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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL
TEIAS E TRAMAS: RELAÇÕES PÚBLICO-PRIVADAS NOSETOR SAÚDE BRASILEIRO DOS ANOS 90
MARIA DE FÁTIMA SILIANSKY DE ANDREAZZI
ORIENTADOR: GEOGE EDWARD MACHADO KORNIS
Tese apresentada como requisitoparcial para a obtenção do grau deDoutor em Saúde Coletiva – Áreade Concentração em Políticas,Planejamento e Administração emSaúde – do Instituto de MedicinaSocial da Universidade do Estadodo Rio de Janeiro.
RIO DE JANEIRO2002
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RESUMOTEIAS E TRAMAS: RELAÇÕES PÚBLICO PRIVADAS NO SETOR SAÚDE BRASILEIRO DOS
ANOS 90
O trabalho busca identificar as principais mudanças ocorridas no setor privado de saúdeno Brasil, dentro da conjuntura de reformas do modelo econômico e do Estado, iniciada, no país,nos anos 90.
Seu objetivo foi contribuir para a rediscussão das relações público-privadas, aindapermeadas por uma contradição, de caráter geral, entre o público e o privado.
Propõe que a heterogeneidade do setor privado de saúde, em seus componentes deseguro e serviços, ficaria mais bem entendida, caso se incorpore os mecanismos de acumulaçãode capital nas análises sobre a Economia e as políticas do setor.
Contrapõe, como isso, às análises convencionais da Economia da Saúde, uma outraforma de abordagem ao funcionamento dos mercados de seguros e serviços privados de saúde,essencialmente heterodoxa e contando com a contribuição teórica de diversas correntes.
Ela está baseada numa inter-relação de elementos da reprodução da sociedade capitalista– a financeirização e a crescente importância dos serviços para a produção – e daqueles internosao setor – a natureza dos produtos e das mudanças técnicas – mediados pelos mecanismos decompetição entre os agentes.
Os principais achados foram a redução importante da velocidade de crescimento dademanda por seguros privados de saúde nos anos 90, em relação aos precedentes.
E estaria consoante com as tendências mais gerais da sociedade: a demandadecrescente, a reestruturação produtiva e suas conseqüências sobre a renda e o emprego, queocorrem no país, neste período.
A oferta foi analisada dentro dos mercados definidos no estudo: seguros e serviços.Quanto aos seguros, o acirramento da competição, num ambiente mais regulado pelo
Estado, aponta tendências a maior concentração, que são discutidas quanto a seus determinantestecnológicos, competitivos e financeiros, ressaltando-se as principais vantagens e desvantagensde cada modalidade.
A análise dos serviços mostra indícios de transformações importantes quanto à formaçãode cadeias de estabelecimentos hospitalares, a reestruturação produtiva dos hospitais, através deum intenso processo de terceirização e as transformações capitalistas em alguns sub-mercados,como os laboratórios de análises clínicas, que se concentraram e internacionalizaram.
O mercado de serviços lucrativos passa a atrair fundos de investimento tantointernacionais quanto nacionais. A integração com os seguros também é notada em váriosexemplos.
A despeito das mudanças terem apontado para uma maior heterogeneidade dentro dosetor privado e para a consolidação de um segmento de grande capital, a conjuntura geralrecessiva é um elemento de incerteza acerca de seus rumos.
Palavras-chave – Brasil: reformas em saúde.Atenção privada à saúdeServiços privados de saúdeSeguros privados de saúdeRelações público-privadas
Número de páginas – 345Número de páginas dos anexos - 02
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SUMMARY
THE SPIDERWEBS AND THE WOOFS: THE PRIVATE AND THE PUBLIC RELATIONSHIPPATTERN INSIDE THE BRAZILIAN HEALTH SECTOR DURING THE 90’S.
During the 90’s occurred, in Brazil, an extensive reform process that included a statereform and a health system reform.
A new health system – SUS – emerged from the Brazilian Constitution approved in 1988and, specially, from the laws and the operational rules fixed during the 90’s. Together with this newshape of the state’s health system it took place a new relationship pattern between the public andprivate health providers.
This thesis focus on the dynamics of those heterogeneous health providers, taking inaccount not only the complex structure of the supply but also the moving of the demand for healthcare services.
Our analysis aimed to integrate both sides of this health system dynamics seeking toidentify trends for the near future.
Keywords:
1) Brazil – health system reform – 1990-1999.2) Brazil – private health care.3) Brazil – private health insurance4) Public and private relationship pattern in health.
RESUMÉ
LES TOÎLES D’ARAIGNÉE ET LES TISSAGES DE LA TRAME: LES RAPPORTS ENTREL’ESPHÉRE PUBLIQUE ET PRIVÉE A L’INTERIEUR DU SYSTÉME BRÉSILIEN DE
SANTÉ PENDANT LES ANNÉES 90.
Le Brésil a connu pendant les années 90 un large processus de reforme a l’interieur duquel il y a eu une reforme de l’État e du système de santé.Le noveau systéme de santé brésilien – le SUS – a eté fixé par la nouvelle Constituition de 1988 etsurtout par les lois et les normes operationeles qui ont eté mis en place pendant les années 90.
La nouvelle forme du système da santé brésilien a menée a un nouveau rapport entre lesecteur publique et le secteur privée d’assistance médicale.
La presente thèse a commu axe centrale l’analyse de la dinamique établie entre lesdiferent agents et instituitions qui actuent dans le secteur santé. Cette analyse a comme butintegret soit l’ensemble des aspects de l’offre soit ceux du coté de la demande pour esayer deidentifiquer les tendences pour l’avenir prochain.
Mot-clés
1) Brésil – Reforme du système de santé – 1990-1999.2) Brésil – Assistence médicales privées.3) Brésil –Assurance médicales privées.4) Rapports entre l’esphère publique et privée dy systéme de santé.
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APRESENTAÇÃO
Este trabalho integra uma trajetória de preocupações conceituais e
empíricas referidas ao papel do setor privado em saúde no Brasil que, de certa
forma confunde-se com a minha própria trajetória profissional. Não é possível
negar que o antigo seguro social brasileiro (o Instituto de Assistência Médica da
Previdência Social) e os desafios que impunha, com a sua grandiosidade de
população coberta e sua intrincada rede de prestadores públicos e privados e,
portanto, de interesses, tenha deixado marcas em quem passasse um período,
curto que seja, em sua administração. Não é demais lembrar que a atual proposta
de separação entre financiamento e prestação de serviços ou modelo de
contratualização no setor saúde, bastante divulgada internacional e
nacionalmente pareceria, nos anos 80, bastante “demodée”. Estes anos também
deixaram marcas em quem nele viveu, particularmente na geração de sanitaristas
que se viu, muito nova ainda, envolvida nas tarefas de mudança das instituições
estatais de saúde. Isto poderia explicar uma certa tranqüilidade em admitir que
não se busca aqui tomar as correntes mais fáceis de análise do problema, tanto
do pensamento crítico quanto do mais ortodoxo, por parecerem pouco adaptadas
à complexidade do objeto.
Propus-me, então, como conclusão do Doutorado de Saúde Coletiva do
Instituto de Medicina Social da UERJ, a dar continuidade a uma linha de pesquisa
inaugurada com a Tese de Mestrado de 1991 – O seguro saúde privado no Brasil
– defendida junto a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo
Cruz, sob a orientação da Profa. Cristina Possas. A principal conclusão deste
trabalho de 1991 foi de que o sistema privado de saúde no Brasil estaria trilhando
caminhos já previstos por Hésio Cordeiro, em 1984: nos interstícios da crise
econômica e dos ajustes fiscais do Estado, que passam a se tornar companheiras
constantes das diferentes conjunturas do país desde então, com poucas
exceções, crescem alternativas de financiamento privado de saúde através de
seguros, em diversas formas e modalidades. E este mercado já apresentava
indícios de ser de interesse do grande capital. Excluídas de relações contratuais
com o seguro social, em 1983, através dos convênios-empresa, que deram um
impulso inicial importante à expansão das empresas médicas, as operadoras de
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planos e seguros de saúde não viram seu mercado reduzido. Pois a contradição
principal desta modalidade de enfrentamento dos riscos de assistência à saúde
de uma parcela da população de melhor renda ou emprego, com o Estado, já
estaria no financiamento, na gestão de fundos financeiros destinados à saúde.
Principalmente num contexto nacional inflacionário, na sua maior parte, e em que
o aspecto financeiro da acumulação do capital já era dominante,
internacionalmente.
Nos anos 70 e 80, o pensamento crítico hegemônico da Saúde Coletiva,
que se materializava no movimento sanitário, via a relação público-privada
permeada, principalmente, pela predação do Estado (via seguro social) pelos
interesses do pequeno e médio empresariado médico (hospitais privados
lucrativos). Isto se manifestava no acesso privilegiado aos recursos públicos para
investimento e para custeio da rede de serviços privados de saúde. O que
impediria os prestadores públicos de se desenvolverem e causaria impacto
negativo sobre a qualidade da atenção à saúde da população. Os estudos
admitiam que seus interesses eram consoantes aos da indústria produtora de
bens para o setor saúde, na incorporação de tecnologia médica descolada das
necessidades de saúde. O modelo de pré-pagamento às empresas médicas,
embora interpretado a luz do interesse dos empregadores em controlar a força-
de-trabalho, era até apresentado como “moderno” pois, embora surgindo no seio
do Estado, crescera, pretensamente, à sua margem (ou por cima dele). Não é
preciso muita teoria política para perceber que a escola da escolha pública1 pode
ser aqui aplicada com êxito: a predação do Estado, que se resolvia com a
estatização progressiva, foi a tônica majoritária das análises do período.
Para o movimento médico, que não esteve num campo idêntico ao
movimento sanitário, a luta contra a exploração do trabalho conformou a agenda
mais combativa do período. Isto se materializou na luta sindical contra os
prestadores de saúde privados e, também, diga-se, dos públicos. E na defesa da
manutenção da tradicional atividade liberal, na forma do apoio ao
1 Trata-se de corrente da Ciência Política, que se tornou em voga, internacionalmente, pari-passu ao retorno à moda dateoria econômica neoclássica, nos anos 70, que desbancou a hegemonia keynesiana anterior (Hall, 1994). Tambémcentrada no indivíduo, transpõe o chamado homo economicus – indivíduo racional, que busca a maximização da suautilidade, para o campo político. Assim, os indivíduos, na sua relação com o Estado, também buscariam sua renda(comportamento rent-seeking). Para os burocratas ou políticos, esta busca suplantaria o interesse público, tendo comoresultante que o Estado sempre acabaria predado pelos interesses destes agentes. A conseqüência principal seria de que,como na teoria econômica neoclássica, a resolução das necessidades dos homens através das trocas (o mercado) seriasempre melhor promotora do bem-estar social do que através da coerção (o Estado) (Buchanan, 1989).
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desenvolvimento das cooperativas médicas, como alternativa a consolidação da
empresa lucrativa, no campo do pré-pagamento.
Já nos anos 90, as posições tornaram-se, antes de tudo,
pragmáticas. Por um lado, que poderíamos denominar oficioso, pois seria o
discurso oficial atualizado com as posições mais críticas anteriores2, mesmo que
algo fora do contexto original, o estímulo ao crescimento das “modernas” formas
do setor privado, o seguro saúde em suas diversas modalidades que,
aparentemente, não mais predavam o Estado (“o público para o público e o
privado para o privado”). E, para o qual, os ajustes nos recursos do Sistema Único
de Saúde, inclusive para a compra de serviços ao setor privado prestador de
serviços, jogaram o seu papel. Por outro lado, a regulação dos aspectos mais
aberrantes (e menos populares) deste modelo, na forma competitiva que tomou
no país.
Para o movimento sindical, a luta por uma melhor remuneração do
fator trabalho, no seu relacionamento com as operadoras de planos privados de
saúde, ganha corpo, por cima da luta pela hegemonia do mercado de pré-
pagamento, através das cooperativas médicas, ao menos nas grandes
metrópoles.
Pode-se considerar até tais movimentos como indícios que, de forma
similar a outros campos da vida social, o setor saúde consolida-se, a partir dos
anos 90, econômica, política e ideologicamente, como uma esfera legítima, antes
de tudo, de desenvolvimento capitalista, de responsabilidade individual e de
políticas públicas residuais. De forma similar a mundialização financeira, cabe a
todos, no que lhes diz respeito, curvarem-se aos seus ditames e encontrarem seu
devido lugar neste novo sol. Não mais estatização progressiva mas regulação,
como panacéia a todos os males do modelo.
Só que esta nova ordem cria e aprofunda novas e antigas contradições. E,
para aqueles não tão bem aquinhoados por ela, não muda sem que se procure
desvendá-las.
Este campo de interesses, aberto com a tese de Mestrado, passou, ainda,
por trabalhos junto a OPAS, ao lado de César Vieira e Eugênio Mendes, onde
2 Como a defesa do SUS por parte da direção do Ministério da Saúde porém reformado na sua atuação, agora voltada aum discurso de priorização dos “pobres”, através de Programas, como a Saúde da Família, sendo o discurso dauniversalidade apenas uma retórica.
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pude conhecer experiências distintas de articulação público-privada em saúde,
em países onde o livre-mercado era entendido como a melhor forma de organizá-
la e em outros, onde o privado era residual.
No Doutorado, entendi que o aprofundamento do tema destas relações
entre o público e o privado, passaria, necessariamente, por uma compreensão
mais refinada dos processos econômicos que se dão no interior do setor saúde. A
busca, então, de orientação nesta linha, não foi casual. Assim como não foi o
programa de leituras, e a procura de disciplinas que contribuíssem para o objeto
do estudo por parte do orientador, Prof. George Kornis.
Entenderia, assim, que diferentes configurações de mercado se desdobram
em distintos poderes de regulação por parte do Estado e dos próprios cidadãos. A
heterogeneidade, que no Brasil, tem sido, desde, ao menos, os anos 80, quiçá
antes, a marca do setor privado de seguros e serviços de saúde, torna mais
complexas as estratégias possíveis de serem seguidas, se o alcance dos ditames
da Constituição de 1988 for o norte. Propus-me, então, a analisar as
transformações do setor saúde privado brasileiro dos anos 90, a partir dos
padrões de competição existentes. As incursões que, eventualmente, se faz, pela
literatura internacional sobre privatização em saúde, algumas incorporadas no
bojo da discussão sobre os aspectos fiscais das políticas sociais, através de
disciplina coordenada pela Profa. Sulamis Dain, no IMS, tem apenas o objetivo de
aclarar ou exemplificar argumentos voltados às questões nacionais. Pois,
estender o foco de análise não seria uma tarefa possível no momento e talvez,
desnecessária para os objetivos do trabalho.
Trata-se, portanto, de uma tese de políticas de saúde, fortemente baseada
no método da Economia Política. Interpretam-se os dados quantitativos mais
recentes sobre o setor e seleciona-se e traz-se à tona informações factuais, à luz
do método. Pensa-se que sua contribuição esteja, principalmente, neste campo:
teórico-conceitual, do método de abordagem e da contribuição para a formulação
das políticas.
No campo teórico-conceitual, se procura refutar, a partir das limitações
inerentes a minha formação profissional, alguns postulados entranhados nas
análises mais recentes do setor saúde, que têm origem na chamada Economia da
Saúde.
É inegável que a Economia da Saúde tem se tornado um campo cada vez
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mais próprio dentro da Saúde Coletiva, sendo um fenômeno nacional e
internacional. Sem contar a sua difusão no meio médico e de administração de
serviços de saúde. Como todo campo disciplinar, há uma disputa pela hegemonia,
no terreno da teoria, pelos corações e mentes dos pesquisadores (e por objetivos
menos nobres). Os métodos de luta podem ser variados e incluem, via de regra, a
desqualificação das outras formas de explicar o mundo (e influenciar na sua
condução). Tal tem sido a relação desta disciplina com a teoria neoclássica em
Economia.
Neste sentido, um dos principais benefícios do Doutorado em questão, que
tiveram uma influência decisiva neste trabalho, foi a disciplina de Microeconomia,
que assisti como ouvinte no Instituto de Economia da UFRJ, ministrada pelo Prof.
Mário Possas. Pondo de lado aquilo para o qual era necessária uma formação
mais sólida em Economia, basicamente no que toca a Matemática, beneficiei-me
da desmistificação de muito do que se aprende como verdade na análise dos
mercados em geral, acriticamente transplantados para o setor saúde. Percebi
que muito pouco se conhece ou divulga do intenso debate que é travado no
campo da Teoria Econômica, ou seja, servem-se suposições como verdades
absolutas e inquestionáveis. Infelizmente, digeridas como tais por aqueles que, se
admite estarem afinados a outras correntes epistemológicas, mas acabam, aqui,
bebendo nas fontes do positivismo.
Não apenas com a Microeconomia, se beneficiaria a Economia da Saúde
para o entendimento mais real do setor. Como dos autores regulacionistas
franceses, aos quais fui apresentada pelo Prof. George Kornis nas suas
disciplinas do IMS. De fato, suas contribuições para a análise das características
mais recentes do desenvolvimento capitalista são notáveis. Destaca-se, para a
discussão presente, a análise dos serviços e da financeirização do capital. O que
não significa que estejamos adeptas de qualquer de um determinismo econômico
que subestime o papel dos sujeitos nas transformações da base material. Apenas
não julgamos que isto esteja descolado das suas condições reais de vida.
As próprias análises empíricas de mercados podem ser vistas sob
diferentes ângulos, como percebi na disciplina de Economia Industrial,
coordenada pelo Prof. David Kupfer, também no Instituto de Economia da UFRJ.
Grande parte da análise aqui realizada foi beneficiada pela sua capacidade de
9
síntese e organização da extensa bibliografia existente. E também foi calcada na
monografia final para obtenção do crédito.
A outra contribuição estaria no campo da regulação. Aqui a teoria
neoclássica casa-se, diga-se a verdade, com algumas contradições, com o neo-
institucionalismo, também aprofundado num programa de estudos no IMS,
coordenado pelo Prof. Cid Manso, para tecer um corpo normativo poderoso, que
tem influenciado muito do “establishment” das Agências Regulatórias brasileiras
e dos órgãos de defesa da concorrência. Até pela sua visão fácil (e elegante,
segundo gostam de qualificar os economistas) do mundo e suas prescrições de
alcance universal. Abandona-se, assim, qualquer possibilidade da existência de
uma teoria positiva de regulação, a semelhança do que vinha apontando Luiz
Carlos Bresser Pereira para a reforma do Estado no Brasil. Esta passa a ser vista
a luz da política – das estruturas de mercado, das análises de interesses
materiais e organização dos agentes. Tal dívida intelectual acerca das vertentes
atuais da teoria do Estado e sua reforma, atribuímos à Profa. Antonieta Leopoldi,
também materializada em monografia final de disciplina junto ao Programa de
Pós-Graduação em Ciência Política da UFF, também aqui aproveitada para
compor a tese. Abandona-se, ainda, qualquer pretensão de fazer recomendações
a partir de um outro modelo estudado. Pretende-se explicitar contradições como
um impulso para que amadureçam as condições de resolvê-las, na subjetividade
dos agentes das mudanças.
Esta tese é organizada em cinco capítulos.
O primeiro é uma discussão do objeto e do método de análise, onde se
explicitam os objetivos e as hipóteses de trabalho. Apresentam-se, também, os
procedimentos metodológicos que dizem respeito ao material empírico
examinado. Da análise do debate sobre relações público-privadas em saúde,
identifica-se um dos elementos que pode ter sido responsável, ao nosso ver, pela
insuficiência em melhor se perceber os conflitos e contradições acerca do setor
privado em saúde no Brasil: a incorporação das tendências de acumulação de
capital no setor. Sem ela, o setor é homogêneo ou permeado por valores que
surgem da “alma” dos sujeitos. A estatização total ou a curvatura ao
mercantilismo selvagem são, portanto, os dois lados de uma mesma moeda.
O capítulo 2 expõe os elementos do entorno econômico, político e das
políticas sociais que influenciam e são influenciados pelas mudanças que ocorrem
10
nas relações público-privadas no Brasil dos anos 90. Estamos, aqui, falando da
era “keynesiana” e sua crise. Discute-se a crise econômica internacional enquanto
um elemento estrutural que permeia o cenário internacional e nacional a partir dos
anos 70, seus desdobramentos para o Estado nas questões fiscais e das políticas
sociais. Examina-se, ainda, a formação do que os regulacionistas chamam de
novo regime de acumulação – o toyotismo – e suas repercussões sobre a relação
salarial. Discute-se a crise e retomada da hegemonia norte-americana, no
contexto da identificação de distintas concepções atribuídas aos termos
globalização ou mundialização financeira. Finalmente, o papel do setor serviços
na reprodução da sociedade capitalista atual, de onde se extrai o conceito de
complexos indústria-serviços como uma nova estrutura produtiva, cabendo aos
últimos procurarem garantir o escoamento do produtos da primeira. Discussão útil
para o entendimento da constituição do chamado complexo médico-industrial. Em
seguida, apresenta-se a implementação destas mudanças no Brasil, de uma
forma tardia, no nosso período de análise, os anos 90.
No terceiro capítulo é analisada a demanda para seguros e serviços de
saúde, no Brasil. Discute-se seus determinantes a partir da crítica aos postulados
prevalentes. Posiciona-se acerca das vertentes dominantes de análise do
crescimento dos seguros privados no Brasil. Analisa-se esta evolução em
conjunturas pré-definidas, a partir de dados quantitativos extraídos de trabalhos
de consultoras para o próprio mercado e de pesquisas oficiais de base
populacional, em particular da PNAD/IBGE 98, que não os refuta sobremaneira.
São, também, examinadas algumas poucas pesquisas qualitativas.
O capítulo 4 trata da oferta, tanto de serviços quanto de seguros de saúde.
Dois conjuntos de problemas aqui são tratados: o primeiro, mais teórico, trata dos
processos de acumulação de capital existentes no setor, vistos de uma
perspectiva mais teórica e o segundo baseia-se numa análise empírica dos
mercados, com os dados existentes das consultoras, das Pesquisas “Assistência
Médico-Sanitária” (AMS) do IBGE, particularmente a do ano de 1999, do
Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Saúde Suplementar, das próprias
empresas e da literatura especializada e não especializada (dados de imprensa).
Analisam-se, com esses dados, como vem se dando, no Brasil, esses processos.
O quinto capítulo, recuperando os condicionantes da conjuntura geral,
analisa o setor saúde de uma forma mais integral, demanda e oferta. Responde
11
às hipóteses formuladas, procurando entender a dinâmica setorial dos anos 90, a
partir dos processos de competição e como estes moldam os interesses e
comportamentos dos agentes dos mercados.
O epílogo é um exercício de prospecção e de identificação de lacunas que
possam preencher um processo permanente de investigações sobre o tema.
Finalmente, julga-se interessante explicitar quem, principalmente, povoou
mais continuadamente os pensamentos autorais, influenciando as opções de
inclusão ou exclusão de temas, fatos, abordagens. Estes foram: os médicos e os
proprietários de serviços de saúde de pequeno e médio capital, ou os não
lucrativos. O conceito econômico bastante asséptico e de algum modo
desconhecido de integração vertical vem a significar, para os prestadores, a
extensão de direitos de propriedade, e, por conseguinte, a perda da autonomia de
controle de seu próprio negócio, numa via preferencial, que parte das
seguradoras, dada a atual concentração de poder econômico. Ou melhor, suas
formas mais sofisticadas de dominação, através de relações de terceirização. É o
que uma pesquisadora norte-americana, em 1994, Betty Leyerle, denominou de
regulação privada. A quem consome serviços de saúde, ou seja, ao conjunto da
população, a delegação de fatos extremamente importante para a vida e a morte
nas mãos de poucos, de olhos voltados para o Dow Jones ou para o Nasdaq.
CAPÍTULO I - A ARTICULAÇÃO PÚBLICO – PRIVADA EM SAÚDE.
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Este capítulo contém duas ordens de questões. A primeira seção diz
respeito ao objeto. São apresentados o problema e a estratégia de abordagem
que se pretende seja incorporada na análise sobre as relações entre o público e o
privado em saúde.
A discussão do Método, efetuada na seção seguinte, é, fundamentalmente,
uma tentativa de estabelecer as mediações necessárias entre as relações
público-privadas em saúde e o seu contexto mais geral. Pela pouca familiaridade
das categorias de análise utilizadas nesta seção, dentro da área da Saúde
Coletiva, fez-se necessária sua apresentação com algum detalhe.
As mudanças que vêm ocorrendo no Brasil e no mundo, no setor saúde e
na sociedade capitalista no final do século XX, ilustram e justificam a escolha do
objeto em questão. Mas, a sua discussão mais detalhada é remetida para o
capítulo seguinte.
I - DO OBJETO DO ESTUDO.
Este trabalho se propôs a estudar as transformações recentes da relação
entre o público e o privado no setor saúde brasileiro. Para isso, se assentou em
dois pilares. O primeiro se referiu ao que estamos aqui entendendo por mudanças
na reprodução do capitalismo do final do século XX. Pois se entendeu
indispensável identificar quais seriam os elementos de caráter geral que
pudessem estar causando impactos sobre o setor saúde brasileiro, capazes de
alterar o balanço anterior entre o público e o privado. O segundo, o
desvendamento das relações internas ao financiamento e a prestação de serviços
de saúde, através da verificação empírica daquilo que estava se passando.
No nosso período de análise, que vai privilegiar, por motivos que veremos
a seguir, a década de 90, a existência de mercados privados, ou seja,
...”demanda por um grupo de mercadorias que são substitutivas próximas entre si”
13
...3 , já estava, há muito, consolidada no país para essas duas funções:
financiamento e provisão.
Quanto a primeira, também entendida como intermediação financeira para
o consumo de serviços de saúde, os anos 90 foram aqueles de maior visibilidade
daquilo que se autodenomina Sistema Supletivo ou Suplementar (Mendes, 1993,
1996; Almeida, 1998)4, termo que aponta uma característica ainda parcial, deste
mercado. Esta se refere à demanda, de alguma maneira usuária de assistência à
saúde privada, que necessita de formas coletivas de financiamento ao largo do
sistema público. Este segmento vem se autoclassificando em cinco modalidades:
seguro saúde, medicina de grupo, cooperativa médica, auto-gestão e planos de
administração (Towers, Perrin, Forster and Crosby apud Andreazzi, 1991). Porém,
para melhor se entender o conjunto dos problemas econômicos que se dão no
seu interior, optou-se, também por razões que serão detalhadas em momento
oportuno, por considerá-lo seguro.
Os serviços de saúde, por sua vez, compõem distintos mercados.
Subdivididos em hospitais e serviços ambulatoriais e médicos apresentam uma
peculiaridade distinta do mercado de seguros: a enormidade de ofertantes e uma
diferenciação de produtos grande, principalmente no seio dos serviços
ambulatoriais, criando nichos muito distintos de mercado.
O setor saúde como um todo pode ser considerado um componente
expressivo para a definição das condições de reprodução da população5 - da
cesta de consumo das famílias, de despesas das empresas e dos orçamentos
públicos. Os agentes econômicos6 dos mercados que o compõem, sendo
contribuintes importantes para a conformação do produto interno, seria algo raro
se passassem ilesos das transformações mais gerais ocorridas. E que estas não
refletissem sobre as condições de funcionamento do Estado e dos mercados de
saúde.
3 Guimarães (1981), p. 33.4 Denominação corroborada pela Lei 9656/98.5 Trata-se aqui da renovação constante de um dos elementos da sociedade, a força-de-trabalho, na economia capitalista.Isto pela existência de um fundo de consumo destinado a cobrir as necessidades dos trabalhadores, enquanto tal, como aalimentação, habitação, saúde, transportes, que fazem parte dos custos de reprodução, (ver Diccionário de EconomiaPolítica, Editorial Progresso, 1984).6 Os agentes econômicos seriam as unidades de decisão que se confrontam nos processos de produção e troca de bens eserviços. Para Ferguson (1974), são de três tipos: consumidores, empresários e proprietários de recursos.
14
Pois mudanças de fundo ocorrem no Brasil, nos anos 90. Nestes anos, se
consolidam no país os elementos do novo ciclo de reprodução da sociedade
capitalista, caracterizado pela reversão dos padrões de crescimento do pós II
Guerra e pela intensa financeirização das atividades produtivas. Tais processos
se dão com um retardo de, ao menos, uma década vis-à-vis o que ocorreu com
uma parcela importante dos países centrais e periféricos, o que não impediu que
repercutissem sobre todas as áreas da vida social.
As transformações por que passaram os outros países, particularmente as
ocorridas nos periféricos, têm sido atribuídas às políticas desenvolvidas, nos anos
80, por organismos financeiros internacionais. Em resposta a crise econômica do
capitalismo central e a crise da dívida dos países periféricos, as medidas mais
importantes preconizadas foram o ajuste fiscal e a reforma do Estado, incluindo-
se as privatizações de empresas públicas. Elas se constituem num elemento
chave para o entendimento de uma nova articulação entre o financiamento e
prestação pública e privada no setor saúde na América Latina (Almeida, 1998;
Laurell, 1995, 1998; Ocké, 1995; Eibenschutz, 1995; Ugá, 1997; Werneck Vianna,
1998). Se em outras situações, o peso do vetor internacional, na forma da
aplicação de receitas de reformas setoriais, possa ter sido determinante, no
Brasil, a história mais recente das políticas de enfrentamento da crise, incluindo-
se as sociais e de saúde, introduzem uma complexidade ao tema. Pois estas
receitas foram concomitantes com uma ampliação de direitos sociais e
responsabilidades públicas que tomaram corpo na Constituição de 1988. Tornam-
se, aqui, mais explícitas as limitações de uma abordagem que apenas se apóie
nas determinações externas para explicar as transformações no papel do público
e do privado, sem entender como estas vem se articulando na trajetória de
desenvolvimento interno do setor saúde.
1.1 – Mudanças recentes na articulação público-privada em
saúde
O período 50-80 teve no crescente financiamento provindo do seguro
social, em vários países industrializados e em industrialização, inclusive no Brasil,
o principal elemento propulsor da dinâmica de desenvolvimento dos prestadores
privados de serviços de saúde (Mesa-Lago, 1989). A partir daí, ao contrário, a
15
retração do financiamento público, política implícita de privatização, e o
crescimento paralelo dos seguros privados de saúde, dotam o início do novo
milênio de desafios singulares. Os mecanismos que se dariam no interior do
próprio mercado, ou seja, os processos de produção e troca, passariam a ser
indispensáveis para o entendimento global do setor e para a formulação das
políticas públicas.
Nos países centrais, rupturas de padrões prévios da articulação público-
privada no setor saúde, já nos anos 80, aparecem na literatura européia,
sobretudo britânica, ligada a uma discussão sobre privatização do “welfare state”
(Le Grand e Robinson, 1984). As reformas que ocorreram no Reino Unido nos
anos 80, tiveram duas características importantes (Harrison, 1997):
a) A desregulamentação do controle sobre a construção de serviços de
saúde, com o desenvolvimento de um setor lucrativo, com a participação
importante do capital externo, através das cadeias hospitalares norte-
americanas. Há, ainda, um desenvolvimento paralelo de seguros privados
de saúde financiados por empresas;
b) A introdução de mecanismos de mercado no interior do sistema público
através da denominada competição administrada (managed competition),
em que os antigos mecanismos de financiamento de hospitais por
orçamentação global são substituídos pela compra de serviços através das
autoridades locais e médicos generalistas, estes sim, com orçamento fixo.
Nos Estados Unidos, análises dos anos 90, como a de Leyerle (1994),
ressaltam mudanças relativas à presença mais marcante de interesses privados
lucrativos na regulação do sistema de saúde. Pelo caráter paradigmático de um
sistema em que a dinâmica do mercado é extremamente importante, faz-se
necessário se deter brevemente sobre as sua transformações mais recentes. Lá,
o financiamento através de seguro privado tinha, inicialmente um caráter não-
lucrativo, através da Blue Cross e da Blue Shield7. No final dos anos 50, as
companhias de seguro comerciais, no seu conjunto, dominam o mercado. No
entanto, a prestação de serviços mantém-se, fundamentalmente, artesanal
(médicos liberais) e não-lucrativa (hospitais comunitários e pertencentes a
7 São planos de pré-pagamento de caráter não-lucrativo, organizados por associações de hospitais e de médicos, tendosurgido durante a Depressão norte-americana (anos 30) para viabilizar o consumo de atenção médica, em bases de tarifascomunitárias, ou seja, disseminando o risco por toda a base de população definida, sem diferenciações pelos atributosindividuais dos segurados, como idade ou patologia (Sommers e Sommers, 1961 apud Andreazzi, 1991).
16
Fundações de caridade) (Starr, 1982; Staples, 1989; Skocpol, 1996, Andreazzi,
1991; Noronha e Ugá, 1995)8. A reforma do Estado deste país, promovida por
Reagan, foi no sentido da desregulamentação sobre o crescimento e
incorporação tecnológica das organizações médicas e o estímulo ao
desenvolvimento de instituições médicas de pré-pagamento (Health Maintenance
Organizations/HMOs)9 como alternativa ao tradicional seguro de livre-escolha
(Noronha e Ugá, 1995). A característica atual mais marcante do setor saúde em
relação aos anos anteriores é o crescimento de diferenciados prestadores de
serviços com objetivos lucrativos e a crescente concentração de capital.
Formaram-se cadeias de empresas hospitalares e de HMOs, o fechamento ou a
venda de instituições não-lucrativas e públicas e a mudança de comportamento
destas últimas, como decorrência de sua necessidade de sobrevivência num
outro ambiente competitivo (Mooney, 1994; Salmon, 1995). Os principais
exemplos deste processo, segundo Salmon (1995) são:
Em 1997, o faturamento das 4 maiores cadeias de hospitais
excedia a venda das indústrias farmacêuticas líderes;
A tradicional prática médica liberal de consultório está sendo
progressivamente substituída por relações de credenciamento ou
assalariamento em: HMOs, ¾ dos quais controlados por corporações,
PPOs10 e “ MD chains”11;
Desenvolvem-se redes lucrativas de distribuição de
medicamentos, algumas resultantes da integração vertical de indústrias
de medicamentos com planos de saúde administrados (managed care);
8 Navarro (1989) considera que o motivo pelo qual nos Estados Unidos, não houve o desenvolvimento de uma políticauniversal de saúde financiada pelo Estado, como na Europa ocidental pós II Guerra, foram fatores políticos:características da luta de classes naquele país, com organizações da classe operária, fracas e divididas, ausência de fortespartidos de esquerda. Argumentos parecidos sobre as características do movimento operário, embora sob uma outraperspectiva teórica podem se encontrados em Abel-Smith (1976).9 As HMOs foram uma modalidade assistencial que se contrapôs ao tradicional seguro de indenização (reembolso) dedespesas médicas consoante aos ditames da prática liberal, nos EUA. Existindo desde os anos 50, estabelecendo relaçõesde assalariamento ou credenciamento com médicos liberais, e introduzindo controles na utilização dos serviços de saúde,é a partir de meados dos anos 70 que recebe, por parte do Governo Federal, um estímulo para o seu crescimento. Pois foiconsiderada potencialmente capaz de reduzir custos em comparação com o modelo prevalente de indenização (Salmon,1995).10 Trata-se de grupos de médicos que se associam e estabelecem contratos de referência preferencial com as seguradoras,mais baratos para estas e que garantem demanda mais estável para os primeiros, ao invés de sua tradicional prática liberalde consultório (Salmon, 1995)11 Estas, ao contrário das PPOs, onde há uma associação de profissionais liberais que se mantém formalmenteindependentes, são firmas lucrativas de terceirização do trabalho médico que fazem contratos com as seguradoras. Osmédicos podem ser assalariados ou estabelecer contratos de longa duração com as MD chains. Salmon (1995) afirmavaque esta modalidade, em meados dos 90, crescia a uma taxa bastante elevada.
17
As companhias de seguro saúde privado passam por fusões e
aquisições, com a conseqüente maior concentração do mercado.
Relman (1980), então editor do conceituado New England Journal of
Medicine denominou esta nova configuração do mercado de “novo complexo
médico-industrial”.
O tema do “mix” público-privado vem encontrando, assim, o crescente
interesse dos organismos internacionais (PAHO, 1992), em contraste com um
otimismo anterior sobre um progressivo rumo em direção à estatização do
financiamento e prestação de serviços de saúde (Terris, 1980).
No Brasil, há uma literatura especializada em reformas dos sistemas de
saúde nos anos 90 bastante extensa (Labra, 1995; Mendes, 1996; Giovanella e
Fleury, 1995; Costa e Ribeiro, 1996; Ugá, 1997; Werneck Vianna, 1998). Podem
ser identificadas as seguintes transformações: inicialmente, uma profunda crise
fiscal do setor público de saúde, que é concomitante a uma importante reforma
das políticas e do aparelho do Estado que se dá com a implantação do Sistema
Único de Saúde/SUS (Mendes, 1996). O gasto privado com saúde, ao contrário
da década de 80, onde é menor que o gasto público (OPS, 1990) tende a igualar-
se com este, ambos em torno de 16 bilhões de reais, em 1996 (Gazeta Mercantil,
1996). Francamente adversa, nacional e internacionalmente, foi a conjuntura
política em que os preceitos constitucionais de universalização com eficácia
deveriam ser concretizados.
A importância do SUS para o financiamento da rede hospitalar se torna
decrescente em relação ao financiamento privado através de planos e seguros de
saúde (Vianna et al., 1987; Buss,1993)
Ao lado desta mudança nas bases de financiamento, dados desagregados
nos informam estar havendo modificações no comportamento dos hospitais e das
empresas de seguro saúde que nos apontam elementos sobre a dinâmica atual
do setor prestador de serviços de saúde:
As cooperativas médicas e muitas empresas de seguro saúde
compram hospitais, refletindo um movimento de verticalização cujos
determinantes tanto podem estar na necessidade de contenção de
custos hospitalares ou na manutenção de uma reserva estratégica de
leitos.
18
Os hospitais filantrópicos, tradicionais parceiros da
previdência social e atualmente do SUS, com o estrangulamento de
suas bases financeiras, buscam outras fontes de custeio, através das
seguradoras e organizam planos de pré-pagamento próprios
(Confederação das Misericórdias do Brasil, 1992). Para o investimento,
terceirizam a oferta de inovações tecnológicas (Cotta et al., 1998).
Muitos hospitais privados contratados descredenciam leitos
no SUS (Medici, 1992 Apud Ocké, 1995). Aqueles que se mantém no
sistema são freqüentemente apontados por seus gestores12 como de
baixa qualidade.
Alguns municípios com modelos de gestão com maior
autonomia de utilização de recursos federais complementam a tabela
do SUS por alguns serviços do setor privado13.
Um dos desafios que advém destas transformações é o fortalecimento da
regulação das práticas de saúde. Esta é apontada pelos organismos
internacionais como uma das funções básicas do novo Estado reformado, que aí
deve concentrar a sua intervenção, ao invés do financiamento e provisão (Banco
Mundial, 1993). No entanto, apesar do esforço em explicitar os elementos que
devam norteá-la (Almeida, 1998), estes não estão ainda suficientemente
esclarecidos de modo a dotar o Estado e os atores envolvidos de informações e
guias para a ação14. Um dos problemas, ao nosso ver, está nas limitações da
teoria neoclássica (em especial, o equilíbrio entre oferta e demanda e a
racionalidade ilimitada dos agentes econômicos), bastante consolidada na
literatura internacional e nacional em Economia da Saúde15 para o entendimento
do funcionamento dos mercados em saúde. Mesmo autores clássicos da
regulação de mercados, no geral (Kahn, 1988), partindo de uma abordagem
econômica tradicional, da análise das chamadas falhas de mercado ou
imperfeições do processo competitivo (perfeito), questionam o funcionamento
"natural" do mercado. Consideram-no, sim, historicamente imposto como ideal,
12 Comunicação pessoal de dirigente da Representação do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, 1994.13 Comunicação pessoal com Secretário Municipal de Saúde do interior do Estado do Rio de Janeiro, 1997.14 Um exemplo é o afã regulador que tomou conta, desde 1998, no setor de Saúde Suplementar, que contava, em 2000,com 26 Medidas Provisórias, 21 Resoluções do Conselho de Saúde Suplementar, 18 Resoluções da Agência Nacional deSaúde Suplementar, algumas contradizendo as anteriores (Ramos, 2000). Em julho de 2001, foi promulgada a 43a MedidaProvisória.15 Ver, por exemplo, Musgrove (1996), Piola e Vianna (1995) e Mendes (1996).
19
com o desenvolvimento do capitalismo mercantil e industrial. Kahn (1988) chama,
ainda, a atenção para os limites do modelo neoclássico para tomar decisões, na
medida em que seu funcionamento é restrito à existência de condições
constantes, dificilmente vistas em conjunto nas situações concretas. Em geral,
respaldada na teoria microeconômica convencional, este autor considera-a
incapaz de responder a uma outra ordem de problemas: como, e por que arranjos
institucionais, resultados ideais podem ser alcançados.
O tema da privatização é recorrente nas análises sobre a configuração das
políticas de saúde no Brasil, principalmente após os anos 60, mas centrados,
principalmente, nas relações entre hospitais privados e Previdência Social. Muitas
mudanças ocorreram desde então, mas o conceito continua sendo aplicado
amplamente a processos distintos. O que não tem impedido que houvesse
esforços, na década de 90, no sentido da melhor caracterização descritiva de
segmentos do setor privado, como os hospitais privados (França, 1997; Cotta et
al., 1998) planos e seguros de saúde (Andreazzi, 1991; Almeida, 1998; Bahia,
1999) e cooperativas médicas (Duarte, 2001).
Na literatura latino-americana especializada de Saúde Coletiva, podemos
encontrar dissensos mais explícitos a uma uniformização na abordagem do setor
privado em saúde, como os casos de Laurell (1995) e Dias (1995). A primeira
autora expõe a necessidade de hierarquizar os processos de privatização do
continente, identificando que o núcleo central do processo atual é diferente dos
anteriores. Já o último chama a atenção para a heterogeneidade do setor privado,
com interesses e possibilidades de articulação distintos relativos às políticas
públicas.
Assim, não é de todo dispensável a explicitação inicial da abordagem do
que entendemos por privatização no setor saúde, para não dar margem a uma
compreensão distorcida dos argumentos a serem apresentados.
1.2 – Concepções sobre o público e o privado em saúde.
A análise das políticas prescinde da identificação das forças sociais
apoiadoras e antagônicas, o que é válido no campo da reforma sanitária
brasileira, no que tange à articulação público-privada em saúde. E essa
identificação é função direta de como estas forças formulam as suas estratégias,
20
a partir de seus interesses materiais concretos. Diz a tradição oriental em
estratégia16, comentando fatos concretos da vida da China, que certas lutas
ocorridas teriam atingido escassos resultados, fundamentalmente porque os
contendores teriam sido incapazes de unir seus verdadeiros amigos para atacar
os verdadeiros inimigos. Caberia, por isso, fazer uma breve revisão dos conceitos
de público, privado, articulação público-privada e privatização, no caso específico
do setor saúde, para elucidar como se interpretará, neste trabalho, as diversas
contradições em jogo.
1.2.1 – Contribuições da História, da Economia e da Política.
Um conceito bastante difundido de privatização (Hanke, 1994) é de
transferência de ativos ou funções da propriedade ou controle público para o
privado. Direitos de propriedade são direitos de disposição sobre recursos, ou
ativos. Esta disposição pode não estar sempre subjugada a um livre-arbítrio por
parte do proprietário: podem existir relações contratuais entre entes privados ou
não, que impõem restrições ao uso da propriedade; ao proprietário caberão
direitos residuais sobre os recursos que estão fora da relação. A ele cabe
também, em última análise, a alienação dos ativos, caso contrário estariam
minados os pilares fundamentais da sociedade de classes: a posse privada de
meios de produção, colocados em funcionamento, no capitalismo, através da
compra de força-de-trabalho.
Os significados que tomam os conceitos de privado e público, no entanto,
não são universais. São históricos. Para Sennett (2001), as primeiras ocorrências
da palavra “público”, na língua inglesa, a identificam como o bem comum na
sociedade; privado uma região protegida da vida, definida pela família e pelos
amigos. A análise das mudanças dos significados, realizada por este autor, a
partir do fim da sociedade feudal na Europa e em diferentes estágios da nova
sociedade capitalista, corrobora a sua historicidade, sua dependência das
diferentes formas como os homens apropriam-se da natureza e relacionam-se
entre si; reproduzem-se e reproduzem seus modos de vida material e suas
relações sociais. A religião, por exemplo, que é, hoje, um assunto, na maioria dos
16 Que tem raízes antigas, como o clássico Sun Tzu. A Arte da Guerra (tradução de James Clavell. Rio de Janeiro, SãoPaulo, Editora Record, 1990), livro situado entre os mais vendidos, hoje, no Rio de Janeiro..
21
países capitalistas ocidentais, da esfera privada. No feudalismo, ao contrário,
nestes mesmos países, não era parte dos direitos do indivíduo optar por uma ou
outra religião. Sendo o homem por natureza, social, a própria delimitação do que
é privado deriva das normas de convivência. Na sociedade de classes, a norma
dominante do que se constitui esfera da sociedade será o resultado da dinâmica
da luta de classes.
A teoria econômica ortodoxa, partindo de uma visão ahistórica do homem,
do individualismo metodológico, define bem público como aquele em que o
consumo de uma pessoa não reduz a quantidade disponível para o consumo de
outras. Como se pode consumi-los sem ter de pagar por eles, não são produzidos
para venda a consumidores individuais, só através de formas de ação coletiva
(Musgrove, 1999), em última análise do Estado. Não descartando aqueles bens
aos quais a sociedade decide que todos devem ter acesso, chama-os, todavia, de
meritórios (e não públicos).
Por conseguinte, a origem da regulação, normas sobre a disposição
privada dos recursos, está no campo político, no sentido em que surge de uma
decisão social, a partir de uma luta e uma dada correlação de forças e não
emerge das relações econômicas de livre-mercado, ou auto-reguladoras17. Ou
seja, parte da visão, que se torna hegemônica na sociedade de um dado bem ou
serviço (ou de suas particularidades) estar submetido ao interesse público, ou
seja, aquele que emerge da luta como hegemônico: ...”property does become
clothed with a public interest when used in a manner to make it of public
consequence, and affect the community at large” ....(94 U.S. 113, 126, 1877)18
Como aponta Polanyi (1980), inclusive para a própria sobrevivência da sociedade
de mercado de uma competição autodestrutiva.
Podemos ainda tentar delimitar o campo público e privado a partir da
discussão das relações entre sociedade civil e sociedade política (ou Estado).
Bobbio (1996) nos aponta que, na sua vertente atualmente mais utilizada (em
Marx e em Gramsci), sociedade civil é o espaço onde se dão (e se reproduzem)
as relações materiais entre os homens e também as ideológico-culturais: ...”Na
contraposição Sociedade civil-Estado, entende-se por sociedade civil a esfera das
17Nos Estados Unidos esteve, especificamente e até os anos 30, no campo jurídico. Kahn (1988) refere que uma dasprimeiras indústrias que passam a ser reguladas foi os bancos (1911) e, posteriormente, os seguros (1913, 1931).18Kahn (1988), p. 4I.: ...”a propriedade torna-se envolvida por um interesse público quando usada de forma a que
22
relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se
desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam as instituições
estatais. Em outras palavras, Sociedade civil é representada como o terreno onde
surgem os conflitos econômicos, ideológicos, sociais e religiosos que o Estado
tem a seu cargo resolver, intervindo como mediador ou suprimindo-os; como a
base da qual partem as solicitações às quais o sistema político está chamado a
responder...Sociedade civil e Estado não são duas entidades sem relação entre
si, pois entre um e outro existe um contínuo relacionamento”...19 Assim, na
dependência deste relacionamento20, o Estado, organismo que, segundo a
tradição marxista, emana da separação da sociedade em classes irreconciliáveis,
com a função de manter a ordem dominante, intervém na disposição dos
recursos. Seja controlando-os diretamente (propriedade pública), seja
estabelecendo normas para o seu controle privado (regulação), seja garantindo
um ambiente auto-regulatório, principalmente através do Direito. Podemos, a
partir daí, estabelecer uma diferença entre público e estatal: este último quando o
Estado detém a propriedade do recurso. No entanto, mesmo quando o bem em
questão esteja sob a propriedade de membros da sociedade civil, ele pode ser
público. Emerge aqui como variável importante para a nossa discussão o grau de
controle do Estado sobre os bens públicos, a partir das distintas relações de
propriedade.
No capitalismo, o direito universal de disposição sobre a utilização de
recursos, sem interferência direta do Estado, constituiu-se na bandeira de luta da
nascente burguesia contra o absolutismo mercantilista anterior, com seus
monopólios legais sobre os principais recursos da sociedade. Assim, o Estado
liberal parte de uma despolitização das relações econômicas, com uma
separação entre Estado e economia. Ou um Estado que assegura, antes de tudo,
o direito de propriedade privada, o uso indiscriminado dos recursos para
finalidades individuais, o livre jogo das forças de mercado. Esta concepção do
Estado, própria do liberalismo, pode ser encontrada, nos dias de hoje, na
ilustrativa passagem do Relatório de 1997 do Banco Mundial: ..."Os mercados não
podem se desenvolver se não houver efetivos direitos de propriedade. E os
decorram conseqüências públicas e afetem, de forma importante, a comunidade... (tradução livre).19Bobbio (1996), p.1210.20 Ou, em outros termos, impulsionado pela luta de classes
23
direitos de propriedade só são efetivos quando são preenchidas três condições. A
primeira é a proteção contra o roubo, a violência e outros atos predatórios...A
segunda é a proteção contra atos arbritários do governo... A terceira... é um
judiciário razoavelmente justo e previsível..."21.
Já o Welfare State representaria uma intervenção poderosa do Estado nas
relações econômicas (sobre o uso ou propriedade dos recursos privados,
submetendo a propriedade privada individual, em vários campos, ao interesse
público). Fruto das lutas políticas e sociais dos séculos XIX e XX que agregaram
os direitos sociais universais aos políticos e individuais da Revolução burguesa,
no estatuto do cidadão, também pode ser atribuído ao fracasso do liberalismo de
sustentar o crescimento econômico sem crises e garantir a legitimidade da ordem
social.
Esta discussão permite concluir que a definição do público e do privado,
como categorias universais, é uma das versões de abordagem do problema. Não
é a única, entretanto, e nem será aquela aqui utilizada. Antes, contudo de
apresenta-la, será vista com um pouco mais de detalhe a visão prevalente na
Saúde Coletiva latino-americana.
1.2.2 - Visões mais utilizadas na literatura latino-americana
A revisão da literatura latino-americana sobre privatização, sob o ponto de
vista das políticas sociais e, particularmente de saúde, deixa margem a uma certa
visão ahistórica dos conceitos de público e privado, insuficiente para a
compreensão dos processos e interesses em jogo.
Torres (1992) é bastante didática quando classifica as modalidades de
privatização em formais e informais, que podem, e freqüentemente se apresentam
articuladas entre si. As modalidades informais compreendem o desfinanciamento
e o deterioro da infra-estrutura e das condições de trabalho das empresas ou
serviços públicos de tal modo que elas entram num processo de “morte lenta”. As
modalidades formais compreendem:
A transferência de um serviço ou operação de um organismo público a
21 Banco Mundial (1997), p. 43.
24
uma organização privada.
A redução da participação do Estado nas empresas de capital social.
A venda de ativos.
A compra de serviços (contratos)22.
Aplicando-se estes formas ao setor saúde, pode-se encontrar, ao longo de
sua história, todas essas modalidades. A história das políticas de saúde do século
XX mostra exemplos extremamente diversificados de combinações público-
privadas na prestação e financiamento de cuidados de saúde, com resultados
também diversificados em termos de saúde, de gastos, de equidade.
O termo privatização em saúde, por conseguinte, de forma geral, como
mostra Torres (1992), se presta a fenômenos bastante variados, como a
terceirização de serviços hospitalares para firmas privadas, por um lado, e a
transferência completa da função de assegurar cuidados de saúde do seguro
social para o seguro privado, por outro. Especificamente, mas não exclusivamente
no Brasil, onde a combinação público-privada é antiga, se aplica, o que é
formalmente correto, a tantos processos, antigos e recentes que ocorrem nas
políticas de saúde, que falar em privatização sem adjetivá-la, sem entender a sua
dinâmica, pouco ajuda23.
No Brasil, embora hoje mais raramente, os processos de privatização
ocorrido no setor têm sido apresentados como respondendo a idênticas
determinações. Uma análise bastante encontrada sobre a evolução recente das
políticas de saúde no Brasil, em comparação com outras na América Latina,
corrobora nossa assertiva: ..."Essas particularidades dizem respeito tanto a
características de um país com traços continentais quanto à precoce privatização
da saúde, quando comparada com as demais experiências, como a mexicana e a
chilena"24.... "É nesse período - décadas de 60 e 70 - que se consolida no país a
privatização da assistência médica promovida pela atuação do Estado pelo
sistema de proteção social25 "...
22Ver Torres (1992), pp. 15-16.23 Reforça o argumento a seguinte passagem de Laurell: ..."Por exemplo, no setor privado se incluem o consultóriomédico de bairro, o hospital de beneficência religiosa e a empresa médica, freqüentemente sem distinção nenhuma. Ë,então, urgente precisar quais são os temas centrais da privatização e distinguir os níveis do problema"...In Laurell(1995), p. 32 (tradução livre).24 Cohn (1995) p. 225.25 Ibid, p. 231.
25
Dois problemas estão, aqui, sendo tratados, como se iguais fossem. Trata-
se, o primeiro, do crescimento das formas autônomas do setor privado, quanto ao
financiamento para compra de serviços por parte do sistema público de saúde,
que ocorre no Chile e no México, nos anos 80 e 90, impulsionado por reformas do
Estado. O segundo foi a política de expansão da cobertura de assistência à
saúde, por parte do seguro social, através de contratos com prestadores de
serviços de saúde privados, que crescem com recursos também públicos para
investimento e que caracteriza o Brasil e outros países em industrialização da
América Latina (Mesa-Lago, 1989).
Esta unificação dos processos desdobra-se em um problema recorrente
nas análises do sistema público de saúde brasileiro, mesmo nos anos 90:
considerar a ainda prevalente participação do setor privado nos gastos públicos
com assistência à saúde como questão central para definir o grau de privatização
do sistema de saúde brasileiro.
No entanto, a despeito desta redução ao longo da década de 90, que será
apresentada com detalhes no decorrer deste trabalho, dificilmente se poderia
afirmar que o sistema de saúde brasileiro tenha se tornado mais público. Ou seja,
que o grau de passagem para a esfera privada de decisões sobre produção e
consumo de serviços e, também o grau de mercantilização do setor, de
transformações de seus produtos em mercadorias, não tenha avançado de vento
em popa.
Uma outra grande fonte de confusão de processos, a partir da utilização
indiscriminada do conceito de privatização, encontra-se no debate da Reforma do
Estado e das modalidades de terceirização da prestação de serviços estatais e de
gestão para além do modelo autárquico, propugnada, desde os anos 80, pelos
principais gestores do capitalismo global. No Brasil, Bresser Pereira (1996,
Brasil/MARE, 1997) propõe que a reforma do Estado seja dirigida a:
Disciplina fiscal que elimine o déficit público.
Securitização26 da dívida externa, a partir de um diagnóstico que ressalta a
sua importância na crise fiscal do Estado, através da privatização de empresas
estatais produtivas.
Liberalização comercial.
26 Transformação dos mecanismos clássicos de empréstimos em troca do financiamento por ativos, negociáveis em
26
Tornar o aparelho de Estado eficiente para implementar políticas públicas
redistribuitivas - saúde e educação.
Neste último caso, eficiência significando, para o autor, o enfrentamento do
enrijecimento da máquina de Estado, causada pela Constituição de 1988, que
aprofundou um modelo burocrático clássico, incongruente com os princípios da
administração moderna de empresas (basicamente a administração por resultado
e não processo, lento e caro). Este modelo foi constituído pelo Regime Jurídico
Único, a estabilidade no emprego e o regime previdenciário próprio, que
agravaram a crise fiscal do Estado (Brasil/MARE, 1997). Propõe, assim, uma
segmentação do aparelho do Estado entre um núcleo burocrático, com funções
exclusivas de Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário, arrecadação de
impostos, Forças Armadas), um setor de serviços sociais (educação, pesquisa,
saúde pública, cultura e seguridade social) e de infra-estrutura. Para os serviços e
infra-estrutura, em que o importante é a eficiência (relação qualidade/custos),
propõe o abandono da intervenção direta, adotando-se formas regulatórias. Ao
núcleo burocrático, uma estratégia de insulação (administração burocrática
clássica). Aos serviços ou setor competitivo do Estado, flexibilidade -
descentralização, controle por resultados, confiança nos agentes, eficiência e
qualidade semelhantes ao setor privado e ao setor público não-estatal, que se
consubstancia na criação das Organizações Sociais (instituições de direito
privado). Estas, podendo ser afetadas por privatização e feudalização, teriam
algum grau de controle processual, mas principalmente, por resultados. O
controle social previsto seria a constituição de Conselhos de Administração dos
diversos segmentos de beneficiários envolvidos. À infra-estrutura, propriedade
privada lucrativa.
Experiências atuais de articulação público-privada em que há uma
terceirização da prestação serviços estatais para instituições não lucrativas de
direito privado, como é a proposta das Organizações Sociais, não seriam,
intrinsecamente, incompatíveis com a universalidade e equidade, que norteiam,
juridicamente, o sistema de saúde brasileiro. O que é semelhante a outras
situações nacionais que assim se organizam, como o Canadá, sistema de seguro
público de saúde onde os hospitais, na sua maioria comportar-se-iam como
mercados secundários de valores.
27
Organizações Sociais. No entanto, o controle que o Estado detém sobre o
funcionamento do sistema, neste último caso, é quase total, dada a sua condição
de financiador. Há que se contextualizar, portanto, a questão. Um setor privado,
com funções públicas, numa situação de fortalecimento do capital financeiro na
saúde, que é o caso brasileiro, diferentemente do canadense, certamente teria
grande probabilidade de ser captado por ele ou seguir mais facilmente sua lógica
de prestação do serviço.
Além disso, a exposição de Bresser Pereira, mais do que qualquer análise dos
propósitos da reforma do Estado, aponta para seu objetivo final, de ajuste dos
gastos públicos a uma redução da carga tributária. Para o Terceiro Mundo,
também de abertura dos mercados internos aos processos acirrados de
globalização produtiva e financeira, que tem significado o controle da inflação via
política de juros altíssimos, que se agrega a já presente carga dos serviços da
dívida externa. Neste sentido, o permanente ajuste fiscal para equilíbrio das
contas públicas (Teixeira,1994) tornar-se-ia incompatível com o financiamento
público adequado desses prestadores terceirizados, aumentando a atratividade
dos seguros privados de saúde, como fonte alternativa de financiamento.
1.2.3 – Alternativas de análise
Partindo-se do pressuposto de que o setor privado em saúde não é
homogêneo, e que os processos de privatização devam ser vistos de forma
hierarquizada, duas questões podem ser colocadas. A primeira, seria a
identificação das categorias hierarquizadoras. A segunda, a utilidade de uma
abordagem hierarquizada das relações público-privadas em saúde para a
definição das políticas e para a regulação do setor.
O que equivaleria perguntar se importaria, para as políticas públicas,
diferentes relações de produção e troca no interior do setor saúde? A
concentração do poder político poderia ser um desdobramento da concentração
do poder econômico, tendência já percebida em mercados mais antigos do que o
nosso? Que repercussões estes processos trariam sobre a democracia e os
mecanismos decisórios do Estado?
Julga-se útil voltar à História, com o intuito de tentar responder às questões
acima colocadas.
28
Assim, parece ser hegemônico na literatura internacional, o entendimento
que a organização de cuidados à saúde27, nas sociedades ocidentais modernas,
surge no âmbito da sociedade civil (ou do mercado, como quer Roemer28). De
profissionais liberais que prestam serviços aos indivíduos mediante alguma forma
de remuneração. Para as populações sem recursos para comprar estes serviços
no mercado, de mecanismos viabilizados pela caridade privada, principalmente
religiosa, sem finalidades lucrativas, com o intuito de manter a ordem social. Com
o advento da industrialização, da constituição de fundos, inicialmente mútuos, e
depois sociais, que permitem a cobertura de serviços de saúde de extensas
camadas sociais.
Com o aprofundamento das lutas sociais, o Estado assume um papel ativo
na cobertura de necessidades de saúde da população. O conceito do cuidado a
saúde como um bem público - decisão da utilização dos recursos segundo
critérios que vão além da esfera do indivíduo, e não o conceito econômico de viés
ortodoxo supracitado - implica a intervenção da sociedade política naquele
mercado já existente, para garantir os novos direitos. Esta intervenção se deu de
diversas formas - por regulação da utilização privada, pela compra dos serviços à
prestadores privados, pelo financiamento e provisão organizados diretamente
pelo aparelho estatal.
O Estado tradicionalmente regulou os médicos liberais e serviços de saúde,
do ponto de vista de normas sanitárias e certificação. A partir do momento em que
o Estado assumiu maiores responsabilidades na cobertura de saúde da
população, parcerias diversas com instituições médicas não comerciais
tradicionalmente foram utilizadas, no Brasil e em outros países, para oferecer
serviços subsidiados. Em inúmeros exemplos, ele também utilizou serviços
liberais e de pequeno capital, já existentes, para garantir a cobertura de serviços
de saúde à população, optando por esta atenção terceirizada ao invés da
organização de serviços através do seu aparelho. Neste caso, potencialmente o
Estado detinha, através do financiamento, um relativo poder de definir a utilização
dos recursos privados e promover uma maior equidade29. Potencialmente
27 E não as políticas de adaptação do homem ao meio-ambiente, como o saneamento básico, com estreitas relações com asaúde das coletividades, muitas delas encaixando-se na definição econômica ortodoxa de bem público.28 Roemer (1989).29 É importante aqui considerar de que modo o Estado é controlado pelos interessados em políticas de saúde eficientes eequânimes (escassamente no Brasil nas décadas de 60 e 70, onde este modelo foi amplamente empregado) mas este é um
29
dispunha de conhecimentos suficientes para estabelecer os custos dos serviços,
pois mantinha serviços próprios, e, portanto, poder de regular a taxa de lucro dos
privados terceirizados. Por mais que aos prestadores interessasse obter recursos
do Estado para sua apropriação particular, o seu desenvolvimento para o
mercado estava limitado. Tanto pela demanda, já beneficiada pelo financiamento
público, como pela competição com outros prestadores, já que barreiras à entrada
não eram significativas. Além disso, pela possível baixa acumulação, onde os
lucros revertiam para a diferenciação tecnológica, que era um dos principais
mecanismos de competição, e para o fundo de consumo dos proprietários. Do
ponto de vista das possibilidades da população obter um uso eficiente e equânime
do conhecimento técnico existente para a melhoria da sua saúde, o modelo de
terceirização30 não se constituía um empecilho: o poder econômico dos
prestadores privados era pequeno, não disputavam com o financiamento do
Estado, embora pudessem disputar com os prestadores públicos. As distorções
criadas pelos interesses lucrativos dos prestadores eram maiores do que em
modelos onde o privado apresentava um processo de decisão não permeado,
diretamente, por interesses de acumulação.
O principal problema que repercutia sobre os custos e a qualidade da
atenção à saúde estava fora da alçada da prestação privada de serviços, e
também ocorria com os serviços estatais - a influência da indústria de insumos
(equipamentos médicos e medicamentos) nos padrões de prática médica, que se
refletia mais onde o lucro era o motivo da prestação do serviço.
No Brasil, isto ocorre através da opção de terceirização para cobertura
médica da Previdência Social que engendra o desenvolvimento de um setor de
hospitais lucrativos, a maioria de pequeno porte e, após a década de 70, também
ambulatorial. Os hospitais contaram com subsídios públicos para investimentos,
dirigidos a grupos de médicos, e para o consumo, através de contratos para
custeio. Há um crescimento restrito de empresas médicas de pré-pagamento,
lucrativas e não-lucrativas e outras modalidades de coberturas privadas de
atenção à saúde financiadas por indústrias, que se desenvolvem no país,
especialmente a partir da segunda metade dos anos 5031.
problema geral, não abrandado pela concentração do poder econômico30 Ou de separação entre financiamento e prestação, como se tornou mais recentemente conhecido (ver Dain,2000)31Cordeiro (1984); Braga e Paula (1981); Donnangello (1975).
30
Mas, na fase da dominância do grande capital financeiro e dos oligopólios
industriais e comerciais, no setor saúde, outros fenômenos ocorrem.
Análises da evolução do sistema de saúde norte-americano (Mooney,
1994; Salmon, 1995) onde o Estado teve uma presença historicamente tardia na
cobertura de serviços de saúde a uma parcela da população e na regulação de
mercados, sugerem que o surgimento do grande capital esteve associado com os
seguros privados comerciais e com as estratégias de integração dos seguros com
os serviços de saúde, formando os conglomerados. Isto teve como base uma
transformação técnica da oferta de serviços, a partir de uma diferenciação
tecnológica marcante que aumentou constante e marcadamente seu custo
unitário. Permitiu, de forma ascendente, a proletarização da antiga mão-de-obra
médica liberal, separando o trabalhador de seus meios de produção.
Estes processos ocorrem num contexto em que a direcionalidade da
ciência e da técnica, no âmbito dos serviços de saúde, passa, cada vez mais às
mãos da indústria de insumos, que vem num processo de constituição em
grandes oligopólios mundiais.
Esta trajetória norte-americana pode ser resumida nos seguintes pontos:
• na constituição da indústria de insumos médicos nos anos 50, a partir
de grandes indústrias químicas e eletroeletrônicas (Tavares, sem data);
• na transformação das práticas de saúde, com a conformação do
complexo médico-industrial”32;
• no crescimento de mecanismos de crédito, através de seguradoras,
bancos e empresas médicas de pré-pagamento, ao consumo de serviços
privados de saúde;
• na integração destes intermediadores financeiros ao capital comercial -
prestadores privados de serviços de saúde - formando o capital financeiro.
Ela se reproduz, em diferentes tempos e graus, em vários países, inclusive no
Brasil.
No Brasil, a constituição do complexo médico-industrial é encontrada nos
estudos clássicos de Economia Política da Saúde de Cordeiro (1980 e 1984) e
Braga e Paula (1981) e também Donnangelo (1975). O impacto sobre os serviços
31
de saúde pode ser visto na seguinte afirmação:
“...É como se, tardiamente, a atenção à saúde vivesse sua Revolução
Industrial; o cuidado deixou de ser artesanal ou manufatureiro - prestado pelo
médico isolado e por serviços bastante simplificados ...Da mesma forma, o capital
- enquanto valor que se reproduz - instalou-se na atenção médica, que passou a
produzir mercadorias no sentido mais estrito da palavra.”33
Como nos EUA, o desenvolvimento, no Brasil, do grande capital em saúde
não parece ter surgido do crescimento isolado do pequeno capital comercial
prestador de serviços, inclusive para o seguro social. Neste caso, o grande
capital pode ser encontrado: a) entre as seguradoras b) entre uma pequeníssima
amostra de empresas médicas que tiveram contratos iniciais com a Previdência,
sendo que uma também se transforma em seguradora34. Não se conhecem
exemplos, neste sentido, para os hospitais privados lucrativos contratados pela
previdência nas décadas de 60 e 70.
Tais fatos, em ambos casos nacionais, contaram com fortes incentivos do
Estado. Sejam eles a transferência formal da função de financiamento as saúde
para as empresas que contratam seguros privados (EUA), sejam aquele
mecanismo de "morte lenta”35 que implica no Estado descuidar-se do
financiamento da saúde e estabelecer incentivos fiscais para as empresas e
famílias buscarem garantias de saúde no mercado.
Entende-se, portanto, que aquele capital prestador de serviços, hospitais
lucrativos, não foi o principal agente transformador em qualidade, do processo
atual de privatização: mudaram, apenas, de regulador. O controle exercido pelas
seguradoras sobre a prestação de serviços de saúde significa a possibilidade de
extração de mais lucro às custas do maior controle sobre a mão-de-obra. A lógica
financeira dominante subordina a prestação do serviço. A concentração do poder
32 Termo importado da literatura norte-americana por Cordeiro (1980)33Braga e Paula (1981) pp 87-88.34 Trata-se aqui da trajetória da Golden Cross e da AMIL, ambas empresas de medicina de grupo que, surgindo no Rio deJaneiro, nos anos 70, têm um crescimento grande a partir daí. Ao contrário das grandes empresas médicas de São Paulo,como a Interclínicas, que parecem ter priorizado uma atuação regional, voltada para o mercado corporativo, e com umaparcela significativa da atenção médica ofertada através de serviços próprios, a Golden Cross e a AMIL investem tambémem planos individuais. Além disso, priorizam a intermediação financeira (por relações de credenciamento com médicos eoutros serviços de saúde) ao invés da prestação de serviços diretamente por profissionais assalariados. Investem, também,no mercado nacional. A primeira, em 1990, opta por transformar-se em seguradora. A segunda, como veremos adiante,transforma-se, a partir de 1994, na maior empresa de medicina de grupo, entre as filiadas a Associação Brasileira deMedicina de Grupo/ABRAMGE (Cordeiro, 1984; Andreazzi, 1991).35vver Torres, op. cit.
32
econômico se faz presente, há significativas barreiras à entrada. Para o capital
interessa apoderar-se de mais recursos privados e públicos que correspondam às
suas necessidade de sobrevivência num ambiente de competição entre grandes
oligopólios. Constitui-se, hoje, numa das principais indústrias por onde acorre o
grande capital mundializado (Chesnais,1996) A contradição com o público édecisiva no âmbito do financiamento: na gerência dos riscos de saúde. A
capacidade do Estado de: regular preços e taxa de lucro, definir patamares de
gasto com saúde e mesmo outros aspectos da utilização dos recursos privados é
bem mais reduzida. Nada garante que aplique seus lucros no aperfeiçoamento
técnico da própria ciência médica e sim no que o mercado financeiro aponte.
Ao invés de 'vilões" que predavam o Estado, para os principais
pesquisadores de políticas de saúde nos anos 8036, os hospitais privados
assemelhar-se-iam mais a sócios menores, que possuiriam escassa dinâmica
própria, podendo, inclusive, apresentarem contradições com o grande capital
financeiro e com a indústria de insumos. Esta linha de argumentação quenorteou trabalho anterior (Andreazzi, 1991) que a principal contradição entreo público e o privado, dentro do setor saúde brasileiro, estaria nofinanciamento da atenção e não na mera disputa entre prestadores públicose privados pelos recursos da seguridade social, parece mais consensualneste início de novo século do que nos anos 8037.
Sendo assim, a incorporação das formas de funcionamento dos mercados
privados de financiamento e prestação de serviços de saúde, ou seja, das suas
estruturas e dinâmica, torna-se uma necessidade para o entendimento das
relações entre o público e o privado. Ajudam a definir interesses e definir campos.
E em decorrência, aportam para a investigação dos impactos sobre as práticas de
saúde e, pergunta pouco freqüentada entre os investigadores, das possibilidades
e limites do Estado em regular os mercados.
Julga-se, portanto, necessário, para abordar o tema da privatização no
setor saúde, compreender os processos tomando como vetor a acumulação de
capital e suas relações com o Estado.
36Síntese deste corpo de análise pode ser encontrado do relatório final da VIII Conferência Nacional de Saúde(Brasil/Ministério da Saúde, 1986).37 Interessante notar que o debate travado no início da década de 90 em torno da privatização do setor de infra-estruturabrasileiro, também apontava a necessidade não deixá-lo sob a lógica dos mercados financeiros e da comunidadeempresarial, tanto por razões econômicas quanto de equidade na distribuição regional (Braga, Cintra e Dain, 1995)
33
1.3 - Síntese do objeto e das hipóteses de trabalho
O objeto do estudo é a relação entre o público e o privado no caso do setor
saúde brasileiro, num contexto de mudanças globais da acumulação de capital e
do Estado. Seu objetivo central é estudar as mudanças ocorridas na estrutura e
dinâmica dos mercados de seguros e serviços privados de saúde no Brasil, a
partir dos anos 80, identificando possíveis impactos sobre as políticas de saúde e
sobre a prestação de serviços de saúde.
Partindo-se da identificação de que:
• Mudanças importantes na reprodução da sociedade capitalista a partir dos
anos 70, que serão vistas com detalhes no próximo capítulo, têm trazido
impactos no Estado, nas políticas públicas e de saúde, na organização das
empresas e dos padrões de competição com reflexos sobre o financiamento e
a prestação de serviços de saúde, nos seus componentes público e privado.
• Existem lacunas de conhecimento no Brasil que permitem aportar ao nosso
objeto - a mudança nas relações econômicas e políticas entre os agentes
econômicos que compõem os seguros e serviços privados de saúde e as
possibilidades e limites do Estado em regulá-las.
• Estas lacunas podem ser largamente atribuídas aos métodos de abordagem do
problema, eivados de empirismo, limitando-se a descrições, ainda que
detalhadas, de segmentos do setor saúde, onde a ausência da perspectiva de
acumulação de capital tem impedido a análise dos agentes privados em suas
especificidades, a partir de seus distintos interesses de classe.
Foram formuladas as seguintes hipóteses de trabalho:
a) Ocorrem mudanças nas características dos mercados de seguros e
serviços de saúde no Brasil.
b) Estas mudanças, a partir da especificidade própria da constituição de seu
sistema de saúde, têm uma grande probabilidade de estarem sendo
influenciadas pela conjuntura mais geral, ou seja, de acompanhar as
tendências estudadas da acumulação de capital, o que tenderia a modificar
as características da articulação público-privada em saúde no país.
c) Existiriam impactos decorrentes dos processos estudados sobre as
práticas de saúde.
34
d) As mudanças na configuração do setor privado, o aumento da sua
heterogeneidade, a partir dos processos ocorridos de acumulação interna
de capital, afetariam a capacidade reguladora do Estado.
II – DO MÉTODO DE ABORDAGEM.
1.4 – Saúde e macro-processos
Dificilmente se conseguiria dar conta dos objetivos traçados sem lançar
mão de um método que resgatasse as relações que se dão entre os macro-
processos de reprodução da vida material e os específicos, setoriais. Assim como
entre estes e as dimensões políticas e ideológicas. Entende-se, aqui, que este
estudo sobre o funcionamento setorial, teria, como questão central, a mudança
das relações, sociais, que se estabelecem entre os homens no processo de
produção, distribuição, troca e consumo de bens materiais relacionados a oferta
de serviços de saúde. Isto concretamente referido a um determinado período
histórico, que, no caso, se localiza no colapso da era keynesiana. Essas relações
freqüentemente estão permeadas por conflitos - a competição - que não se dão
apenas no âmbito da sociedade civil, mas passam pelo Estado. Ou seja,
freqüentemente os agentes utilizam-se do seu poder econômico para impor
determinadas normas de funcionamento mediadas pelo Estado, através do poder
político que adquirem.
Como a saúde é também um bem simbólico, embora não seja este o
elemento privilegiado nesta análise, se prescinde levar em conta os valores que
lhe são subjacentes na sociedade capitalista. Até porque, os aspectos políticos e
ideológicos da saúde, necessários à reprodução da sociedade capitalista, no
geral, podem estar em contradição com o seu aspecto “mercadoria” (como bem
material). Assim entendemos estes aspectos:
a) Por estarem inseridos nas relações capital-trabalho, os cuidados à
saúde constituem-se numa política de reprodução da população (Possas,C.,
1989).
35
b) O cuidado do Estado com a saúde é uma das formas de coesão social,
segundo uma perspectiva “durkheiniana” (como usada em Castel, 1998) ou de
imposição de uma hegemonia, a longo prazo, dentro da sociedade de classes
(como em Faleiros, 1987).
c) Freqüentemente sobre novas relações de produção, persistem aspectos
ideológicos de formações econômicas prévias. Isto pode ser visto em Braudel
(1972) ou em pensadores marxistas como Mao-tsé-tung (1937 {1961}). Este
último ressalta a possibilidade da existência de uma superestrutura - organização
política, valores culturais - que entra em contradição com a estrutura - produção
da vida material. Este fenômeno talvez explique a coexistência de uma ideologia
liberal e caritativa dentro de várias categorias de profissionais de saúde,
particularmente os médicos, ao lado de relações capitalistas avançadas de
produção (ver Machado, 1997).
Não há um setor saúde impermeável aos processos que se dão na
sociedade como um todo, mesmo tendo particularidades materiais e simbólicas. O
tema da mudança, cuja especificidade setorial é o nosso objeto, perpassa
diferentes níveis de análise da realidade: o da sociedade, o setorial propriamente
dito (o sistema de saúde) e o dos serviços de saúde, onde dá-se concretamente a
relação prestador de serviço-paciente. Tratar-se-ia portanto, de entender, a partir
de tendências gerais da sociedade capitalista, como estas se manifestam numa
área específica da produção da vida material, a saúde, imersa em seu contexto
político e simbólico particular. Por outro lado, como as mudanças setoriais
revertem e influenciam nas tendências mais gerais. A análise histórico-estrutural,
assim, parece ser a mais adequada para entender esse aspecto da vida dos
homens, a produção de serviços de saúde, por levar em consideração,
simultaneamente:
. a dinâmica específica do capital;
. a dinâmica do movimento social, que define o quadro regulatório mais
geral, do funcionamento dos mercados de serviços de saúde e do valor social
dado à saúde.38
38 Pela importância que têm tomado para o pensamento recente da Saúde Coletiva no Brasil (Chaves, 1998; AlmeidaFo,1997; Schrammn e Castiel, 1992) se faz aqui um breve esforço de identificar algumas áreas de tangenciamento entre ométodo escolhido e a chamada teoria da complexidade ou pensamento complexo (Morin, 1998). Esta corrente teóricateve como um de seus mais importantes motores de desenvolvimento a crítica ao reducionismo positivista imperante nas
36
O campo disciplinar da Economia (especificamente da Economia Política)
da Saúde acolhe esta abordagem.
Dentro deste campo, de especial importância foram os trabalhos
desenvolvidos por Katz e Munoz (1988) e Katz e Miranda (1994), pois trataram da
dinâmica do setor saúde numa abordagem heterodoxa, agregando elementos de
estudos clássicos de Economia Industrial às considerações políticas e
institucionais. O primeiro trabalho citado já apontava que, no setor saúde,
identificava-se não apenas um, mas três grandes mercados39, cujo funcionamento
isolado e suas inter-relações determinariam o comportamento setorial: o mercado
de serviços médicos, de serviços hospitalares e de medicamentos. Não se
poderia, além disso, para os autores, estabelecer um recorte rígido do que é
público ou privado pois o peso relativo de cada um se constitui uma resultante
endógena do sistema - do funcionamento da concorrência dentro e entre os vários
mercados e de suas interdependências.
Segundo este primeiro trabalho, a morfologia dos mercados de saúde teria
como seus determinantes gerais:
as condições de ingresso de novos ofertantes;
a natureza da mudança tecnológica, se capital ou trabalho-intensiva, com
mão-de-obra qualificada ou não;
a organização dos ofertantes;
a regulação estatal do mercado;
processo de acumulação de capital.
Ciências. E na Saúde Coletiva, em particular, durante os anos 90, com o abandono do materialismo dialético que permeougrande parte dos estudos das décadas anteriores, agora “oumoded”. Tangências estas que se dão na necessidade de terabordagens mais integrais do real, dada a complexidade de seus sistemas constituintes: a união do singular (particular) edo universal (geral), a relação de retroatividade entre efeito e causa, a impossibilidade de reduzir o real a algoritmos pelaincerteza e incapacidade cognitiva de identificar todas as variáveis e seus respectivos pesos específicos. Para omaterialismo dialético, por outro lado, o conhecimento é aproximado e ascendente, e resulta da interação dialética enteteoria e prática. A universalidade da ordem/desordem do pensamento complexo pode se aproximar da universalidade dacontradição para os marxistas, da unidade e luta dos contrários, como princípio explicador do impulso interno à mudança.Esta não é de todo admitida no primeiro modelo, já que haveria uma simultaneidade da ordem/desordem e reorganização,o que acaba aproximando-o do próprio funcionalismo. Para Morin (1998), os sistemas complexos são menos do que asoma de suas partes, porque reprimem potencialidades interiores a elas. Por outro lado, são mais do que as partes porqueda interação com o singular emergem novas qualidades para o todo.39 Já havíamos sugerido em 1991 (Andreazzi, 1991b) a necessidade de se agregar a estes três mercados, o deequipamentos médicos e o de seguros privados de saúde. Nesta análise, como já foi dito, por motivos metodológicos, aindústria de bens é vista como um pano de fundo. Mais recentemente, a própria dinâmica das inovações vai delineandooutros mercados, que anteriormente faziam parte daqueles primeiros apontados por Katz e Munoz (1988), como pareceser o caso tendencial dos serviços de diagnóstico e terapia.
37
Do ponto de vista das articulações entre o setor saúde e as tendências
mais gerais de desenvolvimento da economia capitalista, o trabalho se apóia,
principalmente nas teorias marxistas sobre o capital financeiro e de
institucionalistas norte-americanos como Stendl (1972{1990}), na análise da
concentração. Mas também extrai elementos extremamente úteis de modernos
estudos franceses mais chegados à escola regulacionista40, principalmente sobre
as formas modernas de articulação da grande empresa e a economia dos
serviços.
A vertente teórica dominante da Economia da Saúde, na atualidade, a
teoria neoclássica (ver Piola e Vianna, 1995; Musgrove, 1999; Feldstein, 1988)41 é
considerada insuficiente para entender as relações necessárias, pelos seguintes
motivos:
- Em primeiro lugar, porque é reducionista, não permitindo entender
a relação do geral e do particular.
- Porque não admite a mudança: seu conceito de mercado é um
fenômeno natural, estático - imutável - ou seja, ahistórico, que
existe independente das relações sociais de produção.
- A noção de equilíbrio entre a oferta e a demanda, que levaria
inexoravelmente a uma maximização do bem-estar social.
- Suas premissas acerca do comportamento dos homens - o
chamado homo economicus - que partem do individualismo
metodológico: produtores maximizadores de lucro e consumidores
maximizadores de utilidade. Tornando este comportamento
apenas reflexo a leis naturais que independem de sua vontade e
abstraindo, para o conjunto da história, uma ideologia derivada do
modo de ser burguês.
Entre a mundialização financeira, processo assim denominado por
Chesnais (1998) que caracterizaria o quadro mais geral de reprodução da
sociedade atual, cujas características serão vistas no capítulo a seguir, e a
40 Trata-se de corrente moderna da Economia Política que tenta entender como o capitalismo sobrevive apesar da luta declasses. Explicam o problema através dos modos de regulação – formas institucionais, normas societais e padrões deconduta estratégica, articuladas às transformações que vem ocorrendo nas bases materiais de produção, denominando oconjunto de regimes de acumulação. Entre estas normas, encontram-se o trabalho, a competição e o Estado (ver Boyer eDurand, 1993; Jessop, 1991),41 Teixeira (2001) também identificou esta tendência a partir de outros autores anglo-saxões.
38
dinâmica setorial existiriam mediações. No campo econômico, Possas (1989)
identifica na concorrência o elo de ligação entre a dinâmica específica dos
capitais individuais buscando valorização e as leis mais gerais de movimento da
sociedade capitalista. Do ponto de vista da política, no movimento real dos atores,
interesses de classe e frações de classe, a partir da percepção destes grupos
acerca da realidade (ideologia).
1.5 – As condições de competição
A concorrência seria para Possas (1989)42 uma esfera teorizável, pois o
fato de ela não possuir autonomia e nem precedência teórica sobre as chamadas
leis de movimento do capital43, estando ...”subordinada à lógica que preside às
determinações mais gerais e às leis”44..., não obstante, ...”se ela executa as leis
imanentes do capital, é evidente que o faz de modos específicos”...45
A concorrência seria, então, definida, na tradição clássico-marxista, pela
disputa permanente entre empresas ou produtores/vendedores pela sobrevivência
no mercado, mais do que pelo maior lucro possível . Em termos mais amplos,
Marx entenderia a concorrência ...”como a ação recíproca que os vários capitais
exercem entre si ao se defrontarem nos vários planos em que o mercado se faz
presente”46... - produção, realização (ao nível do valor de uso dos bens,
mudanças da qualidade dos produtos que influenciam a realização do valor da
mercadoria) e distribuição do excedente (ou da mais-valia) entre os diferentes
ramos de atividade. A competição compele os agentes à ação, com vistas à
acumulação de capital, mesmo que esta ação seja contraditória com a sua
vontade individual, por uma questão de sobrevivência no mercado.
Possas (1989), ainda, nos aponta (a partir, sic, de Tavares, 1975) que, ao
contrário de outros autores que subestimariam a importância da indústria, ...”a
concorrência apresenta necessariamente especificidades setoriais - tecnológicas
42 Ao contrário de outros autores que procuraram interpretar Marx, Possas, aqui, estuda este autor a partir de sua obramadura - O Capital. 43Que seriam três, na tradição marxista: lei do valor (valor-trabalho e mais-valia), lei da tendência à queda da taxa delucro e lei da concentração/centralização do capital. 44Possas (1989) p. 62. 45Ibid. 46 Ibid, p. 56.
39
e em nível das características da inserção do produto na estrutura produtiva e de
demanda ...”Este aparece como um processo (competitivo) de ruptura da
“estrutura” competitiva estabelecida, via de regra através da introdução de
inovações tecnológicas, de produtos, de novos mercados, ou da centralização de
capitais existentes - em termos gerais, modificações na distribuição das parcelas
de mercado, o que abrange o caso de entrada ou saída de capitais no ramo
considerado. O impacto desta alteração da “estrutura competitiva” tenderá a
difundir-se ou a acomodar-se em maior ou menor rapidez, em função da própria
origem e intensidade da ruptura inicial e das características estruturais (técnico-
produtivas e de concorrência) do ramo em questão”....47
Para Marx e, de forma mais conhecida, para Shumpeter, umas das
decorrências mais importantes da concorrência seria as inovações de produto e
de processo de produção.
