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NQLNNLNO r åáÅ~ã é=J=p~ä~=ÇÉ= fã éêÉåë~ NLP ïïïK ì åáÅ~ãéKÄêLì åáÅ~ãéLì åáÅ~ãé| ÜçàÉLà ì L~ÄêáäOMMSLà ì PNUé~ÖNOKÜíã ä 12 Professora de conservação e restauração mostra segredos no interior das esculturas religiosas DEVOÇÃO À ARTE LUIZ SUGIMOTO A expressão “cuspido e escarrado”, forma esdrúxula de se referir a um filho que nasce com a cara do pai, seria mais uma pérola do folclórico reducionismo verbal dos mineiros e que na verdade corresponderia a “esculpido e encarnado” – duas fases do processo de confecção de uma escultura. Esta é uma das explicações lógicas encontradas pela professora emérita Beatriz Ramos de Vasconcelos Coelho, da UFMG, cuja palestra lotou o auditório no II Encontro de História da Arte promovido por pós- graduandos do IFCH da Unicamp. Beatriz Coelho, presidente do Centro de Estudos da Imaginária Brasileira (Ceib), é também fundadora do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor), maior referência do país na formação de restauradores e responsável pela preservação de muito do que ainda se pode apreciar do barroco mineiro. “Minha pesquisa é sobre a escultura policromada [com várias cores] em Minas Gerais, que é basicamente a escultura devocional, a imagem de devoção. Observamos essas imagens não somente do ponto de vista religioso, mas da história, da iconografia e dando ênfase aos materiais e técnicas adotados na criação do objeto artístico”, explica a professora. Muitos devotos apreciariam estar na platéia de artistas e estudiosos da arte, ouvindo mais a respeito de materiais, procedimentos técnicos, composição, detalhes anatômicos e outros segredos guardados no interior das esculturas, aprofundando o olhar com que veneram as imagens nas missas de domingo. Beatriz Coelho iniciou suas pesquisas em 1990 e lamenta que nos últimos anos, por conta de estar aposentada, encontre mais dificuldades de financiamento para desenvolvê-las no mesmo ritmo. Adotar a escultura devocional como fonte primária de estudo exige viagens às cidades em que as peças se encontram, fotografias, gravações, filmagens e análises complementares de laboratório para identificar materiais e radiografias que mostrem detalhes escondidos. “A bibliografia e outros documentos são uma complementação do estudo. Como restauradores, muitas vezes conseguimos autorização para retirar o objeto do altar – o que não é tão fácil –, examinando-o por todos os ângulos. Os objetos falam. É importante saber olhar e ler o que dizem”, aconselha. Composição – Para demonstrar como se observa a composição de uma imagem, Beatriz Coelho projeta a foto de uma famosa peça de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, cuja restauração coordenou: é Nossa Senhora da Piedade, mostrada nesta página. “Como num caleidoscópio, cada posição vai gerando um desenho diferente. Tomando os pontos extremos da escultura, traçamos um triângulo. Mas olhando da cabeça da mãe para a cabeça do filho, e a outros pontos extremos da escultura, já teremos um polígono. Vemos ainda as linhas | Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 318 - 3 a 16 de abril de 2006 Leia nesta edição Capa Softw are Livre Cartas Ronaldinho Gaúcho Teia do Saber História da FEA Mandarim 14 e 15 Ricota Carne de sol Microbomba Médica Manga Cadeira de Rodas Sorocaba Painel da Semana Livros Teses História da Arte Devoção à arte

Técnicas escultóricas

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Professora de conservação e restauraçãomostra segredos no interior das esculturas religiosas

DEVOÇÃO À ARTELUIZ SUGIMOTO

A expressão “cuspido e escarrado”, forma esdrúxula de se

referir a um filho que nasce com a cara do pai, seria mais umapérola do folclórico reducionismo verbal dos mineiros e que naverdade corresponderia a “esculpido e encarnado” – duas fasesdo processo de confecção de uma escultura. Esta é uma dasexplicações lógicas encontradas pela professora emérita BeatrizRamos de Vasconcelos Coelho, da UFMG, cuja palestra lotou oauditório no II Encontro de História da Arte promovido por pós-graduandos do IFCH da Unicamp. Beatriz Coelho, presidente doCentro de Estudos da Imaginária Brasileira (Ceib), é tambémfundadora do Centro de Conservação e Restauração de BensCulturais Móveis (Cecor), maior referência do país na formaçãode restauradores e responsável pela preservação de muito doque ainda se pode apreciar do barroco mineiro.

