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E.E Professor João Cruz Jacareí,12 de setembro de 2013 Rafael Alexandre Silvério Filho 1ªEMC nº31 Trabalho de português. Proposta : Escolher 10 livros e falar sobre eles. Machado de Assis: Memórias Póstumas de Brás Cubas Ao criar um narrador que resolve contar sua vida depois de morto, Machado de Assis muda radicalmente o panorama da literatura brasileira, além de expor de forma irônica os privilégios da elite da época. - Leia o resumo de Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis Narrador

Trabalho de português 2ª tarefa

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E.E Professor João Cruz

Jacareí,12 de setembro de 2013

Rafael Alexandre Silvério Filho 1ªEMC nº31

Trabalho de português.

Proposta : Escolher 10 livros e falar sobre eles.

Machado de Assis: Memórias

Póstumas de Brás Cubas

Ao criar um narrador que resolve contar sua vida depois de morto, Machado de Assis muda radicalmente o panorama da literatura brasileira, além de expor de forma irônica os privilégios da elite da época. - Leia o resumo de Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis Narrador

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A narração é feita em primeira pessoa e postumamente, ou seja, o narrador se autointitula um defunto-autor – um morto que resolveu escrever suas memórias. Assim, temos toda uma vida contada por alguém que não pertence mais ao mundo terrestre. Com esse procedimento, o narrador consegue ficar além de nosso julgamento terreno e, desse modo, pode contar as memórias da forma como melhor lhe convém. Foco Narrativo Com a narração em primeira pessoa, a história é contada partindo de um relato do narrador-observador e protagonista, que conduz o leitor tendo em vista sua visão de mundo, seus sentimentos e o que pensa da vida. Dessa maneira, as memórias de Brás Cubas nos permitirão ter acesso aos bastidores da sociedade carioca do século XIX. Tempo A obra é apoiada em dois tempos. Um é o tempo psicológico, do autor além-túmulo, que, desse modo, pode contar sua vida de maneira arbitrária, com digressões e manipulando os fatos à revelia, sem seguir uma ordem temporal linear. A morte, por exemplo, é contada antes do nascimento e dos fatos da vida. No tempo cronológico, os acontecimentos obedecem a uma ordem lógica: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A estranheza da obra começa pelo título, que sugere as memórias narradas por um defunto. O próprio narrador, no início do livro, ressalta sua condição: trata-se de um defunto-autor, e não de um autor defunto. Isso consiste em afirmar seus méritos não como os de um grande escritor que morreu, mas de um morto que é capaz de escrever. O pacto de verossimilhança sofre um choque aqui, pois os leitores da época, acostumados com a linearidade das obras (início, meio e fim), veem-se obrigados a situar-se nessa incomum situação. Não-realizações Publicado em 1881, o livro aborda as experiências de um filho abastado da elite brasileira do século XIX, Brás Cubas. Começa pela sua morte, descreve a cena do enterro, dos delírios antes de morrer, até retornar a sua infância, quando a narrativa segue de forma mais ou menos linear – interrompida apenas por comentários digressivos do narrador. O romance não apresenta grandes feitos, não há um acontecimento significativo que se realize por completo. A obra termina, nas palavras do narrador, com um capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não consegue concluir o emplasto, medicamento que imaginara criar para conquistar a glória na sociedade; acaba se tornando deputado, mas seu desempenho é medíocre; e não tem filhos. A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses detalhes. Os leitores ficam sempre à espera do desenlace que a narrativa parece prometer. Ao fim, o que permanece é o vazio da existência do protagonista. É preciso

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ficar atento para a maneira como os fatos são narrados. Tudo está mediado pela posição de classe do narrador, por sua ideologia. Assim, esse romance poderia ser conceituado como a história dos caprichos da elite brasileira do século XIX e seus desdobramentos, contexto do qual Brás Cubas é, metonimicamente, um representante. O que está em jogo é se esses caprichos vão ou não ser realizados. Alguns exemplos: a hesitação ao começar a obra pelo fim ou pelo começo; comparar suas memórias às sagradas escrituras; desqualificar o leitor: dar-lhe um piparote, chamá-lo de ébrio; e o próprio fato de escrever após a morte. Se Brás Cubas teve uma vida repleta de caprichos, em virtude de sua posição de classe, é natural que, ao escrever suas memórias, o livro se componha desse mesmo jeito. O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época. Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para uma vida de sofrimentos: “Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado pro outro, na faina, adoecendo e sarando…”, descreve Brás. Além da vida de trabalhos e doenças e sem nenhum sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás e Virgília possam concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso. Com Prudêncio, vê-se como a estrutura social se incorpora ao indivíduo. Ele fora escravo de Brás na infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um dia, Brás Cubas o encontra, depois de alforriado, e o vê batendo num negro fugitivo. Depois de breve espanto, Brás pede para que pare com aquilo, no que é prontamente atendido por Prudêncio. O ex-escravo tinha passado a ser dono de escravo e, nessa condição, tratava outro ser humano como um animal. Sua única referência de como lidar com a situação era essa, afinal era o modo como ele próprio havia sido tratado anteriormente. Prudêncio não hesita, porém, em atender ao pedido do ex-dono, com o qual não tinha mais nenhum tipo de dívida nem obrigação a cumprir. Os personagens da obra são basicamente representantes da elite brasileira do século XIX. Há, no entanto, figuras de menor expressão social, pertencentes à escravidão ou à classe média, que têm significado relevante nas relações sociais entre as classes. Assim, "Memórias Póstumas de Brás Cubas", além de seu enorme valor literário, funciona como instrumento de entendimento desse aspecto social de nossas classes, como se verá adiante nas caracterizações de Dona Plácida e do negro Prudêncio. A sociedade da época se estruturava a partir de uma divisão nítida. Havia, de um lado, os donos de escravos, urbanos e rurais, que constituíam a classe mandante do país. Estão representados invariavelmente como políticos: ministros, senadores e deputados. De outro, a escravidão é a responsável direta pelo trabalho e pelo sustento da nação e, por assim dizer, das elites. No meio, há uma classe média formada por pequenos comerciantes, funcionários públicos e outros servidores, que são dependentes e agregados dos favores

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dos grandes privilegiados. Comentário do professor O prof. Roberto Juliano, do Cursinho da Poli, ressalta que "Memórias Póstumas de Brás Cubas" é uma obra que revolucionou o romance brasileiro. De cunho realista, mas sem ter as características da crítica agressiva de outros escritores do Realismo (como Eça de Queirós em Portugal), a força da obra de Machado de Assis está na crítica sutil e na grande inteligência do autor. Ao contrário do já citado escritor português Eça de Queirós, que batia de frente com a burguesia, em Memórias Póstumas a crítica é feita focando a burguesia por dentro, ou seja, o escritor parte de um ponto de vista mais psicológico. Através disso, consegue-se fazer um combate ao Romantismo em sua essência através de personagens verossímeis que cabe ao leitor julgar e colocando-se em reflexão, por exemplo, a questão da ociosidade burguesa. Além disso, o prof. Roberto chama a atenção para o fato de que com esta obra Machado de Assis revolucionou o formato do romance através da subversão de padrões do Romantismo. Se no romance é de praxe escrever uma dedicatória, por exemplo, ele o faz a um verme; ao verme que o corroeu. Outro ponto que pode ser citado como exemplo é a quantidade de capítulos do livro. Se era comum ter cerca de trinta capítulos em um romance, Machado de Assis faz um livro que ultrapassa cem capítulos. Porém, alguns deles são extremamente curtos ou são vazios. O aluno deve, então, ficar atento a estes aspectos formais e em como se faz uma crítica social na obra, finaliza o prof. Roberto.

(Imagem do escritor “Machado de Assis”)

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Fernando Gabeira: O que é Isso,

Companheiro?

Em 1979, Fernando Gabeira lançou o livro O que é isso, companheiro?, em

que buscou compreender o sentido de suas experiências - a luta armada, a

militância numa organização clandestina, a prisão, a tortura, o exílio - e no qual

elaborou, para a sua e para as gerações seguintes, um retrato autêntico e

vertiginoso do Brasil dos anos 60 e 70.

Relato lúcido, irônico, comovente, o livro se transformou num verdadeiro

clássico do romance-depoimento brasileiro e foi filmado pelo diretor Bruno

Barreto.

A obra é a versão de Fernando Gabeira sobre o seqüestro do embaixador

norte-americano Charles Elbrick, em 4 de setembro de 1969, alguns meses

após a declaração do Ato Institucional nº 5, que suspendeu todos os direitos

civis dos brasileiros em 1968, em uma época em que o país se encontrava

governado por militares.

O texto é narrado em primeira pessoa para explicitar que aquelas vivências

pertenciam a um eu real, sendo que a elaboração do eu discursivo permaneceu

bastante rasa. A opção pelo uso do "eu" garantiu uma visão mais pessoal dos

fatos, mas circunscreveu a narrativa politicamente engajada às aventuras de

um indivíduo politicamente engajado.

A obra é centrada na figura do próprio Gabeira, que optou por uma perspectiva

mais próxima da experiência do narrador, ainda que pensasse que essa

experiência foi comum a um grupo de pessoas. A partir da visão de um

personagem, o livro se propôs a informar sobre o golpe e os anos de ditadura.

A subjetividade do narrador foi posta em destaque, relativizando os fatos,

deixando claro que essa era sua visão e não uma visão absoluta.

O livro conta como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8)

conseguiu realizar talvez a maior façanha de uma organização tida como de

esquerda, para se contrapor ao período militar vigente. O seqüestro segundo a

agrupação, foi a saída encontrada pelos guerrilheiros para pressionar o

governo a liberar 15 políticos esquerdistas que estavam presos por motivos

políticos.

Não é uma obra que defende irrestritamente as ações tomadas pelo MR-8 e

sim uma profunda reflexão não apenas sobre o regime militar, mas também os

movimentos sociais que existiam, e a postura da população perante as

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deúncias de tortura, perseguição política e a censura dos meios de

comunicação.

No livro, Fernando Gabeira está sempre questionando sua ação dentro do

movimento, ele fez críticas e mostrou clareza ao questionar o que estava

errado no movimento de esquerda brasileira. Isso não ocorreu porque ele

apresentou superioridade em relação aos outros e sim porque o livro foi escrito

dez anos depois dos acontecimentos narrados. Nos anos de chumbo, Gabeira

pensava igual aos outros companheiros, que desejavam fazer a sonhada

“Revolução”.

A anistia do Governo do General João Baptista de Figueiredo, trouxera muitos

ex-guerrilheiros de volta ao país, entre eles, o escritor Fernando Gabeira. Com

a anistia, os exilados em outro país: jornalistas, ex-militantes de esquerda,

escritores, tiveram a chance de fazer com que suas vozes silenciadas por um

longo período, fossem ouvidas novamente. Com a liberdade de expressão,

produzindo literatura, o escritor Fernando Gabeira deu evidentes sinais de

resistência ao regime militar implantado na época em que foi obrigado a se

exilar em outro país; as imposições políticas, os desagrados de como esse

regime impunha a cultura brasileira à censura; a violência contra o povo que se

manifestava nas ruas contra toda uma sociedade desigual:

No instante em que Aragão saia no seu carro preto, possivelmente Gregório

Bezerra, o líder camponês pernambucano estava sendo atado ao jipe do

coronel Ibiapina e seria arrastado pelas ruas. O sapateiro Chicão estava

tentando escapar, às pressas, de Governador Valadares, onde os fazendeiros

fuzilavam sem vacilar. (p.23).

