21
 11 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 11-29 NOV. 2002 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 19, p. 11-29, nov. 2002 O artigo busca realizar , a partir de uma perspectiva histórica, um balanço da situação dos países periféricos nos últimos trinta anos, abordando especificamen te os impasses do desenvolvimento na atual fase da chamada  globaliz ação do capital. O trabalho baseia-s e fundame ntalment e em estudos de extensa bibliogr afia publicad a recentemente. Em que medida a retomada do desenvolvimento para diversas áreas estagnadas da periferia coloca-se como uma possibilidade palpável? Em torno dessa questão, que reportamos central na atual conjuntura, buscamos tecer algumas reflexões. Pretendemos mostrar que a estagnação econômica vivida  por inúmeros países não desenvolvidos decorre, em parte, de uma crise social e econômica aberta na década de 1970 e que se estende até os dias de hoje, apesar das tentativas de reestruturação da sociedade capitalista. As estratégias e as políticas de cunho neoliberal também teriam contribuído sobremaneira para essa situação à medida que reforçaram as amarras financeiras que sufocaram boa parte das economias  periférica s. Sobrepondo-s e a e sses problemas, esses países também se defrontariam com os limites ecológicos do capitalismo. A retomada do desenvolvimento em um novo patamar , que requer cresciment o econômico,  justiça social e preservação da natureza, implicaria rupturas com o capitalismo. PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento ; globalização ; projeto nac ional ; crise econômico-social . Francisco Luiz Corsi Universidade Estadual Paulista A QUESTÃO DO DESENVOL VIMENTO À LUZ DA GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA CAPIT ALIST A I. INTRODUÇÃO A situação de miséria vivida por parcela consi- derável da humanidade e a estagnação econômica de vastas regiões da periferia do capitalismo têm tornado cada vez mais premente a retomada da questão do desenvolvimento. A discussão acerca desse tema perdeu terreno nas últimas décadas. Esse recuo vincula-se ao avanço do neoliberalismo, à abertura das economias nacionais, à crise da dívida externa dos países subdesenvolvidos, à  busca da competitividade a todo custo e ao fra- casso de vários projetos de desenvolvimento em  países subdesenvolvidos. O caso do Brasil é ilustrativo. A partir da década de 1980, a questão do desenvolvimento, que tinha ocupado um lugar central no debate econômico desde o período Vargas, perdeu espaço ante os  problemas da crescente inflação e da crise fiscal do Estado, que passaram a galvanizar as atenções da mídia, da academia e da política. O avanço da ideologia neoliberal em escala mundial, que acabou atingindo o Brasil, também corroborou, e muito,  para essa reversão de prioridades. Preocupar-se com o problema do desenvolvimento, até pouco tempo atrás, significava contrapor-se aos temas hegemônicos. Embora as questões relativas à estabilidade, à desregulamentação das economias nacionais etc. continuem ocupando um enorme espaço nos debates, a problemática do desenvolvi- mento, em virtude da severa crise social e econô- mica, vem novamente ganhando importância, não apenas no Brasil. Até mesmo os setores mais conservadores passaram a preocupar-se com o  problema, como ficou evidente no último Fórum Econômico Mundial, realizado em Nova York. Entretanto, a retomada dessa discussão tem que romper com os termos estabelecidos por esses setores. Isso implica assumir uma postura crítica. Dessa forma, pretendemos, a partir de uma inves- tigação de caráter histórico, fazer um balanço da situação dos países periféricos abarcando os últimos trinta anos. II. O FRACASSO DOS PROJETOS NACIO-  NAIS, A PERDA DE DINAMISMO ECONÔ- MICO E A GLOBALIZAÇÃO A necessidade de repensar o desenvolvimento funda-se, em parte, na constatação do e sgotamen- to da maioria dos chamados projetos nacionais de desenvolvimento no contexto de mundialização da economia capitalista. A Grande Depressão e a  Recebido em 24 de março de 2002.  Aprovado em 6 de setembro de 2002.  DOSSIÊ “GLOBALIZAÇ ÃO”

Texto_Apoio_ED_MauricioManzalli_13032015 Desenvolvimento à Luz Da Globalização Da Economia Capitalista

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Kapitalista

Citation preview

  • 11

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 11-29 NOV. 2002

    RESUMO

    Rev. Sociol. Polt., Curitiba, 19, p. 11-29, nov. 2002

    O artigo busca realizar, a partir de uma perspectiva histrica, um balano da situao dos pases perifricosnos ltimos trinta anos, abordando especificamente os impasses do desenvolvimento na atual fase da chamadaglobalizao do capital. O trabalho baseia-se fundamentalmente em estudos de extensa bibliografia publicadarecentemente. Em que medida a retomada do desenvolvimento para diversas reas estagnadas da periferiacoloca-se como uma possibilidade palpvel? Em torno dessa questo, que reportamos central na atualconjuntura, buscamos tecer algumas reflexes. Pretendemos mostrar que a estagnao econmica vividapor inmeros pases no desenvolvidos decorre, em parte, de uma crise social e econmica aberta nadcada de 1970 e que se estende at os dias de hoje, apesar das tentativas de reestruturao da sociedadecapitalista. As estratgias e as polticas de cunho neoliberal tambm teriam contribudo sobremaneira paraessa situao medida que reforaram as amarras financeiras que sufocaram boa parte das economiasperifricas. Sobrepondo-se a esses problemas, esses pases tambm se defrontariam com os limites ecolgicosdo capitalismo. A retomada do desenvolvimento em um novo patamar, que requer crescimento econmico,justia social e preservao da natureza, implicaria rupturas com o capitalismo.

    PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento; globalizao; projeto nacional; crise econmico-social.

    Francisco Luiz CorsiUniversidade Estadual Paulista

    A QUESTO DO DESENVOLVIMENTO LUZ DAGLOBALIZAO DA ECONOMIA CAPITALISTA

    I. INTRODUO

    A situao de misria vivida por parcela consi-dervel da humanidade e a estagnao econmicade vastas regies da periferia do capitalismo tmtornado cada vez mais premente a retomada daquesto do desenvolvimento. A discusso acercadesse tema perdeu terreno nas ltimas dcadas.Esse recuo vincula-se ao avano do neoliberalismo, abertura das economias nacionais, crise dadvida externa dos pases subdesenvolvidos, busca da competitividade a todo custo e ao fra-casso de vrios projetos de desenvolvimento empases subdesenvolvidos.

    O caso do Brasil ilustrativo. A partir da dcadade 1980, a questo do desenvolvimento, que tinhaocupado um lugar central no debate econmicodesde o perodo Vargas, perdeu espao ante osproblemas da crescente inflao e da crise fiscaldo Estado, que passaram a galvanizar as atenesda mdia, da academia e da poltica. O avano daideologia neoliberal em escala mundial, que acabouatingindo o Brasil, tambm corroborou, e muito,para essa reverso de prioridades. Preocupar-secom o problema do desenvolvimento, at poucotempo atrs, significava contrapor-se aos temas

    hegemnicos. Embora as questes relativas estabilidade, desregulamentao das economiasnacionais etc. continuem ocupando um enormeespao nos debates, a problemtica do desenvolvi-mento, em virtude da severa crise social e econ-mica, vem novamente ganhando importncia, noapenas no Brasil. At mesmo os setores maisconservadores passaram a preocupar-se com oproblema, como ficou evidente no ltimo FrumEconmico Mundial, realizado em Nova York.Entretanto, a retomada dessa discusso tem queromper com os termos estabelecidos por essessetores. Isso implica assumir uma postura crtica.Dessa forma, pretendemos, a partir de uma inves-tigao de carter histrico, fazer um balano dasituao dos pases perifricos abarcando osltimos trinta anos.

    II. O FRACASSO DOS PROJETOS NACIO-NAIS, A PERDA DE DINAMISMO ECON-MICO E A GLOBALIZAO

    A necessidade de repensar o desenvolvimentofunda-se, em parte, na constatao do esgotamen-to da maioria dos chamados projetos nacionais dedesenvolvimento no contexto de mundializao daeconomia capitalista. A Grande Depresso e a

    Recebido em 24 de maro de 2002.Aprovado em 6 de setembro de 2002.

    DOSSI GLOBALIZAO

  • A QUESTO DO DESENVENVOLVIMENTO LUZ DA GLOBALIZAO

    12

    Segunda Guerra Mundial, ao acarretarem umarelativa desarticulao da economia mundial, comonossos estudos tinham sugerido (CORSI, 2000;2001), abriram novas possibilidades de desenvolvi-mento para alguns pases subdesenvolvidos quej tinham alcanado certo patamar de desenvolvi-mento capitalista.

    A reorganizao da economia mundial no ps-guerra, sob a hegemonia dos EUA, no fechouessas possibilidades. As dificuldades dos EUA emlevar a cabo seu projeto de reorganizar a economiamundial sob a gide do livre comrcio e da livrecirculao de capital foraram-no a aceitar apermanncia, por longo tempo, dos controles decmbio e dos fluxos de capital, especialmente osde curto prazo. As dificuldades das economias des-troadas pela guerra, as lies da Grande Depres-so, a correlao de foras favorvel aos trabalha-dores no centro e o avano dos movimentos dedescolonizao, muitos deles de inspirao marxis-ta, no contexto da Guerra Fria, abriram espaopara a economia mundial organizar-se com baseem fortes economias nacionais, sendo que nospases desenvolvidos contriburam para o flores-cimento do Estado de Bem-Estar Social. A grandefinana internacional, enfraquecida pela Depres-so, teve que se adaptar nova situao.

    Contudo, observou-se tambm, nesse perodo,a retomada do processo de internacionalizao docapital. A retomada dessa tendncia, nos anos1950, marcou o fortalecimento dos grandes oligo-plios e da grande finana, o que seria um dosfatores da crise da ordem econmica internacionalde Bretton Woods, na dcada de 1970.

    Esse processo tambm teve conseqnciaspara os pases subdesenvolvidos. A forte expansodas empresas multinacionais em direo s regiesperifricas redefiniu a diviso internacional dotrabalho e colocou novas questes para os projetosnacionais de desenvolvimento, que, em muitoscasos, estavam em um beco sem sada, em virtudede srios problemas de financiamento interno eexterno. Para alguns pases, abriu-se a possibilidadede um desenvolvimento associado ao capital es-trangeiro. Nessa fase, comearam a ficar evidentesas crescentes dificuldades de projetos de desenvol-vimento com autonomia nacional, embora algunspases continuassem a desenvolver-se nessa di-reo.

    Os projetos voltados para a industrializaocom soberania nacional, que proliferaram na perife-

    ria do sistema entre as dcadas de 1930 e 1970,vieram em sua maioria a ruir a partir dos anos1980. O fracasso dos projetos socialistas tambmpode ser visto sob essa tica, pois eles, entre outrosaspectos, representavam alternativas de desenvol-vimento ao sistema capitalista. Embora tivessemobtido xito parcial no tocante industrializao,ao desenvolvimento tecnolgico e melhoria donvel de vida de suas populaes, o fracasso dessesprojetos reforaria, segundo vrios autores, asenormes dificuldades de um desenvolvimento eco-nmico, social, poltico e cultural fora do mbitoda sociedade capitalista global.

    Acerca desse ponto, Ianni (1992, p. 46-47)assinala que O alcance mundial do capitalismono sculo XX tem sido to forte que todos osprojetos de desenvolvimento nacional, com preten-ses de soberania, tm sido frustrados. Os proje-tos do cardenismo no Mxico, do peronismo naArgentina e do varguismo no Brasil no se rea-lizaram a no ser limitadamente [...]. Na poca dogrande capital monopolista, ou do capital finan-ceiro, j no mais possvel o capitalismo nacionalque teve xito na poca do capitalismo competitivo.Os modelos bismarkiano ou bonapartista, que ha-viam tido xito na Alemanha, Frana, Itlia e Japodo sculo XIX, j no so mais possveis no sculoXX [...]. No sculo XX, em escala cada vez maisacentuada ao longo de seu transcurso, parece nohaver qualquer possibilidade de desenvolvimentoeconmico-social, poltico e cultural autnomo,nacional, independente, soberano. A reproduoampliada do capital, compreendendo a concentra-o e a centralizao, o desenvolvimento das forasprodutivas e das relaes de produo em escalamundial, tudo isso reduz drasticamente, ou mesmoelimina, qualquer possibilidade de projetos nacio-nais. Isto , qualquer projeto nacional somentepode ser proposto e realizado a partir do patamarestabelecido por uma economia poltica de mbitomundial.