“Minha pesquisa é sobre a escultura policromada [com váriascores] em Minas Gerais, que é basicamente a esculturadevocional, a imagem de devoção. Observamos essas imagensnão somente do ponto de vista religioso, mas da história, daiconografia e dando ênfase aos materiais e técnicas adotados nacriação do objeto artístico”, explica a professora. Muitos devotosapreciariam estar na platéia de artistas e estudiosos da arte,ouvindo mais a respeito de materiais, procedimentos técnicos,composição, detalhes anatômicos e outros segredos guardadosno interior das esculturas, aprofundando o olhar com queveneram as imagens nas missas de domingo.

Beatriz Coelho iniciou suas pesquisas em 1990 e lamenta quenos últimos anos, por conta de estar aposentada, encontre mais dificuldades de financiamento paradesenvolvê-las no mesmo ritmo. Adotar a escultura devocional como fonte primária de estudo exigeviagens às cidades em que as peças se encontram, fotografias, gravações, filmagens e análisescomplementares de laboratório para identificar materiais e radiografias que mostrem detalhesescondidos. “A bibliografia e outros documentos são uma complementação do estudo. Comorestauradores, muitas vezes conseguimos autorização para retirar o objeto do altar – o que não é tãofácil –, examinando-o por todos os ângulos. Os objetos falam. É importante saber olhar e ler o quedizem”, aconselha.

Composição – Para demonstrar como seobserva a composição de uma imagem,Beatriz Coelho projeta a foto de uma famosapeça de Antônio Francisco Lisboa, oAleijadinho, cuja restauração coordenou: éNossa Senhora da Piedade, mostrada nestapágina. “Como num caleidoscópio, cadaposição vai gerando um desenho diferente.Tomando os pontos extremos da escultura,traçamos um triângulo. Mas olhando dacabeça da mãe para a cabeça do filho, e aoutros pontos extremos da escultura, játeremos um polígono. Vemos ainda as linhas

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Leia nesta edição

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Softw are Livre

Cartas

Ronaldinho Gaúcho

Teia do Saber

História da FEA

Mandarim 14 e 15

Ricota

Carne de sol

Microbomba Médica

Manga

Cadeira de Rodas

Sorocaba

Painel da Semana

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Devoção à arte

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teremos um polígono. Vemos ainda as linhaspredominantes do rosto, dos braços e dos pés, e também linhas virtuais que levam o olhar doobservador a acompanhar o olhar da mãe para o rosto do filho. Não há quem deixe de ser levado peloolhar da mãe”, ilustra.

Em relação à estrutura, a pesquisadora explica que a imaginária devocional divide-se basicamente emdois grupos: as de talha inteira e as imagens de vestir, como as imagens de São Simão Stock e SãoSimão da Cruz, também de Aleijadinho e também nesta página. Há objetos com poucos ou váriosblocos; maciços ou ocos; blocos unidos por cola, cravos ou sistema de encaixe; olhos esculpidos epintados ou com olhos de vidro. “Encontramos olhos esculpidos e pintados bastante expressivos, masos de vidro são mais realistas”, observa.

Nas andanças por cidades como Sabará, Santa Luzia,Catas Altas, Ouro Preto, Mariana e Tiradentes, BeatrizCoelho encontrou o cedro em 75% das esculturas cujasamostras foram analisadas em laboratórios. Tambémforam identificadas peças em cambará, jequitibá, canela,marinheiro, cangalheiro, catueiro, louro (a árvore dafolha usada como tempero), pinho do paraná e mesmoem castanho – espécie típica da Europa que não existiano Brasil. Encontrou também uma imagem com duasmadeiras diferentes, com pau-de-lacre para o corpo ecabeça feita em canela. “Supõe-se que o artista, porquerer trabalhar com mais detalhes na cabeça, tenhaoptado por uma madeira mais macia. Mas, quandorestaurei a peça, o interior da cabeça estava corroído porinsetos, enquanto o corpo mantinha-se preservado”,afirma.

A maior parte das imagens do início do século 18 erafeita em poucos blocos, geralmente em dois. A partir da

segunda metade do século, sobretudo no período rococó, as imagens deixaram de ser tão hieráticas erígidas, ganhando movimentação com indumentárias esvoaçantes que se desprendiam da figura, umacomplementação que exigia outros blocos de madeira. Uma imagem da primeira metade do século, deSão Pedro Mártir, tem o corpo em peça única e a mão feita separadamente. “Para mim, a explicaçãoestava na facilidade de se manusear uma peça menor para os detalhes dos dedos e da palma da mão”,recorda. Veio de um especialista em madeiras, porém, uma explicação complementar: se o artistaacompanhasse o sentido das fibras da madeira do corpo para esculpir os dedos, eles se quebrariam.