Na afirmativa acima, pode-se perceber que o escritor optou por traduzir os

problemas da sociedade, substituiu a voz do sujeito (ele, o escritor e jornalista),

pela do oprimido (o líder camponês e o sapateiro), o povo, a massa que

sempre esteve em desvantagem, excluído pela sociedade dominante.

Nessa perspectiva, a literatura produzida por Fernando Gabeira alia-se aos

sujeitos (ele, o escritor e o povo) que manifestavam suas inquietações e

necessidade de ganhar visibilidade numa sociedade que lhes era injusta.

Numa outra passagem do texto, transcrita abaixo, é possível detectar a

subjetividade do escritor:

Tudo era mágoa de quem não se conformava com o desfecho. O melhor talvez

fosse tentar o que se passava. Goulart compreendeu que estava perdido e

resolveu ir para o Uruguai, certo de que o golpe era temporário, que mais tarde,

seria chamado para ocupar seu papel na vida política do país. Quem era eu

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para entender as coisas profundamente? Estava desarmado teoricamente,

ressentido, e não outro caminho na nossa frente, exceto prosperar e esquecer

o baque que o país estava sofrendo. (p.27)

Nessa passagem, o escritor relativizou os fatos, ele expressou a sua visão, não

passou para o leitor que é uma visão absoluta quando diz “Quem era eu...”. A

linguagem do escritor costurou todo um tecido que nos levou a refletir sobre os

caminhos e descaminhos da história recente do país.

Como já visto, o escritor optou em fazer sua narrativa em primeira pessoa, para

ir reconstituindo a memória daquilo que experenciou, que viveu dentro da

história política do país até 1968.

(...) As pessoas estão seguras de si, estão tranqüilas, mas quando partem para

o exílio estão tristes também. Bastava surpreender qualquer um deles

distraídos para captar um olhar vazio, uma cabeça que se abaixa... Mas aquilo

era o Brasil, eu não era um personagem e havia muito o que fazer para estar à

altura dos amigos que partiam (p.39)

Na afirmativa acima, temos a recordação individual do escritor. Um homem

narrando sua história, a história de um grupo em que também ele se inscrevia

na grande história dos exilados, por causa do autoritarismo da época.

Com o passar dos anos foi possível detectar a experiência pela qual havia

passado o escritor, que foi nos situando em suas lembranças dentro do

movimento histórico.Era o indivíduo que constatou naquele momento que na

pirâmide social daquele período, estava em posição inferior e que acabou

sendo “expulso” de seu próprio país.

Ao fazer a leitura da obra O Que é Isso Companheiro? é possível compreender

que ao longo da narrativa alguns aspectos da constituição da memória coletiva

de um grupo e individual do escritor. Trata-se de uma narrativa de cunho

memorialista, realista de uma história recente do país e também o que chama a

atenção é o lugar por excelência onde a vida se protifica.

A escrita de Fernando Gabeira permitiu a ocupação de vários lugares – auto,

protagonista, narrador – o escritor dentro da obra objetiva traça relações entre

memória, narração e escritura/literatura. Ao mesmo tempo em que narra, o

narrador se dobra sobre o ato de recordar, enquanto recorda e escreve, vai

passando a limpo os fatos que viveu.

Na obra destaca-se o uso abundante do condicional. Minimizando assim o

caráter fatual do texto e jogando com o potencial, com aquilo que poderia

acontecer. Esse recurso foi usado, por exemplo, nas cenas de tortura para não

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descrevê-las diretamente, evitando o excesso de minúcia que nos romances-

reportagem promovem uma verdadeira retórica do horror. Outra característica

do estilo de Gabeira são as frases curtas e o tom informal, que devem muito ao

discurso jornalístico, além do uso freqüente da segunda pessoa para aproximar

o leitor. Essa última opção está relacionada à necessidade didática de informar

uma geração que não vivenciou a ditadura. No seguinte trecho, Gabeira dirige-

se a seu provável leitor:

O amigo (a) talvez fosse muito jovem em 64. Eu mesmo achei a morte de

Getúlio um barato só porque nos deram um dia livre na escola. Um golpe de

Estado, entretanto, mexe com a vida de milhares de pessoas. Gente sendo

presa, gente fugindo, gente perdendo o emprego, gente aparecendo para

ajudar, novas amizades, ressentimentos...

O relato de Gabeira dá margem a heroicização do personagem-narrador, uma

vez que a história gira em torno de um acontecimento real, como já visto, que

foi o seqüestro do embaixador americano por um grupo de jovens militantes. O

heroísmo só foi amenizado porque a narrativa contou o fracasso de uma

empreitada política e tendeu a relativizar as convicções que guiavam o

narrador naquela época. Evidenciou-se com freqüência as fraquezas do

projeto, as fraturas dos grupos, a ingenuidade dos militantes. Em O que é isso,

companheiro? a perspectiva do narrador é a de um indivíduo com vivências,

idéias, sentimentos particulares e, principalmente, com críticas a respeito de

seu papel na história:

Como é que um intelectual pode se negar tão profundamente? Passava os dias

lendo jornais, fazendo planos para matar Eduardo e limpando ad nauseam meu

revólver Taurus 38 que jamais disparei contra ninguém, mas que mantinha em

um estado impecável, como se me esperassem, a cada manhã, fantásticas

batalhas campais, ali naquele apartamento de Ana, onde o único vestígio de

luta eram as camas desarrumadas com a agitação dos nossos sonhos.

A prosa de Gabeira distancia-se do neonaturalismo dos romances-reportagem

por não aderir a uma versão unificada da situação política dos anos 70. O livro

não segue a tendência principal do romance-reportagem que seria o de

produzir ficcionalmente identidades lá onde dominavam as divisões, criando

uma utopia de nação e outra de sujeito, capazes de atenuar a experiência

cotidiana da contradição e da fratura. Por sua vez, o risco de uma visão mais

centrada no personagem-narrador era o de que se anulasse a pluralidade de

vozes, reduzindo tudo à perspectiva de um único indivíduo.

O livro de Gabeira não é uma exceção no que diz respeito ao caráter

monológico dos textos autobiográficos de ex-exilados ou militantes políticos,

em que se destaca, por exemplo, o fato de que os outros personagens não

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terem nenhuma profundidade subjetiva, nenhuma independência em relação à

figura central do narrador. E a própria subjetividade do narrador não é

explorada muito além de suas implicações referenciais.

O narrador autobiográfico centrou seu relato nas experiências vividas por ele

próprio em um período do passado que a distância temporal lhe permitiu

abordar com olhar crítico, mas não colocou em questão a possibilidade de

narrar tais experiências. Se, por um lado, a narrativa autobiográfica ao estilo

de O que é isso, companheiro? consegue expor o caráter contraditório dos

acontecimentos, por outro, evita o problema de como representar, nos limites

da linguagem, uma experiência traumática. Diante de determinadas situações

traumáticas – como foram as grandes guerras ou as ditaduras nos países

latino-americanos – os escritores se confrontaram com o silêncio, desconfiados

da linguagem como meio de comunicar a experiência. O narrador

autobiográfico, pelo contrário, acredita na possibilidade de comunicar uma

experiência que sirva de lição para gerações futuras, mas seu relato acaba

transmitindo ao leitor uma redução do trauma à vivência privada do narrador.

(Imagem da capa do livro).

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Aluísio Azevedo: O Cortiço

(Imagem da capa do livro). Tendo como cenário uma habitação coletiva, o romance difunde as teses naturalistas, que explicam o comportamento dos personagens com base na influência do meio, da raça e do momento histórico. - Leia o resumo de O Cortiço Uma alegoria do Brasil do século XIX Ao ser lançado, em 1890, "O Cortiço" teve boa recepção da crítica, chegando a obscurecer escritores do nível de Machado de Assis. Isso se deve ao fato de Aluísio de Azevedo estar mais em sintonia com a doutrina naturalista, que gozava de grande prestígio na Europa. O livro é composto de 23 capítulos, que relatam a vida em uma habitação coletiva de pessoas pobres (cortiço) na cidade do Rio de Janeiro. O romance tornou-se peça-chave para o melhor entendimento do Brasil do

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século XIX. Evidentemente, como obra literária, ele não pode ser entendido como um documento histórico da época. Mas não há como ignorar que a ideologia e as relações sociais representadas de modo fictício em "O Cortiço" estavam muito presentes no país. Essa obra de Aluísio de Azevedo tem como influência maior o romance "L’Assommoir" do escritor francês Émile Zola, que prescreve um rigor científico na representação da realidade. A intenção do método naturalista era fazer uma crítica contundente e coerente de uma realidade corrompida. Zola e, neste caso, Aluísio combatem, como princípio teórico, a degradação causada pela mistura de raças. Por isso, os romances naturalistas são constituídos de espaços nos quais convivem desvalidos de várias etnias. Esses espaços se tornam personagens do romance. É o caso do cortiço, que se projeta na obra mais do que os próprios personagens que ali vivem. Em um trecho do romance o narrador compara o cortiço a uma estrutura biológica (floresta), um organismo vivo que cresce e se desenvolve, aumentando as forças daninhas e determinando o caráter moral de quem habita seu interior. Mais do que empregar os preceitos do naturalismo, a obra mostra práticas recorrentes no Brasil do século XIX. Na situação de capitalismo incipiente, o explorador vivia muito próximo ao explorado, daí a estalagem de João Romão estar junto aos pobres moradores do cortiço. Ao lado, o burguês Miranda, de projeção social mais elevada que João Romão, vive em seu palacete com ares aristocráticos e teme o crescimento do cortiço. Por isso pode-se dizer que "O Cortiço" não é somente um romance naturalista, mas uma alegoria do Brasil. O autor naturalista tinha uma tese a sustentar sua história. A intenção era provar, por meio da obra literária, como o meio, a raça e a história determinam o homem e o levam à degradação. A obra está a serviço de um argumento. Aluísio se propõe a mostrar que a mistura de raças em um mesmo meio desemboca na promiscuidade sexual, moral e na completa degradação humana. Mas, para além disso, o livro apresenta outras questões pertinentes para pensar o Brasil, que ainda são atuais, como a imensa desigualdade social. Narrador A obra é narrada em terceira pessoa, com narrador onisciente (que tem conhecimento de tudo), como propunha o movimento naturalista. O narrador tem poder total na estrutura do romance: entra no pensamento dos personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico. O foco da narração, a princípio, mantém uma aparência de imparcialidade, como se o narrador se apartasse, à semelhança de um deus, do mundo por ele criado. No entanto, isso é ilusório, porque o procedimento de representar a realidade de forma objetiva já configura uma posição ideologicamente tendenciosa.

