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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
ROSELI BATISTA DE JESUS
ORIENTAES CURRICULARES PARA A EDUCAO BSICA DE MATO
GROSSO: ANLISE DA POLTICA COMO TEXTO E DISCURSO
Porto Alegre
2014
Roseli Batista de Jesus
ORIENTAES CURRICULARES PARA A EDUCAO BSICA DE MATO
GROSSO: ANLISE DA POLTICA COMO TEXTO E DISCURSO
Tese apresentada o Programa de Ps-Graduao
em Educao da Faculdade de Educao da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul como
requisito para obteno do ttulo de Doutora em
Educao.
Orientadora: Nal Farenzena
Linha de Pesquisa: Poltica e Gesto de Processos
Educacionais
Porto Alegre
2014
Roseli Batista de Jesus
ORIENTAES CURRICULARES PARA A EDUCAO BSICA DE MATO
GROSSO: ANLISE DA POLTICA COMO TEXTO E DISCURSO
Tese apresentada o Programa de Ps-Graduao
em Educao da Faculdade de Educao da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul como
requisito para obteno do ttulo de Doutora em
Educao.
Aprovada em 14 de mar.2014.
Profa. Dra. Nal Farenzena Orientadora
Prof. Dr. Jeffesson Mainardes UEPG
Profa. Dra. Lindalva Maria Novaes Garske UFMT
Profa. Dra. Regina Maria Varini Mutti UFRGS
Aos meus pais Joaquim e Castorina que, com
humildade e simplicidade me ensinaram a respeitar
o outro, a ter f e a trilhar o caminho do bem.
Aos meus filhos, Henrique e Ana Carolina, por
suportarem minha ausncia e pela existncia em
minha vida.
Aos meus irmos, Alice e Jos e aos cunhados,
Durcione e Enivaldo.
Nal, orientadora iluminada, sbia, paciente e
amiga.
Agradeo imensamente...
A Deus, pela vida e bnos concedidas; Ao DINTER em Educao UNEMAT/UFRGS, pela oportunidade sem igual; Seduc, aos Cefapros, assessorias pedaggicas e professores de Barra do
Garas e Rondonpolis MT, por aceitarem fazer parte deste estudo; orientadora, Nal Farenzena que, com sabedoria, delicadeza e ateno soube
me orientar e me conduzir ao trmino deste doutoramento;
Aos professores da FACED/UFRGS, pelos conhecimentos partilhados; Aos colegas do DINTER, pelo companheirismo, pela convivncia e pela
amizade, especialmente Cludia Negreiros, Waldinia, Regiane, Quim, Lina e
Albina;
Ao Jos Carlos, por compreender este momento; Regina e famlia, pela presena, sempre; Leni, mais que uma amiga, segunda me; Aos colegas de orientao, pela oportunidade de juntos estudarmos; Aos professores da banca examinadora, pelo auxilio e colaborao; Aos professores das redes municipal e estadual de ensino de Rondonpolis
MT, em especial EM Alcides Pereira dos Santos; EE Daniel Martins Moura e
ao Cefapro; aos colegas professores destas unidades, companheiros de trabalho.
queles que, de maneira direta e indireta colaboraram para que meus passos pudessem me conduzir ao trmino deste doutoramento.
Ao mesmo tempo, se o objetivo caminhar,
sempre em direo a algo melhor do que j existe,
mas sem chegada, isso tambm significa que o
importante o exerccio de caminhar, de aprender,
de tornar o mundo mais democrtico e melhor, e a
a escolha do caminho fundamental. [...] os
caminhos se fazem ao caminhar [...]. Caminhemos,
portanto, coletivamente, reconhecendo a validade
poltica e epistemolgica dos diferentes saberes,
fazeres, valores, e a necessidade desse
reconhecimento e do dilogo que ele permite para a
emancipao social democratizante [...].
(OLIVEIRA, 2009, p. 170).
RESUMO
O foco do estudo uma poltica pblica educacional curricular do estado de Mato
Grosso: as orientaes curriculares para a educao bsica. O objetivo geral da tese
analisar as orientaes curriculares para a educao bsica do estado de Mato Grosso,
com o intuito de compreender como foram elaboradas, considerando-se os contextos de
influncia, de produo do texto e da prtica, bem como dar visibilidade aos discursos
produzidos pelos sujeitos/atores envolvidos nestes contextos. A questo de pesquisa
assim foi definida: como foram elaboradas as orientaes curriculares para a educao bsica do estado de Mato Grosso, quais sujeitos/atores participaram de quais etapas e
que discursos foram produzidos por estes nos contextos de influncia, de produo do
texto e da prtica. O estudo compreende o dispositivo terico, composto pela anlise de poltica pblica, ciclo de polticas, proposto por Sthephen Ball, Richard Bowe,
considerando deste os trs contextos de influncia, de produo do texto e da prtica e a anlise de discurso de linha francesa, tendo como principais referncias obras de
Michel Pcheux e Eni Orlandi, bem como o dispositivo analtico, que contou com
documentos da Secretaria de Estado de Educao (Seduc), das escolas e dos centros de
formao e atualizao dos profissionais da educao (Cefapros), alm das orientaes
curriculares (texto da poltica), entrevistas e narrativas escritas dos sujeitos/atores que
participaram da pesquisa, que somaram um total de 17, sendo estes representantes da
Seduc, das assessorias pedaggicas, dos Cefapros e das escolas dos municpios de Barra
do Garas e Rondonpolis MT e um representante do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Pblico. A poltica foi analisada desde a colocao na agenda at sua
implementao, buscando tambm dar visibilidade aos sujeitos/atores que participaram
das etapas de produo do texto da poltica, por meio da anlise de seus discursos,
sendo ento analisada como texto e discurso. Ao ser elaborada, a poltica pblica teve
influncias globais/internacionais, nacionais e locais e estas esto evidenciadas no texto
da mesma, como tambm aparecem nos discursos dos sujeitos/atores. O processo de
elaborao das orientaes contou com a participao de sujeitos/atores das instituies
de ensino do estado nas diferentes etapas e nestas tambm foram produzidos discursos
diversos, os quais, a partir da formao discursiva a que se filiam, evidenciam os
sentidos a ideologia de seus produtores. Esta etapa foi coordenada pela Seduc e
consultores, como a professora Accia Kuenzer e professores da Universidade Federal
de Mato Grosso e Universidade do Estado de Mato Grosso. Sujeitos/atores dos Cefapros
e das assessorias pedaggicas tambm auxiliaram neste processo, conduzindo as
discusses junto s escolas e, especialmente, no Dia D, que tratado como acontecimento. A implementao tem ocorrido de maneira gradativa, havendo algumas
resistncias de alguns educadores em relao aos orientativos, o que denota a
necessidade de aes que fomentem a implementao da poltica curricular.
Palavras-chave: Polticas pblicas. Polticas educacionais. Anlise de discurso e
orientaes curriculares. Orientaes curriculares no Mato Grosso.
_____________________________________________________________________
JESUS, Roseli Batista de. Orientaes curriculares para a educao bsica de Mato
Grosso: anlise da poltica como texto e discurso. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2014.
ABSTRACT
The focus of the study is the public curricular educational policy from the Estate of
Mato Grosso: the curriculum guidelines for basic education. The general objective of
the thesis is to analyze the curriculum guidelines for the basic education from the estate
of Mato Grosso, aiming to comprehend how they were elaborated, considering the
influence contexts of text production and practices, and give visibility to the discourses
produced by the subject/actors involved in those contexts, as well. The question of the
research was this way defined: how the curriculum guidelines for the basic education in the estate of Mato Grosso were elaborated, which subject/actors took part in each
steps and which discourses were produced by them in the influence contexts, of text
production and practice. The study comprises a theoretical device, comprising the analysis of public policy, policy cycle, proposed by Sthephen Ball, Richard Bowe,
considering the three contexts: of influence, of text production and of practice and discourse analysis of the French approach, having as main references the work of
Michel Pcheux and Eni Orlandi, as well as the analytical device, which counted on
documents of Estate Department of Education (Seduc), schools and centers for the
training and updating of basic education professionals (Cefapros), besides the
curriculum guidelines (policy text), interviews and narratives written by the
subjects/actors which participated of the research, totalizing 17, being those the
representatives of Seduc, pedagogical advisors, Cefapros and schools of the cities Barra
do Garas e Rondonpolis MT, and a representative of Union of the Public Teaching Workers. The policy was analyzed since its placement on the agenda until its
implementation, also trying to give visibility to the subjects/actors which took part of
the steps of production of the policy text, by means of analysis of their discourse, being
analyzed as texts and discourse. While being elaborated, the public policy suffered
global/international, national and local influence, which are evident in the text. There
are also discourses of subjects/actors. The process of elaboration of the guidelines was
supported by the participation of subjects/actors of teaching institutions of the estate in
different steps, and during this process diverse discourses were produced, which, from
the discursive formation to which they are affiliated, evince the senses and the ideology
of its producers. This step was coordinated by Seduc and its consultants, as example the
teacher Accia Kuenzer and the professors of Federal University of Mato Grosso and
Estate University of Mato Grosso. Subjects/Actors of Cefapros and from pedagogical
advice also helped out during the process, conducting discussions with the schools, and
especially, on the D Day, which is treated as an event. The implementation has occurred in a gradual manner, causing some resistance from a few educators in relation
to the guidelines, what demonstrates the need of actions which promote the
implementation of the curricular policy.
Key-words: Public policies. Educational policies. Discourse analysis and curriculum
guidelines. Curriculum guidelines of Mato Grosso.