    Contudo, no foram somente os projetos na-cionais de desenvolvimento, que buscavam umdesenvolvimento autnomo, que ruram em suamaior parte. As experincias de desenvolvimentoassociado, particularmente aquelas baseadas noreceiturio neoliberal, tambm se mostraram catas-trficas. O caso da Argentina emblemtico. Essasconsideraes levam-nos a indagar se o desenvol-vimento para os pases perifricos no seria umamera iluso, como sugere Arrighi (1997).

    Para o referido autor, o sistema capitalista es-

  • 13

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 11-29 NOV. 2002

    trutura-se em trs categorias quanto ao desenvol-vimento (centro, periferia e semiperiferia). Elebusca mostrar, com base na distribuio do PNB(Produto Nacional Bruto) per capita, que, nos l-timos 60 anos, no ocorreram alteraes signifi-cativas na distribuio dos pases entre essas trscategorias. Verifica-se uma grande estabilidade emcada uma delas, e as excees confirmariam aregra. Os casos mais relevantes seriam o do Japoe o da Itlia, que teriam passado da semiperiferiapara o ncleo do sistema, e o da Coria, que teriapassado da periferia para a semiperiferia. A cadaalterao na distribuio dos pases pelascategorias, as estruturas da economia mundialficariam mais rgidas, dificultando sobremaneiranovos deslocamentos. Para o conjunto dos pasespobres no haveria alternativa (idem).

    Essas observaes sugerem no haverpossibilidade de desenvolvimento para os pasespobres dentro do capitalismo. Concluses dessetipo no representam, contudo, novidade alguma.Andr Gunder Frank (1980), entre outros, j nosanos 1960 defendia que dentro do capitalismo ospases pobres estariam condenados aosubdesenvolvimento. Sem desconsiderar suasimportantes contribuies, os problemas dessasanlises preocupadas com as tendncias de longoprazo, como as de Arrighi (1997), residem no fatode tornarem as estruturas sociais algo muito rgido,transformando a histria em um processo semsujeito. Assim, o destino dos pases perifricosseria determinado, em grande medida, peladinmica das estruturas da economia mundial,deixando em segundo plano as determinaessociais, polticas, econmicas e culturais, assimcomo as lutas sociais internas a cada pas, quetambm so de suma importncia para enten-dermos a situao dessa regio. As exceeslevantadas por Arrighi Itlia, Japo e Coria so importantes demais e mereceriam um estudomais detido que comparasse suas trajetrias e quedesse conta da intrincada articulao das dimen-ses internas e externas do problema do desen-volvimento.

    O aumento da misria em escala mundial,embora corrobore as concluses de Arrighi,obriga-nos a refletir mais detidamente acerca daspossibilidades histricas de desenvolvimento naatual fase do capitalismo.

    Nos ltimos 25 anos, justamente quando nau-fragaram os programas de desenvolvimento,

    aprofundou-se a distncia que separa as regiesricas das subdesenvolvidas. O avano de algunspases perifricos nas dcadas de 1950-1970, queparecia sugerir, poca, uma reduo dessadistncia, retrocedeu nas duas dcadas seguintes.Para os coevos, contudo, parecia que, pelo menospara alguns pases subdesenvolvidos, apossibilidade de superar o atraso e a misria erapalpvel. Entretanto, confirmou-se a tendncia dedesenvolvimento desigual e combinado do sistemacapitalista1.

    Fiori (1999, p. 13-14), com base em um rela-trio da UNCTAD (Conferncia das Naes Unidaspara o Comrcio e o Desenvolvimento) que mostrao aumento das desigualdades entre os pases desen-volvidos e os em desenvolvimento, e tambm den-tro de cada um desses blocos, afirmou: Em 1965,a renda mdia per capita dos 20% dos habitantesmais ricos do planeta era 30 vezes maior que ados 20% mais pobres (U$ 74 contra U$ 2 281),enquanto em 1980 essa diferena j havia puladopara 60 vezes (U$ 284 contra U$ 17 056). A rendaper capita dos latino-americanos, por exemplo,que em 1979 correspondia a 36% da renda percapita dos pases ricos, baixou para 25% em 1995.At o fim da dcada de 1970, trs pases naAmrica Latina mantiveram crescimento da suarenda per capita: Brasil, Colmbia e Mxico. Mas,a partir de 1980, o crescimento destes pasesdespencou e eles perderam as posies que haviamconquistado em termos de participao na rendamundial. No caso do Brasil, por exemplo, as taxasmdias de crescimento do seu PIB (ProdutoInterno Bruto) per capita passaram de 6% nadcada de 1970 para 0,96% na dcada de 1980 ealgo em torno de 0,6% entre 1990 e 1998 [...].Essa evoluo perversa adquiriu novas dimensesa partir de 1985, com a acelerao exponencial doprocesso de financerizao acompanhado desucessivas crises, cada vez mais freqentes e com

    1 Arrighi (1997, p. 59), comparando o PNB per capita dediversas regies do mundo com o PNB per capita do ncleoorgnico do capitalismo (pases desenvolvidos), mostra atendncia de aumento das desigualdades mundiais. Em 1960,o PNB per capita da Amrica Latina correspondia a 14,4%PNB per capita do ncleo orgnico; subiu para 19,8%, em1980, e caiu para 10,6% em 1988. A situao da fricasubsaariana pior: em 1960, o PNB per capita da regiorepresentava 5,1% do do ncleo orgnico e caiu para 2,5%em 1988.

  • A QUESTO DO DESENVENVOLVIMENTO LUZ DA GLOBALIZAO

    14

    efeitos cada vez mais devastadores sobre as eco-nomias da periferia capitalista mundial [...]. A sim-ples competio intercapitalista em mercadosdesregulamentados e globalizados no assegura odesenvolvimento, nem muito menos a convergn-cia entre as economias nacionais do centro e daperiferia do sistema capitalista mundial.

    A questo do incremento das desigualdadessociais em escala mundial , sem dvida, bastantecomplexa e no pode, de maneira simplista, serreduzida ao incremento da desigualdade entre re-gies pobres e ricas do mundo. O aumento damisria no apenas observado nas regies peri-fricas, mas tambm ganhou relevncia em vri-as regies nos prprios pases que compem oncleo do sistema capitalista (ALTVATER, 1995;HOBSBAWM, 1995). Muitos autores, entre elesCastoriadis (1982), consideravam, at h poucotempo atrs, com base na experincia da chamadaEra de ouro do capitalismo (1945-1973), queesse problema estaria superado nos pases desen-volvidos, mostrando que o sistema capitalistapoderia vencer a pobreza. Estavam enganados. Ascontradies e desigualdades, que esto presentesde forma marcante em um mundo cada vez maisintegrado, tambm aparecem no interior de cadapas e de cada cidade do mundo. Mesmo no centrodo sistema. Ou seja, o contraste entre os ricos eos pobres presente em quase toda grande cidadedo mundo similar ao que se manifesta entre asregies pobres e ricas do planeta.

    No Harlem a expectativa de vida mdia inferior de Bangladesh: ali, somente 40% dapopulao masculina atinge 65 anos, enquanto emBangladesch so 55%. Los Angeles consideradasimultaneamente uma pomopolis (postmodern city)e uma capital do Terceiro Mundo com todas ascontradies e os conflitos correspondentes [...].O contraste entre o rico e o pobre em quase todaa cidade global se reproduz na aldeia global, entreNorte e Sul [...]. O mundo unificado um mundodividido (ALTVATER, 1995, p. 24-25).

    O aprofundamento da misria, do desempre-go e das desigualdades sociais vincula-se intima-mente relativa fase de estagnao vivida pelocapitalismo desde a crise de 1973. Se comparar-mos a mdia anual das variaes do PNB dos setepases mais ricos do mundo, podemos verificaruma ntida tendncia para o declnio da atividadeeconmica: 1960-1973: 4,8%; 1972-1979: 2,8%;

    1979-1990: 2,5%, e 1990-1996: 1,6% (FIORI,1999, p. 12-13). bvio que ocorreram excees:o caso do bom desempenho da economia norte-americana na dcada de 1990 ilustrativo. O de-sempenho dos pases pobres acompanhou essatendncia. Nas regies pobres, no entanto, as con-seqncias sociais e econmicas foram mais da-nosas em virtude da frgil estrutura econmica eda insero subordinada desses pases na econo-mia mundial. Mas isso no significa que seja, comoveremos, a nica razo para a estagnao eco-nmica de vastas reas da periferia e para o au-mento do fosso entre as regies pobres e ricas domundo. O PIB latino-americano cresceu em m-dia por ano 5,5% na dcada de 1960 e 5,6% nadcada seguinte. Entre 1981 e 1990, esse cresci-mento foi de 0,9%. Entre 1990 e 1997, o cresci-mento mdio anual do PIB foi de 3,3% (CANO,1999, p. 294-311). Em parte, como resultado dessequadro, observa-se relevante incremento das ta-xas de desemprego. Segundo Pochmann (1999,p. 39), estima-se que, de uma populao econo-micamente ativa de 2,5 bilhes de pessoas em todoo mundo, cerca de 35% encontra-se desempre-gada ou subempregada.

    A razo fundamental para o comportamentodeclinante da economia mundial nas ltimasdcadas parece residir, como aponta Chesnais(1998, p. 18), na queda das taxas de investimentosnas principais economias do mundo a partir demeados da dcada de 1970. A diminuio no ritmoda acumulao de capital significa que o sistemano consegue produzir valor e mais-valia capazde sustentar a valorizao do capital, embora asgrandes empresas tenham recuperado alucratividade a partir de meados da dcada de1980. No de se estranhar, portanto, o contnuoinchao dos mercados financeiros globais.

    Ultrapassaria os limites do presente artigo dis-cutir detalhadamente as razes do baixo dinamis-mo do capitalismo nas ltimas dcadas. De ma-neira sinttica, parece que tal desempenho decor-re de uma crise geral da sociedade capitalista, ini-ciada no final dos anos 1960 e que abriu uma fasede crise continuada (HOBSBAWM, 1995, p.393-420).

    De um lado, como assinalam Chesnais (1998,p. 18-19) e Brenner (1999, p. 37-47), o capitalis-mo entrou em uma crise de superproduo a par-tir do incio dos anos 1970, que teria se tornado

  • 15

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 11-29 NOV. 2002

    crnica2. O forte incremento da produo e dacapacidade produtiva mundial, decorrente, emparte, da entrada macia de produtos alemes ejaponeses no mercado mundial a partir do incioda dcada de 1960, ao incrementar a concorrn-cia intercapitalista, acabou afetando a lucratividadedas empresas e gerou capacidade ociosa acimada planejada. Agravando a situao, o mpeto domovimento sindical empurrava para cima os sal-rios, impedindo que os capitalistas recompuses-sem a lucratividade por meio do arrocho salarial.A economia norte-americana foi a mais afetada. Asua perda de competitividade contribuiu sobrema-neira para minar a posio do dlar, comprome-tendo os acordos de Bretton Woods. Dessa forma,sobreps-se crise de superproduo a crise dosistema financeiro internacional.

    De outro lado, entre meados dos anos 1960 emeados dos anos 1970, aprofundou-se o conflitosocial na Europa, com o avano das foras deesquerda. Os EUA tambm foram varridos porfortes movimentos de contestao social. Flores-

    cia uma cultura anticapitalista. Surgiram vriosmovimentos sociais setoriais, alternativos aos bu-rocratizados movimentos da esquerda tradicional,que lutavam pelos interesses de minorias espec-ficas. Na periferia, os EUA foram derrotados noVietn e os movimentos nacionalistas e de esquerdapareciam tomar conta da regio. Os produtoresde petrleo, como desdobramento da Guerra doYom Kippur, impuseram um choque nos preosdo produto, eliminando um dos pilares que sus-tentaram a fase urea de crescimento econmicocapitalista (FIORI, 1999, p. 34-38). A Unio So-vitica parecia, nesse contexto, ganhar terreno.Muitos contemporneos sonhavam com o fim pr-ximo do capitalismo, ou, pelo menos, da hegemo-nia norte-americana. A possibilidade de profundastransformaes sociais poca era palpvel.