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Tempo Em "O Cortiço", o tempo é trabalhado de maneira linear, com princípio, meio e desfecho da narrativa. A história se desenrola no Brasil do século XIX, sem precisão de datas. Há, no entanto, que ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o enriquecimento de João Romão. Espaço São dois os espaços explorados na obra. O primeiro é o cortiço, amontoado de casebres mal-arranjados, onde os pobres vivem. Esse espaço representa a mistura de raças e a promiscuidade das classes baixas. Funciona como um organismo vivo. Junto ao cortiço estão a pedreira e a taverna do português João Romão. O segundo espaço, que fica ao lado do cortiço, é o sobrado aristocratizante do comerciante Miranda e de sua família. O sobrado representa a burguesia ascendente do século XIX. Esses espaços fictícios são enquadrados no cenário do bairro de Botafogo, explorando a exuberante natureza local como meio determinante. Dessa maneira, o sol abrasador do litoral americano funciona como elemento corruptor do homem local. Comentário do professor O cortiço é considerado o melhor representante do movimento naturalista brasileiro, afirma o professor Marcílio Mendes do Colégio Anglo. As principais características do Naturalismo seriam a animalização das personagens e, consequentemente, a ação baseada em instintos naturais, tais como os instintos sexuais e os de sobrevivência. Assim, seria importante o aluno saber reconhecer como estas características estão presentes dentro da obra, afirma o professor. Em "O cortiço" aparecem basicamente duas linhas de conduta: uma que trata das questões sociais e outra das questões individuais e sentimentais. No caso das questões sociais, temos como maior representante a personagem João Romão, que torna-se um grande comerciante passando por cima de tudo e todos. Assim, através de uma representação crua das relações sociais, que aqui são puramente movidas pelo interesse individual, têm-se uma crítica social. Já nas questões individuais/sentimentais, temos a personagem de Jerônimo, que casa com a Rita Baiana, mas não por amor. Ele se envolve com ela porque se sente atraído sexualmente por ela. Segundo o professor Marcílio, outro ponto que pode ser destacado é o fato de o próprio cortiço acaba de se tornando, de certa forma, uma personagem do livro devido a uma personificação do espaço. Por exemplo, em certo momento o narrador diz que “os olhos do cortiço se abrem”, ao invés de dizer “as janelas do cortiço se abrem”. Essa característica tem bastante a ver com o fato de, para a corrente naturalista, o meio ter grande influência na ação das personagens. Outro exemplo disso na obra O cortiço é o próprio sol. Em certo momento, a esposa de Jerônimo culpa o sol por todas as desgraças que ocorreram em sua vida. Assim, segundo o professor Marcílio, o aluno deve ficar atento à questões que

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giram em torno de episódios do romance e que cobrem, além do próprio enredo, o entendimento acerca das personagens e suas caracterizações, a influência do espaço na ação dessas personagens e também em como as características do naturalismo aparecem na obra.

Autran Dourado: Ópera dos Mortos

Ópera dos Mortos é um dos romances que melhor espelha a temática e o rigor

formal de Autran Dourado.

Cruzando as vozes dos diversos personagens em comentários e contrapontos,

Autran Dourado mostra que o título de seu romance não foi escolhido ao

acaso. Como no gênero musical a que faz referência, é a certeza de um fim

trágico e as emoções arquetípicas que percorrem esta Ópera dos Mortos, uma

meditação sobre os fantasmas do passado e, sobretudo, um exercício de

virtuosismo narrativo.

Sua narrativa é um mergulho no passado da família Honório Cota a partir de

um velho sobrado que, em sua arquitetura barroca, já corroída pelo tempo, vai

revelando o destino de seus moradores, marcados pela tragédia, numa

cidadezinha no interior de Minas Gerais.

O senhor atente depois para o velho sobrado com a memória, com o coração,

adverte um narrador que aos poucos se confunde com a cidade onde reinava o

coronel Lucas Procópio Honório Cota. Homem valente, que impunha respeito

pela força e truculência, traços que passavam distante da personalidade de seu

filho e herdeiro, João Capistrano. Melancólico, em luta permanente para se

livrar do fantasma do pai, este fracassa na política — sua única chance de se

impor na cidade, e passa o resto de seus dias trancado no sobrado que ergueu

como uma espécie de monumento à família.

Com o correr dos anos, o casarão vai se impregnando cada vez mais dos

fantasmas dos antepassados, que transformam tudo, de objetos a ambientes,

em signos da morte. É neste ambiente opressivo e desolado que Rosalina, filha

única de Capistrano, vai viver depois da morte de seus pais. Solteira, isolada

do mundo e tendo como única companhia a empregada Quiquina, que é muda,

ela passa seus dias fazendo flores de pano e vagando entre relógios parados e

paredes carcomidas.

A rotina do sobrado vai ser alterada com a chegada de José Feliciano.

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Biscateiro, em busca de trabalho de cidade em cidade, Juca Passarinho, como

é chamado por todos, vai aos poucos entrando no universo enigmático da casa

e, principalmente, na vida da austera Rosalina.

A obra é dividida em nove capítulos cujos títulos servem de temática ao

desenvolvimento dos mesmo; cada capítulo induz o leitor a uma leitura visual

pelo interior e exterior dos personagens e à medida que a narrativa se

desenrola, o leitor vai recebendo explicações sobre os acontecimentos

anteriores e entendendo que, na verdade, são os mortos que comandam essas

vidas.

Percebe-se na narrativa que o sobrado é o ponto de referência para se retornar

à história da família Honório Cota uma vez que as suas ruínas contam o

passado de três gerações. Com dois pavimentos, a parte de baixo, austera e

pesada, fora construída pelo Coronel Lucas Procópio Honório Cota (pai). A

parte de cima, leve e elegante, fora construída pelo filho João Capistrano

Honório Cota.

No sobrado decadente da família Honório Cota, restou a filha Rosalina, o

imponente relógio-armário parado na hora da morte de sua mãe, as flores de

pano e a escrava Quiquina que se encarrega de vendê-las pelas ruas da

cidade por onde Rosalina raramente aparece, sempre trancada entre as

paredes sufocantes, as lembranças da família, dos mortos e do passado.

A narrativa portanto, focaliza o íntimo de Rosalina, que assume as

personalidades contraditórias do pai e do avô, Lucas Procópio, herdando deles

não apenas características físicas e psicológicas. Do pai herda também o

orgulho ferido de um fracasso político. Todo o texto é organizado em torno da

morte. Rosalina só nasce após sucessivos abortos da mãe e ela própria perde

o filho no desfecho da narrativa. Solitária, vivendo apenas com Quiquina, que é

muda, a protagonista se enclausura no sobrado construído pelo pai.

Isolada das pessoas da cidade, Rosalina passa os dias fazendo flores de pano

entre os relógios parados. Após a morte da mãe, seu pai pára o relógio da sala

sem nenhuma explicação e Rosalina repete o gesto quando seu pai morre. No

desfecho, Rosalina não morre, mas, enlouquecida, é levada embora da cidade,

o que pode ser considerada uma forma de morte, pois Quiquina pára o último

relógio da casa.

Para romper com o silêncio da casa (Quiquina é muda) entra em cena Juca

Passarinho, sonoro, falante (cujo nome é José Feliciano, ou seja, tanto o nome

quanto o apelido lembram felicidade). Desde sua aproximação da cidade, Juca

pressente a tragédia que causará sua ruína: tem pesadelos, a primeira visão da

cidade é a voçoroca (sinal de destruição) e o cemitério (sinal de finitude). De

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fato, o fim trágico, característico de ópera, irá confirmar a suspeita de Juca.

Transformando Rosalina e sendo transformado por ela, suas vidas são

esmagadas pela engrenagem. São os fantasmas de Rosalina que tudo

transformam em morte. A presença dos mortos na casa e na vida de Rosalina

só é possível através do culto dos vivos, ou seja, da própria Rosalina. É nesta

dimensão n egadora da morte que surge a importância do ritual.

Sozinha, reprimida por um amor que não deu certo, Rosalina que se embriaga

todas as noites, se envolve sexualmente com Juca Passarinho. Mesmo sob o

olhar de censura de Quiquina, eles passam a se encontrar com freqüência.

Dividida em duas, pois à noite Rosalina assume uma personalidade

completamente diferente da aparência diurna, confundindo Juca que se vê

transformado (não tem mais a alegria do passarinho), ela engravida. Resultado

de uma união profana, o filho nasce morto.

Diante disso, Rosalina enlouquece e é levada para longe da cidade. Desta vez,

numa atitude antecipada no texto, Quiquina pára o último relógio da casa. As

pessoas percebem, então, que não seria mais possível uma reconciliação com

a família Honório Cota.

Page 16: Trabalho de português 2ª tarefa

(Imagem da capa do livro).

Bernardo Guimarães: A Escrava

Isaura

1. Nome da Obra: A Escrava Isaura

Autor: Bernardo Guimarães

Editora: Martin Claret

Ano de Publicação: 2001

Page 17: Trabalho de português 2ª tarefa

Edição: 1

2. FOCO NARRATIVO

O foco narrativo do livro Escrava Isaura é na terceira pessoa.

3. PROTAGONISTA

Isaura: Uma escrava branca, da cor do marfim, magra, estatura

pequena, cabelos longos, muito bonita, pura, virginal, possuía um

caráter nobre, inteligente, era dotada de natural bondade e muito singela

de coração, além disso, sabia ler e escrever, falava italiano, francês e

tocava piano.

4. ANTAGONISTA

Leôncio é o vilão leviano, devasso e insensível que, de “criança

incorrigível e insubordinada” e adolescente que sangra a carteira do pai

com suas aventuras, acaba por tornar-se um homem cruel e

inescrupuloso. Homem de aparência rude era o herdeiro de todos os

maus instintos e devassidão do comendador, seu pai. Nutre por Isaura o

mais cego e violento amor.

5. OUTROS PERSONAGENS

Comendador Almeida (Dono da Fazenda) um homem rude, imundo,

avarento e canalha.

Feitor Miguel (pai de Isaura e Capataz da Fazenda), homem bom e forte.

Tratara bem aos escravos.

Juliana (mãe de Isaura). Era a mais linda escrava e sofria de privações,

por não querer ser amante do Comendador Almeida.

Leôncio (filho do Comendador Almeida), mau caráter, dominador,

mandão, mas de boa aparência.

Malvina (esposa de Leôncio), mulher dócil e bonita.

Henrique (cunhado de Leôncio), rapaz bom, estudioso e rico.

Elvira e Anselmo (nomes de Isaura e Miguel, quando fogem e vão morar

em Recife)

Page 18: Trabalho de português 2ª tarefa

Álvaro (abolicionista), moço bonito, rico, liberal e republicano.

Martinho (estudante), ganancioso e desprezível, cabeça grande, cara

larga, feições grosseiras, olhos pardos e pequeninos.

Belchior (Jardineiro), um ser disforme e desprezível. É o símbolo da

estupidez submissa e também sua descrição física se presta a

demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado e corcunda.

Dr. Geraldo: é um advogado conceituado, que serve como fiel da

balança para Álvaro, já que procura equilibrar os arroubos do amigo,

mostrando-lhe a realidade dos fatos.

6. TEMPO (QUANDO A DURAÇÃO APROXIMADAMENTE DA

HISTÓRIA)

Escrito na campanha abolicionista (1875). O autor pretende, nesta obra,

fazer uma acusação documentada anti - escravo e da liberdade. O autor

explorou uma das questões mais polêmicas da sociedade brasileira da

época: a escravidão.

7. LUGAR (ES) ONDE ACONTECEU O ROMANCE.

Município de Campos de Goitacases (Rio de Janeiro) e Recife.

