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Construtivismo russo
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
Arte, Ensino, Utopia e Revoluo Os Atelis Artsticos Vkhutemas/Vkhutein
(Rssia/URSS, 1920-1930)
Jair Diniz Miguel
Tese apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria Social, do Departamento de Histria
da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para a Obteno do
ttulo de Doutor em Histria.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Silva
SO PAULO 2006
UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
Arte, Ensino, Utopia e Revoluo Os Atelis Artsticos Vkhutemas/Vkhutein
(Rssia/URSS, 1920-1930)
Jair Diniz Miguel
SO PAULO 2006
A revoluo est em todas as partes e em todas as coisas; ela infinita, no existe revoluo final, no
existe fim para uma seqncia de inteiros. A revoluo social s uma dentro da seqncia de inteiros. A
lei da revoluo no uma lei social, imensuravelmente maior, uma lei csmica, universal tal como a
lei de conservao de energia e a lei de perda de energia (entropia). Um dia uma frmula exata ser
estabelecida para a lei da revoluo. E, nesta frmula, as naes, as classes, as estrelas e os livros sero
representados por valores numricos.
Vermelha, gnea, prxima da morte assim a lei da revoluo; mas aquela morte o nascimento de uma
vida nova, de uma estrela nova. E fria, azul como o gelo, como os glidos infinitos interplanetrios, a lei
da entropia. A chama passa de um vermelho gneo para um cor-de-rosa uniforme, suave, no mais prximo
da morte, mas sim do conforto-produtor; o sol envelhece e se torna um planeta adequado para estradas,
lojas, camas, prostitutas, prises: esta a lei. E para rejuvenescer o planeta, devemos incendi-lo, devemos
for-lo a desviar da estrada tranqila da evoluo: esta a lei.
A chama, suficientemente verdadeira, amanh ou depois estar fria (no Livro de Gnesis os dias so anos,
ou ainda a eternidade). Mas j hoje deveria existir algum que pudesse prever isto; deveria existir algum
que falasse hereticamente de amanh. Os hereges so os nicos remdios (ainda que amargos) para a
entropia do pensamento humano [...].
Exploses no so confortveis. por isso que os deflagradores, os hereges, so perfeitamente aniquilados
pelo fogo, por machados, e pelas palavras. Os hereges so hoje nocivos a todas as pessoas, a toda
evoluo, ao difcil, lento, til, to til e construtivo processo de construo do recife de corais; imprudente
e levianamente os hereges chegam ao dias de hoje a partir do dia de amanh. Eles so romnticos [...].
[...] Hereges so necessrios sade. Se no h hereges, ele tem de ser inventados. A literatura viva acerta
seu relgio no a partir da hora de ontem, nem da hora de hoje, mas sim a partir da hora de amanh. A
literatura viva como um marinheiro que colocado no topo dos mastros; de l ele pode avistar navios
afundando, icebergs, e redemoinhos que no so visveis do convs. possvel tir-lo do mastro e coloc-lo
para trabalhar na sala das caldeiras ou no eixo, mas isso no mudar uma coisa: o mastro estar sempre
l, e do topo outro marinheiro poder ver o que o primeiro viu.
Evgeni Zamyatin
aos meus avs CATARINA
ALCEBADES
a minha famlia SANDRA
CATARINA
aos meus pais e irmo IRENE
HILTON
ALCEBADES
AGRADECIMENTOS
Fazer agradecimentos sempre muito bom, significa que o trabalho foi concludo,
o que j pode ser considerado concludo. Significa tambm que o apoio e a
ateno dos familiares, amigos e professores foi aos menos parcialmente
recompensado.
Meus primeiros agradecimentos vo para os meus familiares (Sandra, Catarina) e
meus pais e irmo (Irene, Hilton, Alcebades). Eles sabem o quanto so
importantes.
Meu agradecimento do fundo do corao ao meu orientador, Prof. Dr. Marcos
Silva, por ter a pacincia de orientar e estar sempre disponvel, mesmo quando o
tempo j era muito escasso.
Agradeo a minha banca de qualificao, Prof. Dr. Oswaldo Coggiola e Prof Dr
Elena Vssina pela ajuda e orientao que foram muito bem aproveitadas, eu
espero.
Aos meus amigos, mais do que amigos Lidiane, Aline, Taciana, Helena, Carlos,
Germano, pelo apoio e pelas inmeras conversas e discusses sobre o trabalho.
A todos os que me ajudaram e ajudam a completar esse momento da minha vida,
meu obrigado e meus parabns.
A Apple Computer por ajudar a tornar a computao muito fcil e agradvel, alm
de esteticamente bonita.
RESUMO / ABSTRACT
Em vinte anos de vanguarda russa, entre 1910 e 1930, seus artistas experimentaram
diversas linguagens artsticas, do futurismo italiano ao mais rigoroso produtivismo (uma
vertente radical de fuso da arte com a vida), em busca da expresso perfeita da
modernidade, da realidade por eles vivida e da histria em construo no perodo. Ao
concentrar tantos caminhos e esforos em uma s instituio de ensino de artes, estava
aberta a passagem para a inovao e a revoluo que o VKhUTEMAS/VKhUTEIN
operou dentro da histria da arte sovitica. A Seo de Base com suas disciplinas amplas e
integradoras, a abertura pedaggica, as disputas terico-conceituais, a extensa lista de
professores vanguardistas e um ambiente acadmico de pesquisa e novidades, so as
principais conquistas da instituio que dominou a cena artstica em Moscou e na Unio
Sovitica nos anos de 1920. Uma escola voltada para o futuro, para uma nova vida e um
novo mundo.
In a short period of twenty years, between 1910 and 1930, the russian avant-garde artists
experiment different kinds of artistic languages, from Italian Futurism to the
Productivism, a radical trend in the front of life and art fusion in the very straight way ,
searching for the perfect expression of the modernity, the reality of these times and the
making of history in these context. Focusing various ways and efforts in a single institute
to teaching arts established a passage to the innovation and revolution how
VKhUTEMAS/VKhUTEIN was inside the soviet art history. The Basic Unit, with its
extensive and integrative ensemble of classes, the pedagogical aperture, the theoretical-
conceptual controversies, the wide list of avant-garde teachers and the openly to
researches and growth academic environment are the key acquisition of this institute
which ruled over the Moscow and Soviet Union artistic scene at the 1920s. A school
orientated to the future, to the new life and new world.
PALAVRAS-CHAVES / KEYWORDS
Arte Russa; Vanguardas Soviticas; Construtivismo Russo; Ensino de Artes; VKhUTEMAS.
Russian Art; Soviet Avantgarde; Russian Constructivism; Art Education; VKhUTEMAS.
NDICE
Introduo___________________________________________________________p. 1
I) Vanguarda e Revoluo: As Artes no Estado Sovitico
(1910 1934) _____________________________________________________ p. 26
1.1) Arte Russa/Sovitica: Aspectos Gerais
1.2) A Estrutura das Artes na Rssia Revolucionria: O Comissariado do Povo para a
Instruo Pblica NARKOMPROS
1.2.1) A Organizao e Estruturao do Comissariado: A Formao e o
Arranjo Institucional das Artes Soviticas
1.2.2) INKhUK: Pesquisa e Debate sobre Arte em Moscou (1920 1924)
1.3) As artes Revolucionrias em Luta
1.3.1) A Produo como uma das Belas-Artes: O Construtivismo e o
Produtivismo
1.3.2) A Construo do Realismo Socialista
II) A Vanguarda em Ao: A Formao e Funcionamento do VKhUTEMAS
(1918 1926)______________________________________________________ p. 88
2.1) A Primeira Mudana: Os Atelis Livres SVOMAS (1918 1920)
2.2) Ampliando o Conhecimento: As Faculdades Operrias RABFAK
2.3) VKhUTEMAS
III) A Vanguarda na Defensiva: As Mudanas e Transformaes do VKhUTEIN
(1927 1930)_____________________________________________________ p. 108
3.1) As Mudanas na Escola: A Formao do VKhUTEIN
3.2) O Modelo Pedaggico do Instituto
3.3) O Fim da Escola
IV) Consideraes Finais__________________________________________ p. 136
V) Bibliografia ____________________________________________________ p. 148
Iconografia
Anexos A (SVOMAS/VKhUTEMAS/VKhUTEIN)
Anexos B (Textos sobre Arte e Cultura)
ICONOGRAFIA
Fotografias e Desenhos dos Professores e Membros do NARKOMPROS
Anatoly Vassilievitch Lunatcharsky
David Petrovitch Shterenberg
Vladimir Andreievitch Favorski
Pavel Ivanovitch Nivitski
Vladimir Evgrafovitch Tatlin
Aleksandr Mikhailovitch Rodchenko / Varvara Fiodorovna Stepanova
Shostakovitch / Maiakovsky / Meyerhold / Rodchenko
Gustav Gustavovitch Klutcis
Lazar Marcovitch Lissitzky (El Lissitzky)
Boris Danilovitch Korolev
Nikolai Aleksandrovitch Ladovski
Moisei Iakovlevitch Guinzburg
konstantin Stepanovitch Melnikov
Aleksandr Aleksandrovitch Vesnin
Ivan Ilitch Leonidov
Produo SVOMAS
1. Gustav Gustavovitch Klutcis Cidade Dinmica (fotomontagem, 1919)
2. V. Balikhin Fachada de Projeto de Alto-Forno (1919)
3. G. Stenberg Projeto Construtivo (1919)
4. V. Stenberg Projeto Construtivo (1919)
Produo VKhUTEMAS/VKhUTEIN
01) Aleksandr Deineka Prdio do Vkhutemas, Rua Miasnitskaia (linogravura, 1921)
02) Lazar Marcovitch Lissitsky El Lissitzky Capa da Coletnea ARKhITEKTURA
VKhUTEMAS (1927)
03) Capa da Revista VKhUTEIN (1927)
04) Estudantes da Seo de Base Disciplina Cor (sd.)
05) Exposio de Trabalhos de Alunos da Seo de Base Disciplinas Pintura,
Volume e Cor (meado dos anos 20)
06) Vladimir Fiodorovitch Krinski Pesquisa Metodolgica sobre o Papel da
Composio volumtrica para colocar em evidncia a expressividade de uma forma
(meados dos anos 20)
07) Trabalhos de Alunos na Seo de Base: Atelier Lavinsky; Atelier Korolev; Atelier
Babichev (sd.)
08) Exposio de Trabalhos de Alunos da Seo de Base Disciplinas Cor, Espao,
Volume e Desenho (meado dos anos 20)
09) Exposio de Trabalhos de Estudantes da Seo de Base do Vkhutemas - Disciplina
Cor, (1926)
10) Exposio de Trabalhos de Estudantes da Seo de Base do Vkhutemas - Disciplina
Espao, (1926)
11) Exposio de Trabalhos de Estudantes da Seo de Base do Vkhutein sobre o Tema
Evidncia e Expresso da Massa e da Densidade (1927)
12) V. Erchov Refinaria de Acar (Trabalho de Concluso de Curso, 1927) Atelier
Vesnin
13) G. Kotchar Perspectiva do prdio do Comintern (Trabalho de Concluso de Curso,
1929) Atelier D. Fridman
14) G. Komarova Perspectiva do prdio do Comintern (Trabalho de Concluso de
Curso, 1929) Atelier D. Vesnin
15) Varentsov Maquete, Perspectiva e Diagramas para a Construo de uma Nova
Cidade (1927) Atelier Dokuchaev
16) A. Mostakov Perspectiva e Fachada de Silo de gros (Trabalho de Concluso de
Curso, sd.)
