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Artigo publicado na Revista Educaonline
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Volume 8 - No 3 – Setembro/Dezembro de 2014
80 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ
Tecnologias, Novos Letramentos e Formação de Professores
para/na Cibercultura
Cíntia Regina Lacerda Rabello
Cristina Haguenauer
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação
LATEC/UFRJ – www.latec.ufrj.br
Resumo
Novos comportamentos e novas linguagens são produzidos com a utilização de
novas tecnologias, demandando competências para professores e alunos que vão
muito além do conhecimento técnico para operar tais ferramentas. Dada a
velocidade com que as inovações ocorrem e novas ferramentas passam a fazer
parte do nosso dia-a-dia e das nossas salas de aula, surge o desafio de preparar
professores para esse cenário de constantes mudanças sob uma perspectiva crítica
que os permitam ir além do conhecimento técnico e operacional no manuseio
dessas tecnologias e os tornem capazes de se apropriarem criticamente dessas
ferramentas em suas práticas docentes, promovendo transformações no contexto
educacional. Nesse sentido, este artigo busca entender o lugar da tecnologia na
sociedade contemporânea e pensar a formação de professores para e na
cibercultura a partir da constatação da necessidade de novos e múltiplos
letramentos e da apropriação crítica das tecnologias digitais para a promoção de
processos de ensino-aprendizagem criativos e inovadores condizentes com as
demandas da cibercultura. O trabalho apresenta, assim, uma proposta de formação
de professores a partir de conceitos como aprendizagem em rede, comunidades de
coaprendizagem e inteligência coletiva de forma a contribuir para a construção
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colaborativa do conhecimento acerca da integração crítica dessas tecnologias ao
processo educacional na cibercultura.
Palavras-chave: Formação de professores; Tecnologias digitais; Novos
letramentos.
Technologies, new literacies and teacher education for/in
ciberculture
Abstract
The intense use of new technologies in the digital society causes the emergence of
new languages and behaviors, which demands both teachers and learners to
develop new competences that go beyond the technical knowledge necessary to use
these tools. Due to the high speed in which innovation occurs and new tools are
introduced to our daily lives and our classrooms we face the challenge of preparing
teachers to this scenario of constant changes from a critical perspective that allows
them to work beyond technical and operational knowledge and develop a sense of
critical ownership of these technologies in their teaching practice promoting real
transformations in the educational context. Thus, this paper aims to discuss the role
of digital technologies in contemporary society and think about teacher education for
and in the context of ciberculture from the perspective of new and multiple literacies
and critical appropriation of these technologies to the promotion of creative and
innovative teaching and learning processes which comply with ciberculture demands.
The paper presents a proposal for teacher education based on concepts of learning
networks, colearning communities and collective intelligence as to contribute to
collaborative construction of knowledge for the critical integration of these
technologies in the educational process in ciberculture.
Key words: Teacher education; Digital technologies; new literacies.
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INTRODUÇÃO Vivemos na Sociedade em Rede de Castells (2000), mergulhados na
Cibercultura de Lévy (2010), inundados de informação no “infomar” de Gil1, no qual
as técnicas constituem a ambivalência do mundo contemporâneo. As tecnologias
digitais, cada vez mais inseridas no nosso cotidiano, trazem enormes
transformações e desafios para a sociedade, tais como a alteração da relação
espaço-temporal permitida pelo ambiente virtual, novas práticas comunicacionais e
relações sociais marcadas pelos recursos eletrônicos (LEMOS, 2003). A mesma
técnica assume, portanto, diferentes recursos e potencialidades, que, dependendo
do uso que damos a ela, nos permite desvendar novos e promissores horizontes ou
reproduzir antigos modelos e práticas sob nova roupagem.
Nesse cenário, as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs)
desempenham um papel fundamental na produção e distribuição da informação,
assim como nas relações entre os indivíduos no espaço virtual, fato que abre
diversas possibilidades do ponto de vista social e educacional, mas gera também
grandes desafios. O novo paradigma tecnológico emergente com a introdução da
Web 2.0, permite aos usuários exercerem um papel mais ativo na busca,
compartilhamento e produção de informação e construção de conhecimento. O
avanço de novas ferramentas disponíveis no ambiente online permite que se
vislumbrem novas abordagens educacionais por meio de maior interação e
colaboração entre alunos e professores em comunidades virtuais no ciberespaço
fundamentadas na organização de redes de aprendizagem.
Contudo, ao mesmo tempo que o avanço das TICs abre novas possibilidades
para os processos de ensino e aprendizagem formais e não formais, despertando o
interesse por novas abordagens e aplicações educacionais para o novo ferramental
da pós-modernidade, faz-se necessário um olhar e uma reflexão crítica sobre estas
ferramentas e seus impactos na sociedade contemporânea, uma vez que essas
tecnologias não são neutras (Lévy, 2010) e muitas vezes são consumidas
acriticamente, reproduzindo a nova ordem mundial de consumo passivo. A euforia 1 Tal como na música de Gilberto Gil, Pela Internet: “Um barco que veleje nesse infomar/Que aproveite a
vazante da infomaré/Que leve meu e-mail até Calcutá/Depois de um hot-link/Num site de Helsinque/Para
abastecer” (GIL, G., s. d.).
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gerada pelos avanços tecnológicos e a rapidez com que novas ferramentas surgem
e passam a permear nosso cotidiano, tem gerado uma sensação de constante
defasagem em relação a inventos e a necessidade de atualização e aquisição de
conhecimentos para dominar essas técnicas. Novas tecnologias surgem diariamente
e são consumidas por instituições educacionais no intuito de não ficarem para trás,
acompanhando o mundo em constante mudança. E o professor? Como ele
consegue acompanhar estas mudanças?
