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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO
MESTRADO E DOUTORADO
ENTRE O PBLICO E O PRIVADO: AS ORGANIZAES SOCIAIS NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO E PARTICIPAO
DEMOCRTICA NA ADMINISTRAO PBLICA
MARIA LRIDA CALOU DE ARAJO E MENDONA
Tese apresentada Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco, para concorrer ao Ttulo de Doutor, pelo curso de Ps- Graduao
em Direito rea de Concentrao: Direito Pblico.
RECIFE - PE ANO 2004
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO
MESTRADO E DOUTORADO
ENTRE O PBLICO E O PRIVADO: AS ORGANIZAES SOCIAIS NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO E PARTICIPAO
DEMOCRTICA NA ADMINISTRAO PBLICA
MARIA LRIDA CALOU DE ARAJO E MENDONA Tese apresentada Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de
Pernambuco, para concorrer ao Ttulo de Doutor, pelo curso de Ps- Graduao em Direito rea de Concentrao: Direito Pblico.
Orientador: prof. Dr. Martnio MontAlverne barreto Lima
RECIFE - PE 2004
Mendona, Maria Lrida Calou de Arajo e.
M539E Entre o pblico e o privado [manuscrito]:as organizaes
sociais no direito administrativo brasileiro e participao
democrtica na administrao pblica/ Maria Lrida Calou de
Arajo e Mendona -2004.
199f.
Cpia de computador.
Tese (doutorado) Universidade Federal de Pernambuco, 2004.
Orientao: Prof. Dr. Martnio MontAlverne Barreto Lima.
1.Direito administrativoBrasil 2.Organizaes sociais I.Titulo
CDU 35(8I)
Autorizao/Reproduo
Autorizo a reproduo e divulgao total e parcial da
presente obra, por qualquer meio convencional ou eletrnico,
desde que citada a fonte.
Autora: Mendona, Maria Lrida Calou de Arajo e
Recife, 09 de agosto de 2004
Assinatura:
Para meu marido, Gilvan, e meus filhos, Tnia Luiza e Paulo Romero, por preencherem a minha vida de felicidade e amor; Para meus pais, Joaquim e Maria Luza, que me deram a vida e me ensinaram a amar; Para meus irmos, cunhados e sobrinhos, pela cumplicidade sadia e amorosa de todos os dias. Em memria de: Dilza Costa Mendona, que sendo sogra se fez me; Carlos Jos Costa Mendona, que sendo cunhado se fez irmo; Elsio de S Arajo, meu amoroso tio; Meus primos sempre amados e sempre presentes na minha saudade: Olguinha, Socorrinha, Idelgarde, Eduardo, Tadeu, Paulo Romero Sampaio, Yne Neide e Tarcisio, que no alvorecer da vida se fizeram irmos e levaram consigo um pouco de minha alma.
Universidade de Fortaleza da Fundao Edson Queiroz, por ter me proporcionado a chance de cursar um doutorado;
querida Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco, que me fez bacharel em Direito e me acolheu de volta no curso de doutorado, nas pessoas dos Profs. Francisco Queiroz B. Cavalcanti, meu colega de turma de graduao e Nelson Saldanha, meu professor na graduao, e meus professores no doutorado;
Ao Prof. Martnio MontAlverne Barreto Lima, meu orientador e Coordenador do Programa de Ps-Graduao da Unifor, pela ateno que teve comigo e pelo sucesso do programa;
Um agradecimento todo especial aos meus amigos e colegas Joo Luiz Nogueira Matias, Joyceane Bezerra de Menezes, Humberto Cunha, Fernando Medina e Jlio Ponte, com quem debati ideais na elaborao da tese;
Ao meu amigo e colega do Tribunal de tica e Disciplina da OAB-CE, Dr. Welton Cysne, por ter me disponibilizado sua biblioteca particular, a minha amiga de todas as horas, Nilvany Gonalves Dantas, pelo companheirismo de tantos anos, e equipe de apoio do Programa de Ps-Graduao da Unifor: Virgnia, Luiz Carlos e Wellington, pelo carinho com sempre me trataram.
A todos, os meus mais sinceros agradecimentos.
RESUMO
MENDONA, Maria Lrida Calou de Arajo e. As Organizaes Sociais entre o Direito Pblico e o Direito Privado. 2004.199p. Tese de Doutorado Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco. O estudo
analisa a evoluo da Administrao Pblica do descobrimento do Brasil at a
reforma administrativa dos anos de 1990, passando pela era Vargas e pelo
perodo autoritrio que se verificou no Brasil de 1964 at o incio dos anos de
1980. Analisa a reforma administrativa dos anos de 1990 e a institucionalizao
das Organizaes Scias no chamado espao pblico no governamental, entre
o mercado e o Estado, como instrumento de prestao de servios pblicos no
exclusivos do Estado, e de publicizao do espao pblico no governamental e
a sua inadequao frente a disposies constitucionais. Neste sentido, estuda-se
o contrato de gesto, suas origens e caractersticas como instrumento de
consenso firmado entre as Organizaes Sociais e a Administrao Pblica,
como meio do estabelecimento de metas e padres de desempenho a serem
cumpridos pelas Organizaes Sociais, e ainda como meio do repasse de verbas
pblicas para as referidas entidades e instrumento de controle de sua atuao.
Aborda-se tambm os instrumentos de controle dessas entidades do chamado
terceiro setor, por meio do contrato de gesto, inclusive pelos Tribunais de
Contas a quem compete o controle externo da Administrao Pblica. As
Organizaes Sociais so desse modo localizadas no espao entre Direito
Pblico e Direito Privado, trazendo novos atores para o Direito Administrativo.
Palavras-chave: Organizaes Sociais, Publicizao, Direito Administrativo,
Contrato de Gesto, Controle.
RIASSUNTO MENDONA, Maria Lrida Calou de Arajo e. Le Organizzazioni Sociali fra il Diritto Publico e il Dirito Privato. 2004.199p. Tese de Doutorado Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco. Lo studio analizza
l`evoluzione dellAmministrazione Pubblica dell scoperta del Brasile fino alla
Riforma amministrativa degli anni 1990, passando per lera Vargas e per il
perodo autoritrio che si verific in Brasile dal 1964 fino all`inizio degli anni del
1980. Analizza la riforma amministrativa degli anni del 1990 e la
istituzionalizzazione delle Organizzazoni Sociali nel denominato spazio pubblico
non governamentale fra il mercato e lo Stato, come strumento di prestazione di
servizi pubblici non esclusivi dello Stato, e di publicit dello spazio pubblico non
governamentale e la sua inadeguazione di fronte a disposizioni costituzionali. Il
contrato di gestione, l sue origini e caratterisriche come strumento di consenso
firmato fra l Organizzazioni Sociali e la Amministrazione Pubblica, senza
licitazione pubblica, e come mezzo dello stabilimento di mete e e padrone di
disimpegno da essere compiute dalle Organizzazioni Sociali e anche come
mezzo della ripassata di somma di denaro pubblico per l riferite entit e come
strumento di controllo della sua attuazione. Tratta anche di strumenti di
controllo di queste entit Del chiamato terzo settore, per mezmo Del contratto di
gestione. Incluso per i Tribunali di Conti a chi compete il controllo esterno
dell`Amministrazione Pubblica. Studia l Organizzazioni Sociali collocate in
spazio fra il Dirito Pubblico e il Diritto Privato, la evoluzione Del Diritto
Amministrativo e l loro constati uscite r il Diritto Privato e il sorgere di nuovi
attori per il Diritto Amministarativo.
ParoleChiave: Organizzazioni Sociali, Publicazione, Diritto Amministrativo,
Contratto di Festione, Controllo.
RESUM
MENDONA, Maria Lrida Calou de Arajo e. Les Organisations Socialea entre l Droit Public et l Prive. 2004.199p. Tese de Doutorado Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco. L tude analyse
lvolution de la Gestion Publique depuis la dcouverte du Brsil jusqua reforme
administrative des anns 1990, comprenant lo priode autoritaire au Brsil, de
1964 jusquau dbut des annes 1980. Le texte analyse la rforme
administrative des annes 1990 et linstitutionalisation des Organisations Sociales
dans lespace public non-gouvernemental, entre le march et lEtat, comme
instrument de prestation de services publics non-exclusifs de ltat. Le contrat
de gestion, ses origines et ses caracteristiques comme instrument de consensus
sign entre les Organisations Sociales et lAdministration Publique, sans licitation
publique, comme moyen de fixation dobjetifs et modles de competence
applicables par les Organisations Sociales, et encore comme moyen de payment
e de controle subventiones publiques pour les entreprises. Est galement
analis le probleme du tranfert du service public de las sphre de l Etat la
sphre non governamentale, du point de uve du respect de la Constitution.
Letude traite aussi des instruments de controle de ces entreprises du Troisime
Secteur, avec l analyse du contrat de gestion, controle faity compris par les
Tribunaux des Comptes, responsables du contrle extrieur lAdministration
Publique. Notre tude situe ainsi les Organisations Sociales dans un espace
intermdiaire entre Droit Public et Droit Priv atirant de nouveaux acteurs vers le
Droit Administratif.
Mots cl = Organisations Sociales, Droit Administratif, Contrat de Gestion,
Contrle.