17) I. Pimenov Capas da Revista O Campo Vermelho (1928-29) / A. Deineka Capa
da Revista O Campo Vermelho (1926)
18) A. Sotnikov Mamadeiras de Porcelanas para uso em Maternidades (Trabalho de
Concluso de Curso, 1930-31) Faculdade de Cermica Atelier V. Tatlin
19) Aluno Trabalhando em Atelier da Derfak no VKhUTEMAS (sd.)
20) Alunos Trabalhando em Atelier da Derfak no VKhUTEMAS (sd.)
21) Estudantes Realizando a Construo da Maquete da Isba Sala de Leitura na
Derfak (1925)
22) M. Olechev e V. Timofeiev Maquete de Isba Sala de Leitura, Ganhadora de
Prmio na Exposio Internacional de Artes Decorativas (Paris, 1925) Professores
Responsveis: A. Lavinski e S. Tchernichev
23) V. Mechtcherin projeto de side-car para motocicletas (1929) / Projeto de
Hidroglissador DM-1 (1929) Professor Responsvel: A. Rodchenko
24) Z. Bikov Chaleira para acampamento (Planta e Modelo) (1923) Professor
Responsvel: A. Rodchenko
25) P. Galationov Organizao de Mveis para diversos Espaos (Salas de
Espetculos, Conferncias, Restaurantes ou Clubes) (Trabalho de Concluso de Curso,
1929). Professor Responsvel: A. Rodchenko
26) N. Rogoshin e Vladimir Evgrafovitch Tatlin Cadeira (1927)
27) Aleksandr Mikhailovitch Rodchenko Provas para os Alunos da faculdade de
Madeira (Derfak) (1925)
28) Z. Bikov Logotipo para a Fbrica Estatal de Produo de Mquinas GOMZA
(1927). Professor Responsvel: A. Rodchenko
29) A. Damski Projetos de Mveis (sd.). Professor Responsvel: A. Rodchenko
ANEXOS A (SVOMAS/VKhUTEMAS/VKhUTEIN)
SVOMAS
1) Projeto de uma Academia de Arte Livre em Moscou, junho de 1918. (cpia
manuscrita) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 170) [A-01]
2) Decreto do Comissariado do Povo para a Instruo. (Izvestia, n 193 (457),
7 de setembro de 1918) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 175) [A-03]
3) Instrues acerca da Admisso dos Alunos nos Atelis Artsticos Livres
Estatais. (Izvestia, n 193 (457), 7 de setembro de 1918) (KHAN-MAGOMEDOV,
1990, v. 1, p. 175) [A-04]
4) Instrues acerca da Eleio dos Diretores dos Atelis Artsticos Livres
Estatais. (Izvestia, n 193 (457), 7 de setembro de 1918) (KHAN-MAGOMEDOV,
1990, v. 1, p. 175) [A-05]
5) Decreto acerca dos Atelis Artsticos Livres Estatais da Repblica
Federativa Russa. (Guia da Seo IZO (Artes Plsticas) do Narkompros, p. 25-26,
1920) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 176) [A-07]
6) Esquema do Plano de Ensino dos Atelis Artsticos Livres Estatais, em
Pintura, Escultura e Arquitetura. (Guia da Seo IZO (Artes Plsticas) do
NARKOMPROS, p. 27-32, 1920) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 176-177)
[A-09]
7) Lista dos Diretores de Ateli Estabelecida pelo Grupo de Organizao
dos Alunos. (cartaz publicitrio, exemplar tipogrfico) (KHAN-MAGOMEDOV,
1990, v. 1, p. 178-179) [A-12]
8) Camaradas operrios!. (A Arte, jornal da seo IZO do NARKOMPROS, n
4, p. 4, 22 de fevereiro de 1919) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 179) [A-14]
9) D. P. Shterenberg Sobre os Atelis Artsticos Livres Estatais. (Revista de
atividades da Seo de Artes Plsticas (IZO), Comissariado do Povo para a
Instruo, Petrogrado, 1920) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 179) [A-15]
10) Instrues ao Comit Poltico Executivo Central dos Estudantes, 1920.
(cpia datilografada) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 196) [A-16]
11) Ateli Kandinsky Teses de Ensino. (cpia datilografada de acordo com um
manuscrito no-assinado, RGALI, pasta 680) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p.
196-197) [A-17]
12) Kazimir Malevitch Ao Soviet dos Segundos Atelis Artsticos Livres
Estatais, 15 de Setembro de 1919. (RGALI, pasta 680) (KHAN-MAGOMEDOV,
1990, v. 1, p. 197-198) [A-19]
13) Aleksandr Rodchenko Programa de Organizao do Laboratrio de
Estudo de Pintura nos Atelis Artsticos Livres Estatais, 12 de Dezembro de
1920. (A Formao do Artista-Construtor, n 4, p. 203-204, Moscou, 1973)
(KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 271) [A-20]
RABFAK
1) Programa da Seo IZO de Artes Plsticas da Faculdade Operria
Unificada. (cpia datilografada, arquivos A. Babichev) (KHAN-MAGOMEDOV,
1990, v. 1, p. 207-208) [A-21]
VKhUTEMAS DOCUMENTOS GERAIS
1) Decreto do Conselho de Comissrios do Povo sobre o Vkhutemas, Atelier
Superior Estatal Tcnico-Artstico de Moscou. (publicado em Moscou, 19 de
dezembro de 1920) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 218) [A-24]
2) Regulamento do Ateli Superior Estatal Tcnico-Artstico de Moscou,
publicado em Moscou, 1920. (cpia datilografada, RGALI, pasta 681) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 219-221). [A-26]
3) Sobre o Vkhutemas, 1923. (artigo publicado em LEF, n 2, p. 174, 1923)
(KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 230). [A-33]
4) Relato da Direo do Vkhutemas ao Glavprofobr (Direo geral do ensino
profissional) com base na reestruturao do Vkhutemas como
estabelecimento escolar superior ou VUZ, 1923. (cpia datilografada, RGALI,
pasta 681) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 232-233). [A-35]
5) A propsito da Reorganizao do VKhUTEMAS, 1925. (publicado na revista
Arte sovitica, n 8, p. 81, 1925) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 234-235).
[A-39]
VKhUTEMAS PROGRAMAS DIDTICO-PEDAGGICOS
1) Caderneta de Controle de um Estudante do Vkhutemas contendo a Lista
das Faculdades, das Sees, dos Atelis e das Disciplinas, sd. (arquivos
privados) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 222-223). [A-41]
2) Lista de Docentes do VKhUTEMAS, 1 de julho de 1921 (RGALI, pasta 681,
classificao segundo o alfabeto cirlico) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 224-
226). [A-45]
3) Programa da Seo de Base da Faculdade De Arquitetura. Primeiro Ano,
sd. (cpia datilografada, RGALI, pasta 681). (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p.
258). [A-52]
4) Relatrio Sucinto do Programa dos Quatro Atelis da Seo de Base da
Faculdade de Pintura, 1921. (arquivos privados, extrado de N. Adaskina, A
Galeria Tretiakov: Materiais e Pesquisas, Leningrado, p. 176, 1983) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 258). [A-53]
5) L. Popova e A. Vesnin A Disciplina n 1 Cor, sd. (RGALI, pasta 681)
(KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 264). [A-54]
6) A. Rodchenko Exerccios acerca da Disciplina Construo Grfica sobre
uma Superfcie Plana, 1921. (sl) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 274). [A-
55]
7) I. Golossov Nota Relativa ao Programa de Ensino da Construo
Arquitetnica, Abril de 1921. (cpia datilografada, corrigida por I. Golossov mas
no assinada, RGALI, pasta 1979) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 302-303).
[A-57]
8) I. Golossov Plano do Curso de Construo Arquitetnica, Programa do
Primeiro Ano, 8 de abril de 1921. (cpia datilografada, RGALI, pasta 1979)
(KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 308). [A-59]
9) Programa da Seo de Base da Faculdade de Escultura Curso Prtico,
1920-1921. (cpia datilografada, RGALI, pasta 681) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990,
v. 1, p. 282). [A-60]
10) Programa do Laboratrio da Faculdade de Escultura, 1920-1922. (cpia
datilografada, RGALI, pasta 681) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 282). [A-
61]
11) Konstantin Istomin Programa da Disciplina Cor, Primeiro Ano da Seo de
Base, sd. (RGALI, pasta 681) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 483). [A-62]
12) Aleksandr Rodchenko Disciplina: Construo Grfica no Plano, 1921. (sl)
(RODCHENKO, 2005, p. 170). [A-64]
13) Aleksandr Rodchenko O Objetivo do Design, 1922-1924. (sl) (RODCHENKO,
2005, p. 184). [A-67]
14) Aleksandr Rodchenko Nota Explanatria ao Programa do Professor A. M.
Rodchenko para a Construo do Curso do Departamento de Trabalho em
Metal do Vkhutemas, 1922-1924. (coleo V. A. Rodchenko) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 646-647). [A-68]
15) Aleksandr Rodchenko Programa para o Curso de Composio do
Departamento de Trabalho em Metal do Vkhutemas, sd. (sl) (RODCHENKO,
2005, p. 181). [A-69]
16) Aleksandr Rodchenko Nota Explanatria sobre o Plano do Curso de
Composio do Professor A. M. Rodchenko para o Departamento de Trabalho
em metal do Vkhutemas, sd. (sl) (RODCHENKO, 2005, p. 182). [A-71]
17) Aleksandr Rodchenko Plano do Curso de Composio do Departamento
de Trabalho em Metal do Vkhutemas, sd. (sl) (RODCHENKO, 2005, p. 195). [A-
72]
18) Aleksandr Rodchenko Para o Comit do Sindicato de Metalrgico.
Relatrio sobre o Departamento de Trabalho em Metal do Ateli Superior
Estatal Tcnico-Artstico, 03/02/1923. (sl) (RODCHENKO, 2005, p. 202). [A-73]
19) N. Fedorov Estudo da Cor. Programa elaborado para o Vkhutemas, sd.
(RGALI, pasta 681). (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 486-487). [A-74]
20) Programa da Faculdade de Arquitetura do Vkhutemas, 1923. (cpia
datilografada, RGALI, pasta 681). (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 587-591).
[A-77]
21) Propostas do Engenheiro Malichevski acerca do Programa de Ensino da
Faculdade de Trabalho em Metal, 20 de Outubro de 1923. (coleo V. A.
