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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal Superior
MULTIPLICIDADES E PONTOS ESPECÍFICOS
DE UM SUBPROJETO DE ARTES VISUAIS
Texto elaborado para o livro Docência em artes visuais: relatos e experiências. Ijuí: Editora da Unijuí. 2012,
organizado por Marilda Oliveira de Oliveira. Foi simplificado para apresentação no I Encontro Nacional
PIBID/UNISINOS.
Paola Zordan
PIBID/UFRGS
“a arte nunca é o fim,
é apenas um instrumento
para traçar linhas de vida” 1
Entre a proliferação de possibilidades e um elenco de itens imprescindíveis no que se
configura um subprojeto de Artes Visuais dentro do Programa de Bolsas de Iniciação à
Docência da UFRGS, elencamos aqui algumas experiências e a algumas linhas
epistemológicas entrelaçadas nestas proposições. Por multiplicidade compreende-se a
distribuição rizomática, como explicam Deleuze e Guattari em sua obra conjunta Capitalismo
e Esquizofrenia, na qual traços de diversas natureza (estética, biológica, política, econômica)
seguem um princípio de conexão entre si paralelamente ao caráter heterogêneo e singular de
cada traçado (1995, p.15). Esses traços constituem um estado de coisas efetivo e ao mesmo
tempo exprimem as linhas abstratas do pensamento. É o corte que o pensamento faz nos
estados de coisas que a ele se apresentam que denota a forma de se conceber um projeto.
Projeto jamais apartado de práticas intrínsecas às concepções do pensamento que o projeta.
Sem nenhuma introdução teórica à cartografia esquizoanalítica, em suas pesquisas e
idas e vindas às escolas participantes, os bolsistas do subprojeto PIBID ART VIS/UFRGS,
efetivam a pop`análise de que na concepção “geológica” de Deleuze e Guattari configura o
pensar, não ao modo dos filósofos e sim das maneiras encontradas pelos povos (Zordan, 2006),
junto a uma práxis estratificada institucionalmente. Na instituição escolar acontece o que
1 Deleuze; Guattari, 1996, p.57.
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estamos estruturando, em âmbito nacional, como Iniciação à Docência. Na UFRGS, as escolas
nas quais o PIBID é desenvolvido são todas de âmbito estadual, em função de convênio
assinado com a Secretaria de Educação. O subprojeto específico de Artes Visuais, em sua
primeira edição, contemplado no edital 2011 e com vigência entre agosto de 2011 a julho de
2013, privilegia escolas localizadas no Centro Histórico da cidade de Porto Alegre,
envolvendo pesquisas sobre a estética urbana contemporânea nos bairros Centro, Cidade
Baixa, Independência e Bom Fim, ainda que não se restrinja a esses locais e seus moradores e
sim ao que os alunos, oriundos de todas as regiões da cidade, aprendem com o entorno e o
patrimônio artístico e cultural das escolas que frequentam. Na prática, e nas palavras
necessariamente comunicativas exigidas na redação do subprojeto, essa pop´filosofia, ou
esquizoanálise da realidade experimentada pelo licenciando (o qual na maior parte das vezes
tem seu primeiro contato com a escola a partir do PIBID), se traduz em “coleta de dados”.
Estes “dados” implicam na construção do perfil dos alunos, observações das aulas que
acontecem nas escolas, descrições do contexto institucional, pesquisas sobre a história da
escola e sua importância para o bairro, tudo isso fazendo conexões entre a paisagem social,
urbana e os “universos de referência” (Guattari, 1998, p.15,p.29) encontrados. A palavra
corrente para esse tipo de movimentação é mapeamento, sendo que por iniciativa própria os
próprios bolsistas criam seus instrumentos para fazer essa análise: coleta de dados simples
(bairro de moradia, profissão dos pais, relação idade-série), questionários a serem aplicados
em sala de aula, registros fotográficos, entrevistas com professores, equipe administrativa e
funcionários, diários de bordo, relatos orais nas reuniões semanais do grupo, entre outras
possibilidades. O apre (e)ndido no primeiro semestre dos quatro que constituem a efetivação
de um projeto institucional balizará as ações e intervenções que o Programa opera nas
instituições onde acontece. Isto não exclui participação em eventos escolares e projetos,
preferencialmente os das professoras supervisoras, encontrados em andamento, principalmente
porque o projeto iniciou na metade do ano letivo. Fato é que tanto oficinas específicas como
interdisciplinares, oferecidas em diferentes formatos, são planejadas e executadas a partir
dessa análise, que inclui, obrigatoriamente, o trabalho da professora que acompanha os
bolsistas na escola. A partir disso, vários modelos de oferecimento de oficinas podem
funcionar: 1) regularmente durante o período letivo, em horários fixos no contraturno das
aulas, 2) breves intervenções nas aulas regulares, 3) workshops de curta duração, meio turno,
um dia, uma semana, além de outras modalidades passíveis de serem inventadas.
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Já no primeiro semestre do andamento do subprojeto os alunos o apresentaram em
eventos, como o Salão UFRGS, na modalidade Ensino e em um Colóquio Nacional. Para o
Salão de Ensino, além de um trabalho sobre a experiência de mediação em uma grande mostra
bienal, foram organizadas apresentações por escolas, a fim de mostrarmos o modo como o
subprojeto articula suas metas aos mapeado nas escolas. Em função do projeto recém estar
sendo implantado os resumos foram elaborados no primeiro mês de trabalho do PIBID,
remetendo ao estudo do próprio subprojeto. Estes textos, escritos coletivamente, envolveram
muitas correções, sendo que o trabalho de aprimorar a expressão escrita dos licenciandos é
vital. As apresentações de slides também demandaram mais de um ensaio para ganharem
excelência, sendo a desenvoltura retórica essencial para um docente. Estas foram as primeiras
apresentações públicas dentro do PIBID e primeira apresentação oral pública na vida da
maioria dos bolsistas. Aconteceram dois meses após a elaboração dos resumos, de modo que
trouxeram uma contextualização mais acurada sobre as escolas e as ações previstas no
subprojeto, sendo os aspectos metodológicos em relação ao trabalho nas instituições
educacionais um ponto sobre qual uma análise exige do bolsista maior conhecimento sobre os
fundamentos epistemológicos dos métodos observados.