SUMRIO
INTRODUO ........................................................................................................ 10 1 EVOLUO HISTRICA DA ADMINISTRAO PBLICA BRASILEIRA ...... 18
1.1 Aspectos Administrativos do Brasil: Descobrimento at 1930 ....................... 18 1.2 Evoluo Administrativa Brasileira: Era Vargas ............................................. 41 1.3 O Estado Brasileiro Autoritrio....................................................................... 48
2 A REFORMA GERENCIAL DOS ANOS DE 1990............................................... 53
2.1 O Cenrio da Reforma................................................................................... 53 2.2 Reforma Gerencial como Resposta para a Crise do Estado ........................ 63 2.3 Publicizao e Organizaes Sociais ............................................................ 67 2.4 Reforma do Estado e Esfera Pblica ............................................................. 72
3 AS ORGANIZAES SOCIAIS E SUA IMPORTNCIA ................................... 81
3.1 Surgimento das Organizaes Sociais .......................................................... 81 3.2 Definio e Natureza Jurdica das Organizaes Sociais.............................. 84 3.3 Um ente Privado e um Ttulo Pblico............................................................. 85 3.4 Objetivos e Requisitos Traados para as Organizaes Sociais ................... 88 3.5 Prestao de Servios Pblicos por Organizaes Sociais: Uma Forma de Privatizao? .................................................................................................. 90 3.6 As Organizaes Sociais Frente Constituio Federal ............................... 95
4 O CONTRATO DE GESTO E SUA PERSPECTIVA DE AO ADMINISTRAO PBLICA ................................................................................. 108
4.1 O Contrato Administrativo .............................................................................. 108 4.2 Caractersticas do Contrato Administrativo .................................................... 110 4.3 Convnios e Consrcios Administrativos ....................................................... 112 4.4 O Contrato de Gesto: Origem e Desenvolvimento....................................... 114 4.5 O Contrato de Gesto no Direito Brasileiro.................................................... 116 4.6 Natureza Jurdica e Caractersticas do Contrato de Gesto .......................... 119 4.8 O Contrato Gesto como Atuao de Direito Privado................................... 124 4.9 Contrato de Gesto: Consensualidade ou Contratualidade? ......................... 128
5 CONTROLE DEMOCRTICO DAS ORGANIZAES SOCIAIS ....................... 130
5.1 Organizaes Sociais e Mecanismos de Controle......................................... 130 5.2 Controle Estatal sobre as Organizaes Sociais ........................................... 132
6 AS ORGANIZAES SOCIAIS ENTRE O PBLICO E O PRIVADO ................ 145
6.1 Os Caminhos do Direito Administrativo.......................................................... 145 6.2 Um Direito Privado Administrativo? ............................................................... 150 6.3 Novos Atores para o Direito Administrativo.................................................... 153
CONCLUSO ......................................................................................................... 168 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 175 INDICE ONOMSTICO .......................................................................................... 190
INTRODUO
O tema deste trabalho insere-se na questo da Reforma da Administrao
e do Aparelho do Estado, levado a efeito, no Brasil, nos anos de 1990 quando a
institucionalizao das Organizaes Sociais aparece como uma das principais
estratgias para viabilizar a eficcia da ao pblica por meio de instituies no-
estatais, indicando o caminho do estudo dessas organizaes, investigando as
possibilidades e os limites dessa tendncia da gesto pblica.
Estudam-se as Organizaes Sociais como instrumento de prestao de
servios coletividade, como instrumento de participao democrtica no
mbito do Estado e do Direito Administrativo e como este ramo do Direito pode
absorv-las dentro dos seus prprios institutos ou se est a caracterizar-se uma
fuga para o direito privado.1 O tema leva ao estudo do Estado e de suas
funes dentro de uma perspectiva histrica, desde o liberalismo poltico do
Sculo XVIII at as reformas atuais, que provocam o retraimento de funes
estatais para buscar um sistema de parcerias entre o Estado e a sociedade,
dando ensejo ao debate sobre os instrumentos jurdicos a serem utilizados nesse
sistema de parceria.
O estudo das tcnicas e dos documentos expedidos como instrumentos
de explanao da reforma que se pretendeu implantar no Brasil enseja a anlise
dos servios pblicos e de quais os meios que esto sendo utilizados para
estruturar a administrao, bem como do denominado terceiro setor das
atividades sociais, que correspondem aos servios pblicos no estatais. O
estudo jurdico das Organizaes Sociais como instrumento de parceria entre o
1 Sobre A Fuga para o Direito Privado ver ESTORNINHO, Maria Joo. A Fuga para o Direito Privado contributo para o estudo da atividade de direito privado da Administrao Pblica. Lisboa: Coleo Teses. Livraria Almedina, 1999.
11
Estado e a sociedade, ser feito segundo a apreciao da lei n 9.637/98, que,
no mbito federal, disciplinou as Organizaes Sociais.
A colaborao entre o Estado e a sociedade realiza objetivos
democrticos, mas, pode levar a desvios de finalidade e a ofensas a princpios
constitucionais, como exemplo, o da impessoalidade, quando se analisa a lei
frente aos princpios constitucionais que regem a Administrao Pblica. Admite-
se a relevncia de forma mais democrtica de prestao dos servios pblicos,
mas no se desconhecem os riscos que podem surgir em decorrncia da
excessiva liberao dos controles de natureza administrativa.
Os documentos da Reforma, largamente difundidos por Luiz Carlos
Bresser Pereira2, Ministro do extinto Ministrio da Administrao e da Reforma
do Estado-MARE, do ento Governo de Fernando Henrique Cardoso, explicam a
necessidade de Reforma e os instrumentos que sero utilizados para a
modernizao administrativa brasileira. A Reforma Administrativa parte da
existncia de uma crise brasileira, que, de certa forma, acompanha a que se
espalha pelo restante do mundo. Para Bresser Pereira3, nos quinze anos que
antecederam a Reforma, o Brasil viveu uma grande crise econmica e poltica,
cuja causa fundamental foi a crise fiscal do Estado, em face do modo de
interveno do Estado na Economia, e a crise do prprio aparelho estatal,
definida pela desorganizao e a desmoralizao da burocracia estatal que a
onda conservadora, neoliberal, transformou na culpada por todos os males do
Brasil.
A Reforma foi concebida a partir da constatao de que o Estado do Bem-
Estar esta sendo tolhido pelo processo de globalizao que acentuou a crise ao
estabelecer uma competitividade internacional, reduzindo a capacidade dos
2 BRESSER PEREIRA. Luiz Carlos Bresser por meio dos Documentos do MARE, publicou a base terica e os procedimentos para a Reforma. Cadernos do Mare da Reforma do Estados. Ministrio da Administrao e Reforma do Estado-. Braslia, 1977. 3 BRESSER PEREIRA. Luiz Carlos. Discurso de Posse A Reforma do Estado. Cadernos do MARE da Reforma do Estado A Reforma Administrativa na Imprensa. Caderno 7 1977.
12
Estados nacionais de proteger suas empresas e seus trabalhadores.4 H, na
proposta de Reforma, uma preocupao com a coisa pblica, pela constatao
de que a defesa do Estado, neste aspecto uma tarefa fundamental para a
consolidao da democracia, e baseia-se no pressuposto de que o Pblico
pertence a todos e que s a democracia pode assegurar a propriedade pblica.
A Reforma fundamenta-se no pressuposto de que o modelo de
Administrao burocrtico j no mais atende s reais necessidades do Estado
Moderno. O novo modelo a ser implantado, administrao gerencial, baseado na
concepo de Estado e de sociedade democrtica e plural, que contrape-se
administrao burocrtica, com seus aspectos centralizador e autoritrio. Os
objetivos traados para a reforma, sob o ponto de vista dos seus tericos,
concentravam-se em dois: facilitar o ajuste fiscal e tornar a Administrao Pblica
mais eficiente, mais moderna e mais voltada para o atendimento aos cidados.
A proposta de reforma parte da constatao de que existem quatro setores
dentro do Estado: O ncleo estratgico; as atividades exclusivas de Estado; os
servios no exclusivos e competitivos; e a produo de bens e servios para o
mercado. No mbito das atividades no-exclusivas do Estado, a forma de
propriedade dominante, para Bresser Pereira5 ser a pblica no estatal:
No capitalismo contemporneo, as formas de propriedade relevantes no so apenas duas, como geralmente se pensa e como a diviso clssica do Direito entre Direito Pblico e Privado sugere a propriedade privada e a pblica mas so trs: (1) a propriedade privada, voltada para a realizao do lucro (empresas) ou do consumo privado (famlias); (2) a propriedade pblica estatal e, (3) a propriedade pblica no-estatal. Com isto, estou afirmando que o pblico no se confunde com o estatal. O espao pblico mais amplo do que o estatal, j que pode ser estatal ou no estatal.
4 BRESSER PEREIRA. Luiz Carlos. Discurso de Posse A Reforma do Estado. Cadernos do MARE da Reforma do Estado A Reforma Administrativa na Imprensa. Caderno 7 1977. P. 13. 5 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos, Reforma do Estado A Reforma Administrativa na Imprensa. Caderno 7 1977 p. 28.
13
A nica alternativa encontrada pelo governo, como resposta para a crise
que acentuou a dicotomia Estado-setor privado, partiu do reconhecimento desse
espao. Estava aberto para o espao pblico no-estatal a possibilidade de
intermediar ou facilitar o aparecimento de formas de controle social direto e de
parcerias, descortinando-se, com isso, em princpio, novas perspectivas para a
democracia.
A implantao da Reforma exigiu mudanas na Constituio, que sofreu
vrias emendas, sendo a mais importante a Emenda n 19/98, que provocou
profundas mudanas nas regras da Administrao Pblica. Trs projetos foram
considerados fundamentais para a concretizao da reforma, alm da reforma
constitucional: a implementao das atividades exclusivas do Estado, por meio
das agncias autnomas; a profissionalizao dos servidores e a
descentralizao dos servios sociais por meio das Organizaes Sociais.
Da anlise feita no plano Diretor da Reforma do Estado e de toda doutrina
publicada sobre a reforma, conclui-se que a colocao das Organizaes Sociais
dentro da mquina administrativa do Estado compatvel com os conceitos
basilares da teoria da sociedade definida por Habermas6, cujo conceito de
esfera pblica sintetiza o que seria uma ordem poltica ideal, apresenta-se em
diversas formas, sempre seguindo uma espcie de telos, na reflexo dominante
acerca das propriedades e implicaes polticas dos meios de comunicao
contemporneos.7 As Organizaes Sociais surgiram como fruto dessa
concepo, localizadas no espao pblico no-estatal, por pressuporem
transferncias estatais, objetivando a prestao de servios pblicos no
exclusivos do Estado como educao, sade, pesquisa e cultura. A implantao
dessas organizaes foi a estratgia central do Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado, buscando incentivar e permitir a produo no-lucrativa
6 HABERMAS, Jrgen. Mudana Estrutural na Esfera Pblica. Trad. Flvio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Universitrio; Rio de Janeiro, 1984. 7 RUARO, Regina Linden. Reforma Brasileira e Consolidao da Esfera Pblica: O caso do oramento participativo do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Revista Interesse Pblico, Ed. Notadez, n 19, 2003 p. 81 e segs.
14
pela sociedade de bens ou servios pblicos no exclusivos do Estado, que foi
denominada de publicizao 8.
A prestao de servios pblicos enfrenta a diversidade de entendimentos
de natureza doutrinria sob se o conceito, desde o mais amplo, segundo o qual
toda a atividade do Estado seria servio pblico, inclusive a legislativa e a
jurisdicional, outra no to ampla, para a qual o servio pblico consentneo
com a atividade administrativa do Estado, e, finalmente, o sentido mais restrito,
que corresponde prestao de utilidade material aos administratados. Torna-se
importante ressaltar, qualquer que seja a perspectiva que se tome para
conceituar servio pblico, que este estar sempre submetido ao regime jurdico
especial, que decorre da natureza do interesse que se busca realizar: o interesse
pblico.
