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CAPÍTULO 1 Quatro sociologias da política internacional O projeto sistêmico dos Estados 23 Estadocentrismo 24 Teorias sistêmicas 27 O Neorrealismo e seus críticos 31 Um mapa da teorização estrutural 39 Quatro sociologias 40 A localização das teorias internacionais 47 Três interpretações 51 A epistemologia e a via média 57 Plano do livro 59 PARTE I TEORIA SOCIAL CAPÍTULO 2 O realismo científico e as formas sociais O realismo científico e as teorias de referência 75 A independência do mundo 76 As teorias maduras se referem ao mundo 77 As teorias e o conhecimento sobre o não observável 84 Argumento definitivo a favor do realismo 88 O problema das formas sociais 92 Sobre causalidade e constituição 102 Teorização causal 104 Teorização constitutiva 108 Rumo a uma sociologia questionadora em teoria internacional 114 Conclusão 115 CAPÍTULO 3 “Ideias por toda parte?”: sobre a constituição do poder e dos interesses A constituição do poder pelo interesse 128 O modelo explícito de Waltz: a anarquia e a distribuição de poder 129 O modelo implícito de Waltz: a distribuição de interesses 135 Rumo a um materialismo simplório I 141 A constituição dos interesses pelas ideias 146 O modelo racionalista de Homem 148 Além do modelo racionalista 152 Rumo a um materialismo simplório II 163 Conclusão 168 17 71 123 SUMÁRIO

Teoria social da política internacional

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No momento em que foi publicado no exterior, o livro de estreia de Alexander Wendt se tornou imediatamente obra de referência não só para os estudos de Relações Internacionais, como também para aqueles que procuram compreender as transformações históricas da política mundial. Sofisticado, ousado e extraordinariamente provocador – não foram poucos os adjetivos da imprensa especializada. Baseando-se em filosofia e teoria social, Wendt propôs uma abordagem sistêmica das relações internacionais que contrasta com o mainstream realista. Para entender o fim do esquema bipolar e a atual distribuição do poder, o autor pensou além dos conceitos tradicionais e formulou uma tese que estabelece o sistema internacional, suas estruturas, agentes e processos como construções sociais, em vez de realidades materiais dadas. Lançando mão de uma abordagem construtivista, a obra nos encoraja a refletir com mais clareza sobre as questões e tensões contemporâneas.

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CAPÍTULO 1 Quatro sociologias da política internacional

O projeto sistêmico dos Estados 23Estadocentrismo 24Teorias sistêmicas 27O Neorrealismo e seus críticos 31

Um mapa da teorização estrutural 39Quatro sociologias 40A localização das teorias internacionais 47Três interpretações 51A epistemologia e a via média 57

Plano do livro 59

PARTE I TEORIA SOCIAL

CAPÍTULO 2 O realismo científico e as formas sociais

O realismo científico e as teorias de referência 75A independência do mundo 76As teorias maduras se referem ao mundo 77As teorias e o conhecimento sobre o não observável 84

Argumento definitivo a favor do realismo 88O problema das formas sociais 92Sobre causalidade e constituição 102

Teorização causal 104Teorização constitutiva 108Rumo a uma sociologia questionadora em teoria internacional 114

Conclusão 115

CAPÍTULO 3 “Ideias por toda parte?”: sobre a constituição do poder e dos interesses

A constituição do poder pelo interesse 128O modelo explícito de Waltz: a anarquia e a distribuição de poder 129O modelo implícito de Waltz: a distribuição de interesses 135Rumo a um materialismo simplório I 141

A constituição dos interesses pelas ideias 146O modelo racionalista de Homem 148Além do modelo racionalista 152Rumo a um materialismo simplório II 163

Conclusão 168

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123

S U M Á R I O

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CAPÍTULO 4 Estrutura, agência e cultura

Dois níveis da estrutura 183Microestrutura 186Macroestrutura 189Cultura como conhecimento comum e coletivo 196

Dois efeitos da estrutura 204Efeitos causais 206Efeitos constitutivos 211Em direção a uma visão sintética 218

Cultura como uma profecia autocumprida 224Conclusão 230

PARTE II POLÍTICA INTERNACIONAL

CAPÍTULO 5 O Estado e o problema da agência corporativa

O Estado essencial 245O Estado como objeto referente 246Definindo o Estado 247

“Os Estados também são pessoas” 262Sobre o estatuto ontológico do Estado 263A estrutura de agência do Estado 266Por que antropomorfizar o Estado ainda é problemático 269