____________________________________________________________________
JESUS, Roseli Batista de. Curriculum guidelines for basic education of Mato Grosso:
analysis of policies as text and discourse. Thesis (Doctorship in Education) Education College, Federal University of Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Mapa do Estado de Mato Grosso ................................................................ 139
Figura 2 Mapa dos 15 Cefapros Divididos em Polos ................................................ 154
Figura 3 Orientaes Curriculares para a Educao Bsica do Estado de Mato Grosso
....................................................................................................................... 161
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AD Anlise de Discurso AC Anlise e Contedo BM Banco Mundial CBA Ciclo Bsico de Aprendizagem CEE Conselho Estadual de Educao CEFAPRO Centro de Formao e Atualizao dos Profissionais da Educao Bsica do Estado de Mato Grosso
CEJA Centros de Educao de Jovens e Adultos CENFOR Centro de Formao Permanente de Professores CF Constituio Federal DCNEM Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio DHU Direitos Humanos DUDH Declarao Universal dos Direitos Humanos DINTER Doutorado Interinstitucional EMIEP Ensino Mdio Integrado Educao Profissional ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio EJA Educao de Jovens e Adultos FACED Faculdade de Educao FD Formao Discursiva FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio
FUNDEB Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e Valorizao do Magistrio
GT Grupo de Trabalho IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IDEB ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica INEP Instituto Nacional de Pesquisa e Estudos Educacionais Ansio Teixeira LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao LBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LOPEB Lei Orgnica dos Profissionais da Educao Bsica MEC Ministrio da Educao e Cultura MT Mato Grosso OCDE Organizao Para s Cooperao e o Desenvolvimento Econmico OCs Orientaes Curriculares Para a Educao Bsica do Estado de Mato Grosso OIT Organizao Internacional do Trabalho PAR Plano de Aes Articuladas PCNs Parmetros Curriculares Nacionais PDE Plano de Desenvolvimento da Educao PIB Produto Interno Bruto PISA Programa Internacional de Avaliao dos Estudantes PROEJA Programa de Integrao Educao Profissional ao Ensino Mdio de Jovens e Adultos
PROFORMAO Programa de Formao de Professores em Exerccio PT Partido dos Trabalhadores SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica SAEP Sistema Nacional de Avaliao do Ensino Pblico SEDUC Secretaria de Estado de Educao
SECITEC Secretaria de Estado de Cincia e Tecnologia SINTEP Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Pblico de Mato Grosso SUPF Superintendncia de Formao UFMT Universidade Federal de Mato Grosso UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso
SUMRIO
1 PASSOS E PALAVRAS INICIAIS ............................................................ 13
2 AS ESCOLHAS, OS CAMINHOS DA PESQUISA ................................. 24
2.1 AS PRIMEIRAS DECISES ........................................................................ 24
2.2 DELINEANDO O CENRIO DA PESQUISA ............................................ 29
2.2.1 Objetivos e Questo de Pesquisa ................................................................ 29
2.2.2 Os Sujeitos/atores e a Constituio do Corpus .......................................... 31
2.3 O SUPORTE TERICO-METODOLGICO .............................................. 37
2.3.1 Anlise de Polticas Pblicas: ciclo de polticas ........................................ 38
2.3.2 Anlise de Discurso como Mtodo de Anlise ........................................... 41
3 BASES TERICAS E METODOLGICAS: Um Dilogo Necessrio .. 46
3.1 CURRCULO: algumas abordagens .............................................................. 46
3.1.1 Currculo: breve abordagem terica ......................................................... 47
3.1.2 Os Estudos Curriculares no Brasil ............................................................. 59
3.1.3 Influncias da Globalizao no Currculo ................................................. 66
3.1.4 O Interculturalismo no Currculo .............................................................. 71
3.2 POLTICAS PBLICAS E POLTICAS EDUCACIONAIS ....................... 85
3.2.1 Polticas Pblicas ......................................................................................... 86
3.2.2 Polticas Pblicas Educacionais e Polticas Curriculares ......................... 98
3.3 DA ANLISE DA POLTICA ANLISE DE DISCURSO E VICE-VERSA
....................................................................................................................... 110
3.3.1 Anlise de Discurso: o que se faz pertinente compreender ...................... 111
3.3.2 Anlise de Polticas Pblicas ....................................................................... 121
4 ORIENTAES CURRICULARES PARA A EDUCAO BSICA DO
ESTADO DE MATO GROSSO ............................................................................. 138
4.1 UM POUCO SOBRE O ESTADO DE MATO GROSSO ............................ 139
4.2 CONTEXTUALIZANDO A EDUCAO BSICA DO ESTADO DE MATO
GROSSO ................................................................................................................... 141
4.2.1 Os Centros de Formao e a Formao Continuada os Profissionais da
Educao Bsica ...................................................................................................... 145
4.3 ORIENTAES CURRICULARES: consideraes preliminares ............... 156
4.3.1 Organizao dos Documentos: breve olhar ............................................... 160
5 ANLISE DA POLTICA COMO TEXTO E COMO DISCURSO ...... 164
5.1 ENTRE TEXTOS E DISCURSOS SURGE A POLTICA EDUCACIONAL
....................................................................................................................... 165
5.1.1 As Influncias que Marcam o Discurso das e Sobre as Orientaes
Curriculares Para a Educao Bsica de Mato Grosso ....................................... 166
5.2 O TEXTO DA POLTICA: elaborao e implementao ............................. 186
5.2.1 Quais Sujeitos/Atores Participaram/am da Produo da Poltica
Educacional e Como se Deu Esta Participao: as vozes que tiveram eco ......... 186
5.2.2 Dia D: o acontecimento ........................................................................... 213 5.2.3 A Implementao da Poltica Curricular: as OCs e o fazer pedaggico 220
5.2.4 O Papel dos Consultores nos Processos de Elaborao e Implementao das
OCs ....................................................................................................................... 225
5.3 O TEXTO DAS ORIENTAES CURRICULARES: concepes e discursos
dos sujeitos/atores ...................................................................................................... 228
5.3.1 As Concepes Epistemolgicas e Metodolgicas que sustentam as OCs
....................................................................................................................... 229
5.3.2 O texto das OCs no Discurso dos Sujeitos/Atores ..................................... 244
6 CONSIDERAOES FINAIS ...................................................................... 257
REFERNCIAS ........................................................................................... 266
ANEXOS ....................................................................................................... 275
ANEXO I Proposta de Narrativa ................................................... 276
ANEXO II Protocolos de Entrevista .............................................. 277
ANEXO III Organograma da Seduc .............................................. 291
ANEXO IV Populao Indgena de Mato Grosso ......................... 292
ANEXO V Formulrio de Sistematizao das OCs ...................... 294
ANEXO VI Sumrio das OCs ......................................................... 295
13
1 PASSOS E PALAVRAS INICIAIS...
Quando a escola pblica era para poucos, era boa
s para esses poucos. Agora que de todos,
principalmente para os mais pobres, ela precisa ser
apropriada para esse novo pblico, ela deve ser de
qualidade sociocultural. (GADOTTI, 2013, p. 04)
A educao escolar, nas ltimas dcadas, tem sido atravessada por vrias
mudanas, como as sociais, as culturais e as tecnolgicas. Essas mudanas alcanam a
sociedade como um todo, fazendo com que as esferas de atividade humana1 adquem
seus discursos e aes realidade posta, provocando mltiplos arranjos e rearranjos
institucionais e relacionais. Inserida neste contexto encontra a educao escolarizada, a
qual tem vivenciado transformaes de vrias ordens, sejam estruturais, organizacionais
ou pedaggicas, como nos fazeres dos docentes e nos currculos escolares. Dentro dessa
viso, a escola que preparou ou prepara o indivduo para um processo de trabalho ou
para uma organizao societria voltados para o paradigma industrial no atende mais
s exigncias da nova sociedade, as mudanas ocorridas exigem aes diferenciadas por
parte das escolas, assim como currculos que visem formao do sujeito em todas as
suas dimenses.
Essa nova configurao do sculo XXI impe grandes desafios rea da
educao, os quais, nos ltimos anos, tm mobilizado a sociedade civil e os setores
estatais e tm sido objeto de estudos e pesquisas, bem como da implementao de
polticas pblicas educacionais voltadas para a expanso ou para a melhoria da
qualidade da educao bsica. Para Maximo e Carvalho (2009), com a Constituio
Federal de 1988, foram delineadas certas condies que dizem respeito ordem
qualitativa, como a garantia e a efetividade do direito educao. Contudo, na viso dos
autores, [...] a legislao brasileira, mesmo tendo incorporado o conceito de qualidade,
no estabeleceu em que consistiria ou quais elementos integrariam o padro de
qualidade do ensino brasileiro. (Op. Cit., p. 16). Esse fato, como dizem ainda Maximo
e Carvalho (2009), se caracteriza como algo que dificulta a tomada de deciso, de
1 Expresso utilizada por Bakhtin, em Esttica da Criao Verbal (1929/2003).
14
providncias em relao a possveis situaes em que ocorra a m qualidade do ensino
pblico e gratuito.
Nesse sentido, os gestores responsveis pela educao pblica brasileira se veem
frente necessidade de propor alternativas, programas e projetos que possibilitem aos
educadores desenvolverem suas aes de maneira a promover o acesso ao conhecimento
por parte de todos os alunos, em busca da qualidade da educao, uma vez que a escola
e seus profissionais tm sido responsabilizados pelo insucesso do aluno, pela no
aprendizagem, havendo uma culpabilizao desses no que diz respeito ao fracasso
escolar (MAUS, 2003). A qualidade da educao, como se sabe, no se alcana com
aes isoladas, ou descontextualizadas, e que no cheguem at as escolas, uma vez que
qualidade tambm pressupe democracia e esta uma construo coletiva. Ao abordar o
termo democracia, compartilho do pensamento de Apple (2008, p. 30), ao afirmar que
[...] a democracia no um slogan a que se apele apenas quando os grandes negcios
de nossa sociedade tiverem acabado, mas um princpio constitutivo que deve ser
integrado as nossas vidas cotidianas.
A expresso qualidade da educao merece destaque, tendo em vista que
muito se fala, se ouve e se escreve sobre. Mas, o que mesmo uma educao de
qualidade, ou, quando h qualidade na educao? As leituras acerca da expresso
sinalizam a polissemia, sendo esta definida por autores diferentes de modos diversos
conforme, igualmente, diferentes e distintas inscries tericas, ideolgicas e
contextuais. Mximo e Carvalho (2009, p. 16), ao refletirem sobre esta palavra,
enfatizam que, em se tratando da educao brasileira, o discurso sobre a qualidade da
educao foi fundamentado e constitudo a partir de trs significados, sendo que
O primeiro foi condicionado pela oferta limitada de vagas, ou seja, escola de
qualidade era aquela que oferecia o nmero de vagas considerado
satisfatrio; o segundo, relacionado ideia de fluxo, definido como evaso e
repetncia, caracterizando como escola de qualidade a que apresentasse
baixos ndices dessas ocorrncias; e, finalmente, a ideia de qualidade
indicada pela capacidade cognitiva dos estudantes, aferida mediante testes
padronizados em larga escala.