Ao prever o desenvolvimento de projetos pedagógicos de âmbito gráfico, pictórico,
plástico e visual em sala de aula e espaços de educação continuada (oficinas específicas), um
projeto só atingirá suas metas envolvendo a comunidade escolar. Sem um estudo das linhas que
constituem as forças e interesses desta comunidade as volições que levam à realização não
terão potência suficiente para movimentar aquilo que foi projetado. Ao projetarmos metas para
uma instituição a qual ainda não estamos inseridos, a tendência é nos balizarmos no que é mais
evidente. No caso das Artes Visuais pautamos as obras monumentais de relevância histórica em
contraste com as intervenções contemporâneas de artistas legitimados ou não, consagrados ou
não, assim como de anônimos, que podem ser tanto oriundo de gangues, solitários que marcam
seus traços no patrimônio ou mesmo coletivos de artistas independentes. Ao entrarmos na
instituição suas linhas passam a atravessar os nossos corpos, de modo que elementos menores
começam a ser evidenciados, nos levando a traçados não previstos, ainda que abarquem as
generalizações lançadas como metas.
Embora seja recomendável não perder as metas de vista, é preciso se concentrar no
momento presente a fim de que possamos lidar com aquilo que efetivamente se apresenta para
nós. Nem tudo que se presentifica demanda estudos e intervenções, porém, aquilo que é
notável, digno de nota dentro do processo analítico que envolve apresentações lidas e
institucionais. Ao se apresentar como “um sistema organizado de meios” (Deleuze, 2006, p.29),
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as instituições são criadas para garantir as necessidades socialmente calcadas sobre os homens.
O que é instituído só o é porque de alguma forma é útil a um corpo social. A utilidade de um
projeto, portanto, implica na análise das condições em que determinadas necessidades emergem
dentro daquilo que tanto suas metas quanto ao corpo social implicado em sua elaboração
institui. São as metas que incitam a escolhas de algum tipo de método, compreendido como
traçado prévio e percorrido para atingir aquilo que baliza a realização de um projeto.
Ligação com a paisagem: o pesquisar infinitivo
As grandes metas do PIBID se pautam na valorização da carreira docente e no
aprimoramento da formação dos professores brasileiros. O Programa também visa que
profissionais com formação qualificada permaneçam na carreira docente. A vida nos mostra
que, depois das prisões e hospitais, a escola é a instituição em que as pessoas menos querem
estar. Contam-se os dias e as horas para que as atividades escolares acabem, lastima-se ser
obrigado a passar anos dentro dela, sendo comum que as pessoas tomem a escola como um
espaço de aborrecimentos e mortificações (Zordan, 2010; Zordan; Stahl, 2011). Quem a
freqüenta sabe o quanto é comum alunos e professores saírem correndo, encontrarem
subterfúgios para não se deter no que a principio a escola exigiria e relutarem muito a se
entregar de corpo e alma a esta instituição. O que se quer aprender raramente está na escola e o
mundo ensina de modos muito mais interessantes. Tornar a escola um lugar aprazível de se
viver, no qual as pessoas se envolvam apaixonadamente com as artes, as ciências e as técnicas
que justificam a existência deste tipo de instituição é a meta, ainda utópica, dos educadores que,
por razões misteriosas, não desistem dela. A premissa de que sem pesquisa ou pelo menos um
espírito pesquisador que vá atrás daquilo que não se sabe, não há qualidade de ensino também
pauta aqueles que buscam o resgate do gosto pelas atividades escolares. Entretanto, um ensino
de qualidade e uma aprendizagem que potencialize as experiências vividas dentro da escola
pressupõem o traçado de projetos que respondam a elementos da paisagem existencial dos
envolvidos. É neste sentido que o PIBID está implicado com formação de professores
pesquisadores, que se embrenhem em busca de maior compreensão da vida de seus alunos, da
matéria que escolheram para lecionar e daquilo que as coordenadas de espaço e de tempo, pelas
quais a realidade encontrada se define, demandam.
Um rápido rastreamento da produção e dos subprojetos PIBID no campo das Artes
Visuais atesta, via o que encontramos publicado de forma não acadêmica na web, que há uma
tendência dos subprojetos de Artes visuais atualmente em andamento contemplarem a
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diversidade, buscarem diálogo com o contemporâneo e, no caso dos projetos da FURG e da
UFSM encontramos uma atenção especial as intervenções no espaço público, ao patrimônio
arquitetônico e a vivência estética do urbano. O subprojeto da UFRGS em andamento escolheu
o Centro Estadual de Formação Gen. Flores da Cunha (antigo Instituto de Educação) devido a
possibilidade de pesquisar e resguardar o patrimônio artístico que o prédio contém, com vistas
a desenvolver uma política escolar de preservação e valorização do patrimônio também nos
monumentos arquitetônicos vizinhos, como o Parque Farroupilha, a Praça São Sebastião, a
Igreja N.S. da Conceição, a Capela do Bom Fim, os prédios antigos do Campus Central da
Universidade Federal, o Colégio Militar e aos monumentos do Parque Farroupilha. A
instituição também possui um Curso de Magistério de nível Médio, sendo que inicialmente o
subprojeto intencionou em contribuir com a formação cultural e artística das futuras professoras
das Séries Iniciais, o que, por motivos de direcionamento da equipe a outros segmentos de
alunos, não ocorreu. Sem sair dos interesses do traçado inicialmente previsto, em função dos
critérios em relação à escolha do professor supervisor ligado ao subprojeto, a Escola Estadual
de Ensino Fundamental Rio de Janeiro, também próxima ao Campus original da Universidade,
entrou como a segunda instituição onde nosso subprojeto de Artes Visuais se desenvolve.