Identidades e interesses 272O interesse nacional 282

Os Estados são “realistas”? Uma nota sobre o autointeresse 288

Conclusão 292

CAPÍTULO 6 Três culturas da anarquia

Estrutura e papéis sob a anarquia 306A cultura hobbesiana 315

Hostilidade 316A lógica da anarquia hobbesiana 320Três graus de internalização 323

A cultura lockeana 336Rivalidade 337A lógica da anarquia lockeana 341Internalização e o efeito Foucault 344

177

239

301

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A cultura kantiana 356Amizade 357A lógica da anarquia kantiana 359Internalização 362Além da problemática da anarquia? 367

Conclusão 369

CAPÍTULO 7 Processo e mudança estrutural

Duas lógicas de formação de identidade 386Seleção natural 389Seleção cultural 393Sumário 405

Identidade coletiva e mudança estrutural 406Variáveis mestras 413

Interdependência 414Destino comum 419Homogeneidade 423Autocontrole 427Discussão 434

Conclusão 437

Conclusão

Bibliografia

Índice

381

447

457

521

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CAPÍTULO 1

Quatro sociologias da política internacional

Nos trabalhos acadêmicos recentes, tornou-se lugar-comum descrever a política internacional como algo “socialmente construído”. Utilizando uma variedade de teorias sociais – teoria crítica, pós-modernismo, teoria femi-nista, institucionalismo histórico, institucionalismo sociológico, interacio-nismo simbólico, teoria da estruturação, entre outras –, os estudantes de política internacional têm cada vez mais aceitado dois princípios básicos do “construtivismo”:1 (1) que as estruturas da associação humana são de-terminadas sobretudo por ideias compartilhadas, e não apenas por forças materiais, e (2) que as identidades e os interesses dos atores internacionais são construídos por essas ideias compartilhadas, e não dadas pela nature-za. O primeiro princípio representa uma abordagem “idealista” da vida so-cial, e, devido à ênfase nas ideias compartilhadas, é também “social” de um modo que a ênfase oposta da visão “materialista” na biologia, na tecnolo-gia ou no ambiente não é. O segundo princípio é uma abordagem “holista” ou “estruturalista” devido à ênfase nas forças emergentes das estruturas so-ciais, o que se opõe à visão “individualista” de que as estruturas sociais são reduzíveis aos indivíduos. O construtivismo pode, portanto, ser entendido como um modo de “idealismo estrutural”.

Como sugere a lista anterior, há muitas formas de construtivismo. Nes-te livro, defendo uma delas e a utilizo para teorizar sobre o sistema inter-nacional. A versão de construtivismo que defendo é moderada, com base sobretudo na teoria interacionista simbólica e da estruturação. Como tal, ela oferece aspectos importantes às perspectivas materialista e individua-lista e endossa uma abordagem científica da investigação social. Por esses motivos, pode ser desprezada pelos construtivistas mais radicais por não ir longe o suficiente – de fato, trata-se de um construtivismo moderado. No

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entanto, vai bem mais longe do que a maioria dos acadêmicos mainstream que atuam hoje em dia na área de relações internacionais (ri),2 os quais muitas vezes relegam qualquer tipo de construção social ao “pós-moder-nismo”. Entre esses extremos, espero encontrar um meio-termo filosofica-mente fundamentado. Mostro, assim, que essa abordagem faz a diferença para pensarmos a política internacional.

O sistema internacional é um caso difícil para o construtivismo tanto no âmbito social quanto no da construção. Do lado social, enquanto nor-mas e leis governam a maior parte da política doméstica, autointeresse e coerção parecem reger a política internacional. Direito internacional e ins-tituições existem, mas a capacidade dessa superestrutura de conter a base material do poder e do interesse parece limitada. Essa perspectiva sugere que o sistema internacional não é um espaço muito “social”, e, assim, for-talece intuitivamente o materialismo nesse campo. Do lado da construção, enquanto a dependência dos indivíduos para com a sociedade afirma que suas identidades são construídas por essa sociedade de forma relativamente incontroversa, os atores principais da política internacional – Estados – são muito mais independentes do sistema social no qual estão inseridos. Seu comportamento em política externa é muitas vezes determinado primei-ramente pela política doméstica, o que corresponde à personalidade indi-vidual, mais do que pelo sistema internacional (sociedade). Alguns países, como Albânia ou Mianmar, interagem tão pouco com outros Estados que têm sido chamados de “autistas” (Buzan, 1993: 341). Isso sugere que o sis-tema internacional não contribui muito para a “construção” das nações e fortalece intuitivamente o individualismo nesse campo – considerando os Estados como “indivíduos”. O problema central nessa perspectiva é que a es-trutura social do sistema internacional não é muito espessa ou densa, o que parece reduzir substancialmente o escopo para argumentos construtivistas. Os mais importantes acadêmicos de hoje aceitam as conclusões individua-lista e materialista sobre o sistema de Estados. Esse campo é dominado pela Theory of International Politics, a influente obra de Kenneth Waltz sobre o “Neorrealismo”, que combina a abordagem microeconômica do sistema in-ternacional (individualismo) com a ênfase em poder e interesse (materia-lismo) (Waltz, 1979)3 do Realismo Clássico. O livro de Waltz ajudou a criar uma teoria em parte concorrente: o “Neoliberalismo”. Essa ideia é analisada

