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Universidade Estadual de Maringá 08 e 09 de Junho de 2009
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TOQUE DAS ESCRÓFULAS: SÍMBOLO DO CARÁTER DIVINO DO PODER
RÉGIO
RUBIM, Sandra Regina Franchi (UEM)
OLIVEIRA, Terezinha (Orientadora/UEM)
Introdução
A sociedade atual convive, de forma cada vez mais intensa, com um cenário pelo qual
circulam pessoas, produtos, informações e principalmente imagens. E, se temos que
conviver diariamente com essa produção infinita, melhor será aprendermos a avaliar essa
cultura visual, sua função, sua forma e seu conteúdo, o que exige o uso de nossa
sensibilidade estética e uma formação capaz de perceber o que essas imagens representam.
Nesse sentido, “[...] apreciaremos melhor a arte do passado e a do presente se lhe
conhecermos melhor a significação humana [...] nossa sensibilidade estética só pode se
refinar pelo estudo” (FRANCASTEL, 19?, p. 48).
Para alcançar esse objetivo é fundamental que estabeleçamos contato com diferentes
produções de épocas passadas e atuais, observando e identificando informações nas mais
diversas formas de linguagem, como imagens, textos, mapas, fotografias, objetos, jornais;
ampliando, assim, o olhar do historiador; questionando as fronteiras disciplinares,
articulando os saberes, buscando a inteligibilidade do real histórico (FONSECA, 2003).
A arte, atualmente, constitui um vasto campo de investigação. Acreditamos que a arte é
indispensável às sociedades, tanto quanto a linguagem discursiva e escrita. Assim como
existe um pensamento matemático, há também o pensamento plástico, pelo qual o homem
informa o seu universo, tornando a comunicação possível. A palavra exprime as atividades
abstratas do espírito e a arte exprime as figurativas. A arte nos informa sobre os modos de
pensamento de um grupo social. Ela é o meio de expressão do homem, por isso, ela nunca
deve ser separada de seu contexto. É inadmissível conceber à arte um papel apenas
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acessório na vida dos homens, mas sim, como testemunhos das formas da sensibilidade
coletiva (FRANCASTEL, 19?).
Podemos afirmar, portanto, que os símbolos e mitos, pela sua linguagem menos codificada,
tornam-se elementos significativos na construção de justificativas, na projeção de
interesses e objetivos coletivos, na criação de necessidades e na modelagem de valores e
condutas.
Nesse sentido, para investigarmos a estrutura social em diferentes momentos históricos,
precisamos entender também o imaginário, quais crenças estão presentes nesse contexto.
Segundo Cambi (1999), na sociedade medieva e, também por muito tempo na sociedade
moderna, o povo é ágrafo. Por isso, seus conhecimentos culturais são limitados, firmados
na fé cristã e na sua visão de mundo, tendo como via de acesso a palavra oral e,
principalmente, a linguagem imagética, sendo essa, explicitamente educativa, com uma
função didática. Nesse período, os vitrais das igrejas e a pintura eram as formas mais
populares de comunicação. As criações artísticas, na sua maioria, representavam passagens
bíblicas, constituindo um modo efetivo de popularizar e fortalecer o Cristianismo. Segundo
Baxandall (2006) uma imagem religiosa deveria narrar a Sagrada Escritura de forma
“clara, comovedora, memorável, sacramental e louvável” (p. 159), tocando profundamente,
portanto, na sensibilidade dos indivíduos, despertando um sentimento adequado ao tema
narrado, internalizando as expectativas esperadas.
Desse modo, ao discutir a linguagem imagética, como possibilidade de expressão mental e
social, no qual o homem constrói suas práticas educativas e suas identidades, nos interessa,
nesse texto, analisar a veiculação das imagens para legitimar a idéia da monarquia pessoal,
da crença no “direito divino” dos reis para governar. Em especial, o nosso foco será a
análise do rito do toque das escrófulas, como uma das manifestações do caráter divino e
miraculoso do monarca Luís XIV, no século XVII. Para entendermos esse rito, nos
basearemos nas pesquisas do historiador Marc Bloch, em sua obra Os reis taumaturgos.
Acreditamos que a obra de um escritor do porte de Marc Bloch não é um trabalho
deslocado das questões de sua época, portanto, o estudo deverá ser realizado vinculando a
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filosofia política do autor com o seu momento histórico, dentro do quadro de sua vida
pessoal e do pensamento histórico e antropológico de sua época.
Queremos, portanto, deixar patentes que nosso pensamento e conceito sobre a intenção das
imagens que analisaremos, nesse texto, decorrem do fato de sermos observadores e não
participantes da cultura observada, por isso, terá suas limitações (BAXANDALL, 2006).
