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Clèmerson Merlin Clève Pedro Henrique Gallotti Kenicke Coordenação TESES JURIDICAS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES Direito Constitucional THOMSON REUTERS REVISTA DOS TRIBUNAIS

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Clèmerson Merlin Clève Pedro Henrique Gallotti Kenicke

Coordenação

TESES JURIDICAS DOS TRIBUNAIS

SUPERIORES

Direito Constitucional

THOMSON REUTERS

REVISTA DOS TRIBUNAIS

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Teses jurídicas dos tribunais superiores : direito constitucional I / Clèmerson Merlin Clève e Pedro Henrique Gallotti Kenicke, coordenação. — São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2017.

Vários autores.

Bibliografia.

ISBN: 978-85-203-7354-5

1. Direito constitucional 2. Direito constitucional - Brasil - Comentários 3. Direito - Teses I. Clève, Clèmerson Merlin. II. Kenicke, Pedro Henrique Gallotti.

17-06628 CDU-342(81)

índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Direito constitucional 342(81)

ASL 9294

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Tese

O art. 60 da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos,

por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos

objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal; II - A Lei

10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos

termos do artigo 144, § 1°, do CTN.

ANDRÉA MASCITTO

Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Bacharel em Direito pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. Professora em Cursos de Graduação e Pós-graduação em São Paulo. Advogada.

LÍVIA DIAS BARBIERI

Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Bacharel em Direito pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. Advogada.

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Comentário Doutrinário

O fim da era do sigilo bancário

Introdução

A Constituição Federal de 1988 ("CF") dispõe em seu art. 5°, XII,

[ser] inviolável o sigilo das correspondências e das comunicações tele-gráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Por muito tempo, defendeu-se que o sigilo bancário estaria englobado não só pela rubrica da inviolabilidade do sigilo de dados, mas também pelo direito à intimidade e à vida privada (art. 5°, X, da CF). Esse entendimento era corroborado pela interpretação dada ao artigo constitucional de que somente a quebra de sigilo das comunicações telefônicas poderia ser delegada para legislação infraconstitucio-nal. Em uma análise teleológica, a quebra do sigilo de dados estaria de todo modo vedada pela Constituição Federal.

No entanto, essa interpretação gerou calorosas discussões e debates sobre o tema. Para o professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior,l o que a Constituição Federal veda é a interceptação da correspondência, mas não a autorização judicial para sua busca e apreensão. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal por muito tempo se posicionou dessa mesma forma, evidenciando que o interesse público se sobrepõe ao particular, e, portanto, a quebra do sigilo de dados não estaria vedada pela Constituição de forma absoluta.

De nossa parte, entendemos que, embora o sigilo bancário não seja um direito absoluto, sua quebra deve ser determinada com cautela. Deve haver proporciona-lidade entre os direitos individuais protegidos pelo sigilo bancário e o interesse púbico que fundamenta o pedido de sua quebra.

Isso porque o que está em jogo é a contraposição de valores fundamentais da sociedade moderna. De um lado, temos cidadãos e contribuintes defendendo direito individuais protegidos pela Constituição Federal e, de outro, um Estado em busca de mecanismos mais eficazes para proteger direitos coletivos e conteúdo valora-

1. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. Caderno de Direito Tributário e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 1, n. 1.

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Direito Constitucional

tivo como instrumento para efetivação da justiça social. Esses mesmos axiomas sustentam o sistema jurídico do Estado Democrático de Direito.

Com a Constituição Federal de 1988 esses valores da sociedade moderna ganharam força normativa e vinculante. A criação de um sistema de direitos e garantias fundamentais busca, na verdade, instrumentalizar correção na estrutura jurídica. Mas na hipótese de uma contraposição quais devem prevalecer? Direitos individuais vs. direitos coletivos? Esse contraponto foi analisado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

O debate ganhou novos capítulos com a edição do art. 6° da Lei Complementar 105/2001. O mencionado dispositivo legal estabelece:

(...) as autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Esta-dos, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade adminis-trativa competente.