Novos comportamentos e novas linguagens são produzidos com a utilização
de novas tecnologias, demandando competências para professores e alunos que
vão muito além do conhecimento técnico para operar tais ferramentas. Além disso,
dada a velocidade com que as inovações ocorrem e novas ferramentas passam a
fazer parte do nosso dia-a-dia e das nossas salas de aula, surge o desafio de
preparar professores para esse cenário de constantes mudanças sob uma
perspectiva crítica que os permitam ir além do conhecimento técnico e operacional
no manuseio dessas tecnologias e os tornem capazes de se apropriarem
criticamente dessas ferramentas em suas práticas docentes, promovendo
transformações no contexto educacional.
Infelizmente, o que percebemos, na maior parte das vezes, é uma outra
realidade: um abismo entre o ensino mediado pelas TICs e as possibilidades
geradas por elas, uma vez que “a cultura tecnológica exige a mudança radical de
comportamentos e práticas pedagógicas que não são contemplados apenas com a
incorporação das mídias digitais” (KENSKI, 2013, p.68).
Siemens (2008, p.1) também constata que embora as inovações tecnológicas
tenham criado novas oportunidades para aprendizes, que, por meio da Internet são
capazes de formar redes de aprendizagem que ultrapassam os muros da escola,
alterando de forma significativa a sociedade contemporânea e os processos de
ensino e aprendizagem, mudanças sistêmicas têm se mostrado ainda muito
pequenas.
Na cultura contemporânea, na qual variadas tecnologias permeiam nosso o
cotidiano impondo diversas transformações na sociedade, fazem-se necessárias
profundas transformações nos processos educacionais a fim de empoderar os
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cidadãos para o uso das tecnologias digitais. Dessa forma, a autora reforça ainda a
necessidade de um novo modelo de formação docente (KENSKI, 2013) de forma
que o avanço tecnológico seja articulado com mudanças no ensino, garantindo,
assim, que a utilização das TICs no contexto educacional leve à mudança de
práticas e hábitos e a processos inovadores, condizentes com as demandas da
cibercultura.
Este artigo aborda o papel das tecnologias na educação contemporânea e a
necessidade de se pensar a formação de professores para e na cibercultura de
forma que o uso de novas tecnologias na educação não reproduza os mesmos
modelos de ensino-aprendizagem de simples transmissão de informação e
conteúdos. Assim como as tecnologias digitais trazem diversas rupturas na nossa
sociedade, devem causar também rupturas na educação contemporânea. Para isso,
novos letramentos constituem condição sine que non para o uso crítico dessas
tecnologias por professores e alunos.
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Entendendo o lugar da tecnologia na sociedade contemporânea
As tecnologias são produtos de uma sociedade e cultura e, tal como
caracterizadas por McLuham (1964), recriam e remodelam aqueles que as criaram2,
provocando enormes impactos e transformações sociais e culturais (LÉVY, 2010).
As tecnologias digitais, dessa forma, desempenham um papel primordial na
sociedade contemporânea, caracterizando um novo espaço, o ciberespaço, e com
ele uma nova cultura, a cibercultura, ou cultura digital.
Lévy define o ciberespaço como um novo meio de comunicação que surge a
partir da interconexão mundial dos computadores, não se restringindo, contudo, à
infraestrutura técnica, mas também ao “[...] universo oceânico de informações que
ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo”
(LÉVY, 2010, p. 17). Nesse sentido, o ciberespaço pode ser entendido como a
grande rede, que conecta os indivíduos, não mais restritos a um espaço físico, mas
virtual, permitindo a comunicação entre eles e a troca instantânea de informações.
Já a cibercultura é descrita como “o conjunto de técnicas (materiais e
intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (ibid.). O autor destaca
como principais características desta nova cultura a velocidade de transformação e a
emergência da inteligência coletiva. Define a velocidade de transformação como
uma “constante – paradoxal – da cibercultura” (id., p. 28) se referindo à rapidez com
que acontecem as alterações tecnológicas nos deixando sempre com uma sensação
de estranheza ao tentarmos acompanhar todas as transformações e nos
adaptarmos à nova realidade em constante mudança.
O filósofo define ainda a inteligência coletiva como “um dos principais
motores da cibercultura” (id., p. 29) e encontra no ciberespaço suporte e condição
para seu desenvolvimento. As redes digitais interativas possibilitam a comunicação e
troca de informações entre indivíduos que, dispersos no ciberespaço, passam a
compartilhar ideias, experiências, conteúdos, agindo coletivamente e de forma
2 Do original “Os homens criam as ferramentas e as ferramentas recriam os homens” (MCLUHAM, 1964).
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cooperativa e descentralizada na construção e disseminação de conhecimento e na
produção de capital cultural.
Apesar do caráter participativo, socializante e emancipador da inteligência
coletiva, Lévy nos lembra que as redes digitais podem também gerar novas formas
de isolamento, dependência, dominação, exploração, sobrecarga cognitiva e, o que
chama, de bobagem coletiva, que representam grandes desafios nesse contexto.
Nesse cenário temos também uma nova sociedade, a sociedade em rede que
se desenha a partir das mudanças sociais acarretadas pela interação de diferentes
processos, entre eles, o avanço tecnológico, que, por meio das TICs possibilita a
formação de novas formas de organização e interação social em redes eletrônicas
de informação (CASTELLS, 2000). Dentre as dimensões de mudanças sociais
descritas pelo autor destac o novo paradigma tecnológico e o surgimento do
hipertexto, que junto com a internet se constitui como a espinha dorsal de uma nova
cultura. Assim, segundo Castells, as TICs constituem meios para a mudança social.
