Upload
thaise-nardim
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
1/39
Teatro Medieval: 4 Sketches
(Textos para sala de aula. Traduo, adaptao e notas introdutrias: JeanLauand)
Jean LauandProf. Titular FEUSP
O teatro e a cultura medieval
Desde queh exatos vinte anos - comecei a lecionar Histria da EducaoMedieval, para os alunos do primeiro ano da Faculdade de Educao daUniversidade de So Paulo, senti a necessidade de oferecer-lhes tradues detextos da poca - das mais diversas reas: da filosofia e da teologia matemtica e a retrica, passando pelo jogo de xadrez e por inscries emrelgios de sol etc.
Como no poderia deixar de ser, temos traduzido tambm diversas peas deteatro, pois o teatro uma importante expresso da educao da poca, alm
de prestar-se a ricas atividades em nossas salas de aula.O teatro medieval - como a literatura e outras produes artsticas da poca -comporta, tipicamente, um outro objetivo: o de instruir. Indissocivel da IdadeMdia , tambm, o elemento religioso: o teatro medieval surge - como quenaturalmente - da liturgia, principalmente da liturgia da Pscoa.
Assim, em algumas abadias beneditinas, a liturgia passa tambm a representarepisdios da vida de Cristo, sobretudo os da ressurreio (as antfonas so juma plataforma de lanamento para o teatro). Um texto ingls do sc. IX [1]
descreve o acompanhamento da leitura litrgica do Evangelho:
ORDO
(Durante a terceira leitura, quatro irmos mudam de veste. O primeiro, comtrajes brancos, entra com ar de quem est preocupado com uma tarefa,
penetra no sepulcro e senta-se em silncio, segurando uma palma na mo.Depois, enquanto se recita o terceiro responsrio, entram os outros trsirmos, revestidos com capas, trazendo nas mos turbulos com incenso e,lentamente, como quem procura algo, dirigem-se ao sepulcro. Com esta cena,
representa-se o anjo sentado sobre o sepulcro e as mulheres que chegam comaromas para ungir o corpo de Jesus. Mal o irmo sentado v aproximarem-se
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn1http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn17/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
2/39
os outros trs - com ar titubeante, de quem est procurando alguma coisa -,comea a cantar suavemente, a meia-voz:)
- Que buscais no sepulcro, cristos?
(Ao que os trs respondem, cantando em unssono:)
- A Jesus Nazareno crucificado, habitante do Cu.
- No est aqui, ressuscitou como tinha predito! Ide e anunciai que Elesuperou a morte!
(Os trs dirigem-se ao coro, cantando:)
- Aleluia, o Senhor ressuscitou, hoje o leo forte ressuscitou, o Cristo, Filhode Deus.
(Depois destas palavras, o irmo torna a se sentar e, como que chamando-os,entoa a antfona:)
- Ressuscitou do sepulcro o Senhor que, por ns, esteve na Cruz. Aleluia.
(Estendem o sudrio sobre o altar. Terminada a antfona, o prior, paraexpressar a alegria pelo triunfo de nosso rei, ressuscitado depois de tervencido a morte, incoa o Te Deum laudamus e todos os sinos tocam juntos.)
"cena" do sepulcro, vo se juntando outras representaes litrgicas deteatro incipiente: os discpulos de Emas, cenas de Natal etc. Pouco a pouco, otexto vai se emancipando e a literalidade da Escritura d lugar a parfrases,comentrios lricos etc.
Umjeu medieval - O Mistrio de Ado
OMistrio de Ado, que apresentamos a seguir, de autor annimo, um
pioneiro do sculo XII dosjeux medievais que ligam o mistrio da redenoao pecado original. Seus personagens, como faz notar Pauphillet [2] , soseres humanos comuns (a pea no entra em maiores discusses sobre oalcance metafsico da Queda): Ado , simplesmente, um servidor leal quetem um momento de fraqueza e Eva representa a fragilidade feminina.
A pea comporta trs partes: 1) a desobedincia de Ado e Eva, 2) a morte deAbel, e 3) um desfile de profetas anunciando a redeno de Cristo (esta partechegou a ns mutilada).
OMistrio de Ado, explica Pauphillet, ao contrrio das primeirascomposies latinas - mais prximas da liturgia e representadas dentro da
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn2http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn2http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn2http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn27/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
3/39
igreja - era encenado sobre um tablado assentado em frente ao templo. No seousa representar Deus, que meramente sugerido pelo personagem da Figura(que est na igreja e, de l, entra e sai do palco).
Apresentamos a traduo do "primeiro ato" (o episdio da ma), umdivertido documento sobre a arte e a pedagogia da poca, seu senso de humor,suas concepes etc. Na traduo, procuramos manter as rimas e as estruturasde rimas do original [3] e harmonizar a fidelidade ao texto original com adevida adaptao: de tal modo que o leitor moderno tenha acesso tambm aoesprito que informa essas produes, escritas h quase mil anos...
Neste sentido, um referencial importante que nos guiou foi a possibilidade dever estas peas encenadas pelos alunos do curso deHistria da Educao
Medieval da FEUSP. Assim, a fidelidade ao esprito da real encenao levou-
nos ao atrevimento de no abandonar, na traduo, a forma original de versose rimas.