A partir desse momento, o sigilo bancário não só deixou de ser expressamente inviolável, como também não era mais necessária a prévia autorização judicial para obtenção de dados financeiros dos contribuintes. Esses, por sua vez, com o objetivo de garantir a inviolabilidade do sigilo financeiro e a necessária autorização judicial prévia, ajuizaram diversas demandas judiciais com respaldo da interpretação dada, até então, ao preceito constitucional e às garantias individuais normatizadas pelo Texto Constitucional.

O debate chegou aos Tribunais Superiores. Inicialmente, em 2009, o Superior Tribunal de Justiça ("STJ") analisou a questão no julgamento do Recurso Especial 1.134.665, sob o rito dos recursos repetitivos, previsto à época no art. 543-C do Código de Processo Civil. Naquele momento, o Tribunal firmou sua jurisprudên-cia de modo que o sigilo bancário não é absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado.

Para os Ministros daquele Tribunal, a Constituição Federal facultou à Adminis-tração Tributária criar mecanismos que lhe possibilitasse identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva.

Logo depois, em 2010, foi a vez do Supremo Tribunal Federal ("STF") de-bater o tema, no julgamento, sem repercussão geral, do Recurso Extraordinário 389.808. Contrariando a jurisprudência firmada, havia menos de um ano pelo STJ,

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COORDENAÇÃO

o STF consignou ser conflitante com a Carta Magna a legislação que implique o afastamento do sigilo bancário sem ordem judicial prévia. Portanto, há sete anos, a disputa foi vencida pelos cidadãos e contribuintes, prevalecendo a proteção aos direitos e às garantias individuais.

Entretanto, em 2016, o tema novamente ganhou holofotes quando o Plenário daquele Tribunal julgou de forma definitiva a constitucionalidade dos arts. 5° e 6° da Lei Complementar 105/2001, que permitiam a quebra de sigilo bancário dos contribuintes sem a necessidade de ordem judicial.

2. O julgamento do Recurso Extraordinário 601.314 pelo Supremo Tribunal Federal

O Recurso Extraordinário 601.314/SP tratou de duas questões principais: (i) a constitucionalidade do art. 6° da Lei Complementar 105/2001, em vista do dever do sigilo bancário; e (ii) a validade da legislação que autorizou a utilização de tais informações para constituição de créditos tributários relativos a outros tributos que não a CPMF.

O julgamento foi conduzido pelo Ministro Relator Edson Fachin, que bus-cou inicialmente tecer um breve histórico legislativo e jurisprudencial acerca do tratamento normativo dado ao sigilo bancário. Em óptica, o litígio constitucional analisado se traduziria no confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos.

Assim, para o Ministro Relator duas perspectivas se contrapõem: de um lado, na perspectiva individual,

(...) o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira.

Por outro lado, na perspectiva do autogoverno coletivo, "os tributos são con-tributos indispensáveis a um destino em comum e próspero de todos os membros da comunidade politicamente organizada". Conclui, assim, que deve ser exigido de todos os contribuintes a mesma lógica, boa-fé, lealdade cívica e cooperação com a atividade fiscal, em respeito à igualdade (art. 145, § 1°, da CF) que se coloca em relação aos demais concidadãos.

Em síntese, a constitucionalidade do art. 6° da LC 105/2001 é garantida pela opção constitucional de se formar um Estado Fiscal, em que há uma responsabilidade coletiva da comunidade para satisfazer as necessidades dos cidadãos, especialmente aqueles mais vulneráveis. Dessa forma, não podem os contribuintes reputar ilegítimo

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Direito Constitucional

a quebra do sigilo bancário, a fim de limitar o poder de tributar da Administração Pública e, pois, elidir os tributos devidos pelos cidadãos.