Ainda nos dias atuais alguns discursos de sujeitos ligados educao se
fundamentam nesses significados ou em algum deles, contudo, estes no so suficientes
para expressar o que se almeja como educao de qualidade, de modo que o alcance
15
desta est relacionada a fatores diversos e implica na realizao de mltiplas aes e na
garantia de condies para que estas aes ocorram no mbito educacional. Desse
modo, compreendo por educao de qualidade a que deve [...] permitir ao estudante ir
alm dos referentes de seu mundo cotidiano, assumindo e ampliando-o, de modo a
tornar-se um sujeito ativo na mudana de seu contexto. (MOREIRA, 2008, p. 2).
Nessa mesma linha de pensamento, Gadotti (2013, p. 02) assim fala sobre a
temtica:
Qualidade significa melhorar a vida das pessoas, de todas as pessoas. Na
educao a qualidade est ligada diretamente ao bem viver de todas as nossas
comunidades, a partir da comunidade escolar. A qualidade na educao no
pode ser boa se a qualidade do professor, do aluno, da comunidade ruim.
No podemos separar a qualidade da educao da qualidade como um todo,
como se fosse possvel ser de qualidade ao entrar na escola e piorar a
qualidade ao sair dela.
O alcance da qualidade no um processo simples, ao contrrio, complexo e
depende de muitos fatores, os quais ultrapassam os limites da escola, passam por ela,
mas vo alm dela. Sobre esses fatores, o mesmo autor diz que o conceito de qualidade
polissmico e deve ser entendido tanto do ponto de vista social (relacionado com a
equidade) quanto econmico (relativo eficincia no uso dos recursos destinados
educao). Assim sendo, ainda segundo Gadotti, faz-se necessrio estabelecer padres
de qualidade do processo ensino-aprendizagem e mensurar a eficincia e a eficcia dos
sistemas educacionais, contudo, na avaliao do alcance de resultados positivos na
educao, tambm se faz necessrio levar em conta um conjunto de indicadores, pois
[...] a qualidade tem fatores extraescolares e intraescolares; preciso considerar outros
critrios tambm, subjetivos, sempre deixados de lado, mas que podem ser
dimensionados intencionalmente. (GADOTTI, 2013, p. 10).
Neste cenrio, quando se busca a qualidade da educao, assumem relevante
papel as polticas pblicas educacionais que se proponham a regular estratgias de
oferta educacional e assegurar certa estabilidade dos sistemas de ensino. Sistema este de
quem muito espera a sociedade, uma vez que, da educao, todos esperam, de alguma
forma, uma resposta relacionada ao [...] desenvolvimento econmico, social, cultural e
tico. (MAXIMO E NOGUEIRA, 2009, p. 13). As polticas pblicas so pensadas,
implantadas e implementadas visando corresponder, ou, pelo menos, aparentar
16
corresponder, s demandas da sociedade e se efetivam em diversos setores desta.
Inserem-se no mbito das polticas pblicas as polticas sociais e, dentre estas, as
educacionais, que dizem respeito especificamente educao escolar e circunscrevem-
se em contextos em que temticas educativas se fazem presentes, como a preocupao
com a qualidade do ensino, com a formao de sujeitos crticos e conscientes de seus
direitos e deveres, capazes de exercer de maneira plena a cidadania. De acordo com
Santos (2003, p. 31),
As polticas, as estratgias e os programas educacionais, os mais diversos
processos educativos, em diferentes mbitos, pblicos e privados, passam a
constituir o foco do esforo terico-prtico realizado no interior do campo
para compreender o fenmeno educativo e produzir subsdios para a
formulao de novas propostas educativas.
Pautados pela busca da democratizao e da qualidade da educao muitos
gestores pblicos tm empreendido aes com o objetivo de subsidiar escolas,
professores, alunos e comunidade em geral para que juntos possam trabalhar no sentido
de garantir a todos os cidados o acesso ao conhecimento produzido pela sociedade.
Dentre essas aes esto as que se caracterizam pela propositura de polticas pblicas
educacionais, de novas propostas educativas, como disse Santos (Op. Cit.).
Nesse caminho tem seguido o governo do Estado de Mato Grosso que, nos
ltimos anos, tem implementado algumas medidas na rea da educao que pretendem
no apenas garantir a oferta da educao bsica gratuita, mas a permanncia dos alunos
nas salas de aula e que essa permanncia seja acompanhada de aprendizagem. Dentre as
medidas efetivadas pelo governo do estado de Mato Grosso, pode-se citar a implantao
gradativa do ensino organizado por ciclos de formao humana, a partir de 1998, sendo
que hoje todas as turmas do ensino fundamental assim esto organizadas; a criao e
manuteno de quinze centros de formao e atualizao dos profissionais da educao
bsica (Cefapros), que so distribudos em polos e responsveis pela formao
continuada dos profissionais da educao e pela implantao e implementao das
polticas pblicas oriundas do Ministrio da Educao e Cultura (MEC) e da Secretaria
de Estado de Educao (Seduc) e, mais recentemente, a elaborao e implementao das
17
orientaes curriculares para a educao bsica do estado de Mato Grosso (OCs)2. Essas
orientaes visam, alm do cumprimento de dispositivos da lei n. 9.394/96, diretrizes e
bases da educao nacional (LDB), subsidiar o trabalho dos profissionais que atuam na
educao bsica estadual, sendo enunciadas como uma proposta curricular que objetiva
nortear as prticas educacionais em todas as instituies educacionais da rede estadual.
A elaborao das OCs teve incio no ano de 2007, com as primeiras discusses
encaminhadas por membros da Secretaria de Estado de Educao, junto aos Cefapros,
s assessorias pedaggicas estaduais, s unidades escolares e s instituies de ensino
superior do estado, como a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a
Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT). So documentos que contemplam
todas as etapas e modalidades da educao bsica oferecidas pela rede estadual de
ensino, com referenciais tericos e metodolgicos que abordam contedos educacionais
de maneira geral e especfica, uma vez que so as OCs organizadas por rea do
conhecimento, contemplando o ensino fundamental e mdio, como suas especificidades
(diversidades, EJA, ensino mdio integrado, PROEJA3, educao indgena, educao do
campo e educao especial). No momento atual, encontram-se estas orientaes na
etapa de implementao, ou, no contexto da prtica, o que quer dizer que esto (ou
deveriam estar) sendo utilizadas pelos profissionais da educao do estado em suas
prticas cotidianas, pois
A organizao das orientaes curriculares pressupe uma ao poltica de
carter epistemolgico que leva em considerao a ideia de que o currculo
uma construo de conhecimentos voltada para a formao humana
resultante de uma mediao scio-histrica e cultural. Da a importncia
desta ao dialgica entre Seduc, Cefapros, Assessorias Pedaggicas, escolas,
universidade, movimentos sociais e comunidade na construo coletiva deste
documento. (MATO GROSSO/SEDUC, 2010 a, p. 01).
2 Sobre a implantao do ciclos de formao humana, os centros de formao e atualizao dos
profissionais da educao bsica (Cefapros) e as orientaes curriculares para a educao bsica do
estado de Mato Grosso dedico especial ateno no Captulo IV, denominado Orientaes curriculares para a educao bsica do estado de Mato Grosso. 3 PROEJA Refere-se educao de jovens e adultos, constituindo-se como o programa de integrao da
educao profissional ao ensino mdio, instituda no estado de MT pelo Decreto n 5.840/06. Esse programa visa propiciar a consolidao de um projeto nacional que tem como fundamento a integrao
entre trabalho, cincia, tcnica, tecnologia, humanismo e cultura geral, com a finalidade de contribuir para
o enriquecimento cientfico, cultural, poltico e profissional, condio necessria para o efetivo exerccio
da cidadania. (MATO GROSSO/SEDUC, 2009, p. 85).
18
As orientaes curriculares para a educao bsica do estado de Mato Grosso
so o foco de minha pesquisa de doutorado, tema que elegi por compreender a
importncia destas para a educao pblica e almejar tornar mais claro o processo de
sua elaborao, bem como dar visibilidade a sua implementao na rede estadual de
ensino e maneira como os sujeitos/atores foram e esto envolvidos nesse processo,
como se deu e est se dando a participao destes, que se distribuem nos diversos
rgos da educao estadual, como na prpria Seduc, nos centros de
formao/Cefapros, nas assessorias pedaggicas e nas escolas.
nesta perspectiva que desenvolvi o estudo que resultou no texto que ora
apresento e que tem como ttulo: Orientaes Curriculares para a Educao Bsica de
Mato Grosso: anlise da poltica como texto e discurso. Para encaminhar o estudo,
elegi como questo central da pesquisa: Como foram elaboradas a orientaes
curriculares para a educao bsica do estado de Mato Grosso, quais sujeitos/atores
participaram de quais etapas e quais discursos foram produzidos por estes nos
contextos de influncia, de produo do texto e da prtica? A partir de tal
questionamento, os passos foram sendo tomados e o estudo conduzido de modo a
buscar o alcance do seguinte objetivo geral: Analisar as orientaes curriculares para a
educao bsica do estado de Mato Grosso, com o intuito de compreender como foram
elaboradas, considerando-se os contextos de influncia, de produo do texto e da
prtica, bem como dar visibilidade aos discursos dos sujeitos/atores nestes contextos.
Os objetivos especficos tambm foram estabelecidos para que o caminho percorrido
pudesse chegar ao destino pretendido e encontram-se registrados no Captulo que
sucede a estas primeiras palavras.