As tcnicas de prestao dos servios pblicos, centralizao e
descentralizao so determinadas pelo modo e pelos entes que os prestam.
Quando as prprias pessoas polticas, por meio de seus rgos, prestam os
servios pblicos, tem-se a prestao centralizada. Se conferida a uma outra
pessoa, integrante ou no da estrutura administrativa, por meio de delegao,
que uma mera transferncia da prestao por ato administrativo e que poder
ser retomado a qualquer tempo, tem-se uma forma de descentralizao, a
outorga, com a mudana da prpria titularidade do servio, para outra pessoa
jurdica, integrante da estrutura administrativa.
O trabalho enfrentou indagaes de ordem terica como a juridicidade
das Organizaes Sociais frente Constituio brasileira, sua formao e
atuao direcionadas prestao de servios pblicos, com verbas
oramentrias pblicas, porm sem as vinculaes legais e formais exigidas pela
Constituio Federal. A natureza jurdica do chamado contrato de gesto e a
existncia de uma consenso administrativo sob a denominao de contrato,
8 BRASIL Plano Diretor da Reforma da Administrao e do Aparelho do Estado. Vol. 2. Braslia: Cadernos do MARE,1998.
15
instrumento de controle pela Administrao Pblica. Alm disto, norteou o
trabalho o exame da natureza jurdica das Organizaes Sociais, do Contrato de
Gesto, do Controle exercido sobre as referidas entidades, do papel dessas
entidades como instrumento democrtico de atuao popular e o papel do Direito
Administrativo brasileiro na regulao das Organizaes Sociais.
O trabalho foi desenvolvido em seis captulos, assim distribudos: Captulo
I- Evoluo histrica da Administrao Pblica brasileira; Captulo II - A reforma
gerencial dos anos 90; Captulo III - As Organizaes Sociais e sua importncia;
Captulo IV O Contrato de Gesto na perspectiva de ao na Administrao
Pblica; Captulo V - O controle democrtico das Organizaes Sociais; e
Captulo VI - Novos atores para o Direito Administrativo.
No primeiro captulo, traou-se o desenvolvimento da Administrao
Pblica brasileira desde as primeiras instituies administrativas do Brasil
Colnia, da institucionalizao das capitanias hereditrias como uma forma
privada de administrar os bens da coroa portuguesa, a experincia holandesa
em Pernambuco, a independncia, o governo imperial brasileiro, a proclamao
da Repblica e o perfil dos governos at a revoluo de 1930. A partir de ento
que se pode localizar a preocupao de implantao da administrao
burocrtica, tendo como destaque o papel do DASP na evoluo administrativa
do Brasil. Da anlise da era Vargas detectou-se sua influncia at os anos da
administrao autoritria, repressora, voltada para o desenvolvimento.
No segundo captulo, abordou-se a reforma gerencial dos anos de 1990,
que ensejou a criao das Organizaes Sociais. Analisou-se o cenrio da
reforma da Administrao Pblica e o modelo gerencial como resposta para a
crise do Estado, a publicizao e a reforma dentro da chamada esfera pblica
no estatal.
O terceiro captulo tratou, especificamente, das Organizaes Sociais,
como modelo de instituies no-estatais criadas para absorver as atividades
16
publicizveis como uma forma de propriedade pblica no-estatal, na prestao
de servios pblicos no exclusivos do Estado.
O Contrato de Gesto analisado no captulo quarto como instrumento de
transferncias dos recursos pblicos para as Organizaes Sociais,
demarcadores do controle de resultados estabelecidos para essas entidades. O
contrato de Gesto tratado como um compromisso institucional firmado com o
Estado no propsito de contribuir e reforar o objetivo de atingimento de polticas
pblicas
O quinto captulo cuida das anlises das formas de controle incidentes
sobre as Organizaes, inclusive com referncias s origens do controle estatal.
O contrato de gesto foi visto como um instrumento de implementao,
superviso e avaliao dos resultados. Discutiu-se a natureza jurdica desses
contratos e a legalidade de sua instituio frente a disposies constitucionais
que exigem regulamentao que no foram expedidas.
As Organizaes Sociais, entre o direito pblico e o direito privado, de
que trata o sexto captulo. Estuda-se a evoluo do Direito Administrativo e as
formas de atividades pblicas regidas pelo direito privado, a possibilidade de
existncia de um direito privado administrativo e a natureza jurdica das
Organizaes Sociais, situadas entre o espao pblico e o privado.
Compreende-se que a configurao legal dada s Organizaes Sociais,
conforme institucionalizadas na Administrao Pblica federal e na maioria dos
Estados e Municpios brasileiros, no se conforma com os princpios
consignados na Constituio Federal. No se adequam s exigncias de
natureza legal exteriorizadas em procedimentos ou processos administrativos
vinculados, disciplinadores da expedio de atos administrativos e de outras
relaes da mesma natureza, dando ensejo a distores e uso indevido daquilo
que de interesse pblico, alm do que no se enquadram nos instrumentos de
controle constitucionais e legais.
17
A despeito dessa realidade de no conformao das Organizaes Sociais
com a atual configurao legal da Constituio Federal, essas entidades tm o
potencial para contribuir com a democratizao na prestao de servios
pblicos, com maior participao da coletividade na gesto pblica e melhor
atendimento s camadas mais desfavorecidas da sociedade, uma vez que o
acesso aos servios pblicos se torna mais fcil e mais eficiente em razo da
desburocratizao da gesto dos servios pbicos.
1 EVOLUO HISTRICA DA ADMINISTRAO PBLICA
BRASILEIRA
1.1 Aspectos Administrativos do Brasil: Do descobrimento a 1930
Nas vrias etapas histricas que enfrentou, a evoluo histrica da
Administrao Pblica brasileira, esteve sempre ligada a um momento de crise
institucional e, embora com certo atraso, seguiu a mesma trajetria da
Administrao Pblica no contexto internacional. O Estado Brasileiro foi formado
do exterior, por meio da colonizao, e por isso considerado um Estado
derivado em razo de grande parte de suas instituies procederem de
instituies ibricas.9
A histria brasileira no comea em Portugal como pode parecer, mas na
Pennsula Ibrica, posto que Portugal um Estado Secundrio, formado pelo
desdobramento de um dos reinos espanhis. O Direito herdado de Portugal,
inclusive a minuciosa regulamentao burocrtica das Ordenaes do Reino, foi
aqui acrescido de legislao extravagante, direito de circunstncia, aditada
legislao e conforme s leis gerais metropolitanas codificada nas Ordenaes.
Uma dessas leis mais importantes foi a que regulamentou a administrao das
capitanias hereditrias, e que rompeu com a norma do reino chamada de Lei
Mental.10 As primeiras tentativas de Administrao Rgia Geral no Brasil
9 MACHADO PAUPRIO, A. O municpio na organizao pr-nacional brasileira.Separata da revista Verbum, t. X, fasc. 3, de setembro de 1953. Universidade Catlica. Rio de Janeiro, 1953, p. 297, diz que o Brasil, como colnia, no propriamente de comrcio, mas de povoamento de Portugal, no fugiu a esse processo formativo, caracterizando-se ainda como um Estado de formao, natural, evolutiva, histrico-geogrfica. 10 A Lei mental foi editada para coibir a freqncia das doaes de bens da Coroa compensatrias dos servios prestados. D. Joo I, com o concurso do jurista Joo das Regras, imaginara uma lei que disciplinasse os direitos dos donatrios aos bens doados e a forma de sucesso. Mas no a expediu. Promulgou-a D. Duarte em abril de 144, ficando conhecida por lei Mental porque, seu pai a tivera em
19
ocorreram com o governo geral e com as capitanias hereditrias, j que,
anteriormente, a atuao de Portugal limitou-se ao envio de expedies guarda-
costas e exploradoras, que, no mximo, criavam algumas feitorias. Do
descobrimento at 1530, que compreendeu o perodo entre o descobrimento e a
expedio de Martim Afonso de Sousa, Portugal no demonstrou muito interesse
pelas novas terras; as investidas foram de natureza comercial, mediante o
monoplio real que no era exercido de forma direta, mas sob a forma de
concesses. A aliana entre a atividade econmica do rei e a dos comerciantes
envolvia a fora militar das armadas com a explorao comercial. A concesso
era feita mediante carta de privilgio que seguia os antigos costumes de
Portugal. Pode-se analisar esse sistema sob trs ngulos: de um lado o rei,
concessionrio garantidor da integridade comercial com suas foras comerciais e
suas foras civis de controle do territrio, do outro lado o contratador, armador de
naus, vinculados aos financiadores europeus, que eram interessados na
redistribuio das mercadorias, e finalmente o estabelecimento americano
representado pela feitoria.11
As feitorias eram simples abrigos que serviam para reunio e proteo das
diferentes mercadorias que aguardavam o transporte12. Faoro 13 aponta que a
feitoria demonstrou, desde logo, um ponto vicioso, incontrolvel e precrio
proveniente da instabilidade dos habitantes da terra, que no se submetiam
escravido ou a qualquer forma de obedincia ou tratado. A insuficincia do
sistema determinou que o governo portugus passasse a adotar uma forma
mista de armada de contedo guarda-costa e exploradora.
mente. Tratava-se mais de um plano poltico - integrado ao sistema de centralizao- do que uma lei Civil. Sobre o assunto ver AVELAR, Hlio Alcntara. Histria Administrativa e Econmica do Brasil. Rio de Janeiro: MEC/Fename, 1976. 11 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder formao do patronato poltico brasileiro. 3. ed. So Paulo: Editora Globo, 2001 p.124 a125. 12 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Desenvolvimento da Civilizao Material do Brasil. Apud FAORO, Raymundo, Os Donos do Poder, 3. ed. So Paulo: Globo: 2001, p. 125. 13 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder formao do patronato poltico brasileiro. 3. ed. So Paulo: Editora Globo, 2001 p.124 a125.
