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TELENOVELA ANALÓGICA E DIGITAL: A PARTICIPAÇÃO DOS TELESPECTADORES NAS OBRAS ABERTAS 1 ANALOG AND DIGITAL SOAP OPERA: THE PARTICIPATION OF VIEWERS IN OPEN WORKS GI 3: Ficção TV e narrativa transmedia Gabrielle Santelli Vitório 2 Alexandre Schirmer Kieling 3 Resumo O presente artigo se propõe a um esforço de análise crítica à luz de apontamentos metodológicos em desenvolvimento nas investigações em curso no Grupo de Pesquisa de Estudos de Conteúdos Digitais Transmidiáticos e Interativos da Universidade Católica de Brasília. Nosso propósito mais específico é averiguar a reconfiguração da participação do público na construção do percurso narrativo das telenovelas a partir da ocorrência de eventos interativos. Partindo-se da premissa das dinâmicas de uma obra aberta vamos comparar os deslocamentos participativos entre a telenovela analógica Torre de Babel e na telenovela digital Cheias de Charme, ambas produzidas pela Rede Globo. Palavras-chaves: Televisão. Telenovela. Obra Aberta. Interatividade. 1 Trabalho apresentado ao GI Ficção Televisiva e Narrativa Transmídia, XII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC) 2004.. 2 Mestranda em Comunicação Social na Universidade Católica de Brasília (UCB). 3 Doutor em Comunicação, professor e pesquisador do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB).

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TELENOVELA ANALÓGICA E DIGITAL:

A PARTICIPAÇÃO DOS TELESPECTADORES NAS OBRAS ABERTAS1

ANALOG AND DIGITAL SOAP OPERA: THE PARTICIPATION OF VIEWERS IN OPEN WORKS

GI 3: Ficção TV e narrativa transmedia

Gabrielle Santelli Vitório2

Alexandre Schirmer Kieling3 Resumo

O presente artigo se propõe a um esforço de análise crítica à luz de apontamentos

metodológicos em desenvolvimento nas investigações em curso no Grupo de

Pesquisa de Estudos de Conteúdos Digitais Transmidiáticos e Interativos da

Universidade Católica de Brasília. Nosso propósito mais específico é averiguar a

reconfiguração da participação do público na construção do percurso narrativo das

telenovelas a partir da ocorrência de eventos interativos. Partindo-se da premissa

das dinâmicas de uma obra aberta vamos comparar os deslocamentos

participativos entre a telenovela analógica Torre de Babel e na telenovela digital

Cheias de Charme, ambas produzidas pela Rede Globo.

Palavras-chaves: Televisão. Telenovela. Obra Aberta. Interatividade.

1 Trabalho apresentado ao GI Ficção Televisiva e Narrativa Transmídia, XII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC) 2004.. 2 Mestranda em Comunicação Social na Universidade Católica de Brasília (UCB). 3 Doutor em Comunicação, professor e pesquisador do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB).

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Abstract

This article proposes an effort to critical analysis in the light of developing

methodological notes on investigations in the Research Group for the Study of

Digital Content and Interactive Transmidiáticos at Catholic University of Brasilia.

Our more specific aim is to determine the reconfiguration of public participation in

the construction of the narrative journey of telenovelas from the occurrence of

interactive events. Starting from the premise of the dynamics of an open work we

will compare the participatory shifts between analog soap opera Tower of Babel

and digital telenovela Full of charm, both produced by Rede Globo.

Keywords: Television, Soap opera, Open Work. Interactivity

Introdução A telenovela atualmente é reconhecida como um dos principais produtos da

indústria cultural brasileira, e assim tornou-se um recurso comunicativo

responsável por levar temas à discussão pública, transmitir representações, incluir

a sociedade e auxiliar na construção da cidadania (LOPES, 2010). Contudo, entre

a década de 70 e 80 os pesquisadores possuíam certo preconceito com a

telenovela e o foco de estudo e discussão era o poder de manipulação e alienação

do público-alvo, especialmente das mulheres (BORELLI, 2001).

Desde os antecessores da telenovela – melodrama, folhetim e radionovela, por

exemplo – o público, de alguma maneira, sempre procurava se aproximar da

instância de produção dos conteúdos com fins de reagir, comentar, interagir com o

percurso das narrativas. Nas décadas de 60 e 70 os telespectadores se

expressavam, emitiam comentários, opiniões e, mesmo, participavam de

promoções por meio de cartas. E nos anos 90 o telefone foi incorporado na rotina

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interativa da TV com o programa Você Decide (KIELING, 2009). Hoje com a

convergência entre os meios técnicos de transmissão e de recepção esses

processos ganharam mais fluidez. A associação entre radiodifusão, cabodifusão,

satélites, redes de fixas e móveis permitem ofertas interativas com canal de

retorno que animam processos interativos entre as instâncias de produção e

recepção. Essas possibilidades resultam em eventos interativos, como

detalharemos adiante.