Videtur 22 http://www.hottopos.com/ IJIUniv. do Porto - 2003
O MISTRIO DE ADO
Pea de teatro de autor Annimo do sculo XII
(Traduo: Jean Lauand)
ORDO: O Paraso deve estar um pouco elevado no palco, rodeado decortinas e telas de seda, de modo que os personagens fiquem visveis apenasdos ombros para cima. No Paraso deve haver flores perfumadas, folhagens ediversas rvores carregadas de frutas, com aspecto de lugar muito agradvel.O Salvador (a Figura) deve entrar vestido com capa dalmtica e diante dele
situem-se Ado e Eva. Ado usa uma tnica vermelha; Eva, vestes femininasbrancas e um manto de seda branco. Os dois postados diante da Figura, masAdo mais perto. Ado est com um rosto sereno e Eva com um ar um poucomais humilde. O Ado deve saber bem o momento de suas falas para no sernem muito rpido nem muito lento. E no s ele, mas todos os personagensdevem ser instrudos para falar adequadamente; para fazer os gestosapropriados fala; para no acrescentar nem suprimir sequer uma slaba dotexto e proferi-lo na ordem prevista. Sempre que algum mencione o Parasodeve dirigir a ele o olhar e apont-lo com o dedo. Comea a leitura: "In
principio creavit Deus caelum et terram, et fecit in ea hominem, ad imaginemet similitudinem suam"[4] . Terminada a leitura, o Coro canta: "Formavit
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn3http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn3http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn4http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn4http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn4http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn4http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn37/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
4/39
igitur Dominus hominem de limo terrae, et inspiravit in faciem eiusspiraculum vitae, et factus est homo in animam viventem"[5] . Aps o canto:
A FIGURA (DEUS)
Ado!
ADO
Senhor!
A FIGURA
Do barro da terra, eu te formei.
ADO
Senhor, eu bem sei...
A FIGURA
E te formei minha semelhana,
minha imagem te fiz de terra,
No deves jamais mover-me guerra.
ADO
Por certo no o farei,
Ao Criador obedecerei.
A FIGURA
E te dei uma boa acompanhante,
tua mulher, tua semelhante,
tua mulher, Eva chamada,
Que te ama e por ti amada.
Um ao outro deveis fidelidade
E ambos fiis minha vontade.
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn5http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn5http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn57/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
5/39
No te estranha, de ti nascida,
De tua costela foi ela formada,
Nada de fora de ti utilizei.
Foi de teu corpo que Eu a plasmei,
Tu, governa-a por meio da razo
E no haja entre vs dissenso,
Mas grande amor e um s sentimento:
Esta que a lei do casamento.
A FIGURA (dirige-se a Eva:)
E tu, Eva, grava em teu corao,
O que te digo no seja em vo:
Se fizeres minha vontade,
Guardars em teu peito a bondade.
Ama e honra teu Criador
E reconhece-me como teu Senhor.
Para me servir sejam somente
Tuas foras, teu sentir, tua mente.
Que Ado seja por ti muito querido:
Tu s sua mulher; ele, teu marido.
S-lhe obediente de bom grado,
Seja ele por ti servido e amado,
Para ele seja o teu pensamento:
Esta a lei do casamento.
S para ele boa companheira
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
6/39
E compartilhars sua glria derradeira.
EVA
Farei, Senhor, sem poupar-me nada,
Tua vontade, tudo que te agrada.
Reconheo-te como meu Senhor
E a ele como meu igual e superior.
Serei a fiel companheira,
A amiga e boa conselheira.
A FIGURA
Obedece, Ado, e ouve-me com ateno:
A vida eterna est ao alcance de tua mo.
Eu te formei e ponho dons tua disposio:
Sade, felicidade, vida sem aflio.
No ters fome nem por sede bebers,
No ters frio nem calor sentirs,
Vivers em alegria e sempre na paz,
S em prazer e a dor no conhecers.
Tua vida ser toda de alegria,
Prazer e glria todo dia,
E que Eva oua bem o que eu te dizia:
No o entender, loucura seria.
De toda a terra sois os principais,
Sobre toda criatura imperais.
Mandareis aos peixes, aves e animais.
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
7/39
Guardai o bem, sede leais.
ADO
Agradeo a vossa benignidade,
Que me formou e me fez tal bondade:
Ter o bem e o mal sob minha potestade.
Em te servir empenharei minha vontade.
A FIGURA
Ado!
ADO
Senhor!
A FIGURA (aponta o Paraso)
Vs este jardim?
ADO
Como se chama?
A FIGURA
Paraso.
ADO
Como belo!
A FIGURA
Eu o plantei para ter comigo
Quem o habite como meu amigo.
Tu o deves habitar e guardar...
(A Figura leva-os ao Paraso)
...Nele ides morar.
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
8/39
ADO
Podemos nele ficar?
A FIGURA
Para sempre e sem nada recear.
No ireis morte ou doena experimentar.
CORO
"Tulit ergo Dominus hominem, et posuit eum in paradiso voluptatis, utoperaretur et custodiret illum" [6] .