A opo por esta temtica de estudo est diretamente relacionada com minha
atuao profissional. Sou professora da rede municipal de ensino de Rondonpolis
MT e da rede estadual de ensino de Mato Grosso, sendo que naquela rede sou
concursada desde 1994 para trabalhar com os anos iniciais do ensino fundamental e,
nesta ltima, tambm concursada desde o ano de 2000, mas para atuar nos anos finais
do ensino fundamental e no ensino mdio, como professora de lngua portuguesa e
literatura brasileira. No ano de 2006 fui selecionada para integrar o grupo de formadores
do centro de formao e atualizao dos profissionais da educao bsica do estado de
Mato Grosso/Cefapro de Rondonpolis, como professora formadora de lngua
portuguesa. Desde ento atuo neste centro com a formao de professores de lngua
portuguesa da regio sul do estado e tambm com a implantao e implementao de
19
polticas educacionais, programas e projetos da Secretaria da Seduc e do MEC. Nesse
contexto em que estou inserida, as OCs se fizeram presentes desde as primeiras
discusses, uma vez que os Cefapros, por meio de seus profissionais, atuaram e atuam
como atores fundamentais em todos os contextos que envolveram e envolvem as OCs,
inclusive, participando das formaes oferecidas pela Seduc aos professores dos centros
de formao e encaminhando as discusses junto s escolas.
Os professores dos centros de formao, bem como os gestores, so responsveis
da linha de frente, junto aos profissionais da Seduc e s assessorias pedaggicas, pela
implementao das OCs nas escolas estaduais, devendo orientar, oferecer formao e
acompanhar o trabalho dos professores, por meio do acompanhamento direto s escolas
que fazem parte da regio em que se encontra cada centro. No total, so quinze
Cefapros, distribudos pelo estado e so os profissionais destes centros considerados
atores importantes para a educao, bem como para a elaborao e implementao das
orientaes curriculares.
Por compor o quadro de professores formadores do Cefapro, tive a oportunidade
de participar do processo seletivo para um curso de doutorado interinstitucional (Dinter)
em Educao, numa parceira entre a UNEMAT e a Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Na poca do processo seletivo (setembro de 2009), como era
necessria a apresentao de uma proposta de estudo/pesquisa, a minha voltava-se para
o trabalho com o discurso dos professores de lngua portuguesa da rede estadual de
ensino do municpio de Rondonpolis, onde resido e trabalho. Intencionava verificar a
relao entre o discurso dos professores e a prtica efetivada em sala de aula; meu
anteprojeto tinha como ttulo: A construo da subjetividade do professor de lngua
portuguesa no momento da transposio didtica, sendo esta proposta inscrita na linha
de pesquisa Educao: Arte Linguagem e Tecnologia. Na poca, visei como orientadora
a professora Regina Mutti. Contudo, ao ser selecionada para o doutorado, no final de
2009, fui direcionada para outra linha de pesquisa tica, Alteridade e Linguagem na
Educao, com orientao da professora Margarth Schaffer, mudando tambm a
temtica de estudo. Ento, no incio de 2010, em funo da temtica de trabalho da
orientadora, mudei o foco de pesquisa para a constituio da subjetividade do professor
de Lngua Portuguesa, mas no mais na perspectiva da anlise de discurso do professor
e sim com um olhar voltado para os pressupostos da Psicanlise, tendo Lacan como o
principal interlocutor. Devo confessar que essa etapa dos estudos foi um tanto sofrida,
pois me vi na condio de uma aluna que deveria concluir o curso de doutoramento e
20
que se aventurara numa linha de estudos completamente diversa e estranha. O estranho
me causou medo e angstia, mas ainda assim no desisti e busquei corresponder s
expectativas da orientadora e minhas tambm, procurando me inteirar das leituras e
cursando disciplinas relacionadas psicanlise. Ao final do segundo semestre de 2010
j havia me integrado ao ento grupo de estudo e s vezes arriscava alguma participao
durante as discusses, tendo inclusive a ideia do projeto de pesquisa que desenvolveria.
Entretanto, no final de 2010, devido a problemas de sade da orientadora, me vi
numa situao de nova mudana, teria que procurar outro professor que pudesse me
orientar. Entendi ento que, como iria mudar de orientao, poderia tambm mudar de
linha de pesquisa e, desse modo, aps o dilogo com a coordenao do Dinter,
vislumbrei a possibilidade de estudar algo que tambm fizesse parte de minha vida
profissional, ou seja, que estivesse relacionado minha atuao como professora do
centro de formao e experincia que tive (de 1998 a 2003) na secretaria municipal de
educao de Rondonpolis. Assim, no primeiro semestre de 2011 passei a fazer parte da
Linha de Pesquisa Poltica e Gesto de Processos Educacionais, sendo aceita como
orientanda da professora Nal Farenzena, o que concebo como um presente divino, num
momento em que tudo parecia to incerto e sem muitas perspectivas no que tange ao
doutorado, por ela fui aceita e este fato fora muito positivo nesse meu caminhar.
Considerando as possibilidades de estudo que pudessem manter relao com o
campo de atuao da professora Nal e meus interesses de pesquisa, apresentei trs
possibilidades de estudos: 1) desenvolver uma pesquisa que tivesse os prprios
Cefapros como tema central; 2) estudar como est organizado e como os educadores das
escolas da rede estadual de MT fazem uso do espao de formao continuada
denominado de sala do educador e 3) desenvolver um estudo sobre as OCs da
educao do estado de MT. Ento, juntas compreendemos que seria relevante, no
momento, o estudo da poltica pblica educacional do estado de MT. Nesse prisma e
inserida neste contexto de estudo, considerei que seria pertinente e relevante, tanto para
minha formao e atuao profissional, como para a educao de Mato Grosso, estudar
e analisar os caminhos percorridos e os discursos produzidos durante a elaborao e
implementao das OCs, no intuito de colaborar para com a reflexo e melhor
compreenso desses caminhos e discursos e da maneira como esto sendo utilizadas
hoje as OCs pela Seduc, pelos Cefapros, pelas assessorias pedaggicas e pelas escolas
estaduais.
21
Foi com esta propositura de trabalho que dei continuidade aos estudos do
primeiro semestre de 2011, ainda cumprindo os crditos, sendo que de fundamental
importncia foram as leituras realizadas durante a disciplina Polticas Pblicas para a
Educao Bsica, sob a coordenao da minha orientadora, as quais me fizeram refletir
sobre as OCs e sobre os processos que envolveram sua elaborao. Despertei para a
possibilidade de estudar documentos e prticas a partir da abordagem de anlise de
polticas pblicas, na perspectiva da anlise do ciclo de polticas proposto por Ball e
Bowe (1992 e 1994), o qual compreende os seguintes contextos: contexto de influncia,
contexto de produo do texto, contexto da prtica, contexto dos resultados ou efeitos e
contexto de estratgia poltica4. Ressalto que, devido ao fato de as OCs encontrarem-se
no processo de implementao e por compreender a complexidade do estudo de uma
poltica pblica educacional, os dois ltimos contextos do ciclo de polticas no se
constituram como objeto de estudo. Pensando na possibilidade de dar voz a alguns
sujeitos/atores da educao do estado que fizeram e fazem parte dos processos que
envolvem as OCs e considerando minha formao inicial, licenciatura em Letras, me
propus a fazer uso dos pressupostos da AD (anlise de discurso) de linha francesa, tendo
como principais interlocutores Orlandi (1997, 1998, 2000 e 2012) e Pcheux (2008), na
tentativa de melhor compreender os discursos que foram e esto sendo produzidos na
Seduc, nas assessorias pedaggicas, nos Cefapros e nas escolas estaduais em torno de
tais orientaes, com o intuito tambm de que isto se configure como um diferencial
desta tese e da anlise da poltica educacional em pauta.
Neste prisma caminhei e, de passo em passo, cheguei ao texto que ora apresento:
aps a descrio destes primeiros passos do doutoramento, sintetizo os textos
subsequentes que formam esta tese.
No primeiro texto, intitulado: As escolhas, os caminhos da pesquisa...,
apresento as escolhas feitas durante o caminho trilhado, os passos dados, as primeiras
decises que se fizeram necessrias, e dou continuidade descrio de minha trajetria
pessoal e profissional. Alm disso, detalho a questo norteadora da pesquisa, os
objetivos traados e as definies pertinentes seleo dos sujeitos/atores, que perfazem
um total de dezessete, sendo estes integrantes da Seduc, dos Cefapros, das assessorias
pedaggicas e das escolas dos municpios de Barra do Garas e Rondonpolis e um
4 Nos dois captulos seguintes, ao abordar os contextos propostos por Ball e Bowe (1992 e 1994), deixo
claro o porqu de tal opo metodolgica e descrevo sobre os contextos em si, de acordo com as ltimas
publicaes sobre a temtica.
22
representante do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Pblico de Mato Grosso
(SINTEP); alm do cenrio da pesquisa, caracterizo a composio do corpus, formado
pelos dispositivos analtico (entrevistas, narrativas e documentos) e terico (bases
terico-metodolgicas, anlise de discurso e anlise de polticas pblicas ciclo de
polticas).
O texto que segue foi denominado de Bases tericas e metodolgicas: um
dilogo necessrio e nele encontra-se registrado o dispositivo terico que sustentou a
interpretao dos dados, do dispositivo analtico, e, para melhor compreenso, foi
subdividido em itens que apresentam o dilogo com autores que tratam de temticas
relacionados/as: a) ao currculo escolar de modo mais abrangente e suas concepes;
aos estudos curriculares no Brasil; s influncias da globalizao no currculo e ao
interculturalismo no currculo; b) s polticas pblicas; polticas sociais, educacionais e
curriculares e c) anlise de polticas pblicas, ao ciclo de polticas e anlise de
discurso de linha francesa. Dando continuidade, o passo seguinte trata do texto
Orientaes curriculares para a educao bsica do estado de Mato Grosso e contm
itens que descrevem um pouco sobre o estado de Mato Grosso; a educao bsica do
estado, os centros de formao dos profissionais da educao Cefapros e sobre as
orientaes curriculares para a educao bsica, de modo a apresentar tais documentos.