Se em Marx, a concorrência estaria localizada na própria base do processo
de acumulação de capital, mais especificamente dos processos de concentração
e centralização, decorre-se que também poder-se-ia daí extrair sua lógica interna
- ...”processo de formação e dissolução/consolidação de vantagens comparativas
e posições monopolísticas”48... Esta postura teórica, segundo Possas, ...”permite
repensar a tradicional oposição entre “concorrência’ e ‘monopólio’, passando este
último a ser visto não como o “contrário’, mas como o motivo fundamental da
concorrência”..49 . Assim, não caberia, segundo Possas, indagar se a
concorrência possuiria alguma intensidade ou grau possível de avaliação (que
diminuiria no monopólio). Ao contrário, a partir de Shumpeter, ele avalia que
ocorreram mudanças substanciais nas formas de concorrência no capitalismo:
concentração crescente;
crescimento generalizado das barreiras à entrada;
maior rigidez dos preços e margens de lucro à queda da demanda dos setores
oligopolizados;
novas formas de organização das unidades de capital;
47Ibid, pp. 117-118. 48Ibid. p. 71. 49Ibid, p. 71.
40
novas formas de concorrência - diferenciação de produto, controle e
comercialização, inovações de processos e produtos;
novas formas (financeiras) de valorização do capital.
...”novas dimensões histórico-estruturais derivadas do processo de
concentração e centralização de capitais, que ao gerar a grande empresa
como nova forma de gestão da acumulação privada de capital, deu lugar no
mesmo passo à relativa autonomização do capital financeiro, de um lado, e à
interpenetração econômica do Estado”50...
A principal diferença desta abordagem em relação à convencional que, de
modo geral, tem orientado os pesquisadores da área de saúde (como, por
exemplo, Musgrove, 1999; Mendes, 1996) é que, para esta, haveria
fundamentalmente duas formas de concorrência: a perfeita e o monopólio. Pois a
concorrência imperfeita - o oligopólio - já seria uma deturpação da teoria. Para
uma Teoria da Firma e da Organização do Mercado, dentro da perspectiva teórica
neoclássica, caberia indagar se, dadas condições prévias de demanda e de oferta
(condições técnicas de produção e custos), como as decisões de preço e
produção do empresário individual e a estrutura do mercado determinariam
conjuntamente a alocação dos recursos. Partindo do pressuposto de uma
alocação eficiente (inclusive socialmente) no equilíbrio estático da oferta e
demanda (Ferguson, 1974). Neste ponto, em condições de concorrência perfeita,
o preço de mercado igualaria ao custo marginal51. Note-se, aqui, que existe uma
base normativa para a articulação entre o público e o privado que é a teoria de
Pareto sobre a maximização do bem-estar social, no suposto ponto de equilíbrio
entre a oferta e a demanda, nas condições de concorrência perfeita. Cabendo ao
Estado não interferir, para não criar distorções, e prover apenas bens
considerados meritórios52.
Segundo Ferguson (1974), quatro condições definem a concorrência
perfeita:
50Ibid, p. 171.51 Custo de produção de unidade adicional do produto.52 Segundo Campos (1989), haveria, dentro do debate sobre a articulação público-privada em aúde, um ponto de vista queele denomina de “libertário”, que ilustra este padrão normativo de intervenção do Estado, pelo qual ...” Toda a acçãoreguladora do Estado se deverá limitar a afastar a intervenção de factores que possam deformar o funcionamento domercado...” (p. 102)
41
a) as decisões de preço de mercado não são influenciadas pelas decisões
de qualquer produtor em particular, havendo um grande número de pequenas
empresas em relação ao mercado;
b) produto homogêneo;
c) livre mobilidade de capital;
d) todos os agentes econômicos do mercado gozam de completo e perfeito
conhecimento.
Mesmo Ferguson (1974) reconhece a pouca viabilidade da existência da
concorrência perfeita no concreto, o que não invalida sua referência como
modelo, a qual todas as outras formas se referem como desvios. O monopólio
puro também, segundo ele, é raro. Este é caracterizado se houver apenas um
vendedor num mercado bem definido. A concorrência no ramo de produção deixa
de existir, mas persiste a concorrência inter-ramo, ou seja, pela parcela da renda
dos consumidores e a concorrência potencial (a contestabilidade de Baumol et al.,
1982) e a indireta, dos bens substitutos próximos. Para o monopólio, ao contrário
da concorrência perfeita, o preço excede o custo marginal (são os lucros
monopolísticos, tão almejados pela concorrência) embora, em função da
contestabilidade, ele tendesse a considerar um preço mais baixo do que o preço
de monopólio, que funcionasse como barreira à entrada de entrantes potenciais.
Um terceiro modelo é o oligopólio. Este existe quando as decisões de um
produtor afetam as decisões dos demais, de preço e produção: ...”As firmas são
interdependentes; as políticas de uma afetam direta e perceptivelmente as outras.
Conseqüentemente, a concorrência não pode ser impessoal”...53 Neste caso, para
ortodoxia econômica, como não há possibilidade das decisões das firmas se
constituírem num ajuste automático à lei da oferta e demanda, houve que se fazer
um esforço analítico dedutivo do seu comportamento, a partir da hipótese
maximizadora de lucros e da racionalidade ilimitada dos agentes econômicos,
através da teoria dos jogos54. Ainda segundo Ferguson (1974), a concorrência-
preço ativa raramente seria vista nos mercados oligopolísticos, e sim a
diferenciação do produto. Segundo ele, haveria efeitos do oligopólio sobre o bem -
estar pois o preço estaria, em geral, acima do custo marginal e pelos gastos
53Ferguson, 1974, p. 370.54 Trata-se de uma forma de abordagem à análise das decisões empresariais a partir da determinação de padrões de
42
excessivos com diferenciação - propaganda, por exemplo - alguns injustificáveis.
Por outro lado, ele refere ser freqüente, entre alguns economistas e todos os
oligopolistas, a referência de maior inovação e progresso técnico nos modelos de
oligopólio.
Permaneceria, segundo Possas (1989), no pensamento neoclássico, uma
nostalgia de um passado competitivo perdido, que acaba referência para políticas
normativas de regulação de mercados. Para ele a pergunta seria outra: quais as
repercussões das mudanças nas formas de concorrência do capitalismo atual.
Para a vertente neoclássica da teoria econômica, os estudos de mercado
se resumiriam na aplicação da teoria da firma, com suas premissa de
maximização de lucros, a análise da estrutura de mercados - competitivos ou
monopólios - e as implicações preditivas sobre o welfare - como o grau de
afastamento do preço do custo marginal, próprio do monopólio. Não há
considerações sobre os aspectos históricos e institucionais dos mercados
estudados (Hay e Morris, 1991).
Das correntes que partem de modelos de competição imperfeita/oligopólio,
Schmalensee (1994) aponta que se tornaram uma tradição os estudos baseados
em Bain55 que, a partir da estrutura do mercado, deduziria sua conduta e
performance. Por estrutura, entende-se um conjunto de variáveis intrínsecas -
natureza do produto e tecnologia disponível - e derivadas de políticas
governamentais, estratégias corporativas ou, mesmo de origem histórica,
relativamente estáveis no tempo e observáveis, em princípio. A estrutura
determinaria a conduta dos vendedores, como o que produzir, o vetor de preços
ou de quantidades correspondente, estratégias de distribuição e propaganda,
nível e direção da pesquisa e desenvolvimento; e também dos compradores.
Determinaria ainda a performance, comparando-se resultados em termos de
eficiência com o modelo ideal ou com alternativas factíveis.
Hay e Morris (1991) nos apontam haver a possibilidade de utilizar-se uma
abordagem complementar estático (estrutura-performance-resultado) - dinâmica
(processos de decisão): ações dos compradores ou vendedores que possam
modificar a estrutura de mercado: inovações, fusões e aquisições, barreiras a
comportamento racional em situação de interdependência: de cooperação ou de não cooperação (Ferguson, 1974)55 Bain,J.S. (1959) Industrial Organization. New York, John Wiley.
43
entrada intencionalmente colocadas. Isto pode estar mais de acordo com o
método científico geral adotado, da existência de leis gerais e de particularidades,
onde a relação entre elas não é de um determinismo mecânico, sendo possível
uma ação que reverta sobre as restrições da base material e modifique-as.
1.6 - Procedimentos metodológicos
A análise empírica realizada neste trabalho está fortemente assentada em
duas ordens de dados. A primeira refere-se a dados secundários provindo de
fontes oficiais e do próprio mercado. Estas últimas, em geral, tem sido as fontes
ordinárias dos estudos prévios sobre o tema no Brasil, até então.
Quanto às oficiais, a liberação dos dados do Suplemento Saúde da
PNAD/IBGE de 1998, que foi a única pesquisa nacional de base populacional nos
anos 90 que incluiu perguntas bastantes abrangentes sobre as características da
demanda para a atenção à saúde, permitiu que este aspecto pudesse ser
explorado em detalhes. Trabalhou-se com as tabulações já realizadas pelo IBGE,
cujos resultados foram divulgados em CD-ROM e publicação oficial. Tal análise
foi complementada pela observação da evolução de algumas variáveis da
Pesquisa de Condições de Vida/PCV, aplicada durante a década de 90 em São
Paulo, de responsabilidade da Fundação SEADE.
Também a Pesquisa censitária Assistência Médico-Sanitária, do IBGE,
referida ao ano de 1999 trouxe elementos para a análise dos mercados de
estabelecimentos de saúde. Também aqui se trabalhou com as tabulações
efetuadas pelo IBGE, publicadas em CD – ROM e livro. Dificuldades relacionadas
à mudança de conceitos em relação a pesquisas anteriores foram contornadas
centrando-se a análise no mercado hospitalar, onde as alterações não foram
significativas para a observação de algumas variáveis.
Quanto aos dados oriundos da Agência Nacional de Saúde Suplementar,
existentes até 2001, somente se pode trabalhar com os publicados na sua home-
page (www.ans.gov.br56). Foi solicitada informação adicional, quanto à
distribuição dos beneficiários por empresas, sendo que estas permaneceriam não
56 Quando da pesquisa ainda era www.ans.saude.gov.br. No final de 2001 a saúde foi cassada.
44
identificadas mas, mesmo assim, o órgão alegou impossibilidade de fornecer a
informação.
Obteve-se, também, dados do mercado através de pesquisa junto às
Associações representativas dos segmentos – medicina de grupo, auto-gestão e
seguradoras, hospitais privados, assim como de grandes empresas. Também
foram examinados apostilhas e relatórios de empresas de consultoria atuantes
nos mercados estudados, como a Towers and Perrin.
As informações a respeito do SUS foram obtidas de outros pesquisadores,
principalmente sobre a evolução do financiamento público. Da página do Datasus
na Internet57 foram também obtidos dados de gastos mais recentes do Ministério
da Saúde e de produção de serviços públicos.
Os dados qualitativos são, na sua maioria, tomados da imprensa
especializada – Órgãos associativos de médicos, biomédicos, hospitais
privados, medicina de grupo, seguradoras e cooperativas médicas – assim
como da imprensa geral. Eles abarcaram um período que compreendeu os
anos de 1997 a 2002, sendo que a partir de 2001, em função de acesso obtido
junto ao clip de imprensa de uma operadora de planos de saúde, pode
abranger os principais órgãos do país.
Embora não de forma sistemática, como inicialmente previsto, algumas
entrevistas com executivos do mercado de seguros privados de saúde foram
efetuadas, de forma aberta, procurando, apenas, esclarecer certos aspectos
que ficaram obscuros no material previamente analisado.
As posições expressas pelos atores foram analisadas, cotejando-as com
os seus interesses materiais, deduzidos dos processos de acumulação
estudados.
Com respeito às regras referentes à Ética em pesquisa, foi mantida
absoluta anonimidade com relação aos informantes.
Admite-se a existência de desequilíbrios na análise entre os componentes
seguros e serviços privados de saúde. Grande parte deles podem ser
atribuídos às dificuldades encontradas de obtenção de dados tabulados.
Pensa-se, contudo, que eles não invalidaram a identificação das tendências
57 www.datasus.gov.br
45
principais do setor saúde nos anos 90, o que era, de fato, o objetivo central da
tese. Pois manter a coerência com o projeto inicial, sem aportes financeiros
para viabilizar todos os passos necessários a um alcance mais integral de suas
metas, necessitou de alguns ajustes de percurso na direção do território do
possível.
46
CAPÍTULO 2 - AS REFORMAS PRIVATIZANTES NO BRASIL NOS ANOS 90 -O CONTEXTO SÓCIO-ECONÔMICO E POLÍTICO
Este capítulo apresentará o cenário geral no qual ocorrem as
transformações do setor saúde que tem implicado na rearticulação do público e
do privado.
A primeira parte é uma síntese destas mudanças, onde se faz necessário
um breve recuo aos anos 50 para o entendimento do que adotamos a
denominação de era keynesiana e sua crise. Ao final, analisam-se com mais
detalhes dois elementos que acompanham a conjuntura de crise: a crescente
importância do terciário e a financeirização das economias. Procura-se, ademais,
perscrutar a literatura especializada com o intuito de identificar elementos aos
quais as mudanças do setor saúde possam estar referidas.
Na segunda parte, um foco especial é dado ao caso brasileiro.
I – A ERA KEYNESIANA: O PALCO DAS MUDANÇAS
2.1 - A Era Keynesiana: Anos 50 – 70.
O que se convencionou denominar de “era Keynesiana”, como padrão
hegemônico de desenvolvimento das sociedades capitalistas, tem como pano de
fundo a grande crise financeira mundial de 1929 e suas conseqüências
econômicas e sociais - principalmente a quebra de empresas e o desemprego. As
idéias de Keynes sobre um novo papel do Estado capitalista encontram campo
fértil no pós II Guerra. Nos Estados Unidos, anteriormente, já haviam sido
implementadas por Roosevelt através da política do “New Deal”58. Após 1945, há
um fortalecimento sem paralelo da União Soviética e dos partidos de esquerda na
Europa que emergem com a estatura moral da resistência mais decidida ao
nazismo. O que induz os Estados Unidos, como potência capitalista menos
atingida, a implementar uma política de reconstrução econômica. O Plano
Marshall, como contraposição a perspectiva de uma socialização dos meios de
produção numa escala geográfica mais ampliada, representou o keynesianismo
58Franklin D. Roosevelt (1882-1945) foi Presidente dos Estados Unidos entre 1933 e 1945 (Encyclopaedia Britannica,1979, Micropaedia, vol. VIII, pp. 666).
47
em sua face mais radical. É bem conhecido o ideário Keynesiano59, relembrando-
se aqui somente as características mais marcantes:
a) Um novo papel econômico do Estado - para evitar as crises cíclicas que
caracterizam as economias capitalistas, cria um cabedal técnico para o manejo de
variáveis macroeconômicas de modo a estimular a demanda agregada, induzindo
o pleno emprego. Papel este contrário a um padrão não intervencionista que
caracterizava estas economias anteriormente.
b) Um novo papel do Estado da área social, com o desenvolvimento do
“welfare state”.
c) Uma nova ordem financeira internacional (Bretton Woods, 1944), com a
regulamentação mais rígida dos movimentos internacionais de capitais por
instituições internacionais.
É considerada o período de ouro do capitalismo (ao menos para o século
XX), com uma taxa de crescimento do produto sem igual.
No que toca às políticas de saúde, o desenvolvimento progressivo da
seguridade social nos países capitalistas avançados e de forma incompleta e
retardatária, na periferia, torna o financiamento privado residual ou mesmo
inexistente. Nestes casos, a prestação de serviços é estatizada ou respeita a
configuração do mercado existente: médicos liberais e instituições hospitalares
não-lucrativas. Nos países socialistas, abolem-se completamente os mecanismos
de mercado. A exceção mais importante a este quadro é os Estados Unidos. Lá,
como vimos, o mecanismo do seguro saúde privado financiado compulsoriamente
pelas empresas, para um determinado segmento de trabalhadores, substitui a
seguridade social como mecanismo coletivo de financiamento de serviços de
saúde, até meados dos anos 60. A criação do seguro social de saúde para idosos
e pobres, em 1965, torna o financiamento público crescentemente importante.
Nos países de industrialização tardia da América Latina, a Previdência
Social foi a responsável pela expansão dos serviços de saúde neste período. Sua
opção pela prestação própria ou terceirizada destes serviços configura o peso
relativo dos setores público e privado (Mesa-Lago,1989)
É possível extrair duas grandes tendências deste período do pós II Guerra
59As análises que se seguem são tomadas de Kornis (1994), Teixeira (1994) e Hall (1994).
48
que, como veremos a seguir, vai até meados da década de 70:
a) O papel protagonista do Estado, principalmente na garantia de direitos,
através do financiamento público (fiscal ou através do seguro social) e também da
prestação direta de serviços, assumido pelas condições políticas da época: a
existência de um forte bloco socialista, o êxito na promoção de um
desenvolvimento econômico acelerado através do planejamento econômico, a
participação política das massas populares.
b) O desenvolvimento das forças de mercado no setor saúde se dá de
forma desigual. É, já, plenamente capitalista nos novos segmentos de insumos
industriais. As regulamentações impostas pelo Estado, principalmente pelo
financiamento público, restringem o desenvolvimento do capital financeiro na área
de saúde, nos países desenvolvidos, com exceção dos Estados Unidos. Parece
não haver um maior interesse do grande capital na área de serviços de saúde,
que se mantém de baixa densidade de capital.
Síntese destes fatos pode ser vista no quadro 2.1:
49
Quadro 2.1: Síntese das Mudanças Gerais a Partir da Crise dos Anos 70ERA KEYNESIANA
(1945-1973) VETOR DA MUDANÇA ERA PÓS-KEYNESIANA
(1973 - ...)
Demanda regulada
Produção em massa(crescente) – “fordismo”
Empresasdepartamentalizadas –
integração vertical rígida.
Regulação internacional docapital financeiro(Bretton Woods).
Integração de parte daPeriferia (Brasil) à produção
e consumo capitalistas.
Estado indutor docrescimento econômico e de
políticas sociaisuniversalizantes
Democracias capitalistas demassa.
Fortalecimento ideológico dosocialismo e político-militar
do socialismo real.
Tendência à seguridadesocial universal
Tendência a políticasde saúde universais comfinanciamento fiscal ou da
seguridade social
Crise estrutural docapitalismo retornos
decrescentes,superprodução.
Desregulamentaçãofinanceira provocada pelosEUA (crise e retomada da
hegemonia norte-americana)
Demanda decrescente
Formas de organização daprodução pós-fordistas60 –
flexibilidade,descentralização.
Globalização produtiva efinanceira
Financeirização do capital
Terciarização
Estrangulamento político,financeiro e fiscal dos
Estados-nacionais.
Crise das democraciasparlamentares e do
socialismo real
Ideologia hegemônicautilitária e individualista.
Desregulamentação eprivatização do
financiamento e prestaçãode serviços.
Estado residual ondeterminam os mecanismos de
mercado.
Fontes: Kornis (1994), Boyer e Drache (1996), Braga (1998), Offe (1996), Teixeira (1994).
60 Trata-se de categoria tomada dos autores regulacionistas que veriam, nas transformações tecnológicas do capitalismopós anos 60, o toyotismo ou produção flexível com um alto grau de automação voltada para uma demanda decrescente, oinício de um novo regime de acumulação (também dito pós-fordista) (ver Kornis, 1998).
50
2.2 - A Crise da Era Keynesiana: dos Anos 80 - ...
A crise econômica que se instala na segunda metade da década anterior,
os novos arranjos de forças políticas que chegam ao poder em Estados nacionais
de importância, a derrocada do socialismo burocrático, geram desdobramentos
nas regulamentações das atividades econômicas, no Estado e nas relações
internacionais que se fazem sentir nos dias atuais.
Esta crise e a mais recente tendência de desenvolvimento do capitalismo
contemporâneo, a globalização, marcariam um contexto no qual as mudanças do
setor saúde brasileiro, nos anos 90, devem estar referenciadas. Os dois
fenômenos encontram-se freqüentemente associados (Kornis, 1994; Rocha,
1997; Ugá, 1997). Uma linha de análise apontando a crise como determinante da
globalização - problemas estruturais do capitalismo, fruto da sua tendência à
superprodução61; e outra linha como conseqüência da globalização, pela
desregulamentação financeira promovida pelos Estados Unidos. Entenderemos
aqui que estas explicações possam ser complementares, ou seja, que se
manifesta uma crise sistêmica das economias capitalistas, a partir de meados dos
anos 70, que é inclusive vista nas estatísticas de crescimento do produto. Dada,
no entanto, a condição dos Estados Unidos de acumular as funções de garantidor
da liquidez mundial (através do duplo papel de sua moeda, além da hegemonia
militar), isto permitiu que respondesse à crise promovendo uma
desregulamentação importante da economia mundial, tendo como eixo a esfera
financeira. Tal foi sua resposta às dificuldades de valorização do capital investido
na produção. Numa perspectiva da história do capitalismo, Arrighi (1997) nos
aponta que os períodos de especulação financeira marcaram as crises finais dos
grandes ciclos sistêmicos de acumulação de capital, o que se passa com o atual,
comandado pelos Estados Unidos.
O termo globalização, enquanto descritor dos fenômenos da economia
internacional atual, embora apresente uma certa imprecisão conceitual (Tavares e
Fiori, 1998; Batista Jr., 1997; Hirst e Thompson, 1998) passa a ser cada vez mais
utilizado para expressar as mudanças ocorridas. Haveria assim, segundo Batista
Jr. (1997), uma versão “forte” do termo, significando o domínio da economia
61Pela tendência ao aumento da composição orgânica do capital e de rendimentos decrescentes (ver Sweezy, 1970),
51
mundial por forças de mercado incontroláveis, tendo como atores corporações
internacionais que não devem lealdade a Estado-nação algum, considerada por
ele como ideológica62. E haveria uma versão “fraca” , entendida como tendência à
internacionalização comercial, financeira e do próprio processo de produção,
facilitada pela evolução do progresso técnico nas áreas de informática e
telecomunicações, não sendo um fenômeno novo. É amplificado, porém, pelas
possibilidades tecnológicas atuais. Harvey apud Arrighi (1997) e Hirst e
Thompson (1998) salientam as transformações em qualidade e amplitude dos
instrumentos de valorização financeira como marcantes especificidades da
internacionalização atual. Também, Braga (1998), aprofunda este aspecto
específico que ele denomina de financeirização global. Trata-se da crescente
tendência a predominância dos ganhos em mercados financeiros globais ser mais
importante do que em atividades produtivas (produção e comércio), gerando um
desvio de recursos a serem invertidos na produção para a especulação. Segundo
este autor, este seria o padrão sistêmico de riqueza - definição, gestão e
realização - do capitalismo atual, que envolve não mais somente uma articulação
ao nível do mercado - capital bancário mais industrial - englobando a atuação,
mesmo que indireta, do Estado - Bancos Centrais - na monetarização da riqueza
fictícia. Esta financeirização tem conferido um dinamismo mínimo à renda
nacional e a acumulação de capital produtivo, contornando apenas as ameaças
de uma grande Depressão, nas operações conjuntas de autoridades monetárias
nacionais. As instituições dominantes desta nova fase de acumulação
predominantemente financeira (Chesnais, 1998) não seriam mais os bancos,
entendidos como núcleos da constituição do capital financeiro, na formulação
clássica de Hilferding (1909[1973]) e, sim, os mercados financeiros e
organizações financeiras não bancárias (mutual funds e fundos de pensão),
associadas à financeirização dos grupos industriais (Chesnais, 1998)
As conseqüências da globalização sobre a organização do Estado e das
políticas de bem-estar são vistas de maneiras muito distintas:
- Para os seguidores da corrente econômica neoclássica e do liberalismo
político, a globalização tem uma valoração positiva que terá, como conseqüência
inelutável, um equilíbrio geral maximizador do bem-estar coletivo.
tendo, como contrapartida, o subconsumo.
52
- Os autores mais afinados às correntes com as quais temos trabalhado até
então tendem a ver na globalização restrições importantes à autonomia dos
Estados nacionais em questões financeiras, monetárias e fiscais (Lerda, 1996).
Os impactos microeconômicos sobre o setor produtivo também trazem
implicações maiores nas políticas de emprego e previdência. A disparidade entre
a taxa de crescimento da produtividade do trabalho (mudança da base
tecnológica) e do produto, levaria a sub-utilização da mão-de-obra e ao
desemprego, Mello (1998) aponta a incapacidade da globalização de difundir
amplamente o progresso técnico e a homogeneidade social. Assim, a
globalização produtiva e financeira traria como contrapartida, interna aos países,
pressões sobre os custos das empresas, que teriam que competir num mercado
global que apresenta, em alguns setores, um baixíssimo custo de mão-de-obra
(Offe, 1996). Tais mudanças aprofundaram a heterogeneidade das sociedades
industrializadas em termos de setores industriais, um altamente produtivo, de alta
tecnologia e competitivo internacionalmente, outro que sofre a competição
externa, basicamente do Leste asiático. Esta competição externa levaria as
empresas a propugnarem, para adequação da produção a uma demanda instável,
a redução de custos com a mão-de-obra através de diversas formas de
flexibilização e precarização do contrato de trabalho, intensificando a disparidade
dos rendimentos, a heterogeneidade do mercado de trabalho e agravando a
pobreza. As empresas fariam pressão, ainda, pela redução de impostos e
contribuições sociais (Gorender, 1997; Mello, 1998). A crise da produção em
massa e a emergência de um novo sistema de produção, enxuto, flexibilizado,
induzido pela demanda não apresentaria, ao final, a perspectiva de crescimento
anterior (Boyer et Durand, 1993).
Para os regimes de previdência social, tais fenômenos implicam numa
redução das contribuições compulsórias; para o fisco, redução da disponibilidade
geral de recursos orçamentários. Os impactos da globalização financeira sobre as
finanças públicas seriam no sentido de transformá-las em reféns (Mello, 1998). A
possibilidade de estabilidade monetária via ajuste fiscal para os países devedores
seria bastante reduzida pelo papel desregulamentador da nação hegemônica, os
Estados Unidos, em sua capacidade de definir taxas de juros (Fiori, 1996,
62 Ou seja, não corresponde a realidade, serve aos interesses materiais destes atores.
53
Teixeira, 1994). Portanto, estaria imposta a sociedade constante necessidade de
reformas fiscais, seja para contenção dos gastos, seja para o aumento de
impostos, com repercussões sobre os serviços públicos. Em última análise,
flexibilização dos serviços do Estado, adaptando-os aos orçamentos incertos e
privatização, para retornar o seu financiamento às próprias pessoas.
A redução das políticas pública de bem-estar, inclusive saúde, não
encontra, como única determinação, as restrições fiscais dos Estados nacionais.
Particularmente, na Periferia, a estas restrições é acrescida a sobrecarga da
dívida externa. As próprias mudanças na base produtiva do capitalismo
contemporâneo, que se expandem através da globalização, forjam novas relações
sociais entre classes e frações de classes que acentuam a diferenciação. Isto,
com sua contrapartida no campo ideológico, vai contra a corrente do
universalismo que caracterizou a era keynesiana (Kornis, 1998). Manifestando-se
de maneira mais clara nos países industrializados, mas estando também presente
no nosso caso e exercendo razoável tensão em direção às reformas das políticas
públicas, apresentam-se:
a) a crise da democracia parlamentar (Offe, 1983) e da alternativa política
do socialismo real (Offe,1996);
b) a hegemonia de uma ideologia baseada no individualismo (O’Brien and
Penna, 1998).
Para Rosanvallon (1984), a oferta adicional de coberturas privadas se deu
a partir de uma situação cultural favorável ocorrida pela impossibilidade do Estado
dar conta das demandas crescentes da sociedade, por decréscimo do produto e
necessidade de aumento das cotizações para a seguridade social, o que geraria
uma carga tributária insuportável. Associaram-se a isso questões demográficas
ligadas ao envelhecimento.
Reformas de políticas de welfare, com respeito à Previdência Social, neste
novo contexto, foram a implementação de regime misto de contribuição,
mantendo-se a repartição gerenciada pelo Estado e introduzindo um regime de
capitalização complementar, seja através de poupanças individuais ou coletivas
(Fundos de pensão)63.
63 Esping-Andersen (1994), não obstante, analisa que estes regimes, como substitutos do seguro social, tem tidoresultados pouco favoráveis, dados os altos custos administrativos e a seletividade de população coberta.
54
Pierson (1994) admite haver uma tendência de mudança dos regimes de
welfare na direção de uma política residual, voltada àqueles que não
conseguissem coberturas através do mercado. Acordos capital-trabalho de bases
nacionais que favorecessem uma política mais universal estariam dificultados,
seja pelos interesses empresariais de competição nos mercados globais, seja
pelo enfraquecimento do movimento sindical causado pela própria diferenciação
de inserção no mercado laboral e pelo desemprego estrutural.
Esping-Andersen (1994) admite que as reformas dos serviços de bem-
estar, embora possam estar motivadas pela ampliação do leque de preferências
individuais, na prática tem sido conseqüência, em muitos países, da erosão
gradual dos níveis de benefícios ou dos serviços, pela contenção do gasto
público.
No entanto, as relações entre os vetores internacionais e as políticas
nacionais passam pelas opções de inserção na economia globalizada. Parece-me
que dois caminhos aqui também se apresentam, levando a conclusões teóricas e
práticas distintas. Eles têm a ver com o que Kuttner (1998) chama de
“determinismo econômico”. O caminho “determinista” entenderia ser a
globalização inexorável, cabendo aos Estados-nacionais se curvarem aos seus
imperativos64. O que na prática tem significado a reestruturação de uma pequena
parcela da Periferia, adaptando-se a uma inserção subordinada ao Centro e o
aprofundamento da regressão produtiva e da exclusão social (Mello, 1998). O
outro caminho seria o do desenvolvimento auto-sustentado, e, neste final de
século, no campo capitalista, parece ainda estar circunscrito a uma parcela
extremamente pequena de Estados-nacionais que estariam fora da órbita da
Tríade EUA-Japão-União Européia (Chesnais,1996).
Ora, na Periferia e particularmente no Brasil, que nunca teve uma base
produtiva homogênea, ao contrário, caracteriza-se pela heterogeneidade
estrutural (ver Tavares, 1972) e tampouco “ welfare state” universalista (apenas
propostas da Constituição de 1988, nunca implementadas na prática65), este novo
contexto apresenta as suas particularidades. A primeira é a sua
extemporaneidade, seu atraso relativo às mudanças que já ocorriam nos países
64 Ver caracterização desta corrente em Batista Jr. (1997), que não compartilha desta visão.65 Pode-se citar também, para reforço do argumento, Soares (1999).
55
centrais e na maior parte da América Latina, por exemplo. A segunda é o peso
ainda importante do Estado, material, como no financiamento da rede de serviços
de saúde, e simbólico, visto, por exemplo, na imagem positiva do SUS que grande
parte da população ainda possui (ver Rodrigues e Trindade, 1997).
A argumentação política que sustenta as propostas desta nova ordem está
fortemente baseada na crítica ao Estado66 e na conseqüente apologia dos
mecanismos de mercado - competição e lucro - como os melhores promotores da
eficiência alocativa. Seu instrumento, mais recente e mais incisivo, dando
seqüência ao ajuste estrutural, tem sido a reforma do Estado. Esta parece seguir
a trajetória de sua progenitora, a desregulamentação financeira: dos Estados
Unidos, com a experiência Reagan (1980-1989) (e também Thatcher, na
Inglaterra) para a Periferia, tendo como promoters as instituições financeiras (ver
Ugá, 1997, por exemplo). Torna-se quase lugar-comum nesta linguagem “oficial”
que o Estado seria, por sua própria natureza (de Estado) um mau prestador de
serviços e mau administrador de garantias de saúde. Seus acólitos propugnam,
assim, por uma reforma do Estado, que reduza suas funções de financiador e
provedor de serviços públicos (e empreendedor de atividades econômicas). Se,
no desenho inicial da reforma, a função do Estado retornava aos seus aparelhos
repressivos (ordem jurídica e policial, como se vê no documento do Banco
Mundial de 1993), as versões tupiniquins oficiais (Bresser Pereira, 1996) são mais
brandas (e também a própria posição do Banco Mundial em 1997 e do BID em
199867), apontando para o aumento da capacidade regulatória e a prestação
terceirizada de serviços sociais. Para tanto, sua estrutura atual estaria
superdimensionada, cabendo um ajuste que preserve a qualidade da atuação e
não a quantidade de escopos e atividades (Banco Mundial, 1993).
Poderíamos, com isso, sumarizar as repercussões, consideradas
relevantes, dessa nova ordem econômica que emerge da crise de meados dos
anos 70:
Sobre as empresas, a natureza do processo competitivo e as
conseqüentes possibilidades para o desenvolvimento capitalista
nacional na Periferia.
66 Trata-se do alvo particular da escola da “ escolha pública” : as instituições de bem-estar social, exemplo para ela docomportamento do Estado (Buchanan, 1988), que justificaria as propostas de privatização.67 Ver Banco Mundial (1997) e Savedoff (1998)
56
Sobre o Estado, as finanças públicas e os regimes cambial e monetário.
Impulsiona a redução do seu tamanho através da privatização de
empresas públicas e a redução do escopo das políticas sociais,
desregulando, privatizando e terceirizando o financiamento e a
prestação dos serviços.
Sobre a consciência das classes sociais, os conflitos de classe e sua
resultante em termos de políticas sociais - enfraquecimento econômico
e político da classe operária e demais classes populares e seus
partidos, heterogeneidade e diferenciação, individualismo.
2.3 - Mundialização, terciarização e financeirização: o setor saúde em
mudança
Dois componentes desta longa conjuntura depressiva e de novas relações
internacionais poderiam ser destacados como promotores de mudança: a
financeirização da economia e a terciarização da economia, somados aos
problemas de financiamento das políticas sociais (e de saúde). Como vimos na
seção anterior, o desfinanciamento do Estado decorreu das estratégias ortodoxas
de ajustes fiscais, da diminuição do crescimento econômico e da redução da carga
fiscal das empresas, face ao aumento da competitividade internacional. A crise
fiscal do Estado ocorre em paralelo ao aumento dos custos da atenção médica,
por fatores demográficos e pelo próprio modelo prevalente de cuidados à saúde,
chamado de modelo biomédico68, subjugado aos interesses do complexo médico-
industrial.
O entendimento mais detalhado dos impactos da globalização financeira
sobre o setor privado de saúde nos remete ao desafio de estudar os sinais que
emite para os agentes econômicos envolvidos com a produção e o financiamento
de bens e serviços, que orientariam a competição inter e intra-setorial. Buscar-se-
á, pois, aqui, entender qual foi o papel dos serviços de saúde dentro da dinâmica
mais geral do capitalismo recente. Estariam os elementos ligados ao seu
68 Modelo biomédico é dito aquele que enfatiza causas imediatas, de ordem biológica, para o processo saúde-doença.Conseqüentemente, reduz a intervenção do setor saúde à atuação sobre estas causas, através da atenção médicaindividual.
57
consumo – o crédito e a oferta propriamente dita – atraindo, e em que magnitude,
massas de capitais buscando valorização?
2.3.1 - A financeirização global e as empresas
O primeiro sinal seria a financeirização. Esta acarretaria o desvio de
capitais da esfera produtiva para a esfera financeira, sendo também alimentado
pela especulação dos títulos da dívida pública em mercados secundários de
valores, que é um freqüente acompanhante dos estrangulamentos financeiros dos
Estados (Chesnais, 1998).
Nos lembra, ainda, Chesnais (1996) que a mundialização (ou globalização)
tem sido acompanhada de uma notável concentração de capital, sob a égide dos
países centrais. O capital, no processo de competição por uma demanda
decrescente, toma formas distintas da grande empresa multinacional integrada
verticalmente, departamentalizada que emerge da II Revolução Industrial69. O
predomínio do aspecto financeiro da acumulação de capital, favorecido pela
desregulamentação internacional, permite esta centralização. As grandes
empresas produtivas, além de contarem com uma forte área financeira - bancos
tradicionais ou novas instituições financeiras – se concentram nos aspectos mais
estratégicos da produção - tecnologia, desenho do produto - descentralizando a
sua montagem e as vendas, o que tem significado uma certa “desintegração
vertical”, diferente do modelo anterior estudado por Chandler. Dupas (1999)
identifica que, nesta nova dinâmica do sistema capitalista, seria mais difícil
estabelecer fronteiras nítidas entre indústria, serviços em geral e serviços
financeiros. O produto financeiro “seguro”, por exemplo, também passa a ser
oferecido por grandes corporações industriais (na origem).
Assim: “ ...Os grupos industriais tendem a organizar-se como “ empresas-
rede” . As novas formas de gerenciamento e controle, valendo-se de complexas
modalidades de terceirização, visam ajudar os grandes grupos a reconciliar a
centralização do capital e a descentralização das operações, explorando as
potencialidades proporcionadas pela teleinformática e pela automação...O grau de
69 Encontra-se em Chandler (McCraw, 1998) uma boa caracterização desta fase.
58
interpenetração de capitais de diferentes nacionalidades aumentou. O
investimento internacional cruzado e as fusões-aquisições transfronteiras
engendram estruturas de oferta altamente concentradas, a nível mundial...70, o
que ocorre também com as seguradoras (Leopoldi, 1998): ..."Os anos de 1996 e
1997 foram marcados por grande movimentação no mercado segurador: grandes
fusões de seguradoras estrangeiras com brasileiras, como a da Aetna com a Sul
América (US$ 425 milhões), a da AIG com a Unibanco Seguros (US$ 550
milhões)..., a da Allianz com a Bradesco (US$ 21 milhões)... e a da Cigna com o
Banco Excel Econômico (US 70 milhões), entre outras"....71
É questionável afirmar que a dita “desintegração vertical”, neste contexto
de descentralização de operações e centralização do capital, tenha significado um
aumento da competição, ou seja, de volta a mecanismos de mercado em áreas
onde teria se tornado mais eficiente para a empresa impor hierarquias72. As novas
tecnologias de informação teriam possibilitado para as firmas estender suas
‘hierarquias” para fora (Chesnais, 1996). Externalizariam riscos associados a
demanda instável e os desgastes de imagem e problemas legais associados à
informalização do trabalho, sonegação fiscal e agressão ao meio-ambiente
(Dupas, 1999). Os terceirizados, ao prestarem serviços exclusivos para as
empresas que nucleiam a rede, não teriam a autonomia de produção e venda de
seus produtos num mercado competitivo. Não possuiriam, portanto, uma posição
social muito diferente do antigo trabalhador da empresa, somente perde antigos
direitos referentes ao trabalho. Dupas (1999), ainda, afirma que o espaço
econômico mais provável destinado as pequenas e médias empresas (e as
nacionais) seriam as franquias, terceirizações e sub-contratações, subordinadas
às decisões estratégicas das transnacionais e integradas as suas cadeias
produtivas73
Mais recentemente (Chesnais, 1998) afirma ter havido uma mudança
qualitativa do modo de ser da economia capitalista mundial, em que para se
entender o seu movimento, há que partir da esfera financeira. Ora, o que é a
esfera financeira e de que modo ela se relaciona com a produtiva? É formada de
70 Chesnais (1996), pp. 33.71 Gazeta Mercantil de 6-5-97 e 14-4-1998, apud Leopoldi (1998), p. 269.72Segundo Williamson (1984)73 É interessante notar que Hilferding, já em 1909, identificava este processo: “...Uma grande parte dos estabelecimentospequenos se converteram em auxiliares das grandes empresas...são só independentes em aparência”...op. cit. , p. 389
59
um conjunto de transações (e instituições) especializadas, num circuito de
"autovalorização", sem contrapartida ao nível do intercâmbio de mercadorias e
serviços e nem investimento, que sugeriu à Marx a utilização do conceito de
capital fictício74, mas que tem, em última análise, vínculos com a produção e o
comércio: "Os capitais que os operadores financeiros põem para valorizar...
nasceram invariavelmente no setor produtivo... Uma parcela desses rendimentos -
hoje em dia...elevada - é captada ou canalizada em benefício da esfera financeira,
e transferida para esta. Só depois desta transferência é que podem se dar, dentro
do campo fechado da esfera financeira, vários processos, em boa parte fictícios,
de valorização, que fazem inchar ainda mais o montante nominal dos ativos
financeiros"75.
2.3.2 - A crescente importância dos serviços
O segundo sinal seria a terciarização, entendida como a atual importância
do setor terciário como gerador de produto e mobilizador de força-de-trabalho, que
caracteriza os países industrializados. Com isto, poderia haver um crescente
interesse neste setor de capitais buscando valorização, não só nos próprios
serviços de saúde, o que é mais antigo, como também através de outros
processos de acumulação, de natureza propriamente financeira, como a
previdência privada. No setor saúde, este interesse estaria voltado para os
seguros privados76.
É fato constatado em todas as economias capitalistas industrializadas já
desde meados do século XX, e também em algumas de renda média, como o
Brasil, o crescimento do setor terciário na estrutura do mercado de trabalho e na
composição das despesas familiares.
Abordaremos, aqui, o problema, optando dentro da comparativamente
pouco volumosa bibliografia que aborda, especificamente, os serviços, por um
(tradução livre).74 Ver em O Capital, livro 3.75 Chesnais (1998) p. 15.76 Ver a seguinte instigante passagem de Chesnais que, desafortunadamente, ele não desenvolve no livro (1996): ...”Dado o volume que o capital monetário representa, as suas prioridades (altas taxas de juros, “ inflação zero” ) e seuhorizonte temporal (de curto ou curtíssimo prazo) ditam o comportamento das empresas e dos centro de decisãocapitalistas, como um todo. Suas prioridades refletem-se também no nível e na orientação setorial do investimentoprodutivo (telecomunicações, mídia, serviços financeiros, setor de saúde privado)... (p. 16).
60
autor regulacionista francês, complementado com trabalhos mais recentes
nacionais e internacionais.
Há várias teorias explicativas do fenômeno, sendo que a visão prevalente
atribui ao setor serviços uma produtividade estagnada, em contraposição à
indústria. Gadrey (1996) identifica esta visão já nos clássicos (em Adam Smith e,
depois, em Alfred Marshall) e, inclusive, nas interpretações mais conhecidas de
Marx. Modernamente, esta visão difunde-se a partir de Baumol, tendo como autor
pioneiro Daniel Bell, através das teorias da sociedade pós-industrial. A baixa
produtividade repercutiria na estagnação do crescimento destas economias,
observada empiricamente a partir dos anos 70. Por esta visão, a hipótese de
atração de capitais para os serviços de saúde não estaria fundamentada.
Outras visões, no entanto, tornam complexas esta pretensa dualidade
indústria-serviços, identificando, ao contrário, uma complementaridade no
consumo e na produção, a partir das características pós-fordistas do capitalismo.
A formação de complexos indústria-serviços (como o complexo médico-industrial),
representaria uma nova articulação produtiva, complementar, através de
terceirizações. Poderia também representar uma diversificação da própria
indústria, tendência contrária aos padrões homogêneos da forma prevalente
fordista de produção anterior.
Assim, os serviços passariam a fazer parte das estratégias de competição
das indústrias. Escoariam, inclusive, a produção de bens industriais, o que ocorre
não apenas com a saúde, embora aqui a legitimidade do agente seja peremptória.
Por outro lado, o setor “Serviços” não apresentaria uma homogeneidade, sendo
que as suas partes mais dinâmicas seriam voltados para clientes empresarias
(informática e telecomunicações). Tais teses são denominadas neo-industriais.
Para Gadrey (1996), ao se analisar estes dois ramos da produção, a
indústria e os serviços, haveria que se identificar as duas coisas: concorrência e
complementaridade. A crescente demanda por serviços por parte das empresas
industriais significaria, entre outras explicações, a redução do risco e incerteza
face à conjuntura de demanda decrescente, que caracteriza o período pós 70,
contexto externo, portanto, adverso, compartilhando-os ou transferindo-os a
terceiros. Estudos empíricos mostraram que tal demanda é fortemente dirigida
para as atividades que não se constituam no núcleo do negócio da empresa
industrial (seu core-business).
61
Uma outra vertente da complementaridade é indicada por Chesnais (1996):
“A contraposição entre o setor industrial e os serviços está sendo, então,
fortemente abalada, tanto pelos serviços “invadindo”o setor manufatureiro, como
pela indústria, cujas companhias, por sua vez, estão se diversificando no sentido
dos serviços... uma interpretação inicial do interesse que os grupos industriais têm
pelos serviços, a ponto de neles investirem, no exterior, de forma bastante
vultosa. Dois elementos parecem atuar simultaneamente: 1) o domínio que esses
querem manter sobre aspectos complementares dos quais depende parte da
rentabilidade de suas operações; 2) o lugar que certos serviços continuam
ocupando, em relação ao movimento total de valorização do capital”...77.
Nos anos 70, nos países desenvolvidos, as atividades de serviços teriam
passado por processos organizacionais semelhantes à industrialização: a partir de
situações de tipo artesanal, beneficiando-se de economias de escala e de
estandardização dos produtos, observou-se a concentração econômica da oferta.
Nos anos 80, as tecnologias informacionais, que permitiram uma produção
industrial competitiva descentralizada, diversificada e mais adaptada à demanda,
são também incorporadas ao próprio setor Serviços. A tendência, segundo
Gadrey (1996) seria para uma maior oferta de soluções globais – bens e serviços,
flexibilizadas para aprofundar a diferenciação havida na nova conjuntura pós-
fordista. Para ele, ainda,...”para toda uma série de serviços profissionais (ensino,
saúde, consultoria, por exemplo), a industrialização não é nem o devir nem uma
fase transitória: a “racionalização profissional” destas atividades segue outras vias
que as da produtividade, da estandardização, das economias de escala ou do
auto-serviço: formalização dos métodos, aquisição de “rotinas” intelectuais
individuais e coletivas, avaliação de resultados com múltiplos critérios, utilização
da tecnologia como complemento e suporte e não como substituta do
trabalho”.78...
O passo seguinte para o desenvolvimento do setor serviços dos países
centrais, nesta conjuntura da mundialização do capital, tem sido a
internacionalização das empresas. Ao contrário dos bens, em que a
internacionalização poderia se dar através do comércio de mercadorias ou do
investimento direto, os serviços, por demandarem, na grande maioria dos casos,
77 Chesnais (1996), p. 188.78 Gadrey (1996), pp. 82-83 (tradução livre)
62
a aproximação espacial entre a produção e o consumo, a tem empreendido
através do investimento direto (Horta, Souza e Waddington, 1998)
O comércio internacional de serviços após os anos 80, embora
representasse menos do que 30% de bens, tem apresentado um crescimento
crescente (Gadrey, 1996; Horta, Souza e Waddington, 1998). Não poderia ser
negligenciado o seu papel de solução integrada à internacionalização do setor
manufatureiro. Em meados dos anos 90, os investimentos diretos em serviços
representaram 40% do total, onde a principal parcela coube aos serviços
financeiros. Um marco do processo foi o ano de 1995, onde foi assinado o Acordo
Geral de Comércio de Serviços (GATS), pelo qual os países signatários
comprometem-se a uma progressiva liberalização de seus mercados internos
(Adlung e Carzaniga, 2001). No entanto, existiriam diferenças significativas entre
os tipos de serviços quanto a acordos de liberalização, onde saúde e educação
estariam entre os menos representados.
Ao contrário dos bens industriais, o comércio internacional de serviços
funda-se não na troca de mercadorias, mas de pessoas ou de informação, onde
os fatores culturais têm um maior peso. Conseqüentemente, há maior
necessidade de adaptações às normas e atitudes das diferentes categorias de
usuários nacionais.
As classificações das atividades de serviços podem ressaltar diferenças
baseadas na sua finalidade: agregadas ao uso de um bem ou produto final. Ou
sua qualidade de fornecimento a empresas ou pessoas físicas (serviços
pessoais). Podem variar de acordo com sua natureza jurídica, em mercantis e não
mercantis. Também na proximidade física entre o ofertante e o consumidor.
Segundo Horta, Souza e Waddington (1998) este tem sido o critério usado
pela ONU:
1. Quando não há necessidade de locomoção – estão
embutidos em bens, como, por exemplo, softwares, e
outros produtos de logística informacional, como seguros.
2. Os consumidores se locomovem para um mercado
produtor ou ambos se locomovem para um terceiro local,
como o caso do turismo.
3. Os produtores se locomovem para o mercado consumidor,
o que é o caso dos serviços pessoais ou de proximidade.
63
Já Gadrey (1996), identifica quatro modalidades de investimento direto em
serviços:
a) Implantação dos estabelecimentos de serviços no país.
b) Parcerias, “franchises”, ‘joint-ventures” com firmas locais, onde estão,
basicamente, envolvidos, a organização, controle de qualidade e tecnologia.
c) Agências para venda de produtos (informacionais, essencialmente, como
seguros, por exemplo), em que a maior parte da gerência do negócio está no
país de origem.
d) Representantes locais dos produtos informacionais.
De acordo com Adlung e Carzaniga (2001), a opção a) implicando
movimentos de força-de-trabalho e capital representa uma parcela ínfima do
comércio mundial em serviços. Chesnais (1996) aponta que a opção b) que,
como veremos, será a prevalente no mercado de seguros saúde brasileiro,
apresenta a vantagem de ser menor onerosa para a multinacional, pois os
parceiros locais são os que suportam o peso dos investimentos e das flutuações
da demanda.
Grande destaque tem dado importantes autores da escola regulacionista
francesa (Chesnais, 1996, 1998; Gadrey, 1996) ao crescimento dos serviços
privados de saúde como fronteira de expansão do capital, a partir dos anos 80.
Gadrey, estudando a França (um país com uma razoável cobertura pública de
seguro saúde), destaca o crescimento do emprego nos serviços privados de
saúde e das despesas das famílias com este item. A saúde estaria classificada na
categoria, por ele denominada, de serviços mercantis, onde se acrescentam as
telecomunicações, os serviços financeiros, os seguros e o entretenimento.
Juntamente com os serviços destinados às empresas, formariam um terciário de
crescimento explosivo. Seus preços, nos anos 80, cresceram mais que o índice
geral de preços.
No volume do comércio mundial em serviços, no entanto, os serviços de
saúde ainda representariam em 1998, cerca de 7-8% do total (Adlung e Carzaniga,
2001). Estes autores atribuem o fato à forte participação do Estado, cuja mudança
se daria de forma mais lenta do que em outros setores, como serviços financeiros
e telecomunicações. A forma mais significativa do investimento direto na área de
serviços de saúde foi o estabelecimento de uma presença comercial, sem
deslocamentos de força-de-trabalho, onde as restrições regulamentares nacionais
64
costumam ser grandes. De fato, sob o GATS, nenhum país havia assinado
acordos envolvendo este aspecto.
2.3.3 – A privatização no setor saúde
Com isso, podem ser identificados os elementos centrais componentes das
reformas do setor saúde, implementadas sob a óptica dominante da apologia dos
mecanismos de mercado. Estes foram a desregulamentação, a privatização dos
mecanismos de financiamento (seguro social) e/ou gestão e a competição
administrada. A magnitude e características de cada estão de acordo com fatores
internos a cada país, na dependência da configuração anterior do Estado de Bem-
Estar Social. Não somente a suposta ineficiência do Estado (como vimos, dita
própria de sua natureza) serve como justificativa das reformas privatizantes como,
especificamente, toma-se, como pretensa meta, a necessidade, agora premente,
de contenção dos custos crescentes da atenção médica79. As modificações
decorrentes das políticas de estímulo à privatização foram distintas, como vimos
no capítulo anterior. No caso de um welfare residual80, como o norte-americano,
as reformas se dão sob uma base privada regulada, sob o invólucro do aumento
da competição para promover a redução de custos. Em regimes de welfare social-
democratas, as reformas visaram a desregulamentação do controle sobre a
construção de serviços de saúde, com o desenvolvimento de um setor lucrativo e
a introdução de mecanismos de mercado na organização de serviços
estatais.Poderíamos, assim, elaborar, para o setor saúde, um outro quadro, 2.2,
esquemático de eras e mudanças, a partir do modelo exposto anteriormente, que
nos ajudaria a identificar os elementos chave a serem estudados da dinâmica
atual, no Brasil:
79Os custos crescentes da atenção à saúde, um dos efeitos do modelo biomédico, já se faziam sentir na era keynesiana.Mas não eram ainda considerados como problema. Com altas taxas de crescimento, estes custos eram repassados para osfinanciadores, que os absorviam. . Nos Estados Unidos, por exemplo, o gasto total com saúde cresce 5,8 vezes entre 1950e 1970, quase o mesmo do que entre 1970 e 1986, onde cresce 6 vezes, mas a questão dos custos crescentes torna-se maisvisível (Staples,1989). Numa outra série, que trabalhou com gasto percapita, vê-se que entre 1960 e 1980 este cresce 2,68vezes e entre 1980 e 1996, 1,88 (Andrade e Lisboa, 1999).80 Usando-se a tipologia proposta por Esping-Andersen (1991).
65
Quadro 2.2: Síntese das Mudanças nas Políticas e no Setor Saúde a Partirda Crise dos Anos 70
ERA KEYNESIANA (1945-1973) VETOR DE MUDANÇA CRISE DA ERAKEYNESIANA
(1973 - ...)
Desenvolvimento tecnológicopermite que haja, a partir da
década de 50, umdesenvolvimento capitalista nos
serviços de saúde. Seu caráter foirestrito – pequeno capital, grupos
médicos.
A dinâmica dos serviços privadosde saúde estava condicionada
pela dinâmica do Estado (do financiamento público).
Financeirização docapital.
Terciarização daeconomia.
Reforma do Estado.
Crise do financiamentopúblico.
Globalização.
Reformas do estado com acontenção do gasto público eintrodução de mecanismo deracionamento pelo mercado.
Movimentos do grandecapital para a área de
seguros e serviços de saúde:internacionalização, formação
de cadeias (EUA),crescimento de segurosprivados (Am. Latina).
Dinâmica dos serviçosprivados se libera do
financiamento público.
Regulação privada dospadrões de práticas desaúde (EUA- “managed
care”).
Fontes: Cordeiro, 1980, 1984; Ugá, 1997; Laurell, 1995, 1998; Leyerle, 1994.
II - OS ANOS 90: O BRASIL ENTRA EM CENA.
Pode-se afirmar com folga que a década de 90, no Brasil, protagonizou
mudanças extremamente relevantes no seu modelo econômico, que são até
denominadas, pelos seus principais condutores, de fim da “era Vargas”.
Embora não se disponha, ainda, de um quadro-síntese definitivo dos
resultados da implementação do novo modelo econômico de inserção dependente
do Brasil no circuito da mundialização do capital, se faz importante apontar as
mudanças mais significativas.
A primeira metade da década foi caracterizada pela hiper-inflação,
estagnação relativa e implementação de processos de ajuste fiscal e
reestruturação produtiva. Estes, no fundo, significaram o questionamento do
modelo anterior de industrialização por substituição de importações (Braga, Cintra
66
e Dain, 1985). Se tal modelo se deu nos interstícios de uma conjuntura mundial
que permitiu e até estimulou industrializações periféricas, através de
investimentos diretos e empréstimos, a nova onda de internacionalização de
capitais e competição oligopolista global passa a pressionar esses mercados para
a abertura comercial. O impulso às privatizações de empresas estatais, na teoria,
obedeceria aos ditames do ajuste fiscal do setor público. Como seus resultados,
quanto ao equilíbrio das contas públicas, no Brasil, foram opostos, o que pode ser
medido pelo vertiginoso aumento da dívida pública ao final da década (Braga,
2001), outros motivos devem ter se imposto na época. Dentre eles, interesses de
dominação direta dos mercados internos dos países periféricos ao invés de
exportação de capitais via empréstimos, característicos dos anos anteriores. A
extensa mudança de mãos do PIB brasileiro nos anos 90 (Biondi, 1999), com a
participação crescente do capital internacional, não deve ter prescindido de seus
sócios internos: instituições financeiras, algumas inteiramente novas, envolvidas
nos processos de privatização, com conhecimento e relações com o Poder
instituído que ainda não dispunham seus sócios internacionais.
Com base nas conjunturas econômicas identificadas nos anos 90, e
incorporando e ajustando a análise das décadas anteriores, efetuada por Teixeira
(1994), aos objetivos do trabalho, é possível estabelecer uma periodização que
possa orientar o estudo, a ser efetuado adiante, da evolução dos mercados de
saúde:
• De 1968 a 1978 – dois períodos, na verdade, aqui se
apresentam, segundo Teixeira: o “milagre” (até 1973),
caracterizado por altas taxas de crescimento do produto,
impulsionado por reformas que atacaram o problema do
financiamento das atividades produtivas; e o II PND (1974-
1978), caracterizado por incertezas macro-econômicas que
levaram a uma aceleração da dívida externa. Políticas de corte
keynesiano refrearam os efeitos internos da crise econômica
mundial instalada81, postergando-a para o período seguinte.
81 Ver Souza (1989)
67
• De 1979 a 1983 – Recessão econômica, e suas conseqüências
sobre as políticas de emprego e os gastos da Previdência
Social; aceleração inflacionária.
• De 1984 a 1989 – também caracterizada por Teixeira (1994)
por dois períodos: a recuperação econômica de 1984 a 1985 e
o período seguinte da Nova República, onde a heterogeneidade
na condução da política econômica resulta em um período de
grande crescimento do produto e controle da inflação (Plano
Cruzado), seguido do seu intenso descontrole. Aumentam, nos
últimos anos, a despeito dos desequilíbrios macroeconômicos,
os gastos sociais do governo central e de saúde, em relação ao
período anterior (Médici, 1994).
• 1990 a 1994 – caracterizado por outro forte período de
recessão econômica com descontrole inflacionário e ajustes
fiscais do Estado e pela instauração de um novo modelo
econômico caracterizado pela liberalização do mercado interno
e privatizações de empresas produtivas.
• 1995 a 1998/2001 – período da estabilização da inflação
através do Plano Real, porém com medíocre crescimento do
produto no seu início e recessão, ao final. Mantém-se e
aprofunda-se o modelo econômico instaurado no período Collor
anterior.
Os impactos das reforma estruturais dos anos 90, além de alcançarem o
financiamento público da seguridade social e o desenho do aparelho de Estado,
chegam ainda ao marco regulatório das atividades econômicas produtivas e do
capital financeiro. Segundo Sola (1993), a transformação econômica das relações
entre o Estado e a sociedade de mercado ocorre notoriamente a partir do
Governo Collor (1990). Esta se deu, principalmente, na liberalização comercial,
nas privatizações de empresas estatais, no tratamento indiferenciado do capital
estrangeiro e na desregulamentação financeira.
Os resultados das reformas privatizantes não têm sido comparáveis a “era
Vargas” na promoção de condições superiores de vida das pessoas. O
68
crescimento do PIB foi medíocre, tendo ocorrido duas recessões, uma durante o
Governo Collor, em 1992, e outra em 1998 (Mattoso, 1999). Segundo este autor e
também Singer (1999), afora um breve período pós-implantação do Plano Real
(1995), em que a queda da inflação e a importação maciça de produtos
propiciaram uma melhora do poder de compra da população mais pobre, foi uma
década em que a renda ficou ainda mais concentrada.
Cai a renda relacionada ao trabalho e aumenta o desemprego e o sub-
emprego (Pochmann, 2001). Segundo os dados da PNAD 1998, entre 1988 e
1998, há uma queda importante do rendimento médio das pessoas maiores do
que 10 anos (gráfico 2.1). Sua recuperação em 1995, aos valores encontrados em
1989, não significou uma elevação constante posterior e, sim, estagnação.
Pochmann (2001) crê que embora tenha havido esta recuperação estagnada da
renda média, aliada a um pequeno grau de desconcentração da desigualdade da
renda, na segunda metade da década de 90, há que avaliar os dados à luz da
desestruturação do mercado de trabalho. Pois, um contingente importante de
desempregados e desocupados sai do cálculo da distribuição da renda, por não
apresentarem renda. Com uma metodologia que considerasse esta população, a
desigualdade dos anos 90 estaria entre as mais altas, desde a existência deste
dado (1960).
69
Gráfico 2.1: Rendimento médio mensal real (em R$) das pessoas > 10 anos, Grandes Regiões, 1988-1998
50 100 150 200 250 300 350 400 450
1988 1989 1990 1992 1993 1995 1996 1997 1998
Brasil
Norte urbano
Nordeste
Sudeste
Sul
AntigaCentro-Oeste
Fonte: CD ROM PNAD 1998 IBGE
Quanto aos impactos específicos sobre o trabalho, o chamado processo de
reestruturação produtiva seria o elemento estrutural vinculado às suas mudanças.
O movimento internacional de competição entre as empresas, com sua nova onda
de substituição de mão-de-obra por tecnologia, através da automação, inclusive
da robotização e de técnicas para maior extração da mais–valia, através do
aumento da produtividade do trabalho (o toyotismo) passa a atuar sobre
economia brasileira na década de 90, a partir da liberalização comercial.
Particularmente destacada foi a produtividade do trabalho. Seus resultados
aprofundaram a heterogeneidade estrutural da formação econômica brasileira: as
empresas que se mantiveram não lograram desconcentrar o progresso técnico ou
aumentar a renda. Pelo lado do emprego, os dados de Pochmann (2001) são
contundentes: 3,2 milhões de empregos formais destruídos na década de 90, dos
quais 17,1% foram de responsabilidade direta da reformulação do setor produtivo
estatal. Isto fez com que a taxa de assalariados entre os ocupados se reduzisse
de 64%, em 1989, para 58,7%, em 1999, com as conseqüências previsíveis sobre
a contribuição para a previdência social.
Um outro aspecto deste movimento é a flexibilização do trabalho que
sobra, que tende à alta rotatividade e maior precariedade quanto aos benefícios
sociais: “...a terceirização, a subcontratação e a rotatividade constituíram os
novos mecanismos para a redução salarial e a subordinação dos empregados
70
que restaram, com o objetivo de gerar lucros a qualquer custo...”82. Isto parece ter
caracterizado a geração de novos postos de trabalho: ...”Nos anos 1990, a cada
cinco ocupações criadas, quatro referem-se ao conjunto de trabalhadores
autônomos, sem remuneração e assalariados sem registro formal..”83. O
segmento ocupacional mais atingido pelo processo situava-se entre três e sete
salários-mínimos. Além dos trabalhadores das estatais, a indústria de
transformação também foi uma das mais atingidas. De cada 100 empregos
gerados entre 1989 e 1999, 23 foram de empregados domésticos, 15 de vendedor
e 10 na construção civil. Os novos postos de trabalho, ainda, se caracterizariam
por salários inferiores e um contingente mais jovem que os ocupa (Lessa et al.,
1997).
A taxa de desemprego aberto aumentou ao longo da década, passando de
3,0% da PEA em 1989 para 9,6%, em 1999.
Os resultados foram pífios: déficit na balança comercial, pela substituição
da produção interna por importações, manutenção da inflação, se não em dois
dígitos, como antes de 1995, num crescimento permanente de um. A política de
controle da inflação através do aumento da taxa de juros provoca o disparo das
dívidas públicas, externa e interna, a patamares nunca dantes vistos nas décadas
recentes, restringindo ainda mais as possibilidades de financiamento do Estado.
O crescimento do produto ao longo da década – 1,9% ao ano – foi o mais baixo
de todo o século XX (Pochmann, 2001).
A liberalização comercial e a privatização de estatais produtivas também se
acompanharam de uma mudança patrimonial importante: quebra de pequenas e
médias empresas, fusões e aquisições, muitas com a participação de capitais
internacionais, desnacionalização importante de variados setores, inclusive o
financeiro.
No redesenho do aparelho de Estado brasileiro, além das próprias
privatizações de empresas produtivas, houve êxitos na implementação das
reformas delineadas por Bresser Pereira (1996) no capítulo anterior. A partir de
uma hiperatividade decisória do Executivo Federal, através de Medidas
Provisórias (Diniz, 1997)84, vão se forjando novas instituições e formas de
82 Ibid, p. 3183 Ibid, p. 48.84 Exemplo do paradoxo de Evans (1993) em que é do próprio Estado, considerado a raiz do problema, que parte a
71
funcionamento. As principais que causaram impacto na área de saúde foram:
a) A descentralização da execução de políticas sociais, que significou
para o sistema público de saúde a implementação da própria
agenda do SUS, porém com um descompromisso financeiro da
União que passava longe de sua proposta básica. E um decorrente
aumento da participação das instâncias descentralizadas de Poder
no financiamento da saúde (Faveret et al., 2001). Esta
descentralização tomou também a direção de organismos para-
governamentais sem fins lucrativos, as Organizações Sociais, que
foi o destino de algumas instituições federais de saúde de maior
porte e complexidade (Ribeiro, 2001).
b) A constituição de Agências Reguladoras para regular mercados.
Na área de saúde foram duas, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (1997) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar
(1999). Estas novas instituições teriam como características:
1) A autonomia administrativa e financeira, relacionando-se
com o Executivo através de contratos de gestão, para
contrapor-se às análises prévias do engessamento do
aparelho de Estado.
2) O assim denominado insulamento burocrático, respaldado
em modelos weberianos do tipo ideal de burocracia, que se
manifestaria na impossibilidade de demissão dos Diretores
da Agência por motivos de mudança de governo, o que lhes
propiciariam, pelo modelo, uma independência e
racionalidade decisória e uma maior impermeabilidade ao
rent-seeking85.
3) Ainda tomando o insulamento como norte, períodos de
quarentena quando de mudanças de Direção, quanto a
cargos a serem assumidos em empresas antes reguladas.
solução.85 Termo utilizado pela escola da escolha pública (Buchanan, 1988) para designar a tendência inelutável dos burocratasdo Estado de buscar a sua própria renda e não o interesse público. O que o projeto da reforma do Estado através dasAgências Reguladoras não explica é porque elas não teriam, inclusive mais independentes das contingências eleitorais epossibilidades de mudanças da correlação das forças políticas no Poder, os mesmos incentivos. Também Evans (1993)aponta que são vistos comportamentos predadores no Estado desenvolvimentista como no Estado ajustado.
72
4) O envolvimento do principal através da acessibilidade da
informação, o que poderia ser considerado ainda incipiente,
dado todos os sigilos que envolvem as atividades de
algumas Agências, como é o caso da saúde suplementar.
Estaria parcialmente contemplado no que toca a prestação
pública de contas através de audiências públicas e a
incorporação dirigida pela Agência de membros da
sociedade civil envolvidos com o setor a regular86.
5) A preconizada “accountability”87, da qual ainda não se
conhece exemplos, mas que significaria o compromisso dos
dirigentes da Agências com o cumprimento de metas
estabelecidas com a administração central através de
contratos de gestão. E as penalidades correspondentes ao
seu não cumprimento.
Também no caso da reforma do Estado brasileira dos 90, não há uma
sistematização mais integral de seus resultados. Valem algumas considerações
para o entendimento dos processos específicos da relação Estado/mercado, no
setor saúde. Assim, Glade (1998) considera que a diversificação e proliferação do
setor paraestatal têm sobrepujado a capacidade do Estado de monitorar e
controlar as suas operações. Também Pereira (1997) comenta os limites na
implementação de reformas baseadas no neo-institucionalismo, ou seja, no
desenho de mecanismos (incentivos) para que o agente (Estado) aja em nome do
principal (consumidor) na regulação dos mercados e onde a prestação de contas
joga um papel importante. Estes seriam a informação do principal, sua
incapacidade de monitoramento dos políticos dentro dos esquemas da
democracia formal e a manipulação da mídia sobre a informação, a partir da
dominância exercida pelo poder econômico88
86 Não é objetivo deste trabalho deter-se a fundo nos mecanismos institucionais de regulação mas espanta que o ConselhoNacional de Saúde, órgão máximo de controle social do Sistema de Saúde, por onde, principalmente, deva se dar aprestação de contas de todo o Ministério, seja considerado um membro do Conselho de Saúde Suplementar, quando estedeveria estar sob o comando do primeiro.87 Termo que, segundo o Webster’s Third New International Dictionary, Vol 1 (G & C Merrian, Co, 1976), significaria:... “the quality or state of being accountable , liable or responsible…”(p. 13)88 Embora o neo-institucionalismo alimente hoje as propostas de reforma das políticas sociais do BID, que possivelmenteinfluenciem muito as ações desenvolvidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, existe uma negligência emtratar a informação do principal como um elemento importante do modelo. Tal afirmativa se respalda na negativa de seusdiretores em fornecer informações do mercado para este trabalho, alegando que estas teriam sido obtidas das firmasseguradoras mediante negociações que envolveram sigilo. Há, portanto, uma avaliação, idealista até pelo modelo de
73
No setor de seguros, nos aponta Leopoldi (1998) que as mudanças que
ocorrem no Brasil com a globalização e a reforma do Estado partem da
reconfiguração do setor financeiro no mundo após 73 e suas repercussões sobre
as seguradoras: declínio do banco comercial tradicional e crescimento do
mercado de títulos e valores, internacionalização, desregulamentação e fim da
segmentação do mercado. Surgem entidades que ligam bancos, seguradoras e
indústrias, organizadas em conglomerados: ” ...neste período a companhia
seguradora passa a ser tratada antes de tudo como uma investidora, pois produz
grandes volumes de provisões que tendem a ser aplicadas em investimentos no
mercado financeiro...”89. Por outro lado, segundo, ainda, esta autora, grandes
corporações, como a Ford, Mercedes-Benz e Coca-Cola criam as suas próprias
seguradoras.
Um dos mais potentes motores de propulsão das reformas foi o ajuste fiscal
do Estado. No caso da saúde, é possível avaliar as suas conseqüências através
do financiamento público, principalmente o federal. Na primeira metade da década
de 80, há uma inflexão importante deste gasto, no contexto do quadro recessivo
instalado. Há uma reversão desta tendência no período de 1985 a 1989, mas que
não chega aos maiores patamares dos anos 70, na sua divisão pela população
(Médici, 1988 apud Andreazzi, 1991). A comparação da década de 80 com a de
90 é dramática: ...”Os gastos públicos com saúde, no período 1980-1990, em
relação ao PIB, atingiram o valor máximo de 3,3% em 1989. Esta participação
reduziu-se fortemente nos anos seguintes, voltando a aumentar em 1994 e
atingindo 2,7% em 1995...O gasto federal com atividades promovidas pelo
Ministério da Saúde representou, em 1996, cerca de 10,4% da arrecadação da
União, valor inferior ao atingido em 1989, calculado em 19%...O gasto público
com saúde nos três níveis de governo, que em 1989 foi de 13,2 bilhões de
dólares (US$ 96 per capita), diminuiu nos anos subseqüentes atingindo em 1992
apenas 8,7 bilhões de dólares (US$ 63 per capita). Essa forte redução foi paralela
à do gasto federal, que historicamente integra três quarta partes do gasto público
total e que, em 1992, foi 42% menor que em 1989. A partir de 1993, o gasto
análise, acerca da capacidade do agente tomar decisões em nome do principal sem contar com ele para exercer osconstrangimentos necessários quando de conflitos com os interesses das firmas. 89 Leopoldi (1998) p. 242.
74
público federal voltou gradualmente a crescer, chegando em 1996 a 14 bilhões de
dólares, cerca de 25% superior ao de 1989 (10,9 bilhões de dólares)... ”90
Existe uma dificuldade razoável de se obter séries comparáveis de gasto com
saúde ao longo de todo o período de interesse, ou seja, desde, ao menos da
década de 7091. Além da diversidade de padrões monetários, não é exata e
facilmente conhecido o que, de fato, está compondo o dado em questão. Para os
90, por exemplo, a série do gasto do Ministério da Saúde que comporta os anos
de 1993 a 1999, mesmo em valores reais (deflacionados a valores constantes de
dezembro de 1998) mostra um aumento de R$ 12,8 milhões para R$ 18,3 milhões
do início ao final do período, com um pico de R$ 19,3 milhões em 1997 (Piola e
Biasoto, 2001). Estes autores e também o trabalho de Piola, Ribeiro e Ocké
(2000) identificam dois itens que passam a fazer parte do gasto, que não aportam,
no entanto, ao produto final, ações de saúde, e nem estariam presentes nesta
rubrica nas séries anteriores: os encargos de dívidas e os encargos
previdenciários da União. Retirando-se estes dois elementos, naquilo que foi
denominado em ambos os trabalhos de disponibilidade líquida do Ministério da
Saúde, os valores são realocados na faixa de R$ 11,8 milhões, em 1993 a R$
15,3 milhões, em 1999, passando por R$ 16,1 milhões, em 1997. A evolução dos
gastos com o Ministério da Saúde, a partir das tabelas destes autores é visto no
tabela 2.1.
Tabela 2.1: Gastos de Ministério da Saúde e gasto federal percapita. Brasil,1993-1999
ANO GASTO TOTAL– MS1
GASTO TOTAL- MS 1, 2,
GASTO TOTAL– MS3
GASTO TOTAL– MS2, 3 POPULAÇÃO PERCAPITA
TOTAL 3PERCAPITA
2, 3
1993 12.822.000.000,0011.822.000.000,0011.047.733.930,7310.186.110.632,43 151.556.521 72,90 67,211994 13.021.000.000,0011.725.000.000,0011.219.196.967,0910.102.533.172,50 153.726.463 72,98 65,721995 18.614.000.000,0015.299.000.000,0016.038.256.074,4413.181.974.840,60 155.822.296 102,93 84,601996 16.154.000.000,0013.940.000.000,0013.918.662.760,6412.011.028.778,22 157.070.163 88,61 76,471997 19.394.000.000,0016.133.000.000,0016.710.322.247,1113.900.568.671,38 159.836.416 104,55 86,97
1998 17.665.000.000,0015.350.000.000,0015.220.575.564,3613.225.917.628,81 161.790.311 94,08 81,75
1999 18.375.000.000,00Sem
informação/s.i. 15.832.328.106,15 s.i. 163.947.554 96,57 s.i.Fontes: Piola e Biasoto (2001); população – Datasus/IBGENotas: 1- em R$ de dez/982- Sem EPU e dívida3- em US$ de 1998
90 OPAS/OMS, Representação do Brasil (1998), pp. 51-52 e 79-80.91 Opinião também compartilhada por Piola e Biasoto (2001).
75
Comparam-se parcialmente estes dados com os anos 80 através de série
apresentada por Ocké (1995) a partir de Médici e Marques (1994). Faz-se
necessário lembrar que não são perfeitamente comparáveis os valores pois
haveria que se estabelecer o peso da inflação em dólar entre os períodos de
conversão, 1992 e 1998. De qualquer modo, o maior valor percapita encontrado
para a década de 90, ao se expurgar encargos previdenciários da União e
dívidas, equivale ao ano de 1989 (quadro 2.3).
Quadro 2.3: Gastos públicos percapita na década de 80. Brasil, anosselecionados
ANO TOTAL PERCAPITA (DÓLAR MÉDIO DE1992)
FEDERAL PERCAPITA(DÓLAR MÉDIO DE
1992)1980 81,59 61,821984 63,58 46,441985 70,69 52,471989 99,26 80,371990 87,13 65,86Fonte: Médici e Marques (1994) apud Ocké (1995)
Também o trabalho da OPAS/Representação do Brasil, de 1998 apontou que
em 1996, o gasto público federal de 89 dólares percapita, seria menor,
novamente, do que o encontrado em 1989.
Além dos necessários refinamentos metodológicos necessários a dar mais
consistência a estas relativamente longas comparações temporais, que deverão
ser objeto de trabalho posterior mais detalhado, pensa-se que são necessárias
duas padronizações:
a) pela notória importância da inflação específica do setor;
b) pela variação na estrutura demográfica, particularmente dos maiores do
que 65 anos de idade, dado o aumento da magnitude e densidade
tecnológica na utilização de serviços médicos desta faixa etária
(Newhouse, 1993; Médici e Campos, 1992).
Além desse aspecto, é importante assinalar a retração das fontes fiscais
para a saúde, após 1999, em que um novo imposto, o CPMF (Contribuição
“Provisória” sobre Movimentações Financeiras), passa a ter um papel crescente
no financiamento do Ministério da Saúde. O que significa que maiores recursos
têm sido extraídos da sociedade para a manutenção (ou melhor, redução) de um
76
determinado nível de benefícios. Pois a despeito do aumento observado do gasto
do Ministério da Saúde da primeira para a segunda metade da década de 90,
Braga (2001) ressalta que, em 1994, ele teria representado 5,3% do dispêndio
efetivo do governo federal, enquanto que, em 1998, caiu para 3,5%.
Quanto ao gasto público total, os dados são mais pontuais, referindo-se a
anos selecionados, já que sua obtenção, por conter fontes dispersas por todo o
território nacional, é mais difícil. Mesmo o Sistema de Orçamentos Públicos de
Saúde/SIOPS, implantado ao final da década de 90 pelo Ministério da Saúde,
ainda não tem a sua cobertura integralizada quanto ao conjunto dos municípios
do país92. Em 1995, o IPEA estimou-os em R$ 21,9 bilhões (valores correntes),
sendo que 17% de origem municipal, 19%, estadual, e 64%, federal. Esta
participação federal foi menor do que nos anos 80, onde esteve na faixa entre
70% e 80% (Médici, 1994b). É possível que este gasto total tenha crescido algo,
por conta do aumento da participação dos municípios.
Faveret et al. (2001) estima os gastos próprios dos estados e dos municípios,
em 1998, a partir do SIOPS, nos seguintes valores (em R$ de 2000): R$ 5.694,2
milhões para os estados e R$ 8.100,0 milhões para os municípios, num total de
R$ 13.794,2 milhões. A valores de 1998, isto corresponderia a R$ 15.365,0
milhões de reais de 1998 (pela variação do IPC/FGV). Somando-se aos gastos
federais de R$ 13.225,9 milhões deste mesmo ano (sem EPU e dívida), daria um
gasto total estimado em R$ 28.590,9 milhões, em 1998 (valores correntes).
Dolarizando-se este valor, teríamos US 24.634.585.560,00 (de 1998), o que
significaria um percapita de US 152,26, cerca de 50% mais elevado daquele
encontrado por Médici (1994b) para o ano de 1989. O que somente não
significaria um aumento real da participação dos entes descentralizados no
financiamento público da saúde, caso a inflação em dólar deste período tivesse
num patamar de cerca de 5% ao ano.
Com todas essas limitações, permitíramo-nos concluir que o tão propalado, pelo
Ministério da Saúde, aumento do gasto público federal, na segunda metade dos 90,
quando analisado em relação à população, equipara-se ao ano mais expressivo da
década de 80, 1989. Além disso, pode ter sido corroído pela inflação setorial. Quanto ao
gasto percapita de estados e municípios, há indícios, de fato, de que aumentam na
92 Ver no site do Ministério (www.saude.gov.br) a cobertura do SIOPS por município.
77
década de 90, em relação aos 80. Porém isto deve, também, ser relativizado vis-à-vis a
desvalorização da própria moeda de referência no período – o dólar.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Tendo identificado os principais elementos de caráter geral que possam estar se
constituindo nos componentes mais importantes para a explicação da dinâmica atual do
setor privado de saúde no Brasil, passaremos nos capítulos seguintes a analisar a
evolução dos mercados privados de financiamento e prestação de serviços, do ponto de
vista da demanda e da oferta.
78
CAPÍTULO 3 –TENDÊNCIAS DA DEMANDA PARA ATENÇÃO PRIVADA ÀSAÚDE NO BRASIL
Este capítulo mostra a evolução da demanda por seguros e serviços
de saúde, no período estudado. A análise está centrada nos anos 90. No entanto,
para compreender melhor sua relação com o conjunto das mudanças ocorridas no
Brasil, nesta época, faz-se necessário um recuo a períodos anteriores, dentro das
conjunturas identificadas no capítulo precedente.
A demanda em saúde, como se verá adiante, é um assunto de razoável
complexidade, em que, se faz necessária, a utilização de múltiplas abordagens
que possam dar conta das suas determinações. Mas é necessário se concentrar
no aspecto principal do assunto, de apreender suas macro-tendências, que
permita aportar à análise do processo competitivo nos mercados em estudo.
I – A EVOLUÇÃO RECENTE DA DEMANDA PRIVADA DE SAÚDE NOBRASIL.
A demanda por serviços privados de saúde, principalmente, financiados
pelo orçamento das famílias parece estar há muito tempo estabelecida no país.
Embora os dados obtidos de fontes secundárias a partir da década de 80 não
possam ser comparáveis com os mais atuais93, eles mostram, no entanto, que se
trata de algo significativo, e que se mantém, a despeito do crescimento de
alternativas coletivas de financiamento privado ao consumo desses serviços.
Assim, os estudos populacionais do início da década de 8094 mostraram
que 20,4% da população usuária de serviços de saúde buscava serviços ditos
particulares. Havia uma relação direta e positiva com a renda, sendo que para a
camada de renda maior do que 20 salários-mínimos, esse percentual foi de 44%.
Mendes (2000), a partir da PNAD/IBGE de 1986, identificou que 33,9% da
população brasileira utilizaram o que ele denominou de Sistema de desembolso
direto.
Já a análise efetuada pela Revista de Administração em Saúde/RAS,
editada pelo PROHASA/FGV95 de São Paulo, a partir da Pesquisa de Condições
93 Os dados coletados não são totalmente intercambiáveis: as perguntas e categorias usadas são diferentes.94 Trata-se da PNAD de 1981, estudada pela autora em 1991 (ver Andreazzi, 1991).95 Programa de Estudos Avançados em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde do Hospital das Clínicas daFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo daFundação Getúlio Vargas.
79
de Vida da Fundação SEADE96/SP, versões 1990, 1994 e 1998, revelou que a
parcela dos usuários da medicina privada na Região Metropolitana de São Paulo
teria sido estimada em 14,5%, em 1990, 8,9% em 1994 e 5,7% em 199897.
Estando, portanto, em declínio.
Dados dos anos 80 e 90 podem ser tomados da Pesquisa de
Orçamentos Familiares/POF do IBGE, no sentido de avaliar a magnitude desta
demanda, embora a pesquisa tivesse como objetivo fundamental a análise do
gasto das famílias. As versões de 1987 e 1996 da POF, referentes às Regiões
Metropolitanas brasileiras, foram estudadas por vários autores98 Sua abrangência,
no ano de 1987, foi de quase metade da população urbana e, em 1996, um pouco
mais de um terço dela. Houve similitude nas categorias utilizadas, o que facilitou
as comparações intertemporais (Ocké, Silveira e Andreazzi, 2002)
Estes trabalhos coincidem no achado de um substantivo aumento do
percentual de gastos totais das famílias com saúde no período, mesmo
considerando as diferenças demográficas e econômicas entre as duas amostras
da população. Contribuiu, fundamentalmente, para este aumento, o maior peso
dos pagamentos de prêmios de seguros privados de saúde na composição do
gasto, os gastos com medicamentos e com assistência odontológica. A
participação relativa do gasto total com saúde passou de 5,31% das despesas
das famílias, em 1987, para 6,50%, em 199699. No entanto, o gasto absoluto per
capita das famílias com saúde em todas as classes de rendimento diminuiu, de
R$ 428,40, em 1987, para R$ 294,50 em 1996 (valores de setembro de 1996).
Por item de gasto, os movimentos foram distintos, sendo que aumentaram os
gastos com “seguro-saúde” e diminuíram aqueles com “serviços médico-
hospitalares”. Além do gasto relativo com este último item ter caído quase pela
metade, o absoluto estimado passou de R$ 5,2 bilhões para R$ 2,9 bilhões (em
reais de dez/96). Por classes de renda, os itens que mais pesaram, também, são
distintos, sendo que no ano de 1996, o peso relativo aos gastos com remédios foi
maior no estrato inferior, enquanto o peso dos gastos com planos de saúde foi
maior no estrato superior (Ocké, Silveira e Andreazzi, 2002). A magnitude do
96 Sistema Estadual de Análise de Dados97 Revista de Administração em Saúde/RAS, vol. 2, no 8, jul-set, 2000, pp. 3-8. São Paulo, Sociedade Médica Brasileira deAdministração em Saúde e PROHASA, FGV.98 Médici (1998); Mendes (2000); Ocké, Silveira e Andreazzi (2002)99 Para Mendes (2000), foi de 9,10% das despesas das famílias, em 1987 e 11,04%, em 1996. As diferenças encontradas
80
aumento do gasto percapita com planos de saúde foi, indiscutivelmente maior
para as famílias de menor renda, como se vê no quadro 3.1.
Quadro 3.1: Gasto Médio Per Capita Familiar, Assistência à Saúde, segundo Estratosde Renda Selecionados e Tipos de Despesa - Total das Áreas da POF, 1987/88 e
1995/96 (Em R$ de set.1996)
Até 2 Sal.Mín.
5 a 6 Sal.Mín.
Mais de 30 Sal.Mín.
Tipos deDespesa
1987 1996
Variação(%)
1987 1996
Variação(%)
1987 1996
Variação(%)
Remédios 74,6 48,1 -35,5 87,6 65,2 -25,6 274 162,1 -40,8
Plano desaúde
2,6 10,4 300,0 10,4 30,8 196,2 242,9 296,4 22,0
ServiçosMédico-
Hospitalares
15,8 9,6 -39,2 27,4 16 -41,6 391,3 260,1 -33,5
Óculos elentes
6,4 1,1 -82,8 11,5 2 -82,6 71,3 27,3 -61,7
Outros (1) 10,6 26,3 148,1 25,1 18,6 -25,9 396,9 180,4 -54,5
TOTAL 110 95,4 -13,5 162 133 -18,2 1.376,40 926,3 -32,7Fonte: Ocké, Silveira e Andreazzi (2002)
Mesmo não sendo possível, com os dados apresentados, afirmar que a
redução absoluta e relativa dos gastos diretos com assistência médico-hospitalar
das famílias, entre 1987 e 1996, tenha significado uma redução da demanda por
estes serviços, esta hipótese é plausível.
Embora parecendo em declínio, nos anos 90, esta demanda por serviços
privados de saúde, financiados diretamente pelas famílias, existe em todas as
classes de renda, inclusive nas consideradas baixas. Estudos desenvolvidos pela
autora, no final da década de 90, em municípios periféricos da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, mostraram que parcela significativa da
população de baixa renda utilizava serviços privados de saúde, através de
desembolsos diretos. Num distrito da periferia de Duque de Caxias (RJ), foi
encontrado, em 1997, que 9% das consultas médicas foram pagas diretamente
pelo usuário (Soares et al., 1998). Em São Gonçalo (Soares et al., 2000) este
devem se dar em função da não inclusão dos itens aumento e diminuição do passivo no gasto total das famílias.
81
percentual foi de 12%. O dobro desta taxa referiu-se às consultas financiadas por
um terceiro pagador privado: 18% dos entrevistados da primeira área, e 23% da
outra (Soares et al., 1998 e 2000).
Um dado indireto do gasto das pessoas físicas e jurídicas com saúde pode
ser obtido da Receita Federal. Para o ano base de 1996, Almeida (1998)
encontrou os resultados que serão expostos a seguir.