20
O sistema exploratrio comercial, mediante o regime de feitorias adotado
neste perodo, no evitou as incurses francesas freqentes na costa do Brasil
desde 1504. Para exterminar a crescente influncia francesa, que j fundava
feitorias nas costas do Brasil, e evitar a competio espanhola, a partir do sul do
continente americano, no Rio da Prata 14, D. Joo III, em 20 de novembro de
1530, expediu trs cartas-de-poderes15, esses documentos marcam o comeo da
histria administrativa do Brasil, em favor de Martim Afonso de Sousa, que
comandou uma grande expedio. Na primeira, nomeou-o "capito-mor da
Armada que envio terra do Brasil e assim de todas as terras que ele na dita
terra achar descobrir". As duas outras representaram, em conjunto, um
regimento de governao. O regimento de governao continha uma carta-de-
poderes para o "capito-mor da armada que envio terra do Brasil e assim das
terras que ele na dita terra achar e descobrir", dispondo sobre "as coisas da
justia e governana da terra", (criao de tabelies, um das notas e outro
judicial) e mais oficiais da justia, podendo criar e prover os ofcios (cargos
necessrios) e a outra que conferia poderes de conceder sesmarias16. Esses
documentos pertencem, estritamente, histria administrativa do Brasil que
comeava.
A freqncia dos franceses no litoral brasileiro, a carncia de um sistema
de administrao colonial, ficando o estilo administrativo a critrio do
temperamento pessoal dos governadores; a descontinuidade geogrfica; o
tratamento cruel dado aos indgenas e a evoluo do comrcio particular
competitivo para o comrcio estatizante e monopolista levaram D. Joo III a
intensificar a ocupao do Brasil. Martim Afonso atingia o ponto alto de sua
permanncia na Colnia, com a instalao do Municipalismo no Brasil por meio
da edificao da Vila de So Vicente. A nau francesa, La Pelerine, com
autorizao expressa do Rei Francisco I, atraca no Brasil, levando o Rei de
Portugal a enviar carta a Martim Afonso participando a inteno de dividir o Brasil
14 TAPAJS, Vicente Costa Santos. Histria Administrativa do Brasil; A poltica administrativa de D. Joo III Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1983, p. 17. 15 Id. Ibid. 1983, p. 137 a 142. 16 Id. Ibid. 1983, p. 12.
21
em Capitanias Hereditrias, conforme se praticara com xito em Aores e
Madeira, doando-lhe, e ao irmo, os melhores lotes. Diz D. Joo III 17:
... Depois de vossa partida se praticou se seria meu servio povoar-se toda essa costa do Brasil e algumas pessoas me requeriam capitanias em terra dela. Eu quisera, antes de nisso fazer coisa alguma, esperar por vossa vinda, para com vossa informao fazer o que me parecer, e que na repartio que disso se houver de fazer, escolhais a melhor parte. E porm porque depois fui informado que de algumas partes faziam fundamentos de povoar a terra do dito Brasil, considerando eu conquanto trabalho se lanaria fora a gente que a povoasse, depois de estar assentada na terra, e ter nela feitas algumas foras (como j em Pernambuco comeava a fazer, segundo o conde da Castanheira vs escrever). Determinei de mandar demarcar de Pernambuco at o Rio da Prata cinqenta lguas de costa a cada capitania e antes de se dar a nenhuma pessoa, mandei apartar para vs cem lguas, e para Pro Coelho, vosso irmo, cinqenta, nos melhores limites dessa costa, por parecer de pilotos e de outras pessoas de quem se o conde, por meu mandado informou; como vereis pelas doaes que logo mandei fazer, que vos enviar; e depois de escolhidas estas cento e cinqenta lguas para vs e para vosso irmo, mandaram dar a algumas pessoas que requeriam capitanias de cinqenta lguas cada uma; e segundo se requerem, parece que se dar a maior parte da costa; e todos fazem obrigaes de levarem gente e navios sua custa, em tempo certo, como vos o conde mais largamente escrever; porque ele tem cuidado de me requerer vossas coisas, e eu lhe mandei que vos escrevesse...
A Colonizao do Brasil resultaria, assim, da associao das iniciativas
estatal e particular. As Capitanias hereditrias representaram medida
administrativa de circunstncia que abriu uma ampla exceo no processo de
centralizao decorrente da Lei Mental, e tinha uma aparncia claramente feudal.
Era uma terra dividida em "senhorios dentro do senhorio do Estado". Analisando
a maneira pela qual os donatrios exerciam o domnio do solo, constata-se que
os mesmos sofriam diversas restries, sendo a doao das sesmarias uma
limitao e no uma faculdade. As limitaes estabelecidas aos donatrios eram
de tal monta que poderiam implicar, inclusive, na reverso da Capitania Cora,
como realmente ocorreu, nos casos de abandono. Os donatrios, apesar das
grandes concesses, no passavam de delegados rgios.18
17 TAPAJS, Vicente Costa Santos. Histria Administrativa do Brasil; A poltica administrativa de D. Joo III. Braslia: Editora Universidade de Braslia,1983, p. 149 e 150. 18 A posse da terra era conferida ao capito-mor pela carta de doao. Seus direitos e os do Rei eram fixados em foral. O conceito que, no Brasil, foi dado s sesmarias fugiu daquele adotado no Reino. A palavra, derivada de sesmo ou sexmo, o mesmo que sexto, dersignava termo ou limite,
22
De acordo com a velha lei das sesmarias, incorporada, depois, com
alteraes, s Ordenaes do Reino, constituam como bens as terras
conservadas sem aproveitamento. Sesmarias, no Brasil, foram, assim, no terras
que deixaram de ser cultivadas, mas as terras virgens. Hlio Alcntara Avelar19
afirma que o sistema no malogrou, embora, individualmente, algumas capitanias
fossem mal sucedidas. De forma mais ou menos intensa, o litoral foi colonizado,
de Itamarac a So Vicente, permitindo resistncia, com xito, aos ataques dos
corsrios. As terras das capitanias que prosperavam foram valorizadas
economicamente, o que provocou o interesse pelas reas abandonadas, as
quais muitos se beneficiaram com a instituio de capitanias reais ou de novas
hereditrias. Afirma, ainda Avelar que a evidncia de que, na poca, os
resultados foram considerados satisfatrios est na influncia exercida por esse
modelo, com adaptaes, no estabelecimento de colnias de proprietrios pelos
ingleses, na Amrica do Norte, francses, no Canad, e holandeses, geralmente
proclamados como grandes colonizadores.
A pluralidade de capitanias, com condio de autarquia administrativa, no
gerou uma orientao harmoniosa e uniforme de colonizao. Os pedidos de
ajuda dos donatrios menos felizes, se repetiam, alm do que, vencida a maior
crise, o Rei poderia estabelecer uma soluo como poltica geral da Monarquia.
Para Vicente Tapajs20, o regime da diviso do territrio do Brasil para sua
colonizao e aproveitamento apresenta semelhanas com o feudalismo e um
exame profundo desse sistema colonial, de sua orientao e de suas mincias,
fazendo com que s se possa louv-lo, como notvel criao para a poca.
A 17 de dezembro de 1548, o Rei de Portugal tomou uma providncia
administrativa de carter geral: expediu o Regimento de Tom de Sousa, o
primeiro Estatuto Fundamental do Brasil, por meio do qual ficou institudo o
sendo sesmeiros, primitivamente, no os que receberam a gleba, mas os funcionrios encarregados de distribuir as terras devolutas ou cujos proprietrios no a cultivassem, diretamente ou por outrem. Com o tempo houve uma inverso do conceito e sesmeiro passou a ser o beneficirio da doao. 19 AVELLAR, Hlio Alcntara. Histria Administrativa e Econmica do Brasil, Rio de Janeiro: MEC/Fename, 1976 p. 69 e 80.
23
Governo Geral, e que claramente estabeleceu a razo da medida com a carta
rgia de 7 de janeiro de 1549, a qual nomeou Tom de Sousa para cargos de
capito da povoao e terras da dita baa de Todos os Santos e de governador-
geral da dita capitania e das outras capitanias e terras da costa do dito Brasil
por tempo de trs anos e com 400.000 reais de ordenado em cada ano, pagos
custa de minha fazenda ao tesoureiro de minhas rendas e direitos, que h de
estar na povoao da dita Bahia por carta somente que ser registrada no livro
de sua despesa pelo escrivo de seu cargo.21
J. P. Galvo de Sousa22, registra que o regimento dado a Tom de Sousa,
de 1548, estabeleceu as bases do sistema do governo geral, durando ate 1677,
quando foi conferido ao governador Roque da Costa Barreto novo regimento.
Tanto por este ltimo, como pelo Regimento do Estado do Maranho, de 1621,
pelas Ordenaes do Reino, nos casos expressamente regulados, e ainda pelas
chamadas leis extravagantes, regeu-se a nossa ordem civil administrativa at o
ano de 1763, quando foi expedido novo regimento aos vice-reis no Brasil.
O Governo Geral foi estabelecido no para substituir as Capitanias, mas
para corrigir o sistema j instalado e suprir a grande falta ento j verificada, de
um centro de unidade administrativa que se revelou gradual, crescente e
constante, at o seu desaparecimento. A implantao do Governo Geral ainda
trouxe algumas outras conseqncias s capitanias como: a derrogao de tudo
quanto fosse contrrio carta rgia instituidora do novo sistema e a jurisdio
plena atribuda aos capites - mores, no civil e no crime. Entre estes e o Rei
surgiram mais duas instncias judiciais, a do ouvidor geral e a do Governador.
20 TAPAJS, Vicente Costa Santos, Historia Administrativa do Brasil A Poltica Administrativa de Joo de D. Joo III. Vol. 2. Tomo 3. Braslia: Editora Universidade de Braslia FUNCEP, p. 29. 21 AVELLAR, Hlio Alcntara. Histria Administrativa e Econmica do Brasil. Op. cit.; p. 70 e segs.. 22 SOUSA, J. P.Galvo de. Introduo histria do direito poltico brasileiro. So Paulo: 1954, p. 45 e e segs.
24
A Carta Rgia23 estabelecedora do Governo Geral continha 45 pargrafos
ou captulos, que eram chamados de itens. Os primeiros tratavam da defesa da
costa, das capitanias e da situao dos ndios. Os seguintes, do regime das
sesmarias e do estabelecimento de fortaleza e povoao que sediariam o
governo; os vinte ltimos, do pau-tinta, do devassamento do serto, das
restries ao luxo, dos engenhos, comrcio, movimentao dos colonos, preos,
funcionrios, rendas e direitos, armas, visitas de correio do governador,
concesso de ttulos e prmios por servios prestados.
Depois do Governador, a maior autoridade era o Ouvidor-Geral que,
conjuntamente com Martim Afonso, foi nomeado Pero Borges. Martim Afonso
ultrapassou o seu prazo e s regressou a Portugal em 13 de julho de 1553. O
sucessor foi Duarte da Costa, o ltimo nomeado por D. Joo III, que trouxe entre
as 250 pessoas que o acompanharam, os jesutas, entre os quais Jos de
Anchieta. Com a morte de D. Joo III, subiu ao trono de Portugal, Dom
Sebastio, ainda na menoridade, que nomeou o fidalgo Mem de S, como
Governador Geral do Brasil, que aqui permaneceu at a morte.