Posteriormente e j bem prximo do objetivo do estudo, os passos me
conduziram escrita da anlise, da interpretao dos dados, os quais denomino, com
base na AD, de dispositivo analtico e que estabelecem um dilogo com o dispositivo
terico, sendo este o que sustenta a leitura que fao dos dados e das informaes
gerados durante a efetivao do estudo. Esta leitura se concretizou com base nos
pressupostos da anlise de polticas pblicas, tendo feito uso especificamente do ciclo
de polticas, considerando deste: o contexto de influncia, as influncias
globais/internacionais, nacionais e locais que fizeram com que as OCs passassem a
compor a agenda governamental; o contexto da produo do texto da poltica, as etapas
pelas quais passou o texto, a circulao deste entre os sujeitos/atores nas diferentes
esferas da educao do estado; e o contexto da prtica, a implementao da poltica em
diferentes esferas e pelos sujeitos/atores da educao.
Dessa maneira, busquei compreender as OCs a partir dos trs contextos do ciclo
de polticas e, simultaneamente, trouxe a voz dos sujeitos/atores que se fizeram
presentes em todas as etapas pelas quais passou a poltica pblica, at a sua
implementao, respaldada no referencial terico da AD de linha francesa. Busquei,
23
ento, analisar os discursos que foram produzidos e permearam o processo de
elaborao das orientaes curriculares, desde a Seduc at as escolas, na tentativa de,
nos discursos destes, identificar os grupos que participaram da elaborao do texto da
poltica pblica, os sujeitos/atores que tiveram voz e de que maneira estes
recontextualizam o texto, quais discursos foram e esto sendo produzidos e se h
processos de resistncias por parte dos educadores. Este texto tem como ttulo Anlise
da poltica como texto e como discurso.
A efetivao do estudo, meu caminhar de passo em passo at o destino traado,
me possibilitaram dizer que as orientaes curriculares para a educao bsica do estado
de Mato Grosso se constituem, sem dvidas, em um avano para a educao pblica,
uma vez que so estes referenciais orientativos que contemplam a educao bsica
desde o ensino fundamental at o ensino mdio, suas especificidades e modalidades. A
elaborao das OCs se deu modo a envolver os segmentos da educao do estado, sendo
que, nesse processo, houve a participao dos sujeitos/atores por representao, de
modo que a participao destes foi parcial, no alcanado a todos os educadores e
sociedade e este fato se constitui como um fator que desencadeou e est desencadeando
algumas formas de resistncias por parte dos educadores. Ainda assim, esta poltica
pblica educacional curricular foi elaborada de forma a considerar outros segmentos
que no apenas o estado, a administrao. Estas e outras constataes encontram-se no
texto destinado s consideraes finais.
Ao trmino da escrita da tese, os ltimos passos foram dados para encaminhar o
texto at o destino que, por ora, considero final, mas na certeza de que este destino
sempre infindvel, pode ser reconstrudo e refeito. Ento, apresento as referncias
utilizadas e os anexos da tese.
Assim sendo, no texto seguinte, abordo aspectos relativos aos caminhos
metodolgicos e aos caminhos da pesquisa.
24
2 AS ESCOLHAS, OS CAMINHOS DA PESQUISA...
Gostaria de ter atrs de mim (tendo tomado a
palavra h muito tempo, duplicando de antemo
tudo o que vou dizer) uma voz que dissesse: preciso continuar, eu no posso continuar, preciso
pronunciar palavras enquanto h, preciso diz-las
at que elas me encontrem, at que me digam entranho castigo, estranha falta, preciso continuar
[...]. (FOUCAULT, 2010, p. 06)
Este Captulo tem a finalidade de apresentar os passos dados, os caminhos
percorridos durante o percurso que culminou na realizao do presente estudo.
Inicialmente, falo, enquanto pesquisadora, da dificuldade em descrever tais passos e
caminhos, bem como da soluo encontrada para o registro escrito que ora apresento.
Ainda, apresento a questo de pesquisa, os objetivos traados, os sujeitos/atores e a
forma de coleta das informaes que possibilitaram a visualizao dos caminhos
percorridos e dos discursos produzidos durante a elaborao e a implementao das OCs
enquanto poltica pblica educacional. Por fim, abordo os aspectos terico-
metodolgicos, denominados de dispositivo terico, que sustentaram a anlise dos
dados, que so os dispositivos analticos e que compem o corpus da pesquisa.
2.1 AS PRIMEIRAS DECISES
Ao iniciar este texto gostaria de compartilhar o momento em que me encontro.
Momento tempo, momento escrita, momento tese... Em meio ao frio de Porto Alegre e
s notcias de que em Mato Grosso as temperaturas ultrapassam os 40C, sinto-me como
se estivesse l e aqui ao mesmo tempo quando se trata da escrita. s vezes caminho
como se j tivesse o rumo definido, como se a temperatura da escrita fosse um meio
termo, outras vezes, no h rumo algum, no sei por onde caminhar, sinto-me com
25
muito frio e muito calor em um s instante e a reside a angstia. Falar sobre os
caminhos metodolgicos da pesquisa, pensava eu, seria o momento mais tranquilo,
pois fui eu quem fiz todo o percurso pra chegar at aqui, sou eu quem est escrevendo
(sem desconsiderar a orientadora), ledo engano. Li textos e teses para procurar
inspirao, mas a escrita individual, do sujeito, faz parte de sua subjetividade,
nica. Ento, arrisco um caminho, um meio termo entre o frio e o calor.
Parte de minha trajetria pessoal e profissional j fora descrita na introduo
desta tese, nesta trajetria se inclui a mudana de linha de pesquisa e de orientao, o
que me fez mudar completamente os rumos de meus estudos, mudar de foco. Agora,
inscrita numa linha de pesquisa muito mais prxima de meu percurso profissional e
pessoal, dei incio a novas leituras, percorrendo um novo caminho e a, penso, a
metodologia da pesquisa j tivera incio e isto que gostaria de compartilhar. Realizar
um estudo que culmine numa dissertao, numa tese algo complexo, experincia
nica, fascinante, porm no fcil, mas no impossvel. A metodologia, nesse caso,
tem incio quando as primeiras decises so tomadas, desde a escolha das disciplinas a
cursar, pois tais escolhas so ou devem ser feitas tendo em vista o que se deseja
pesquisar e assim procedi no decorrer do curso.
Momento dos mais importantes para os rumos da pesquisa foi a participao nas
aulas de minha orientadora e a realizao de um trabalho em grupo para o final da
disciplina, pois foi a partir de ento que os passos que deveria seguir para a conduo da
investigao comearam a ser delineados com maior preciso. Considerando que
durante as aulas lemos vrios textos que tratavam de polticas pblicas e, como
professora da rede estadual de ensino de MT trabalho como formadora do Cefapro e
este centro responsvel pela conduzir o processo de implementao de polticas
pblicas estaduais e nacionais, decidi por estudar uma poltica estadual, a mais recente,
a que versa sobre as orientaes curriculares para a educao bsica do estado. Estas
orientaes so conhecidas entre os envolvidos com a educao do estado por OCs e
assim as nomeio em vrios momentos do texto. O tema de estudo havia ento emergido,
mas o que considerar a partir destes documentos? Aps algumas leituras que tratavam
especificamente de polticas pblicas e alguns encontros com a orientadora, decidi por
analisar os processos de elaborao e implementao das orientaes enquanto poltica
pblica educacional. Neste momento, pensei que se estivesse inserida em um programa
de doutorado na rea de Letras ou Linguagens, faria anlise de discurso das OCs, mas
como no estava, ficaria mesmo com a anlise da poltica, que tambm me fascinara
26
pela possibilidade de melhor compreender como estes documentos foram elaborados e
como foram (re)interpretados na prtica da poltica.
Os caminhos precisavam ainda de muitos ajustes, ento, optei por realizar a
anlise das OCs como poltica educacional curricular tendo como referencial terico-
metodolgico a anlise de polticas pblicas, mais precisamente, o ciclo de polticas,
proposto por Ball e Bowe (1992 e 1994) e tambm estudado por Mainardes (2006, 2007
e 2011). Considerando o tempo de estudo e a grandeza do objeto de pesquisa, entendi
que seria pertinente a utilizao dos pressupostos tericos dos trs primeiros contextos
que compem a abordagem do ciclo de polticas: o de influncia, o da produo do texto
e o da prtica, sobre os quais tratarei mais adiante. Contudo, ainda persistia o desejo de
desenvolver um estudo que tambm tivesse relao com minha rea de formao,
Letras. Foi ento que, juntamente com a orientadora, decidi que, junto com a anlise da
poltica nos trs contextos, tambm faria a anlise de discurso dos sujeitos/atores que
participaram dos processos de deciso, elaborao e implementao das orientaes
curriculares.
Desse modo, nesta tese, busquei estabelecer o dilogo entre dois referenciais
terico-metodolgicos, sendo a anlise de polticas pblicas, a partir da abordagem do
ciclo de polticas, e a anlise de discurso AD, de linha francesa, cujo corpus emprico
centrou-se nas orientaes curriculares para a educao bsica do estado de MT. Estes
documentos, como se ver com mais preciso no Captulo seguinte desta tese, se
propem a orientar a educao bsica do estado, desde os primeiros anos do ensino
fundamental ao ensino mdio, bem como as especificidades e modalidades desta etapa
da escolaridade.
As orientaes curriculares passaram por um processo de elaborao, iniciado
em 2007, e encontram-se, neste momento, na fase de implementao. A Seduc foi a
responsvel pela conduo da elaborao do texto da poltica e parte da implementao,
juntamente com as assessorias pedaggicas e os Cefapros Centro de Formao e
Atualizao dos Profissionais da Educao Bsica de Mato Grosso e sobre os quais
dedicada maior ateno no Captulo intitulado Orientaes curriculares para a
educao bsica do estado de Mato Grosso. As escolas estaduais e o sindicato dos
trabalhadores da educao do estado (SINTEP) tambm, por meio de seus
representantes, participaram do processo de elaborao do texto da poltica.