8. RELATE O ENREDO DA OBRA.

Em uma bela fazenda, no município de Campos de Goitacases (RJ),

morava Isaura, uma linda escrava de cor de marfim. Isaura era filha de

uma bonita escrava que por não se sujeitar aos sórdidos desejos do

senhor comendador Almeida (dono da casa) sofreu as mais terríveis

privações. Esta escrava teve um caso com o feitor Miguel, que era um

bom homem e não aceitou castigá-la como mandou o seu senhor, sendo

Isaura fruto desse relacionamento. Isaura foi educada pela mulher do

comendador, e era dotada de natural bondade e candura do coração

além de saber ler, escrever, italiano, francês e piano. A mulher do

comendador tinha desejo de libertar Isaura, porém não fazia para

conservá-la perto e assim ter companhia.

O Sr. Almeida se aposenta, retirando-se para a corte e entrega a

fazenda a seu filho Leôncio. Este era digno herdeiro de todos os maus

instintos e devassidão do comendador.

Casou-se por especulação. Nutre por Isaura o mais cego e violento

Page 19: Trabalho de português 2ª tarefa

amor. Ele chega à fazenda com sua mulher - Malvina - e seu cunhado -

Henrique. Malvina era mulher dócil e tratava Isaura muito bem. Henrique

era um filho rico, estudante de medicina, e também ficou tocado pela

beleza de Isaura. Morre a mãe de Leôncio sem deixar testamento que

libertasse Isaura.

Henrique rapidamente percebe as intenções de Leôncio para com

Isaura. Temendo que ele traia sua irmã, adverte que não vai tolerar tal

ato. Henrique se oferece como amante para Isaura e daria em troca sua

liberdade. O jardineiro da fazenda, um ser disforme e desprezível,

também se oferece como amante. Isaura não dá atenção a essas

propostas, e diz nunca casar sem amor. Leôncio é avistado por

Henrique e Malvina quando fazia semelhante proposta à Isaura. Malvina

sentencia: ou ela (Isaura) ou eu.

No mesmo momento da calorosa discussão, aparece o pai de Isaura

com o dinheiro suficiente, uma enorme quantia de 10 contos de réis,

para comprar a liberdade dela conforme havia prometido o comendador

Almeida. Leôncio não aceita o dinheiro e dá desculpas .

Morre o pai de Leôncio e ele finge imensa tristeza por dias, e fica

temporariamente sem brigar com a mulher. Passado certo tempo,

Malvina continua a pressão para libertar Isaura. Com as desculpas e

adiamentos de Leôncio, ela decide voltar para casa do seu pai. A sua

saída era caminho livre para os intentos indecentes de Leôncio. Como

Isaura continuava a resistir, Leôncio ameaça com torturas. Miguel,

sabendo do acontecido, decide fugir com Isaura para o Norte.

Chegando a Recife, Isaura muda seu nome para Elvira e Miguel para

Anselmo (para ninguém os descobrirem) passando a morarem numa

chácara no bairro de Santo Antônio. Álvaro era um moço rico, filho de

uma distinta e opulente família, liberal, republicano e abolicionista ao

extremo.

Ele avista Isaura ao passear perto da sua chácara e a conhece,

passando a visitá-la constantemente. Álvaro se utiliza de todos os meios

para convencer Isaura a ir a um baile com ele. Isaura não queria ir para

não enganar a sociedade e iludir o seu amante. Ela por diversas vezes

tentou contar a Álvaro que se tratava de uma escrava fugida, mas não

tinha coragem.

No baile, Isaura se destaca no meio de todas as mulheres devido a sua

beleza e por tocar muito bem piano. Contudo, é reconhecida por

Martinho - um estudante de sórdida ganância e espírito de cobiça - que

havia guardado um anúncio de escravo fugido. Ele provoca um

escândalo durante o baile e Isaura confessa diante de toda a sociedade

se tratar de uma escrava. Álvaro, não obstante, defende Isaura das

mãos imundas de Martinho. Martinho, sem conseguir levá-la, escreve

Page 20: Trabalho de português 2ª tarefa

para Leôncio informando que havia achado sua escrava.

Graças à valiosa intervenção de Álvaro, Miguel e Isaura continuam na

sua chácara em Santo Antônio na espera das ações que ele havia

prometido tomar. Isaura conta que fugiu para escapar do amor de um

senhor cruel. Enquanto Álvaro se encontrava na chácara, Leôncio

aparece para sua surpresa e exige levar Isaura. Leôncio encontrava-se

munido de um mandado de prisão contra Miguel e guardas para levar

sua escrava.

A aparição é seguida de forte discussão e Álvaro avança contra Leôncio.

A briga é cessada com a aparição de Isaura que se entrega ao seu

senhor.

Isaura volta à fazenda onde fica na mais completa reclusão. Leôncio

volta para Malvina, pois iria precisar do seu dinheiro. Miguel é ludibriado

na cadeia e convencido

a tentar persuadir Isaura a se casar com Belchior, o jardineiro da

fazenda, em troca da liberdade sua e da filha.

Isaura aceita o sacrifício, pois estava sem forças e sem esperança.

Leôncio já havia tomado todas as providências para o casamento,

quando é informado que alguns cavalheiros chegaram. Pensando se

tratar do vigário e do tabelião, manda eles entrarem. Fica surpreso ao

ver Álvaro. Este tinha ido ao Rio de Janeiro e descobre com alguns

comerciantes que Leôncio estava falido. Compra os seus créditos e fica

dono de toda a dívida de Leôncio.

Álvaro fala para Leôncio que nada mais o pertence, que toda a sua

fazenda incluindo os escravos passava a ser dele com a execução dos

débitos. Isaura abraça Álvaro. Leôncio jura que nunca irá implorar a sua

generosidade para abrandar a dívida. Ele se ausenta da sala e se mata.

Page 21: Trabalho de português 2ª tarefa

(Imagem da capa do livro).

Hilda Hilst: A Obscena Senhora D

D de derrelição, desamparo, abandono. Ou, em linguagem jurídica, "abandono voluntário de coisa móvel, com a intenção de não mais a ter para si". Por exemplo, o corpo? E por que obscena? Pela voz da autora: "...e o que foi a vida? uma aventura obscena, de tão lúcida". No vão da escada de sua casa escura, essa obscena Senhora D nos contempla através dos buracos dos olhos das "máscaras de focinhez e espinhos amarelos" que costuma usar. Para falar "dessa coisa que não existe mas é crua e viva, o Tempo", para cuspir em nosso rosto a pequenez, a perdição humana, para dizer que "ninguém está bem, estamos todos morrendo". Enquanto se dissolvem no aquário peixes pardos recortados em papel.

Poeta, dramaturga, ficcionista, Hilda Hilst é talvez o nome mais controvertido da literatura brasileira contemporânea. Para alguns críticos, como Léo Gilson Ribeiro, trata-se do "maior escritor vivo em língua portuguesa". Para outros, simplesmente ilegível, incompreensível em seu código expressivo pessoalíssimo e deliberadamente cifrado. Pairando acima de todas as negações de sua obra, Hilda avança numa viagem cada vez mais ousada, cada vez mais funda.

Page 22: Trabalho de português 2ª tarefa

A história - se é que há uma história aqui - é simples: após a morte do amante, Hillé, a Senhora D, se recolhe ao vão da escada, "um Nada igual ao teu, repensando misérias, tentando escapar, como tu mesmo, contornando um vazio, relembrando", em direção à própria morte. Numa prosa que se dilata e contrai, às vezes estufada, barroca, repleta de cintilâncias, outras se fazendo navalha, corte seco, a linguagem de Hilda Hilst avança sobre as camisas-de-força da sintaxe para desvendar insuspeitados espaços. O resultado é um texto que, fora de nossa literatura, ao lado de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, só encontraria paralelo em Joyce ou Samuel Beckett. Mais além: é vivo.

Sons, trinados, gritos, urros, rouquidões. Asa. Impossível aventurar-se nestas páginas sem entrega. Inútil municiar-se apenas das armas da razão. Hipnótico, o discurso de Hilda envolve como águas - às vezes lodosas, às vezes claras - e numa vertigem nos arrasta, de susto em susto, cada vez mais para perto daquilo que Joyce chamava de "o selvagem coração da vida". Onde tudo pode acontecer. De uma facada pelas costas a um apaixonado beijo de amor, "jorrando volúpia e ilusão". Traiçoeiras e sensuais, as palavras ofegam e palpitam, como se tivessem carne, sangue, músculos, nervos, ossos. E além disso: uma aura impalpável, uma alma indizível. Uma alma que procura cega, obsessiva, pelo invisível que nos disseram haver um dia: Deus.

Como a Senhora D, sem Deus, no fim do milênio, entre miséria, loucura e lixo atômico, para nós mesmos a vida pode ter sido ou - mais terrível - estar sendo somente "uma angústia escura, um nojo negro". Contra isso, Hilda grita. Como a Senhora D, a obscena, a sapa, a porca, nos vemos ao final também assim, perplexos, nus: "um susto que adquiriu compreensão". Mas sempre se pode gostar de porcos. Gostar de gente, também. Por amar a condição humana, Hilda escreve. Um olho no divino, um outro em Astaroth. Ninguém sairá ileso. Como não se sai, afinal, da própria vida.

Page 23: Trabalho de português 2ª tarefa

(Imagem da capa do livro).

Luiz Vilela: Tremor de Terra

Tremor de Terra relança os 20 contos de Luiz Vilela, e foi publicado pela

primeira vez em 1967, e na sua maioria são em prosa bem acabada e

narrativas coesas em sua aparente simplicidade.

Nesta obra destaca-se a feição realista de Vilela, nas narrativas memorialistas,

focalizando um episódio marcante vivido pelo menino de então e que o

narrador adulto recupera em seu discurso do presente. Ainda que não seja um

fato extraordinário, ele representou, na vida daquele que narra, um momento

de mudança ou de ruptura que alterou uma condição existencial anterior (de

inocência, de ingenuidade) e colaborou para a sua formação e seu

amadurecimento pessoal, como a morte do avô, no conto "Felicidade", e a

conversa do diretor da escola com o menino que o flagrara num ato de

pederastia, em "Com os próprios olhos".

O herói por excelência das histórias é o ser que tem dificuldade de se encaixar

Page 24: Trabalho de português 2ª tarefa

no mundo.

No conto "Imagem", o protagonista procura saber de seus conhecidos o que

acham dele. A cada opinião percebe que sua imagem no espelho se modifica.

Por ficar perdido entre tantas imagens, pois cada uma pensa uma coisa

diferente, ele adquire fama de ser uma pessoa instável.

Outros personagens que ensaiam contrariar o padrão imposto pela sociedade

também sofrem pressão. A personagem tia Lázara de "O Violino" tenta na

maturidade aprender a tocar o violino e é repreendida pela família.

Feridos nessa busca inútil, os indivíduos fogem para dentro de si. O ponto

máximo do recolhimento está em "Buraco", em que o herói cava um buraco

onde passa a viver como tatu.

Identidade é aquilo que uma pessoa tem de mais próprio, de mais pessoal.

Esse é o tema explorado por Luiz Vilela no conto "Imagem", conforme

demonstra a seguinte passagem: “Foi aí que eu comecei a busca. Olhava-me

dia e noite no espelho, não mais para encantar-me, mas para encontrar-me,

para saber quem era aquele que estava ali, no espelho. Aquele era eu – mas

quem era eu?”