O perodo dos Governadores Gerais, at 1603, no apresentou mudanas
muitos radicais. Os poderes dos Governadores eram os mesmos. O Brasil era
dividido em capitanias reais e hereditrias. Nas reais os titulares eram
denominados capites-mores. A capitania dividia-se em comarcas, estas em
termos, sediadas nas vilas e cidades. poca, existiam apenas duas cidades
reais - Salvador e Rio de Janeiro que, por sua vez, eram divididas em
freguesias. Havia uma certa confuso entre as divises civis e eclesisticas. De
um modo geral, as funes judicirias, civis e militares e eclesisticas eram
distribudas pela mesma circunscrio territorial, distinguindo-se pela natureza
dos seus agentes. 24
23 Ver Documento n 16, constante das fls 203 a 214, da obra de Vicente da Costa Tapajs Histria Administrativa do Brasil. Braslia: FUNCEP, 1983. 24 AVELLAR, Hlio Alcntara. Histria Administrativa e Econmica do Brasil. Rio de Janeiro: MEC/Fename, 1976 p. 77 e segs.
25
Sobressaam-se, nas vilas e cidades, as Cmaras Municipais, fundamento
da pirmide administrativa. Representavam a populao e os interesses da gente
qualificada. Nas atribuies camerais, confundiam-se as funes administrativas
e judicirias. A partir do sculo XVIII, o papel das Cmaras foi relegado ao de
simples auxiliar do Governador. As Cmaras compreendiam trs, s vezes
quatro vereadores e oficiais, sendo presidida por um juiz ordinrio, eletivo, de
vara vermelha. O Poder, que limitava a autonomia comunal, era representado
pelos juzes de fora e de fora parte, institudo por D. Afonso IV pela carta-de-lei
de 1325. Letrados, de vara branca, que deixam de ser ambulatrios itinerantes
e se radicam, custa da Real Fazenda. No Brasil, os primeiros nomeados foram
para a Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, j em fins do sculo XVII, 1696.
Dom Sebastio resolveu, em face da grande extenso territorial, dividir o Brasil
em dois governos, do Norte e do Sul, que j haviam substitudo Mem de S. O do
norte estender-se-ia at Ilhus, sediando-se em Salvador, o qual coube a Luiz de
Brito e Almeida - 1573 a 1577. O do Sul, de Porto Seguro em diante, com sede
no Rio de Janeiro, foi atribudo a D. Antonio Salema. A experincia dual teve
curta vida, voltando, depois de Salema, a governar o Rio de Janeiro Salvador
Correia de S, com simples atribuio e poderes dos governadores de outras
capitanias.25
D. Sebastio desaparece sem descendncia na batalha de Alccer-Quibir,
como um ltimo cruzado. Sobe ao trono o Cardeal D. Henrique, aos 66 anos.
Morto D. Henrique foi aclamado Rei de Portugal Felipe II, Rei da Espanha, como
Felipe I, comeando a Unio Ibrica, de 1581 a 1640, que compreendeu o
reinado de Felipe I, Felipe II de Portugal (III de Espanha) e Felipe III de Espanha.
A aclamao de Rei Espanhol, como Felipe I de Portugal, no determinou a
anexao de Portugal Espanha, no houve conquista, mas reconhecimento de
direitos sucessrios. O Estado do Brasil continuou colnia de Portugal.
Juridicamente, a unio ibrica no afetou a situao de Portugal nem a do Brasil
e outros domnios, mas o complexo conjuntural resultante da unio alterou
sensivelmente a Colnia, tanto de forma favorvel como desfavorvelmente.
25 Id. Ibid. 1976, p. 80 a 82.
26
Dentre as conseqncias favorveis, pode-se apontar a expanso territorial do
Brasil que avanou, sem resistncia, nos domnios espanhis. As incurses s
foram proibidas no reinado de Felipe III, de Portugal. Nas conseqncias
negativas, aponta-se o ataque sofrido pelo Brasil por parte dos inimigos de
Espanha, como os Pases Baixos, Frana e Inglaterra.
No aspecto administrativo, o reinado filipino apresentou muitos aspectos
importantes. Foram criados rgos administrativos diversos, como o Conselho de
Fazenda, em 1591, e do Conselho da ndia, em 1604. Alm dos conselhos, foi
criada a administrao militar com fins defensivos, estabelecida uma poltica de
descentralizao colonial, e uma grande ao expansionista territorial, com
formao de ncleos urbanos. Criou-se o Conselho da Fazenda, que alm de
gerir as finanas pblicas, cuidava da direo do comrcio colonial; o Conselho
da ndia, criado exclusivamente para as colnias portuguesas, semelhana do
Conselho de ndias espanhol de 1524, corrigiu a falha decorrente do acmulo de
atribuies do Conselho da Fazenda (negcios de Portugal e das colnias), mas
determinou acmulo de competncias.
Outros rgos de gesto ultramarina foram criados no perodo filipino:
Mesa da Conscincia e Ordens, com jurisdio sobre a matria relativa s
Ordens de Cristo, Santiago da Espada e So Bento de Avis; Tribunal da Bula da
Cruzada, com regimento de 10 de maro de 1634, arrecadador dos produtos das
bulas, ou seja, das licenas de papel selado para dispensa de jejuns, permisso
de comer carne em dias de preceito etc. Eram representados no Brasil pelos
tesoureiros-mores da Bula da Cruzada, nas sedes capitaniais, e tesoureiros
menores, em todas as localidades. Atravs de Felipe III, em decreto rgio,
dividiu o Brasil em duas capitanias gerais autnomas entre si, o Estado do
Maranho e o Estado do Brasil. Nesse perodo, a grande meta dos
governadores do Brasil ou do Maranho, era impedir a expanso dos holandeses
e desaloj-los das reas ocupadas. Houve, em conseqncia, prevalncia da
administrao militar sobre a administrao civil.
27
O perodo filipino legou Regimentos e atos regimentais, documentos de
ordem administrativa consubstanciados em textos como: Regimento do
Desembargo do Pao, dos Sargentos-Mores das Ordenanas das Comarcas,
das Terras Minerais do Brasil, do Novo Tribunal ou Conselho do Estado da ndia
e Estados Ultramarinos, da Casa de Suplicao, do Pau-Brasil, da Relao da
Casa do Brasil e ou da Bahia, normas regimentais referentes liberdade dos
ndios, do Governador-Geral Gaspar de Sousa e muitos outros. Durante a Unio
do Imprio Portugus e Espanhol, tornou-se inadivel ligar por terra reas j
colonizadas. A conquista do Maranho foi a continuao imperiosa da potiguar e
da cearense, tanto mais porque os franceses expulsos do Rio Grande
pretenderam instalar uma colnia tropical - a Frana Equinocial. A Frana invadiu
o Maranho estabelecendo a colnia, colocando na ilha o nome de So Lus, em
homenagem ao Rei Lus XIII da Frana. Houve tentativa de trgua para soluo
do conflito na Europa. Madri discordou da trgua e enviou foras que, quase sem
oposio, expulsaram os franceses. Surgia assim uma nova capitania real,
pouco tempo depois elevada condio de Estado.
A invaso holandesa na Bahia inaugurou uma nova e sucedida forma de
administrao em parte do Brasil. A invaso determinou a assuno
administrativa do Coronel Johan Van Dorth, governador das terras a conquistar,
comandante das foras invasoras. Em 1624, os diretores da Companhia, Alberto
Hoenraats e Rombont Jacobsen, apresentaram Assemblia dos Altos e
Poderosos Estados Gerais o primeiro relatrio da Histria do Brasil holands,
narrando os episdios da conquista holandesa. Em 1625, ao ser a Bahia
restaurada, Pernambuco virou alvo dos holandeses que, no conquistando o
centro poltico, procuraram conquistar o centro econmico do Brasil.
Pernambuco, alm das riquezas de acar e pau-brasil, por localizar-se no
Nordeste, na parte que mais se projeta para o leste, era ponto estratgico,
reduzindo o custo das viagens Europa. A fase de conquista se estendeu at
1637 e Pernambuco esteve sob o domnio holands at 1654. O perodo
holands, com predominncia da administrao nassoviana, que durou de 1637
a 1644, foi benfica para Pernambuco e para o Nordeste. A Companhia das
28
ndias Ocidentais, conquistadora de Pernambuco, compreendeu que o problema
central da conquista sul-americana era administrativo, o que a levou a assinar
contrato com o Conde Joo Mauricio de Nassau-Siegen, de esmerada
educao, sobrinho-neto de Guilherme, o Taciturno (da casa de Orange), por
cinco anos, a partir de 4 de agosto de 1636, para governar o Brasil.26
Joaquim Ribeiro27 comenta que a administrao nassoviana, insulada no
sculo XVII, marca uma das fases mais interessantes da vida administrativa do
pas. Difere substancialmente dos tipos tentados pelos portugueses, filia-se
direo de uma companhia, no caso, a Companhia das ndias Ocidentais. A
administrao de Nassau possua um rgo consultivo, o Colgio do Alto
Conselho Secreto, com trs conselheiros. Em 1636, 23 de agosto, foi baixada a
Carta Bsica do Brasil Neerlands, um estatuto administrativo para o Brasil. O
Estatuto previa, alm das competncias do Governador, um Alto Conselho
Secreto, que tambm dispunha de um assessor. A prevalncia do Governador
sobre o Conselho era ntida, no tendo se verificado nenhum conflito entre o
Conselho e o Conde Joo Mauricio.
Nassau no governou sem programa. Traou uma poltica administrativa
marcada pelo seu esprito renovador. Procurou equilibrar despesa e receita,
mandando levantar, os "Oramentos da despesa anual e da que se faz
necessrio aumentar".28 Para aumentar a receita, adotou a praxe administrativa
portuguesa: arrendou, mediante licitao, a arrecadao dos tributos. Arrendou
tambm o direito de captura de gado bravio que penetrasse no Rio Grande e
entre S. Francisco e Sergipe. Elevou os dzimos da lavoura e do acar, de
peagem e barcagem, obtendo o desejado aumento da arrecadao.
