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Revista Estudos Amazônicos • vol. XI, nº 2 (2014), pp. 210-234 Territórios e Territorialidades na Amazônia: A recente história ambiental da região do baixo rio Tocantins – reflexão a propósito de um caso particular de estudo Adriana Simone do Nascimento Barata Resumo: O presente artigo pretende fazer uma abordagem sobre as novas territorialidades dinamizadas pela construção do projeto da UHT na região do baixo rio Tocantins – Sudeste paraense, direcionando o nosso olhar para a realidade socioambiental das áreas protegidas do Mosaico Tucuruí. Palavras-chave: Territorialidades; História; Amazônia. Abstract: This article intends to approach the new territorialities streamlined by the construction of the UHT project in the lower Rio Tocantins - Southeast Pará, directing our attention to the social and environmental reality of the protected areas of the Tucuruí Mosaic. Keywords: Territoriality; History; Amazon.

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Revista Estudos Amazônicos • vol. XI, nº 2 (2014), pp. 210-234

Territórios e Territorialidades na Amazônia: A recente história ambiental da região do baixo rio Tocantins

– reflexão a propósito de um caso particular de estudo

Adriana Simone do Nascimento Barata

Resumo: O presente artigo pretende fazer uma abordagem sobre as novas

territorialidades dinamizadas pela construção do projeto da UHT

na região do baixo rio Tocantins – Sudeste paraense, direcionando

o nosso olhar para a realidade socioambiental das áreas protegidas

do Mosaico Tucuruí.

Palavras-chave: Territorialidades; História; Amazônia.

Abstract: This article intends to approach the new territorialities streamlined

by the construction of the UHT project in the lower Rio Tocantins

- Southeast Pará, directing our attention to the social and

environmental reality of the protected areas of the Tucuruí Mosaic.

Keywords: Territoriality; History; Amazon.

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Relicários

As memórias da infância são aquelas que nos acompanham por toda a

vida, são com elas e através delas que vamos estabelecendo as conexões e

experiências humanas com o mundo das coisas, da cultura, nossas

territorialidades. Elas são como relicários.

O universo paraense é recheado de poetas e escritores que tem tradição

em contar suas memórias da infância envolvidas pela cultura do mundo

Amazônico, em forma de poesias, crônicas, contos, ensaios, romances,

teses, são eles: Max Martins, Ruy Barata, Benedito Nunes, Eneida de

Moraes, João de Jesus Paes Loureiro, dentre tantos outros da literatura

paraense.

Para comunicar das nossas próprias experiências, e apesar de também

termos nascido e vivido durante a infância em meio às formações

florestais, caminhando desde cedo com os pés no chão pelo solo arenoso

da Mesorregião Nordeste paraense e micro região do Salgado (Vigia e São

Caetano de Odivelas) onde nosso avô/avó materno(a) (caboclos

amazônicos) tinham pequenas propriedades de terras para agricultura de

subsistência. Foram eles que desde cedo nos ensinaram o valor do

trabalho, do cultivo da mandioca e sua produção na casa de farinha, da

coleta dos frutos tropicais nos quintais frutíferos, da pesca do peixe nos

inúmeros e emaranhados braços de rios que cortam a microrregião e da

coleta dos mariscos em seus mangues. Um tempo em que o lúdico esteve

consoante ao trabalho árduo dos adultos, mas como diria Eneida de

Moraes,1 o banho de cheiro também nos preparava para o Círio de Nazaré

em Vigia; os igarapés de águas correntes claras e límpidas de São Caetano

que eram úteis ao descanso da mandioca também serviram como um

primeiro ambiente onde aprendemos a nadar de forma livre.

Aos poucos fomos rompendo concretamente com “aquele” mundo

infantil e nos introduzindo de forma permanente à escolarização na cidade

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de Belém (por volta dos sete anos de idade), uma espécie de retorno ao

começo, uma vez que foi na capital que nascemos.

A morte precoce e acidental de um tio2 na Usina Hidrelétrica de

Tucuruí no início dos anos de 1980 se tornaria o evento que mudaria a

vida da minha família de origem (e a minha também), minha avó, avô, tios

e tias em 1983 retornaram para Vigia.

Enfim, muito de experiências fomos acumulando ao longo das

vivências por Belém e pelo interior amazônico (na fase infantil), por vezes

convivendo com a riqueza, outras a conviver com a pobreza, mas como

nos comunica George Agostinho Baptista – filósofo português que

considera ser a Liberdade a mais importante qualidade do ser humano a

pedra onde nós damos a topada, tanto serve para nos fazer cair como para pôr o pé em

cima... para ver mais longe!

É neste contexto que iniciamos este artigo, e teremos como foco o

tema das territorialidades construídas/desconstruídas na microrregião de

Tucuruí, onde realizamos um estudo de caso sobre as áreas protegidas do

Mosaico Tucuruí no âmbito do nosso Mestrado acadêmico (anos

2010/2011).

Introdução

Alguns estudos ambientais na atualidade estão direcionados às áreas

protegidas, estas constituem objeto de preocupação e interesse da parte de

diversos setores acadêmicos que se voltam para as diferentes abordagens

científicas e temas correlacionados à questão da criação, gestão/manejo,

turismo, infraestruturas e conflitos nessas áreas. Subjacente às discussões

desses territórios protegidos estão as análises voltadas à ecologia política,

uma tarefa difícil de conjecturar devido a complexidade ecológica dos

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sistemas naturais e sócio-político-culturais aos quais estes espaços estão

inseridos.

O debate acadêmico sobre as áreas protegidas evoluiu na medida em

que cresceu a preocupação política internacional ambientalista com a

exploração ilimitada dos recursos naturais e o uso sustentável dos mesmos,

dando ênfase para a necessidade de se compatibilizar valores humanos

com os ecológicos, reconhecendo a condição humana como natural

evolutiva, ou seja, o homem é parte da natureza, não está dissociado desta.