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1. QUATRO SOCIOLOGIAS DA POLÍTICA INTERNACIONAL

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de maneira mais sistemática por Robert Keohane, em After Hegemony, que aceita grande parte do individualismo do Neorrealismo mas argumenta que as instituições internacionais podem amortecer, se não remover completa-mente os efeitos do poder e do interesse (Keohane, 1984). O fato de Neor-realistas e Neoliberais concordarem em tantos aspectos contribuiu para o avanço de seu diálogo, mas também o limitou substancialmente. Às vezes, o debate parece não passar de uma discussão sobre a frequência com que os Estados perseguem ganhos relativos e não apenas absolutos.4

Apesar da plausibilidade intuitiva e do domínio das abordagens ma-terialista e individualista da política internacional, há uma longa e varia-da tradição que, do ponto de vista da teoria social, pode ser considerada o pensamento construtivista da disciplina. A visão de mundo construtivista fundamenta-se nas teorias internacionais clássicas de Grotius, Kant e He-gel, e foi brevemente dominante em ri entre as duas guerras mundiais. Ela consiste no que os acadêmicos hoje em dia, muitas vezes com menospre-zo, costumam chamar de “Idealismo”.5 No período pós-guerra, importantes abordagens construtivistas da política internacional se desenvolveram com Karl Deutsch, Ernst Haas e Hedley Bull (Deutsch, 1954, 1963; Haas, 1964, 1983, 1990; Bull, 1977).6 Algumas suposições construtivistas fundamen-tam a tradição fenomenológica do estudo da política externa, começando com a obra de Snyder, Bruck e Sapin, e prosseguindo com Robert Jervis e Ned Lebow (Snyder, Bruck e Sapin, 1954; Jervis, 1970, 1976, 1978; Lebow, 1981). Na década de 1980, ideias dessas e de outras linhas foram sintetiza-das em três correntes principais da teoria construtivista de ri:7 uma cor-rente modernista associada a John Ruggie e Friedrich Kratochwil (Ruggie, 1983a, b; Kratochwil, 1989), uma corrente pós-modernista associada a Ri-chard Ashley e Rob Walker (Ashley, 1984, 1987; R. Walker, 1987, 1993), e uma corrente feminista associada a Spike Peterson e Ann Tickner (Peter-son, org., 1992; Tickner, 1993). As diferenças entre essas três correntes são significativas, mas todas compartilham da visão de que o Neorrealismo e o Neoliberalismo são “subsocializados” no sentido de que não prestam sufi-ciente atenção às maneiras pelas quais os atores da política mundial são so-cialmente construídos.8 Esse ponto em comum possibilitou o surgimento de um debate triangular com os Neorrealistas e os Neoliberais.9

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O renascimento do pensamento construtivista da política internacio-nal acelerou-se no final da Guerra Fria, o que pegou de surpresa acadê-micos de todos os lados, mas fez com que as ortodoxias parecessem par-ticularmente expostas. A teoria predominante de ri teve dificuldade para explicar o fim da Guerra Fria10 ou as mudanças sistêmicas de forma mais geral. Para muitos, parecia que essas dificuldades haviam surgido das orientações materialista e idealista de ri, de maneira que uma visão mais ideacional e holista da política internacional poderia ser melhor. A onda resultante de teorização construtivista foi inicialmente lenta no desenvol-vimento de um programa de pesquisa empírica (Keohane, 1988a), e varia-ções internas epistemológicas e substantivas continuaram a estimular um amplo mas fraco padrão de acumulação empírica. No entanto, nos últimos anos, a qualidade e a profundidade do trabalho empírico cresceu conside-ravelmente, e tudo leva a crer que o processo continuará.11 Esse fato é cru-cial para o sucesso do pensamento construtivista de ri, já que a capacidade de lançar uma luz interessante sobre problemas concretos de política mun-dial precisa ser o teste final para aferir o valor de um método. Ao mesmo tempo, e como contribuição para esforços empíricos, também parece im-portante esclarecer o que o construtivismo é, como se distingue de seus ri-vais – o materialismo e o individualismo – e o que essas diferenças podem significar para as teorias de política internacional.