Rodchenko, Moscou). (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 657-658). [A-83]
22) Programa da Faculdade de Trabalho em Madeira, Outubro de 1922. (cpia
datilografada, RGALI, pasta 681) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 677-682).
[A-85]
23) A. Favorksi programa do curso de Teoria da Composio, 1920. (cpia
datilografada, arquivos privados) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 767-769).
[A-88]
VKhUTEIN DOCUMENTOS GERAIS
1) Aleksandr Rodchenko Para o Reitor do Vkhutein, P. P. Novitsky, 1927-
1928. (sl) (RODCHENKO, 2005, p. 190). [A-90]
2) Edital de Inscrio para o Instituto Superior Estatal Tcnico-Artstico de
Moscou, 1929. (publicado na compilao Vkhutein, p. 14-16, Moscou, 1929)
(KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 243-245). [A-92]
3) Lista de Professores e de Docentes do Instituto Superior Tcnico-
Artstico, 1929. (RGALI, pasta 681) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 245-246).
[A-96]
4) Troca de Cartas entre a Bauhaus de Dessau e o Vkhutemas/Vkhutein a
Propsito do Dcimo Segundo Aniversrio da Grande Revoluo de Outubro,
1929. (publicadas no jornal do Vkhutein: A luta pelos quadros, n 2-3, dezembro
de 1929) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 247-248). [A-100]
5) Projeto de Resoluo da Direo Geral do Ensino Profissional
(Glavprofobr) Estabelecido Segundo o Relatrio do Reitor do Vkhutein de
Moscou, Outono de 1929 (RGALI, pasta 681) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p.
248-250). [A-102]
6) Carta da Direo do Vkhutein sobre as Proposies Acerca da
Reorganizao do Instituto, Abril de 1930, Endereada: comisso V.V.
Schmidt junto ao Plano Nacional (Gosplan) da URSS, Seo de Cultura e
Propaganda junto ao Comit Central do Partido Comunista, ao Comit Central
do Sindicato dos Trabalhadores das Artes (Rabis), Comisso M.S. Epstein
junto ao Narkompros, Clula do Partido Comunista da Direo do Vkhutein
de Leningrado, 1930. (cpia datilografada, arquivos privados) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1990, v. 1, p. 251-252). [A-106]
7) Diploma de Graduao do Vkhutein, 1930 (sl) (CASABELLA, 1978, ano XLII,
n. 435, p. 60). [A-110]
8) Diploma de Graduao do Vkhutein, 1930. (arquivos privados) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 773). [A-113]
VKhUTEIN PROGRAMAS DIDTICO-PEDAGGICOS
1) Seo de Base Programa das Matrias Artsticas e Prticas, 1926. (cpia
datilografada, RGALI, pasta 681) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 474-475).
[A-114]
2) Seo de Base Organizao dos Estudos Programa do Primeiro Ano,
1926. (cpia datilografada, RGALI, pasta 681) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2,
p. 475). [A-117]
3) Seo de Base Programa Geral, 1929-1930. (edio particular, tipografia do
Vkhutein, tiragem 500 exemplares, arquivos privados) (KHAN-MAGOMEDOV,
1990, v. 2, p. 477-478). [A-119]
4) Seo de Base Unidade Espao Programa, 1926-1927. (cpia
datilografada, arquivos privados) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 522-526).
[A-123]
5) Seo de Base Disciplina Volume Programa do Primeiro Ano, 1926-
1927. (cpia datilografada, arquivos privados) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2,
p. 511-514). [A-126]
6) Seo de Base Desenho Programa do Primeiro Ano, 1926-1927. (cpia
datilografada, arquivos privados) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 499). [A-
129]
7) Moisei Guinzburg Teoria da Composio Arquitetnica, Programa de
1926. (cpia datilografada, RGALI, pasta 681) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2,
p. 612-613). [A-130]
8) Nikolai Ladovsky O Laboratrio Psicotcnico para a Arquitetura
(Propondo a Questo), 1926. (Izvestiya Asnova, Moscou, 1926) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1987, p. 545). [A-133]
9) Nikolai Ladovsky Prefcio ao Artigo de Krutikov: A Aplicao da Teoria
da Unio para a Investigao e Medio da Capacidade para a Composio
Espacial, 1929. (Arkhitektura i Vkhutein, Moscou, 1929) (KHAN-MAGOMEDOV,
1987, p. 545). [A-134]
10) Nikolai Ladovsky Palestra para uma Conferncia de Graduados no
Vkhutein, 1929. (Sovremennaya Arkhitektura, Moscou, 1929) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1987, p. 545). [A-135]
11) G. Krutikov Relatrio do Primeiro Ano de Funcionamento do Laboratrio
de Psicotcnica do Vkhutein, 15/01/1928. (cpia datilografada, arquivos
privados) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 558-559). [A-136]
12) Aleksandr Rodchenko O Design Material do Objeto, 1928. (sl)
(RODCHENKO, 2005, p. 168). [A-138]
13) Aleksandr Rodchenko Desenho Tcnico, 28/10/1928. (sl) (RODCHENKO,
2005, p. 177). [A-141]
14) Aleksandr Rodchenko Programa para o III e IV Cursos da [Faculdade] de
Trabalho em Metal e em Madeira do Vkhutein, 23/05/1928. (sl) (RODCHENKO,
2005, p. 180). [A-142]
15) Aleksandr Rodchenko O Desenho Tcnico, Faculdade de Trabalho em
Madeira e Metal, Moscou, 23/05/1928. (manuscrito, variante publicado na Noviy
LEF, 1928) ((KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 502-503). [A-144]
16) Concluso do Camarada Novitski Conferncia Acadmica da Faculdade
Unificada de Trabalho em Madeira e Metal, 1926. (RGALI, pasta 681) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 691-693). [A-145]
17) Programa da Faculdade de Pintura, sd. (RGALI, pasta 681) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 803-804). [A-149]
18) Iossif Tchaikov (decano) Programa da Faculdade de Escultura, 1927-1928.
(cpia datilografada, arquivos privados) (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, v. 2, p. 853).
[A-151]
ANEXOS B (TEXTOS SOBRE ARTE E CULTURA)
1. Aleksandr Bogdanov Proletariado e Arte (Proletaraiat i Iskusstvo, 1918)
(BOWLT, 1976, p. 177) [B-01]
2. Aleksandr Bogdanov Os Caminhos da Criao Proletria (Puti
Proletarskogo Tvorchestva, 1920) (BOWLT, 1976, p. 179-182) [B-02]
3. Wassily Kandinsky A Grande Utopia (O Velikoi Utopii, 1920) (KANDINSKY,
1994, p. 444-448) [B-06]
4. Wassily Kandinsky Programa para o Instituto de Cultura Artstica
(Programma Instituta Khudojestvennoi Kultury, 1920) (KANDINSKY, 1994, p.
457-472) [B-10]
5. Nikolai Ladovsky Discursos nas Reunies do Jivskulptarkh (1919) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1987, p. 543-544) [B-24]
6. Nikolai Ladovsky Fundamentos para a Construo de uma Teoria da
Arquitetura (Sob a Bandeira do Racionalismo Esttico) (1926, extratos) (KHAN-
MAGOMEDOV, 1987, p. 545) [B-26]
7. Boris Arvatov Arte e Classe [Social] (1923, extratos) (BANN, 1990, p. 43-
48) [B-27]
8. Nikolai Tarabukin Do Cavalete Mquina (Ot Molberta k Machine, 1923,
extrato) (TARABUKIN, 1978, p. 71-73) [B-33]
9. Moisei Guinzburg Construtivismo como um Mtodo de Laboratrio e
Trabalho Educacional (1927, extrato) (KHAN-MGOMEDOV, 1987, p. 584) [B-35]
10. Moisei Guinzburg Construtivismo na Arquitetura (1928, extrato) (KHAN-
MGOMEDOV, 1987, p. 584) [B-36]
11. Aleksandr Rodchenko Discusso sobre as Novas Roupas e o Mobilirio
Incumbncia do Design (1929) (Rodchenko, 2005, p. 198) [B-37]
12. Decreto de Reconstruo das Organizaes Literrias e Artsticas (O
Perestroike Literaturno-Khudojestvennykh Organizatsii, 1932) (BOWLT, 1976, p.
288-290) (www.hist.msu.ru/ER/Etext/USSR/1932.htm) [B-38]
1
Introduo
2
A Modernidade a transitoriedade, a fugacidade, a contingncia, a metade da arte,
em que a outra metade a eternidade e a imanncia...
(Charles Baudelaire)
3
Introduo
O estudo de perodos de transformaes agudas, como pocas revolucionrias, requer
focos que, muitas vezes, podem reduzir o alcance da pesquisa. Na rea de histria da arte, no
diferente. Os eventos que formaram a Revoluo Russa so de grande interesse para os
estudiosos da modernidade, tanto em termos crticos quanto apologticos. Esse momento
acabou por influenciar grande parte do que se fez posteriormente no sculo XX em diversos
pases, nas mais diversas reas, marcando um contexto diferenciado de se ver e compreender
o mundo.
A Revoluo Russa de 1917 melhor dizendo, as revolues estava imbuda de
sentidos contraditrios e no totalmente desenvolvidos. No era possvel a compreenso total
dos fenmenos sociais e culturais, por exemplo. A organizao da sociedade e de suas facetas
foi buscada atravs de modelos que pudessem ser diferenciados daqueles existentes na Rssia
de ento. Em pouco menos de vinte anos (1900 at 1917), o pas atravessou diversas crises
polticas e o estado tsarista amargou um declnio cada vez maior at sua desapario. Essa
convulso foi sentida em todas as reas. A radicalidade esttica russa pode ser vista tambm
do ponto de vista poltico como a busca por mudanas dentro de um sistema j desprovido de
flexibilidade e capacidade de adaptao. O campo cultural (incluindo a Arte) tornou-se uma
rea de conflitos entre o moderno e a tradio, que teve como conseqncia a transformao
da arte russa em laboratrio de testes de novas formas e valores artsticos de alcance muito
maior que em outras partes da Europa.
O processo de busca, que remonta ainda ao sculo XIX, caminhou para uma sntese da
Arte e da Vida em um todo, em que o viver teria o significado de uma obra de arte. A prpria
noo de separao foi deixada de lado. Para construir um mundo novo foi necessrio romper
com os cnones artsticos e propor uma nova modalidade de ver, fazer e usar a arte. Da
estetizao total do mundo pelo vis simbolista morte da arte e sua integrao ao cotidiano
dos produtivistas, uma longa mudana teve lugar, mas em um curto espao de tempo. Essas
mudanas foram conseguidas atravs de muita discusso e de um fundo histrico de alterao
e transformao atravs de uma Guerra Mundial, de Revolues, Guerras Civis e tomada de
poder. A resposta a tudo isso tambm era forte, mudar o mundo tambm era mudar as
pessoas. Os ideais de transformao da realidade e do viver estavam sempre acompanhando
as idias estticas e artsticas que eram propostas para superarem o impasse da existncia,
segundo os artistas da poca.