Esta concepção corroborou-se nos encontros políticos internacionais

realizados em diversas regiões e cidades do mundo sobre a demarcação e

institucionalização de territórios para fins de proteção e conservação da

biodiversidade e dos ecossistemas naturais e da melhor qualidade de vida

das populações residentes nessas áreas, a exemplo de Seattle (1962),

Yellowstone (1972), Bali (1982), Caracas (1992) e Durban (2003). Debates

que se realizaram no âmbito da IUCN – União Internacional de

Conservação da Natureza.

Segundo Miguel Ángel Troitiño Vinuesa3 na atualidade em contexto

europeu, os países desenvolvidos estão a preocupar-se com a nova ordem

ecológica que se insere nos processos de desenvolvimento, ou seja, as

áreas protegidas estão a ser criadas para a dinamização do meio rural, em

zonas que se caracterizam pelo baixo nível de desenvolvimento, ou por

estarem sujeitas a fortes pressões turísticas e ainda desenvolverem relações

de conflito com as demandas do Estado e seus estatutos. As premissas

teóricas europeias acreditam que as áreas protegidas podem funcionar

como instrumentos legais de ordenamento do território para a proteção

do meio ambiente e desenvolvimento rural e devem ser entendidas na

perspectiva da superação de modelos que sacralizam a natureza e satanizam

toda intrusão antrópica para fins de dinamização social e econômica,

embora considerando que as relações que se estabelecem entre o ambiente

natural e o meio social, ainda são condicionadas pela contradição que se

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apresenta de forma multifatorial e subjaz às relações homem–meio–

natureza.

Nos países em desenvolvimento, há um processo em curso que diz

respeito às resistências referentes ao controle territorial imposto pelo

Estado e a seus mecanismos limitadores dos “direitos” das comunidades

residentes nas áreas protegidas. Para além das condições socioeconômicas

e culturais em que as comunidades estão inseridas, existe também uma

multiplicidade de fatores subjacentes ao processo de gestão e manejo das

áreas, como: a limitação jurídica e os interesses da gestão não coadunados

com os interesses das comunidades locais; os conflitos agrários

relacionados a não regularização fundiária; o contrabando de espécies

faunísticas e florísticas; a precária fiscalização e infraestrutura dos órgãos

gestores; a insuficiente quantidade de técnicos para o trabalho de gestão e

aplicação de projetos de manejo; a exploração ilegal dos recursos florestais;

as dificuldades de formação dos Conselhos Gestores, a não aprovação e

aplicação de planos de manejo.

Para comunicar da história e das experiências vividas na Amazônia

brasileira, fizemos a escolha de uma abordagem sobre a recente dinâmica

que vem se estabelecendo na região do baixo rio Tocantins, onde

podemos localizar o Mosaico de áreas protegidas demarcadas no início do

século XXI (ano 2002). Estas estão na influência do lago da Usina

hidrelétrica de Tucuruí e foram criadas para fins de Ordenamento do

Território e controle dos conflitos sócio espaciais que se desenvolveram

após a construção da barragem da UHT naquela microrregião. Onde as

comunidades tradicionais de pequenos agricultores – lavradores,

pescadores artesanais, caçadores, coletores e trabalhadores migrantes

atingidos e não absorvidos pela construção do projeto, passaram a entrar

em choque com os grupos Empresariais e Estatais que se estabeleceram

na região para fins capitalistas (Mais-valia), ou seja, para a exploração e

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potencialização dos recursos hídricos, planejados para subsidiar com a

energia elétrica os projetos de exploração mineral, pecuários e agrícolas no

âmbito do PGC – Programa Grande Carajás.

A antiga e recente dinâmica socioambiental do baixo

Tocantins

Nos séculos XVII e XVIII a região atual do baixo Tocantins era

configurada por quedas d᾿ águas (cochoeiras) chamadas de Itaboca,

difíceis de serem transpostas serviram durante muito tempo de canal de

ligação entre o Norte e o Centro-Oeste brasileiro, de ponto de parada para

as expedições bandeirantes e dos jesuítas que desbravaram o lugar a

procura do ouro, escravos fugidos e da domesticação de indígenas.

Alcobaça foi primeiro nome dado àquela localidade mais tarde

denominada de Tucuruí.

No início do século XX o lugar serviu de entreposto comercial para

dinamização da economia da borracha e da castanha-do-pará, produtos

exportados à Europa e Estados Unidos. A exploração da borracha e da

castanha já neste tempo estimulou o afluxo de migrantes nordestinos que

se embrenhavam na floresta para o trabalho da coleta desses produtos, na

região de Marabá, Itupiranga e Tucuruí.4

Na segunda metade do século XX, pesquisas apontaram o trecho da

antiga Itaboca e sua potencialidade para a produção da hidroeletricidade.

Desde então a localidade passou a ser alvo de intensas transformações

territorial. O quadro geohistórico que se estabeleceu ao longo dos anos no

âmbito da execução do projeto da Usina de Tucuruí desenhou na base

espacial da superfície que restou após o enchimento da imensa albufeira

(lago),5 um cenário socioambiental de deslocados ambientais e de conflitos

ainda mal definidos, pouco estudados e complexos, atualmente

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configuradas como Reserva Sustentáveis – Alcobaça e Pucuruí-Ararão.

Onde, a partir dos anos de 1995 uma parcela da população remanescente

do projeto hidráulico, de forma abrupta e precária passou a ocupá-las para

fins de moradia e reprodução sociocultural, particularmente nas “ilhas” de

Alcobaça, uma região acessada somente por embarcação fluvial de

pequeno porte, por isso isolada do ponto de vista geográfico no contexto

microrregional.

