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0 UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC (Em acompanhamento) FUNCAÇÃO EDUCACIONAL DE CRICIÚMA FUCRI TEATRO: EXPERIÊNCIA PARTICIPATIVA PARA FORMAÇÃO CULTURAL DO CIDADÃO Ricardo Fernandes Braz Curso: Pós-graduação em arte-educação Metodologia Científica Professor: Alfredo J. Veiga Neto Criciúma (SC), novembro 1993.

Teatro experiência participativa para formação cultural do cidadão

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O presente trabalho diz respeito à conclusão do curso de Pós-graduação em Arte-Educação, oferecido pela FUCRI/UNESC e resultado das aulas de Arte-Cênica da disciplina de Educação Artística nos anos letivos de 1992 e 1993, em uma escola da rede pública de ensino médio, em Criciúma no Estado de Santa Catarina. A experiência se dá no processo de elaboração de uma peça teatral por grupos de alunos, vivenciando o espetáculo teatral em cada etapa, culminando numa mostra de teatro no Teatro Municipal Elias Angeloni. Mediante avaliação escrita pelos educandos, foi analisada a influência do processo da Arte Dramática em sua formação tanto em seu potencial, enquanto críticos, abordando questões técnicas em sua expressão cênica e escrita, bem como em sua manifestação cultural e exercício de cidadania. Neste trabalho é feita ainda, uma abordagem do papel do Arte-Educador em sala de aula.

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC (Em acompanhamento)

FUNCAÇÃO EDUCACIONAL DE CRICIÚMA – FUCRI

TEATRO: EXPERIÊNCIA PARTICIPATIVA

PARA FORMAÇÃO CULTURAL DO CIDADÃO

Ricardo Fernandes Braz

Curso: Pós-graduação em arte-educação

Metodologia Científica

Professor: Alfredo J. Veiga Neto

Criciúma (SC), novembro 1993.

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RICARDO FERNANDES BRAZ

TEATRO: EXPERIÊNCIA PARTICIPATIVA

PARA FORMAÇÃO CULTURAL DO CIDADÃO

Monografia submetida à apresentação e requisito da Disciplina da Metodologia

Científica.

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“A Lúcia”

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Ao Centro Interescolar de 2º Grau “Abílio Paulo”, por abrir espaço para a

criatividade.

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO.............................................................................................06

INTRODUÇÃO...................................................................................................07

I – QUESTÕES TÉCNICAS BÁSICAS DE UM ESPETÁCULO TEATRAL,

COMO OS ALUNOS ENCARAM.

I.1 – Os Laboratórios.........................................................................................08

I.2 – A Construção e a Interpretação da Personagem......................................09

Alguns estereótipos...........................................................................................11

I.2.a – A Construção e Interpretação da Personagem–A Opinião dos Alunos.11

I.3 – A Construção do Texto..............................................................................12

I.3.a – Construção do Texto – A Opinião dos Alunos........................................14

I.4 – Os Recursos Técnicos: Iluminação, Sonoplastia, Cenografia, Roteiro e

Publicidade........................................................................................................15

I.4.a – Iluminação, Sonoplastia e Cenário – A Opinião dos Alunos..................16

I.5 – A Vivência Constrói a Crítica Teatral.........................................................17

I.5.a – A Vivência Constrói a Crítica Teatral – A Opinião dos Alunos...............17

II – A MANIFESTAÇÃO CULTURAL, A PARTICIPAÇÃO EM GRUPO, O

PROFESSOR E SEU PAPEL, E O SEU EXERCÍCIO DA CIDADANIA.

II.1 – A Manifestação Cultural............................................................................19

II.1.a – A Importância do Teatro Como Manifestação Cultural – A Opinião dos

Alunos................................................................................................................19

II.2 – O Papel do Professor................................................................................21

II.2.a – A Participação do Professor – A Opinião dos Alunos............................23

II.3 – A Participação em Grupo e o Exercício da Cidadania..............................24

II.3.a – A Participação em Grupo e o Exercício da Cidadania – A Opinião dos

Alunos................................................................................................................26

II.4 – Avaliação..................................................................................................28

CONCLUSÃO....................................................................................................30

BIBLIOGRAFIA..................................................................................................32

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APRESENTAÇÃO

O presente trabalho diz respeito à conclusão do curso de Pós-graduação

em Arte-Educação, oferecido pela FUCRI/UNESC e resultado das aulas de

Arte-Cênica da disciplina de Educação Artística nos anos letivos de 1992 e

1993, em uma escola da rede pública de ensino médio, em Criciúma no Estado

de Santa Catarina.