Quanto às pessoas físicas, na faixa da alíquota de 15%, 2,2 milhões
contribuintes deduziram, em 1997, R$ 1,1 bilhões, significando uma renúncia
fiscal de R$ 168 milhões no Imposto de Renda de Pessoa Física/IRPF; na faixa
da alíquota de 25%, 1,6 milhões de contribuintes deduziram R$ 2,9 bilhões,
representando outros R$ 726 milhões de renúncia fiscal no IRPF. No caso do
Imposto de Renda de Pessoa Jurídica/IRPJ, 34,7 mil empresas efetuaram
deduções sobre o lucro real relativas a despesas com saúde, totalizando R$ 3,2
bilhões, configurando uma renúncia fiscal da ordem de R$ 800 milhões no IRPJ
(alíquota base 25%). Em resumo, as estimativas indicam que, na declaração do
IRPJ e IRPF de 1997 (ano-base 1996), as deduções relativas a despesas com
saúde totalizaram cerca de R$ 7 bilhões, representando cerca de R$ 2 bilhões de
renúncia fiscal.
Deve-se considerar, no entanto, estes números apenas como magnitudes,
pois Dain (2000) já referiu uma dedução maior para os anos de 1996 e 1997, no
caso das pessoas jurídicas. Para as empresas, a Secretaria da Receita Federal
teria estimado que deduziram com o pagamento de assistência médica para os
seus empregados R$ 2.368 milhões, em 1996, e R$ 2.175 milhões, em 1998.
Para o ano de 2000, segundo Dain (2000), o valor estimado para as
deduções médicas já seria menor, de R$ 1.168.716,5 mil. Esses dados estariam
bastante inferiores às estimativas obtidas do mercado sobre o faturamento dos
seguros, e da POF sobre gastos das pessoas físicas, o que aponta para a
pequena cobertura da Receita Federal para estimá-los100. A tendência de queda
do gasto privado com saúde das famílias, entretanto, estaria de acordo com o
100 Neste caso, dado o incentivo fiscal para a declaração, é possível se indagar acerca de dois aspectos que questionariama justiça fiscal existente nesta possibilidade de dedução e sua efetividade: a) somente quem tem possibilidade de deduzirestas despesas é quem tem um patamar de renda onde há a obrigatoriedade da declaração. Vimos que, mesmo famílias debaixas rendas apresentam gastos privados com saúde, diretos ou através de seguros; b) é amplamente disseminada aprática, dentro do mercado de desembolso direto, da dedução do preço do serviço de saúde sem a exigência de nota fiscal.
82
encontrado nas POFs de 1987 e 1996 e estimativas para a Região Metropolitana
de São Paulo a partir das PCVs (Fundação SEADE).
A demanda específica por mecanismos de intermediação financeira ao
consumo de serviços privados de saúde ou seguros, constitui-se de pessoas
físicas e pessoas jurídicas. Estas últimas respondem pela maior fatia de
beneficiários deste setor: 75% (Catta Preta, 1998; Gazeta Mercantil, 1998). Este
percentual parece ter se mantido estável, pois, em 1981, Andreazzi (1991) já
estimava um percentual similar, a partir dos dados da PNAD/IBGE de 1981.
Suas tendências de evolução podem ser estimadas a partir dos dados do
mercado, que não são inteiramente compatíveis com os detectados pelo IBGE –
PNADs de 1981 e 1998. Como se vê na tabela 3.1, a principal inconsistência
ocorre ao final da década de 90, onde o dado do mercado é maior do que aquele
verificado pelo IBGE. Parte da explicação para isto pode ser deduzida do fato de
muitos indivíduos poderem estar duplamente cobertos, o que não foi captado pelo
questionário da PNAD Saúde, onde se perguntou sobre a existência de, ao
menos, um plano privado de saúde.
Tabela 3.1: Estimativa de crescimento global do mercado de seguros privados desaúde no Brasil. Anos selecionados.
ANO USUARIOS
Até 1970 S/ dados1970 2.000.0001972 4.800.0001977 5.994.3441981 11.070.0001987 24.400.0001989 31.140.0001991 28.500.0001992 32.000.0001994 34.400.0001995 35.000.0001996 41.000.0001998 38.700.000Fontes: até 1989 - Andreazzi(1991); entre 1991 e 1994 - Mendes(1996); para 1995: GazetaMercantil (1996); para 1996 – Catta Preta (1997); para 1998: PNAD/IBGE 1998.
A reta de regressão linear ajustada no gráfico 3.1, elaborado a partir
desses dados confirmaria uma tendência ascendente ao longo de todo o período
83
de análise, quase 30 anos. Interessaria verificar, contudo, se houveram diferenças
ao longo desta trajetória.Fontes: até 1989 - Andreazzi(1991); entre 1991 e 1994 - Mendes(1996); para 1995: GazetaMercantil (1996); para 1996 – Catta Preta (1997); para 1998: PNAD/IBGE 1998.
Avaliando-se a taxa média anual de crescimento nos intervalos de tempo
correspondentes às conjunturas já apresentadas, verifica-se que houve uma
desaceleração do início para o final do período. Mesmo se fosse considerado,
para o ano de 1998, um número maior de usuários do que o encontrado na
PNAD, isto não reverteria num aumento significativo da taxa encontrada para a
conjuntura do Plano Real (quadro 3.2).
Quadro 3.2: Taxa de crescimento médio anual101 dos usuáriosde seguros privados de saúde segundo conjunturas (em %)
Conjunturas %
Milagre e II PND 1970 - 1978 32,9Recessão Figueiredo 1979 -1983 20.4
Recessão primeirametade 90
1990 –1994 2,2
Estabilização (Real) 1995 -1998 3.5Fontes: até 1989 – Andreazzi (1991); entre 1991 e 1994 - Mendes(1996); para 1995:Gazeta Mercantil (1996); para 1996 - Catta Preta (1997); para 1998: PNAD/IBGE 1998.
Por esta periodização, há uma desaceleração progressiva do crescimento
que, ao final dos 90, se reverte de forma muito pouco expressiva. Destacando-se,
101 Calculada a partir da seguinte fórmula: (y t + n - yn) / yn
Taxa = ___________________ X 100
t
Gráfico 3.1: Crescimento do mercado de seguros privados de saúde. Brasil. 1970-1998
05.000.000
10.000.00015.000.00020.000.00025.000.00030.000.00035.000.00040.000.00045.000.000
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
84
como tendência mais geral, um certo declínio do mercado na década de 90
relativamente aos períodos anteriores.
Está em consonância com esta linha de análise o dado recente da
evolução do mercado em São Paulo. Sua Região Metropolitana possuía 44,9%,
da população coberta por seguros privados de saúde, em 1998, segundo a
PNAD/IBGE, a maior taxa encontrada entre essas Regiões. A “Pesquisa de
Condições de Vida” da Fundação SEADE teve como área de abrangência,
inicialmente (1990), a Região Metropolitana de São Paulo. Mas as últimas (1994 e
1998) obtiveram uma amostra do interior do Estado, através de um conjunto de
municípios com população acima de 50.000 habitantes102. Em 1990 não se
encontraram dados sobre titulares e sim, indivíduos beneficiários de convênios,
onde 60,9% eram feitos pela empresa empregadora (Fundação SEADE/PCV
Saúde). Por isso, no quadro 3.3, que resume os achados desta Pesquisa, os
dados de titulares se referem a 1994 e 1998:
Quadro 3.3: Posse e tipo de convênio e plano de saúde.Em %. São Paulo, década de 90.
Estado Região Metropolitana Interior1994 1998 1990 1994 1998 1994 1998
Posse de seguroprivado de saúde
(indivíduos)43,5% 44,2% 43,3% 44% 44,8% 42,3% 43,2%
Titulares com planos desaúde particulares 32,4% 52,7% * 34,9% 53,8% 26,4% 50,6%
Titulares com planos desaúde da empresa
empregadora64,6% 45,9% * 62,3% 45,1% 70,0% 47,3%
Titulares com planos desaúde de sindicatos 3,0% 1,4% * 2,8% 1,1% 3,6% 2,1%Fontes: 1990 – Fundação SEADE – PCV-Saúde; 1994 e 1998 – RAS, vol.2, n.8* - sem informação
Observa-se que, durante todo o período da pesquisa, a década de 90, em
São Paulo, região de ponta na origem e desenvolvimento deste mercado, não
houve diferenças significativas na cobertura de planos de saúde dos
indivíduos/titulares. Houve, sim, uma expressiva substituição da fonte pagadora
que, da empresa empregadora e, em menor escala, do sindicato, passa ao
próprio indivíduo. Há, no entanto, que observar que na metodologia desta
102 Notas obtidas da Resenha “Pesquisa das Condições de Vida 1998 – SEADE-SP” In: Revista de Administração emSaúde/RAS, op. cit.
85
pesquisa103, a condição de convênio do empregador apenas era aplicável quando
este financiava o plano. Não enquadraria situações que o mercado denomina de
plano de adesão, onde o empregador (ou uma entidade promotora) pode
intermediar a relação com a firma seguradora, mas a contratação do seguro é
voluntária para o empregado (ou associado), que banca, financeiramente, o plano
de saúde. Tendo características mistas entre a forma particular e exclusivamente
do empregador, seu custo, em geral, também é intermediário entre elas, assim
como as coberturas e outros benefícios. No Rio de Janeiro, um inquérito
populacional desenvolvido pela FIOCRUZ e FGV, cujos resultados são
significativos para as famílias onde existem indivíduos com as seguintes
condições consideradas traçadoras - hipertensão, gravidez e diarréia (Lobato,
2000) - também verificou que “...os casos de financiamento exclusivo das famílias
- 62,3% - são mais do que o dobro da soma dos casos onde a família divide com
a empresa o financiamento – 24,1%, ou a empresa financia exclusivamente a
cobertura extra-SUS – 24,11%...verifica-se que a situação mais diferenciada está
no estrato intermediário...”104 (de renda).
O que estes dados inequivocamente informam é que o financiamento
integral do empregador tem sido substituído por formas em que há uma
participação financeira parcial ou total do indivíduo segurado, ainda que este
conte com uma pessoa jurídica que intermedeie o contrato de seguro.
Embora o período de análise seja mais curto, dados da ABRAMGE
também mostram uma certa tendência ao aumento dos clientes particulares no
seu universo de beneficiários (quadro 3.4):
Quadro 3.4: Participação do plano individual na carteira de beneficiários.ABRAMGE
ANO 1997 1998 1999 2000Total 17.800.000 18.300.000 18.000.000 18.400.000
Empresa 14.240.000 14.640.000 13.500.000 14.300.000Particular 3.560.000 3.660.000 4.500.000 4.100.000
% do particular 25,0 25,0 33,3 28,7 Fonte: www.abramge.com.br (acesso em 2001)
A tendência à estagnação, na década de 90, do mercado enquanto um
todo, também pode ser depreendida de depoimentos de executivos do setor:
103 CD ROM PCV 98 – Fundação SEADE.104 Lobato (2000), pp. 142-3.
86
..”embora se observe que uma grande parte de novas vendas decorram
da troca de empresa seguradora ou do plano de saúde” ...(Ayres da Cunha,
presidente da Blue Life Seguros)105.
...”Com 6,1 milhões de clientes, em 1999, as seguradoras viram este
número baixar para 5,85 milhões, em 2000”106...
Teria o caso São Paulo, cujo desenvolvimento de seguros privados de
saúde é antigo, principalmente articulado a uma política de benefícios por parte
das empresas (Oliveira e Teixeira, 1978; Cordeiro, 1984), chegado ao seu
limite? Ou a estagnação já seria uma tendência nacional? Para enfrentar esta
questão chave, haveria que buscar compreender os determinantes da
demanda por seguros privados de saúde, visando, com isto, estimar suas
possibilidades e limites atuais, em distintos cenários que impactam sobre o
processo de reprodução social.
II - MODELOS EXPLICATIVOS DA DEMANDA EM SAÚDE
A partir da revisão de trabalhos da área de Saúde Coletiva que apresentam
modelos explicativos da demanda em saúde, julgamos poder classificá-los em
duas grandes linhas. A primeira centra-se no comportamento do indivíduo,
sendo a mais utilizada pela Economia da Saúde. A segunda linha parte da
ação de grupos sociais, onde estaria o indivíduo inserido, sendo encontrada,
com maior freqüência, nos trabalhos mais tradicionais da área. Sintetizaremos
seus preceitos nos itens a seguir.
3.1 - Modelos centrados no comportamento do indivíduo
As interpretações correntes da demanda em saúde, principalmente na
literatura internacional da Economia da Saúde, que se baseia na vertente
econômica neoclássica (Cruz, 1991; Iunes, 1995), são feitas a partir da teoria
105In “O setor de seguros saúde é um dos que mais evoluiu em qualidade de serviço” Seguros e Riscos, set 1996, pp. 43-44. Ver ainda depoimento do Diretor Técnico da AMIL in Bahia (1999), p. 119, já em 1997. Almeida (1998) tambémsugere tal tendência.106 Cristina Calmon: “Seguradoras desistem da pessoa física” - Valor Econômico, 15/10/01, pg. C3.
87
da utilidade. Por esta teoria, os consumidores procurariam a maximização dos
benefícios obtidos, a partir de suas preferências. A demanda é entendida como
um ato resultante da vontade soberana do indivíduo, a partir do pressuposto de
uma racionalidade ilimitada. Obviamente, contando com as restrições advindas
do orçamento, face aos preços pelo quais deve pagar, em relação aos preços
de outros bens. No modelo, o consumidor é uma ilha, onde a utilidade de um
não influencia nas decisões de consumo dos demais (Kreps, 1990). O
indivíduo, ainda, é capaz de tomar decisões racionais a partir de um nível de
informação universalmente compartilhado. A teoria nega o caráter histórico das
preferências. Propaganda e marketing teriam apenas como função difundir
informação, para reduzir o tempo e custo de sua busca. O limite do orçamento,
ao contrário de externalizar, em parte, a forma como se dá a reprodução da
vida material do indivíduo, é um mero acidente do modelo. As políticas sociais
voltadas ao subsídio ao consumo de determinados bens e serviços, e que
resultam de contextos políticos nos quais o indivíduo está inserido, são aqui
implicitamente representadas por bens de preço zero aos quais se comparam
os preços dos serviços privados correspondentes.
Na área de saúde, especificamente, desde a década de 60, partindo de
grandes expressões do pensamento econômico norte-americano107, já se
contesta a aplicabilidade desta teoria, tendo-se que recorrer às chamadas
falhas de mercado, não como exceção, mas como regra. A principal falha,
neste caso, diz respeito à heterogeneidade de informação entre os agentes
econômicos envolvidos na relação de consumo - médico e paciente. E,
também, na impossibilidade do paciente consumir serviços que não sejam
legitimados, na maioria dos casos, por uma recomendação formal do prestador
- que age em nome de, como agente, do usuário. Outros aspectos enfatizados
por Sicsú (2000) referem-se às circunstâncias anormais que envolvem o
consumidor quando de uma doença, que afetariam a racionalidade de suas
decisões. E, por último, a demanda por atenção à saúde seria irregular e
imprevisível, o que, ao nosso ver, facilitaria seu financiamento através de
seguros.
107 Arrow (1963) apud Sicsú (2000)
88
Cruz (1991) ainda agregaria, a esses determinantes da demanda em
saúde, fatores demográficos como idade, sexo e tamanho da população (número
de consumidores individuais).
Também neste campo, Musgrove (1985), estudando especificamente os
serviços de saúde, com uma preocupação mais empírica, atenta ao
funcionamento real do setor, ressalta os seguintes elementos: a) a renda dos
consumidores; b) os custos em dinheiro e tempo (e não somente preço, já que ele
trabalha demanda privada e pública, conjuntamente); c) o estado de saúde como
doença percebida, por sua vez, derivada do quadro epidemiológico e sanitário,
acrescido dos conhecimentos e práticas dos indivíduos. Baseando-se em estudos
prévios por ele realizados, informa que os efeitos da renda sobre a demanda em
saúde são provavelmente extensos. Os gastos com saúde crescem
proporcionalmente mais do que a renda nas famílias mais ricas, comportando-se
como um bem de luxo. Reduzindo-se a renda, este gasto não se reduz na mesma
proporção, havendo uma relativa inelasticidade responsável pelo aumento da
proporção de despesas com saúde no orçamento destas famílias relativamente às
mais abastadas. Controlando a renda, a localização (efeito da oferta) apresentou
um impacto marcante sobre os gastos com saúde, revelando um "custo de
deslocamento" face à distribuição da capacidade instalada de serviços de saúde.
Os estudos de demanda, dentro desta perspectiva, teriam um recorte
basicamente quantitativo, procurando correlacionar variáveis e verificando a
elasticidade (variação) da demanda vis-à-vis elementos importantes para o
modelo, como os preços.
Rice, McCall and Boismier (1991), por exemplo, teriam identificado,
quanto a demanda por seguros de saúde, que características dos indivíduos,
como idade mais baixa, estratos sócio-econômicos mais elevados,
caracterizados por renda e escolaridade, estado marital, e melhor estado de
saúde percebido, estariam associadas positivamente com coberturas de
seguro. Este último achado se mostrou relevante, já que não indicaria uma
relação positiva, no agregado, entre percepção de doença e busca por seguro
saúde.
Feldstein (1988) identificou os seguintes elementos que influenciam a
demanda por seguro saúde:
89
a) Grau de aversão ao risco por parte do indivíduo.Probabilidade de
ocorrência do evento – daqueles eventos com uma muito baixa ou muito
alta freqüência de ocorrência decorreria uma menor probabilidade da
pessoa pagar valores acima do prêmio puro (sem custos administrativos e
comerciais) do que para eventos de ocorrência intermediária.
b) Magnitude da perda.
c) Preço do prêmio – quanto mais acima do prêmio puro, sem custos
adicionais da administração do seguro, menor os eventos que o indivíduo
estaria disposto a cobrir.
d) Renda do indivíduo – “...A rendas altas e baixas, a utilidade marginal do
seguro é relativamente alta ou baixa, de modo que as pessoas preferem se
auto-segurar”...·”108..
e) Tratamento fiscal da cobertura de seguros, que é um subsídio para sua
compra (e que é maior para as pessoas com mais renda, que são,
inclusive, contribuintes).
Uma outra característica observada nesses modelos é a ausência de
articulação ou hierarquias entre os fatores explicativos da demanda, que, em
geral, permeiam os estudos sobre o assunto.
3.2 - Modelos centrados nas relações sociais
Ao contrário do modelo anterior, aqui se parte das relações entre indivíduos ou
entre classes sociais. Na explicação da maior ou menor demanda privada em
saúde, nos estudos atuais mais conhecidos, no Brasil, tem sido priorizados o
papel das políticas públicas e dos valores constitutivos de determinadas camadas
sociais. As análises decorrentes, expostas a seguir, estão mais voltadas ao
crescimento dos seguros privados de saúde.
Uma das vertentes mais citadas, desse modo, é a da universalização
excludente (Faveret e Oliveira, 1989). De acordo com ela, a universalização do
sistema de saúde brasileiro, na década de 80, veio acompanhada da exclusão
das camadas médias e trabalhadores qualificados do segmento público, o que
permitiu a acomodação das camadas sociais de menor renda e inserção no
108 Feldstein (1988), p. 121 (tradução livre)
90
mercado de trabalho. O mecanismo de racionamento dando-se por uma queda da
qualidade média da assistência pública de saúde. Mendes (2000), muito
recentemente, a partir deste raciocínio, afirma que o processo de expulsão por
cima não parou de se dar: “...Inicialmente limitada a contingentes da classe
média, média alta e a trabalhadores de grandes e médias empresas, foi
ampliando-se para atingir crescentemente parte da classe média baixa e
trabalhadores de pequenas empresas... A emergência de planos populares e de
planos de coberturas parciais, deverá dar continuidade a esse processo de saída
do sistema público para os planos de saúde...”.
...Há estimativas de que o SAMS (Sistema de Atenção Médica Supletiva),
apenas pela dinâmica inerente à universalização excludente, poderá alcançar 60
milhões de brasileiros”... 109
Para o autor, portanto, é possível prever a manutenção do crescimento do
mercado de seguro saúde privado, a partir de uma diferenciação de produto que
seja compatível com o orçamento das camadas mais baixas de renda e com as
empresas menores e menos lucrativas. Isso na medida em que o SUS não
reverta suas políticas de cobertura e qualidade.
Esta tese não é consensual, entretanto. Dentre os autores que a contestam
está Bahia (1999). Para esta autora, tal referencial seria classificado, do ponto de
vista epistemológico, como positivista, pois entenderia a deterioração do SUS
como um fato social que exerceria coerção sobre os indivíduos, levando-os a
demandarem coberturas privadas.
Uma das principais debilidades da tese da universalização excludente,
permitiria, inclusive, interpretações que poderiam até ser consideradas caricatas.
Segundo a autora: ...”o SUS não é o ”culpado” pelos planos e seguros privados,
que se originaram quando sequer se suspeitava sobre a sua formulação e
implementação”...110.
Com isso, novamente Bahia (1999) pensa que a saída encontrada pelas
classes médias e parte dos trabalhadores ...”reforçaria a hipótese de um padrão
de acumulação de direitos assistenciais...Um conceito adequado para definir esta
sobreposição de direitos é o de benefício condominial, cunhado por Werneck
Vianna (1995) para definir a proteção contra os riscos provida pelas empresas a
109 Mendes (2000), p. 21.110 Bahia (1999), p. 313
91
partir da “solução” encontrada pelas famílias de maior renda de morar em
condomínios fechados. Isso não evita que essas famílias continuem usufruindo de
serviços comuns ao restante da população”...111
A universalização excludente, dentro do referencial positivista a ela
atribuído por Bahia (1999), não consideraria, por fim, o problema dos valores,
como seria o caso de Costa (1995), que já privilegiaria uma explicação baseada
nos anseios dos trabalhadores de setores de ponta da economia por políticas
diferenciadas de saúde, resistindo à universalização.
Esta vertente de análise buscaria, na conformação da classe operária e
das suas políticas de proteção social no Brasil, uma tendência de reestruturação
de clientelas para atenção à saúde (Costa, 1995). Pois identificaria uma
especificidade do seu “welfare state”, em que prevaleceu uma concepção de
diferenciação por mérito. Assim, com a unificação do INPS em 1966, amplia-se a
demanda por atenção diferenciada através de seguros ou planos privados de
saúde, incluindo a auto-gestão. Este mercado já existia, porém de forma ainda
restrita, para as empresas do ABC paulista no surto de industrialização intensiva
da década de 50 e para algumas categorias de trabalhadores. Demanda esta que
corresponderia às expectativas de controle da mão-de-obra formal, por parte dos
empresários e, também, às expectativas dos próprios trabalhadores, como um
‘fringe benefit’ negociado nos contratos coletivos de trabalho (Oliveira e Teixeira,
1978).
Não foram considerados de todo satisfatórios ambos os modelos. A
principal debilidade sentida foi uma maior problematização das relações da
demanda com as necessidades de saúde e a oferta. Antes, todavia, de apresentar
o caminho percorrido neste trabalho para apreender os determinantes da
demanda e suas inter-relações, apresentaremos o resultado de pesquisas
quantitativas e qualitativas realizadas no país na década de 90, que estudaram o
assunto.
Pois este debate sobre o crescimento do mercado de seguros privados no
Brasil tem conseqüências sobre a análise da oferta e a orientação das políticas.
111 Ibid, pp. 315-316.
92
III – RESULTADOS DE ALGUNS ESTUDOS DE DEMANDA BRASILEIROS DA
DÉCADA DE 90
Nos anos 90, é possível encontrar informações acerca da demanda por
seguros e serviços de saúde em algumas pesquisas, de base populacional, que já
eram periodicamente aplicadas por órgãos oficiais de estatística. Este foi o caso
do Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que é
realizada anualmente e da Pesquisa de Padrões de Vida de 1997, ambas do
IBGE. No âmbito estadual, também foram incluídas variáveis acerca da demanda
em saúde na Pesquisa de Condições de Vida, desenvolvida pela Fundação
SEADE, em São Paulo, nos anos de 1990, 1994 e 1998. Duas destas pesquisas
foram aqui escolhidas para uma análise mais aprofundada, a referente a São
Paulo e a nacional mais recente e abrangente em termos de cobertura112, a PNAD
de 1998.
3.3 – A Pesquisa de Condições de Vida/PCV – São Paulo
A versão 1990 da PCV, analisada por seu patrocinador (SEADE, 1992),
identificou características da demanda por planos privados de saúde, na Região
Metropolitana de São Paulo, referentes ao início desta década.
Considerando-se o tipo “família com recursos assistenciais próprios” como
sendo aquela em que, pelo menos, um de seus membros é beneficiário de
convênios médicos de pré-pagamento e/ou usuário de serviços privados de
saúde, encontraram-se as seguintes características, em contraposição àquelas
“sem recursos assistenciais próprios”:
• não variaram quanto à morbidade referida, porém dada esta morbidade,
procuraram mais por serviços de saúde;
• apresentaram renda per capita média de 4,3 salários-mínimos, quase 2
vezes mais alta que a categoria “famílias sem recursos assistenciais
próprios”, usuária exclusiva do SUS, com 2,4 salários-mínimos;
• tem escolaridade maior;
112 A PPV 1997 teve uma abrangência limitada a áreas urbanas das Regiões Sudeste e Nordeste (Ocké, Silveira eAndreazzi, 2002). Já a PNAD somente não abrangeu as áreas rurais da Região Norte (IBGE, 2000a).
93
• os chefes são proporcionalmente mais ocupados (80,7% contra 69,9%),
assalariados (78,6% contra 56,9%), com carteira assinada (91,8%
contra 73,7%) e a situação de desemprego é três vezes menor (2,2%
contra 6,7%) (SEADE, 1992).
3.4 – A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD – Suplemento
Saúde/1998
A análise descritiva realizada pelo próprio IBGE (IBGE, 2000a) nos mostra
os seguintes dados: 38,7 milhões de brasileiros seriam cobertos com, pelo
menos, um plano privado de saúde, 24,5% da população, sendo que 9,7 milhões
destes segurados privados (25% do total) estavam vinculados a planos de
assistência de servidores públicos civis ou militares.
A diferença urbano-rural da cobertura seria de 95% a 5%, respectivamente,
em relação ao total de cobertos.
A diferença de cobertura por sexo é pequena (25,7% homens e 23,0%
mulheres). Por faixas etárias, variou de 20,7% na população até 18 anos a 29,5%
na população de 40 a 64. Nos maiores de 65 varia de 26,1% para os homens e
28,2% para as mulheres.
A proporção de titulares no conjunto dos segurados foi de 41,9%. Para os
maiores de 65 anos, todavia, houve mais titulares do que dependentes, 54,7%.
Outras características, consideradas marcantes nos modelos de análise da
demanda de saúde que foram apresentados, serão detalhadas, a seguir: Para
tanto, se apoiará, tanto na síntese já efetuada pelo IBGE (IBGE, 2000a), quanto
em tabulações próprias a partir dos dados divulgados (CD ROM PNAD 1998).
3.4.1 - Morbidade, demanda e utilização de serviços de saúde
Como no estudo de Rice, McCall and Boismier (1991), citado anteriormente
e na pesquisa da SEADE/SP, os resultados da PNAD/98 sugerem a nãoexistência de uma relação positiva entre maior necessidade de saúdeexpressa por indicadores de morbidade percebida e maior cobertura deplanos de saúde. A cobertura de planos de saúde encontrada foi maior quando a
94
necessidade percebida foi menor: 25,9% na auto-avaliação de saúde "muito boa e
boa" contra 14,5% "ruim ou muito ruim".,
Como elemento de confusão, percebe-se que a morbidade referida, esteve
influenciada pelos padrões de reprodução social, como por exemplo, pela renda,
encontrando-se maior freqüência de alta morbidade nos estratos mais baixos.
Existiram diferenças:
• na percepção de estado de saúde “ruim e muito ruim” - 6,3%, para
renda familiar até 1 salário-mínimo (s.m.) contra 1,2% para mais de 20
s.m.;
• quanto a restrição de atividades das últimas 2 semanas por motivo de
doença - observam-se variações de 6% para os com renda familiar até
1 s.m. para 5% nos maiores do que 20 s.m.
A moradia ou, mesmo, o trabalho, poderia ser um outro fator de confusão,
pois embora o índice de satisfação com o próprio estado de saúde não tenha
variado para a população urbana em relação à rural (a morbidade seria a
mesma), a cobertura de plano de saúde é marcadamente distinta – 29,2% contra
5,8%, respectivamente.
Quanto às relações entre morbidade, demanda e utilização de serviços de
saúde, suas taxas são apresentadas no quadro 3.5:
Quadro 3.5: Morbidade, demanda e utilização dos indivíduos. Brasil, 1998
MORBIDADE* DEMANDA** UTILIZAÇÃOTOTALN.º % N.º % N.º %
TOTAL 158.232.252 9.962.165 6,3% 20.541.518 13,0% 20.129.225 12,7%
> 65anos
9.516.837 1.426.274 15,0% 2.102.715 22,1% 2.070.891 21,8%
Urbana 126.910.530 17.498.632 13,8% 17.157.179 13.5%
Rural 32.321. 722 3.042.886 9,4% 2.972.046 9,2%*definida por restrição das atividades nas últimas 2 semanas**pessoas que procuraram serviços de saúde nas últimas 2 semanasFonte: IBGE (2000a) - PNAD/1998 – Acesso e Utilização de Serviços de Saúde
O que este quadro indicaria de mais importante é a inexistência de barreiras
expressivas à utilização de serviços de saúde, o que ocorrerá quando se analisa
este indicador por tipo de serviço de saúde utilizado. Segundo os analistas da
95
PNAD, ..”a percentagem de demandas atendidas foi bastante elevada para
todos os níveis de rendimento familiar... A prevalência (da utilização de serviços)
observada para famílias de até 1 salário-mínimo foi de 97,0% passando para
99,7% para famílias com rendimento acima de 20 salários-mínimos”... 113 O
recurso utilizado varia, no entanto, com a renda, sugerindo diferentes
resolutividades, para cada categoria social: ...”existe uma alta correlação positiva
entre o acesso ao médico e o poder aquisitivo da população. Enquanto 49,7% das
pessoas de menor renda familiar declararam ter consultado médico nos últimos
12 meses, este valor sobe para 67,2% no caso daquelas pessoas com mais de
20 salários-mínimos de renda familiar”..114.·”
Indicaria, ainda, a inexpressiva diferença destas barreiras dentro das
condições urbana e rural de vida, a despeito da magnitude das taxas ser
diferente, como seria de se esperar, pela provável dificuldade de acesso, em
função da distância aos serviços de saúde (o efeito de deslocamento de
Musgrove, 1985). A situação específica da população maior de 65 anos
apresentar maiores taxas de utilização de serviços é esperada.
Excluindo-se da análise da utilização de serviços aqueles indivíduos cuja
procura se deu para marcação de consultas, perceberam-se as seguintes
relações:
• Os indivíduos com plano de saúde procuraram serviços majoritariamente para
exames de rotina, prevenção ou vacinação – 40,7%, contra 26,6% por doença
(observe-se que a sua morbidade medida pela auto-avaliação do estado de
saúde também é menor).
• Os indivíduos sem plano de saúde procuraram mais por doença – 37,1%,
sendo que 35,5% para “prevenção”. Mesmo sabendo que sua morbidade é
maior, é possível aqui levantar a hipótese de que a maior procura devido à
doença, desta categoria, possa refletir, ou uma maior dificuldade de acesso,
ou uma maior dificuldade de disposição sobre o próprio tempo. Neste caso, a
procura de serviços de saúde ocorreria nos casos mais extremos.
• As outras diferenças marcantes de procura entre as duas categorias foram
problema odontológico e tratamento ou reabilitação, acentuadamente maiores
para os cobertos por planos privados de saúde. A procura por acidente ou
113IBGE (2000a), p. 28114 Ibid, pp. 28-29
96
lesão não apresentou diferenças significativas entre os cobertos e não
cobertos. De fato, representam situações, em geral, de urgência, em que as
restrições que pesam sobre a demanda – distância, gastos – seriam
contrabalançadas pelo potencial benefício da atenção médica.
• 25% dos beneficiários de planos de saúde não foram atendidos pelo plano,
percentagem esta que é bem mais expressiva para problemas odontológicos –
62,7%. Grande parte destes ainda foi paga diretamente.
Embora, conseqüentemente, a morbidade percebida seja maior para as
populações de menor renda, as possibilidades de utilização de serviços,
principalmente aqueles que envolvam médicos, tratamento odontológico,
reabilitação e cuidados preventivos são menores.
Neste nível agregado de análise, suficiente apenas para fazer previsões
mais abrangentes, a maior morbidade percebida não implicou uma maior procura
por planos privados. Mantendo-se constantes as restrições de ordem sócio-
econômica para obter planos de saúde, a demanda possa variar com a
morbidade, seria o caso de um outro desenho de estudo, e/ou um outro recorte
dos dados da própria PNAD, utilizando os micro-dados.
3.4.2 - Trabalho
O trabalho enquanto uma categoria independente do financiamento direto
ou não do empregador para o plano de saúde, ou seja, a atividade, foi um
elemento essencial na definição da cobertura115: 80,1% dos titulares (com 10
anos ou mais) de seguros privados de saúde estavam ocupados na semana de
referência. Possibilitaria em todos os casos de afiliação, individual ou coletiva, ao
seguro, um padrão de consumo diferenciado à família trabalhadora. Dos titulares
maiores do que 10 anos, 9.904.664 obtiveram o seguro diretamente através do
trabalho (estatal e privado), 62,% do total. Destes, 8.851.538 estavam ocupados,
uma taxa de 89,4%. Em relação às formas de obtenção do plano entre os titulares
maiores do que 10 anos, observou-se que a taxa de ocupados era um pouco
menor – 73,3% entre os que obtiveram o plano de forma direta e bem menor
ainda – 30,9% entre os que obtiveram por outras formas. Estas, pelo seu
percentual elevado de não ocupados devem corresponder a pessoas cujos planos
115 O que já foi apontado em todos os estudos brasileiros sobre o assunto, como Médici (1990), Andreazzi (1991), Ocké
97
são pagos por terceiros. Sua participação, no entanto, no total de titulares, não foi
expressiva – 1.195.289 pessoas, 7,5% do total.
Quadro 3.6: Distribuição dos titulares de 10 anos ou mais com plano de saúdepor ramo de atividade. Brasil,1998
Ramo de Atividade Titulares com Planos de Saúde
N.º %
Não Ocupadas na Semana de Referência 3 166 654 19,9
Social 2 539 017 16,0Indústria de Transformação 2 518 770 15,8Comércio de Mercadorias 1 641 749 10,3Administração Pública 1 593 040 10,0Prestação de Serviços 1 151 092 7,2
Serviços Auxiliares da Atividade Econômica 873 909 5,5Transporte e Comunicação 773 053 4,9Outras Atividades, Atividades Mal Definidas ou Não
Declaradas.642 894 4,0
Outras Atividades Industriais 373 592 2,4Agrícola 335 916 2,1Indústria da Construção 286 782 1,8TOTAL 15 896 988 100 Fonte: CD ROM PNAD/98 – IBGE
A distribuição dos titulares maiores do que 10 anos por ramos de atividade é
vista no quadro 3.6. Dividindo-se estes valores pelo número de indivíduos maiores
do que 10 anos, obtido na própria PNAD, por ramo de atividade, foi possível
perceber que a cobertura de planos de saúde variou bastante, sendo mais alta na
administração pública – 49,6% - e mais baixa na agrícola – 2,1% (quadro 3.7).
(1995), Almeida (1998), Bahia (1999).
98
Quadro 3.7: Cobertura de planos de saúde entre os indivíduos maiores do que 10 anos por ramo de atividade. Brasil, 1998
Ramo de Atividade População >10 Anos
Titulares comPlanos de Saúde
Taxa de Cobertura de Planos de
SaúdeSocial 6 727 273 2 539 017 37.7%Indústria deTransformação 8 230 597 2 518 770 30.6%Comércio deMercadorias 9 416 999 1 641 749 17.4%Administração Pública 3 212 689 1 593 040 49.6%Prestação de Serviços 13 393 572 1 151 092 8.6%
Serviços Auxiliares da Atividade Econômica
2 706 949 873 90932.3%
Transporte eComunicação 2 786 601 773 053 27.7%Outras Atividades,Atividades MalDefinidas ou NãoDeclaradas
1 308 766 642 894 49.1%
Outras AtividadesIndustriais 861 609 373 592 43.4%Agrícola 16 338 100 335 916 2.1%Indústria da Construção 4 979 958 286 782 5.8%
Fonte: CD ROM PNAD/98 – IBGE
No total, 60% dos titulares dos planos têm financiamento integral (13,2%) ou
parcial (46%) do empregador. Mas através das formas de obtenção do plano de
saúde, se vê que a participação do empregador, seja estatal, ou privado, foi
diferente, conforme os ramos de atividade. Os titulares maiores do que 10 anos
que declararam que esta obtenção se dava de forma direta representaram 37,6%
do total. Por categoria de atividade, esta forma variou entre o ramo agrícola, que
representou 59,9%, comércio de mercadorias, 50,2% e prestação de serviços,
52,8%. Isto também ocorreu naqueles que se disseram não ocupados, com
66,7% do total. Ao contrário do que ocorreu com a indústria de transformação,
outras atividades industriais, transportes e comunicações e administração pública,
em que houve uma maior participação do trabalho na obtenção do plano. O caso
extremo foi o ramo outras atividades industriais, onde apenas 6,7% do total
obtiveram diretamente o plano (gráfico 3.2).
99
Fonte: CD ROM PNAD/98 – IBGE
3.4.3 Renda
Segundo os analistas da própria PNAD, ..."Observa-se uma associação
positiva entre cobertura do plano de saúde e renda familiar"...116 : 2,6% nos de
enda menor que 1 salário-mínimo contra 76% nos de 20 ou mais (gráfico 3.3).
116 IBGE (2000a) p. 23
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Gráfico 3.2: Formas de obtenção de planos de saúde dos titulares. Brasil, 1998
0%
20%
40%
60%
80%
100%
AGR
ÍCO
LA
IND
ÚSTR
IA DE TR
ANSFO
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AÇÃO
IND
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AÇÃO
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���Plano de Assistência ao Servidor Através do trabalho
���Direto Outros
100
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Gráfico 3.3: Brasil. Cobertura de planos de saúde por faixas de renda familiar, 1998
ATÉ 1
SAL.MÍN
MAIS D
E 1 A 2
SAL.MÍN
.
MAIS D
E 2 A 3
SAL. MÍN
.
MAIS D
E 3 A 5
SAL.MÍN
.
MAIS D
E 5 A 10
SAL.MÍN
.
MAIS D
E 10 A 20
SAL.MÍN
.
MAIS D
E 20 SAL.M
ÍN.
SEM R
ENDIMENTO
SEM D
ECLARAÇÃO
Não cobertos����
Cobertos
Fonte: CD ROM - PNAD/1998 - IBGE
Das faixas de renda, o quanto é atribuído ao trabalho, vê-se a seguir (quadro
3.8). Assim, a relação do vínculo trabalhista com cobertura de planos de saúde é
menor para a faixa de renda maior do que 10 salários-mínimos, com respeito
àquelas menores de 10.
Quadro 3.8: Situação dos titulares por classes de renda e forma de acesso ao plano de saúde. Brasil, 1998. (em %)
Classes de rendimento Através do trabalho OutrosTotal 59,1 40,9Até 5 sm. 64,6 35,45-10 sm. 64,0 36,0>10 sm. 55,1 44,9
Fonte: IBGE/PNAD 1998
3.4.4 - Outras características
a) Participação de gastos com plano de saúdeDos titulares, 23,3% não desembolsaram nenhum valor para planos de
saúde. Surpreendentemente, a proporção para os que obtêm ou não seguro
através do trabalho não foi muito desigual: 22,2% e 25,0%, respectivamente.
Estes últimos, no entanto, devem corresponder majoritariamente à categoria
101
“Outros”, contendo uma parcela cujos planos devem ter sido pagos por terceiros.
Embora a participação dos titulares no financiamento do plano tenha variado
positivamente com a renda, o trabalho esteve associado a uma carga menor de
despesas das famílias com planos privados de saúde, em todas as faixas de
renda, como se vê no gráfico 3.4:
Fonte: CD ROM - PNAD/1998 - IBGE
Dos titulares com acesso a planos por outros meios, que não o trabalho, o
desembolso mensal variou positivamente com a renda. Assinala-se que, para os
planos contratados diretamente com a seguradora, 90% daqueles situados na
faixa de renda abaixo de cinco salários mínimos desembolsaram até 50 reais
mensais. Para a faixa de 5 a 10 salários-mínimos, até 100 reais mensais e acima
de 10 salários, até 200 reais mensais.
b) Tipos de planos
A modalidade de contrato de seguro privado de saúde mais freqüente
permitia ao segurado usar redes próprias e credenciadas de assistência à saúde,.
Importante notar a existência de uma segmentação importante do mercado
que, como veremos, terá como contrapartida uma intensa diferenciação do
produto “seguro privado de saúde”: por tipo de cobertura oferecida, pela dimensão
Gráfico 3.4: % acumulado de titulares que apresentaram desembolsos com o plano de saúde, por afiliação individual ou através do trabalho. Brasil, 1998
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Até 30 reais Até 50 reais Até 100 reais Até 200 reais Até 300 reais Até 500 reais
%
Individual - Até 5salários-mínimos
Individual 5 - 10 s.m.
Individual - Mais doque 10 s.m.
Trabalho - Até 5salários-mínimos
Trabalho - 5 – 10sm.
Trabalho - Mais doque 10 sm.
102
da rede de serviços, possibilidades de escolha, qualidade desta rede, entre
outros, consagrada, inclusive na legislação - Lei 9656/98. Como esta
segmentação pode corresponder a algumas características da demanda, vê-se a
seguir (tabela 3.2):
Tabela 3.2: Titulares por tipo de cobertura a que tem direito e classes derendimento.
Só consultamédica
Cons. +exames
Sóinternações
Cons. + ex. +internações
Renda Total
N.º % N.º % N.º % N.º %
até 1sm
117781 3828 3,3% 8912 7,6% 518 0,4% 102790 87,3%
1-2 sm 434315 12581 2,9% 44720 10,3% 1555 0,4% 364060 83,8%
2-3 sm 716497 22322 3,1% 76501 10,7% 2285 0,3% 598754 83,6%
3-5 sm 2140461 49083 2,3% 155172 7,2% 12816 0,6% 1869810 87,4%
5-10sm
4541190 61826 1,4% 244072 5,4% 22206 0,5% 4124926 90,8%
10-20sm
4053462 28664 0,7% 156366 3,9% 25544 0,6% 3769675 93,0%
maisde20 sm
3392121 9322 0,3% 50944 1,5% 27517 0,8% 3272333 96,5%
s/ rend 69232 510 0,7% 6105 8,8% 0 0,0% 61955 89,5%
s/ decl. 642804 3562 0,6% 12379 1,9% 5908 0,9% 611989 95,2%
Total 16107863 191698 1,2% 755171 4,7% 98349 0,6% 14776292 91,7%
Fonte: CD ROM PNAD/1998 – IBGE
Dos beneficiários de planos privados de saúde, 91,7% possuíam cobertura
para consultas, exames complementares e internações, o tipo mais
freqüentemente encontrado para todas as faixas de renda: ...”A distribuição deste
tipo de plano é semelhante nos titulares do sexo masculino e feminino e nos
103
diferentes grupos etários’117... As diferenças de cobertura deste tipo de plano, por
renda, não foram tão acentuadas como ocorreu nos tipos “apenas consultas” e
“consultas e exames”. No primeiro a diferença da taxa de cobertura entre os
titulares com renda familiar de mais de 20 salários-mínimos e os até 1 salário foi
de 0,3% a 3,3%, respectivamente, variando neste intervalo inversamente à renda.
Isto também ocorreu no tipo “consultas e exames, que apresentou uma diferença
ainda mais acentuada, de 1,5% para mais de 20 salários – mínimos para 10,7%,
entre 2 e 3 salários.
A ausência do empregador como financiador parcial ou total do plano de
saúde não mudou as características da cobertura. Um padrão similar também foi
encontrado para os titulares que pagam diretamente o plano: 91,4% possuíam
cobertura integral, 1,5% apenas consultas e 4,6% consultas e exames.
Dos planos de consulta médica apenas, a maioria dos que pagavam (66%)
desembolsava até 30 reais com a mensalidade do plano de saúde. Quando o
plano cobria apenas internação, cerca da metade pagava até 50 reais. Os planos
integrais tiveram uma distribuição mais uniforme entre as faixas de renda, sendo
que 68% dos pagantes desembolsavam até 100,00 reais.
c) Presença de co-pagamento
De modo geral, foi pequena a percentagem de titulares que referiram um
desembolso adicional por utilização de serviços, 3,46 milhões de pessoas, 21,4%
do total. No entanto, isto foi muito mais freqüente nos planos apenas com
consulta médica, onde 38,5% dos titulares fizeram este desembolso.
3.4.5 – Efeitos de localização – a distribuição regional da demanda por segurosde saúde
A análise da utilização de serviços, extraída dos dados da PNAD/98, revelou a
existência de uma demanda reprimida para serviços de saúde, principalmente
para a população rural e uma importante dificuldade de acesso para atenção à
saúde que envolva médicos. Estes problemas estiveram distribuídos não
uniformemente entre os estratos de população analisados, sendo associados
principalmente às distintas condições de vida.
117 IBGE (2000a) p. 25.
104
Relações mais refinadas entre cobertura de planos de saúde e utilização de
serviços de saúde poderão ser extraídas da análise do micro-dado da PNAD, o
que não estava previsto neste trabalho.
A utilização está condicionada, por sua vez, pela oferta de serviços de
saúde, sua base material efetiva, que não pode ser avaliada a partir da
população e, sim, da capacidade instalada existente. A oferta de serviços de
saúde é uma categoria, na maior parte, local ou regionalmente referenciada,
pois, como se verá adiante, os serviços de saúde enquadrar-se-iam como de
proximidade. Sua influência sobre a demanda é mais bem verificada a partir de
suas configurações regionais ou locais. Os indicadores da PNAD, no entanto,
de acordo com os seus procedimentos metodológicos, não alcançam
representatividade a níveis mais descentralizados do que as Regiões
Metropolitanas e interior dos Estados. Por outro lado, a oferta de empresas
seguradoras influencia nas possibilidades de obtenção do seguro.
Derivados dos modos como se difundiram regionalmente as condições de
reprodução da sociedade brasileira, os indicadores de oferta de serviços e de
empresas de seguros de saúde, assim como os indicadores econômicos e
sociais mais gerais, encontram-se diferentemente alocados no território.
Mesmo não sendo aqui aprofundados, pela sua complexidade, a não ser num
nível de análise ampla e difusamente compartilhado, é possível tentar
estabelecer algumas relações entre esta oferta e a cobertura de planos de
saúde.
Assim, a PNAD98 confirmou outras pesquisas oficiais (como a PPV/IBGE
1997118) e não oficiais, tais como dados da ABRAMGE119 quanto à distribuição
desigual da cobertura de planos de saúde entre as Regiões brasileiras. Mostrou
também que houve diferenças entre as Regiões Metropolitanas e o interior
(quadro 3.9).
Uma análise inicial da PNAD/98 apontaria para as clássicas disparidades
Sudeste/Nordeste, em termos desta cobertura. Seus resultados para a Região
Metropolitana de São Paulo, de 44,9%, estiveram bastante próximos dos obtidos
118 Em Bahia (1999) e Mendes (2000)119 www.abamge.com.br e, também, www.ans.saude.gov.br. Também Almeida (1998)
105
pela Fundação SEADE neste mesmo ano120. Para o interior deste Estado, de
34%, foram um pouco menores do que esta última fonte (quadro 3.10).
Quadro 3.9: Cobertura de Planos de Saúde – 1998
Região Total CobertosTaxa de
coberturaRegião Norte 7.555.722 1.324.681 17,5Belém 959.609 301.000 31,4Restante 6.596.113 1.023.681 18,3
Região Nordeste 45.727.682 5.674.780 12,4Regiões Metropolitanas 8.656.609 2.447.375 28,3Restante 37.071.073 3.227.405 8,7
Região Sudeste 68.982.576 22.995.467 33,4Regiões Metropolitanas 31.514.038 12.859.596 40,8Restante 37.468.538 10.135.871 27,1
Região Sul 24.223.412 6.132.643 25,3Regiões Metropolitanas 5.859.471 2.084.035 35,6Restante 18.363.941 4.039.608 22,0
Região Centro-Oeste 11.000.575 2.481.465 22,6Brasil 157.489.967 38.609.036 24,5
Fonte: CD ROM PNAD/Saúde 1998/IBGE
Quadro 3.10: Cobertura de planos de saúde nas regiões metropolitanas – 1998
REM TotalPopulação
coberta % TitularesBelém 959609 301000 31,4 136724Fortaleza 2720937 623334 22,9 282226Recife 3123835 890182 28,5 379544Salvador 2811837 933859 33,2 403880Belo Horizonte 3979852 1431696 36,0 632079Rio de Janeiro 10386140 3742585 36,0 1639743São Paulo 17148046 7685315 44,9 3452307Curitiba 2530159 887063 35,1 382228Porto Alegre 3329312 1196972 36,0 525548
Fonte: CD ROM PNAD/Saúde 1998/IBGE
A partir da visualização do gráfico 3.5, se tentou uma redivisão que
agrupasse regiões que tendessem para uma homogeneidade em termos da
cobertura de planos privados de saúde. O agrupamento obtido, embora
subestime, um pouco, a Região Metropolitana de São Paulo e superestime as de
120 Ver RAS, vol. 2, no 8, jul-set, 2000, pp. 3-8.
106
Fortaleza e Recife, pode ser operacionalizável e não está muito longe das
coberturas encontradas (quadro 3.11):
Quadro 3.11: Cobertura de Planos de Saúde por regiões agregadas– 1998
Regiões População CobertosTaxa de
cobertura(%)
Regiões Metropolitanas da PNAD/98 46.989.727 17.692.006 37,7
Sudeste, Sul e Centro-Oeste (s/ Reg.Metr.) 66.833.054 16.656.944 24,9
Norte e Nordeste (s/ Reg.Metr.) 43.667.186 4.251.086 9,7 Fonte: CD ROM PNAD/Saúde 1998/IBGE
Refletiu-se, a partir destas diferentes coberturas de planos de saúde, que
características regionais da oferta de serviços de saúde poderiam explicar as
diferenças. Para as Grandes Regiões pudemos visualizar algumas relações desta
cobertura com indicadores de capacidade instalada de serviços de saúde,
públicos e privados, gastos públicos e número de operadoras de planos de saúde.
Efetuaram-se, para efeitos de validação do modelo, relações com variáveis, para
as quais já estavam conhecidas as associações com a demanda por planos de
saúde, ao nível do indivíduo, através dos próprios dados da PNAD/1998:
educação, renda, trabalho e demográficas e que encontram respaldo na literatura
nacional e internacional revisada no início deste capítulo. Acima de tudo, a
utilização deste procedimento metodológico teve como objetivo apenas
hierarquizar elementos associados à cobertura por planos de saúde no Brasil,
com vistas a discutir os cenários. O resumo dos dados encontrados é
apresentado no quadro 3.12:
107
Quadro 3.12 : Relações entre cobertura de planos de saúde e variáveisdemográficas e sócio-econômicas selecionadas. Brasil, 1998
Total N NE SE S COCobertura de planos de saúde (%)(1) 25 18 12 33 25 23Até 3 anos de instrução (%)(2) 33,2 35,1 51,2 25,1 24,6 29,7Taxa de atividade (%)(2) 60,2 57,2 60,2 58,3 65,1 63,4Contribuintes (%)(2) 44,3 35,3 25,2 56,8 48,7 41,9Rural (%)(1) 20,4 0,0 36,5 11,3 22,0 18,460 anos ou mais (%)(1) 8,8 6,0 8,5 9,6 9,0 6,5> 10 salários (%)(2) 6,7 6,7 2,8 9,4 6,6 7,6Rendimento médio mensal (em R$)(2) 314 246 176 391 349 334Leitos por 1000 hab (1). 3,0 2,2 2,7 3,0 3,3 3,5% leitos privados sem SUS 16,7 27,4 10,4 21,6 9,6 16,7Operadoras com registro provisório na ANS(07/2000) 2722 80 323 1692 472 155N. empresas de medicina de grupo 701 24 70 448 117 42
Gasto do SUS com assistência à saúde(1998, em bilhões de reais) 8.8 0,4 2,2 4,2 1,5 0,6
Fonte: PNAD Suplemento Saúde 1998 IBGE, e CD ROM PNAD 1998/IBGE Nota: (1) percentual sobre a população geral (2) percentual sobre maiores de 10 anos
a) Oferta de serviços de saúde– não é muito nítido o efeito da maior cobertura
de leitos. Quanto à proporção de leitos privados sem SUS, parece não
haver relação (gráfico 3.6).
Gráfico 3.6: Leitos por 1000 hab. e cobertura de planos de saúde por Grandes Regiões. Brasil, 1998/1999
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
0 5 10 15 20 25 30 35Cobertura de planos de saúde
Fonte: AMS 1999/IBGE; CD ROM PNAD/1998
108
Gráfico 3.7: % leitos privados sem convênios com o SUS e cobertura de planos de saúde por Grandes Regiões.
Brasil, 1998
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
0 5 10 15 20 25 30 35
Cobertura de planos de saúde
CD ROM PNAD/1998; Datasus (www.datasus.gov.br)
b) Oferta de operadoras de planos de saúde – O gráfico 3.8 e 3.9 sugeriram
uma relação positiva entre cobertura e número de operadoras, e também
número de empresas de medicina de grupo.
Gráfico 3.8: Número de operadoras de planos de saúde com registro provisório na ANS (em 2000) e cobertura de planos
de saúde por Grandes Regiões. Brasil, 1998
0
500
1000
1500
2000
0 5 10 15 20 25 30 35
Cobertura de planos de saúde
Fonte: ANS (www.ans.saude.gov.br); CD ROM PNAD/1998
109
Gráfico 3.9: Número de empresas de medicina de grupo e cobertura de planos de saúde por Grandes Regiões.
Brasil, 1998
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
0 5 10 15 20 25 30 35
Cobertura de planos de saúde
Fonte: ABRAMGE (www.abramge.com.br); CD ROM PNAD/1998
c) Gasto do SUS – Com a exceção de um “outlier”, parece haver uma relação
positiva. Isto pode estar refletindo que a maior complexidade de serviços
de saúde possa estar associada a presença de um maior nível de
financiamento privado, o que aumentaria o gasto público com a compra
destes serviços privados (gráfico 3.10).
Gráfico 3.10: Gasto do SUS com assistência à saúde (em bilhões de reais) e cobertura de planos de saúde por
Grandes Regiões. Brasil, 1998
012345
0 5 10 15 20 25 30 35Cobertura de planos de saúde
Fonte: Datasus (www.datasus.gov.br); CD ROM PNAD/1998
110
c) Escolaridade – Há uma relação negativa: quanto maior a cobertura, menor
a proporção de indivíduos com pouca escolaridade, até um ponto de
estacionamento, em torno de 20% (gráfico 3.11).
Gráfico 3.11: População com até 3 anos de estudo (%) e cobertura de planos de saúde por Grandes Regiões.
Brasil, 1998
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
0 10 20 30 40
Cobertura de planos de saúde
Esco
larid
ade
Fonte: CD ROM PNAD/1998
d) Atividade – Parece não haver qualquer relação (gráfico 3.12), o que não
ocorre com aquelas atividades em que existe uma proteção social oficial ao
trabalho, como se pode ver quanto à contribuição para a Previdência
Oficial (gráfico 3.13).
Gráfico 3.12: Taxa de atividade (%) da população e cobertura de planos de saúde por Grandes Regiões.
Brasil, 1998
56,0
58,0
60,0
62,0
64,0
66,0
0 5 10 15 20 25 30 35Cobertura de planos de saúde
Fonte: CD ROM PNAD/1998
111
Gráfico 3.13: Contribuintes de Previdência oficial (%) e cobertura de planos de saúde por Grandes Regiões.
Brasil, 1998
0,010,020,030,040,050,060,0
0 5 10 15 20 25 30 35Cobertura de planos de saúde
Fonte: CD ROM PNAD/1998
e) População rural – retirando-se a Região Norte em que a PNAD somente
cobre as áreas urbanas, há uma relação negativa com a cobertura de
planos de saúde, confirmando o encontrado para os indivíduos: quanto
maior a cobertura, menor o percentual de população rural no total (gráfico
3.14).
Gráfico 3.14: Participação da população rural (%) e cobertura de planos de saúde por Grandes Regiões.
Brasil, 1998
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
0 5 10 15 20 25 30 35
Cobertura de planos de saúde
Fonte: CD ROM PNAD/1998
f) População maior do que 60 anos – o efeito é incerto como também ocorre
nas tabulações da PNAD/98, tendo como base os indivíduos e famílias
(gráfico 3.15).
112
Gráfico 3.15: População de 60 ou mais (%) e cobertura de planos de saúde por Grandes Regiões. Brasil, 1998
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
12,0
0 5 10 15 20 25 30 35Cobertura de planos de saúde
Fonte: CD ROM PNAD/1998
g) Renda – tanto a proporção de população com renda familiar igual ou maior
do que 10 salários-mínimos quanto o rendimento médio mensal, tem
relação positiva (gráfico 3.16 e 3.17).
Gráfico 3.16: Renda familiar igual ou maior do que 10 salários-mínimos (%) e cobertura de planos de saúde
por Grandes Regiões. Brasil, 1998
0,02,04,06,08,0
10,0
0 5 10 15 20 25 30 35Cobertura de planos de saúde
Fonte: CD ROM PNAD/1998
113
Gráfico 3.17: Rendimento familiar médio mensal (em R$) e cobertura de planos de saúde por Grandes Regiões.
Brasil, 1998
50
100
150
200
250
300
350
400
450
0 5 10 15 20 25 30 35Cobertura de planos de saúde
Fonte: CD ROM PNAD/1998
Revelaram-se, assim, sugestivas de relação as variáveis de escolaridade,
contribuição à previdência, renda e participação da população rural no total. O
percentual de pessoas maiores de 60 anos revelou-se dúbio. O que confirma as
análises ao nível do indivíduo e da família, a partir da PNAD/98. A oferta de
serviços de saúde e os gastos públicos de saúde, neste nível agregado de
análise, seriam pouco potentes para explicar as coberturas privadas. A oferta de
operadoras de planos de saúde parece estar associada.
Procurou-se verificar como se comportavam as coberturas de seguros
privados de saúde para um nível mais desagregado da oferta. Para a taxa de
leitos por 1000 hab., notou-se, ainda, não haver diferenças significativas entre as
Regiões Metropolitanas e o restante do Sul-Sudeste e Centro-Oeste, embora, ao
nível local, elas possam ser mais díspares. Por outro lado, a maior privatização do
financiamento da saúde nas Regiões Metropolitanas deve estar explicando o
percentual de leitos sem relação com o SUS, aí mais expressivo (quadro 3.13).
114
Quadro 3.13: Cobertura de planos de saúde e indicadores de oferta. Regiõesselecionadas, 1998
Cobertura deplanos de saúde
(%)Leitos1000hab (1999)
% leitos privados nãoSUS (1999)
Regiões Metropolitanas daPNAD/98 37,7 3,00 21,59Restante Sudeste, Sul eCentro-Oeste 24,9 3,33 8,44
Restante Norte e Nordeste 9,7 2,78 6,34 Fontes: CD ROM PNAD/Saúde 1998/IBGE; AMS/IBGE 1999
Poderiam, ainda, haver diferenças regionais de cobertura nas mesmas
faixas de renda, particularmente nas mais elevadas, onde seria maior a
possibilidade de obtenção de seguro privado, na ausência da intermediação do
trabalho (tabela 3.3)?
Tabela 3.3: Distribuição dos Cobertos por planos privados de saúde segundorenda. Regiões selecionadas, 1998
R. Metr. Restante SE,S e CO
Restante N e NE TotalClasses deRenda
N.º Taxa(%)
N.º Taxa(%)
N.º Taxa(%)
N.º Taxa(%)
Até 1 sm. 153 575 8 147 718 3 87 546 1 388 839 31-2 sm 428 723 10 532 822 6 242 891 2 1 204 436 52-3 sm 736 633 16 835 922 10 337 114 5 1 909 669 93-5 sm 2 327 058 26 2 549 470 18 719 098 11 5 595 626 195-10 sm 4 780 031 41 4 939 694 33 1 215 616 26 10 935 341 3510-20 sm 3 965 822 59 4 251 592 52 924 358 46 9 141 772 54Mais que 20 sm 4 027 054 82 3 069 053 72 627 742 62 7 723 849 76s.rendimento 145 865 10 91 395 6 42 085 3 279 345 6s.declaração 1 080 699 49 264 754 31 64 178 7 1 409 631 35
Total17 645
460 38 16 682 420 25 4 260 628 10 38 588 508 25Fonte: CD ROM PNAD/Saúde 1998, IBGE
A tabela acima mostra que, não apenas existiram estas diferenças, entre
Regiões, como as mais pronunciadas se deram na faixa maior do que 20 salários-
mínimos. Poderíamos considerar ser esta uma das poucas possibilidades deexpansão da demanda identificadas. Pois, ao considerar a hipótese da
cobertura individual, nesta faixa de renda, isto poderia se contrapor à estagnação
pelo lado dos impactos da conjuntura econômica recessiva sobre o faturamento
das empresas e o nível do emprego formal. Mas isso já faz parte da análise.
115
Neste ponto, poderíamos voltar a pergunta inicial formulada, se
poderíamos considerar que o limite atual para a expansão da cobertura de planos
privados ter chegado ao seu desenvolvimento máximo nas Regiões
Metropolitanas, destacando-se a de São Paulo. Pois aqui a estabilidade desta
cobertura alcança mais de uma década. Poderia o patamar alcançado em São
Paulo ser atingido pelas outras áreas geográficas do país? E, o importante desvio
do financiamento da empresa empregadora ao próprio indivíduo, também, poderia
ser considerado uma tendência mais geral?. O que diferenciaria estas áreas entre
si? Não entrando aqui nos determinantes históricos de sua especificidade,
trabalharemos aqui com os indicadores de ocupação e renda, que foram
considerados entre os mais expressivos para a discussão da demanda por planos
privados de saúde, buscando avaliar o desenvolvimento futuro do mercado.
Comparamos, em primeiro lugar, a distribuição da população por faixas de renda
familiar per-capita das metrópoles com as demais Regiões (gráfico 3.18).
Gráfico 3.18: Freqüência acumulada da população por faixas de renda, 1998
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
120,0
até 1 sm. até 2 sm. até 3 sm. até 5 sm. até 10sm.
até 20sm.
mais doque 20
sm.
REM
Restante S-Se-CO
Restante N-NE
Fonte: CD ROM PNAD 1998/IBGE
Nota-se:
• que a população com mais de 20 salários-mínimos não apresenta diferenças
expressivas entre as Regiões selecionadas, quanto à sua participação
percentual;
• que a distribuição da população nas Regiões Metropolitanas/REM se
assemelha ao restante do Sul/S e Sudeste/SE e da Região Centro-Oeste/CO,
116
mas apresenta uma diferença significativa no restante do Norte e Nordeste,
principalmente nas faixas entre 2 e 10 salários-mínimos. As diferenças de
cobertura encontradas entre as REM e o restante do SE,S e CO podem estar
relacionadas à participação da população rural, ao porte e ramos de
atividades das empresas, assim como, a formalização do mercado de
trabalho. Como já foi identificada acima, uma variável relevante que pode
explicar estas diferenças é o percentual dos ocupados que contribuem para
previdência oficial. Sua distribuição pelas categorias regionais selecionadas
pode ser vista abaixo.
Quadro 3.14: Taxa de contribuição a Previdência dos Ocupados, por Regiõesselecionadas
Região %Regiões Metropolitanas 61,0RM São Paulo 64.7Restante SE, S e CO 47,6Restante N e NE 22,1Fonte: CD ROM PNAD/98 - IBGE
Não pareceu ser tranqüila a possibilidade de igualar as coberturas entre as
três categorias regionais trabalhadas, em condições constantes, na medida das
diferenças atuais importantes, na renda, nas condições de urbanização e de
trabalho.
A análise global dessas pesquisas permite-nos concluir que, seja a partir
dos modelos explicativos da demanda por seguros privados de saúde centrados
nas relações sociais, seja num referencial ortodoxo, a partir das preferências do
consumidor, dois elementos pareceram ter uma importância crucial nas
probabilidades do indivíduo estar ou não coberto por seguros privados de saúde
no Brasil, na década de 90, segundo pesquisas de base populacional oficiais: suaposição no mercado de trabalho e sua renda. Essas características nãoexplicam mas podem refletir padrões de reprodução social de classe. O que
permitiria desenhar cenários a partir do comportamento presumível das variáveis
mais relevantes.
Antes, todavia, é necessário explicitar, de modo mais preciso, como se
percebe a articulação deste nível de apreensão da realidade – o empírico
quantitativo - com os marcos mais globais de desenvolvimento da sociedade
brasileira, do ponto de vista da produção e das políticas. A partir da discussão dos
117
modelos prevalentes de análise da demanda em saúde, será explicitado aquele a
ser utilizado.
IV –CONSTRUÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE DA DEMANDA EM SAÚDE
3.5 – Análise crítica dos modelos explicativos da demanda em saúde
Não foram, de todo, satisfatórios para o entendimento de uma crescente
procura por atenção privada à saúde os modelos explicativos mais conhecidos no
Brasil, apresentados no início deste capítulo. Tampouco a leitura isolada dos
dados, que se prestariam a diferentes relações de causa-efeito.
Os estudos populacionais de demanda aqui examinados, de certa forma,
poderiam corroborar as explicações de corte econômico neoclássico e, também,
os estudos descritivos efetuados no Brasil quanto à importância das variáveis de
moradia (as diferenças urbano/rurais), renda e trabalho, na demanda por planos e
por serviços de saúde.
Uma das principais debilidades deste enfoque, centrado no indivíduo, é
que, no caso dos seguros privados de saúde, no Brasil e outros países, não é ele
quem decide sobre a aquisição destes tipos de cobertura. No estudo da
FIOCRUZ/FGV de 1997, quando se inquiriu acerca do motivo para uma cobertura
“extra-SUS”, a maior parte das famílias, particularmente na categoria 50% mais
pobres, alegou o financiamento da empresa.
Mesmo que não centradas no individualismo metodológico, algumas
assertivas da teoria da demanda neoclássica se aproximam, implicitamente, dos
outros modelos explicativos sobre o assunto no Brasil. Ao descartarem o papel da
oferta na criação de “necessidades sociais de consumo”, não se afastariam, no
fundamental, ou seja, nas conseqüências práticas, da teoria da utilidade. As
“preferências” do consumidor justificariam, assim, porque determinadas
categorias de renda ou de trabalhadores seriam mais ou menos cobertas por
seguros privados de saúde, ou mesmo demandariam serviços privados de saúde,
de forma diferenciada.
118
No entanto, as análises mais tradicionais da Saúde Coletiva brasileira, da
década de 70121, já haviam dado conta da relação entre necessidade, demanda e
oferta em saúde. Valeria a pena retomá-las, na falta de abordagens mais
completas posteriores. Em primeiro lugar, assumem a existência de necessidades
humanas122. Para que estas se tornem necessidades sociais de consumo, há que
se haver uma oferta correspondente, que atue sobre os impulsos iniciais e
indistintos dos homens no sentido de moldá-los aos seus interesses. Influência
esta se dando, em geral, ao nível do cultural e do ideológico.
Assim, reparação da saúde seria uma necessidade humana. Assim como
concretizá-la com mais ou menos conforto, uso do tempo, etc., características
estas relacionadas com as formas diferenciadas de viver entre os homens, por
sua vez, derivadas do grau de diferenciação social. Realizá-la através de tais e
quais serviços privados, intermediados por tais e quais planos de saúde não são
fatos que dependam de preferências natas do consumidor, mas da organização
da oferta. Assim, como já apontava, inclusive, Musgrove (1985), os agentes
econômicos produtores de bens e serviços, ou seja, a oferta, exercem um papel
fundamental na estruturação e dinâmica do mercado. Além disso, não seria
possível isolar a demanda privada por cobertura de riscos com saúde das formas
coletivas engendradas pelo Estado, podendo-se até afirmar que os serviços
públicos sejam um bem substitutivo (discussão que será aprofundada mais à
frente). A demanda, como vimos, é dependente da posição que o indivíduo ocupa
dentro do sistema de produção, que limita as suas possibilidades de reprodução
material, inclusive o próprio perfil de necessidades de saúde, expresso numa
morbidade apresentada. As restrições orçamentárias não seriam um acidente de
percurso do modelo da demanda, mas um dos fatores decisivos para a
configuração das suas “preferências”.
Por outro lado, das relações sociais estabelecidas emergem os sistemas
políticos e culturais que não apenas influenciam as preferências, como a canastra
de bens e serviços a serem demandados aos setores cujas decisões são da
alçada ou das finanças públicas, ou do indivíduo/família. Breilh (1995) extrai um
conceito interessante dos estudos de Torrado publicados em 1983 sobre
121 Como a de Cordeiro (1980)122 Provenham elas do estômago ou da fantasia, ou seja, das necessidades de reprodução da vida humana, materiais ou deordem subjetiva (ver Marx, O Capital, livro I)
119
consumo familiar, que explicariam a ação dos sujeitos: estratégias de vida ou desobrevivência, derivadas das relações entre produção e consumo de distintas
classes sociais. A definição social acerca da responsabilidade pública ou privada
também conta entre as esferas privilegiadas dos ofertantes de serviços, do ponto
de vista de suas estratégias de competição. Para esta abordagem, portanto, o
estudo dos padrões de demanda implica levar em conta a oferta: as políticas e os
serviços de saúde, públicos e privados.
Entenderia, além disso, esta abordagem, a ação humana como processo
coletivo, mediado por uma consciência disputada pelas ideologias em choque.
Estas, por sua vez, representam interesses materiais concretos.
Tentando operacionalizar esta vertente de análise no caso da saúde,
pensa-se necessário levar em conta as informações que apontem tendências pelo
lado:
• Das necessidades, expressas do ponto de vista epidemiológico e do
ponto de vista de sua representação nas reinvidicações das camadas
sociais envolvidas.
• Da demanda – como ato do indivíduo, inserido num contexto de ações
e lutas sociais.
• Da oferta - respostas do Estado e dos agentes econômicos ofertantes,
seja por suas estratégias competitivas no mercado, seja através da
ação coletiva de suas entidades de representação.
Os estudos quantitativos são vistos, neste caso sob um novo enfoque. São
uma aproximação parcial da realidade, não dando conta convenientemente, dos
aspectos subjetivos dos sujeitos sociais, suas motivações, as mediações entre as
condições de vida material e suas representações ao nível da consciência. As
correlações entre as variáveis não estão permeadas por um empirismo
aparentemente desprovido de marcos teóricos, mas entram numa relação
dialética com as construções teóricas sobre a realidade, permitindo que sua
aproximação científica ocorra em níveis mais elevados.
Com isso, faz-se, também, possível retomar à literatura brasileira mais
recente sobre o assunto: a vertente que enfatiza as relações sociais ao invés do
indivíduo. Explicitamente, ela não toma como referência a teoria da utilidade,
como o faz grande parte da literatura internacional atual da Economia da Saúde.
No entanto, mesmo o mais complexo debate brasileiro não é desprovido de
120
conflitos. Ao final, exporemos como estaremos aplicando as interações por nós
percebidas entre oferta, demanda e necessidade, na análise concreta dos
seguros privados de saúde.
3.6 – Contribuindo para o debate brasileiro sobre a demanda por seguros
privados de saúde
Teria a tese da universalização excludente contribuído para o entendimento
acerca do aumento da população coberta por seguros saúde no Brasil? Por um
lado, pensáramos que sim, pois, no momento em que foi apresentada, em 1989,
na euforia123 da implantação do SUS, foi uma das poucas vozes que chamaram a
atenção para este crescimento. Era considerado secundário pelos formuladores
de políticas de saúde, de então, a inclusão dos trabalhadores e da classe média,
que já estava migrando para esses seguros, desde antes de 1988.
Mais que ao SUS, seria preciso indagar sobre o papel da estratégia da
universalização da assistência à saúde, baseada fundamentalmente nas
contribuições para a seguridade social, no crescimento de uma demanda de
seguros privados de saúde. Essa estratégia de universalização teria significado
uma redistribuição de recursos que eram entendidos anteriormente como de
proteção a direitos relativos ao trabalho formal. A inclusão da imensa população
marginal na atenção à saúde para a ditadura, já vinha se dando desde, ao menos
1974, com o PPA (Plano de Pronta Ação da Previdência Social). Isto sem
recursos adicionais de monta do orçamento fiscal, que poderiam significar uma
redistribuição do capital para o trabalho (Braga e Paula, 1981), ficando, ao
contrário, restrita internamente às diferentes frações, formais e informais, dos
trabalhadores.
Se ao SUS cabem “culpas” é de não ter preparado suficientemente sua
ampla base social, na época, da necessidade de recursos adicionais vultosos
para se alcançar a universalização. Pois o entendimento dos condutores
hegemônicos das políticas de saúde de então era de que os recursos existiam,
mas eram mal administrados e se esvaiam, em grande medida, pelos canais da
123 No sentido similar ao de Paulo Henrique Rodrigues em sua tese de Mestrado defendida junto ao IMS-UERJ em 1999:Do triunfalismo à burocratização: a despolitização da reforma sanitária brasileira.
121
corrupção (Médici, 2001 apud Cordeiro,2001). O que, na verdade, fazia coro com
os diagnósticos do Banco Mundial para o Brasil (Banco Mundial, 1981).
Sem entrar ainda no mérito se as soluções encontradas corresponderam
aos anseios das camadas que migraram para os seguros privados de saúde, não
se pode culpá-las pelo engajamento em projeto de solidariedade que as
considerava privilegiadas, na sua concepção hegemônica. E, em que a equidade
significava uma redistribuição delas para os “pobres” (Banco Mundial, 1993).
Sem contar que a utilização do conceito substantivo de direito para a
cobertura privada de seguro saúde (Bahia, 1999) seja polêmica Não fica claro,
entretanto, se isto está referido ao direito ao consumo, portanto individual, não
compulsório, e dependente da renda das famílias, na sociedade de classes, que é
similar ao direito de consumo de bens e serviços, no geral, e, da esfera do Direito
do Consumidor. Ou então, também voluntário, dependente da relação capital-
trabalho.
Ou está referido ao direito social, universal, independente da posição de
classe, que somente o orçamento público teria a função de garantir, o que não
nos parece ser o caso. A socialização parcial das possibilidades de obter o
consumo de serviços de saúde, por vias privadas, para algumas categorias da
população, através dos subsídios fiscais atuais, seria, de fato, uma coletivização
de benefícios que são da esfera, apenas, do indivíduo, o que é uma incoerência.
Comparando-se com estes abatimentos para o ensino particular, percebe-se os
mesmos problemas, pois os indivíduos que não têm renda a declarar, também
não abatem despesas. Porém estes problemas ficam abrandados pelo fato de
não haver, no geral, uma utilização do ensino público e privado, simultaneamente.
A não ser que a autora em questão defenda um modelo institucionalmente
segmentado entre o público e o privado, para o caso da atenção à saúde, com os
devidos abatimentos de contribuições e impostos, o que, nas circunstâncias
atuais de funcionamento do mercado, é bem mais problemático. Haja vista a
experiência dos convênios-empresa do INAMPS (convênios com medicinas de
grupo, em que havia um desconto da contribuição previdenciária para o
empregador), em que não se conseguia evitar que o beneficiário destes
convênios utilizasse o sistema público, que tinha portas abertas. Custava em
dobro, para o seguro social, os beneficiários dos convênios pois, além de ter que
dar desconto da contribuição compulsória do empregador, tinha custos com estes
122
segurados pela utilização de serviços próprios ou de outros órgãos públicos. Teria
sido este o principal motivo porque a ditadura os extinguiu, em 1993 (Connill,
1988). E também a experiência chilena onde, em geral, se estimou que mais de
20% dos usuários das ISAPRES, sistema de planos de saúde privados, em 1990,
utilizavam serviços públicos de saúde124, situação que se manteve nos anos 90
(Miranda e Paredes, 1998). O ressarcimento ao SUS com gastos de pacientes de
convênios, poderia mitigar estes custos. O principal problema deste modelo
segmentado, ao nosso ver, estaria em outras esferas, a serem apresentadas mais
adiante125.
Essas forças repulsivas do setor público de saúde, de fato, se fizeram
presentes neste período? Há um senso comum, bastante atribuível ao papel
divulgador da grande imprensa, acerca da deterioração da rede pública,
principalmente nos anos 90. Para nossos objetivos, entretanto, é necessário ir
além, buscando alguns indicadores deste processo. Um deles seria o gasto
público per-capita, visto no capítulo anterior. De difícil avaliação, pela insuficiência
de fontes provindas dos municípios e pela comparação histórica, dada a
heterogeneidade de componentes dentro dos períodos. Há fortes indícios, no
entanto, que o gasto público com saúde, em relação ao PIB decresce na década
de 90 em relação aos 80. Contando com um forte ajuste, no início da década de
90, os gastos percapita, mesmo elevados na segunda metade dos 90, lograram,
apenas, alcançar os patamares da segunda metade dos 80.
Analisando, também, os indicadores de oferta e utilização que constavam
no banco de dados do seguro social126, Mendes (1993) encontrou que o número
de internações durante a década de 80 manteve-se num patamar estável, entre
10,7%, em 1981 e 9,4%, em 1989. Para os anos 90, decresceu a quantidade de
internações pagas, passando de 8,5% da população em 1995 para 7,6% em 1999
(Ministério da Saúde/Secretaria de Assistência à Saúde, 2000). Estes índices,
particularmente os da década de 90, podem ser considerados baixos quando
comparados internacionalmente (Anderson & Poullier, 1999) e quando
124 Entrevista pessoal com Assessor de Planejamento do Ministério da Saúde do Chile, em julho de 1991.125 Na estrutura competitiva e concentrada do mercado atual de planos de saúde, na multicausalidade da doença, o queimplica que a atuação sobre seus determinantes seja problema resolvível na esfera individual e na perda de possibilidadesredistributivas e de utilização potencializadora de desenvolvimento que somente um esquema de financiamento públicopermite. Mas estas são questões do capítulo 5, pois dependem de uma avaliação mais fina da oferta, o que ainda seráapresentado no capítulo 4.126 Que, reiteramos, deveria ter uma cobertura bastante abrangente da oferta pública total, dada a política deuniversalização das urgências preconizada pelo PPA (Mendes, 1993)
123
comparados àqueles das próprias operadoras de planos de saúde. Embora o
Ministério da Saúde considere este decréscimo consoante com as tendências
internacionais de incentivo às práticas assistenciais ambulatoriais, há que se
considerar se a cobertura é, ainda, baixa. Por exemplo, para as modalidades de
planos de auto-gestão associados ao Comitê de Integração das Entidades
Fechadas de Assistência à Saúde/CIEFAS127 e para a Unimed-Rio128, ao final dos
anos 90, a taxa encontrada ficou em torno de 12 a 13%.
Quanto às consultas médicas, onde cerca de 15% podem ser consideradas
de urgência129, Mendes (1993) referiu um aumento do início para o final da
década de 80, de 179 milhões para 238 milhões. Porém a cobertura era, ainda
muito baixa, de 1,62 per-capita. Nos anos 90, ela sobe para 2,26, em 1997, 2,21,
em 1998 e 2,19, em 1999, índices encontrados na página da DATASUS na
Internet – Indicadores e Dados Básicos, 1998, 1999 e 2000130. A diferença da
cobertura alcançada pelo SUS vis-à-vis a assistência suplementar e dados
internacionais na atenção ambulatorial é mais marcante que nas internações: em
torno de 6 consultas/usuário/ano na rede da Unimed-Rio131, no início do milênio;
4,95, segundo a ABRAMGE132 para 1998. O estudo de Newhouse (1993), de
coorte prospectivo, acompanhando uma amostra de segurados privados menores
do que 65 anos, durante 3 a 5 anos, nos EUA, nos anos 80, encontrou taxas de
2,73 a 4,0, sendo que esta última naqueles sem co-pagamento.
Estes indicadores sugerem que a expansão de cobertura dos anos 80 não
significou uma expansão significativa da oferta. Para os anos 90, o quadro não
muda, sendo congruente com os achados da PNAD/98 e da PCV-São Paulo, na
sugestão de problemas ligados ao acesso à rede de serviços de saúde públicos
no Brasil, no final da década de 90.
No entanto, como bem expressaram Levcovitz, Lima e Machado (2001),
estudos mais integrais que avaliem os impactos da descentralização nos anos 90
sobre indicadores de acesso e qualidade e de saúde, propriamente ditos, ainda
127 www.ciefas.org.br em 09/2001.128 Entrevista com gerente de indicadores de saúde.129 Segundo os parâmetros do Ministério da Previdência e Assistência Social de 1982 (Portaria 3046), que, por sua, vez,foram baseados em série histórica anterior, segundo informações correntes da Secretaria de Planejamento do INAMPS,em 1993 (dado de experiência pessoal da autora).130 www.datasus.gov.br em fevereiro de 2002. Retirando-se do denominador a população usuária de planos de saúde,estes índices devem ficar em torno de 2,9 consultas/habitante/ano, ainda baixos.131Entrevista com gerente de indicadores de saúde.132 www.abramge.com.br , em 09/2001.
124
estão por serem feitos. Isto dificultaria, portanto, qualquer conclusão bem
fundamentada sobre o assunto até o momento. Acrescenta-se, ainda, que
contemplem as diferenças regionais, que devem ser significativas133.
Os estudos qualitativos também acrescentam pistas, embora em âmbito
regional limitado. Lobato (2000), no Rio de Janeiro, identificou uma diferença
importante de acesso a consultas médicas em geral entre aqueles com cobertura
SUS e extra-SUS, principalmente em adultos. Pesquisa do Conselho Nacional de
Secretários Estaduais de Saúde/CONASS de meados dos 90 (Rodrigues e
Trindade, 1997) evidenciou que as filas de espera seriam o principal motivo de
não utilização do SUS. Quanto à satisfação daqueles que conseguem
atendimento no SUS, novamente Lobato (2000) não encontrou diferenças
significativas entre SUS e extra-SUS, levando-a a reforçar a tese de que o
principal problema do sistema público seria, de fato, o acesso e menos a
qualidade134. Também Cotta et al. (1998), entrevistando usuários de uma região
localizada no interior do Sudeste, encontrou que 45% dos que buscaram
cobertura não-SUS referiram, como motivo, a garantia de atendimento e acesso.
Se a tese da universalização excludente chama corretamente a atenção
para o aspecto principal – o deterioro das políticas públicas de saúde, no Brasil -
como determinante para o desvio de uma demanda do público para o privado, é
importante lembrar que coloca seu foco numa temporalidade equivocada. O
crescimento principal do mercado de planos de saúde, identificado pela taxa de
crescimento médio anual do número de beneficiários, se deu nas décadas de 70
(sob os auspícios do seguro social) e 80. Nesta última década, sim, associado às
próprias políticas de racionalização implementadas pela ditadura na crise da
primeira metade da década, que o certo desafogo orçamentário da segunda (e o
SUS nos anos 90) não lograram reverter.
O papel dos principais responsáveis pela implementação do SUS, já nos
anos 90, parece estar no campo político-ideológico: sob o discurso da
universalização, há uma sub-reptícia forja, no campo das idéias, de uma
133 Como exemplo das disparidades, em dezembro de 2001 foi desenvolvido, pela autora, um Seminário com SecretáriosMunicipais de Saúde do Rio de Janeiro sobre o tema do financiamento. Uma análise efetuada sobre os impactos daEmenda Constitucional/EC-29, referente a vinculação dos orçamentos públicos de saúde a patamares mínimos, nosrevelou que o gasto per-capita atual com saúde por parte da maioria dos pequenos municípios do interior, considerandorecursos próprios e transferências através do SUS era maior do que dos municípios da Região Metropolitana, mesmoconsiderando a maior complexidade de sua rede de atenção à saúde.134 O que deve ser relativizado, no entanto, em face de diferentes níveis de informação acerca dos padrões de qualidade,ou mesmo, diferentes representações de qualidade, na dependência da classe social.
125
representação hegemônica: a utilização do sistema público pelas categorias de
maior renda “tira o lugar dos mais pobres”135. O que poderia ser considerado
como o cimento ideológico da focalização e da consolidação do sistema
segmentado. Tal abordagem qualitativa dos determinantes da demanda,
complemento necessário ao estudo, ficará, no entanto, como projeto de
continuidade da linha de pesquisas.
Teria a tese da universalização excludente uma outra debilidade, também
presente naquelas que privilegiam o papel dos organismos internacionais na
privatização dos sistemas públicos de saúde. Pois se colocam o foco correto na
oferta como produtora de valores e meios para isso, superestimam sua
capacidade de fazê-lo na ausência de necessidades indistintas.
A hipótese é de que esta necessidade não seria, fundamentalmente, de
seguros ou serviços privados como símbolos de status, como privilegia uma das
correntes analisadas, mas de ordem distinta: a) ou de um resguardo para
situações em que se tem receio do sistema público não dar conta
adequadamente, o que seria uma necessidade de seguro propriamente dita136, e
que estão associadas às políticas públicas, estando de acordo com Faveret e
Oliveira (1989); b) ou da manutenção do acesso a certas características da oferta
de serviços de saúde que já estavam presentes na realidade material de certas
camadas da população que consumiam serviços de saúde de forma privada, com
bastante anterioridade aos períodos de análise. E no imaginário de outras, como
boa prática médica: amenidades, livre-escolha, facilidade de horário, tempo
menor de espera, relação médico-paciente personalizada137.
Considerando o caráter heterogêneo da formação social brasileira,
dificilmente seria possível um sistema único de saúde que não contemplasse a
manutenção de padrões de consumo diferenciados já estabelecidos. Pois sua
modificação já seria parte de uma revolução da cultura paralela ao nivelamento
das condições materiais de vida. No entanto, contemplar esta diferenciação numa
política solidária ou entregar esta demanda à própria sorte e mercê dos interesses
135 Manifesta por vários representantes de comunidades de baixa renda em aula proferida pela autora no município deTeresópolis (junho de 2001) e num Centro Cultural no Rio de Janeiro (outubro de 2001)136 Farias (2001), aplicando métodos qualitativos para o estudo da aderência da população à medicina suplementarcorroboram a insegurança como fator principal.137 De fato, estudos prévios da OPAS (apud Médici, 1989) mostraram que, no início dos anos 80, as fontes privadas degasto das famílias representavam 37,6% do total de gastos com saúde, sendo que 25,66% eram de pessoas físicas e 5,07%tinham origem em sistemas patronais.