A RDS Alcobaça até 2011 dividia-se em 12 comunidades chamadas de:

São Pedro, São Benedito, Mocaba, Lago Azul, Piquiá, Cajazeinha, Água

Fria, Cajazeira, Acapú. Esta foi objeto de estudo e pesquisa no âmbito do

nosso Mestrado (anos 2010 e 2011 – tempos do trabalho de campo), onde

procuramos investigar à época o fenômeno dos desmatamentos na RDS

Alcobaça, embora a lei SNUC6 venha a proibir a exploração predatória de

recursos naturais em Reservas Sustentáveis, o problema existia e constituía

um fator de risco para a área, onde a densidade populacional aumentou a

partir de 1995, quando efetivamente começou a ser ocupada.7

Sobre políticas públicas e conflitos nos espaços protegidos

Os conflitos que envolvem populações e autoridades do governo nas

áreas protegidas não são fenômenos recentes. Podemos citar o exemplo

emblemático do Parque Yellowstone, que final do século XIX, foi palco

de tensos conflitos entre indígenas e o Estado. Essas populações

tradicionais depois de terem vivido em harmonia com a natureza durante

alguns séculos entraram em choque com os militares do governo que

passaram a utilizar a força para a desocupação do Parque, uma vez que a

wilderness dotada de exuberância (e a bem da verdade ainda é) deveria ser

preservada e proibida da intrusão humana para fins de permanência como

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previa o estatuto. Um paradigma que se estendeu para o imaginário futuro

dos processos de criação de áreas e parques no mundo.

Segundo Miguel Ángel Troitiño Vinuesa alguns pontos precisam ser

considerados em relação aos problemas que imobilizam as ações do

governo e o processo de desenvolvimento das áreas protegidas, pois há

uma dificuldade irrefutável de que não é fácil compatibilizar a proteção

com a promoção das áreas rurais debilitadas. Podemos resumir alguns

importantes pontos de nossa concordância, discutidos pela autora como:

Há uma multiplicidade de opiniões, quase sempre

divergentes voltados aos próprios interesses dos grupos, acerca

de como esses territórios devem ser geridos e desenvolvidos,

sejam: grupos de ecologistas, sindicatos agrários, associações

culturais, promotores de iniciativas turísticas, caçadores, empresas

exploradoras de recursos naturais, universidades.

Existe muito de resistências aos estatutos de proibição e

limitação aos residentes, com frequência inútil que parte da lógica

de quem não entende o funcionamento social do território.

Os agentes do governo acabam por confundir

participação popular com informação acerca dos estatutos, a real

participação cidadã quase sempre é negligenciado, fato que

colabora para os fracassos nos acordos de uso e exploração dos

recursos.

Se reclama às autoridades as ajudas, as responsabilidades,

indenizações, e planos que concretizem o desenvolvimento

socioeconômico. Pois a cultura da desassistência que penetrou

profundamente o espaço rural acaba por se projetar para a gestão

dos atuais espaços “protegidos”.

Existe da parte dos residentes um medo da perda de seus

territórios a troco de muito pouco ou de nada, reticências que vão

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se corroborando, muito em função dos descréditos em relação às

ações da gestão.

Território e territorialidades nas Reservas Sustentáveis do

Mosaico Tucuruí

As duas RDSs Alcobaça e Pucuruí-Ararão criadas por lei Estadual nº

6451/02 localizam-se nos limites dos dois municípios de maior pressão

antrópica e abrangência territorial administrativa na região do lago:

Tucuruí e Novo Repartimento. Durante o tempo em que estivemos em

contato com a realidade das áreas, observamos que ao longo dos anos o

processo de gestão das áreas do Mosaico do lago de Tucuruí limitava-se

aos POA (Planos Operacionais Anuais) que se configuravam como

alternativas de intervenção do Estado nas áreas através dos trabalhos de

Educação ambiental, organização de infraestruturas, comunicação com a

comunidade residente, levantamentos demográfico, etc. Uma vez, que as

áreas não contavam com o Plano de Manejo, e onde havia um Conselho

Gestor deliberativo que atuava de improviso, sem a aprovação oficial do

órgão gestor – a SEMA (atual Secretaria Estadual de Meio Ambiente e

Sustentabilidade). Problemas que moviam os conflitos entre os residentes

das áreas e o órgão Gestor.

No tempo de contato com a realidade, entendemos que as novas

territorialidades que estavam a se desenvolver nas reservas sustentáveis de

Alcobaça e Pucuruí-Ararão, manifestavam-se como resistências

sociocultural, sociopolítica, socioeconômica, e também ecológica.

Construídas e reproduzidas num jogo de poder e correlação de forças

constantes, dinamizadas pelos processos de dominação e controle do

espaço, que para além do visto estava o vivido, ou seja, teias

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(territorialidades), que diferenciavam os interesses da população e/ou

grupos capitalistas, estabelecendo no imaginário popular daquela gente o

conceito do outro – os intrusos, os estranhos àquela realidade, que se

apresentava como contraditória a todo um processo de desenvolvimento

trazido e introduzido de fora para dentro, e que havia despertado naquela

população (pelo menos num primeiro momento) a perspectiva de

mudanças em sua qualidade de vida, assistindo ao longo dos anos a

inserção dos processos produtivos em seu meio, entretanto a ficaram

marginalizadas, alheias aos benefícios do projeto e a conviver com os

danos ambientais e sociais, desapropriadas das condições de que

necessitavam para alcançar o desenvolvimento social das comunidades

envolvidas e de suas futuras gerações.

Para António Gama8 o Território manifesta-se através das

territorialidades construídas historicamente pelos homens, que podem

interagir de forma concordante ou contraditória, revelando os conflitos e

tensões expressas nas relações de poder presentes no quotidiano e nos

lugares. Neste sentido o autor concebe o Território como uma inscrição do

poder (representação do poder em um espaço) à maneira de um palimpsesto,

ou seja, sobreposições, temporalidades e condicionantes de futuros jogos

sociais. Assim, o Território pode ser (re) produzido e representado,

revelador da articulação de signos da natureza com a cultura em diferentes

lugares, expressando a estrutura peculiar e idêntica de uma determinada

sociedade.

