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DECISO

Vistos.

Cuida-se de reclamao constitucional, com pedido de liminar, do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS em face do JUIZO DE DIREITO DA 3 VARA CVEL DA COMARCA DE VILHENA/RO, cuja deciso teria afrontado a autoridade do Supremo Tribunal Federal e a eficcia do que decidido na ADI n 2.652/DF.

Na inicial, o reclamante alega que:

a) a ao subjacente j se encontra em fase de execuo, tendo sido intimado o procurador federal para cumprimento de deciso, sob pena de multa diria;

b) esse decisum revelar-se-ia contrrio ao que decidido na ADI no 2.652, que impede o sancionamento pessoal dos responsveis pela procuratura do interesse pblico em juzo, por supostos atentados Corte;

c) existe periculum in mora uma vez que esto sendo proferidas inmeras decises impondo aos representantes judiciais da Autarquia a obrigao de arcar com multas pessoais pelo descumprimento de deciso judicial;

d) a liminar deve ser deferida (...) para afastar a imposio da multa pessoal ao Representante Judicial do INSS nos feitos que tramitam na 3 Vara Cvel da Comarca de Vilhena (RO), eis que, nitidamente, as decises foram proferidas em completo descompasso com texto legal aplicvel (...)(fl. 24).

e) a reclamao deve ser julgada procedente.

A medida liminar foi deferida pelo ento relator, o saudoso Ministro Menezes Direito.

O Ministrio Pblico Federal emitiu parecer pela procedncia da reclamao.

o relatrio.

A) A DECISO RECLAMADA

O Juzo de Direito, em Carta Precatria, intimou o INSS, na pessoa de seu Procurador Federal, para no prazo de 24h (vinte e quatro horas) proceder ao cumprimento da sentena mandamental.

Transcrevo passagem do despacho, a fim de ilustrar o ponto de salincia da demanda:

(...) determino que no prazo de 24h, a partir da intimao, o INSS, na pessoa de seu procurador federal, pessoa fsica, proceda ao cumprimento da ordem sob pena de multa diria de R$ 100,00, incidente sobre seu prprio patrimnio (...) (fl. 36).

ntido que o ponto central da reclamao coincide o que decidido no paradigma apontado, a saber, a aplicabilidade de multa ao advogado pblico, por aparente violao de deveres de lealdade processual e de respeito Corte.

B) A INTERPRETAO DO STF E DA DOGMTICA SOBRE O ART.14, CPC

O Pretrio Excelso, no julgamento da ADI no 2.652/DF, Relator Min. Maurcio Corra, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2003, DJ 14/11/2003, p. 12, resolveu um grave problema hermenutico ao corrigir o lapsus calami do legislador na Reforma do Cdigo de Processo Civil, que pareceu instituir pena processual diretamente aos advogados. A redao da ementa da ao direta explicativa quanto a essa correo:

AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAO AO PARGRAFO NICO DO ARTIGO 14 DO CDIGO DE PROCESSO CIVIL, NA REDAO DADA PELA LEI 10358/2001. PROCEDNCIA DO PEDIDO.

1. Impugnao ao pargrafo nico do artigo 14 do Cdigo de Processo Civil, na parte em que ressalva os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB da imposio de multa por obstruo Justia. Discriminao em relao aos advogados vinculados a entes estatais, que esto submetidos a regime estatutrio prprio da entidade. Violao ao princpio da isonomia e ao da inviolabilidade no exerccio da profisso. Interpretao adequada, para afastar o injustificado discrmen.

2. Ao Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para, sem reduo de texto, dar interpretao ao pargrafo nico do artigo 14 do Cdigo de Processo Civil conforme a Constituio Federal e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcana todos os advogados, com esse ttulo atuando em juzo, independentemente de estarem sujeitos tambm a outros regimes jurdicos.

A doutrina unssona na interpretao de que a previso do art.14, CPC, no se aplica aos advogados que esto sujeitos apenas s regras do Estatuto da Advocacia (BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Art.14. In. MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Cdigo de Processo Civil interpretado. 3 ed. rev. atual. So Paulo: Atlas, 2008. p.55). Idem: WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentrios 2 fase da reforma do Cdigo de Processo Civil : Lei 10.352, de 26.12.2001, Lei 10.358, de 27.12.2001. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.33).