126
do mercado são duas opções de política completamente distintas. Opções estas
que se situam nos limites das diferenças entre necessidades e necessidades
sociais de consumo.
Por outro lado, afirmar os valores constituintes do operariado brasileiro,
quanto a proteções diferenciadas por mérito, como dados, superestimaria a busca
por coberturas de seguros privados, por parte dos trabalhadores formais. No
limite, são as suas preferências.
Desconheceria, no entanto, que a implantação das medicinas de grupo em
São Paulo, nas décadas de 60 e 70 não ocorreu sem resistências por parte do
movimento sindical (Possas, 1981). Oliveira e Teixeira (1978) já apontavam que
o interesse das indústrias, no Brasil, em manter serviços de saúde remonta aos
primórdios da industrialização. Até os anos 60, muitas o fizeram através de
Departamentos Médicos próprios. A partir daí, numa perspectiva de
...”modernização e desburocratização das grandes empresas, surgiu e vem
crescendo a prática de comprar a outras empresas especializadas os serviços
complementares de que necessitam, mas que não constituem sua ocupação
principal...o mesmo se deu com relação à assistência médica aos
empregados...tendo se constituído...os grupos médicos”...138 A bem da verdade,
neste seu início de expansão, décadas de 60 e 70, o próprio INPS fomenta seu
desenvolvimento. Oliveira e Teixeira (1978), assim como Possas (1981)
identificavam, ainda, nesta forma de organização da prática médica, questões a
ela imanentes, inclusive em outros casos internacionais: o controle da mão-de-
obra e a manutenção da produtividade, numa estratégia de enfrentamento do
absenteísmo e de seleção de trabalhadores mais hígidos. Vários sindicatos se
incorporaram, no final dos anos 80, na luta pela constituição de um sistema
público ampliado e de qualidade.
Os valores do operariado brasileiro, assim sendo, podem também ser
vistos como estratégias de sobrevivência e são contraditórios, não devendo ser
considerados, pois, como dado imutável da realidade. Além disso, diferenciação,
como no caso anterior, não é igual a seguro privado, a não ser que a oferta assim
o forje. Como nada faz supor que os objetivos mais caros ao capital na oferta de
assistência suplementar (o controle da força-de-trabalho) tenham mudado, o que
138 Oliveira e Teixeira (1978), p. 185.
127
mudou foi a pífia resposta do SUS, na maior parte dos casos, aos anseios dos
trabalhadores. No balanço entre controle e estratégia de sobrevivência, é possível
que esta fale mais alto, inclusive porque os benefícios dos trabalhadores são
extensos, em geral, a sua família.
Como ilustração destas contradições, é possível novamente citar o estudo
da FIOCRUZ/FGV de 1997 (Lobato, 2000). Em torno de 60% dos entrevistados
alegaram razões que poderiam ser classificadas como estratégias de
sobrevivência139 para explicar as coberturas extra-SUS, com incidência maior nos
50% menos pobres.
Assim, embora a utilização de um "mix" público-privado para o consumo de
serviços de saúde seja observado de longa data, é questionável aplicar
unicamente a teoria da utilidade para a sua compreensão, dada a mediação das
políticas públicas de saúde como inibidora/estimuladora da demanda privada de
serviços. Ou seja, para uma parcela das famílias que hoje recorrem a planos
privados de saúde, suplementariamente ao SUS, pouco se sabe o quanto isto
representa de substituição de outros gastos com bens e serviços essenciais. Ou,
mesmo, o quanto isto pode estar pesando no seu endividamento ou na sua
possibilidade de progressão vertical. Assim também ocorreria com as empresas, o
quanto pode estar comprometendo sua competitividade, desviando recursos de
inovações e de investimentos no trabalho. O extremo desta indagação se reflete
em recente afirmação de uma Deputada Federal do Rio de Janeiro140 de que as
pessoas estariam “deixando de comer para pagar planos de saúde”.
As características próprias da demanda sugerem que as possibilidades de
resolver necessidades de saúde dependem da inserção diferenciada no consumo
e na produção. O quanto, entretanto, desta diferenciação molda as “preferências”,
ou padrões culturais de consumo social, ou reflete movimentos de autodefesa vis-
à-vis as políticas públicas de saúde implementadas no período de análise, é um
debate atual que pode ser considerado dos mais importantes no tratamento das
relações público-privadas no Brasil. Principalmente, pelas suas conseqüências
139 Não entrando aqui na discussão sobre as restrições metodológicas do estudo – quantitativo, questionário fechado -para captar os processos de formação de valores e ideologias, considerando os seus resultados apenas exploratórios sobreo assunto, as perguntas foram : “Não confiamos no serviço público”, “O serviço público não atende às necessidades”, “Oserviço particular é melhor”140 Jandira Feghali (PcdoB), em audiência pública na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, maio de 2001. Tambémos dados apresentados por Lobato (2000) mostram que 55,5% das famílias com cobertura “extra-SUS” consideravamseus gastos importantes e muito-importantes, mesmo naquelas onde há uma co-participação família-empregador nofinanciamento.
128
práticas na orientação das políticas de saúde. Mesmo porque, nada faz crer, que
o quadro seja estático.
Finalmente, pode ser mais sensato pensar que as duas forças tenham
interagido para conformar o mercado atual de seguros privados de saúde no
Brasil. Ou seja, sob uma base social extremamente heterogênea, resultado de
modelos de desenvolvimento econômicos, também, caracterizados pela
heterogeneidade, com difusão precária do progresso técnico, inseridos nos
circuitos de desenvolvimento do capitalismo mundial de forma dependente, se
conformam as políticas sociais, marcadas por esse estigma de origem141 Embora
não impossibilite, tal base, aprofundada pelas políticas neoliberais dos anos 90, é
um obstáculo ao avanço de políticas sociais universais142. Assim, um mercado
para atenção à saúde privada liberal, é encontrado no Brasil, desde a sua
formação, evidentemente limitado pela capacidade de pagamento da população.
Mantendo uma linha de análise já apontada em 1991, com o aumento doscustos da atenção médica, parte deste mercado já existente substitui seusgastos diretos por gastos com seguro saúde, principalmente a partir do final
da década de 70. Mesmos autores neoclássicos admitem que este fenômeno
ocorra: ... “Uma implicação interessante desta relação entre o preço do seguro e o
tamanho da perda é que a medida em que o custo da atenção médica aumenta,
também aumenta a magnitude da provável perda, e isto por si mesmo tem
resultado num aumento (num desvio) na demanda por seguro saúde...”143 (em
condições constantes). Empresas médicas e seguradoras beneficiam-se desta
demanda, que sempre foi limitada pela renda das famílias, tanto na prática como
na teoria mais convencional. Ou seja, composta por uma classe social proprietária
de forças produtivas substanciais ou uma pequena burguesia abastada que, se
têm pouca expressão relativa na população, numericamente contam, no Brasil,
para a conformação de um mercado.
Não restam dúvidas, finalmente, que parte da clientela que usava o sistema
público ou o SUS, mesmo de forma parcial, para os procedimentos mais caros,
tenha acumulado uma cobertura privada para riscos de saúde, seja através do
141 Aureliano e Draibe (1989) caracterizam o “welfare state” brasileiro como de tipo meritocrático-particularista ebastante fragmentado na implementação de políticas.142 Segundo a explicação regulacionista, não faz parte do modo de regulação pós-fordista a homogeneização e sim adiferenciação (ver Kornis, 1998).143 Feldstein (1988) p. 121. (tradução livre)
129
trabalho e seja de forma individual. Ou seja, a tese da universalização excludente,
se ampliada no tempo, incluindo as conjunturas de ajuste fiscal que percorrem,
com pouca exceção, os anos 80 e 90, explicaria, em parte, a expansão da
demanda nesses anos. Principalmente para aquela parcela da população que não
teve na substituição do gasto privado direto com serviços de saúde por seguro,
sua justificativa principal de filiação. Ou seja, a classe operária e uma pequena
burguesia proletarizada.
A estagnação da demanda ao final da década de 90 é um outro debate.
Mantendo-se significativamente pouco alteradas as forças propulsoras “para fora”
da oferta pública nos anos 90, é necessário se perguntar:
1. Estaria se desacelerando a demanda por seguros privados de saúde em
função de problemas ligados ao orçamento das famílias e empresas neste
período, sendo de ordem conjuntural? O que poderia conferir uma
transitoriedade à estagnação do mercado.
2. Ou, isto se deveria a um esgotamento estrutural do mercado, que tivesse
que ser ultrapassado por revoluções que dotassem no aumento da renda
das famílias e/ou a homogeneidade do progresso técnico uma condição
indispensável?
3. Estas revoluções também não trariam elementos opostos ao padrão atual
de desenvolvimento segmentado da política de saúde, ou seja, a maior
homogeneidade social?
A primeira pergunta parece, até, mais fácil de responder. Considerar
possível, no atual modelo, reverter suas tendências regressivas em termos da
renda e da maior heterogeneidade social é desconsiderar a discussão que já
houve, no capítulo 2, sobre os determinantes e impactos da mundialização
financeira. Desconsiderar que é uma estratégia de extração de renda da periferia
para contra-restar a crise do capitalismo central. Afora o fato de não ter retirado
os países centrais de uma perspectiva medíocre de expansão, em que a recessão
é uma ameaça permanente. Suas conseqüências, no Brasil, têm sido dramáticas,
tanto pelo lado da renda como das possibilidades de trabalho, elementos
diretamente relacionados à posse de seguros privados de saúde.
Braga (2001) parece descartar, implicitamente, tal possibilidade, ao
comentar que um crescimento da assistência suplementar, com altos e baixos
conjunturais, na dependência da renda e do emprego, correria com ‘’...aumento
130
de tensões de vários tipos no Sistema de Saúde...agravadas pela ausência de
política pública “construtiva” (sobre) condições sócio-econômicas brasileiras...”144
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .
Vimos aqui que o modelo econômico implantado nos anos 90 de subordinação
aos ditames da mundialização financeira já encontra um mercado, ou seja, uma
demanda por atenção privada à saúde, razoavelmente organizada. Este mercado
seria o fruto de alguns movimentos anteriores:
• Das políticas prévias de ditadura de terceirizar a atenção de saúde aos
beneficiários do seguro social , também através do pré-pagamento,
além da compra de serviços a prestadores privados de serviços de
saúde pagos por unidades de serviço. Este mercado se mantém a
despeito do fim dos convênios-empresa, pois estaria compatível com
uma perspectiva de controle da mão-de-obra por parte dos
empregadores e contariam com subsídios fiscais e com facilidades de
transferência de custos aos preços dos produtos (Médici, 1989;
Andreazzi, 1991).
• Da política de algumas grandes empresas estatais e não estatais,
estabelecidas de longa data no Brasil, de desenvolver benefícios
adicionais para a mão-de-obra, como saúde e previdência privada
(Andreazzi, 1991; Bahia, 1999), com objetivos também de controle. Mas
acrescidos pelo interesse de setores da ditadura de desenvolver
algumas áreas estratégicas, numa perspectiva de desenvolvimento
econômico associado, porém contando com uma infra-estrutura
nacional-estatal (Souza, 1989). As chamadas relações humanas no
trabalho145 entrariam aqui como um elemento de atração de uma mão-
de-obra especializada. E, podendo a empresa contabilizar, ainda, com
os recursos destes fundos para aplicação na própria empresa
(Anderazzi, 1991).
• Da universalização excludente dos anos 80 e 90, que estimulou a
migração de categorias sociais – empresas de menor porte e
produtividade e famílias de mais baixa renda – para as quais estes
144 Braga (2001) pp. 43-44.145 Corrente da Administração de Empresas que defende uma política voltada ao bem-estar do trabalhador, com estratégiade aumento da sua produtividade e convergência de interesses com o das empresas (ver Chiavenato,1976.
131
gastos seriam significativos, e de crescente participação nos
orçamentos das famílias146 e das empresas147.
• Dos custos crescentes da atenção médica, no período, que induziu a
transmutação de uma demanda anterior para serviços privados de
saúde, financiados diretamente pelo desembolso das famílias, para
uma demanda por seguros. Evidentemente limitada pela renda destas
famílias (Anderazzi, 1991).
Ao contrário de outros países centrais e periféricos, em que as reformas
privatizantes estimulam o crescimento de um mercado privado, no Brasil, dada a
sua maturidade prévia, este mercado parece ter crescido muito pouco nos anos
90. A despeito de terem se mantido alguns dos motores responsáveis pelo seu
crescimento: a incapacidade da política pública de saúde de oferecer,
amplamente, serviços integrais de saúde de qualidade, o controle da mão-de-
obra, os subsídios fiscais, os custos crescentes da atenção médica privada.
Contudo, um quadro completo das transformações somente poderá ser feito,
com mais detalhe, após analisarmos a oferta de seguros e serviços privados de
saúde no Brasil neste período, o que faremos a seguir.
146 Vide POFs de 1987 e 1996, para as famílias (Ocké, Silveira e Andreazzi, 2002)147 Na pesquisa anual aplicada pela consultora Towers e Perrin, referente ao ano de 2000, numa amostra de 225 empresasde vários portes, os custos com assistência médica e odontológica representaram cerca de 7% da folha salarial, foraencargos, e vinham numa tendência de aumento. As empresas estariam, ainda, pouco satisfeitas com essa assistência,sendo que os custos elevados responderam por 46%, a maior parte, desta insatisfação (www.towers.com. em 4/03/02)
132
CAPÍTULO 4 – A OFERTA PRIVADA: HETEROGENEIDADE DE AGENTES E DE
INTERESSES
Tratar-se-á, neste capítulo de entender, com mais detalhe, como tem
funcionado, no período de escolha, os mercados que compõem o setor saúde.
Para Katz e Munoz (1988) e Katz e Miranda (1994), em quem se baseia,
mais intensamente, o método de abordagem seguido, o mercado de bens
intermediários e insumos específicos para a saúde é, por si, extremamente
complexo, fugindo ao escopo deste trabalho analisá-lo diretamente. Os autores
que assim o fizeram (como Tavares, s/ data) já apontaram sua evolução a partir
de um setor artesanal, presente até os anos 50. Com o desenvolvimento da
indústria petroquímica e de eletro-eletrônicos, há uma progressiva concentração e
internacionalização, constituindo-se em um dos setores industriais mais dinâmicos
em termos de inovações, na atualidade. Com raras exceções, o mercado
internacional e nacional é, hoje, dominado por firmas privadas, muitas delas
ramos de conglomerados industriais (Stevenson,1978). Na indústria de material
médico, em 1989, sete empresas, apenas, respondiam por 90% da produção
mundial, concentração mais alta do que a indústria de automóvel (Chesnais,
1996).
Interessa-nos aqui, portanto, o estudo dos serviços – médicos e
hospitalares, dentro da morfologia de Katz - que dirigem a sua produção a entes
privados - indivíduos, famílias, empresas, grupos organizados da sociedade civil -
e, também, dos agentes econômicos cujo modo de ser se constitui no crédito ou
na administração de fundos privados para o consumo destes serviços. Ou seja,
do conjunto das firmas, cuja acumulação advém do consumo de serviços privados
de saúde e/ou de seu financiamento (da intermediação financeira).
No Brasil, os dados até então existentes (mesmo com a ressalva de sua
origem, a partir das próprias empresas), aliado a estudos prévios sobre a
organização do setor saúde no Brasil (Donnangelo, 1975; Cordeiro, 1984;
Andreazzi, 1991; Castelar, 1993) mostram que o crescimento do mercado privado
de saúde seguiu a seguinte trajetória (quadro 4.1):
133
Quadro 4.1 : Principais marcos do desenvolvimento do setor privado de saúdeno Brasil
SEGURO SERVIÇOAté a
décadade 50
MutualismoEntidades filantrópicas
predominavam sobre hospitaislucrativos
Medicina liberal financiada porgastos diretos
Décadade 50 -1967
1º Plano de Pré-pagamento grupal no ABCpaulista (1956); 4 empresas de medicina de grupoem SP (1960); SENASA (RJ), 1º Plano de seguro
individual (1963); 1º convênio-empresaIAPI/WOLKSWAGEN (1965); DL 73 (Sistema
Nacional de Seguros Privados) com a criação doseguro saúde (1967).
Política do IAPI favoreciacrescimento de hospitais
privados lucrativos
1968-1978
1ª UNIMED (SP) (1968); grande desenvolvimentodas empresas de medicina de grupo; ausência deregulamentação operacional do seguro saúde; 1ªnorma regulamentadora do seguro saúde (1976);Lei da Previdência Privada Complementar (1977).
Desenvolvimento da medicina de grupo ecooperativas médicas.
Linhas de financiamento doFAS/CEF e convênios do
INPS/INAMPS favoreceramcrescimento de hospitais e
clínicas ambulatoriais privadaslucrativas
1979-1983
2ª norma regulamentadora do seguro saúde;expansão de planos individuais (1981);
congelamento dos valores do convênio-empresa(1983).
Crise da Previdência - Plano dereorientação da assistência
médica da Previdência Social –formulação da nova forma de
pagamento aos hospitaiscontratados
1984-1989
3ª norma regulamentadora do seguro saúde cominício dos planos empresa (1988); Crescimento do
setor de seguros saúde privados enquanto umtodo; Desenvolvimento do capital financeiro na
área do financiamento privado de saúde.
Maior regulação da Previdênciasobre seus privados
contratados e conveniadosprincipalmente através da
mudança das suas formas depagamento.
1990-1999
Projeto de Lei para a regulamentação de planos eseguros privados de saúde, desde 1991; Lei 9 656
(1998)
Privilegiamento de convêniosdo SUS com órgãos públicos,universitários e filantrópicos.Restrições no financiamento
público para investimento parahospitais lucrativos.
1a décadade 2000
Criação da Agência Nacional de SaúdeSuplementar (2000)
Fontes: até década de 80 – Andreazzi (1991); pós-80 – elaboração atual da autora.
Antes de entrar na temática específica deste capítulo, faz-se necessário,
ainda, esclarecer conceitos que optamos por utilizar. Pois, como orientou Possas
(1989), a competição apresenta especificidades tecnológicas e compreender o
seu movimento requer a delimitação do campo do estudo. Poderíamos, deste
modo, utilizar o conceito de indústria, assim como é mais usual para outros
setores da produção material, para designar o conjunto das empresas que atuam
134
nos mercados de financiamento e prestação de serviços de saúde, nas suas
diferentes modalidades? É um conceito utilizável para o setor terciário, em geral?
Embora entendendo que existam conceitos distintos para indústria, tomaremos
aqui as seguintes definições operativas de Guimarães (1981), a partir de
Robinson148: ...” define indústria como um grupo de firmas engajadas na produção
de mercadorias semelhantes em seus processos de fabricação..”149 Firma, por
sua vez, ...” é definida como um locus de acumulação de capital” 150... Para
Guimarães (1981), na medida em que a área relevante, de fácil expansão para a
firma, tem ultrapassado aquelas em que há semelhança de processos produtivos,
deve ser acrescentado, à definição de firma de Robinson, o fornecimento do
produto da indústria a um mesmo mercado. Também Marx, no livro Segundo de
“O Capital” (Marx, 1885{1984}), ao discutir o ciclo global do capital monetário, nos
alerta para a existência de ramos autônomos da indústria em que a produção e o
consumo coincidem, os serviços: ..."nos quais o produto do processo de
produção não é um novo produto material...(p. 42)", e que no final do século XIX,
economicamente se destacavam, como importantes, a indústria dos transportes e
das comunicações.
Justifica-se, assim, a sua utilização. Isto implicará na escolha, neste
capítulo, de certas categorias mais consagradas para a análise do setor
secundário, desde que vistas sob o ângulo específico dos serviços, como já
discutimos no capítulo II.
Duas “indústrias” serão, portanto, aqui analisadas. A primeira, de
intermediação financeira, será tratada genericamente como seguro, como já
havíamos feito em 1991, tendo em vistas razões que exporemos a seguir.
A segunda é a dos serviços de saúde que, para Katz e Munoz, compõem
os mercados médico e hospitalar.
Este capítulo está dividido em duas partes. A primeira tratará de algumas
características históricas e institucionais dos mercados. A partir destas
características, se apresentará um esquema interpretativo dos processos de
acumulação de capital identificados. Na segunda parte, se avaliará como têm se
dado a competição no interior dos mercados. Deixaremos para o capítulo seguinte
148 Robinson,J. (1953) Imperfect competition revisited. In: Collected Economic Papers, v. 2. Oxford, Basil Blackwell,1960.149 Guimarães (1981), p. 25.150 Ibid. E não uma função de produção, como preconiza a teoria neoclássica (Ferguson, 1974)
135
as observações sobre as mudanças encontradas nos anos 90, de uma forma
mais integrada.
I – CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DOS MERCADOS E ACUMULAÇÃO DE
CAPITAL
4.1. Seguros privados de saúde
4.1.1. – Definições
A intermediação financeira ao consumo de serviços privados de saúde no
Brasil teve uma trajetória, ao longo da sua história, forjada por diferentes formas
de propriedade e instituições.
A constituição de fundos para cobertura de riscos de doença, na história do
capitalismo, não é recente. Remonta ao início da industrialização, na Europa, a
sua constituição como mutualismo. Também não é novidade o financiamento da
assistência médica por empresas a seus empregados (Roemer, 1980). Ambas as
formas de financiar assistência privada à saúde já estariam presentes no Brasil
desde o século XIX, quando não antes disso (Singer, Campos e Oliveira,1978).
Como política de reparação da mão-de-obra, inseridos na relação capital-trabalho,
foram modalidades limitadas. Pelo mutualismo ser voluntário, a seleção adversa
(seleção de pessoas com risco maior do que a média) criou problemas de custos
que inviabilizaram-no financeiramente:
...“As organizações de ajuda mútua não obstante, inclusive, terem sido,
subsidiadas pelo governo, em alguns países, fracassaram em sua grande maioria.
Gentile de Mello (1979) atribui este fato à seleção negativa dos riscos imposta pelo
seu caráter voluntário”151.
Também foi limitada a assistência fornecida pelas empresas. As lutas dos
trabalhadores e a própria política de legitimação dos Estados nacionais lograram
o desenvolvimento do seguro social como resposta aos problemas da seleção de
risco, da cobertura limitada e dos custos dos esquemas mutualistas anteriores.
Assim o permitiu seu caráter compulsório para as categorias populacionais
definidas e os subsídios públicos contidos no seguro social. Tal trajetória se
151 Andreazzi (1991), p. 44-5.
136
reproduz no Brasil, de forma bastante conhecida na área de Saúde Coletiva, não
carecendo detalhá-la.
Paralelamente a esta progressiva coletivização e estatização do
financiamento da atenção à saúde, é bastante justo admitir que, em maior ou
menor grau, nas sociedades ocidentais, e também no Brasil, os indivíduos e,
mesmo, as empresas, tenham mantido uma canastra diferenciada, pública e
privada, de atenção à saúde. Obviamente, limitada pelo seu orçamento e pela
oferta pública.
Estas empresas e indivíduos se defrontaram com modificações importantes
da prática médica que engendraram uma inflação acelerada de custos no setor. As
conseqüências são de que o serviço de saúde passou a depender, cada vez mais,
de mecanismos de financiamento coletivo para seu consumo. No campo privado, a
resposta logrou se forjar como seguro.
Assim, independente das formas como o mercado, ao longo da sua história,
foi se autodenominando – assistência suplementar, planos de saúde, convênios
médicos de pré-pagamento -, privilegiando a sua relação com a oferta púbica de
cobertura de atenção à saúde, se trabalhará aqui com o termo seguro saúde
como síntese de suas diversas modalidades. Isto, porque interessa discutir se
existem características comuns a distintos agentes econômicos, que
historicamente se constituíram, de modo a identificar se tratar, ou não, de uma
mesma indústria.
Neste sentido, poderemos partir do seguinte conceito de seguro saúde:
Todo e qualquer mecanismo de financiamento privado de consumo de atenção à
saúde (e não apenas serviços de saúde, pois pode incluir, por exemplo, o
fornecimento de medicamentos ao nível ambulatorial), contemplando o
pagamento de prestações a uma empresa, que se obrigará a fornecer esta
atenção ou reembolsar seus gastos, mediante contrato firmado entre as partes152.
Guerra (1998), com muita propriedade, ao comentar esta definição, acrescenta
deverem estar mais explícitos dois elementos, para melhor caracterizar a
contratualidade da relação de seguro: a temporalidade e a definição das
coberturas.
152 Como o utilizado na tese de Mestrado de Andreazzi (1991), com algumas poucas adaptações:
137
Entende-se, então, que este grupo de firmas (das diversasmodalidades) teria um produto comum, que são contratos para cobertura deriscos de adoecimento153, e um processo técnico comum: a atuária e agerência de sinistros, além de um mercado comum, de intermediaçãofinanceira para o consumo de serviços privados de saúde, na sua formamais pura. Guerra (1998) nos esclarece mais alguns pontos: ...” Ao adquirir um
plano, o beneficiário paga prestações mensais que lhe propiciarão cobertura para
eventos definidos contratualmente. Contudo, estes montantes pagos devem ser
mensurados adequadamente, pois a empresa deve constituir uma estrutura
financeira que a possibilite cumprir com suas obrigações. Como a ocorrência de
sinistros é incerta, aleatória, os valores pagos devem ser calculados com base
estatística, observando-se a probabilidade de ocorrência... Mutualismo,
aleatoriedade e incerteza são características da atividade seguradora” ..154.
Isto não é diferente da definição da ANS sobre o setor que regulamenta:
Plano Privado de Assistência à Saúde é ..:”a prestação continuada de serviços
ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo
indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à
saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de
saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada
ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser
paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante
reembolso e pagamento direto ao prestador.”.(Medida Provisória No 1.976-30, de
28 de agosto de 2000).
4.1.2 – Características gerais e específicas de mercados de seguros
privados de saúde.
Seguro significa cobertura de riscos, que devem necessariamente ser
aleatórios, imprevisíveis ao nível individual mas mensuráveis no grupo segurado,
e, além disso, quantificáveis em termos das perdas. No seguro, a expectativa do
benefício está diretamente relacionada com o prêmio e espera-se que o benefício
153 Corrobora este ponto de vista a seguinte passagem de Guerra (1998): ...” Estes estratos (cooperativas, medicina degrupo e seguradoras) a principio, atuam com a variável risco” (p. 5)....154 Guerra, op. cit. p. 3.
138
esperado tenha uma distribuição uniforme. As perdas devem ser razoáveis; caso
extremamente dispendiosas, necessitam mecanismos de resseguro, de modo a
não tornar o prêmio excessivamente alto ou a carteira insolvente. Enfim, trata-se
de um fundo, limitado, definido por técnicas matemáticas, baseadas na lei das
probabilidades, chamada de técnica atuarial.
Para a área de saúde, a lógica do seguro está baseada no princípio de que
os cuidados à saúde são decorrentes de riscos de adoecimento, que são
aleatórios, e considerados, apenas, no seu aspecto individual. Estes riscos podem
ser melhor dispersos em se considerando grandes números de indivíduos. Os
riscos, assim considerados: a morbidade do grupo e os custos respectivos da
intervenção, entram no cálculo do prêmio cobrado. O limitado fundo resultante,
que, também, deve ser bastante preciso para garantir sua saúde financeira, é
utilizado quando se apresenta um sinistro, no caso a doença ou outros eventos
que requeiram cuidados de saúde. As prestações de saúde, ou seja, os
benefícios, estão, a princípio, limitados pelo fundo. O seguro requer uma
responsabilização, em última análise, de quem arca com as despesas que ficarem
além do disponível neste fundo: a) o indivíduo contratante; b) a empresa que co-
financia seguro para seus empregados; c) um fundo ressegurador, em geral, uma
outra companhia seguradora privada especializada; d) a instituição seguradora
que lança mão de seus recursos acumulados para cobrir o déficit, caso não tenha
havido um cálculo adequado; e) o Estado que porventura lance mão de
programas de recuperação da saúde financeira destas empresas de seguro.
Vários foram os problemas associados ao seguro como forma de viabilizar a
responsabilidade individual com a reparação da saúde. Eles são agravados pelos
custos crescentes dos serviços de saúde. E são particularmente encontrados num
ambiente de competição entre entidades seguradoras. Denominam-se estes
problemas, na teoria neoclássica (Musgrove, 1999), “falhas de mercado”, não
sendo específicas dos seguros de saúde:
1. Risco moral (moral hazard) – Trata-se do incentivo para o segurado
comportar-se de forma diferente porque tem seguro - consumir mais
serviços e aqueles menos custo-efetivos (por exemplo, um hospital para
um problema simples), reduzir auto-cuidados preventivos. Em função deste
aumento de utilização, os prêmios (contribuições) seriam mais caros.
139
Musgrove (1999) admite que haja escassas evidências empíricas sobre a
real importância do risco moral.
2. Seleção adversa - seleção de clientes custosos, adversos ao interesse das
seguradoras, em função da demanda maior destes indivíduos por seguro,
derivada de sua percepção, mesmo distorcida, dos próprios riscos de
saúde. Uma resposta para isto é a diferenciação de preço de acordo com o
risco, o que acaba expulsando deste mercado uma parcela da população,
até porque o maior risco de saúde agrava as possibilidades financeiras da
família.
3. Seleção de risco (cream-skimming) - para resguardar-se da falha acima,
as seguradoras desenvolvem sistemas para filtrar indivíduos ou condições
especiais de alto risco (como os velhos ou os portadores de determinadas
patologias). Isto aumenta seus gastos administrativos ou cria barreiras para
a admissão, tornando o seguro particularmente caro para candidatos
individuais. Quando cobre grupos populacionais, onde a possibilidade de
seleção adversa é menor, o problema é mitigado e, portanto, o prêmio
pode ser mais barato. Ressalta-se aqui que a seleção de risco vai de
encontro, também, aos interesses dos empregadores de selecionar uma
mão-de-obra mais hígida, que diminua seus custos de reparação da saúde
(e, portanto, com prêmios de seguro), e aumente a produtividade global da
empresa.
As conseqüências identificadas desses problemas são a iniqüidade da
atenção pois os indivíduos de maior risco são aqueles que mais probabilidade têm
de não obter seguro ou obtê-lo por um preço alto que agrave seu risco já
aumentado. Os idosos são um exemplo. Onde o financiamento através de seguro
privado de saúde é majoritário, mesmo sendo compulsório para determinadas
categorias de trabalhadores, altamente regulado e contando com subsídios fiscais
do Estado, como é o caso norte-americano, tornou-se necessário criar um seguro
social para este grupo populacional (Kuttner, 1999). No Chile (Miranda e Molina,
1998), isto também ocorre, parecendo, pois, confirmar serem, estas “falhas”,
características econômicas intrínsecas inatingíveis pela regulação pública.
140
4.1.3 - Seguro saúde privado, seguro social e fundos públicos: bens substitutos?
O seguro difere do mutualismo pela solidariedade entre os partícipes deste
último, de modo a permitir uma maior flexibilidade dos limites do fundo face aos
riscos reais.
Embora o seguro social tenha, efetivamente, adotado as técnicas atuariais
para a composição de seu fundo, como faz o seguro privado, basicamente para a
análise de contribuições e previsão de riscos, ele é distinto do primeiro. Sendo
compulsório o seguro social, não existe seleção de risco e nem seleção adversa.
Mesmo limitada na sua concepção de saúde / doença (ainda priorizando o risco
individual), a gestão pública do fundo de seguro apresenta uma série de
vantagens operacionais. Estas se manifestam, muito vivamente, no recorrente
debate norte-americano acerca dos benefícios do “single-payer’ (público) versus
os múltiplos pagadores privados competitivos que conformam o sistema de
financiamento hegemônico nos EUA. Pois, os custos administrativos do sistema
único são significativamente menores, inclusive por este não demandar despesas
com emissão de apólices, propaganda e corretagem e por não necessitar de
mecanismos custosos de seleção de riscos. Isto torna possível, pelas
possibilidades redistributivas entre os grupos que compõem o fundo (Gentile de
Mello, 1964), a extensão do seguro social àqueles indivíduos dificilmente
interessantes para as empresas privadas de seguros, como os idosos e
trabalhadores de setores econômicos de baixa produtividade.
O seguro privado tem relações de concorrência e complementaridade com
o seguro social. Concorrem pelo montante social que certas camadas da
população destinam a cuidados com saúde, através do Fundo Público (Ocké,
1995). Podem ser complementares porque, por definição, como o mesmo Gentile
de Mello já nos ensinava em 1964, o seguro saúde privado trabalha com alguns
riscos, e tem como limite as restrições orçamentárias da demanda. A
sobrevivência das firmas no mercado não permite que assumam a universalidade
populacional e integralidade da atenção à saúde. Por isso, lhe interessa que o
Estado cubra aquilo que os seus mecanismos de seleção de risco não
recomendam atender, inclusive para reduzir conflitos com os consumidores.
141
Cabe ainda ressaltar que, mesmo dentro da lógica do seguro privado,
existem soluções para os problemas de seleção de risco que são as taxas
baseadas no risco (e custo) de uma comunidade, e não dos consumidores
individuais, mesmo quando não há compulsoriedade de contribuição.
Historicamente isto ocorreu no início do desenvolvimento do mercado de seguro
saúde norte-americano, através dos exemplos das “Blues” (Blue Cross e Blue
Shield). Elas dominaram o mercado até os anos 50, podendo ser comparadas
com o mutualismo, de recorte comunitário. Pela competição com as seguradoras
comerciais, que praticavam taxas baseadas no indivíduo, e pela seleção de
riscos, lhes permitindo atrair usuários mais jovens e mais hígidos, a preços mais
baixos, os custos das Blues aumentaram, pela seleção adversa de pessoas mais
custosas. A conseqüência foi a sua mudança de política de preços,
assemelhando-se às seguradoras, por questão de sobrevivência no mercado155
(Sommers e Sommers, 1961; Leyerle, 1994). Tal abrandamento das
características econômicas do seguro privado de saúde, portanto, é bastante
difícil de alcançar num ambiente competitivo.
Finalmente, têm se tentado resolver, nos marcos da sacrossanta liberdade
comercial, a questão da seleção de risco, com propostas de ajustes (Polzer,
1994). Essa seleção tem sido um problema grave na conjuntura norte-americana
atual, tanto para carteiras de seguro, quanto para os prestadores de serviços de
saúde que participam de contratos de remuneração com seguradoras onde se
inclui transferência de riscos (como o managed care156). O ajuste de risco seria
uma transferência feita por uma entidade reguladora entre planos de saúde,
baseada no risco da população coberta por cada plano. Há ceticismo, no entanto
..." enquanto alguns que investiram em desenvolver métodos para ajustar os
prêmios pelos riscos estão obstinados quanto as possibilidades, outros
pesquisadores são cautelosos sobre o potencial do ajuste de risco; muitos
analistas são cépticos"...157
155 Lembra-se aqui o conceito de Marx sobre a competição, que independe da vontade do empresário. A não ser que estelogre desencadear uma revolução das técnicas – uma inovação shumpeteriana – que ultrapasse as condições primitivas dacompetição, em seu favor.156 Estratégia desenvolvida nos EUA para contrapor-se ao pagamento tradicional por serviço prestado, mediante oreembolso ou o pagamento direto ao prestador. Essa estratégia inovadora visa repartir os riscos da seguradora com oprofissional de saúde, em geral um médico ou grupo de médicos de atenção primária.157 Polzer (1994), p. 448 (tradução livre)
142
Tampouco são comparáveis, do ponto de vista de suas lógicas internas,
modelos de financiamento baseados no seguro e aqueles baseados nos fundos
públicos, organizados não pelo direito de contribuição, mas a partir dos direitos
sociais universais. Pois, a lógica do Direito, parte do princípio de que a todos os
indivíduos cabem cuidados de saúde e que é de responsabilidade coletiva seu
financiamento. Só é viabilizado através de um estado (ou uma forma mais
avançada de gerência das coisas públicas158) que recolha contribuições para
tal. Não propõe, como o seguro, administrar apenas um fundo para cobrir
riscos de adoecimento e cuidados daí decorrentes. Já que, pela definição mais
ampla de suas responsabilidades, está em sua alçada arcar com as despesas
que ultrapassem o fundo, se pode, aqui, tratar a saúde de uma forma mais
abrangente, atuando sobre seus determinantes, ligados às condições de vida
das pessoas. Numa visão obviamente não compartida pela ortodoxia
convencional, a sociedade pode, através deste mesmo Estado159, criar riqueza
que lhe permita cobrir necessidades (e custos) crescentes. Os recursos podem
ser dinamicamente (no tempo) ilimitados. À sociedade, é-lhe, certamente,
colocada opção de utilização dos recursos conjunturalmente limitados160.
No entanto, mesmo conceitualmente distintos na sua abrangência,
possibilidades de cobertura, redistribuição e atuação sobre os riscos de saúde,
mutualismo, seguro privado, seguro social, seguridade social pública (com
direitos universais à saúde) podem ser considerados substitutivos próximos
para determinadas camadas da população e para alguns riscos. Isso nada
mais é do que uma tradução, para o jargão econômico, da discussão já feita
acerca da influência da oferta pública de serviços de saúde e financiamento
sobre os determinantes da demanda de seguros privados de saúde. Ou seja,as quantidades ou coberturas de uns interferem nas quantidades oucoberturas dos outros.
158 Obviamente numa perspectiva histórica de mais longo prazo159 Ou seu substituto, socialmente mais avançado.Aqui o que se pretende colocar é que, nas sociedades capitalistas, oEstado, através de instrumentos de política econômica (basicamente política fiscal e monetária), pode incitar, dentro decertos limites, o crescimento do produto, através da indução da demanda agregada e do investimento (políticaskeynesianas clássicas). Para o marxismo, no entanto, os limites destas políticas estão na tendência estrutural daseconomias capitalistas à crises de superprodução, as mais graves não passíveis de serem contrarestadas por aquelesinstrumentos, que levariam a inflação e, ao final, à estagnação econômica. Processo real este que a economia mundialatravessa desde o final dos anos 70, mas que obviamente é explicado de modo diverso pelas outras grandes correntes dopensamento econômico atual: o Keynesianismo e a liberal-ortodoxia em suas diversas matizes.
160 É na decisão sobre as prioridades de alocação dos recursos que se pode avaliar o grau de democracia ou seja, deafirmação prática das decisões majoritárias dentro da sociedade em questão.
143
Mesmo no caso do seguro privado, alguns autores identificariam, na verdade,
duas concepções opostas...”a primeira, anglo-saxã, vê o seguro como simples
atividade de mercado. A segunda sublinha a importância do quadro
institucional para garantir a segurança das empresas e dos particulares... dois
paradigmas fundadores do seguro se contrapõem: um pertence ao mundo dos
jogos do dinheiro, do risco individual...o outro compartilha os riscos, através de
sociedades mútuas’·····161
Autores marxistas (Martínez, Reyes y Martínez, 1988) explicariam esta
dualidade de concepções na relação do seguro com as condições sociais da
produção. Tendo surgido entre os mercadores, na sociedade antiga, na sua
forma mutualista, baseada na reciprocidade dentro de uma categoria de
produção, respondia às necessidades do capital mercantil, de se assegurar
contra os riscos econômicos do comércio, principalmente marítimo. Quando a
acumulação financeira tornou-se o elemento decisivo na reprodução do capital,
o aspecto do seguro, como massas de “capital dinheiro” a serem utilizadas nos
seus circuitos de autovalorização, ganha a hegemonia na condução deste
negócio. Ou, como Alberti et al. (1998) apontam, especificamente sobre o
Brasil:
... “as diferentes perspectivas que o Estado e a sociedade traçaram para o
setor na nossa história recente: de problema nacional com forte significado
social, na era Vargas, a setor de amparo à produção e de serviços, no período
desenvolvimentista, a atividade de seguros tem hoje uma identidade
claramente vinculada ao setor financeiro e ao campo dos investimentos”.162..
É interessante o comentário dos autores marxistas supracitados de que,
historicamente, o seguro não surgiu com o capitalismo e sobreviveu, inclusive,
a ele, em países de economia socialista. Embora, nestes, novamente na forma
mutualista e voltado apenas para a cobertura de danos materiais à produção
(comércio marítimo, incêndio e outros).
Reforçam a tese da trocabilidade entre os modelos de financiamento de
saúde aqui estudados, opiniões de outros autores:
161Michael Albert apud Alberti et al. (1998), p. 5.162 Alberti et al. (1998), p. 15
144
...”As caixas de pensões e sociedades mútuas tiveram uma fase de grande
proliferação no Brasil do início do século, principalmente entre 1910 e 1915. Estas
caixas, segundo a opinião de Almícar Santos, eram adversárias diretas das
companhias de seguro de vida, já que disputavam a mesma clientela”163...
São representativas, ainda, posições apresentadas por empresários do próprio
mercado de seguros privados de que haveria um certo ‘trade-off” entre esses
vários e distintos arranjos societários:
..."Essa assistência médico-social deve se concentrar permanentemente
naquele estrato populacional em que a renda não supera um salário mínimo mensal,
que vive um regime de subemprego, sem condições mínimas de sobrevivência,
dependente do apoio oficial"..."Todas as empresas contribuintes obrigatórias da
Previdência Social teriam a faculdade de optar pelo Sistema Complementar, para
prover a cobertura de risco de assistência médica de seus quadros funcionais. Esse
esquema retiraria do INAMPS uma carga apreciável de trabalho administrativo,
assistencial e financeiro, permitindo melhor desempenho da assistência
médico-social específica do INAMPS, direcionada, como já acentuamos, àquelas
faixas mais carentes da população"...164
E também:
...”No governo Costa e Silva, o ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho
elaborou um novo projeto, no qual o seguro de acidentes do trabalho era trazido
para o Estado...O protesto do setor segurador foi grande. Acusaram a medida de
autoritária e inconstitucional, além de prejudicial ao setor, que obtinha cerca de 30%
dos seus prêmios do seguro de acidentes do trabalho”165...
Enfim, reforçamos, aqui, que o fato de serem substitutivos próximos entre si,
não significa que seguro privado, seguro social e seguridade social sejam a mesma
coisa e, portanto, possam utilizar a mesma técnica. Diferem, do ponto de vista
político, como modos de articulação entre as classes sociais, com distintos níveis de
resposta às suas necessidades materiais, de distribuição de responsabilidades de
financiamento e de graus de democracia nas decisões. Diferem, do ponto de vista
econômico, enquanto fundos redistributivos ou não a serem aplicados em distintos
projetos. Diferem, ainda, do ponto de vista institucional, tendo, seus agentes,
163 Costa in ibid, p. 55.164 Abid, atuário da Companhia Internacional de Seguros e Presidente da Comissão Técnica de Seguros de Vida e Saúde daFederação Nacional de Seguros Privados/FENASEG In Andreazzi (1991), pp. 157-158.
145
objetivos lucrativos ou não lucrativos. Diferem, do ponto de vista técnico, pois a
técnica do seguro não é aquela utilizada para compor um orçamento público nos
moldes da seguridade social. Tampouco a seleção adversa e de risco fazem parte
de um esquema compulsório de seguro social. No caso brasileiro, onde para a
saúde já prevalece, enquanto marco legal para o financiamento da saúde, o
conceito de seguridade universal, em que o fundo público é o determinante na
equalização da cobertura de serviços, essas diferenças tornam-se mais marcadas.
Essa posição não é consensual, entretanto, para outros autores que,
também, analisam o mercado da assistência suplementar, sob o ponto de vista do
seguro: “...A partir das noções das teorias sobre seguro se discute diferenciações
quanto a sua natureza pública ou privada...A definição dos seguros privados por
oposição aos sociais através da oposição de características contratos dos seguros
privados com os sociais, tais como a relação vertical entre a seguradora e o
indivíduo, a voluntariedade e a proporcionalidade entre contribuição e benefício,
freqüentemente utilizada, não se adequa totalmente aos planos e seguros privados
de saúde......Isso não significa subscrever nem as definições que tomam os planos e
seguros privados de saúde como o oposto das políticas universalizantes......quanto
àquelas que os consideram somente uma forma rudimentar do direito à saúde...
coincidem quando homogenizam todas as instituições securitárias entre si ,sejam os Estados de bem-estar social sejam seguradoras privadas...Ewald
reforça a concepção sobre a natureza comum das instituições securitárias. Para
este autor as instituições de seguro diferem quanto aos seus objetivos, clientelas e
base legal mas compartilham a tecnologia do risco. Neste sentido o termo seguro
denota não apenas estas instituições, mas o fator que lhes confere unidade. O
seguro designa sobretudo uma tecnologia abstrata e não exatamente um conceito.
O seguro é uma tecnologia de risco... Conseqüentemente, a par da concordânciacom os teóricos do risco quanto à natureza semelhante das instituiçõessecuritárias é necessário encontrar referências para enfrentar um duplo desafio: o
de discernir as que operam planos e seguros saúde das que seguram outro tipo de
risco e diferenciar as múltiplas organizações securitárias na atuam na área de
saúde.. .166”.
165 Leopoldi (1998), p. 223.166 Bahia (1999), p.54- 55; 66-67.
146
Concluindo, para a autora, concordando com o autor por ela citado (Ewald),
mais importante do que as diferenças entre seguro privado, social e seguridade, são
as diferenças do seguro saúde e outros tipos seguros e entre as diversas
modalidades existentes das instituições securitárias de saúde.
Tal afirmação, obscurece, no nosso entender, o papel das políticas sociais no
capitalismo que, embora, em última análise, sejam congruentes com a reprodução
das relações sociais próprias deste modo de produção (trabalho assalariado), são
mais favoráveis ao avanço dos direitos da maioria. Por serem mais permeáveis à
democracia do que as formas privadas de gestão, são um campo de luta mais
favorável para o enfrentamento dos riscos imanentes da vida material e a
socialização mais eqüitativa dos mesmos. Essa socialização só é permitida, todavia,
através de formas de compatibilização entre contribuição e benefícios que se dão
através do orçamento público. Ou seja, qualquer tentativa historicamente existente,
até o momento, de induzir, por políticas de regulação do Estado, um
comportamento, em termos de cobertura de riscos, do seguro privado de saúde a
semelhança do seguro social, tem significado a utilização de recursos fiscais, e não
têm tido êxito, como o demonstram o caso norte-americano e também o chileno
(Miranda e Molina, 1998).
Por outro lado, ressaltar a natureza comum da técnica do seguro entre
formas tão distintas de proteção contra os riscos da vida – seguro privado, seguro
social e, inclusive, seguridade social – indicaria, segundo nossa visão, duas ordens
de problemas. O primeiro seria a natureza não ideológica, ou “neutra” da técnica do
seguro. Como sobejamente conhecido e já apontado anteriormente, enquanto
características próprias do método, a técnica do seguro não se presta a ultrapassar
condições da vida social que causam riscos à saúde, atuando sobre seus
determinantes (como é o caso da seguridade baseada no orçamento público).
Tampouco permite a cobertura de riscos freqüentes e significativos, como aqueles
advindos do envelhecimento, através do uso, como fator moderador e de equilíbrio
do fundo, de recursos fiscais (caso do seguro social).
O segundo problema refere-se aos incentivos relacionados às formas de
propriedade, que remetem ao debate sobre a natureza da firma. Neste caso, ao se
ressaltar, fundamentalmente, a técnica do seguro como comum às diversas
instituições, públicas, privadas, lucrativas, não-lucrativas, se privilegia a existência
da firma como uma função de produção. São negligenciados seus aspectos
147
institucionais – estrutura de governança - financeiros ou como unidade de
acumulação de capital. Esta discussão específica estará mais apropriada adiante,
no entanto, ao analisarmos as modalidades no interior do próprio mercado de
seguros privados de saúde.
4.1.4 – Síntese da discussão – O que seria a indústria de seguros privados de
saúde?
Poderemos tratar, do ponto de vista econômico, as diversas formas como
tem se organizado a chamada assistência suplementar, no Brasil, como segurosaúde privado, por duas razões principais. Pelo lado da demanda, seus produtos
podem ser, em teoria, substitutivos perfeitos entre si. Diferenciamos, dessa forma,
o seguro privado do social (e da seguridade) pois embora sejam substitutos
próximos, ou seja, as quantidades de um interfiram, até um limite, sobre as do
outro, têm diferenças marcantes. Os seguros privados de saúde apresentamas seguintes características imanentes: risco moral, seleção adversa eseleção de risco, o que não ocorre com as demais modalidades públicas definanciamento.
Assim, para as empresas, dotar seus empregados de um benefício de
saúde sob a forma de um fundo próprio (autogerido ou terceirizado para uma
outra empresa) ou da compra destes serviços a uma organização de pré-
pagamento ou seguradora, depende de um leque grande de variáveis internas e
externas, sendo que a substituição entre estes modelos é quase total. Também o
é para as famílias, com uma amplitude menor de escolhas.
Pelo lado da oferta, a característica central de todas as modalidades da
assistência suplementar seria uma base técnica comum, já identificada,
anteriormente, como seguro, especialmente:
• A atuária, ou seja, a técnica de correta previsão e monetarização de
riscos.
• A gerência de sinistros.
• A produção para o mesmo mercado, como acrescentou Guimarães
(1981).
A fuga aos pressupostos contidos nessa base técnica traria riscos à
solvência financeira da carteira de seguros que, obviamente, só o mutualismo
148
poderia, em tese, contornar, a partir da solidariedade interna de seus membros ou
do aporte financeiro da empresa patrocinadora (ou do questionável apoio do
Estado).
4.1.5 – Segmentação da indústria
O reconhecimento do seguro como base técnica comum a diversas
modalidades, lucrativas ou não, existentes, não significa que as diferenças entre
elas não importem para se avaliar as possibilidades de crescimento de cada uma,
a sua competitividade. Williamson (1984) diria que houve, por parte da teoria
econômica convencional, uma relutância em admitir que as características
organizacionais importam, o que teria freado a pesquisa social no tema das suas
conseqüências econômicas. Mais importante ao nosso ver seria a subestimação
do aspecto central da existência da firma na sociedade capitalista, a acumulação
de capital.
A firma, segundo Guimarães (1981), seria demarcada por duas
características: 1. a partir do trabalho de Penrose (1959)167 a existência de uma
gerência central que é responsável pela definição ou alteração da sua estrutura
administrativa, estabelecendo as políticas gerais e tomando decisões, ao menos,
sobre as estratégias financeiras e de investimento e o preenchimento dos cargos
gerenciais mais elevados; 2. o compartilhamento e controle dos lucros das partes
constituintes pela gerência central responsável pelas decisões de investimento.
Para ele, as partes constituintes isoladas seriam classificadas como quase-firmas.
Tal definição do campo é compatível com outros autores que estudam a
conformação de conglomerados financeiros, como Alcorta (1992)168. Este autor
ressalta que, sejam originárias do capital bancário, industrial ou comercial, estas
firmas interligadas possuiriam ...“sinergias ou lucros sistêmicos”169..., fora do
alcance de empresas individuais. Por isso, a firma ...”não corresponde
necessariamente a uma firma jurídica real, podendo compreender na verdade
várias entidades de tal natureza”170....
167 Penrose,E.T. (1959) The theory of the growth of the firm. Oxford, Basil Blackwell, 1972.168Trata-se de uma tese de Doutorado em Economia defendida junto à Universidade de Sussex.169 Alcorta (1992). p. 15 (tradução livre).170 Guimarães (1981), p. 25.
149
No caso do seguro saúde privado no Brasil, observamos que, na área de
Saúde Coletiva, as formas de organização apresentadas pelos autores que se
referiram ao tema (Médici, 1990; Andreazzi, 1991; Mendes, 1993 e 1996; Ocké,
1995, Almeida, 1998) acabaram adotando aquelas do próprio mercado: auto-
gestão, medicina de grupo, seguro-saúde, cooperativas médicas, planos de
administração. O que não deixa de ter o mérito de destacar os seus aspectos
institucionais.
Pois, a origem destas modalidades, a partir de distintos movimentos de
capital, elucida os interesses em jogo.
O início da constituição do setor, como auto-gestão, já denota um objetivo,
seja de autodefesa de grupos populacionais, seja resultante da relação capital-
trabalho.
Como entes privados organizados especificamente para o negócio de
seguros de saúde, surgiram as empresas médicas de pré-pagamento, na
segunda metade dos anos 50. Já representavam um movimento dos médicos e
hospitais privados rumo à diferenciação interna da categoria, pelas relações de
produção assalariadas ou terceirizadas que aí se estabeleceram. Mas, limitavam-
se, entretanto, ao pequeno e médio capital, articulados ao aparelho de Estado:
“...A constituição e o desenvolvimento das empresas médicas de pré-pagamento
no Rio de Janeiro seguiram dois padrões: primeiro, de caráter limitado, segundo o
qual as empresas se constituíram a partir de investimentos feitos por médicos de
rendas que auferiram em sua prática autônoma; tais médicos apoiaram-se em
estreitas relações com a tecnoburocracia previdenciária para assegurar o sucesso
desses investimentos...”171.
Embora essas empresas médicas tenham realizado contratos com
empresas baseados em custos operacionais, onde funcionam como
administradoras de planos de terceiros, sua carteira numericamente mais
expressiva provinha da modalidade de pré-pagamento (Andreazzi, 1991).
Neste campo do pré-pagamento, com base em estruturas de prestação de
serviços médicos, surgem as cooperativas, como reação ao assalariamento
médico. Nas cooperativas médicas, os médicos são, simultaneamente, sócios da
171 Cordeiro (1984) p. 163.
150
cooperativa e prestadores de serviço. A Unimed, sua principal entidade
congregadora foi fundada em Santos em 1968 (Médici, 1989 e 1990).
A entrada no setor do grande capital é posterior, datando da segunda
metade dos anos 70, após a regulamentação específica do Conselho Nacional de
Seguros Privados/CNSP e da SUSEP172. As empresas seguradoras anteviam, já,
uma taxa de retorno alta: era um mercado em ascensão, numa conjuntura que
combinava recessão e inflação, onde os resultados dos seguros de bens
materiais estavam comprometidos (Andreazzi, 1991). Segundo Lima (1998), entre
1981 e 1993, em função da recessão alternada com a hiperinflação, o
comportamento da indústria de seguros no Brasil, medida pela relação
prêmios/PIB, somente não foi pior em função do crescimento constante dos
ramos “saúde” e “automóveis”. As perspectivas de executivos de grandes
seguradoras como o BRADESCO Seguros e o ITAÚ Seguros, nos anos 80,
seriam do seguro saúde se constituir a terceira carteira em arrecadação de
prêmios, maior do que o seguro de vida173. O que também confirmaria as
previsões de Cordeiro (1984): ...”Um segundo padrão, mais recente, se expressa
pelo movimento, para o setor médico-empresarial, do capital financeiro oriundo
dos seguros privados de saúde, a princípio de empresários e ultimamente de
conglomerados transnacionais. Esta última forma de penetração do capitalismo
na prática médica é, em nosso entendimento, a mais viável para a expansão do
complexo médico-empresarial.
Este processo tenderia a incorporar grupos médicos e hospitais
particulares isolados em grandes empresas que fariam parte de conglomerados
subordinados ao capital financeiro’...174.
A classificação adotada pela ANS175, consolida esta trajetória histórica.
• “II - operadoras de seguros privados de assistência à saúde:
as pessoas jurídicas constituídas e reguladas em conformidade
com a legislação específica para a atividade de comercialização
de seguros e que garantam a cobertura de riscos de assistência
172 Resolução CNSP 11/76 de 21-05-76 seguida da Circular SUSEP 59 (ver Andreazzi, 1991).173Ver "Falam os Especialistas sobre Seguro Saúde" in FENASEG - Cadernos de Seguro, 1984, 3(19):11-23.inAndreazzi(1991)174Cordeiro (1984) pp. 163-164.175 Medida Provisória No 1.976-30, de 28 de agosto de 2000.
151
à saúde, mediante livre escolha pelo segurado do prestador do
respectivo serviço e reembolso de despesas, exclusivamente”.
E, ainda, pela Resolução da ANS no. 39 de 27/10/2000, que trata da
segmentação e da classificação das operadoras de planos de saúde:
1. Administradoras – “empresas que administram planos ou serviços de
assistência à saúde, sendo que, no caso de administração de planos,
são financiados por operadora, não assumem o risco decorrente da
operação desses planos e não possuem rede própria, credenciada ou
referenciada de serviços médico-hospitalares e odontológicos” (Art. 11).
2. Cooperativa médica – “sociedade de pessoas sem fins lucrativos,
constituídas conforme o disposto na Lei no. 5764 de 16/12/1971, que
operam Planos Privados de Assistência à Saúde”(Art. 12).
3. Cooperativa Odontológica – “sociedade de pessoas sem fins
lucrativos, constituídas conforme o disposto na Lei no. 5764 de
16/12/1971, que operam exclusivamente planos odontológicos” (Art. 13)
4. Auto-gestão – “Classificam-se na modalidade de auto-gestão as
entidades de auto-gestão que operam serviços de assistência à saúde,
ou empresas que, por intermédio de seu departamento de recursos
humanos ou órgão assemelhado, reponsabilizam-se pelo Plano Privado
de Assistência à Saúde destinado, exclusivamente a oferecer cobertura
aos empregados ativos, aposentados, pensionistas ou ex-empregados,
bem como a seus respectivos grupos familiares definidos, limitados ao
terceiro grau de parentesco consangüíneo ou afim, de uma ou mais
empresas, ou ainda a participantes e dependentes de associação de
pessoas físicas ou jurídicas, fundações, sindicatos, entidades de classe
profissionais ou assemelhados” (Art. 14).
5. Medicina de grupo – “empresas ou entidades que operam planos
privados de assistência à saúde, excetuando-se as modalidades
anteriores” (Art.15).
6. Odontologia de grupo – “empresas ou entidades que operam
exclusivamente planos odontológicos, excetuando-se as modalidades
anteriores”(Art. 16)
7. Filantropia – “Classificam-se na modalidade de filantropia as entidades
sem fins lucrativos que operam Planos Privados de Assistência à Saúde
152
e tenham obtido certificado de entidade filantrópica junto ao Conselho
Nacional de Assistência Social e declaração de entidade pública federal
junto ao Ministério da Justiça ou declaração de entidade pública
estadual ou municipal junto aos Órgãos dos Governos Estaduais e
Municipais’(Art. 17).
A legislação mantém as restrições de origem, no Brasil, para as seguradoras
acumularem o seguro com a assistência direta à saúde176: “Para o cumprimento
das obrigações constantes do contrato, as pessoas jurídicas de que trata esta Lei
poderão:
I - nos planos privados de assistência à saúde, manter serviços próprios,
contratar ou credenciar pessoas físicas ou jurídicas legalmente habilitadas e
reembolsar o beneficiário das despesas decorrentes de eventos cobertos pelo
plano;
II - nos seguros privados de assistência à saúde, reembolsar o segurado ou,
ainda, pagar por ordem e conta deste, diretamente aos prestadores, livremente
escolhidos pelo segurado, as despesas advindas de eventos cobertos, nos limites
da apólice.
Parágrafo único. Nos seguros privados de assistência à saúde, e sem que
isso implique o desvirtuamento do princípio da livre escolha dos segurados,
as sociedades seguradoras podem apresentar relação de prestadores de
serviços de assistência à saúde”
O entendimento de que as firmas, de fato, possam suplantar estas
restrições da regulação só é possível de se entender nos marcos da constituição
dos conglomerados financeiros.
Com isso, com o intuito de delimitar a oferta atual, a partir de grandes
linhas classificatórias, são identificadas três grandes modalidades:
a) Seguros saúde. Os seguros saúde apresentam uma peculiaridade importante
que é a impossibilidade da companhia seguradora, ao contrário da organização
médica de pré-pagamento, prestar diretamente assistência médica;
b) Organizações médicas de pré-pagamento - diferenciadas dos seguros pela
congregação, na mesma entidade, do aspecto financeiro - cobertura de riscos - e
176 Art. 2 da Medida Provisória No 1.976-30, de 28 de agosto de 2000.
153
do aspecto da assistência médica propriamente dita, em proporções diversas.
Subdividem-se, em função da organização do capital (origem e finalidade) em:
. empresas comerciais;
. instituições sem fins lucrativos;
. cooperativas médicas.
c) Autogestão. Os planos de autogestão são os próprios responsáveis pela
cobertura dos riscos da população que o constituiu. São organizados, em geral,
no bojo de planos de Previdência complementar fechada.
Restariam as empresas de terceirização de planos de auto-gestão, que são
um segmento pequeno da indústria. Além da existência de firmas separadas,
nota-se que tanto as seguradoras, quanto as organizações de pré-pagamento,
fazem contratos coletivos, cujo risco é assumido pelas empresas contratantes, o
que não deixa de significar uma terceirização da auto-gestão.
Mais recentemente, Bahia (1999) tenta estabelecer as diferenças entre as
modalidades, a partir das formas de gestão do risco pelas empresas – a retenção,
a transferência e o compartilhamento entre elas, seus contratantes e seus
contratados (prestadores de serviços de saúde). Identifica, assim, uma matriz
mutualista e uma matriz securitária. A primeira, na qual os subscritores do seguro,
empresários, empregados ou ambos, reteriam o risco. Trata-se, a segunda, da
função mais tradicional de empresas que comercializam seguros.
A análise do mercado, no entanto, inclusive a apresentada pela autora,
aponta um número razoável de exemplos em que se nota a convivência, no
interior da mesma firma, das duas matrizes:
• Empresas de auto-gestão, que se propõem a implantar uma gestão do
plano baseada na atuária, como a CASSI (do Banco do Brasil)177. Bem
recentemente, o mercado receia que a PETROS (Petrobrás)
transformada em PETROSAÚDE178 busque clientes no mercado,
competindo diretamente com as outras modalidades.
• Seguradoras que administram planos fechados de empresas, o que é
típico da matriz mutualista (ainda nos anos 80, como foi o caso da
177 www.cassi.org.br em 03/02178 Folha de São Paulo, 05/06/01
154
Sulamed, do grupo Sul América). Também ocorre com outras
modalidades, como as cooperativas médicas.179
Assim, não, fundamentalmente, pela organização da informação disponível,
que impediria a análise do mercado sob o ponto de vista dessas matrizes180, mas
pelas estratégias das empresas face aos desafios impostos pela concorrência, as
diferenças entre as modalidades vão se aplainando181.
Embora de forma não consciente, é possível que as limitações destas
matrizes para estabelecer uma clivagem entre as modalidades empresariais se
deva à visão tradicional da firma, aí contida, como uma função (técnica) de
produção. Considera-se isto insuficiente para empreender uma análise
prospectiva do mercado que ultrapasse o empirismo, já que subestimaria, de
início, seus aspectos institucionais. Além disso, subestimaria o próprio motivo de
ser das firmas, no capitalismo: acumular capital – mudar escala. Não apenas para
Marx, mas também para Weber, o gosto pela busca do dinheiro, per si, é
histórico, correspondendo ao capitalismo:
“...Perseguir a riqueza em proveito próprio era um fenômeno que, como
um ethos moral de caráter geral, se encontrava apenas no capitalismo moderno.
Marx foi tão específico em relação a essa questão quanto Weber”182...
O capital não tem predileção por um ou outro ramo da produção, embora a
mobilidade do capital entre os ramos não esteja isenta de custos “de saída”. Tal
fato só não ocorre quando transformado em capital financeiro.
Cabe, aqui, ainda, um comentário que diz respeito à abordagem de
categorias institucionais não-lucrativas como “firmas/unidades de acumulação de
capital”. Entendendo que os incentivos derivados destas formas de propriedade
são distintos da empresa lucrativa, o que se procurará perceber é como o
ambiente competitivo acaba repercutindo sobre as estratégias das filantrópicas ou
não-lucrativas, de modo que a resultante seja comparável. Kuttner (1998), que é
um economista de recorte presumivelmente keynesiano, que analisou a evolução
179 Ver Andreazzi (1991). Para as cooperativas médicas, em 2001, o dado é baseado em entrevista com gerente desinistros.180 Ver Bahia (1999),p. 160, que é contradito mais à frente pela afirmação de que: “... Tais contratos (de custooperacional) não apenas tornam as empresas de assistência médica suplementar indiferenciadas, já que independente desua natureza jurídico-institucional, estas se dispõem a administrar planos”...(p. 204)181 Isto já havia sido afirmado por Sommers e Sommers, em 1961, para o caso norte-americano (em Andreazzi, 1991).Nos quase idênticos termos da formulação por mim adotada em 1991, a partir destes últimos autores norte-americanos, seposicionou Almeida (1998).182 Giddens (1993), p. 91
155
recente da privatização, nos Estados Unidos, destacando o setor saúde, nos
revela: ...”Como no caso dos hospitais, à medida que as companhias lucrativas
venham a dominar o setor de HMOs, as HMOs não lucrativas começam,
defensivamente, a imitar as lucrativas – selecionando riscos, limitando serviços,
promovendo um marketing agressivo e construindo rede de provedores cuja
lógica é mais empresarial do que clínica”183...
4.1.6 – Processos de acumulação de capital
Como a atividade seguradora acumularia capital?
Para o capital produtivo, o seguro de bens materiais entraria na conta dos
custos de conservação do capital constante. Como fundo de reserva para a
manutenção da produção, ameaçada por diversos riscos, advém-se a sua
transformação em capital graças à existência dos capitalistas de seguro.
Tal raciocínio, em circunstâncias especiais, ou seja, na dependência das
políticas sociais (quando haveria graus de socialização destes custos de
manutenção da força-de-trabalho através do Estado), pode ser transposto aos
seguros de vida, inclusive saúde.
Para a economia convencional, entra na conta das empresas como custos
de manutenção – é uma parcela dos gastos operacionais. Para os autores
marxistas, é parte da mais–valia.
O ganho do capitalista de seguro, na sua versão tradicional de prestador de
serviços às empresas e às famílias, advém da diferença entre os prêmios
coletados e sinistros pagos.
Para o segurador, como capitalista financeiro, de uma correta política de
investimentos do “capital dinheiro” que administra. O fundo de seguros pode
reverter, então, à produção como crédito para as empresas ou pode entrar no
circuito de autovalorização financeira.
A taxa de sinistralidade, no caso da saúde, depende, pois, da magnitude do
risco – doença e dos gastos para sua reparação. Como o gasto com saúde tem,
empiricamente, crescido, a manutenção, para o capitalista de seguro, de sua taxa
de lucro num patamar estável, implica:
183 Kuttner (1998), p. 135 (tradução livre).
156
a) O aumento deste prêmio – disputando, pois com outros gastos de operação,
manutenção e investimento, a parcela do lucro das empresas ou do orçamento
das famílias. Este aumento, no entanto estaria na dependência do processo
competitivo entre os capitalistas de seguro e, também, das políticas de
regulação do Estado, acaso existentes.
b) A interferência sobre os gastos - no caso da saúde, ao contrário dos outros
seguros, ocorreram algumas circunstâncias especiais. Houve um processo de
organização de estruturas de crédito ao seu consumo, por parte dos
prestadores de serviço: no Brasil, empresas de pré-pagamento e cooperativas
médicas; nos EUA, HMOs (Health Maintenance Organizations). Sua base
técnica é igual ao seguro tradicional, mas podem ter um maior controle sobre
os gastos e também uma maior interferência sobre os riscos, através de
técnicas de prevenção ao nível do indivíduo. Isto gerou um outro ambiente
competitivo. Ambiente que levou as próprias empresas seguradoras a
estratégias de controle dos gastos, na medida em que sua margem de
manobra sobre os prêmios é reduzida pela competição. Se, nos EUA, as
empresas originais de manutenção de saúde/HMOs eram organizadas,
basicamente por prestadores de serviços, hoje, as seguradoras controlam uma
parte significativa do mercado (Salmon, 1995). No Brasil, embora as
seguradoras não possam organizar diretamente a prestação de serviços
médico-assistenciais, elas, assim como outras modalidades de seguro, têm
investido em técnicas de controle dos gastos, ao nível, principalmente, dos
prestadores de serviço. Podem, também, e o têm feito, organizar quase-firmas
de medicina de grupo, onde estas restrições são contornadas, como foi o caso
recente da Sul América Aetna, que registrou uma empresa de medicina de
grupo184.
c) A tentativa de interferência nos riscos – no caso dos riscos envolvidos com o
processo de saúde – doença, as concepções mais atuais apontam para sua
multicausalidade, com uma influência decisiva do ambiente social e natural na
sua gênese185. O que não implica em que se possam desenvolver algumas
atividades de controle ao nível do indivíduo. Uma das limitações do
investimento nesta estratégia, para os capitalistas de seguro, é que os seus
184 Encontrada na home-page da ABRAMGE na lista das 20 maiores empresas em 2001.185 Consubstanciada pelos países membros da OMS na Declaração de Ottawa em 1986
157
resultados podem se dar num prazo maior do que o período do contrato com o
indivíduo ou grupo em questão. Ou seja, para ele seria um custo passível ou
não ser por ele recuperado (e sim, por seu concorrente). O que não impede
que muitas operadoras de planos de saúde invistam em algumas estratégias
de prevenção, embora ainda não se conte com estudos mais abrangentes, no
Brasil, que avaliam os resultados destes programas186.
d) A maximização dos ganhos no circuito financeiro – cabe aqui diferenciar
possíveis estratégias numa conjuntura econômica francamente inflacionária,
como foi aquela dos anos 80 até a primeira metade dos anos 90, com poucas
exceções, e a relativa estabilização pós-Real (1994). No primeiro caso,
ganhava-se na espiral inflacionária através de um volume de prêmios retidos,
de várias maneiras, inclusive pela diferença do tempo de pagamento dos
sinistros. Na pós-estabilização, abunda na literatura da ABRAMGE187 a
constatação sobre a dificuldade de algumas empresas de adaptarem-se aos
novos tempos. Neste novo momento, importa mais o equilíbrio atuarial do
plano, para que a taxa de sinistralidade não ultrapasse os limites de solvência,
o que torna necessária a avaliação mais criteriosa dos riscos cobertos e uma
gerência estrita sobre os sinistros.
4.2 - Serviços Privados de Saúde
4.2.1 – Definições
Constituiriam os serviços de saúde, mesmo sub-divididos nos serviços
médicos e hospitalares188, um setor extremamente diferenciado. A natureza das
mudanças tecnológicas, que explicam esta diferenciação, tem sido intensas. Até a
década de 50, o cuidado com a saúde era oferecido de uma maneira quase
artesanal, através do médico, profissional liberal em seu consultório e prestando
serviços aos hospitais, geralmente organizados de forma não lucrativa. Pari passu
às transformações industriais na produção de medicamentos e equipamentos
médicos muda o significado da prática médica, que passa a ser instrumento para
186 Para uma revisão de alguns trabalhos internacionais neste sentido, ver Trindade e Fernandes (2000)187 Medicina Social, revista bimensal, vários números entre os anos de 1995 a 2001188 De acordo com a metodologia de Katz supracitada.
158
viabilizar a realização das mercadorias produzidas. A tecnificação do ato médico,
dentro do hospital, ao princípio deste processo (décadas de 60 e 70) e, depois,
também no ambulatório (década de 70), cria as possibilidades para uma maior
organização social da prática médica, inclusive para o seu empresariamento.
Não obstante esta diferenciação no interior dos serviços de saúde é
possível tentar aplicar as definições de mercado e indústria até aqui trabalhadas.
Por um lado, como produtos substitutivos próximos, é possível clivar, de
fato, a assistência médica e hospitalar da odontológica e, quiçá, de serviços de
enfermagem de longa duração189.
Com uma trocabilidade maior estaria a chamada medicina alternativa, pois
em algumas situações, ela funcionaria, muito mais, como uma adição, do que
uma substituição à medicina ortodoxa.
Base técnica comum entre os serviços médicos e hospitalares seria a
ciência médica ocidental ortodoxa. Como elo entre as diversas combinações de
equipamentos, mão-de-obra especializada e tecnologia, que competiriam em
“sub-mercados”, estaria o médico como ordenador da demanda pelos seus
diversos produtos. Ou seja, com exceção do mercado médico, não há demanda
espontânea dos que, efetivamente, irão consumir os serviços do mercado
hospitalar e diversos sub-mercados – laboratório, imagens, etc.
Figueras (1991) afirma ser a saúde uma indústria multiproduto, sendo
possível analisar o agregado ou cada uma das partes, conforme o interesse do
estudo.
Ao contrário do seguro privado, cuja trocabilidade com as formas sociais de
financiamento é limitada, no caso dos serviços de saúde, é possível prever que
seja maior. Por um lado, porque a Ética das práticas profissionais em que se
baseia este mercado – Médica, Odontológica, da Enfermagem – não permite que
haja diferenciações técnicas de atendimento a partir de características do
indivíduo, como, por exemplo, o seu orçamento. Por definição, as diferenças
eticamente permitidas referem-se a aspectos da forma e não do conteúdo –
aparência das instalações, comodidade dos horários.
189 Estes apresentam um crescimento muito grande nos países industrializados (as ‘nursing home care”), mas ainda nãotem expressão no nosso país.
159
Tal circunstância colocaria a assistência médico-hospitalar privada (eo seguro saúde privado) na categoria teórica de bem suntuoso.
Corrobora essa afirmação o fato de, no Brasil, concordam autores como
França (1997); Almeida (1998) e Bahia (1999) que os serviços de saúde privados
que prestam serviços para as seguradoras privadas e para o SUS são, na sua
maioria, os mesmos. Corrobora ainda, a experiência social-democrata mais
igualitária no consumo de serviços de saúde – Canadá, Escandinávia, Reino
Unido pré-Thatcher – em que a utilização de serviços privados de saúde é
bastante pequena (Almeida, 1998). Finalmente, corroboraria a hipótese da
trocabilidade entre o serviço médico-hospitalar público e privado, fato amplamente
conhecido na prática, de profissionais de saúde desviarem clientela pública para
seus serviços próprios. Os mecanismos podem ser vários: deterioração proposital
das instalações e equipamentos, baixa qualidade técnica também proposital,
horários incompatíveis, absenteísmo alto, ou, mesmo, por uma opção da própria
gerência política do setor de não expandir a oferta.
Identificaria-se uma diferença marcante do mercado de serviços de saúde
relativa ao modelo de análise dos mercados, em geral: o consumo de serviços de
saúde, sua intensidade e combinação, passam necessariamente pela indicação
do médico que, assim, age em nome do paciente. Suas ações, portanto, ..."tem
conseqüências sobre os custos e qualidade da atenção e podem ter considerável
efeito sobre o uso racional de medicamentos para os pacientes individuais e para
a atenção de saúde, como um todo..."190 .
4.2.2 – Características do mercado de serviços de saúde
É razoavelmente consensual que o mercado de serviços de saúde possua
algumas características específicas. Para as vertentes econômicas mais
tradicionais, elas também se encaixariam nos seus conceitos de falhas de
mercado - imperfeições do processo competitivo. Outras as classificariam como
custos de transação, ou seja, custos de funcionamento de mecanismos de
mercado. São elas:
190 Dong et al. (1999), pp. 686-7.
160
2. Assimetria de informação - os consumidores possuiriam muito pouca
informação relativa aos produtores: ..."; os pacientes poderiam aceitar, ou até
mesmo demandar, tratamentos que não comprariam se completamente
informados, mas que são vantajosos, financeiramente, para os profissionais
médicos... 191 (ou para a indústria produtora)192.
3. Existência de externalidades - muitos dos cuidados à saúde, como os
preventivos e o tratamento de doenças infecto-contagiosas, acarretariam
benefícios que extrapolam o consumidor. Isto tornaria, muitas vezes, difícil que
os consumidores individuais se disponham a pagar por eles, no nível que seria
eficaz, como por exemplo, no caso de campanhas de vacinação (Musgrove,
1999).
4. Presença do terceiro pagador - de seguros sociais ou privados, em que o
consumidor não teria, no ponto de uso do serviço, as restrições orçamentárias
clássicas da compra direta, o que poderia levá-lo a consumir mais serviços do
que o necessário para seu bem-estar. Quando um ou mais componentes,
apenas, da atenção médica é coberto, o preço deste componente ao
consumidor, relativo ao preço de outros componentes da atenção fica
distorcido (Feldstein, 1988). Ou então, a sua utilização.
5. Presença de inúmeras instituições não-lucrativas que tornaria necessária a
identificação de outros objetivos maximizadores diferentes do lucro para os
produtores de serviços de saúde, sejam eles médicos ou donos de hospitais e
outros tipos de estabelecimento. Nos Estados Unidos, tornaram-se também
bastantes conhecidos os estudos de Feldstein (1988), para analisar os
objetivos dos hospitais não-lucrativos, que se constituíam na grande maioria
na época. Segundo esta abordagem teórica, verificou-se que não era a
maximização do lucro do hospital que ocorria, e sim a maximização do
rendimento individual dos médicos que atuavam no hospital. E, também, a
viabilização dos interesses estratégicos de outros agentes econômicos que
faziam parte dos Conselhos de Administração destas instituições -
empresários, representantes das indústrias relacionadas à área de saúde,
capital financeiro, sob a forma de seguradoras ou bancos investidores. Todos
interessados, por motivos diversos, numa forma de competição por
191 Musgrove (1999), p. 84.192 Acréscimo da autora.
161
diferenciação de produtos, no caso, incorporação tecnológica, inflacionária de
custos.
6. Como conseqüência das características acima, algum grau de indução da
demanda pela oferta193.
4.2.3 – Organização histórica da indústria de serviços de saúde
Afirmava Roemer (1989) que, tradicionalmente, na sociedade ocidental, os
médicos constituíram uma parcela da pequena burguesia que organizava sua
prática de forma liberal, recebendo uma remuneração em troca de seus serviços.
Sua demanda, desta forma, estava limitada pelo orçamento das famílias, sendo
buscada, portanto, nas camadas mais abastadas da população. Por isso, durante
muito tempo, e até os dias de hoje, em certas regiões, a atenção médica teve
como produtos substitutivos próximos àqueles oferecidos por: curandeiros,
parteiras, cirurgiões práticos e outros profissionais que compartilhavam
conhecimentos distintos entre si e da ciência oficial.
Embora várias formas de remuneração tenham sido encontradas ao longo
do tempo, o pós-pagamento por ato médico ou profissional é a mais conhecida.
Com a industrialização e a constituição de fundos mútuos, precursores do seguro
social, estes também passam a estabelecer contratos com os médicos baseados
em outras formas de remuneração. Uma delas foi o assalariamento, pelo avanço
de modalidades capitalistas de prestação de serviços de saúde, que passaram a
explorar mais-valia do trabalho.
A origem do setor privado de serviços de saúde, no Brasil, está associada,
como em muitos outros casos nacionais, à atividade liberal médica e aos hospitais
filantrópicos, de ordens religiosas e mutuais. Viu-se que o setor hospitalar seguiu,
no país, um padrão parecido com o havido no mundo ocidental (Roemer, 1980):
organizou-se, a princípio, em instituições gerenciadas por Ordens Religiosas e
financiadas através de donativos, as Santas Casas e hospitais religiosos
(Confederação das Misericórdias do Brasil, 1992). Com o grande fluxo de
193 Uma outra forma de afirmar tal característica é a demanda inelástica em relação ao preço: ...”Em outras palavras,independente do preço - por se tratar de uma necessidade - o “consumidor” estaria disposto a pagar o que fosse preciso,se recursos financeiros suficientes tivesse, no sentido de resolver ou atenuar o seu problema de saúde. De fato, essacaracterística da demanda permite que os preços dos serviços médicos, hospitalares e dos medicamentos sejam elevados,em certa medida, acima das demais atividades econômicas, a despeito da restrição orçamentária das famílias”...(Ocké,Silveira e Andreazzi, 2002), p. 20.
162
imigrantes ocorrido a partir da segunda metade do século XIX até as duas
primeiras décadas do século XX, as entidades mutualistas, sem fins lucrativos,
que surgiram, também mantiveram hospitais, particularmente em grandes centros
urbanos.
A organização de bases de financiamento provindas do seguro social, a
partir dos anos 30, implicou em um crescimento importante da prestação privada
lucrativa de serviços de saúde, seja sob a forma de hospitais e clínicas
contratadas através de pós-pagamento por serviços produzidos, seja através de
empresas médicas de pré-pagamento (Braga e Paula, 1981; Cordeiro,1980 e
1984). Breves foram os períodos em que o seguro social implementou uma
política de auto-suficiência de oferta hospitalar através de organizações estatais
(Luz, 1979). Médici (1990) também apontava que a rede hospitalar privada, na
metade dos anos 50, já era maior do que a pública, e era financiada, em grande
parte, pelo Estado, para além de suas formas originais, assentadas na caridade. Na
década de 1960, com a existência de recursos de capital através do Fundo de
Ação Social/FAS da Caixa Econômica Federal, houve um grande surto de
crescimento dos hospitais privados.
4.2.4 – Segmentação da indústria
Os serviços de saúde, em função da diferenciação de produtos existente,
compõe-se de diferenciados e numerosos segmentos, sintetizados por Katz e
Munoz (1988) em dois tipos: o médico e o hospitalar, em termos amplos. O
segmento médico pode ser classificado em liberais autônomos, credenciados
pelos seguros e assalariados. No caso do hospitalar, trabalhando com a
nomenclatura vigente nas pesquisas sobre a oferta de serviços de saúde
(Assistência Médico-Sanitária do IBGE), adotaremos a denominação geral de
estabelecimentos de saúde, com internação e sem internação.
Para analisarmos essa indústria, do ponto de vista dos processos de
acumulação de capital, pensa-se necessário estabelecer uma clivagem das
firmas, a partir da sua natureza jurídica. São identificadas, desse modo, duas
grandes categorias: os estabelecimentos lucrativos e os não-lucrativos. Para o
IBGE (2000b), os primeiros são constituídos como empresas comerciais ou
mistas. Os segundos apresentam uma diversidade maior: são Fundações,
163
Serviços Sociais Autônomos, Entidades Filantrópicas, Cooperativas, Sindicatos
ou Instituições Beneficentes.
4.2.5 - Processos de acumulação de capital.
Como a atividade de serviços acumularia capital?
Na tradição marxista194, serviços são ramos autônomos da indústria nos
quais a produção e consumo ocorrem no mesmo momento. O valor de troca é
determinado, como o das demais mercadorias, pelo valor dos elementos de
produção, acrescido da mais-valia, criada pelo mais-trabalho dos trabalhadores
empregados. Seu valor é transferido, como valor adicional, ao produto. Existiria, já
na época em que Marx escreve “O Capital” (segunda metade do século XIX),
relações capitalistas no denominado “domínio da produção imaterial”, porém de
forma, ainda, muito reduzida.
Para Gadrey (1996), tal definição não difere muito da tradição clássica, que
considera como serviço quando a produção for imaterial (perecível no mesmo
instante da produção). Gadrey (1996), assim, operacionaliza os serviços: ...”uma
atividade de serviços é uma operação, visando a transformação do estado de
uma realidade C, possuída ou utilizada por um consumidor (ou cliente, ou usuário)
B, realizada por um prestatário A à demanda de B (...ou com a concordância
de...)...não susceptível de circular economicamente independente do suporte
C...195
Além do valor retirado do mais-trabalho, para o capitalista de serviços pode
haver:
a) Ganhos comerciais – ao negociar fatores de produção e na venda dos
seus serviços, na dependência das estruturas de mercado.
b) Ganhos financeiros.
4.3 – Acumulação de Capital no Setor Saúde: Uma Análise Integrada.
Com os vários aspectos da produção de seguros e serviços de saúde
vistos, segue-se uma análise mais integradora dos mecanismos de acumulação
194 O Capital, Livro Segundo e Livro Quarto.195 Gadrey (1996), p. 17 (tradução livre)
164
de capital existentes no setor saúde aqui identificados. Tal procedimento se faz
necessário, na medida em que apontamos na metodologia, a partir de Katz,
serem estes mecanismos um dos fatores importantes para o nosso esquema de
análise dos mercados em saúde.
• Serviços de saúde – Seria o esquema clássico de reprodução ampliada
de Marx196, ou seja
D (dinheiro)-M (Força-de-trabalho e Meios de produção) ...P
(processo de trabalho)... –M” (mercadoria) - D’( dinheiro + mais-valia)
onde M não circula e a acumulação ocorre pela apropriação da mais–valia dos
trabalhadores pelo empresário de serviço: "...mas o valor de troca desse efeito útil
é determinado, como o das demais mercadorias, pelo valor dos elementos de
produção consumidos para obtê-lo somados à mais-valia, criada pelo mais-
trabalho dos trabalhadores empregados na indústria..."197
Nos escritos de Marx, e particularmente no Livro 4 (Teorias da Mais-Valia),
no capítulo denominado “Produtividade do Capital. Trabalho Produtivo e
Improdutivo”, onde ele se detém sobre as atividades de serviços, ele ressalta que
o que definiria o trabalho como produtivo é a relação social de produção – a
confrontação do trabalho humano com os outros meios de produção, como
mercadoria, o que só ocorre com o assalariamento.
Haveria outros ganhos, entretanto, para este empresário de serviços:
a) Ganho comercial – decorrente da diferença entre a compra de meios de
produção e a venda da mercadoria acima do valor – que dependeria,
em grande parte, das estruturas de mercado dos fatores de produção e
o de serviços propriamente dito. Ou seja, dos poderes econômicos
relativos de cada agente e de sua capacidade de atuação conjunta em
prol de seus próprios interesses198.
b) Ganho financeiro
196 O Capital, Livro Segundo, capítulo I – O Ciclo do Capital Monetário197 O Capital, Livro Segundo, pp. 42-43198 ...”As metamorfoses M-D e D-M são, porém, transações que ocorrem entre comprador e vendedor; eles precisam detempo para se pôr de acordo, tanto mais que aí ocorre uma luta em que cada lado procura tirar vantagens do outro, esão homens de negócio que se enfrentam... As mudanças de estado custa tempo e força-de-trabalho, não para criarvalor, mas para realizar a conversão de uma forma em outra”...(O Capital, Livro Segundo, p. 95)
165
i. Indústria
D -M ...P ... –M” - D’
onde M tem que ser consumido por recomendação do médico (medicamento) ou
como meio de produção do serviço de saúde (como bem de consumo
intermediário). Apresentando aqui lucros de monopólio (preço muito acima do
custo marginal ou então, do custo médio de produção) e produtividade elevada
(decorrente da incorporação do progresso técnico, que reduz custo de produção
das mercadorias).