Thomas Dixon9 problematiza a questão da privação relativa

relacionada à escassez dos recursos naturais geram os chamados déficits

ambientais. Problemas estes, coadunados às externalidades locais, aos

grupos étnicos/religiosos/políticos e que dizem respeito aos conflitos e às

relações entre estes e que por vezes desencadeiam os conflitos ambientas

gerando a insegurança, provocando, por exemplo, fenômenos como os

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deslocados ambientais, estes estão relacionados à interação entre o aumento

populacional, a degradação do ambiente e a escassez de recursos e que

pode gerar a Resource capture, ou seja, a apropriação de recursos (no caso os

hídricos) por grupos dominantes deixando em desconforto ambiental

grande parte das populações, como foi evidenciado, por exemplo, em seus

estudos de caso pelo território da Palestina.10 Deste modo e segundo este

autor pode se desenvolver fenômenos a partir da Ecological marginalization,

aonde o intelectual acredita que o crescimento populacional combinado

com o desigual acesso a recursos pode motivar o deslocamento de

populações carentes para áreas de maior fragilidade ambiental, como em

alguns domínios de florestas tropicais. Foi o que ocorreu na região do lago

de Tucuruí nas décadas de 1980 e 1990, onde o afluxo populacional de

migrantes no ponto de chegada na cidade de Tucuruí a partir do final dos

anos de 1980 ocasionou o aumento da densidade populacional e

posteriormente os deslocamentos para as áreas impróprias, atingidas pelo

lago – topos de morros e colinas, atual Reservas de Desenvolvimento

Sustentável, ocasionando os desequilíbrios ecológicos e socioambientais.

Neste contexto, o processo de desenvolvimento, caracterizado pela

sociedade tecnológica moderna, que se expressa através do discurso

antropocêntrico de dominação da natureza e negação do “outro” (aqui no

caso das populações tradicionais), se deslocara para fronteiras de regiões

débeis como o meio rural Amazônico, afetando suas comunidades já

empobrecidas e carentes, submetidas a condições ecológicas adversas e

que acabaram por ficar à margem assistindo como expectadores

inconvenientes a espoliação dos recursos naturais existentes na região sem

lograr a melhoria da qualidade de vida no lugar, que mesmo antes de serem

demarcadas para conservação já haviam sido ocupadas, em função da

dinâmica da implantação do projeto hidroelétrico envolvido em muitas

polêmicas e choques com a população, problemas que se projetaram para

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o futuro contexto da gestão das áreas. Durante o nosso trabalho de campo

constatamos que nas Reservas de Alcobaça e Pucuruí-Ararão não havia

energia elétrica, apesar da UHT se localizar a 7 km das áreas, não era

fornecida para as comunidades, por isso conservavam alimentos em caixas

de isopor com gelo ou de forma “rudimentar” salgavam o peixe para o

consumo diário. Não havia atendimento básico de saúde, nem escolas,

havia, entretanto, habitações insalubres e precárias sem as condições

sanitárias adequadas, como se pode mostrar nas imagens abaixo:

Actas: a mobilidade política popular local

O empreendimento da usina de Tucuruí ocupou um imenso espaço,

que anterior a todo o processo era território de reprodução social de

pescadores artesanais à jusante e montante do lago, reservas indígenas (dos

paracanãs e pucuruís), posseiros e milhares de colonos (lavradores) que

foram assentados em lotes bem menores do que os anteriores ocupados.11

Estes segmentos sociais ao longo dos anos passaram a se mobilizar

politicamente para auferir acesso aos Royalties destinados à mitigação dos

RDS Alcobaça. Fotografia do acervo da autora

(2011)

Alcobaça. Fotografia do acervo da autora (2011)

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impactos ambientais, assim como, passaram a exigir do Governo e da

Eletronorte o ressarcimento aos danos sofridos durante e no pós-processo

de expropriação e assentamentos mal planejados e indenizados.

O exemplo cita abaixo o registro referente a uma reunião do Conselho

Gestor das Unidades de Conservação e representantes Comunitários das

várias localidades circundantes do lago Tucuruí, organizada pelo órgão

gestor do Mosaico:

Ata da Reunião do Conselho Gestor da Apa/Tucuruí

No dia 05 de novembro do ano 2010, às 10:31 na Associação

Comercial e Industrial de Jacundá foi dado início à reunião do

Conselho deliberativo da APA do lago Tucuruí, com a presença dos

Técnicos da SEMA Sr. Horácio Câncio Lemos Neto (Técnico

superior), Sr. Gleidson da Silva Souza (Técnico superior), Srª Adriana

Simone do Nascimento Barata (Técnica superior), Srª Mara Fernandes

Rodrigues (Assistente Social) e o Srº. Augusto Ferreira Filho (Gerente

da APA) que coordenou a reunião. O Srº. Augusto Filho começou a

reunião agradecendo a todos pela presença identificando todos os

representantes do Conselho em nº oficial de 11 pessoas, tendo o Srº.

Samuel Pereira (gerente anterior da APA) interrompido e se colocado

sobre a lista de representantes que segundo ele não estava de acordo

com o nº legal, o Srº. Augusto Filho argumentou que «.. a portaria

precisa ser revogada para que saia a lista dos novos conselheiros» «o

Srº. Samuel Pereira novamente colocou que se os nomes oficiais não

estão mais, como vão aprovar o regimento interno?» «O Srº. Augusto

Filho mostrou a lista recente enviada a SEMA» «Srº. Esmael (CEAP-

Centro Agroecológico de assessoria de Educação Popular – Tucuruí)

não há lista oficial» houve questionamentos generalizados, falas sobre

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a lista oficial e os presentes o que foi pedido pela Técnica da SEMA

Srª Adriana para que se ordenassem as falas «Srº. Esmael, nomes

indicados pelas prefeituras estão publicados no Diário Oficial? O

quadro de conselheiros não está completo, isso é ilegal» «Srº. Sérgio

(Novo Repartimento), o erro é da nova coordenação que nos

convocou para aprovar o regimento sem os conselheiros da lista

oficial» «Srº. Augusto Filho: os conselheiros não mudaram no total, se

hoje não podemos discutir o regimento outras pautas podem entrar na

reunião» «Sr. Edilson (Prefeitura de Tucuruí) eu não estou como

palhaço para aprovar o regimento precisa de ordem e diário oficial,

mas se há maioria é uma questão de ordem para discutir a Comissão,

a questão de ordem existe pendência legal, mas não pode acontecer e

nem “turbar” a reunião» « Srº. Alexandre (Nova Ipixuna) não foi

direito a voto?» «Srº. Cláudio (IBAMA) vamos contribuir de forma

positiva à ideia, peço para a mesa proibir o uso do celular para evitar...