    Entretanto, as possibilidades de revoluo so-cial em pouco tempo se dissolveram no ar. A par-tir da crise de 1973, a correlao de foras pas-sou a pender gradativamente para o lado dos con-servadores. Embora no caiba aqui discutirmosesse ponto em detalhe, dados os limites deste arti-go, preciso, mesmo que de maneira demasiada-mente esquemtica, assinalar o incio de uma rea-o capitalista naquele momento. No embate comos trabalhadores, dadas as circunstncias sociais,polticas, culturais e econmicas do momento, ossetores capitalistas acabaram levando a melhor efizeram prevalecer os seus interesses3. Os gran-des capitalistas, associados principalmente aosgovernos conservadores dos EUA, da Gr-Breta-nha e da Alemanha, buscaram reorganizar o siste-ma para enfrentar a contestao social, o avanodo socialismo sovitico e a crise econmica.

    A superproduo no levou a uma crise quequeimasse o excesso de capital, recompondo as-sim as suas condies de valorizao. Contudo, aofensiva da burguesia contra a classe trabalhado-ra fez-se presente como no passado, buscandorecompor a taxa de explorao e, dessa forma, arentabilidade. A reestruturao produtiva e adesregulamentao do mercado de trabalho so,em parte, aspectos dessa ofensiva dos capitalis-tas contra os trabalhadores. Sem dvida que a criseeconmica, a elevao do desemprego, a burocra-tizao dos partidos de trabalhadores e dos sindi-

    2 Em um contexto dominado pela oligopolizao dos prin-cipais setores da economia, que foram dominados por em-presas gigantes slidos blocos de capital , a destruio docapital excedente parece cada vez mais difcil, estendendoassim a durao das crises, como j tinha ficado evidente naGrande Depresso dos anos 1930. Segundo Brenner (1999,p. 37-47), a superproduo tem persistido, at hoje, devidoa uma srie de fatores: 1) a existncia de enormes montantesde capital fixo no totalmente depreciados em vrios ramosde produo. Seria irracional destruir esse capital j pagoenquanto fosse possvel auferir retornos razoveis sobre ocapital circulante; dessa forma, as empresas no saem dosramos em superproduo; 2) as grandes empresas que domi-nam os mercados mundiais possuem vasta experincia emseus ramos e, portanto, um enorme capital intangvel (cone-xes com fornecedores e consumidores e conhecimentotecnolgico), que as levam a permanecer nos ramos em queatuam e a reinvestir pelo menos parte dos lucros nesses mes-mos setores; 3) a existncia de monoplios tecnolgicos per-mite s empresas auferir temporariamente taxas de lucroselevadas, desestimulando a sada do setor; 4) a relativa es-tagnao (reduzidos aumentos de investimentos e salrios)restringe o crescimento mais acelerado de novas linhas deprodutos que poderiam atrair maiores montantes de investi-mentos, e 5) a Alemanha e particularmente o Japo (nasdcadas de 1970 e 1980) e os pases do leste asitico (1970-1997), continuaram a investir pesadamente, contando comas vantagens da associao de mo de obra barata com altatecnologia, e abocanharam crescentes parcelas do mercadomundial, embora agravassem a crise de superproduo glo-bal. Todos esses fatores parecem dificultar sobremaneira asoluo da crise de superproduo.

    3 Cabe mencionar, no entanto, que muitos movimentos se-toriais, que floresceram a partir daquela poca, como o mo-vimento feminista, alcanaram expressivas vitrias.

  • A QUESTO DO DESENVENVOLVIMENTO LUZ DA GLOBALIZAO

    16

    catos, a segmentao da classe trabalhadora, ofracasso das estratgias reformistas e a desilusocom o socialismo sovitico e posteriormente adebcle da Unio Sovitica contriburam para al-terar a correlao de foras em favor da burgue-sia. Sem essa alterao teria sido impossvel aimplementao da reestruturao produtiva, que,somada ao baixo crescimento, acabou gerando umenorme exrcito industrial de reserva, essencialpara dobrar os trabalhadores.

    A resposta que as grandes empresas, os gran-des bancos, os fundos de investimento e penso eimportantes governos deram crise, como am-plamente conhecido, foi, de um lado, procurar,no centro do capitalismo, desmontar o Estado deBem-Estar Social, que, juntamente com os sindi-catos, era considerado pelos neoliberais como araiz ltima da crise do capitalismo. O resultadofoi o redirecionamento dos fundos pblicos, queoutrora eram direcionados para os gastos sociais,para a sustentao da valorizao financeira docapital, sobretudo por meio da ampliao da dvi-da pblica (OLIVEIRA, 1998, 223-230).

    Na periferia, como veremos, buscou-se im-por polticas voltadas para o pagamento das dvi-das externas e, posteriormente, polticas voltadaspara a abertura e desregulamentao das econo-mias nacionais, o que contribuiu para o fim daspolticas desenvolvimentistas at ento em modana regio. bvio que o resultado desses proces-sos no foi homogneo, variando de pas para pasde acordo com as lutas sociais internas, com asestratgias adotadas pelos diferentes governos ecom a situao geopoltica de cada pas. Alguns,como a Coria, conseguiram preservar uma mar-gem de manobra maior e continuaram a implemen-tar seus projetos de desenvolvimento. Hoje, soesses pases que se encontram em melhor situa-o e isso se deve, em parte, s decises e s es-tratgias polticas adotadas por seus governos, queconseguiram reduzir a vulnerabilidade externa.

    De outro lado, os capitalistas buscaram espa-os mais amplos e desregulamentados de acumu-lao, alm de reestruturar e reorganizar a produ-o. A constituio de oligoplios internacionaisem importantes setores, a ampliao da aberturadas economias nacionais, a formao de merca-dos regionais, a utilizao intensa de novastecnologias, a organizao de processos produti-vos mais flexveis, a reduo da fora de trabalhoempregada, a introduo de vnculos variados e

    relativamente frouxos entre o trabalhador e a em-presa, a realocao espacial entre alguns pasesde vrios segmentos produtivos e a marginalizaode inmeras regies caracterizam o atual momen-to. Essas mudanas se deram sob a gide do libe-ralismo, que ressurgiu das cinzas depois de umlongo inverno, sob o rtulo de neoliberalismo.

    Outro elemento essencial para entendermos areao do grande capital crise foi a tentativa derecompor, a partir do governo Reagan, a hege-monia norte-americana, que estava em questo nosanos 1970, depois da derrota no Vietn, do avan-o de movimentos nacionalistas e socialistas nochamado Terceiro Mundo e do avano das forasde esquerda no prprio ncleo do sistema. A pol-tica do dlar forte, a desregulamentao dos mer-cados, a intensificao da Guerra Fria, que seriaum dos fatores do posterior colapso da Unio So-vitica e o ataque s indisciplinas de vrios pa-ses subdesenvolvidos completam esse quadro(FIORI, 1999, p. 49-83).

    Nesse contexto, abriu-se espao para a prepon-derncia de um capital financeiro rentista com aconsolidao de um mercado de cmbio, de capi-tais e de ttulos de mbito mundial (CHESNAIS,1996, p. 237-322). Esse capital rentista, inchadosistematicamente pelos capitais formados na pro-duo, mas que no encontram a condies favo-rveis de valorizao, muito sensvel a qualqueralterao nas variveis reais da economia. O in-cremento da inflao, os desequilbrios mais acen-tuados das contas externas ou das contas do gover-no e a queda da rentabilidade das empresas podemacarretar intensos movimentos de fuga de capitais,o que pressiona os Estados a adotar polticas or-todoxas, visando a controlar a demanda agregadae assim a evitar presses inflacionrias e desequil-brios externos e fiscais que poderiam levar a re-pentinas mudanas cambiais.

    Esse processo tende a pr em questo a capa-cidade de os Estados controlarem suas economi-as na medida em que o capital financeiro buscaimpor polticas de abertura das economias nacio-nais e polticas deflacionistas. A existncia de ummercado financeiro global, sem coordenao e sempadro monetrio estvel, coloca difceis proble-mas para pases subdesenvolvidos adotarem pol-ticas de desenvolvimento (COUTINHO, 1996, p.219-238). Isso no significa, porm, que os pa-ses devam adequar-se passivamente chamadaglobalizao nem que esse processo atinja de ma-

  • 17

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 11-29 NOV. 2002

    neira homognea e integradora o conjunto do pla-neta.

    A perda de graus de liberdade na definio dapoltica econmica por parte dos Estados dependeda situao econmica, social e poltica de cadapas. Os EUA parecem no sofrer maiores cons-trangimentos. Em situao diversa encontram-seos pases da Amrica Latina ou da frica. Esseaspecto tambm depende da posio ideolgicade cada governo. Muitos governos atuam comoagentes da globalizao, criando vantagenscomparativas, desregulando a economia e agindocomo parceiros das grandes empresas multina-cionais. A diversidade de respostas nova situaoda economia mundial aponta para a necessidadede estudos de carter histrico comparativo queabordem as experincias particulares, o quepermitiria aprofundarmos nossa compreensosobre o assunto.

    A utopia liberal de uma economia baseada emmercados auto-regulados continua sendo umamiragem. O capitalismo no vive sem uma fortepresena estatal na economia. Observam-semudanas nas formas dessa interveno. Verifica-se, por exemplo, uma alterao na natureza dogasto pblico. Observa-se tambm a reduo dosgastos sociais em nome do controle do dficitpblico e da inflao, ao mesmo tempo em queocorre uma exploso da dvida pblica, relaciona-da, em grande medida, sustentao da especula-o financeira. Os mercados, mesmo o exterior,continuam sendo regulados pelo Estado, emborao livre comrcio tenha avanado.

    A constituio de uma economia mundial cadavez mais integrada, delineada a partir da segundametade da dcada de 1970, abarcou inicialmenteo ncleo do sistema capitalista (Europa Ocidental,Japo e EUA) e mais alguns outros pases,particularmente os tigres asiticos e a China.At o final dos anos 1980, os fluxos de capitais, aintroduo de novas tecnologias, a reestruturaoorganizacional da produo e dos processos detrabalho concentraram-se nessas regies (ibidem).Muitas outras permanecem margem dessesprocessos.

    III. O PREDOMNIO DO CAPITAL FINAN-CEIRO E OS OBSTCULOS AO DESEN-VOLVIMENTO

    A questo que nos preocupa discutir maisdetidamente a relao entre a mundializao do

    capital e o bloqueio ao desenvolvimento na maio-ria dos pases subdesenvolvidos. bvio que nopretendemos esgotar o problema. Os projetos dedesenvolvimento voltados para uma industrializa-o com autonomia nacional, que proliferaramcom maior ou menor sucesso na periferia dosistema capitalista desde o final dos anos 1930,parece que tiveram, em muitos casos, sua ltimachance na dcada de 1970. As condies pareciampropcias. De um lado, a hegemonia norte-ame-ricana estava em questo depois da derrota noVietn e do desmoronamento do sistema monetriointernacional estabelecido em Bretton Woods. Deoutro, os movimentos de esquerda e/ounacionalistas pareciam avanar de modo irresistvelpela periferia e os trabalhadores conquistavam cadavez mais espao nos pases mais desenvolvidos.Tambm florescia uma cultura de contestao dasociedade burguesa. O preo das matrias-primasvinha subindo persistentemente. Esses eventosindicavam existir, poca, uma possibilidade deromper com o subdesenvolvimento. No se podiaprever que em poucos anos o quadro mudariasubstancialmente.