• Seguro
Para o seguro, há, como crédito às famílias e empresas, uma apropriação
da parcela da mais-valia do capital produtivo em geral ou do salário, como fundo
de consumo, com gastos de reparação da força-de-trabalho. Parte desta parcela
é transferida aos serviços, quando de um sinistro. Disputaria, ainda, com os
capitalistas de serviços, parcela da mais-valia produzida no próprio serviço de
saúde. Existe, ainda:
a) Ganho comercial – provindo da diferença entre prêmio e sinistro, seja pelas
negociações com os compradores do seguro, seja com os vendedores de
serviços.
b) Ganho financeiro – onde importa aqui considerar que, embora o esquema,
visto abaixo, destaca o processo de acumulação financeira - transformação
de D’ em Dn linhas - as tradições que seguimos, inclusive as versões
heterodoxas (Chesnais, 1996; 1998) questionam a autonomia absoluta da
esfera financeira. Pois estes movimentos de auto-valorização do capital se
dão depois que este sai da esfera produtiva. No entanto: ...”a capacidade
de o capital fazer valer suas exigências na partilha da mais–valia vai
depender do grau de centralização e de concentração atingido pelo capital
monetário.”199
199 Chesnais (1996), p. 247.
166
Produtivo Financeiro
Serviço
Circuito D ......D-M-D’ .....D’’ ...............D’’’...........D’”””
II - INDÚSTRIA DE SEGUROS E SERVIÇOS DE SAÚDE: ESTRUTURA E
DINÂMICA
Nesta parte se apresentarão as características da estrutura das indústrias
de seguros e serviços de saúde, assim como os elementos do processo
competitivo entre as empresas. Seu objetivo principal é apreender as mudanças
ocorridas no período de análise.
Os resultados encontrados estão organizados de uma maneira quase
similar para as duas indústrias em estudo. Inicia-se pela apresentação dos
principais mecanismos de regulação e pela importância econômica de cada uma.
Segue-se a discussão sobre a natureza dos produtos e das mudanças técnicas e
a identificação da presença ou não de determinantes tecnológicos que favoreçam
a grande empresa e, portanto, que facilitam a concentração na indústria.
Apresentam-se, na ordem, achados relativos às estratégias das empresas e a
distribuição do Market-share (participação relativa das firmas no mercado).
Finaliza-se com a breve descrição das formas de organização dos ofertantes.
A análise mais fina dos processos considerados mais relevantes é remetida
ao capítulo 5.
4.4 – Seguros Privados de Saúde
4.4.1– Regulação
As políticas estatais dirigidas a este mercado, até o final dos anos 90,
estavam, principalmente, voltadas ao estímulo para o seu funcionamento. Eram
elas, basicamente:
• Política de contratação privilegiada por parte do seguro social, através
de convênios empresa de pré-pagamento (Cordeiro, 1984), que durou
até 1983, quando estes são extintos (Connill, 1988).
• Política fiscal altamente favorável, situação que se mantém.
167
A regulação propriamente dita tem um marco inicial no Decreto Lei 73 de
1966 (Sistema Nacional de Seguros Privados). Sua regulamentação posterior,
pelo Conselho Nacional de Seguros Privados/CNSP e pela Superintendência de
Seguros Privados/SUSEP restringiu-se às seguradoras, que são autorizadas a
operar neste mercado, a partir de 1976. As empresas médicas vêm contanto,
neste período, com a sua regulamentação específica enquanto serviço de saúde,
através do registro obrigatório e fiscalização nos Conselhos de Medicina. Os
planos de auto-gestão, do ponto de vista econômico-financeiro, foram regulados,
a partir de 1977, através da Lei que criou a Previdência Privada Complementar200
Mas somente foi a partir da Lei 9656/98, da Lei 9961/00 que criou a
Agência Nacional de Saúde Suplementar e das Medidas Provisórias e demais
instrumentos normativos que se seguiram, que passa a existir uma regulação
integral do mercado.
Até o momento, as diretivas que podem causar impactos sobre a
competitividade das firmas e que, repercutem, portanto, na estrutura e dinâmica
deste mercado, podem ser vistas esquematicamente no quadro 4.2:
200 Ver a história desta regulação, até 1990, em Andreazzi (1991). Nos anos 90, em Bahia (1999).
168
Regulação estatal do Assistência Suplementar, Brasil, após Lei 9656/98
Política fiscal* Produto Condições de Entrada Condições de Saída Política financeira Preço Qualidade Fusões
SeguradorasCOFINS, IOF,
IRPJ, CSLL, ISS,PIS-PASEP
RDC 7 de 18/02/00 -Dispõe sobre ooferecimentoobrigatório do
plano referência
Lei 10.185 de 2/02/2001 -
operacionalização deseguro saúde deve ser
feita por pessoasjurídica que
comercialize apenaseste produto
N.i.
As sociedadesanônimas temsuas contas
aprovadas pelaComissão de
ValoresMobiliários. RDC
ANS 77 de17/07/01.
RDC ANS 66 de04/05/01 -
Normas parareajustes
(pessoa física).Código dedefesa do
consumidor
N.i.Legislação
específica dedefesa da
concorrência.
Medicina deGrupo -
lucrativas
COFINS, IRPJ,CSLL, IOF, ISS,
PIS-PASEPRDC 7 de 18/02/00 -
Dispõe sobre ooferecimentoobrigatório do
plano referência
Registro nosConselhos de
Medicina
N.i.
As sociedadesanônimas temsuas contas
aprovadas pelaComissão de
ValoresMobiliários. RDC
ANS 77 de17/07/01.
RDC ANS 66 de04/05/01 -
Normas parareajustes
(pessoa física).Código dedefesa do
consumidor
N.i.Legislação
específica dedefesa da
concorrência.
Medicina deGrupo - não-lucrativas e
hospitaisfilantrópicos
IOF RDC 7 de 18/02/00 -Dispõe sobre ooferecimentoobrigatório do
plano referência
Registro nosConselhos de
Medicina
N.i.
RDC ANS 77 de17/07/01.
RDC ANS 66 de04/05/01 -
Normas parareajustes
(pessoa física).Código dedefesa do
consumidor
N.i. N.i.
Cooperativamédica
ISS(contestado),PIS/PASEP,
COFINS
RDC 7 de 18/02/00 -Dispõe sobre ooferecimentoobrigatório do
plano referência
Registro nosConselhos de
Medicina
N.i.
RDC ANS 77 de17/07/01.
RDC ANS 66 de04/05/01 -
Normas parareajustes
(pessoa física).Código dedefesa do
consumidor
N.i. N.i.
Auto-gestãoCOFINS, IRPJ,CSLL, IOF, ISS,
PIS-PASEP
Específicas doMinistério daPrevidência
Específicas doMinistério daPrevidência
Específicas doMinistério daPrevidência
Específicas doMinistério daPrevidência
Específicas doMinistério daPrevidência
N.i. N.i.
169
Todas
Contribuição deempregados eempregadoresao INSS e Taxa
de SaúdeSuplementar.
Lei 9656/98; RDCANS 27 de 23/06/00
- Procedimentospar arevisãotécnica de
produtos. RDCANS 28 de 28/06.00- Nota Técnica de
Registro deProdutos. RDC
ANS 42 de 15/12/00- Cobertura parcial
temporária paradoenças pré-
existentes. RDCANS 81 de 15.08.01
- Rol deProcedimentosmédicos (para
cobertura parcialtemporária e
agravos) Código deDefesa do
Consumidor
RDC ANS 77 de17/07/01 - Garantias
financeiras , reservastécnicas iniciais
RDC ANS 84 de21/09/01 - Alienaçãoda carteira (mantém
contratos); RDC ANS82 de 16/08/01 -
alienaçãocompulsória da
carteira. Código dedefesa do
consumidor
N.i.
RDC ANS 66 de04/05/01 -
Normas parareajustes
(pessoa física).Código dedefesa do
consumidor
RDC ANS 85 de25/09/01 -
Informações sobreprodutos (somente
acompanhamento deindicadores deutilização de
serviços de saúde equalidade). Código
de defesa doconsumidor
RDC ANS 83 de16/08/02 -
Transferência decontrole
acionário (a sersubmetido à
ANS)
Fontes: * Dain (2000), ajustado por Unimed-Rio para as cooperativas; www.ans.gov.br; COFINS-Contribuição sobre o faturamento, CSLL-Contribuição sobre o lucro líquido, IOF-Imposto sobre Operações financeiras, IRPF - Imposto de Renda de Pessoa Física, IRPJ - Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, ISS - Imposto sobre Serviços, INSS - InstitutoNacional do Seguro Social.
170
No caso específico da política fiscal, tema que é tratado com detalhes em
Dain (2000), vê-se que, do conjunto dos impostos pagos pelas empresas
seguradoras, as instituições de assistência social sem fins lucrativos estão isentas
do IRPJ e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). No caso das
cooperativas que prestam serviços de saúde, não há incidência do ISS (Imposto
sobre Serviços), COFINS (Contribuição à seguridade social sobre o faturamento
das empresas) , IRPJ e CSLL. Isto poderia se constituir num incentivo, a ser
considerado pelos agentes econômicos, nas suas decisões acerca da natureza
jurídica das firmas.
4.4.2 - Faturamento
Não se dispõe de dados precisos para avaliar a magnitude do faturamento
das empresas seguradoras de saúde, no Brasil. A partir das estimativas de
consultoras, é possível apresentar a tabela 4.1 como uma tentativa de avaliar
tendências. Pois os números não são de todo comparáveis, mesmo dolarizados,
dado terem sido tomados como base de conversão em diferentes anos. Também
não partiram de fontes similares para todo o período. As conclusões a que se
chegará sobre o assunto, portanto, devem ser feitas à luz deste “handicap”,
encontrado, no entanto, em todos os trabalhos recentes examinados201.
Tabela 4.1: Prêmios de seguro saúde: total e percapita.Brasil, anos selecionados. Em US* correntes
PRÊMIOS PERCAPITAANO PRÊMIOS DE SEGURO SAÚDENúmero Variação
1987 1.850.000.000,00 75.82 100,001989 2.430.000.000,00 78.03 102.921991 4.100.000.000,00 143,86 189.741992 4.900.000.000,00 153,13 201.961993 6.400.000.000,00 Sem informação Sem informação1994 7.180.000.000,00 208,72 275.291996 14.800.000.000,00 360,98 476.101998 19.171.080.000,00 495.38 653.36
Fontes: 1987-1989 - Andreazzi (1991), a partir de Towers, Perrin, Forster and Crosby; 1991-1993;1996-1998- Mendes (2000), a partir de Forster Higgins e ABRAMGE; 1994 e 1996 - Almeida (1998) a partir de Towers,Perrin e Crosby e ABRAMGE. Para os dados de 1998 coincidem Almeida e Mendes, mas foram ajustados amais a partir de dados da auto-gestão (www.abraspe.org.br e www.ciefas. org.br). O per-capita de 1998 foi
dividido pela estimativa de cobertura da PNAD98 – 38,7 milhões de pessoas.
201 Almeida (1998), Bahia (1999), Mendes (2000), Dain (2000)
171
A comparação do crescimento dos prêmios de seguros privados de saúde
com as quantidades de usuários202 (quadro 4.3) mostra tendências contrárias.
Enquanto que na década de 90, como se viu no capítulo 3, há uma desaceleração
do crescimento médio anual dos usuários em relação à de 80, nos 90 o
faturamento parece crescer ainda mais em relação ao período anterior. Este
crescimento se acentua, inclusive, no final da década de 90.
Quadro 4.3: Taxa de crescimento médio anual203 do faturamento de segurosprivados de saúde segundo conjunturas (em%)
Conjunturas ValorMilagre e II PND 1970 - 1978 Sem informação
Recessão Figueiredo 1979-1983 Sem informaçãoRecuperação 1984-1989 15,7*
Recessão primeira metade 90 1990-1994 28,1Estabilização (Real) 1995-1998 37,0
* estimada para todo o período a partir dos anos de 1987 e 1989.Fontes: até 1989 - Andreazzi(1991); entre 1991 e 1994 - Mendes(1996); para 1995: Gazeta Mercantil (1996);para 1996 - Catta Preta (1997); para 1998: Mendes (2000), ajustado pelos dados do Ciefas e Abraspe(www.abraspe.org.br e www.ciefas. org.br).
Se os dados estiverem corretos, é possível que o crescimento dos prêmios
de seguros privados de saúde, na segunda metade da década de 90, tenha sido
maior do que o índice de preços ao consumidor para todo o setor saúde, medido
pela Fundação Getúlio Vargas. Isto refletiria uma maior capacidade do setor
financeiro em extrair e reter recursos para atenção à saúde das famílias e das
empresas. De acordo com a tendência internacional (Ocké, 2000), este
crescimento dos prêmios estaria também acima da inflação geral (quadro 4.4):
202 Obtidas através das mesmas fontes, as empresas e suas entidades representativas, com exceção de 1998, onde o dadodo mercado foi maior do que a PNAD/98.203 Calculada a partir da seguinte fórmula: (y t + n - yn) / yn
taxa = ___________________ X 100
t
172
Quadro 4.4: Comparação do crescimento dos prêmios de seguro saúde com ainflação geral e específica do setor saúde
Prêmios de Seguros –saúde(em US correntes)
Ano Número Variação
Variação do ÍndiceNacional de Preços ao
Consumidor - setorsaúde
Variação doÍndice Geralde Preços –
FGV
1994 7.180.000.000,00 100,00 100,00 100,00
1996 14.800.000.000,00 206,13 Sem informação 148,45
1998 19.171.080.000,00 267.01 191,40 166,14
Fontes: Conjuntura Econômica, FGV (out/2001); Mendes (2000), Almeida (1998), ajustado porwww.ciefas.org.br e www.abraspe.org.br
A despeito do aumento de custos para os serviços de saúde ter sido menor
do que a variação dos prêmios de seguro, no período, os empresários
hospitalares referem que seus preços estariam congelados. Segundo Adriano
Londres, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clinicas e Casas de Saúde do
Município do Rio de Janeiro: ...”Enquanto os custos aumentaram, em média, 42%
(nos últimos cinco anos), as operadoras de planos de saúde praticamente não
reajustaram os valores pagos aos hospitais pelos serviços prestados. A pesquisa
mostra o drástico estrangulamento a que estão submetidos os hospitais e clínicas
do município” 204.. .
A estimativa da variação do faturamento, vista por modalidades, é
apresentada a seguir (quadro 4.5). Observa-se que duas modalidades, a medicina
de grupo e as cooperativas tiveram variações menores do que o total do setor. A
primeira delas, inclusive, menor do que a variação setorial e, inclusive, geral, do
índice de preços. Tal fato, se correto, poderia indicar dificuldades em várias
empresas. De fato, a partir de 2001, até fevereiro de 2002, a Agência Nacional de
Saúde Suplementar decretou liquidação em 5 empresas de medicina de grupo e
instituiu regime de direção fiscal em 11 empresas de medicina de grupo e 2
cooperativas médicas.
204 “Custo hospitalar sobe 42% em cinco anos” In Gazeta do Rio, 02/10/01, p. 1-2. Também “O sistema hospitalarprivado agoniza” In O Globo, 24/01/01
173
Quadro 4.5: Variação do faturamento. Seguro privado de saúde. Brasil, anosselecionados
Ano Med. Grupo Cooperativas Seguradoras Auto-gestão1994 100,0 100,0 100,0 100,01996 139,6 200,4 385,2 229,41998 147,2 200,0 524,5 384,0
Fontes: Mendes (2000), Almeida (1998), ajustado por www.ciefas.org.br e www.abraspe.org.br
Estas dificuldades encontram ressonância em depoimentos de pessoas
ligadas ao setor:
“...Análise realizada em 2000 pela Agência Nacional de Saúde
Suplementar mostrou que 78 das 112 operadoras de planos pesquisadas
apresentam problemas econômicos...Estas empresas...correspondem a 34% do
total de conveniados de planos de saúde...As empresas, principalmente as de
pequeno porte, estão com dificuldades de adaptação às novas regras, afirma o
Presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo/ABRAMGE, Arlindo de
Almeida...A crise que atinge as operadoras de planos não afeta com a mesma
intensidade as seguradoras, de acordo com o Diretor da área de saúde da
Federação Nacional das Seguradoras...Segundo ele, isso acontece porque as
seguradoras já estavam sob a regulamentação da SUSEP...” 205
“...A maioria das empresas deve fechar as contas deficitárias. Das 1700
operadoras de planos de saúde que atendem a população brasileira, a
perspectiva da ABRAMGE é de que 122 saiam do mercado em 2002 por
dificuldades financeiras...Flávio Wanderley, presidente regional da
ABRAMGE...adianta que 76% das empresas vão fechar 2001 com déficit de 5%
em suas contas”206...
A distribuição do faturamento entre as diversas modalidades é apresentada
em seguida em tabela 4.2 e gráfico 4.1.
205 “Crise atinge 70% das empresas” – Agora, SP, 10/10/01, P. H6206 “Plano de saúde enfrenta déficit em 2002” – Diário de Pernambuco, 06/01/2002, P. B5
174
Tabela 4.2: Estimativa de prêmios de seguro saúde por modalidade.Em US correntes. Brasil, anos selecionados
Prêmios de seguro saúde (US)Ano Total Med. Grupo Cooperativas Seguradoras Auto-gestão1987 1.850.000.000,00 1.000.000.000,00 350.000.000,00 80.000.000,00 420.000.000,00
1989 2.430.000.000,00 1.000.000.000,00 570.000.000,00 150.000.000,00 670.000.000,00
1991 4.100.000.000,00
sem
informação/si si si si
1992 4.900.000.000,00 si si si si
1993 6.400.000.000,00 si si si si
1994 7.180.000.000,00 2.650.000.000,00 1.750.000.000,00 780.000.000,00 2.000.000.000,00
1995 8.600.000.000,00
1996 14.800.000.000,00 3.700.000.000,00 3.507.600.000,00 3.004.400.000,00 4.588.000.000,00
1997 15.300.000.000,00 3.884.945.834,89 2.815.054.165,11 4.000.000.000,00 4.600.000.000,00
1998 19.171.080.000,00 3.900.000.000,00 3.500.000.000,00 4.091.080.000,00 7.680.000.000,00
1999 12.122.501.063,38 2.764.780.944,28 2.126.754.572,52 2.605.274.351,34 4.625.691.195,24
2000 si 3.124.481.557,26 si 3.002.267.322,90 si
Fontes: 1987 e 1989 - Andreazzi (1991) apud Towers, Perrin, Forster and Crosby; 1994 e 1996 - Almeida(1998) apud Medici e Czapski (apud Towers, Perrin, Forster and Crosby); 1995 - Pinto (1996); faturamento1991-1993/ 1998 - Mendes(2000), ajustando o dado da auto-gestão, maior do que o apresentado por ele/ ;Faturamento das modalidades 1997(auto-gestão e seguradora) e 1998 (med. grupo e cooperativas) - Dain(2000); Medicina de grupo 1997 a 2000 - www.abramge.com.br. O dado de faturamento da abramge écompatível com Dain (2000); 1999 - ans apud abramge/ Auto-gestão 1998 - www.ciefas.org.br (PesquisaCIEFAS 1998). Medicina de grupo e auto-gestão - dolarizados a dólares correntes do meio do período.Dados de faturamento das seguradoras - Busnardo (1998) a partir do IRB; 2000(projeção a partir dos dadosda SUSEP até ago/01)
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Gráfico 4.1: Participação percentual das modalidades no faturamento estimado. Brasil, anos selecionados
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1987 1989 1994 1996 1997 1998 1999
����Auto-gestãoSeguradoras����
���� CooperativasMed. Grupo
Fonte: Tabela 4.2
Nota-se, pelos dados acima, uma redução do faturamento em todas as
modalidades, a partir de 1999. Como neste ano ocorre a maxidesvalorização do
dólar, isto poderia estar falseando uma queda das receitas das empresas. Em
175
função disto, na tabela 4.3, esta receita é mostrada em Reais. Vê-se que não
houve redução do faturamento e, que nos anos finais da década de 90, as
modalidades medicina de grupo e seguradora teriam crescido mais do que as
outras.
Tabela 4.3: Estimativa de prêmios de seguro saúde por modalidade. Em Reaiscorrentes e ajustados para 1998. Brasil, 1998-2000.
Prêmios de seguro saúde (Reais correntes)Ano Total Med. Grupo Cooperativas Seguradoras Auto-gestão
Reais correntes
1998 16.518.249.181,00 3.360.330.863,00 3.015.681.544,00 3.524.969.843,00 6.617.266.931,00
1999 22.800.000.000,00 5.200.000.000,00 4.000.000.000,00 4.900.000.000,00 8.700.000.000,00
2000 s.i 5.650.000.000,00 s.i 5.429.000.000,00 s.i
Reais ajustados pela variação do IPC/FGV (Ano base=1998)
1998 16.518.249.181,00 3.360.330.863,00 3.015.681.544,00 3.524.969.843,00 6.617.266.931,00
1999 4.958.748.270,00 3.561.871.853,00 4.672.666.639,00 8.296.367.299,00
2000 4.681.001.842,00 4.816.822.301,00
Fontes: faturamento 1991-1993/ 1998 - Mendes (2000), ajustando o dado da auto-gestão, maior doque o apresentado por ele/ ; Faturamento das modalidades 1997(auto-gestão e seguradora) e 1998 (med.grupo e cooperativas) - Dain (2000); Medicina de grupo 1997 a 2000 - www.abramge.com.br. O dado defaturamento da abramge é compatível com Dain (2000); 1999 - ans apud abramge/ Auto-gestão 1998 -www.ciefas.org.br (Pesquisa CIEFAS 1998). Medicina de grupo e auto-gestão - dolarizados a dólarescorrentes do meio do período.Dados de faturamento das seguradoras - Busnardo (1998) a partir do IRB; 2000(projeção a partir dos dadosda SUSEP até ago/01) Conjuntura Econômica/FGV – outubro de 2001
A relação faturamento por modalidade e o número de usuários que lhe
serve de denominador serão apresentados na tabela 4.4. O dado de usuários
estimado por Montone em 2001, a partir da ABRAMGE, é considerado
superestimado, o que levaria a uma redução do faturamento por usuário. Pois a
estimativa do tamanho total do mercado, em 2001, poderia ser calculada partindo-
se de uma faixa entre os 38.700.000, da PNAD de 1998 e os 41.000.000 referidos
por consultores privados, em 1996. Acrescentando uma taxa de crescimento
anual de 3,5%, que foi aquela, lembramos, calculada no capítulo 2 para o período
do plano Real, a partir dos dados do mercado, daria em torno de 43 a 45 milhões
de pessoas, abaixo, portanto, da estimativa da ABRAMGE, para o mesmo ano.
176
Tabela 4.4: Estimativa de usuários de seguros privados de saúde pormodalidades e relação faturamento/usuário/ano. Brasil, anos selecionados
Número de usuários Faturamento por usuário (em US)
Ano Total Med.
GrupoCooperativ
asSegurador
asAuto-
gestãoTot
alMed.Grup
oCooperativ
asSegurador
asAuto-gestã
o1987 24.400.000,0015.100.000,00 3.600.000,00 700.000,00 5.000.000,00 75,82 66,23 97,22 114,29 84,00
1989 31.140.000,0015.000.000,00 7.320.000,00 900.000,00 7.500.000,00 78,03 66,67 77,87 166,67 89,33
1991 28.500.000,00 S.i. S.i. S.i. S.i. 143,86 S.i. S.i S.i. S.i.
1992 32.000.000,00 S.i. S.i. S.i. S.i. 153,13 S.i. S.i S.i. S.i.
1993 S.i. S.i. S.i. S.i. S.i. S.i. S.i. S.i S.i. S.i.
1994 34.400.000,0016.000.000,00 8.500.000,00 5.000.000,00 8.000.000,00 208,72 165,63 205,88 156,00 250,00
1995 35.000.000,0015.050.000,00 8.050.000,00 8.050.000,00 245,71 S.i. S.i S.i. S.i.
1996 41.000.000,0017.589.000,00 10.000.000,00 6.000.000,00 9.000.000,00 360,98 210,36 350,76 500,73 509,78
1997 S.i. 17.800.000,00 S.i. S.i. S.i. 218,26 S.i. S.i. S.i.
1998 38.700.000,0018.300.000,00 S.i. S.i. 11.700.000,00495,38 213,11 S.i. S.i. 656,41
1999 48.500.000,0018.000.000,00 11.000.000,00 5.800.000,00 13.700.000,00294,95 153,60 193,25 449,19 337,64
2000 S.i. 18.400.000,00 S.i. 5.100.000,00 S.i. S.i. 169,81 S.i. 588,68 S.i.
Fontes: 1987 e 1989 - Andreazzi (1991) apud Towers, Perrin, Forster and Crosby; 1994 e 1996 - Almeida(1998) apud Medici e Czapski (apud Towers, Perrin, Forster and Crosby); 1995 - Pinto (1996); faturamento1991-1993/ 1998 - Mendes(2000), ajustando o dado da auto-gestão, maior do que o apresentado por ele/ ;Faturamento das modalidades 1997(auto-gestão e seguradora) e 1998 (med. grupo e cooperativas) - Dain(2000); Medicina de grupo 1997 a 2000 - www.abramge.com.br. O dado de faturamento da abramge écompatível com Dain (2000); 1999 - ans apud abramge/ Auto-gestão 1998 - www.ciefas.org.br (PesquisaCIEFAS 1998). Medicina de grupo e auto-gestão - dolarizados a dólares correntes do meio do período.Dados de faturamento das seguradoras - Busnardo (1998) a partir do IRB; 2000(projeção a partir dos dadosda SUSEP até ago/01). Usuários 1999 - Montone (2001).S.i. – sem informação
4.4.3 - Natureza do produto e das mudanças técnicas.
Essa discussão será sintetizada através da análise da função de custos.
Esta é entendida como forças, derivadas do processo tecnológico de produção e
empiricamente observáveis, que interfeririam sobre a decisão das firmas quanto a
formação de preços, a escolha de quantidades e outras estratégias.
Para os seguros privados de saúde, o custo total seria o resultado da soma
de diversos elementos. Os principais seriam: a atenção médica, os custos
comerciais e os custos de administração. Esquematicamente, teríamos:
Custo total = Custo da atenção médica + Custo comercial + Outros (custosde administração, marketing, impostos)
177
Catta Preta (2000), que é um executivo de atuação antiga no mercado,
estima que a distribuição média dos custos das operadoras de planos de saúde
no Brasil, seria como se segue:
• atenção médica – 70 a 80%;
• despesas administrativas – 12%
• despesas comerciais – 4%
• impostos – 4%.
O custo da atenção médica seria o principal elemento do custo total do
setor. Ele, por sua vez, seria uma função direta do risco (morbidade) e do preço
da atenção médica. Seria, ainda, uma função inversa do que poderíamos
entender como capacidade gerencial da seguradora induzir um melhor
desempenho, atuando sobre:
1. A morbidade de sua carteira, através das técnicas de seleção de
risco e do investimento em promoção e prevenção da saúde.
2. O preço da atenção médica, pela gerência dos sinistros, no sentido
da governança dos contratos (correção de fraudes) e na introdução
de incentivos voltados a uma alocação eficiente de recursos por
parte dos prestadores de serviço.
Esquematicamente, teríamos:
Custo da atenção médica = f morbidade; preço médio da atenção médica capacidade gerencial
Daí decorre:
- haver uma relação direta do custo com a morbidade e o preço;
- e uma relação inversa com a capacidade gerencial.
Quanto às estratégias de gerência dos sinistros, a maioria dos autores
analisados (Glaser, 1991; Médici, 1994, Tobar, Rosenfeld e Reale,1999) concorda
que há uma influência importante do modo de pagamento sobre o comportamento
dos prestadores de serviço. Um desses modos foi o simples reembolso das
despesas. Com o aumento dos gastos com atenção médica, é possível igualar
preço com custo naquelas modalidades de planos em que a assistência medica é
oferecida por serviços próprios da empresa. Ou seja, promover uma integração
178
entre o seguro e o serviço. Em outra situação, a empresa seguradora contrata
com terceiros - médicos, hospitais, laboratórios, etc. - esta assistência, podendo
estabelecer, ex-ante, alguns parâmetros de custos, através de tabelas
referenciais. Situações mistas, no Brasil, tem sido as mais freqüentemente
encontradas. De qualquer modo, estudos empíricos sobre empresas de medicina
de grupo, tem mostrado que, de fato, as empresas com serviços de saúde
próprios apresentaram uma estrutura de custos mais reduzida do que as que
contratavam serviços (Medici, 1991). As tendências favoráveis e contrárias à
integração seguro-serviço serão problematizadas mais à frente.
Muitas das medidas práticas de controle do preço da atenção médica
voltam-se ao desenho apropriado de incentivos para a redução da utilização de
procedimentos médicos e hospitalares, diminuindo, assim, a sinistralidade. É o
que o mercado tem denominado de “managed care”. Este sistema teria sido
responsável, nos EUA, no ano de 1997 (Catta Preta, 1997), por 73% dos
contratos de seguros privados de saúde. Está tornando-se atrativo para alguns
empresários brasileiros, como refere Shubert, presidente da Cigna Internacional
que, em 1997, controlava a Golden Cross :
...”é possível obter um equilíbrio entre qualidade do serviço e o corte de
custos, o consumidor pode receber melhor serviço sem custos crescentes,
eliminando dois gargalos: o uso desnecessário ou inadequado do sistema e o
custo de comercialização’...207
Também a Aetna, que se associou a Sul América para criar a Sul América
Aetna, em 1997, para atuar nas áreas de seguro saúde e previdência privada,
pretendia implantar o “managed care”, para ter maior controle sobre gastos
entendidos como desnecessários (Gazeta Mercantil, 1998)208.
Por sua vez, o preço médio da atenção médica é uma função do custo dos
diversos e heterogêneos serviços de saúde, ponderada pela quantidade de
utilização de cada um.
207 Gazeta Mercantil, 1998, p. 53.208 Embora seja claro que o managed care seja bem-visto pelas empresas brasileiras, tendo como vanguarda asmultinacionais, é discutível a sua viabilidade no país. Assim como nos EUA, espera-se resistências por parte de médicos,hospitais e também usuários às restrições por ele impostas, como foi o caso da reação à Medida Provisória 2177-43, dejulho de 2001, que teve de ser transformada em projeto de Lei, por conter uma abertura para a implantação desse sistema.Esta discussão específica, no entanto, será realizada mais a frente.
179
Força-de-trabalho e bens intermediários, de capital e insumos utilizados na
prestação de serviços médicos, são altamente relevantes para o custo, embora a
determinação de seu preço esteja relacionada ao modo de regulação dos
mercados correspondentes. Estes bens são utilizados, entretanto, em variadas
combinações, segundo tecnologias mais ou menos eficientes em seus critérios
alocativos, a partir de uma efetividade esperada, gerando custos bastante
distintos.
Contabilmente, o custo da atenção médica, ou sinistros, pode, ainda, ser
avaliado na sua relação com os prêmios devidos à seguradora, através da taxa de
sinistralidade. Esta taxa é uma medida do equilíbrio financeiro da carteira de
seguros e também depende de um adequado desenho do produto.
No Brasil, até o momento, na medida em que a ANS ainda não liberou
dados mais recentes, as medidas mais consistentes de sinistralidade são obtidas
da modalidade seguradora. Entre a década de 80, época de crescimento mais
acelerado deste seguro, e o ano de 1995, esta taxa apresentou uma tendência
ascendente e mais elevada do que os demais ramos de seguro (quadro 4.6):
Quadro 4.6: Taxas de sinistralidade das empresas seguradoras (em %); Total de seguros e seguro saúde. Brasil, anos selecionados.Ano Total Seguro Saúde1986 40,6 65,61987 46,9 69,81994 47,9 61,51995 52,3 69,9Fonte: Andreazzi (1991) para 1986 e 1987 Gazeta Mercantil (1996) para 1994 e 1995.
Catta Preta (1997) estima uma sinistralidade média para o seguro saúde,
no seu conjunto, de 81,5%, mais elevada para a modalidade de autogestão, o
que, para ele: ...“torna inviável, econômica e financeiramente, qualquer plano ou
seguro privado de saúde
Para que o problema possa ser resolvido na sua essência, é fundamental
que as Operadoras tenham programas de gerenciamento de custos, associados
a programas de saúde pública e campanhas de prevenção ...”209
Um outro indício indireto dos custos seria a utilização de serviços de saúde.
Há dados dispersos oriundos das diversas modalidades, para o final da década
de 80 e para o final dos anos 90 (quadro 4.7).
180
Observa-se que as seguradoras, no final da década de 80, apresentavam
baixos indicadores de utilização ambulatorial, em função, principalmente, dos
seus produtos estarem voltados para a cobertura hospitalar (Andreazzi, 1991). No
final dos anos 90, estes indicadores mantêm-se, ainda, mais baixos do que as
outras modalidades. Mesmo mantendo a comercialização de produtos somente
hospitalares, maiores controles sobre a utilização de serviços de saúde podem
ser aventados como uma possibilidade de explicação da performance gerencial
das seguradoras em reduzir a utilização. Até porque também seus indicadores de
hospitalização são menores.
Observa-se, ainda, que as cooperativas, com um modelo pouco
intervencionista de gerenciamento da utilização dos médicos, no seu início de
funcionamento, parecem ter se rendido a uma maior necessidade de controle.
Haja vista a tendência inversa da taxa de internação por segurados: enquanto
cresce, dos 80 para os 90, para a maioria das modalidades, reduz-se para as
cooperativas. É interessante notar que o crescimento desta taxa está na
contramão do que ocorre com a taxa geral de internações, no Brasil, e com
aquelas pagas pelo SUS210.
Pelos dados abaixo, é possível deduzir que algum grau de aumento de
custos decorrente do aumento da utilização de serviços de saúde ocorreu dos 80
para os 90, para todas as modalidades. Para as cooperativas, isto ocorreu de
forma mais clara, quanto à utilização ambulatorial.
209 Catta Preta (1997) p. 10.210 Ver capítulo precedente e também mais à frente, quando da análise da estrutura e dinâmica do mercado de serviços desaúde.
181
Quadro 4.7: Indicadores de utilização de serviços de saúde. Modalidades deseguro saúde privado. Brasil, anos selecionados
Consulta/segurado/ano Exames/consulta Internações/segu-
rado/ano (%)Média de
permanência
1987Final dos
90 1987 Final dos 90 1987 Final dos 90 1987Final dos
90
Medicina deGrupo 4 4,9 0,8
Seminformação/s
i 7 9,9 3.8 s.i.Auto-gestão-
Ciefas 2,9 2,9 1,1 2,2 7 13 3.2 3,8Auto-gestão-
Abraspe 3,4 1,7 12,7 2,8
Cooperativas 3,4 4,8 1,2
Seminformação/s
i 13 9,2 4 4Seguradoras 0,8 2,8 0,5 1,7 6 8,7 2.8Fontes: 1987- Andreazzi(1991); Med. Grupo e cooperativas 1998 - Dain (2000); Seguradoras 1998- Catta Preta (2000). Pesquisa CIEFAS 1999 (www.ciefas.org.br em 02/2002);Pesquisa ABRASPE 2000 (www.abraspe.org.br em 02/2002)Cooperativas, final dos 90 - Pesquisa da Confederação das Unimeds referente a 2000
Quanto aos custos administrativos e comerciais, para o setor de
seguros, em geral, foram próximos de 18% e 20%, respectivamente, em 1995 e
1996 (Lima, 1998). Este autor entende que os custos administrativos brasileiros
são elevados para os padrões internacionais. Assim também ocorre com os
custos comerciais, o que é por ele atribuído às altas taxas de corretagem
historicamente existentes no país. Esta opinião é compartilhada com a do Vice-
Presidente da Sul-América, que refere serem estas despesas, no mercado
internacional, em torno de 10%211.
Na pesquisa 2000/2001 da empresa de consultoria Towers and Perrin
(www.towers.com em 10/2001), que é feita anualmente, estando em 2000 na
vigésima edição, num universo de 255 empresas, encontrou-se que o custo médio
mensal por usuário (em Reais correntes), entre as modalidades, se comportou da
seguinte forma:
• Auto-gestão – 49
• Seguro com medicina de grupo – 58
• Seguro com cooperativa médica – 52
• Seguro com seguradora – 113
• Auto-seguro administrado com medicina de grupo – 48
211 Gazeta do Rio, 13/07/01, p. A4.
182
• Auto-seguro com cooperativa médica – 39
• Auto-seguro com seguradora – 74
• Auto-seguro com empresa terceirizada - 74
Estes números confirmariam o menor custo associado a não existência de
intermediários assumindo os riscos, o que é o caso da auto-gestão. A
terceirização, no entanto, do plano de saúde auto-segurado, para organizações
médicas de pré-pagamento não alterou, significativamente, o custo. O custo maior
da seguradora não se justifica, como vimos anteriormente, por uma pretensa
maior utilização de serviços. A impossibilidade de integração com os serviços de
saúde e, quiçá, produtos mais caros voltados para a maior renda, com uma
participação relativamente maior na sua carteira, podem compor parte da
explicação deste fenômeno.
É possível identificar, a partir dessa estrutura de custos, economias de
escala e de escopo que representariam possíveis vantagens competitivas entre
as modalidades de seguro saúde e entre as empresas grandes e pequenas.
Foram, assim, identificadas:
a) Economias dinâmicas de escala de ordem estocásticas - Grandes
números de segurados permitem uma maior disseminação do risco de
adoecer, tendendo ao encontrado para a população, enquanto um todo.
Ao contrário de pequenos grupos, que podem selecionar indivíduos
sujeitos a maiores riscos:
...“O consultor Vinício Carlos Rossi, da CRC Consultoria - Administração
em Saúde, explica que o sistema de auto-gestão precisa de uma escala mínima
populacional para equilibrar seus custos. Esse número seria entre 1 mil e 1,5 mil
pessoas. Na auto-gestão, quanto maior a população, menor a variação de
custo”..212.
b) Deseconomias de escala pelo fator organização - Sabe-se que o papel
deste fator ainda é polêmico, já que estudos empíricos realizados nos
EUA na década de 70 identificaram a queda dos custos administrativos
das firmas de seguro saúde com o aumento do seu tamanho (Vogel and
Blair apud Feldstein, 1988). Uma das correntes de estudos sobre o
assunto pensa que, ao menos no curto prazo, haja retornos decrescentes
212 Gazeta Mercantil (1998), p. 58
183
de escala para as estruturas organizacionais departamentalizadas (Kon,
1994). As formas modernas de organização da grande empresa,
estudadas por Chesnais (1996), que conjugam a centralização do capital
com a descentralização gerencial e relações as mais variadas de
flexibilização, acordos, franchises, etc., seriam respostas para contornar
esta questão. O que, como forma empiricamente verificável, parece ter
viabilizado a internacionalização do setor serviços (Gadrey, 1996). Kon
(1994) aponta uma resolução desta polêmica, afirmando que as
modernas teorias do crescimento da firma enfatizam a sua capacidade
adaptativa de alteração da estrutura administrativa, tornando difícil
estabelecer, com certeza, um ponto onde se tornaria grande ou complexa
para ser eficientemente gerida.
c) Economias de escala na gerência da rede de prestadores - É de se
esperar que aumente a possibilidade de obter preços diferenciados dos
prestadores de serviço, a partir de um volume elevado de demanda
referida. Isto acarretaria uma vantagem de negociação para as grandes
firmas seguradoras. No entanto, é possível que a influência da escala,
neste caso, seja contraditória. Por um lado, a utilização maciça de
tecnologia de informação para a gerência implica em custos fixos
elevados e indivisibilidades para o investimento no sistema. Por outro,
podem ocorrer deseconomias de organização. A tecnologia de
pagamento de prestadores pode ser um fator de economias, quando
baseada em custos fixos. Quando baseadas nas contas individuais,
podem ocorrer deseconomias de escala (Feldstein, 1988), sendo este o
caso mais freqüentemente encontrado no Brasil. Assim, os custos mais
elevados de gerenciamento de redes de prestadores possivelmente
explicariam, em parte, os resultados de Médici (1991) quanto ao custo
menor das empresas de medicina de grupo com rede própria.
d) Economias dinâmicas de escala, referentes a aprendizado – São
observáveis, na prática, como se pode ver no exemplo de uma das
principais empresas de medicina de grupo de São Paulo, na atualidade, a
Interclínicas, que iniciou suas operações ainda em 1966. Das
seguradoras, a Bradesco Saúde, quando entrou no mercado, em 1984,
comprando uma grande carteira já formada, já era a segunda colocada
184
em termos de beneficiários. Esta posição estava mantida em 1998, tendo
assumido a liderança por um período, entre 1987 e 1995 (Andreazzi,
1991; Busnardo213, 1998).
e) Economias de escala por indivisibilidades, nas estratégias de integração
vertical (seguro-serviço) - Alguns serviços médicos, principalmente os
hospitalares e os de alto custo, em função dos custos fixos elevados,
apresentam indivisibilidades e retornos crescentes de escala. Ainda, a
compra de material e medicamentos pode ser mais vantajosa a medida
que aumente seu volume.
f) Economias de grandes números, quanto ao custo comercial - o esforço
de vendas, através de propaganda em meios de comunicação, apresenta
custos fixos elevados, afetando, de forma desigual, as grandes e as
pequenas empresas. No Brasil, embora esta seja uma estratégia bastante
utilizada, é compartilhada com a utilização de propagandistas/corretores.
Tais custos, evidentemente, são inexistentes no caso dos planos de
autogestão.
g) Economias de escopo - Beneficiam aquelas modalidades e empresas que
possuem redes de comercialização para outros produtos correlatos, como
seguros voltados para pessoas físicas e jurídicas. As seguradoras ligadas
a bancos têm vantagens quanto aos custos comerciais:
“...Os grandes grupos seguradores atuam em praticamente todo o território
nacional, principalmente aqueles pertencentes a instituições bancárias, que
utilizam-se de sua rede de agências para oferecer produtos de suas
seguradoras”... 214
As seguradoras, ainda, teriam vantagens sobre a medicina de grupo e
cooperativas médicas, neste aspecto, pela existência de reservas de capacidades
de recursos humanos. E pela experiência acumulada de tecnologia informacional,
para responder a legislação acerca das garantias financeiras e sua informação
periódica para a ANS. As organizações médicas de pré-pagamento,
principalmente as menores, contariam com bem menos expertise neste campo.
213 Trata-se de “paper”, realizado por aluno de Graduação em Economia da UFRJ, orientado por mim e por GeorgeKornis.214 Lima (1998) p.25.
185
h) Economias relacionadas às vantagens financeiras - Para autores como
Lopes (1993) que trabalham com a abordagem das vantagens
competitivas das firmas, baixo custo e diferenciação conformariam
aquelas consideradas básicas. Há outras, entretanto, que tornam a
estrutura de custos distinta para as empresas. Uma é o tratamento fiscal,
mais favorável às empresas médicas não-lucrativas e filantrópicas e as
cooperativas. A outra se refere aos aspectos financeiros.
As vantagens financeiras dos grandes grupos, e daqueles em que há uma
junção ou fusão do capital produtivo (indústria ou serviços) com o capital
financeiro são diversas. Os autores estudados215 enfatizam que as principais se
referem à facilidade de crédito e acesso a capital para investimento em
modernização tecnológica (diferenciação de produto). Estes serão mais fáceis na
razão do aumento da capacidade de endividamento, seja pelo porte da empresa,
seja pela sua condição de quase-firma, ou seja, pertencente a conglomerados
financeiros, o que aumentaria sua competitividade.
Outras vantagens referem-se a maior liberdade de manipular as diferentes
políticas fiscais em favor de todo o grupo financeiro.
Além disso, a corporação financeira teria vantagens na competição por
preço, podendo fazer reservas para os períodos de crise. Seu poder de
resistência a circunstâncias adversas também adviria do fato de poder reduzir o
preço das ações.
Na competição com empresas individuais, os conglomerados financeiros
também têm maiores vantagens competitivas referentes a créditos bancários
serem liberados mediante a compra de seguros coletivos.
Tanto para os serviços de saúde, quanto para os seguros, a identificação
de economias de escala indica a existência de escalas mínimas a partir das quais
a oferta torna-se possível, de modo econômico. No entanto, ainda: ... “é difícil
estimar empiricamente a extensão das economias de escala entre diversas
operadoras de seguros saúde’ ...216
215 O Capital, livro Terceiro, Seção V/ Hilferding (1909), capítulo VII – La sociedad por acciones; Alcorta (1992).216 Feldstein (1988), p. 161 (tradução livre)
186
4.4.4 - Condições de entrada e de saída
O conceito de barreiras à entrada remete às vantagens detidas por firmas
estabelecidas num mercado sobre as firmas novas217: ... “a condição de entrada
se refere à extensão pela qual, no longo prazo, as firmas estabelecidas podem
elevar seus preços de venda acima dos custos médios mínimos de produção e
distribuição, sem induzir novas firmas a entrarem na indústria”... 218 Segundo a
linha de trabalho desenvolvida por Bain, em 1956, as firmas tenderiam a agir em
colusão visando impedir a entrada potencial. Para tanto, girariam seus preços em
torno de um limite menor do que seria o preço de maximização dos lucros, para
não induzir ou permitir a entrada de pequenas firmas.
As principais fontes de barreiras à entrada, estruturais e estratégicas
(criadas pelas firmas em função da concorrência) seriam:
A) Vantagens absolutas de custo das firmas estabelecidas: Em função de
aprendizado, acesso a financiamento e acesso a fatores de produção, há uma
possibilidade de aumento dos custos das firmas rivais (Viscusi, Vernon e
Harrington, 1997).
B) Vantagens da existência de preferências dos consumidores – marcas. Neste
caso, verifica-se que o esforço de vendas (propaganda, marketing) é um dos
principais fatores empiricamente observáveis de barreiras a entrada, sendo
que uma das estratégias das firmas para impedir a entrada seria “afundar
custos” (sunking costs) neste item.
C) Economias importantes de escala – requerimento de grande capital para a
entrada; tamanho mínimo elevado em relação à demanda, tendendo para o
monopólio natural219, o que seria um fator estrutural do mercado.
D) Existência de patentes e franquias.
E) Integração vertical.
É importante notar que as barreiras à entrada não são, necessariamente,
permanentes. Uma inovação tecnológica, por exemplo, que altere processos e
custos de produção, muda completamente as condições de entrada na indústria.
217 Os principais autores que trabalharam este conceito foram Bain (1956), Sylos-Labini e Modigliani, dentro do tema dacompetição oligopolística. Ver Kon (1994)218 Kon (1994), p. 39.219 Monopólio natural seria quando operassem na indústria, custos decrescentes do longo prazo, cujo ponto mais baixocorresponderia a uma quantidade maior do que a demanda efetiva do mercado, não comportando mais do que uma firma.Para a teoria neoclássica, poderia justificar a nacionalização desta indústria (Kahn, 1988).
187
A maioria dos autores que tratam da questão (Kon, 1994; Viscusi, Vernon e
Harrington, 1997) concorda que, quanto maiores as barreiras, ou então, quanto
menor a contestabilidade (concorrência potencial), mais as firmas estabelecidas
conseguem aumentar o preço relativo aos custos mínimos de produção e
distribuição (ou, numa outra perspectiva teórica, ao custo marginal). Obviamente
pelas razões já mencionadas a concorrência se dá não apenas intramodalidade mas
intermodalidade.
Barreiras à entrada e à saída no mercado brasileiro de seguros privados de
saúde existiram, referentes à regulação do Estado, até 2001, somente para as
seguradoras e auto-gestões, controladas, respectivamente, pela SUSEP e
Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência.
No caso das companhias seguradoras, em função de sua legislação
específica (Decreto Lei 73/66), elas sempre necessitaram cumprir certas regras
financeiras (capital mínimo, reservas técnicas) junto a SUSEP, para
estabelecerem-se no mercado.
Em 2001, como decorrência da regulação do mercado realizada pela ANS,
foi ditada, pela RDC 77 de 17/07/2001, para as operadoras de planos de saúde,
uma série de exigências financeiras quanto às condições de entrada: reservas
técnicas iniciais, garantias financeiras, da mesma forma que para as seguradoras
especializadas em saúde. Ela cria, em primeiro lugar, uma diferenciação
importante entre as firmas estabelecidas e as potenciais entrantes: as primeiras
teriam um prazo de até 6 anos para integralizar o capital necessário, enquanto
que, para as últimas, isto é imediato. A Diretora de Normas e Habilitação da ANS
resume os requerimentos da Norma: ...”só a exigência de capital mínimo reclama
a injeção de algo entre R$ 400 mil e R$ 3,2 bilhões, dependendo da região de
atuação”...220. Ressalta-se que o capital inicial é possível de ser integralizado
através de capacidade instalada própria.
Não é possível, pelos dados existentes, extremamente conflitantes,
estabelecer, com certeza, até 2001, um quadro evolutivo do número de empresas
existentes no mercado, com exceção das companhias seguradoras. A tendência
geral parece ser de crescimento, entretanto.
220 Vagner Ricardo: “Disputa acirrada entre planos de saúde” - Gazeta do Rio, RJ, 26/09/01, p. 2
188
Para as empresas seguradoras, observa-se que, até 1996, há um
crescimento progressivo do número de empresas entrantes. A partir daí, até 1999,
contabilizam-se 12 saídas. A visualização desta evolução na tabela 4.5, dentro
dos períodos de tempo que correspondem às conjunturas econômicas definidas
no Capítulo 2, mostra que estas decisões de entrada estiveram relacionadas, em
grande parte, à regulação. Os anos de 1981 e 1988 foram importantes para a
melhor adaptação do seguro à concorrência, com a permissão de pagamento
direto ao prestador (e não reembolso) e rede referenciada (Andreazzi, 1991). Já o
crescimento após 1994 foi coincidente com uma outra mudança normativa que
permitiu a existência de contratos com coberturas reduzidas, desde que com
conhecimento do contratante (Bahia, 1999). Neste momento anterior à
regulamentação pelo Ministério da Saúde, era possível para as seguradoras
aproveitarem-se, como já vimos, de economias de escopo, para a entrada no
mercado de saúde. Mas no final dos 90, período de retração da demanda,
ocorrem saídas. Em 2001, Montone afirmava haver 60 seguradoras registradas
junto a ANS, o que poderia representar uma certa reserva de mercado para
futuras entradas.
189
Tabela 4.5: Número de companhias seguradoras que comercializam seguros saúde. Brasil, 1977-2001.
Ano Seguradoras1977 11978 21979 21980 31981 31982 41983 41984 61985 Sem informação (s.i)1986 s.i.1987 s.i.1988 71989 s.i.1990 s.i.1991 81992 211993 221994 s.i.1995 401996 421997 391998 371999 282000 s.i.2001 60
Fontes: Seguradoras: Até 1988 - Boletim Estatístico IRB; Pós 1988 – SUSEP; 2001 – Montone, ANS.
Segundo esta tabela, as entradas, portanto, para as seguradoras, parecem
não terem estado bloqueadas, assim como as saídas.
As novas regras regulatórias, porém, têm afetado a decisão das companhias
seguradoras de manterem-se no mercado. Com a Lei 10.185 de 2 de fevereiro de
2001 que determina que a operacionalização de seguro saúde deve ser feita por
pessoas jurídicas que comercializem apenas este produto, obrigando às empresas a
formação de novas firmas, especializadas em seguro saúde, companhias
seguradoras com reduzido “market-share” manifestaram pela saída do mercado221.
Pois não poderiam mais contar, diretamente, com as economias de escopo para a
constituição da estrutura administrativa das novas empresas222. Muitas destas
221 O Dia, 14.07.01: “Seguradoras deixam o setor”222 Segundo o coordenador do Departamento Econômico da SUSEP...”algumas das companhias não tinham foco na áreade saúde. Eram mais fortes em outros ramos. A alteração na lei aumenta custos. Agora, tudo indica que o mercado ficará
190
companhias são grandes, embora possuam relativamente poucas apólices
vendidas do ramo saúde. Entre este primeiro caso está a Generali Seguros,
conglomerado financeiro italiano, formado, entre outras, por 118 seguradoras e 50
empresas financeiras que vendeu sua carteira de clientes para a HSBC223. Para
as que ficam, haveria duas opções: cindir a carteira em duas seguradoras, uma das
quais especializada em saúde ou criar uma operadora especializada, o que parece
ser o caminho mais atraente. De fato, ao se ver a relação das 20 maiores empresas
de medicina de grupo, em 2001 (pelo número de beneficiários), mais a frente, se
encontrarão empresas que, tendo optado anteriormente por operar através de
seguradora, voltaram a condição de empresa médica. Este foi o caso da Golden
Cross, que havia se transformado em seguradora em 1991. Encontrar-se-á, ainda,
uma empresa ligada à gigante do setor de seguros, Sul América Aetna, ainda
pequena. Esta entrada, por isso, não deve ter envolvido toda a carteira de saúde da
seguradora com o mesmo nome.
Pode-se pensar, então, que a exigência da criação de empresa seguradora
especializada em saúde, se constituiu numa barreira à entrada institucional, devido
às economias de escopo para a entrada, num mercado em que, anteriormente à Lei,
não havia impedimento para a comercialização de seguro saúde em menor escala.
Haja vista a grande quantidade de seguradoras que detinham uma pequena parcela
do market-share dos seguros saúde stricto sensu.
Com vistas a avaliar a real importância das barreiras à entrada e, também,
da escala, apresenta-se, em seguida (quadro 4.8), a distribuição percentual dos
prêmios entre as seguradoras que comercializavam seguro saúde, até 1998:
nas mãos das grandes do setor”... In: ibid. Há que notar, entretanto, que, quanto a utilização de redes de comercializaçãocomum, seria possível contornar a legislação através de contratos preferenciais entre firmas pertencentes ao mesmoconglomerado.223 Segundo O Dia, 14/07/01:”Seguradoras deixam o setor”. Também Jornal do Commercio, RJ, 14/07/01, p. A6: “Noveseguradoras ameaçam fechar”.
191
Quadro 4.8: Participação das seguradoras no mercado, distribuídas pelosprêmios (em %), Brasil, 1977-2001
1977 Comind - 100%1978 Comind - 90,6% Itaú - 9,4%1979 Comind - 73,7% Itaú - 26,3%1980 Comind - 58,1% Itaú - 41,8% Generali - 0,1%1981 Itaú - 63,8% Comind - 33,9% Generali - 2,3%
1982 Itaú - 73,1% Comind - 18,4% Generali - 8%Internacional -
0,5%
1983 Itaú - 79,4% Generali - 11,2% Comind - 8,9%Internacional -
0,5%1984 Itaú - 52,5% Bradesco - 40,2% Comind - 2,7% Generali - 2,3% Cigna - 1,6% Demais - 0,71985 Bradesco - 51,6% Itaú - 42,1% Iochpe - 3,9% Generali - 1,7% Demais - 0,7%
1986 Bradesco - 54,3% Itaú - 29,0%Sul América -
10,0% Iochpe - 2,8% Generali- 1,7% Demais - 2,2%
1987 Bradesco - 56,6% Itaú - 18,7%Sul América -
14,6% Cigna - 3,8%Generali -
2,6% Demais - 2,7%
1988 Bradesco - 85,8%Sul América -
10,6% Generali - 1,8% Iochpe - 1,4% Demais - 0,4%1989 S.i.. S.i. S.i. S.i. S.i. S.i.
1990 S.i. S.i. S.i. S.i. S.i. S.i.
1991 Bradesco - 37,2%Golden Cross -
34,7%Sul América -
27,6%Sul América
Unibanco - 0,2% Multiplic - 0,2% Demais - 0,2%
1992 Bradesco - 66,1%Sul América -
16,9%Golden Cross -
16,4%Sul América
Unibanco - 0,4%Porto Seguro -
0,1% Demais - 0,1%
1993 Bradesco - 46,9%Sul América -
31,3%Golden Cross -
19,3%Sul América
Unibanco - 0,9%Porto Seguro -
0,8% Demais - 0,8%1994 S.i. S.i. S.i. S.i. S.i. S.i.
1995 Bradesco - 28,9%Sul América -
24,0%Golden Cross -
16,8%
Sul AméricaSeguros Gerais -
4,8%Bamerindus -
4,4% Demais - 20,1%
1996Sul América -
28,4% Bradesco - 27,2%Golden Cross -
15,6% Marítima - 5,0%Bamerindus -
4,5% Demais - 19,3%
1997Sul América Aetna
- 26,7% Bradesco - 26,5%Golden Cross -
13,5%
Sul AméricaSeguros Gerais -
6,5%Marítima -
4,8% Demais - 24,0%
1998Sul América Aetna
- 31,9% Bradesco - 29,1%Golden Cross -
10,3%
Porto Seguro -5,4%
HSBCBamerindus -
4,9% Demais - 19,3%S.i. – sem informação
Até 1984, poucas seguradoras atuavam no mercado de saúde. Neste ano,
entra a BRADESCO, que havia comprado o Plano Internacional da Golden Cross
(Andreazzi, 1991). No ano seguinte, já era a empresa líder, situação que manteve
até 1996, quando assume esta condição a Sul América Seguros, mantendo esta
liderança até hoje. A partir de 1983, muitas seguradoras pequenas atuam no
mercado. Poucas, porém, crescem, significativamente, seu “market-share”.
Quanto a BRADESCO Seguros, pode-se ver que, se em 1990 ela detinha 81,25%
dos prêmios arrecadados, seu “market share’ cai progressivamente, até que em
1997 chega a 26,63%. Além do crescimento da Sul América, um outro motivo
merece ser considerado, que foi a transformação da empresa médica Golden
Cross em seguradora, em 1991, entrando na vice-liderança do mercado.
192
Na década de 90, nota-se a participação decrescente da Golden Cross,
terceira colocada e uma fusão significativa do grupo Sul América com a Aetna
Seguros, uma das empresas líderes do mercado norte-americano (Busnardo,
1998).
Essas grandes empresas entrantes foram seguradoras que atuavam em
outros ramos de seguros e que provavelmente vislumbraram no seguro saúde
uma boa oportunidade. De fato, tratou-se da primeira carteira da BRADESCO
Seguros e do Grupo Sul América, enquanto um todo, segundo dados da SUSEP
de 1998. Pode-se concluir, a partir disso que vantagens de custos relacionadas a
escala e escopo parecem ter favorecido as firmas grandes. Fidelidade a marcas
ou vantagens significativas de “primeiro a mover-se” não impediram a mudança
de posições relativas em função da competição entre elas: “...Diversas
seguradoras ensaiam entrar neste segmento, mas poucas o fazem. Trata-se de
uma carteira complicada, que necessita de uma grande infra-estrutura operacional
para atender não só os clientes, como cruzar informações entre pacientes,
médicos e prestadores de serviço, para evitar um dos maiores problemas, a
fraude”...224.
Isto ainda não teria impedido, entretanto, a entrada de pequenas empresas
no mercado. Mas estas não lograram se alçar, neste período, à condição de
grandes. Todas elas, empresas seguradoras, também se aproveitando de
economias de escopo para a diversificação de mercados de atuação, fato que não
será mais possível com a nova legislação.
Para as grandes BRADESCO e SUL América, que já eram, na época, as
firmas líderes no mercado de seguro, houve claras vantagens de participação em
grandes grupos financeiros na sua posição de destaque, logo na entrada. A
BRADESCO, por exemplo, já detinha 240.000 vidas. Quanto a Sul América, já
havia uma experiência prévia neste mercado antes de 1986, com a modalidade
de Planos de Administração, através da quase-firma SULAMED. Esta, em 1989,
referia possuir convênios de seguro saúde com algumas empresas de grande
porte, tais como a Ford, a General Motors e a Alcoa (Andreazzi, 1991).
No caso das empresas médicas de pré-pagamento, inclusive aquelas
constituídas a partir do capital investido em serviços de saúde (como os planos
224 “Gazeta Mercantil (1998) p. 50
193
próprios de hospitais lucrativos e filantrópicos), e para as cooperativas, os dados
do mercado parecem refletir um crescimento, até hoje, do número de firmas.
É possível notar este fato nas décadas de 70 e 80 (Andreazzi, 1991). Desta
forma, entre 1954 e 1972, é encontrado um aumento das empresas médicas da
ordem de 1 para 100 firmas, só em São Paulo. Quanto às cooperativas médicas,
nos 20 anos que sucederam a criação da primeira singular225 (1968), se chegou a
mais de 130 em todo o país. Relativamente à auto-gestão, a ABRASPE
(Associação Brasileira de Serviços Assistenciais Próprios de Empresas), uma das
entidades organizadoras deste segmento, possuía, em 1989, 99 empresas filiadas.
Já na década de 90, os dados dos autores estudados (Pinto, 1996; Almeida,
1998; Dain, 2000) são distintos, gravitando entre 500 e 700 empresas de medicina
de grupo, 300 cooperativas médicas e entre 150 e 350 empresas de auto-gestão.
Tomando uma mesma fonte – a Assessoria de Imprensa da ABRAMGE, se
pode ver como evoluiu a posição relativa das 10 maiores firmas de medicina de
grupo, entre 1989 (Andreazzi, 1991), 1994 (Diniz, 1997) e 2001 (home–page da
ABRAMGE), anos escolhidos em função da existência do dado secundário
(quadro 4.9):
225 - Singulares são a denominação dada às cooperativas locais, localizadas em um município ou micro-região, base de todo osistema.
194
Quadro 4.9: Posições das empresas filiadas à ABRAMGE (por número debeneficiários). Brasil, Anos selecionados.
1989 1994 20011 – Interclínicas (SP) 1- Amil (RJ) 1- Amil (RJ)
2 - Amico (SP) 2- Amico (SP) 2 – Golden Cross (RJ)3 – Intermédica São Camilo
(SP)3 – Interclínicas (SP) 3 – Medial (SP)
4 - Amil (RJ) 4 – Intermédica (SP) 4- Cigna Saúde/AMICO
5 - Medial (SP) 5 – Medial (SP) 5- Interclínicas (SP)6 - Promédica (SP) 6 – Amesp (SP) 6 – ProSaúde SAMCIL (SP)
7 - Amesp (SP) 7 – Promédica (BA) 7 – Amesp (SP)8- São Luiz (SP) 8 – S.L. Saúde (SP) 8 – ASSIM (RJ)
9 - Jundiaí Clínicas (Jundiaí, SP)
9 – Health (SP) 9 – SIM (SP)
10 - Iguatemi (SP) 10 – Saúde Unicor (SP) 10 – Promédica (BA)11 – Semepe (PE) 11- Sta. Casa Misericórdia Belo
Horizonte (MG)12 – Instituto Iguatemi (SP) 12 – Sta. Helena Assist.
Médica (SP)13 – Nacional Saúde (SP) 13 – SAPS (SP)14 – Jundiaí Clínicas (SP) 14- Clinihauer (PR)
15 – Assim (RJ) 15 – Sobam (SP)16- Samp (SP) 16 – HAP Vida (CE)
17 – Semic (RJ) 17 – Sta. Amália Saúde (SP)18 – Ciamel (SP) 18 – Paraná Clínicas (PR)
19 – São Camilo (SP) 19 – Seisa20 – Paraná Clínicas (SP) 20 – Sul América Aetna
Saúde S/A Fontes: Andreazzi (1991); Diniz (1997); ABRAMGE (2001)226
Percebe-se, desta trajetória das empresas de medicina de grupo filiadas a
ABRAMGE que:
a) no intervalo de mais de 10 anos, entre 1989 e 2001 não há mudanças
significativas entre as 5 primeiras, apenas nas suas posições como empresas
líderes;
b) abaixo da oitava posição, ou seja de empresas com menos beneficiários que
a AMESP (que, pela sua home-page227, referia ter 300.000 beneficiários), a
variação de posicionamento é grande;
c) se, até 1994, as empresas constantes na lista eram, fundamentalmente
paulistas e fluminenses, ganham destaque em 2001, entre a décima e
vigésima posições, firmas de outros Estados como Minas Gerais e Paraná;
No caso das cooperativas médicas, sua predominância ou até, a
exclusividade, em cidades de porte médio do interior, é um fenômeno que já vem
226 www.abramge.com.br
195
sido apontado há bastante tempo (Andreazzi, 1991, Bahia, 1999), podendo ser
considerado uma relativa barreira à entrada, por acesso a fatores.
Incerteza a parte, nada impede que se possa considerar que, de algum
modo, a entrada não esteve impedida, inclusive tendo aumentado na década de 90
(o que já vimos ter ocorrido com as seguradoras), em função de fatores como
marca, propaganda, vantagens relacionadas a aprendizado, retornos crescentes de
escala. Contudo, as empresas líderes mantiveram, na maioria dos casos, as
principais posições no ranking.
4.4.5 - Distribuição do “market share”
Uma fonte de dados atualmente existente para medir o grau de
concentração é a Agência Nacional de Saúde Suplementar/ANS, que coleta dados
periódicos das empresas. A divulgação da informação sobre as quantidades de
apólices comercializadas viabilizaria o cálculo do “market share” das firmas que
comercializam seguros privados de saúde, nas distintas segmentações de mercado
e modalidades. No entanto, mediante solicitação da autora, esta Agência considerou
tal dado confidencial, o que não tornará possível, portanto, a análise mais precisa,
apenas estimativas baseadas em fontes dispersas.
Não se crê que tal fato comprometa sobremaneira as conclusões do trabalho.
A análise, então, se fará, em função destas restrições.
Informações aproximadas do número de usuários em cada modalidade
estão esparsas e possuem diferentes fontes. Sem querer tomá-las como
verdades absolutas, tenta-se apreender as tendências que podem apontar.
Assim, ao longo do tempo, procura-se identificar as vantagens de cada uma delas
(tabela 4.6 e gráfico 4.2 ).
227 www.amesp.com.br
196
Tabela 4.6: Participação do número de usuários entre diversas modalidades de
planos e seguros privados de saúde. Brasil, anos selecionados.1987 1989 1995 1996
% N % N % N % NSeguro saúde 3,3 800.000 2,9 900.000 11.0 3.850.000 12 4.700.000Medicina de
Grupo62 15.000.000 48 15.000.000 43.0 15.050.000 42 17.300.000
CooperativasMédicas
14 3.500.000 24 7.320.000 23.0 8.050.000 24 10.000.000
Auto-gestão 20 4.800.000 24 7.500.000 23.0 8.050.000 22 9.000.000Plano de
Administração 1,2 300.000 1.3 420.000 0 S.i. 0 S.i.Total 100 24.400.000 100 31.140.000 100 35.000.000 100 41.000.000
Fontes: Andreazzi (1991) para 1987 e 1989; Pinto (1996) para 1995;Catta Preta (1998) para 1996; Montone (2001) para 1999.
Fontes: Andreazzi (1991) para 1987 e 1989; Pinto (1996) para 1995;Catta Preta (1998) para 1996
A diferença da década de 90 para a de 80 é que a modalidade medicina de
grupo perde, proporcionalmente, em fatias do mercado, para o seguro saúde, as
cooperativas médicas e a auto-gestão. Parte da explicação se deve a referida
mudança de modalidade da Golden Cross, requerendo carta-patente de
seguradora, em 1991. Médici, em 1991, além disso, previa uma certa tendência
das grandes empresas constituírem planos próprios de auto-gestão.
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Gráfico 4.2: Participação percentual dos usuários de planos e seguros privados de saúde. Brasil, anos selecionados.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1987 1989 1995 1996
����Auto-gestão
Cooperativas Médicas
����Medicina de Grupo
Seguro saúde
197
Diniz (1997), a partir de outras fontes, apresenta dados bastante
aproximados daqueles aqui vistos. Ela conclui, de forma parecida, ressaltando
que, embora a medicina de grupo tenha perdido participação relativa no mercado,
não houve uma perda de usuários real para as outras modalidades e, sim, uma
interrupção do crescimento mantido anterior.
Indiscutivelmente, o que ela e outros autores228 reconhecem foi o
crescimento das seguradoras no mercado, na década de 90, o que já havíamos
apontado, como tendência, em 1991.
Dentro da modalidade companhia seguradora, a concentração é alta,
desde o início de sua operação, em 1977, quando havia somente uma empresa
no mercado. Utilizando-se a receita como ‘proxy’ para verificar concentração (por
falta do número de apólices comercializadas), constata-se que, durante toda a
década de 80, as entradas de empresas não mudaram o fato de 2 a 3
responderem por 80 a 90% do mercado. Na década de 90, há mais entradas e
nota-se uma certa desconcentração. De 1995 a 1998, mantém-se 3 empresas
com um market share significativamente maior do que as demais, porém as
menores já detêm entre 19 e 20% do mercado. Em 2000, dados da FENACOR
(Federação Nacional dos Corretores de Seguros) revelaram que as três maiores
ficaram com 78,2%, sendo que a Sul América com 45,6%, a Bradesco Saúde com
27,2% mas a Golden Cross, que já vinha decrescendo progressivamente, cai de
8,9%, em 1999 para 5,5%229. As duas primeiras também estão entre as três
empresas líderes do mercado de seguros, em geral, com 15,6% e 13,5% do
market share, respectivamente.
Quanto às características das firmas operadoras de planos de saúde, além
de seu grande número, podemos avançar em alguns aspectos, de forma
exploratória, dada as incompatibilidades de dados.
Quanto ao tamanho médio, uma das fontes examinadas (Pinto, 1996),
mostra que, relativamente às seguradoras, as firmas das demais modalidades, de
uma maneira geral, possuem uma média menor de beneficiários, principalmente a
medicina de grupo. Possivelmente, entre estas empresas, encontraríamos algumas
poucas firmas nacionais de maior porte, que competem com as grandes
seguradoras e uma quantidade grande de firmas regionais ou locais.
228 Inclusive não acadêmicos como Regina Carvalho do Conselho Federal de Medicina In Viana e Ocké (1997)229 Jornal do Commércio, 06/04/01: “Pesquisa indica quem lidera em cada ramo”.
198
Sabemos, no entanto, pelos Boletins Estatísticos do Instituto de Resseguros
do Brasil/IRB, versão 1997, que muitas firmas registradas na SUSEP
comercializavam uma quantidade pequena de apólices de seguro saúde. Estas não
devem ter sido consideradas por Pinto (1996) (tabela 4.7). Mesmo com o dado do
IRB, 42 firmas, o número médio de beneficiários das companhias seguradoras seria
mais alto do que as demais modalidades – 112.262. Por outro lado, o dado de Dain
(2000), referente ao número de firmas, para as demais modalidades, em 1998,
foram de 740 para a medicina de grupo, 360 para as cooperativas e 300 para a
auto-gestão. Para esta última modalidade a diferença é grande, e o número médio
de beneficiários seria parecido ao das organizações de pré-pagamento.
Tabela 4.7 : Número e tamanho médio de firmas por modalidades.Planos e seguros privados de saúde. Brasil, 1996.
Modalidade Número debeneficiários Número de firmas
Número médio debeneficiário por
firmaSeguro Saúde 4.715.000 29 162.586
Medicina de Grupo 17.302.000 555 31.175Cooperativas 10.004.000 304 32.908Auto-Gestão 8.979.000 150 59.860
Total 41.000.000 1.038 40.000Fonte: Pinto (1996)
Dain (2000), a partir de dados da ABRAMGE, identifica, quanto ao porte
das empresas de medicina de grupo, que:
• ...”poucas grandes concentram-se nas capitais de São Paulo e Rio de
Janeiro;
• as médias empresas já aparecem em outros estados, concentrando-se
porém nas capitais ou em grandes cidades do Interior, como Jundiaí, Campinas e
Ribeirão Preto no Estado de São Paulo;
• o grupo de empresas intermediárias, com população coberta entre 10 e
50 mil usuários, atua principalmente em cidades de médio porte do Interior e até
em algumas capitais, abrangendo um maior número de estados;
• já as menores empresas, com menos de 10 mil usuários, encontram-se
espalhadas pelo interior ou são empresas novas nas capitais em fase de
formação de carteira;
199
• as empresas de maior porte oferecem, na maioria dos casos, planos
para seus usuários bastante amplos em termos de cobertura. Isso se justifica por
atuarem nos grandes centros, onde dispõem de todos os recursos, materiais e
humanos, de toda inovação tecnológica, além da grande massa que assistem
permitir a diluição dos riscos inerentes a tais garantias, bem como pelo poder
aquisitivo da população dessas regiões. Conforme diminui o tamanho das
empresas e que se avança para o interior do país, o nível de cobertura se reduz
significativamente, o que é lógico, pois os fatores que permitem aquela amplitude
das maiores operadoras de planos de saúde faltam para estas menores...”230
Mas, pelos dados constantes da página da ANS na internet231, havia, até
28/02/2001, 2739 operadoras ativas registradas, número muito mais expressivo
do que aquele fornecido por Pinto (1996). Como este deve ter se baseado nas
entidades representativas e estas não filiam todo o universo de firmas232, isto
deve explicar, em parte, a discrepância. Das firmas registradas na ANS, 1693 ou
61,8% do total referiram localização na Região Sudeste, 35,05% no Estado de
São Paulo.
A apresentação de Januário Montone, Diretor da ANS, perante o Conselho
Nacional de Saúde, em Brasília, a 06/06/01 (Montone, 2001), nos permitirá
algumas deduções, acerca da concentração do mercado. Segundo este
documento, em fevereiro de 2001, o número de beneficiários informados pelas
operadoras que se registraram junto a ANS (em número de 1728) era de
27.473.258, quase 10.000.000 abaixo da estimativa de cobertura apresentada
pela PNAD/98. O próprio documento compara a sua base de dados àquela
atribuída a ABRAMGE, encontrado na home-page desta Associação, em 2000,
referente a 1999, que era superior ao dado da PNAD/1998, em quase 10.000.000
de vidas233 (tabela 4.8).
230 Dain (2000), pp. 168-169.231 www.ans.saude.gov.br232 Diniz (1997) calcula que 40% das empresas de medicina de grupo são filiadas a ABRAMGE.233Como já referimos, o dado da ABRAMGE, mesmo considerando as coberturas sobrepostas não detectadas pela PNAD,pode estar algo superestimado.
200
Tabela 4.8: Comparação de bases de dados ABRAMGE e ANS - número debeneficiários de planos privados de saúde
1999 (ABRAMGE) 2001 (ANS)MODALIDADE N % N %Seguro saúde 5.800.000 12,0 5.100.000 19,3
Medicina de Grupo 18.000.000 37,1 11.400.000 43,2
Cooperativas Médicas 11.000.000 22,7 6.400.000 24,2Auto-gestão 13.700.000 28,2 3.500.000 13,3
Total 48.500.000 100 26.400.000 100Fonte: Montone (2001)
O número de operadoras apresentadas pela ANS excede bastante o dado
da ABRAMGE, destacando-se a modalidade de auto-gestão como aquela com
maior discrepância entre as duas fontes (tabela 4.9). Para Montone (2001),
menos do que baixa cobertura de registro de empresas, estaria havendo uma
dissimulação do número de beneficiários por parte das operadoras: ...“No fundo, o
que elas não querem é conceder o cadastro. É por ele que calculamos o valor da
taxa a ser paga por cliente. Com os nomes, podemos cruzar dados com o
Datasus, saber qual deles foi atendido em hospital público e cobrar dos planos,
explicou Luiz Felipe Conde, procurador da ANS”234...
Tabela 4.9: Comparação de bases de dados ABRAMGE e ANS - número deempresas de planos privados de saúde
1999 (ABRAMGE) 2001 (ANS)MODALIDADE N % N %Seguro saúde 28 2,0 60 2,0
Medicina de Grupo 840 53,0 1.604 59,0
Cooperativas Médicas 364 23,0 595 22,0
Auto-gestão 355 22,0 263 17,0Total 1587 100 2722 100
Fonte: Montone (2001)
Uma alternativa para a visualização integral do mercado, partindo de uma
metodologia de comparação entre diversas fontes, na falta da liberação do dado
da ANS, será apresentada a seguir.
O primeiro problema a ser resolvido é como considerar as cooperativas
médicas. Seriam elas empresas separadas ou uma única empresa, através das
234 O Dia, 27/09/2000, p. 11: “Empresas não querem pagar”.
201
relações de intercâmbio e outras, de apoio mútuo, que se estabelecem entre as
suas “singulares”. Do ponto de vista do funcionamento, as singulares da
Confederação das Unimeds do Brasil e da Aliança Cooperativista Nacional
Unimed235, são empresas separadas.
A diferença das cooperativas para a ABRAMGE, que também possui
mecanismos parecidos com as Unimeds, de intercâmbios, pelo menos da
urgência/emergência, é que as singulares possuem uma base geográfica de
atuação bem definida, não havendo possibilidade do médico ser cooperado de
mais de uma singular. No caso das medicinas de grupo, nos seus mercados
locais, as empresas competem, sim, umas com as outras, não se identificando,
até então, a formação de cartel (oligopólio organizado), com poucas exceções a
serem apresentadas à frente.
Assim, considerando as cooperativas médicas como uma única firma, com
as suas diversas relações de reciprocidade que permitem uma cobertura nacional,
elas liderariam o mercado nacional, com cerca de 12.000.000 de beneficiários,
segundo a própria Confederação236 e pesquisas de mercado: ...”A Unimed
continua liderando o mercado nacional de planos de saúde, com 25% de
participação – fatia cinco vezes que a levada pela segunda colocada, uma
seguradora (possivelmente a Sul-América Aetna). É o que revela pesquisa da
LatinPanel (empresa dos grupos Ibope, NPD e TNS) realizada em fevereiro (de
2001) e só revelada agora. Feita com uma amostragem de 14.501 indivíduos com
mais de 18 anos representantes de uma população de 74 milhões de pessoas”.
A cooperativa de médicos tem 20,8% de share nos planos para pessoa
jurídica e 31% nos contratos para pessoa física237...
As instituições auto-gestionárias ainda não competem com as outras
modalidades em mercados abertos238. Logo, não parece ser ainda o caso soma-
las às outras modalidades que assim o fazem, para efeitos de análise da
235 Dissidência da Confederação das Unimeds, criada em 1998, com uma base de 174 singulares e 16 Federações(www.aliançacoperativista.com.br em 03/2002).236 Pesquisa da Confederação das Unimeds referente a 2000237 O Estado do Paraná, 15/05/01, p. 11, Panorama Econômico: “Na frente”238 Competem, sim, anteriormente, na decisão da empresa patrocinadora da cobertura de saúde suplementar, de organizarou co-patrocinar plano próprio fechado ou terceirizar para as firmas constituídas no mercado. Recentes fatos parecemvislumbrar mudanças neste campo. Uma delas foi a formação da Petrosaúde, sociedade civil sem fins lucrativos, a partirdo plano de auto-gestão da Petrobrás: ...”As empresas da área de saúde não gostaram muito da idéia...O temor delas é oapetite da nova empresa ser maior e não se restringir apenas à Petrobrás... ” (Folha de São Paulo, 05/06/01, PainelS.A).
202
concentração. As duas medidas de concentração, entretanto, com e sem auto-
gestão, serão apresentadas.
Um outro aspecto refere-se à segmentação geográfica dos planos de
saúde, onde a Lei 9656/98 define possibilidades de atuação em mercados
nacional, regional e municipal/local, podendo as empresas competirem
simultaneamente em todos eles, através de produtos diferenciados.
Tudo isto cria uma certa dificuldade de delimitar o mercado relevante para
efeitos da discussão da concentração
Esta tentativa de avaliar o mercado, quanto à participação das empresas
em todas as modalidades serviu de motivo para a construção do quadro 4.10.
Segundo o estudo da Panel supracitado, a segunda colocada em seu ranking
representaria a quinta parte da Unimed. É de supor tratar-se de uma grande
seguradora, possivelmente a Sul América Aetna, primeira no ranking de prêmios,
em 2000 desta modalidade, com um número de beneficiários estimado em
2.400.000. Ela é seguida muito de perto pela Bradesco Saúde. Entrevista pessoal
com gerente do ramo de seguros privados de saúde referiu possuir esta
seguradora em torno de 2.000.000 segurados. Para o tamanho total do mercado,
em 2001, partiu-se dos 43 a 45 milhões de pessoas, calculados a partir de dados
da PNAD de 1998 e da ABRAMGE (41.000.000), em 1996, acrescidos de uma
taxa de crescimento anual de 3,5%. Para o cálculo da auto-gestão, considerou-se
uma market-share total de 28,2%, a partir, também, da estimativa da ABRAMGE
de 1999.
203
Quadro 4.10: Participação estimada de empresas de seguro saúde privado no mercado. Brasil, 2001.
Abrangênciado Mercado
Modalidade Firma NúmeroAproximado deBeneficiários
Market-Share(com a
autogestão)
Market-Share (sem a
autogestão)
Nacional (viaIntercâmbio)
Cooperativa
Confederaçãodas Unimeds e
AliançaCooperativista
NacionalUnimed
12.000.000 26,6% 37.2%
Nacional
Seguradora (apartir de 2001,também Med.
Grupo)
Sul AméricaAetna 2.400.000 5.3% 7.4%
Nacional Seguradora BradescoSeguros 2.000.000 4.4% 6.2%
Nacional Med. Grupo IntermédicaSaúde 1.200.000 2.7% 3,7%
Nacional Med. Grupo Amil 850.000 1.9% 2.6%
Nacional
Seguradora (apartir de 2001,também Med.
Grupo)Golden Cross 800.000 1.8% 2.5%
Nacional Auto-gestão GEAP 741.000 1.6%Nacional Auto-gestão CASSI 600.000 1.3%Nacional Auto-gestão Petrosaúde 360.000 0.8%
Regional Med. Grupo Amico/Cigna 350.000 0.8% 1,1%Total 45.000.000 100,0% 100,0%
Fontes: Sul América e Bradesco - O Estado do Paraná (15/05/01); Intermédica - Carta Capital (18/07/01, p.70); Cigna - Valor Econômico (14/03/01); AMIL - www.amil.com.br; Golden Cross e Bradesco – entrevistapessoal; CASSI – Barroso (1996); GEAP – www.geap.org.br (em 03/02)
Podemos comparar este quadro com os dados apresentados por Montone
(2001) a partir dos registros da ANS. Para esta Agência, as autogestões estão
incluídas e as cooperativas médicas estão contadas separadamente (e não como
uma Aliança Estratégica, o que parece mais relevante para efeitos da competição)
(quadro 4.11).
204
Quadro 4.11: Índices de Concentração239 do Mercado de Seguros Privados deSaúde, a Partir de Diferentes Fontes
Estimativaconstruída a Partirdo Mercado (Sem
Autogestão)
Estimativa Construída aPartir do Mercado (Com
Autogestão)
Registro da ANS(com Autogestão)
C2 0.446 0.319 0.123C5 0.571 0.409 s.iC6 0.596 0.427 0.216
Fontes: Montone (2001); Confederação das Unimeds (2000); O Estado do Paraná (15/05/01);Carta Capital (18/07/01, p. 70); Valor Econômico (14/03/01); www.amil.com.br; entrevista pessoalcom executivos do mercado.
As Alianças Estratégicas seriam uma outra forma de concentração, ou
melhor de resistência à concentração, mantendo-se as estruturas jurídicas
independentes das firmas. Diniz (1997) encontrou, em São Paulo, uma delas, em
que se “aliaram” sete empresas de medicina de grupo ...”cujos donos são amigos
e passam a usufruir de estrutura única (05 clínicas) para atendimento de
beneficiários com o objetivo de diluição de custos. São 03 no ABC e 02 em
Osasco. A gestão da mesma é feita por 03 Diretores representantes dos 07
sócios, que definem as normas básicas de funcionamento da estrutura”...240
Assim, haveria uma concentração relativa, com um pequeno número de
grandes firmas competindo no mercado nacional. Não se pode afirmar a
existência de acordos formais ou de oligopólio conivente (colusivo) e organizado,
ou cartéis: não há uma entidade que agregue as firmas, dividindo mercados e
estabelecendo preços. Há, sim, atuação em bloco das modalidades na defesa de
interesses específicos, face aos outros atores que interagem no mercado:
consumidores, órgãos reguladores, prestadores de serviço. Encontram-se, ainda,
alianças estratégicas no interior das modalidades medicina de grupo e
cooperativas médicas.
Parece ter ocorrido, na década de 90, um movimento intenso de fusões e
aquisições, das quais as mais significativas contaram com a participação de
capital estrangeiro (principalmente seguradoras norte-americanas). Das fusões
ocorridas entre as seguradoras, merece destaque para a análise específica do
mercado de seguro saúde a ocorrida com a Sul América. Isto porque a Aetna se
239 C2 é a participação percentual dos beneficiários das 2 primeiras firmas em relação ao total do mercado. Similarmenteocorre com C5 e C6.240 Diniz (1997), pp. 85-86
205
constitui numa das grandes firmas norte-americanas de seguros privados de
saúde (Leopoldi, 1998).
O outro destacado processo de fusão da década de 90 foi a da Golden
Cross com a Cigna e o Banco Excel, em 1997, também motivado pelas
dificuldades financeiras por que atravessava aquela empresa, na época. Não foi
exatamente uma fusão, e sim contrato de gestão com cláusula de compra futura
do capital da Golden241. Fusão esta não efetivamente consolidada, dado que volta
a ser majoritariamente controlada pela família Afonso, em 1999242. A desistência
da Cigna na associação com a Golden Cross não significou a sua saída do
mercado brasileiro. Em 1997 ela também adquire a AMICO, que era a segunda
empresa no ranking da ABRAMGE de 1994, e já havia pertencido a um grupo
norte-americano. De fato, esta empresa, em 1979, foi vendida para a Hospital
Corporation of America/HCA (Andreazzi, 1991) que, posteriormente teria passado
sua participação, em função da legislação protecionista do mercado interno
decorrente da Lei Orgânica da Saúde (1990).
Dentre as empresas de medicinas de grupo, observam-se também fusões.
A Intermédica, por exemplo, quarta empresa no ranking da ABRAMGE, de 1994 a
1999 adquiriu 2 empresas do interior do estado de São Paulo243, integrando-se
também a uma seguradora, a Intermédica (Diniz, 1997).
4.4.6 - Integração vertical
A integração vertical é uma forma especial de diversificação da produção
de uma firma, em que ela se expande dentro da cadeia de produção – distribuição
– consumo. Assim o faz, substituindo por produção própria, sejam os insumos
(integração para trás), sejam a distribuição ou outros serviços (para frente) (Kon,
1994).