Em meio a leituras e definies, os caminhos da tese foram sendo construdos,
aos poucos, pois s vezes, quando pensava que havia avanado na construo do
27
discurso do texto, sentia necessidade de refazer e reescrever. Assim, aps a definio do
objeto de estudo, intensifiquei as leituras referentes ao currculo, tendo em vista que o
documento educacional tido como referncia para a efetivao da pesquisa destina-se a
orientar os profissionais da educao do estado no que tange ao desenvolvimento do
currculo escolar da educao bsica nas etapas do ensino fundamental e ensino mdio,
incluindo suas modalidades e especificidades; anlise de polticas pblicas para que as
ideias pudessem ser organizadas, no sentido de melhor compreender a ferramenta de
anlise escolhida, para ento, ajust-la anlise da poltica pblica em foco.
Ento, nesta tese, o respaldo terico-metodolgico alicerado em abordagens
tericas distintas e complexas, mas que se complementam: anlise de poltica pblica e
anlise de discurso. As leituras de autores como Mainardes (2006 e 2007), Ball e
Mainarde (2011), Ball (2011), Muller (2010), Deubel (2000 e 2002) Macedo (2010),
Lopes (2006 e 2010), Moreira (2004, 2008 e 2010), Pcheux (2008) e Orlandi (1997,
1998, 2000 e 2012) firmaram meu desejo de fazer um estudo que no s analisasse a
poltica, o que no pouco, mas tambm os discursos produzidos nas suas diferentes
etapas. Isto porque compreendo que os textos so discursos materializados
linguisticamente e que a AD um campo multidisciplinar, podendo ento se realizar a
anlise de discurso em contextos mltiplos. Ademais, todos os contextos da poltica
estudada envolvem diretamente a participao de pessoas, as quais, denomino, neste
estudo, de sujeitos/atores e estes esto em constante produo e reproduo de
discursos, num movimento de interpretao e recontextualizao dos textos e discursos.
Com esta perspectiva, caminhei um pouco, elaborei, ento, o projeto de
pesquisa, intitulado Orientaes Curriculares para a educao bsica do estado de Mato
Grosso: caminhos percorridos, discursos produzidos, cuja qualificao ocorreu em 30
de maro de 2012 e contou a valiosa colaborao/participao dos professores: Regina
Maria Varini Mutti (UFRGS), Jefferson Mainardes (UEPG) e Lindalva Maria Novaes
Garske (UFMT Rondonpolis, por meio de Parecer), sob a orientao da professora
Nal Farenzena. A defesa ocorreu de maneira tranquila, sendo que algumas sugestes
para melhor qualificar o trabalho foram dadas pela banca, sugestes estas que foram
acatadas, por entender que as mesmas enriqueceriam o discurso da tese.
Desse modo, a metodologia, os caminhos, os passos foram ganhando forma,
foram se ajustando e seguindo os trilhos da tese. Alguns dias aps a defesa, mais um
passo necessrio, ler e reler os pareceres dos professores da banca e as anotaes feitas
no dia da qualificao por mim e pela orientadora. Dentre as reflexes realizadas,
28
destaco a deciso de reduzir o nmero de sujeitos/atores, tendo em vista que a previso
consistia em entrevistar profissionais de cinco Cefapros, cinco escolas estaduais e duas
assessorias pedaggicas, alm dos gestores da Seduc e representante do SINTEP, o que
somaria um total de trinta e dois sujeitos/atores. Ento, optei por trabalhar com um
quantitativo de profissionais de dois Cefapros, duas assessorias pedaggicas e duas
escolas estaduais, dois sujeitos da Seduc e um representante do sindicato, conforme
descrito posteriormente. Desse modo, o total de sujeitos ficou em dezessete.
Eleitos os sujeitos/atores da pesquisa, a sequncia dos estudos foi a constituio
do corpus, que tivera incio no segundo semestre de 2011 e s foi concluda em
setembro de 2013, devido ao fato de que alguns profissionais tinham muitos
compromissos, afazeres e, ento, tive que esperar os tempos destes para que pudessem
conceder a entrevista e produzir as narrativas. Embora o nmero de informantes da
pesquisa tivesse reduzido, coletar os dados e as informaes pretendidas no se
constituiu como uma tarefa simples, isto porque resido em Rondonpolis, a Seduc tem
sua sede em Cuiab, a 210 km e, Barra do Garas, cidade onde se situa o outro Cefapro,
fica a 450 km de Rondonpolis. Esta a configurao do estado de Mato Grosso,
extenso como poucos no pas.
Paralelo coleta de dados, fui realizando a transcrio das entrevistas, tarefa que
exigiu concentrao e tempo, muito tempo, tendo em vista que algumas das entrevistas
duraram mais de duas horas. Contudo, embora tenha sido necessrio dispensar
considervel tempo s transcries, entendo que esta uma atividade imprescindvel
para a compreenso dos dados, das falas dos sujeitos. Foi primordial esta etapa para a
anlise realizada.
De passo em passo, alguns mais lentos e mais complexos, fui percorrendo e
fazendo meu caminho. Neste percurso, as leituras no cessaram, continuaram neste
meio tempo. Meados de 2012 dei incio escrita da tese, confesso que fiquei sem saber
por onde comear, o que escrever primeiro, como organizar as informaes, como
estabelecer o dilogo com os autores, quais falas destes priorizar. De qualquer modo,
deveria ter incio a tese, escrever era preciso, o tempo passa rpido e caminhar era
preciso. Ento, decidi por escrever o Captulo terico para ento passar anlise, ao
estudo e compreenso dos dados e parte metodolgica. Contudo, na escritura de uma
tese, ao que vivi, no possvel separar o trabalho por etapas, de maneira hierarquizada,
estruturada, fracionada, creio que assim no daria conta da escrita que ora apresento.
Nesse prisma, fui lendo, escrevendo, realizando as transcries, coletando dados e
29
participando de uma disciplina com os colegas de orientao, no segundo semestre de
2012 e, tambm, no segundo de 2013. Esta atividade, a de participar das aulas da
professora Nal, juntamente com os outros orientandos desta, foi de extrema relevncia
para mim, pois o contato, o dilogo com os pares muito contribuiu para a tomada de
decises tericas e metodolgicas.
2.2 DELINEANDO O CENRIO DA PESQUISA
2.2.1 Objetivos e Questo de Pesquisa
A educao do estado de Mato Grosso, especificamente as orientaes
curriculares para a educao bsica ocuparam o lugar central deste estudo. Tendo
como base os documentos denominados Orientaes Curriculares para a educao
bsica do estado de Mato Grosso, que foram elaborados com o objetivo de orientar
as aes educacionais das escolas pblicas estaduais de MT no que tange ao
currculo, elaborei o projeto de pesquisa e, a partir dele, os caminhos possveis para
a efetivao do estudo pretendido. Durante todo o processo de elaborao da OCs,
muitos atores se fizeram presentes, com participaes mais ou menos diretas e com
a produo de discursos em todas as etapas; meu interesse consistiu em resgatar
esses discursos, por amostragem, e analis-los de acordo com o momento em que
foram produzidos e considerando o lugar ocupado por cada sujeito/ator, dentro dos
contextos: de influncia, da produo do texto e da prtica.
Dessa maneira, para nortear a pesquisa, defini como questo central: Como
foram elaboradas as Orientaes Curriculares para a Educao Bsica do Estado
de Mato Grosso, quais os sujeitos/atores participaram de quais etapas e que
discursos foram produzidos por estes nos contextos de influncia, de produo do
texto e da prtica? Para responder a tal questionamento, elegi como objetivo geral:
analisar as orientaes curriculares para a educao bsica do estado de MT, com
o intuito de compreender como foram elaboradas, considerando-se os contextos de
30
influncia, de produo do texto e da prtica, bem como dar visibilidade aos
discursos produzidos pelos sujeitos/atores envolvidos nestes contextos.
Estabelecer os rumos, os passos que conduziro ao caminho da pesquisa, ao
destino pretendido se faz imperioso para o encaminhamento da mesma, mas esta
definio, assim como todo o percurso de uma tese, no pronta e acabada. Quando
da elaborao do Projeto de Tese, define-se o que se acredita que est pronto, mas o
caminhar passo-a-passo dita outros rumos, modifica o que era dito como certo e isso
ocorre de maneira natural, no sentido de que a pesquisa de campo, emprica, delineia
cuidadosamente e progressivamente todo o caminho do pesquisador. Este, por sua
vez, no um sujeito acabado, completo, est sempre em formao, sendo formado
e transformado pela linguagem, pelo outro, pelos discursos que atravessam o seu
discurso e, por assim se formar enquanto sujeito, levado a tambm transformar e
modificar o discurso da escrita, a rever o que tinha como certo e definido, num
processo de crescimento, de aprimoramento pessoal e intelectual.
Vivenciei a necessidade de modificaes no decorrer da pesquisa e,
especialmente, na escrita da tese, sendo uma delas a modificao das questes
estruturantes da pesquisa, registradas no Projeto de Tese e que, naquele momento, se
fizeram pertinentes, mas que o caminhar com o estudo se encarregou de modificar.
Estas questes deixaram de ser interrogaes, sendo reescritas como meios,
caminhos possveis de serem trilhados para o alcance do objetivo maior da pesquisa,
o que se descreve como objetivos especficos, assim dispostos:
1 Identificar as influncias que culminaram na deciso dos gestores pblicos
do Estado de MT de inscreverem a poltica pblica educacional curricular
para a educao bsica na agenda governamental.
2 Identificar, nas etapas do processo de elaborao e implementao da
poltica, qual a participao da Seduc, das assessorias pedaggicas, dos
Cefapros, do sindicato dos servidores pblicos estaduais e das escolas
estaduais e o que dizem os sujeitos/atores envolvidos de cada setor sobre
cada uma das etapas.
3 Analisar quais so os discursos que permeiam o documento das OCs
denominado Orientaes curriculares para a educao bsica, buscando
compreender as bases epistemolgicas e metodolgicas que fundamentam
estes discursos.
31
4 Verificar se, por se constiturem como documentos orientadores das prticas
pedaggicas referentes ao currculo escolar, as OCs esto sendo consideradas
pelos profissionais da educao da Seduc, das assessorias pedaggicas, dos
Cefapros e das escolas quando da elaborao de suas atividades didtico-
pedaggicas.
5 Analisar se as OCs estabelecem relao terico-metodolgica com a
proposta curricular de ciclos de formao humana.