A experiência se dá no processo de elaboração de uma peça teatral por

grupos de alunos, vivenciando o espetáculo teatral em cada etapa, culminando

numa mostra de teatro no Teatro Municipal Elias Angeloni.

Mediante avaliação escrita pelos educandos, foi analisada a influência

do processo da Arte Dramática em sua formação tanto em seu potencial,

enquanto críticos, abordando questões técnicas em sua expressão cênica e

escrita, bem como em sua manifestação cultural e exercício de cidadania.

Neste trabalho é feita ainda, uma abordagem do papel do Arte-Educador em

sala de aula.

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INTRODUÇÃO

Já é fato consumado a importância da ação/reflexão na escola, ação

esta entendida enquanto produção. O exercício da Arte-Dramática resolve com

muita facilidade esse fato, pois a sua aplicação prescinde da ação/reflexão.

Para poder aplicar Arte-Dramática podem-se utilizar vários caminhos dos quais

podem ser citados dois. Primeiro a encenação de obras já escritas; outro, a

criação de peças teatrais. Optei pelo segundo caminho, uma vez que ele

permite uma abrangência criativa maior, já que se apresenta totalmente aberto

à criação. É um papel branco a ser preenchido.

Como toda obra a ser construída, a matéria-prima pode ser encontrada

em estado bruto, já indicando caminhos. A matéria-prima da Arte-Dramática é o

ser humano. Sem ele não há texto nem cenário, não há público ou criação.

Assim, ele precisa ser trabalhado. Essa matéria-prima só se “lapida” com a

ação dela sobre ela mesma. Faz-se, então necessário agir física e

emocionalmente. Os laboratórios podem ser de toda e qualquer ordem, desde

que tenham sempre um objetivo específico, que estimula em uma sensação

específica. Após os laboratórios, não devemos perder o nosso objetivo final, o

texto teatral. Para tanto, o caminho utilizado foi o de criar a personagem, sentir

um novo ser e suas características. Criadas as personagens elaborar o texto

teatral e roteiro com estas personagens, realizar muitos ensaios e apresentar a

peça montada (com utilização de cenários, iluminação, sonoplastia) em um

teatro, ambiente de “verdade”.

E o educando o que faz? O educando com encara isso? Este é um

processo construído a 350 mãos e tantas idéias... Cada um tem seu papel,

cada um o cumpre.

A maioria dos tópicos abordados neste trabalho traz um pequeno

comentário dos educandos. Achamos imprescindíveis que junto as minhas

expectativas e conclusões do professor, com as conclusões dos alunos.

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I – QUESTÕES TÉCNICAS BÁSICAS DE UM ESPETÁCULO

TEATRAL, TAL COMO SÃO ENCARADOS PELOS ALUNOS.

I.1 – Os Laboratórios.

“Nunca tive uma aula assim”.

(Aluno anônimo)

Essa é a conclusão geral da grande maioria. Ir para a aula e mexer com

o corpo. Acariciar-se e acariciar. Expressar-se, gritar, correr, andar devagar.

Chorar, sentir dor, levitar, “viajar”. Realmente não parece aula. Aliás, não se

parece com nada até que as situações se vão acomodando. Vai-se percebendo

a tensão do corpo, a vergonha de si mesmo, o preconceito em relação ao

outro. As aulas são sempre um impacto muito forte. Elas desestabilizam e

educando no processo de aprendizagem sobre si, nas descobertas de coisas

sobre si próprio experiências que ninguém havia proporcionado anteriormente.