temos que ter os pés no chão e seriedade, quando se trata de um

Conselho que necessariamente precisa de diário é aconselhável tomar

decisões para que mais na frente não haja situações judiciais devido a

resistência de vários outros conselheiros, mesmo que se tenha a

maioria aqui, qualquer um pode entrar no Ministério Público e a

reunião pode acabar com problemas. É importante a discussão e que

se encaminhe provável data...nomes para sair no diário...é preciso bom

senso para o entendimento» «Srº. Esmael 1º lugar falamos muito de

respeito...que nos subestimam agente e muitas vezes é mais burro e a

lei que nos protege. Estamos esperando a legalidade deste Conselho a

quatro anos. A SEMA não foi capaz de legalizar o conselho» «Srº.

Augusto, esta não é a primeira reunião» « Srº. Esmael, as reuniões

anteriores foram todas ilegais, a única reunião que saiu no diário foi a

que ocorreu na SEMA a quatro paredes. Tá claro a incompetência, já

propomos na Comissão a socialização e democratização para o

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regimento interno. Estamos criando uma lei que é dos moradores. Eu

estou me considerando um palhaço – e nesse fato da incompetência

os condicionantes da ELETRONORTE que já cobrados .. o

aeroclube, tudo foi legalizado .. o pescador não pode pescar, dez ilhas

desmatadas .. isso é palhaçada – trabalho foi a criação da Unidade, a

comunidade não tem envolvimento, se tornou casa de todo mundo ..

propor criar essa comissão comunitária para aprovar o regimento

interno, num processo organizativo do Conselho Gestor – parece um

bicho de sete cabeças – tu sabes o Estado me ameaçou – o que eu

passei para criar esta UC, não podes estou sendo queimado, o

secretário não tem agente de meio Ambiente» «Srº. Samuel Pereira vou

tentar resumir, acabamos de sair do processo democrático onde foi

eleito o presidente .. aqui temos uma Unidade atípica que foi criada a

partir de um crime Ambiental, da Barragem de Tucuruí .. estamos

perdendo tempo discutindo o regimento interno .. a cada conselho o

prazo é 90 dias para implantar o regimento interno .. é mesma coisa

que querer dar ordem dentro da minha casa. Cadê os Conselheiros?

Cadê o plano de manejo? O regime interno que está se querendo

colocar é que o povo não tem direito a nada – o Cláudio não veio não

participou, se não haver participação da sociedade .. o Conselheiro não

é absoluto» «Srº. Leonilson (Jacundá) 1º enquanto tiver um impasse

dessa natureza, não pensando na legalidade, na prática .. é retomar as

responsabilidades das bases, no cotidiano, na vida das comunidades,

das famílias, que está à frente ... tomar posicionamento que represente

a base, ou acabar tendo esforço em vão, a base não terá aplicação na

íntegra e não se chega a lugar nenhum, estamos deixando de tocar

projetos e outras questões, perda de tempo, precisa intensificar a

questão, fundamental é o compromisso, responsabilidade para

representar a base. Muita discussão, queremos um tratamento à altura

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que a área precisa» «srº. Jailton (BASA-Tucuruí) ... a questão dos

conselheiros, quantos tem no diário oficial? E quantos não tem? Os

que não estão não terem conhecimento? O que foi essa luta? A eclusa

vai atingir Itupiranga, Ipixuna, Nova Goianésia, Tucuruí e Breu

Branco, que não foi chamado na audiência sobre a navegação e os

Conselhos não foram convidados, os conselheiros precisam estar

cientes do seu papel, tão porque estão num cargo público para assumir

a carga dos prefeitos. Estou para representar o banco, 70% querem

financiamento, a questão do parque aquícola por quem aprovou o

projeto, assumir nossas responsabilidades ., eu nem vi que sou da APA

se posso ou não plantar. Se o conselho não se reúne como vai construir

para fazer alguma coisa para orientar, substituição de identidade,

aqueles que estão no diário a FAEPA nunca vieram numa reunião. Qto

à comissão é importante levar aos Conselheiros para saberem o que é

o povo da APA, nos últimos anos a APA é só RDS e Tucuruí, todos

os outros municípios a APA não atingiu como um todo, todos devem

participar» «Srº. Augusto Filho todos nós já participamos de alguma

reunião. Isso não é um “cavalo de batalha”, não é ordenador, o plano de

manejo é que vai orientar, nós temos que garantir às comunidades

participação no plano de manejo, que está atrasado mais de dois anos,

o Sr. Samuel sabe das dificuldades, eu não nasci Gerente, mas, sou

trabalhador e sou democrata .. o Sr. Samuel disse que só vai entrar

Gerente, eu tive que tirar meu pessoal da sala, tive que evitar conflitos,

não tem nada de anti-democrático, estou a escrever um trabalho, tenho

55 anos, tenho uma história, tenho uma participação na comissão

paritária que criou o MOSAICO – outra coisa na semana passada

várias notificações..» «Srº. Joãozinho (Colónia de pescadores de Novo

Repartimento) vou dizer uma coisa trabalho oito anos, assumi como

presidente ano passado, chega um momento que dá desânimo, tenho

preocupação com aquele setor, mas nunca é como .. por mais que se

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tenha sensibilidade, você não sabe. Existe uma desunião muito grande

de pessoas, que para terem entendimento...,situações difíceis até

envergonham a pessoa que quer trabalhar de forma correta. Que se

tenha a sensibilidade – as ZPVS quando foram criadas o povo já

estava, houve junto à ELETRONORTE ... o povo continua sofrendo,

a APA continua explorada pelos fazendeiros, o pequeno produtor não

tem legalidade, fazendeiro tem dinheiro e faz o que quer, 60 alqueires

foram derrubados no chão .. se houver meios legais para o

planejamento, se não houver que se tente de forma que se tenha debate

para dar encaminhamento, tenho diploma da SEMA de membro titular

da RDS, acredito que quem foi indicado, tem suficiente para dar

indicação para este conselho – todo mundo aqui é trabalhador» «Sr.