6 Verificar se a implementao das OCs conta com alguma estratgia de
acompanhamento por parte dos rgos responsveis.
2.2.2 Os Sujeitos/atores e a Constituio do Corpus
A coleta dos dados, tanto documental quanto a realizada junto aos informantes
da pesquisa, em suas vrias etapas, constitui um dos caminhos da investigao que mais
apresenta percalos, modificaes, e o pesquisador precisa se ajustar a tais mudanas,
pois, nesta fase do estudo, quem define o tempo da coleta de dados so os informantes.
Esta realidade se fez presente em meu caminhar. Tinha eu bem definidos os
sujeitos/atores, a forma de coleta das informaes e o perodo em que isso ocorreria.
Ocorreria o tempo verbal apropriado, considerando as alteraes que se fizeram
necessrias no decorrer do processo, o que registro adiante neste texto.
A composio do corpus da pesquisa ocorreu no perodo de 2011 a 2013,
paralela participao nas aulas na UFRGS para o cumprimento dos crditos,
realizao das leituras pertinentes ao estudo e prpria anlise dos dados e escrita da
tese. como j disse, as etapas pelas quais passamos at chegarmos ao que esperamos
em uma tese, no so prontas e acabadas, e muito menos rgidas, estanques e definidas,
so, sim, contnuas, mutantes e complementares. A constituio do corpus, do
dispositivo analtico, se deu a partir dos seguintes materiais: aquisio, leitura e anlise
dos documentos das OCs, sendo os textos dos referenciais e registros referentes ao
processo de elaborao do texto; seleo dos sujeitos/atores e procedimentos para
entrevistas e produo de narrativas por parte destes; realizao das entrevistas e
participao em dois eventos realizados pela Seduc referentes s OCs.
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Entendo, com base nos pressupostos da AD, que o corpus no se resume a um
aglomerado estanque de textos, de outro modo, [...] um conjunto sem fronteira no
qual o interdiscurso, exterior, irrompe no intradiscurso [...]. (MAZIRE, 2007, p. 61).
Nesta viso, a interpretao desse corpus no pode ser fechada, possvel apenas pela
leitura explcita de um texto, mas realiza-se, sim, uma poltica de interpretao,
pautada num contexto amplo. Assim busquei proceder no tocante anlise das
informaes obtidas durante o caminho percorrido para compor o corpus.
O dispositivo analtico deste trabalho foi composto ento a partir de textos que
se fazem presentes em documentos oficiais sobre as OCs, nos diferentes processos de
elaborao e implementao; textos que tratam da participao das escolas, dos
Cefapros e das assessorias pedaggicas; as entrevistas realizadas com os sujeitos/atores
das diferentes instituies educacionais do estado e que fazem parte deste estudo; e os
textos/narrativas escritos/as produzidos/as por esses sujeitos/atores.
Sobre os documentos acima descritos, passo a tratar agora, num caminhar de
passos que, aos poucos, me alivia; sentir que a tese vai se delineando, ganhando corpo,
, sem dvidas, uma satisfao imensa. Ento, passo ao que de fato importa.
Dentre os documentos da Seduc considerados neste trabalho, esto as OCs; estas
orientaes possuem um formato semelhante ao dos Parmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), ou seja, so compostas de cadernos, de acordo com as reas do conhecimento e
especificidades da educao bsica, totalizando cinco volumes, como se pode verificar,
com mais detalhes, no Captulo IV desta tese. Um desses documentos foi denominado
de Orientaes curriculares para a educao bsica e sobre este exemplar que trato
na anlise, tendo em vista que no daria conta nem caberia numa tese a anlise do
conjunto das OCs. A opo por analisar este exemplar e no outro se deu em funo de
que se encontram nele registradas as concepes epistemolgicas e metodolgicas que
devem orientar a educao bsica, bem como um retrospecto da educao do estado nos
ltimos anos, sendo bem marcante o discurso da Seduc neste referencial. Desse modo,
este exemplar atende ao que me propus a estudar. Ressalto que a elaborao deste
documento, assim como das OCs como um todo, passou por vrias fases e, ento, busco
registrar essas fases e analis-las, no Captulo V, dando visibilidade aos documentos
escritos e reescritos, recontextualizados como textos e como discursos. Outros
documentos, elaborados ao longo do contexto de produo do texto da poltica, tambm
fizeram parte da anlise e so: Carta s escolas, encaminhada aos Cefapros e a todas
as unidades escolares da rede estadual em 2009 e os documentos oficiais obtidos em
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visita Seduc em outubro de 2012. Os Cefapros tambm disponibilizaram documentos
que registram a participao destes e das escolas no processo de produo e
implementao da poltica, conforme se constata na anlise dos dados.
No que diz respeito aos sujeitos/atores, busquei selecion-los de maneira que o
discurso dos mesmos possibilitasse uma viso dos trs contextos do ciclo de polticas:
de influncia, da produo do texto e da prtica. Com esta viso, elegi sujeitos/atores de
diversos segmentos da educao bsica estadual: da Seduc, das assessorias pedaggicas,
dos Cefapros, das escolas e de um Sindicato dos Trabalhadores da Educao, numa
tentativa de analisar o discurso que perpassa no apenas os contextos do ciclo da
polticas, mas que evidencia como cada segmento vivenciou/vivencia esses contextos e
a formao discursiva que sustenta cada discurso, ou seja, como cada sujeito significa a
poltica em anlise.
Na tentativa de melhor compreender os caminhos percorridos durante os
processos de elaborao e implementao da poltica pblica em estudo e de dar
visibilidade e voz aos sujeitos/atores da pesquisa, optei por duas formas de coleta de
dados, sendo elas a entrevista semiestruturada oral e gravada e a produo de uma
narrativa por estes sujeitos. Propus a escrita da narrativa por entender que, na entrevista,
embora o sujeito tenha certa liberdade em dizer o que deseja, este dizer fica limitado ao
enunciado do que lhe fora perguntado. Para a escrita deste texto/narrativa, elaborei um
enunciado amplo (Anexo I), apenas para situar o sujeito em relao a qual temtica
deveria seu discurso ser estruturado. At pensei que a escolha desta estratgia poderia
apresentar resistncias por parte daqueles que seriam convidados a produzir o texto.
Contudo, para minha grata surpresa, todos os sujeitos se prontificaram em registrar suas
experincias com as OCs, sem apresentar qualquer tipo de negativa. Ocorre que, como
j disse, nos caminhos de uma pesquisa, nem tudo se efetiva como pensamos ou
desejamos e, sobre este caminho, a escrita da narrativa, cinco sujeitos deixaram de
escrev-la. No entanto, pela riqueza das informaes obtidas nas entrevistas, ao analisar
o corpus como um todo, a ausncia destes textos no prejudicou a anlise da poltica,
considerando-se os objetivos estabelecidos.
Para a realizao das entrevistas, elaborei o que chamo de Protocolo de
Entrevista (Anexo II), com questes abertas, sendo que h, para cada segmento da
educao considerado nesta pesquisa, um protocolo diferenciado, pois, neste tipo de
entrevista, o pesquisador pode conduzir o dilogo a partir do estabelecimento prvio de
um conjunto de questes, sendo este momento muito semelhante a uma conversa
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informal. Este tipo de entrevista possibilita que o entrevistado tenha liberdade para falar
sobre a temtica em pauta, de maneira espontnea, sem tempo limitado para que a
conversa se encerre, alm disso, a interao entre entrevistador e entrevistado favorece o
desenvolvimento do discurso por parte do sujeito entrevistado. Prova disso que tenho
entrevistas com mais de duas horas de durao e outras que no chegaram a uma hora.
A diferenciao das questes que compuseram os Protocolos de Entrevista se fez
necessria em funo do papel que exerce/exercia cada entrevistado no momento em
que a entrevista foi realizada, pois o roteiro de cada um foi organizado com a
intencionalidade de que de fato o sujeito pudesse mostrar, por meio do discurso, sua
viso, seu entendimento, marcar seu posicionamento em relao poltica pblica
educacional enquanto membro de um setor dentro da educao estadual. Desse modo,
entendi que poderia obter considerveis informaes acerca dos processos pelos quais
passaram a elaborao e a implementao das OCs sob pontos de vistas diferenciados,
em funo do papel de cada sujeito/ator.
A efetivao das entrevistas foi marcada por momentos diferentes devido
localizao dos sujeitos/atores. Este momento, o da realizao das entrevistas, um
passo nico em cada pesquisa, sendo um dos passos que exige maior cuidado por parte
de quem se prope a trilhar os caminhos de um estudo com este meio para a coleta de
dados. Dei incio realizao das entrevistas no primeiro semestre de 2012, com os
sujeitos de Rondonpolis, cidade onde resido. Com estes sujeitos, tanto do Cefapro
como das escolas, conversei previamente sobre a pesquisa e marquei o dia e a hora que
melhor lhes convinha. Talvez pelo fato de trabalhar, de forma direta (no centro de
formao) ou indireta com estas pessoas, no encontrei qualquer dificuldade ou
resistncia. No caso do sujeito/ator da assessoria pedaggica de Rondonpolis, em
agosto de 2013 que encaminhei via e-mail5 o Protocolo de Entrevista.
Caminhando com o trabalho, um passo importante e, em termos de distncia,
mais longo; foi uma viagem, no segundo semestre de 2012, quando me desloquei para
Barra do Garas, onde entrevistei os sujeitos do Cefapro, de uma escola estadual e da
assessoria pedaggica deste municpio. Para tanto, num primeiro momento, entrei em
contato com a diretora do centro de formao, para que pudesse agendar as entrevistas,
tanto com ela como com a coordenadora e dois professores que se dispusessem a
5 Devido aos compromissos de alguns sujeitos/atores, no foi possvel a realizao da entrevista
pessoalmente. Ento, decidi, junto com a orientadora, que a soluo seria encaminhar via e-mail o
Protocolo de Entrevista correspondente funo exercida pelo entrevistado.