A exploração do nonsense surge no conto "O fantasma". Trata-se do diálogo,

com passagens hilárias, em que a razão domina o sentimento quando o

normal, na situação, seria o medo abafar a inteligência. No final, aterrorizado

com o homem, que tranqüilamente vai dormir no casarão abandonado, o

fantasma desaparece.

No conto - título, "Tremor de Terra", um rapaz se apaixona por uma moça

casada. O sentimento o faz imaginar um momento maravilhoso e ao mesmo

tempo terrível, que ele compara a um tremor de terra. O abalo seria capaz de

reverter a condição de "enterrado vivo" de muitos dos personagens. Como a

ironia é um forte elemento dos contos, é dessa forma que lhes é ameaçado o

frágil equilíbrio, visto que pode soterrá-los de vez.

Este conto ("Tremor de terra") expõem-se diversos aspectos relativos à

sexualidade na sociedade contemporânea, tais como a diferenciação entre

amor e desejo sexual, a sexualidade instintiva, o namoro, o casamento, e como

a noção de amor é veiculada pelos meios de comunicação de massa.

Leia um trecho do conto "O buraco"

Num daqueles dias em que, ao sair à rua, eu ouvira as pessoas falando e rindo

de mim, cheguei em casa tão deprimido que, sem parar, comecei a andar de

Page 25: Trabalho de português 2ª tarefa

quatro. Mamãe deu um grito, e só aí eu percebi a coisa. “Meu filho!”, ela disse e

veio correndo me abraçar. Ao levantar-me para ela é que percebi que eu

estava de quatro; tive de fazer um esforço enorme para acabar de me levantar

e para, depois manter-me de pé. “Que mal fizemos para merecer essa

desgraça?”, ela chorava, me apertando em seus braços.”

(Imagem da capa do livro).

Márcio Souza: Galvez, Imperador do

Acre

Publicado pela primeira vez em 1976, o romance de estreia de Márcio

Souza, Galvez, imperador do Acre, é considerado pela crítica uma obra que

inaugura um novo momento no que tange à narrativa brasileira. Herdeira da

estética oswaldiana fragmentária, em que as cenas são descontínuas tendo em

vista a simultaneidade das ações, a obra em questão é dotada de uma

linguagem telegráfica calcada em pequenos quadros que remetem a cenas e

tomadas de um filme.

O autor, ao publicar Galvez, imperador do Acre, faz com que o romance

histórico nacional redefina as suas fronteiras, pois valendo-se do episódio de

anexação do território do Acre pelo Brasil, o autor constrói uma narrativa então

Page 26: Trabalho de português 2ª tarefa

inovadora, uma vez que afinada com o que de mais recente podia ser

encontrado no âmbito do romance histórico latino-americano.

Galvez, imperador do Acre começa a ser escrito em 1966 e, inicialmente, não

seria um romance, pois fora estruturado como roteiro cinematográfico, apesar

de jamais conseguir produtor para a sua realização. O cinema, portanto,

exerceu sobre o ficcionista uma função imprescindível e deu à sua produção

literária um rumo peculiar. Com base na leitura da obra e de sua fortuna crítica,

acreditamos que a utilização de uma linguagem cinematográfica associa-se à

patente paródia do romance, ambas compondo um recurso que revigora a

modalidade regionalista desse gênero literário, a partir do deslizamento da

focalização do exótico para o óptico, bem como, simultaneamente, estabelece

uma espécie de diálogo com a tradição folhetinesca consagrada no país em

meados do século XIX.

O autor amazonense, valendo-se de um episódio da história nacional e

também sul-americana, - a anexação do território do Acre pelo Brasil no final do

século XIX -, desenvolve uma narrativa inovadora, podendo mesmo ser

considerada revolucionária se forem levadas em conta as produções literárias

nacionais de até então, redefinindo as fronteiras do gênero a que pertence e

procedendo em plena sintonia com o movimento de profunda renovação da

escrita literária latino-americana que ocorre na década de 70, em consonância

com o alto número de novos romances históricos que no restante do continente

surgiram nesses mesmos anos.

Galvez, Imperador do Acre contém todos aqueles atributos do novo romance

histórico que rompem definitivamente com o paradigma modelar do subgênero

na sua forma clássica. A narrativa discorre sobre a controvertida passagem do

espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Aria pelas terras amazônicas do norte do

Brasil, sua meteórica ascensão ao posto de autoridade máxima do efêmero

império do Acre independente e sua posterior deposição por parte das tropas

bolivianas. O texto se apresenta, desde suas epígrafes, intensamente marcado

pela presença de elementos estilísticos de cunho cômico: o riso mais

escancarado, a atmosfera carnavalizada que por vezes envolve as ações, a

mordaz ironia e outros índices humorísticos. Enfim, o comparecimento de tais

marcas e sua recorrência ao longo de Galvez, Imperador do Acre sinalizam

para o descumprimento, por parte do romance, do modelo-padrão de romance

histórico tradicional, este caracterizado, sobretudo, pela seriedade e pelo

comedimento no estilo, comprometido com o discurso historiográfico oficial,

não ousando quanto ao tratamento estilístico empregado na ficcionalização

realizada sobre a matéria histórica produzida, procedendo apenas no sentido

de ratificar as verdades antes afirmadas pelo discurso oficial predominante.

A instância da narração, o distanciamento da entidade narradora para com seu

Page 27: Trabalho de português 2ª tarefa

objeto, característica do romance histórico convencional, é suprimido na nova

modalidade do subgênero, sendo, via de regra, o próprio protagonista da trama

a discorrer sobre suas ações e circunstâncias. No caso de Galvez, Imperador

do Acre, tem-se a presença de dois narradores que conduzem o andamento da

diegese, ambos pronunciando-se em primeira pessoa. Predominante é a

narração do próprio Galvez, que se realiza a partir de suas memórias, inclusive

na forma que a narrativa assume, fragmentada textualmente, com capítulos de

pouquíssima extensão, possuindo um marcado teor subjetivo, confessional,

procedimento típico de narrativas autobiográficas. De outro lado, tem-se a

minoritária participação

discursiva do narrador-editor, que não somente exerce o papel de “prólogo” e

“epílogo” da trama, como também atua no decorrer da mesma interferindo na

seqüência narrativa de Luiz Galvez, interrompendo-o sempre que necessário,

corrigindo-o a cada momento em que o nosso herói faltar com a verdade dos

fatos (idem, p. 53). Tal atitude intervencionista e questionadora opera na trama

como elemento de desmistificação da verdade que dois tipos de discurso

radicionalmente reivindicam para si: o discurso da História e o discurso da

autobiografia. É pela participação deste mesmo narrador-editor que se dá a

metaficcionalidade dentro do processo narrativo do romance, quando, por

vezes, informações atinentes à estruturação e à natureza do relato são

elucidadas. Este narrador, além disso, faz referências ao panorama literário

dentro do qual a narrativa enquadra-se, como bem se pode verificar na

seguinte passagem:

Esta é uma história de aventuras onde o herói, no fim, morre na cama de

velhice. E quanto ao estilo o leitor há de dizer que finalmente o Amazonas

chegou em 1922. Não importa, não se faz mais histórias de aventura como

antigamente (idem, p. 13).

Ao referir personalidades com algum reconhecimento dentro da história

brasileira, Márcio Souza vai, ao mesmo tempo, concebê-las a partir de uma

outra perspectiva, essencialmente dessacralizadora e que investe na

subversão da imagem positiva e imaculada que o discurso da História

costumou atribuir a tais personalidades na representação dos mesmos. O que

se tem em Galvez, Imperador do Acre é a exposição da vida dos mesmos nas

situações mais inusitadas por eles vividas, em que se comportam

inadequadamente, desobedecendo em suas atitudes àqueles princípios da

moral e da ética que regulam o comportamento

dentro de uma sociedade. Frequentes são no romance cenas de escândalos,

de promiscuidades praticadas por “ilustres” figuras da sociedade amazônica,

em ambientes públicos ou nos mais privados.

Luiz Galvez transitava tranqüilamente por estes locais e partilhava muitas

vezes dos gozos fáceis que os novos-ricos desfrutavam e que ainda

Page 28: Trabalho de português 2ª tarefa

proporcionavam a quem com eles convivia. No todo da narrativa, o jornalista

espanhol é caracterizado pelo caráter picaresco de sua conduta diária, em

virtude de sua vida desregrada, atitudes inconseqüentes e displicência moral

nas relações sociais com as outras pessoas. Em suma, o Luiz Galvez

Rodrigues de Aria que no romance é esboçado reúne em si os traços

característicos que dizem respeito à faceta mais carnavalizada do ser humano,

na medida em que frequentemente age sem maiores pudores, mostrando-se

alheio às restrições que as formalidades da realidade cotidiana impõe.

Em Galvez, Imperador do Acre, a representação jocosa de personalidades

históricas alcança até mesmo alguns notáveis da Literatura brasileira, que,

embora não participem ativamente da ação do romance, têm suas imagens

plenamente satirizadas quando citados em alguma passagem da trama. Casos,

por exemplo, de Euclides da Cunha e de Coelho Neto. O primeiro é

mencionado logo no princípio da narração, por estar vinculado ao

parnasianismo e por ser um dos ícones do estilo empolado e verborrágico de

escrita que tanto caracterizou esse movimento literário. Na abertura do

romance, que tem o sugestivo nome de "Floresta Latifoliada, o narrador-editor

toma o parnasianismo como objeto de escárnio, porquanto faz alusão à

condição ultrapassada do movimento poucos anos antes metade do século XX

vinculando-a ao atraso cultural e literário da Amazônia em relação ao restante

do Brasil.

Coelho Neto, coetâneo de Euclides da Cunha, cultor de uma escrita pomposa e

eloqüente, também um dos grandes nomes da chamada belle époque

brasileira, é citado na narrativa de maneira um tanto inusitada, sendo lembrado

apenas por ser o “ex-dono” de uma “insigne” ceroula que fora surrupiada pelo

coronel da Guarda Nacional Apolidório Tristão de Magalhães, na oportunidade

em que o escritor maranhense estivera por alguns dias em visita a Belém, no

Pará. O extravagante coronel paraense tratava como relíquia santa (idem, p.

28) a peça íntima de Coelho Neto que, em moldura prateada, decorava a

parede da biblioteca numa posição de destaque e veneração (idem, p. 28). No

mais, não há aparições mais consistentes de reconhecidas figuras da História

nacional como partícipes da ação romanesca em Galvez Imperador do Acre, a

não ser aqueles sujeitos históricos diretamente envolvidos nas políticas e

militares que brasileiros e bolivianos promoveram pela posse do território

acreano. Estes, quando presentes na trama, são caracterizados da mesma

maneira irreverente e descomprometida com que Márcio Souza vai

concebendo a narrativa nas suas linhas gerais.

Também os ambientes e as situações em que essas figuras históricas se

encontram são representados de maneira bem diversa do encontrado

comumente em livros de História e romances históricos tradicionais, pois são

espaços em que predominam a hipocrisia, o egocentrismo, a lascívia, relações

Page 29: Trabalho de português 2ª tarefa

interpessoais desprovidas de moralidade recíproca etc.