Criada em 1936, antigo Quarto Grupo Escolar do Estado, a escola faz parte da história do
bairro Cidade Baixa, outrora arrabalde, zona onde se concentravam as minorias étnicas e
econômicas da cidade de Porto Alegre até o início do século XX, o que possibilitou que o
subprojeto estendesse suas intenções também a este contexto. O resgate da cultura
afrodescendente dispara na bolsista Zaíra Mendes estudos sobre a origem do samba e o
carnaval na cidade, enquanto a ênfase na prática de se tomar chimarrão leva a bolsista
Guadalupe Raush a pesquisar sobre obras que tenham o chimarrão e a cultura indígenas. As
fachadas das casas nos leva a pensar os ornamentos que outrora faziam distinção entre classes
sociais enquanto os stickers e outras intervenções anônimas atualmente existentes no bairro a
pensar o terrorismo poética, a ação de coletivos artísticos e outras manifestações
contemporâneas. A diversidade sexual é outro ponto de interesse, não apenas pela militância de
uma de suas supervisoras, Marina (Mário) Reidel, professora de artes da Escola Rio de Janeiro
e presidente da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA), mas pelos bairros
Bom Fim e Cidade Baixa serem espaços tradicionais de encontros de vanguardas e resistência à
modos de vida hegemônicos.
Considerando que “as próprias balizas estão em movimento. Só há pontos fixos por
comodidade de linguagem” (Deleuze e Guattari, 1995, p.63), as articulações entre o patrimônio
artístico local à obras de arte contemporâneas previstas pelo subprojeto vão desacomodando o
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intencionado previamente. A pesquisa sobre as telas históricas de Augusto Luiz de Freitas e
Lucílio Albuquerque, as maiores de todos o estado do Rio Grande do Sul, existentes nos
interiores do Centro Estadual de Formação Gen. Flores da Cunha, dispara outros temas, assim
como a arquitetura neoclássica do prédio e dos monumentos próximos à escola. Embora em
todos os casos a meta seja valorizar, divulgar e educar a comunidade quanto a importância da
preservação do patrimônio público, não apenas o histórico como o contemporâneo, o
movimento de busca em relação a outros pontos disparados pela convivência e ênfase nestes
monumentos vai incidindo no planejamento de oficinas e projetos a serem desenvolvidos em
sala de aula. Tanto na escola “menor” de bairro, a Rio de Janeiro como na escola “maior”,
central e vizinha da Reitoria da UFRGS, a qual antes era denominada Instituto de Educação e
ainda assim é chamada, os licenciandos acabam pesquisando temas relacionados, não
especificados no subprojeto, ligados a sua subjetividade e preferências. Um exemplo é a tela de
Augusto Luiz de Freitas, Chegada dos Casais Açorianos, de 1923, que suscita na bolsista Nora
Elvira, nascida em outro país o tema imigração, ao invés do início do povoado que deu origem
a cidade ....... As colunas neoclássicas do prédio desta, que é considerada a mais importante
instituição do Estado na formação de gerações e gerações de professores, leva a uma pesquisa
sobre as políticas que fundam o estado do Rio Grande do Sul, em especial a corrente de
pensamento positivista, sendo que o templo positivista existente nas proximidades do Parque
Farroupilha, entre os bairros onde o subprojeto acontece, também se torna um monumento de
interesse na pesquisa da aluna Aline Zydek. A escolha de um chafariz dentro do parque pela
bolsista Fabiana Branchina implica estudos sobre a Missão Francesa, o padrão de urbanização
idealizado, envolvendo o projeto de paisagismo da Redenção, transformada em Parque
Farroupilha por ocasião do centenário da “revolução”. Estas e outras pesquisas são desdobradas
na criação de material pedagógico a ser utilizado em sala de aula e nas próprias oficinas do
PIBID, sendo o objetivo mais concreto de nosso subprojeto a elaboração de um banco de
imagem.
Na primeira edição do PIBID\UFRGS, que vigorou de abril de 2009 a abril de 2011 o
subprojeto original elaborado em 2007 foi modificado para compor um projeto interdisciplinar
com o da Licenciatura em Letras, sendo que a meta de produção de um banco de imagens que
auxiliasse a fruição de arte nas escolas permaneceu dentro desta composição. Observamos, não
apenas nas atividades do PIBID como na supervisão de Estágios Docentes obrigatórios, que as
práticas de artes nas escolas, com o intuito de seguirem o “certo” e fazerem “releituras”
(Zordan, 2011a), envolvem constantemente o uso imagens, mas estas, principalmente nas
escolas estaduais, se apresentam impróprias para o trabalho numa sala de aula e em turmas com
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mais de dez alunos, tanto tamanho reduzido quanto pela qualidade das reproduções. Desse
modo, o primeiro banco de imagens, Olhar, pensar, aprender, foi elaborado por quatro
bolsistas, que se propuseram a criar pranchas em torno dos assuntos trabalhados pelas
professoras e por projetos das três escolas onde a equipe de Artes Visuais atuou nessa primeira
edição do Programa. Este possui doze imagens equivalentes ao padrão de papel A3
acondicionadas num envelope acartonado e impressas em alta resolução, plastificadas. No
verso de cada imagem outras imagens e os textos elaborados pelas bolsistas trazem dados
relevantes para sua compreensão, como a contextualização de tendências e perguntas. A
curadoria dessas imagens (Martins, 2005) se reduziu a temas correntes e alguns clichês do
trabalho com arte nas escolas, como as releituras da Mona Lisa de Leonardo Da Vinci. Outro
tema seguidamente encontrado nos últimos anos e que constam no material elaborado é a arte
de rua quase restrita às manifestações chamadas grafite, pesquisada por quase todas as
bolsistas, sendo que a elaboração final da prancha, que traz uma imagem de Keith Haring,
acabou por reduzir a diversidade de material escrito. Artistas brancos e europeus de renome
como Monet, Van Gogh e Picasso, em função da recorrente menção nas escolas ao longo do
projeto, também foram pesquisados, sendo que a prancha sobre O acrobata de Picasso, em
função da baixa qualidade da imagem disponível foi trocada por figuras que expressam o
atletismo dos corpos com uma pintura de Francis Bacon. Jackson Pollock também foi um
artista trabalhado por uma das professoras observada na primeira edição do PIBID, sendo que
uma das pranchas, elaborada por Simone Rodrigues, traz uma de suas pinturas e a
contextualização da action paint. Três pranchas se configuraram junto a um projeto que