26 RIBEIRO, Joaquim. Histria Administrativa do Brasil; a unio ibrica; a administrao do Brasil holands. Braslia: Editora Universidade de Braslia FUNCEP, 1983, p. 300, 317 e 318. 27 Id.Ibid., 1983, p. 300, 317 e 318. 28 RIBEIRO, Joaquim. Histria Administrativa do Brasil; a unio ibrica; a administrao do Brasil holands. Braslia: Editora Universidade de Braslia FUNCEP, 1983, p. 318.
29
O perodo nassoviano foi marcado por uma poltica de tolerncia, a
religiosa, preconizada nos primeiros regimentos administrativos do Brasil
Holands pela Companhia a qual logo se viu sufocada pela campanha dos
pastores calvinistas contra os papistas, notadamente jesutas e franciscanos, que
tiveram sua expulso determinada pelo Conselho Poltico. O Conselho e o
governador, logo entraram em conflito. Em seu "testamento poltico", o conde
aconselhou aos sucessores a tolerncia religiosa, mais de fundo utilitrio do que
tico, para no perturbar a normalidade da vida econmica.29
Nassau empreendeu uma poltica demogrfica que revela a compreenso
de que o futuro da Nova Holanda dependeria tambm do povoamento. Quis a
vinda de imigrantes europeus, especialmente as vtimas da guerra dos 30 anos.
No foi atendido.30 Com Nassau tambm houve a criao da primeira escola para
negros. Nassau cuidou da higiene pblica e instalou o primeiro hospital do
Recife, em 1641, no Castelo de Tura - Forte de So Jorge, e o segundo, bastante
amplo, foi o da cidade Mauricia. A poltica cultural apresenta Nassau como um
Mecenas, segundo o modelo do Renascimento, em terras da Amrica. A poltica
urbana tambm foi cuidada e revelada na construo da cidade Mauricia,
planejada, com racionalizao do aproveitamento espacial. Dividiu Recife em
dois distritos, superintendidos pelos Brantmeesters, com atribuies fiscais.
Criou-se um Corpo de Bombeiros, os alertadores (Clapermans). Regulamentou
os servios porturios em 1641, os quais passaram a ter um capito-do-porto,
que fez desse ancoradouro o mais organizado da Amrica do Sul. O Conselho
Poltico, desde 1635, dotou a cidade de mercados, traduzindo particular
preocupao com o sistema de abastecimento. Entre Recife e Mauricia, regio
onde prevalecia o transporte fluvial, foi providenciado o arrendamento do contrato
de servio de barcos, que se tornou assim rentvel. A Companhia das ndias
Ocidentais explorava o servio de balsas, privativas dos servidores pblicos e
militares.31
29 Id. Ibidem. 1983, p. 300, 317 a 319. 30 Id. Ibidem. 1983, p. 290, 31 Id. Ibid; 1983 p. 319.
30
Nassau iniciou a construo das pontes do Recife e revelou grande
preocupao com a poltica rural, demonstrando preocupao com a policultura e
a defesa da produo vegetal. Proibiu a derrubada dos cajueiros, importante na
alimentao dos ndios; introduziu plantas exticas e procurou minorar o
monoplio exercido pela Companhia sobre o comrcio do acar. Fomentou
tambm a produo do acar, mas obrigou os senhores de engenho a
plantarem 200 e depois 500 ps de mandioca por escravo. Os que no
plantassem cana teriam que plantar 1000 covas por escravo. Com o regresso de
Mauricio de Nassau, a situao mudou e deu caminho Insurreio
Pernambucana, que provocou a expulso dos holandeses.
A restaurao portuguesa coincidiu com a diviso das duas coroas,
provocada pelo enfraquecimento do imprio filipino e o conseqente fim da
preponderncia espanhola.32 Da restaurao a meados do sculo XVIII, houve a
consolidao do poder bragantino (1640 a 1698); a transio para o absolutismo
de 1698 a 1706 e a administrao absolutista de D. Joo V (de 1706 a 1750). Na
consolidao do poder bragantino, a poltica administrativa interna assinalou-se
na metrpole, pela consulta s Cortes e nos senhorios, pela subordinao da
administrao colonial ao Conselho Ultramarino. A gesto externa caracterizou-
se pela poltica de aliana com os rivais da Espanha e da guerra contra esta. A
transio para o absolutismo compreendeu a segunda fase de D. Pedro II de
Portugal, a partir da convocao das cortes de 1698.
Dentro do esprito de seu tempo, D. Pedro II de Portugal conduziu a
Administrao num ramo centralizador, que se denominou chamar absolutista.
De certo modo o absolutismo era uma necessidade conjuntural do Estado
Moderno, para enterrar a pluralidade jurisdicional sobrevivente do feudalismo e
para construir o estado em bases slidas. O esquema administrativo do Estado
absolutista compreendia o Rei e o estamento burocrtico e militar. Nobreza e
clero, cada vez mais, marginalizavam-se quanto ao efetivo exerccio do poder. A
unio ibrica influra na mentalidade portuguesa, para a aceitao da
32 Id. Ibid; 1983 p. 320.
31
onipotncia real: expira-se a monarquia limitada pelas Cortes. A conjuntura
histrica, obrigando o rei a optar entre a preponderncia Inglesa e a Francesa,
impediu-o no entanto de completar a edificao do absolutismo, transferida ao
seu sucessor D. Joo V. Esses fatores talvez tenham mitigado a influncia do
absolutismo na Amrica, onde continuaram a existir as capitanias; os juzes do
povo; as milcias privadas ou bandeiras.
Na opo entre a Frana e a Inglaterra, venceu a ltima. O tratado de 1640
abriu o comrcio do Brasil ao comrcio britnico, com Portugal fazendo grandes
concesses Inglaterra. A administrao absolutista de D. Joo V iniciou-se em
plena guerra, cujas preocupaes o absorveram de 1706 a 1713. Na fase inicial
da guerra, o Rio de Janeiro chegou a sofrer a invaso de corsrios franceses e
movimentos nativistas eclodiram em vrias partes do Brasil, como a guerra dos
Emboabas em So Paulo, a dos Mascates em Pernambuco e o Motim do
Maneta na Bahia.
A morte de D. Joo V, em 1750, possibilitou a recomposio do governo.
D. Jos I assumiu o trono e nele mereceu especial destaque a atuao do Conde
de Oeiras, posteriormente Marqus de Pombal. O Gabinete Pombalino operou
muitas influncias no Brasil. No sculo XVIII, verificou-se a uniformizao dos
padres administrativos rgios, acarretando a supresso das ltimas capitanias
hereditrias.33 Carnaxide 34coloca, ao concluir um livro clssico a respeito da
Administrao pombalina:
No nos faltavam soldados, nem mantimentos, nem armas, nem munies, nem navios de guerra, nem os melhores tcnicos que havia, na cincia militar. Tudo isso Pombal tinha organizado com notvel valor. Somente o que seu racionalismo no viu como artigo de primeira necessidade, somente o que ele relaxou, foi a Conscincia Nacional, por isso perdemos a partida.
33 O Marqus de Pombal administrou o Gabinete Portugus de 1750 a 1777, perodo sobre o qual muito se escreveu e ainda se escreve sobre a atuao de Pombal, inclusive admitindo que houve uma ditadura pombalina. AVELLAR, Hlio Alcntara. Histria Administrativa do Brasil: Administrao Pombalina. Braslia: Fundao Universidade de Braslia FUNCEP, 1983, p. 12. 34 CARNAXIDE, apud AVELLAR, Hlio Alcntara. O Brasil na Administrao Pombalina. Braslia: Fundao Universidade De Braslia FUNCEP, 1983, p.12.
32
Pombal, apesar de ministro de um absolutismo teocrtico, no qual s h
um poder, o do soberano, procurou revigorar a autoridade do rei por meio da
conteno da influncia da nobreza, mas ao mesmo tempo resguardando a
aristocracia como instituio. O prestgio do poder real exigia slida infra-
estrutura econmica, o que fez com que o Marqus adotasse um paradoxal
pragmatismo, editando leis segundo as circunstncias, procurando perder o
menos possvel, dos grandes recursos que enviava para a Inglaterra
estimulando, em alguns territrios, a liberdade mercantil e em outros praticando o
mais estrito monopolismo. Pombal exerceu uma administrao fiscalista e
unitria e expediu uma vasta legislao limitativa do crdito e da livre mercncia
que teve o mrito de assegurar organicidade e unidade ao administrativa
econmica. Sua poltica exterior foi pragmtica e circunstancial, exemplificada
pelo pedido de apoio diplomtico-militar que fez Inglaterra contra a Espanha,
rival europia e americana.35
O Brasil no constitua uma unidade para efeitos da administrao
metropolitana, mas sim, um conjunto de capitanias, e durante certo tempo, dois
territrios administrados. Um Conselho Ultramarino exercia a administrao geral
de todo imprio portugus subordinado a um dos secretrios do governo, o
Secretrio de Estado dos Negcios da Marinha e Domnios Ultramarinos, por
onde tramitavam todos os negcios da colnia, exceo, apenas, matria
exclusiva da mesa da Conscincia e Ordens. As capitanias reais principais ou
subalternas, como unidades administrativas maiores, compreendiam de uma a
quatro comarcas, que se dividiam em termos com sede nas respectivas vilas. Os
termos eram divididos em freguesias e estas em bairros.36
Na medida que as capitanias hereditrias iam sendo extintas aumentavam
as capitanias reais. Ao instalar-se a sede vice-real no Rio de Janeiro, em 1763,
todas as capitanias do Estado do Brasil, exceto a do Maranho, estavam sob a
autoridade do Rei, em cuja pessoa se operava a unidade administrativa da
35 AVELLAR, Hlio de Alcntara. Histria Administrativa do Brasil: Administrao Pombalina. Braslia: Editora Universidade de Braslia FUNCEP, 1983 p. 13. 36 Id. Ibid., 1983, p. 53.
33
Amrica Portuguesa. Os Vice-Reis e os Governadores apenas exerciam, sobre
seus subordinados civis e militares, poder disciplinar e fiscalizador. A deciso
final sobre o procedimento funcional competia ao soberano.
Ao findar o reinado de D. Jos, o Brasil se reunificara, com o
desaparecimento do Estado do Gro Par e do Maranho. Com a reorganizao
do Estado, os principais funcionrios eram o governador e capito-general, o
secretrio geral, o intendente da Marinha, os provedores da Fazenda, os
intendentes do Comrcio, Agricultura e Manufatura, os ouvidores e o diretor dos
ndios. D.Maria I assumiu o poder com a morte de D. Jos I, encerrando a poca
pombalina. Comeava ento a poca antipombalina, conhecida como Viradeira.37
A vinda da famlia real para o Brasil deu-se nesse momento conturbado e
dramtico para o mundo. Napoleo Bonaparte imperava em Frana e queria
submeter o mundo. D. Joo, o regente, acolhendo a sugesto do seu Conselho
de Estado e da Inglaterra, resolveu partir, com a famlia real, para o Brasil em 29
de novembro de 1807.