Samuel vou aproveitar a fala do Augusto o regimento interno é o

coração da Gestão ... eu discordo e até lamento, nós não temos gestão,

a boa é o plano anual, 600 mil em 2010 , ficou 800 mil e nesse período

gerou de royalties 200 milhões para o Estado, não tiveram 800 mil para

fazer gestão, mas quantas vezes o conselho chamou para fazer gestão?

Meu irmão se eu ficar aqui em Jacundá e a esposa bonita lá em Tucuruí

... para fazer gestão tem que ficar aqui no lago, a gente vai fazer gestão

em dez reuniões no lago? Isso tem que constar no regimento, os

recursos tem que ser aplicados, o povo é o mais pobre, e a região mais

rica – 1 milhão que tirasse para fazer gestão estaríamos resolvidos. A

lei foi criada e não podemos alterar. Precisa do plano de manejo,

precisa do gelo .. ninguém pode liberar .. a vida do lago .. eu moro aqui,

qualquer discernimento o escritório resolve, a cada três meses a coisa

pára, terça feira as eclusas vão ser inauguradas pelo Lula» .. O Srº.

Augusto propôs um intervalo as 12 hs. «Sr. António (ouvinte)

realmente há uma preocupação enorme no setor da pesca, o conselho

está “capenga”, todas as reuniões vieram das entidades mãe, a questão

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social perdia, perde, a gente tem que compor o conselho por causa da

legalidade. A lei é clara: coordenar as ações no lago, e isso as vezes, a

gente que acompanha sente na pele. A comissão tem duas coisas,

quantos conselheiros estão legalizados? Quantos estão no diário? Os

conselheiros podem ser a própria Comissão? Janeiro é outro governo,

outra moda de conversa. Em Itupiranga maior preocupação abrirem

os canais os resíduos, balsas de 180 metros, os pescadores vão pescar

onde? Tudo isso é preocupante. Onde está a SEMA? Aqui a discussão

é compor um conselho e depois voltar, eu represento uma categoria ..

temos que legalizar, estamos discutindo a APA e dizer o que sente,

tenho compromisso com a APA» «Srº. Augusto, eu vou só fazer a dos

que estão presentes» O Srº. Augusto fez a leitura dos conselheiros da

lista oficial e fez a contagem dos que se encontram na sala, num total

de 11 conselheiros, tendo a Srª Mara (Assistente Social) se colocado

no sentido de mostrar de que há condições para dar prosseguimento

com o nº de representantes oficiais presentes, «Sr. Edenilton (Jacundá)

a mesma situação se deslocar e não resolver nada, o conselho tem uma

importância muito grande, precisa do aval do conselho, você é uma

falha, vamos encaminhar nomes para o conselho, você tá atrapalhando

ao invés de contribuir – o parque aquícola tá atrapalhando, se o

conselho existisse a licença já havia saído, vamos encaminhar» «Srª

Celenice (Sindicato de Tucuruí) a FETAGRI vai ter substituição? Eu

queria que ficasse a Virgínia» «Srº. Augusto, as organizações se

propuseram a participar do conselho, estamos num trabalho com a

entidade, queremos ser representados pela organização dos

trabalhadores, eu só quero compartilhar meio de 2007 a 2010, não

houve nenhuma reunião do conselho, não tinha isso, estamos

encaminhando, eu não posso discutir com o secretário, mas posso

discutir com uma comissão a questão da assistência, Royalties,

impostos, até hoje a depredação do escritório ... eu penso isso sou

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hierarquicamente menor, as organizações são independentes as

representações da prefeitura, sexta feira vamos publicar a portaria ...

nas Ucs todos são representantes, levam isso as suas comunidades»

«Srº. Esmael, a gente já percebeu ... a nossa intenção é não ter gestão,

passa mais dois anos e não fazem nada, até hj ainda precisa ser

publicado no diário oficial, 1º qual é a função do conselho? 2º

movimento entre partite entre o poema e a ELETRONORTE,

ninguém sabe a prestação de contas, isso tá no Ministério Público, o

recurso tá com a SEMA, se nossa posição é deliberativa temos que

fazer ... a SEMA deve a prestação de contas para a ELETRONORTE.

Nós não vamos formar comissão....Então companheiro a comissão

tem uma função saí e reunir e chamar o Ministério Público, o povo da

ilha tá abandonado, hoje não tem peixe nem farinha, estado de miséria,

esperando que a vida seja discutida, eu nós movimento tamos “pagando

o pato” nós não temos voadeira e nem combustível .. temos que mostrar

à comunidade o poder que eles tem» «Srº. Edenilton(Jacundá) essa

comissão teria poder? E .. parar com esse negócio de estar vindo lá de

Belém e ganhar “diária gorda” pra que o prefeito entenda...o que o

conselho gestor a SEMA entendimento com o poder público e até

agora não fizeram. É necessário discutir o Seguro Defeso, tem o

cadastramento dos moradores .. sempre aparece alguma coisa para

atrapalhar o que nós criamos .. não tem nada até hoje, é a Unidade

mais rica, além das riquezas patrimônio natural, para passar as balsas,

tudo isso com anuência da SEMA, agora quem busca recursos? Não

tem mais gerência, temos a função de construir um nome, só assim

vamos descentralizar .. não tem prestação de contas, estamos só para

assinar» «Srº Augusto Filho, não aceita a ordem cristã que o estado..