    Muitas foras polticas sonhavam ainda poderconstruir sociedades modernas com autonomiaatravs da industrializao e manter a independn-cia nacional por meio de polticas de no-alinha-mento com os blocos dominantes do Ocidente oudo Leste. E isso, naquele momento, parecia ple-namente factvel. Predominavam polticas deplanejamento econmico visando a uma rpidaindustrializao tanto nos pases socialistas comonos capitalistas. O governo militar brasileiro, porexemplo, lanou, em 1974, um megaprojeto deindustrializao centrado na ao estatal na eco-nomia, o II PND (Plano Nacional de Desenvolvi-mento), com o objetivo de completar a industria-lizao brasileira. A Coria tambm implementavaum largo planejamento visando a industrializar-se.Muitos pases seguiam essa receita. Ou seja, Nafrica, na sia e na Amrica Latina iniciava-seuma renovada iniciativa de recuperao do atrasona industrializao (ALTVATER, 1995, p. 13).

    Um dos problemas centrais residia na questode como pases pobres, ou relativamente pobres,iriam financiar um salto quantitativo e qualitativoem suas economias de tal forma que fossem ca-pazes de superar o subdesenvolvimento, garan-tindo, ao mesmo tempo, a predominncia do ca-pital nacional e a definio da poltica econmica

  • A QUESTO DO DESENVENVOLVIMENTO LUZ DA GLOBALIZAO

    18

    a partir de interesses internos, pois justamenteisso que caracteriza o desenvolvimento autnomo.Dada a existncia de grande liquidez no mercadointernacional, muitos acreditaram ser possvel fi-nanciar o desenvolvimento com base em crditosprivados externos, que seriam pagos com as recei-tas provenientes das exportaes dos produtosprimrios, cujos preos ento estavam em ascen-so no mercado mundial. Alm disso, com astransformaes em curso em suas economias,passariam tambm a exportar produtos industriali-zados e diminuiriam as necessidades de financia-mento externo.

    A questo obviamente mais complexa, pois,desde os anos 1950, vrios pases da periferiavinham industrializando-se a partir de substancialcontribuio do capital estrangeiro, seja na formade emprstimos, seja na forma de investimentosdiretos. As empresas multinacionais j tinham fortepresena nas economias dos pases mais desenvol-vidos da periferia, o que colocava de h muito emquesto as possibilidades de desenvolvimentosautnomos. o caso tpico do Brasil. Ou seja: aevoluo da economia mundial aps os anos 1950,caracterizada, entre outros aspectos, pela expan-so mundial das grandes empresas oligopolistasnorte-americanas, europias e japonesas pelomundo e pela crescente integrao financeira ecomercial, colocava novas questes. Para algunsautores, como Benayon (1998), o crescente volu-me de investimento externo direto, ao criar cone-xes e alianas entre o capital estrangeiro e setoresdas classes dominantes e ao influir na definiodas polticas econmicas, limitava a possibilidadede desenvolvimento autnomo4.

    Uma outra caracterstica, presente em vriosprojetos de desenvolvimento, residia em umamudana de estratgia em relao ao perodo an-terior. Buscava-se desenvolver o pas enfatizandoas exportaes, como no caso da Coria, que, emvirtude de sua dotao de fatores de produo,tentava faz-lo desde os anos 1960. Mas preci-so lembrar que esse pas, especialmente na dca-da de 1950, tambm levou a cabo uma poltica deampla substituio de importaes, que era maisconsistente que as implementadas na AmricaLatina, medida que condicionava a proteo eos incentivos s metas de nacionalizao e quali-dade do produto estabelecidas nos planos qin-qenais. As duas estratgias de desenvolvimentocaminharam juntas. A Coria seguiu esse caminhomantendo forte presena do Estado na economiae privilegiando o capital nacional, criando ascondies para constituio de fortes empresasnacionais, os chamados chaebols, grandes conglo-merados de capital.

    Muitos autores, entre eles Goldenstein (1994),ressaltam que a posio da Coria na Guerra Friateria sido fundamental para entendermos o seudesenvolvimento, pois a ajuda financeira norte-americana e o acesso privilegiado aos mercadosdos EUA e do Japo teriam sido peas importantesdaquele processo. Ao ressaltarem esse ponto,acabam criticando anlises que enfatizam asdeterminaes internas na compreenso do desen-volvimento, como as realizadas por Mello (1982)e Tavares (1986) para o caso do Brasil. A crticade Goldenstein , sem dvida, relevante, mastemos que tomar cuidado para no cairmos naposio oposta, que s v as possibilidades dedesenvolvimento como que determinadas funda-mentalmente pelas foras externas, pois conside-ramos que o desenvolvimento s pode ser enten-dido se levarmos em conta as mltiplas e com-plexas condies internas e externas5.

    4 Como mostrou Francisco de Oliveira (1989, p. 76-113), oPlano de Metas, rompendo com o projeto de Vargas deenfatizar o desenvolvimento da infra-estrutura e da inds-tria de bens de produo, buscou implantar um padro deacumulao de capital calcado na produo de bens de con-sumo durveis, o que estava de acordo com os interesses dasempresas multinacionais poca, que almejavam penetrarnos fechados mercados da periferia justamente nesse setor.De repente, problemas que se arrastavam por dcadas foramresolvidos. Essa inverso restaurou [...] um padro de rela-es centro-periferia num patamar mais alto da diviso in-ternacional do trabalho do sistema capitalista, instaurandopor sua vez e aqui constitui sua singularidade uma criserecorrente de balano de pagamentos, que se expressa nacontradio entre uma industrializao voltada para o mer-cado interno mas financiada ou controlada pelo capital es-trangeiro e a insuficincia de gerao de meios de pagamentointernacionais para fazer voltar circulao internacional.

    Em outras palavras, esse tipo de crise radicalmente distintoda crise tradicional dos balanos de pagamentos das economi-as dependentes, pois o padro agroexportador das fasesanteriores gerava, ao produzir a mercadoria exportvel, osmeios de pagamento do capital internacional; as crises dessepadro eram, rigorosamente, crises da circulao internacio-nal de mercadorias. Agora, sob o novo padro, as crises so decirculao internacional do dinheiro-capital (idem, p. 87).5 A nfase de Conceio Tavares (1986, p. 102-108 et passim)nas determinaes internas clara: Nossa proposio [...]privilegia [...] os aspectos internos do movimento de acumu-lao do capital, pondo nfase no andamento cclico carac-

  • 19

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 11-29 NOV. 2002

    Faamos um paralelo com o caso brasileiro. OII PND representou para uns uma ambiciosa epara outros uma irrealista tentativa feita pelogoverno Geisel visando a completar a industrializa-o brasileira por meio do desenvolvimento dossetores de mquinas, siderrgico, petroqumico,informtica, nuclear, alumnio, papel e celulose edo desenvolvimento da infra-estrutura de trans-portes, energia e comunicaes. Esse ambiciosoplano, que pretendia transformar o Brasil em umapotncia, tinha, no entanto, ps de barro, pois nocontava com o apoio de parte significativa dasclasses dominantes e nem das multinacionais, medida que implicava priorizar o departamentoprodutor de meios de produo em detrimento dodepartamento de bens de consumo durveis, comovinha acontecendo desde o Plano de Metas. Parteconsidervel da burguesia brasileira associada aocapital estrangeiro no via com bons olhos essamudana, que feria os seus interesses e os de seusscios. Alm disso, dada a inexistncia de um mer-cado financeiro e de capitais robustos ou de outrosesquemas internos de financiamento consistentes,no restava alternativa seno recorrer ao capitalexterno para financiar o plano (FIORI, 1995, p.57-84). A dvida externa brasileira, entre 1970 e1980, cresceu de US$ 5,3 bilhes para US$ 53,9bilhes. Embora parte considervel desse cresci-mento tenha tido um carter meramente financei-ro, parcela no desprezvel financiou o II PND(CRUZ, 1984, p. 11-27; CASTRO & SOUZA,1985, p. 11-97).

    Essa sada contribuiu sobremaneira para en-

    veredar o Brasil no caminho de um processo deendividamento externo que, anos mais tarde, junta-mente com a crise fiscal do Estado e a exacerbadaelevao da inflao (processos tambm vinculadosao endividamento externo), acabaria sufocando aeconomia brasileira6. Desta maneira, essa sadaps fim ao modelo de desenvolvimento perseguidodesde os anos 1930, ao Estado desenvolvimentistaque o sustentava e talvez a possibilidade de umdesenvolvimento mais extenso. A possibilidade deum desenvolvimento autnomo tinha, aparente-mente, ficado para trs, nos idos do Estado Novo(CORSI, 2000, p. 51-194).

    O Brasil no foi o nico a seguir esse cami-nho. As dvidas externas de toda a periferia cres-ceram assustadoramente nessa dcada: na Amri-ca Latina de US$ 16 bilhes para US$ 130 bilhesentre 1970 e 1980; na frica e Oriente Prximo,de US$ 9 bilhes para US$ 97 bilhes; na EuropaOriental, de US$ 3 bilhes para US$ 47 bilhes;na sia, de US$ 17 bilhes para US$ 83 bilhesno mesmo perodo (ALTVATER, 1995, p. 13-14).A crise da dvida, que acabou configurando-se nosanos 1980, jogou boa parte da periferia na estagna-o econmica, o que deteriorou ainda mais a j

    terstico das estruturas industriais que incorporam empresasnacionais, pblicas e estrangeiras com poder desigual de acu-mulao. Em relao ao aparente grau de autonomia noperodo, afirmou: Essa maior autonomia no se deve, aonosso juzo, nem ao nacionalismo de Vargas, nem a umapossvel hegemonia da burguesia industrial nacional. Signi-fica, sobretudo, a impossibilidade de articular o processo deacumulao interna com a entrada de capital estrangeironovo (idem, p. 108). Acerca desse ponto, concordamos, emparte, com as crticas de Ldia Goldenstein (1994) a essacorrente. Essa autora, ao comentar o debate econmico dosanos 1970, particularmente as obras inspiradas em visesprximas s de Conceio Tavares, assinalou: [...] a preocu-pao com a dinmica interna acabou eclipsando a din-mica externa e comprometeu as concluses. A anlise domovimento do capital internacional foi relegada a um planosecundrio e a estrutura industrial dos pases avanados to-mada como paradigma, um modelo esttico a ser alcanado.Criou-se, assim , uma iluso sobre os limites da nossa indus-trializao (idem, p. 48).

    6 A poltica de endividamento externo, particularmente aestatizao da dvida externa, levada a cabo pelos dois lti-mos governos militares, contribuiu bastante para o cresci-mento explosivo da dvida interna, em virtude do seguinte:1) implicava crescente emisso de ttulos pblicos para neu-tralizar o aumento do meio circulante decorrente doendividamento necessrio para fechar o balano de paga-mentos, objetivando, com isso, no alimentar o processoinflacionrio, e 2) a crescente emisso de ttulos visando acobrir os gastos decorrentes das resolues que possibilita-vam s empresas privadas protegerem-se de desvalorizaesdo cmbio. Essa poltica tambm contribuiu para asfixiarfinanceiramente as empresas estatais, obrigadas a endivida-rem-se no exterior para ajudar a fechar as contas externas.Esse processo, somado poltica pouco criteriosa de subsdi-os e poltica de juros altos, que exacerbava ainda mais ocrescimento da dvida interna, acabou gerando uma crisefiscal do Estado. A exploso da inflao a partir do inciodos anos 80 tambm vinculava-se ao problema da dvidaexterna, pois as maxidesvalorizaes da moeda, observadasno perodo, que tanto impacto tiveram sobre a inflao,visavam a melhorar a competitividade das exportaes bra-sileiras, ponto importante no quadro de deteriorao dosetor externo da economia brasileira O explosivo endi-vidamento interno e externo corroeu o esquema interno definanciamento da acumulao, baseado sobretudo em fundospblicos, inviabilizando a forma de desenvolvimentocentrada no Estado (CRUZ, 1984; OLIVEIRA, 1998).

  • A QUESTO DO DESENVENVOLVIMENTO LUZ DA GLOBALIZAO

    20

    grave situao social dessa regio, e ps fim maioria dos projetos de desenvolvimento.