A partir desse cenário o objetivo desse trabalho é averiguar quais foram as

atualizações que ocorreram na participação dos telespectadores em experiências

de obras abertas, no caso as telenovelas, nessa transição entre o período

analógico e o digital. Para essa comparação, será feita uma análise crítica e

descritiva das telenovelas Torre de Babel e Cheias de Charmes, ambas

produzidas pela Rede Globo, no entanto, em períodos diferentes da televisão

brasileira. Faz-se esse esforço à luz de apontamentos metodológicos em

desenvolvimento nas investigações em curso no Grupo de Pesquisa de Estudos

de Conteúdos Digitais Transmidiáticos e Interativos de Universidade Católica de

Brasília. Recorre-se aos conceitos de Obra Aberta (ECO, 2003; PALLOTTINI,

2012), e de evento interativo (KIELING, 2009).

O palimpsesto da telenovela A morfologia narrativa da telenovela obedece a regularidades cuja estrutura pode

ser compreendida como um palimpsesto.

Um palimpsesto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada para se

traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por

transparência, o antigo sob o novo. Assim, no sentido figurado, entenderemos por

palimpsestos (mais literalmente hipertextos), todas as obras derivadas de uma

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obra anterior, por transformação ou por imitação. Dessa literatura de segunda

mão, que se escreve através da leitura, o lugar e a ação no campo literário

geralmente, e lamentavelmente, não são reconhecidos. Tentamos aqui explorar

esse território. Um texto pode sempre ler um outro, e assim por diante, até o fim

dos textos (GENETTE, 2005, p. 5).

Para além da condição de suporte tecnológico, o palimpsesto de Genette nos

envia a uma estrutura de texto original que determina regras, formatações e

delimitações nas narrativas que dele derivam. No caso da telenovela, as principais

propriedades foram herdadas do melodrama e do folhetim.

Recordemos que o melodrama foi criado na Itália e é associado com o teatro e a

ópera. Huppes (2000, p. 33) afirma que o melodrama prioriza enredos

sentimentais e se divide em “dois núcleos principais que frequentemente

aparecem entrelaçados: a reparação da injustiça e a busca da realização

amorosa”. O folhetim se originou, na década de 1830, na França como uma

estratégia encontrada pelos empresários para aumentar a venda de jornais, pois

com as histórias seriadas os leitores continuariam comprando outras edições para

poder acompanhar o desenrolar da narrativa. De acordo com Silva (2009, p. 48), o

folhetim francês acabou se apropriando de algumas características do melodrama,

como o “enredo, personagens, linguagem, ambientação. Nele também a luta entre

o Bem e o Mal”.

(...) o folhetim saiu dos jornais e foi para as revistas, e

transmudou-se em fotonovelas. Entrava no cinema, a partir

de 1940, com suas histórias em pedaços exibidas em

especial nas matinês dominicais. O rádio também não ficou

de fora dessa forma de narrativa tão eficiente, e nele o

folhetim encontrou um meio de atingir amplamente as

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massas, alcançando seu ápice no Brasil com a transmissão

de O direito de nascer, acompanhada e sua publicação em

fascículos, em 1952. (ALENCAR, 2004, p. 43)

As primeiras radionovelas foram lançadas no Brasil em 1941, segundo Ortiz

(1991), a implantação ocorreu após uma viagem à Argentina de Odunaldo Viana,

diretor artístico da Rádio São Paulo, onde ele acabou conhecendo e se

encantando pelo gênero. Inicialmente, as histórias eram importadas e destinadas

às mulheres, mas como a popularização as emissoras começaram investir em

equipes cada vez mais especializadas no gênero.

Recordemos também que primeira telenovela brasileira, Sua Vida Me Pertence,

estreou no dia 21 de dezembro de 1951, na TV Tupi. Inicialmente, as telenovelas

eram transmitidas ao vivo e até três vezes por semana. As equipes eram formadas

pelos antigos funcionários e atores das emissoras de rádio. Apenas no início da

década de 1960 foi possível produzir telenovelas diárias a partir da implantação do

videotape na ficção, que permitiu a ampliação da criatividade dos autores já que a

exibição não seria mais ao vivo. O videotape também tornou favorável “o ritmo

maior de produção; agilizou a utilização de vários cenários e de tomas externas;

além da possibilidade infinita de corrigir erros, repetir e selecionar cenas, como a

técnica de edição cinematográfica”, afirma Fernandes (1997, p. 36).