2º, há um contrato com da ELETRONORTE - Poema e SEMA,

temos recursos para o gelo e para comprar o peixe ... glosas .. glosar

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despesas .. a SEMA não recebe recurso .. entregamos à ele .. a SEMA

fez sua parte...se tem alguém é quem tem o recurso para executar e a

ELETRONORTE não aceitou as glosas, várias organizações tem

problemas...o orçamento .. se temos que planejar vai para dentro da

APA, não adianta guardar e não poder executar .. me proponho formar

um grupo de trabalho, outra é que não deu certo outra vez essa

comissão dos municípios, cada município dá apoio para que a

comissão possa avançar» «Jailton (Novo Repartimento) proponho

duas comissões uma com a SEMA e outra onde a SEMA não esteja

junta, se é de comum acordo .. o conselheiro decide isso, até o

momento na intromissão do Samuel, Sérgio, na Unidade todas as

pendências, temos sede, desejo, são pendências para serem discutidas

no Conselho, já temos uma parte e a outra não, se não há, não querem

discutir o regimento, vamos deixar para discutir quando todos

estiverem substituídos, agora não faz sentido que a Comissão não pode

incluir a SEMA .. isso é manipulação, não pode “descambar” para

desvirtuar .. é uma questão legal...temos que aglutinar as duas

propostas .. a SEMA tem a estrutura e não tá fazendo, isso é absurdo»

«Srª. Sérgio, sem ele na base, a comissão tem que fazer o trabalho de

base, 1º organizar, arrumar o regimento interno .. a comissão tem que

ser criada, se existe uma ação do Ministério Público contra a SMEA

não é legalista» «Srº. Esmael, ... até preocupado, eu vejo aeroclube lá

na frente, eu vejo resíduo de lixo e o dentro da área, isso é legalidade

pra ti? Se existe Ditadura .. que não consulta, agora existe isso» «Srº.

António, não há regimento não pode ser aprovado» O sr. Cláudio do

IBAMA pediu a palavra e não foi atendido. «Srº. Sérgio, tem que

discutir a pauta, tu é o presidente, seu dever é perguntar se é a favor

ou não da votação da comissão» « Srº Edilson colocou na pauta criação

da Comissão» «Sr. Cláudio outras pessoas não são conselheiros e não

podem votar .. o processo de construção ... quando começamos a

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discussão de criação da APA que era para ser uma área federal, tivemos

a resistência do Estado e das Prefeituras, nós construímos outra

alternativa que era Estadual e fizemos o trabalho, não é só lutar vamos

nos atropelar com 11 ... vamos convocar todo mundo .. não é justo,

não pensem quem o próximo governo vai dar colher de chá, se temos

que construir um conselho tem que ser agora .. temos reunião de

fôlego como fazíamos antes .. vamos dar um pontapé positivo .. 11

pessoas não adianta» «Srº. Ilson (Breu Branco) vamos colocar, publicar

no diário e voltar daqui a 15 dias ... eu sei lhe conheço, nós não estamos

satisfeitos com a sede, não temos acesso, não temos sala do conselho,

não estamos satisfeitos com a gestão, que o conselho não engula, só

queremos a gestão do nosso meio, que o conselho tenho voz e voto»

«Srº Augusto. .. a sede é em Tucuruí e a reunião aqui em Jacundá» «Srº.

Esmael, durante o Defeso é primordial para o pescador, se também

não se discute o defeso é sacanagem, os caras não tem seguro defeso

que é uma coisa e a lei é outra. Isso é humanidade? E aí? Vamos só em

cima da lei, assim como também na questão do MOSAICO, não se vai

implementar a questão do canal, assim como também ...não se pode

acabar com alevinos» «srº. Ilson me dos ou nº, mas o IBAMA .. na

verdade fica prejudicado de tomar a decisão .. os órgãos tem as

premissas legais. Como vai liberar? Isso é prevaricação se não se faz o

que manda a lei .. eu posso ser penalizado se não fazer .. se não tem

plano de manejo que seja levado ao Ministério Público .. eu sou a favor

que chegue ao Ministério público para se ter uma agenda moderada de

fiscalização» «Srº. Esmael, eu me preocupo .. mas to falando! To

falando! Meu amigo “peraí”, uns privilegiados outros não? Pra isso pros

ricos ajuste de conduta pra pobre ”taca”» «Srº. Joãozinho ( Colónia de

Novo Repartimento) somos civilizados ou não, o defeso já foi

discutido em Belém, no Ministério Público, no Ministério do Trabalho

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.. não vão ter conhecimento os presidentes de colônia eu vejo o Sérgio

brigar, isso é insignificante para avançar, eu estou com vontade de ir

embora» «srº. Cledenilton, a gente tá aí adiando o regimento ... 90 dias

para aprovar, temos que ter pauta para resolver os assuntos .. trás todos

e não delibera nenhum, a comissão já é os conselheiros, temos que

colocar a pauta na próxima reunião para começar deliberar» «Srº

António ouvi...todas as investigações .. as colônias tinham que receber

as diárias gordas ... o que o Ministério vai fazer com o pescador? ...

defeso vem antes de seguro .. não tinha defeso .. uma lei .. defeso vem

depois ... provar pra poder chegar o defeso ... receber é outra coisa ..

não só a pesca, mas agricultura familiar,...todo mundo mesmo, todos

no mesmo barco .. o seguro defeso não foi .. mas todo mundo vai

assinar, receber não, o que compete é finalizar o barco, a fiscalização

tem que ser séria, honesta sem aviso» «Srº. Claudio, esclarecido a

questão do defeso, na verdade tomado providência nesse sentido

chamamos as colônias, dia 1º começou o defeso, mas foi ponto

facultativo, quando vi a declaração do estoque 4ª e 5ª era pra convidar

os proprietários de geleiras dentro da APA, a SEMA .. eu não conheço

nenhum conselho que não defende o direito dos pescadores. Dia

09/11 lá na ELETRONORTE as 15 hs reunião com o Ministério

Público» «Srº. Leonilson acho mais interessante o entendimento com

a efetivação na APA, é entender como as coisas estão acontecendo,

todos os que estão no entorno o negócio é o mesmo .. o tempo e a

forma de discutir, na prática nem nós mesmos temos o consenso dos

trabalhos – tentar ver as propostas para entender as necessidades .. ter

um posicionamento ... legalmente ter toda a estrutura, na prática as

coisas não são implementadas .. o Município nenhuma ação articulada

com o IBAMA .. o conselho poder estar unindo isso, o grande

compromisso é tentar sair com uma proposta, onde se vê o andamento

das ações, nós temos o compromisso de deliberar as decisões» «Srº.