O movimento de integração, no caso da atenção privada de saúde, pode vir
tanto na direção das empresas de seguro integrarem-se com os prestadores de
serviço, como, por exemplo, comprarem hospitais. Ou, então, dos prestadores
241 Valor Econômico, 14/03/01: “Cigna traça plano estratégico para crescer no seguro de saúde”242 ...”sabe-se no mercado que o negócio foi frustrado por dívidas que apareceram depois de assinado o contrato e queexigiam um aporte de recursos muito maior do que o previsto para incorporar a empresa. No segundo semestre de 1999o contrato foi desfeito e, no fim das contas, a matriz da Cigna bancou um prejuízo de cerca de US 400 milhões com aoperação...”(Valor Econômico, 14/03/01).243 Carta Capital, 18/07/01, p. 70: “Para onde vai a saúde?”
206
criarem planos de saúde, como forma de utilizarem-se, mais vantajosamente, do
financiamento. Este último caso pode explicar a criação de operadoras de planos
de saúde por parte de hospitais filantrópicos e de hospitais lucrativos, inclusive de
forma associada, como foi o caso da Assim, importante empresa médica de pré-
pagamento do Rio de Janeiro.
Não existem divergências entre os vários autores que já analisaram o
mercado244, ao menos até meados da década de 90, que a forma principal de
relacionamento das operadoras de planos de saúde e os prestadores é o
credenciamento, não exclusivo. Para as seguradoras, isto foi decorrente dos seus
limites legais a ter rede própria. Para as medicinas de grupo, embora não tendo
estas restrições, Dain (2000), a partir de dados da ABRAMGE de 1998, informava
que 76,5% dos médicos que prestavam serviços às empresas eram credenciados.
A opção por rede própria de serviços de saúde poderia ser uma estratégia
adicional ao credenciamento das empresas médicas. É freqüentemente utilizada
para responder a diferenciação de produto por faixas de renda, cabendo aos
planos mais baratos o uso exclusivo desta rede (Andreazzi, 1991). No caso geral
das organizações médicas de pré-pagamento, novamente Dain (2000) encontrou,
no ano de 1998, a partir dos dados da ABRAMGE e da Unimed que 5,6% dos
hospitais e 5,8% dos leitos, para as empresas de medicina de grupo e 1,9% dos
hospitais e 0,8% dos leitos, para as cooperativas, eram próprios.
Na pesquisa de campo de Diniz (1997), realizada em 1994 entre as
maiores empresas de medicina de grupo de São Paulo (8, situadas entre as 20
maiores, pela ABRAMGE), foi encontrado que a maioria teria ao menos 1 hospital,
centro médico ou ambulatório próprio. Como não analisou pequenas empresas,
não foi possível avaliar se tal fato estivesse relacionado à maior capacidade de
investimento, em função do porte, embora ela sugira que isto tenha ocorrido. Não
encontrou, no entanto, um forte interesse dos dirigentes destas empresas em
aprofundar a integração. Os motivos alegados foram os altos custos da
manutenção de rede própria.
A opção pela integração clássica, ou seja, por rede própria, caracterizou,
no início de funcionamento da indústria, muitas grandes empresas de medicina de
244 Como, por exemplo, Médici (1990), Diniz (1997) e Bahia (1999).
207
grupo, como a Interclínicas (Andreazzi, 1991), sendo considerada uma das
modalidades na classificação norte-americana das HMOs (“staff-model”245)
Os dados mais recentes de empresas de medicina de grupo de porte
médio a grande parecem mostrar que a opção por rede própria parece ter
aumentado do início para o final da década de 90. A Intermédica, por exemplo,
em 2001, após um processo de aquisições, referia uma rede de 7 hospitais e 54
centros médicos ambulatoriais246, mais do dobro daquela referida em 1994. Na
rede das cooperativas, muitos serviços próprios também têm sido construídos247.
4.4.7 - Outras estratégias competitivas
a) Preço.
Há opiniões autorizadas que não consideram a guerra de preços como a
principal estratégia competitiva encontrada neste mercado. Para Lopes (1993),
por exemplo, o mercado de seguros saúde se enquadraria numa tipologia onde
haveria mais preocupação com as características do produto (qualidade) e a
atualização da tecnologia empregada. E onde o preço baixo pode significar um
produto que poucos consumidores desejem.
O que significa que não ocorram guerras de preços: “...As vantagens (dos
clientes corporativos) motivaram a Golden Cross a lançar uma campanha
agressiva para retirar clientes da concorrência...anuncia preços abaixo do
mercado...a idéia é desafiar clientes com potencial, oferecendo cotações mais
atrativas antes da renovação de antigos contratos...A estratégia é ter cotação até
10% abaixo dos concorrentes...argumenta o diretor comercial da empresa...”248
Uma análise rápida dos preços de planos de saúde individuais, dentro das
coberturas permitidas e faixas de idade, de fato não revelam diferenças
significativas, tendendo a gravitar em torno de um patamar (tabela 4.10):
245 Ver Médici (1991)246 Carta Capital, 18/07/2001. p. 70: “Para onde vai a saúde?”247 “Unimed diversifica atividades no Sul de Minas Gerais” - Gazeta Mercantil, 29/08/01, Editorial; “Unimed abre novohospital” - Jornal do Commercio do Recife, 18/10/01; “Unimed oferece Centro de Exames” - O Liberal (PA) 8/11/01, p.5248 “Planos de saúde acirram disputa por empresas”- Gazeta do Rio, 04/10/01.
208
Tabela 4.10: Preços (mensais) de planos individuais de saúde.Rio de Janeiro, novembro de 2001.
18 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anosAmil R$ 107,30 R$ 128,76 R$ 140,35
Golden Cross R$ 113,78 R$ 124,13 R$ 151,39Unimed R$ 106,42 R$ 121,82 R$ 165,18
Fonte: Jornal Extra – 18/11/01, p. 19
Já os planos coletivos passam, em geral, pela decisão de um agente
responsável pela negociação da pessoa jurídica, seja empresa ou associação. O
preço, em geral, pode ser uma das variáveis decisórias. Geralmente, existem
também estratégias dos corretores voltadas para a aquisição da “boa-vontade”
deste negociador.
2- Diferenciação de produto.
A diferenciação de produto e a segmentação da demanda são estratégias
conjuntas bastante utilizadas pelas operadoras de planos privados de saúde.
Sicsu (2000) considera a principal. Um dos sub-produtos da diferenciação é a
possibilidade de burlar a regulação de reajustes dos planos por parte da ANS:
...”nos últimos doze meses, a inflação acumulada em Belo Horizonte foi de 7,73%
do IPC-BH e os 12 planos de saúde pesquisados pelo IPEAD (Instituto de
Pesquisas Econômicas e Administrativas da UFMG) tiveram um reajuste médio
de 9,12%...explica...lançamento de planos novos, uma espécie de maquiagem
que costuma acontecer quando um plano deixa de ser economicamente viável
gerando uma espécie de migração de clientes de um plano para outro”...249
No caso do seguro individual, a segmentação da demanda tem, como
variável importante, a renda familiar. Para algumas operadoras, pode se constituir
numa estratégia seu enfoque dos negócios num segmento de renda. Nos
produtos diferenciados segundo a renda, a variável cambiante, em geral, é a rede
de serviços de saúde. Ou, então, a cobertura do plano, atualmente dentro das
opções permitidas pela Lei 9656/98..
No caso dos planos coletivos, a segmentação da demanda é internalizada
na empresa contratante, havendo produtos com diferentes preços, onde a variável
cambiante principal também é a rede de serviços utilizada.
249 “Médicos não tem reajuste nas consultas há 6 anos” – Estado de Minas Gerais, 16/06/01.
209
Em resumo: “...O “produto” seguro saúde difere tanto de acordo com as
características “reais”, tais como tipo de cobertura, co-pagamentos e métodos de
pagamento de sinistros, como de acordo com diferenças percebidas, tais como
reputação no pagamento dos sinistros. Deveremos, daí, esperar, diferenças de
preço entre as companhias... as seguradoras competirão na base de preços
assim como em termos de diferenças de produto...”250
Estas diferenças de produto podem ser sistematizadas nos seguintes itens:
a) Acesso aos prestadores: a diferenciação mais marcante refere-se a
existência ou não de livre-escolha do profissional de saúde ou serviço a ser
utilizado, relacionada ao método de pagamento por reembolso, cujo prêmio
é mais caro que os demais. É a modalidade de seguro saúde mais
tradicional, tipicamente veiculada por companhias seguradoras. As
organizações médicas de pré-pagamento, verificando a existência de
demanda diferenciada por este produto, passaram a oferecê-lo ao
segmento de alta renda dos planos individuais e de empresas. Isto, para
elas, representou uma diferenciação já que a sua origem histórica, tanto no
Brasil, como nos EUA, se baseou na utilização de capacidade instalada
própria. Em geral, o processo competitivo aplainou esta diferença entre as
duas modalidades, mais marcante no seu início. Ambas oferecem uma
quantidade de opções relacionadas às distintas possibilidades de utilização
de redes de prestadores, com preços decrescentes de prêmios: da livre-
escolha total (para os diretores das empresas, por exemplo, no caso dos
planos coletivos)251, passando por rede credenciada de prestadores, até
serviços próprios (Andreazzi, 1991; Lopes, 1993; Bahia, 1999). Dentro da
estratégia de crescimento da Unimed, se colocou, também, a criação de
uma seguradora, para cobrir os contratos de livre-escolha (Andreazzi,
1991).
b) Coberturas: anteriormente a Lei 9656/9, as coberturas contratadas eram
bastante diferenciadas. No entanto, os problemas de exclusão de
determinadas patologias ou limites de tratamentos eram comprometedores
da qualidade da atenção médica e geravam insatisfações no mercado.
250 Feldstein (1988), p. 156 (tradução livre).251 “Os planos de assistência médica sofisticam-se, garantem opção de livre-escolha em alguns casos e partem para aconquista do segmento de executivos nas camadas hierárquicas mais altas das organizações...”(Lopes, 1993, p. 5).
210
Geravam, também, processos freqüentes na Justiça, principalmente nos
anos 90, após a promulgação da Lei de Defesa do Consumidor. A
regulamentação atual foi forçada pelo movimento de consumidores e
profissionais de saúde em direção a uma maior restrição quanto às
exclusões de cobertura. Partindo-se de uma grande diferenciação
contratual, a Lei 9656/98 define cinco possibilidades de cobertura:
ambulatorial, hospitalar, com ou sem obstetrícia, odontológica e referência,
que é o máximo de cobertura. Dentro de cada modalidade, o atendimento é
integral, respeitando-se as carências, a cobertura parcial temporária para
doenças pré-existentes, assim como a possibilidade de estabelecer
agravos252.
Vale a pena notar que a própria não regulação anterior a 1998
permitiu que muitas organizações de pré-pagamento, com precária
cobertura ambulatorial, voltadas à demanda de baixa renda, se
constituíssem. Executivos do mercado crêem que elas terão dificuldades
em adaptarem-se às exigências da nova legislação, quanto à integralidade
proposta da atenção médica, mesmo ao nível ambulatorial: “...A
multiplicação de planos de saúde colocados no mercado também ocorreu
no contexto de contratos muito limitados, dirigidos a estratos de renda
familiar baixa. Alguns chamam esses planos de fura-filas do SUS, pois
fornecem a previsão de tempo de internação limitados a poucos dias e,
imediatamente, os pacientes são transferidos aos hospitais da rede
pública...”253
Recentemente, com a crise do início do milênio, os planos
ambulatoriais parecem estar se tornando atraentes, como estratégia de
venda de produtos, a mais baixo preço:
“...O mercado médico-hospitalar está enfrentando um período de
estagnação, agravado pela crise econômica mundial. O único setor com
provável tendência de crescimento é o serviço de plano ambulatorial...A
avaliação é...de Arlindo de Almeida, Presidente da ABRAMGE...é
252Cobertura parcial temporária/CPT e agravos são as possibilidades existentes na regulação da assistência suplementarpara lidar com as chamadas doenças pré-existentes (ao contrato). Após uma avaliação pelo médico da seguradora, essasduas opções deveriam ser oferecidas aos novos clientes. A CPT consiste de carências para determinados procedimentosrelacionados à pré-existência e tem sido o meio mais utilizado. Os agravos seriam sobre-prêmios correspondentes. Naprática, tem sido difíceis de calcular e, por isso, menos utilizados.253 Coriolano (1998), p.38.
211
justificada pelo oferecimento de preços em média 40% mais baratos do que
o de cobertura global...A Memorial Saúde, rede especializada em gestão
de plano ambulatorial...prevê fechar 2001 com 45.000 novos associados –
o equivalente a 30% de crescimento- e um aumento de R$ 25 milhões no
faturamento, sete a mais do que o ano passado... ”254
a) Abrangência geográfica: A abrangência mais freqüente dos produtos
registrados, ainda de acordo com os dados de 2001 da ANS, foi de grupos
de municípios, com 52,8% do total. A abrangência nacional significou 5044
produtos, 15,9% do total. Os demais se situaram em estados ou grupo de
estados. Produtos de abrangência apenas municipal representaram 12%
do total.
c) Formas de pagamento: o percentual de co-participação do segurado na
utilização dos serviços, juntamente com as franquias, tem contado com
crescente interesse no Brasil. Eles são utilizados há bastante tempo no
EUA, por poderem representar um produto de preço mais acessível
(Newhouse, 1993). Também é atraente para as empresas seguradoras
pelo fato de, contando com uma restrição monetária no ato da utilização do
serviço de saúde, poder reduzir, em alguma medida, o consumo destes
serviços.
d) Rede de prestadores de serviço - Constitui-se numa importante forma de
diferenciar produtos, tanto nos planos coletivos quanto nos individuais.
e) Outros: identificam-se, ainda, outras formas de diferenciação, poucas
expressivas numericamente, para as pequenas seguradoras que entraram
recentemente no mercado, como seguros-saúde associados com seguros
viagem (vida, bagagem). Outros produtos opcionais encontrados são
ambulâncias, transporte aéreo, atendimento domiciliar, planos de
prevenção (check-ups) e saúde ocupacional nas empresas.
Em fevereiro de 2001, a ANS referia o registro de 31.776 planos de saúde
ativos. Dividindo-se estes planos pelo numero de operadoras ativas
registradas, teremos uma média de 11,6 produtos (planos) por operadora.
51,9% destes planos englobavam cobertura hospitalar (com ou sem obstetrícia
254 “Mercado de medicina hospitalar fecha o ano de 2001 estagnado”- Gazeta do Rio, 06/12/01, P. 1.
212
e com ambulatório adicional ou não); 12,5% eram apenas odontológicos.
Planos médicos apenas ambulatoriais correspondiam a somente 8,2% do total.
De modo geral, a diferenciação do produto foi maior nas modalidades
individual e familiar e coletivo por adesão do que no empresarial puro. Este
representou 23,8% dos planos, chegando a 29,8%, quando associado ao
coletivo por adesão. Isto quando sabemos que a participação do plano
empresarial na quantidade de beneficiários é mais expressiva do que o
individual.
4.4.8. Formas de organização dos ofertantes255
O setor segurador privado é bastante organizado, onde cada uma das
modalidades possui entidades específicas de representação que chegam a alcançar
uma abrangência nacional.
Quanto à medicina de grupo, duas entidades se organizam ao nível nacional,
com as suas contra-partes regionais: o Sindicato Nacional das Empresas de
Medicina de Grupo/SINAMGE e a Associação Brasileira de Medicina de
Grupo/ABRAMGE. O Sindicato é mais envolvido com os aspectos corporativos da
relação patrão-empregado e a Associação com os aspectos políticos da
modalidade.
As cooperativas médicas estão estruturadas em singulares, organizações
territoriais, Federações estaduais ou interestaduais e a Confederação, nacional. As
singulares têm a autonomia de realizar os convênios e estabelecer as relações com
os serviços de saúde, embora a Confederação estabeleça os convênios de nível
nacional e as normas mais gerais de funcionamento.
As empresas que possuem planos de auto-gestão criaram, em 1980, a
Associação Brasileira de Serviços Assistenciais Próprios de Empresas/ABRASPE.
A outra entidade é o Comitê de Integração das Entidades Fechadas de Assistência
à Saúde/CIEFAS que, em 2000, possuía 108 empresas filiadas, a maioria
composta de estatais e ex-estatais256.
255 Esta seção baseia-se no trabalho de Andreazzi (1991b). As atualizações têm os seus créditos referidos.256 Pesquisa Nacional CIEFAS 2000- Publicação especial.
213
Finalmente, as companhias seguradoras têm uma entidade mais geral, de
todo o ramo, a Federação Nacional de Empresas de Seguros/FENASEG, contando
com uma área de seguro saúde.
Nota-se que todas estas entidades teriam alguns objetivos centrais em
comum, derivados das necessidades de interferir nos processos de regulação
estatais ou de organizarem-se para negociar com os outros setores do mercado de
bens e serviços de saúde.
Todas as modalidades apresentam contradições explícitas com os
prestadores de serviços, sejam eles os médicos ou os hospitais. Pode envolver
questões relativas a condição de assalariamento da força-de-trabalho. Mas
destacam-se aquelas derivadas do pagamento de redes credenciadas -
estabelecimento de honorários, formas de remuneração e mecanismos de
regulação.
Além de se depararem com as organizações de autodefesa dos prestadores,
uma outra categoria que também se organizou para defender seus interesses
perante as entidades das seguradoras são os consumidores. Já desde o final dos
anos 80, se identificam movimentos associativos como, no Estado do Rio de
Janeiro, a Associação dos Participantes de Planos de Saúde Privados e
Previdenciários do Rio de Janeiro/APLASPE, criada com a ajuda da Comissão de
Defesa dos Consumidores da Câmara Municipal. Há exemplos em Estados
menores, como na Bahia, com a criação, em 2000, da Associação dos Usuários do
Sistema de Saúde257. Além das entidades gerais de defesa do consumidor, como o
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e de portadores de patologias,
bastante atuantes no campo dos seguros privados de saúde e com assento no
Conselho de Saúde Suplementar/CONSU.
No que diz respeito às concepções sobre o papel do Estado e o modelo de
organização de serviços de saúde do país, evidentemente que as propostas do
setor, hoje, tendem a reforçar a existência de um sistema dual e segmentado, em
que as parcelas mais ricas e os setores econômicos mais produtivos seriam a
clientela do seguro privado, cabendo ao setor público aquelas parcelas mais pobres,
os idosos e as patologias consideradas menos lucrativas.
257 A Tarde, 02/09/00.
214
Não surpreendentemente, esta perspectiva coincidiu com as propostas do
Banco Mundial quanto ao foco do Estado num pacote básico de atenção à saúde
(Banco Mundial, 1993) e com as ambigüidades do Ministério da Saúde, nos anos 90
(Ministério da Saúde, 1996). Estas sugerem a priorização do setor público para a
atenção primária e a Saúde da Família, destinada às camadas de baixa renda,
deixando, na prática, mais espaço aberto ao desenvolvimento do seguro privado.
Para que o duplo pagamento das empresas, a seguridade social e aos
seguros privados, não se torne uma carga muita pesada, desde 1982 (Andreazzi,
1991), entidades, como a FENASEG, patrocinam a implantação da redução
opcional da contribuição previdenciária.
4.5 – Serviços Privados de Saúde
Compreenderia o estudo da oferta de serviços privados de saúde os
conjuntos de firmas voltados à concretização de cuidados à saúde para as
pessoas, sejam eles financiados pelas famílias, diretamente, seja por terceiros
que se constituem, em geral, na atualidade, inclusive no Brasil, pelas empresas.
Um analista superficial do setor saúde não suporia a existência de um
mercado apenas conformando este setor. Para Katz e Munoz (1988), dois seriam
os básicos, o médico e o hospitalar ou, dito de forma mais genérica o de
estabelecimentos de saúde.
Esta parte trata da estrutura e dinâmica destes dois mercados. A regulação
e o faturamento serão vistos em conjunto, inicialmente. Os elementos da estrutura
e do processo competitivo serão apresentados, em seguida, separadamente.
4.5.1 – Regulação:
As normas reguladoras dos médicos são aplicáveis ao conjunto do mercado
(quadro 4.12 e 4.13):
215
Regulação estatal dos Médicos
Política fiscal* Produto Condições de Entrada Condições de Saída Política financeira Preço Qualidade Fusões
CredenciadosAutônomos IRPF N.i. N.i. N.i.
Existe umatabela dereferênciamínima da
AssociaçãoMédica, que é
usada nanegociação comas operadorasde planos de
saúde
A seguradora podedescredenciar
justificadamente(informando osConselhos, a
Agência Reguladorae os usuários do
plano).
N.i.
Credenciadospessoa jurídica IRPJ
Código de Éticaimpõe liberdade detratamento, dentro
do conjunto deprocedimentos
legais. Podem haverincentivos
contratuais voltadosà padronização (é
conflituoso)
N.i. N.i. N.i. N.i.
A seguradora poderomper o contrato
(informando osConselhos, a
Agência Reguladorae os usuários do
plano).
N.i.
Liberais IRPF
Código de Éticaimpõe liberdade detratamento, dentro
do conjunto deprocedimentos
legais
N.i. N.i. N.i.
Não há. Exixteuma tabela de
referênciamínima da
AssociaçãoMédica, nãoimpositiva
N.i. N.i.
Todos ISS Registro no ConselhoRegional de Medicina
Livre solicitação debaixa no registro do
Conselho deMedicina
Não há N.i.
Conselhos Regionaisaceitam processos
éticos. Justiça aceitaprocessos
administrativos epenais contra a mal
prática.
Não há
Fontes: * Dain (2000); www.ans.gov.br; COFINS-Contribuição sobre o faturamento, CSLL-Contribuição sobre o lucro líquido, IOF- Imposto sobre Operações financeiras, IRPF - Imposto de Rendade Pessoa Física, IRPJ - Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, ISS - Imposto sobre Serviços, INSS - Instituto Nacional do Seguro Social.
216
Regulação estatal dos estabelecimentos de saúde
Política fiscal* Produto Condições de Entrada Condições de Saída Política financeira Preço Qualidade Fusões
Não lucrativo IOF, N.i. N.i. N.i.
Contas devemser aprovadas
pelamantenedora. O
titulo defilantropia exige ooferecimento de
70% dos leitos aoSUS
N.i. N.i. N.i.
LucrativoIRPJ, CSLL,
IOF, ISS,COFINS, PIS-
PASEPN.i. N.i. N.i.
As sociedadesanônimas temsuas contas
aprovadas pelaComissão de
ValoresMobiliários
N.i. N.i.Legislação
específica dedefesa da
concorrência
Todos
Contribuiçãode empregados
eempregadoresao INSS, Taxas
de registro efiscalização na
VigilânciaSanitária e noConselho de
Medicina
Código de Éticaimpõe liberdadede tratamento,
dentro doconjunto de
procedimentoslegais. Podem
haver incentivoscontratuaisvoltados à
padronização (éconflituoso)
Registro no ConselhoRegional de Medicina
e no Órgão deVigilância Sanitária
Livre solicitação debaixa no registrodo Conselho de
MedicinaN.i.
Existem tabelas dereferência mínimadas Associação e
Sindicato deEstabelecimentosde Saúde, que é
usada nanegociação com as
operadoras deplanos de saúde.
Para oatendimento
particular, é livrenegociação.
ConselhosRegionais aceitamprocessos éticos.
Justiça aceitaprocessos
administrativos epenais contra a mal
prática. Aseguradora pode
descredenciarjustificadamente(informando osConselhos, a
AgênciaReguladora e os
usuários do plano).A Vigilância
Sanitária podefechar o
estabelecimento.
N.i.
Fontes: * Dain (2000); www.ans.gov.br; COFINS-Contribuição sobre o faturamento, CSLL-Contribuição sobre o lucro líquido, IOF- Imposto sobre Operações financeiras, IRPF - Imposto de Rendade Pessoa Física, IRPJ - Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, ISS - Imposto sobre Serviços, INSS - Instituto Nacional do Seguro Social.
N.i. - Não identificado
217
4.5.2 – Faturamento:
O faturamento global do conjunto pode ser estimado pelosdados a seguir.
a) A partir de estimativa do gasto dos seguros privados de
saúde com sinistros, já apresentada neste capítulo –
Este gasto poderia ser calculado utilizando a
sinistralidade média apontada por Catta Preta (1997)
para os seguros privados de saúde, em torno de 80%.
Assim, a partir do faturamento apresentado pelas
entidades representativas das operadoras de planos de
saúde258 (ver tabela 4.1), ele corresponderia a US
14.800.000,00 em 1996 e US 19.171.080.000,00 em
1998. Então teríamos um gasto com assistência médica
de US 11.840.000,00 em 1996 e US 15.336.864,00 em
1998 (dólares correntes). Estas despesas, no entanto,
englobam gastos com serviços e gastos com insumos
(medicamento, gases, material hospitalar).
Considerando, a partir de uma estrutura hipotética de
custos259, que 40% correspondam a honorários
profissionais, 20% a taxas diversas que são apropriadas
pelos estabelecimentos de saúde e os demais 40% a
insumos, teríamos um fluxo financeiro pertencente aos
mercados médicos e de estabelecimentos, sensu
258 Mendes (2000), a partir de Forster Higgins e ABRAMGE, ajustados a mais a partir de dados as auto-gestão(www.abraspe.org.br e www.ciefas. org.br.259 Baseada em experiência pessoal da autora.
218
estricto, de US 7.104.000,00 em 1996 e US
9.202.118,00 em 1998 (dólares correntes).
b) A partir da POF/IBGE – Ocké, Silveira e Andreazzi
(2002) projetam um gasto total com assistência a saúde
das famílias, da ordem de 13 bilhões de reais
(correntes) em 1996260. Destes, 21,2% seriam gastos
diretos das famílias com assistência médico-hospitalar,
correspondendo a R$ 2.756.000,00 (US 2.742.000,00
de 1996). Com planos privados de saúde, as famílias
gastaram 29,2% do total com saúde. Considerando que
80% pagam sinistros e destes 60% se destinam ao
mercado médico e de estabelecimentos, o fluxo final
seria de R$ 1.822.080,00 (US 1.812.825,00 de 1996).
Originar-se-ia, assim, no ano de 1996, nas famílias, um
total de R$ 4.578.080,00 (US 4.554.850,00 de 1996),
especificamente, para os mercados de serviços de
saúde.
c) A partir dos gastos do SUS, para o pagamento de
assistência médico-hospitalar para o setor privado
(contratado, filantrópico e sindicatos), teríamos a
seguinte evolução no final dos 90 (tabela 4.13):
Tabela 4.13: Pagamentos ao setor privado - SIA e SIH/SUS (EmR$ correntes)
260 Mendes(2000) estima um valor mais alto: R$ 16.122.763.881,00 em 1996 (valores correntes)
219
AnoHospitais(SIH261) Ambulatório (SIA + PAB262) TOTAL TOTAL + 25%263
1996 1.915.840.975,58 1.297.993.087,78 3.213.834.063,36 4.017.292.579,20
1997 1.878.478.246,03 1.334.924.635,47 3.213.402.881,50 4.016.753.601,88
1998 2.137.277.348,32 1.526.079.121,31 3.663.356.469,63 4.579.195.587,04 Fonte: datasus.gov.br em 22/02/02
Descontando-se os mesmos 40% correspondentes a gastoscom insumos, o fluxo destinado aos mercados médicos e de
estabelecimentos seria de R$ 2.410.000,00 (US 2.398.000,00 de1996) em 1996 e R$ 2.748.000,00 (US 2.368.000,00 de 1998), em
1998.A estimativa final do fluxo financeiro nos mercados de serviços de saúde,
sem contar o gasto com insumos (medicamentos e demais materiais) seria, então,
assim estimada (quadro 4.14):
261 Sistema de Informações Hospitalares do Datasus262 Sistema de Informação Ambulatorial e Programa de Atenção Básica, também obtidos do Datasus.263 Trata-se de uma complementação que é paga pelo Ministério da Saúde mas não é contabilizada no dado inicialapresentado pelo Datasus (ver Notas Técnicas na home-page do Datasus – Informação de Saúde)
220
Quadro 4.14: Estimativa do fluxo financeiro para os mercados médico e deestabelecimentos de saúde (sem insumos). Brasil, 1996 (em US correntes).
Fontes Valores Participação percentual
Pagamento de assistênciamédica pelos segurosprivados de saúde
7.104.000,00 58,0 %
Gastos direto das famílias 2.742.000,00 22,4 %Contratos com o SUS (SIA e SIH)
2.398.000,00 19,6 %
Total 12.244.000,00 100,0 %Fontes: www.datasus.gov.br; Ocké, Silveira e Andreazzi (2002); Mendes(2000), ajustado porwww.abraspe.org.br
Como se pode perceber, é razoável considerar que os seguros saúde
fossem, ao final da década de 90, o maior financiador da indústria de serviços
privados de saúde, seguido pelas pessoas físicas, na forma de desembolsos diretos
e, finalmente, pelo SUS264. De todas as fontes, as pessoas físicas vem
apresentando uma tendência declinante com este item de seu consumo de saúde,
desde os anos 80, o que também ocorreu com o SUS. O contrário ocorre com o
financiamento através dos seguros privados de saúde, que aumentou, no período.
O que permite deduzir pela redução dos limites de autonomia dos serviços de
saúde face aos financiadores e as mudanças nas formas de competição, não mais
por uma demanda individual, mas organizada de forma cada vez mais oligopsônica.
4.5.3 – Os serviços médicos.
Este segmento dos serviços de saúde é composto, tradicionalmente, por
profissionais individuais que vendem seus serviços.
4.5.3.1 – Natureza do produto e das mudanças técnicas
O custo dos serviços médicos pode ser representado como uma soma dos
custos de reprodução da própria força-de-trabalho médica, custo de meios de
produção (capital e insumos) acrescido de custos administrativos, comerciais e
impostos.
264 Reforça e estimativa a afirmação do médico Eduardo de Oliveira, presidente da associação dos Hospitais do Estado deSão Paulo: ..."Cerca de 60% a 70% do faturamento da maioria dos hospitais vem do chamado segmento alternativo, queinclui as cooperativas de medicina de grupo, as operadoras de saúde, seguradoras e planos de autogestão... . O restantevem do sistema público, bancado pelo governo” (Silvana Mautone para Uol Notícias – SP, em 22/10/01).
221
Custo total dos serviços médicos = Custo de reprodução da força-de-trabalho + custo de capital (equipamentos, instalações) + custo de outrosfatores de produção (insumos específicos e não-específicos) + Custoadministrativo + Custo comercial + Outros (impostos, marketing, seguros)
Analisando-se a natureza técnica dos serviços médicos, poderíamos
encontrar ganhos de escala. Para a aquisição e manutenção de muitos
equipamentos biomédicos, é necessária uma escala razoável de funcionamento
para ter um preço competitivo. Os custos administrativos, que representam
principalmente custos de gerenciamento das relações com os financiadores e de
apoio secretarial e de enfermagem, podem apresentar economias de grandes
números, até um certo ponto265. Os custos comerciais, pelos aspectos éticos que
envolvem a propaganda médica no Brasil, não seriam muito importantes.
A presença de ganhos de escala, dentro da relação de produção artesanal
que caracteriza o mercado, não levaria a concentração e sim a mudança desta
relação, através das transformações capitalistas que assalariam o médico e
engendram a formação de um outro mercado, o de estabelecimentos de saúde.
Dentro de marcos ainda artesanais, a formação de grupos médicos e a
cooperativização podem se constituir em vantagens de custo em relação à prática
puramente individual. No Brasil, a presença da prática médica em grupos, em
relação a individual, embora não quantificável nas fontes trabalhadas, parece
estar bastante disseminada. Nos Estados Unidos, a presença de firmas lucrativas
de terceirização de médicos foi crescente nos anos 90 (Salmon, 1995)
Pelo apelo econômico que traz, tem sido captada pelos empresários
imobiliários. Tornam-se assim, freqüentes, nos centros urbanos,
empreendimentos imobiliários para médicos, que oferecem serviços
administrativos compartilhados: fax, marcação de consultas, segurança, limpeza e
outros.
A outra face do processo, a própria mercantilização da força de trabalho
médica, no Brasil, já no final da década de 70, nas grandes metrópoles, estava
bastante adiantada, concomitantemente a expansão das empresas médicas,
principalmente em São Paulo (Cordeiro, 1984) e dos hospitais lucrativos. Estas
222
transformações capitalistas, no entanto, não tanto substituem, como vem
complementar a prática liberal. Na Grande São Paulo, nos anos 80, por exemplo,
se observava um claro processo de assalariamento profissional. Atividades liberais
excluvisas representavam apenas 8,4% dos médicos. Cerca de 40% dos médicos
participavam do mercado com uma única situação de trabalho, enquanto 57% se
enquadravam em formas compostas. No Estado do Rio de Janeiro, 7,5% dos
médicos trabalhavam em atividades mistas e 46,7% de forma assalariada (Paim,
1991).
O mercado médico, por conseguinte, no início do período de análise, se
caracterizava por uma grande diversidade de situações, em que a atividade liberal
pura era francamente minoritária, prevalecendo a composição entre o
assalariamento (muitas vezes o multisalariamento), a informalidade e a forma liberal.
Já em 1995, o estudo de grande abrangência da década de 90 – Pesquisa
Perfil dos Médicos no Brasil – Conselho Federal de Medicina/FIOCRUZ (Machado,
1997) mostrou que dos postos de trabalho do setor privado, a situação de trabalho
mais freqüentemente encontrada era de conveniados com planos de saúde, com
ou sem SUS adicionais. A exclusivamente particular, representando 16,5%, era
proporcionalmente maior na Região Norte (23,8%), enquanto que os próprios da
medicina de grupo (10,6%) estavam principalmente concentrados no Sudeste. A
participação em convênios ou cooperativas foi de 79%. Destes 65,7% estavam
filiados à Unimed.”.. Os convênios mais citados pelos médicos por ordem de
importância em seu rendimento mensal (O SUS ocupa o segundo lugar ao serem
considerados os convênios individualmente...) são os seguintes: Unimed (33,6%),
estatais (20,3%), Golden Cross (8,0%) e Sul América (7,6%)...”266 Regionalmente,
se percebe que o SUS e a Unimed foram mais freqüentes na Região Sul. A
participação de conveniados no total de postos de trabalho foi de 61,4% para as
capitais e 38,6% para o interior. Todas as medicinas de grupo e convênios de
auto-gestão respeitaram esta tendência. O SUS e a Unimed, por outro lado, tem
uma participação percentual maior no interior do que nas capitais. Os hospitais,
públicos e privados, eram o maior setor de atividade.
265 Ver discussão sobre deseconomias de organização no item 4.4.3 deste capítulo.266 Machado (1997), p. 114.
223
Dos médicos, 18,4% eram empresários, situação esta, mais
freqüentemente, encontrada no interior do que nas capitais e nas regiões Centro-
Oeste e Nordeste.
A expansão do número de postos de trabalho médico na década de 90
também foi notada pelo IBGE (2000b): entre 1992 e 1999 este encontrou um
crescimento de 30,2% no setor público e 48,5% no setor privado.
4.5.3.2 - Condições de entrada e de saída. Distribuição do “market–share”.
Integração vertical. Outras estratégias competitivas
A existência de barreiras à entrada relacionada a preferências dos
consumidores por profissionais já estabelecidos pode ser deduzida pelas
variações de rendimentos encontradas entre os médicos. Elas foram grandes, na
dependência do tempo de trabalho. Em 1985, os médicos de 50 a 60 anos
declararam haver recebido, em média, 28 salários mínimos mensais, ao passo que
os profissionais com menos de 30 anos, sete salários mínimos mensais (OPAS,
1990). Este resultado também foi encontrado, dez anos mais tarde, por Machado
(1997), uniformemente nas regiões do país. Além do tempo, foi também relacionado
ao sexo e especialidade.
Estas variações refletem tanto heterogeneidade no market share quanto
diferenças de preços entre os médicos. No entanto, a diferenciação de produto
associada à incorporação de tecnologias parece ser uma importante estratégia de
competição neste mercado, parecendo também ser fonte de barreiras a entrada.
Ainda no estudo de Machado (1997), a renda maior, dentre as especialidades, era
encontrada naquelas criadas para a aplicação de novos métodos de diagnose e
terapia, como radioterapia, endoscopia digestiva, medicina nuclear e as cirurgias,
como a Cárdio-Vascular, Proctologia, Otorrinolaringologia e Plástica. Por outro
lado, naquelas em que a força de trabalho médico se constituía no principal meio
de produção, a renda mensal foi menor, sendo até a metade das primeiras
especialidades. Foram elas, a Medicina Sanitária, Pediatria, Medicina Interna e
Pneumologia. O quanto do aumento do faturamento por diferenciação tecnológica
é retido pelo médico ou repassado a indústria produtora de bens não foi possível
avaliar neste trabalho. Em função da estrutura de mercado concentrada da
224
indústria, é de supor que seu ganho comercial, na relação com os médicos, seja
grande.
O resultado destes elementos estruturais e estratégicos seria a distribuição
bastante heterogênea da oferta de médicos, já existente, nos anos 80, no Brasil.
Nesta época, a concentração de médicos por 1000 habitantes variava, em 1986,
de 3,15 no Estado de Rio de Janeiro para 0,55 no Estado de Piauí (OPAS, 1990).
A distribuição dos postos de trabalho entre os setores público e privado era quase
equivalente.
Girardi (1991), além disso, a partir dos dados das Pesquisas do IBGE –
Assistência Médico-Sanitária – dos anos 80, mostrava que a expansão dos postos
de trabalho médicos foi maior do que a oferta representada pelos egressos das
escolas de Medicina. Entre 1976 e 1984, o volume de empregos médicos cresceu
8% ao año267 gerando, aproximadamente, 1,5 empregos por médico.
Nos anos 90, a Pesquisa Perfil dos Médicos no Brasil (Machado, 1997) não
vai contestar, significativamente, essas tendências. São elas: expressiva
urbanização e concentração dos médicos nas capitais e nas regiões
economicamente mais poderosas do país, Para o país, a oferta de médicos por
1000 habitantes, em 1995, foi de 1,19, sendo 3,38 para as capitais e 0,53 para o
interior. 65,9% dos médicos atuavam em estabelecimentos públicos, 59,3% em
privados; 74,7% mantinham atividades de consultório. No total, a média era de 3
atividades por médico.
Encontra-se, nesta mesma fonte, uma comparação entre as décadas de 80 e
80 quanto ao indicador médico por 1000 habitantes. É possível, com este indicador,
avaliar de forma aproximada e comparativa, a adequação da oferta de médicos em
relação à demanda estimada da população por atenção médica (Banco Mundial,
1993). Foram obtidos dados dos anos 90 para os países de renda média alta.
Comparando-se os resultados brasileiros, apenas a Região Sudeste teria
apresentado uma proporção população/médico dentro dessa média. Há um
crescimento geral no período, mais acentuado na Região Centro-Oeste (quadro
4.15).
267 Comparando-se com o crescimento da População Economicamente Ativa, em geral, 4,1% ao ano, se vê significativaexpansão dos serviços de saúde, públicos e privados.
225
Quadro 4.15: Médicos/1000 Habitantes (A) e População Por Médico (B).Brasil, Anos 80 E 90.
Década de 80 Década de 90 Crescimento (%)A B A B
Brasil 0,85 1176 1,19 840 40,00N 0,44 2273 0,52 1923 18,18NE 0,56 1786 0,66 1515 17,86SE 1,08 926 1,64 610 51,85S 0,98 1020 1,23 813 25,51CO 0,66 1515 1,23 813 86,36
Economias de renda médiaalta 640
Fontes: Machado (1997); Banco Mundial (1993)
Tal oferta de trabalho maior do que a demanda em algumas regiões,
também sugerida pela quantidade elevada de postos de trabalho por médico, não
parece estar confirmando a teoria clássica do suposto encarecimento da mão-de-
obra médica: no trabalho do CFM/FIOCRUZ (Machado, 1997), os médicos
referiram um desgaste profissional significativo (apenas 20% não referiram), e
mais intenso no início da vida profissional: ...” o multiemprego (...subempregos,
salários inferiores à média...) e a trabalhar mais intensamente em regime de
plantão...” 268
4.5.3.3 – Formas de organização dos ofertantes
A heterogeneidade da inserção dos médicos no mercado, como é de se
esperar, gera interesses distintos e formas de organização diversas para
representá-los.
A Associação Médica Brasileira/AMB é uma entidade tradicional de defesa do
caráter liberal da profissão. Coube a AMB, na metade da década de 60, originar a
proposta de formação das cooperativas médicas. Os médicos liberais, a partir daí,
começam a enfrentar uma perda progressiva de sua capacidade de definir suas
condições de inserção independente no mercado, tendo que negociar honorários e,
mesmo, o tipo de prática desejável pelos financiadores. A disputa direta pelos
pacientes é substituída pela disputa pelos credenciamentos, nos quais os
financiadores tentam definir as regras do jogo. Existem distintas condições de
268 Machado, op. cit., p. 170.
226
competividade entre os médicos como, por exemplo, os anestesistas, que
organizaram uma cooperativa e impuseram uma tabela de honorários própria, maior
do que aquela das seguradoras. Estas diferenças, que são aproveitadas pelas
seguradoras para impor suas condições, geraram a proposta de credenciamento
universal, em que os pacientes teriam direitos à livre-escolha, onde o médico
pudesse cobrar qualquer preço, a ser reembolsado total ou parcialmente, conforme
o plano do usuário269.
Tal resistência ao empresariamento, no entanto, tem sido hoje assumida
menos pelas cooperativas do que pelos Conselhos de Medicina, na medida que
aquelas não lograram alcançar uma abrangência universal na categoria, a despeito
de sua perspectiva inicial. A proposta para contrapor-se às tendências de controle
da prática médica por parte dos seguros privados de saúde, que é compartida com
as demais entidades médicas, AMB e sindicatos, é a Central de Convênios. Esta
tem funcionado, em poucos Estados e com uma cobertura ainda pequena, como um
elo de ligação entre os financiadores e os médicos, agregados de forma universal,
com livre-escolha por parte do paciente. Caberia a Central negociar preços e
assumir as transações burocráticas de pagamento e controle.
4.5.4 - Os estabelecimentos de saúde
Trata-se de uma indústria extremamente heterogênea que, sob uma base
comum de aplicação da ciência biomédica, há uma tão grande diferenciação de
produtos não substituíveis próximos entre si, que é difícil afirmar se tratar de uma
ou várias. Pode ser subdividida, em função da base técnica prevalente, em com
internação e sem internação.
4.5.4.1 - Natureza do produto e das mudanças técnicas.
O esquema geral de custos é semelhante àquele já visto para os médicos:
269 Ou então quando o médico aceitasse receber pela Tabela dos Planos de Saúde, como constava em projeto de alteraçãoda Lei 9656, que tramitava na Câmara, em 2001, de autoria do Dep. Inocêncio de Oliveira (PFL), com a aprovação doPresidente do Sindicato dos Hospitais e Serviços Particulares e da Presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará In:“Usuário poderá escolher médico não credenciado” – O Povo (CE), 13/07/01.
227
Custo total dos serviços de saúde= Trabalho + Capital + Insumos +Depreciação do capital + Custo comercial + Custo administrativo + Outros(Marketing, Impostos, Seguro)
Tal como no mercado de seguros, existem nos serviços de saúde,
elementos, derivados do processo de produção, que tenderiam a favorecimento
da grande empresa.
Feldstein (1988) afirma a existência de economias de escala no processo
de produção de serviços hospitalares, especialmente por:
a) maior especialização do trabalho, aumentando a produtividade;
b) aquisição de equipamentos cujos produtos apresentam retornos
crescentes de escala;
c) possibilidade de descontos na aquisição dos insumos, vinculados a
grande volume.
Segundo estudos empíricos realizados nos Estados Unidos, ele
afirma:”...parece haver leves economias de escala: hospitais com
aproximadamente 200-300 leitos parecem ter os custos médios mais baixos. A
forma desta curva de custos médios é suave/ ou seja, ela não cai abruptamente
nem o ponto mínimo está muito abaixo daquele referente aos hospitais
localizados ao final da curva...:O achado de leves economias de escala sugere
que muitos hospitais podem existir numa comunidade, possivelmente competindo
uns com os outros... Numa grande comunidade, há poucas razões porque não
haveria múltiplos hospitais, embora seja improvável que tenham os mesmos
serviços especializados...”270
Ao contrário da indústria produtora de bens, e como visto com os seguros
saúde, os serviços de proximidade, como seriam os de saúde, possuem algumas
características distintas, que implicam na necessidade de delimitar a área de
abrangência do seu mercado. Para Feldstein (1988), esta depende, basicamente,
da distância que o paciente percorre para chegar ao serviço. Neste sentido, é
possível falar, portanto em oligopólios e, mesmo, monopólios locais (inclusive
270Feldstein (1988), pp. 242-243 (tradução livre).
228
naturais). O que reforça a direção da acumulação em múltiplas plantas no caso
dos serviços de saúde.
Uma tentativa de avaliar o papel da escala no mercado hospitalar, no
Brasil, será vista através da distribuição dos estabelecimentos com internação
segundo o porte, para o ano de 1999, onde foi aplicada a última pesquisa
censitária do IBGE sobre estabelecimentos de saúde, a AMS. A definição clássica
dos portes parte do número de leitos (Ministério da Saúde, 1983):
• Menos ou igual a 50 leitos – Pequeno porte;
• De 51 a 150 leitos – Médio porte;
• De 151 a 500 leitos – Grande porte;
• Acima de 500 leitos – Porte excepcional.
Resultados também referentes ao setor público serão apresentados
apenas a título de comparação (gráfico4.3).
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Gráfico 4.3 - Perfil dos Estabelecimentos com Internação por Natureza Jurídica. Brasil, 1999 (em no de leitos).
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
Públicos Privados lucrativos Privados não-lucrativos
<= 50 > 50 e <= 150 > 150 e <= 500��������> 500
Fonte : CD ROM /AMS 2000
Por motivos talvez diversos, o principal tipo de hospital encontrado na
categoria público e privado lucrativo é o de menos de 50 leitos. O primeiro pelo
provável peso numérico dos estabelecimentos municipais. O segundo pela
229
expansão de pequenos hospitais, na possível medida dos custos fixos iniciais
elevados. O privado não lucrativo apresenta um peso relativo maior das
categorias de porte médio e grande, contando também com hospitais de mais de
500 leitos, o que não ocorre com os lucrativos. Desconsiderando a hipótese,
pouco provável, de terem sido privilegiados, recentemente, por linhas de
financiamento para expansão de capacidade instalada, pensa-se que isto reflita,
antes de tudo, fatos do passado. Ou seja, a rede hospitalar de maior porte, que
necessitou, para sua entrada no mercado, de recursos iniciais mais vultosos, tem
maior probabilidade de ter sido organizada por capitais estatais ou pelos
mecanismos da caridade passada – igreja e associações de ajuda mútua – hoje
pouco capazes de grandes investimentos. Os capitais privados mercantis para o
setor hospitalar têm sido dirigidos, em maior grau, para empreendimentos de
menor porte.
Comparando-se o total da rede por porte, se vê que varia muito pouco a
participação dos hospitais de pequeno e médio porte no total, entre 1992 (ano em
que o IBGE aplicou a última pesquisa anterior a de 1999) e 1999: de cerca de
60% para 64,2%, para os pequenos e 29% para 27,4%, para os médios. Quanto
aos grandes, há uma pequena diminuição de sua participação percentual no
período – de cerca de 12% para 8,3%271.
A utilização da capacidade instalada da rede hospitalar pode ser parcialmente
deduzida, com os dados da AMS, com o objetivo de comparar a eficiência da
utilização dos recursos, a partir da escala e da natureza jurídica do
estabelecimento. Metodologicamente correto seria avaliar o Índice de Renovação
ou Giro de Rotatividade (Ministério da Saúde, 1983). Ele é calculado dividindo-se
as saídas pelo número de leitos, num determinado período. Com os dados atuais,
no entanto, podemos fazer uma aproximação ao indicador, pois ao invés de
saídas, temos internações. Assim, a diferença deste indicador, entre os leitos
públicos e privados, se foi maior nos anos 70, parece ter diminuído bastante272, a
271 Dados de 1992 coletados por França (1997). A autora considera ser uma tendência, desde a década de 70, ofechamento de leitos em grandes hospitais. Parte disso ocorre em hospitais especializados de longa permanência,principalmente psiquiátricos.272 França (1997), para os anos anteriores a 1992, também nota uma expansão da produtividade de leitos públicos desde adécada de 70. De fato, no período, muitos hospitais especializados públicos de longa permanência foram transformadosem hospitais gerais. Para os privados, no geral, a autora encontrou um crescimento bem menor e mais linear, de 31,2pacientes por leito privado em 1976, 36, em 1982, e 37,2, em 1992 o que, comparado com as taxas de 1999, significouque os ganhos de produtividade para o setor privado, enquanto um todo, persistiu. Ela chama a atenção para a notávelequalização desta taxa entre os leitos públicos e privados, em 1992. No entanto, conforme se viu, em 1999, isto não semanteve, os públicos tendo se estagnado e sendo sua taxa comparável apenas ao segmento privado contratado pelo SUS.
230
despeito dos leitos contratados ao SUS terem apresentado, segundo o Datasus,
medis de permanência mais elevadas do que os públicos. Mas os leitos privados
não relacionados ao SUS apresentam uma rotatividade maior do que os
conveniados ao SUS. Destacam-se os não conveniados lucrativos como de maior
rotatividade. Para os não lucrativos, a diferença SUS e não SUS não se revelou
significativa, ambas em torno de 42 internações/ano. A baixa rotatividade dos
públicos, associada a médias de permanência não tão altas, deve estar sofrendo
influência dos hospitais de pequeno porte, municipais, e reflete, provavelmente,
uma resolutividade mais baixa (quadro 4.16 e 4.17).
Quadro 4.16: Índice de Renovação dos Hospitais. Brasil, Anos selecionados.1999 1992 1982 1975
Públicos 37,3 34,2 30,0 15,7Privados 38,5 37,2 36 31,2SUS lucrativos 33,0 s.i. s.i. s.i.SUS não lucrativos 41,7 s.i. s.i. s.i.Não SUS lucrativos 52,7 s.i. s.i. s.i.Não SUS não lucrativos 42,7 s.i. s.i. s.i.Fontes: 1999 – CD ROM AMS/1999; 1976-1992 - Diniz (1997)s.i. - sem informação
Quadro 4.17: Médias de permanência das AIHs por regime segundo natureza,Brasil, 1992 e 1999.
1992 1999Público 7,4 5,7Privado 6,7 6,2Contratado 7,9 7,6Filantrópico* 5,1 Entre 4,1 e 5,5Universitário 7 7,3Total 6,8 6,3
* há 3 categorias em 1999Fonte: DATASUS
O caminho percorrido pelos serviços de saúde, desde os anos 80, indica a
natureza da mudança tecnológica que se revelou mais marcante. Estas foram a
redução da utilização de hospitalização em prol do ambulatório e da atenção
domiciliar. Há debates, entretanto, sobre a importância relativa dos fatores
indutores destas transformações.
231
Nos Estados Unidos, Sloan e Valvona (1986), estudando uma série
histórica de internações cirúrgicas, anterior a implementação dos DRGs273, já
notavam a tendência de redução, em geral, das médias de permanência.
Realizando um estudo quantitativo de regressão múltipla, os autores atribuíram à
tecnologia cambiante da atenção hospitalar um peso significativo na redução dos
dias de internação, ao invés das medidas gerenciais sobre a média de
permanência, já adotadas na época274.
Já nos anos 90, Ginzberg (1996) refere que houve uma importante redução
nas taxas de internação e nas médias de permanência. Ele dá mais ênfase aos
incentivos para a mudança nos processos gerenciais que ocorreram, inicialmente,
com a implantação do pagamento prospectivo pelo Medicare/Medicaid, que
representaram, em 1992, 43% do faturamento do setor hospitalar norte-
americano. E, posteriormente, com o managed care. Estas reduções impactaram
nas taxas de ocupação hospitalar, que também diminuíram. Nas áreas onde não
havia carência de leitos, o excesso de capacidade ociosa tornou os hospitais mais
vulneráveis perante os financiadores, na negociação por preços. As margens de
lucro também diminuíram. As estratégias adotadas pelos hospitais incluíram a
redução de leitos e o desenvolvimento de tecnologias inovadoras, principalmente
ambulatoriais, não incluídas ainda no pagamento prospectivo, para onde a
demanda foi desviada. Os hospitais mais vulneráveis, muitos deles em áreas peri-
rurais, fecharam.
Estas mudanças no padrão de utilização de hospitais - redução da média
de permanência, mudanças no número e tipo de internações, desvio de casos
para o ambulatório – foram também referidas de maneira mais disseminada nos
países industrializados (Sochalski, Aiken and Fagin, 1997).
Tais fatos se refletem no maior crescimento proporcional dos gastos
ambulatoriais em procedimentos de alto custo que tem se observado
recentemente, no sistema público brasileiro (Ocké, sem data).
273 Diagnosis Related Groups, pagamento prospectivo de internações por grupo de patologias, implantado pelo segurosocial americano (Medicare e Medicaid), nos anos 80, numa tentativa de contenção dos custos com internação.274 Como se a tecnologia fosse neutra.
232
4.5.4.2 - Condições de entrada e de saída
É justo pensar que a presença dos retornos crescentes de escala, e o
aumento dos requisitos de capital para a instalação de empreendimentos
hospitalares e também ambulatoriais, de maior custo, impactem nas condições de
entrada.
As principais fontes de barreiras à entrada encontradas para os seguros,
também são vistas nos serviços de saúde:
• Vantagens absolutas de custo das firmas estabelecidas: por
aprendizado, acesso a financiamento, acesso a fatores de produção.
• Vantagens da existência de preferências dos consumidores – marcas.
• Economias importantes de escala – requerimento de grande capital
para a entrada.
• Tamanho mínimo elevado em relação à demanda, tendendo, nos
mercados locais, para o monopólio natural, o que seria um fator
estrutural do mercado.
• Integração vertical.
O requerimento de uma certa escala para entrada tem sido reduzido pela
disseminação da prática de terceirizações de setores inteiros do estabelecimento
de saúde. A consignação de equipamentos pela indústria de bens tem sido uma
outra forma de facilitar o cumprimento dos requisitos de capital para a entrada.
Esta indústria, como forma de viabilizar a realização de suas mercadorias,
procura manter o prestador de serviço preso a exclusividade de insumos, sendo
prática de cunho classicamente monopolista (Kahn 1988). Um exemplo do
primeiro modo de entrada é visto no depoimento do Diretor da Méd-Lar, empresa
de home care275: ...”o investimento para a abertura da filial de Campos é pequeno
porque a maior parte os serviços serão prestados com equipamento
terceirizado”...276
275 Cuidados domiciliares que substituem a internação.276 “Med-Lar levará serviços de home care para Campos” – Gazeta do Rio, 5/07/01
233
4.5.4.3 - Distribuição do “market share” Integração vertical
A análise do grau de concentração desta indústria de estabelecimentos de
saúde, no Brasil, particularmente de hospitais, é difícil, por não haver dados
consolidados que permitam contabilizá-los segundo a origem do capital.
Tradicionalmente, foi formado por pequenas e médias empresas de capital
nacional que se beneficiaram, nos anos 70 do financiamento do FAS-CEF (Cordeiro,
1984). Mais recentemente, com o desenvolvimento dos seguros privados de saúde,
nota-se um movimento, ainda incipiente, de formação de cadeias de
estabelecimentos de saúde ligados ou não aos planos de saúde.
Tomando-se como base a Pesquisa Assistência Médico-Sanitária/AMS 99 e
as anteriores (IBGE, 2000b)277, observa-se que houve, a partir da década de 70,
um crescimento constante do número de estabelecimentos de saúde, em sua
maior magnitude atribuível ao segmento sem internação. Este crescimento é
visivelmente acentuado na década de 80, desacelerando-se na de 90278 (tabela
4.18 e quadro 4.17).
Extraindo os dados de SADT, coletados de forma diversa em 1999 em
relação aos anos anteriores, tanto para os estabelecimentos gerais quanto para
os estabelecimentos sem internação (onde, teoricamente, não se modificou a
metodologia da pesquisa), o crescimento está presente nos anos 90, menor,
entretanto, do que nos 80.
Os estabelecimentos sem internação, na década de 80, apresentaram um
crescimento maior do que a média dos estabelecimentos. De fato, tanto Buss
(1993) quanto Viacava e Bahia (1996) chamam a atenção para o crescimento de
uma oferta de atenção primária estatal, principalmente ao nível de municípios e
Estados, detectada pela AMS 92. Mas, observando-se a série histórica abaixo e
as taxas de crescimento médio anual destes estabelecimentos em diferentes
conjunturas, se vê que os privados, com exceção dos anos de 1979 a 1983,
cresceram mais do que os públicos. Entre 1984 e 1994 apresentaram altas taxas
277 Esta pesquisa foi aplicada anualmente pelo IBGE, nos anos 80. A última publicação (IBGE, 2000b) apresenta dadosde 1976 a 1990. Nos anos 90, houveram duas versões, a de 1992 e a de 1999. Está sendo organizada a versão de 2002.278 De fato, entre 1992 e 1999, é negativo. Entretanto, isto deve ser visto com reserva, pois entre 1992 e 1999 foimodificado o universo de coleta de dados do IBGE, excluindo-se determinados serviços de diagnóstico e terapia (SADT),anteriormente presentes na pesquisa.
234
de crescimento médio anual que se desaceleram bastante na conjuntura do Plano
Real.
Tabela 4.18: Estabelecimentos de saúde total, com e sem internação emfuncionamento. Brasil, 1976-1999
EstabelecimentosSem internação Com internação
LeitosANO TOTAL
Total Público Privado Total Público Privado Público Privado1976 13 133 7 822 5 805 2 017 5 311 960 4351 119 062 324 8261977 14 288 8 783 6 289 2 494 5 505 1001 4504 121 209 334 5031978 15 345 9 637 6 767 2 870 5 708 1072 4636 124 575 350 8771979 17 079 11 043 7 586 3 457 6 036 1162 4874 118 463 369 8601980 18 489 12 379 8 828 3 551 6 110 1217 4893 122 741 386 4271981 21 762 15 420 12 293 3 127 6 342 1322 5020 124 866 397 9031982 23 314 16 819 13 528 3 291 6 495 1400 5095 127 580 402 9211983 25 651 18 971 15 299 3 672 6 680 1450 5230 127 521 406 5341984 27 552 20 691 16 816 3 875 6 861 1547 5314 127 537 411 1841985 28 972 22 294 15 607 6 687 6 678 1469 5209 137 543 394 7401986 30 872 23 952 17 195 6 757 6 920 1595 5325 114 548 397 7981987 32 450 25 388 18 471 6 917 7 062 1703 5359 115 842 403 8561988 33 632 26 509 19 649 6 860 7 123 1823 5300 120 776 406 4201989 34 831 27 704 20 817 6 887 7 127 1889 5238 119 530 403 3651990 35 701 28 421 21 824 6 597 7 280 2034 5246 124 815 408 7431992 49 676
41008*42 24633578*
24 97824615*
17 2688963*
7 430 2114 5316135 080 409 277
1999 48 815 41 009 29 993 11 016 7 806 2613 5193 143 518 341 427*não estão considerados os estabelecimentos classificados como SADT, para efeitos decomparação entre a série históricaFonte: IBGE/2000b
235
Quadro 4.17: Taxa de crescimento médio anual279 do número deestabelecimentos de saúde segundo conjunturas (em %)
ESTABELECIMENTOS DE SAÚDETotais Sem internação Com internação
TotalPúblicosPrivadosTotalPúblicosPrivadosMilagre e II
PND1970-1978* 8,4 11,6 8,3 21,1 3,7 8,9 3,3
RecessãoFigueiredo
1979-1983 12,5 17,9 25,4 1,6 2,7 1,7 1,8
Recuperação1984-1989 5,3 6,8 4,8 15.5 0,8 6,4 0.3
Recessãoprimeira
metade 901990-1994 5,2 6,2 4,7 10,9 0,9 6,3 0,2
Estabilização(Real)
1995-1999 2,7 3,2 3,2 3,3 0,7 1,8 -0,3
* - Nesta conjuntura, o dado existente é a partir de 1976.Fonte: IBGE/2000b
Quanto aos estabelecimentos com internação, nota-se um crescimento até
1984, ano que sucedeu a implantação da AIH pelo seguro social (INAMPS). Nos
anos 90, não há crescimento negativo dos hospitais apenas às custas dos
públicos, que já haviam iniciado uma expansão desde o período da Recuperação.
Os privados retrocedem, numericamente, entre 1992 e 1999, correspondendo a
123 hospitais perdidos.
É interessante observar que tanto o aumento dos estabelecimentos
públicos, quanto os únicos investimentos em novos estabelecimentos que
ocorrem no setor privado, estão localizados em regiões tradicionalmente mal
servidas deste tipo de serviço: Região Norte e Estados do Centro-Oeste e
Nordeste (IBGE, 2000b) e não em regiões onde havia uma maior oferta.
Ao contrário da assistência ambulatorial, a maior parte dos hospitais é
privada: 81,2% em 1978, 75,3% em 1984, 75,9% em 1987, 80,4% em 1989 e
71,5% em 1992 (Andreazzi, 1991b; Buss, 1993; Viacava e Bahia, 1996) A
participação dos estabelecimentos privados, representou, em 1999, 66,6% do
total. O que significa que podemos verificar uma tendência de redução da
diferença público-privada no conjunto dos estabelecimentos com internação.
Quanto à natureza jurídica, verificou-se que, desde o final da década de 70,
há um aumento relativo dos hospitais lucrativos até 1992 e, a partir daí, redução.
279 Calculada a partir da seguinte fórmula: (y t + n - yn) / yn
Taxa = ___________________ X 100
t
236
Com os não lucrativos ocorre o contrário, porém aqui a variação foi pequena
(gráfico 4.4).
Gráfico 4.4: Evolução dos estabelecimentos com internação por natureza jurídica.
Brasil 1978-1999.
0500
1000150020002500300035004000
1978 1992 1999
Público Privado Lucrativo Privado não-lucrativo
Fonte: CD ROM AMS 1999
Em síntese, as características encontradas para a evolução da rede de
serviços de saúde, entre os anos 80 e 90, foram:
• A partir de 1984, os estabelecimentos privados sem internação
apresentaram um crescimento maior do que os públicos, embora
numericamente representassem uma fatia bem menor do sub-
setor. Na segunda metade dos anos 90, há um equilíbrio de
crescimento, entre os públicos e os privados, no ambulatório.
• Na segunda metade da década de 90, os estabelecimentos
privados com internação apresentaram crescimento negativo de
estabelecimentos e leitos. Esta desaceleração, relativa aos
públicos, e ao contrário do ambulatório, já ocorria desde os anos
80, subseqüente a implantação da AIH (Autorização de
Internação Hospitalar do SUS).
• Não obstante os recursos do REFORSUS, disponíveis para os
estabelecimentos públicos na segunda metade da década de 90,
237
os ambulatórios e hospitais públicos têm um maior crescimento
na conjuntura da Recuperação (1984-1989) do que na década de
90.
Com respeito aos leitos, o quadro descrito acima é até mais dramático.
Quanto aos públicos, foram reduzidos na segunda metade da década de 80. Não
reduzindo os estabelecimentos, isto deve ter significado uma desativação de
leitos. Estes voltam a ter um crescimento positivo nos anos 90, ultrapassando os
maiores patamares da série histórica que se inicia a partir de 1976. A taxa de
crescimento de leitos é menor do que de estabelecimentos com internação
(quadro 4.18). Quanto aos privados, a redução também observada na conjuntura
Recuperação se aprofunda na década de 90, subseqüente a implantação do
SIH/SUS, que parece ter sido um fator de redução da capacidade instalada de
leitos, em função da necessidade de racionalizar a permanência. Entre 1992 e
1999, segundo o IBGE, 67.850 leitos privados são perdidos.
Quadro 4.18: Taxa de crescimento médio anual do número deestabelecimentos de saúde segundo conjunturas (em %)
Conjunturas Com internaçãoTotal Públicos Privados
Milagre e II PND 1970-1978* 3,6 2,3 4,0Recessão Figueiredo 1979-1983 2,3 1,9 2,5
Recuperação 1984-1989 -0,6 -1,3 -0,4Recessão primeira metade 90 1990-1994 -0,2 2,5 -1,0
Estabilização (Real) 1995-1999 -1,8 1,0 -2,8*Nesta conjuntura, o dado existente é a partir de 1976Fonte: IBGE/2000b
Quanto à adequação da oferta à demanda, pelos resultados da AMS/99, se
encontrou uma taxa de 2,9 leitos por 1000 habitantes (quadro 4.19), com uma
distribuição desigual entre os Estados da Federação e entre as Regiões
Metropolitanas e o interior.
A comparação destes dados com os obtidos nas décadas de 80 mostram
uma redução considerável da oferta de leitos que, se entre 1981 e 1984 pode
estar principalmente relacionada à estagnação da capacidade instalada face ao
crescimento populacional, nos 90 a isto se soma a desativação. A maior
238
intensidade verificada na redução de leitos também se deu na região mais bem
servida anteriormente, o Sudeste.
Quadro 4.19: Leitos/1000 hab. e Internações/1000 hab. Brasil.Ano Leitos/1000 Hab Internações/1000 Hab.
1981 4.18 1411982 4.13 1391983 4.05 1311984 3.98 1341992 3.80 1331999 2.99 118
Fontes: Até 1984 – IBGE apud Médici (1990); 1992 e 1999 – IBGE (2000b).
A taxa de hospitalização por 100 habitantes reflete uma situação um pouco
mais confortável. Comparando o encontrado, tanto em 1992, quanto em 1999,
com o padrão atual do Ministério da Saúde, 9 por 100 hab/ano, se diria que são
altas (quadro 4.19). Tratar-se-iam, ao nível hospitalar, problemas, ou
quantitativamente ou qualitativamente mal vistos no ambulatório, o que, em última
análise, aumenta os custos totais da atenção médica.
Tentaremos fazer algumas comparações internacionais destas taxas no
sentido de deduzir, a partir deste indicador, possíveis carências de oferta.
Sabendo das dificuldades deste tipo de enfoque, escolhemos países que
tivessem algum grau de semelhança sócio-econômica ou de indicadores de
saúde e alguns outros, economias industrializadas desenvolvidas, somente para
visualizar patamares mais avançados (quadro 4.20):
Quadro 4.20: Leitos/1000 hab. Países e anos selecionados
País Década de 70 Década de 80 Década de 90
Venezuela 2.7 (1978) 2.7 (1984) 2.6 (1991)Argentina 5.4 (1978) 5.4 (1984) 4.4 (1991)Costa Rica 3.1 (1978) 2.9 (1984) 2.2 (1991)Cuba 4 (1978) 6.1 (1984) 6.0 (1991)América do Norte 6.2 (1980) 5.3 (1995)Economias deMercadoconsolidadas
s.i. s.i. 8,3 (1993)
Fontes: Am. Latina – Katz e Miranda (1994); Am. Norte – OPS (1999); demais: Banco Mundial(1993)
239
Há que se notar que os modelos de sistemas de saúde do tipo europeu, em
que predomina o financiamento público e o pagamento dos hospitais por
orçamentação global, apresentaram uma oferta de leitos por 1000 hab., maior do
que o dado da América do Norte.
A avaliação deste indicador, portanto, é controversa quanto à sua
capacidade de aferir adequação da oferta à demanda. Indubitavelmente, no
entanto, não se nota um excesso de leitos, quando se compara o Brasil com
alguns outros países de renda média semelhantes e, também, os desenvolvidos.
O entendimento de muitos autores nacionais (Castelar, 1993; Buss, 1993) é que a
oferta nacional de leitos e de internações é satisfatória mas as diferenças
regionais são marcantes refletindo um padrão que acompanha o nível de
desenvolvimento sócio-econômico.
Os padrões de competição entre os estabelecimentos devem ser distintos
na dependência das estruturas de mercado. Espera-se que nos mercados com
oferta excedente de leitos, que também correspondem aqueles com maiores
coberturas de financiamento privado, os hospitais tenham perdas comerciais em
face da oligopsonização da demanda. Ao contrário das regiões com insuficiência
de demanda. Porém nestas, o financiamento privado também é menos
expressivo.
Mais importante, todavia, para a análise da concentração dos serviços de
saúde, são os recentes movimentos de fusões, com a participação de capital
internacional, principalmente de investimento, que vem ocorrendo na região de
maior concentração de beneficiários de seguros privados de saúde, São Paulo.
Sendo, contudo, ainda pouco representativos do conjunto da rede de serviços de
saúde, devem ser vistos como um dos possíveis cenários para o desenvolvimento
de parcela do setor hospitalar. Costa (2000), que também tem analisado o
processo de internacionalização da economia brasileira, aponta que os investimos
diretos em serviços são de uma magnitude menor do que em seguros privados de
saúde. Vale a pena, no entanto, assinalar para onde este investimento tem se
dirigido:
240
...”Grupos como Notre Dame Intermédica, São Luiz, Delboni Auriemo e Vita
lideram uma onda de aquisições que deve resultar na formação de grandes redes
hospitalares e atrair investidores estrangeiros...280
Por trás de vários dos processos de aquisições de serviços de saúde está a
IFC – International Finance Corporation, braço do Banco Mundial que financia o
setor privado e também outros fundos de investimento, inclusive fundos de pensão
nacionais.
Exemplos de processos de fusão e investimentos, encontrados nos anos 90,
entre os quais ocorre a participação da IFC, e outros fundos de investimento e
pensão, são:
a) International Hospital Corporation/IHC, Vita
...”Seus planos prevêem o controle, em quatro anos, de 15 instituições
de porte médio ou com elevado grau de especialização clínica, espalhadas
em diversos estados brasileiros. Para isso, planeja investir US 133 milhões
até 2003.
...a organização quer atuar exclusivamente na América Latina: “Vemos
grande potencial de crescimento no Brasil” diz Lawrence Meagher,
presidente...
..Meagher e os diretores do Vita, grupo paulista associado ao IHC,
formalizaram...a incorporação e fusão de duas clínicas de medicina
diagnóstica – o Centro de Bio-Imagem (CBI) e a Radiológica Dr. Carlos
Corrêa...O IHC participa com 70% do negócio.
A nova empresa é controlada pela Vita Participações e
Empreendimentos e pela Fundação Codesc de Seguridade Social
(Fusesc)...A administração da clinica leva a marca IHC Hospitalium, outra
empresa do grupo Vita. A joint-venture formada no fim de 1998 entre o IHC e
a brasileira Hospitalium Planejamento e Administração Hospitalar já opera os
hospitais das siderúrgicas Açominas e CSN (Companhia Siderúrgica
Nacional). Os núcleos IHC são caracterizados por uma ampla padronização
desde o método gerencial até o visual do uniforme e instalações.
280 Valor Econômico, 5/06/2001
241
...criaram a holding Vita Participações para ser integradora de
investidores, a maioria institucionais, para tocar seus projetos. A IHC terá
participação de 51% de todos os empreendimentos.
... vê a possibilidade de assumirem instituições em dificuldades
financeiras. O grupo começou com propostas aos hospitais nos quais a
Hospitalium já atuava desde 1995.
O IHC introduz um sistema de gestão da qualidade e um programa de
informatização plena das unidades, cortando custos e dinamizando a gestão
de recursos humanos e contabilidade...
Filiado à texana Baylor University Medical Center, um dos dez maiores
centros integrados de saúde nos EUA, o IHC foi fundado há seis anos...O
grupo já construiu 50 hospitais, unidades de US 30 milhões, em média, cada
uma...
...Conta com o apoio de fundações americanas...e instituições e
organismos financeiros, como IFC (Bird), National Financiera (o BNDES
mexicano), Bank of Americas e Chase”281.
Em 2001, o grupo Vita já contava com mais três hospitais: em
Florianópolis, Curitiba e Moji das Cruzes (SP)282.
Um dos empreendimentos do grupo conta com a participação do
Fundos de Pensão dos Funcionários das Empresas do Sistema Financeiro
do Estado de Santa Catarina/FUSESC:
...”Pioneiro no Estado, o Centro Integrado de Bioimagem Médica de
Santa Catarina (CBI) é de propriedade...(da) FUSESC e tem convênio com
todo s planos e seguros de saúde...e com o SUS...pode fazer desde os
Raio X...até...ressonância magnética”... 283
b) Latin Health Fund:
...”constituído há quatro anos em Boston (EUA)... Ele é dono da rede de
hospitais Cima, que tem três unidades no México e uma na Costa Rica e das
farmácias Almada, maior rede de drogarias do Chile, presente também no
Perú.
281 Gazeta Mercantil, 12/05/1999. Também referido em Costa (2000)282 Gazeta Mercantil, 15/03/2001, p. C7.283 Alfeu Luis Abreu, presidente da Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Privada (ABRAPP) in
242
O fundo entrou no Brasil pelo Paraná, com a compra da rede
Drogamed. Hoje, tem participação no projeto Vita. E é sócio minoritário da
Diagnósticos da América.
O LHF administra ainda, a eHealth Latin América, uma biblioteca
médica virtual, e a Infomed, empresa especializada na transmissão de contas
entre hospitais e planos de saúde”284...
c) Icatu Health Service/IHS:
…“As oportunidades de negócio no setor médico-hospitalar têm estimulado a
formação – ou o desembarque no Brasil – de fundos de investimentos
específicos para esta área”.
Um dos pioneiros é o IHS, parceria do grupo financeiro brasileiro com
a IFC (..Banco Mundial) e o grupo português José de Mello (uma espécie de
Votorantim de Portugal, com um braço no setor saúde).
O fundo administra empresas como Med-Lar (internação domiciliar),
Find (avaliação e auditoria médica para seguradoras e planos de saúde).,
Gestal (gestão hospitalar) e Aldeia (clínica de tratamento de dependência
química). Sua política não é financiar projetos, mas participar do negócio por
meio de associação com os empreendedores.
Flávio Brande, o advogado à frente do IHS, trocou os tribunais...na
metade da década de 80, quando a American Medical International o
convidou para ser presidente da empresa no Brasil...mas a Constituição de
1988 proibiu o investimento estrangeiro no setor médico-hospitalar.
Resultado: a empresa saiu do Brasil.
...Seus sócios estão estudando a constituição de outro fundo, para a
compra de hospitais. E tem sido procurados por investidores institucionais
nacionais e estrangeiros interessados em formar parcerias.
Os sócios do IHS já investiram R$ 50 milhões no país...”285
Cabe destacar que dentre as ramificações dos grupos empresariais
aqui envolvidos, está a Icatu Hartford Seguros. Ela, no “ranking” das maiores
Barroso (1996), p. 28284 Valor Econômico, 5/06/2001285 Valor Econômico, 5/06/2001
243
seguradoras (por prêmios) da Revista Exame, de julho de 2001, esteve em
230 lugar (de 50).
d) Grupo São Luís:
Grupo, com dois hospitais em São Paulo, estaria investindo RS 150
milhões na construção de duas novas unidades, uma em São Paulo e outra
no Rio de Janeiro286.
e) Seguradora AIG:
..."A rede de farmácias Ahumada, do Chile, formou uma joint venture com a
AIG Capital Partners, uma unidade da seguradora americana AIG, para
distribuir produtos farmacêuticos, de limpeza e serviços de seguro-saúde
no Brasil. As duas empresas prometem investir US 60 milhões no
empreendimento..." 287
No “sub-mercado” de diagnose, pouco visto ainda pelos dados secundários,
parece estar havendo uma modificação substancial na estrutura e a concentração
se faz a passos mais largos: ...” Os laboratórios, com o objetivo de alcançar volume
de atendimento e recursos financeiros para a modernização de suas atividades,
caminham para uma completa reestruturação...288
Houve, principalmente a partir dos anos 80, transformações nas técnicas de
laboratório e imagem que parecem ter criado um ambiente favorável a essas
modificações.
Na Patologia Clínica, elas foram a substituição do trabalho humano pela
máquina (principalmente com a introdução do Counter - equipamento para
contagem de células sanguíneas, antes feito à mão, através da a câmara de
Newbauer), a informatização dos procedimentos e a padronização de “kit”s para
Imunologia.
Estas mudanças introduziram no processo de produção do laboratório uma
maior produtividade, permitindo que houvesse retornos crescentes de escala e, por
conseguinte, criando barreiras a entrada por capitais fixos iniciais elevados. Aqui
286 Gazeta Mercantil, 15/03/2001.287 The Wall Street Jornal of Americas (Jornal do Brasil de 29/05/2000).288 Abraão (1999), p. 2.
244
estão presentes as novas características da grande empresa, descritas por
Chesnais (1996), adaptadas à realidade do mercado de serviços pessoais, em que
a proximidade é um elemento fundamental. Estas são a centralização do capital e
da tecnologia e a descentralização de partes do processo de produção que, no
caso, significa da coleta e de alguns exames padronizados nos “kit”s diagnósticos. A
eficiência destes processos tem sido um elemento que impulsiona hospitais e outros
estabelecimentos de saúde a optarem por terceirizar estes serviços para grandes
empresas, substituindo os antigos laboratórios próprios: ...”Boa parte deles (dos
laboratórios de pequeno e médio porte) pode se transformar em simples posto de
coleta para as centrais de diagnóstico e, ainda assim, sendo obrigados a prestar
serviços a preços vis. Nesses casos, a ameaça de quebradeira é geral, pois a
situação favorece amplamente o tomador de serviços...”289.
Trajetórias essas que favorecem e são favorecidas pela grande empresa,
pela competição desigual. Como resultante, no mercado, ocorrem movimentos de
centralização de capital que tem atraído o interesse de capitais internacionais.
Exemplos desta história foram os Laboratórios Lamina e Bronstein, no Rio de
Janeiro. Já na década de 90, passaram a constituir uma rede de coleta
descentralizada de proximidade por vários bairros da cidade, mantendo seus
laboratórios centrais, onde era concentrada a tecnologia. Em 2001, há uma fusão
de ambos, com a participação de capital norte-americano, através da empresa
Diagnostics of América/DA:...”Formado em setembro de 2000, após a união entre os
laboratórios paulistas Delboni Auriemo e Lavoisier... hoje o DA reúne 80 unidades
no país – 36 delas no Rio - ...ressalta que a estratégia da DA será sempre comprar
novas unidades: Nosso foco será sempre comprar pequenas empresas com forte
atuação em capitais ou em grandes centros urbanos...”290.
De uma grande quantidade de laboratórios grandes e pequenos, o mercado
do Rio de Janeiro tem sido oligopolizado por alguns grupos: o Sérgio Franco
(também sondado pelo Diagnosis291, o Diagnosis of América e, recentemente,
houve uma entrada de um grande laboratório de São Paulo, o Fleury: ...”Os planos
do Fleury para o Rio não se resumem apenas à unidade de dois mil metros
quadrados que ...estará operando em Botafogo. Russo (diretor –superintendente)
289 ibid290Marina Perin: “Diagnósticos da América em expansão” In: Gazeta Mercantil, 19/07/01.291 Gazeta do Rio, 12/07/01, p. 3: “Fleury movimenta setor de análises clínicas”
245
revela que o grupo está disposto a aproveitar o enfraquecimento dos laboratórios
menores para entrar na disputa pelo chamado mercado intermediário, justamente o
foco de atuação do líder Diagnósticos da América...O coordenador do MBA do
IBMEC,...avalia a chegada do Fleury como um reforço ao processo de fusões e
aquisições de laboratórios menores: Hoje só os grandes laboratórios têm condições
de sobreviver. É um setor que troca preço por volume de operações e as
consolidações são um processo inevitável. Não vejo como os pequenos poderão
sobreviver sozinhos. As dificuldades de permanência dos pequenos e médios
aumentam devido às pressões exercidas pelos planos de saúde e seguradoras.
Quem afirma é o Presidente da Associação Brasileira de Patologia Clínica: Além de
não estar agüentando as pressões do dólar, os pequenos não têm poder de fogo
para negociar com seus principais pagadores. Os planos e seguros insistem em
uma política de redução dos preços dos serviços. Quem não adere acaba
quebrando”...292
Ilustra este aspecto a seguinte notícia publicada na Gazeta Mercantil de
9/5/2000: "A IFC (International Finance Corporation), braço do Banco Mundial que
financia o setor privado, concedeu ontem os dois primeiros empréstimos, no valor
total de US 35 milhões. Ambos os contratos...foram com empresas paulistas na
área de saúde...O Presidente do conselho de Administração do Laboratório Fleury
disse que a empresa...recusou ofertas de capital feitas por fundos de private
equity, porque os sócios não querem ingerência na gestão. Ao contrário de suas
concorrentes, como o Laboratório Delboni Auriemo/Lavoisier, que tem o fundo do
Chase Manhattan como sócio......O portfólio total dos investimentos da
corporação no Brasil soma US 1,1 bilhão..."
Os prestadores e profissionais da área vêm na cooperativização a saída para
os pequenos e médios laboratórios:
“...a nova estratégia de negócios no ramo das análises clínicas que é a
concentração em grandes redes, com a participação de grupos financeiros na
gestão....
Já existem no Brasil dois exemplos desse modelo de reestruturação, sendo
um deles o ingresso de um fundo de investimentos de poderoso grupo financeiro
dos EUA em importante laboratório paulista...O outro é a formação de uma
292 Ibid.
246
cooperativa nacional de pequenos e médios laboratórios que já reúne cerca de 60
participantes. ..”293
Na área do diagnóstico por Imagem, ocorrem processos semelhantes. As
inovações importantes da área, inclusive a informatização dos equipamentos,
através da introdução dos tomógrafos e aparelhos de ressonância magnética
criaram custos fixos elevados no setor, barreiras a entrada e retornos crescentes
com a escala. A centralização do capital, substituição de serviços próprios por
terceirizados nos estabelecimentos de saúde, também aqui vem ocorrendo.
Um outro fato digno de nota foi a diversificação das atividades de grupos
ligados, primitivamente, ao diagnóstico por Imagens mais moderno para a atividade
hospitalar.
Tal tem sido a trajetória do grupo Labs do Rio de Janeiro. Este grupo é sócio
principal da Rede D”Or, grupo de três hospitais surgido em 1999. O primeiro deles
Barra D”Or foi construído numa zona de expansão imobiliária de renda média e alta,
com uma infra-estrutura de serviços de saúde praticamente inexistente: ...”sua
clientela é formada 97% por segurados. Segundo Weksler (diretor) o investimento
inicial de US 50 milhões está sendo pago e a previsão é de que, a partir do ano que
vem (2002) , o Barra D”Or passe a dar um retorno entre US 7 e 10 milhões por ano.
Apesar de, justamente para trabalhar em escala com este tipo de cliente , as
duas unidades da rede terem um número de leitos acima da média dos congêneres
– 160 no Barra D”Or e 200 no Copa D’Or – ambos oferecem apenas quartos
particulares...o Quinta D’Or, na zona norte carioca, terá leitos em enfermarias e
quarto compartilhado : “Queremos investir no público das classes C, D e E”294...
Exemplos de integração para o mercado de seguros, já foram vistos ao
longo do texto. Embora os planos próprios não sejam, como visto na AMS 1999,
ainda tão freqüentes no mercado hospitalar, pensa-se que, em alguns mercados
regionais, eles sejam importantes. É o caso da ASSIM, no Rio de Janeiro, que é
uma das principais medicinas de grupo deste mercado, também aparecendo entre
as 20 maiores da ABRAMGE. A ASSIM foi formada pela conexão em rede de vários
hospitais privados. Estes não têm com a operadora, todavia, uma relação de
exclusividade. Também é o caso dos planos próprios de entidades filantrópicas, em
293 Abraão (1999), p. 2.294 Gazeta Mercantil, 15/03/2001, p. C7: “Hospitais classe A investem em convênio popular”
247
cidades do interior. Reforça este tipo de estratégia a trajetória do grupo Memorial
Saúde:
...”O Grupo Memorial Saúde, um dos controladores do plano de saúde Assim,
está investindo R$ 3 milhões na compra do Hospital Rio Oeste (Igase), em Santa
Cruz (Rio de Janeiro), que pertencia a Golden Cross... dispõe de 80 leitos...O
Memorial Saúde, que conta com três hospitais, duas clínicas e um centro médico,
também trabalha na expansão de seus serviços pelo sistema de franquia para
Brasília, Pará e Espírito Santo”295...
4.5.4.4 - Outras estratégias competitivas
Não se encontram na literatura acadêmica especializada os padrões de
competição dos estabelecimentos de saúde brasileiros. Pode-se tentar identificar
alguns elementos tomados de estudos dos Estados Unidos onde, como aqui, há
um peso importante de firmas não lucrativas. Tradicionalmente, ali, a
diferenciação de produto foi um padrão mais significativo de concorrência do que
os preços. Supondo-se que o mercado de um hospital, por exemplo, teria uma
determinada abrangência geográfica e social, além da qual a demanda seria
pequena e isto variaria inversamente com a complexidade tecnológica, os estudos
encontram um certo grau de oligopolização (Feldstein, 1988). Este mesmo autor,
em 1994, dentro de uma perspectiva econômica neoclássica, identificou que o
principal fator que determinava as estratégias de competição, para os hospitais,
era o mecanismo pelo qual eram pagos pelos financiadores. Em função de não
ser o consumidor, em geral, quem compra os serviços hospitalares diretamente, o
mecanismo pelo qual o seguro privado ou social os paga teria uma poderosa
influência sobre o comportamento dos prestadores, organizações ou indivíduos
maximizadores de lucro.
Segundo o modelo de Feldstein, nos EUA, quando o principal mecanismo
de pagamento era a unidade de serviço (pós-pagamento por produção), os
hospitais engajavam-se numa competição por diferenciação de produto, para
atrair médicos que indicassem a demanda296. A conseqüência disso foi o aumento
295 Gazeta do Rio, 06/07/2001: “Memorial compra hospital da Golden Cross”296 Pois específico do mercado de serviços é a forma como estes se relacionam com os médicos. Nem sempre prevalece oassalariamento pois esta relação pode se dar através de corpo clínico aberto, quando os médicos são os responsáveis poratrair a demanda para o serviço, especialmente para o hospital.
248
dos custos. Quando o mecanismo de pagamento tornou-se fixo - o DRG - para o
Medicare, e foi permitido aos financiadores negociar descontos com os
prestadores, os hospitais engajaram-se numa competição por preços, sem perder
de vista a quantidade de procedimentos, em função dos seus altos custos fixos. O
autor afirma que a competição teve a capacidade de reduzir custos na
dependência da estrutura do mercado. Ou seja, quanto maior o grau de
monopólio do mercado hospitalar297, maior a sua possibilidade de definir os
preços. Do mesmo modo, quanto menor é a competição entre planos de saúde, o
hospital fica mais vulnerável na negociação.