Nas palavras no Ministro Relator,

(...) ainda que se considere o sigilo fiscal como uma decorrência do art. 5°, X, da CF/88 e, portanto, merecedor de algum nível de proteção cons-titucional, é preciso reconhecer que se trata de uma dimensão eminen-temente patrimonial desse direito, que, além de não ser absoluto, com-porta um nível ainda maior de compreensão. Assim, em uma juízo de ponderação racional com o dever fundamental de pagar tributos e com o princípio da isonomia materializado na esfera fiscal como dever de todos os contribuintes contribuírem de forma equânime para o financiamento do Estado, tal direito pode e deve ceder.

Para nós, ficou claro que a maioria dos ministros do STF partindo da premissa de que os direitos e as garantias fundamentais não são absolutos e, portanto, são passíveis de restrições dentro de um contexto de razoabilidade, validaram a possi-bilidade de acesso aos dados bancários dos contribuintes sem a prévia autorização judicial como forma de promover a justiça fiscal de forma ampla e irrestrita.

Ademais, para o Tribunal, a legislação analisada garante aos contribuintes o sigilo fiscal dos dados bancários obtidos pela Receita Federal, o que afasta qualquer acesso por parte de terceiros estranhos à Administração Tributária. Nesse aspecto, a atuação da Administração Tributária é estritamente regulamentada pelo Decreto 3.724/2001.

Na mesma linha que o Ministro Relator, os Ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia, votaram de modo que os arts. 5° e 6° da Lei Complementar 105/2001 não configurariam violação ao direito à intimidade, por não se tratar, propriamente, de quebra de sigilo bancário, mas de transferência de informações financeiras, dos bancos para o Fisco, que é um órgão fiscalizador do Poder Executivo. Não há, portanto, divulgação dessas informações. E caso ocorra divulgação, a legislação estabeleceu responsabilização civil dos funcionários públicos que cometerem a infração.

O Ministro Roberto Barroso, apesar de considerar a questão delicada e afirmar que na regra geral deve depender de autorização judicial, afirmou que a regra deveria ser atenuada para a Receita Federal. Para ele, a Receita Federal "já é destinatária natural dessas informações", nos casos em que o contribuinte cumpre com suas obrigações de informar corretamente a Administração Tributária.

O Ministro Marco Aurélio abriu a divergência, mantendo seu voto proferido no julgamento do Recurso Extraordinário 389.808. Naquela ocasião, a maioria do STF entendeu não ser possível o acesso da Receita Federal a informações fiscais do

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COORDENAÇÃO

contribuinte sem autorização judicial prévia. Para o Ministro, somente deve ser permitido o compartilhamento nas finalidades previstas na cláusula final do inciso XII do art. 5° da CF/88, quais sejam: investigação criminal ou instrução criminal.

O Ministro Celso de Mello acompanhou a divergência instaurada pelo Ministro Marco Aurélio, afirmando que a Constituição Federal não pode se transgredida, nem degradada pelos interesses do Estado. E, portanto, a quebra de sigilo bancário pressupõe sempre a existência de ordem judicial.

Último a votar o Ministro Presidente Ricardo Lewandowski modificou seu voto, que havia proferido no julgamento em 2010 (RE 389.808), justificando que de lá para cá o mundo evoluiu e ficou evidenciada a necessidade de combate "aos crimes como narcotráfico, lavagem de dinheiro e terrorismo, delitos que exigem uma ação mais eficaz do Estado, que precisa ter instrumentos para acessar o sigilo para evitar ações ilícitas".

Por fim, em relação à alegação trazida pelos contribuintes quanto à irretroa-tividade da Lei 10.174/2001, que introduziu mecanismos fiscalizatórios para a apuração de créditos tributários, a partir da obtenção de informações sobre a movimentação financeira dos contribuintes, o Tribunal entendeu tratar-se de uma exceção ao princípio constitucional, na medida em que a norma tem caráter instru-mental, conforme preceitua o art. 144, § 1° do Código Tributário Nacional. Dessa forma, foram validadas as alterações trazidas pela Lei 10.174/2001, permitindo-se a utilização de mecanismos fiscalizatórios para a apuração de créditos relativos a tributos distintos na CPMF, cujos fatos geradores tenham ocorrido em período anterior à vigência desse diploma legal.