A FIGURA
(mostrando as rvores)
Todas as frutas podes colher
(E apontando para a rvore proibida, diz:)
Menos esta, que no deves comer.
Se a comeres, irs morrer
E tua felicidade irs perder.
ADO
Por uma ma perder teu amor
E atrair para mim a dor?
Longe de mim tornar-me traidor,
Perjuro contra meu Senhor.
(A Figura volta para a igreja, enquanto Ado e Eva passeiam e divertem-sehonntement no Paraso. Enquanto isso, os demnios correm em todas asdirees na praa, por entre a platia, fazendo gestos que lhes so prprios[7] . De vez em quando, os demnios - um de cada vez - aproximam-se doParaso, indicando a Eva o fruto proibido, com expresso de quem aaconselha a comer. O diabo vem a Ado)
O DIABO
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn6http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn6http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn7http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn7http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn7http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn7http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn7http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn7http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn67/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
9/39
Que fazes, Ado?
ADO
Vivo aqui muito feliz.
O DIABO
Com satisfao?
ADO
tudo que eu sempre quis.
O DIABO
, mas pode melhorar...
ADO
Nem d para imaginar.
O DIABO
Claro que d...
ADO
No me interessa.
O DIABO
Por que no? Ora essa...
ADO
Eu tenho alegrias imensas.
O DIABO
Isto o que tu pensas...
ADO
Melhorar? Mas como? Quando?
O DIABO
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
10/39
S direi quando vieres implorando.
ADO
Podes esquecer, de nada preciso:
Tenho de tudo no Paraso.
O DIABO
Isso porque no queres o bem perscrutar.
Ei-lo a, e no o sabes gozar...
ADO
Como assim?
O DIABO
Aprende de mim.
Escuta aqui, Ado, eu vou contar
Para ti somente.
ADO
O que tens em mente?
O DIABO
Tu confias plenamente em mim?
ADO
Claro que sim.
S uma coisa no farei:
A meu Senhor, no desobedecerei.
O DIABO
Que medo... de teu Senhor!
ADO
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
11/39
Medo e amor.
O DIABO
Mas por que temer?
Que pode ele fazer?
ADO
Bem e mal.
O DIABO
Como mal?
No ests na glria? No s imortal?
ADO
Deus me disse que vou morrer,
Se sua ordem desobedecer.
O DIABO
Por favor, uma informao:
Qual seria esta grande... proibio?
ADO
Digo de modo claro e conciso:
De todos os frutos do Paraso
Posso provar e comer,
Menos daquele que me far morrer.
O DIABO
Mas, mostra-me qual
essa fruta to especial.
ADO (aponta o fruto proibido)
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
12/39
esta.
O DIABO
Que festa!
Sabes por que a proibio?
ADO
Certamente no!
O DIABO
Eu te direi a razo:
Aquela a fruta da sapincia
Que te dar toda a cincia.
Nenhuma outra te dar esse poder.
Insistes em no a comer?
ADO
No para mim.
O DIABO
Claro que sim.
Teu olho ser penetrante;
Tua inteligncia, rutilante.
No temers mais ao teu Deus,
Pois ters poderes iguais aos seus.
Todos os teus desejos se realizaro.
Prova desse fruto, Ado!
ADO
Eu no!
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
13/39
O DIABO
Toleiro!
(O diabo retira-se, junta-se a outros demnios e circula pela praa. Aps umtempo, volta com rosto jovial e alegre para tentar Ado)
O DIABO
Como , pensou no assunto, Ado?
J chegou a uma concluso?
Vais ser para sempre o caseiro,
O tolo jardineiro?
Ou preferes glria e poder?
Ser que to difcil entender?
Preferes frutas sem sabor (aponta o Paraso)
quela que te daria o esplendor.
Segue os conselhos meus
E sers... igual a Deus!
ADO
Vai embora!
O DIABO
Como que ?
ADO
Arreda p!
Vai embora,
J, agora!
Tu s queres desgraa e dor,
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
14/39
Que eu me revolte contra o Senhor!
Vai embora, Sat,
Eu no comerei a ma.
(Triste e cabisbaixo, o diabo se afasta de Ado e vai at as portas do Inferno,onde fica conversando com outros demnios e, de quando em quando, passeia
pela platia. Depois, se aproxima do Paraso do lado de Eva e dirige-se a elacom ar jovial e lisonjeiro)
O DIABO
Eva, eis que venho tua presena, enfim.
EVA
E por que, Satans, vens a mim?
O DIABO
Procuro tua glria, teu bem.
EVA
Deus queira. Amm.
O DIABO
Desvendei, eu tenho muito siso,
Todas as leis do Paraso.
E algumas te quero revelar.
EVA
Com prazer vou te escutar.
O DIABO
Ouvir-me-s?
EVA
Sou toda ouvidos
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
15/39
E de nada duvido.
O DIABO
E guardars o segredo?
EVA
Claro, no tenhas medo.
O DIABO
Contigo posso falar com segurana,
Pois tenho em ti total confiana.
EVA
E fazes bem em confiar,
Pois no te irei defraudar.
O DIABO
Contigo, sim, eu conto,
No com Ado, que um tonto.