Essas aulas estimulam a integração entre os alunos. Tirando-os de seus

comportamentos rotineiros e construindo relações através do toque, da

ocupação inusitada do espaço, de utilização diferenciada do tempo, exercícios

que afloram os mais diversos preconceitos e intimidações, por vezes chocando

o educando que pode tocar a ser tocado, rompendo uma “distância

quilométrica” de alguns poucos centímetros promovida entre duas carteiras. O

toque entre os corpos aproxima e compromete as pessoas umas as outras

fazendo com que se entendam como semelhantes providos de sentidos táteis e

psíquicos. No exercício de laboratório há um desandamento e todos detectam

as diferentes interpretações do tocar-se. Nesse momento começam os

questionamentos como: “Pessoal não tem nada de mais”. “Pó que gente

preconceituosa”. “Vamos prestar atenção e ajudar o professor. É bom para

nós”.

Importante ressaltar que até chegar no segundo grau e educando

entende sua estrutura física como “corpo” e “mente”. “Gosto da minha mente e

não do meu corpo”. Até aqui não há entendimento da totalidade de ser. Não há

entendimento de que tudo se resume num único ser. Os exercícios fazem

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emergir estes questionamentos e as dificuldades de expressão, fazendo com

que as identifique de onde vêm tais limitações, acusando uma sociedade

voltada para os valores externos, vendidos em campanhas de marketing de

muitos produtos tornando o ser uma mera embalagem.

É neste contexto que se insere a escola, contribuindo para a divisão do

indivíduo em “mente” e “corpo” e “indivíduo” e “coletivo”, tornando-o incapaz de

solucionar seus problemas pessoais. A escola só opera uma ação com o

educando. O corpo sentado “a mente produzindo”. E o grave é que essa

produção da mente não leva o educando reflexão constante, uma vez que ela

vai dar em uma única alternativa: A do professor.

Nos laboratórios de arte-dramática, após uma intensa bateria de

exercícios que refletem sua condição indivíduo/coletivo e ser integral,

executam-se outros exercícios, agora de construções coletivas de roteiros e

cenários. A cada encontro acrescenta-se um novo elemento. A cada ação, uma

reflexão. Nestes laboratórios os educandos ainda não se dão conta do que se

passa, em função da dificuldade de elaborar pensamento, questionar, ver o que

fez. Aqui o pensar não está associado ao estudar questionários e cálculos que

finalizem numa prova. Nesse processo o professor faz as medições

estimulando e questionando junto com os educandos o porquê da dificuldade

de elaborar um pensamento. O professor tem que romper a barreira tradicional

e buscar elementos nos educandos para que possam ter de onde partir e

desenvolver a elaboração sobre o que se faz e o que fazer. É um processo

gradativo. A discussão, o debate, um bom exercício de laboratório.

I.2 – A Construção e a Interpretação da Personagem.

“É mais fácil viver a personagem do que criá-la, do que ter de pensar cada

detalhe em seu jeito, forma física e muito mais”.

Gerusa Cunha Nonnemmacher.

Existem muitas personagens mo mundo de hoje. Nas histórias em quadrinhos,

nos filmes, na televisão. Mas como elas surgiram? Qual sua fonte inspiradora?

Esse é um mito que deve ser derrubado entre os alunos e que através de uma

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boa conversa sobre a criação tudo se resolve. Ilusão. Tem muito mais coisas

entre um “papo” de criar e o criar efetivamente.

Na construção da personagem as aulas de laboratórios são

imprescindíveis: os gestos físicos. Os traquejos. O jeito de falar da criança e do

idoso. As características gerais e as especificas de uma personagem devem

ser fruto de uma boa pesquisa. Os educandos demoram a introspectar suas

personagens. A situação em que cada personagem está inserida, como ela se

formou ajuda muito. A formação cultural daquela personagem, sua história, seu

contexto. Sua identidade. Nessa discussão os educando vão se situando no

contexto da personagem e assumindo o lugar dela, deixando-a fluir. O

educando cria um ideal seu, uma paixão ou um desleixado com “nada a ver

com o mundo”. O educando cria melhor sabendo que cada ser tem uma

história e nela está inserida. Aqui não se dão técnicas de maquilagem, mas

algumas pinceladas dos materiais que podem auxiliar num físico diferente.