No perodo colonial, a hierarquia das esferas administrativas, segundo
Arno Wehling38, foi a mesma em todas as regies coloniais, da base municipal
aos governos locais e centrais, garantindo-se, pelo menos em tese, a unidade de
orientao. Encimando o processo estavam as instituies metropolinas; num
segundo nvel, a administrao central e colonial; num terceiro, a administrao
regional e, finalmente, a administrao local, exercida pelas cmaras das vilas. O
segundo e o terceiro nveis freqentemente se confundiam, pela semelhana das
atribuies dos vice-reis com as dos governadores das grandes capitaniais, a
ponto de a administrao metropolitana tratar, simultaneamente, com vrios
37 Arno Wehling analisa que o sculo XVIII assistiu ao desencadeamento de um processo que se estendeu pelos sculos seguintes. O conjunto de transformaes que incidiram no incio sobre a Europa Ocidental, e nos sculos XIX e XX, sobre todo o mundo, foi de tal forma profundo, que novas estruturas, profundamente diferentes daquelas que presidiram as relaes sociais entre a chamada revoluo neoltica e o sculo XVIII, se impuseram. Alteraram-se profundamente as estruturas econmicas, sociais, polticas e intelectuais que os historiadores convencionaram chamar de acelerao da histria. WEHLING, Arno. Histria administrativa do Brasil: Administrao portuguesa no Brasil de Pombal a D. Joo. Braslia: FUNCEP, 1986, p. 15.
34
governos coloniais, alm do Rio de Janeiro dos vice-reis; Bahia, Minas Gerais,
Pernambuco, Maranho, Par, So Paulo, Mato Grosso e Gois. Com a chegada
da famlia real montou-se no Brasil todo um aparelho administrativo e que seria o
ncleo inicial de organismos que integram os poderes do Brasil independente.
A bordo da frota que trouxe a famlia real para o Rio de Janeiro, segundo
Teixeira Vinhosa39, j estavam presentes os elementos essenciais de um estado
soberano.40 Entre 1808 e 1821, D. Joo legou uma obra administrativa das mais
frteis e criadoras possveis, principalmente nos primeiros quatro anos. A
legislao mostra uma outra preocupao do monarca, que foi a criao de vilas
no Brasil, bem como a concesso de terras e sesmarias. A histria colonial do
pas foi encerrada, juridicamente, como conseqncia de vrios interesses e
convenincias de Portugal, de modo a permitir a Portugal figurar como uma das
grandes potncias do Congresso que estruturou a comunidade europia com a
queda de Napoleo Bonaparte. O Brasil foi elevado categoria de Reino Unido
pela Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 e, em 1816, incorporado em um s
escudo s trs armas dos Reinos Unidos - Portugal, Brasil e Algarves. Vinhosa41
deixou consignado que D. Joo VI tinha uma preocupao sobre a necessidade
de inovao na administrao do Brasil e com essa finalidade incumbiu Silvestre
Pinheiro Ferreira de elaborar um plano de reforma, que foi bastante discutido,
principalmente em Portugal.
Vinhosa42 informa em sua obra, citando Toms de Vilanova Monteiro
Lopes, que Silvestre Pinheiro Ferreira, em sua correspondncia, mostra que D.
Joo VI solicitou a vrias outras pessoas estudos para uma reorganizao
poltico-administrativa do Brasil, demonstrando, assim, alm de uma viso larga
das possibilidades administrativas, a sua insatisfao pessoal com a arcaica
organizao colonial, que se tornava, dia-a-dia, mais indefensvel. Apesar dos
38Id. Histria administrativa do Brasil: Administrao portuguesa no Brasil de Pombal a D. Joo. Braslia: FUNCEP, 1986, p. 16. 39 Id. Ibid., 1986, p. 45. 40 VINHOSA, Francisco Luiz Teixeira. Historia administrativa do Brasil: Brasil sede da monarquia. Brasil Reino (2 a. parte): Braslia: FUNCEPE, 1983, p. 193. 41 Id. Ibid. 1983, p. 1983, p. 173.
35
estudos realizados e apresentados ao seu pedido, sobre uma nova estrutura
administrativa, D. Joo no chegou a implantar, plenamente, a to desejada
reforma, menos por sua vontade do que por dificuldades estruturais. Teve-se
melhoramentos palpveis na administrao ento existente, conquanto a simples
presena do soberano aqui j foi o suficiente para desencadear numerosas
vantagens ao pas.
Em 22 de abril de 1821, D.Joo nomeou o filho D.Pedro de Alcntara
regente do Reino do Brasil. A situao do Brasil era muito delicada, tanto
econmica como politicamente, acarretando, para o Regente, uma luta
permanente contra a falta de recursos, demonstrando, neste esforo, segundo
Tapajs, muitas qualidades boas de administrador.43 A poltica das Cortes e a
resistncia brasileira levaram o Brasil independncia e a formao da
Assemblia Constituinte de 1823, que inicialmente pareceu consagrar a
seriedade dos esforos no sentido da construo de uma ordem jurdica para o
Estado brasileiro. No foi o que aconteceu porm, ao virem a tona as
contradies aparentemente abafadas pela luta antilusitana. Jos Bonifcio de
Andrada e Silva liderava o grupo unitarista que desejava dar mais poderes ao
Imperador e ao governo central. O grupo de Bonifcio imps-se ao grupo
democrtico-federalista de Janurio da Cunha Barbosa, Cipriano Barata e
Gonalves Ledo, conseguindo inclusive expurgar seus lderes. Um terceiro
grupo, o pr-luisitano, representado por funcionrios, comerciantes e militares de
origem portuguesa, assistia de fora ao jogo dos outros dois grupos. Aguardavam,
na realidade, uma reaproximao com D. Pedro I em funo de objetivos mais
amplos de reaproximao com a metrpole. Esse terceiro grupo, em face das
tendncias absolutistas de D. Pedro I, acabou por representar uma base de
apoio mais ampla e mais duradoura.
O projeto de Constituio de Antonio Carlos foi encaminhado
Assemblia, o qual consignava dispositivos claramente contra os portugueses,
42 Id. Ibid., 1983, p. 174. 43 TAPAJS, Vicente. Histria Administrativa do Brasil - Organizao Poltica e Administrativa do Imprio. Braslia: FUNCEP, 1984, p. 26.
36
como, por exemplo, a inelegibilidade dos estrangeiros, mesmo dos naturalizados,
para cargos de representao nacional; ainda contendo dispositivos claros contra
o absolutismo, representado pela preponderncia do legislativo e at do
ministrio sobre o Imperador. 44 O projeto de Antonio Carlos no foi alm dos
debates. Pedro I, acusado de favorvel aos portugueses, por inmeras
demonstraes, em um ato claramente absolutista que o isolaria praticamente
dos liberais, ordenou o fechamento da Assemblia Constituinte, na manh de 12
de novembro de 1823 e, em 1824, impondo sua vontade, outorgou uma
Constituio. A Carta Constitucional de 1824, teoricamente, incorporou muito da
Declarao dos Direitos do Homem de 1789, pois criava uma certa fachada
liberal para ocultar um contedo intrinsecamente conservador.45
A Constituio outorgada por Pedro I trouxe muitas inovaes no pas que,
sem dvida alguma, repercutiram na Administrao Pblica ento vigente. As
bases da Constituio do Imprio refletiram as tendncias do pensamento
poltico-social da poca, principalmente a influncia de Benjamin Constant sobre
o chamado poder neutro ou moderador. 46 A Constituio do Imprio instituiu
quatro poderes, como delegaes nacionais. O Poder Executivo era exercido por
um ministrio, de livre nomeao e demisso do Imperador, enquanto o Poder
Moderador era exercido diretamente pelo Imperador. De fato, D. Pedro I
comandava dois poderes e dirigia, de fato, a administrao pblica do Imprio.
No que se refere Administrao Pblica, a Constituio Imperial de 1824 s
no foi absolutamente omissa, porque assegurou, no art. 178, item 14, no Ttulo
Disposies Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Polticos dos Cidados
Brasileiros, a igualdade de acesso aos cargos pblicos civis, polticos ou
militares, sem outra diferena que no fosse a de seus talentos e virtudes.47
44 LOPES, Luiz Roberto, Histria do Brasil Imperial, Mercado Aberto, Porto Alegre: srie Reviso n 8,1982. p. 40 e segs.. 45 Bis in idem p.42. 46 FERREIRA, L. Pinto. Curso de Direito Constitucional. 11 edio, So Paulo: Saraiva, 2001, p. 49. 47 BAPTISTA. Patrcia. Transformaes do Direito Administrativo. So Paulo e Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 70.
37
Pontes de Miranda48 observa que a Constituio Imperial de 1824, ao dispor
sobre cargos pblicos, andou frente das prticas constitucionais do seu tempo.
O Segundo Reinado foi precedido das Regncias que administraram o
Brasil durante a menoridade de Pedro II. As Regncias Trinas, Provisria e
Definitiva e as Regncias Unas, apesar de no ter sido um perodo tranqilo,
dotaram o pas de algumas normas de natureza administrativa de importncia
vital para a descentralizao administrativa territorial do pas. Um dos
documentos mais importantes do perodo regencial foi o Ato Adicional de 3 de
outubro de 1934, que fixou as atribuies de presidente de provncia, como
primeira autoridade. Referido Ato Adicional tratou de atribuies administrativas
desses presidentes como: executar e fazer executar as leis e decretos; exigir dos
empregados pblicos as informaes e atividades necessrias; inspecionar
reparties; dispor da fora pblica a bem da segurana e da tranqilidade da
provncia; administrar a Fazenda Provincial e muitas outras atribuies
caracterizadoras da funo administrativa.