EVA
, ele meio duro:
Tem convico.
O DIABO
Mas, pode deixar,
Ele vai se abrandar.
EVA
Ele muito nobre, eu acho.
O DIABO
Nobre? Ele servil, um capacho!
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
16/39
E j que o bem para si ele no quer
Podia, ao menos, pensar em sua mulher.
Tu, que s to meiga e gentil,
Mais terna que as rosas de abril,
Como a aurora radiosa,
Como s bela e formosa!
O Criador errou e fez mal
Ao constituir este casal:
Tu, terna, e ele intransigente.
Tu, porm, s mais inteligente,
Decidida, corajosa e discreta...
Alis, posso contar uma coisa secreta?
EVA
Ningum vai ficar sabendo no.
O DIABO
Nem mesmo Ado!
EVA
Podes ficar sossegado.
O DIABO
Ento, chega aqui a meu lado.
Podemos falar porque Ado, l,
Certamente no escutar.
EVA
Fala, fala sem medo,
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
17/39
Pois ficar tudo em segredo.
O DIABO
Vs fostes vilmente enganados,
Ao serdes aqui colocados.
Fruto por Deus autorizado
No vale um tosto furado.
Mas a fruta proibida,
Aquela d virtude e vida,
Glria, poder vital:
O saber do bem e do mal.
EVA
E seu sabor aprazvel?
O DIABO
Simplesmente incrvel!
E teu belo corpo, tua bela figura,
Bem merece essa ventura.
Basta tom-lo agora
E sers dos mundos, a senhora:
As alturas e a profundeza,
Tudo sob tua grandeza.
EVA
Ele tem todo esse poder?
O DIABO
Podes olhar e ver.
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
18/39
(Eva contempla com interesse o fruto proibido e, depois de examin-lo bem,diz:)
EVA
S contempl-lo j me faz bem.
O DIABO
O que ser, ento, se o comeres, hein?
EVA
No sei, no sei...
O DIABO
Pois eu te direi:
Come-o tu antes e Ado depois,
Coroados pelo Cu, sereis os dois.
Nada ser como antes,
Ao Criador sereis semelhantes,
Basta este fruto tomar
E teu corao se ir transformar.
Iguais a Deus sereis, certamente,
Tal como ele : onipotente.
Que esperas? Vai em frente!
EVA
No sei. Que hesitao!
O DIABO
Vamos! No creias em Ado!
EVA
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
19/39
, acho que o devo comer.
O DIABO
E quando vai ser?
EVA
preciso esperar
Que Ado v repousar.
O DIABO
Come-o logo, sem tardana
Esperar tolice de criana
(O diabo se afasta e vai para o Inferno. Ado aproxima-se de Eva, desgostosopor t-la visto falar com o Diabo)
ADO
Do que falaste, mulher, dir-me-s,
Na conversa com o maldito Satans?
EVA
Ele falava de nossa glria.
ADO
Aquele traidor, no caia nessa histria!
EVA
Como ests to certo?
ADO
Conheo-o de perto.
EVA
Mas pode bem ser, Ado,
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
20/39
Que tu mudes de opinio.
ADO
Isto, impossvel ,
Pois conheo sua m-f.
Ele quis trair a seu Senhor
E ser ele o dominador.
Eu bem sei, ele o inimigo,
No permitas que fale contigo!
(Um artefato imitando serpente sobe pelo tronco da rvore do fruto proibido.Eva aproxima-se da serpente e encosta o ouvido para receber seus conselhos.
Depois apanha o fruto e o oferece a Ado, que no o aceita).
EVA
Come, Ado, no vs nos deixar
Sem este bem conhecer e provar.
ADO
Ser que um bem?
Que sabor tem?
EVA
Sem o morder,
Nunca vais saber...
ADO
Estou em dvida, se sim ou no...
EVA
Hesitar no prprio de um varo.
ADO
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
21/39
, acho que devo provar...
EVA
E assim poders separar
O bem do mal, mas primeiramente
Deixa que eu o experimente.
(Eva come uma parte da ma e diz a Ado:)
Meu Deus, que saboroso!
Nunca provei algo to delicioso!
Agora sou semelhante ao Senhor,
Onipotente como o Criador.
Do bem e do mal sou senhora.
Come, Ado, come sem demora.
Que gosto, que aroma!
Anda, Ado, toma, toma!
ADO
Creio em ti, tu s verdadeira,
Minha semelhante, minha companheira.
(Ado come parte da ma. Mal a morde, reconhece seu pecado e se abaixa
de modo a no ser visto pelo pblico. Troca as vestes de festa por andrajosmiserveis, costurados de folhas de figueira e manifestando mxima dor,comea a lamentao.)
ADO
Ai de mim, que sou pecador,
Insurgi-me contra meu Criador.
Que triste a minha sorte,
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
22/39
Busquei para mim a dor e a morte,
O amargor da desventura.
Como suportar a vida, ora to dura?
Depois do mal que pratiquei,
Como a meu Criador encararei?
morte, por que no me vens aliviar?
Por que o mundo no me vem sufocar?
Eu, que a criao deixei desfigurada,
Terei no Inferno minha morada.
Se no pecado incorro,
De onde me poder vir socorro?