    Esse desfecho no pode ser entendido sem le-varmos em conta as transformaes em curso naeconomia capitalista no perodo. Em primeiro lu-gar, grande parte dos emprstimos contradospelos pases subdesenvolvidos ocorreu nos cha-mados euromercados de dlares a juros flutuantes.Esses mercados foram os precursores do mercadofinanceiro global. Surgidos na dcada de 1960,no bojo da crise do sistema monetrio internacio-nal, eram mercados supranacionais, fora do con-trole das autoridades monetrias de qualquer pas,que se expandiram aceleradamente depois da crisedo petrleo em 1973 com os chamados petro-dlares. A sua capacidade de criar liquidez tornouos crditos internacionais baratos e abundantes, oque acabou induzindo muitos governos a endivi-darem-se at o pescoo.

    Quando no final dos anos 1970, o governoReagan, preocupado com os enormes dficits ex-ternos norte-americanos e buscando recuperar asupremacia dos EUA, ento em xeque, imple-mentou uma poltica de fortalecimento do dlarpor meio da majorao acentuada das taxas dejuros, que subiram de um patamar de 6% ao anopara cerca de 20%, ao mesmo tempo em que leva-va a cabo, juntamente com o governo ingls, adesregulamentao dos mercados financeiros e decapitais, a situao dos pases perifricos deterio-rou-se rapidamente. Os servios da dvida sofre-ram forte aumento, o que levou muitos pases aendividarem-se ainda mais para pagarem as dvidascontradas anteriormente, gerando assim um cres-cimento financeiro das mesmas. Esse processolevou a periferia a uma situao de insolvnciageneralizada. A crise da dvida iniciada no Mxico,em 1982, rapidamente atingiu inmeros outrospases.

    Entre 1980 e 1990 as dvidas da periferia cres-ceram assustadoramente: na Amrica Latina, deUS$ 130 bilhes para US$ 319 bilhes; na frica,de US$ 97 bilhes para US$ 257 bilhes; na sia,de US$ 87 bilhes para US$ 264 bilhes, e noLeste europeu, de US$ 47 bilhes para US$ 140bilhes. Paralelamente, observou-se o declnio dospreos dos produtos primrios em relao aos dosprodutos industrializados no mercado mundial, emvirtude da crise aberta pela poltica de juros altosdos EUA. Queda que j vinha se delineando desdea dcada anterior com a crise de superproduo.

    Entre 1980 e 1990, os preos dos produtos manu-faturados subiram 36,8%, enquanto os dos pro-dutos minerais caam 37,7% e os dos agrcolas40%. Isso dificultava sobremaneira o pagamentodas dvidas externas (ALTVATER, 1995, p. 14).

    Boa parte dos pases endividados, como o Brasil,entrou em um perodo de estagnao. A adoode polticas recessivas, inspiradas ou impostaspelo FMI que s podem ser entendidas a partirda interao do quadro internacional com a situa-o social e poltica desses pases levou as suaseconomias a girar em torno do pagamento dasdvidas externas, do combate inflao e da crisefiscal do Estado. O emprego de polticas recessi-vas, baseadas no corte do gasto pblico, no arro-cho dos salrios, no corte do crdito, no apertomonetrio e na desvalorizao da moeda, resultouem estagnao econmica e agravamento dainflao e da crise fiscal do Estado, embora melho-rasse a situao das contas externas, permitindoo pagamento dos juros das dvidas. Preservavam-se, assim, os interesses dos credores estrangeiros.Dessa forma, inviabilizou-se o desenvolvimentode boa parte da periferia, que passou a ser expor-tadora de capitais para o centro. Segundo dadosapresentados por Cano (2001, p. 23-41), a AmricaLatina exportou, na forma de remessas de juros eamortizaes da dvida externa na dcada de 1980,cerca de US$ 200 bilhes recursos que contri-buram para sustentar a valorizao do capitalfinanceiro no perodo.

    Mesmo pases como o Brasil, que j no eramexportadores de produtos primrios e, portanto,tinham uma pauta de exportao diversificada, noconseguiram sair desse crculo de ferro. Os pasesdo leste asitico conseguiram fugir dessa situaoe acelerar o seu desenvolvimento at meados dadcada de 1990, quando tambm entraram emcrise, em virtude de uma srie de peculiaridades:1) estratgias de desenvolvimento voltadas paraas exportaes criaram uma economia mais com-petitiva e avanada tecnologicamente; 2) polticaslevadas a cabo em perodos anteriores consegui-ram criar fortes grupos nacionais e consistentesesquemas de financiamento interno (caso da Co-ria); 3) o preo das suas exportaes no caiu noperodo; 4) o endividamento externo no foi todramtico; 5) essas economias conseguiram esta-belecer fortes vnculos com a economia japone-sa, que ento crescia a altas taxas. Dessa forma,essas economias no ficaram alijadas do mercadofinanceiro internacional e no sofreram grandes

  • 21

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 11-29 NOV. 2002

    carncias de capitais para financiar seu desenvol-vimento, podendo, ento, acompanhar asprofundas transformaes em curso na econo-mia capitalista (COUTINHO, 1999, p. 219-235).

    A Amrica Latina, como assinalou Coutinho(1996, p. 219-238), ao contrrio dos pases dosudeste asitico, no se integrou a essas mudanasno perodo. As razes disso residem no fato de aregio ter mergulhado, a partir de 1982, em umafase de estagnao, marcada por baixos ndicesde crescimento, graves crises inflacionrias e gra-ves problemas de endividamento externo. A pre-dominncia de governos conservadores impediu,naquele momento, uma ruptura com o grandecapital internacional. Nessas circunstncias, ospases latino-americanos, de um lado, no desper-tavam interesse do grande capital que, alis, noestava disponvel em virtude da crise do endivi-damento externo e, de outro lado, no tinhamcondies de implementar com um maior grau deautonomia programas de desenvolvimento paraincorporar as novas tecnologias e enfrentar as mu-danas em curso na economia mundial. De maneirageral, os modelos de desenvolvimento perseguidosdesde pelo menos os anos 1930 pareciam esgo-tados.

    Para a Amrica Latina a situao comeouaparentemente a mudar no incio da dcada de1990, quando o Japo, a Europa Ocidental e osEUA entraram em crise, o que para as duas pri-meiras regies abriu um perodo de estagnao ebaixo crescimento econmico, respectivamente.A falta de boas oportunidades de investimento,associada queda das taxas de juros dos pasescentrais, gerou um volume significativo de capitaisvidos por melhores condies de valorizao emoutras regies do mundo. A Amrica Latina entovoltou a chamar a ateno das grandes empresase do capital financeiro (ibidem).

    Concomitantemente a esses acontecimentos,como assinalou Fiori (1997, p. 11-23), no FMI,no Banco Mundial, no Banco Interamericano deDesenvolvimento e no mundo acadmico travava-se um intenso debate acerca das polticas deestabilizao das economias latino-americanas.Chegou-se concluso de que as polticas orto-doxas recomendadas pelo FMI e adotadas ao longoda dcada de 1980 tinham sido um fracasso,embora tivessem evitado uma onda de moratriasdas dvidas externas. Tinham sido insuficientesparticularmente no tocante reduo da inflao

    e retomada do crescimento econmico. Essasdiscusses culminaram em seminrios realizadosem Washington, em 1989. As concluses dessesseminrios, que ficaram conhecidas como oconsenso de Washington7, propunham, ao ladode polticas de estabilidade econmica, um planode reformas para os pases da regio.

    O esgotamento do modelo de desenvolvimen-to baseado na ampla ao do Estado na economiae em mercados nacionais relativamente fechadosseria, segundo essa viso, a causa bsica dos gra-ves problemas econmicos enfrentados pelos pa-ses latino-americanos a partir dos anos 1980. Demaneira geral, esse modelo de desenvolvimentoteria desembocado em um sistema produtivo ine-ficiente e no competitivo e no que os liberaischamavam de populismo econmico. Ou seja, osgovernos latino-americanos teriam criado umterreno frtil para majorao de salrios acima daprodutividade do trabalho, para a expanso deempresas ineficientes, para a alocao ineficientedos recursos pblicos, para a corrupo desen-freada etc. Tudo isso feria a lei sacrossanta dateoria neoclssica segundo a qual os mercadosseriam a forma mais eficiente de alocar recursose tenderiam para o equilbrio. Portanto, os dese-quilbrios econmicos seriam, em ltima anlise,fruto de desequilbrios do setor pblico.

    Vrios planos de estabilizao implementados

    7 Esse termo j vinha sendo utilizado desde o final dadcada de 1980 por J. Williamson para designar o programaliberal de reformas que propunha para a Amrica Latina(FIORI, 1997, p. 11-23). Em linhas gerais, as propostaseram as seguintes: 1) estabilizao macroeconmica pelaadoo de planos monetrios que atrelassem as moedas naci-onais ao dlar e de polticas monetrias, creditcias e fiscaiscontracionistas. Um dos pontos centrais seria a questo doajuste fiscal, que deveria obter-se por meio de um supervitprimrio. A reforma dos sistemas de previdncia social e areforma administrativa seriam fundamentais para alcanaressa meta; 2) introduo de reformas estruturais visando abertura das economias nacionais, o que implicava reduesde tarifas e desregulamentao dos mercados financeiro e decapitais, e 3) reduo da presena do Estado na economia,centrada em um vasto programa de privatizao das empre-sas estatais. Considerava-se que s depois de implementadoesse conjunto de reformas seria possvel retomar o cresci-mento de maneira mais sustentada. Considerava-se tambmque, para implementar programas dessa natureza, seriamprecisos governos estveis e com larga base de sustentaopoltica e social, pois os nus das reformas seriam pesadospara o grosso das populaes dos pases latino-americanos(ibidem; os prximos pargrafos baseiam-se nessa obra).

  • A QUESTO DO DESENVENVOLVIMENTO LUZ DA GLOBALIZAO

    22

    na Amrica Latina seguiram essas anlises e dire-trizes. Assim, vrios pases latino-americanos con-tinuaram presos s amarras financeiras que vinhamdificultando o desenvolvimento desde a crise dadvida externa dos anos 1980. Foi o caso do Mxicoe da Argentina, que adotaram planos baseados emncoras cambiais. Essa estratgia, que acarretavafortes dficits comerciais devido valorizao dasmoedas combinada com a maior abertura da eco-nomia, s foi possvel graas elevada liquidezinternacional e s baixas taxas de inflao nos pa-ses centrais no incio dos anos 1990. Essas condi-es conjunturais, que garantiam um fluxo volu-moso de recursos externos, eram intrinsecamenteinstveis (TAVARES, 1999, p. 17-123).

    O Plano Real tambm inspirou-se nessa estra-tgia e, com algum atraso, o Brasil ajustou-se onda neoliberal. Esse atraso vinculava-se situaopoltica do pas na dcada de 1980. Uma guinadaneoliberal parecia difcil naquele momento, sobre-tudo devido ao intenso movimento social aut-nomo dos trabalhadores, centrado no movimentosindical combativo dos metalrgicos do ABCpaulista, que culminou na criao do Partido dosTrabalhadores, e ao movimento pela redemocrati-zao do pas. A Constituio de 1988 refletia, pelomenos em parte, esse contexto social, quecontrastava com o clima de recuo dos setores deesquerda vigente na maioria dos outros pases daregio. O grosso da burguesia tambm no pareciaainda convicta da nova estratgia de desenvolvi-mento. Dessa forma, as polticas de ajusteneoliberais no tinham base de sustentao social.O ponto de virada parece ter sido a derrota deLus Incio Lula da Silva para Fernando Collor deMelo em 1989, que abriu espao para o governoimplementar polticas neoliberais8.

    A esse respeito Oliveira (1998, p. 169) assinalouque, Ao lado do processo hiperinflacionrioconstante nos ltimos dez anos, que elaborou umaespcie de pedagogia perversa, a contra-revolu-o tresloucada de Collor mandou pro brejo todaesperana de mudana social progressista, valedizer, mudana que tentasse varrer com as vastasdesigualdades. Instaurou-se e a eleio do rei dokitsch j era seu indcio mais forte, com o forteapelo messinico de salvao uma espcie deconservadorismo que pode resumir em mudanasocial regressiva, isto , um anseio generalizado edifuso por estabilidade, segurana, ordem e, parcontre, o medo mudana social progressista.