A capacidade de o mercado competitivo hospitalar reduzir custos é
controversa, todavia. Mooney (1994), por exemplo, questiona o quanto desta
redução do gasto hospitalar não teria significado, nos EUA, um desvio dos
serviços ofertados, para setores menos regulados, como a atenção ambulatorial e
domiciliar. Para este autor, as principais estratégias adotadas pelos hospitais para
fugir deste novo ambiente, de pagamentos fixos e oligopolização dos seguros
privados, foram:
- redução do tempo médio de permanência;
- desvio para a atenção domiciliar de casos graves, com o aumento das
mortes neste local.
Saltman e von Otter (1992) acrescentam: a busca de um “ case-mix”298
mais lucrativo, através de mecanismos de seleção dos pacientes.
No Brasil, é justo pensar que várias destas tendências se apresentam,
desde os anos 80. Uma delas é a adaptação dos vários tipos de prestadores
privados às mudanças nas formas de financiamento – fluxo financeiro e
modalidades de pagamento.
a) Financiamento:
Segundo dados da AMS 1999, dos estabelecimentos de saúde com internação
lucrativos, um pouco mais do que a metade (54,8%) referiu convênio com o SUS,
ao passo que na categoria não lucrativo, apenas 164 estabelecimentos, 8,3% do
total, não referiram SUS.
297 Que, como vimos, tem uma abrangência geográfica e social mais ou menos delimitada.298 É a composição dos casos que são tratados no estabelecimento, segundo atributos do paciente, como idade, sexo e
249
Quanto aos estabelecimentos de cooperativas, que seriam em número de
53, em todo o Brasil, sua missão principal, no caso de estar vinculada a
operadora de plano de saúde299, seria a prestação de serviços para o plano. O
relacionamento com o SUS somente seria interessante quando a capacidade
instalada superasse as necessidades próprias do plano de saúde, na medida
em que as tabelas de pagamento do SUS são mais baixas. De fato, entre estes
estabelecimentos, a maior participação do SUS no financiamento ocorre na
Região Nordeste, onde 60% deles têm convênios. Por outro lado, estes
estabelecimentos de cooperativas parecem, ao menos em certas localidades,
se abrirem para atendimentos de pacientes com planos de terceiros: 58,5% do
total possuem estes planos. Estes ocorrem mais freqüentemente no Nordeste e
Sul, onde a cobertura de planos de saúde é menor, e menos no Sudeste e nas
Regiões Metropolitanas (gráfico 4.5).
Gráfico 4.5: Estabelecimentos com internação por natureza jurídica e relação com o SUS. AMS, 1999.
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
Públicos Lucrativos Não lucrativos
TotalCom SUS
Fonte: CD ROM AMS/IBGE 1999
Quanto aos estabelecimentos públicos com internação, não é de todo
surpreendente, dada a conjuntura de restrição orçamentária, que não ampliassem
seu leque de captação de recursos financeiros. Assim, na AMS 1999, de 2613
estabelecimentos com internação públicos, 41, correspondendo a 2836 leitos ou
seja, 1,6% dos estabelecimentos e 2,0% dos leitos públicos totais,
respectivamente, não referiram convênios com o SUS. 10,9% dos
patologia.299 Devendo ser a maioria já que Dain (2000), para o ano de 1998, referiu a existência de 40 hospitais próprios de
250
estabelecimentos públicos apresentaram convênios com planos de terceiros. Sua
distribuição, simultaneamente ou não, ao relacionamento com o SUS é vista no
gráfico 4.6.
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Gráfico 4.6: Presença de planos de terceiros em estabelecimentos públicos com internação.
Brasil, 1999 (%)
0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%
100%
Com SUS sem SUS Total����
Sem plano de terceiros���
Com planos de terceiros
Fonte: Datasus/CD ROM AMS/IBGE 1999
Pensou-se, a princípio, serem os estabelecimentos públicos sem SUS
pertencentes a planos fechados de auto-gestão para determinadas categorias de
funcionários públicos. De fato, 83% deles referiram possuir planos próprios.
Até os anos 80, era consenso que o seguro social representava a principal
fonte de financiamento dos serviços privados de saúde no Brasil, quadro que, a
partir daí, se modifica. A extrema contenção de despesas com a rede hospitalar
privada do SUS, nos anos 90, aprofundou a tendência já presente do aumento da
importância dos seguros privados para o pagamento das internações. A
defasagem importante da tabela do SIH/SUS relativa a tabela de referência
mínima do setor privado (Carneiro, 1990) foi um incentivo apropriado para a rede
hospitalar privada evitar, se possível, o relacionamento com o setor público de
saúde. França (1997), a partir de entrevistas com dirigentes de hospitais privados
de Belo Horizonte (MG), procurou delimitar mais o problema, afirmando que a
relação entre o custo real e a tabela do SUS não é uniforme entre os diversos
procedimentos hospitalares. Isto induziria, quando possível, um relacionamento
Unimeds.
251
seletivo: ...”A tabela é extremamente baixa para procedimentos de menor
complexidade, tanto na assistência ambulatorial quanto hospitalar...
...Mas para muitos procedimentos mais complexos a diferença é
relativamente pequena: uma tomografia custa US$ 93,00 na tabela do SUS e US$
107,00 na tabela da AMB. O setor público acaba sendo mais penalizado por
realizar maior volume de procedimentos de menor complexidade”...300
Depoimentos mais recentes reforçam esta posição: ...”Romper com os
procedimentos de baixa complexidade do SUS é um desejo que os hospitais
públicos e filantrópicos de Minas Gerais alimentam em silêncio...se pudessem
escolher,...avalia a direção da Federação Brasileira de Hospitais, trabalhariam
apenas com transplantes, hemodiálise, oncologia e partos de alto risco... já que
apenas para os procedimentos de alto risco, a tabela (do SUS) se aproxima do
valor real, sustenta o Diretor do Felício Rocho...dizendo reavaliar diariamente as
vantagens de ser filantrópico e destinar pelo menos 70% da estrutura ao SUS.
A centenária Santa Casa de Belo Horizonte não suportou ônus de bancar
82,2% de seus procedimentos pelo SUS. Com um déficit de R$ 43 milhões,
decidiu, no último 5 de julho, atender apenas casos especiais pelo SUS...301”
A outra explicação refere-se a política de privilegiamento do
relacionamento com hospitais públicos e filantrópicos, estabelecida na Lei
8080/90. Dessa forma, entre 1992 e 1999, a redução que ocorre do número de
AIHs pagas se dá, principalmente, nos prestadores contratados, a maioria
lucrativos (gráfico 4.7 e 4.8).
300 França (1997), pp. 86-87.301 Hoje em Dia, 22/07/2001, p. 1: “Hospitais X SUS”
252
Gráfico 4.7: Evolução das AIHs pagas.Brasil, 1992-1999
02.000.0004.000.0006.000.0008.000.000
10.000.00012.000.00014.000.00016.000.00018.000.000
Público privado Universitário Total
Núm
ero
19921999
Fonte: DATASUS
Gráfico 4.8: AIHs pagas - Prestador privado.Brasil, 1992-1999
0
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
6.000.000
7.000.000
8.000.000
Contratado Filantrópico
núm
ero 1992
1999
Fonte: DATASUS
No gasto do Ministério da Saúde com AIHs, esta redução é até mais
dramática. Entre 1992 e 1999, decai a antiga participação percentual expressiva
dos privados, principalmente contratados. Os universitários ampliam
consideravelmente sua participação no gasto302. Os filantrópicos mantêm a sua
participação em torno de 30% (gráfico 4.9 e 4.10).
302 França (1997), analisando estes dados de forma desagregada, em Belo Horizonte, chama a atenção para estecrescimento, atribuíndo-o, principalmente, à mudança de classificação de hospitais, públicos e privados, para aumentar orepasse através de gratificação (o FIDEPS) para alguns, considerados estratégicos, como compensação ao congelamentoda tabela do SIH/SUS.
253
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0%
20%
40%
60%
80%
100%
1999 1992
Gráfico 4.9: Participação dos hospitais segundo natureza jurídica no gasto do MS com AIHs.
Brasil 1992 e 1999.
Público ����
Privado Universitário
Fonte: DATASUS
Gráfico 4.10: Participação dos hospitais privados no gasto com AIHs. Brasil, 1992 e 1999 (em %).
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
1999 1992
FilantrópicoContratado
Fonte: DATASUS
Em suma, as tendências que se manifestam no tocante ao financiamento
do SUS variam de acordo com a natureza jurídica do hospital:
254
• Diminuição da participação da rede privada lucrativa nos gastos
com assistência hospitalar do SUS e na produção de
internações, de 1992 para 1999;
• Para a rede privada filantrópica, a variação de sua participação,
entre 1992 e 1999, não foi tão expressiva no tocante aos gastos
com assistência hospitalar do SUS; em relação às internações,
há, inclusive, um pequeno aumento relativo neste período.
O crescimento do mercado de seguro saúde privado muda a importância
das fontes de financiamento da rede privada com internação. Corroborando o que
foi estimado, a partir dos gastos das pessoas físicas e do pagamento de sinistros
pelas seguradoras, em 1999, já não era mais o SUS o principal financiador e, sim,
a soma de planos de saúde de terceiros e, de forma menos freqüente, planos
próprios dos estabelecimentos. Assim, segundo a AMS/IBGE 1999, enquanto o
SUS financiou 68,9% da rede, os planos estão presentes em 81,2% dos
estabelecimentos privados, sendo a diferença entre os lucrativos e os não
lucrativos de 83,5% para 75,1%, respectivamente.
Em 1992 (Viacava e Bahia, 1996), os planos e seguros privados de saúde
financiaram 84% dos hospitais; 40% do total dos hospitais eram conveniados,
simultaneamente, pelo SUS e pelos planos privados de saúde. Estas tendências
parecem, portanto, não ter mudado, significativamente, na década de 90.
O padrão de financiamento, entretanto, é distinto, segundo a natureza
jurídica do estabelecimento (gráfico 4.11 e 4.12):
255
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����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������
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Gráfico 4.11: Estabelecimentos privados com internação com fins lucrativos por fonte de financiamento.
Brasil, 1999
16%
29%
5%4%
46%SUS���
��� SUS e terceiros������ Só próprio
So particularSo terceiros
Fonte: Datasus/ CD ROM AMS/IBGE 1999
���
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������
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Gráfico 4.12: Estabelecimentos privados com internação sem fins lucrativos por fonte de financiamento.
Brasil, 1999
23%
69%
4%
1%
3%
SUSSUS e terceiros����
����So próprioSo particular����So terceiros
Fonte: Datasus/ CD ROM AMS/IBGE 1999
A expressiva diferença entre a presença de convênios com o SUS entre
hospitais lucrativos e não-lucrativos pode ser atribuída aos incentivos fiscais dos
últimos. O certificado de filantropia, obtido por aqueles estabelecimentos que
tenham ao menos 70% de sua clientela atendida pelo SUS, lhes garante uma
série de abatimentos de impostos e contribuições sociais303.
A presença de planos de terceiros como financiador dos estabelecimentos
com internação foi praticamente a mesma entre aqueles que também tinham SUS
e os que não tinham: 65% contra 67%. Portanto, ao contrário de um senso-
comum, o fato do estabelecimento privado não ter convênio com o SUS não
303 Isto pode estar se tornando significativo para a sobrevivência de algumas instituições. Muito recentemente (dezembrode 2001), por exemplo, o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, estudava possibilidades de se credenciar ao SUS, paraprocedimentos de alta complexidade – transplantes – com esse intuito de redução de impostos (Estado de São Pulo de
256
aumenta a probabilidade que ele possua outras fontes coletivas privadas: outros
fatores devem estar aí atuando. Mas, se formos ver entre os segmentos lucrativos
e não lucrativos, esta diferença se faz presente: para os não-lucrativos, a
ausência de SUS também reduziu a participação de planos de terceiros: 36,6%
entre os que não tem SUS e 61,8% entre aqueles com SUS. Para os lucrativos,
não foram encontrados resultados tão díspares.
O plano próprio tem uma freqüência menor do que os planos de terceiros no
financiamento da rede privada: 14,2% dos estabelecimentos privados com
internação lucrativos e 15,2% dos não lucrativos. Ao contrário dos planos de
terceiros, foi encontrado mais facilmente nos estabelecimentos que não tem SUS:
22,8% contra 12,2%. A presença do plano de terceiros simultaneamente ao plano
próprio reduz mais ainda o número de estabelecimentos elegíveis, parecendo
existir uma opção do mercado hospitalar de fazer plano próprio de uma forma
algo exclusiva. Com a nova metodologia, mais detalhada, a ser aplicada para a
AMS 2002, será possível avaliar melhor as características destes planos próprios.
Seriam eles, por exemplo, pertencentes a auto-gestões?
A reduzida e decrescente participação do financiamento privado direto
exclusivo é esperada na conjuntura de aumento dos custos da atenção médica.
Até para hospitais que atendiam o estrato mais aquinhoado, em termos de renda,
se nota um movimento recente de ampliação para os seguros privados. É
possível que os estabelecimentos que ainda se mantenham nestas condições
sejam voltados a procedimentos não cobertos por seguros, como cirurgias
plásticas. Mesmo para estes serviços, tem sido pensada a criação de
mecanismos de crédito como consórcios.
“...A velha resistência dos hospitais mais sofisticados em lidar com os
convênios se deve ao fato de que seus serviços costumavam estar acima dos
preços pagos pelas operadoras. Com a previsão de ganho em escala, os
hospitais também procuraram baixar seus custos, de forma a viabilizar os
contratos com as seguradoras. Tome-se o exemplo da tradicional Clínica São
Vicente, no Rio. Reconhecido centro de excelência em Cirurgia Cardíaca, o
hospital está oferecendo serviço para planos de saúde, do básico ao top... Com
90 leitos, a Clínica São Vicente, segundo Londres (diretor), está passando por
14/12/01)
257
uma metamorfose – na qual se inclui o aumento, em dez anos, de 40% para 85%
dos pacientes com planos de saúde...304”
Comparando-se estes dados com 1992305 (tabela 4.19), verificam-se as
seguintes tendências:
• Redução absoluta e relativa dos estabelecimentos sem convênio e
aumento dos estabelecimentos apenas com convênios com
empresas.
• Aumento dos estabelecimentos com relação exclusiva com o SUS, o
que é coerente com o aumento da rede pública.
• Redução relativa dos estabelecimentos com SUS e empresas,
simultaneamente, o que parece apontar uma tendência de
polarização da rede, inédita ainda, no Brasil.
Tabela 4.19: Evolução da Distribuição dos Hospitais segundoTipo de Convênio.
Semconvênio Apenas SUS
SUS eempresas
Apenasempresas Total
ANO NO % NO % NO % NO % NO %1992 277 3.9 2890 41.0 2760 39.1 1130 16.0 7057 100.0
1999 164 2.2 3590 48.8 2292 31.2 1760 23.9 7806 100.0
Fonte: 1992 - VIACAVA e BAHIA (1996)/ 1999 – AMS IBGE
Quanto aos leitos, viu-se que, dos leitos privados, 83,2% tinham convênios
com o SUS, em 1999, percentuais também menores para o segmento lucrativo:
73,4% contra 92,9% para os não-lucrativos. Quanto às internações, 78,8% foram
pagas pelo SUS, sendo que 63,3% no segmento lucrativo e 92,7% no não-
lucrativo. Comparando-se com dados anteriores, vemos que Vianna et al. (1987),
na segunda metade da década de 80, estimou que 89,5% dos leitos privados
eram financiados através do seguro social. Estudos posteriores apontam para a
redução proporcional desta fonte para a manutenção destes leitos. Para 1992,
Buss (1993) encontrou um percentual de 75%. É interessante notar que, segundo
a AMS 1999, para o segmento lucrativo, houve uma importância maior do SUS na
304 Gazeta Mercantil, 15/03/02, p. C7 “Hospitais classe A investem em convênios populares”305 Registra-se aqui que, pelo trabalho encontrado na literatura, há uma discrepância de 5% do número total deestabelecimentos de saúde com internação, relativo ao dado registrado na publicação do IBGE (2000b) que foi de 7430.Para 1999, no entanto, os estabelecimentos não foram considerados pelo tipo (hospitais), tendo sido classificados peloatendimento (com internação), incorporando as Unidades Mistas (777 em 1992). Para efeitos de comparação, assume-seque existe este erro.
258
manutenção dos leitos e pagamento das internações do que no convênio com
estabelecimentos. É possível, portanto, admitir serem os não conveniados com o
SUS de menor porte do que os conveniados. O que, em via contrária, significaria
uma maior necessidade de ampliação do leque de fontes de financiamento para a
manutenção de leitos, nos hospitais de maior porte.
Essas características, quando analisadas por Regiões, mostraram
nuances. Para os leitos privados não lucrativos, as diferenças regionais foram
pouco marcantes. Apenas o Nordeste apresentou uma participação quase total do
SUS no financiamento de seus leitos. Para os lucrativos, ao contrário, houve um
efeito de localização. O Nordeste e o Sul ficaram acima da média, enquanto que
o Norte e o Sudeste abaixo.
b) Diferenciação de produto:
As diferenciações qualitativas da rede de serviços de saúde,
historicamente, implicaram em diferentes preços, tanto ao consumidor, como,
principalmente, na negociação com as seguradoras (Fedstein, 1988). É plausível,
portanto, admitir que a diferenciação do produto, no sentido de mudanças de
qualidade real ou imaginária dos serviços, seja uma importante forma de
competição entre os hospitais e outros serviços de saúde, também no Brasil.
Pode-se tentar perceber por onde e como tem se dado este processo
através de alguns serviços selecionados. Um deles são os leitos complementares
de cuidados intensivos. Para efeitos comparativos, existem parâmetros de
cobertura padronizados pela própria Secretaria de Assistência à Saúde do
Ministério da Saúde – uma proporção próxima à 10% dos leitos totais (Consulta
Pública no 1, de dezembro de 2000).
Tabela 4.20: Leitos complementares de cuidados intensivos. Brasil, 1999.
Leitoscomplementares
de cuidadosintensivos
Leitostotais % Cuid. Int./Leito total
Públicos 5278 11264 46,9Privados lucrativos 9290 169559 5,5Privados não lucrativos 8716 32368 26,9Total 23284 212587 11,0
Fonte AMS/99
259
Um primeiro aspecto a notar é que a relação total leito complementar de
cuidado intensivo/leito total ficou um pouco acima dos parâmetros estipulados –
10% dos leitos.
Quanto à distribuição geográfica destes leitos, verificou-se que a maior
parte dos Estados do Sudeste e Sul estava acima do dobro da média. A relação
leito de UTI por 1000 habitantes, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro foi de
0,27 e na de São Paulo, 0,26, cerca de duas vezes a média nacional, de 0,14,
enquanto UF`s como Amazonas, Acre, Rondônia e Sergipe, não atingem 0,05
camas de UTI por 1000 habitantes.
A distribuição destes leitos pelos estabelecimentos com internação é
bastante desigual onde o estabelecimento privado lucrativo apresentou uma
relação bastante pequena 5,5%, enquanto os não lucrativos apresentaram 26,9%.
Nos estabelecimentos públicos, com internação, por outro lado, representaram
quase a metade, 46,9%. Do total de leitos de UTI, 56,6% teriam convênios com o
SUS, taxa menor do que os 80% para os leitos totais, como visto anteriormente.
Isto pode revelar uma opção dos privados de vender seus leitos mais complexos,
preferencialmente, para os seguros privados, em função da melhor remuneração.
Ou então que os privados conveniados ao SUS sejam de menor complexidade do
que os não conveniados.
Um outro indicativo da competição por diferenciação de produto seria a
distribuição de equipamentos pela natureza jurídica dos estabelecimentos que é
vista, em síntese, a seguir (gráfico 4.13):
260
Gráfico 4.13: Distribuição de alguns equipamentos pela natureza jurídica do estabelecimento. Brasil, 1999
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Imagem
Métodos óticos
Métodos gráficos
Radioterapia e Med. Nuclear
Equip. Hemodiálise
Privado nãoSUSPrivadoSUSPúblicos
Fonte: CD ROM AMS/IBGE 1999
Nota-se que, entre os serviços de menor custo – métodos gráficos - há um
equilíbrio na distribuição entre as categorias jurídicas. À medida que o custo sobe,
isto muda. Na Imagem, predominam os serviços privados não SUS. Nos Métodos
Óticos, a diferença entre o privado SUS e o privado não SUS não é tão
pronunciada quanto no item anterior. No altíssimo custo, aqui representado pela
Medicina Nuclear e Radioterapia, há, novamente, um equilíbrio que se assemelha
ao baixo custo. Finalmente, na hemodiálise, que, em 1999, ainda se encontrava
no início da implementação da Lei 9656/98, que estabelece algumas exigências
de cobertura para os beneficiários de planos privados de saúde, nota-se um
predomínio dos privados SUS.
Estas tendências são reforçadas, quando se analisa a participação dos
distintos prestadores de serviços no atendimento ambulatorial não básico,
constante do SIA/SUS (Sistema de Informação Ambulatorial do SUS)
Assim, 61,7% dos procedimentos realizados, em 1999, ocorreram em
prestadores públicos, incluindo universidades. Isto variou, no entanto, por tipo de
procedimento. Em geral, a participação dos prestadores privados, na quantidade
de exames aprovados, aumenta com a complexidade, como se vê no gráfico 4.14
261
destacando-se: Outros exames de Imagem, Hemodinâmica, Radioterapia,
Quimioterapia e Fisioterapia. A Terapia Renal Substitutiva, com 9% apenas de
participação do setor público, é um caso a parte, onde outros determinantes
devem existir.
Destaca-se, ainda, a maior participação do segmento privado não lucrativo
no alto custo, como a radioterapia, quimioterapia e hemodinâmica. E dos privados
lucrativos na fisioterapia306, além da já citada terapia renal substitutiva.
Gráfico 4.14: Distribuição das quantidades aprovadas de procedimentos selecionados. Brasil, SIA/SUS, 1999
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
06-RADIODIAGNOSTICO
07-MEDICINA NUCLEAR
08-ULTRA/SONOGRAFICA
09-OUTROS EXAMES IMAGENOLOGIA
10-PATOLOGIA CLINICA
11-EXAMES HEMODINAMICOS
13-TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA
14-RADIOTERAPIA
15-QUIMIOTERAPIA
16-FISIOTERAPIA
Total
% não-lucrativos% privados lucrativos% Públicos
Fonte: DATASUS
No entanto, é de esperar que isto não se reflita nos valores pagos, onde
51,3% foram destinados aos prestadores públicos (gráfico 4.15).
306 Trabalhos realizados com alunos de graduação do curso de Fisioterapia da UFRJ mostram que a organização dotrabalho nas clínicas privadas de fisioterapia encontra-se numa fase em que a introdução de tecnologia permitiu adecomposição do trabalho e ganhos de produtividade. Porém não através do assalariamento mas de formas pré-capitalistas de exploração do trabalho. Em geral, se encontraram clínicas com um fisiotapeuta graduado e de 5 a 10estagiários não pagos ou com uma pequena bolsa.
262
Gráfico 4.15: Valores pagos para procedimentos ambulatoriais selecionados do SIA/SUS. Brasil, 1999
0%
20%
40%
60%
80%
100%
06-RADIODIAGNOS...
07-MEDICINA NUCLEAR
08-ULTRA/SONOGR...
09-OUTROS EXAME...
10-PATOLOGIA CLI...
11-EXAMES HEMOD...
13-TERAPIA RENAL...
14-RADIOTERAPIA
15-QUIMIOTERAPIA
16-FISIOTERAPIA
Total
% Não-lucrativos% Privados% Publicos
Fonte: DATASUS
A concorrência por diferenciação de produto – incorporação tecnológica –
como em outros casos (Feldstein, 1988) aumenta o custo dos serviços. O
mecanismo mais perverso é a premência de fazer exames e procedimentos
terapêuticos, mesmo desnecessários, como forma de cobrir os investimentos
realizados e formar fundos de reserva para os futuros necessários para manter-se
à frente da competição307.
4.5.4.5 - Formas de organização dos ofertantes
Quatro grandes organizações tradicionais de representação política e
sindical são identificadas: os sindicatos, as associações de hospitais, de
estabelecimentos de saúde e de misericórdias (Andreazzi, 1991b).
Os sindicatos de proprietários de hospitales e casas de saúde possuem
bases territoriais, existindo, geralmente, uma Federação ao nível estadual.
Seguindo a tradição corporativa que lhes deu origem, não fazem discriminações
pela razão social de seus afiliados, pois sua missão precípua é organizar a
relação com seus empregados.
307 Entrevista com Gerente de Sinistros de uma seguradora, localizada no Rio de Janeiro, informou que hospitais comforte densidade tecnológica apresentam uma tendência de utilizar mais procedimentos, dentro da mesma morbidade. Eleatribui o fato a necessidade de bancar os custos com os investimentos passados e futuros e com a manutenção dosequipamentos.
263
As organizações de caráter político refletem os distintos interesses dos
segmentos do mercado quanto ao relacionamento com os financiadores,
tradicionalmente com o SUS e, mais tarde, com as seguradoras privadas.
Hegemonizada pelo setor lucrativo, existem as Associações Estaduais (e,
também, municipais) de Hospitais, que se agregam, ao nível nacional, na
Federação Brasileira de Hospitais/FBH. As entidades filantrópicas organizaram as
Federações e a Confederação Brasileira de Misericórdias/CBM. Além delas,
existe a Federação Nacional de Estabelecimentos de Saúde/FENAESS, que
agrega, principalmente, estabelecimentos ambulatoriais.
Finalmente, em 2001, o que é sugestivo do aprofundamento da
heterogeneidade do setor hospitalar, é criada por 25 hospitais privados308, mais
uma entidade, a Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados).
As Associações de Hospitais e a Federação, assim como a Associação
Médica Brasileira/AMB, negociam uma tabela referencial mínima de preço de
serviços hospitalares. Sua capacidade de impor esta tabela é, contudo, parcial.
Para as seguradoras, a tabela é, na maior parte seguida. Nos últimos anos,
porém, as seguradoras lograram mantê-la congelada, a despeito da inflação.
As contradições mais agudas com o SUS e os financiadores privados, além
dos preços, dizem respeito aos mecanismos de regulação e controle de custos.
Ilustra os embates travados, declaração recente do Presidente da Associação de
Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Ahseb), José Augusto
Andrade, sobre as tentativas do governo federal de implantar o “managed care”,
assim como os mecanismos de racionamento do SUS: ...´Esse é o jogo
democrático e nós vamos lutar para evitar a aprovação de um projeto que não foi
discutido com as entidades de classe, ao contrário da lei 9.656 em vigor, e que
cria mecanismos para impedir o paciente de procurar os hospitais, clínicas e
laboratórios, mesmo tendo um plano de saúde para isso”... E mais:
...”Os dirigentes de serviços de saúde da iniciativa privada no estado pediram à
Secretaria da Saúde para que interceda junto ao Ministério da Saúde para evitar o
grande número de cancelamentos de procedimentos feitos por hospitais, clínicas
e laboratórios conveniados, com a justificativa de que estourou o teto financeiro
de verbas do SUS para a Bahia. A não remuneração pelos serviços prestados aos
308 “Dos melhores”, segundo Reynaldo Brandt, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, In: Folha de São Paulo,11/09/2001, p. A3
264
pacientes do SUS está agravando a situação dos prestadores de serviço que há
muito já reclamam da defasagem dos valores da tabela”...309
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .
Tendo descrito os principais achados das fontes obtidas, passaremos, no
capítulo seguinte, a uma análise integradora das mudanças identificadas no setor
privado de saúde brasileiro. Retomando os elementos derivados da conjuntura
mais geral, internacional e nacional, especificamente a financeirização do capital,
se analisará sua repercussão sobre as empresas produtoras de serviços e de
cobertura de riscos de saúde. Os desafios da nova conjuntura para a articulação
público-privada na saúde são, ao fim, problematizados.
309 Gazeta Mercantil-Bahia, 22/08/01, Editoria
265
CAPÍTULO 5 - DESCONSTRUINDO A TRAMA: O SETOR PRIVADO DE SAÚDEBRASILEIRO NA DÉCADA DA SUBMISSÃO
Retomaremos aqui as preocupações que justificaram a própria realização
deste extenso trabalho. O que seria qualitativamente novo no setor privado de
saúde no Brasil, dentro das mudanças ocorridas nesta conjuntura de completa
transformação do rumo do país quanto aos processos de inserção internacional,
de direção da política econômica e de trato com as questões sociais, que
caracterizaram os anos 90? Pois a existência do setor privado prestador de
serviços e voltado à intermediação deste consumo não é fato novo. Que desafios,
esta nova dinâmica do privado aportaria na relação com o Estado? Não estaria,
entretanto, inteiramente tecido e tramado um completo enredo. Não só a dinâmica
parece muito acelerada, quanto a intensificada heterogeneidade do país clama
pelo ajuste das análises a situações muito diferenciadas. Mas um quadro geral de
transformações e tendências é possível de ser apresentado.
5.1 – Consolidação de um mercado de seguros privados de saúde no Brasil
Uma primeira conclusão extraída da análise da evolução do mercado de
seguros privados de saúde levaria a considerar bastante questionável seguir a
tendência da grande imprensa brasileira ao atribuir aos anos 90 o seu intenso
crescimento. Embora, até 1998, não se contasse com dados mais abrangentes e
confiáveis sobre o tamanho do mercado, apenas estimativas parciais, realizadas
por consultoras privadas. Neste ano, quando se pode dispor de uma pesquisa de
base populacional extensiva para todo o Brasil, o Suplemento Saúde da PNAD310,
notou-se que aquelas estimativas não estiveram muito longe da realidade. Elas
projetaram uma quantidade de beneficiários de 41 milhões de pessoas para 1996
(Catta Preta, 1997), enquanto que a PNAD 98 encontrou 38,7 milhões com, ao
menos, um plano, quando se sabe que existe uma quantidade determinada de
pessoas que apresentam superposição de coberturas. A própria PNAD de 1981
apresenta indícios de uma demanda para coberturas privadas dos empregadores
de algum vulto.
310 Que, na verdade, não refutou sobremaneira a Pesquisa de Condições de Vida da mesma instituição – o IBGE – no anoanterior.
266
Arriscamo-nos, então, a afirmar que tão ou mais importante do que nos
anos 90 foi o crescimento desta alternativa privada de financiamento de saúde
nos anos 70 e 80. A análise da taxa de crescimento em diferentes conjunturas
mostra uma desaceleração nos 90, relativa aos períodos anteriores. Apenas
menos percebida pela literatura especializada de Saúde Coletiva e pelos
formadores de opinião, particularmente da mídia.
5.1.1 – Os motores da mudança
Dentro do contexto das políticas de saúde do país, pensa-se que a
formação de um mercado privado de atenção à saúde possa ter representado, em
distintas conjunturas econômicas e políticas do país, coisas também distintas. Se
originada foi, em épocas mais precoces, de políticas de seguridade privada de
empresas, seu impulso, nos anos 60 e 70, esteve inequivocamente associado à
estratégia de assistência à saúde da Previdência Social (os convênios-empresa),
conjugada a de determinados empregadores de controlar a mão-de-obra.
Nos anos 80, dois fatores devem ter dado um outro impulso ao seu
crescimento. Por um lado, os custos crescentes da medicina que era consumida
anteriormente de forma liberal, por uma parcela da população, possibilitando o
crescimento de um mercado individual/familiar de seguros.
A progressiva universalização da cobertura de atenção à saúde dos anos
80, sem aportes significativos do orçamento fiscal311, seria o outro impulso. Ele
foi, neste momento, ainda contraditório com o discurso político aí hegemônico que
enfatizava o sistema público, mesmo por parte dos dirigentes setoriais da primeira
metade desta década, portanto sob o regime ditatorial. Tem-se buscado, de fato,
no Brasil, a partir de 1988, empreender a transformação de um modelo de
financiamento misto de saúde público-privado, mas hegemonicamente calcado no
seguro social, para um baseado na seguridade. Assume-se, nos marcos
constitucionais, que o risco de adoecer tem uma causação social
hierarquicamente determinante, devendo o Estado desenvolver políticas para
promover e prover assistência à saúde, independentemente da posição social
ocupada pelo cidadão. O ponto de partida de tal universalidade das políticas,
311 A não ser por um breve período entre 1986 e 1989.
267
entretanto, foi a diferenciação social marcante, engendrada na história de nossa
formação econômico-social heterogênea. Nestas condições, a migração em
massa do financiamento privado para o público exclusivo, para determinadas
categorias sociais, dificilmente seria concretizada sem se desse uma política de
alocação de recursos públicos adequada a uma universalização com qualidade e
acesso. Nada disso ocorrendo, seria de se esperar uma aderência ativa ou
passiva a uma expansão de alternativas privadas de financiamento para o
consumo de serviços de saúde por parte destas categorias sociais.
A principal diferença dos anos 80 para os 90 se daria na mudança do
modelo de gestão da economia e das políticas sociais, agora inteiramente
submisso aos ditames da mundialização financeira. Neste caso, tornava-se
importante, também do ponto de vista político e ideológico, destacar, estimular e
proteger o crescimento desta alternativa privada de financiamento da saúde e os
problemas paralelos do SUS. Estes problemas foram, criados, em grande parte,
pelo desfinanciamento conseqüente ao próprio desenrolar exitoso do modelo
econômico. Várias foram as tentativas existentes neste período, como projetos de
Lei, para sacramentar a segmentação, consolidada na vida, entre o SUS para os
“pobres” e os seguros privados, para categoriais sociais que, ao menos,
estivessem inseridas no mercado formal de trabalho, ao menos para
determinados riscos de saúde.
Do debate acerca dos determinantes deste processo de desenvolvimento
dos seguros privados de saúde, ao menos no Brasil, se destacam alguns
componentes. Uns enfatizam o controle da mão-de-obra por parte das empresas,
ou ainda, suas políticas de recursos humanos, através de benefícios,
compensando, de alguma forma, salários reduzidos. Tal vertente teve mais
visibilidade na literatura dos anos 70 sobre o tema, período, como vimos, de
grande crescimento da demanda. Hoje, persiste no discurso de executivos do
mercado, especialmente de organizações auto-gestionárias de saúde e
previdência privada312.
A substituição dos gastos diretos das pessoas físicas por seguros, numa
conjuntura inflacionária, já no início dos anos 80, pode explicar, também, uma
pequena parte do crescimento deste mercado, de planos particulares, para
312 Como foi o caso de Alfeu Luis Abreu, presidente da Associação Brasileira de Entidades Fechadas de PrevidênciaPrivada (ABRAPP) in Barroso (1996).
268
camadas sociais polares. Por um lado, a mais abastada, através de planos
hospitalares (por onde começa a atividade das companhias seguradoras no
seguro saúde, neste período). Ou para as menos abastadas, através de planos
ambulatoriais, restritos nas coberturas oferecidas e organizados, especialmente,
por pequenas empresas de medicina de grupo. Tal foi o início, inclusive, de atuais
grandes empresas do setor, como a Golden Cross e a AMIL (Cordeiro, 1984;
Andreazzi, 1991).
Nos anos 90, destacadamente, ocorre o principal debate, entre os
pesquisadores da Saúde Coletiva, sobre o assunto: a) a tese da universalização
excludente e b) dos valores constituintes da classe trabalhadora brasileira,
caracterizada pela heterogeneidade e diferenciação de status em relação aos
demais setores subalternos. E, como pano de fundo, ainda não declarado no
debate, no Brasil, mas bem claro para os organismos financeiros internacionais e
as próprias empresas de seguro, a teoria da utilidade, hegemônica da Economia
da Saúde internacional. Por esta teoria, a demanda é explicada pelas
preferências do consumidor com determinados perfis de renda e de trabalho por
coberturas privadas de asseguramento de riscos com saúde.
Com o intuito de se posicionar neste debate, resgatamos da Epidemiologia
Social, a partir de trabalho do grupo equatoriano (Breilh, 1995) o conceito de
“estratégias de sobrevivência”. Dada uma condição de reprodução da vida
material dos homens, estes elaborariam formas de adaptação às circunstâncias
vigentes, independentemente se elaboram, no campo da ideologia, valores que
justifiquem o rumo tomado. Ou seja, os valores, ao contrário do recorte
presumivelmente weberiano que norteia a tese b) acima citada, não são
anteriores às formas de reprodução da vida material dos homens. Embora
consideremos seriamente as ponderações de autores clássicos do marxismo
como Althusser313 e Mao-tsé-tung, acerca da relação dialética entre estrutura314 e
superestrutura315, podendo esta influenciar nas transformações da primeira, se
desconhece que eles tenham refutado Marx em seu postulado acerca da
determinação “em última análise” do político-ideológico-jurídico pelo material.
313 Louis Althusser - Sobre a Reprodução; Mao-tsé-tung – Sobre a Contradição.314 São as relações que se dão ao nível da vida material dos homens.315 É o arcabouço político, jurídico e institucional existente na sociedade que regula as relações entre os homens.
269
Mesmo estudos para avaliar os aspectos subjetivos dos sujeitos, quanto
aos motivos de afiliação a planos privados de saúde316 destacam a questão da
Insegurança, e não preferência ou desejo, como questão básica de filiação a
planos de saúde. Ao lado, evidentemente, daqueles que o recebem de forma
compulsória, pelas empresas.
Assim, dada uma condição de oferta pública e de possibilidades financeiras
próprias que não garantem segurança face aos riscos do adoecimento, questão
esta vinculada à reprodução da população enquanto tal, decorre uma demanda
para coberturas privadas de seguro. Ela é apenas existente pelo fato da oferta ter
logrado transformar necessidades humanas em necessidades sociais de
consumo de seus produtos, e não outros. A oferta pública traduz aqui o resultado
de lutas em torno da socialização de custos com a reprodução da vida e
reparação da saúde317. Luta esta que se constitui numa outra estratégia de
superação das condições materiais insatisfatórias, distintas das saídas
individuais. Mas que esteve arrefecida, no Brasil, como aponta Boito Jr (1999)
neste período, particularmente no tocante ao movimento sindical.
Entendemos que a universalização excludente foi uma tese que chamou a
atenção para um fato desprezado pelos analistas de políticas de saúde do final da
década de 80: a insuficiência da oferta pública como fator de expulsão de
camadas da antiga população usuária. Seus equívocos, no nosso entendimento,
foram ter localizado, por esta época318, fenômeno cuja temporalidade já vinha de
antes, a partir da conjuntura econômica recessiva de 1979 e que a
descompressão financeira do período de Recuperação (1984-1989) não consegui
reverter. E, ainda, valorizar positivamente tal exclusão das camadas médias, em
termos da estratégia de alcance da equidade. Não procurou projetar seus efeitos
no longo prazo, quanto às tendências minimalistas que regimes focalizados na
assistência pública para as camadas mais desassistidas exibem em outras
experiências históricas. Haja vista os alertas de Navarro (1989) sobre os Estados
Unidos, onde estas camadas não se beneficiam de não terem que dividir com
camadas melhor aquinhoadas o orçamento público. Pois este não alcança nem
316 Alguns mais baseados em questionários fechados e no método quantitativo como o de Lobato (2000) e, por outravertente teórica, o de Farias (2001), no Rio de Janeiro, ao final da década de 90.317 Decorrente, em última análise, da luta de classes e das respostas das frações da classe dominante para impor umahegemonia necessária a manutenção das relações sociais de produção.318 E não pós-implantação do SUS, o que é uma tergiversação de Bahia (1999), pois o SUS foi criado pela Lei Orgânicade 1990, posteriormente, portanto, a própria divulgação do trabalho de Faveret e Oliveira (1989).
270
quem dele necessita, até por conta da dificuldade de ganhar o contribuinte para
bancar financeiramente gastos com programas custosos dos quais eles não
usufruem os benefícios.Também é de se esperar que a aderência à perspectiva de reconstrução
de uma seguridade universal com qualidade por parte da atual demanda brasileira
de seguros privados, nada mudando significativamente em termos da oferta
pública de serviços de saúde, seja fruto da própria dinâmica excludente e custosa
das alternativas privadas existentes. O que significaria uma crise político-
ideológica, em que se voltem para o financiamento público como resposta às
mazelas do privado. Isto, embora presente no caso paradigmático norte-
americano, à época da Assembléia Constituinte, estava pouco maduro na
sociedade brasileira, na vivência concreta dos usuários dos sistemas
suplementares de saúde, o que não é o caso atual.
O que não significa que seja de todo correto considerar estarem maduras,
na sociedade brasileira, condições para uma cobertura pública universal de
saúde, sem a concorrência paralela de uma oferta privada de serviços,
independente do amadurecimento das condições político-ideológicas e materiais
que tendam a homogeneização das condições de vida das pessoas319. Pois se
constituía num padrão histórico de determinadas classes e frações de classe a
utilização parcial ou total do mercado privado de serviços de saúde que, na
ausência de subsídios públicos ao consumo, o que não é o caso no Brasil,
entrariam na conta do consumo de bens suntuosos. Problema este da esfera do
direito individual, típico caso de relação englobada no chamado Direito do
Consumidor. Considerar, em função disso, ser o seguro privado de saúde uma
forma de direito sobreposto ao direito social universal à saúde320, garantido na
Constituição de 1988, seria polêmico. Da esfera de decisão voluntária do indivíduo
ou da empresa, a única socialização verificada na atualidade referiu-se a
possibilidade de deduzir parte de seus gastos do Imposto sobre a Renda. Direito,
ademais, não compartido por todos os indivíduos que incorrem nestes gastos, e,
sim, por aqueles que tem uma renda onde se faz necessária a declaração. Não se
319 Diria Braga (2001), p. 13, por outro ângulo: ...”estão excluídas as possibilidades extremas de estatização ouprivatização ampla, na medida em que ambas não encontram raízes históricas e implicariam, na primeira, umenquadramento politicamente insustentável dos interesses empresariais e daqueles dos próprios médicos, enquanto quena segunda, elevado irrealismo tanto do ângulo do emprego e da distribuição da renda nacional quanto da viabilidadepolítica...:”
271
pensa serem os arranjos privados atuais, na conjuntura de institucionalização do
direito social à saúde, nada mais do que materialização de opções que se dão na
esfera dos direitos individuais. O fato do consumo de seguro saúde privado ter se
tornado uma estratégia de determinadas parcelas da população, face à ausência,
de fato, da concretização do papel do Estado na saúde, por opção política dos
governantes pós-88, não lhe daria o mesmo status de direito social321. Mesmo
que, implicitamente, o Estado brasileiro atual venha trabalhando neste sentido.
Tanto para retornar aos empregadores a tarefa de reparar a saúde da mão-de-
obra por mecanismos compulsórios. E à pequena e média burguesia, a saúde de
sua própria família. Ambos setores contando com subsídios públicos, via
incentivos fiscais aos quais podem se somar abatimentos das contribuições
compulsórias para a seguridade. Ou seja, transferir as condições de
operacionalização de uma cobertura parcial de riscos de atenção à saúde ao
mercado, mesmo com produtos padronizados, preços controlados e fiscalização
sobre as empresas, para dotar esta transferência de algum grau de credibilidade.
O que não implica que o mercado de seguro saúde seja impermeável,
assim como qualquer mercado, a decisões políticas acerca da configuração
específica mais adequada. E a contradições que possam levar a sociedade, em
última análise, como o fez em outras sociedades capitalistas em certas
circunstâncias históricas e outros setores da produção material, a nacionalizar ou
intervir fortemente no mercado.
O consumo, por conseguinte, de serviços privados de saúde financiados por
recursos privados, inclusive através de seguros, tomados como expressão de
direitos individuais, não significa que a sua qualidade, assim como a dos
prestadores públicos, não seja de interesse da sociedade como um todo. Também é
de interesse da sociedade a proteção do consumidor contra os abusos do poder
econômico, na sua relação contratual com as seguradoras. Questões, portanto, do
âmbito do Estado em suas atividades de regulação. Embora ineficiente, não se pode
acusar a primeira tarefa de inovadora, pois é uma atividade regulatória do Estado
tão velha quanto a administração colonial portuguesa no Brasil:
...”Os serviços de saúde das tropas militares estavam sob a responsabilidade
dos representantes do Cirurgião-mor dos Exércitos de Portugal que superintendiam ,
320 Em Bahia (1999).321 Direito ao consumo em função da renda não é específico de seguro saúde e, sim, de qualquer mercadoria.
272
no que era relativo ao ensino e ao exercício da cirurgia, aos sangradores, parteiras,
dentistas, aos que se ocupavam em aplicar bichas e ventosas, aos que locavam
ossos deslocados (algebristas), aos hospitais, médicos e serviços médico-
hospitalares...
...Em 1809, o Príncipe Regente criou o lugar de Provedor-mor de Saúde da
Corte e Estados do Brasil, com a finalidade de preservar o bem público e particular,
sujeito a ser alterado por contágio comunicado por embarcações...Em 1810 eram
estabelecidas normas para a vigilância de boticas, controle do exercício profissional,
exames de cirurgiões para concessão de licença para praticar a medicina, bem
como exames de medicina e farmácia para leigos...322
Feldstein (1988) admite que uma das diferenças fundamentais do mercado
de serviços de saúde em relação a outros mercados é ...”porque (ele) inclui uma
crescente demanda por proteção ao consumidor...323
Como no caso norte-americano, a transmutação da demanda privada por
serviços de saúde em demanda por mecanismos de crédito teve como um de
seus determinantes o aumento dos custos dos serviços. No entanto, isto ter
assumido, especificamente, a forma de genérica de seguro privado decorreu da
oferta, ou seja, do interesse de agentes econômicos em desenvolver este
mercado a partir da necessidade existente de mecanismos de financiamento ao
consumo de serviços. E destes mecanismos de crédito terem se transformado em
mercadorias, pela existência dos capitalistas de seguro e das circunstâncias
conjunturais que projetaram o interesse na entrada de capitais neste mercado.
Tende a confirmar-se a crescente importância do gasto das famílias e
empresas para o desenvolvimento do setor privado de serviços de saúde nos
anos 80 e 90. Pela estimativa dos gastos das famílias com assistência médico-
hospitalar e do faturamento de seguros privados de saúde, comparada com o
gasto público total em saúde, se perceberia uma diminuição relativa da
participação pública no total destes gastos, dos 80 para os 90 (gráfico 5.1).
Parece também se evidenciar, pelo lado do financiamento, a hipótese
inicial sobre os mecanismos que se dão no próprio mercado explicarem em maior
intensidade, sua dinâmica.
322 Singer, Campos e Oliveira (1978), pp. 96; 98-99.323 Feldstein (1988), p. 11 (tradução livre).
273
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Gráfico 5.1: Distribuição estimada do gasto com saúde. Brasil, 1987 e 1996 (em %)
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1987 1997
������ gasto público
gasto diretopremios
Fontes: Gasto direto – POF/IBDE apud Ocké, Silveira e Andreazzi (2002);Prêmios – Tabela 4.1 Gasto público – Ocké (1995) e Faveret et al. (2001)
Os estudos quantitativos analisados, como não poderia deixar de ser,
corroboraram a centralidade das condições de reprodução material da vida, como
a renda e o emprego, para a conformação do perfil da demanda por planos de
saúde. Ao contrário, portanto, do que prega a teoria dominante. Nesta, as
restrições orçamentárias do consumidor são quase um acidente e a decisão de
consumo cabe a ele, o que é completamente contraditório com a, ainda, principal
forma de obter este seguro no Brasil, através do empregador. O achado da
morbidade entre os que têm plano privado de saúde ser menor do que entre os
que não têm poderia ser até considerada uma irracionalidade do consumidor
racional, se isto de desse na ausência de restrições de renda. Ou então já o
resultado da seleção adversa324.
Esteve, também presente, ao longo da década de 90, a maior
heterogeneidade do mercado-de-trabalho e todos os mecanismos político-
ideológicos que favoreceram as estratégias individualistas de vida, circunstâncias
favoráveis a consolidação do mercado privado de atenção à saúde.
A desaceleração do crescimento da demanda privada por seguros nos
anos 90 não deve ter significado que os motores anteriores tenham deixado de
agir: o interesse pelo controle da mão-de-obra, o deterioramento da oferta pública
324 Bahia (2001a), a partir da PPV/1997, observando a homogeneidade de declaração de doença crônica entre osbeneficiários e os não beneficiários de planos de saúde, conclui pela não comprovação da seleção adversa por morbidade.Em relação a esta seleção por idade, teria sido observada no Sudeste. No entanto, isto pode se explicar pela conhecidavinculação ao emprego e a planos intermediados por instituições da maioria da demanda privada, em que a avaliação derisco individual é inexistente ou precária. O que não exclui sua existência e possível impacto mais visível com o
274
de serviços, o aumento de custos da histórica atenção médica liberal. Outros
fatores, entretanto, deve ter pesado mais nas decisões dos indivíduos e das
empresas.
Para as empresas, os anos 90, confirmam, no país, as tendências
estruturais do capitalismo atual quanto à reestruturação produtiva poupadora de
mão-de-obra, a demanda decrescente e crises periódicas de sub-consumo, que
tem imprimido a marca da mediocridade ao seu crescimento. Os trabalhos
brasileiros sobre o tema, sendo especialmente conhecido o de Pochmann (2001)
e também o de Mattoso (1999) apontam para a redução da mão-de-obra formal e
o aumento do desemprego. Isso por superposição ao próprio processo
heterogêneo de constituição do capitalismo brasileiro. Pois este apresentou forte
concentração do progresso técnico, que impediu, mesmo anteriormente ao
desenvolvimento do novo modelo econômico dos 90, uma maior homogeneização
do mercado de trabalho e da produção, como informa o clássico trabalho de
Tavares (1972). Isto tem se traduzido, nos inquéritos populacionais realizados,
principalmente em São Paulo, na redução percentual da forma coletiva de seguro
saúde patrocinada pelas empresas e aumento conseqüente da individual. O
desvio do financiamento da empresa para o indivíduo, seja por aumento das co-
participações, seja pela transformação de seguro coletivo em individual (ou em
plano de adesão, onde uma pessoa jurídica faz a intermediação do contrato, sem
bancá-lo financeiramente), por perda do vínculo trabalhista, foi notado também
por Lobato (2000).
Mercado individual de seguro depende, fundamentalmente, da renda. Esta
tem sido intensamente comprometida na última década, conforma apontam os
indicadores da PNAD de 1988/ IBGE.
Tudo isto, mantendo-se constantes os elementos da conjuntura apontam
para um crescimento bastante restrito do mercado de seguros privados de saúde
neste início de milênio.
5.1.2 – Os cenários de desenvolvimento do mercado: demanda estagnada?
Seria possível prever um cenário expansivo para os mercados privados de
saúde? Para os serviços financiados diretamente pelas pessoas físicas,
acirramento da competição.
275
possivelmente não, visto os custos atuais desta alternativa, e as tendências de
redução deste gasto no orçamento das famílias, através das POFs/IBGE. Para os
seguros, quais seriam as possibilidades de expansão do mercado, que poderiam
favorecer uma ou outra modalidade?
A partir da análise das coberturas atuais, que são heterogêneas nas
regiões do país, pode-se vislumbrar algumas (pequenas) possibilidades de
crescimento da demanda:
• Para a população acima de 10 salários mínimos, cuja compra não
dependa da relação de emprego formal, em queda - elevaria a taxa de
cobertura de seguros do Sudeste, Sul e Centro-Oeste para uma faixa
intermediária entre a encontrada na PNAD/98 – de 72% e as Regiões
Metropolitanas – 82%325 O que geraria uma demanda adicional de
cerca de 490.000 pessoas.
• Pelo mesmo raciocínio, o restante do Norte e Nordeste teria uma
cobertura igual ao Restante do Sudeste, Sul e Centro-Oeste para a
população acima de 10 salários mínimos, dos atuais 62% para 67% de
cobertura, gerando uma demanda de mais 111.000 pessoas.
Este cenário otimista, portanto, acrescentaria à demanda atual, ao redor de
600.000 pessoas, o que representaria um crescimento de 1,5% do mercado, de
1998 para 2001.
Ressalta-se que ele está bastante aquém do estimado por outros autores.
Mendes (2000) informa que, apenas pela dinâmica inerente à universalização
excludente, o mercado poderia alcançar 60 milhões de pessoas, através de
planos populares e de planos de coberturas parciais. Almeida (1998) refere que,
pelas estimativas da FENASEG de 1996, na medida e que apenas...”27,6% da
PEA (20,5 milhões de pessoas) são titulares de planos e seguros de saúde, o que
representa, para essa entidade, uma grande possibilidade de crescimento do
setor privado de assistência médica suplementar...Outros atores, entretanto,
apontam os limites do mercado...A mesma opinião é defendida pela ABRAMGE ,
que afirma que o mercado atingiu o seu limite...:”326.
325 Isto porque, como se viu no capítulo 3, embora a distribuição por faixas de renda e a oferta de leitos sigam um padrãosimilar, a condição urbana, fortemente associada a cobertura por seguros, é diferente entre estas duas regiões.326 Almeida (1998), pp. 28;32.
276
Mendes (2000) localiza nas regiões Norte e Nordeste áreas de expansão. O
grande problema desta previsão é que o modelo econômico implantado nos anos
90 não significou uma desconcentração regional, do produto e da renda. Ao
contrário, houve uma elevação da diferença de renda percapita inter-regional. A
única região que aumentou um pouco a sua participação relativa nestes itens foi o
Centro-Oeste (Pochmann, 2001). Quanto ao emprego, há sim, uma certa
desconcentração do Sudeste para as outras regiões e das regiões metropolitanas
para o interior, sem contrapartida na renda327.
Pela linha de raciocínio de Mendes (2000), a previsão de expansão da
demanda privada por financiamento à saúde baseou-se na ausência de indícios
de que o atual modelo de condução das políticas econômicas e sociais no Brasil
privilegie o gasto público. Ela também se esbarra própria informalidade da
economia. E, principalmente, na intensificação da acumulação de capital via
substituição de mão-de-obra por tecnologia e via a precarização do trabalho, que
reduz a base de população potencialmente capaz de obter coberturas de seguros
privados de saúde através do empregador.
Uma das debilidades da hipótese de Mendes (2000), sem entrar no mérito da
dinâmica do trabalho, se refere à própria renda. Vimos pela PNAD que nos planos
mais baratos, a maioria da população pagava entre 30 e 50 reais per capita por
planos de saúde, o que poderia significar uma possibilidade de aumento da
cobertura nas faixas entre 5 e 10 salários mínimos. Considerando uma expansão
que significasse uma cobertura intermediária de planos privados de saúde situada
entre a encontrada na PNAD para esta faixa de renda e a seguinte, entre 10 e 20
salários mínimos, em todas as categorias regionais, se acrescentariam 2.900.000
pessoas às existentes. Isto está longe dos 22 milhões necessários para se
alcançar os 60 milhões de cobertos da FENASEG. Nota-se que esses cálculos
acabam se aproximando da projeção linear realizada a partir da tendência de
crescimento do mercado nas décadas anteriores, alcançando 45.000.000 de
indivíduos, em 2001. Acresce-se a isto o fato de que a PNAD/98 foi implantada
anteriormente às conseqüências práticas da Lei 9656/98, o que impede que a
cobertura ambulatorial necessariamente não inclua SADT e, inclusive,
327 ...”Dessa forma a década de 90 implicou, na maior parte das vezes, destruição de empregos de maior qualidade nasregiões mais desenvolvidas e criação de ocupações de menor rendimento nas regiões menos desenvolvidas.”..(Pochmann, 2001, p. 92).
277
procedimentos de alto custo. Isto deve ter aumentado os prêmios entre 1998 e a
atualidade.
Estamos aqui tratando de coberturas parciais, de planos de mais baixo
custo para uma parcela de menores recursos que, internacionalmente, como
mostra o Chile, não se constituem área de interesse de expansão das empresas
privadas de seguro-saúde (Miranda e Paredes, 1998). O próprio Vice-Presidente
da Bradesco Seguros, em 1996, afirmava que ...”O seguro saúde é um produto
tipicamente de classe média mediana para cima...nos Estados Unidos, por
exemplo, o seguro individual só é contratado pela ”nata” da população... Uma
alternativa seria a formação de associações ou cooperativas por categoria de
classe, de forma que estas sociedades possam ter o mesmo poder de barganha
de uma empresa...”328 Tal posicionamento da FENASEG, contraditório, inclusive,
com o posicionamento de associados individuais, só encontra explicação se
considerarmos a possibilidade de subsídios estatais a este consumo, o que não
estaria descartada enquanto solução interessante ao grande capital.
Os cenários pessimistas implicam uma estagnação ou mesmo redução do
tamanho do mercado atual.
Vários seriam os motivos para se considerar esta hipótese como a mais
realista, todas de ordem estrutural. Tendo já sido expostos em detalhes no
capítulo 1, vale a pena lembrá-los, brevemente:
1. A queda importante do rendimento médio das pessoas maiores do que 10
anos, entre 1988 e 1998.
2. Quanto ao trabalho, uma expansão do mercado para 60 milhões de
pessoas dependeria da homogeneização, ao nível nacional, de um
mercado de trabalho formalizado. Isto seria bastante improvável no quadro
atual de divisão internacional do trabalho e liberalização do comércio que
aprofundaram a heterogeneidade estrutural da formação econômica
brasileira. A dinâmica do emprego nos anos 90, em que imperou a
precariedade, não tem beneficiado aqueles mais associados à cobertura de
seguros privados e outras vantagens associadas a relação formal de
trabalho, que inclusive, contam com benefícios fiscais. O que permite
deduzir que o balanço entre os benefícios fiscais e os custos da
328 In Previdência Seguros, agosto de 1996, pp. 31-32
278
formalidade possa tender, em muitos casos, para o privilegiamento dos
últimos, nas estratégias das empresas.
Na medida em que os segmento ocupacional mais atingido pelo
processo situou-se entre três e sete salários-mínimos, caso assim se
mantenha, limita, inclusive, as nossas previsões otimistas de expansão
nesta faixa. As indústrias mais atingidas (estatais e de transformação)
foram aquelas em que a cobertura por planos privados de saúde era mais
expressiva em 1998, pelos dados da PNAD/IBGE. Dos novos empregos,
por outro lado, a metade foi em ramos de atividade onde a cobertura de
planos de saúde é mais baixa.
Nesse sentido, a precariedade do trabalho significaria, na realidade, para
uma dada faixa de renda, uma maior carga individual/familiar com despesas
de reprodução da mão-de-obra – previdência, saúde – antes parcialmente
socializadas no contrato formal de trabalho.
Contestando, enfim, as expectativas quanto ao sucesso do novo modelo
econômico (OPAS/Representação do Brasil, 1998), poucos afirmam, hoje, que
seus resultados, quanto ao crescimento e ao controle do déficit público, tenham
sido exitosos.
Em último, porém não menos importante lugar, impactando sobre a renda das
famílias e das empresas que custeiam planos de saúde para seus empregados,
está a inflação médica. Sendo um outro elemento crucial para definir
possibilidades mantidas de consumo, a partir de um mesmo patamar de renda,
ela segue seu curso ascendente, conforme o monitoramento dos indicadores
setoriais efetuado pela Fundação Getúlio Vargas:
Modificando-se as regras regulatórias atuais do mercado, duas outras
opções de crescimento podem se colocar:
a) Para camadas de renda média baixa, pela recolocação no
mercado, a partir de alterações da Lei 9656/98, de planos mais baratos,
ambulatoriais, com rede de serviços de saúde reduzida e coberturas limitadas,
que já existiam anteriormente à Lei. O que seria extremamente contraditório com
alguns dos determinantes da regulação, que foram os movimentos de
consumidores em torno destes problemas.
É conveniente aqui ressaltar que tal medida existiu, patrocinada pelo
Governo Federal, com uma estratégia sub-reptícia de edição, através de Medida
279
Provisória, e foi amplamente contestada por vários segmentos da população,
notoriamente por órgãos e entidades de defesa dos consumidores.
b) Através de maiores subsídios públicos, não por renúncia
fiscal, pois esta já não apresenta tetos máximos de contribuição para assistência
à saúde privada, mas por financiamento à demanda para o consumo alternativo
de planos privados de saúde. Tal solução poderia ser viabilizada, de forma mais
ortodoxa, implementando o conhecido modelo chileno. Neste modelo, há a opção
de alocação de parcela da contribuição de empregados e empregadores entre a
seguridade social e modalidades de cobertura privada. São recorrentes, no
Congresso Nacional, propostas neste sentido (Mendes, 2000). Estão
encastelados nos órgãos representativos das entidades de classe do capital
financeiro notórios defensores deste modelo329. No nosso caso, isto seria um
abatimento nas receitas da seguridade. Ainda está por se provar se haveria um
abatimento proporcional das despesas. Isto por dois motivos. O principal seria se
a renda de quem fica, presumivelmente baixa para ser interessante aos seguros
privados, conseguiria cobrir adequadamente as suas despesas, pois se perderia a
possibilidade de redistribuição das receitas geradas pelas contribuições mais
altas. O segundo motivo é a própria utilização do setor público de serviços de
saúde pelos beneficiários privados, hoje estimados pela própria PNAD/1998, em
¼ destes cobertos por planos de saúde. Mesmo que esta demanda utilize
serviços de maior complexidade e custo, ou que o setor público seja, de alguma
forma ressarcido, há que se ponderar se isto compensa a perda de receitas. Pois
ainda está por se inventar um mercado competitivo de seguros privados de saúde
que não selecione sua população por qualquer atributo. E, portanto, tenha uma
cobertura integral.
Mendes (2000) também identifica uma variante desta proposta, veiculada
por uma, por ele denominada, elite empresarial, reunida em 1997 em Belo
Horizonte, sob os auspícios da Gazeta Mercantil: o incentivo ao aumento da
assistência suplementar viria sob a forma de renúncias fiscais e contributivas
como o CPMF e o seguro de acidentes de trabalho, para pequenas e médias
empresas organizadas em consórcios, o que permitiria atingir mais 40 milhões de
pessoas.
329 Ver em Vianna (1999)
280
Cabe lembrar que, mesmo no Chile, tais renúncias na contribuição para a
seguridade parecem não mais bastar para contra-restar a crise que também se
abateu sobre o setor. Segundo Gerente de uma ISAPRE – Colmena Golden
Cross – este segmento estaria defendendo uma lei que aportaria, opcionalmente,
as ISAPRES, também uma parte orçamento fiscal semelhante àquela que tem
sido devida aos beneficiários do sistema de seguridade pública330.
A vida, no entanto, ensina a todos. Recentes documentos do BID
(Savendoff, 1998) não parecem mostrar predileção significativa pela ortodoxia da
reforma chilena, admitindo problemas. Destacadamente entre eles está a seleção
de risco conforme idade e estado de saúde. Tomando o neo-institucionalismo
como modelo de análise, os autores da coletânea sugerem modificações no
sentido de contornar esses problemas. Santana (Savedoff, 1998) apresenta-as
numa versão mais clara: mantém a contribuição obrigatória para a saúde, mas o
segurado tem o direito de escolher o provedor (ou administrador de seu fundo) de
preferência. Mendes (2000), novamente, identifica este cenário com a reforma do
sistema de saúde na Colômbia, em que o governo funciona como regulador de
todo o sistema e financiador de um conjunto de serviços essenciais (ou básicos).
Através do modelo de captação, prestadores públicos e privados competiriam
pela demanda. Sua crítica, entretanto, a este modelo, toma por base reformas
européias baseadas na competição, cujos resultados ficaram aquém do
esperado331.
Este subsídio também poderia vir sob a forma de ajuda direta da União às
empresas deficitárias, como num outro PROER (Programa de Recuperação de
bancos falidos), justificado até pelo interesse “social’ de socorrer uma parcela da
população que não se pretende que volte ao SUS como demanda332.
O principal problema, no entanto, das projeções de crescimento do
mercado, mesmo que utilizando incentivos e renúncias fiscais, são os limites
330 “Diagnóstico Reservado”- Revista América Economia, 01/01/02, pp.32-34.331 Baseado nesta crítica ele idealiza outro cenário, de sua predileção, por ele denominado de Canadá tropical. Baseado na“cooperação gerenciada”, o aumento do gasto público, e na participação da assistência suplementar como opção atreladaao mesmo pacote de serviços essenciais do setor público. Esta estratégia a nosso ver, somente interessaria a algumasmodalidades empresariais existentes no mercado atual, principalmente as auto-gestões patrocinadas ou não e prestadoresde serviço que teriam que se apartar de seus interesses de acumulação financeira (cooperativas médicas e medicinas degrupo baseadas em serviços próprios).332 Matéria assinada no jornal A Crítica (AM) de 7/09/2001 por Luiz Roberto Silveira Pinto, presidente da Samcil (SP) dáconta que o BNDES estaria estudando a abertura de uma linha de crédito para as seguradoras de saúde, a taxas inferioresàs praticadas no mercado financeiro: ...”Na avaliação do Ministro (José Serra) existe o perigo de que os planos de saúdeindividuais aumentem seus preços até se tornarem proibitivos para os consumidores, condenando-se aodesaparecimento...”
281
impostos pelo cenário econômico mundial. Estes limites, devidos a competição
entre as empresas, agravariam as tendências poupadoras de mão-de-obra. Além
disso, a própria forma de inserção do Brasil neste cenário, não permite vislumbrar
perspectivas atuais significativas de mudança. Neste sentido podem ser
compreendidas as contradições existentes entre o grande empresariado brasileiro
com o modelo de atenção à saúde, em que a Revista Época de 19/02/2002 (leia-
se Organizações Globo) divulga resultados auspiciosos do modelo público de
Medicina de Família do Município de Niterói, que estaria, segundo a matéria,
atraindo a própria classe média desta próspera cidade. Os custos do modelo
privatizado de atenção à saúde pressionariam não apenas os custos das
empresas, mas aumentariam os competidores do butim do Orçamento público.
Mas como quem pressionaria por este butim detém o poder de financiamento
sobre a produção (ou seja, os bancos e seguradoras), dificilmente caberá à
parcela do empresariado produtivo a constância da crítica da privatização do
financiamento da saúde.
A gravidade do cenário e a falta de perspectivas de saída por parte das
atuais elites políticas brasileiras não devem ser subestimadas como fator indutor
da consciência e da criatividade coletiva. Neste sentido, a saída nacional ou
autônoma, numa perspectiva do desenvolvimento auto-sustentado, teria grandes
contradições com o “mix” público-privado da forma como se configura atualmente
no Brasil, pelas seguintes razões:
a) A saída autônoma seria, no campo político, ou seja, das
forças sociais que o imporiam, uma saída popular, baseada na vontade coletiva
de classes e frações de classe que não se beneficiam do modelo econômico
atual: trabalhadores do campo e cidade, pequeno e médio empresariado nacional,
pequena burguesia. Suas perspectivas de melhoria passariam necessariamente
por limites a drenagem de recursos para os circuitos de acumulação financeira
internacional e o controle estrito dos oligopólios (ou mesmo a sua nacionalização).
Dada a submissão atual, quase total, deste empresariado ao projeto do grande
capital (Boito Jr, 1999), é possível prever que o êxito de tal cenário o pintaria de
cores bastante populares. As respostas necessárias, no campo da saúde, teriam
que resgatar o papel do Estado na promoção da equidade e, quando não se
chocasse com os objetivos coletivos, respeitar os interesses do pequeno e médio
empreendedor e do prestador liberal.
282
b) Especificamente, a apropriação pelo grande capital financeiro,
do excedente financeiro destinado a saúde e a seguridade, de modo geral, é
incompatível com as necessidades de financiamento da melhoria das condições
de saúde do conjunto do povo, mesmo que subsídios e renúncias sejam
eliminados.
c) Dificilmente seriam princípios organizativos de um sistema de
saúde baseado nos interesses do povo (e não em suas estratégias de
sobrevivência) aspectos inerentes ao processo de acumulação dos seguros e
serviços de saúde. Nomeadamente, estes aspectos são a seleção de risco, a
seleção de tratamentos segundo interesses mercantis, o controle gerencial de
prestadores de saúde baseado na concorrência e a direcionalidade da ciência e
da técnica segundo interesses mercantis. O que faz pensar que as naturezas
jurídicas dos entes privados do sistema de saúde sejam questionadas.
d) O que não implica que os prestadores privados,
principalmente aqueles constituídos para a viabilização do trabalho dos médicos
e outros profissionais de saúde não tenham um imenso papel na melhoria do
atendimento à saúde da população, desde que a colaboração e não a
competição, seja o incentivo existente333. Assim como certas características de
amenidades da prestação de serviços, que não interfiram na equidade na
qualidade técnica do atendimento, não possam se manter, como direito individual.
E finalmente, que não se possa prever mecanismos de financiamento para tal,
organizados de forma mutualista ou não-lucrativa334.
5.2 – Consolidação do grande capital na indústria de seguros e
serviços privados de saúde
Admitiu-se, até aqui, a partir dos dados examinados - oriundos de
inquéritos populacionais do final da década de 90, comparados com a observação
das quantidades de beneficiários informadas pelas próprias empresas - que o
333 Certamente uma sociedade que levasse em consideração o atendimento das necessidades da população imputaria umgrande “valor” ao trabalho do médico e de outros profissionais de saúde. Mesmo em Cuba, onde já existe uma razoávelsocialização das forças produtivas e de igualdade social, o que não é nosso caso, os médicos lograram ser um dosprofissionais mais bem pagos (em salários e benefícios, como moradia) e de maior prestígio social.334 Ver também Carlos Octávio Ocké em artigo inédito “O moinho satânico e a regulamentação dos planos de saúde: umaquestão de Estado”: ...para refundar o mercado...não é desprezível o papel que poderia ser exercido pelos planos deautogestão, pelas cooperativas, pelo associativismo de consumidores e dos próprios planos”...
283
mercado de seguros privados de saúde no Brasil teria apresentado, ao contrário
das décadas anteriores, uma tendência de diminuição importante da velocidade
de crescimento da demanda. Para as firmas, o processo competitivo tende a
mudar nesta conjuntura. Acirra-se a competição, que passa a ser pelas carteiras
dos concorrentes e as fusões e aquisições. Neste sentido, Kon (1994) apontaria:
..:”Labini infere que quanto maior a extensão absoluta do mercado é mais
provável uma política menos agressiva das grandes empresas, ao invés de uma
política que vise expulsar as empresas médias e pequenas, porque há diferentes
situações de equilíbrio. No entanto, se o mercado for menor, as grandes
empresas adotarão uma ação orientada para a expulsão dos menores” 335...
5.2.1 – Em busca de uma revisão da teoria
Mas compreender a dinâmica da privatização do setor saúde no Brasil, à
luz das necessidades, inicialmente identificadas, de qualificar os processos
encontrados à luz da acumulação de capital implicou, em primeiro lugar, a
necessidade de ter algumas definições teóricas sobre a Economia do setor saúde.
As conclusões mais relevantes tomadas a partir da revisão crítica dos modelos
convencionais, ou não, de abordagem, e as lacunas do conhecimento que
componham um programa de pesquisa em Economia Política da Saúde serão
apresentadas a seguir.
A primeira referiu-se a homogeneização de conceitos. Embora, não seja
uma novidade na literatura internacional, justifica-se, aqui, abordar a
autodenominada “assistência suplementar” como um mercado de seguros
privados de saúde336 pelos seguintes motivos:
a. Pelo lado da demanda, pela trocabilidade próxima entre os
produtos das diferentes modalidades empresariais existentes nesse mercado.
Mesmo no que toca a auto-gestão, embora ela não compita com as outras por
uma clientela aberta, faz parte das alternativas que se colocam à demanda para
organizar esquemas de financiamento coletivo de atenção privada à saúde.
335 Kon (1994), p. 42.336 O que já foi feito em obra anterior (Andreazzi, 1991).
284
b. Pelo lado da oferta, pela base técnica comum a todas as
modalidades, a atuaria e a gerência de sinistros, ou seja, o seguro, e a produção
para o mesmo mercado.
As características do funcionamento de mercados competitivos de
seguro – seleção de risco, seleção adversa, risco moral - como aponta Musgrove
(1999) não são apenas falhas de mercado passíveis de contorno por regulação
apropriada. Parecem ser imanentes. Nos mercados de funcionamento mais
antigo – norte-americano e chileno – persistem desta forma, apesar de estudos e
propostas de mudança, como o ajuste de risco. Não duvidando da capacidade
inovativa do modelo regulatório brasileiro em resolver esta questão, afirmamos,
porém, que é de um idealismo desmobilizador, ou uma prestidigitação, fazer crer
que, isto, será uma tarefa fácil, quiçá, possível337.
Assim, apontar que se constitui num avanço na eficiência,
preservando a qualidade, a reforma do Estado, de ente financiador e prestador
para regulador, se constitui numa afirmação desprovida de bases concretas. A
capacidade indutora de condutas por parte dos primeiros padrões de intervenção
do Estado é maior do que no último. O próprio neo-institucionalismo, popular,
hoje, entre os organismos financeiros internacionais mais chegados a esse tipo de
intervenção do Estado (Savedoff, 1998). Justificaria esta conclusão as
características dos mercados de saúde de especialização do conhecimento e
assimetria de informação, aliadas a capacidade de governança, que tornariam a
integração vertical uma opção superior aos mercados isolados. Afirmar que isto
apenas se dê nos entes privados sem ter correspondência nos públicos é, no
mínimo, ideológico.
Não precisamos ressaltar que o objetivo principal deste tipo de
reforma foi a contenção de despesas públicas. Livro auspiciado pelo Ministério da
Saúde, assim, já o fez (Negri e Giovanni, 2001)338.
Uma regulação honesta de mercados competitivos de seguros
privados de saúde sempre irá correr atrás de suas inovações, buscando,
337 Ilustra a afirmação a seguinte passagem tomada da Folha de São Paulo de 16/11/01:... “Seguradoras e operadoras deplanos de saúde ainda desrespeitam a lei e não oferecem atendimento médico imediato e completo a portadores dedoenças preexistentes ao contrato, como câncer, diabetes e Aids. Essa é a conclusão de uma pesquisa realizada em SãoPaulo com 28 planos e seguros entre novembro e dezembro de 2001. A maioria ou não oferecia os planos ou asmensalidades eram tão caras que impossibilitavam o acesso...”.338 ...”Então, aqui aparece a realidade nua e crua – parte importante dos movimentos de reforma visa, sobretudo, conterdespesas numa área social, tal como preconiza a cultura da mercantilização e do desmanche das instâncias públicas ecoletivas...”(Braga e Silva In Negri e Giovanni, 2001, p. 34)
285
modestamente, coibir os abusos do poder econômico339. E, dentro de uma
perspectiva do Direito do Consumidor.
Já os serviços de saúde são uma indústria multiproduto, com
diferentes graus de amadurecimento de condições capitalistas de produção. Os
serviços médico-hospitalares teriam uma base técnica comum na ciência
biomédica ocidental. Pelos postulados da Ética Médica que regula esses serviços,
não poderiam haver diferenças de qualidade entre formas públicas e privadas de
atenção à saúde, o que conferiria às últimas, em condições ideais, o estatuto de
bem suntuoso.
Especialmente valiosos para o entendimento do modo de
funcionamento global dos seguros e serviços privados de saúde, em suas
articulações com a indústria de insumos, foram os aportes da escola
regulacionista francesa, no que toca ao papel atual dos serviços e dos estudos
sobre a financeirização do capital. Identificou-se não ser específica do setor
saúde a existência de uma relação tão estreita entre indústria, serviço e aparelho
de Estado. E, tampouco, a concepção dominante da baixa produtividade dos
serviços, que os levaria a apresentar um custo crescente, derivada da teoria
econômica clássica e das interpretações dominantes de Marx.
Destaca Gadrey (1996) elementos que impõem a necessidade de
outras interpretações dos serviços de saúde:
a) A partir do Livro Quarto d’O Capital340, a importância, para a análise da
produtividade do trabalho, da relação social de produção, ou seja, do
assalariamento, fato, ainda, bastante heterogêneo, no interior dos serviços de
saúde.
b) Ao contrário de uma pretensa dualidade entre indústria e serviço, haveria uma
complementariedade, em que o serviço garante o escoamento da produção da
indústria. A formação dos complexos, como o médico-industrial faria, assim,
parte das estratégias de competição da indústria, para a redução do risco e da
incerteza, numa conjuntura de demanda decrescente.
Dos processos de acumulação de capital existentes no interior do sistema
de saúde, a indústria e o serviço criariam valor. Há ganhos comerciais para os
serviços e os seguros. Os ganhos financeiros estão presentes em todos os elos
339 O abuso do poder econômico é creditado ao texto de Braga (2001)340 Marx,K (1863)[1980} Teorias da Mais-Valia, pp. 384-406.
286
da cadeia, intensificados pela intensa acumulação financeira desta conjuntura de
crise. Há uma pugna pela parcela da mais-valia que circula entre esses
mercados, em que joga um papel as suas estruturas. Esta pugna é favorecida e
favorece a centralização de capitais e a integração no interior das cadeias
produtivas. Nos últimos anos, ela tem favorecido, no Brasil, as seguradoras, cujo
faturamento parece ter crescido mais do que os índices de preços setoriais e a
inflação média no período. Trata-se de uma luta política atual de entidades de
médicos e hospitais o aumento dos valores de honorários e diárias, que se
encontram fortemente ajustados desde o Plano Real (1995).
Decorrem deste esquema algumas hipóteses e muitas interrogações que
permaneceriam como programas de pesquisa:
a) Qual seria o impacto da introdução da tecnologia nos serviços de saúde nos
seus custos de produção? Ocké (2000), que tem se dedicado com intensidade ao
assunto, nos fornece algumas indicações valiosas. Neste caso, a inovação não
atenderia sempre ao modelo clássico schumpeteriano341, adicionando-se, ao
invés de revolucionando os processos anteriores, não maximizando a produção
em uma menor unidade de tempo, com vistas à redução do custo unitário. Assim,
a expansão do uso de tecnologia poderia significar a dedicação de mais tempo de
trabalho por unidade de produção. Além do mais, as “unidades de produção” não
são rigorosamente homogêneas e, dessa maneira, dificilmente podem ser
padronizadas e produzidas em massa. Além disso, ...”o processo de trabalho na
produção dos serviços médicos seria apenas em parte passível dos
procedimentos usuais de fragmentação, no sentido de sua decomposição em
tarefas a serem executadas por trabalho desqualificado (Braverman, 1981) Pelo
contrário, mesmo no caso dos avanços técnicos obtidos através da mecanização,
os equipamentos tenderiam a gerar novas especializações complexas e não a
substituir trabalho qualificado por trabalho simples; salvo, segundo Medici (1990),
em processos de trabalho de fluxo contínuo..”.342
Empiricamente, se observam, no entanto, fenômenos distintos. Dado o
caráter multiproduto dos serviços de saúde, particularmente os mais complexos,
na dependência das possibilidades de padronização e de substituição de trabalho
341 Trata-se, aqui, do chamado processo de destruição criadora, formulação de Schumpeter para designar a tendência dacompetição, neste modo de produção, de criar inovações que destruam e revolucionem as técnicas de produção, gerandonovos ciclos de crescimento (1994).342 Ocké, Silveira e Andreazzi (2002), p. 21
287
especializado por não-especializado, é possível encontrar o aumento a
produtividade do trabalho. Um exemplo conhecido foi a introdução do aparelho de
contagem eletrônica de células sanguíneas - o “counter” - em substituição ao
processo manual anterior, nos laboratórios de análises clínicas, para a realização
de exames extremamente comuns. Os laboratórios passaram por transformações
nas relações de produção, com a intensificação do assalariamento, conformando
um setor tipicamente capitalista. A competição provoca, ainda, um movimento de
centralização intensa dos capitais e de diversificação que veremos mais à frente.
É certo, porém, que o mais, freqüentemente, encontrado e que se manifesta no
crescimento dos custos do setor saúde, enquanto um todo, confirmaria a tese de
Ocké. As vias distintas de acumulação de capital poderiam trazer como
conseqüência o fortalecimento de determinadas frações empresariais e uma
maior heterogeneidade dos serviços privados de saúde.
b) Em que circunstâncias haveria, de fato, uma contradição do seguro com o
aumento dos custos dos serviços de saúde? Admite-se, em geral, essa afirmativa,
o que se levaria a se depositar nas seguradoras a esperança de dotar os serviços
de saúde de uma maior racionalidade. Pois, disputaria com os serviços de saúde
a mais–valia aí produzida, que pode ser apropriada pelo seguro como ganho
comercial. Ou também, como ganho comercial, interessa ao seguro reter a parte
da mais-valia que ele se apropriou das empresas contratantes ou então, dos
gastos de manutenção da força-de-trabalho das famílias. Jogando aí um peso
importante as estruturas de mercado, entre esses dois setores. Como capitalista
financeiro, no entanto, o seguro, ganhando nesta margem prêmios/sinistros
(ganho comercial), não teria qualquer contradição, a princípio em, mantendo-se a
margem, também ganhar na massa (volume de prêmios), a ser aplicada nos
circuitos de valorização financeira. No limite, portanto, do orçamento das
empresas e famílias, onde caberia à indústria de bens transformar suas
mercadorias em necessidades sociais de consumo, o seguro se beneficiaria com
o padrão atual de incorporação tecnológica no setor saúde, e com os custos
crescentes.
O esquema também, explicaria, a integração vertical seguros/serviços,
como uma forma de eliminar a disputa pela parcela da mais-valia anterior e
concentrar os ganhos comerciais intrafirma.
288
Finalmente, como última hipótese, sendo os oligopólios financeiros
característicos da fase atual do desenvolvimento capitalista, e sendo os seguros e
as indústrias relacionadas aos bens de saúde um dos principais setores de
acumulação, não é exagero pensar que as principais estejam integradas. As
contradições entre os agentes dos distintos mercados não são obrigatórias. Eles
podem estar coligados na extração da mais-valia dos setores competitivos da
produção. Com isso, de fato, sedimenta-se o papel do seguro como crédito, em
última análise, ao consumo industrial, obviamente viabilizador e não contraditório
com a espiral inflacionária da saúde. Sendo, esta última afirmação, uma hipótese
de trabalho, a pesquisa em Economia Política da Saúde poderia se colocar essa
tarefa de analisar a relação existente entre o seguro e a indústria, a partir de uma
metodologia distinta daquela aqui tomada. Esta teria como ponto de partida a
constituição dos grandes grupos financeiros, que envolvem as principais
empresas mundiais do setor. Tarefa, esta, difícil de ser implementada somente a
partir da periferia do sistema.
5.2.2 – As novas condições de competição
A análise empírica do mercado brasileiro de seguros e serviços privados de
saúde nos revelou algumas tendências.
No caso dos seguros, uma política favorável do Estado ao seu
crescimento, até o início dos anos 80, por empréstimos favorecidos do Estado e
contratação. Até hoje, afora um breve período após a Constituição de 1988, por
uma política fiscal favorável. Com a crise do início dos 2000, por possíveis linhas
de empréstimos do BNDES.
Sua crescente importância para a acumulação das empresas seguradoras,
enquanto um todo, é vista desde o final da década de 80 (Andreazzi, 1991). Em
1992, o seguro saúde já alcançava não a terceira, mas, a segunda posição entre
os ramos com maior arrecadação de prêmios (Gazeta Mercantil, apud Lopes,
1993). Para este autor, que desenvolveu sua tese de Mestrado em Administração
de Empresas junto à empresa de consultoria Towers e Perrin, esta entrada das
seguradoras no ramo saúde já representava uma estratégia de diferenciação de
produtos: ...”pressionadas pela recessão dos últimos anos, as seguradoras
encontravam-se com seus segmentos já existentes praticamente saturados, com
289
a demanda e a margem decrescendo em todas as gamas de produtos
existentes...as seguradoras visualizam o setor de assistência médica para altos
executivos como um novo segmento de mercado, na expectativa de que pudesse
atuar e obter altos retornos no curto prazo”...343. Em 1997, a saúde logrou
representar a segunda carteira da BRADESCO Seguros e na primeira do Grupo
Sul América, segundo dados da SUSEP (Gazeta Mercantil, 1998).
As taxas de crescimento dos prêmios, nos anos 90, não se reduziram em
relação ao período anterior, a despeito da redução da demanda. Quanto à
lucratividade, ainda, é um tema colocado para a pesquisa no Brasil. O que se
pôde perceber foi que a sinistralidade cresceu, neste período, colocando, para as
empresas, a necessidade de contar com mecanismos de controle de sinistros
bastante afinados. No entanto, os custos administrativos, aliados aos comerciais,
são considerados elevados em comparação ao mercado internacional, segundo
analistas de consultoras.
Os aspetos estruturais do mercado, mais relevantes, foram:
1. Barreiras à entrada institucionais, tecnológicas e estratégicas
– as institucionais, existentes, antes de 2001, apenas para as seguradoras, não
impediram a crescente entrada de pequenas firmas seguradoras no mercado.
Estas, não entanto, não lograram alcançar as firmas líderes estabelecidas, que já
eram grandes bancos ou seguradoras quando entraram no mercado de saúde.
Para as empresas de medicina de grupo, a despeito de seu grande crescimento
numérico nos anos 80 e 90, a posição relativa das principais firmas, também, não
se alterou significativamente, no período. A liderança quase absoluta das
cooperativas médicas em mercados do interior pode significar uma certa barreira
à entrada pelo acesso a fatores, no caso, a médicos. As novas regras sobre
reservas técnicas e capitais mínimos iniciais, ditadas pela ANS para todo o
mercado parecem estar induzindo um enxugamento de firmas de seguros saúde.
Das 60 seguradoras que comercializavam seguros, apenas 10 haviam solicitado
registro a ANS, até 17/12/01344, após a regulamentação da Lei 10.185/01, que
impôs a especialização das seguradoras para a comercialização de novos
produtos. Destas 10, apenas uma, a Bradesco, estava entre as três mais
importantes, nos anos anteriores. O quanto, isto, pode ser atribuído à crise é difícil
343 Lopes (1993), p. 5344 Ver Resoluções RE 2,3,4,5 6 em www.ans.gov.br
290
quantificar, na medida em que firmas grandes, também, têm sido afetadas: até
fevereiro de 2001, 16 empresas de medicina de grupo e 2 cooperativas foram
liquidadas ou entraram em regime de direção fiscal pela ANS.
2. Concentração – duas foram as dificuldades encontradas: a
informação e a delimitação do mercado relevante para a avaliação da
concentração. Ao nível nacional, parecem competir grandes seguradoras e
medicinas de grupo, além da Unimed, através de seus mecanismos de
intercâmbio entre as singulares. A estimativa C6 para o mercado, sem a auto-
gestão, foi de 0,596, em quanto a ANS encontrou 0,216, provavelmente
considerando as cooperativas como firmas isoladas. O mercado parece
aproximar-se mais de um modelo de oligopólio não conivente, não
organizado...”ocorrendo ações independentes das firmas, com menor exatidão
com relação à reação das rivais e com guerras de preços ou de marketing”345...