Quem poder ser meu amigo?
Da culpa receberei o justo castigo.
Quem ter de mim memria,
Se ofendi o Rei da Glria?
Tudo que me resta dor e canseira,
Ai, a que me foi dada por companheira...
(dirigindo-se a Eva:)
Ai, Eva, mulher desvairada,
Em m hora, de mim engendrada!
Parecias to doce e to bela,
Ai, meu Deus, que maldita costela!
Haver remdio para dor to pungente,
Fora da graa do Deus onipotente?
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
23/39
Ai, como ouso seu nome proferir?
Eu que acabo de o trair?
Nenhuma ajuda esperar eu poderia,
No fosse pelo Filho que nascer de Maria.
(A pea continua com a expulso do Paraso, o episdio de Caim e Abel e aprocisso dos profetas que anunciam o Salvador...)
Nota Introdutria Dana da Morte
Jean LauandProf. Titular FEUSP
A vida e a morte na dana
Apresentamos agora uma amostra - simplificada e livremente traduzida [8] -deA Dana da Morte, famosa composio do fim da Idade Mdia . Trata-sede uma pea ao mesmo tempo edificante e irreverente que, de modo divertidoe irnico, convida o espectador a refletir sobre a irremedivel condiohumana: para alm das vaidades de status da vida presente, encontra-se aterrvel realidade da morte!
Entram na dana, no as pessoas singulares enquanto tais, mas os papis
sociais, na Idade Mdia, representados pelos "estados".
No arranjamento da sociedade da poca, a estrutura eclesistica ocupa lugarde destaque e assim se compreende que a ela pertenam uma dzia dentre osquarenta e dois personagens que encaram a morte.
ADana desenrola-se de acordo com o seguinte ordo: aps uma breveexortao das quatro caveiras do coro, uma outra caveira vai introduzindo (nooriginal, em estrofes de oito versos) cada um dos personagens que desfilamante a prpria morte, cantando tambm seus oito versos (em geral, lamentando
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn8http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn8http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn87/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
24/39
a inconscincia que, no esplendor da vida, tinham deste fato evidente: a mortechega!).
Para compreender melhor o esprito de nossa traduo, o leitor deve atentarpara o fato de que selecionamos apenas oito personagens e, em alguns casos,os renomeamos, "modernizando-os". Assim, o duque corresponde ao capito;o legado, ao poltico; o condestvel, ao "coronel"; e o astrnomo. ao cientista.
Como no poderia deixar de ser, nossa traduo est condicionada pelamelodia da cano que nos pareceu a mais apropriada como tema do dilogoalternado entre a caveira e cada morituro:Mack the Knife [9] . Assim secompreende que, nesses dilogos, nossos versos sejam mais breves que os dooriginal (procurando preservar, em cada caso, o ncleo central do discurso).
A Dana da Morte
Pea de teatro de autor Annimo do sculo XIV
(Traduo: Jean Lauand)
PRIMEIRA CAVEIRA DO CORO (Declamado)
Para bem terminares a vida mortal tu, que desejas a vida futura,
Ters aqui ensinamento sem igual.
Desperta, racional criatura.
SEGUNDA CAVEIRA DO CORO (Declamado)
Procura a dana macabra aprender,
Pois ela traz conhecimento pleno.
Ningum poupado morte, vais ver,
Homem ou mulher, grande ou pequeno.
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn9http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn9http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn9http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn97/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
25/39
TERCEIRA CAVEIRA DOCORO (Declamado)
Neste espelho todos devem se
mirar
Aprender bem e reter nalembrana.
Ser til o que vires, quandochegar
A tua vez de, por fim, entrar nadana.
QUARTA CAVEIRA DOCORO (Declamado)
Vers que os maiorais danamprimeiro.
A ningum poupa a morte, que sem d.
E muito piedoso e verdadeiro
Pensar que todos somos o mesmop.
PRIMEIRA CAVEIRA DO CORO (Declamado)
Vs, que por decreto divino,
Na vida ocupais lugares diversos.
Haveis de danar, o destino,
Seja dos bons, seja dos perversos.
SEGUNDA CAVEIRA DO CORO (Declamado)
Corpos geis tornar-se-o inermes;
Beleza pura, hedionda podrido.
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
26/39
Olhai para ns, pasto de vermes,
Pois, tal como somos, todos sero.
A TERCEIRA CAVEIRA DO CORO (Declamado)
Se sua presena to forte,
Dizei as razes pelas quais
No tendes lembrana da morte
E sobre ela nunca pensais.
A QUARTA CAVEIRA DO CORO (Declamado)
Mesmo que todo dia se apresente
De modo sbito ou esperado,
Hoje um amigo, amanh um parente
Um dia sers tu o visitado.
(A caveira, cantando a primeira estrofe da cano, vai trazendo para a dana
os personagens, que cantam a segunda estrofe)
A CAVEIRA
E nem o papa
Dela escapa
O PAPA
Muito poder eu
Tinha na terra
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
27/39
E o primeiro
A danar.
Mas veio a morte
Me buscar.
A CAVEIRA
Ele foi grande
Como prova
Sua majestade
Imperial.