4
Nos anos posteriores revoluo, essa busca utpica foi ampliada e revigorada pela
chegada ao poder de um grupo poltico revolucionrio. Mas essa vitria poltica no resolvia
todos os impasses da modernidade russa. As dvidas, os descaminhos e as opes
equivocadas so elementos que a todo momento acompanham as mudanas profundas que
uma revoluo trs. Os artistas se sentiram livres para experimentar. A nsia de mudar levou
muitos a ensaiarem modelos culturais ousados e iconoclastas. Sob o ponto de vista
estritamente artstico, eles buscavam superar as barreiras da arte para que esta pudesse ser
uma experincia transcendental, um vislumbre do Homem Novo, to ansiadamente procurado
e esperado. A reconfigurao do mundo seria esttica, e no meramente poltica e econmica.
Uma linha do tempo entre o Simbolismo e o Cubo-Futurismo pr-revolucionrio, o
Construtivismo/Produtivismo revolucionrio e o Realismo Socialista ps-revolucionrio
mostra no uma evoluo, mas escolhas. Mostra tambm que as rupturas eram carregadas de
elementos das idias anteriores. Um exemplo ilustrativo o conceito de Super-Homem
nietzschiano, que tinha razes no Simbolismo, mas que chegar at o Realismo Socialista,
atravs do Homem Novo Socialista. As continuidades do uma imagem da fora com que a
estetizao do cotidiano atingiu os artistas. A realidade seca e crua de misria, fome, lutas
polticas e guerras estava sendo retrabalhada dentro de um mundo remodelado de superao
de tudo isso atravs da Arte. O noviy byt no seria mesquinho, pequeno e ilusrio. Teria a
grandiosidade da vida, a fora da transcendncia e a beleza da arte.
Embora a vitalidade artstica da Rssia pr-revolucionria e sovitica seja inconteste,
tambm preciso notar que esse desenvolvimento no foi sem percalos e enfrentamentos.
Dentro do estado tsarista, as mudanas no eram vistas com bons olhos, mesmo as mudanas
culturais e artsticas. Os futuristas eram tolerados, enquanto no oferecessem perigo ordem
estabelecida. A medida que mudavam seu modus operandi, o estado passava cada vez mais a
control-los e submet-los. As belas-artes, literatura, msica e dana estavam sob o olhar
atento e censrio do governo, o que significava que os modelos esttico-artsticos tradicionais
eram os mais tolerados ou aceitos. Isso inclua todo o aparato das artes (escolas de ensino,
museus, exposies, apoio institucional, encomendas oficiais etc.) e o reconhecimento de
artistas asseguradamente ligados ao Estado.
As mudanas ocorridas atravs da revoluo mudaram esse quadro, mas no
totalmente. Como sinal de continuidade, o novo Estado sovitico no eliminou a censura, nem
liberou a experimentao artstica de forma inconteste. Ao contrrio, dentro do novo governo
havia pouca ou nenhuma boa vontade para com os artistas transformadores, sintomaticamente
5
chamados de artistas esquerdistas (tanto por artistas conservadores e tradicionalistas quanto
por membros do partido bolchevique). A poltica seguida pelo Comissariado de Instruo
Pblica era uma exceo e no regra dentro do novo regime. Em pouco tempo, dentro da rea
cultural e artstica j havia enfrentamentos entre os artistas que buscavam implementar uma
revoluo atravs do novo (os construtivistas por exemplo) e os que buscavam transformar o
tradicional em novo (o realismo herico ou proletrio). Como corolrio ao modelo poltico, os
artistas vistos com mais benevolncia pelo Estado eram os chamados artistas direitistas. A
qualidade artstica, das obras passava a ter critrios impostos pelo estado. At
implementao definitiva do Realismo Socialista (a partir de 1934), os artistas esquerdistas
ficaram cada vez mais isolados at serem proibidos de forma ostensiva e oficial.
A no-aceitao oficial das Vanguardas deu a estas uma aura mtica, de fora e vigor,
apesar das dificuldades. O Estado tsarista no podia suportar a novidade, e o Estado sovitico
deixava tudo debaixo do manto da ideologia oficial, tirando a fora das inovaes e das idias
divergentes. Muitos vanguardistas apoiaram entusiasticamente a revoluo, trabalhando e
produzindo em prol do novo regime; muitos, inclusive, eram membros do Partido
Bolchevique, o que no significou apoio oficial, ao contrrio tambm tiveram grandes
problemas, principalmente em termos de controle ideolgico e censura oficial.
Se o estado no podia dar suporte a esses artistas, a tragdia estava montada, s faltava
comear. Aps a oficializao do estalinismo nas Artes (no incio dos anos de 1930), o
caminho de perseguies, supresses, prises, eliminaes e esquecimentos estava aberto. A
utpica chamada pela mudana atravs da arte encontra finalmente seu fim brutal e atroz. O
estalinismo cultural se aproveita de muitas das idias e conquistas vanguardistas para
implementar sua prpria verso de modernidade. O que era pulso negativa dentro das
mudanas, se transforma em norma e verdade. O ato final foi a mudana operada na cultura
sovitica, que de Vanguarda da Cultura, da Esttica e da Arte mundial se transforma em
arremedo de modernidade.
Esse perodo, rico em caminhos, escolhas e contradies, teve parte de sua histria e
historiografia confinada a um grupo pequeno e restrito de intrpretes, pelo menos at dcada
de 1960. Assim, em parte devido a dificuldade em buscar fontes na rea da Arte e da Cultura,
que se tornaram inacessveis ou foram perdidas, o estudo do perodo que vai de 1900 at
1934, na Rssia, apresenta algumas dificuldades. A mais visvel tornar mais ntido os
acontecimentos, enriquecidos com dados e fatos relevantes. A censura e excluso das
Anatoly Vassilievitch Lunatcharsky (1875-1933) dramaturgo
Comissrio do Povo para a Instruo (1917-1929)
6
vanguardas significou a perda de muitos eventos que poderiam ampliar ou mesmo descortinar
vrios dos caminhos tomados ou escolhidos.
O entendimento dessas dvidas passa na virada da dcada de 1920 pela imagem de
uma escola que formava e que tinha os principais representantes da Arte sovitica em seu
quadro docente. Essa escola, o VKhUTEMAS (Atelis Superiores Tcnico-Artsticos
Estatais), acabou sendo uma instituio chave, por sintetizar todo o pensamento, as dvidas,
os equvocos e mitos sobre a arte (plstica, escultrica, arquitetnica e design) sovitica. O
valor da escola, como fundadora de uma determinada imagem e expresso dentro da arte
moderna e de suas realizaes enquanto instituio de ensino, de importncia central para
repensar o papel das Vanguardas no contexto de transformao pelo qual passava a Europa
naquele momento.
O VKhUTEMAS, nascido a partir da reorganizao dos organismos de ensino na nova
Rssia sovitica, tinha uma estrutura bastante flexvel e aberta, podendo suportar
experimentos diversos e em diferentes reas e direcionamentos. O seu lugar nas vanguardas
foi que essa escola ocupa um lugar parte na herana cultural dos anos 20. difcil de
imaginar um perodo muito breve, mas muito intenso que produziu uma tal abundncia de
conceitos e de realizaes radicalmente novos (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, p. 13,
traduo nossa).
A compreenso da escola leva tambm a mostrar as posies e escolhas que tiveram
efeito durante e aps a existncia desta, que, embora curta, teve seu papel no difcil momento
de sintetizar arte moderna e revoluo social na URSS. Seu alcance enquanto instituio,
nica em sua proposta, levou grande parte de uma gerao de artistas a trilhar um caminho
novo, com idias, tcnicas e obras voltadas para o mundo moderno em construo na Rssia
sovitica.
Embora tenha sido espetacular o perodo de existncia da instituio, ela foi relegada a
planos secundrios ou mesmo esquecida ou atacada. Se a herana da Bauhaus foi
cuidadosamente conservada, catalogada, classificada, analisada, publicada, a herana do
Vkhutemas foi por longo tempo ignorada (KHAN-MAGOMEDOV, 1990, p. 13, traduo
nossa). Os resultados alcanados e os planos formulados mostram que tinha muito a produzir,
a mostrar e a fazer.
Existem, dentro dessa panormica, algumas dificuldades que poderiam ser vistas como
importantes dentro da leitura da escola como fora motriz das vanguardas na Rssia
revolucionria. A primeira se insere na perspectiva de situar a instituio como cadinho das
7
idias, pesquisas e trabalhos fundamentais para a formao de uma vanguarda artstica dentro
da revoluo russa. Desta maneira, cabe a necessidade de determinar a gnese do pensamento
das vanguardas russas, suas necessidades e seus desejos e utopias dentro de uma revoluo
poltica e econmica que pretendia mudar tudo. A escola poderia ser vista como base para a
formao do chamado Novo Homem Socialista nas artes. Um estudo dessa problemtica
leva a acompanhar os desenvolvimentos que possam mostrar os (des)caminhos entre o
processo poltico e a criao de novos valores artsticos, concatenando-os e, assim, colocando
a problemtica de pensar a vanguarda esttico-artstica do incio do sculo XX como capaz de
organizar e empreender mudanas sincronizadas (ligadas) s foras polticas, que tambm
eram (ou queriam ser) vanguardas.
Outra problemtica a prpria revoluo, pois o desenvolvimento desta se
encaminhou para um fechamento das relaes polticas dentro da Rssia (implantao do
estalinismo). A dinmica da revoluo apontou para a supremacia do partido bolchevique
como elemento centralizador e unificador do estado. Todas as instituies soviticas tinham
assim deveres para com o partido bolchevique, alm de funcionar como parte desse mesmo
partido. Porm, e as leituras abrem essa discusso, as instituies artsticas tiveram menor
grau de interveno. O VKhUTEMAS tinha uma ampla gama de professores (que no
pertenciam a nenhuma agremiao poltica ou eram simpatizantes de grupos no reconhecidos
pelo poder estatal) que puderam lecionar e produzir at o fim da escola, e isto pode ser
importante para determinar o grau de interveno e as tenses e confrontos entre a instituio,
a sociedade e o estado.
Uma terceira problemtica se insere dentro da prpria instituio. Os textos lidos
enfatizam duas contribuies como inerentes escola: o curso fundamental e a flexibilidade
pedaggica. Pensando na lgica das instituies que foram criadas, estas idias podem ser
vistas como eixos na discusso do carter democrtico que os textos deixam transparecer na
escola. Articular esta lgica interna (carter democrtico) com o fechamento externo (partido
nico, estado centralizado pelos bolcheviques) tambm pode revelar algumas das foras e das
fraquezas da escola. Ampliando a discusso tambm podemos buscar, atravs dos textos dos
professores e das disciplinas ministradas, a organicidade das prticas didtico-pedaggicas,
das escolhas metodolgicas e do carter conceitual que permeava toda a instituio, com as
inmeras possibilidades esttico-artsticas em processo de criao ou teste em suas faculdades
e laboratrios
8
Uma ltima problemtica, que tambm requer ateno, est no legado da escola.