Os ritos da Unção Régia e do toque das escrófulas: breves considerações sobre a
origem
Para entender o poder das monarquias sobre os espíritos dos homens por longo tempo, é
necessário ir além do estudo da organização administrativa, judiciária, econômica,
religiosa desse período; a análise deve perpassar todo o conjunto de crenças, fábulas, ritos,
cerimônias, que legaram aos reis poderes sobrenaturais, diferenciando-os de seus súditos.
Segundo Guibert (apud Bloch, 1993) “a Sabedoria divina escolhe [...] os homens que
convêm a Seus desígnios, ainda que esses homens sejam ímpios”, p.53. O toque das
escrófulas1 é uma entre outras várias manifestações do caráter divino dos monarcas.
De acordo com Le Goff, (prefácio apud Bloch, 1993, p.36) no decorrer de todas as diversas
teorias sobre a origem do poder régio há um fio condutor das ‘coisas profundas’, qual seja,
“a busca de uma história total do poder, em todas as suas formas e com todos os seus
instrumentos”. Nesta história, o poder não pode ser tomado sem se levar em conta suas
bases rituais, suas imagens e suas representações. É uma história do poder em que se
privilegiam as dimensões do simbólico.
Ao estudar o rito do toque das escrófulas, o discurso, para ser acessível a um público com
baixo nível de educação formal, deve ser feito mediante sinais mais universais, como
imagens, alegorias, símbolos e mitos. Segundo Carvalho (1990) os símbolos e mitos, pela
sua linguagem menos codificada, tornam-se elementos significativos na construção de
justificativas, na projeção de interesses e objetivos coletivos e na modelagem de valores e
condutas. Criar um imaginário popular, que é parte integrante de legitimação de uma idéia
1 Os termos écrouelles ou scrofule derivam do latim scrofula. Os médicos designam hoje como adenite tuberculosa, isto é, inflamações dos gânglios linfáticos provocadas pelos bacilos da tuberculose. Os médicos da Idade Média classificavam, também, os casos de escrofulosos de origem tuberculosa.
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e, através dele que se atinge o coração e a emoção das massas, seus sentimentos e
esperanças. É nesta perspectiva que buscamos compreender esse rito de cura, dentro de
todo o grupo de superstições e legendas que formam o “maravilhoso” monárquico,
servindo, assim, como um fio condutor para entender o caráter sobrenatural que, por longo
tempo, foi atribuído ao poder régio, em especial na França.
Mediante essa premissa é indispensável, inicialmente, compreendermos a atitude de Pepino
ao lançar mão do rito da unção régia para legitimar o seu poder real, pois havia um
interesse especial pelas cerimônias da sagração, já que, na opinião popular, eram delas que
os reis recebiam a sua marca divina.
A partir das incursões germânicas no Ocidente, em fins do século IV, iniciou-se a
desestruturação e a perda de poder do papado romano. As pilhagens e saques de Roma, que
se sucederam no século seguinte, associadas à fragmentação do mundo romano,
enfraqueceram de sobremaneira a corte papal, deslocando o eixo de sustentação da Igreja
Cristã para Bizâncio. E, em relação aos monarcas, de acordo com Bloch (1993, p. 68), os
povos germânicos já concebiam os reis como “seres divinos ou, pelo menos, originados
dos deuses”. No entanto, ao conquistarem os territórios romanos cristianizados2, os reis
germânicos perderam seu caráter de divindade, restando apenas o “paganismo nacional”.
Assim, segundo Le Goff (2005, p. 269), iniciou o conflito entre a fórmula histórica: “do
Sacerdócio e do Império, do poder espiritual e do poder temporal, do sacerdote e do
guerreiro”.
O primeiro passo, para a futura retomada do poder papal, ocorreu na sua aproximação com
os reis francos, ligados de forma definitiva a Roma pela conversão de Clóvis3, em 511, ao
Cristianismo Católico Romano. A partir de Clóvis, e nos séculos seguintes, a realeza franca
foi o principal aliado e braço político da Igreja papal, tendo o pacto se ampliado de
sobremaneira nos séculos seguintes (Le Goff, 1983). O ápice desse processo de aliança,
entre papado e reis francos, culmina no século VIII com a sagração dos reis francos pela
2 Em 313, por meio do Edito de Milão, a religião cristã é reconhecida pelo Imperador Constantino e, o Imperador Teodósio I, morto em 395, decreta o cristianismo como religião oficial. 3 De acordo com Le Goff (2005) com a genial visão política de Clóvis, se convertendo ao Catolicismo, pode beneficiar-se do poder hierárquico católico e do monasticismo, favorecendo assim, a sua política expansionista no Ocidente.
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Igreja de Roma. Na verdade, a volta do rito apenas confirmava a crença popular no poder
sagrado dos reis, fruto da incorporação de uma longa tradição germânica. A sagração
eclesiástica dos monarcas europeus foi, assim, iniciada ainda no Reino Visigótico4, na
Península Ibérica do século VII. É importante ressaltar que os merovíngios nunca foram
ungidos reis. Clóvis, na cerimônia realizada na Catedral de Reims por S. Remígio, em 476,
foi apenas um batismo, mas, no entanto, no século IX a lenda da unção de Clóvis com o
óleo da Santa Âmbula, trazido por uma pomba, simbolizando o Espírito Santo, tornou essa
cerimônia a primeira sagração régia (BLOCH, 1993).