Além da iniciativa pessoal que flui na maioria dos casos. Salienta-se a

importância da caracterização física e psíquica da personagem, sobre sua

atividade principal. Essa conversa e alguns exercícios levam o educando a

observar as várias possibilidades de criação e dar uma resposta a cada

característica que se apresente na sua personagem, através de observação do

como existir e do porque existir abrem-se muitas soluções de criação.

A interpretação da personagem torna-se um exercício agradável, a

medida que o educando vai percebendo que suas características próprias

devem dar lugar as da sua personagem, trazendo-a à vida, expressando-a

maximamente. Essa interpretação se dá em duas aulas, onde o educando deve

dominar totalmente sua personagem, primeiro numa conversa com o professor,

mantendo-se em sua linha de pensamento e ações físicas. Depois se

relacionando com as demais personagens por afinidade ou convergência,

finalizando numa conversa coletiva, dramatização criada na hora por suas

características coletivas. Esse exercício auxilia a capacidade do educando de

concentração e convicção além de levá-lo a se perceber como ser, quais suas

características, personalidade, espelhando-se nas de sua personagem. Em que

contexto ele e fez e está se fazendo, em que contexto se fez a sua

personagem. Nesse parâmetro se dá a reflexão sobre si.

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Alguns Estereótipos Sociais

Um bom número de educandos apresenta “os famosos” estereótipos

sociais, os que estão à margem da sociedade, associando a eles

comportamentos fúteis e simplistas, são elas: os menores carentes, as

prostitutas, homossexuais, empresários.

Aos menores associam-se características de ladrão, sujo, mal-educado.

As prostitutas e homossexuais, a vulgaridade, promiscuidade. Empresários,

seguros, mandatários, certos de seu destino, donos do poder e da razão.

Essas personagens e outras não citadas são frutos de uma boa discussão

sobre papéis sociais e da complexidade de cada ser e suas razoes de existir.

Essas personagens têm ajudado muito a abrir a cortina sobre a sociedade

exploradora, marginalizadora e excludente de determinados grupos sociais; a

condição de classe de cada um e seu contexto específico. Muitas destas

conversas fizeram com que os educandos trocassem seus valores sobre suas

personagens, apresentando textos que salientam essas discriminações,

questionando a condição de cada um.

I.2.a – A Construção e Interpretação da Personagem – A Opinião dos

Alunos.

“Sabe, é difícil criar uma coisa que não existe... eu me basiei na atualidade, eu

pensei: Bah! O jovem gosta de música, rock. E foi ai que ela começou a

surgir... Para viver a personagem, então, é o mais difícil. Na minha opinião,

pois você está representando uma pessoa e na realidade você é totalmente

outra. É difícil”.

(Ainda Kuri Souza)

“E mais fácil viver um personagem do que criar o personagem, do que ter que

pensar cada detalhe, em seu jeito, forma física e não mais”.

(Gerusa Cunha Nonnenmacher)

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”Não me inspirei em nenhum artista, nem ator. Mas a personagem parecia que

estava querendo sair de dentro do meu interior e se expressar. Viver a

personagem foi „constrangente‟, pois apesar de eu interpretar uma prostituta, o

público criticava minha personagem não sabendo ao certo a função dela”.

(Aislan de Sousa)

“Criar personagem foi uma novidade para mim, pois só recebia personagens”

dados “, digamos escolhidos a dedo. Gostei bastante de decidir como seria seu

perfil, sua maneira de pensar, viver. Viver é mais difícil, pois a pessoa tem que

fugir de seu dia-dia para se tornar outra pessoa (personagem) fora de seu

comum”.

(Ricardo Garcia da Silva)

“... chegará o momento em que você terá de deixar de ser você e se entregar

de corpo e alma no papel da personagem”.

(Cíntia Helena D‟Estefani)

“Saber dar o papel certo para cada pessoa interpretar é inexplicável”.

(Gabriela Dagostim)

“É. Se expressar de uma forma que faça a platéia se envolver com a história, é

uma coisa muito boa”.

(Anderson Uggioni)

“Vivi um pai que se preocupava muito com sua família e que a amava. Agora

sei como meu pai se reocupa comigo e com a família”.

(Éber dos Santos)

I.3 – A Construção do Texto.