Há também as imagens ocas. Beatriz Coelho informa que estaopção tem menos a ver com outra crença popular, a do santo dopau oco, pensado para esconder ouro e moedas. “Ao contrário,este é um costume adotado na Europa desde a Idade Média. Oescultor retirava a parte mais frágil da madeira, o miolo, paradiminuir o risco de rachadura, sobretudo em peças maiores.Quanto a guardar ouro, não encontramos nem pó nos objetosque estudamos”, brinca.

Radiografias confirmam aberturas no interior da cabeça, paracolocação dos olhos de vidro, constatadas em observaçãodireta. A cabeça era seccionada, ficando face de um lado ecrânio do outro. “Achamos dentro da cabeça de São SimãoStock uma moeda, que não era antiga (de 1970), e na cabeça

de São João da Cruz, parte de uma tesourinha. Imagino que esses objetos serviram para calçar oresplendor bastante pesado e em madeira, e eles caíram pela abertura das esculturas”, supõe.

Carnação – A propósito de “esculpido e encarnado”, Beatriz Coelho informa que a policromia édividida em carnação e estofamento. “Carnação é a técnica de pintar imitando a carne: rosto, mãos,braços, pés descalços. Estofamento vem do francês étoffe (tecido) e visava basicamente a imitação detecidos com que se fazem forros de cadeira e roupas de padre”, explica. Uma informação nãocomprovada é que se esfregava nas peças a bexiga do carneiro, pois sua gordura assegurava umbrilho acetinado à carnação.

Examinando e comparando quatro “Cristos” de Aleijadinho, a pesquisadora observou a semelhança de

traços fisionômicos como nariz, bigode, boca e cabelo. Chamou sua atenção, por exemplo, que asbarbas de São Simão e São João da Cruz dão a impressão de nascer de trás para a frente, terminandoem dois tubos que não se uniam, deixando um vazio de pelos na ponta do queixo. “Restauramos umapeça em que a barba tinha sido emendada, com uma fresta em gesso pintada de cor escura. Acho quequem fez aquilo ignorava tal característica da obra de Aleijadinho e resolveu completar a barba porachá-la estranha”, conta.

Na opinião da professora Beabriz Coelho, as informações sobre materiais e técnicas representam aprincipal contribuição de sua pesquisa para o conhecimento da escultura policromada devocional deMinas Gerais, além da interdisciplinaridade, com a colaboração de especialistas em botânica, química eoutros observares, restauradores e historiadores da arte. “Mas, às vezes, sinto vontade de me sentarcom Aleijadinho e pedir que me explique como produziu alguns detalhes de suas peças”, confessa.

Acervos Artísticos da Unicamp

A exposição Acervos Artísticos da Unicamp está aberta aopúblico até o dia 20 de abril, na Galeria de Artes. A mostra éparte do II Encontro de História da Arte e das comemorações doAno 40 da Universidade, reunindo obras de artistas comoAntonio Roseno, Bernardo Caro, Geraldo de Barros, HerculesBarsotti e Paim Vieira. “Nosso intuito é mostrar como a teoria ea produção artística se complementam, sempre. A exposição élugar também de reflexão e de pesquisa em artes, onde asobras deixam de ser vistas apenas como ilustração de um artigoou de uma explanação em Power Point. É um ‘exercício-recorte’

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ou de uma explanação em Power Point. É um ‘exercício-recorte’que realça a comunicação entre acervo, galeria, universidade evisitante”, afirma a curadora Ana Paula Felicissimo de CamargoLima.

Segundo Ana Paula, a exposição Acervos Artísticos da Unicampé fruto de um trabalho curatorial realizado desde 2005 por pós-graduandos em história da arte do IFCH, com intuito de divulgarparte das obras pertencentes à Universidade, contextualizando-

as por meio de catálogos, artigos de jornais, anotações e outros registros documentais. “Nesseprimeiro momento, não foi possível mostrar os acervos de todas as unidades, apenas da Galeria deArtes e do Arquivo Central (Siarq). Isso por questão de tempo e também porque quisemos datar aprodução do final dos anos 1940 até o final dos 60, quando nossos artistas passaram por fases dereflexão, rompimento e influências da Europa e Estados Unidos”, explica.

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