Como ela teve suas atividades encerradas em 1930 e o Realismo Socialista foi implementado
como poltica de estado em 1932, de se supor que os alunos formados pela escola fossem
parte desse mesmo Realismo Socialista. Articular os diversos tipos de ensino da escola com
os alunos que nela passaram e se formaram e os caminhos por eles percorridos seria valioso
tanto para a compreenso da vanguarda quanto do realismo. Essa parte um adendo aos
estudos e conceitos sobre a escola, funcionando como ponto de partida para a compreenso
das vanguardas e seu papel na montagem do Realismo Socialista.
Uma sntese das idias poderia ser assim formulada:
I. a escola foi um laboratrio do qual surgiram as novidades em idias, conceitos,
tcnicas e obras que foram propulsores da Vanguarda artstica sovitica
durante os anos de 1920, e essa premissa sustenta a idia do Vkhutemas como
ponto central das polticas esttico-artsticas de toda a arte russa e sovitica do
perodo;
II. a participao de uma parte expressiva dos artistas, tericos e professores de
arte russos na instituio levou esta a ter supremacia sobre as outras escolas de
arte do perodo, tanto na Rssia sovitica quanto na Europa ocidental. A
produo docente teve um peso muito grande no posterior desenvolvimento do
ensino e da pesquisa artstica no mundo todo;
III. as dificuldades e os enfrentamentos internos foram importantes para manter
uma constante dinmica de desenvolvimento artstico por parte dos professores
e dos alunos. As mudanas ocorreram atravs do debate e do confronto, em
que algumas reas se tornaram mais vanguardistas do que outras, tendncia
que foi acompanhado pelos prprios estudantes;
IV. As mudanas polticas ocorridas na URSS aps a morte de Lnin so
importantes para mostrar a transformao do Vkhutemas em Vkhutein, de
laboratrio de experincias em instituio mais formal e rgida. A reorientao
da nova cpula dirigente para a modernizao e socializao de forma rpida e
centralizada pelo estado no deixava espao para a descoberta e os ensaios,
fazendo com que a escola no tivesse mais razo de existir no formato em que
ela estava estruturada;
V. A disputa cada vez mais acirrada entre os artistas esquerdistas (construtivistas,
produtivistas, suprematistas e vanguardistas em geral) contra as organizaes
9
artsticas voltadas para o realismo e a exaltao da Revoluo e do operariado
atravs de formas e frmulas mais tradicionais (realismo herico ou proletrio,
Proletkult etc.) levou a uma ruptura dentro das artes que s foi resolvida com
a imposio do Realismo Socialista, modelo sntese do realismo que estava em
produo na URSS e ao mesmo tempo o afastamento e esquecimento das
experincias e das vanguardas. Nessa nova configurao, a obsolescncia do
Vkhutemas/Vkhutein era visvel.
Ao representar uma sntese possvel entre as idias e a realizao de uma utopia, ainda
que limitada, o Vkhutemas teve a chance de mostrar muito do que poderia ser a arte sovitica
e a esttica de um novo modelo de sociedade em formao. Tanto o campo das experincias
quanto dos conceitos estavam, na escola, em constante mudana. A disputa entre os mais
diversos modernismos, representados em todas as faculdades do vkhutemas funcionava como
um potente motor que impulsionava transformaes e novos horizontes. A amplitude dessas
conquistas no pode ser medida de forma imediata e objetiva. O panorama poltico e a
reconfigurao artstica apagaram parte dos rastros. Isso no quer dizer que toda a arte
sovitica posterior deixou de ser tributria da instituio, ao contrrio, seus alunos formavam
a base das artes do perodo posterior a 1930. Os mestres do Vkhutemas no tiveram a mesma
sorte, tendo muitos deles sofrido represses que resultaram mesmo em morte. Os que
conseguiram se manter em atividade tiveram seu campo reduzido e seu trabalho reorientado
para formas e formatos mais condizentes com os novos tempos.
Para complementar a sistematizao, preciso colocar tambm as idias derivadas da
educao em geral e do ensino artstico em particular. Afinal, o Vkhutemas no s criador,
produtor ou reprodutor de vanguardas, ele tambm uma instituio de ensino e tinha com
isso a organizao tpica de uma escola, com seus nveis hierrquicos, princpios pedaggicos,
didticas e prticas educacionais. Como herdeira de duas tradies diferentes de uma
academia de belas-artes e de uma escola de artes aplicadas1 e criadora de uma nova tradio,
a de uma escola de artes de vanguarda; interessante lembrar que essas modalidades
acabaram por cristalizar diferentes vises do ensino dentro da prpria instituio. As
divergncias acentuavam a ruptura e davam mostra da efervescncia dos modelos que
estavam em disputa na instituio. Como escola modelo para o resto do pas, o Vkhutemas se
1 Rainer Wick (1989) faz uma breve descrio do surgimento e desenvolvimento das escolas de belas-artes e de
artes aplicadas na Europa durante os sculos XVI at incio do XX. A abordagem vale tambm para a Rssia,
que buscava alcanar a Europa ocidental desde Pedro, O grande. As escolas fundadas em Moscou durante o
sculo XIX foram baseadas nas idias europias em voga do perodo.
10
tornava tambm uma padro a ser imitado e seguido. Uma escola de arte de vanguarda
tambm criadora e no somente reprodutora das idias tradicionais ou conservadoras, mais
um elemento que pesou na busca de novos caminhos para a arte sovitica do perodo.
Explorar as possibilidades entre as aspiraes e motivaes internas instituio e o
efetivamente realizado e aceito dentro das artes soviticas um desafio do trabalho, que no
deixa de ser um objetivo muito amplo. A descrio das faculdades mais vanguardistas dentro
do Vkhutemas apresenta-se como um modo de mostrar os limites e as possibilidades da
realizao da utopia de (re)fazer, (re)criar o mundo novo de uma revoluo cultural em
marcha dentro URSS. O Novo Homem Sovitico, uma leitura do super-homem
nietzscheano, era uma formulao esttica tambm, que perpassava todos os movimentos
artsticos russos/soviticos e que impulsionava muito das pesquisas formais e dos conceitos
que estavam em construo na escola, mais uma possibilidade aberta dentro do trabalho, a ser
explorada atravs do entendimento da vanguarda sovitica como sntese entre idias
conflitantes (tanto politicamente quanto esttica e artisticamente) que levavam os artistas a
buscarem novas formas de expresso e atuao.
Em vinte anos de vanguarda russa, entre 1910 e 1930, os artistas russos/soviticos
experimentaram diversas linguagens, do Futurismo italiano e Cubo-Futurismo russo ao mais
rigoroso Produtivismo (uma vertente radical de fuso da arte com a vida), em busca da
expresso perfeita da modernidade, da realidade por eles vivida e da histria em construo
no perodo. Ao concentrar tantos caminhos em uma s instituio, estava aberta a passagem
para a inovao e a revoluo que o Vkhutemas operou dentro da histria da arte sovitica.
Essa a base do trabalho a ser desenvolvido nos prximos captulos.
11
Um trabalho que pretenda abarcar o funcionamento, as peculiaridades e os resultados
de uma instituio artstica, que tambm era de ensino superior, que possua uma estrutura
inovadora, requer algumas consideraes iniciais. Em primeiro lugar, a metodologia pretende
colocar em relevo trs pontos chaves: o imaginrio ou ideologia da escola e dos seus
docentes; sua produo pedaggica e artstica e, por fim, sua relevncia e seu legado para a
arte das vanguardas do sculo XX. As escolhas metodolgicas so importantes para que o
objeto possa ser analisado, procurando mostrar suas propriedades e seus significados.
A problemtica inicial buscar entender como se produziu um tal modo de pensar,
que floresceu no campo da cultura e das artes na Rssia. Podemos dizer que os trs fatores
que participam do conhecer o indivduo, o coletivo e a realidade objetiva (o que est por
conhecer) no so algo assim como entidades metafsicas; tambm elas so investigveis,
quer dizer, esto relacionadas entre si de outras maneiras (FLECK, 1986, p. 87, traduo
nossa). O entendimento de um determinado conhecimento passa por trabalhar os contedos de
uma forma que possa levar a um condicionamento em que os contedos esto condicionados
e so explicveis histrico-conceitual, psicolgica e sociolgico-conceitualmente (FLECK,
1986, p. 68, traduo nossa). Para esse entendimento, podemos utilizar o conceito
desenvolvido por Ludwik Fleck para desenvolver uma Sociologia da Cincia e do
Conhecimento, em que h um determinado modelo para o conhecimento partilhado por um
grupo especfico (neste caso, os artistas russos), que podemos chamar de coletivo de
pensamento, uma vez que
os coletivos de pensamento estveis permitem investigar exatamente o estilo
de pensamento e as caractersticas sociais gerais dos coletivos de
pensamento em suas relaes recprocas. As comunidades de pensamento
estveis (ou comparativamente estveis) cultivam, como outras comunidades
organizadas, uma certa exclusividade formal e temtica. (FLECK, 1986, p.
150, traduo nossa).
O elemento central do conhecimento partilhado o estilo de pensamento, um conceito
que busca mostrar as atitudes e as aes que derivam das relaes entre membros de uma
mesma viso de mundo. Assim, podemos definir o estilo de pensamento como um perceber
dirigido com a correspondente elaborao intelectiva e objetiva do que percebido
(FLECK, 1986, p. 145, traduo nossa). O estilo de pensamento coerciona o indivduo e
determina as formas aceitas de pensar, que se tornam excludentes. O estilo de pensamento
tambm pode ser acompanhado pelo estilo tcnico e literrio do sistema de saber (FLECK,
1986, p. 145, traduo nossa).
12
Uma comunidade assim montada tende a ser fechada em si: para participar,
necessrio ver do mesmo modo, e tambm compartilhar o espao social de forma
semelhante, o que leva o grupo a se tornar exclusivista e excludente. Nesse sentido, comea a
ser criado um paradigma, conceito central da teoria de Thomas S. Kuhn em seu A Estrutura
das Revolues Cientficas, que busca compreender os momentos de conflitos, confrontos e
transformaes que acompanham as cincias (ou a tcnica e mesmo as artes) (KUHN, 1994).
O treinamento e a educao formal de novos membros desses coletivos que partilharo os
mesmos estilo e paradigmas uma importante etapa de reproduo do modelo. Nessa rea
especfica, escolas, faculdades, institutos e universidades jogam um papel essencial, pois
nesse momento que se reproduz uma Weltanschauung (viso-de-mundo) coerente e fechada.
Somente atravs da reproduo de uma determinada prtica possvel falar em Zeitgeist
(FLECK, 1986; KUHN, 1994). Em um sentido tanto positivo quanto negativo, Barthes
comenta que o que pode ser opressivo num ensino no finalmente o saber ou a cultura que
ele veicula, so as formas discursivas atravs das quais ele proposto (BARTHES, 1987, p.