Sabe-se que as telenovelas brasileiras podem ser periodizadas em três fases

distintas (LOPES, 2010). A primeira é a sentimental e ocorreu entre 1950 até

1967. A partir de Beto Rockfeller até 1990 foi a fase realista e depois as

telenovelas entraram na fase naturalista. Com o tratamento naturalista os temas

sociais começaram a ser abordados, mas também a verossimilhança começou a

ser adotada nas telenovelas brasileiras. A verossimilhança é uma promessa do

gênero ficcional (JOST, 2004). Sendo assim, mesmo fazendo parte do mundo

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fictício é necessário que haja certa coerência com o mundo real, com isso, as

narrativas criadas no imaginário podem fazer referência aos elementos (dados,

cidades, cenários, personalidades e outros) da realidade e, deste modo, passa

maior credibilidade ao espectador.

Ao perceber que a telenovela havia-se solidificado na televisão brasileira, na

década de 70, a Rede Globo determinou temáticas de cada trama a partir do

horário de transmissão. A telenovela das 18 horas ficou destinada para romances

ou adaptações literárias (FERNANDES,1997). O horário das 19 horas ficou para

as comédias românticas. O horário das 20 horas, considerado horário nobre e com

maior identificação do público, ficou destinado para temas sociais e complexos. O

horário das 22 horas era destinado às telenovelas com reflexões e críticas sociais

e após 1978 passou a ser um espaço para a experimentação, mas também para

seriados e minisséries.

Com a fixação de uma grade horária a emissora se tornou “responsável pela

criação de um público cativo enorme na emissora” (BALOGH, 2002, p. 159).

Presentemente, essa programação é válida, mas a diferença é que durante a noite

as telenovelas são intercaladas por algum telejornal local ou nacional. A Rede

Globo, atualmente, é a principal produtora de telenovelas, líder em audiência

desde a década de 70, mas também é considerada a segunda maior emissora de

televisão do mundo, sendo que a primeira e terceira colocada são as emissoras

estadunidenses ABC e CBS (PORTAL IMPRENSA, 2012).

Hoje, as telenovelas brasileiras, geralmente, duram cerca de 45 minutos sem

intervalos comerciais e são transmitidas de segunda a sábado. A duração média é

de 180 capítulos e cada capítulo chega custar 80 mil dólares (LOPES, 2007).

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Telenovela como obra aberta

O conceito de obra aberta originalmente foi definido, na década de 60, por

Umberto Eco que após observar as obras contemporâneas concluiu que todas as

obras de arte poderiam ser compreendidas de diversas formas pelos leitores,

sendo assim, cada receptor teria a liberdade de apresentar interpretações

próprias. Pode-se citar como exemplo:

As novas obras musicais, ao contrário, não constituem numa

mensagem acabada e definida, numa forma univocamente

organizada, mas sim numa possibilidade de várias

organizações confiadas à iniciativa do intérprete,

apresentando-se portanto, não como obras concluídas, que

pedem para ser revividas e compreendidas numa direção

estrutural dada, mas como obras “abertas”, que serão

finalizadas pelo intérprete no momento em que as fruir

esteticamente. (ECO, 2003, p. 39)

Eco (2003) ensina que as obras abertas enquanto estão em movimento são

caracterizadas pelo convite de se fazer a obra juntamente com o autor. Mas

também, mesmo que uma obra já esteja fisicamente completa, ela pode

permanecer aberta, ou seja, em uma “germinação contínua de relações internas

que o fruidor deve descobrir e escolher no ato de percepção da totalidade dos

estímulos” (ECO, 2003, p. 64).

Pallottini (2012, p. 53) afirma que uma obra aberta “é aquela que apresenta a

possibilidade de várias organizações, que não se mostra como obra concluída,

numa direção estrutural dada, mas se supõe que possa ser finalizada no momento

em que é fruída esteticamente”.

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A telenovela brasileira é considerada uma obra aberta porque os textos dos

capítulos são produzidos ao longo da transmissão, sendo assim, é possível

realizar algumas alterações para satisfazer a vontade do telespectador e também

solucionar alguns possíveis imprevistos com personagens, cenários e outras

circunstâncias.

O autor escreve enquanto acompanha e avalia o

desempenho dos atores; a adequação (ou não) destes aos

personagens; a fusão entre a sensibilidade do ator e a do

personagem; as adaptações e ajustes feitos no correr da

obra; as preferências e reações do público; o tratamento da

direção. Ele opera em permanece processo de recriação,

orientado pela comunicação de retorno. (TÁVOLA, 1996, p.