Embora as novas tecnologias da informação não sejam fatores
determinantes dessa mudança social, elas constituem meios
indispensáveis para a real manifestação de muitos processos atuais
de mudança social, tais como o surgimento de novas formas de
produção e gerenciamento, de novos meios de comunicação, ou da
globalização da economia e cultura (id., p. 694).3
A sociedade em rede é composta por redes (redes de computadores, redes
de comunicação, redes de informação) que permeiam todas as esferas da
sociedade, dentre elas, a economia, os negócios, a política e a própria cultura.
Nesse sentido, o autor complementa ainda que “as redes interativas constituem os
componentes da estrutura social assim como as agências da mudança social” (id., p.
697).4
3 Tradução minha do original: While new information technologies are not causal factors of this social change,
they are indispensable means for the actual manifestation of many current processes of social change, such as the
emergence of new forms of production and management, of new communication media, or of the globalization
of economy and culture(CASTELLS, 2000, p. 694). 4 Tradução minha de “Interactive networks are the components of social structure, as well as the agencies of
social change” (CASTELLS, 2000, p. 697).
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Essa sociedade em rede ficou ainda mais evidenciada com a expansão da
internet e, principalmente, com o advento da Web 2.0 e a popularização de diversas
ferramentas de mídias sociais como blogs, sites de Redes Sociais (SRSs), sites de
compartilhamento de fotos e vídeos, entre outros. Essas ferramentas fazem parte do
cotidiano de grande parte dos indivíduos, principalmente jovens, na sociedade
contemporânea, permeando diferentes esferas da vida escolar, profissional,
acadêmica e de lazer. As tecnologias móveis, como celulares e tablets, ampliaram o
acesso à rede digital, permitindo a conexão e participação na rede em qualquer
tempo e lugar, gerando grandes potencialidades em termos de acesso à informação
e construção de conhecimento, mas também enormes desafios para a sociedade
contemporânea como o consumismo exacerbado pelas constantes inovações
tecnológicas, questões de exposição e privacidade na rede, cyberbulling, entre
outros.
As TICs e a educação na cibercultura
Embora a cibercultura seja uma caracterização da cultura contemporânea
marcada pelas novas tecnologias, Kenski nos lembra que as tecnologias não são
produtos da sociedade contemporânea. As tecnologias são, na verdade, “tão antigas
quanto a espécie humana” (2012, p. 15) e estão sempre associadas ao
conhecimento, e consequentemente, ao poder. Diferentes tecnologias foram
desenvolvidas pelo homem ao longo de sua história a fim de facilitar o trabalho e a
comunicação e a própria evolução social do homem está diretamente relacionada às
tecnologias criadas, uma vez que, segundo a autora, “o homem transita
culturalmente mediado pelas tecnologias que lhe são contemporâneas. Elas
transformam sua maneira de pensar, sentir, agir” (id., p. 21). Retomando McLuham,
“as tecnologias recriam o próprio homem”.
A linguagem, definida por alguns autores como “tecnologia de inteligência” é
uma das primeiras tecnologias desenvolvida pelos homens. Kenski salienta que
após o desenvolvimento da linguagem oral, o advento da linguagem escrita
reorientou a estrutura social com a possibilidade da separação física entre o autor e
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o texto escrito, permitindo a expansão da informação e do conhecimento. A terceira
linguagem, a linguagem digital, que Kenski caracteriza como “[...] uma linguagem de
síntese que engloba aspectos da oralidade e da escrita em novos contextos”, rompe
com características dessas duas linguagens e se apresenta “como um fenômeno
descontínuo, fragmentado e, ao mesmo tempo, dinâmico, aberto e veloz” (id., p. 32-
32), cuja base são os hipertextos, que, juntamente com a hipermídia, modificam as
formas de leitura na sociedade contemporânea.
Para a autora,
A linguagem digital, expressa em múltiplas TICs, impõe mudanças
radicais nas formas de acesso à informação, à cultura e ao
entretenimento. O poder da linguagem digital, baseado no acesso a
computadores e todos os seus periféricos, à internet, aos jogos
eletrônicos etc., com todas as possibilidades de convergência e
sinergia entre as mais variadas aplicações dessas mídias, influencia
cada vez mais a constituição de conhecimentos, valores e atitudes.
Cria uma nova cultura e outra realidade informacional (id., p. 33).
Essa nova cultura e realidade informacional criada pelas TICs e suas novas
linguagens traz inúmeras transformações para a sociedade impondo novas
demandas em termos de letramentos e competências para a participação ativa na
sociedade em rede. Dessa forma, a escola tem um papel de extrema importância
não somente no que diz respeito ao acesso às novas tecnologias, mas,
principalmente à formação dos jovens para o uso dessas tecnologias de forma
consciente e crítica e o desenvolvimento das habilidades necessárias para viver em
uma sociedade em permanente processo de mudanças. Uma sociedade marcada
pelo dilúvio informacional, como nos lembra Lévy (2010), na qual se faz cada vez
mais necessário o letramento informacional e crítico de forma que os jovens sejam
capazes de selecionar as fontes de informação e avaliá-las criticamente, em vez de
simplesmente consumi-las ou reproduzi-las acriticamente, como na prática
conhecida como “copia e cola”.