43). Tanto para criar e consolidar quanto para manter e reprimir, um paradigma um
importante instrumento de modelagem de grupo, uma forma conceitual de compreenso do
mundo intelectual e cultural.
Essas consideraes podem ser estendidas ao mundo das artes, de uma forma mais
ampla e flexvel, pois a formao de novos artistas no sculo XX serviu de base para
aumentar e consolidar idias e prticas artsticas vanguardistas em quase todos os pases
europeus. O desenvolvimento de um novo paradigma em arte, e isso elimina a problemtica
de tratar as vanguardas como escolas artsticas, vem acompanhado da adaptabilidade e da
reproduo que um paradigma requer para poder continuar a ser reproduzido.
Os elementos que desempenham uma parte importante na urdidura do fazer a
vanguarda so os artistas e intelectuais associados em uma idia de mudana. Em uma anlise
sociolgica do significado da intelligentsia enquanto grupo ou coletivo social, Karl
Mannheim (1957, p. 155, traduo nossa) diz que:
possvel resumir as caractersticas essenciais desta camada social como se
segue. um conglomerado entre, mas no sobre, as classes. O membro
individual da intelligentsia pode ter, e com freqncia tem, uma orientao
particular de classe e, em conflitos reais, pode alinhar-se com um ou outro
partido poltico. Ademais, suas eleies individuais podem ter a consistncia
e as caractersticas de uma posio de classe assumida. Mas, e por causa
dessas filiaes, impulsionado pelo fato de que sua educao o preparou
13
para enfrentar os problemas cotidianos a partir de vrias perspectivas e no
somente de uma, como fazem a maioria dos que participam das
controvrsias de seu tempo. Dizemos que est preparado para enfrentar os
problemas de seu tempo a partir de mais de uma perspectiva, embora, em
casos isolados, pode atuar como um militante partidrio e alinhar-se a uma
classe. Sua preparao o faz, potencialmente mais instvel que outros
indivduos. Pode mudar mais facilmente seus pontos de vista e est menos
rigidamente ligado a uma das partes em conflito, pois capaz de
experimentar, por sua vez, vrias vises conflitantes da mesma coisa.
Em um universo mais catico e pouco consolidado, como a Rssia revolucionaria, o
ambiente para o desenvolvimento de novas idias era muito propcio, ao mesmo tempo que
tornava-se hostil ao desenvolvimento de uma nova mentalidade cultural e artstica que
ampliava o espao da experimentao e da liberdade criativa. Essa perspectiva, de uma
anlise sociolgica das mudanas paradigmticas na comunidade dos fsicos e matemticos
alemes, desenvolvida por Paul Forman para o ambiente intelectual alemo do ps-1 Guerra
Mundial, tem como ponto de partida a mudana operada pela guerra perdida e a busca de
novos padres de compreenso derivados desse mundo em crise (FORMAN, 1984). A Rssia
sovitica comeou um processo de volta aos modelos e padres tradicionais durante toda a
dcada de 1920, um paralelo interessante com os alemes que radicalizaram e transformaram
o mundo ao seu redor.
A anlise do mundo artstico russo comea por essa busca pelo ambiente, seus nexos
intrnsecos e as relaes que podemos derivar do mundo intelectual e das prticas sociais e
culturais que estavam em voga. Muito do que foi feito estava em sintonia com dificuldades e
idiossincrasias prprias do momento, da sociedade em desmontagem da dcada de 1910 e da
sociedade revolucionria dos anos de 1920. Essa compreenso dos fatores externos no
elimina a necessidade de se falar das transformaes dentro do prprio campo especfico do
que podemos chamar de artstico, existe tambm a busca do significado intrnseco ao objeto,
na pergunta O que Arte? e nos seus prolongamentos: O que Modernidade?, O que
Vanguarda Artstica? e Quem vanguardista e como podemos afirmar isto?.
A problemtica bsica o prprio significado de arte, que pode dar s Vanguardas,
especialmente as russas, um significado mais consistente. Em primeiro lugar, preciso dizer
sobre a validade da arte enquanto elemento histrico, parte da sociedade de um determinado
perodo e herana posterior, somente a sociedade, enquanto varivel estruturada, possui
14
histria, e somente nesta continuidade social pode a arte ser compreendida coerentemente
como uma entidade histrica (MANNHEIM, 1955, p. 60, traduo nossa).
Como uma modalidade singular da vida social e histrica, a arte pode ser vista em
seus aspectos internos e principalmente em sua validade estrutural2. Assim, a misso da arte
no simplesmente reproduzir o objeto, e sim fazer dele um portador de significado
(LOTMAN, 1979, p. 21, traduo nossa) e toda a arte, que se pretenda ter um significado,
uma sucesso de descobrimentos que tendem a expulsar o automatismo de todo o processo
criativo dessa (LOTMAN, 1979, p. 23, traduo nossa); ou seja, consiste em converter as
nossas representaes habituais em metalinguagem[...] (USPENSKII, 1981, p. 32)3. A obra
de arte, neste contexto ao mesmo tempo signo, estrutura e valor (MUKAROVSKY, 1977)4.
Como atividade, a arte caracterizada, por Jan Mukarovsky, pela supremacia da
funo esttica5 e como qualquer criao humana, tambm a artstica est constituda por
2 Boris Uspenskii (1981) coloca tambm que um princpio substancial da arte a polissemia, a obra de arte
pode ser considerada como um texto composto de smbolos a que cada um atribui por sua conta e risco um contedo (deste ponto de vista, a arte anloga predio, pregao religiosa etc.). portanto, o condicionamento social na configurao do contedo neste caso notavelmente menor que no caso da linguagem; em resumo, a polissemia (a possibilidade, em princpio, de admitir muitas interpretaes) constitui um aspecto substancial na obra de arte. Podemos entender por significado uma srie de associaes e representaes ligadas a um ou outro smbolo (p. 31), e que portanto neste caso h que traduzir os smbolos da arte numa srie de associaes e representaes abstractas(p. 31). 3 Sergei Tinianov, ao se referir sobre a construo e a transformao da arte, diz que a unidade da obra no
uma entidade simtrica e fechada, e sim uma integridade dinmica que tem seu prprio desenvolvimento; seus elementos no esto ligados por um signo de igualdade e adio e sim por um signo dinmico de correlao e integrao (TINIANOV, 1970, p. 87, traduo nossa) e que esse dinamismo se manifesta na noo do princpio de construo. No h equivalncia entre os diferentes componentes da palavra; a forma dinmica no se manifesta nem por sua reunio, nem por sua fuso (na noo corrente de correspondncia), mas por sua interao e, em conseqncia, pela promoo de um grupo de fatores a expensas de outros [...] Pois se a sensao de interao dos fatores desaparece (e esta pressupe a presena necessria de dois elementos: o subordinante e o subordinado), o fato artstico desaparece: a arte volta a ser automatismo (TINIANOV, 1970, p. 87-88, traduo nossa). 4 Portanto, o signo esttico o somente em referncia a uma norma dada, i. e., representa uma relao com um
significado, no com um facto denotado (o smbolo na arte, como signo de um signo de um signo...) (USPENSKII, 1981, p. 33). 5 Para a compreenso da funo esttica podemos dizer que em resumo, de todo o que se tem dito at agora
sobre a extenso e a ao da funo esttica, se pode afirmar as seguintes concluses: 1) O esttico no uma caracterstica real das coisas, nem tampouco est relacionado de maneira unvoca com nenhuma caracterstica das coisas. 2) A funo esttica no est, todavia, plenamente sob o domnio do indivduo, embora do ponto de vista puramente subjetivo qualquer coisa pode adquirir (ou ao contrario carecer de) uma funo esttica. 3) A estabilizao da funo esttica um assunto da coletividade e a funo esttica um componente da relao entre a coletividade humana e o mundo (MUKAROVSKY, 1977, p. 56, traduo nossa), e que os limites da esfera esttica no esto, pois determinados unicamente pela prpria realidade, e so muito variveis (MUKAROVSKY, 1977, p. 48, traduo nossa). No se pode investigar o estado ou a evoluo da funo esttica sem se perguntar em que medida est estendida sobre a superfcie total da realidade; se seus limites so relativamente precisos ou borrados; se manifesta-se igualmente em todos os estratos do contexto social, ou se prevalece somente em alguns lugares ou meios: tudo isso, naturalmente, considerado em relao com uma poca e um conjunto social determinado. Dito de outra maneira, para o estado e a evoluo da funo esttica, no caracterstica somente a comprovao de onde e como se manifesta, mas tambm a constatao de que medida e em que circunstncia se faz ausente ou pelo menos atenuada (MUKAROVSKY, 1977, p. 49, traduo nossa).
15
dois componentes: a atividade e o produto criado (MUKAROVSKY, 1977, p. 235, traduo
nossa). Como sntese desses processos, podemos dizer que a Arte e seus objetos so como um
signo que est constitudo por um smbolo sensorial, criado pelo artista,
pela significao (= objeto esttico) que se encontra na conscincia
coletiva, e pela relao a respeito da coisa designada, relao que se refere
ao contexto geral dos fenmenos sociais. (MUKAROVSKY, 1977, p. 37,
traduo nossa).
Nessa vertente que busca analisar a arte, tanto em aspectos externos quanto internos, a
busca pela compreenso formal muito forte, pois a
arte simultaneamente nica e mltipla: sua unidade dada pela
supremacia da orientao esttica, comum a todas as manifestaes
artsticas; a multiplicidade se depreende tanto da variedade de materiais
quanto da diversidade de objetos especiais dos distintos ramos da criao
artstica. (MUKAROVSKY, 1977, p. 241, traduo nossa).
O elemento central o material, que o fator fundamental na diferenciao das
artes: um material novo s vezes capaz de dar origem ao uma nova arte
(MUKAROVSKY, 1977, p. 241, traduo nossa). Essa nfase nos materiais importante para
mostrar o quanto, tanto esteticamente quanto socialmente, pesam os fatores formais so
importantes para o desenvolvimento da arte, a evoluo interna da arte , pois, por si
mesma, muito complexa. Mas a arte no evolui no vazio, e sim que se faz enfrentando as
influncias que vem do exterior (MUKAROVSKY, 1977, p. 249, traduo nossa). Como
resumo, podemos dizer que
a estrutura da arte est constituda por um conjunto de normas que se
encontram na conscincia coletiva, o que explica os contatos da arte com
outros sistemas de normas, como por exemplo com o sistema lingstico,
com o tico, com os costumes que determinam o comportamento do homem
(as normas de conduta social, as regras prticas de vivncia etc.). Posto que
tem um autor e um portador comum que o homem, o homem de uma poca,
de sociedade e nacionalidade determinadas, e com uma determinada
postura frente a realidade, todas as esferas mencionadas, incluindo a arte,
manifestam certos paralelismo em sua evoluo. (MUKAROVSKY, 1977,
p. 249, traduo nossa).