intencionava, em conjunto com o subprojeto de Biologia, a criação de paisagismo produtivo em
terreno na Escola Estadual de Ensino Fundamental Padre Balduíno Rambo, que atende crianças
desfavorecidas socialmente. A ação acabou se configurando uma horta e um pomar, mas as
pesquisas da bolsista Ana Luiza Boeck, envolvida nesse projeto, produziram uma prancha
sobre paisagismo e projetos para espaço com Burle Max, sendo a única imagem passível de
reprodução o mosaico de pedras do calçadão de Ipanema no Rio de Janeiro, uma prancha sobre
ilustração botânica, com informações sobre o trabalho de Margareth Mee e reprodução de uma
das flores de Georgia o´Keffe e uma prancha com um dos retratos heteróclitos de Giuseppe
Arcimboldo, em função de dinâmicas com auto-retrato e história de vida que aconteciam, na
mesma escola, junto às oficinas de Letras. A bolsista Polen Sato Pinheiro trouxe assuntos
ligados a seus projetos de estágio docentes e temas contemporâneos, os quais que desenvolve
como participante de pesquisa na linha da Filosofia da Diferença, desenvolvida em
concomitância com o PIBID: toy art e body art. Uma prancha sobre Regina Silveira também
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foi produzida, ao passo que a de Frida Kahlo, embora tivesse elementos interessantes, não foi
finalizada em razão de repetir elementos, como o retrato, o modernismo e a pintura, já
elencados em outras pranchas. O material sobre os penetráveis de Helio Oiticica, que visava
introduzir o conceito de instalação, foi entregue a partir de textos já existentes na internet, o que
impossibilitou a edição da prancha. Em função de aparecerem textos colados, de ter sido
detectada disparidade de trabalho e envolvimento entre bolsistas e de uma delas se abster do
trabalho em função do término do recebimento da bolsa (sendo que as demais permaneceram
compromissadas até todas as metas terem sido cumpridas), o novo banco de imagens terá cada
uma das pranchas assinada pelo bolsista que pesquisou o tema e operou a curadoria tanto da
imagem principal quanto das imagens que se compõem com os textos explicativos, que
contextualizam artistas, movimentos e épocas.
Cada imagem reproduzida em prancha pode ser um instigante disparador, em outras
palavras, “a força motriz que dá a potência do desenvolvimento de uma pesquisa” (Zordan,
2011b). A imagem de um material pedagógico como este é muito mais uma janela para
adentrar em perspectivas ainda não pensadas do que uma imposição visual a ser reproduzida.
Os textos e imagens menores que compõem o verso da prancha procuram não ser informativos
e sim instigantes, de modo que, ao se deparar com eles, tantos os alunos como os professores
que estejam em face ao material sintam vontade de saber mais. O que é contextualizado tanto
pela escrita como pelas imagens reproduzidas visualmente alavanca aquilo que o material em si
tenta disparar. O que se quer é “uma nova maneira de olhar aos transcorreres de uma vida”,
sendo a imagem a disparar questões, indagações, investigações e outras ações em torno de algo
que “mobiliza o desejo, cria a vontade para todo um trabalho” (Zordan, 2011b).
A fim de cumprir com um dos compromissos sociais assumidos pela Universidade junto ao
PIBID, o subprojeto de Artes Visuais ofereceu, já no primeiro semestre da nova edição, a
oficina Uso de imagens em sala de aula no I Encontro de Formação Continuada PIBID-
UFRGS / SEC-RS. O objetivo dessa ação era apresentar e qualificar os professores para o
trabalho com bancos de imagens impressas, partindo da constatação que a imagem impressa
com boa impressão em material resistente e durável é o recurso mais acessível a ser usado em
sala de aula, pois independe de infraestrutura física e equipamentos eletrônicos de reprodução.
Para que os participantes, licenciandos e as professoras da rede, compreendessem as
multiplicidades intrincadas no uso de imagens como recurso pedagógico, a sala de artes da
Faculdade de Educação da UFRGS foi organizada de modo a expor centenas de folders de
exposições, os materiais educativos da segunda, quarta, sexta e sétima Bienais do Mercosul,
materiais educativos de três mostras do Santander Cultural, o kit arte.br elaborado junto ao
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Instituto Arte na escola, o material pedagógico da última Bienal de São Paulo, um banco de
imagens constituído por quatrocentas e vinte e oito pranchas a partir de recortes de revistas e
jornais, que constitui material elaborado de forma caseira para aulas de artes. Também foi
exposto o banco de imagens do PIBID e todas as fotocópias de obras de arte utilizadas em
oficinas já executadas pelas Artes Visuais no PIBID/UFRGS. Esse arsenal de imagens foi
mostrado pouco a pouco, exemplificando procedimentos pedagógicos que tanto demandaram
reprodução de determinadas imagens como projetos e trabalhos que foram disparados por
imagens existentes em um ou outro material específico. Questionando os participantes sobre
por que utilizamos imagens em aulas de artes, parte-se para uma breve explanação a partir do
que Fernando Hernández traz como “racionalidades do Ensino de Artes” (2006, p.43-46) a fim
de elucidar os paradigmas e discursos que embasam esta prática. Articulando respostas obtidas
entre os participantes foram apresentadas grandes paradigmas do ensino das artes (Zordan,
2010b), dando ênfase no papel da imagem em procedimentos pedagógicos (Zordan, 2011a).
Estes incluem as orientações classicistas de cópia e desenho com modelo, sua crítica na
chamada “livre expressão”, de cunho modernista, que aboliu qualquer referencial imagético e a
Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa, em sua inspiração antropofágica e aberta a outros
referenciais que não os da arte erudita de cunho enciclopédico. Sem aprofundamentos,
conceituações do que vem a ser uma imagem foram abordadas, no intuito de ampliar a
percepção de imagem para além das reproduções bidimensionais e sim também poder trabalhar
com a imagem inserida na paisagem cotidiana. Imagens eletrônicas e imagens em movimento
também foram mencionadas, mas o trabalho se centrou na imagem impressa em função desta
ser o veículo mais fácil para se trabalhar em sala de aula.
Junto ao manuseio do extenso material exposto foram abordados tipos de imagem de
acordo com sua pertinência para serem trabalhadas nas escolas, meios de obtenção de cópias e
organização de um banco de imagens pessoal, o qual todo professor de Artes Visuais pode ter.