De modo mais extenso, colha-se o magistrio de Araken de Assis:

Por outro lado, o art. 14, V, parrafo nico, do CPC generalizou a sano por contempt of court. De fato, previu a imposio de multa no caso de descumprimento dos provimentos mandamentais, de modo similar ao que acontece com a injunction norte-americana, sancionando, alm disto, a criao de embaraos efetivao dos provimentos judiciais, de natureza antecipatria ou final. Podem ser sujeitos passivos da multa as partes e todos aqueles que de qualquer forma participam do processo (art. 14, caput, do CPC). Ficam alheios punio, porm, como da tradio do direito ptrio, os advogados, cujo controle disciplinar incumbe Ordem dos Advogados, inferindo-se tal exceo da clusula inicial do pargrafo nico do art. 14 do CPC. (ASSIS, Araken de. O contempt of court no direito brasileiro. Revista de Processo, v.28, n.111, p.18-37, jul./set., 2003.)

Em anotaes profundamente bem lanadas, Jos Roberto Cruz e Tucci adverte que:

Insta anotar, destarte, que o advogado ou advogados de um dos litigantes no podero ser atingidos pela sano a preconizada. No obstante, o juiz poder entender serem eles responsveis pelo descumprimento dos provimentos mandamentais ou pelo entrave colocado efetivao de deciso de natureza antecipatria ou final.

Machado Guimares, exortando os juzes para a sobriedade no trato com os advogados, aconselha evitar qualquer espcie explcita de censura na fundamentao dos atos decisrios. A falta profissional grave, inclusive aquela passvel de ser emoldurada nos quadrantes do novo art. 14, quando detectada pelo magistrado, deve ser comunicada Ordem dos Advogados do Brasil para as devidas providncias. (Represso ao dolo processual : o novo art.14 do CPC. Revista dos Tribunais, So Paulo, v.91, n.798, p.65-77, abr., 2002.).

O art. 14 do CPC, trata-se, por conseguinte, de dispositivo cujo alcance no s foi delimitado pelo STF na mencionada ao direta, como tambm j era objeto de estabelecida leitura dogmtica, subscrita por grandes nomes da Cincia do Direito Processual, quanto impossibilidade de se fixar pena processual aos advogados, pblicos ou privados, por contempt of court.

C) PRESSUPOSTOS DA RECLAMAO

No h necessidade de dilao do incidente. Os elementos contidos nos autos so bastantes compreenso da controvrsia e necessidade de se resguardar a autoridade e a eficcia do que deliberado pela Corte na ADI no 2.652/DF.

O processo est em fase de execuo, a medida foi utilizada como meio ltimo e no com sucedneo recursal, h emergncia na retificao do ato judicial.

Ademais, a tese ora debatida objeto de consagrao na jurisprudncia do STF:

RECLAMAO. PROCURADOR FEDERAL. MULTA PESSOAL. SANO DISCIPLINAR. DESCUMPRIMENTO DA AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 2.652/DF.

1. Os procuradores federais esto includos na ressalva do pargrafo nico do art. 14 do Cdigo de Processo Civil, no sendo possvel, assim, fixar-lhes multa em razo de descumprimento do dever disposto no art. 14, inc. V, do Cdigo de Processo Civil.

2. Sem discutir o acerto ou desacerto da condenao por litigncia de m-f - prevista no art. 17, inc. V, do Cdigo de Processo Civil -, imposta pela autoridade reclamada, tem-se que a condenao pessoal do Procurador do Instituto Nacional do Seguro Social ao pagamento de multa processual inadequada porque, no caso vertente, ele no figura como parte ou interveniente na Ao.

3. Reclamao julgada procedente (Rcl n 5.133/MG, Tribunal Pleno, Relatora a Ministra Crmen Lcia, DJe-157 de 21/8/09).

Trata-se de reclamao, com pedido de medida liminar, proposta pela Unio, contra deciso do Juzo da 4 Vara Federal da Seo Judiciria do Estado de Gois que, ao impor multa pessoal ao Advogado da Unio Jos Afonso de Albuquerque Netto, com fundamento no art. 14, V e pargrafo nico, teria afrontado o quanto decidido por esta Corte na ADI 2.652/DF, Rel. Min. Maurcio Corra.

Alega o reclamante que

parece evidente que a deciso do juzo reclamado ofendeu a autoridade da deciso dessa Suprema Corte, na medida em que determinou a incidncia do dispositivo (art. 14, pargrafo nico, do CPC) aos advogados da Unio, possibilidade essa j devidamente afastada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADI n 2.652.

Pugna, assim, pelo deferimento da liminar para suspender a aplicao da multa ao Advogado da Unio.

No mrito, requer a procedncia deste feito.

s fls. 101-103, o Min. Menezes Direito, ento Relator, deferiu a liminar.

O Juzo reclamado prestou informaes s fls. 111-133.

A Procuradoria-Geral da Repblica manifestou-se pela procedncia desta reclamao (fls. 148-152).

Os autos, aps redistribuio em razo da declarao de impedimento do Min. Dias Toffoli, vieram-me conclusos.

o relatrio.