Kenski também salienta que para ser membro da rede, os indivíduos devem
dominar a linguagem de cada tipo de atividade, desenvolvendo diferentes
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competências e estando abertos para as constantes inovações. Nesse sentido, a
aprendizagem se torna um processo contínuo em que os indivíduos devem ser
responsáveis pelo próprio desenvolvimento e conhecimento. Ao trazerem enormes
transformações para a sociedade, as novas tecnologias demandam também
transformações nos próprios indivíduos, percebidas não somente na necessidade de
desenvolvimento de novas competências, mas na própria forma de aprender e de
lidar com o conhecimento.
Apesar de diversas tecnologias terem feito parte do contexto educacional em
diferentes épocas, como o lápis, o papel, o quadro negro, a TV e o vídeo cassete, as
TICs desempenham um papel fundamental na educação na cibercultura. O
computador e a internet, vistos como instrumentos culturais de aprendizagem
(FREITAS, 2010), estão cada vez mais presentes nas salas de aula, sem que,
contudo, na maioria das vezes, haja uma mudança significativa nos processos de
ensino e aprendizagem e nas práticas docentes. A esse respeito, Nelson Pretto
alerta que
No campo da educação, formulamos a ideia de que a incorporação
dessas tecnologias não pode se dar meramente como ferramentas
adicionais, complementares, como meras animadoras dos
tradicionais processos de ensinar e de aprender. As tecnologias
necessitam ser compreendidas como elementos fundamentais das
transformações que estamos vivendo (PRETTO, 1986), buscando
ser incorporadas através de políticas públicas para a educação que
ultrapassem as fronteiras do próprio campo educacional, para com
isso, poder trabalhar visando o fortalecimento das culturas e dos
valores locais (PRETTO e ASSIS, 2008, p. 80).
Diversos autores (PRETTO e ASSIS, 2008; KENSKI, 2012; 2013; BUZATO,
2007; PONTE, 2000) alertam para a necessidade dessas tecnologias serem
utilizadas no contexto educacional de forma a propiciar processos de ensino e
aprendizagem voltados para as demandas da cibercultura, ou seja, estimular a
aprendizagem em rede, a colaboração entre alunos e professores, o
compartilhamento de experiências e de conhecimento a fim de possibilitar o
desenvolvimento da inteligência coletiva, a criação de comunidades de
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aprendizagem que estimulem a autonomia e o pensamento crítico, entre outros. No
entanto, o que percebemos é que, apesar de novas tecnologias permearem o
espaço da escola e da universidade, os métodos de ensino pouco mudaram. Nesse
sentido, Kenski afirma que
As tecnologias comunicativas mais utilizadas em educação, porém,
não provocam ainda alterações radicais na estrutura dos cursos, na
articulação entre conteúdos e não mudam as maneiras como
professores trabalham didaticamente com seus alunos. Encaradas
como recursos didáticos, elas ainda estão muito longe de serem
usadas em todas as suas possibilidades para uma melhor educação
(KENSKI, 2012, p. 45).
Kenski constata, contudo, que apesar de as TICs terem trazido mudanças
consideráveis e positivas para a educação, para que essas tecnologias tragam
mudanças nos processos de ensino e aprendizagem, “elas precisam ser
compreendidas e incorporadas pedagogicamente” (id., p. 46), ou seja, elas precisam
ser apropriadas pelos professores.
Ponte se refere a este processo de apropriação docente como “uso fluente” e
“uso crítico” da tecnologia, que só acontece após um longo processo de apropriação.
Nesse sentido, o simples domínio da técnica não garante que ela seja usada com
naturalidade ou com espírito crítico. Para o autor,
O uso fluente de uma técnica envolve muito mais do que o seu
conhecimento instrumental, envolve uma interiorização das suas
potencialidades e uma identificação entre as intenções e desejos
dessa pessoa e as potencialidades ao seu dispor.
Mais do que um simples domínio instrumental, torna-se necessário
uma identificação cultural. [...] O uso crítico de uma técnica exige o
conhecimento do seu modo de operação (comandos, funções, etc.) e
das suas limitações. Exige também uma profunda interiorização das
suas potencialidades, em relação com os nossos objectivos e
desejos. E exige, finalmente, uma apreensão das suas possíveis
conseqüências nos nossos modos de pensar, ser e sentir (PONTE,
2000, p. 74).
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Infelizmente, o que temos percebido em grande parte dos processos de
ensino e aprendizagem na sociedade contemporânea é voltado para o uso
instrumental das TICs, como reforçam Kenski (2012) e Pretto e Assis (2008) nas
falas anteriores, nos quais as práticas docentes em quase nada se alteram com a
inserção das novas tecnologias. Mas por que isso acontece?
Kenski (2013) reconhece um desencontro entre a formação docente e as
demandas da cibercultura, na qual o aumento ao acesso às tecnologias não foi
acompanhado por mudanças na formação dos professores para a utilização dessas
ferramentas. Nesse sentido, essas demandas se colocam como verdadeiros
desafios para a formação inicial e continuada de professores de forma que a
utilização das novas tecnologias seja propulsora de mudanças e transformações nas
práticas educacionais.
Apesar de inúmeros esforços no sentido de capacitar professores para utilizar
diferentes ferramentas como tablets e quadros interativos, percebemos que muitas
dessas iniciativas acabam por reforçar um caráter instrumental de utilização técnica,
e não um processo de apropriação da tecnologia. Percebemos, assim, uma inversão
e valores na qual o uso da tecnologia é visto como um fim em si mesmo, e não como
um processo que deve levar à aprendizagem.