34)

Essa característica, no entanto, não é obrigatória. “Em Cuba, por exemplo, são

produzidas telenovelas com sessenta capítulos, totalmente escritos ao iniciarem-

se as gravações” (PALLOTTINI, 2012). As minisséries ou mininovelas já são obras

fechadas, porque as gravações geralmente começam quando os roteiros estão

totalmente finalizados.

Desde os folhetins o público já procurava uma maneira de participar das

narrativas. Os leitores de Os Mistérios de Paris, publicado em 1846 pelo jornal Le

Siècle, mandavam cartas fazendo pedidos para o autor Eugène Sue e alguns

personagens da história (ALENCAR, 2004). E para agradar os leitores, o autor

diminuiu os dramas vividos pela família do lapidador Morel.

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Alencar (2007), igualmente, afirma que o autor brasileiro José de Alencar também

procurava ouvir a opinião dos leitores antes de publicar os folhetins:

Por exemplo, em O guariani sua idéia inicial era matar, no

último capítulo, Ceci e Peri. Ao ler o capítulo para seus

familiares e amigos, estes começaram a chorar e se opusera

à ideia de o autor matar um casal que tinha custado tanto a

se unir. Então ele opta por um final que deixava a critério de

cada leitor imaginar o destino dos personagens: “A palmeira

arrastada pela torrente impetuosa fugia.... E sumiu-se no

horizonte.” (ALENCAR, 2007, p. 43).

Redenção, telenovela exibida entre 16 de maio de 1966 e 2 de maio de 1968 na

TV Excelsior, atingiu 596 capítulos devido à grande aceitação dos

telespectadores. À pedido dos produtores e diretores, o autor Raimundo Lopes

teve que estender a trama e os “índices de audiência continuaram altos e mais

capítulos foram pedidos, outra vez. Até que, dois anos depois, a novela quase

passou de ser obra aberta a obra interminável” (ALENCAR, 2007, p. 24).

Outra reformulação foi realizada em Redenção por causa da rejeição do público

em relação à morte por infarto fulminante da Dona Marocas (Maria Aparecida

Baxter). O objetivo inicial do autor era gerar mais conflitos (ALENCAR, 2007),

entretanto, devido as reclamações dos telespectadores o Dr. Fernando Silveira (o

ator Francisco Cuoco) realizou um transplante de coração na personagem que

sobreviveu até o final da telenovela.

A participação e a opinião do público são fundamentais na elaboração da

telenovela. Comparato (2009, p. 119) lembra que na televisão “a única forma de

averiguar o grau de aceitação de determinado programa é elaborar um estudo de

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controle de audiência”. Com o avanço tecnológico aumentaram as formas de

acompanhar a reação do público. Além das cartas, telefone, grupos focais ou

group discussion e pesquisas do Ibope hoje também é possível acompanhar pela

internet – redes sociais, sites oficiais das emissoras, fale conosco ou e-mail do

programa e blogs.

Esses dispositivos ou tecnologias – cartas, telefone, internet – que permitem o

contato entre a instância de recepção e de produção, e que também estimulam a

interação do homem com a máquina, podem ser chamadas de Ofertas Interativas

(KIELING, 2009). São possibilidades de acesso aos conteúdos alternativos ou

complementares ao conteúdo narrativo, ou mesmo convites para o telespectador

produzir conteúdos colaborativos. A partir momento em que a instância de

recepção faz uso dessas ofertas é consome ou produz envolve-se num Processo

de Interação, ou seja, ocorre troca de informações (mediadas pela mídia) entre as

instâncias resultando na produção de sentido. Kieling define as Ofertas Interativas

e os Processos de Interação:

As primeiras promovem a interação homem-máquina e,

como meio, permitem a mediação entre produtor e receptor

na construção e publicação do conteúdo. E os segundos

resultam das trocas simbólicas e produção de sentido das

quais resultam os textos (enunciações, discursos)

construídos pelos sujeitos da comunicação nessa ambiência.

(KIELING, 2009, p. 87)

Em 2012, Kieling aprofunda a perspectiva e apresenta do conceito de Evento

Interativo, que corresponde à interseção entre interatividade (oferta tecnológica) e

interação (processo participativo), em outras palavras, a oferta de uma tecnologia

interativa (Oferta Interativa) mobilizaria um processo de troca de informações entre

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os sujeitos da comunicação (Processos de Interação), provocando consumo e

troca de conteúdo que resultam na produção de sentido para ambos. Sendo

assim, uma emissora (instância de produção) pode divulgar ou transmitir esses

conteúdos derivados dos Processos de Interação, os reenviado de volta para o

ambiente midiático. Essa relação da leitura pelo receptor, resposta, leitura pelo

produtor, republicação é considerada como um Evento Interativo. Em resumo, as

emissoras oferecem uma tecnologia, que pode ou não ter manifestações do

público, mas caso haja a emissora divulga/transmite (com mediação) a

participação do público.