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Esmael, é o seguinte é pela última vez que a SEMA está com a gente,

não queremos mais falhas da parte da SEMA ... precisamos de

voadeira, de hotel, no cronograma vamos chegar com o Conselheiro,

vamos botar, vamos incluir a SEMA, que a comissão seja constituída

aqui...precisamos constituir esse Conselho, daqui a 15 dias já trazer

publicado no diário oficial .. e uma porrada de coisas, desbloquear os

recursos, precisamos trabalhar» «Srº. Augusto Filho, em quinze dias

vamos ver se teremos a portaria para acionar o Ministério Público»

«Srº. Sérgio em 15 dias os representantes das prefeituras já tem que ir

com o prefeito e passar o documento» «Srº. Esmael, é uma comissão

agora é nós, tem que fazer o orçamento precisamos encaminhar

demandas» «Srº. Cláudio, existe alguma discordância, precisamos

votar, não vamos excluir A, B ou C e sim ajudar» «Srº Cláudio, que

acontece, no máximo saí no diário ... só um passe, o que precisamos é

dar resposta para a sociedade, prestar contas, nenhum dia a mais, o que

precisa ser feito, o que ainda pode ser custeado de apoio. Outra é o

plano de Manejo» «Srº. Cláudio pode alterar a indicação da pauta» «Srº.

Joãozinho (Novo Repartimento) Hidrovia» «Srº. Augusto, vamos

chamar alguém do licenciamento ambiental» «Sr. Esmael até lá já

arrebentaram esse negócio todo» « Srº Cledenilton, pauta .. Defeso»

neste momento o Sr. Augusto interrompeu para chamar a lista da

comissão que ficou: Augusto, Ceronice, Andrelina, Esmael, Leonilson,

Cledenilton e Valdeci. E já a pauta da próxima reunião: Defeso,

Hidrovia, prestação de contas, detalhamento da execução financeira,

Licenciamento das atividades no lago. A próxima reunião será

realizada em Tucuruí/ELETRONORTE, dia 22 e 23 de novembro de

2010. Sem nada mais o Srº. Augusto Finalizou a reunião às 13h50min..

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Em Conclusão...

Enfim, as inquietações que se configuram como mecanismos

geradores de desequilíbrios ecológicos e socioambientais, vêm

exponencialmente fomentar o debate ecopolítico na atualidade, no sentido

de subsidiar a reflexão acerca do modelo de desenvolvimento em curso e

das relações entre homem – sociedade – natureza – recursos. Logo, essa

politização das questões ambientais traz para o debate a crítica sobre a

apropriação da natureza e a valoração monetária que se atribui à natureza

e seus recursos da parte de grupos capitalistas em detrimento de

comunidades empobrecidas. Deste modo, a questão territorial vai

adquirindo centralidade no debate teórico-político no contexto das áreas

protegidas.

Artigo recebido em dezembro de 2014

Aprovado em fevereiro de 2015

NOTAS

A autora é graduada em Serviço Social e em Geografia pela UFPa, é Mestre em Geografia Física pela UC – Universidade de Coimbra (Portugal) e Doutoranda em Geografia Humana pela mesma Universidade. E-mail: [email protected] 1 Eneida de Moraes (escritora paraense) era comunista e teve a liberdade cerceada, foi presa e sob a custódia do Estado tortura pelos nazi-facistas da ditadura no Brasil (Ver: MORAES, Eneida. Banho de Cheiro. Civilização Brasileira, 1962).

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2 O meu tio tinha 23 anos à época de sua morte, ele trabalhava na Usina de Tucuruí como eletrecista pela Camargo Corrêa, num final de tarde ao fazer reparos numa das linhas foi eletrecutado, outro funcionário acidentalmente havia acionado a chave de transmissão. 3 VINUESA, Miguel Ángel Troitiño. Espacios Naturales protegidos y Desarrollo Rural: Uma relación Territorial Conflitiva. Boletin de la A. G. E. n° 20. Universidad Complutense de Madri, 1995. 4 BARATA. Adriana Simone do Nascimento Barata. Ambiente e Ordenamento do Território: A Questão Ambiental dos Desmatamentos em Áreas Protegidas na Amazônia. Estudo de caso na RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) Alcobaça, Tucuruí-Pará-Brasil. Orientador: Dr. António Campar de Almeida. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras (FLUC), Instituto de Estudos Geográficos. Coimbra, 2011. 5 Geosítio à montante à margem esquerda da Barragem, configurada em topos de morros e colinas de diferentes cotas altimétricas vulgarmente chamados de “ilhas” localizadas a oeste do município de Tucuruí – RDS Alcobaça. 6 Lei SNUC nº 9985-00. 7ª Edição. Nov. 2007. 7 BARATA, Adriana Simone do Nascimento. Risco ambiental decorrente de desmatamentos e potencialidades para um desenvolvimento sustentável em espaços de micro zoneamento ecológico amazônico. O caso da Reserva de Alcobaça na região do Lago de Tucuruí – Pará. Cadernos de Geografia nº 30/31 - 2011/12. Coimbra, FLUC - pp. 17-23. 8 MENDES António Manuel Gama. O Território como inscrição do poder. Revista Locus. Coimbra nº 2-3, 1988. 9DIXON, Thomas F. Homer. Environment, Scarcity and Violence. Princeton University Press, 1999. 10 FERNANDES. João Luis Jesus. Degradação Ambiental e mobilidade Espacial das populações: Um tema geográfico no início do século XXI. Alguns comentários a propósito de um evento científico. Cadernos de Geografia n° 20. Instituto de Estudos Geográficos, Universidade de Coimbra, FLUC. 2001. pp. 125-135. 11 Boletim da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA. Reforma Agrária. Campinas. SP. V. 14 n° 4. 1984.