“Inventar um texto não é nada fácil. Saber dar seqüência a uma frase com a

outra é muito mais complicado”.

(Gabriela Dagostim)

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Após a criação da personagem, determina-se dois grupos para a

elaboração do texto, que deve ter em seu conteúdo todas as personagens

criadas pelos educandos nas aulas anteriores. Esse exercício gera muita

polemica em função da diversidade de personagens, estabelecendo-se um

conflito a ser solucionado. A diversidade de personagens e a sua necessária

inclusão no texto dá-se mediante criação, não possibilitando a cópia ou

possíveis “Escolinhas do Professor Raimundo”. Cito um exemplo: Um grupo de

alunos custou a criar uma peça, após o quarto textos reprovados por mim,

chegaram a seguinte conclusão: “Faremos uma sala de aula, onde os alunos

sugerirem à professora para fazer uma peça de teatro, para sair da rotina. A

professora aceita e sugere que eles devem assistir ao ensaio de uma peça de

teatro que está na cidade e que o diretor é um conhecido dela. Ela irá com eles

para que peçam orientações ao diretor. Na peça eles saem do palco

misturando-se com a platéia e assistem ao ensaio. Sobem no palco e

conversam com o diretor e com os atores. Dentre eles um faz papel de mulher

e é questionado sobre essa situação. E abrem um debate sobre a relação

ator/personagem.”

Essa possibilidade de fazer um texto criativo onde eles determinam as

situações, só é possível mediante o xeque-mate da diversidade das

personagens. A necessidade de criar uma nova personagem em detrimento de

outras só se faz mediante um critério já entendido pelo grupo: Não criar dramas

simplistas. Após o enredo criado, trasforma-se em roteiro. Todo esse processo

é de participação coletiva, vivenciando-se no mínimo algumas rodadas de

idéias, que vão se enxugado como no exemplo falado e sendo articuladas por

alguns educandos escolhidos pelo grupo: - “Todos deram no mínimo uma frase

para a construção do texto”. (aluno não identificado)

A dificuldade de escrever se manifesta imediatamente. Ordenar idéias,

as falas das personagens, a lógica dos diálogos, faz com que os educandos

percebam suas limitações e resolvam supera-las. É comum neste processo

fazerem-se até cinco roteiros por grupo. Cabe ao professor orienta-los

apontando os problemas de ordem gramatical, a estrutura, e o desenrolar da

trama, lendo e conversando com eles. Buscando soluções, apontando o caráter

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sua peça: comedia, drama, tragédia... A elaboração do texto faz com que os

educandos observem melhor as palavras e os sentidos a que elas se

empregam. Faz com que elas elaborem o texto preciso, com uma estética

própria e coerente com a idéia central.

O ato de escrever dimensiona o aluno em seu mundo. “Faz parte do ato

de escrever o exercício de ler a dimensão do mundo, a dimensão do eu no

mundo”. (Severino Antonio M. Barbosa El – Escrever é desvendar o mundo –

Papirus) Ao vislumbrar-se com o mundo que pode criar, o educando passa a

ler o seu mundo, a querer representá-lo enquanto denúncia ou propor sua

transformação no palco. À medida que se elabora um roteiro tecnicamente

bom, também se elabora história e reflete-se sobre seus desdobramentos. O

educando descobre as causas ao perceber as conseqüências miséria, fome,

prostituição, drogas, ele sempre diagnostica o que impulsiona tais situações.

Ele se torna radical, busca a raiz do problema. Escrever é desvendar o mundo.

I.3.a – Construção do texto – A Opinião dos Alunos.

“Todos deram no mínimo uma frase para a construção do texto”.

(Aluno anônimo)

“Na hora de fazer o texto? Que rolo... um puxava para um lado, outro queria de

outro jeito. Foi um trabalhão até tudo se acertar”.

(Patrick da Silva Cardoso)

“O texto a princípio é mais difícil de fazer, pois para encaixar vários

personagens temos que ter muita imaginação e foca de vontade; o que falta é

colocar essa cabeça para pensar, deixando a preguiça e a falta de interesse de

lado”.

“O nosso grupo chegou a fazer mais de quatro roteiros, pois nenhum conseguia

agradar ninguém, mas isso foi bom, pois cada roteiro que não dava certo, a

gente buscava cada vez mais idéias”.