Em nossa opinião, de uma forma geral, o STF pretendeu tutelar nesse julgamen-to não só o dever fundamental de pagar tributos em benefício da criação coletiva de um Estado Fiscal solidário, que encontra fundamento nos arts. 145, § 1° (princípio da capacidade contributiva dos cidadãos), e 150,11, (isonomia tributária) ambos da CF/88, mas também buscou inserir o País, de forma definitiva, no atual contexto mundial de troca de informações.

3. Globalização da informação Questões atuais

O contraponto que se faz é a influência recíproca do julgamento do RE 601.314 pelo Supremo Tribunal Federal nos acordos de trocas de informações celebrados pelos países na busca de dados de riquezas transferidas para fora de seus territórios e na validação das obrigações acessórias impostas pela Receita Federal.

Com a edição da LC 105/2001, a Receita Federal buscou meios para fiscalizar e buscar as riquezas omitidas pelos contribuintes dentro do território nacional.

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Direito Constitucional

Agora já há um movimento complementar que busca obter informações fora do âmbito territorial.

Tudo isso denota que a aliança entre o Poder Público (em especial o órgão fazen-dária) e as instituições financeiras potencializa a fiscalização, o que podemos ilustrar com a edição da Instrução Normativa 1.571/2015, por exemplo, pela qual a Receita Federal instituiu uma nova obrigação acessória, denominada e-Financeira, para todas as instituições fiscalizadas pelo Banco Central ("BACEN"), na Comissão de Valores Mobiliários ("CVM"), na Superintendência de Seguros Privados ("SUSEP") e na Superintendência Nacional de Previdência Complementar ("PREVIC"). Essas entidades passaram a prestar informações relativas a saldos de contas de depósito, inclusive poupança, saldo de cada aplicação financeira e aquisições em moeda estrangeira, quando o montante global movimentado ou o saldo for superior a R$ 2 mil mensais para pessoas físicas e R$ 6 mil mensais para pessoas jurídicas.

Apesar de parecer novidade, a e-Financeira é uma atualização da chamada DIMOF — Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira, que, desde 2008, obrigava as instituições financeiras a informar as operações que ultrapassas-sem R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 10 mil para pessoas jurídicas, por semestre. A não entrega das declarações pelas instituições financeiras e equiparadas acarreta a imposição de multas e penalidades.

Em âmbito mundial, podemos dizer, de forma geral, que os acordos firmados entre os países buscam coibir os contribuintes de transferirem renda e riquezas para países com menor carga tributária e ficarem protegidos por sigilo bancário. A Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem contribuído de forma relevante no desenvolvimento desses acordos. Dessa forma, desde o início do ano 2000 tem publicado relatórios com indicação de países que seriam considerados paraísos fiscais não cooperantes. Além disso, o art. 26 da Convenção Modelo da OCDE foi ampliado ao longo dos anos para adaptar-se à necessidade dos países de combater a evasão fiscal.

Além desses acordos internacionais, recentemente foi ratificada a Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária. O depósito do instrumento ocorreu durante a Reunião do Conselho Ministerial da OCDE. A Convenção Multilateral, promulgada pelo Decreto 8.842, de 30/08/2016, é o instrumento mais completo para intercâmbio internacional de informações tributárias entre as Administrações Tributárias.

Com o início da vigência da Convenção Multilateral no Brasil, a partir de 1° de outubro de 2016, o País dá passos importantes para implementar novas formas de assistência administrativa em matéria tributária entre os signatários, como a fina-lidade de prevenir e combater ilícitos tributários. Assim, embora não seja membro

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Coo NAÇÃO

da OCDE, o Brasil, como hey partner (parceiro-chave), pode participar de Comitês da Organização e de inúmeras áreas de trabalho.

De acordo com a Receita Federal do Brasil, a Convenção Multilateral possibi-litará diversas formas de assistência administrativa em matéria tributária entre os signatários — o intercâmbio de informações para fins tributários, nas modalidades a pedido, espontâneo e automático, as fiscalizações simultâneas e, quando couber, a assistência na cobrança dos tributos.