A expresso dessa forma de significar a Arte pode levar concluso de que ela busca
surpreender, tornando visvel o que no apreensvel de forma direta: deste modo, a
David Petrovitch Shterenberg (1881-1948)
pintor, artista grfico Diretor da Seo de Artes Visuais (IZO NARKOMPROS) (1917-1921)
Professor do VKhUTEMAS Faculdade de Pintura
16
comunicao artstica, por suas premissas mesmo, cria uma situao contraditria. O texto
deve ser ao mesmo tempo lgico e ilgico, previsvel e imprevisvel (LOTMAN, 1979, p. 70,
traduo nossa). A dificuldade de se fazer um entendimento lgico e universal da arte, j que
ela segue, ao mesmo tempo, normas diferenciadas e lgicas internas no dedutveis ou
redutveis a um significado nico, chamada por Yuri Lotman (1979) de Imprescindibilidade
Cultural da Arte6.
Fixando-se nas idias construtivistas, que estavam muito prximas do Formalismo e
do Estruturalismo em formao, pode-se dizer que a arte se compe de dois elementos; a
idia e a forma. O contedo da arte a idia investida de uma forma artisticamente
trabalhada (TARABUKIN, 1977, p. 145, traduo nossa) 7.
A arte moderna coloca tambm a problemtica do ofcio da criao, que, para Adorno,
um importante meio de entendimento e de captao dos significados das obras e dos artistas
na sociedade contempornea; assim:
na arte moderna, o mtier fundamentalmente diverso das instrues
artesanais tradicionais. A sua noo designa o conjunto das faculdades
pelas quais o artista faz justia concepo e rompe assim com o cordo
umbilical da tradio. No entanto, o mtier no brota apenas da obra
particular. Nenhum artista aborda alguma vez a sua obra unicamente com
os seus olhos, os seus ouvidos, o sentido verbal dela. [...] O totum das foras
investidas na obra de arte, aparentemente algo de subjectivo apenas, a
presena potencial do colectivo na obra, em proporo com as foras
produtivas disponveis: contm a mnada sem janelas. [...] Encarna as
foras produtivas sociais sem, ao mesmo tempo, estar necessariamente
ligado s censuras ditadas pelas relaes de produo, que ele tambm
6 Yuri Lotman (1979) ainda diz que a arte requer uma emoo dupla: esquecer que se trata de uma fico e, ao
mesmo tempo, no esquecer (p. 26, traduo nossa, grifo do autor), e que a arte um fenmeno vivo e dialeticamente contraditrio. Ela exige que as tendncias contraditrias que a constituem influam com igual intensidade, que tenham um valor igual (p. 26, traduo nossa). 7 Nikolai Tarabukin (1977) tambm coloca em seu texto sobre a teoria da pintura uma anlise mais detalhada
sobre o mtodo que usa, ele diz que denominarei ao mtodo aqui aplicado de mtodo formal-produtivista, para reunir em uma s terminologia dois momentos que so inerentes. O primeiro, que se pode qualificar de material, se refere unicamente anlise das formas acabadas, cristalizadas. Neste caso, a anlise se dedica de alguma forma a esttica da obra. O segundo se pode chamar de processual, porque se refere ao processo de criao do objeto, ao processo de fabricao, de produo profissional: aqui nos referimos ao aspecto criativo-ativo da obra, na qual o objeto pronto se manifesta atravs do que chamamos de ofcio da criao artstica e que os franceses chamam de mtier (p. 96, traduo nossa, grifos do autor). Essa descrio do mtodo de analisar e criticar as obras de arte ser muito utilizado durante a dcada de 1920 na Rssia revolucionria. preciso notar
que o autor acaba englobando nas belas-artes todas as formas de criaes artsticas, ampliando o campo da
Esttica e julgando positivamente as artes aplicadas e industriais. No presente trabalho, a produo artstica do
Vkhutemas tambm ser visto dessa forma, na qual o mais importante o processo de criao e as formas
encontradas para satisfazer as idias postas em ao na escola.
17
critica sempre mediante o rigor do mtier. [...] O mtier pe os limites
contra a infinidade nefasta nas obras. Define concretamente o que se
poderia chamar, com um conceito da lgica hegeliana, a possibilidade
abstracta das obras de arte. Eis porque todo o artista autntico se encontra
obsessionado com os seus procedimentos tcnicos; o feiticismo dos meios
tem tambm o seu momento legtimo. (ADORNO, 1988, p. 57-58).
Ao se colocar uma tica artstica, que nas vanguardas to forte, a arte, para Theodor
Adorno, visa a verdade, se ela no for imediata; sob este aspecto, a verdade seu contedo.
A arte conhecimento mediante sua relao com a verdade; a prpria arte reconhece-a ao
faz-la emergir em si (ADORNO, 1988, p. 31). No sculo XX, a Arte ganha um status de
elemento central no conhecimento das formas ideolgicas, nas transformaes mentais e na
organizao social da cultura humana, ela elevada a uma dignidade expressa na seguinte
citao:
A arte no somente um smbolo, ela criao; ao mesmo tempo objeto e
sistema, produto e no reflexo; no um meio, definitiva; no somente
signo, ela obra obra dos homens e no da natureza ou de Deus.
(FRANCASTEL, 1956, p. 14, traduo nossa).
Dentro, ainda, das idias que estavam correntes na Rssia revolucionria, a arte
passava a ser social e integrada ao ambiente. Nas palavras de Nikolai Tarabukin (1977, p. 95,
traduo nossa) a forma artstica no uma formao abstrata, e sim dependente das
condies econmicas, polticas e de classes prprias a tal ou qual ordem social, ou como
diz o fundador do Proletkult Aleksandr Bogdanov:
A Arte organiza as experincias sociais atravs da forma de como relaciona
imagens tanto cognio quanto aos sentimentos e aspiraes.
Conseqentemente, a arte a arma mais poderosa para a organizao das
foras coletivas em uma sociedade de classes foras de classes.8
A conceitualizao de moderno e vanguarda tambm importante para aclarar
algumas das linhas do pensamento sovitico no perodo estudado; para tanto, podemos
distinguir Moderno de contemporneo pelo fato de que contemporneo refere-se ao tempo e
moderno refere-se a sensibilidade e estilo, e enquanto contemporneo um termo de
referenciais neutros, moderno um termo de dever crtico e julgamento (HOWE, 1967, p.
13, traduo nossa), ou ainda o moderno pode ser definido em termos do que no : o
invlucro de polmicas tcitas, inclusive negativas (HOWE, 1967, p. 13, traduo nossa).
8 Citao retirada do anexo B: A. Bogdanov, Proletariado e Arte, p. B-1.
18
Suas escolhas levaram a uma luta contra a Histria, a sensibilidade modernista coloca um
bloqueio, se no um fim mesmo, na Histria: um apocalptico cul-de-sac, em que ambos, o
fim teleolgico e o progresso secular so colocados em questionamento, tornados mesmo
obsoletos (HOWE, 1967, p. 15, traduo nossa).
Esse desejo de mudana levou muitos a buscarem novas formas de expresso, a terem
pouca pacincia com o aparato cognitivo e os limites da racionalidade presentes na cultura
europia do momento. O choque e a nsia de mudanas estavam em sintonia com a busca de
reinventar a realidade, de reconstruir o real de forma artstica, um anseio que levou a quebrar
com a tradio e a unidade da cultura ocidental (HOWE, 1967), o heri moderno um
homem que acredita na necessidade da ao (HOWE, 1967, p. 35, traduo nossa).
A passagem do moderno para a Vanguarda, a vontade criadora contra o filistinismo na
cultura e nas artes, torna as mudanas em um confronto, uma luta em que os artistas precisam
levar at o fim um ideal a qualquer custo e de qualquer modo9. A palavra, de significado
militar (vanguarda ou a guarda de primeira linha de combate), adquire uma consistncia real
no campo cultural: eles so combatentes no s por um mundo melhor (vanguarda poltica)
como tambm por um mundo mais belo (ALBERA, 2002).
Anatole Kopp ao resumir sua idia de vanguarda e de postura revolucionria, no
somente na arquitetura e nas artes em geral, como na sociedade e na poltica, diz que o
moderno no um estilo e sim uma causa, uma luta por um futuro (utpico e trgico ao
mesmo tempo), mas ainda sim uma luta, um combate vlido e desejvel. Ele comenta que
Wem Gehrt die Welt? A quem pertence o mundo? Antes de mais nada s
multides annimas que povoam os casebres das grandes cidades, aos
trabalhadores, s massas que, se esperava, viriam a ser os verdadeiros
atores da histria, a estas responderam, cada um a seu modo e segundo a
situao existente em seu pas, os pioneiros da arquitetura moderna,
colocando seus conhecimentos, seu talento e seu entusiasmo a servio do
que eles acreditavam ser o sentido da histria. por isso que o moderno
no foi para eles um estilo, mas uma causa pela qual sacrificaram aquilo
que, para a maior parte de seus colegas, constitua justamente a
9 O profetismo social procede das premissas estticas que valorizam a construo: esta implica um domnio do
esprito sobre a matria (a arte, princpio ativo, faculdade mental, em oposio a natureza, o dado, princpio passivo), um verdadeiro realismo (da essncia) que, ao fazer caducar todo naturalismo e todo impressionismo (copia das aparncias), expulsa o referente exterior e a submisso viso emprica, e promove um espao autnomo, a obra de arte como objeto (e no como janela, escreve Viktor Chklovski) que sua nica realidade: material (cores, sons, palavras), organizao (construo) e procedimentos (ALBERA, 2002, p. 170)
19
gratificao que se poderia esperar do exerccio tradicional da profisso de
arquiteto: dinheiro e fama. (KOPP, 1990, p. 24).
Uma outra aproximao ao tema diz respeito validade da Modernidade e das
Vanguardas, enquanto momento de ruptura e, portanto, de reflexo e estranhamento
inerente a muitas obras de arte a fora de quebrar as barreiras sociais que
elas alcanam. Enquanto que os escritos de Kafka feriam a concepo do
leitor de romance pela impossibilidade relevante e emprica da narrativa
tornou-se, justamente em virtude de tal irritao, compreensvel a todos. A
opinio proclamada em unssono pelos ocidentais e pelos estalinistas sobre
a incompreensibilidade da arte moderna continua a ilustrar este fenmeno;
falsa porque trata a recepo como uma grandeza fixa e suprime as
irrupes na conscincia, de que so capazes as obras incompreensveis. No
mundo administrado, a forma adequada em que so recebidas as obras de
arte a da comunicao do incomunicvel, a emergncia da conscincia
reificada. (ADORNO, 1988, p. 52).
Na citao anterior, est clara a escolha dos modernos como arautos de uma nova
viso (no somente relacionada representao pictrica, mas tambm s significaes
sociais e ideolgicas), em que a recusa e o distanciamento so formas de enfrentamento e
transformao10
. Da, parte da dificuldade de integrar a experincia moderna enquanto luta,
em que as obras funcionam como munio, e que as atitudes e escolhas tcnicas, artsticas e
estticas so uma oposio que se centra na demonstrao da impossibilidade do mundo e das
suas representaes (polticas, econmicas, sociais, culturais).