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colaborar com minha pesquisa. Como requisito, solicitei que estes professores tivessem
participado das discusses referentes s OCs. Os sujeitos/atroes da escola desta
localidade foram selecionados pelo centro de formao, que indicou qual escola poderia
contribuir. J, na escola, foi a coordenadora quem convidou o professor e marcou com
ele o dia da entrevista. Nestes espaos, no encontrei qualquer resistncia por parte dos
sujeitos/atores para a concesso da entrevista, ao contrrio, todos demonstraram
satisfao em participar da pesquisa e se prontificaram tanto em conceder a entrevista
quanto em produzir o texto solicitado. Contudo, em relao narrativa, cinco sujeitos
destes municpios no a entregaram, por mais que eu tenha insistido.
Em relao aos sujeitos/atores da Seduc, em outubro de 2012 me desloquei para
Cuiab, mas no foi possvel realizar, naquele momento, as entrevistas, em funo de
suas agendas e compromissos. Porm, alguns registros foram fornecidos por servidores
desta instituio. Para que pudesse contar com a participao dessas pessoas, eu e a
orientadora decidimos por encaminhar, via e-mail, o Protocolo de Entrevista,
juntamente com a proposta da narrativa. Infelizmente, apenas um sujeito devolveu tal
Protocolo e, ento, fiz uso de uma fala gravada de tal sujeito em uma formao com os
professores dos Cefapros, realizada em 2012. Em relao ao representante do sindicato,
apenas em setembro de 2013 pude definir qual seria o sujeito/ator que faria parte do
estudo, sendo que a escolha deste se deu pela indicao de uma das diretoras do
Cefapro. Ento, aps o aceite deste sujeito, tambm enviei o protocolo de entrevista via
e-mail, tendo em vista que j me encontrava na fase de escrita da tese e em Porto
Alegre, o que dificultou a realizao da entrevista pessoalmente.
Como parte constituinte do corpus analisado e que compreende o dispositivo
analtico da pesquisa, as narrativas escritas foram de grande importncia para a anlise
do discurso dos sujeitos/atores. Esse recurso metodolgico muito tem sido utilizado em
pesquisas educacionais, especialmente nas que tratam da histria de vida de professores,
e inclui relatos biogrficos, autobiogrficos e histrias pessoais. No caso do estudo que
proponho, no trabalhei especificamente com as histrias de vida dos sujeitos, mas com
uma parte delas, pois utilizei a narrativa de experincia, ou melhor, a experincia que
cada um vivenciou/vivencia em relao s OCs. O uso da narrativa, como
procedimento, meio para coleta de dados, de informaes, tem como vantagem o fato de
que o sujeito dispe de maior tempo para organizar sua escrita, pode escrever ao seu
tempo, ao seu modo, fazer e refazer o texto, refletindo sobre seu discurso, no caso desta
pesquisa, sobre a experincia vivenciada durante a elaborao e a implementao das
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OCs. A escrita dessa narrativa, defendo, foi de grande importncia para a anlise dos
discursos dos sujeitos/atores, pois embora a entrevista semiestruturada favorea o
dilogo entre entrevistado e entrevistador, escrever um texto sem a presena fsica do
outro se configura como outro momento de escrita, possibilitando que o sujeito se
mostre por meio da linguagem, de modo a reconstruir sua trajetria, sua vivencia,
construir a sua historia, relembrar episdios que se fizeram importantes, momentos que
fizeram parte da elaborao e da implementao da poltica educacional do estado de
MT. Nesse caso, as experincias pessoais, individuais, so tambm a experincia social,
coletiva, tendo em vista que o sujeito se constitui como tal a partir do olhar do outro, do
convvio com o outro.
Abaixo, especifico quais sujeitos/atores fizeram parte da pesquisa, de acordo
com instituio da qual fazem/faziam parte:
Seduc:
A secretria estadual de educao (gravao em udio) que, em 2012 era
secretria adjunta e por esta ter feito parte dos trs ltimos governos, bem como da
administrao da secretaria estadual de educao e por continuar a compor a equipe de
gestores do atual governo;
A coordenadora da superintendncia da formao docente (na poca do incio da
produo do texto das OCs);
Cefapros:
Optei por trabalhar com sujeitos/atores dos centros de formao de
Rondonpolis e de Barra do Garas, sendo entrevistados uma diretora, uma
coordenadora e duas professores de cada centro.
Escolas:
Em relao s escolas estaduais, por serem numerosas e por compreender que
seria invivel para o estudo a escolha de muitas, decidi selecionar uma de cada
municpio do Cefapro escolhido, sendo ento uma escola estadual de Rondonpolis e
outra de Barra do Garas. Destas escolas, entrevistei um coordenador pedaggico e um
professor.
Assessorias pedaggicas:
Da mesma forma que elegi os sujeitos/atores das escolas tambm o fiz com os
assessorias pedaggicas, sendo que as duas assessoras, ao receberem o convite, se
dispuseram a participar do estudo.
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Do sindicato dos trabalhadores do ensino pblico de Mato Grosso
SINTEP/MT:
Elegi um representante sindical, escolhido por meio da indicao de uma gestora
de um dos centros de formao, como sendo uma pessoa que no apresentaria
resistncia em participar da pesquisa.
2.3 O SUPORTE TERICO-METODOLGICO
A partir do estabelecimento da questo de pesquisa, do objetivo geral e dos
objetivos especficos que guiariam a anlise, preocupei-me com o referencial
terico, o dispositivo terico que sustentaria o dispositivo analtico. Com tal intuito,
realizei estudos referentes: a) ao currculo, tendo em vista que as OCs tratam
especificamente de orientaes relativas ao currculo escolar, ento, entendi
pertinente e necessrio melhor compreender aspectos relativos temtica para,
assim, buscar melhor entendimento acerca da teoria que sustenta os referenciais para
a educao do estado; b) polticas pblicas, certa de que este enfoque no poderia
deixar de se fazer presente neste estudo. Para melhor compreender a poltica em
debate, estudos acerca das polticas sociais, polticas educacionais e curriculares se
fizeram necessrias; c) estudo de anlise de polticas pblicas, das bases tericas e
metodolgicas disponveis como suporte para a anlise de polticas pblicas, para
ento, a partir das ferramentas apresentadas por autores que debatem o assunto,
fazer opo por uma delas e, d) anlise de discurso: o estudo da AD e sua utilizao
nesta pesquisa, como j dito em outro momento, se deu em funo de minha
formao inicial, graduao em Letras, e por compreender que o ciclo de polticas,
mtodo escolhido para a fazer a anlise da poltica pblica educacional curricular,
de acordo com suas bases tericas, possibilita ao pesquisador o dilogo com outras
reas do conhecimento, assim como a AD tambm permite a interface com outras
disciplinas.
Considerando a base terica ora especificada, elegi como suporte terico-
metodolgico para conduzir o estudo, a Anlise de Discurso de linha francesa e com
base em autores com Pcheux (2008) e Orlandi (1997, 1998, 2000, 2008 e 2012) e
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anlise de poltica pblica, por meio da abordagem do ciclo de polticas, de acordo
com os pressupostos de Ball e Bowe (1992 e 1994), Ball e Mainardes (2011) e
Mainardes (2006, 2007 e 2011). No que tange a este ltimo, tomei como modelo
neste trabalho a abordagem do ciclo de polticas. Desta abordagem, fiz uso dos
contextos de influncia, produo do texto e da prtica, por entender que o estudo e
a anlise das OCs a partir deste referencial possibilitaria uma viso ampla dos
caminhos percorridos pelos sujeitos/atores em todas as etapas de elaborao de tais
documentos. Cabe salientar que, na anlise, foi estabelecido o dilogo com outros
autores, de acordo com o referencial terico-metodolgico apresentado no Cap. III.
Assim delineados os passos que me conduziram anlise do corpus da
pesquisa, passo a tratar do ciclo de polticas e da AD enquanto bases terico-
metodolgicas.
2.3.1 Anlise de Polticas Pblicas Ciclo de Polticas
A anlise de polticas pblicas, como j afirmei, com base em vrios autores,
vem ganhando espao e se constituindo como um campo de estudo cada vez mais
produtivo e que desperta interesse por parte de estudiosos ligados a vrias reas do
conhecimento. Ainda se configura como um campo que carece de mais pesquisas,
especialmente no Brasil, contudo, existem algumas ferramentas que so colocadas
disposio do analista de polticas pblicas, como afirmam Frey (2000), Deubel (2000 e
2002), Muller (2009), Muller e Surel (2002), Mainardes (2006 e 2007) e Ball e
Mainardes (2011). Dentre tais ferramentas, elegi o ciclo de poltico proposto por Ball,
Bowe (1992 e 1994)6 e seus colaboradores e tambm abordado por Mainardes (2006 e
2007) e Ball e Mainardes (2011).
O ciclo de polticas, enquanto ferramenta de anlise, apresenta vrias vantagens
em relao a outras ferramentas. Uma delas a possibilidade de se compreender a
poltica de maneira contnua e ininterrupta, pois a prpria ideia dos ciclos j prev que a
anlise no seja realizada de maneira estanque, isolada. Conforme dito no Cap. II, o
ciclo de polticas, proposto por Ball e Bowe composto de cinco contextos: de
6 Citados por Mainardes (2006 e 2007) e Ball e Mainardes (2011).
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influncia, de produo do texto, da prtica, dos resultados ou efeitos e de estratgia
poltica. Os dois ltimos contextos, como assinalam Mainardes et. all. (2011), tm sido
repensados por Ball, dessa maneira, estariam estes dois ltimos, presentes no primeiro e
no terceiro contexto. A esse respeito, afirmam os autores: Mais recentemente, Ball tem
indicado que o contexto dos resultados/efeitos uma extenso do contexto da prtica, e
o contexto da estratgia/ao poltica pertence ao contexto influncia [...]. (Op. Cit., p.
158).
Por entender a complexidade presente na anlise de uma poltica pblica e,
especialmente, na anlise das orientaes curriculares para a educao bsica do estado
de MT, optei, nesta tese, por fazer uso, enquanto ferramenta para analisar esta poltica
educacional curricular, do ciclo de polticas, tendo como base apenas os trs primeiros
contextos: de influncia, de produo do texto e o da prtica, lembrando que tal anlise
contou com o su