Kenski enumera diversos problemas recorrentes no uso das TICs na
educação que levam ao fracasso de experiências nesse campo. Dentre eles,
podemos destacar a falta de conhecimento pedagógico da tecnologia, a não
adequação da tecnologia ao conteúdo ou objetivos de ensino e o que chama de
“superdimensionamento do papel dos computadores na ação educativa” (2012, p.
60), quando professores, muitas vezes, se veem obrigados a utilizar a tecnologia,
reduzindo todo o processo educacional ao seu uso. Em todos os casos, a falta de
uma perspectiva crítica em relação ao uso das tecnologias e a sua apropriação se
mostram como a razão desses problemas.
Ponte propõe uma relação paradoxal para que as TICs sejam incorporadas de
forma significativa à educação. Ao mesmo tempo que devemos promover as TICs,
integrando-as plenamente aos processos educativos, temos que criticá-las,
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buscando uma pedagogia que valorize o humano e uma preocupação crítica com a
emancipação humana. O autor complementa que
A capacidade crítica em relação às tecnologias pressupõe intimidade
com as próprias tecnologias. O desafio é usar plenamente a
tecnologia sem se deixar deslumbrar. Consumir criticamente.
Produzir criticamente. Interagir criticamente. Estimular a crítica das
tecnologias e dos seus produtos. (PONTE, 2000, p. 88)
Ou seja, mais do que simplesmente incorporar a tecnologia à sala de aula,
devemos nos apropriar das mesmas mantendo sempre um olhar crítico sobre suas
possibilidades e também limitações e falhas.
Pensando a formação de professores para/na cibercultura
Kenski (2013) constata o desencontro entre a formação docente e as
necessidades de conhecimentos, habilidades e competências que a sociedade
contemporânea demanda. Porém reconhece que o tempo (ou a falta dele) constitui-
se em um dos desafios em relação à formação docente e tecnologias e também um
dos grandes problemas da sociedade pós-moderna. Um tempo que é escasso para
o professor e que é cada vez mais necessário para o uso de novas tecnologias.
Na cibercultura as noções de tempo e espaço são alteradas profundamente e
a velocidade das transformações não nos permite acompanhar todas as mudanças e
inovações. Como nos fala Kenski, “mediados pelas mais inovadoras tecnologias,
somos reféns da urgência e sentimo-nos intimidados pela ameaça concreta de
obsolescência de nossas práticas” (id., p. 35). Nesse sentido, a cibercultura impõe
enormes desafios para a formação de professores e para a atuação desses
profissionais. Faz-se necessário pensar uma nova formação de professores para a
atuação na cibercultura com todas as demandas que ela nos impõe. Ao mesmo
tempo, faz-se necessária uma formação de professores que aconteça na
cibercultura, com as práticas e características desse contexto e que não seja
baseada em modelos tradicionais de formação que não mais atendem às demandas
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da sociedade em rede. Faz-se, sobretudo, necessária uma formação de professores
que vise a educar os aprendizes para a vida na cibercultura, desenvolvendo
competências necessárias para a real participação na sociedade em rede. Nesse
sentido, Kenski afirma que:
Professores bem formados conseguem ter segurança para
administrar a diversidade de seus alunos e, junto com eles,
aproveitar o progresso e as experiências de uns e garantir, ao
mesmo tempo, o acesso e o uso criterioso das tecnologias pelos
outros. O uso criativo das tecnologias pode auxiliar os professores a
transformar o isolamento, a indiferença e a alienação com que
costumeiramente os alunos frequentam as salas de aula, em
interesse e colaboração, por meio dos quais eles aprendam a
aprender, a respeitar, a aceitar, a serem pessoas melhores e
cidadãos participativos. (KENSKI, 2012, p. 103)
A simples utilização das tecnologias na educação não garante transformações
ou inovação. O uso criativo e crítico das TICs é, assim, a chave para promover
mudanças nos processos de ensino e aprendizagem na sociedade contemporânea.
Para isso, é necessário pensar um novo modelo de formação docente que vise a
desenvolver a apropriação crítica da tecnologia bem como a compreensão das
diferentes competências que são necessárias para sua plena utilização.
Novos letramentos: uma demanda da cibercultura
A partir de uma perspectiva histórico-cultural que concebe as TICs como
artefatos culturais, percebemos que essas tecnologias, além de máquinas,
constituem instrumentos de linguagem que demandam novas práticas de leitura e
escrita (FREITAS, 2010). Dessa forma, a ampliação dos usos das TICs nas
diferentes esferas da sociedade em rede gera novas demandas em termos de
letramentos e habilidades específicas para a utilização desses instrumentos nesse
novo cenário.
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Partindo de uma definição de letramento como prática social na qual o
letramento consiste em “resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais
de leitura e escrita” ou ainda “como consequência de ter-se apropriado da escrita e
suas práticas sociais” (SOARES, 2012), a autora esclarece a diferença entre
alfabetização e letramento que remete à questão da apropriação:
ter-se apropriado da escrita é diferente de ter aprendido a ler e
escrever: aprender a ler e escrever significa adquirir uma tecnologia,
a de codificar uma língua escrita e de decodificar a língua escrita;
apropriar-se da escrita é tornar a escrita “própria”, ou seja, é assumi-
la como sua “propriedade” (SOARES, 2012, p. 39, grifos da autora).