O poder da Dinastia Merovíngia enfraqueceu-se no decorrer do século VII e, diante da
fragilidade dos reis, que, segundo Le Goff (2007, p. 50), eram chamados de “reis
preguiçosos”, abandonam seu poder como governantes, dando espaço, assim, para seus
prefeitos de palácios. Estes eram escolhidos na família dos Pippinides, com função
hereditária. O mais conhecido deles foi Carlos Martel, que sucedeu seu pai Pepino de
Herstal em 714, que bloqueou o avanço dos árabes na Europa, derrotando-os na Batalha de
Poitiers, em 732. Em 751, seu filho Pepino, o Breve, derruba o último rei merovíngio,
Childerico III. Pepino manda para o convento os últimos descendentes de Clóvis. Por meio
de um documento de chancelaria falsificado, a Doação de Constantino, surgiu o Estado
Pontifício, fundamento do poder temporal do papado. Em troca, o papa outorga a Pepino o
título de rei e, em 754 o sacralizou (LE GOFF, 2005).
Para compreensão desse processo de sacralização das realezas, Kantorowicz (1998, p.72)
elaborou a clássica tese dos dois corpos do rei: “humano por natureza e divino pela graça”.
Em suas pesquisas, identificou uma tipologia “cristológica” abrangendo dois aspectos
fundamentais: “um ontológico, e o outro, funcional”. O primeiro referia-se à identificação
do Rei com o Cristo, fosse como “Imagem”, fosse como mediador entre Deus e os homens.
O segundo aspecto ligava-se às funções jurídicas e administrativas da realeza. Nessa etapa,
portanto, a figura do Rei tinha associado a si os domínios sacro e jurídico.
Comumente, os reis recorriam às esferas sagrada e religiosa sempre que sentiam a
necessidade de dar brilho à monarquia, para, então, aumentar o seu poder. Como já 4 Para se aprofundar no tema, consulte a obra de Marc Bloch, Os reis taumaturgos, no Apêndice 3: Os primórdios da unção régia e da sagração.
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dissemos anteriormente, nos reinos surgidos das incursões nômades já reconheciam o
caráter sagrado da realeza. A unção do rei carolíngio pelo óleo sagrado introduziu-o numa
esfera mística e sacralizada, dentro das hierarquias sobrenaturais, transformando-o num
misto de rei e sacerdote. A continuidade dos rituais cria uma imagem para além das
funções guerreiras de protetor do povo cristão. Sua unção transforma-o, também, no seu
guardião nos tempos de paz, e promotor da justiça, da cultura e da arte cristã. Em troca a
Igreja sacraliza o poder real, legando ao monarca a personificação de Deus na terra. O
ungido do Senhor (LE GOFF, 2005).
Num momento em que o Antigo Testamento estava no auge, foi a inspiração dos rituais
bíblicos que legitimaram a reintegração da realeza sagrada, dos monarcas hebreus, aos
Pippinides e Carolíngios. A herança bíblica, principalmente, o patrimônio do Antigo
Testamento, foi divulgada aos medievos pelos cristãos dos primeiros séculos. A Bíblia
além de ser considerada como escritos sagrados, contendo a Sabedoria Divina, é também
usada como um manual da memória histórica. Foi assim, que o acontecimento da realeza
com Saul e Davi, possibilitou naturalmente aos espíritos, a retomada da unção de sagração
pelos Pippinides e pelos Carolíngios, sendo que Pepino se tornou o primeiro dos reis a
receber a unção régia das mãos dos sacerdotes a exemplo dos monarcas hebreus: Saul,
Davi, Salomão. E, acima de tudo, mencionamos como fonte primária de legitimação do
sacerdócio dos monarcas temporais, o modelo do patriarca Aarão, considerado como o
fundador do sacerdócio hebreu (LE GOFF, 2007).
A sagração de Pepino III, em 751, é o produto final de uma relação estreita entre o rei e o
papado e que abriu caminho para a implantação de uma percepção místico-religiosa do rei,
extensiva aos seus descendentes, e que marcaria por séculos os reis franceses. Entretanto, a
unção régia é o resultado de uma progressiva troca entre os monarcas e o papado, marcada
por inúmeras visitas mútuas, dentro das quais, a função de protetor e difusor da cultura
cristã vai sendo progressivamente assumida pelo rei carolíngio.
Pepino, o Breve, deixou o seu reino e seu poder aos dois filhos: Carlomano e Carlos
Magno. Com a morte de Carlomano em 771, Carlos Magno, o mais novo, tornou-se o
único rei franco, firmando assim a nova Dinastia Carolíngia. Seu governo foi marcado por
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uma estreita ligação com a Igreja Católica, sendo proclamado imperador, no ano 800, na
Basílica de São Pedro, pelo Papa Leão III, recebendo uma coroa sobre sua cabeça.