Considerando-se mercados regionais e locais, no entanto, é possível que se
encontre uma concentração maior do que ao nível nacional.
Os determinantes da concentração do mercado identificados foram:
1. Tecnológicos - economias de escala (grandes números,
descontos com prestadores via pacote; reservas técnicas
iniciais); economias de escopo (comercialização)
2. Competitivos - barreiras à entrada; acesso a fatores;
vantagens do “first move”; aprendizagem
3. Financeiros - acesso à capital.
Não refutando as tendências observadas por Gadrey (1996) quanto à
internacionalização do setor de serviços, o que ocorreu com o mercado de seguro
saúde privado no Brasil foram, fundamentalmente, associações com firmas
nacionais estabelecidas, ao invés de entradas isoladas. Para o Presidente do
Sindicato das Seguradoras do RJ e Vice-Presidente do Grupo Sul América346, a
explicação recai na vantagem competitiva das firmas nacionais, em termos do
conhecimento do mercado nacional.
Os mecanismos de competição encontrados foram por preço, diferenciação
de produto (latu sensu, ou seja, produtos e processos), vantagens de custo -
345 Kon (1994) pp. 33-34.346 Gazeta do Rio, 13/07/01, p. A4
291
acesso a fatores, principalmente relacionados à organização da prestação de
serviços diretamente pela empresa.
Numa conjuntura de crise econômica e estagnação de demanda, uma das
principais estratégias verificadas foi a preferência por clientes corporativos aos
individuais, pelos ganhos em escala e possibilidade de negociar bilateralmente
sem interferência da ANS. O que caracterizaria um comportamento de aversão ao
risco em face de conjuntura instável347.
Quanto à integração vertical, é possível notar alguns movimentos em
direção à constituição de serviços próprios, tanto por parte das seguradoras
quanto das medicinas de grupo. Após a regulamentação da ANS, obrigando as
seguradoras a constituírem firmas especializadas em saúde, uma das grandes, a
Sul América Aetna formou uma empresa de medicina de grupo vinculada, como
quase-firma, ao grupo. Lembre-se, aqui, que isto, não significa o enfraquecimento
do capital financeiro face ao produtivo, pelas imbricações entre ambos,
característico da conjuntura atual. Isto pode refletir, como nos EUA, um
movimento de integração vertical para baixo, para as seguradoras. No Brasil,
aproveitando-se de possibilidades de reduzir custos pela constituição de serviços
próprios, o que não é permitido às empresas seguradoras.
Desse ponto de vista, haveria diversas gradações dentro das relações
seguro-serviços privados de saúde:
a) Forma liberal, baseada na livre-escolha total do médico ou outros
prestadores, pagos diretamente pelo usuário com reembolso da
seguradora. Era prevalente nos EUA até os anos 80 (Kuttner, 1998), mas
no Brasil, nunca teve uma maior expressão. Não representa, “stricto sensu”
integração, pois, há preservação da forma autônoma de trabalho dos
prestadores.
b) Relações contratuais, de menor ou maior prazo, contratos que se
estabelecem entre seguradoras e prestadores de serviço, ainda
formalmente autônomos. Representaria, já, uma forma de integração, com
maior ou menor autonomia sobre as decisões dos prestadores. Estes têm
347 ...”As seguradoras que operam com saúde estão desistindo do negócio com pessoas físicas e focando cada vez maisem clientes corporativos. A razão é o cenário de baixas perspectivas, custos crescentes, principalmente em dólar, esinistralidade de 85%...A Porto Seguro parou de operar com planos individuais”... In: Cristina Calmon: “Seguradorasdesistem de pessoa física” - Valor Econômico, 15/10/01, pg. C3. Larragoitti, Presidente da Sul América, neste artigo,atribui o fato a legislação restritiva de aumento de preços por parte da ANS, para os planos individuais.
292
sido cada vez mais premidos a aceitar contratos nos quais a decisão sobre
condutas clínicas escapa de seu controle. Ou seja, a disponibilização dos
recursos próprios, como horas de trabalho e grau de utilização da
tecnologia, são cada vez mais dirigidos pelas operadoras de seguros de
saúde. Contam elas com mecanismos de padronização e de auditoria e
modos de pagamento que são impostos aos prestadores de serviço. Isto,
sendo tendência observável em mercados de seguro privado altamente
desenvolvidos (Leyerle, 1994), está, certamente, na dependência da
correlação de forças existentes na relação entre o comprador e o vendedor
do serviço de saúde 348.
A partir da presença dos determinantes da concentração supracitados, da
identificação das principais vantagens e desvantagens e da indagação se os
direitos de propriedade e as formas de organização, que configuram as distintas
modalidades de seguro saúde, afetariam a sua competitividade, faz-se previsões
sobre o futuro desenvolvimento de cada uma. Entendendo que a mudança do
mercado se fará mais, daqui por diante, por um processo de fusões e aquisições,
em que poderá ser importante a entrada de empresas norte-americanas, do que
por indução da demanda, as empresas de auto-gestão e as seguradoras teriam
mais possibilidades de manter-se no mercado: ...“O segmento saúde, acrescenta
o vice-presidente do sindicato (das Seguradoras do Rio de Janeiro), Lúcio
Marques, acena com boas chances de expansão mas boa parte será de migração
dos clientes de planos de saúde para as alternativas de seguro saúde”349... Por
outro lado, as organizações médicas de pré-pagamento - cooperativas médicas e
empresas de medicina de grupo estariam numa desvantagem maior no processo
competitivo, a partir das características identificadas. Para as pequenas
empresas, não estaria descartada a sua transformação em prestadoras de serviço
para as grandes seguradoras. Nota-se que nas tendências vislumbradas, a
integração vertical, seja por controle direto, seja através de contratos preferenciais
será um fenômeno importante. É justificável, assim, o interesse de acompanhar
348 Ao contrário das concepções dos teóricos neo-institucionalistas mais utilizados (Coase (1937), Williamson (1984),aassimetria do poder de cada um dos agentes engajados nos contratos, é o mais freqüentemente encontrado, quando ocapitalismo sai de sua fase competitiva. É o sempre encontrado, em graus maiores ou menores, na relação capital-trabalho, onde o trabalhador é mantido, para sua constituição como força-de-trabalho assalariada, numa condição limitede sobrevivência, o que torna esta condição insubstituível para a sua reprodução material (ver Marx,O Capital, LivroSegundo).349“ Receita das seguradoras cresce 12% no ano - destaque é a previdência”- Valor Econômico, 21/12/2001
293
esse processo, que certamente trará repercussões decisivas sobre os padrões de
prática médica, sobre o mercado de trabalho dos profissionais de saúde e sobre
os custos e a qualidade da atenção à saúde prestada.
294
Quadro 5.1: Algumas características da indústria de seguros privados de saúde nos anos 90Presença dos determinantes à concentração
Tecnológicos Competitivos Financeiros Principaisvantagens
Principaisdesvantagens Tendências
SEGURADORAS
Economias de escala(estocásticas)
Elevadas reservas técnicasiniciais (BE)
Economias de escopo(comercialização)
Possibilidade de escalanacional
AprendizagemDP
Acesso a capital(bancos)
Vantagens gerais docapital financeiro
(créditos)
Financeira Impossibilidade deintegração vertical
“Managed care”Seguro por
quantidades fixas ,transferindo ao
usuário ogerenciamento da
utilização
MEDICINA DEGRUPO
Economias de escala
“Vantagem do “first move”Aprendizagem
DPAtuação em mercado mais
regionalizadosControle do mercado de fatores
- Controle do mercado defatores
Financeira Integrar-se comoprestadores àsseguradoras
COOPERATIVAMÉDICA
Economias de escala
“Vantagem do “first moveAprendizagem
DPControle do mercado de fatores
UNIMED criou umaseguradora.
Controle do mercado defatores
FinanceiraIntegrar-se comoprestadores àsseguradoras
AUTO-GESTÃO
Economias de escala(estocásticas)
Reserva técnica inicialNão há custos decomercialização.
Ausência de competição ex-postEstabilidade relativa das quantidades;
Maior conhecimento dos riscos.Para a empresaorganizadora -
aplicação das reservasna própria empresa.
Não há custos decomercialização Ausência
de competição ex-postEstabilidade relativa das
quantidadesFinanceiras
Reservas técnicasiniciais.
Menor flexibilidade dereduzir benefícios, em
épocas de crise.
Consórcios depequenasempresas
OBS: BE = Barreiras à entrada; DP = Diferenciação de produto
295
Cabe, aqui, explicar, o porquê um dos cenários explicitados no quadro 5.1,
com respeito às instituições médicas de pré-pagamento, foi a integração às
seguradoras. Pois, se considerou que um dos determinantes mais importantes de
concentração, dentro da conjuntura da mundialização do capital, foi a financeira.
Concentrar-se nos aspectos especificamente de intermediação financeira,
transferindo o risco dos sinistros para instituições médicas através de pré-
pagamento pode ser uma alternativa para as seguradoras. Para a sobrevivência
de algumas empresas médicas, constrangidas pela demanda decrescente, pode
ser vantajoso integrarem-se, como quase-firmas, a um grupo financeiro que lhes
possibilite vantagens financeiras.
Quanto à auto-gestão, os processos de reestruturação produtiva, com a
respectiva redução do emprego formal, podem ser um vetor de ajuste da fatia de
beneficiários da massa por ela coberta. Custos fixos, numa conjuntura de
demanda decrescente, sempre serão questionados, caso se tenha alternativas de
terceirização, o que vale para as estruturas administrativas próprias de planos de
saúde das empresas. Pensa-se, entretanto, que continuem válidos, assim como,
nos anos 80, os motivos mais relevantes que levaram as empresas produtivas a
considerar seriamente esta opção: vantagens financeiras relativas à
administração de fundos de dinheiro, redução de custos comerciais, em face às
alternativas de compra de seguro no mercado.
As cooperativas fizeram esforço de crescimento optando pelo número de
beneficiários, ao invés do faturamento, o que faz pensar alguma redução de
preços, compensada pelo provável aumento dos controles da utilização de
serviços de saúde.
A sobrevivência das cooperativas médicas e das instituições filantrópicas
que organizaram planos próprios, num ambiente competitivo voltado à
acumulação financeira e à padrões de competição liderados pelas empresas
seguradoras, tem uma grande probabilidade de depender de um comportamento
que aplaina as diferenças intrínsecas a essas modalidades. As cooperativas têm
como objetivo fundamental a remuneração adequada do trabalho dos numerosos
médicos a ela cooperados. Como firmas, portanto, seus processos de
acumulação são imperfeitos – não têm objetivos lucrativos e apresentam
mecanismos mais ampliados de decisão. O que não impede que eventuais
membros de suas Diretorias não se beneficiem indiretamente de posições
296
ocupadas para acumulação individual, fato, também, observado em outras
instituições de caráter não-lucrativo e estatais.
Para as cooperativas, há muito não aparece na mídia especializada e não-
especializada a retórica política de seu nascedouro: alternativa do conjunto dosmédicos contra o aviltamento da sua remuneração e a exploração de seu
trabalho pelas outras modalidades. Essa luta, hoje, tem sido assumida pelas
entidades médicas, via Centrais de Convênio. A posição interna dominante acaba
entendendo a sua missão, ao menos nos grandes centros urbanos, como se
fosse uma empresa como outra qualquer, mesmo apontando como diferencial no
seu “marketing” o fato de ser dirigida por médicos. O que, de fato, acaba
engendrando um comportamento mais permissivo, quanto a seleção de riscos,
em função do maior compromisso, inclusive, competitivo, com a Ética Médica.
Não parece ser isento de contradições internas esta estratégia das cooperativas:
onde se localiza o equilíbrio entre a necessidade de sobrevivência enquanto
organização num ambiente competitivo cujas regras lhes são desfavoráveis e seu
papel político para reverter o funcionamento deste mercado em seu favor. De
qualquer modo, sua posição dominante no mercado torna-as um filão da
perspectiva de crescimento atual das demais modalidades competitivas. Ressalta-
se que a desconcentração do emprego industrial, apontada por Pochmann (2001)
pode favorecer as Unimeds do interior, que aí, ainda, mantém uma posição
dominante, postergando dificuldades em âmbito mais generalizado para a
modalidade.
Os hospitais filantrópicos devem passar pelos mesmos conflitos. No seu
caso, a seleção de risco, necessária para manter-se competitiva e sobreviver, em
face às empresas mercantis, particularmente, as seguradoras, estabelece um
conflito com a sua missão de berço: a prestação de serviços comunitários. Isto,
inclusive, ainda, lhes serve como possibilidade de investimentos para atualização
da capacidade instalada, através de mecanismos da caridade privada,
incompatíveis com a agressividade mercantil necessária para competir com as
demais modalidades. O exemplo da Blue Cross e Blue Shield norte-americanas
deve ser levado em conta nas estratégias dos que investem no mercado, sem
questionar as suas regras. Pois, praticando, tradicionalmente, prêmios fixos
baseados em riscos comunitários, acabaram mudando a sua política de tarifação,
em face da competição com as seguradoras, com seus prêmios diferenciados por
297
risco. Assim como a falência atual, neste mesmo país, de muitas “Blues”350 e
outros planos não-lucrativos, como, recentemente, se viu com o plano da
Universidade George Washington, em Washington, DC351. Sem falar de hospitais
comunitários e universitários, vendidos para empresas lucrativas (Salmon, 1995).
Quanto aos serviços de saúde, observou-se que a década de 90, ao
contrário das anteriores, foi um período de desaceleração do conjunto dos
estabelecimentos de saúde, tanto públicos como privados. Na década de 80, duas
forças se manifestaram, imprimindo a dinâmica do mercado, ao final mais
expansiva do que aquela que viria pela frente. A recessão “Figueiredo” reduz, de
modo geral, a velocidade de crescimento dos estabelecimentos, tanto
ambulatoriais quanto hospitalares. A implantação da AIH (pagamento prospectivo
por procedimento), em 1983, pelo seguro social, breca mais o crescimento dos
hospitais, mas permite que o segmento ambulatorial privado volte a crescer. Na
recessão “Collor” essa tendência se mantém, com um pequeno aumento do
crescimento dos hospitais privados. Isto, ocorre mesmo agregado a uma política
de priorização do setor público para cobertura de internações, definida pela
legislação do SUS. Acrescente-se a isto o ajuste do número de internações,
conseqüente ao ajuste financeiro do setor público.
No período do Real é que, de fato, a desaceleração se manifesta com
vigor. No caso dos hospitais privados, uma pequena parcela dos
estabelecimentos é, inclusive, fechada. Mesmo os estabelecimentos privados que
não chegaram a esse extremo, parecem ter passado por uma reengenharia
redutora de leitos, já que mais do que 10% da capacidade instalada existente em
1992 foi desativada. Tal fato se deu, basicamente, no segmento lucrativo. Isto
pode ser atribuído, tanto a redução do financiamento público para o seu custeio,
através da contenção de repasses do SUS para compra de serviços, mas
também, a todo um movimento de desospitalização de doenças crônicas, como
as psiquiátricas e de mudança das técnicas cirúrgicas. A maior parte dos hospitais
privados se mantém conveniada com o SUS, relação essa maior entre os não-
lucrativos – filantrópicos e beneficentes (até para não perder benefícios fiscais) -
do que lucrativos. Nos anos 90, parece ter ficado mais difícil, mesmo para alguns
350 Como, por exemplo, em: “Maine Blue Plan to affiliate with Anthem (uma empresa lucrative)” In: Reuters MedicalNews (http://managedcare.medscape.com em 26/07/1999);351 “What’s next for GW plan members?”by Melody Simmons to The Washington Post, 09/01/01(http://www.washingtonpost.com/wp=dyn/health/A6612-2001Sep10.html)
298
poucos hospitais privados, antes de clientela exclusivamente direta, sobreviver
sem crédito através de seguros saúde. No hospital contratado, ainda, haveria uma
complementariedade de financiamento, SUS e seguros que pode ter sido
estratégica para eles, havendo diversos mecanismos, como pagamentos duplos e
seleção do financiador pela tabela utilizada, para maximizar seus rendimentos.
Não se pode, no entanto, generalizar esta afirmação para todas as regiões.
Possivelmente na dependência do tamanho do mercado privado, os hospitais não
veriam no SUS, vantagens significativas.
Os ajustes no número de estabelecimentos, leitos e na redução das médias
de permanências observadas, nos anos 90, também refletem mudanças nas
técnicas de prestação de serviços hospitalares, seja de produto ou de processos.
Tais mudanças têm sido incrementadas mundialmente, pela busca de redução de
custos com atenção médica por parte de instituições públicas e também pelos
seguros saúde, privados e públicos. O processo competitivo entre os próprios
hospitais encarrega-se de disseminar e recriar os novos métodos de produção.
A manutenção de um crescimento da rede privada de cunho ambulatorial
pode ter sido uma saída por algum tempo. De fato, este desvio internação →
ambulatório é uma tendência encontrada em outros países. O quanto pode ser
atribuído a diferentes fatores é uma discussão atual. Ou, melhor, o quanto houve
de sinergia entre eles. Ginzberg (1996).considera que os controles gerenciais
sobre as internações e as médias de permanência por parte das seguradoras
privadas de saúde foram o fator principal.
No Brasil, esses fatores, identificados nos anos 80 e 90, ou seja, atecnologia cambiante hospitalar e ambulatorial, o pagamento prospectivo,pelo setor público, das internações e os controles gerenciais dasoperadoras privadas de planos de saúde, só foram capazes de “enxugar” acapacidade instalada hospitalar privada ao final do período. Pois, nos anos80, ainda, houve um crescimento dos estabelecimentos privados cominternação, paralelo ao próprio crescimento do mercado de segurosprivados de saúde neste período. Isto, também, pode ser explicado pelasnotáveis diferenças regionais de capacidade instalada, onde existiamregiões com necessidades não atendidas. A estagnação dos leitos denota
299
que em outras, onde a competição entre os hospitais é mais acirrada, deveter havido já ajustes, manifestos pela redução de leitos neste período.
Nos anos 90, com a estagnação da demanda de seguros privados, é justo
começar a inquirir sobre o papel dos controles gerenciais das seguradoras e da
própria competição entre os hospitais privados na introdução de uma
“reengenharia hospitalar", numa conjuntura de redução do financiamento público.
De qualquer modo, é possível pensar que a natureza da inovação neste
mercado nestes anos analisados resultou da conjugação de fatores ligados aos
processos e produtos: a busca de técnicas que substituíssem a atenção hospitalar
pela ambulatorial e domiciliar. Este tem sido o padrão de crescimento dos
estabelecimentos privados no Brasil, nos anos 80 e 90.
As barreiras à entrada institucionais existentes para os estabelecimentos de
saúde e os médicos não devem ser significativas. Há, sim, barreiras tecnológicas,
relacionadas a inversões fixas iniciais, que tornaram a entrada dos hospitais
lucrativos em menor porte do que os não lucrativos, historicamente mais antigos.
Os determinantes da concentração de capital no mercado de
estabelecimentos de saúde, também, foram:
1. Tecnológicos - economias de escala (grandes números,
descontos com fornecedores de insumos; reservas técnicas
iniciais).
2. Competitivos - barreiras à entrada; vantagem do “first move;
aprendizagem
3. Financeiros
Parecem, no entanto, se dar na direção da multiplanta, ou seja, das
cadeias, na medida das limitações ao crescimento do estabelecimento de saúde
isolado, em função do tamanho dos mercados locais, por serem serviços de
proximidade.
Esse tem sido, de fato, o movimento de concentração no mercado
hospitalar: construção de cadeias hospitalares, como a Rede D Or/Labs (RJ),
fusões e aquisições, como a Rede Vita (SP) e integração com as seguradoras,
como o Grupo NotreDame Intermédica (SP).
Nas áreas que passaram por inovações técnicas de produtos e processos
que permitiram uma revolução da produtividade do trabalho, como foi o caso dos
300
laboratórios de análises clínicas, esse processo de centralização do capital e,
inclusive, de penetração do capital internacional, tem sido notável. O modelo das
empresas-rede (Chesnais, 1996) aqui se encaixa bastante: empresas
internacionais e grandes empresas nacionais que detém marca e tecnologia,
pequenos laboratórios que passam para a condição de franqueados ou
terceirizados. Confirmam, também, o papel atribuído por Dupas (1999) às
pequenas e médias empresas no contexto da globalização.
Detectou-se, ainda, um interesse do capital financeiro internacional –
fundos institucionais de investimento - nestes mercados, através dos
mecanismos de securitização de dívida. E, também, do nacional, através dos
Fundos de Pensão.
Os mecanismos de competição encontrados foram preço, mas,
principalmente, diferenciação de produtos, através da incorporação de tecnologia
e de diferentes amenidades existentes no estabelecimento.
Quanto às estratégias de financiamento, ocorre, em geral um aumento da
busca por convênios com seguros privados de saúde, uma redução de convênios
com o SUS, mais acentuada na Região Sudeste, e uma redução do número de
estabelecimentos com atendimento apenas particular. Os hospitais parecem não
mais sobreviver sem convênios públicos ou privados. Um bom exemplo disto são
alguns hospitais que, a partir, ao menos, de meados dos anos 90, aceitam
convênios. Temos, como exemplo, a Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro e o
Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Há diferenças, porém, nestas estratégias, entre o segmento lucrativo e não
lucrativo, sintetizadas no quadro 5.2:
Quadro 5.2: Características de hospitais privados nos anos 90Lucrativos Não Lucrativos
(Empresa e economia mista) (Fundação, Serv. Social Autônomo, Ent. Filantrópica, Cooperativa,
Sindicato e Beneficente)
Menor participação do SUS como fontefinanciadora, em geral
SUS esta presente em mais de 90% dosestabelecimentos (exceções das
cooperativas e Serv. Social autônomo,porém tem pouco peso numérico)
Principal fonte – convênios com planos de terceiros
SUS associado a convênios com planos deterceiros é a principal fonte de
financiamentoMaior participação relativa
do atendimento particular exclusivoNão há diferenças práticas quanto
ao plano próprio exclusivo.
301
Na dependência do mercado, há distintas possibilidades de negociação por
preços com as operadoras. Com o SUS, embora mais difícil, não é de todo
impossível, sendo permitida a complementação da tabela do SIH pelos estados
ou municípios. Fruto das distintas possibilidades de relacionamento com os
seguros privados, decresce a importância do SUS para a rede hospitalar privada,
aumentando as suas possibilidades de negociação com o setor público por uma
complementação. Um exemplo deste caso, foi a compra de leitos hospitalares
privados para o alcance de suficiência de cobertura de UTI neonatal, com valores
mais elevados do que a tabela referencial (SIH-SUS), por parte da Secretaria
Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, em 2000, como resposta urgente às
pressões políticas do Ministério Público de atendimento à saúde da população352.
Na implantação do pagamento prospectivo por procedimentos, após uma
resistência inicial, o setor se adaptou, identificando e selecionando pacientes e
patologias que mais poderiam dar lucro no novo sistema e transferindo às
instituições estatais os demais. Quanto às seguradoras privadas, se nota um
interesse recente e crescente em implantar alternativas de pagamento global ao
velho pós-pagamento por diária e procedimentos. Exemplo disto são os pacotes,
hoje existentes para alguns serviços onde se logrou padronizar custos. Estudam-se,
ademais, outras alternativas (como o DRG).
Quanto aos movimentos de integração, notou-se uma tendência de
integração “para cima” em direção à constituição de seguradoras, por parte de
hospitais lucrativos e filantrópicos. E uma certa desintegração “para baixo”, com
terceirizações de setores hospitalares onde as transformações tecnológicas,
quiçá, tenham tornado esta opção de menor custo, até o presente momento.
Porque teria havido, por parte dos serviços de saúde, um movimento em
direção a oferta de planos de saúde? Pensa-se que:
1) Porque o crédito funcionaria, também, como mecanismo de concorrência
entre os próprios serviços, principalmente, numa conjuntura de aumento de
custos, mantendo ou aumentando a demanda do estabelecimento.
2) Porque a própria atividade seguradora teria seus ganhos específicos,
especialmente quando o aspecto financeiro da acumulação de capital
torna-se sistemicamente dominante.
352 “Atendendo no Limite”. Jornal do CREMERJ, ano 14, n0 124, jan. 2001, p. 3.
302
3) Porque geraria capital próprio para os investimentos que os serviços
necessitam para a sua própria manutenção no mercado, dado o ambiente
competitivo setorial pós anos 50, através da diferenciação de produtos por
intensa incorporação de capital constante.
303
Quadro 5.3: Algumas características da indústria de estabelecimentos privados de saúde nos anos 90Presença dos determinantes à
concentraçãoPrincipaisvantagens
Principaisdesvantagens Tendências
Tecnológicos Competitivos Financeiros
PRIVADOSNÃO
LUCRATIVOS
Economias deescala
(estocásticas)Elevadasreservastécnicas
iniciais (BE)
Vantagens dofirst moveMarcas
Aprendizagem
VantagenstributáriasAcesso arecursos
públicos doSUS
Tributárias Financeiras
Integração paracima – planos
próprios deseguro
Enxugamentodos
estabelecimentos– venda ou
fechamento dosmenos
competitivosTerceirização daalta tecnologia
para grupos comfins lucrativos
PRIVADOSLUCRATIVOS
Economias deescala
(estocásticas)Elevadasreservastécnicas
iniciais (BE)
DP
Maioracesso a
investimentono mercadode capitais esecundáriode valores
Acesso acrédito paraexpansão e
diferenciaçãoDP
Maiorflexibilidadepara seleção
de risco(clientela) e
de patologias
Acesso arecursos
públicos (emregiões dopaís compequenacobertura
populacionalde segurosprivados de
saúde)
Formação decadeias
lucrativasIntegração comoperadoras de
planos de saúdeEnxugamento da
capacidadeinstalada
OBS: BE = Barreiras à entrada; DP = Diferenciação de produto
304
Quanto aos médicos, identificam-se algumas tendências para análise:
a) O mercado médico parece estar caracterizado por um razoável
assalariamento agregado com formas liberais atípicas, pela sua já grande,
dependência dos planos privados de saúde para o rendimento do médico e
uma clara concentração nas regiões mais desenvolvidas do país.
b) Há uma grande diferenciação de produto manifesta pela expansão das
especialidades médicas, por sua vez relacionadas às inovações da área de
diagnóstico e terapia, tanto químico-farmacêuticas quanto eletroeletrônicas e
magnéticas, de informática e nucleares. Os custos fixos de tal combinação de
fatores de produção parecem gerar barreiras à entrada na prática privada. O
que pode ser capaz de transformar uma base competitiva de especialidades
de baixo emprego de tecnologias num vértice oligopolizado, que tem se
refletido nas notáveis diferenças de remuneração verificadas entre elas.
c) Embora constituída por uma miríade de profissionais liberais e poucos
empresários, com distintas possibilidades de definição das condições da
sua prática – capitais com maior e, inclusive, excesso de oferta, interior
com uma oferta limitada, há um movimento associativo, mais geral, de
defesa de honorários (como na imposição de um preço mínimo, via Tabela
da AMB). Há, além disso, principalmente, no interior, resistência dos
médicos à entrada de seguradoras que disputem a clientela das
cooperativas, aí bem assentadas353. Isto, tem se refletido em dois conflitos
importantes, que já chegaram aos tribunais e ao CADE354, por acusação de
monopólio. O primeiro se refere à cláusula de exclusividade por parte de
Unimeds do interior, que tem sido condenada a pagar multas, inclusive pela
própria Agência de Saúde Suplementar. O outro se refere à própria tabela da
AMB, proibida de ser utilizada pelo CADE, como prática monopolista355.
Quanto à cláusula de exclusividade, ela é exigida apenas por Unimeds do
interior. Pois, nas capitais, elas não teriam como bancar totalmente uma demanda
adequada ao médico cooperado, por não dispor de uma participação suficiente no
mercado. Tais demandas junto ao CADE e a ANS, foram identificadas envolvendo
353 Um exemplo ocorreu numa cidade de porte médio do interior da Região Sul (Blumenau), em que, fruto do conflitoacirrado dos médicos com uma seguradora (BRADESCO), esta promoveu uma contratação massiva de médicos de outraspartes do país, para trabalhar na cidade, viabilizando um convênio-empresa (Andreazzi, 1991).354 Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça, responsável pelo julgamento de processosligados à autodenominada “defesa da concorrência”355 Márcia Quadros: “Tabela da AMB condenada pelo CADE” - O Globo, 15/09/01, p. 9
305
as singulares da Unimed do Vale do Taquari/Rio Pardo e Ijuí (RS), Marília e
Santos (SP). No caso gaúcho, cujo processo ao CADE foi apresentado pelo
CIEFAS, assim o órgão de manifestou: ...“A conduta que restou configurada é
lesiva ao mercado, por criar impedimentos para a instalação, desenvolvimento e
funcionamento de empresas, agindo com abuso de poder econômico, porquanto
exerce posição dominante no mercado relevante geográfico definido”, diz o
acórdão dos conselheiros do CADE, na punição àquelas Unimeds”356...
No caso de Santos, se baseia no conceito de colusão, que seria alvo de
uma legislação antitruste.
A colusão é uma categoria da teoria da competição oligopolista, onde,
como já se viu, as decisões dos ofertantes é interdependente e há um busca de
maximização conjunta. Na realidade, o caso seria, inclusive, de formação de
cartel (oligopólio conivente e organizado), pois, há uma Associação que impõe um
preço mínimo. Embora vista sob esta perspectiva, pareça estar coerente com a
prática desenvolvida pela AMB, a decisão parte de premissas distorcidas da
relação que aqui é estabelecida entre o médico e os seguros de saúde:
a) Considera o médico liberal como uma firma com o mesmo peso
econômico e de mercado que uma seguradora privada de saúde.
b) Abstrai o fato de que as firmas de seguros privados também atuam de
forma colusiva organizada na negociação com os médicos, através das
entidades respectivas das diversas modalidades: CIEFAS, ABRAMGE,
FENASEG, etc.
c) A tabela referencial da AMB é muito mais voltada a negociação com os
compradores coletivos (firmas de seguro saúde) do que impositiva à
demanda individual. Esta encontra, freqüentemente, preços abaixo dos
referenciais, na dependência de condições clássicas de oferta e
demanda.
Trata-se, no nosso modo de ver, menos um caso de competição
oligopolista e, mais, sindical, de defesa das condições de trabalho de uma
categoria profissional específica, frente à uma atuação, sim, colusiva dos
compradores da força-de-trabalho, na tentativa de reduzir custos de produção. Tal
356 Hoje em Dia, MG, 07.07.01 - ”Unimeds do RS punidas pelo CADE”
306
fato ocorrendo numa situação histórica de concentração pelo lado da demanda
(mercado oligopsônico) onde consumidores individuais são, cada vez mais,
substituídos por compradores através de firmas de seguro, com objetivos de
acumulação.
Neste caso, a atuação do CADE, ao contrário de sua missão precípua
antitruste, coloca-se ao lado e impulsionando o grande capital, potencializando o
poder das grandes firmas acumularem internamente. O que leva, em última
análise, e contraditoriamente a sua missão, ao aumento da concentração da
economia, enquanto um todo.
A colusão para a definição de um patamar mínimo de preços, no caso dos
hospitais privados, não foi considerada ainda, pelo CADE e pela Agência Nacional
de Saúde Suplementar como prática monopolista, embora tenha a mesma lógica
que a AMB. E respondem, ainda, às mesmas tendências colusivas das diferentes
modalidades de seguradoras que parecem ter uma força relativa de impor
condições de compra, na medida da oligopsonização do mercado de seguro.
5.3 - A Mundialização financeira e a saúde
Os constrangimentos da conjuntura externa, a era pós-keynesiana, aqui
detalhados:
• a demanda decrescente;
• a globalização produtiva e financeira;
• a financeirização do capital;
• a produção flexível e as terceirizações;
• o enfraquecimento econômico e político do Estado;
• o enfraquecimento político das classes subordinadas, favorecido pela
ideologia individualista dominante;
• o aumento da exploração do III Mundo, via mecanismos financeiros e
de maior dependência tecnológica;
incidem sobre o setor saúde brasileiro. Aceleram as transformações capitalistas
dos serviços e os processos de concentração e de centralização de capitais sob a
égide do capital financeiro, associado com o capital norte-americano. Não há
307
dados nacionais que permitam afirmar com mais consistência357, mas o aporte de
capitais financeiros internacionais, como o IFC, e nacionais, como Fundos de
Pensão, em determinados serviços privados de saúde e empresas seguradoras
faz crer, assim como aponta Chesnais (1996) serem uma área de expansão do
capital financeiro ao nível mundial. Inclusive para garantir o escoamento da
produção e a realização das mercadorias emanantes dos oligopólios industriais
de bens de saúde, afetadas pela demanda decrescente.
A internacionalização deste mercado ocorre nos anos 90 no caso das
seguros, através de aquisições, mas, principalmente, fusões com empresas
nacionais. Os casos mais marcantes envolveram seguradoras nacionais líderes
do mercado e grandes conglomerados financeiros internacionais, ambos com
presença significativa nos respectivos mercados nacionais de seguro saúde: Sul
América – Aetna, Bradesco – Allianz, Golden Cross – Cigna. Esta última fusão
depois dissolvida, não impediu que a Cigna se mantivesse no Brasil, através da
compra de uma grande empresa de medicina de grupo de São Paulo, a AMICO.
Essas alianças pareceram ser uma estratégia competitiva para os dois lados, num
modelo também parecido ao estudado por Chesnais (1996). Uma certa
subestimação deste processo por outros pesquisadores do tema358 parece se dar
pela incompreensão das especificidades dos mercados de serviços,
principalmente os de proximidade, em que o conhecimento e fatores culturais têm
recomendado a entrada de firmas internacionais em associação com as nacionais
já presentes.
A concentração dos capitais, outro aspecto geral da era pós-keynesiana,
também se faz presente no caso das empresas de medicina de grupo e de alguns
serviços privados de saúde. Neste último caso, ocorreu, em particular, com
aqueles que passaram por inovações “shumpeterianas” que engendraram um
aumento da produtividade do trabalho e mudanças nas relações sociais de
produção (venda da força-de-trabalho).
A dependência da demanda provinda dos seguros, por parte do setor de
serviços de saúde, parece ter aumentado, nos anos 90.
357 Braga e Silva (2001) consideram, inclusive, que é uma pergunta pertinente para um programa de pesquisas do setor alucratividade das suas empresas, comparadas internacionalmente.358 Ver, por exemplo, Bahia (2001b)
308
Tradicionalmente, tem se colocado uma contradição entre os distintos
prestadores, lucrativos, filantrópicos, universitários e o próprio setor público
estadual e municipal pelos recursos públicos federais destinados à saúde. Em
alguns momentos das décadas passadas, ora uns, ora outros, foram mais
privilegiados, na dependência da origem da burocracia dominante no aparelho de
Estado (os anéis burocráticos) e das pressões políticas. Houve épocas mais
recentes em que, deliberadamente, se reforçou um dos privados para enfraquecer
outros, como foi o caso das filantrópicas, na conjuntura de 1984 a 1989. A
ideologia liberal do livre mercado aqui sempre foi retórica pois, com raras
exceções, a autonomia financeira dos hospitais privados relativa aos recursos
públicos não ocorre homogeneamente e é, também, mais recente.
Com o grande desenvolvimento do seguro privado, passa-se a ter uma
outra contradição, derivada do movimento de constituição de capacidade
instalada própria das empresas seguradoras, adquirindo hospitais, muitos em má
situação financeira, o que caracterizou a década de 90.
A história dos embates entre o público e o privado, nestes anos, mas
principalmente até meados dos anos 90, foi hegemonizado pela discussão da
estatização progressiva, bandeira reformista de transformações da VIII
Conferencia Nacional de Saúde (1986). Em contrapartida, pelo movimento de
resistência deste segmento a ser estatizado. E, ainda, pela identificação do
empresário hospitalar como o vilão da atenção a saúde no Brasil359. Contudo,
nota-se, recentemente, uma tendência de aproximação dos provedores privados
que são, preferencialmente, clientes do SUS (a maioria dos estabelecimentos
privados com internação, como se viu), com os estatais para a defesa de recursos
públicos mais amplos para a saúde360. Parte desta inclinação pode ser devida à
tomada de consciência da demanda limitada dos clientes privados, e, também, da
competição desigual com os provedores, mais diretamente relacionados, às
empresas de seguro.
359 Em contraposição ao empresário “moderno” da medicina de grupo, que não almejava viver às custas do seguro social(e, sim, disputar clientela com ele, comentário meu) – ver Médici (1990). E também da omissão de apontar o verdadeirovilão – o modelo econômico de inserção dependente nos circuitos do capitalismo internacional, que caracterizou aformação econômica brasileira desde os seus primórdios. Mais particularmente, da subordinação atual aos preceitos deajuste fiscal dos controladores do capital financeiro globalizado, que continuamente exigem redução do gasto público. E,por outro lado, aprofundam a concentração da riqueza e a heterogeneidade social.360 Isto foi visto em alguns embates da década de 90, como a aprovação da CPMF (Contribuição Provisória sobre asMovimentações Financeiras) e a Emenda Constitucional 29/00, que estabelece percentual fixo dos orçamentos públicospara a saúde.
309
As características atuais do “mix” público-privado no Brasil diferem
completamente da conjuntura anterior, no enfraquecimento do Estado, e na
consolidação do grande capital como poder econômico e político. Em outras
sociedades, como a norte-americana, antagônico a universalização e equidade
das políticas públicas de saúde. E a mudanças do modelo de atenção médica que
impliquem em redução de superlucros dos oligopólios industriais.
A heterogeneidade política do setor privado segue pari-passu a sua
heterogeneidade econômica. Os intermediadores financeiros, em geral,
principalmente, aqueles que tem nesta atividade a sua razão precípua, ou seja, os
capitalistas de seguro (seguradoras e grandes empresas de medicina de grupo)
sabem que seu maior desenvolvimento passa pela redução do Estado para
determinadas parcelas da população. Disputam com os seguros sociais em todas
as situações históricas.
Os intermediadores financeiros constituídos para o controle da mão-de-
obra e diferenciações qualitativas de atenção à saúde, ou seja, as auto-gestões,
tendo um padrão limitado de acumulação, não necessariamente disputam com
uma seguridade social universal. Desde que ela permita manter uma certa
heterogeneidade da atenção à saúde regulada.
As seguradoras que surgem do interesse dos prestadores de serviços de
saúde de assegurar demanda, ou seja, cooperativas médicas e pequenas
empresas de medicina de grupo, com especial destaque para os hospitais
filantrópicos, podem ter contradições com a seguridade universal, pelo vislumbre
de uma acumulação financeira. Porém, podem ser ganhas para o retorno à
condição de prestador, desde que isto contemple negociações razoáveis de
honorários. Isto é, particularmente, aplicável para as instituições que possuem
padrões de acumulação incompletos, como as cooperativas e as entidades sem
fins lucrativos.
Assim, se entende que os prestadores de serviços de saúde, em geral,
quanto aos processos de desenvolvimento da política de saúde, estejam divididos
em grandes linhas de análise, entre duas perspectivas, em função de sua
inserção no mercado. A primeira que pode fazer, desde que devidamente
recompensada, uma aliança pró-políticas de reforço aos mecanismos públicos de
seguridade social para o financiamento da atenção à saúde, seja pela sua
dependência atual do SUS, seja pela potencial possibilidade de inserção como
310
prestador. A outra perspectiva, que tende a reforçar os mecanismos de
segmentação do financiamento, através de sistemas duais, pois lhe interessa,
fundamentalmente, a acumulação financeira. No primeiro caso, assume-se aqui
que, como toda pequena burguesia que, em geral, constitui sua parcela mais
expressiva, ela tenderá, nesta luta, a seguir a posição que se tornar dominante.
No caso do projeto do grande capital, do aprofundamento da privatização do
financiamento (última opção anterior), não passará, na maior parte dos exemplos,
de sócio menor, sempre ameaçado de ser incorporado aos conglomerados
seguro-serviços. O que fará se pressentir que por aí ainda a hegemonia. Ou o
projeto das classes populares (que não se resolve principalmente na saúde) de
reforço do financiamento público.
Quanto ao papel do grande capital na saúde, há posicionamentos distintos,
entretanto, relacionados aos impactos do oligopólio, dentro do contexto da
regulamentação dos mercados de saúde, principalmente da chamada assistência
suplementar. Alguns destes impactos serão discutidos a seguir.
5.4 - Impactos sobre a dinâmica dos mercados
É quase consensual entre as diversas correntes da Economia Política e
também verificável na prática, que a principal conseqüência da concentração do
mercado nas mãos de poucos ofertantes é a perda de bem-estar que traz para a
sociedade. Isto em função das possibilidades do estabelecimento dos preços
acima do preço marginal361 ou, em outros termos, muito acima do custo médio de
produção362. Assim, a concentração, vista pelo angulo neoclássico, traz como
principal preocupação o fato de que em mercados altamente concentrados, as
firmas podem auferir lucros sobre-normais, existindo uma tendência reguladora de
defesa da concorrência, nesta linha. Interessante notar que o marxismo segue
esta tradição ao analisar concentração: ...”os cartéis, ou seja, este pequeno
número de grandes empresas que fazem entre si acordos sobre as condições de
venda, os prazos de pagamento, repartem os mercados de venda”...363
A concentração do poder de mercado nas mãos de uns poucos agentes
econômicos, no agregado, também preocupa investigadores de outras tendências
361 Ver Fergunson (1974)362 Ver Hilferding (1909 {1973}
311
ideológicas, aqui preocupados com processos não-democráticos de decisão e a
impotência governamental perante os agentes econômicos (Davies & Lyons,
1988).
Não deixa de haver correntes que consideram, no entanto, que esta perda
é compensada pela maior possibilidade de inovações decorrentes da alta taxa de
retorno investida em ciência e tecnologia, que os oligopólios estão aptos de ter
em função de sua dominância no mercado364. Ou seja, entendem que a
concentração somente gera má performance, se não levar a um aumento das
atividades de pesquisa e futuros benefícios em desenvolvimento de produtos ou
redução de custos. Os lucros supra normais seriam o justo prêmio pela maior
eficiência. Ou, partindo-se de uma visão shumpeteriana, o superlucro seria uma
conseqüência da inovação bem-sucedida e, pelo mecanismo da destruição
criadora, essencialmente transitório (Davies & Lyons, 1988). O impacto da
concentração do mercado, neste caso, seria mais difícil de avaliar.
Hilferding (1909 {1973}) chama a atenção que esta maior taxa de retorno
se dá não apenas a custa dos consumidores, como de outros ramos da produção,
que tem suas taxas conseqüentemente diminuídas365.
Pode-se pensar que este posicionamento de Hilferding (1909 {1973})
ocorra, no caso do setor saúde, particularmente no seu segmento industrial, mas
também nos seguros e serviços, onde o desenvolvimento capitalista já tendeu
para a formação de oligopólios, ao nível mundial. Os custos elevados da
assistência à saúde são uma preocupação recorrente de segmentos do capital
produtivo, pois, aumentando os custos da mão-de-obra, podem diminuir a taxa de
retorno de setores ainda competitivos. Principalmentem, em conjunturas
recessivas, como a atual366. Nos Estados Unidos, já existem movimentos no
sentido de transferir aos consumidores decisões de utilização de serviços de
saúde, onde as seguradoras estabeleceriam um patamar fixo de benefícios a
serem gerenciados pelo próprio segurado. Pois as empresas de managed care
parecem estarem chegando a um limite de contenção da inflação médica. Apesar
363 Lenine (1917[1977]), p. 591364 Ver Kahn (1988)365 Hilferding (1909 {1973}), cap. XV.366 ...“Empregadores estão “puxando os cabelos” com o aumento de prêmios e o fato de que o sistema de managed carenão está mais funcionando, disse Sally Trude, pesquisadora sênior do Center of Studying Health System Change, um“think tank” de Washington, DC”...(tradução livre) In: Christine Wiebe “Will consumers be better managers of care?” InMoney and Medicine, 2001 (http://managedcare.medscape.com/Medscape/MoneyMedicine/journal/…/mm1105.wieb.htm 10/01/02)
312
dos controles estabelecidos na última década pelas seguradoras sobre os
serviços de saúde, apesar da integração seguro – serviço ser uma das
características marcantes do mercado de “managed care” nos anos recentes, os
custos, limitados em sua aceleração, continuam crescentes (Wiebe, 2001). Sendo
que, uns dos fatores associados, foi os mecanismos existentes de controle
gerencial da prática médica, que se chocam com a resistência dos prestadores e
consumidores, quanto aos aspectos mais declaradamente antiéticos de
interferência sobre a qualidade desta atenção367.
No nosso caso, vimos que, tanto para os seguros quanto para os serviços
de saúde, a variação de preços, comparados, respectivamente, pelo
PROCON/SP e pela FGV, foi mais elevada do que a inflação geral. A distribuição
dos aumentos foi desigual, entretanto. No que toca à remuneração do trabalho –
honorários médicos - e dos serviços hospitalares, propriamente ditos, por parte
de tabelas de remuneração contratadas com as seguradoras, os valores estão, de
modo geral, congelados, desde meados dos anos 90. Os custos hospitalares,
para as seguradoras, devem ter subido, principalmente através de seus outros
componentes menos regulados, como materiais e medicamentos, taxas e gases.
Hilferding (1909 {1973}) pensa, ainda, que a própria inovação técnica,
quando ocorra, não tende a significar menores preços para o consumidor. O
ganho incremental acaba sendo quase que totalmente retido pelo oligopólio.
A teoria econômica não nega a tese da reversão de mercados oligopolistas
para aqueles em que haja mais competição, entendendo-se esta, por exemplo,
como diminuição de barreiras à entrada, aumento do número de firmas no
mercado ou redução do poder de mercado de firmas individuais. Alguns “fatores”
favoreceriam esta reversão: entrada de novas firmas; crescimento do tamanho do
mercado, por uma série de circunstâncias, como as fiscais e o aumento da
demanda ligado a mudanças na estrutura social; fechamento de uma, ou mais,
empresas grandes; diminuição nos custos de transportes, e de tarifas ou barreiras
comerciais; inovações significativas que permita a produção a custos mais baixos
(Kon, 1994).
367 Ibid: ...”(em 2001) os prêmios aumentaram 11%, o maior aumento deste 1992, de acordo com uma pesquisa anualrealizada pela Kaiser Family Foundation...algumas companhias e grandes seguradoras estão desenvolvendo novosprodutos que buscam deixar os consumidores gerenciarem seus benefícios de saúde...”
313
No entanto, autores que estudaram a concentração do mercado numa
perspectiva histórica como Steindl (1972 {1990}), pensam tratar-se de um
fenômeno de longo prazo, dificilmente reversível. As maiores firmas, com
diferenças substanciais de custos em relação às outras, teriam uma tendência a
expandir-se. Possuindo uma taxa de acumulação interna acima da indústria como
um todo, e alcançando uma relação preço-custo estabelecida, não permitiriam o
reingresso de firmas de custo mais elevado e menor flexibilidade financeira.
Durante as crises, os oligopólios teriam uma possibilidade maior de sobreviver,
dadas as possibilidades de manter preços elevados, reduzindo as quantidades.
Mesmo diminuindo a taxa de lucros, poderiam mais facilmente transferir parte da
crise para outras empresas de sua cadeia de produção, que atuem em estruturas
de mercado menor concentradas (Hilferding, 1909 {1973}). Empiicamente, no
caso americano, Steindl (1972 {1990}), identificou que a mortalidade das
pequenas empresas, em períodos ou não de crise, é, significativamente, mais
elevada do que das grandes.
No caso dos seguros privados de saúde, no Brasil, é possível admitir,
dados os antecedentes históricos recentes de ajuda financeira do Estado aos
bancos, que as grandes empresas poderiam chantagear a sociedade para a
obtenção de subsídios que lhe permitam socializar seus prejuízos. Isto em função
das quantidades de pessoas envolvidas no caso de ameaça de falência.
Não é necessária a derrocada das pequenas e médias empresas para a
consolidação do oligopólio concentrado/diferenciado como tendência estrutural do
mercado de seguros saúde no Brasil. A competição entre as grandes empresas,
no entanto, direciona as características do mercado: a liderança de preços e, no
limite, o próprio acordo de preços, que caracterizaria, de fato, a organização de
um cartel. Não parecem ser, assim, tão diferentes, dentro de uma mesma
segmentação de mercado (nacional), forma de obtenção do plano (individual ou
empresa) e características da rede de prestadores, as diferenças de preços entre
as empresas de seguros saúde.
Há outros impactos do oligopólio, referentes à concentração do poder
político, apontados por economistas marxistas e não marxistas como Davies &
Lyons (1988):
a) Corrupção da máquina reguladora do Estado:
314
“...O capitalismo, como o conhecemos depende de um conjunto de
instituições – muitas criadas pelo governo – que limitem o potencial de
abuso... Estas instituições incluem normas contábeis modernas, auditores
independentes, regulamentação dos mercados financeiros e de capitais, e
proibição do uso de informações privilegiadas, O caso da Enrom mostra
que essas instituições forma corrompidas. Nenhum dos exames e balanços
que deveriam evitar abusos funcionou; aqueles que deveriam ser
independentes estavam envolvidos...empregados perdem todas as suas
economias enquanto executivos escapam ricos...E não conheço ninguém
na comunidade financeira que considere a Enron um caso isolado”...368
“...Que se pode dizer da incorruptibilidade do funcionário do Estado
cuja secreta aspiração consiste em encontrar uma sinecura na
Behrenstrasse (rua de Berlim onde se encontra a sede do Banco
Alemão)?...”369
b) Dominação da mídia e do processo eleitoral:
“...A cartelização unifica o poder econômico e incrementa assim
diretamente sua eficácia política...Une os interesses de todo o capital e se
apresenta assim frente ao poder de Estado de forma muito mais fechada
do que o capital industrial disperso de época da livre-concorrência...”370
Assim como a concentração, a integração vertical é, também, um
fenômeno que suscita interpretações distintas.
A corrente teórica dominante a entende dentro da teoria da competição
monopolística - instrumento de discriminação de preço e imposição de barreiras à
entrada. Destaca-se o objetivo de eliminar a concorrência, pela falta de acesso
aos meios de produção, ou a sua aquisição a maiores custos.
A teoria convencional da administração de empresas também explica a
integração vertical como uma estratégia para obtenção de vantagens de custo, a
partir do controle dos fatores de produção ou da comercialização. Tanto para
368 Paul Krugman: “Um sistema corrompido” (O Globo de 19/01/2002, transcrito de New York Times). Krugman, umdos principais articulistas de economia norte-americanos atuais, se refere à falência da empresa de eletricidade Enrom,entre cujos acionistas estavam altos funcionários da equipe do Presidente dos Estados Unidos George W, Bush, cujosbalanços fraudulentos deixaram a empresa de consultoria multinacional Artur Andersen com sua reputação bastanteabalada. Isto no país que supostamente possui um sistema particularmente voltado à regulação da atividade econômica ede longa tradição.369 Deg Zug zur Bank, Die Bank, 1909,1,S. 79 (citado em Lenin (1917 {1977}), p. 619.370 Hilferding (1909 {1973}), p. 382.
315
reduzirem custos próprios de produção, quanto para aumentarem ou impedirem o
acesso destes fatores aos concorrentes. Estes custos economizados podem ser:
de barganhar preços, publicidade, obter informações. “...Por outro lado, a
produção por uma única empresa de atividades antes empreendidas por várias
firmas elimina as margens de lucro embutidas no peço de cada produto que seria
adquirido de produtores diversos”... 371
Viscusi, Vernon and Harrington (1997) argumentam, entretanto, que a
integração vertical somente teria efeitos anticompetitivos, quanto à imposição de
barreiras de acesso a fatores de produção para a concorrência, quando já existe
algum grau de concentração no mercado. Caso contrário, o custo da integração
implicaria em ganhos pouco significativos para a firma.
Como no caso da concentração, as interpretações das correntes marxistas
assemelham-se (até por compartilhar origens comuns) quando analisam as
repercussões da verticalização: ...“A combinação... garante a empresa combinada
uma taxa de lucro mais estável... reforça-a na luta de concorrência... (Hilferding
apud Lenine, 1917).
A corrente neo-institucionalista já a considera como forma de economizar
nos custos de transação, tendo uma função, basicamente, de ganho em eficiência
(Williamson, 1984). Circunstâncias presentes nos mercados de saúde se
enquadrariam, num grau elevado, no conceito de custos de transação, o que
impulsionaria movimentos de integração. A principal seria a especificidade dos
ativos envolvidos e o custo do desenho e da gerência (“governance”) de
contratos, como o monitoramento e a supervisão. Isto envolveria o conhecimento
assimétrico sobre as formas de produção e seus respectivos custos e as
mudanças tecnológicas rápidas que demandariam uma revisão constante dos
termos do contrato. Para Hart (1988), a integração vertical seria uma estratégia
importante onde os investimentos específicos na relação contratual fossem altos,
ou seja, o uso dos recursos específicos fosse maior dentro do que fora da
relação. O que tornaria a relação mais sujeita a comportamentos oportunísticos
via mercado, ou seja, através de firmas independentes. Esta diminuição do
comportamento oportunístico se daria pelo maior controle e maior informação
existentes dentro de uma única firma. Duas observações do autor, entretanto,
371 Kon (1994), p. 96.
316
apontam caminhos distintos para as firmas integrarem-se, no caso do setor
saúde:
• Havendo retornos crescentes de gerenciamento, deveria haver integração.
• Se os contratos individuais representam pequenas parcelas dos negócios das
firmas, não deveria haver integração, pois esta seria apenas importante onde
o investimento específico na relação contratual fosse alto.
Haveria, ainda assim, algumas desvantagens da integração, relativas ao
mercado. Uma seria os problemas de coordenação e gerenciamento de múltiplas
atividades no interior da firma. O que nos parece mais relevante, além disso, seria
a existência de fortes economias de escala que façam com que a produção
apenas para suprir as necessidades internas da firma, se faça abaixo da
quantidade eficiente (Viscusi, Vernon and Harrington, 1997). Isto explicaria o fato
de hospitais pertencentes a operadoras de planos de saúde, como as
cooperativas, buscarem, também, convênios com outros planos, seus
concorrentes.
A dificuldade em escrever ou reforçar contratos completos, onde há uma
especificação ex-ante de todas as alternativas, principalmente no longo prazo, ou
onde as mudanças tecnológicas e de demanda sejam rápidas, é um outro
argumento utilizado pelos autores neo-institucionalistas em reforço a integração.
Isto em contraposição aos mecanismos puros de mercado, como articulações
impessoais, decisões descentralizadas e anarquia da produção (Grossman e
Hart,1986). Williamson (1984), mesmo, admite a impossibilidade do agente
contratante (pela incerteza e a assimetria de informação) poder antecipar todos os
aspectos relevantes de um contrato, o que é contestado pela literatura baseada
nos conceitos de agente-principal (Savendoff, 1998), onde bastam incentivos
apropriados ex-ante. Considera, ademais, esta literatura, que a Justiça é sempre
eficaz para dirimir pendências (!).
Um outro aspecto a levar-se em conta, quanto à propriedade de ativos em
relação a relações contratuais e de mercado refere-se ao equilíbrio entre o risco e
a incerteza, por um lado, cuja redução favoreceria a integração, ou a preferência
por liquidez, face ao ambiente econômico externo, por outro. Ou seja, na
presença de crise econômica e redução da demanda, a mobilização de ativos
poderia ser um fator desfavorável ao desempenho da firma. Langlois (1986),
nessa linha, aponta que uma falha do modelo seria não considerar a flexibilidade
317
perante as rápidas mudanças como uma vantagem do mercado sobre as
estruturas integradas, mesmo que apresentassem maiores custos de transação.
Tais contradições parecem terem sido resolvidas, entretanto, nos
marcos da produção pós-fordista, como vimos anteriormente. Através dos
inúmeros exemplos de relações contratuais distintas, em que sob os marcos das
formas jurídicas independentes, estabelecem-se relações exclusivas entre
agentes econômicos, desiguais, que preservam a hegemonia do grande capital
financeiro. Em outros termos, haveria relações contratuais entre firmas, que
funcionariam como se integradas verticalmente fossem, como, por exemplo,
seriam os contratos de exclusividade.
Assim, a constituição de empresas de serviços de saúde baseada no
assalariamento do médico, seria uma forma de economizar em custos de
transação. Isto justificaria a incorporação, como assalariados, destes médicos,
anteriormente, de prática liberal.
Com o advento do modo de acumulação flexível, característico do
capitalismo atual, a relação salarial, também aqui nestes mercados, tende a ser
transformada na autonomia controlada. Esta significaria a constituição de redes
de prestadores terceirizados, cuja autonomia de decisão sobre o processo de
trabalho não é mais a mesma em relação à prática liberal, podendo se
assemelhar ao controle mais rígido do assalariamento (Leyerle, 1994). No Brasil,
embora as relações de credenciamento entre médicos e seguradoras sejam as
mais freqüentes.(Machado, 1997; Almeida, 1998), ainda, não se chegou a um
controle tão estrito da prática médica, como aquele apontado por Leyerle, (1994)
nos EUA
Interesse na extração de mais-valia, por um lado, arranjos institucionais
mais adaptados à divisão do trabalho e à incerteza, por outro, o fato é, que, tem
crescido o interesse e a tecnologia de controle sobre o processo de trabalho
médico, como forma de gerenciar os custos de produção dos serviços de saúde.
De que modos, enfim, o elemento estrutural e conjuntural mais importante,
a financeirização global, causaria impactos sobre a organização dos cuidados à
saúde? Essa organização, com complexidade tecnológica crescente (e custos),
tem requerido, especialmente a partir do final do século XIX, de mecanismos
coletivos de cobertura dos riscos - mutuais e securitários, e finalmente públicos,
que permitem sua ampliação de cobertura. A existência de companhias privadas
318
de seguro saúde (com diversas naturezas jurídicas e modalidades de integração
do serviço de saúde) é relevante no financiamento de cuidados à saúde desde,
pelo menos, os anos 50. A característica qualitativamente nova da conjuntura
atual seria que o aspecto financeiro dos negócios de saúde tende a tornar-se o
aspecto principal, com respeito à prestação do serviço. Isto faz com que a
privatização da cobertura deste risco para as parcelas mais bem dotadas da
população seja o interesse principal do capital, no setor. Há, por conseguinte
pressões para o enfraquecimento concomitante do Estado, enquanto principal
determinante da dinâmica do setor saúde, através da redução do financiamento
público. Além disso, a financeirização favorece a constituição de conglomerados
seguros/serviços sobre a égide do capital financeiro.
Identificamos, assim, diversos mecanismos capazes de imprimir impactos
na dinâmica setorial, tanto pelo lado do Estado, quanto do mercado:
A) Elevação das taxas de juros: baixa o investimento produtivo,
principalmente o de longa duração, pois o custo do endividamento é
maior do que o rendimento antecipado do capital aplicado na
especulação financeira. Encurta o horizonte dos agentes produtivos. É
um fator de constrangimento das finanças públicas, pelo aumento
decorrente da dívida.
B) Expansão das atividades financeiras dos grupos industriais (Serfati,
1998; Braga, 1998): ..."Trata-se, como imposição da própria
concorrência e da administração de riscos, de construir finanças que
não apenas impliquem uma adequada estrutura de dívida, de passivos
(para imobilizar capital) mas ao mesmo tempo construir uma adequada
posição credora/ativa para ter mobilidade, flexibilidade, agilidade
inovativa, velocidade na captação de oportunidades lucrativas nos
vários mercados nacionais, produtivos e financeiros..."372. Para o autor,
a financeirização se fundamenta na própria forma contemporânea de
operação das corporações industriais, composta por diferentes tipos de
empresa patrimonialmente interligadas. As grandes corporações
multinacionais seriam multissetoriais (integradas verticalmente) e
multifuncionais, porque se ocupam ao mesmo tempo, das funções
372 Braga (1998) p. 216.
319
produtivas, comerciais e financeiras.
Por conseguinte, aumentam as vantagens competitivas das empresas
participantes de conglomerados financeiros. As transferências internas nos
grupos financeiras mundializados os permitem tirar proveito de situações
nacionais quanto à tributação, custo de empréstimo de capital e
instabilidade das taxas de câmbio. Isto, também, os permitem sustentar
custos de oportunidade, diminuindo margens de lucro em função da
concorrência. Driblam, mais facilmente, as regulações nacionais. Essas
operações financeiras, certamente, favorecem e são favorecidas pelos
grandes grupos. Ao contrário do período anterior, em que foram possíveis
industrializações periféricas, com a participação de multinacionais, o
padrão atual global de competição entre grandes corporações traz um
maior desequilíbrio na divisão internacional do trabalho (Braga, 1998).
C) Embora não seja específico desta conjuntura, o custo financeiro de
empréstimos não é o mesmo para diferentes densidades de capital,
sendo maiores as taxas de juros cobradas aos pequenos
empreendimentos.
D) A modalidade atual mais importante de captação de financiamento
privado - a securitização, diversifica os donos do capital das empresas
privadas, que passam a contar, cada vez mais com representantes dos
principais donos do capital financeiro mundial - fundos de pensão e
fundos mútuos - nos seus conselhos decisórios, fenômeno que Farnetti
(1998) denomina "corporate governance". Esta forma já é encontrada
no Brasil em alguns exemplos, tanto para seguradoras quanto para
serviços de saúde. Além disso, para os Estados periféricos, significou
uma dificuldade considerável de obter empréstimos externos nos
moldes das décadas de 60 e 70.
A mundialização financeira e o enfraquecimento dos Estados nacionais,
aliada a notável concentração de capital nos países centrais, repercutem,
possivelmente, sobre as características dos mercados de seguros e serviços de
saúde no Brasil, tendendo a concentração e participação crescente de empresas
multinacionais. Alguns impactos da internacionalização das atividades produtivas
320
são apontados por Dupas (1999), a partir de relatório de 1998 da UNCTAD373 :
a) O investimento estrangeiro direto por meio de aquisições pode resultar
em reduções e perda de emprego diretos e indiretos, pelo
encorajamento de migração de empresas fornecedoras para áreas com
suporte de trabalho disponível.
b) A confiança em importações resulta também em perda de empregos.
c) Destrói níveis salariais na medida em que empresas locais tentam
competir.
A dominância profissional não necessariamente passa pelas formas de
integração vertical clássicas das corporações multinacionais caracteristicamente
norte-americanas dominantes na primeira metade deste século - holdings
departamentalizadas. E, sim, por formas de terceirização e contratos que
aprofundam a perda da autonomia profissional.
373 United Nation Comision on Trade and Development (Comissão das Nações Unidas para o Comércio e oDesenvolvimento)
321
EPÍLOGO
Que a crise se avizinha, também, para o setor privado de saúde – seguros
e serviços – não é necessária muita ciência para perceber. As representações
atuais de empresários do setor ressaltam os constrangimentos financeiros ao
desenvolvimento de seus negócios. E, também, dos burocratas da Agência
Nacional de Saúde Suplementar, que estão tendo acesso às contas de uma
parcela do mercado, as operadoras de planos de saúde, apontam neste sentido
Segundo matéria da Folha de São Paulo, de agosto de 2001, os balanços
das empresas seguradoras, enviados a ANS, em 2000, mostraram que ...”das
1700 operadoras em atividade...só cerca de 400 entidades, que representam os
planos coletivos de auto-gestão, e outras 300 grandes operadoras tem condições
econômico-financeiras para atender ao mercado. A crise atinge principalmente as
empresas de medicina de grupo. Estudo feito em junho pela FGV – SP para a
ABRAMGE, com base nos balanços do ano passado de 40 empresas mostra um
quadro preocupante. Para cada R$ 1,00 de dívidas e obrigações, as empresas
têm apenas R$ 0,64 de bens e recebíveis...O estudo mostra que o endividamento
das empresas de medicina de grupo supera em três vezes o seu patrimônio
líquido...” 374.
O segmento segurador, por exemplo, refere uma queda na lucratividade
ou, mesmo, prejuízos, no ano 2000: ...”A Sul América Aetna, a maior no
mercado... em volume de prêmios (R$1,4 bilhão)... contabilizou um prejuízo de R$
12 milhões no primeiro semestre. A BrasilSaúde também teve resultado negativo
de R$ 7,3 milhões. Já a Bradesco Saúde teve um lucro de apenas R$ 439,2 mil,
considerado irrelevante pelo presidente” 375...
Empresas de medicina de grupo presumivelmente de pequeno e médio
porte foram liquidadas em 2001. Hospitais lucrativos de médio porte são fechados
no Rio de Janeiro, em 2002. Algumas instituições tradicionais de caráter
filantrópico passam por sérias dificuldades financeiras.
374 Folha de São Paulo,de 27/08/01, p. B9.375 Cristina Calmon: “Seguradoras desistem de pessoa física” - Valor Econômico, 15/10/01, pg. C3.
322
Seria a crise conjuntural, fruto do esgotamento do modelo econômico que
prevaleceu nos anos 90, aliado ao quadro recessivo dos países centrais,
particularmente, dos Estados Unidos? Ou seria estrutural, pelo esgotamento da
demanda, em face da concentração da renda e das dificuldades de expansão do
emprego formal, pela reestruturação produtiva e pela heterogeneidade estrutural
da economia brasileira? Como avaliar o papel dos mecanismos de regulação
econômico-financeiros impostos pela ANS sobre pequenas operadoras de planos
de saúde e empresas em situação financeira fragilizada, se são concomitantes a
crise?
Certamente as opiniões, aqui, se dividem. Quanto a nós, tudo o que
consideramos neste trabalho sobre os cenários de desenvolvimento da conjuntura
não são otimistas: mediocridade de expansão da riqueza, concentração,
agravamento das condições materiais de vida de amplas parcelas da população,
concorrência mais acirrada entre os oligopólios mundiais pelas dificuldades de
realização, constrangimentos das economias periféricas, aumento dos conflitos
armados interimperialistas, acirramento da luta de classes.
Não é um cenário propício para a ampliação de benefícios, porventura
existentes, da produção e consumo de serviços privados de saúde. Como toda
crise, ela não é igual para todos. Há os que dela se beneficiam, e estes
vislumbram ganhar mais parcelas do mercado.
Para Luiz Roberto Silveira Pinto, da Samcil (SP), que não quer que o
governo socorra as pequenas empresas e instituições beneficentes que operam
planos de saúde, ...”não existe, propriamente, uma crise do setor de planos de
saúde, mas uma evolução desse mercado. Empresas sólidas, atuando em escala
ampla, têm condições de oferecer planos ao alcance dos consumidores, honrar os
compromissos assumidos e manter-se rentáveis. Já para pequenas empresas, a
equação nem sempre se equilibra – e o quadro está sendo agravado por sua
dificuldade em adaptar-se à regulamentação...É provável que, das cerca de 2 mil
companhias, boa parte deixe de existir com a identidade atual mas, com toda a
certeza, não haverá abalos significativos entre as cerca de 150 grandes empresas
do setor. ..o nosso setor esta apto a resolver esta questão sozinho...as melhores
323
soluções acabam sendo sempre encontradas a partir da liberdade de
negociação...” 376
Aos problemas de seleção de risco, imanentes ao modelo de seguros
privados de saúde competitivos, agregam-se os derivados da conjuntura
econômica adversa, da demanda decrescente e da competição mais acirrada pela
carteira dos concorrentes. Juntos, pintariam um quadro pouco luminoso para os
consumidores:
...” Planos restringem pedidos de exames especializados. A denúncia vem
dos próprios médicos, que assumem "comprar a briga" contra as operadoras de
planos de saúde que têm aumentado a pressão sobre os profissionais, quando o
assunto é solicitação de exames. E a categoria garante, quanto mais
especializados (e caros) maiores são as dificuldades para a liberação.... a prática
mercenária vem sendo aplicada também aos usuários da Medicina Previdenciária
Privada. "Vivemos um momento dificílimo, porque estamos sendo impedidos de
exercer a medicina livremente, em nome do poder econômico, ficando para
segundo plano a saúde do paciente", revela o presidente da Sociedade Brasileira
de Anestesiologia (SBA), Renato Almeida Couto de Castro... Segundo o
presidente da SBA, na área da anestesiologia, a medicina de grupo tenta limitar o
uso de novas drogas. Os medicamentos apresentam menos efeitos colaterais e
permitem uma recuperação mais rápida, mas têm um custo elevado”377...
Conflitos relacionados à cobertura dos planos se constituíram, em 2001, o
principal motivo de processo ético junto ao Conselho Regional de Medicina do Rio
de Janeiro, atingindo a Diretoria Médica de hospitais. Os principais motivos
estiveram relacionados à burocratização dos procedimentos, que antecede a
atenção às necessidades médicas, o que é uma ameaça de agravamento de
quadros caracterizados por urgências médicas378.
Desviam, também, a crise para os médicos e demais prestadores de
serviços, particularmente aqueles com poder econômico reduzido em face da
oligopsonização dos compradores:
...”Contrapondo o "apetite" das operadoras de saúde, os médicos
brasileiros tem acumulado perdas com as tabelas de coeficientes honorários.
5 Matéria assinada em A Crítica (AM) de 7/09/2001.377 “Planos restringem pedidos de exames especializados”- A Tarde - 08/10/2001.378 “Erros assustam o CREMERJ” – Jornal Extra, 23/10/01, p. 14
324
Apesar de os planos estarem permanentemente reajustando as mensalidades, há
mais de sete anos os médicos estão com os valores dos procedimentos médicos
congelados... Portella (secretário administrativo da Confederação Latino-
Americana de Sociedades de Anestesiologia) define a questão como "um
momento delicado, no qual é necessário uma mobilização intensa e permanente
para que a situação seja modificada"...379
O receio da atual administração da União é de que a crise engendre uma
maior demanda para o SUS. Esta não seria contraditória, diga-se de passagem,
com as diretrizes constitucionais do “direito de todos e dever do Estado”. Segundo
afirmou o próprio MInistro da Saúde José Serra: ...”Não podemos simplesmente
deixar que estas empresas quebrem e joguem milhares de usuários de volta ao
SUS”...380. Pois, não faz parte de seu modelo ampliar a oferta pública de serviços,
dado o seu compromisso maior com a austeridade fiscal e os ajustes
freqüentemente necessários para cobrir o déficit fiscal do Estado. Como a ajuda
às empresas deficitárias, também, é um gasto, apesar do propalado empréstimo
do BNDES, é possível que a solução seja deixada ao próprio mercado, com a
conseqüente quebra de empresas e maior concentração.
Outras propostas de solução foram apresentadas em julho de 2001,
quando da reedição (a 430) de uma das Medidas Provisórias/MP – a 2177/43 que
vem garantindo a aplicação da Lei 9656, desde 1998. Ela foi retirada enquanto tal,
mas encaminhada ao Congresso Nacional sob a forma de Projeto de Lei.
A polêmica que se criou esteve até na formulação da proposta. Pois,
apesar dos mecanismos consultivos existentes no âmbito da Regulamentação da
Saúde Suplementar, com a criação do CONSU – Conselho de Saúde
Suplementar, as entidades médicas e de usuários lá presentes negaram terem
sido consultadas sobre as mudanças preconizadas. Estas viriam sob a forma de
produtos opcionais, mais baratos, com controles mais rígidos de utilização de
forma a, pretensamente, poder reduzir custos.
Apesar da forte reação da sociedade – órgãos de defesa do consumidor,
entidades médicas e de hospitais381 -– nada garante que as respostas contidas
nessa MP, no campo da continuidade do modelo atual da relação público-privada,
379 “Planos restringem pedidos de exames especializados”- A Tarde - 08/10/20.380 Hylda Cavalcanti para Gazeta Mercantil de 29/08/2001, p. A 10 – “Nova mudança para planos de saúde”381 Num período pré-eleitoral, onde não é aconselhável para um Ministro presidenciável desgastar-se mais amplamente
325
não tenham sido apenas adiadas para uma conjuntura política mais favorável.
São elas:
1. Abolição da livre escolha de prestadores e triagem de consultas
em maiores níveis de complexidade - o acesso a especialistas e
a exames complementares e outros procedimentos, somente
seria possível, através de um médico generalista estabelecido
para acompanhar os pacientes. É o que ficou pejorativamente
denominado de “médico porteiro”
Inegavelmente tal medida é inspirada no, assim, chamado “managed care”
norte-americano. Os problemas deste modelo num ambiente competitivo, estão
relacionados aos incentivos para a seleção, quando possível, do grupo
populacional, pelo médico generalista, mecanismo semelhante à seleção de risco.
Ou seja, priorizando populações mais hígidas que utilizarão menos os serviços. A
grande perversidade do modelo foi a introdução do compartilhamento de riscos,
onde se assigna ao médico uma quantia global, por paciente, para que ele
gerencie a utilização de serviços de diagnóstico e terapêutica e de consultas
especializadas: ...”este desvio proclamou a verdadeira emergência do managed
care, que, em essência, é managed cost"382... . Ao final de um período de tempo,
o profissional poderia tanto arcar com as despesas que ficarem acima do fundo
composto pela soma das quantias definidas por paciente ou, caso estas fiquem
abaixo, incorporar estas economias como próprias. Transfere-se aqui para o
profissional a mesma lógica do seguro lucrativo, com o agravante de que não são
grandes números a gerenciar, onde os riscos podem ser mais diluídos e sim
pequenos números. A seleção de riscos torna-se mais grave, assim como a
seleção adversa (muitos pacientes com problemas graves sendo atraídos para
um profissional de reputação) (Feldstein, 1988). A resposta que o mercado de
seguros apresentou para esses problemas foi o resseguro, ou seja, a contratação,
pelo médico, de uma apólice de seguros que lhe cubra despesas consideradas
excessivas. O que ameniza, mas não resolve o problema, pois a instituição
resseguradora continua a fazer seleção de risco, agora de médicos com carteiras
com gastos adicionais volumosos, não redundando em redução de custos (Polzer,
1994).
382 Roth (1997), p. 718 (tradução livre).
326
Esses incentivos afetam a qualidade, pelo lado da sub-atenção de saúde.
Introduzem conflitos, não apenas ideológicos no profissional, mas diretos entre
estes e os pacientes, que tendem a perder a confiança plena dentro da relação.
Pois também o médico desconfia que o paciente, que quer ingressar na sua 'lista"
esconda, a princípio, suas patologias, por problemas de 'risco moral". Rompe-se,
ainda, a perspectiva do trabalho conjunto generalista-especialista para o bem-
estar do paciente, pois o médico geral teria o incentivo de reter o paciente para
não gastar o fundo com especialistas. Conflitos estes que acabam por afetar a
imagem social tradicional da corporação médica - que de um móvel humanista e
voltado ao bem-estar do paciente passa para um móvel exclusivamente mercantil.
Uma das conseqüências deste fato, nos Estados Unidos, foi a ..."explosão de
legislação para a proteção do consumidor (mais de 100, no Congresso, em
1995)"383... Muitas destas leis acabam sendo contraproducentes, do ponto de
vista de uma utilização racional de recursos pois, por autodefesa, impõe o uso de
determinados meios diagnósticos, nem sempre tecnicamente necessários
(Andreazzi, 1999).
Do ponto de vista dos resultados, estudos conduzidos para comparar
métodos de pagamento com ou sem compartilhamento de riscos, nos EUA (como
o realizado por Safran et al., 2000, em Harvard) mostraram que ..." pagar os
médicos por capitação (versus por produção de serviços) esteve negativamente
associado com a maioria dos indicadores utilizados de avaliação de cuidados
primários ( acesso, continuidade, integralidade e integração do cuidado, interação
clínica, relação interpessoal e confiança do paciente) e a associação negativa foi
estatisticamente significativa para medidas relacionadas com a qualidade da
relação médico-paciente"...384. Shmueli e Glazer (1999) referem que o método
resultou em violações sérias dos princípios de equidade, propondo a utilização de
variáveis mais flexíveis no cálculo da remuneração.
2. Cobertura limitada e segmentação – Possibilidades de coberturas
geograficamente restritas, a municípios ou estados e, também,
segmentadas por patologias ou níveis de complexidade.
3. Menos fiscalização – As empresas médicas não teriam mais
responsabilidades éticas com os pacientes, ao se retirar dos Conselhos
383 Ibid, p. 723, (tradução livre).384 Safran et al. (2000) p. 74.
327
de Medicina esta atribuição. Pois seriam, apenas, fiscalizadas pela
ANS.
4. Ampliação do número de faixas etárias onde os aumentos são
permitidos, além das sete definidas na Lei 9656.
Para Januário Montone, presidente da ANS...” as alterações da Medida
Provisória 2.177/43 sobre planos de saúde tem o único objetivo de defender e
ampliar os direitos dos consumidores”... .385 Para o ministro José Serra: ...”As
medidas feitas eram excelentes para eles’’..386
Mesmo sob a égide da Lei atual, liberal para os consumidores, estes não
se vêm protegidos pela regulação, o que ocorre, principalmente, com os planos
individuais. Há brechas na legislação que permitiram reajustes diferenciados entre
as faixas etárias387; ...”A segunda importante mudança trata da cobertura de
urgência e emergência. De acordo com a legislação, o usuário teria direito ao
serviço a partir de 24 horas após a assinatura do contrato. E poderia ser atendido
— em ambulatório ou internação — por tempo indeterminado. Depois da
resolução 013, o consumidor perdeu o direito ao atendimento pelo período que o
tratamento exigisse. A emergência foi anulada dos pagamentos. Vale apenas
ambulatório. Isso quer dizer que, se uma pessoa quebrar a perna e tiver fratura
exposta, necessitando de cirurgia, ela terá de pagar por tudo o que for feito depois
de 12 horas de atendimento”... 388. Também, os agravos para condições de saúde
pré-existentes acabaram sendo elevados, tornando proibitivos os prêmios.
As entidades de defesa dos consumidores, tampouco, têm creditado a ANS
um estatuto superior à Justiça comum, nas suas demandas com as seguradoras.
O Judiciário, inclusive, tende a estender a todos os segurados, direitos, a rigor,
permitidos apenas para os contratos realizados após a Lei 9656/98, que não são,
ainda, a maioria. Essas diferenciações de regras entre planos ditos “antigos” e
“novos”, em relação à Lei, paradoxalmente, foi defendida pelas próprias
organizações de consumidores. O aumento correspondente de prêmios,
conseqüente à adaptação dos contratos, tem sido o motivo deste aparente recuo.
Tudo isto leva a supor que a necessidade de mudanças nas relações
385 Depoimentos extraídos de Guaíra Flor e Daniela Guima – “O governo recua” – Correio Brasiliense, 16/08/01386 Ibid.387 . ...‘‘Os planos continuam reajustando da forma que bem entendem’’, observa a advogada do Idec (InstitutoBrasileiro de Defesa do Consumidor, uma ONG), Andrea Salazar” in Ibid.388 Ibid.
328
público-privadas em saúde, no Brasil, seja um elemento da conjuntura próxima. E
que as soluções que respeitem os interesses atuais das operadoras de planos de
saúde se chocarão com amplos setores organizados da sociedade.
Se não estavam ainda maduras, na sociedade brasileira ao final dos anos
80, as condições necessárias à discussão dos termos da relação público-privada,
que ultrapassassem a simples concessão de que a atenção à saúde fosse “livre à
iniciativa privada”389, hoje, não parece ser o caso. Pois a própria dinâmica
excludente do modelo vai explicitando as contradições para os agentes das
mudanças. Mas não se pode justificar essa falta de maturidade por parte dos
analistas das políticas de saúde. Os elementos presentes na crise brasileira atual,
já estavam assentados nos Estados Unidos, desde, ao menos, os anos 80, onde
o aumento de custos e as dificuldades de cobertura do modelo prevalente
baseado no financiamento privado da atenção à saúde, eram problemas
nacionais, privilegiados na agenda do, então, candidato democrata Bill Clinton,
em 1992. E, onde a implantação e continuidade da segmentação não se fizeram,
historicamente, sem resistências de parcelas significativas do movimento social.
E, ainda, onde a força do grande capital na manipulação da mídia e na influência
sobre os processos eletivos tem mantido seus interesses preservados, a despeito
das aspirações da população por mudanças (Sommers and Sommers (1961)
apud Andreazzi, 1991; Navarro,1989; Leyerle, 1994; Noronha e Ugá, 1995).
Não é necessário e nem possível prever que modelo poderá substituir o
atual. Se é que possa existir um modelo completamente acabado, dentro da
complexidade de situações que conformam a oferta e a demanda de assistência
privada à saúde no Brasil. Ou, se é que a vida prescinde de modelos acabados,
baseados em experiências outras mais ou menos exitosas. Como se conformará
o sistema de saúde brasileiro poderá ser o final de um caminho, enriquecido pelas
experiências e opiniões de muitos brasileiros, que pode se iniciar na necessidade
de não manter as coisas como estão. E numa discussão de princípios:
• Será a forma competitiva mercantil compatível com o
financiamento privado da atenção privada à saúde, que possa
garantir qualidade, continuidade e integralidade?
389 Segundo o texto da Constituição de 1988.
329
• Como conciliar, no interior de um sistema universal de saúde
diferenciação, quanto às amenidades, mas preservando a
equidade no acesso a um padrão de qualidade técnica?
• É desejável uma nova articulação público-privada que se baseie
na colaboração (e não na competição), em prol de objetivos de
atenção a necessidades de saúde?
• Como controlar o desenvolvimento e a incorporação de
tecnologia no sistema de saúde, de modo a enfrentar a influência
da indústria multinacional produtora de bens?
330
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BRASIL, CONGRESSO NACIONAL, Lei 10.185 de 2 de fevereiro de 2001.
BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDESUPLEMENTAR, Resolução RDC 77 de 17/07/2001 In:www.ans.gov.br/Res.RDC.77.htm em 15/02/2001.
_____ Resolução RDC 28 de 28/06/00 In: www.ans.gov.br/Res.RDC.77.htm em15/02/2001.
_____Resolução RDC 66 de 04/05/01 In: www.ans.gov.br/Res.RDC.77.htm em15/02/2001.
_____Resolução RDC 83 de 16/08/01In: www.ans.gov.br/Res.RDC.77.htm em15/02/2001.
_____Resolução RDC 84 de 21/08/01In: www.ans.gov.br/Res.RDC.77.htm em15/02/2001.
_____Resolução RDC 85 de 25/09/01In: www.ans.gov.br/Res.RDC.77.htm em15/02/2001.
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FONTES ESTATÍSTICAS
IBGE, CD ROM PNAD 1998.
_____CD ROM PNAD 1998 - Suplemento Saúde.
_____CD ROM AMS 1999.
PRINCIPAIS SITES CONSULTADOS
www.abramge.com.br
www.abraspe.org.br
www.ans.gov.br
www.ciefas.org.br
www.datasus.gov.br
www.saude.gov.br
www.towers.com.br
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ANEXOS
Dados de algumas empresas de medicina de grupo (situadas entre as 20maiores, por número de usuários, filiadas a ABRAMGE). São Paulo, 1994
Usuários Serviços Próprios SeguradoraInterclínicas 600.000Intermédica 400.000 2 hospitais; 23 ambulat.;2 PS Notre-DameMedial 260.000 2 hospitais; 8 ambulat.; 5 PS;1 laborat.AMESP 240.000 3 hospitais; 20 ambulat.Unicor 160.000 6 ambulat.Health 120.000 1 Hospital; 7 ambulat.SL Saúde 90.000 1 hospital; 5 ambulat.Iguatemi 40.000 1 hospital; 1 laborat.; 7 ambulat.OBS: Há uma discrepância muito importante entre a minha entrevista, em 1989 e a de Diniz, em 1994 referente aosserviços próprios da Interclínicas, por nós considerados predominantes.Fontes: Andreazzi (1991); Diniz (1997)
Estabelecimentos privados com internação segundonatureza jurídica. 1999
Natureza Jurídica número % no
com SUS%
com SUSAdm direta saúde* 4 0,1 2 50
Sem fins lucrativos Fundação 175 3,4 162 92,6Serv. Social Autônomo 16 0,3 5 31,3Ent. Filantrópica 1598 30,8 1519 95,1Cooperativa 53 1,0 13 24,5Sindicato 14 0,3 13 92,9Beneficente 120 2,3 102 85,0
Com fins lucrativos Empresa 3209 61,8 1757 54,8Economia mista 4 0,1 3 75,0
Total 5193 100,0 3576 68,9*possível equívoco de classificação ou de digitação
Fonte: CD ROM AMS/IBGE 1999
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Fontes de financiamento dos estabelecimentos privados com internação,Brasil, 1999
Privado com fins lucrativos Número %SUS 529 16,5SUS e terceiros 924 28,8Só próprio 170 5,3Só particular 143 4,4Só terceiros 1447 45,0Total geral 3213 100,0 Total SUS 1453 45,2 Total terceiros 2684 83,5
Privado sem fins lucrativos Número %SUS 448 22,6SUS e terceiros 1368 69,1Só próprio 84 4,2
Só particular 21 1,1Só terceiros 59 3,0Total geral 1980 100 Total SUS 1816 91,7 Total terceiros 1532 77,4Fonte: IBGE/ CD ROM AMS/IBGE 1999
Quadro 3 - DISTRIBUIÇÃO DOS LEITOS POR NATUREZA JURÍDICA DOESTABELECIMENTO. 1999
Público Privado Lucrativo Privado Não Lucrativo
No Partic. no total SUS
% dos leitosprivadoslucrativos Não SUS SUS
% dos leitosprivados não
lucrativos Não SUSNorte 12372 46% 6871 0,66 3615 3.874 0,90 444Nordeste 49682 39% 40.466 0,85 7.342 28.477 0,98 643Sudeste 53834 25% 40.752 0,61 26.003 82.724 0,91 8.502Sul 16551 20% 21.058 0,84 3.945 37.126 0,94 2.251Centro-Oeste 11079 29% 15.273 0,78 4.234 7.872 0,95 399Brasil 143518 30% 124420 0,73 45139 160073 0,93 12239Fonte: CD ROM AMS/IBGE 1999
Estimativa do gasto total com saúde, 1987 e 1997 (Em US correntes) premios gasto direto gasto público Total1987 1.850.000.000,00 5.173.614.565,71 12.174.360.000,00 19.197.974.565,711997 16.985.540.000,00 2.742.000.000,00 25.025.904.809,26 44.753.444.809,26Fontes: Gasto direto – POF/IBDE apud Ocké, Siqueira e Andreazzi (2002); Prêmios – Tabela 4.1 ; Gastopúblico – Ocké (1995) e Faveret et alli (2001)