    A queda de Fernando Collor, no entanto, nodeteve a virada conservadora. Fernando HenriqueCardoso, contando com uma base social maisampla graas estabilizao dos preos e com forteapoio das classes dominantes e do capitalestrangeiro, colocou em prtica um vastoprograma de reformas inspiradas no iderioneoliberal. Ao optar por polticas neoliberais, FHCcolocou, de forma subordinada, o Brasil na trilhada globalizao.

    No entanto, mais uma vez a realidade parecedesmentir as expectativas otimistas dosneoliberais. Embora esse novo programa tenha sidoadotado por vrios pases da regio ao longo dosltimos dez anos, eles no conseguiram retomaro prometido desenvolvimento. Pelo contrrio, essespases vivem uma situao de estagnao crnicae de crises recorrentes toda vez que a economiamundial entra em um perodo de instabilidade9.

    8 Sobre esse ponto ver Oliveira (1998, p. 157-223). Pode-mos destacar outros fatores que dificultavam sobremaneiraa integrao ao processo de globalizao: 1) o intenso pro-cesso inflacionrio; 2) a crise fiscal do Estado, fruto, emgrande medida, do endividamento interno e externo; 3) aestagnao econmica decorrente da queda dos investimen-tos e da adoo de polticas recessivas; 4) a inexistncia depolticas voltadas para o desenvolvimento em virtude de apoltica econmica estar direcionada para o combate da in-flao e para o pagamento da dvida externa, e 5) a incapa-cidade de o governo articular internamente uma base socialslida para polticas desenvolvimentistas. As fragilidades doBrasil decorriam tambm, segundo Coutinho (1996, p. 219-238), de problemas estruturais mais antigos, a saber: ainexistncia de um consistente esquema de financiamentointerno, o que torna o avano da acumulao de capital

    demasiado dependente de financiamento externo ou gover-namental, em um momento em que essas alternativas mos-travam-se difceis; o tamanho relativamente pequeno dasempresas brasileiras diante das gigantescas empresastransnacionais, o que dificultava a concorrncia com essasempresas. O problema no se reduz defasagem tecnolgica: tambm uma questo de solidez financeira e de capacidadede centralizar capital nas empresas nacionais.9 A taxa mdia de desemprego aberto para o setor urbano,na Amrica Latina, passou de 5,9% da PEA (PopulaoEconomicamente Ativa), em 1990, para 7,9% em 1998.Mas essas cifras no do conta da precarizao do mercadode trabalho, tendo a informalidade saltado de 40%, em 1980,para 56% em 1995. Para essa regio, em 1980, o nvel de po-breza correspondia a 25% da populao urbana e o de indi-gncia a 9%. Em 1994, esses nmeros eram respectivamente34% e 12%. Para a populao rural os nmeros so maisdramticos: os pobres e indigentes, em 1994, correspondiama 55% e 33% respectivamente (CANO, 1999, p. 317-318).

  • 23

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 11-29 NOV. 2002

    Os programas de estabilizao baseados emncoras cambiais jogaram esses pases em umaarmadilha, pois se, de um lado, conseguiramdebelar o processo inflacionrio, de outrodificultaram a retomada do desenvolvimento. Issoporque implicam altas taxas de juros, necessriaspara atrair um volume crescente de capitais parafecharem os tambm crescentes dficits em suascontas externas, decorrentes da abertura comercialassociada valorizao das moedas locais, dopagamento dos servios da dvida externa e doincremento das remessas de lucros, dividendosetc. A entrada macia de produtos importados apreos relativamente baixos e estveis controloua inflao, mas causou enormes dficits na balanacomercial. Os resultados de tudo isso, bastantevisvel no Brasil e na Argentina, foram a crescen-te vulnerabilidade das economias nacionais anteas oscilaes da economia mundial, o incrementoda dependncia em relao ao capital estrangeiroe a estagnao econmica, que implica crescentedesemprego e deteriorao da situao social devastas parcelas da populao10.

    O ncleo de sustentao dessas polticas residena manuteno de elevadas taxas de juros, querecompensam regiamente o capital financeiro. A

    elevao dos juros, sobretudo nos perodos deinstabilidade da economia mundial, necessria,de um lado, devido necessidade de evitar fugasde capitais e atrair capitais externos para cobriros dficits em conta corrente. De outro lado, essasaltas taxas so necessrias para deprimir a atividadeeconmica e, assim, conter as importaes eincentivar as exportaes, contribuindo paraamenizar os problemas do dficit nas contasexternas. Mas a manuteno de taxas de juroselevadas impede o crescimento econmico, inflaa dvida interna e aprofunda a crise social. A lgicadessa poltica impem a recesso crnica comoforma de enfrentar os desequilbrios externos egarantir os interesses do capital financeiro. Areduo significativa dos juros, ao estimular aatividade econmica, poderia exacerbar o desequi-lbrio externo, o que provavelmente acarretariadificuldades para fechar as contas externas e fortedesvalorizao cambial com reflexos nos preos,o que exigiria, de acordo com a lgica dos neo-liberais, a retomada de medidas contencionistas.O descontentamento social crescente no possibi-litou at o momento articular um projeto alterna-tivo, embora indcios nessa direo eclodam portoda a parte na Amrica Latina. Dessa forma,recoloca-se a questo da viabilidade do desenvol-vimento em regies perifricas no atual contextoda economia mundial.

    Os pases no-desenvolvidos defrontam-se noapenas com os entraves colocados pela atual faseda economia mundial, mas tambm com um ou-tro obstculo, at agora no mencionado: os limi-tes ecolgicos do desenvolvimento.

    IV. OS LIMITES ECOLGICOS DO DESEN-VOLVIMENTO CAPITALISTA

    O problema dos limites ecolgicos do desen-volvimento parece ser relevante no s porque adistncia entre a riqueza e a pobreza parece au-mentar na economia globalizada e no interior decada economia nacional, mas tambm porque osrecursos naturais da terra so limitados. Se isso verdade, poderamos dizer que o modelo dedesenvolvimento capitalista seguido pelos EUA,pelo Japo e pela Europa Ocidental, calcado naindustrializao e em uma sociedade de consumode massas, no s no universalizvel como ten-de, mais cedo ou mais tarde, a esbarrar nos limi-tes naturais do planeta.

    Como expandir uma forma de desenvolvimentoque consome um volume descomunal de energia

    10 A dvida externa da Amrica Latina entre 1989 e 1999cresceu de US$ 450 bilhes para cerca de US$ 750 bilhes(CANO, 2001, p. 23-41). Em muitos pases, observou-seum crescimento explosivo da dvida interna, agravando acrise fiscal. A ttulo de exemplo podemos citar a dvidainterna brasileira, que saltou de cerca de R$ 60 bilhes, em1995, para R$ 685 bilhes em janeiro de 2002, em grandeparte devido s altas taxas de juros e desvalorizao damoeda a partir de 1999. A necessidade de obter recursospara fechar o balano de pagamentos e honrar a dvida inter-na fragiliza os governos diante do capital financeiroglobalizado. Interessa a esse capital garantir o pagamento dasdvidas e, por conseguinte, procura, respaldado pelo FMI eBanco Mundial, impor polticas que garantam a estabilidadede preos, a livre circulao de capitais e a sade das finanaspblicas, compreendida como a capacidade de gerar cres-centes supervits primrios. O no-cumprimento dessas metascoloca os pases perifricos merc dos movimentos vol-teis dos capitais financeiros. Mas a situao insustentvel.No caso do Brasil, embora o governo FHC tenha obtidosupervit primrio da ordem de 3,5% do PIB nos ltimosanos, o servio da dvida pblica corresponde a cerca de 7%do PIB. Dessa forma, ao contrrio do que apregoam os de-fensores da atual poltica econmica, a trajetria da dvida ascendente. Estagnao econmica, aprofundamento da crisefiscal e deteriorao da situao econmica e social das po-pulaes mais carentes o resultado dessa poltica (LACER-DA, 2002; SINGER, 2002).

  • A QUESTO DO DESENVENVOLVIMENTO LUZ DA GLOBALIZAO

    24

    e de outros recursos naturais no-renovveis?Teria o planeta condies de sustentar um nvelde consumo relativamente elevado para o conjuntoda populao mundial? Se isso impossvel, aspopulaes da periferia estariam condenadas misria? O modelo de desenvolvimento perseguidonos ltimos 50 a 70 anos, pelos pases perifricose socialistas, de uma maneira ou de outra, ao ba-searem-se na industrializao, no seria uma merailuso? No estaria colocado na ordem do dia abusca de outras formas de desenvolvimento, maiscondizentes com os recursos naturais limitados ecom a possibilidade de uma distribuio da riquezamais eqitativa em escala mundial? Mas isso nocolocaria em xeque o capitalismo juntamente comsua sociedade de consumo de massas?

    Sobre essas questes Altvater assinala (1995,p. 28): [A] industrializao um luxo exclusivode parcelas da populao mundial, mas no paraampla maioria dos 6,25 bilhes de habitantes navirada do milnio. impossvel simplesmente darcontinuidade s estratgias de desenvolvimento ede industrializao das dcadas passadas. umailuso, e por isto uma desonestidade, alimentar edifundir a idia de que todo o mundo poderia atingirum nvel industrial equivalente ao da EuropaOcidental, da Amrica do Norte e do Japo [...]. Aindustrializao constitui um bem oligrquico [...].Portanto, as sociedades industriais s podem rei-vindicar para si as benesses da afluncia enquantoo mundo ainda hoje no-industrializado assimpermanecer.

    De acordo com Lwy (1999, p. 102), se oconjunto da populao mundial tivesse um con-sumo de energia igual ao consumo mdio de ener-gia dos EUA, as reservas conhecidas de petrleodurariam aproximadamente 19 anos11. O que estem questo a prpria forma capitalista de de-senvolvimento. Somos cticos quanto possibili-dade de um desenvolvimento sustentado, que bus-que, ao mesmo tempo, evitar a destruio da na-tureza, garantir altas taxas de crescimentoeconmico e superar a misria. Essa questo mais premente em virtude do tamanho dapopulao mundial, cerca de 6 bilhes de pessoas.

    Estima-se que em 2025 sejam cerca de 9 bilhes(HIRST & THOMPSON, 1998, p. 189). Discutiras possibilidades de desenvolvimento dos pasesperifricos implica discutir as prprias formas dodesenvolvimento.

    Durante muito tempo o desenvolvimento foiidentificado, particularmente pelos economistasneoclssicos, com crescimento econmico. Ou-tros identificavam o conceito industrializao12.Essas duas formas de entender desenvolvimentoso inadequadas. Desde meados de nosso sculo,vrios pases cresceram de maneira acelerada eindustrializaram-se, como o Brasil, mas nem porisso os problemas sociais (melhores condies devida, sade, educao, moradia, saneamento b-sico etc.) e os problemas relativos distribuioda renda melhoram substancialmente. Hoje, parteconsidervel da populao brasileira vive na mis-ria e o pas tem uma das piores distribuies darenda do mundo, embora observemos a melhorade uma srie de indicadores sociais (mortalidadeinfantil, expectativa de vida, escolaridade etc.).

    No basta um pas ser industrializado paraconsiderarem-no desenvolvido. Essa relaotambm comea a apresentar problemas porquese observa em vrios pases desenvolvidos umprocesso de desindustrializao. Ou seja, o setorindustrial, no que se refere ao PIB, perdeu terreno,

    11 O problema no se reduz finitude dos recursos naturais,como petrleo, ferro, bauxita etc.; tambm pressionam odesenvolvimento os perigos da poluio: emisses de CO2,CFCs e outros gases, extino de espcies, esgotamento dossolos, poluio dos mares, diminuio da gua potvel etc.