Utilizando o conhecimento construtivista de ri já existente, neste livro abordo o debate em dois níveis: no nível das perguntas fundamentais, ou de segunda ordem, sobre o que existe e como podemos explicar ou entender – ontologia, epistemologia e método –; e no nível substantivo, de domínio específico, ou perguntas de primeira ordem.

Perguntas de segunda ordem são perguntas de teoria social. A teoria social concentra-se nas premissas fundamentais da investigação social: a natureza da agência humana e sua relação com as estruturas sociais – ou papel das ideias e forças materiais na vida social –, a forma correta das ex-plicações sociais e assim por diante. Tais perguntas de ontologia e episte-mologia podem ser feitas sobre qualquer associação humana, não apenas sobre política internacional. Nossas respostas não explicam a política in-ternacional especificamente. Entretanto, os estudantes de política interna-cional devem responder a essas perguntas, pelo menos de forma implícita,

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uma vez que não conseguem exercer sua atividade sem definir suposições vigorosas sobre os aspectos que podem encontrar na vida internacional, como eles estão relacionados e como podem ser reconhecidos. Essas supo-sições são particularmente importantes porque não se pode “ver” o Esta-do nem o sistema internacional. A política internacional não se apresenta diretamente aos sentidos, e teorias de política internacional são muitas ve-zes discutidas com base na ontologia e na epistemologia, ou seja, no que o teórico “vê”. Os Neorrealistas enxergam a estrutura do sistema internacio-nal como uma distribuição de capacidades materiais, porque abordam seu tema sob a ótica materialista. Os Neoliberais a enxergam como capacida-des somadas a instituições, porque adicionaram ao princípio material uma superestrutura institucional. Já os construtivistas a enxergam como uma distribuição de ideias, porque possuem uma ontologia idealista. A longo prazo, a pesquisa empírica pode nos ajudar a decidir qual a melhor concei-tuação, mas a “observação” do não observável é sempre carregada de teoria, implicando o inerente vão entre teoria e realidade – a “subdeterminação da teoria pelos dados”. Sob essas condições, as perguntas empíricas serão fortemente vinculadas às ontológicas e epistemológicas; a resposta para “o que causa o quê?” dependerá em grande parte de como respondemos ante-riormente ao “que acontece lá?” e a “como devemos estudá-lo?”. Estudantes de política internacional talvez possam ignorar essas perguntas se combi-narem suas respostas, como os economistas muitas vezes parecem fazer12 mas não fazem. Proponho, a seguir, que existem pelo menos quatro “socio-logias” de política internacional, cada uma com muitos adeptos. Acredito que muitos debates ostensivamente substantivos sobre a natureza da políti-ca internacional são em parte debates filosóficos sobre essas sociologias. Na parte i deste livro, procuro esclarecer esses segundos debates e desenvolver a abordagem construtivista.

Teorias sociais não são teorias de política internacional. Esclarecer di-ferenças e virtudes relativas às ontologias construtivista, materialista e in-dividualista, em última instância, pode nos ajudar a explicar melhor a po-lítica internacional, mas a contribuição é indireta. Um papel mais direto é desempenhado pela teoria substantiva, que é a segunda consideração deste livro. Tal teorização de primeira ordem é de domínio específico – acarre-ta escolher um sistema social (família, Congresso, sistema internacional),

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identificar os atores relevantes e a forma como se estruturam, e desenvol-ver suposições sobre o que está acontecendo. A teoria substantiva baseia-se na teoria social, mas não pode ser “identificada” nela. Na parte ii do livro, esboço uma teoria substantiva, de primeira ordem, sobre a política inter-nacional. A teoria parte de muitas das mesmas premissas de Waltz, signifi-cando que algumas das críticas que costumam ser dirigidas ao pensamento dele terão a mesma força neste trabalho. Mas o fio condutor e as conclusões do meu argumento estão, em parte, em desacordo com o Neorrealismo, devido a convicções ontológicas diferentes, ou de segunda ordem. Convic-ções sobre o materialismo e o individualismo levaram Waltz a concluir que a anarquia torna a política internacional um mundo necessariamente con-flituoso, marcado pela “autoajuda”. Convicções idealistas e holistas me leva-ram a acreditar que “anarquia é aquilo que os Estados fazem dela” (Wendt, 1992). Nenhuma das teorias decorre diretamente de suas ontologias, mas as ontologias contribuem de modo significativo para suas diferenças.