Elementos práticos como o tamanho adequado de uma reprodução para que seja visualizada
satisfatoriamente em diversos espaços, a posição no ambiente da sala de aula e maneiras de
expor e fixar pranchas foram observados. Possíveis dinâmicas com imagens foram citadas,
sempre em conexão de que toda e qualquer dinâmica pedagógica somente possuirá sentido
quando inserida num projeto mais amplo.
Seguindo as acepções de Miriam Celeste Martins, uma atividade de curadoria foi proposta,
a fim de que os participantes selecionassem imagens para um suposto projeto a ser
desenvolvido em suas escolas, justificando a escolha e já pensando em como aquelas imagens
se articulariam à atividades em sala de aula. Uma imagem do banco elaborado
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pelo PIBID deveria estar entre as escolhidas. Com apenas duas pessoas no turno da manhã essa
dinâmica ficou restrita à uma análise bastante genérica de possibilidades, sendo que cada
imagem escolhida era contextualizada em um tipo de projeto específico, já executado pelas
duas professoras presentes, tanto a participante como a ministrante. No turno da tarde, com
mais participantes, foram apresentados quatro trabalhos cujos temas foram os bairros Bom Fim
e Cidade Baixa e sua vida noturna (grupo que teve como narradora a professora Elis Dockhorn
do C.E.F.P Gen, Flores da Cunha, o corpo (grupo da professora Marina Reidel da E.E.E.F. Rio
de Janeiro), a Figura Humana e a Cidade (grupo que trabalhou junto a professora da E.E.
Candido Portinari) e o lixo (grupo da E.E. Presidente Roosevelt, cujo projeto em torno do tema
a professora já desenvolveu). Apesar do escasso número de participantes (frustrando a
expectativa de pelo menos quinze a cada turno) e da necessidade das professoras supervisoras
saírem antes da hora planejada para o término (com as justificativas de ter que voltar a escola
para fechar o trabalho deixado com os alunos e a outra ir a uma banca), o que impossibiltou em
parte uma conclusão onde todas as proposições temáticas e possibilidades de trabalho efetivo
em sala de aula pudessem ser articuladas por todos participantes, a oficina atingiu seu objetivo,
principalmente em relação a formação dos bolsistas. Estes, que ficaram em ambos os turnos
até o final , ressaltaram o que aprenderam e o quanto a oficina foi importante inclusive para
pensarem melhor a pesquisa de suas pranchas no banco de imagens em elaboração. A partir
deste material e do desenvolvimento de projetos junto as escolas onde o subprojeto atua é que
poderemos avaliar a efetividade desta atividade de formação. As demais professoras, ao
receberem o banco de imagens em suas escolas dialogam com os bolsistas agendados para a
visita a fim de que seu planejamento possa ser apreciado e analisado junto ao que construímos
na formação. Uma avaliação mais precisa das reverberações poderá ser elaborada nesse retorno.
Arte e fruição: obras, temas e materiais disparadores
Os temas que surgiram nessa primeira formação propulsionam as pesquisas que se
desenvolvem no banco de imagens, cuja edição pretende acontecer junto à execução das
oficinas que envolvem o centro de interesse de nosso subprojeto. Além do que já foi
mencionado também está sendo elaborada pelo bolsista Charles Kray uma pesquisa em torno
da ressignificação da memória, contextualizando os objetos do Brique da Redenção, que
acontece todos os domingos na margem do parque, com animação teatral de objetos. Amarílis
Barcellos está pesquisando as fachadas das casas antigas da Cidade Baixa, o que a leva a
estudar o ecletismo arquitetônico no século XIX e talvez alguns símbolos de heráldica.
Intervenções urbanas e anônimas, especialmente as incidências observadas na Cidade Baixa são
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o tema da prancha elaborada por Taís Fanfa, enquanto intervenções e instalações em espaços
urbanos e institucionais com autoria, usando a técnica de papier machê, são o tema escolhido
por Simone Rodrigues, bolsista desde a primeira edição do PIBID, que irá explorar os usos
civilizatórios e artísticos do papel, recurso expressivo fundamental, em sua prancha. Por fim, a
tolerância religiosa, inspirada no multiculturalismo existente no Bom Fim, território da
imigração judaica onde proliferam espaços que vão desde o primeiro templo hare krishna da
cidade (década 1980) até espaços dedicados ao budismo, ao reiki e práticas esotéricas diversas,
é o tema da complexa curadoria que envolve a prancha da bolsista Raquel Orio.
A viabilização desse material envolve visita à Museus, entrevistas, estudos individuais
e formação de banco de dados relativos à obras históricas locais. A partir da sistematização
dos dados obtidos um croqui de cada prancha, já com a definição da imagem principal,
excertos de textos e imagens para o verso, esboça como esta ficará após formatação final. Por
fim, será contratado profissional para captação de obras e monumentos. Como resultado das
pesquisas o que cada prancha apresentará é apenas a síntese do que cada um elaborou em sua
pesquisa sobre o tema escolhido ou sugerido pelo que a paisagem e os povos que nela se
movimentam apresentam. Embora o material esteja destinado ao trabalho efetivamente
pedagógico, a pesquisa que envolve sua feitura qualifica o futuro docente ou mesmo o docente
efetivo (como a prancha elaborada pelas professoras supervisoras participantes do projeto) no
que diz respeito a buscar elementos no traçado de seu planejamento. A meta, ainda que não
específica ao subprojeto e sim referente a toda educação da contemporaneidade, é a formação
de professores pesquisadores na Educação Básica.
Sendo uma das metas do subprojeto a mediação e a fruição de obras de arte, como os
quadros históricos da escola Gen.Flores da Cunha, esta se complementa com a valorização do
fazer artístico e com o estudo de contextos sócios culturais implicados na compreensão de
novas tecnologias, assim como da emergência de novos modo de ver e conceber a arte e
produções culturais diversas. Para tanto é importante que o trabalho não se restrinja apenas a
vivência do ambiente escolar e dialogue com ações educativas em Instituições Culturais da
cidade, não apenas para acessar seu arquivo e materiais pedagógicos, mas a fim de que o
PIBID se afirme não apenas no ensino formal junto a pesquisas como também em modo de
extensão. Extensão esta concebida junto a instituições que valorizem as Artes Visuais e a
levem ao grande público, como Fundação Bienal do Mercosul, Santander Cultural, Fundação
Iberê Camargo, Fundação Vera Chaves Barcellos, assim como as possíveis ações educativas
implantadas em Museus administrados pelo poder público.