Com a introdução da linguagem digital na cibercultura percebemos a
necessidade de um novo conjunto de práticas de leitura e escrita a fim de
participarmos efetivamente das práticas culturais no ciberespaço. Nesse sentido,
diversos autores tem se debruçado sobre questões de letramento na era digital
alertando para a necessidade de diferentes tipos de letramento no contexto das
novas tecnologias. Alguns deles constituem o letramento digital (BUZATO, 2006,
2009; FREITAS, 2010; WHEELER, 2012) e os letramentos múltiplos ou
multiletramentos (CERVETTI et at, 2006; ROSENBERG, 2010; SAITO e SOUZA,
2011; CAZDEN et al., 1996; HILL, 2008). Esses diferentes tipos de letramentos
expandem a noção de letramento tradicional voltada para a linguagem escrita
impressa, se referindo à práticas sociais e culturais continuamente em fluxo na
sociedade contemporânea (CERVETTI et at, 2006).
Neste artigo, o termo novos letramentos é utilizado para designar o conjunto
de novos letramentos (literacies) que emergem na cibercultura. Dentro desse
conjunto, encontram-se as noções de letramento digital (digital literacy) e
letramentos múltiplos (multiple literacies), que são apresentados a seguir.
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Letramento digital e apropriação tecnológica
Letramento digital (digital literacy) é um termo polissêmico que pode ser
entendido sob diferentes perspectivas. Em inglês a palavra literacy carrega consigo
duas possíveis traduções para o português, alfabetização e letramento, que no
contexto educacional, representam práticas distintas, embora intrinsecamente
associadas (SOARES, 2012). Assim, digital literacy pode ser entendido como
alfabetização digital, que se refere à aquisição de habilidades para o uso de TICs
sob uma perspectiva mais tecnicista e instrumental, mas pode também ser
entendido sob uma perspectiva mais crítica e produtiva dessas tecnologias, que será
chamado de letramento digital.
No entanto, é comum encontrar na literatura, o termo letramento digital sendo
utilizado para expressar ambos os sentidos. Freitas esclarece que há duas
definições para o termo: uma definição restrita e outra ampla. Segundo a autora, “as
definições restritas não consideram o contexto sociocultural, histórico e político que
envolve o processo de letramento digital. São definições mais fechadas em um uso
meramente instrumental” (FREITAS, 2010, p. 337). Essas definições se aproximam
da ideia de alfabetização digital, apresentada anteriormente, voltada apenas para a
utilização eficiente de ferramentas digitais de informação e comunicação.
As definições mais amplas se voltam para o letramento digital como prática
social culturalmente constituída na qual o letramento inclui, além do conhecimento
instrumental sobre o uso da tecnologia, uma postura crítica em relação a sua
utilização. Dessa forma, Freitas define letramento digital como
conjunto de competências necessárias para que um indivíduo
entenda e use a informação de maneira crítica e estratégica, em
formatos múltiplos, vinda de variadas fontes e apresentada por meio
do computador-internet, sendo capaz de atingir seus objetivos,
muitas vezes compartilhados social e culturalmente (id., p. 339-340).
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96 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ
Buzato (2007) também busca definir o letramento digital por meio da oposição
entre habilidades e competências instrumentais de utilização de computadores e as
práticas sociais envolvidas nessa utilização. Nesse sentido, afirma que
o que se espera do cidadão, do professor e do aluno, não é
simplesmente que domine um conjunto de símbolos, regras e
habilidades ligada ao uso das TICs, mas que “pratique” as TIC
socialmente, isto é, que domine os diferentes “gêneros digitais” que
estão sendo construídos sócio-historicamente nas diversas esferas
de atividade social em que as TIC são utilizadas para a
comunicação. (BUZATO, 2007, p. 7)
Percebemos que ambas as definições se voltam para o letramento digital
enquanto competência necessária para a utilização crítica das TICs nas práticas
sociais e culturais e nos processos de ensino e aprendizagem na sociedade
contemporânea. No entanto, a utilização dessas ferramentas pressupõe um novo
conjunto de habilidades que não somente as habilidades técnicas e instrumentais,
mas um profundo conhecimento das ferramentas digitais, seus usos e implicações,
ou seja, não basta apenas usar as ferramentas, mas é necessário que nos
apropriemos delas para usá-las de forma a proporcionar transformações sociais.
Buzato afirma que “os novos letramentos/letramentos digitais são, portanto,
ao mesmo tempo, produtores e resultados de apropriações culturais (mas também
institucionais, sociais e pessoais) das tecnologias digitais” (2009, p. 3). Dessa forma,
o letramento digital está intimamente relacionado à apropriação da tecnologia,
entendido aqui como transformação e resignificação das tecnologias para diferentes
objetivos de aprendizagem.
Wheeler (2012) reconhece que as tecnologias emergentes da Web 2.0
implicam em diferentes demandas e competências por parte de seus usuários. O
autor chama essas tecnologias de tecnologias transformadoras (disruptive
technologies), uma vez que produzem rupturas na nossa sociedade e exigem um
novo conjunto de letramentos de forma a poder participar na cultura digital. Wheeler
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97 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ
vê esses letramentos digitais como algo além de competências e habilidades, mas
como uma forma de engajamento cultural nas novas práticas sociais que surgem na
cibercultura. Dessa forma, identifica nove letramentos essenciais para maximizar o
potencial de aprendizagem ao utilizar as TICs na educação: (1) o uso eficiente de
redes sociais; (2) o transletramento, ou seja, a habilidade de atuar em várias
plataformas digitais, e a resignificação de conteúdos na web; (3) a habilidade de
gerenciar e proteger a privacidade online; (4) a habilidade de gerenciar o surgimento
de novas formas múltiplas e descentralizadas de identidade; (5) a habilidade de criar
conteúdo específico apropriado; (6) a habilidade de gerenciamento e organização da
informação utilizando tags e ferramentas de curadoria para compartilhar
informações; (7) a habilidade de resignificar, remixar e reutilizar conteúdos
existentes, que considera característica chave da Web 2.0; (8) o letramento
informacional, ou seja, a capacidade de selecionar e filtrar informações na web; e
por fim (9) a habilidade de perceber a mudança de poder na web em questões de
autoria.