O IMPERADOR
Mas no fim
Numa cova
Todo mundo
igual.
A CAVEIRA
Com suas tropas,
Avanava
Arma em riste,
O capito.
O CAPITO
Mas agora
Chegou a hora
De minha triste
Rendio...
A CAVEIRA
Suas mentiras,
Sempre prontas,
Mero adorno
Eleitoral.
O POLTICO
Ai, agora,
Eu presto contas...
No h suborno
Neste tribunal...
A CAVEIRA
O "coronel",
Todo rompante,
Era arrogante
Ao mandar.
O "CORONEL"
Perdi a voz
E s ga-ga-gue-jo,
Eu no consigo
Nem falar.
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
28/39
A CAVEIRA
E as cincias,
Triunfantes,
Nesta hora
O que diro?
O CIENTISTA
A experincia
No garante,
Nos noves fora,
A salvao...
A CAVEIRA
Ele muito
Apreciado
Mas no tem
Remunerao.
O PROFESSOR
Neste exame,
Serei aprovado?
Aqui no h
Recuperao...
A CAVEIRA
Agiota,
a hora
Da tua usura
A separao.
O AGIOTA
Fui idiota,
E pago agora,
Com muito juro
E correo.
A CAVEIRA
E o doutor,Que estudava
E bem sabia
Outros curar...
O MDICO
Tambm eu sofroDa morte o assdio
E no h remdio
Para me receitar...
A CAVEIRA O CONQUISTADOR
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
29/39
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
30/39
de farinha, suficiente para fazer um pequeno pedao de po. Os dois citadinos,vendo isto, disseram entre si: "Temos pouco po e este nosso companheirocome muito. Convm, portanto, que pensemos em um modo de nosapropriarmos da parte dele para que o po fique s para ns". E combinaram oseguinte: preparar o po e enquanto este cozinhava todos dormiriam e aqueleque em sonhos visse as coisas mais admirveis, comeria sozinho o po.Propunham isto manhosamente para enganar o rstico em sua simploriedade.Prepararam a massa, puseram-na ao fogo, deitaram-se e adormeceram. Ocampons percebeu o ardil e, enquanto dormiam os companheiros, tomou opo ainda mal cozido, comeu-o e voltou a deitar-se. Depois, um dos homensda cidade, como que sonolento e espantado, despertou e chamou seucompanheiro. Este lhe disse:
- Que tens?
- Tive um sonho maravilhoso: parecia-me que dois anjos abriam as portas docu e me tomavam e levavam ante Deus.
Disse o outro citadino: - Mas que admirvel teu sonho! E eu sonhei que doisanjos me tomavam e, fazendo uma fenda na terra, levavam-me para oinferno.
O campons ouvia tudo isto, mas fingia estar dormindo. Ento, os homens dacidade - que queriam enganar e foram enganados - chamaram o campons
para que acordasse. E ele discretamente, como que espantado, respondeu: -Quem me chama?
- Ns, teus companheiros.
- Mas vocs j voltaram?
- Como assim: "voltaram"? Se ns no fomos a parte alguma.
- Engraado, tive a impresso que dois anjos tomaram a um de vocs, abria-
lhe a porta do cu e o levava ante Deus. Depois outros dois anjos tomaram ooutro e, abrindo a terra, levavam-no ao inferno. Ao ver estas coisas pensei quenenhum dos dois jamais voltaria, levantei-me e comi o po.
E, assim, aqueles que - engenhosamente - quiseram enganar, saramenganados. como diz o provrbio: "Quem tudo quer, tudo perde".
Os Estudantes e o Campons - Autor annimo do sculo XI
(Traduo: Jean Lauand)
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
31/39
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
32/39
7/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
33/39
ESTUDANTE I - O trato o seguinte: quem tiver o sonho mais bonito, ficacom a torta. Vocs concordam?
ESTUDANTE II - Sim!
CAMPONS - Sim...
ESTUDANTE I - Bom, ento vamos dormir.
(Os estudantes adiantam-se um pouco e se pem a dormir)
O CAMPONS (pensando em voz alta) - Sei no, esses estudante da cidadevive aprontando. Acho que eles to querendo me ingan. Primero pr'eu ina frente, depois eles que passa na frente e, agora, vem com essa histria detrato. Acho que eles to quereno me ingan. Mais mi eu cum iscundido atorta, porque eu acho que eles to querendo me ingan... [O camponscome a torta]
ESTUDANTE I (acordando) - Ah!, quem me despertou, subtraindo-me avises ednicas. Perambulava eu por epiciclos e excntricos, zodacos econstelaes, asterides e potestades, pela pulcritude dos cus empreos esidreos. Que beleza insupervel: nada mais magnfico! Quem poderiadescrever tais maravilhas? Para encurtar a histria: eu nem queria mais voltarpara a Terra!
ESTUDANTE II - Tambm a mim usurparam-me onrico espetculo. Nosbraos de Morfeu, percorria mseas mitolgicas. Contemplava eu as quatrofrias: Alecto, Megera, Tisfone e... - como que o nome da outra? - Ah!,claro, a quarta era Ernia. E vi Prometeu, torturado pelo abutre; Tntalo noEstige; xion, pela roda arrastado; Ssifo e sua pedra. Desfilavam ante mimtodas as verses e inverses da Hlade... Ah! Mas por que tentar narrar oinefvel? Basta dizer que eu nem queria mais voltar para a Terra!