Para a Administração Tributária, essa Convenção vem se consolidando como o mais importante instrumento global para fortalecimento da cooperação e combate à evasão tributária, à ocultação de ativos e à lavagem de dinheiro, que tornou viável a implementação do novo padrão para o intercâmbio automático de informações financeiras para fins tributários e, sob a égide do projeto do G20 e da OCDE de combate à erosão da base tributária e transferência de lucros (Base Erosion and Profit Shifting — BEPS) , o intercâmbio automático dos relatórios de operações de grupos multinacionais e sobre as decisões administrativas.

Com a criação do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributárias ("RERCT") pela Lei 13.254/2016, de 13/01/2016, as próprias instituições finan-ceiras incentivaram os contribuintes irregulares a aderirem ao programa, para que as próprias instituições financeiras não fiquem expostas, caso obrigadas a prestar qualquer tipo de informação. Como exemplo, nos casos de ativos financeiros su-periores a USD 100 mil, a legislação obrigava a instituição financeira estrangeira enviar informações sobre o saldo desses ativos à instituição financeira autorizada a funcionar no Brasil que, por consequência, prestaria informação à Receita Federal.

Todos os instrumentos globais de controle e cooperação internacional para troca de informações fiscais e econômicas entre os Estados denotam o protagonis-mo de instituições financeiras e equiparadas como fonte de apoio à fiscalização e mostram que, na esfera internacional, o assunto avança sem chances de retrocesso. Esse posicionamento caminha de modo que não deve haver nenhum empecilho para troca de informações de forma automática. No cenário mundial, as democracias não devem impor qualquer sigilo à Administração tributária em relação aos dados bancários dos contribuintes.

Nesse contexto, as medidas adotadas deixam claro que o Brasil buscou firmar a cada ano sua posição nos acordos internacionais de cooperação para evitar evasão de divisas e sonegação fiscal. Esse novo panorama de fiscalização global certamente põe fim à era do sigilo bancário e inaugura uma nova rede de informações no mun-do, com a proposta de uma nova era de transparência e maior rigor na análise das informações dos contribuintes.

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Direito Constitucional

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2017.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limi-tes à função fiscalizadora do Estado. Caderno de Direito Tributário e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 1, n. 1.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Edi-tora Malheiros, 2011.

Precedente da Tese

RE 601.314, Rela Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016 DJe 16/09/2016

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Direito tributário. Direito ao sigilo bancário. Dever de pagar impostos. Requisição de informação da Receita Federal às instituições financeiras. Art. 6° da Lei Complementar 105/01. Mecanismos fis-calizatórios. Apuração de créditos relativos a tributos distintos da CPME Princípio da irretroatividade da norma tributária. Lei 10.174/01.

1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a auto-nomia individual e o autogoverno coletivo.

2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e in-formações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira.

3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo.

4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros consti-tucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o

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COORDENAÇÃO

sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando--se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal.

5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, § 1°, do Código Tributário Nacional.

6. Fixação de tese em relação ao item "a" do Tema 225 da sistemática da reper-cussão geral: "O art. 6° da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal".

7. Fixação de tese em relação ao item "b" do Tema 225 da sistemática da reper-cussão geral: "A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, § 1°, do CTN".

8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

a

225 — a) Fornecimento de informações sobre movimentações financeiras ao

Fisco sem autorização judicial, nos termos do art. 6° da, Lei Complementar

105/2001; b) Aplicação retroativa da Lei 10.174/2001 para apuração de crédi-

tos tributários referentes a exercícios anteriores ao de sua vigência.

nformativo 814 do STF

TÍTULO Fornecimento de informações financeiras ao fisco

sem autorização judicial -1

ARTIGO

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade — frente ao parâmetro do sigilo bancário — do acesso aos dados bancários por parte de autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Es-tados, do Distrito Federal e dos Municípios, sem autorização judicial, nos termos