Wheeler ressalta a importância de os educadores trabalharem esses
letramentos com os alunos na cultura digital de forma que eles obtenham sucesso
na aprendizagem, que, cada vez mais acontece por meio de ferramentas digitais. O
autor lembra que a aprendizagem na cibercultura é marcada pela aprendizagem ao
longo da vida (lifelong learning) demandando novos letramentos dos aprendizes e
que ao desenvolver esses nove letramentos, os professores estarão
verdadeiramente preparando os alunos para conviverem na sociedade em rede e na
cultura digital, respondendo às demandas da cibercultura.
Freitas apresenta ideia semelhante ao argumentar que
a tarefa das escolas e dos processos educativos é desenvolver
novas formas de ensinar e aprender, em razão das exigências postas
pela contemporaneidade. A revolução tecnológica introduz não só
uma quantidade enorme de novas máquinas, mas principalmente um
novo modo de relação entre os processos simbólicos que constituem
o cultural. (FREITAS, 2010, p. 340)
Volume 8 - No 3 – Setembro/Dezembro de 2014
98 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ
Com a demanda emergente de intensa utilização das TICs nos processos de
ensino e aprendizagem, faz-se necessário trabalhar paralelamente o letramento
digital dos alunos. Contudo, a grande questão que se apresenta é que para trabalhar
esses letramentos com os alunos na educação do século XXI e prepará-los para
essa nova realidade, é necessário que antes o próprio professor desenvolva essas
habilidades e letramentos. Infelizmente, Freitas constata que os processos de
formação, tanto inicial quanto continuada, ainda não têm demonstrado preocupação
com o letramento digital dos professores na sua perspectiva mais ampla, focalizando
ainda a perspectiva restrita de alfabetização digital e de uso de ferramentas.
Freitas argumenta que a formação inicial não tem preparado o professor para
utilizar as novas tecnologias como instrumentos de aprendizagem e ressalta a
importância do tema para a formação de professores uma vez que apenas o acesso
e o uso instrumental das tecnologias no contexto escolar não são suficientes para
integrar os recursos digitais às práticas pedagógicas de forma a trazer
transformações para essas práticas. A autora complementa que
Para formar futuros professores para o trabalho com nativos digitais
faz-se necessário enfrentar a responsabilidade de uma constante
atualização, a defasagem entre o seu letramento digital e o dos
alunos, e manter o distanciamento possibilitador de um olhar crítico
diante do que a tecnologia digital oferece. Assim, espera-se que,
nessa era da internet, o professor possa fazer da sua sala de aula
um espaço de construções coletivas, de aprendizagens
compartilhadas (id., p. 349).
Assim, fica clara a necessidade de se trabalhar o letramento digital não
somente na formação inicial do professor, mas também na formação continuada,
uma vez que muitos professores em atuação hoje não tiveram qualquer tipo de
formação voltada para o letramento digital e visando a apropriação crítica da
tecnologia na educação.
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Multiletramentos ou letramentos múltiplos
Multiletramentos (multiliteracies) ou letramentos múltiplos (multiple literacies)
é outro termo que tem sido muito utilizado e debatido em relação às necessidades
emergentes para a educação na sociedade contemporânea. Dada a multiplicidade
de tecnologias e mídias de comunicação e a diversidade de línguas e linguagens
que emergem no contexto da cultura digital, um novo conjunto de letramentos que
vão além do letramento tradicional se fazem necessários. Nesse sentido, um grupo
de dez pesquisadores de diferentes áreas da educação e países se reuniram em
New London, nos Estados Unidos, para debater uma nova pedagogia para o
letramento visando o desenvolvimento de habilidades para o sucesso na sociedade
contemporânea. Assim, o New London Group propõe o conceito de multiletramentos
como uma abordagem que
supera as limitações das abordagens tradicionais ao enfatizar como
a negociação de múltiplas diferenças linguísticas e culturais na nossa
sociedade é central para a pragmática da vida privada, cívica e de
trabalho dos alunos para os letramentos. […] o uso de abordagens
de multiletramentos para a pedagogia permitirá aos alunos
alcançarem os duplos objetivos dos autores para aprendizagem de
letramentos: criar acesso para a linguagem do trabalho, poder e
comunidade em evolução, e promover o engajamento crítico
necessário para que eles projetem seu futuro social e obtenham
sucesso por meio de um emprego recompensador (CAZDEN et al,
1996, p. 60).5
O conceito de multiletramentos está, assim, relacionado à diversidade de
meios, mídias e linguagens (visual, oral, escrita, imagética etc.) que as novas
5 Tradução minha para “overcomes the limitations of traditional approaches by emphasizing how negotiating
the multiple linguistic and cultural differences in our society is central to the pragmatics of the working, civic, and private lives of students to literacies. […] the use of multiliteracies approaches to pedagogy will enable students to achieve the authors’ twin goals for literacy learning: creating access to the evolving language of work, power, and community, and fostering the critical engagement necessary for them to design their social futures and achieve success through fulfilling employment.”
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100 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ
tecnologias nos possibilitam. Segundo os autores, a fim de participarmos
plenamente da cultura digital se fazem necessários novos e múltiplos letramentos,
uma vez que essas novas tecnologias modelam a maneira pela qual usamos a
linguagem, e dessa forma não pode haver mais um único padrão de letramento a ser
trabalhado na educação (id.).