Quanto ao ser vanguarda, as escolhas artsticas e sociais dos russos induziram a que
o construtivismo, contraparte oficial do realismo, tem, atravs da linguagem
do desencantamento, um parentesco mais profundo com as transformaes
histricas da realidade do que um realismo coberto desde h muito com um
verniz romntico, porque o seu princpio, a reconciliao ilusria com o
objecto, se tornou entretanto romantismo. Os impulsos do construtivismo
10
Ao ampliar o significado e defender a arte moderna, Adorno tambm coloca que a torre de marfim, em cujos ostracismo os sbditos dos pases democrticos e os dirigentes dos pases totalitrios, possui, na constncia do impulso mimtico enquanto tendncia para a identidade consigo, um eminente carter de aufklrung; o seu spleen uma conscincia mais verdadeira do que as doutrinas da obra de arte empenhada ou didctica, cujo carcter regressivo se torna quase flagrante na tolice e na trivialidade das sbias sentenas por elas pretensamente comunicadas. Eis porque a arte radicalmente moderna, apesar das condenaes sumrias que sobre ela deixam pronunciar interesses polticos de toda a ordem, podem dizer-se avanada, no s em virtude das tcnicas nela desenvolvidas, mas segundo o contedo de verdade. Mas o meio pelo qual as obras de arte existentes so mais do que a existncia no um novo ser-a, mas a sua linguagem. As obras de arte autnticas falam mesmo quando recusam a aparncia, desde a iluso fantasmagrica at o ltimo sopro aurtico (ADORNO, 1988, p. 123-124).
20
foram, quanto ao contedo, os da adequao, por problemtica que fosse,
da arte ao mundo desencantado, que era impossvel realizar sem
academismo, no plano esttico, com os meios realistas tradicionais.
(ADORNO, 1988, p. 67).
Ou como diz Boris Arvatov (1973, p. 62, traduo nossa), a intelectualidade
moderna, radical cresceu em centros industriais, est penetrada de positivismo,
americanizou-se. Seu pathos a ao, o trabalho, a tcnica. Sua forma de ver leva a
centrar sua ateno no mundo dos objetos, na realidade material. Esta gente, antes de tudo,
quer construir, edificar (ARVATOV, 1973, p. 62, traduo nossa). O construtivismo, nesta
vertente, uma utopia, que consegue atravs de seus recursos tcnicos a linguagem
desencantada representar sua realidade e intervir nesta dialeticamente, recusando ser apenas
um espelho de suas significaes, sentidos e aes. O movimento, ento, se torna o oposto do
chamado Realismo ao buscar no somente a representao do momento histrico, mas
tambm a sua forma de atuao dentro do mundo social e poltico em que esto inseridos.
Uma mediao entre o ato criativo e sua prtica construtiva.
Para analisar um complexo a arte de vanguarda, sua produo e o seu ensino
artstico e suas idias como este, podemos tomar e ampliar, de autores que buscavam
compreender o seu tempo e intervir nele os prprios russos , alguns conceitos bsicos.
Sendo assim, podemos comear pela idia de Arvatov (1973), de que a prtica artstica tem
quatro problemas:
1) a prpria tcnica artstica;
2) a cooperao artstica;
3) a ideologia do artista;
4) a arte e a vida cotidiana.
Algumas modificaes dentro desta proposta podem ser feitas, principalmente quanto
aos significados dos conceitos que podem tomar esta forma:
a) engajamento (formao de uma postura);
b) material (conhecimento, tcnica);
c) transformao (a prtica artstica e a postura do artista);
d) linguagem (representao da postura e da forma).
A busca de um mtodo mais formal para a anlise do artistas, de suas idias, das obras
e da recepo da vanguarda se coloca como importante para evitar a transformao do sentido
21
da produo durante o perodo (1918-1930), nas diversas configuraes pelas quais passou a
instituio (SVOMAS, VKhUTEMAS, VKhUTEIN) em reflexo ou mero absoro das
mudanas polticas e sociais que aconteciam na Rssia.
O carter materialista das vanguardas e suas aspiraes de (re)configurao e
(re)construo do mundo natural so premissas bsicas para o entendimento do momento
russo/sovitico como superao, uma transmutao dos significados e o alargamento da base
social da Arte. A tcnica o instrumento, no a finalidade, maquinrio para superar a
alienao e o automatismo na arte e na vida cotidiana.
A produo intelectual e artstica do momento construtivista baseada na polmica e
na busca de solues, o que significa ultrapassar sua prpria temporalidade e buscar novas
formas de expresso e produo. O engajamento e a linguagem so, ento, dois importantes
conceitos para a compreenso do fenmeno como um todo, tanto quanto a forma e o contedo
apresentados. Vale dizer ainda que muitas obras projetadas ou pensadas nunca foram
construdas ou acabadas, restando a anlise do desejo e da utopia dos artistas.
As dificuldades em encontrar a historicidade em um objeto que se declarava atemporal
e pouco preocupado com o passado, como as vanguardas artsticas europias do incio do
sculo XX, podem ser transpostas ao buscar compreender a relao entre os desejos e idias e
a efetiva construo e participao dos artistas ou dos movimentos em um determinado
momento, no como espectadores, mas como atores. Isso trunca uma crtica basicamente
estrutural e abstrata, mas no reduz o alcance nem a validade de tal anlise, que a base de
uma leitura desse processo histrico, em que a Cultura e a Arte esto mescladas em dinmicas
polticas e sociais mais amplas e em transformao.
22
A organizao de um trabalho de pesquisa exige que haja uma linearidade do
pensamento e do discurso, para que seja clara a compreenso das idias a serem expostas e
defendidas. A diviso dos captulos, neste texto, seguiu essa linha de disposio linear.
Antes da descrio dos captulos, cabe um aparte sobre os nomes e siglas utilizados no
texto. Em primeiro lugar, a transliterao do alfabeto cirlico para um alfabeto romnico
acarreta algumas perdas ou desvios. No texto, procurou-se transliterar o mais prximo do
russo, se o nome ou a sigla no fosse muito conhecida ou pudesse ter outra forma de escrita.
No caso de tradues de outras lnguas, foi mantida a forma de grafia da prpria lngua. Se
um nome conhecido e j recorrente, procurou-se manter a grafia consagrada. Para a letra X
cirlica, utilizou-se a forma anglo-saxnica de kh. Se h algumas incongruncias
principalmente devido multiplicidade de lnguas traduzidas e s dificuldades de escolha
entre as formas mais corretas ou corriqueiras.
O primeiro captulo introdutrio e est dividido em trs partes, sendo que a primeira
visa mostrar as intenes da pesquisa, os objetivos, as hipteses e as consideraes mais
gerais sobre o assunto escolhido, atravs da leitura do momento revolucionrio como ruptura,
sem deixar de lado algumas continuidades que transformam o momento no conjunto de
significaes e escolhas. A segunda parte busca fazer uma discusso metodolgica do objeto e
das interpretaes dadas ao significado de conhecimento, elite intelectual, formao
intelectual, arranjo institucional, Arte, Vanguarda artstica, escola de arte e arte moderna
russa/sovitica. Essas balizas podem ajudar a compreender o momento de formao,
organizao e reproduo das instituies superiores de ensino e pesquisa de arte. A terceira
parte mostrar o arranjo e a organizao dos captulos da tese. A introduo serve, ento,
como elemento definidor da metodologia e dos limites de interpretao do tema proposto.
O segundo captulo uma ampla descrio e anlise das vanguardas russas e
soviticas do perodo que vai de 1910 at 1934. Os subcaptulos buscam mostrar um
panorama das artes do perodo e descrever mais precisamente o Construtivismo/Produtivismo
e o Realismo Socialista, dois momentos fundamentais das artes soviticas. Alm disso, a
organizao do Narkompros e a instituio do INKhUK do um quadro mais preciso da
(des)organizao da administrao das artes nesse perodo. Esse captulo busca ainda mostrar,
alm do panorama, uma anlise das idias das vanguardas russas e soviticas. A
multiplicidade de fontes, do mais puro misticismo ao mais arrojado materialismo e
tecnicismo, deixaram a Arte russa paradoxal, multidisciplinar e bastante aberta. Encontrar um
fio da meada que possa ajudar na compreenso de fenmeno to amplo o principal esforo
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deste captulo. Ao mesmo tempo, uma compreenso das dificuldades institucionais e das
opes esttico-artsticas que levaram o governo sovitico do uso da vanguarda artstica ao
fechamento unilateral no realismo e na presena onipotente do estado e do partido na cultura
buscada. So escolhas, portanto so partes da Histria, de uma disputa entre a modernidade e
o novo frente a uma outra modernidade carregada de tradio e sob os auspcios de uma
configurao poltica e ideolgica totalizante e aglutinadora.
O terceiro e o quarto captulos so o cerne da descrio e interpretao da escola, tanto
em sua verso polmica e aberta a experimentaes (1918-1926), quanto em sua cristalizao
e tendncia a auto-preservao (1927-1930). A instituio, que tinha um grande nmero de
alunos (mais de mil em cada perodo letivo), tinha tambm uma multiplicidade de reas e
estudos. Os dois captulos sero mais descritivos, exceo da anlise do curso bsico (seo
de base) e da faculdade de arquitetura (sntese das aspiraes, disputas e limites dos
classicistas e dos vanguardistas). As outras faculdades (pintura e escultura) eram dominadas
pelos mais tradicionalistas, ou nas mais aplicadas (madeira, metal, cermica, txtil)
dominavam os mais vanguardistas. A faculdade de artes grficas ficava no meio termo e seus
docentes tendiam a ser menos combativos que os de arquitetura. A estrutura, as principais
linhas metodolgicas, pedaggicas e didticas, alm do trabalho e das idias dos principais
docentes sero os tpicos centrais a serem abordados e comentados.
A primeira periodizao da escola, 1918-1926, que corresponde ao SVOMAS e ao
VKhUTEMAS a parte abordada no captulo trs, alm da fundao e do funcionamento da
Faculdade Operria de Arte (Rabfak), que funcionava como uma instituio de apoio e
formao de operrios e camponeses (e de seus filhos) no campo artstico, visando ampliar a
base de futuros alunos do Vkhutemas e de outras instituies de ensino artstico. A segunda
periodizao (quarto captulo), 1927-1930, corresponde ao VKhUTEIN e tem um
funcionamento mais atribulado e prximo da dissoluo que efetivamente ocorreu em 1930.
As disputas se tornaram menos visveis e mais pragmticas. As duas linhas temporais
determinam tambm as fases iniciais da Revoluo Russa, desde a subida ao poder dos
bolcheviques (em fins de 1917) at vitria de Stlin (entre 1928 e 1930). O paralelo no
estranho e faz parte do texto, como elemento explicativo e organizador das mudanas e
opes tomadas em cada um desses momentos.
A concluso e os anexos, tanto documentais quanto iconogrficos, compem o resto
do trabalho. Os anexos de documentao sobre a escola buscam dar um panorama do que foi
produzido sobre e na escola, co