A temporalidade que se constata no andamento narrativo de Galvez, Imperador

do Acre é tópico que também se enquadra nas características do novo

romance histórico. O constante deslocamento temporal repentino, para frente

ou para trás, durante o processo de narração é marca saliente neste romance

de Márcio Souza. Já em seu início, sendo o narrador aquele que detém os

manuscritos de Luiz Galvez, a temporalidade é situada como que no presente

da ação, oportunidade em que o narrador-editor descreve a ocasião em que os

encontra, caracteriza o próprio autor do relato e introduz a narrativa fazendo a

referência histórica da ocupação do Acre efetuada pelos brasileiros de outra

região do país – do Nordeste. Além disso, cita as tribos ocupantes da região

acreana que lá habitavam antes da ocupação dos nordestinos e uma versão

sobre a origem do nome do território acreano. Segue-se a partir daí o relato de

Luiz Galvez, que principia no ano de 1898, quando o espanhol já se encontrava

com 39 anos de idade. Mas a narração que parece encaminhar-se para uma

trajetória rumando sempre ao futuro de onde se encontra a ação, por vezes é

interrompida, retornando a um tempo pregresso ao período da ação em

desenvolvimento.

Frequentes no romance são aqueles capítulos autobiográficos de Luiz Galvez

que subitamente são inseridos no decorrer da narração. Tais capítulos

contemplam os tempos de sua vida em família, quando rememora até mesmo

os conflitos belicosos em que seu pai esteve envolvido, suas aventuras juvenis

e, por fim, o começo de sua carreira como jornalista. Todos esses episódios

que entrecortam a narração abalam sensivelmente o curso da diegese e até

desestabilizam a leitura, mas não chegam a prejudicar a mesma. O que ocorre,

tão somente, é uma reconfiguração do ponto de vista da temporalidade no

modo de contar a história/estória que o romance promove, em que não mais

atuam o conservadorismo e o convencionalismo tão típicos das Histórias e

romances históricos tradicionais. Estes, ao conceberem seus relatos de forma

cronologicamente linear, procuravam simular o próprio tempo histórico,

estratégia pretensamente mais apta à persuasão do leitor, podendo levá-lo a

acreditar que aquilo que está lendo segue e representa fielmente os

acontecimentos passados da realidade em sua

imanência factual. Diferentemente, os novos romances históricos rejeitam tal

estratégia discursiva e lançam mão de uma temporalidade que pertence ao

domínio subjetivo daquele que organiza e concebe textualmente o relato

histórico. A participação da subjetividade opera mesmo no processo de

composição daquelas obras de caráter historiográfico que se pensam neutras e

imparciais, pois estas são, do mesmo modo, produtos de uma mente humana,

sendo repletas de motivações intrínsecas. Desde a investigação e coleta de

vestígios históricos até a divulgação dos mesmos em revistas, livros, romances

históricos, ou seja, durante todas as etapas de construção do conhecimento

Page 30: Trabalho de português 2ª tarefa

histórico, as marcas ideológicas pessoais e a arbitrariedade do historiador e do

romancista são componentes que,

infalivelmente, participam e influem no decorrer do processo de pesquisa

histórica, e não há como não reconhecer o papel da subjetividade na efetivação

de todo esse processo.

No romance são praticadas também distorções do discurso historiográfico

oficial, o que via de regra ocorre em obras pertencentes à categoria do novo

romance histórico. Tais distorções são, por vezes, flagradas na trama pelo

narrador-editor, quando ele interfere na seqüência narrativa e passa a advertir

os leitores sobre a desenfreada inventividade das palavras de Luiz Galvez.

Chama ele a atenção do leitor para a falta de coerência com a verdade dos

fatos, que ele (narrador-editor) apresenta após o discurso “falacioso” do

espanhol. Porém, cabe aqui salientar que as retificações emitidas pelo

narrador-editor sobre o discurso de Luiz Galvez são apenas um recurso

paródico dentro da trama, que teriam a função, caso não fossem instrumentos

de parodização, de atribuir veracidade, plausibilidade ao que está sendo

informado. As informações destas notas corretivas evocam os romances

históricos tradicionais e sua obsessão pelo registro detalhado dos fatos,

sua crença de que podiam, através de suas obras, transmitir fielmente o

passado histórico a seus leitores. Como paródias, as retificações do narrador-

editor não estão a serviço de uma elucidação verídica absoluta dos fatos, mas

operam na trama como sinalizadores de que a relatividade na apreciação dos

fatos históricos é aspecto inerente ao saber historiográfico, sendo impossível o

conhecimento imanente dos fatos tais como se sucederam realmente. Por

conseguinte, qualquer

informação histórica pode ser passível de contestação, revisão e reavaliação,

além de outras versões sobre um mesmo evento poderem surgir. Ainda sobre

as notas do narrador-editor, vale dizer que os abusos imaginativos de Luiz

Galvez ao descrever suas aventuras é, primeiramente, motivo de repreensão

por parte do outro narrador; contudo, mais adiante, o tom grave de seus

primeiros comentários ameniza-se, dilui-se, quando ele não mais resiste à

fantasia que prepondera nas peripécias de Galvez e ao poder de envolvimento

que ela possui:

Interrompo para advertir que o nosso herói vem abusando sistematicamante da

imaginação, desde que chegou a Manaus. E como sabe nos envolver! Para

início de conversa, no Acre ele tentou organizar uma república liberal. E depois,

bem, depois, pensando melhor, para que desviar o leitor da fantasia? (idem, p.

197)

Sobre a natureza intertextual que é inerente ao novo modelo de romance

histórico, Galvez, Imperador do Acre demonstra ilustrar plenamente esta

especial marca estilística do subgênero, ao apropriar-se de muitos textos de

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variada procedência e incorporá-los livremente à matéria ficcional, seja por

meio de rápidas alusões a personagens romanescos, ficcionistas e títulos

consagrados da História da Literatura, seja transcrevendo literalmente

passagens de algumas obras na sua tessitura romanesca. Evidenciam-se, por

exemplo, referências a consagradas narrativas ficcionais de aventuras, alguns

de seus personagens, além de uma alusão a Júlio Verne, um dos maiores,

senão maior ficcionista desta linha de escritos. Evoca-se A volta ao mundo em

oitenta dias, de Verne, quando Phileas Fogg é mencionado por Luiz Galvez.

Comparecem também, em breves citações, Gulliver e Robinson

Crusoé. Galvez, Imperador do Acre é obra que se inscreve na linha de

romance de aventuras, e dialoga com a tradição deste ramo da escrita

romanesca, uma vez que não só recupera elementos ficcionais e autorais

formadores desta tradição ao mencioná-los na trama, mas também porque,

valendo-se de tais elementos, tece algumas considerações de ordem crítica a

respeito da natureza deste tipo de relato e sobre a condição do sujeito

aventureiro. Ao mesmo tempo em que descreve suas experiências em meio à

selva amazônica, as agruras a que precisou se submeter, Luiz Galvez passa

também a desmerecer a imagem de pessoa privilegiada que as narrativas

convencionais costumaram atribuir a seus heróis aventureiros. Partindo deste

contraponto, estabelece-se o diálogo aberto entre o romance de Márcio Souza

e a tradição à qual está vinculado, diálogo realizado de modo autoconsciente,

auto-reflexivo e que ainda leva em conta a presença e a participação do leitor

no processo de existência do texto literário, neste caso, do romance de

aventuras:

Eu estava com os fundilhos molhados de água e vi que a condição de

aventureiro é quase sempre desconfortável. O aventureiro vive como se

estivesse em fim de carreira. Não existe marasmo e os contratempos estão

sempre escamoteados das histórias de aventura, pois digo aos leitores que

ninguém passa mais baixo que o aventureiro. Quem me dera fosse eu um

Phileas Fogg na calha do rio Amazonas fazendo a volta do mundo em oitenta

seringueiras.(idem, p. 87)

Contudo, Galvez Imperador do Acre não se restringe a ser tão somente uma

narrativa ficcional de aventuras, porquanto apresenta uma estrutura

multifacetada, em que comparecem diferentes modalidades estilísticas de

composição romanesca, compartilhando o mesmo espaço discursivo, o que faz

desse romance de Márcio Souza obra de indubitável plurivocalidade textual,

plena em dialogicidade e intensamente intertextual. Galvez imperador do Acre

também pode ser considerada obra que “flerta” com a novela picaresca

espanhola, e não são poucas as marcas presentes no texto que permitem

assinalar a também natureza picaresca desse romance . A trajetória atribulada

de Luiz Galvez pelo norte do Brasil que o romance expõe se dá através da

narração do próprio protagonista, e o que se vê despontar na mesma é a

Page 32: Trabalho de português 2ª tarefa

caracterização de Galvez, de personalidade extrovertida, comportamento

demasiado insolente, vida agitada, descomprometimento em acatar valores

morais convencionais, etc. Em suma, o espanhol revela-se um pícaro por

excelência, “aprontando das suas” em longínquas terras tropicais. Acrescenta-

se a estas marcas que dizem respeito particularmente à configuração do

personagem de Luiz Galvez, a estruturação do romance, que se constrói a

partir de episódios fragmentados, rememorações autobiográficas inseridas de

súbito na narração, histórias paralelas, observações de natureza científica,

historiográfica que aparentemente não influem no andamento narrativo das

peripécias de Luiz Galvez etc. Contudo, mesmo a presença de tais marcas não

faz de Galvez Imperador do Acre obra que se enquadre plenamente no modelo

de novela picaresca tal qual os ibéricos praticaram a partir do século XIV.

Como já se mencionou, esse romance de Márcio Souza prima pela

diversidade, possui uma estrutura multifacetada, que abarca diferentes

discursos, estilos os mais diversos,

etc. De qualquer forma, intenso se mostra o diálogo que a narrativa empreende

com a tradição ibérica, ao recuperar determinadas marcas específicas da

novela picaresca e incorporá-las à trama, assim como através de recorrentes

apropriações textuais de autoria de consagrados escritores espanhóis, tais

como Miguel de Cervantes, Calderón de La Barca e Lope de Vega.

Encontra-se outro exemplo de prática intertextual, em Galvez, Imperador do

Acre, nas vezes em que trechos da ópera Aída, de Giuseppe Verdi, são

reproduzidos literalmente no romance, introduzidos em pequenos e

consecutivos capítulos cujas denominações, já bem sugestivas, evocam

diretamente o compositor italiano e elementos de sua citada produção

operística.

Entretanto, dentre os vários pontos de contato, aproximações, estilizações

paródicas e práticas intertextuais que Galvez, Imperador do Acre realiza com

relação a diferentes modalidades discursivas e de gênero, nenhum é tão

contundente e assíduo quanto a reflexão sobre o processo literário brasileiro

que o romance efetua: suas etapas, procedimentos estilísticos, visão de

mundo, entre outros elementos. Logo no princípio da narrativa há duas alusões

ao ano de 1922, ponto de referência temporal de considerável importância no

percurso histórico de nossa literatura, período de intensa efervescência cultural

no país, de profundas renovações no plano estético e ideológico da literatura

brasileira bem como de outros meios de expressão artística. A Semana de Arte

Moderna de São Paulo, que ocorreu nesse ano, é o principal evento expositor

dos novos ideais artísticos apresentados pelo movimento modernista dos anos

20, o que faz com que se vincule ainda mais o ano de 1922 às drásticas

mudanças na configuração das expressões artísticas que se processaram a

partir das primeiras décadas do século XX. O ano de 1922, como data-ícone

colocada pela narrativa, representa microcosmicamente o avanço cultural, a

Page 33: Trabalho de português 2ª tarefa

crescente emancipação intelectual brasileira, a gradual abnegação artística e

ideológica do Brasil para com as produções culturais típicas da “civilização

européia”. Em contrapartida a isso, o contexto específico em que o romance

está inserido – a região norte do Brasil da metade do século XX – é visto pelo

narrador editor como estagnado culturalmente, atrasado em comparação ao

restante do país, a metade sul, por exemplo, pioneira dos movimentos

brasileiros de vanguarda artística desencadeados a partir dos anos 20 do

mesmo século. O narrador editor esclarece que com a publicação de Galvez

imperador do Acre a literatura amazônica finalmente deixa pra trás os

resquícios da extravagante escrita parnasiana, passa a conhecer e a integrar o

estágio mais amadurecido do percurso histórico-literário brasileiro.