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Tendo em vista a relevância do patrimônio cultural do entorno das escolas em que o
subprojeto atua, além do oferecimento de oficinas que envolvam atividades práticas, isto
acarreta estender os conhecimentos obtidos via pesquisa para a comunidade, de modo que uma
das atividades previstas é o estabelecimento de horários para mediar a fruição de obras e
monumentos, sendo, desse modo, necessária sua divulgação em várias mídias, a fim de
valorizar tanto o desenvolvimento do PIBID como os monumentos e obras em pauta.
Para cumprir com a meta de propagar o que desenvolveu, o PIBID se legitima perante a
comunidade acadêmica divulgando seu trabalho em eventos científicos e em apresentações no
Salão da própria Universidade. Ressaltamos que embora o PIBID esteja em andamento desde
2007, sendo que a primeira edição do programa iniciou em 2009, não houve em 2011, no Salão
de Ensino UFRGS, a modalidade PIBID nas inscrições, ficando a única possibilidade, entre
TCC´s, Estágios, PET, a categoria “atividades práticas”. O fato de não haver uma avaliação de
júri específico, destaques e premiações e de não existir, neste tipo de atividade, as certificações
e a relevância dadas à Iniciação Científica, reforça o preconceito de que a docência é menos
importante, menos valorizada e menos rigorosa em seu desenvolvimento epistêmico. Desse
modo, sugere-se, nas próximas edições, maior legitimação dos trabalhos ligados à Iniciação à
Docência apresentados no Salão de Ensino, via um prêmio como no Salão de Iniciação
Científica e/ou possibilidade de pelo menos um trabalho do PIBID, em sua interface com as
pesquisas dos coordenadores, participarem do SIC, a fim de que o trabalho do PIBID se firme
com mais credibilidade acadêmica.
Por outro lado, o oferecimento de oficinas práticas, nas quais os saberes intuitivos dos
corpos e dos materiais são explorados como alternativa ao excesso de discursos que circulam
no âmbito universitário. Um exemplo é “Projetar-se”, ministrada pelo bolsista Charles Kray,
oficina piloto adaptada para a Semana Acadêmica que aconteceu junto ao Salão. O bolsista faz
teatro de sombras e traz ao público as obras de Regina Silveira, Mac Adams e Sandro Pereira,
artistas que trabalham com projeções de sombras. Nas palavras do bolsista, questões como
interpretação, distorção e sobreposição de realidades são constantes nestes artistas e podem,
muito bem, gerar outros desdobramentos a partir da técnica de teatro de sombras. É o que
propõe a oficina “ projetar-se”, que num primeiro momento, amplificará as possibilidades do
desenho em papel kraft mesclando-o com técnicas do teatro de sombras, fotografia preto e
branco e fusão de imagens cinematográficas.
O intuito é ampliar o conceito de desenho para suportes não tradicionais, visto que a
atividade propõe o desenho de siluetas cortadas, as quais sofrerão distorções e fusões em
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função da projeção da luz. O suporte, ao invés de papel, é um pano de projeção, fazendo
analogia ao cinema, se valendo do Teatro de Sombras e do desenho, sendo a transposição do
desenho ao corte de silueta muitas vezes um desafio. A interação de diversas siluetas pode se
desdobrar em situações não previstas e esse tipo de trabalho prático levar a concepções em
relação à impermanência dos contornos e a maleabilidade das formas no que tange aos efeitos
operados para modificar uma visão. A prática do licenciando envolve sua experiência artística
e, além de se desdobrar em oficinas de curta duração, pretende criar um grupo com alunos de
Ensino Médio e Magistério para desenvolver algum produto envolvendo direção de fotografia,
roteiro, story board e a produção visual com imagens em silueta e efeitos de sombra.
Outro exemplo é a dinâmica que desde a primeira edição do PIBID vem sendo chamada
Correspondências, e envolve tanto o estudo do movimento Fluxus como uma ação muito
simples, ocorrida em vários eventos, tanto escolares como os da Universidade, nos quais se dá
como oficina. Esta visa abrir o diálogo convidando passantes à expressão pública por meio de
bilhetes disponíveis em uma bancada. O material gráfico fica disposto sobre panos coloridos e
os participantes ficam à vontade para utilizar o que preferirem para manifestar seus
pensamentos, poesias, lemas, sugestões aos organizadores dos evento, críticas institucionais,
desabafos, anseios, entre tantas outras possibilidades. A pluralidade nos resultados é evidente.
Após a confecção da mensagem sobre papel que é oferecido em variadas cores, tamanhos e
formatos, o participante é convidado a inserir sua produção em um varal/mural de ideias. Desta
forma todos poderão ter acesso ao expresso pelos outros, compartilhando assim vários
comentários, transformando o espaço oferecido em uma teia de pensamentos coletiva, que ficar
exposta ao longo do evento, ressaltando que trocas éticas e estéticas de baixo custo, sem
interesses comerciais e lucrativos envolvidos. A atividade, que não exige grande infraestrutura,
se configura como um convite a todos participantes a interagirem com os demais numa
experiência de expressão simples e direta.
Efetiva multiplicidade do sub = underground
Todos estes pontos são gestados e articulados em reuniões quase semanais e por fim
apresentados a partir da perspectiva da coordenadora, das supervisoras e dos bolsistas
licenciandos, para melhor se articularem entre si, em um evento de seis turnos e três dias
consecutivos de trabalho, que chamamos Seminário Intensivo Interno. Trata-se de um momento
de estreitamento do convívio, que inclui uma ou outra dinâmica expressiva que valorize os
traços subjetivos de cada participante, partilha de observações e anseios, capacitações teóricas e
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metodológicas para o trabalho, planejamento conjunto, trocas de referências, materiais,
informações. A multiplicidade de percepções, sentimentos, perspectivas teóricas, histórias de
vida é nítida no grupo que atualmente constitui o PIBID/ART VIS na UFRGS. Proliferam
etnias, religiões, enfermidades, superações e alegrias. Há alunos que tiveram outras formações
e cursos não concluídos anteriores à arte, que atuam também junto à música e teatro, possuem
experiências comunitárias, entre tantas outras coisas.