Cervetti et al. (2006) alertam para a necessidade dos cursos de formação
inicial de professores abordarem questões relativas aos novos letramentos e aos
letramentos múltiplos e identificam três temas principais na literatura. Segundo os
autores, os cursos de formação de professores devem envolver os professores na
aprendizagem e análise das TICs, ajudá-los a desenvolver uma compreensão mais
ampla de letramento e ajudá-los a entender os multiletramentos dos alunos e os
seus próprios.
Rosenberg (2010) também propõe uma abordagem de multiletramentos na
formação de professores e defende que, para os professores serem capazes de
oferecer experiências de aprendizagem que promovam o empoderamento dos
alunos por meio de práticas de multiletramentos, eles mesmos (os professores)
devem participar dessas práticas durante os programas de formação. Dessa forma,
o autor sugere que as práticas de formação de professores se assemelhem às
práticas de multiletramentos dos alunos no sentido de: (1) os materiais didáticos
integrarem a consciência dos novos meios, (2) materiais não formais em contextos
não formais de formação como blogs, chats etc., serem usados pelos professores
como prática para o processo de ensino e aprendizagem, (3) a pedagogia
reconhecer o valor do ensino do letramento por meio das TICs, e (4) a pedagogia
considerar o conceito de empoderamento do professor em conjunção com uma
abordagem aos multiletramentos para promover o sucesso tanto dos professores
quanto dos alunos em tornarem-se letrados na nova ordem mundial.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em uma sociedade conectada em rede e imersa na cultura digital, novas
competências e letramentos se fazem cada vez mais necessários para que os
indivíduos possam transitar por novas linguagens e técnicas, transformando práticas
sociais e consumindo de forma crítica as novas tecnologias que passam a permear
os mais diferentes espaços. No campo educacional, onde as tecnologias têm sido
cada vez mais incorporadas, estas devem beneficiar processos de
ensino/aprendizagem trazendo inovação e mudanças ao invés da simples
transposição e substituição de ferramentas.
Ao pensarmos uma proposta de formação de professores que atenda às
demandas da sociedade contemporânea e prepare efetivamente os professores
para a utilização crítica das TIC no contexto dos novos letramentos (letramento
digital e multiletramentos), temos que primeiramente pensar em algumas das
próprias características da cibercultura e da sociedade em rede para delinear uma
proposta de apropriação dessas tecnologias na formação docente.
A colaboração, o compartilhamento e a construção coletiva de conhecimento
propiciada e potencializada pelas ferramentas da Web 2.0 permitem o
desenvolvimento da inteligência coletiva, essencial no mundo contemporâneo em
constante mudança. As redes de aprendizagem online, nas quais o conhecimento é
construído em conjunto, colaborativamente, entre os participantes, sem relações
hierárquicas ou assimétricas, podem beneficiar professores na aquisição e
desenvolvimento das competências e novos letramentos necessários para a
educação na cultura digital permitindo a transformação de práticas e a apropriação
crítica das TICs nesse cenário.
Em oposição a propostas de treinamento, formação e capacitação docente
para uso das novas tecnologias que geralmente são impostas de aos professores
em uma estrutura vertical com um enfoque puramente tecnicista e instrumental
visando simplesmente à alfabetização digital dos docentes, fazem-se cada vez mais
necessárias propostas inovadoras voltadas para a apropriação crítica desse
ferramental e, como vimos ao longo desse artigo, o letramento digital e os múltiplos
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letramentos são competências essenciais para os processos de
ensino/aprendizagem na educação contemporânea.
Assim, as redes de coaprendizagem online para a formação continuada de
professores no desenvolvimento dessas competências e letramentos se apresentam
como oportunidade potencial para que os professores possam efetivamente se
apropriar das tecnologias digitais utilizando-as em suas práticas pedagógicas
cotidianas de maneira inovadora e crítica, alinhado com as demandas emergentes
do mundo contemporâneo, através de um processo reflexivo possibilitado pelo
processo de coaprendizagem na rede.
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Volume 8 - No 3 – Setembro/Dezembro de 2014
105 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ
Sobre as Autoras
Cíntia Regina Lacerda Rabello
Graduada em Letras (Português-Inglês) pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (1996) e Mestre em Tecnologia
Educacional nas Ciências da Saúde pelo Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde da UFRJ (2007).
Doutoranda em Linguística Aplicada pela UFRJ. Atua no
ensino de inglês como língua estrangeira desde 1995 e
por 4 anos atuou como gestora educacional em escola de
idiomas. Participa como pesquisadora do LATEC/UFRJ
nas áreas de Tecnologias da Informação e Comunicação
no contexto educacional, Educação a Distância,
Ambientes Virtuais de Aprendizagem e Sites de Redes
Sociais.
Cristina Jasbinschek Haguenauer
Graduada em Engenharia Civil pela UERJ (1985), Mestre
em Engenharia pela PUC-RJ (1988) e Doutora em
Ciências de Engenharia UFRJ (1997). Atualmente é
professora Associada da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Atua em ensino, pesquisa e consultoria na área
de Tecnologias da Informação e da Comunicação, com
foco em Educação a Distância, Capacitação Profissional,
Formação Continuada, Produção de Hipermídia, Jogos
Educativos, Ambientes Virtuais de Aprendizagem, Portais
de Informação e Realidade Virtual.
Revista EducaOnline, Volume 8, No 3, Setembro/Dezembro de 2014. ISSN: 1983-2664. Este artigo foi
submetido para avaliação em 03/07/2014 e aprovado para publicação em 02/09/2014.