Mesmo no que diz respeito à teorização substantiva, entretanto, os ní-veis de abstração e generalidade neste livro são altos. Leitores em busca de suposições detalhadas sobre o sistema internacional, isso sem mencionar testes empíricos, se decepcionarão. O livro é sobre a ontologia do sistema de Estados. Sendo assim, é mais sobre teoria internacional do que sobre política internacional em si. A pergunta central é: dada uma consideração substantiva semelhante à de Waltz – ou seja, a teoria sistêmica dos Esta-dos e suas explicações –, mas uma ontologia diferente, qual seria a teoria resultante de política internacional? Nesse sentido, é um caso de estudo de teoria social ou filosofia aplicada. Após expor uma ontologia social cons-trutivista, desenvolvo uma teoria de política “internacional”. Essa não é a única teoria que decorre dessa ontologia, mas meu objetivo principal em desenvolvê-la é mostrar que um ponto de partida ontológico diferente tem consequências substantivas no modo de explicar o mundo real. Na maioria das seções, essas consequências apenas reforçam ou oferecem fundamentos ontológicos para aquilo que pelo menos alguns segmentos da comunida-de de ri já sabem. No nível substantivo, os acadêmicos da disciplina de ri acharão que muito do que explico a seguir já é familiar. Mas, em outras se-ções, o livro sugere uma reconsideração de importantes questões substan-tivas e, em alguns casos, espero eu, novas linhas de investigação.

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1. QUATRO SOCIOLOGIAS DA POLÍTICA INTERNACIONAL

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Em suma, o título contém uma dupla referência: o livro é sobre “teoria social”, em geral, e, especificamente, sobre uma teoria da política interna-cional mais “social” que o Neorrealismo ou o Neoliberalismo. Este capítulo apresenta duas passagens sobre essas questões, enfatizando a teoria inter-nacional e social, respectivamente. Na primeira seção, discuto o projeto es-tadocentrista de ri, ofereço um diagnóstico sobre o que atualmente há de errado nele e sintetizo minha própria abordagem. De certa maneira, essa seção apresenta o enigma que impulsiona o argumento geral do livro. Na segunda seção, começo a desenvolver as ferramentas conceituais que nos permitem repensar a ontologia do sistema internacional. Traço um “mapa” das quatro sociologias envolvidas no debate sobre construção social – indi-vidualismo, holismo, materialismo e idealismo –, identifico as principais li-nhas de teoria internacional que há nelas e apresento três interpretações do debate sobre metodologia, ontologia e empirismo. Concluo o capítulo com uma visão geral sobre o livro como um todo.

O projeto sistêmico dos Estados

O construtivismo não é uma teoria de política internacional.13 As sen-sibilidades construtivistas nos estimulam a analisar como os atores são so-cialmente construídos, mas não nos indicam quais atores devemos estudar ou onde eles são construídos. Antes de podermos ser construtivistas em re-lação a qualquer aspecto, precisamos escolher “unidades” e “níveis” de aná-lise, ou “agentes” e as estruturas nas quais eles estão inseridos.14

A disciplina de ri exige que essas escolhas tenham alguma dimensão “internacional”, mas isso não determina unidades ou níveis de análise. O “projeto sistêmico dos Estados” reflete um grupo de escolhas dentro de um campo mais amplo de possibilidades. As unidades são os Estados, contra-pondo-se aos atores não estatais, como indivíduos, movimentos sociais transnacionais ou corporações multinacionais. O nível de análise que tenta explicar o comportamento dessas unidades é o sistema internacional, con-trapondo-se à personalidade dos tomadores de decisão da política inter-nacional ou às estruturas políticas domésticas. Waltz foi um dos primeiros a articular sistematicamente o projeto sistêmico dos Estados (Waltz, 1959), e a teoria específica que ele ajudou a criar nessas bases – o Neorrealismo – é tão