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Direito Constitucional

dispostos pela LC 105/2001 ("Art. 6°. As autoridades e os agentes fiscais tributá-rios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária"). Debate-se, ainda, se estaria coerente coma outorga constitucional, a Lei 10.174/2001 que, ao trazer nova redação do art. 11 da Lei 9.311/1996 (que instituiu a CPFM) permitiu que a Secretaria da Receita Federal, de posse das informações sobre a movimenta-ção financeira de titulares de contas bancárias as utilizasse para a averiguação de divergências e, em face delas, instaurasse procedimento administrativo tendente à verificação da existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições, e o lançamento de crédito porventura existente. Pretende-se, assim, analisar se haveria afronta ao princípio da irretroatividade das leis, quando esses mecanis-mos são empregados para a apuração de créditos relativos a tributos distintos da CPMF, cujos fatos geradores tenham ocorrido em período anterior à vigência deste diploma legislativo.

Na espécie, Tribunal Regional Federal (recorrido) julgara legítima a ação administrativa, ausente o direito líquido e certo do contribuinte de ser dispensa-do, por ordem judicial, de exibir os documentos necessários para apurar créditos tributários. RE 601314/SP, rel. Min. Edson Fachin, 17 e 18.2.2016. (RE-601314)

TÍTULO Fornecimento de informações financeiras ao fisco

sem autorização judicial - 3

PROCESSO

RE 601314

ARTIGO

O relator frisou que o Brasil teria aderido a diversos tratados internacionais em matéria tributária voltados para trocas, automáticas ou a pedido, de informações fiscais entre mais de cem países signatários, notadamente a "Convenção Multila-teral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal"; e a "Convenção para Troca Automática de Informação Financeira em Matéria Tributária" . Soma-se,

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COORDENAÇÃO

ainda, a adesão do Brasil ao programa da Organização para a Cooperação e Desen-volvimento Econômico, a evitar os efeitos negativos da chamada concorrência fiscal entre Estados soberanos, especialmente no tocante aos "paraísos fiscais". Todas essas medidas atenderiam aos esforços globais de combate à fraude fiscal

internacional, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e paraísos fiscais, por meio

do aprimoramento da transparência fiscal em relação às pessoas jurídicas e arranjos comerciais. Nesses termos, a identificação do patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte serviriam para a efetivação do princípio da capacidade contributiva, que estaria em risco de violação nas restritivas hipóteses autorizadoras de acesso da administração tributária às transações bancárias dos contribuintes. No campo da autonomia individual, o Poder Legislativo não teria desbordado dos

parâmetros constitucionais ao estabelecer requisitos objetivos para a requisição de informação pela administração tributária às instituições financeiras. Exerceu sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, atentando--se no translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. O art. 6° da LC 105/2001 seria taxativo ao facultar o exame de documentos, livros e registros de

instituições financeiras, somente se houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso quando forem considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Demais disso, seu parágrafo único preconiza que "O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária", sob pena de se aplicar o art. 198 do CTN ("Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de

informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades"). Por fim, apontou que a alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/2001 não atrairia a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que tal norma se encerraria na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal. Assim, evidenciar-se-ia o caráter

instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o art. 144, § 1° do CTN (§ 1° Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros"). RE 601314/SP, rel. Min. Edson Fachin, 17 e 18.2.2016. (RE-601314)

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944 Teses Jurídicas dos Tribunais Superiores