Todo o resultado da relação da instância de produção e das instâncias de

recepção é a produção de sentido, um processo de semiose social no sentido de

Verón (1988), para quem uma mesma mensagem ou conteúdo pode ter diferentes

interpretações e causar diversos efeitos, por isso, também é necessário observar

a circulação e o consumo do discurso.

A produção de sentido ocorreria em três etapas principais: produção, circulação e

sentido (VERÓN, 2004). O autor considera que a circulação é a diferença entre os

dois polos do sistema produtivo e assim, o conteúdo pode ser interpretado de

diversas formas. Por acontecer nos ciclos sociais, a circulação depende de que

alguém assista e comente sobre o que viu com as pessoas, que também poderão

repassar os comentários para terceiros. Com isso, é criada uma circulação de

diversos sentidos, pois cada um poderá interpretar e repassar uma informação

diferente. Além disso, os sentidos podem variar conforme a tecnologia e a

dimensão temporal, que podem ser relacionadas com a história e com as atuais

condições da sociedade.

Atualmente, pode-se considerar que dimensão temporal da circulação reduziu

devido às novas tecnologias. Uma carta do telespectador, anteriormente, poderia

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demorar vários dias para chegar ao seu destino, mas hoje os autores de

telenovela podem acompanhar o que o público está comentando nas redes sociais

no momento exato da transmissão.

O costume de assistir televisão com suportes (computadores, smartphones ou

tablets,) conectados em redes sociais, com o objetivo de comentar, compartilhar

informações ou apenas ver o que está sendo divulgado pelos outros membros da

rede é chamado pelo Massachusetts Institute of Technology – MIT como TV

Social. Essa experiência funciona como uma sala expandida, termo que faz uma

referência a sala de casa durante os períodos de altos índices de audiência da

televisão analógica, onde as famílias viam e comentavam entre si (KIELING,

2012b, p.343).

Conforme pesquisa realizada4 pela E.Life (2012), os assuntos que mais aparecem

entre os trending topics são relacionados com música, esporte e TV, com 28%,

21% e 16% respectivamente. Contudo, cerca de 40% dos trending topics fazem

diretamente ou indiretamente alguma referência a programação televisiva, e entre

os tópicos se destaca sobretudo atores e de telenovelas. Segundo o Relatório de

Tendências de Consumo em TV e Vídeo de 2012, publicado pelo Ericsson

ConsumerLab (2012), 73% dos telespectadores brasileiros interagem enquanto

assistem televisão e em 2011, o hábito estava presente em apenas 48%.

Torre de babel: a telenovela analógica

A telenovela Torre de Babel, de autoria de Sílvio de Abreu, foi transmitida entre 25

de maio de 1998 até 16 de janeiro de 1999 na faixa das 21 horas. A trama se

desenvolvida entorno do Tropical Tower Shopping, segundo Xavier (2007, p. 275),

4 A pesquisa foi realizada no período de 1 de julho de 2012 até 30 de setembro de 2012. O monitoramento foi realizado nos trending topics gerais do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro.  

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inicialmente foi rejeitada pelos telespectadores que não estavam acostumados “a

ver no tradicional horário das oito, tanta violência e tema fortes, como drogas,

assassinatos frios, violência dentro do lar e homossexualismo feminino”.

Os primeiros capítulos de Torre de Babel, segundo Paixão (1998), alcançaram 42

pontos de audiência, porém na segunda semana a média reduziu para 37 pontos.

Observando a queda na audiência a Rede Globo antecipou a realização da

pesquisa quantitativa de opinião com grupos de telespectadores. A pesquisa foi

realizada no Rio de Janeiro e em São Paulo e tradicionalmente era executada

após a exibição de pelo menos 30 capítulos, porém o encontro foi realizado ainda

entre os primeiros 12 dias após a estreia. A partir da pesquisa, os diretores

identificaram que o que mais afastava os telespectadores era o clima sombrio e o

comportamento agressivo, violento e vulgar de alguns personagens.