    12 De maneira geral, podemos identificar na teoriaeconmica, no tocante concepo de desenvolvimento,duas correntes, embora no haja necessariamentehomogeneidade terica e metodolgica entre os autores queas compem. Uma, englobando economistas de tradioneoclssica e ps-keynesiana, que concebem o desenvolvi-mento como crescimento econmico. Para esses um pas subdesenvolvido medida que apresenta um crescimentoeconmico inferior aos desenvolvidos e cresce menos doque seria possvel, dado os seus recursos em termos de terra,mo de obra e recursos naturais. Ou seja, o pas subdesen-volvido, nesse caso, porque subutiliza os recursos de quedispe, observando-se recursos produtivos ociosos. A outracorrente considera que o desenvolvimento no pode ser iden-tificado a crescimento porque esse crescimento pode noestar beneficiando a economia e a populao como um todo,seja em virtude da transferncia de excedente econmicopara outros pases, seja pelo fato de o excedente estar sendoapropriado por uma parcela diminuta da populao. Desen-volvimento envolve, nessa verso, mudanas quantitativas equalitativas na estrutura produtiva, na produtividade dotrabalho, nas instituies e no modo de vida das pessoas,com a melhoria do nvel de vida do conjunto da populao.Enquadram-se nessa corrente, entre outros, economistascepalinos e marxistas (SOUZA, 1995, p. 13-32).

  • 25

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 11-29 NOV. 2002

    enquanto cresceu a importncia dos setorescomercial e de servios. Isso ocorreu em virtudede muitas indstrias terem deixado alguns pasesdesenvolvidos em busca de regies na periferiacom mo de obra mais barata, com recursosnaturais mais abundantes e regulamentos maisbrandos de proteo ao meio ambiente. Esse pon-to consiste em um dos mais importantes da cha-mada mundializao do capitalismo. No entanto,devemos ver com cuidado esse problema, poisesses pases continuam industrializados, concen-trando em suas mos a produo de bens de capitale de tecnologia. Industrializao parece ser umacondio necessria, mas no suficiente para iden-tificar se um determinado pas ou no desenvol-vido.

    Segundo Altvater (1995, p. 21), o fato de algunspases altamente desenvolvidos estarem transfor-mando-se em pases ps-industriais torna a indus-trializao, enquanto encarnao de modernizaoe de progresso, uma definio inadequada. Outrosautores criticam de maneira mais contundente essaidentificao entre industrializao e desenvolvi-mento, como Arrighi (1997, p. 209): precisoabandonar o postulado de que industrializao oequivalente de desenvolvimento.

    O desenvolvimento e o subdesenvolvimento spodem ser entendidos a partir de uma perspectivahistrica. Os modelos excessivamente genricose abstratos no conseguem dar conta das espe-cificidades histricas de cada pas ou regio medida que os englobam em um todo homogneo,como se realidades sociais, econmicas e polticasbem diversas pudessem ser reduzidas a umpunhado de variveis abstratas. Desse ponto devista, os chamados pases subdesenvolvidos, quemais recentemente foram denominados de mer-cados emergentes, no poderiam constituir umaunidade de anlise consistente e as polticas eco-nmicas voltadas para desenvolv-los no pode-riam ser necessariamente as mesmas, como comu-mente apregoam as instituies financeiras inter-nacionais.

    A dificuldade de aplicao desses modelos re-side, sobretudo, no fato de eles serem demasiada-mente abstratos. A apreenso das condieshistricas especficas de cada pas subdesenvol-vido seria essencial para explicar a prpria situaode subdesenvolvimento. O problema do desen-volvimento, de acordo com a teoria ortodoxa, seriareduzido questo da melhor maneira de acelerar

    o crescimento econmico e, portanto, o problema-chave seria o do incremento dos investimentos edas formas de financi-los. Entretanto, o quedeveria ser explicado so as condies histricasespecficas que obstam o crescimento e condicio-nam os investimentos. Isso s poderia ser explica-do a partir da realidade concreta de cada passubdesenvolvido e de sua insero na economiamundial (PRADO JR., 1989, p. 12-48).

    A crtica que a CEPAL (Comisso Econmicapara a Amrica Latina e o Caribe) e Prado Jr.(idem), entre outros, desenvolveram viso unili-near segundo a qual todos os pases passariaminvariavelmente pelas mesmas formas ou estgiosde desenvolvimento e a diferena entre os pasesnesse aspecto seria apenas de grau e ritmo de de-senvolvimento tambm precisa ser recuperada,pois muitos parecem t-la esquecido. Alm disso,a teoria ortodoxa reduz os indicadores de desen-volvimento a umas poucas variveis. Assim, aRenda Nacional, o Produto Interno Bruto, o Pro-duto Nacional Bruto e a renda per capita passari-am a ser indicadores precisos do grau de desen-volvimento, deixando em segundo plano questesqualitativas.

    Mais recentemente, o desenvolvimento temsido concebido como resultante da evoluo deum conjunto de variveis. Um dos autores quetem desenvolvido essa linha Amartya Sen (2000).A obra desse autor tem exercido grande influn-cia sobre os trabalhos e as pesquisas realizadaspela ONU acerca do tema, particularmente sobreo ndice de desenvolvimento humano e social.

    Esse autor concebe o desenvolvimento comoum processo de expanso da liberdade desfrutadapelos membros de uma sociedade. Ou seja, eleressalta a importncia de as pessoas terem apossibilidade de terem acesso aos meios e aosrecursos que lhes propiciem condies reais deexercerem seus direitos e sua liberdade. Em suaspalavras, [O] desenvolvimento pode ser vistocomo um processo de expanso das liberdadesreais que as pessoas desfrutam. O enfoque nasliberdades humanas contrasta com vises maisrestritas de desenvolvimento, como as queidentificam desenvolvimento com crescimento doProduto Nacional Bruto (PNB), aumento derendas pessoais, industrializao, avanotecnolgico ou modernizao social [...]. Odesenvolvimento requer que se removam asprincipais fontes de privao de liberdade: pobreza

  • A QUESTO DO DESENVENVOLVIMENTO LUZ DA GLOBALIZAO

    26

    e tirania, carncia de oportunidades econmicas edestituio social sistemtica, negligncia dosservios pblicos e intolern-cia ou interfernciaexcessiva de Estados repressivos (idem,p. 17-18).

    A melhor forma de alcanar esses objetivosseria, segundo esse autor, por meio da expansoda economia de mercado, calcada na livreiniciativa. Contudo, ele no descarta a atuaoestatal na economia, como forma de suplementara iniciativa privada, visando a alcanar essas metas.Suas colocaes so bastante pertinentes, poisindustrializao, crescimento do PIB, crescimentoda renda etc. no significam necessariamentemelhora das condies de vida do conjunto dapopulao de um pas. A experincia brasileira ilustrativa. O desenvolvimento seria fruto daevoluo de um conjunto de variveis econmicas(PIB, renda per capita etc.), sociais (acesso educao e sade, mortalidade infantil, expectati-va de vida etc.) e polticas (respeito aos direitoshumanos, participao poltica etc.)

    Entretanto, esse autor no questiona um pon-to fundamental, qual seja: a natureza do desenvol-vimento capitalista. A questo do desenvolvimen-to no pode residir somente na elevao dos n-veis de consumo, no usufruto de servios (edu-cao, sade, saneamento bsico etc.) e no aces-so s liberdades polticas e s oportunidadeseconmicas e sociais, embora esses pontos se-jam de suma importncia. Voltamos a indagar: issoseria possvel de ser alcanado expandindo-se omodo de produo e as formas de consumo capi-talistas? O que fazer com o consumo desmedidoda sociedade de consumo de massa?

    O problema no pode ser, aparentemente, re-solvido agregando o termo sustentvel ao conceitode desenvolvimento. Desenvolvimento sustentvelentendido como uma forma de crescimentoeconmico associado integridade dos sistemasecolgicos, a justia e igualdade entre toda apopulao mundial, nos parmetros da sociedadecapitalista, parece bastante improvvel, pois, comotentamos apontar acima, o capitalismo no seumovimento de expanso cria e recria, ao mesmotempo, uniformidade e desigualdade. Um sistemaregido pelo mercado, em que o mvel dasempresas a busca incessante do lucro, enfrentariaenormes dificuldades para respeitar a integridadeda natureza e promover a igualdade entre os povosda terra. Parece que dentro do capitalismo no

    possvel expandir o desenvolvimento para oconjunto da populao do planeta.

    V. CONSIDERAES FINAIS

    Ao abordarmos a questo do desenvolvimentovisamos apenas a tecer alguns comentrios quejulgamos pertinentes. A retomada da discussoacerca do desenvolvimento parece indispensvelnos dias de hoje, seja em razo da situao deestagnao econmica e da deteriorao dascondies sociais de vastas regies da periferiacapitalista nesse contexto de globalizao, seja emrazo dos prprios limites ecolgicos da sociedadede consumo. O grande desafio consiste emrepensar o desenvolvimento levando em consi-derao esse conjunto de problemas.

    A crescente integrao da economia mundialtornou as tendncias econmicas maishomogneas, embora as desigualdades sociais eeconmicas tenham aumentado. Apesar dealgumas excees importantes, em geral tanto ospases desenvolvidos quanto os no-desenvolvi-dos entraram em uma fase de baixo crescimentonas ltimas dcadas e particularmente estes lti-mos enfrentam crescentes problemas sociais. Cre-ditamos, pelo menos em parte, esse fenmeno crise social e econmica que se arrasta desde adcada de 1970 e que abriu as portas para o pre-domnio dos interesses financeiros. A derrota dostrabalhadores abriu espao para uma larga ofensi-va da burguesia, mas as suas tentativas dereestruturar o sistema at agora se mostrarambastante problemticas: no criaram as condiespara uma vigorosa retomada do crescimento emescala global, contriburam para a estagnao deuma vasta zona do mundo e no enfrentaram demaneira consistente os problemas ecolgicos. Asenormes dificuldades enfrentadas pelos pasessubdesenvolvidos no se deveram, no entanto, ape-nas tendncia declinante da economia mundial,mas tambm ao aprofundamento dos mecanismosde dependncia sobretudo financeira, que dificul-taram a adoo de polticas voltadas para o de-senvolvimento e aprofundaram as crises financeirase nas contas externas, alm de terem possibilitadoa drenagem de parcela do excedente econmicopara os pases ricos.

    preciso assinalar, contudo, que esse resulta-do no decorreu apenas das presses e dos limi-tes impostos pelas estruturas da economia mun-dial aos pases no-desenvolvidos. Decorreu tam-bm, embora talvez no tenhamos frisado o su-

  • 27

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 11-29 NOV. 2002

    ficiente, das decises dos governos desses pasese do contexto social, econmico e poltico inter-no a cada um deles no qual se desenrolam as lutassociais.

    Dessa forma, o desenvolvimento, como ten-tamos indicar, tem que ser entendido em suas com-plexas e mltiplas articulaes sociais, econmicase polticas internas e externas. Este tipo de aborda-gem implica em anlises histricas das experinciasparticulares e como elas inserem-se na economiamundial. Tentamos sugerir tambm a necessidadede estudos comparativos mais amplos, que levemem conta as diferentes estratgias de insero nocenrio atual do mundo globalizado.

    Embora o problema do desenvolvimento eco-nmico com preservao da natureza e superaoda misria seja um desafio para qualquer formade sociedade, ainda mais quando a populao atingea cifra de bilhes, parece estar colocado na ordemdo dia, como assinalamos acima, a questo dos

    limites ecolgicos do desenvolvimento capitalista.A busca cega pelo lucro tem implicado a destrui-o sistemtica da natureza. Nada indica, at omomento, que o capitalismo seja passvel de refor-mas que consigam dominar suas tendncias des-trutivas da natureza. Est em questo todo umestilo de vida, uma civilizao exceto se ocorrerum brutal salto tecnolgico, que permita sustentara vida de bilhes de seres humanos com base emmateriais reciclveis.

    Nesse contexto, um dos problemas centraisparece ser o do controle social da economia. Aproduo, a distribuio e o consumo devem su-bordinar-se aos interesses, s necessidadesobjetivas e subjetivas, aos valores do grosso dapopulao. Uma economia como essa s poderiaexistir se fosse regida pelo valor de uso e no pelovalor de troca. Como diz Lwy (1999, p. 234),uma espcie de economia moral, no sentido queE. P. Thompson dava a essa expresso, isto ,uma poltica econmica baseada em critrios no-monetrios e extra-econmicos.

    ARRIGHI, G. 1996. O longo sculo XX : dinheiro,poder e as origens do nosso tempo. Rio deJaneiro : Contraponto.