A administrao do segundo reinado pode ser caracterizada como de
tendncia liberal, que se props a fiscalizar as rendas pblicas e promover
rigorosa economia. Em sua primeira fase de governo, enfrentou nimos
exaltados, que vinham do conturbado perodo regencial. Data desse perodo a
criao do cargo de Presidente do Conselho de Ministros. O governo de gabinete
no era previsto na Constituio muito embora os Ministros fossem
responsveis, ex vi do art. 133. Mas eram pessoas do Imperador. Eram
freqentes, por conseguinte, as discrdias entre membros de um mesmo
ministrio. Os desacertos prejudicavam a administrao, e segundo Tapajs49,
estavam na base da crise que levaram ao fim o reinado de D. Pedro I e
tumultuaram todo o perodo regencial. A criao da presidncia do Conselho de
Ministros e a implantao do parlamentarismo foram levadas a efeito em 1847. A
48 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentrios Constituio de 1967- Com a Emenda n I, de 1969. Rio De Janeiro: Forense, 1987, p. 462. 49 TAPAJS, Vicente. Histria Administrativa do Brasil: Organizao Poltica e Administrativa do Imprio. FUNCEP. Braslia, 1984, p.105.
38
origem e natureza do cargo vieram do modelo francs e assegurava a vitria de
idias novas, era a nao que subia ao poder. Durante o longo reinado de D.
Pedro II, no se pode afirmar que existiram mudanas estruturais ou ideolgicas
na Administrao Pblica, mas foram muitas as criaes de rgos
administrativos que deram uma nova dinmica estrutura administrativa do
Brasil. 50
O que caracterizou realmente o advento da Repblica foi o seu repentino
desencadeamento e o pequeno nmero de participantes. A unio de militares e
civis republicanos, vspera da Repblica, como afirma Carone51, um
incidente imprevisvel dentro de uma crise permanente e a indeciso a respeito
do momento oportuno e a forma de proclamar a Republica, outro sintoma da
complexidade da situao. A falta de participao popular e a inrcia das
camadas dirigentes monarquistas explicam o sucesso da quartelada no Rio de
Janeiro, que levou a imprensa estrangeira a ficar perplexa ante a queda de um
monarca que reinava h mais de cinqenta anos, quando aparentemente nada
podia fazer prever um fim to inglrio.
Marechal Deodoro da Fonseca, que havia aceitado liderar o movimento
militar, nomeado chefe do governo provisrio no qual se verifica uma grande
heterogeneidade que reflete, em parte, a complexidade dos compromissos das
foras antagnicas que contm a Repblica. Constitudo o Ministrio, formado
por oito Ministros, Deodoro iniciou o seu governo, proclamando, provisoriamente,
por Decreto, como forma de governo da Nao brasileira, a Repblica
Federativa, e estabelecendo normas pelas quais se deviam reger os Estados
Federais, nos quais se transformaram as provncias.
50 Carone afirma que durante grande parte do II Reinado e mais precisamente no perodo ministerial de Ouro Preto, tendncias diversas minaram a estrutura do regime, criaram um clima que fermentavam as sucessivas crises imperiais que podem ser apontadas como: tendncias federalistas, movimentos republicanos, crises religiosas, questes militares, problemas escravagistas, sucesso imperial, predomnio poltico de uma aristocracia decadente, ascenso de novas camadas oligarcas, urbanizao e a lenta renovao das instituies do Imprio, e a reunio de diversos grupos que lutam contra o sistema dominante. CARONE, Edgar. A Republica Velha (evoluo poltica), Corpo e Alma do Brasil, So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1971, p. 7 9. 51 Id.Ibid; 1971, p. 9.
39
A Constituio promulgada a 24 de fevereiro de 1891, segunda do Brasil e
primeira da Republica, contemplou os trs poderes do Estado para a Unio e
para os Estados Federados, mas no alterou a organizao e a estrutura
administrativa do pas. As inovaes so de carter poltico. Com referencia
Administrao Pblica, a Constituio Republicana de 1891, embora sem
maiores cuidados com o tema, nos artigos 73 a 74, tratou da questo do acesso
aos cargos pblicos e, no art. 75, cuidou da aposentadoria dos funcionrios
pblicos. No havia, na referida Constituio, uma parte dedicada
Administrao Pblica visto que a matria estava tratada na Seo II, Declarao
de Direitos, do Ttulo IV Dos Cidados Brasileiros.52 Em contraposio Carta do
Imprio, a primeira Constituio Republicana j denunciava uma preferncia
pelos que comprovassem aptido tcnica para o exerccio das atribuies dos
cargos pblicos.53
Nos quatro primeiros anos, o Brasil teve, praticamente, a consolidao do
regime republicano. Deodoro, em reao desptica, dissolveu o Congresso e, em
manifesto Nao, enumerou medidas que considerava prejudiciais, como o
direito de interveno na administrao estadual e o cerceamento de atribuies
privativas da Intendncia Municipal. Do teor do manifesto de Deodoro, pode-se
concluir que, apesar da diviso poltica administrativa do Pas, em Estados e
Municpios, no se tinha na prtica, completa separao das competncias
administrativas.
Nos anos e governos que se seguiram, os governos municipais e
estaduais se fortaleceram. A instituio do coronelismo, surgido nesse perodo,
influiu de forma marcante nesse contexto e nesse esquema de supremacia
estadual que ele se insere. O coronelismo se irmana s oligarquias das unidades
federadas, num recproco jogo de interaes ativas. A linha entre o interesse
particular e o pblico fluida e no raro indistinta, freqentemente utilizando o
52 BRASIL .Constituies do Brasil. Vol. I, Braslia: Senado Federal, 1986, p. 102. 53 OLIVEIRA, Fernando Andrade de. A Administrao Pblica na Constituio de 1988: Rio de janeiro: Renovar, (2 parte). Revista de Direito Administrativo, vol. 206, p. 102.
40
poder estatal para a satisfao dos interesses privados.54 O Coronel se integrava
no poder estadual e municipal e representava uma forma peculiar de delegao
do poder pblico no campo privado. O Coronelismo influiu e at controlou a
Administrao Pblica local e seu tempo. Manifestava-se num compromisso,
uma troca de proveitos entre o poder pblico, progressivamente fortalecido, e a
influncia social dos decadentes chefes locais.55
O quadrinio 1922 a 1926 foi um perodo de tenso poltica gerando um
clima revolucionrio que muito dificultou a ao administrativa do Presidente
Artur Bernardes, a qual decorreu em quase permanente estado de stio. O
decreto n. 1.672 - A, de 13 de janeiro de 1925, reorganizou o ensino, foi a
chamada reforma Joo Luiz Alves ou Lei Rocha Vaz, que estabeleceu o
concurso da Unio para a difuso do ensino primrio, organizou o Departamento
Nacional de Ensino, reformou o ensino secundrio e o superior. A crise ocorrida
em 1929 desorganizou a economia externa e criou condies para uma mais
rpida industrializao do pas. Superavam-se as estruturas coloniais e o centro
dinmico do pas voltava-se para a indstria. Verficou-se, nesse perodo, uma
participao cada vez maior do Estado na economia.
O Estado comeou a intervir na Economia buscando romper os vnculos
de estagnao econmica e orientar a economia do pas. Barbosa Lima
Sobrinho56 analisou os motivos da Revoluo de 1930, e afirmou que esta teve
pretextos variados e causas efetivas, que procurava dissimular. O sentimento
regionalista, na luta pelo equilbrio de foras entre os Estados Federativos,
avultou-se entre as causas reais. Afirma ainda Barbosa Lima57 que o lado dessas
causas possvel que existissem outras verdadeiramente subterrneas, de uma
54 FAORO, Raymundo. Os donos do Poder: a formao do patronato poltico.vol.2. So Paulo: Editra da Universidade de So Paulo, 1975, p. 629. 55 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. So Paulo: Editora A lfa-Omega, 1987, p.20. 56 SOBRINHO, Barbosa Lima.A Verdade sobre a Revoluo de Outubro de 1930, 2. ed. So Paulo: Alfa-Omega, 1987, p. 170 e segs. 57 SOBRINHO, Barbosa Lima.A Verdade sobre a Revoluo de Outubro de 1930, 2. ed. So Paulo: Alfa-Omega, 1987, p. 170 e segs.
41
revolta extensa e profunda contra o regime de propriedade rural e a opresso
capitalista.
A Administrao Publica brasileira, do descobrimento at 1930, foi de
natureza patrimonialista. Manifestao administrativa que j existia desde a idade
mdia, mas que s ganhou plena definio nas monarquias absolutistas da
Europa, entre os sculos XV e XVIII. O que caracteriza a administrao
patrimonialista a confuso entre o patrimnio pblico e o privado. O Estado e
os cargos pblicos passaram das mos dos reis para as mos de uma nobreza
burocrtica ou ento dos novos burocratas. Desde o sculo XIX que a
Administrao patrimonialista revelou-se incompatvel com o capitalismo
industrial e as democracias parlamentares. Para o capitalismo essencial a clara
separao entre o Estado e o Mercado. A Democracia exige, para que possa
existir, que a sociedade civil formada por cidados distinga-se do Estado. O
desenvolvimento econmico do Brasil e o regime democrtico que evoluiu no
comportavam mais o Patrimonialismo, tornava-se necessria uma separao
distintiva entre o pblico e o privado, entre o poltico e o administrador. Do
descobrimento do Brasil at a primeira Constituio, vai-se encontrar o direito
privado permeando as aes administrativas. Somente com a outorga da
Constituio Imperial, que consagrou a diviso dos Poderes, encontrar-se-o
normas de Direito Pblico.
1.2 Evoluo Administrativa Brasileira: A era Vargas
Os anos de 1930 trouxeram uma espcie de estatizao do povo e da
Repblica, o novo regime ser uma Repblica com Estado forte e povo fraco. A
recuperao das promessas republicanas governo do povo, cidadania,
democracia representativa ficaria na dependncia do fortalecimento do Estado,
que funcionar como ponte que prepara as bases da sociedade para um contato
mais efetivo com as formas e os hbitos da Repblica e da modernidade. A
republicanizao do Pas s ser possvel graas mediao estatal, que antes
42
de 1930 era feita pelas oligarquias, ou seja, as unidades poltico-administrativas
regionais58.
O Estado ressurgiu da Revoluo de 1930 menos absentesta e mais
participativo. Verificou-se uma reviso na poltica liberal permitindo ao Estado
desempenhar um papel orientador da poltica econmica do pas. A revoluo
de 1930 representou um marco de fundamental importncia para a passagem do
Brasil a um estgio mais avanado de desenvolvimento. A conscincia do
fenmeno do subdesenvolvimento criava novos instrumentos institucionais
necessrios para a batalha de reconstruo nacional. Neste sentido o governo de
Getlio Vargas caracterizou-se, no perodo de 1930 a 1945, por uma interveno
progressiva do Estado no domnio econmico, com uma marcante conotao
nacionalista. Os anos de 1930 foram marcados pelos esforos encetados em prol
da viabilizao de um novo sistema de poder fundado no compromisso inter-
elites para industrializar aceleradamente o pas com a