À pedido dos telespectadores algumas mudanças foram feitas, gerando um

Evento Interativo: José Clementino (Tony Ramos) teve que deixar de ser tão

rancoroso e passou a ser mais sensível, a empresária Ângela (Cláudia Raia) teve

que alterar o figurino para mostrar mais as pernas e esconder os ombros e a vilã

Sandra teve que usar roupas mais compridas e discretas. De acordo com Paixão

(1998), “Carlos Manga, o diretor de núcleo de dramaturgia, reeditou pessoalmente

as cenas que já estavam gravadas até o capítulo 40. O autor Silvio de Abreu fez

mudanças na sinopse e escreve os capítulos com um olho na tela do computador

e outro nos resultados da pesquisa”.

Para solucionar a rejeição dos personagens, Silvio de Abreu aproveitou a

explosão do Tropical Tower Shopping, que já estava programada na sinopse, para

matar personagens que não conseguiram empatia com o público. Entre os mortos,

pode-se destacar o dependente químico Guilherme (Marcello Antony), o violento

Agenor (Juca e Oliveira) e o casal de lésbicas Rafaela (Christiane Torloni) e Leila

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(Sílvia Pfeifer). “Inicialmente apenas Rafaela morreria. Leila tentaria reconstruir

sua vida ao lado de Marta (Glória Menezes), que, talvez, correspondesse ao amor

da amiga. Mas o público, essa força poderosa que faz baixar ou subir os números

do Ibope, não quis saber do assunto”, afirma Veiga e Serpa (1998).

Nos primeiros capítulos, a audiência de Torre de Babel não ultrapassava os 40

pontos. Após a explosão do shopping e as alterações na história, a telenovela

conseguiu “uma média geral de 44 pontos e chegou a 61 em seu último capítulo”,

afirma Ribeiro (2013).

Cheias de chame: a telenovela digital

Cheias de Charme, exibida na faixa das 19h, estreou no dia 16 de abril de 2012 e

encerrou no dia 28 de setembro do mesmo ano. A trama é sobre a história de três

empregadas domésticas: Maria do Rosário (Leandra Leal), Maria da Penha (Taís

Araújo) e Maria Aparecida (Isabelle Drummond), mais conhecidas como Rosário,

Penha e Cida, respectivamente. As três Marias se tornaram amigas na delegacia e

formaram o trio musical Empreguetes por causa da publicação inesperada na

internet do clipe Vida de Empreguete.

A telenovela de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira inovou ao inserir sites, blogs,

redes sociais, mas também diversos produtos, ou seja, os autores empregaram o

conceito de Narrativa Transmídia, ou Transmedia Storytelling, definido em 2003

por Henry Jenkins.

A Narrativa Transmídia é uma história que é contata em múltiplas mídias

(JENKINS et al., 2006). A principal característica é que a história principal se inicia

em uma plataforma (por exemplo, televisão) e se desenvolve em livros,

quadrinhos, jogos, filmes e outros. Scolari (2009), entretanto, afirma que o

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conteúdo de uma Narrativa Transmídia não é apenas uma adaptação da

linguagem ou história para outras plataformas. Sendo assim, é uma narrativa que

acontece em diversos ambientes midiáticos, mas com um conteúdo específico em

cada um desses espaços disponíveis ao público que também construir outras

histórias que completam a narrativa.

A experiência transmídia mais relevante de Cheias de Charme foi a divulgação, no

dia 19 de maio de 2012, do clipe Vida de Empreguete. Na trama, o clipe foi

publicado pela personagem Socorro (Titina Medeiros) e em poucas horas o vídeo

se transformou em um sucesso da internet. O telespectador, porém, não teve

acesso imediatamente ao clipe, para visualizar seria necessário entrar no site

Empreguetes.com.br. Essa Oferta Interativa foi divulgada apenas no término do

capítulo e foi primeira experiência foi responsável pelo desencadeamento de

diversas estratégias transmídia durante toda telenovela.

Em entrevista ao programa Encontro com Fátima Bernardes, no dia 28 de

setembro 2012, a diretora de núcleo Denise Saraceni (2012) afirmou desde o

início da preparação de Cheias de Charme já se planejava que o clipe responsável

pelo sucesso inicial das Empreguetes seria divulgado primeiramente na internet. A

escolha, contudo, era arriscada porque o público-alvo era muito específico e ainda

não se havia feito uma experiência parecida na emissora. No entanto, após a

divulgação do link de acesso na novela, o clipe virou sucesso entre os

telespectadores da novela. Entre maio e setembro, conforme Televisão UOL

(2012), foram 12 milhões de visualizações do clipe Vida de Empreguete.