    _____. 1997. A iluso do desenvolvimento. Petr-polis : Vozes.

    ASHWORT, W. 1958. Breve histria de la eco-nomia internacional : 1850-1950. Ciudad deMxico : Fondo de Cultura Econmica.

    ALTVATER, E. 1995. O preo da riqueza. SoPaulo : UNESP.

    BAER, M. & LICHTENSZTEJN, S. 1987. FundoMonetrio Internacional e Banco Mundial.Estratgias e polticas do poder financeiro. SoPaulo : Brasiliense.

    BATISTA JR., P. N. 2000. A economia como ela... So Paulo : Boitempo.

    BENAYON, A. 1998. Globalizao versusdesenvolvimento. Braslia : Linha Grfica.

    Francisco Luiz Corsi ([email protected]) Doutor em Cincias Sociais pela Universidade Estadual deCampinas (UNICAMP) e Professor do Departamento de Cincias Polticas e Econmicas da UniversidadeEstadual Paulista (UNESP), campus de Marlia.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BLOCK, F. 1980. Los orgenes del desordeneconmico internacional. Ciudad de Mxico :Fondo de Cultura Econmico.

    BRAGA, J. C. S. 1999. Alemanha : imprio, bar-brie e capitalismo avanado. In : FIORI, J. L.(org.). Estados e moedas no desenvolvimentodas naes. Petrpolis : Vozes.

    BRENNER, R. 1999. A economia da turbulnciaglobal. Praga, So Paulo, n. 7, p. 37-46, mar.

    CANO, W. 1999. Amrica Latina : do desenvolvi-mento ao neoliberalismo. In : FIORI, J. L.(org.). Estados e moedas no desenvolvimentodas naes. Petrpolis : Vozes.

    _____. 2001. Amrica Latina : industrializao, cri-se e neoliberalismo In : Anais do IV CongressoBrasileiro de Histria Econmica e da VConferncia Internacional de Histria deEmpresas. So Paulo : Faculdade de Economiae Administrao da Universidade de So Paulo/Associao Brasileira de Pesquisadores em

  • A QUESTO DO DESENVENVOLVIMENTO LUZ DA GLOBALIZAO

    28

    Histria Econmica.

    CANUTO, O. 1994. Brasil e Coria do Sul. Os(des)caminhos da industrializao tardia. SoPaulo : Nobel.

    CASTORIADIS, C. 1982. A instituio imagin-ria da sociedade. Rio de Janeiro : Paz e Terra.

    CASTRO, A. B. & SOUZA, F. E. P. 1985. Aeconomia brasileira em marcha forada. Riode Janeiro : Paz e Terra.

    CHESNAIS, F. 1996. A mundializao do capital.So Paulo : Xam.

    _____. 1998. Rumo a uma mudana total dos pa-rmetros econmicos mundiais dos enfrenta-mentos polticos e sociais. Outubro, So Paulo,n. 1, p. 7-32, maio.

    CORSI, F. L. 2000. Estado Novo : poltica externae projeto nacional. So Paulo : UNESP.

    _____. 2001. Economia mundial : da grande de-presso da dcada de 1930 globalizao.Relatrio de pesquisa para a Faculdade de Filo-sofia e Cincias da Universidade Estadual Pau-lista. Marlia : digit.

    COUTINHO, L. 1996. A fragilidade do Brasil emface da globalizao. In : BAUMANN, R.(org.). O Brasil e a economia global. Rio deJaneiro : Campus.

    _____. 1999. Coria do Sul e Brasil : paralelos,sucessos e desastres. In : FIORI, J. L. (org.).Estados e moedas no desenvolvimento dasnaes. Petrpolis : Vozes.

    CRUZ, P. D. 1984. Dvida externa e polticaeconmica. A experincia brasileira nos anossetenta. So Paulo : Brasiliense.

    EICHENGREEN, B. 2000. A globalizao docapital. Uma histria do sistema monetrio in-ternacional. So Paulo : ed. 34.

    FIORI, J. L. 1995. Em busca do dissenso perdi-do. Ensaios crticos sobre a festejada crise doEstado. Rio de Janeiro : Insight.

    _____. 1997. Os moedeiros falsos. 3 ed. Petr-polis : Vozes.

    _____. (org.). 1999. Estados e moedas no desen-volvimento das naes. Petrpolis : Vozes.

    FRANK, A. G. 1980. Acumulao dependente esubdesenvolvimento. So Paulo : Brasiliense.

    GOLDENSTEIN, L. 1994. Repensando a depen-dncia. Rio de Janeiro : Paz e Terra.

    HARVEY, D. 1992. Condio ps-moderna. SoPaulo : Loyola.

    HIRST, P. & THOMPSON, G. 1998. Globa-lizao em questo. A economia internacionale as possibilidades de governabilidade. 2 ed.Petrpolis : Vozes.

    HOBSBAWM, E. J. 1991. Estratgia para umaesquerda racional. Rio de Janeiro : Paz e Terra.

    _____. 1995. A era dos extremos. O breve sculoXX : 1914-1991. So Paulo : Companhia dasLetras.

    IANNI, O. 1992. A sociedade global. Rio deJaneiro : Civilizao Brasileira.

    KRUGMAN, P. 1999. Uma nova recesso? O quedeu errado. Rio de Janeiro : Campus.

    LACERDA, A. C. 2002. Mitos e fatos sobre advida pblica. Economia em Perspectiva, SoPaulo, n. 192, p. 4, fev.

    LIPIETZ, A. 1991. Audcia. Uma alternativa parao sculo 21. So Paulo : Nobel.

    LOWY, M. 1999. De Marx ao ecossocialismo.In : SADER, E. & GENTILE, P. (orgs.). Ps-neoliberalismo II. Que Estado para que demo-cracia? Petrpolis : Vozes.

    MANDEL, E. 1990. A crise do capital. Os fatose sua interpretao marxista. So Paulo : Ensaio.

    MELLO, J. M. C. 1982. O capitalismo tardio.So Paulo : Brasiliense.

    OHMAE, K. 1996. O fim do Estado-nao. Aascenso das economias regionais. Rio deJaneiro : Campus.

    OLIVEIRA, F. 1989. Economia da dependnciaimperfeita. 4 ed. Rio de Janeiro : Graal.

    _____. 1998. Os direitos do antivalor. A econo-mia poltica da hegemonia imperfeita. Pe-trpolis : Vozes.

    POCHMANN, M. 1999. O trabalho sob fogocruzado. So Paulo : Contexto.

    PRADO JR., C. 1989. Histria e desenvolvimen-to. So Paulo : Brasiliense.

    REICH, R. 1994. O trabalho das naes. SoPaulo : Educator.

  • 29

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 11-29 NOV. 2002

    ROBERTS, R. 2000. Por dentro das finanasinternacionais. Rio de Janeiro : Zahar.

    SADER, E. & GENTILI, P. (orgs.). 1995. Ps-neoliberalismo : as polticas sociais e o Estadodemocrtico. Rio de Janeiro : Paz e Terra.

    SEN, A. K. 2000. O desenvolvimento como li-berdade. So Paulo : Companhia das Letras.

    SINGER, P. I. 1999. A raiz do desastre social : apoltica econmica de FHC. In : LESBAUPIN,I. (org.). O desmonte da nao. Balano dogoverno FHC. Petrpolis : Vozes.

    _____. 2002. O que fazer com a dvida pblica

    interna. Economia em Perspectiva, So Paulo,n. 192, p. 3, fev.

    SOUZA, N. J. 1995. Desenvolvimento econmico.So Paulo : Atlas.

    TAVARES, M. C. 1986. Acumulao de capital eindustrializao do Brasil. Campinas :UNICAMP.

    _____. 1999. Destruio criadora. So Paulo :Record.

    TAVARES, M. C. & FIORI, J. L. 1997. Poder edinheiro. Uma economia poltica da globa-lizao. Petrpolis : Vozes.

  • 157

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 157-159 NOV. 2002

    Verso dos resumos para o ingls: Miriam Adelman

    DEVELOPMENT AND CAPITALIST ECONOMICS GLOBALIZATION

    Francisco Luiz Corsi (Universidade Estadual Paulista Marlia)

    This article proposes to take an historical inventory of the situation of the countries of the peripheryover the last thirty years, looking specifically at the impasses in development belonging to the currentphase of so-called globalization of capital. It is based primarily on the study of an extensive literatureof recent publication. We ask to what extent the return to development in the various stagnatedareas of the periphery can be considered a concrete possibility and engage in a series of reflectionsaround this issue, which we consider as fundamental for the present conjuncture. We seek to showthat the economic stagnation that characterizes many non-developed countries is due in part to thesocial and economic crisis that began in the decade of the seventies and continues to date, efforts torestructure capitalist society notwithstanding. Strategies and policies of a neo-liberal type have alsocontributed significantly to this situation, to the extent that they have reinforced the financial knotsthat have suffocated a large portion of the peripheral economies. Adding to these problems, suchcountries have also been faced with the ecological limits of capitalism. Reinitiating development onanother plane, involving economic growth, social justice and the preservation of nature would meanbreaking with capitalism itself.

    KEYWORDS: development; globalization; national project; social and economic crisis.

    * * *

    SANTIAGO DE CHILE FACES GLOBALIZATION: ANOTHER CITY?

    Carlos A. de Mattos (Pontificia Universidad Catlica de Chile)

    This paper proposes to identify and characterize the other city that has sprung from thetransformations taking place in the metropolitan area of Santiago de Chile. These changes are aresult of a new macro-economic strategy adopted from the middle of 1970 in which growing economicliberalization as well as a wide opening-up to the exterior promoted increased globalization of thenational economy. Within this context, we see that together with significant changes in the metropolitanareas economic base came a radical re-structuring of its labor market and a greater territorialdispersion of productive activities and population. Against the backdrop of this new scenario, welook at how the changes that effected this emerging city have confirmed, on the one hand, a socialmorphology based on polarization and residential segregation and on the other, a territorial morphologybased on suburbanization and multiple centers. These changes correspond to the tendencies thatcan be observed today in all large metropolitan areas, both within the core countries and the emergingeconomies.

    KEYWORDS: globalization; informality; metropolitanization; suburbanization; multiple centers;residential segregation.

    * * *

    GLOBALIZATION AND DIRECT FOREIGN INVESTMENT: AN EXPLORATORY STUDYOF THE BRAZILIAN AUTOMOBILE INDUSTRY

    Ana Lucia Guedes (Pontifcia Universidade Catlica do Paran)

    Alexandre Faria (Pontifcia Universidade Catlica do Paran)

    This article presents preliminary results of research that aims to develop a theoretical framework toanalyze the antecedents and implications of economic globalization in Brazil. More specifically, thearticle focuses on questions of governing and environmental sustainability related to the direct foreign

    ABSTRACTS

  • 163

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 19: 165-167 NOV. 2002RSUMS

    Verso dos resumos para o francs: Maria Fernanda Arajo Lisba

    LE DEVELOPPEMENT LA LUMIERE DE LA GLOBALISATION DE LECONOMIECAPITALISTE

    Francisco Luiz Corsi (Universidade Estadual Paulista Marlia)

    Cet article cherche dresser, sous la perspective historique, le bilan de la situation des payspriphriques dans les dernires trentes annes. Pour cela, il aborde particulirement les enjeux dudveloppement dans la phase de la globalisation du capital. Ce travail sappuie surtout sur les tudesde la vaste bibliographie publie rcemment. Dans quelle mesure la relance du dveloppementconcernant plusieurs secteurs stagns de la priphrie deviendrait-elle une relle possibilit? Autourde cette question, que nous trouvons centrale dans lactuelle conjoncture, nous entamons quelquesrflexions. Nous envisageons montrer que la stagnation conomique laquelle des nombreux paysnon dvelopps font face ne dcoule pas en partie dune crise sociale et conomique ouverte dansles annes soixante-dix et qui slargit jusqu nos jours malgr les tentatives de restructuration dela socit capitaliste. Les stratgies et les mesures politiques caractre no-liberal aussi auraientnormment contribu cette situation tant donn quelles ont renforc les amarres financiresqui ont trangl pour une part les conomies priphriques. Outre ces difficults, ces paysaffronteraient les limites cologiques du capitalisme. La relance du dveloppement dans un nouv