Se o PIBID se afirma, enquanto projeto estatal, como política para resgatar a dignidade
da docência no Brasil, a movimentação de um subprojeto dentro de um Programa Institucional
cria uma micropolítica a mostrar que a vida acontece nas capilaridades do que o poder público
implanta. Essa micropolítica lida corpo a corpo com os problemas que a educação traz:
indisciplina, ignorância, valores prontos e empacotados pelo mercado, desrespeito ao próximo,
desinteresse generalizado pelo estudo, descaso ao papel do professor, depredação das escolas,
pobreza, abandono, carências de todos os tipos. Por outro lado, é nesse âmbito “molecular”
que os verdadeiros combates acontecem. A potência das minorias, em sua diversificação e
hetereogeneidade, pensa e age de modo a fazer que o poder majoritário acabe se modificando.
A força molecular se dá nos bandos polimorfos e difusos, grupos do “tipo rizoma” que não se
concentram em “órgãos do poder” (Deleuze; Guattari, 1997, p.21) e sim propagam
diversidade, variações, múltiplos modos de conceber o que seja necessário conceituar.
E não há como estabelecer indicadores que possam quantificar a força que esse tipo de
movimento opera no aparelho do poderio organizado. Não há organismo capaz de dar a ver a
forma dessas minorias, mesmo que sejam identificados por algum nome sectário, o sincretismo
dos bandos e das tendências logo confunde a identidade que o poder tenta sobre elas
estabelecer. Uma multiplicidade se formula por minorias, sendo que a única fórmula possível
para se dizer da multiplicidade é um “conjunto numerável infinito” (Deleuze; Guattari, 1997,
p.174). Ao se manifestar em órgãos de um sistema político “todo global, unificado e
unificante” implicado num conjunto de subsistemas “justapostos, imbricados, ordenados”
(Deleuze;Guattari, 1996, p.85), a multiplicidade faz proliferar tendências que nem sempre este
sistema comporta. Contrapondo os sempre prováveis deslocamentos de meta e
desfuncionamentos sistemáticos, as instituições se estruturam na divisão tecnocrata de trabalho,
operacionalmente segmentado e desarticulado em suas especificidades técnicas, garantindo um
funcionamento burocrático que procede por repartições e departamentos. Ao enumerar funções,
departamentalização instituicional carrega dados que unificam determinados índices de
produtividade e, no caso das instituições estatais, de público atendido. Sendo a multiplicidade
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numerante e não numerada (Deleuze; Guattari, p.193), “não subordinada ao Uno”
(idem,1997,p.220), sua conta é o ir e vir de um povo que some e retorna fora daquilo que o a
repartição funcional indica.
No que chamam Tratado de Nomadologia Deleuze e Guattari mostram a força dos
bandos não aparelhados (1997, p.85) capazes de “fazer valer a potência do não-numerável”
(Deleuze; Guattari, 1997,p.174), do que não se divide facilmente, do que não classifica, do que
não tem fronteiras precisas. Embora o trabalho dentro das instituições se faça valer via
cronogramas, grades de horário, lista de presenças e contagem da produção, há
multiplicidades definidas por “n determinações” anexatas embora rigorosas, mas nunca
métricas, na medida que “só se deixam (...) medir por meios indiretos, aos quais não deixamos
de resistir” (Deleuze e Guattari, 1997, p.190). O que se coloca em jogo é o idealismo estatal
frente ao combate efetivo dos grupos e povos que criam outra relação com o trabalho, com
aquilo que produzem e com os liames que as instituições, especialmente as escolares, fazem
em suas vidas. Com Michel Foucault aprendemos que as técnicas de governo são modos de
gerir a vida da população dentro que se idealiza como a melhor vida possível. O problema é
que não há vida ideal e sim vida a produzir uma série de coisas, inclusive inutilidades. Tanto
que o Estado “não se explica por um desenvolvimento de forças produtivas” e sim por tornar
possível “o empreendimento das grandes obras, a constituição dos excedentes e a organização
das funções públicas correspondentes” (Deleuze; Guattari, 1997, p.21).
Ao empreendermos “pequenas” obras ao alcance de um subprojeto, o que organizamos
não passa de um diagrama, sempre provisório, de temas estudados e ações previstas para seu
desenvolvimento tanto em sala de aula como em eventos abertos à comunidade mais ampla.
De algum idealizamos possibilidades de trabalho interdisciplinar as quais, talvez pelo
sectarismo constituído entre as áreas das diferentes licenciaturas, não se realizam. Não há
trabalho entre segmentos separados por áreas que possa ser imposto, as minorias entram no
sistema majoritário, mas raramente é capaz de reverter os critérios da maioria. O que consegue
é “fazer valer uma força de conjuntos não numeráveis, por pequenos que eles sejam, contra a
força dos conjuntos numeráveis, mesmo que infinitos, mesmo que revertidos ou mudados”
(1997,p. 175). Deleuze e Guattari trazem a tese de Paul Virilio para pensarmos o poder do
Estado como supervisão e vistoria, sendo o sistema estatal uma organização de “filtros para a
fluidez das massas” (Deleuze; Guattari, 1997,p.60). A tendência à homogeneização das
formações sociais explica como os estados capitalistas são aparelhados por espaços gerais de
comparação que ressoam tudo aquilo que o estado apropria como seu. Essa apropriação se dá
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no estabelecimento de “preço, renda e lucro”, caindo o povo “sobretrabalho servil e
subproduto” (Deleuze; Guattari, 1997,p.140), de modo que as minorias são capturadas por
aquilo que modernidade vem a chamar de “massa”. Essa massa populacional amorfa se
constitui de múltiplas minorias sem formas definidas e nem sempre passíveis de serem
filtradas, sendo impossível a minoria constituir um estado viável, mas sim operar em qualquer
máquina institucionalizada “em cada caso pela determinação das condições de problema e por
liames transversais dos problemas entre si” (Deleuze; Guattari, 1997,p.177).