O CAMPONS - Uai! Eu tambm vi toda essas coisa a qui ceis to falano e,
como oceis num queria vort, eu peguei a torta e apropriei pra substncia denatureza individuar aqui o gnero universar [13] : comi tudinho!
Nota Introdutria a O Prego das Ervas - um camel do sculo XIII
Jean Lauand
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn13http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn13http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn13http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn137/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
34/39
A Idade Mdia o mbito do popular. Onde quer que haja manifestaesculturais espontneas do povo, a teremos uma aproximao da culturamedieval. Diversos aspectos, por exemplo, da cultura popular do Brasil [14]de hoje assemelham-se da Idade Mdia. bem o caso do texto do sculoXIII cuja traduo da Parte I apresentamos a seguir: O Prego das Ervas,Le
Dit de l'Herberie [15] , de autoria de Rutebeuf (+ ca. 1285). Trata-se de umacomposio para-teatral do gnero mime - um tipo de monlogo muitoapreciado na Idade Mdia. OPrego ridiculariza o charlato que atribui ssuas ervas poderes milagrosos. Rutebeuf tem tal agudeza de observao queChevallier [16] chega a afirmar queLe Dit de l'Herberie como uma fitagravada ao vivo no sculo XIII. No Prego, o camel narra suas fantsticasviagens, enumera as doenas que suas plantas curam e - tal como seus colegashodiernos - promete prodgios sexuais [17] . Ao final, a mercadoria oferecida por um preo extremamente barato. Teatro popular, teatro
interativo: o pblico participa respondendo s interpelaes do "vendedor". Oleitor atento observar as mil potencialidades que o ator pode explorar nessacomposio satrica, sem mtrica, quase um rapavant la lettre. Na traduo(um tanto resumida), procuramos conjugar a fidelidade literal fluncia dodiscurso popular do bufo...
O PREGO DAS ERVASPea de teatro de Rutebeuf (sculo XIII)
(Traduo: Jean Lauand)
Parte I (em verso)
Respeitveis senhores, que me dais ouvidos
Grandes e pequenos, jovens ou vividos
Vs fostes pela sorte favorecidos
Pois ireis, agora, a verdade encontrar
Sabendo que este mdico no vos pode enganar
Uma vez que por vs mesmos podeis comprovar
O poder destas ervas antes do fim
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn14http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn14http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn15http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn15http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn15http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn16http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn16http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn17http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn17http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn17http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn16http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn15http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn147/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
35/39
Vamos fazendo a roda em torno de mim
Sem rudo, em silncio, bem assim...
Eu, aqui, sou pesquisador
E tenho servido a muito imperador
At mesmo l do Cairo, o senhor
Muito poderoso, ele faz questo
de me contratar todo vero
Pagando para mim um salariozo
Muitos mares em viagens eu j cruzei
E foi pela Moria [18] que eu voltei
Foi l que medicina eu estudei
E passei por Salerno [19]
Buriana e Biterno [20]
Puglia, na Calbria, e at Palermo [21]
Coletando estas plantas prodigiosas
Que curam as doenas mais dolorosas
Doenas passageiras ou teimosas
Fui consegui-las nas mais estranhas terras
Em vales perdidos, em speras serras
Onde o Preste Joo [22] faz suas guerras
Estas preciosas pedras, por caminhos tortos
Vieram at vs de longnquos portos
E tm virtude at de levantar os mortos
Vede aqui estas ferritas
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn18http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn18http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn19http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn20http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn21http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn22http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn22http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn22http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn21http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn20http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn19http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn187/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
36/39
Diamantes, crispiritas
Grenzios, jagncios e burlamitas [23]
Protegem contra cobra e cachorro louco
Coice de burro e, se acha pouco
A morte espantam, baratinho e ainda tem troco
E, dos quatro cantos do mundo, tem mais ainda
Ervas trazidas dos desertos da ndia
Da Riviera e da Lincorndia
Esta a mais rica e poderosa ervaria
Eu vo-lo garanto, por Santa Maria
Podeis confiar, eu vos enganaria?
Ervas que podem qualquer doena curar
Fazem o rgo do homem levantar
Enquanto o da mulher, fazem estreitar
Para quem quer ter uma vida s
Toma hoje, cura amanh
Qualquer mazela, febre ter
Este ungento milagroso, de repente
Elimina a dor, mesmo dor de dente
Voc aplica e logo alvio sente
E a receita eu no vou ocultar
Merda de marmota voc vai misturar
Com folhas de sicmoro e ajuntar
Na medida certa, seno diarria
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn23http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn23http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn237/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
37/39
Raiz de salgueiro com gordura de lampria
E um pouco de excremento de puta via [24]
Basta um emplastro na bochecha aplicar
E os dentes com o suco voc vai lavar
Durma um bocadinho e curado vai ficar
Sara o fgado, leso, machucadura
Conserta osso, torcicolo e fratura
Pedra no rim, surdez... tudo cura
(O camel, a partir de agora em prosa, prossegue gabando suas ervas eexplica que no entrou no ramo por amor ao lucro, mas por sentimentohumanitrio e por ordem de sua dama etc.)