Acreditava-se, neste momento, o renascimento do Império Romano do Ocidente. Assim,
Carlos Magno imitava os imperadores orientais, mas, no entanto, ele não foi ungido ao
tornar-se imperador. O primeiro soberano a ser ungido imperador foi Luís, o Pio, em 816,
em Reims, pelas mãos do papa Estevão IV, numa única cerimônia, a consagração pelos
santos óleos e a coroa. Desde então, os dois gestos, unção e coroação tornaram-se quase
inseparáveis. A unção tornou-se um ato santificador por excelência. A partir desse evento,
as cerimônias da sagração passaram a ocupar um lugar de destaque, visto que, no
imaginário popular, eram delas que os reis recebiam a sua marca divina. Esse caráter
sagrado dos reis permaneceu sobre os espíritos dos homens por longo tempo, dotada de
uma força afetiva que agia, incessantemente, modificando-se diante das novas condições
políticas e religiosas (BLOCH, 1993).
Após esse breve esboço da realeza mística, pois, de acordo com o teórico acima nos é
impossível, historicamente, examinar o germe e a causa primeira dessa concepção, nos
interessa analisar o nascimento e a gênese do milagre régio, o toque das escrófulas, em
especial na França. Para esse historiador, o fenômeno histórico da cura régia teria nascido
na França por volta do ano 1000, como criação dos primeiros capetíngios. Por falta de
documentação, não se pode afirmar que durante as dinastias merovíngia e carolíngia houve
a prática das curas reais. Devido às análises documentais, até então, pode-se afirmar que
Roberto, o Pio, segundo dos capetíngios, um rei aos olhos de seu povo como possuidor do
poder de cura, teria sido o iniciador do ilustre rito. Esse rei tinha uma reputação de ser
muito devoto, por isso, ele foi o escolhido e não seu pai, Hugo. Os reis da França puderam
tornar-se reis taumaturgos devido ao seu caráter sagrado, venerados por suas virtudes e
poderes divinos, por meio de uma legitimação dinástica muito forte, discutido
anteriormente nesse texto. Os capetíngios sempre se colocaram na posição de herdeiros
legítimos da dinastia carolíngia; e os carolíngios como legítimos herdeiros de Clóvis, da
dinastia merovíngia. Subsistia, na consciência coletiva, a crença na virtude ancestral, ou
seja, nas antigas noções sobre as famílias hereditariamente divinas. Então, a partir de
Roberto, os reis-médicos foram, naturalmente, reproduzindo as ações imutáveis que uma
longa tradição atribuía à virtude taumatúrgica. Primeiramente o poder taumatúrgico se
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aplicava a todas as enfermidades, depois, gradativamente, especializou-se na cura das
escrófulas.
O carmelita Jean Golein, em 1372, ofereceu a seu monarca, Carlos V, que em 19 de maio
de 1364 foi consagrado rei da França, um pequeno tratado a respeito da consagração dos
príncipes. Esse pequeno tratado, intitulado Traité du Sacre5, descreve e analisa somente a
sagração francesa. Além, de uma longa exposição a respeito do sentido do poder simbólico
do ritual da consagração de Reims, Jean Golein nos oferece indicações importantíssimas a
respeito do direito público da França, sobretudo, no que se refere ao fundamento
legendário do direito de sucessão em linha masculina, e a respeito da idéia de realeza
sagrada e de seu ciclo milagroso. Segundo Golein, para se fazer um rei e torná-lo
taumaturgo eram necessários a consagração e a linhagem sagrada. A França, herdeira tanto
das tradições do cristianismo quanto das velhas concepções pagãs, unia em uma mesma
veneração os ritos religiosos da elevação ao trono e as prerrogativas da linhagem.
Assim, foi desenvolvido em volta da realeza francesa um amplo cerimonial, multiplicando-
se as legendas que instituíram uma relação direta entre as forças divinas e o nascimento
dessa realeza. Primeiramente, vem a legenda da Santa Âmbula. A mais antiga e, por sua
vez, a mais célebre, que entrou na história terrestre no dia do batismo de Clóvis,
apresentada pela primeira vez por Hincmar de Reims, em 869. Logo em seguida, a legenda
difundiu-se ligeiramente na literatura e enraizou-se nos espíritos. A legenda consistia na
origem celeste do bálsamo, trazida do céu por uma pomba branca, o Espírito Santo, para o
rei Clóvis; enfatizando, assim, o incomparável privilégio dos reis franceses, pelo fato de
serem eles os únicos ungidos com o bálsamo enviado por Deus. Inicialmente, os reis
tocavam os escrofulosos com as mãos, nas partes infecciosas, depois foi acrescido a essa
tradição, o gesto cristão, sinal da cruz. Com esse sinal o rei deixava claro que seu poder
miraculoso advinha do próprio Deus. Seu poder, também, era legitimado por meio de
sonhos de seus súditos. Segundo Schmitt (2007), na Idade Média a visão ou o sonho servia
5 O Traité Du Sacre, de Jean Golein, trata-se de um pequeno tratado que, hoje, encontra-se conservado na Bibliothèque Nationale, no original, em forma de manuscrito, sob o n. 437 do fonds français desta biblioteca. Esse tratado foi publicado somente em 1924, no Apêndice 4, p. 303-308, da obra clássica de Marc Bloch, Os reis taumaturgos. Marc Bloch publicou somente a parte em que Golein fala sobre a sagração, os ff. 43v a 55v do manuscrito.