Com a prisão das Empreguetes causada pela denúncia da cantora Chayene

(Cláudia Abreu) os autores aproveitaram a história e possibilitaram que os

telespectadores se engajassem na causa e participassem do movimento

Empreguetes Livres. O movimento foi criado, no capítulo do dia 23 de maio, pelos

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personagens Kleiton (Fábio Neppo) e Elano (Humberto Carrão) com o objetivo de

soltar as Empreguetes da prisão. Para divulgar a campanha, foi utilizado pela

emissora as redes sociais Twitter5 e Facebook, a ferramenta Twitbbon6, mas

também um site oficial7. Com essas Ofertas Interativas disponibilizadas pela

instância de produção, os telespectadores puderam compartilhar as imagens

disponibilizadas, mas também aderiram à campanha criando e publicando suas

próprias mensagens, imagens e vídeos em diversas redes sociais, ou seja, o

público aceitou as ofertas e gerou um Processo de Interação.

Outra oportunidade de participação do público em Cheias de Charme foi com a

campanha Empreguetes Para Sempre. Criada na trama por Kleiton e Tom Bastos

(Bruno Mazzeo), no 27 de agosto de 2012, a campanha tinha objetivo de

incentivar a volta do trio, que havia se separado por causa de sabotagens das

personagens Chayene e Socorro (Titina Medeiros).

Assim como o movimento anterior, Empreguetes Para Sempre também foi parar

nas redes sociais. A novidade é que os personagens responsáveis pela campanha

ofertavam o site EmpreguetesParaSempre.com.br para que os fãs do trio

enviassem vídeos e fotos com mensagens. Ao todo, foram publicados no site

oficial 246 vídeos e 8 fotos de telespectadores, mas também 16 vídeos de 117 de

celebridades.

A instância de recepção também pode participar de promoções ligadas

diretamente a narrativa de Cheias de Charme. Pode-se destacar, primeiramente, o

5 A emissora lançou a hashtag (mecanismo de busca) #EmpreguetesLivres no Twitter. Conforme o aplicativo PeopleBrowsr, no dia em que o movimento foi lançado, o termo foi utilizado pelos internautas 4.361 vezes. 6 Twitbbon é um site que disponibiliza uma ferramenta que permite a divulgação de campanhas, sites e marcas. Para ter o selo, o internauta deveria apenas se conectar por meio das contas no Facebook ou Twitter e escolher um dos selos oferecidos. 7 O site oficial era www.empregueteslivres.com.br, porém hoje se encontra desativado.

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Concurso de Passinhos do Borralho realizado no blog Estrelas do Tom que na

trama era administrado pelo empresário Tom Bastos. O concurso se destinava

para crianças que dançavam passinhos e queriam mostrar o talento. O pré-

requisito para participar da promoção era fazer o download de Passinho de Funk,

música criada pelo personagem da trama Kleiton. Os vídeos enviados pelo público

eram publicados no blog, mas também alguns vídeos foram transmitidos em um

capítulo da novela, ou seja, após o Processo de Interação foi gerado um Evento

Interativo.

A segunda promoção de destaque é o concurso cultural realizado pelo Fantástico:

A Empregada Mais Cheia de Charme do Brasil. A promoção premiaria a

vencedora com uma participação especial na telenovela. Para participar era

necessário enviar um vídeo de até um minuto realizando qualquer manifestação

artística. Era obrigatório que as participantes tivessem mais de 18 anos e carteira

assinada.

As finalistas foram escolhidas em quatro eliminatórias. Em cada uma delas, quatro

vídeos foram apresentados aos telespectadores que poderiam escolher a melhor

candidata no site oficial do Fantástico. Após a escolha das quatro finalistas, no dia

22 de julho de 2012, as atrizes protagonistas escolheram a vencedora ao vivo. A

escolhida participou do capítulo exibido no dia 27 de julho. Na trama, A

Empregada Mais Cheia de Charme do Brasil foi levada por Tom Bastos para a

casa de Rosário, onde dançou Vida de Empreguete com o trio.

Por ser uma obra aberta, os telespectadores de Cheias de Charme tinham a

oportunidade de opinar por meio do site oficial8 da emissora. Uma das Ofertas

Interativas era as enquetes, que questionavam sobre o pior ou melhor

8 O site oficial de Cheias de Charme é http://tvg.globo.com/novelas/cheias-de-charme/.

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acontecimento com os personagens de acordo com a opinião do internauta, mas

também sobre o que os telespectadores desejavam para o futuro dos

personagens. Em alguns casos, os resultados sobre o futuro de determinado

funcionário não influenciava no final da história. Como exemplo, pode-se citar a

enquete que gostaria de saber com que a Penha deveria ficar. O resultado foi que

a personagem deve-se ficar com o empresário Otto Werneck (Leopoldo Pacheco),

porém no final da trama Penha ficou com o ex-marido Sandro (Marcos Palmeira).