[1] . Cit. por GUGLIELMI, Nilda El teatro medieval, Edit. Universitaria de
Buenos Aires, 1980, pp. 12-13.
[2] .Jeux et Sapience du Moyen ge - texte tabli et annot par AlbertPauphillet, Paris, Gallimard, 1951, p.5. Para a traduo, valemo-nos dooriginal apresentado nesta edio.
[3] . Em muitos casos, o francs medieval permite a permanncia direta darima em portugus: " minha imagem te fiz de terra (terre) / No deves
jamais mover-me guerra (guerre)". Ou: vontade (volent) / bondade (bont);Criador (Creator) / Senhor (seignor) etc. Em outros, traduzimos, criando novarima: "Nada de fora de ti utilizei (non pas de fors) / Foi de teu corpo que Eu aplasmei (de ton cors)". Tenha-se em conta que, sendo todo o texto rimado,mesmo no original as rimas so, por vezes, pobres ou foradas...
[4] . Misto de Gn 1,1 e 1, 26-27: "No princpio Deus criou o Cu e a terra efez o homem, sua imagem e semelhana".
[5] . O canto tomado de Gn 2,7: "Ento Deus formou o homem com o barroda terra e insuflou alento de vida em seu rosto e o homem se tornou um ser
vivente".
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn24http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref1http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref1http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref2http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref2http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref3http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref3http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref4http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref4http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref5http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref5http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref5http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref4http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref3http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref2http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref1http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftn247/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
38/39
[6] . O canto tomado de Gn 2,15: "Ento Deus introduziu o homem noParaso para que trabalhasse e o guardasse".
[7] . O ordo no indica que gestos so esses.
[8] . A partir do originalLa Grande Danse Macabre in GILLET, Louis LaCathdrale Vivante, Paris, Flammarion, 1964.
[9] . Da pera dos Trs Vintns de Brecht e gravada, entre tantos outros, porLouis Armstrong e Ella Fitzgerald e reutilizada por Chico Buarque em suapera do Malandro.
[10] . Traduzimos, livremente, a partir da verso de Guglielmi, op. cit., pp. 51e ss.
[11] . Apresentado por Angel Gonzlez Palencia, Madrid-Granada, CSIC,1948.
[12] . No fica claro no texto a quem pertence a torta. Porm, numaperegrinao, usual que - independente de quem trouxe o qu - osmantimentos sejam fraternalmente tomados em comum pelos romeiros.Evidentemente, o efeito teatral se intensifica se a torta tiver sido trazida pelosestudantes.
[13] .Feci individuum quod fuit ante genus. Ironiza as abstratas discussesacadmicas sobre a "questo dos universais".
[14] . Popular ou, por vezes, popularesco... Note-se que no caso em questo, odo vendedor de ervas, ainda hoje (por exemplo, em So Paulo, na Praa da Se em diversos outros pontos da cidade) podem ser vistos ambulantes vendendoervas "medicinais" - camels muito semelhantes aos do sc. XIII que tambmexploram a crendice popular.
[15] . O texto original, em francs medieval, encontra-se na coletnea de
Albert Pauphilet:Jeux et Sapience du Moyen ge, Paris, Gallimard, 1987.
[16] . CHEVALLIER, Claude-Alain Thatre Comique du Moyen-ge, Paris,Union Gnrale d'ditions, 1973, p. 191.
[17] . Se bem que sua linguagem mais crua do que as "sutis" indiretas dosambulantes de nossos dias.
[18] . Nome que se dava na Idade Mdia ao Peloponeso.
[19] . Salerno era clebre por sua escola de Medicina.
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref6http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref6http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref7http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref7http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref8http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref8http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref9http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref9http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref10http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref10http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref11http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref11http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref12http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref12http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref13http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref13http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref14http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref14http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref15http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref15http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref16http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref16http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref17http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref17http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref18http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref18http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref19http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref19http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref19http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref18http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref17http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref16http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref15http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref14http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref13http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref12http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref11http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref10http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref9http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref8http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref7http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref67/31/2019 Teatro Medieval_4 Esquetes
39/39
[20] . Cidades lendrias.
[21] . Em Rutebeuf, Palerne, que rima comByterne e Salerne.
[22] . Famoso personagem lendrio da frica ou da sia que teria um enclavecristo em meio de reinos pagos ou infiis.
[23] . O camel joga com nomes imaginrios e exticos.
[24] . Naturalmente, o original escolhe nomes de plantas e animais que rimem.No caso, a folha doplantain, tanchagem, rima com l'estront de la putain (bienville).
http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref20http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref20http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref21http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref21http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref22http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref22http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref23http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref23http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref24http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref24http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref24http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref23http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref22http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref21http://www.hottopos.com/videtur22/jean_teatro_mediev.htm#_ftnref20