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como meio de legitimação de uma novidade de natureza ritual, institucional ou artística. O
sonho poderia ser interpretado como uma forma de ensinamento ou guia para a ação; a
visão onírica se concluía com a cura. Como, por exemplo, os hagiógrafos, diziam que por
meio de sonho foi revelado que se o mal fosse lavado com água por seu rei, o mal seria
curado. Assim, a água foi incluída no ritual.
Era comum, também, segundo Bloch (1993), o uso de palavras “santas e devotas” no
cerimonial de cura, pois a religião se fazia presente nessa solenidade. A generosidade,
também, se fazia presente. A moeda para o público era indispensável; o seu não
recebimento das mãos do rei denotava que a cura seria incompleta. No século XIV, após a
consolidação da legenda da Santa Âmbula, surgem os brasões régios, isto é, os escudos
adornados com as flores-de-lis e a auriflama (a bandeira de cendal vermelho), ambas
trazidas do céu para Clóvis. Adicionamos a essas legendas, o dom miraculoso da cura,
formando, assim, o conjunto maravilhoso da dinastia capetíngia, tornado-se alvo de
admiração de toda a Europa.
O toque das escrófulas no período do Absolutismo: Monarca Luís XIV
De acordo com a autora Oliveira (2005), a partir do século XIII, século do surgimento das
Universidades, a sabedoria passa a ser aceita como uma qualidade humana e não divina,
assim os reis começam proteger os sábios. Trata-se, portanto, a necessidade do poder laico
unir-se aos homens de saberes, para melhor governar e expandir seu reino. Principia-se,
então, a necessidade de um poder externo, que se distancie da Igreja, que cuide do bem
viver da sociedade, pois é necessário assegurar os interesses da população e, para isso, o
poder tem que estar nas mãos daquele que cuida do bem comum, que defende os interesses
públicos em detrimento de seus próprios interesses; a sociedade é tudo, mas o príncipe é o
cabeça: A Lei e o Direito superior ao pessoal. Em virtude disso, percebemos o início da
realeza moderna, onde o rei assume a posição de mediador, de juiz, atuando sobre as ações
dos homens.
Com o fim do sistema feudal, o continente europeu foi assolado por diversas revoltas
camponesas, guerras religiosas e lutas pelo poder. Dessa forma, para uma parcela da
sociedade européia, dos séculos XVI e XVII, a concentração do poder na figura do rei era
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uma possibilidade de paz e de ordem em meio a um cenário de crise. Por isso, era
fundamental que a grandiosidade do monarca e sua influência em todos os setores da
sociedade moderna fossem percebidas, bem como o seu caráter sagrado, que ainda
permanecia no espírito do homem moderno. Durante a todas as intempéries políticas e
sociais desses séculos, a crença do toque milagroso régio permaneceu, absolutamente,
viva, pois, na época moderna, além das tendências mentais semi-conscientes, o milagre
régio tinha o respaldo da palavra escrita da ciência médica, da teologia, da filosofia
política. Assim, pintores, escultores e escritores, entre outros artistas, reuniam seus
esforços para construir uma figura ideal do rei, buscando a legitimação da idéia de
monarquia pessoal, de crença no “direito divino” dos reis para governar e do
“absolutismo”, ou seja, a teoria de que o príncipe estava acima da lei. A figura do rei é
vista como “retrato do Estado”.
Dentro desse cenário, percebemos a relação entre a arte e o poder e, a criação do grande
homem, “o rei”. Assim, são divulgadas diversas formas simbólicas preocupadas em
representar a “imagem” do rei, no sentido metafórico e real, como um ser místico e natural,
apresentadas em público, por meio de retratos, de estátuas eqüestres (em pedra, bronze,
tinta e cera) e medalhas. Enfim, todas as artes contribuíam para a glória do rei. O que era
posto na sociedade por meio do discurso escrito e oral, concomitantemente, era
representado nas imagens, com fins formativos. As representações visuais do rei eram
capazes de romper a barreira da comunicação imposta pelo analfabetismo, algumas delas,
em especial as estátuas, tinham extrema visibilidade. Fazia-se, necessário criar uma
mentalidade de aceitação da idéia do casamento místico entre o rei e o reino e que o poder
real vinha de Deus e não do povo. O rei era apresentado como alguém especial, o ungido
por Deus, “imagem viva”, “o representante da majestade divina”; por isso, o povo devia
amá-lo e obedecê-lo. Era necessário conquistar a aceitação do povo, desse modelo ideal do
monarca; objetivava, também, atingir, as classes altas e os estrangeiros e até a posteridade
(BURKE, 1994).