A reflexão em torno da Literatura brasileira tem continuidade quando o mesmo

narrador-editor afirma ter encontrado, por acaso, os manuscritos de Luiz

Galvez em um sebo qualquer de Paris, e que, tal como fizera José de Alencar,

em A Guerra dos Mascates, decide também ele organizar e publicar estes

escritos memorialísticos, fazendo deles um romance. Na verdade, trata-se de

um discurso de acentuado tom paródico, que incide sobre procedimento

composicional largamente difundido pelas narrativas brasileiras do século XIX.

O discurso paródico, do modo como se manifesta em Galvez, Imperador do

Acre, possui assim uma dupla orientação: ao mesmo tempo em que recupera,

retoma certos elementos da tradição literária, revitalizando-a, também investe

na renovação de prática discursiva reiteradamente explorada no campo

específico das obras romanescas ao atribuir a elas novos significados, outros

sentidos.

O romance ainda dialoga com a História literária nacional por apresentar

também caracteres de narrativa memorialística. Sua configuração, em geral,

aproxima-se em muitos aspectos deMemórias de um sargento de milícias, de

Manuel Antônio de Almeida. Embora as duas narrativas se diferenciem quanto

ao foco narrativo empregado, (primeira pessoa em Galvez e terceira pessoa

em Memórias), ambas compõem seus relatos a partir de reminiscências

biográficas de seus

protagonistas, arquitetando com muito bom humor e picardia o panorama da

época e do contexto social em que estão situados.

Outras afinidades entre as obras: assim como Leonardo em Memórias, também

o espanhol Luiz Galvez vai servir de elemento de coesão inter-episódica da

trama, garantindo assim sua unidade estrutural.

Os dois protagonistas apresentam traços de personalidade, de caráter e de

comportamento muito semelhantes. Ambos fazem parte da seleta categoria de

personagens pícaros atuantes na Literatura Brasileira, formando ao lado de

Geraldo Viramundo, de O grande mentecapto, de Fernando Sabino

Page 34: Trabalho de português 2ª tarefa

e Macunaíma, da obra homônima de Mário de Andrade, o quarteto das maiores

figuras picarescas que a ficção nacional já produziu.

Os pontos de contato entre Galvez, Imperador do Acre e Memórias de um

sargento de milíciasnão se concentram apenas na figura de seus personagens

nucleares. Tal como o romance de Manuel Antônio de Almeida, Galvez elabora

textualmente a realidade de modo bem prosaico, ao descrever cenas

totalmente desprovidas de idealismo e ao expor aspectos pouco ou nada

poéticos da vida social. Tampouco as duas narrativas se empenham em

apresentar idéias moralizadoras, assim como não pensam o ser humano

maniqueisticamente, não propagam a idéia de que as ações humanas se

dividem necessariamente entre boas e más, que intrinsecamente toda idéia ou

ato já contenha em si um valor ético predeterminado.

Quanto ao estilo empregado, Galvez mantém parentesco com Memórias na

medida em que também opta pelo humorismo e pela objetividade discursiva em

detrimento de uma escrita baseada no sentimentalismo, elevada e refinada

estilisticamente, marcas estas tão caras ao modelo romântico tradicional. O

estilo de escrita jornalística, sua fluência, que se aproxima da oralidade do

cotidiano, faz-se notar também nas páginas dos dois romances. Mais ainda,

chama a atenção

a farta presença, nas duas obras, da linguagem coloquial praticada pelas

camadas mais populares e seu franco e desembaraçado vocabulário.

Não se pode deixar de mencionar o ativo diálogo que Galvez, Imperador do

Acre trava com o Romantismo. Durante breves momentos da narração, Luiz

Galvez desenvolve reflexões sobre a relação do homem com a natureza que o

cerca, dirigindo seus comentários sobre o modo de representação específico

da literatura ao pensar a paisagem natural, concebendo-a segundo sua própria

linguagem e projetando uma imagem dela de acordo com a poeticidade que lhe

é inerente. Suas

palavras repousam sobre a ineficácia ou a insuficiência da literatura ao tentar

traduzir ou compreender tal fenômeno em seu universo discursivo; mais

precisamente: quando essa tentativa de compreensão se dá via linguagem

hiperbólica, através de um superdimensionamento poético da imagem

paisagística da natureza, fazendo com que outras referências temáticas sejam

deixadas para segundo plano, como, por exemplo, as indagações a respeito da

condição humana, ou a exploração de episódios que sustentem o homem

como prioridade temática da representação literária. Sub-repticiamente, o que

se está criticando na narrativa de Márcio Souza é o Romantismo e sua peculiar

conformação estilística, a grandiloqüência presente nas obras românticas

quando estas compõem o quadro descritivo de suas tramas, o deslumbramento

com o cenário natural, que via de regra participa das narrativas já como

elemento introdutório da trama, mas que não deixa de fazer-se presente no

Page 35: Trabalho de português 2ª tarefa

restante da narração, imprimindo assim um “maior colorido” nas ações, contudo

ornamentando-as em demasia. Essa estratégia foi muito explorada pelos

românticos tradicionais, esta ânsia em decorar demais o painel das ações

representadas, muitas vezes chegando a predominar sobre os próprios

acontecimentos da trama. A tudo isso se opõe Luiz Galvez, em desabafo

pronunciado em tom sereno, mas que se revela também cáustico e

depreciativo para com os românticos:

Estou prisioneiro de uma paisagem. A praia era a terra de ninguém, e comecei

a pensar no desafio que aquela paisagem devia representar para a literatura.

Ora vejam como eu era civilizado! Eu estava abandonado na selva e pensava

em problemas literários. Problemas que, por sinal, ainda não consegui superar.

Sei apenas que a preocupação com a natureza elimina a personagem humana.

E a paisagem amazônica é tão complicada em seus detalhes que logo somos

induzidos a vitimá-la com alguns adjetivos sonoros, abatendo o real em sua

grandeza. (idem, p. 85)

Ainda é possível verificar que Galvez, Imperador do Acre tem com Memórias

sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade, consideráveis

afinidades estilísticas, especialmente quanto à formatação estrutural

empregada no romance, formado também por curtos fragmentos narrativos,

além da freqüente presença do discurso paródico e do diálogo com o legado

cultural brasileiro.

Galvez, Imperador do Acre também se vale plenamente da palavra dialogizada,

irônica, carnavalizada, o que via de regra acontece em todas as obras que

integram a categoria do novo romance histórico. Assim sendo, a narrativa de

Márcio Souza apresenta uma postura essencialmente crítica e contestatória,

que

promove sistematicamente, via plano do discurso, o desmascaramento das

instituições sociais brasileiras, bem como das figuras humanas responsáveis

ou diretamente vinculadas a elas, denunciando, em veemente tom sardônico, a

displicência, a hipocrisia e o esfacelamento moral que residem na base destas

entidades burocráticas. Galvez faz uso exaustivo de um discurso de natureza

carnavalesca, efetuado por meio do comparecimento de diferentes índices.

A profanação comparece na trama entre os capítulos "Rosário" (idem, p. 81) e

"Inquisição" (idem, p. 84). A propósito dessa irreverência, destacam-se as

relações sexuais praticadas entre Luiz Galvez e uma freira a bordo de um

vapor em frenética campanha religiosa. Não bastasse a transgressão que o ato

por si só representaria, acrescenta-se ainda a intensa libido despertada nas

freiras que flagraram a inusitada cena, a ponto de uma delas reproduzir

mimeticamente os ruídos do burburinho sexual durante a reconstituição verbal

do fato (rebaixamento do plano do sagrado ao nível do profano).

Page 36: Trabalho de português 2ª tarefa

Outro índice a fazer-se presente, a coroação bufa, que aparece em toda sua

plenitude quando na trama se acompanha a conquista do Acre por parte de

Luiz Galvez e sua tropa revolucionária. O ponto alto do feito histórico/histriônico

é cerimônia de coroação do espanhol como imperador daquelas terras, regada

por muitas bebidas alcoólicas, com inúmeras orgias acontecendo e toda uma

série de eventos desestabilizadores da ordem que concomitantes resultam na

dissolução de qualquer hierarquia instituída. Do mesmo modo, seu posterior

destronamento contém todos os mesmos elementos da solenidade

entronizadora. E tal como um legítimo rei bufo de um festejo carnavalesco no

momento de sua deposição, Luiz Galvez sofre também a humilhação da

retirada em plena praça pública e tem suas vestes reais despojadas ali mesmo.

Encerra-se com isso o ciclo vital daquele universo carnavalizado, passando

então a vigorar uma nova ordem das coisas com a retomada do controle militar

e político do Acre por parte dos bolivianos.

No geral, pode-se apontar o caráter profundamente inovador, transformador

desta obra do escritor Márcio Souza dentro da tradição literária brasileira no

que diz respeito às narrativas ficcionais de natureza historiográfica. Destoando

definitivamente do padrão de escrita que caracteriza o romance histórico

tradicional, o ficcionista amazonense assimila e dá sua própria contribuição no

sistemático processo de renovação estética e ideológica que a literatura latino-

americana

começou a desenvolver a partir da metade do século XX neste ramo de

produção romanesca. Ao explorar ficcionalmente importante episódio da

trajetória histórica brasileira e sul-americana segundo uma perspectiva

intensamente crítica e auto-reflexiva, Galvez, Imperador do Acre acaba por

promover também a reescrita desse mesmo episódio, pois rompe

drasticamente com velhas premissas historicistas e abre novas possibilidades

de interpretação dos sucessos

históricos. Ao apresentar inovadoras perspectivas para estudo e elucidação

dos sucessos históricos, Galvez, Imperador do Acre amplia também o campo

de atuação das narrativas históricas.

Como já citado, Márcio Souza pode ser considerado um herdeiro da estética

oswaldiana, pois em Galvez, imperador do Acre é evidente a influência que

Oswald exercera sobre o escritor amazonense para a produção do que se

poderia chamar um cine-folhetim. Isso porque uma das convenções que a

narrativa paródica do escritor manauara tem como alvo é aquela que se

consagrou em meados do século XIX: o romance-folhetim, que era adaptado

às novas condições de corte, suspense, com as necessárias redundâncias

para reativar memórias ou esclarecer o leitor que pegou o bonde andando.