Passo a decidir.

Bem examinados os autos, entendo que a pretenso merece acolhida.

Esta reclamao utiliza como paradigma a deciso deste Tribunal proferida na ADI 2.652/DF, Rel. Min. Maurcio Corra, que porta a seguinte ementa:

AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAO AO PARGRAFO NICO DO ARTIGO 14 DO CDIGO DE PROCESSO CIVIL, NA REDAO DADA PELA LEI 10358/2001. PROCEDNCIA DO PEDIDO. 1. Impugnao ao pargrafo nico do artigo 14 do Cdigo de Processo Civil, na parte em que ressalva os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB da imposio de multa por obstruo Justia. Discriminao em relao aos advogados vinculados a entes estatais, que esto submetidos a regime estatutrio prprio da entidade. Violao ao princpio da isonomia e ao da inviolabilidade no exerccio da profisso. Interpretao adequada, para afastar o injustificado discrmen.

2. Ao Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para, sem reduo de texto, dar interpretao ao pargrafo nico do artigo 14 do Cdigo de Processo Civil conforme a Constituio Federal e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcana todos os advogados, com esse ttulo atuando em juzo, independentemente de estarem sujeitos tambm a outros regimes jurdicos.

Referida deciso, verifica-se, deu interpretao conforme ao pargrafo nico do art. 14 do Cdigo de Processo Civil, para determinar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcana todos os advogados, com esse ttulo atuando em juzo, independentemente de estarem sujeitos tambm a outros regimes jurdicos.

O pargrafo nico do art. 14 do CPC determina a aplicao de multa, por ato atentatrio ao exerccio da jurisdio, no caso de violao ao inciso V do citado artigo, verbis:

Art. 14. So deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

(...)

V - cumprir com exatido os provimentos mandamentais e no criar embaraos efetivao de provimentos judiciais, de natureza antecipatria ou final.

Pargrafo nico. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violao do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatrio ao exerccio da jurisdio, podendo o juiz, sem prejuzo das sanes criminais, civis e processuais cabveis, aplicar ao responsvel multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e no superior a vinte por cento do valor da causa; no sendo paga no prazo estabelecido, contado do trnsito em julgado da deciso final da causa, a multa ser inscrita sempre como dvida ativa da Unio ou do Estado (grifei).

O Juzo reclamado aplicou a multa prevista no citado pargrafo nico do art. 14 do CPC a pessoa do Advogado da Unio, sob o argumento de que

aos 02/03/2009, a Unio, atravs da petio de fl. 230 (AO), apresentou em juzo o documento de fls. 232/245 (AO) firmado pelo Advogado da Unio Dr. Jos Affonso de Albuquerque Netto, na condio de Assessor Jurdico do Ministrio da Sade, no qual informa o CNPJ do Fundo Nacional de Sade para a realizao do bloqueio de verbas.

imperioso esclarecer que o Advogado da Unio Jos de Albuquerque Netto no atuou ou atua na Ao Ordinria em referncia a esse ttulo. Sua atuao deu-se no mbito administrativo, pois, na condio de Assessor Jurdico lotado na Consultoria Jurdica do Ministrio informou o CNPJ ao Advogado da Unio Nilson Pimenta Naves, este sim atuante no feito nessa condio e lotado na Procuradoria da Unio do Estado de Gois.

Ora, tal fundamento no merece prosperar. Isso porque a atuao daquele membro da AGU, na condio de Assessor Jurdico, lotado na Consultoria Jurdica do Ministrio da Sade, como Advogado da Unio.

Corrobora, nesse sentido, o art. 1 da Lei 8.906/1994, que dispe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil OAB, verbis:

Art. 1 So atividades privativas de advocacia:

I a postulao a qualquer rgo do Poder Judicirio e aos juizados especiais;

II as atividades de consultoria, assessoria e direo jurdicas (grifei).

Assim, a atividade de Assessor no Ministrio da Sade privativa de advogado, sendo, portanto, vedada a aplicao da multa prevista no art. 14, pargrafo nico, do CPC, nos termos da ADI 2.652/DF, Rel. Min. Maurcio Corra.

Isso posto, julgo procedente esta reclamao para afastar a multa aplicada.

Publique-se.

Braslia, 1 de dezembro de 2009.

Ministro RICARDO LEWANDOWSKI

-Relator- (Rcl n 7.944/GO, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, ,DJe-230 de 9/12/09).

D) DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo procedente a reclamao e declaro nula a parte da deciso que imps ao procurador federal a pena processual por contempt of court, em desrespeito autoridade de deciso do STF.

Publique-se.

Braslia, 2 de maio de 2011.

Ministro Dias Toffoli

Relator

Documento assinado digitalmente