Direito Constitucional

TÍTULO Fornecimento de informações financeiras ao fisco

sem autorização judicial - 4

PROCESSO

RE 601314

ARTIGO

O Ministro Marco Aurélio, por seu turno, deu provimento ao recurso extra-ordinário, por vislumbrar o compartilhamento possível apenas nas finalidades previstas na cláusula final do inc. XII do art. 5° da CE O legislador constituinte, ao cogitar da inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações tele-gráficas de dados e das comunicações, previra uma exceção, aquela decorrente de ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. O constituinte reputou, ainda, importante a atuação de órgão equidistante quanto a possível conflito de interesses, cujas decisões devem ser devidamente fundamenta-das. Para o Ministro Marco Aurélio, a quebra do sigilo de dados bancários de forma linear, mediante comunicações automáticas tornaria vulnerável a privacidade do cidadão porquanto não se pode confundir sigilo com compartilhamento. Assim, a utilização dos mecanismos fiscalizatórios previstos na Lei 10.174/2001 (que alterou redação de artigo da norma que dispõe sobre a CPFM) ofende o princípio da irretroatividade das leis, quando empregados para apurar créditos relativos a tributos distintos da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira — CPMF, cujos fatos geradores derivassem de período anterior à vigência deste di-ploma legislativo. Enfatizou a necessidade de se empregar mecanismos próprios, previstos na legislação, para afastar a sonegação e, quanto à cooperação mundial internacional há de ser harmônica com o arcabouço jurídico pátrio, sem o que ela não pode ser implementada. Em seguida, o julgamento foi suspenso. RE 601314/ SP, rel. Min. Edson Fachin, 17 e 18.2.2016. (RE-601314)

nformativo 815 do STF

TÍTULO Fornecimento de informações financeiras ao fisco

sem autorização judicial - 5

ARTIGO

O art. 6° da LC 105/2001 não ofende o direito ao sigilo bancário, porque realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. Por sua vez, a Lei 10.174/2001 não atrai

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Clèmerson Merlin Clève • Pedro Henrique Gallotti Kenicke 945

COORDENAÇÃO

a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, § 1°, do CTN. Esse o entendimento do Plenário, que em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a constitucionalidade —frente ao parâmetro do sigilo bancário — do acesso aos dados bancários por parte de autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sem autorização judicial, nos termos dispostos pela LC 105/2001. Debatia-se, ainda, se haveria afronta ao princípio da irretroatividade das leis, quando esses mecanismos são empregados para a apuração de créditos relativos a tributos distintos da CPMF, cujos fatos geradores tenham ocorrido em período anterior à vigência deste diploma legislativo — v. Informativo 814.0 Colegiado afirmou não haver dúvidas de que o direito à privacidade ou mesmo à intimidade seriam direitos que teriam base fática e forte conteúdo jurídico. Significa dizer que seriam direitos passíveis de conformação. Não se trataria de pura condição restritiva, mas a pró-pria lei poderia estabelecer determinadas delimitações. Esclareceu que a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial, visando à Administração Tributária, não padeceria de nenhuma ilegalidade. Por outro lado, o art. 144, § 1°, do CTN imporia que qualquer método de apuração tributária entre em vigor imediatamente, o que afastaria a alegação de retroatividade. Na verdade, o tema ora em debate não seria quebra de sigilo, mas transferência de sigilo para finalidades de natureza eminente-mente fiscal. A legislação aplicável garantiria fosse preservada a confidencialidade dos dados, vedado seu repasse a terceiros, estranhos ao próprio Estado, sob pena de responsabilização dos agentes que eventualmente praticassem essa infração. Assim, dados sigilosos de interesse fiscal somente poderiam ser acessados depois da instauração de competente processo administrativo, por ato devidamente mo-tivado, nos moldes hoje preconizados pelo Decreto 1724/2002, compreendidos os três níveis político-administrativos da Federação. Garante-se, ainda, a imediata notificação do contribuinte, a ele assegurado o acesso aos autos e o direito à ex-tração de cópias de quaisquer documentos ou decisões, para que possa exercer, a todo o tempo, o controle jurisdicional dos atos da Administração, nos termos da Lei 9.784/1999. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que davam provimento ao recurso. Para o Ministro Celso de Mello, a decretação da quebra do sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das CPIs (CF, art. 58, § 3°), pressuporia, sempre, a existência de ordem judicial, sem o que não se poderia impor à instituição financeira o dever de fornecer à Administração Tributária, ao Ministério Público ou, ainda, à Polícia Judiciária as informações que lhe tenham sido solicitadas. RE 601314/SP, rel. Min. Edson Fachin, 24.2.2016. (RE-601314)