Logo no início do romance, o narrador, que à medida que a narrativa se

Page 37: Trabalho de português 2ª tarefa

desenvolve também funciona como espécie de editor, faz questão de romper

com o

suspense característico do folhetim, ao revelar qual será desfecho do

protagonista: “Esta é uma história de aventuras onde o herói, no fim, morre na

cama de velhice” (SOUZA, 1998, p. 13). Percebe-se, então, que o discurso

parodístico se instaura logo no começo do romance. Dessa forma, muito além

de romper com o suspense, o narrador, ao apresentar de chofre o fim de Dom

Luiz Galvez, também destitui o caráter linear patente nas narrativas do

passado. Ainda no início do romance, antes de começar o relato propriamente

dito de Galvez, o mesmo narrador faz alusão a uma obra folhetinesca de José

de Alencar, Guerra dos Mascates:

O brasileiro leu o manuscrito em dois dias e pensando em José de Alencar,

que havia feito o mesmo no livro ‘GUERRA DOS MASCATES’, decidiu

organizá-lo e publicar. O turista brasileiro era eu e acabei impressionado com

as sandices desse espanhol do século XIX. (SOUZA, idem, p. 14)

Inicia-se assim o romance de Márcio Souza, que “decide se utilizar da forma

folhetinesca de modo a redefinir sua forma e sua temática” (SOUSA, 2003, p.

152), por meio de um discurso através do qual parodia-se procedimento

composicional que, utilizado insistentemente no curso da narrativa brasileira do

século XIX, tornou-se verdadeiro clichê. Daí vem a importância da linguagem

cinematográfica fragmentária a fim de que a ruptura com a tradição literária

nacional seja efetiva.

Se no folhetim do século XIX havia ênfase ao acontecimento, ao acaso ou à

fatalidade, à criação de situações misteriosas que, ao final, são resolvidas, às

maquinações - tudo isso, como menciona Candido (s/d, p. 178), utilizado de

modo a suprir a interpretação da “concatenação da vida humana” –, no novo

folhetim de Márcio Souza essas características, embora de certa forma

presentes, são encaradas de modo diferente: as soluções aos suspenses são

de antemão reveladas e os acontecimentos são cômicos. Além disso, as

maquinações giram em torno de questões políticas, as quais, quase sempre, se

revelam orgiásticas. Enfim, o autor compõe seu folhetim utilizando às avessas

as características que pontuam o folhetim original, com o intuito de estabelecer

reflexão acerca desse gênero.

Page 38: Trabalho de português 2ª tarefa

(imagem da capa do livro).

Mário Faustino: o Homem e Sua

Hora

O Homem e Sua Hora, publicado em 1955, tem como autor Mário Faustino.

Poesia de tom nunca decadente. Em seu texto jamais o desleixo, a

irresponsabilidade que conduz ao verso mal acabado à barbárie do poema sem

convicção e sem unidade.

Na época da publicação o panorama literário brasileiro passava por uma

confluência de estéticas. De um lado, o pós modernismo ou a geração de 45;

do outro, o surgimento de vanguardas brasileiras (Concretismo, Poesia Práxis,

Poema Processo,...).

O livro é um livro dividido em três partes: "Disjecta Membra" (do latim,

membros dispersos), "Sete Sonetos de Amor e Morte" e "O Homem e Sua

Hora".

1ª parte: "Disjecta Membra" (título inspirado nas palavra de Horácio, célebre

poeta latino, que viveu no ano 65 a.C., autor do famoso tratado de poesia “Arte

Page 39: Trabalho de português 2ª tarefa

poética”. A frase original, retirada da obra Sátiras é: “Disjecti membra poetae” –

isto é – “Os membros do poeta esquartejado”, completáveis assim: não seriam

reconhecíveis se lhes desfizéssemos o ritmo e a disposição da frase”. Esta

parte compõe-se de 13 poemas: Mensagem, Brasão, Noturno, Vigília,

Legenda, Romance, Vida toda linguagem, Estrela roxa, Alma que foste minha,

Solilóquio, Mito, Sinto que o mês presente me assassina e Haceldama (do

hebraico, “campo de sangue”). À exceção de Romance (em redondilha maior),

há o predomínio do verso decassílabo, trabalhado pelo poeta com uma grande

variedade rítmica, utilizando-se de formas livres na composição poética.

2ª parte: Sete Sonetos de Amor e Morte (todos em decassílabos e escritos à

maneira inglesa: os quatorze versos são compactados numa só estrofe: O

mundo que venci deu-me um amor, Nam sibylam (do latim, é certo, Sibila),

Inferno, eterno inverno, quero dar, Agonistes (do grego, lutador, atleta), Onde

paira a canção recomeçada, Ego de Mona Kateudo (do grego pelo latim: e eu

jazo sozinha), Estava lá Aquiles que abraçava. Os sonetos são estruturados à

maneira inglesa (quatorze versos sem a divisão estrófica). Dos sete, quatro

seguem a tradição renascentista de ter como título o primeiro verso do poema.

3ª parte: Constituída por um só texto que dá título à obra. Trata-se do poema

"O homem e sua hora". Contém 235 versos, decassílabos na quase totalidade.

É a síntese do projeto poético de Mário Faustino. Determinados trechos são

difíceis de compreendê-los, pois exigem do leitor conhecimentos sobre

mitologia, literatura bíblica e greco-latina. Trata-se de um longo diálogo do

poeta com o mundo, sugerindo mais do que afirmando. A intertextualidade faz-

se presente através de referências aos livros do Antigo e do Novo Testamento,

passando por autores, como Homero, Safo, Confúcio, Virgílio, Homero, Dante,

Pound, Mallarmé, Eliot, Jorge de Lima e outros.

Os versos surgem numa cadeia sintática descontínua e reticente, instaurando

no texto o pensamento fragmentário e analógico, tornando o tom ambíguo,

cada vez mais saliente no poema. É também propósito do poeta enunciar, ao

longo do poema, princípios da linguagem poética que devem nortear os versos,

privilegiando pressupostos de Ezra Pound: a fanopéia (atribuição de imagens à

imaginação visual), logopéia (a dança do intelecto entre palavras) e a melopéia

(musicalidade). Amor e morte, tempo e eternidade, sexo, carne e espírito, vida

agônica, salvação e perdição, pureza e impureza, Deus e o homem, passam e

repassam, sob diferentes nomes e em diferentes situações, nos versos do

livro O Homem e sua Hora. Outros temas são ainda recorrentes na obra: o

tempo, misto de efêmero e de eterno. Há também o tempo que destrói e

consome nossa existência, em momentos de solidão e de muita angústia.

Os textos de O Homem e sua Hora sempre traduzem a consciência de um

estado em crise. Seja no âmbito literário, como no soneto Prefácio, seja na

Page 40: Trabalho de português 2ª tarefa

esfera pessoal, como no poema O mundo que venci deu-me um amor. A

poesia, o poeta e o poema são temas constantes em todo o livro. Ressalte-se

também a poesia com fins didáticos. O poeta é, ora visto como artista e

artesão, ora como cantor inspirado e fecundador. O poeta é concebido como

produto da inspiração e do intelecto.

Há também no livro, momentos em que o autor, a exemplo de João Cabral de

Melo Neto e de Carlos Drummond de Andrade, teoriza sobre a poesia dentro

do próprio poema, estabelecendo a fusão entre as funções poética e

metalingüística. É oportuno lembrar que todos os temas assumem diferentes

matizes ou subtemas. A linguagem poética de Mário Faustino é altamente

elaborada, com senso de disciplina e ritmo preciso. Por essa razão, é tida para

alguns como hermética. Ao construir poemas em formas tradicionais, segue o

exemplo dos bons poetas da língua, pois entendia a forma como possibilidade

de criar novas

estruturas. Daí a capacidade que possuía de transitar da forma tradicional para

as variantes poemáticas próprias.

(Imagem da capa do livro).

Page 41: Trabalho de português 2ª tarefa

Monteiro Lobato: O Sítio do Pica-

pau Amarelo

Jacira Silva, Marcelo José, Zilka Salaberry, Suzana Abranches, André Valli e Isabello no seriado "Sitio do Pica-pau Amarelo", da Rede Globo.

Quando reuniu sua Obra Completa, Monteiro Lobato dividiu sua vasta

produção em duas seções: Literatura Geral (1946) e Literatura Infantil (1947).

Esta última, pela extensão e pelo interesse que suscitou do público, garantiu ao

escritor o posto de melhor brasileiro do segmento. Entre os vários títulos e

reedições desses livros, a versão de O Picapau Amarelo de 1939 ocupa um

lugar de destaque. É nessa obra que se narra como os personagens de várias

histórias fabulosas passam a morar no Sítio do Picapau Amarelo.

Lá já estavam Dona Benta e outros protagonistas: os netos Pedrinho e

Narizinho, a boneca de pano falante Emília, o Visconde de Sabugosa, Tia

Anastácia, Tio Barnabé, o Marquês de Rabicó, o sábio burro Conselheiro e o

rinoceronte Quindim. No contrato de compra de uma propriedade vizinha,

destinada a abrigar mais personagens, havia uma cláusula segundo a qual

deveriam vir também todos os "personagens do Mundo-da-Fábula para as

Terras Novas de dona Benta". Esses seriam seres como Pequeno Polegar,

Branca de Neve com os sete anões, Cinderela, Barba Azul, gênios e

personagens das Mil e Uma Noites, Netuno, Medusa, entre outros, além de

Dom Quixote.

Mas havia uma condição: "Eles ficavam para lá da cerca e ela e os netos

ficavam para cá da cerca, nas velhas terras do sítio. Quando algum quisesse

visitá-los, tinha de tocar a campainha da porteira e esperar que o Visconde

Page 42: Trabalho de português 2ª tarefa

abrisse. Proibido pular. Quem o fizesse, correria o risco de espetar-se no

pontudo chifre de Quindim -o guarda". Monteiro Lobato joga com várias

tradições da literatura infantil e das fábulas neste livro, para onde converge a

narrativa de obras anteriores.

A saga do Sítio do Picapau Amarelo começou em 1921, com a publicação de

Narizinho Arrebitado. Outros viriam, como O Saci (1921), Fábulas de Narizinho

(1921), O Marquês de Rabicó (1922), O Noivado de Narizinho (1927),

Reinações de Narizinho (1931), As Caçadas de Pedrinho (1933), Emília no

País da Gramática (1934), Geografia de Dona Benta (1935), Histórias de Tia

Anastácia (1937). Nessas obras, percebe-se -além de uma imaginação

poderosa -um sentimento de nacionalismo e de apego ao rural. Havia também

uma clara orientação didática a guiar Lobato na composição desses textos. Por

meio de fabulações, o autor educava e incentivava nas crianças o gosto pela

leitura. Há até remissões de um livro para outro, que serviam assim não

apenas como apontamento de uma coerência interna de toda essa produção.

Nascido em 1882, em Taubaté, e falecido em São Paulo, em 1948, Monteiro

Lobato teria adaptada pela tevê sua literatura infantil. A série Sítio do Picapau

Amarelo faria enorme sucesso nas décadas de 70 e 80. Já sua "obra geral"

também teria momentos de grande repercussão, como a criação em Urupês

(1918) de um dos personagens brasileiros mais populares, o Jeca Tatu, um

caipira preguiçoso, doente e inadaptável à civilização -imagem preconceituosa

que ele corrigiria posteriormente. Passou à margem do Modernismo brasileiro,

contra o qual chegou a travar polêmica ao criticar uma exposição da pintora

Anita Malfatti (1889-1964).

(Imagem da capa do livro).

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