O trabalho entre diferentes subprojetos aconteceu na primeira edição do subprojeto
quando grupos de estudantes, por força do espaço e dos horários, atuaram junto na mesma
escola, promovendo inclusive uma gincana. Ações ligadas ao patrimônio urbano e institucional
podem proporcionar um rico diálogo interdisciplinar, mas parece que não há reverberação entre
as áreas de conhecimento, primeiro por dificuldades logísticas em relação a horários e outras
disponibilidades para interlocuções, segundo por certa acomodação ao sectarismo do
conhecimento, terceiro porque o caráter transdisciplinar (Hérnandez, 2006) das Artes Visuais
abre possibilidades que talvez outras áreas de conhecimento não estejam abertas a explorar.
Manter a força minoritária dentro da organização sectária das Licenciaturas, articulando as
multiplicidades das artes à pesquisa e produções artísticas coletivas e individuais é um trabalho
incansável que, sob total esgotamento, afirma, seguindo os termos de Nietzsche, uma “vontade
de arte”. Trata-se de uma volição desejante, sem a finalidade de colocar em circulação algum
tipo de produto, mas sim de fazer da vida e seus encontros uma obra de arte que não se
consome. Ao defenderem que em qualquer programa, estado, aparelho, sistema “a percepção, a
semiótica, a prática, a política, a teoria, estão sempre juntas” (1997, p.75), Deleuze e Guattari
mostram que não há matéria, entrelaçamento de sentidos corpóreos, sistema de codificação e
significação e ações efetivas tanto em âmbito público como privado que não esteja implicada
naquilo que se concebe como a consistência da própria vida. A arte, em sua constituição
atravessa todas as ditas “disciplinas” que a educação formal impute hoje, obrigatoriamente, a
todas as vidas humanas no Brasil. Essa transversalidade, que Guattari observa se contrapor à
verticalidade hierárquica dos organogramas institucionais e às horizontalidades caducas pelas
quais as pessoas institucionalizadas caminham (Guattari, 1987, p.95-96), permite o diálogo e a
expressão coletiva (idem, p.99).
Assumir nossa condição trans é mais do que seguir uma linha transversal às
coordenadas de praxe, é afirmar a multiplicidade enquanto proliferação de possíveis. Uma
polivocidade de direções, algumas diacrônicas, outras em consonância, a fazer valer com gosto
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as ações empreendidas em um programa institucional. Para tanto é necessário deixar de lado as
idealizações e analisar a complexidade dos problemas com os quais nos deparamos
efetivamente. Como atesta seu prefixo, um subprojeto está abaixo de um projeto institucional.
Um subprojeto de artes visuais, campo em que a própria nomenclatura da área é mutável e
problemática, que se compõe de histórias de vida, nas palavras dos seus participantes,
“doidas”,”sofridas”, difíceis”, “diferentes”, visivelmente fora dos padrões, pode ser
assumidamente underground, visto muito de seus movimentos, articulações e criações não
serem explícitas e não receberem créditos. Um exemplo foi a produção de um folder para
divulgação do projeto no Salão UFRGS, outro são encontros em espaços culturais, templos,
exposições dos participantes, espaços comunitários, trocas não sistematizadas que o grupo,
enquanto força minoritária e coletividade informe, movimenta. Paralelamente, um projeto
institucional, por se constituir, como é o caso do atual PIBID/UFRGS, com dez licenciaturas
diferentes, em si traz uma multiplicidade, deslocando outros fluxos e ativando questões que
escapam a um subprojeto específico. O que vale, em ambos atravessamentos, é pensar os
modos pelos quais temos feito educação, como estes futuros professores licenciados trarão o
que esse tipo de Programa está pensando para as escolas e como, a experiência que envolve
tanto viver a escola como analisar o que nela se encontra, em âmbito de graduação, terá força
para operar com as mudanças que urgem nas instituições escolares.
Considerando todos esses pontos e articulando as variações às multiplicidades
fervilhantes que fazem um projeto existir, a Iniciação à Docência permite pensar os problemas
das matérias, de suas divisões e dos corpos que com elas se deparam ao invés de seguir
ressaltando as essências tomadas como Conhecimento. Junto ao referencial dos autores aqui
citados, que criam a pragmática pop´análise, esquizo, rizomática, cartográfica, trata-se da
elaboração de diagramas ao invés da reprodução de fórmulas e teoremas. O que se defende é
uma noologia - estudo do pensamento, distinta de uma ideologia- estudo das idealizações que
historicamente calcam o pensamento. Um projeto com viés noológico analisa os modos pelo
qual um pensamento é traçado, enquanto um projeto ideológico se pautará por ideais que em
sua constituição são tomados como certezas. Deleuze passou sua vida de professor, tanto nos
tempos em que lecionou filosofia num Liceu (que na França correspondia à educação básica
secundária) como na Universidade, mostrando que o pensamento, diferente das ideias, não é
levado a sério, de modo que pode afirmar com Guattari que “quanto menos as pessoas levarem
a sério o pensamento, tanto mais pensarão conforme o que quer um Estado” (Deleuze; Guattari,
1997,p.46).
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Por fim, um subprojeto de Artes Visuais possibilita pensar trasnversalmente para que as
volições, esse quanta de fluxos que marcam a propagação de modos de vida, sejam por vontade
e não movimentos compulsórios determinados pelas aparelhagens engrenadas a um poder ideal.
Mesmo que subterrâneo esse pensamento se espalha e impregna “crença e desejo” (Deleuze e
Guattari, 1996, p.98) de partículas ainda não pensadas e cheias de possibilidades. O trabalho é
duro e exige uma análise das idealizações para que elas deixem de ser confundidas com as
potências do pensamento. Uma epistemologia urge ocupar o espaço que o senso comum e as
opiniões possuem no que diz respeito ao que as pessoas vivem, aprendem nas escolas e
absorvem nos veículos de comunicação. Não se trata de pensar o pensamento e sim de efetivar
o que se pensa, analisando como se chegou a esse modo de pensar. Toda essa análise, seja
esquizo ou não, seja chamada cartográfica, seja sintetizada em poucos axionas, visa
procedimentos em sala de aula que não sejam mera reprodução das partições do saberes e sim
a afirmação das inquietações em relação à matéria, à vida e aos corpos que nos levam a pensar.
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