Nesse caso, concordamos com José Murilo de Carvalho (1990) que, o que estava posto
pelas linguagens, oral e escrita, não poderia virar, simplesmente, um discurso inacessível a
um público com baixo nível de educação formal. Por conseguinte, o discurso deveria ser
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feito de um modo menos formal, mediante sinais mais universais, como imagens,
alegorias, símbolos e mitos, constituindo, assim, uma possibilidade de construção mental e
social, num momento de redefinição de identidades coletivas. A linguagem figurativa
permite, também, atingir o coração e a emoção dos homens, seus sentimentos e esperanças.
Nesse sentido, nos reportamos às palavras de Francastel (19?, p. 29), “A linguagem
figurativa tem um papel incalculável na manifestação das mentalidades coletivas. É pelos
olhos que se prendem os homens, [...]”.
Assim, a arte, por ser um discurso menos formal, por apresentar uma linguagem menos
codificada, sinais universais de rápida interpretação, possibilitou falar aos homens a
linguagem que eles compreendiam e reclamavam. A população atribuía acentuado sentido
às figurações que lhe ofereciam.
É importante pontuar que, a arte, no século XI, cresceu grandemente em concordância com
os desejos dos clérigos, no entanto, abriu exceções diante da pressão da população e dos
artistas. Segundo Le Goff (1991), é equivocada a idéia daqueles que consideram que a
Igreja monopolizou a cultura na Idade Média, pois, com o aparecimento, no ambiente
citadino, da nova classe de trabalhadores com crescente independência dos poderes da
Igreja, exige-se, então, uma nova estruturação da arte, influenciadas pela consolidação do
Estado Moderno.
Verificamos que, a partir do século XV, houve um alargamento das fronteiras materiais e
intelectuais. O Renascimento possibilitou o aparecimento de uma visão e de uma
representação nova da realidade. A pintura passou a ser povoada por acessórios greco-
latinos e cristãos. Os príncipes e a Igreja buscaram tirar proveito das tendências da sua
época. Nessas condições, a Antigüidade é invocada para endossar a política social do
príncipe e, também, com o objetivo de louvor à figura do príncipe, para assim, manter o
seu poder e a ordem estabelecida. Esse louvor se expressava por meio de ações simbólicas,
como: sagrações e consagrações; figurações e ritos. As divindades da Antigüidade, que
representavam as riquezas, a estabilidade, imortalidade, beleza, coragem, eram retratadas
nas obras de arte, somadas à capacidade imaginativa dos artistas (FRANCASTEL, 19?).
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Ao analisar uma obra de arte, entretanto, é indispensável vinculá-la tanto com o social
quanto com o repertório de signos materiais, possibilitando, portanto, um melhor
conhecimento, desse modo de expressão dos homens para se comunicarem. Assim, pois,
como afirma Francastel (19?, p. 47) “[...] toda arte é a transposição das necessidades e das
aspirações da época que nasce”.
Diante dessa afirmação, de acordo com Burke (1994), ao analisar as imagens de
glorificação do rei, é preciso vê-las em seu contexto, como criação coletiva, mesmo que
ainda o público não tivesse plena consciência do que desejava. Essa parcial inconsciência é
que tornava eficaz o uso das imagens como reforço do poder real.
Torna-se relevante considerar, também, que ao analisarmos as imagens de exaltação do rei,
devemos considerar, na relação entre a forma e a função da imagem, o reflexo da intenção
do artista, do financiador, do destinatário, os usos (cultual-religioso ou profano; litúrgicas;
políticas), a mobilidade, enfim preocupar-se com o itinerário entre a encomenda e o
destino da obra de arte. Segundo Ginzburg (1989) a meta de uma história social da
expressão artística poderá ser atingida somente com a intensificação da análise combinada
das escolhas artísticas, dos módulos iconográficos e das relações com a clientela, ou seja,
integrando os dados entre as séries da clientela e da iconografia.
Assim, a leitura de uma imagem é uma aventura em que cognição e sensibilidade se
interpenetram na busca de significados, lançando múltiplos olhares sobre um mesmo
objeto. É nessa perspectiva que analisaremos as duas imagens eleitas de Luís XIV.
