, a concorrência antilhana e a restrição do
acesso a certos mercados europeus, os senhores de engenho luso-brasileiros conseguiram
manter a produção de açúcar em patamares estáveis. Para tanto, foi vital a consolidação do
sistema atlântico bipolar unindo a África aos portos brasileiros, assegurada pela reconquista
de Angola em 1648. 13
Durante a segunda metade do século XVII, foram introduzidos cerca de 360 mil
africanos escravizados no Brasil. Tal sistema, ao garantir um fluxo contínuo de escravos a
baixo custo para os engenhos brasileiros, viabilizou a atividade econômica açucareira da
Colônia em uma conjuntura internacional bastante adversa.
Esse padrão demográfico se consolidou com as descobertas auríferas na virada do
século XVII para o XVIII, ampliando-se geograficamente. A atração que a possibilidade de
enriquecimento rápido exerceu sobre a população metropolitana e colonial foi imensa,
levando grandes contingentes humanos a se transferirem para a nova região das minas. Esse
afluxo constituiu, nos termos de uma especialista, “a primeira grande migração maciça na
história demográfica brasileira”.
Afora o deslocamento interno na Colônia, as minas atraíram para o Brasil uma
quantidade ainda maior de imigrantes portugueses e escravos, calculada em cerca de 400 mil
indivíduos durante todo o século XVIII. A grande onda migratória para a região, contudo, foi
compulsória. O volume do tráfico transatlântico de escravos para a América portuguesa, que
já era o maior do Novo Mundo, duplicou na primeira metade do século de 1700.
Entre 1701 e 1720, desembarcaram nos portos brasileiros cerca de 292 mil africanos
escravizados, em sua maioria destinados às minas de ouro. Entre 1720 e 1741, novo aumento:
312,4 mil indivíduos. Nas duas décadas seguintes, o tráfico atingiu seu pico máximo: 354 mil
africanos escravizados foram introduzidos na América portuguesa entre 1741 e 1760.
14
CONCLUSÃO
Por que se apelou para uma relação de trabalho odiosa a nossos olhos, que parecia
semimorta, exatamente na época chamada pomposamente de aurora dos tempos modernos?
Uma resposta sintética consiste em dizer que nem havia grande oferta de trabalhadores
em condições de emigrar como semi-dependentes ou assalariados, nem o trabalho assalariado
era conveniente para os fins da colonização. Dada a disponibilidade de terras, pois uma coisa
era a concessão de sesmarias, outra sua efetiva ocupação, não seria fácil manter trabalhadores
assalariados nas grandes propriedades. Eles poderiam tentar a vida de outra forma, criando
problemas para o fluxo de mão de obra para a empresa mercantil.
Mas se a introdução do trabalho escravo se explica resumidamente dessa forma, por
que se optou preferencialmente pelo negro e não pelo índio? Em primeiro lugar, lembremos
que houve uma passagem da escravidão do índio para a do negro, que variou no tempo e no
espaço. Essa passagem foi menos demorada no núcleo central e mais rentável da empresa
mercantil, ou seja, na economia açucareira, em condições de absorver o preço da compra do
escravo negro, bem mais elevado do que o do índio. Custou a ser feita nas regiões periféricas,
como é o caso de São Paulo, que só no início do século XVIII, com a descoberta das minas de
ouro, passou a receber escravos negros em número regular e considerável.
Alguns fatos significativos balisaram as transformações do mundo ocidental, a partir
de meados do século XVIII. Em 1776, as colônias inglesas da América do Norte proclamaram
sua independência. A partir de 1789, a Revolução Francesa pôs fim ao Antigo Regime na
França, o que repercutiu em toda a Europa, inclusive pela força das armas.
Ao mesmo tempo, ocorria na Inglaterra uma revolução silenciosa, sem data precisa,
tão ou mais importante do que as mencionadas, que ficou conhecida como Revolução
Industrial. A utilização de novas fontes de energia, a invenção de máquinas, principalmente
para a indústria têxtil, o desenvolvimento agrícola, o controle do comércio internacional são
fatores que iriam transformar a Inglaterra na maior potência mundial da época.
Na busca pela ampliação dos mercados, os ingleses impõem ao mundo o livre
comércio e o abandono dos princípios mercantilistas, ao mesmo tempo em que tratam de
proteger seu próprio mercado e o de suas colônias com tarifas protecionistas. Em suas
relações com a América espanhola e portuguesa, abrem brechas cada vez maiores no sistema
colonial, por meio de acordos comerciais, contrabando e aliança com os comerciantes locais.
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Um ponto da política britânica seria motivo dc preocupações para os diferentes setores
dominantes da sociedade colonial. Após ter sido grande beneficiária do comércio de escravos,
a Inglaterra passara, a partir de fins do século XVIII, a combater a escravidão. Com a pressão
inglesa o mundo colonial é obrigado a limitar ou a extinguir a escravidão.
É comum ligar-se essa tendência ao interesse britânico em ampliar mercados
consumidores, a partir da vantagem obtida sobre os concorrentes com a Revolução Industrial.
Entretanto, essa afirmação contém apenas uma parte da verdade. A ofensiva antiescravista
decorre também dos novos movimentos nascidos nos países mais avançados da Europa, sob a
influência do pensamento ilustrado e mesmo religioso, como é o caso da Inglaterra.
Acrescente-se a isso, no caso francês, a insurreição de negros libertos e escravos nas
Antilhas. Em fevereiro de 1794, a França revolucionária decretou o fim da escravidão em suas
colônias; a Inglaterra faria o mesmo em 1807. Lembremos, porém, quanto à França, que
Napoleão revogou a medida em 1802.
Essas iniciativas contrastaram com as tomadas pelos colonos americanos após a
independência dos Estados Unidos em 1776. Apesar do caráter liberal e anticolonialista da
revolução, os interesses dos grandes proprietários rurais predominaram: a escravidão só foi
extinta em alguns Estados do norte, onde os cativos tinham pouca significação econômica.
Podemos sintetizar todo o processo acima descrito como uma etapa dc formação do
capitalismo industrial que se relaciona com a ascensão da burguesia ao poder. É preciso,
porém, tomar cuidado com uma associação simplista entre esses dois elementos. O fim da
aristocracia e a consolidação da burguesia como classe dirigente foi um processo complexo,
variável de país a país, tecido por alianças de classe e pelo papel do Estado.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Atrasado. Campinas: UNICAMP, 1985
NOVAIS, F. A. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777- 1808). São
Paulo: Hucitec, 1989.
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