No site também era ofertado o espaço Fale Com Cheias de Charme, onde os

internautas poderiam mandar críticas, sugestões e elogios por meio da Central de

Atendimento ao Telespectador (CAT). Para mandar alguma mensagem virtual era

necessário fazer um cadastro, entretanto, o CAT também oferecia um número de

telefone9.

De acordo com Kogut (2012), a primeira pesquisa com o grupo de discussão da

Rede Globo realizada em São Paulo apresentou resultados positivos. A

personagem mais citada de Cheias de Charme foi Chayene, que mesmo sendo

vilã foi vista com simpatia porque ela nunca se dava bem nas confusões que ela

armava.

Apontamentos finais

Ao se comparar Torre de Babel e Cheias de Charme é possível concluir que as

novas tecnologias – videotape, satélites, internet e outras - permitiram que os

autores investissem na criatividade e também em narrativas mais complexas,

como a Narrativa Transmídia, que permite que o conteúdo seja expandido em

outras plataformas. No entanto, nota-se que estrutura básica da narrativa não se

alterou, mas sim se atualizou para acompanhar as novas possibilidades ofertadas

9 A ligação para o CAT por meio do número 400-22-884 tem o custo de uma ligação local.

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pelas novas tecnologias. As condições básicas para uma história – princípio, meio

e fim – definidas por Aristóteles (2012) continuam presentes em vários gêneros

narrativos.

Uma das principais mudanças que a tecnologia instaurou nas narrativas foi a

diminuição do espaço temporal de produção de sentido, pois a tecnologia hoje

permite que a instância de produção acaba recebendo respostas cada vez mais

rápidas da instância de recepção. Além disso, há diversas opções de Ofertas

Interativas disponibilizadas para o público participar e ajudar na construção de

uma obra aberta, como a telenovela brasileira.

Em Torre de Babel, telenovela analógica, a instância de produção se baseava

principalmente nos índices de audiência que devido aos baixos resultados causou

o adiantamento do tradicional grupo de discussão organizado pela própria

emissora. Pode-se entender que os grupos de discussão são Ofertas Interativas,

mas a partir do momento em que os telespectadores participam e comentam se

estabelece um Processo de Interação. As opiniões dadas podem ou não virar um

Evento Interativo, que no caso foi fundamental para a reorganização, melhora nos

índices e consequentemente o sucesso da telenovela.

Além do grupo de discussão tradicionalmente executado pela Rede Globo, a

instância de produção pode observar do público a partir de diversas formas. Uma

delas é pela quantidade de acessos no site, blogs e clipes publicados oficialmente

pela telenovela. Além disso, pode-se observar os telespectadores a partir das

redes sociais, principalmente quando os movimentos Empreguetes Livres e

Empreguetes Para Sempre foram criadas, mas também com as promoções

realizadas.

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O público é fundamental na construção das obras abertas. Como exemplos mais

atuais pode-se citar como exemplo os casos das telenovelas Flor do Caribe,

Sangue Bom e Amor à Vida, todas exibidas na Rede Globo. De acordo com Abel

(2012), a telenovela Flor do Caribe foi esticada mais duas semanas por causa dos

bons resultados de audiência. No caso de Sangue Bom as pesquisas encomendas

pela emissora mostraram que o comportamento e caráter dos personagens foi

motivo para rejeição, esse foi o caso de Amora Campana interpretada por Sophie

Charlotte (F5, 2013).

Em Amor à Vida, o autor Walcyr Carrasco teve que alterar o destino programado,

desde a sinopse, da personagem Nicole Veiga (Marina Ruy Barbosa). A

personagem com câncer teria que raspar os cabelos, no entanto, devido aos

pedidos da atriz e principalmente a comoção do público o corte foi cancelado.

Caras Online divulgou o pronunciamento do autor:

Ele disse que resolveu atender aos pedidos dos fãs, que

torciam para que ela não precisasse ficar careca. "Amigos,

tomei uma decisão: depois de tantos pedidos, não vou mais

raspar a cabeça da @mariruybarbosa. A história vai ficar

linda, me aguardem", escreveu no Twitter na noite desta

quarta-feira, 10. "A Marina não vai mais raspar a cabeça

porque todos vocês pediram e torceram por ela. Eu vou

antecipar o que ia escrever mais tarde", continuou. (CARAS

ONLINE, 2012)

Conclui-se, então, que a narrativa da telenovela atualizou para acompanhar as

mudanças tecnológicas, mas também para manter a característica principal de

uma obra aberta, ou seja, realizar alterações de acordo com a necessidade e

desejo do público.

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