Na monarquia francesa do século XVII, o dom taumatúrgico, assumiu lugar de destaque
entre as solenidades que rodeavam o soberano. Cumpriam-se, rigorosamente as festas
principais: Páscoa, Pentecostes, Natal, Ano Novo. Segundo Burke (1994), o caráter
sagrado de Luís XIV foi expresso desde seu nascimento, que foi celebrado pela frança
inteira com fogos de artifício, soar de sinos, tiros de canhões, cantos, poemas, discursos.
Em 1643, com apenas quatro anos de idade subiu ao trono e reinou até sua morte em 1715.
A partir de sua ascensão ao trono já envergava o manto real, com flores-de-lis; o colar do
Espírito Santo. Aos cinco anos já era apresentado assentado no trono, empunhando o cetro
ou bastão e, às vezes, até vestido com armadura. Assim, o sistema se desdobrava a partir da
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crença na imagem idealizada do rei (figura 1). A imagem do rei era celebrada e mitificada,
comparada com os deuses e heróis da mitologia clássica, como Apolo e Hércules e,
também, com reis cristãos, como Clóvis e Carlos Magno. Luís XIV chegou a ser
identificado até como Cristo. Divulgava-se a imagem do mito do herói como onisciente.
(figura 1)
Na tela acima, Retrato de Luís XIV, apreciamos a obra do pintor francês Hyacinthe Rigaud
(1700), um dos vários artistas contratados por Luís XIV, para retratarem-no em todo o luxo
e riqueza que seu poder como monarca lhe concedia. Nesse retrato, o mais famoso de Luís
XIV, o rei foi apresentado no chamado “estilo elevado”, construído de acordo com a
“retórica da imagem” desenvolvida durante o Renascimento. Essa imagem expressa a
grandeza e a magnificência do rei; preocupando-se com o natural, o verossímil, para assim,
levar a público, as virtudes, tais como, liderança, beleza, perfeição. Sua atitude é
impassível e imóvel, com gestos contidos. A expressão facial reflete serenidade, digna
afabilidade. O olhar, direto e sério, está acima do espectador, para expressar sua
superioridade. A peruca o tornava, ainda, mais imponente. As roupas ricas, sublinhando
posição social elevada, rodeado de objetos relacionados ao poder: colunas clássicas,
cortinas de veludo. Nas mãos o cetro e a espada, simbolizando poder, comando. Ombros
largos acentuam a sensação de potência; pernas afastadas, elegantes, sugerem que ele
domina tudo; postura forte e dominadora reflete seu poder. O manto real, ornamentado
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com a legenda das flores-de-lis, que há muitos anos já ornamentavam os brasões
capetíngios. Essa legenda se tornou “um dos florões do ciclo monárquico”. Enfim, essa
imagem indicava o caráter sagrado do monarca, a qual, também, se estendia até a sua corte,
pois essa era considerada como um reflexo do cosmos. Para tanto, os pintores buscavam
inspiração numa longa tradição de formas triunfais (BURKE, 1994).
De acordo com o autor acima, no ano de 1654 ocorreram a coroação e sagração de Luís
XIV, na catedral de Reims, seguindo todo o ritual que rezava a tradição medieval:
cerimônia de juramento; a aprovação formal do novo soberano pelo povo; a benção com os
emblemas reais (espada de Carlos Magno, esporas e anel); a unção com o santo óleo da
Âmbula Sagrada; o recebimento do cetro, a espada e a coroa de Carlos Magno. Seguiram-
se pomposas homenagens e revoada de pássaros. Nas palavras do próprio Luís XIV, todo
esse ritual tornou sua realeza ‘mais augusta, mais inviolável e mais santa’. Dois dias após
esse evento, o monarca, com apenas quinze anos de idade, praticou o seu dom
taumatúrgico, a cura das escrófulas, pela primeira vez. Nessa ocasião tocou três mil
pessoas.
Bloch (1993) elenca algumas cifras, confirmando a popularidade do dom miraculoso
(figura 2) do monarca:
[...] a 22 de maio de 1701, dia da Trindade, são 2400. [...] Na Páscoa de 1698,
Luís XIV, sofrendo um acesso de gota, não pode tocar; no Pentecostes seguinte,
viu apresentarem-se cerca de 3 mil escrofulosos. Em 1715, num sábado, 8 de
junho, véspera de Pentecostes, um dia de “imenso calor”, o rei, já bem próximo
da morte, fez pela última vez o papel de curandeiro; tocou cerca de 1700 pessoas
(p. 240).
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(figura 2)
Na tela acima, Luís XIV curando a escrófula, o pintor Jean Jouvent, retrata o dom
taumatúrgico do monarca (1690). Essa pintura foi encomendada por Charles d`Aligre,
abade de Saint-Riquier, seu pai Etienne d`Aligre, foi chanceler de França, primo de outro
chanceler. Percebemos aí a importância dos administradores, parentes e protegidos na
encomenda de obras que levavam a glorificação e exaltação do monarca, enquanto
autoridade sacra e política. Na pintura verificamos toda a áurea sagrada do rito. Essa
imagem, de gênero religioso, financiada por um religioso, tendo como destino um local
sagrado (Igreja abacial de Saint-Riquier), sob influência gregoriana, sublinhava uma
função pedagógica para os iletrados e uma função de memória para a história sacra, qual
seja, o poder taumatúrgico de Luís XIV. Como já mencionei esse monarca foi identificado
até como Cristo.
O conceito de realeza sagrada e maravilhosa, legitimado pela tradição e pela prática do rito
da unção com o óleo miraculoso da Santa Âmbula, favoreceu a crença da realeza
taumatúrgica. Esse conceito, profundamente enraizada nas almas, possibilitou que o
privilégio do rito curativo, comprovado pela sua popularidade, sobrevivesse por toda a
Idade Média, sem jamais perder a sua força, vencendo todas as vicissitudes políticas,
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chegando à modernidade. O século XVII validou, abertamente, a natureza quase divina da
monarquia e do rei, não só da França, mas, de outros países da Europa Ocidental (BLOCH,
1993).
Percebemos, portanto, que segundo Martins (2007), as imagens, como produto social e
histórico, traduzem noções, crenças e valores, registram informações culturais e práticas de
diferentes períodos. Elas influenciam a formação - identidade - do sujeito articulando
representações visuais derivadas de visões e versões de mundo que estão presentes em
modelos sociais vigentes em numa determinada época ou cultura. Dessa forma,
subjetividade e identidade caminham juntas e constituem a consciência de ser sujeito, com
um processo dinâmico e múltiplo. As imagens são tratadas como espaço de interação com
os indivíduos, criando possibilidades de diálogo e interpretação.
Acreditamos, enfim, que a arte é resultante, eminentemente, da atividade humana, fruto da
percepção espiritual dos seres humanos, que vivem e produzem num contexto social e
cultural datado historicamente. A obra de arte, então, expressa posições estéticas, éticas e
políticas, individuais e sociais ao mesmo tempo. Assim, portanto, podemos apontar que a
arte é histórica e social.
Considerações finais
Concordamos que a linguagem imagética é inerente à existência do homem como sujeito
histórico, cujo discurso tem uma intencionalidade formativa. Os símbolos e mitos, nesse
caso o toque das escrófulas, enquanto linguagem simbólica, representam uma
possibilidade de construção mental e social de um tempo datado historicamente, por meio
do qual o homem constrói suas práticas educativas e suas identidades. Assim, podemos
indicar que as representações iconográficas, constituem instrumentos imprescindíveis para
a formação do indivíduo e construção da sociedade, pois, ao mesmo tempo em que se
aprende se educa pela imagem, nos permitindo, assim, intervir sobre o real.
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A arte, concebida como atividade do espírito e das mãos de homens históricos e
socialmente datados, abarca a totalidade do homem: o sensível, o ético e o cognitivo. É
portadora de todos os elementos e possibilidades concernentes à vida humana em
sociedade. A arte, enquanto expressão de uma realidade específica, ao ser criada, além de
produzir os objetos artísticos, produz, também, o artista, constituindo-o como um ser que
sente, percebe, conhece, reflete e toma posição frente ao seu mundo, no qual está inserido.
A partir do seu universo simbólico, a arte nos leva a formas diferenciadas de sentir,
perceber e expressar, sensivelmente, o mundo e as dimensões humanas.
Concluímos, enfim, que as imagens representam um importante elemento da atividade
sócio-cultural humana, principalmente, por constituir um sistema de significações
específicas que possibilita a reflexão, ação e expressão do homem em relação a si próprio,
aos demais indivíduos e ao meio em que vive. Assim, as imagens, como uma das formas
de expressão do homem, não podem ser desvinculada do seu contexto histórico e social,
pois, nós, como pesquisadores, não devemos analisar uma imagem com o nosso olhar, mas
sim, devemos decodificá-las, familiarizados com os códigos culturais, para poder
interpretá-las, sem anacronismos.
Nesse sentido, a linguagem imagética, constitui uma rica fonte para estudo, pois, essa
linguagem figurativa pode ser descrita como testemunha de etapas passadas do
desenvolvimento do espírito humano, por meio do qual, nos é possível ler as estruturas de
pensamento e representação em um universo histórico, social e cultural datado e peculiar.
No entanto, é necessário pontuar que, atualmente, não existe na História uma experiência
teórico-metodológica muito longa em relação à análise das imagens, enquanto documento
histórico. Por isso, é relevante considerar o distanciamento do tempo histórico da imagem
em relação ao do pesquisador, pois, a imagem, nesse caso a pintura, foi criada para dar
conta das questões do seu tempo vivido.
Diante disso, é evidente a análise da influência das figuras imagéticas do nosso cotidiano,
na formação de valores e nas versões da História, mudando a compreensão dela e criando
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um imaginário social que justifica ou produz mitos e verdades sobre figuras empíricas
individuais, regimes políticos e ideologias.
REFERÊNCIAS
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