(Mirela Costa)

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“Inventar um texto não é nada fácil. Saber dar seqüência a uma frase com a

outra é muito complicado”.

(Gabriela Dagostim)

“As poucas vezes que apresentávamos pegávamos histórias prontas do livro

era só decorar”.

(Inez de Oliveira)

“... mas nunca um roteiro de teatro, onde tudo quer ser explicado e a expressão

de cada fala tendo que ser programada antes”.

(Roberta Machado)

I.4 – Os Recursos Técnicos – Iluminação, Sonoplastia, Cenografia,

Roteirista e Publicidade.

Num espetáculo teatral não há só atores, personagens e público. É

necessário um assessor técnico que auxilie o texto e os atores, que ajude a

manter o público atento. São os bastidores do teatro. O que motiva educandos

a aprenderem é saber que eles podem fazer mais e lhes dar outras condições

de criação. Num ambiente equipado pode-se e deve-se utilizar todo recurso

oferecido. Ao saber que atuariam no teatro municipal, assustaram-se, mas

gradativamente trocaram o medo em função de muita coisa a pensar e a fazer.

“E se naquela cena romântica, o palco ficasse todo azul, e uma lua vermelha

fosse projetada no pano de fundo?” Como? Ora com os holofotes e o canhão

de luz. “E a musiquinha da discussão, cortada com um olhar?”. Quem vai

assistir à peça de vocês, tem que ser estimulado, que tal um cartaz criando

uma situação de curiosidade nos outros? Assim se fez necessário pensar nos

recursos técnicos que auxiliaram as cenas elaboradas por eles. O grupo

escolhia seus técnicos, os que tinham pouco tempo em cena, para se

responsabilizarem por estes recursos. Os educandos/técnicos precisavam se

informar sobre o funcionamento destes recursos indo ao teatro conhecer as

instalações, acompanhados do professor e dos técnicos do Teatro Municipal,

anotando, e experimentando tudo. Sentindo a qualidade do som, a intensidade

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das luzes, observando o espaço para compor o cenário. Em seus grupos

orientam os colegas sobre as possibilidades da composição dos efeitos. Nesse

contato os educandos/técnicos aprendem os termos técnicos enriquecendo seu

vocabulário e sendo objetivos em suas colocações para ensinar aos outros.

Nesse grupo, as seqüências musicais e iluminação discutida com todos e o

sonoplasta e iluminador encarregados de ordenar as músicas e iluminações e

operar em cada apresentação.

A publicidade da peça é importante, pois ela destaca os desenhistas e

cria no ambiente escolar, diálogos sobre suas expectativa e cada peça teatral.

Por último o roteirista, maquiador, figurinista, cenógrafo estes são

anônimos que “aparecem” no decorrer do processo e dão os toques finais.

Estes não incluíram como compromisso deixarem exatamente pensada esta

questão, mas eles existem.

I.4.a – Iluminação, Sonoplastia e Cenário – A Opinião dos Alunos.

“Pensar um cenário prático, mas que marque as pessoas... o som também é

uma das coisas mais importantes para o teatro não fique morto e dê sono as

pessoas”.

(Gerusa Cunha Nonnenmacher)

“Trabalhar com iluminação na hora da peça é uma coisa séria e divertida ao

mesmo tempo, por isso fazer iluminação foi o que mais gostei na peça”.

(Alessandro Rocha)

“Para montar o cenário é mais simples, de acordo com o texto montamos o

cenário”.

(Gabriela Dagostim)

“O cenário era parecido com o do livro. Não havia iluminação nem sonoplastia.

A sonoplastia era só nós falando”.

(Inez de Oliveira)

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I.5 – A Vivência Constrói a Crítica Teatral.

“A moça que foi internada da peça “quem são os loucos”, porque interpretou

bem, falou alto e claro e viveu realmente a personagem. As músicas foram bem

escolhidas e eram sincronizadas com as ações das personagens...tinham

frases bem formuladas e objetivas em que cada personagem tinha uma função

significativa”.

(Roberta, Mary Cristina e Elisangela)

Vivenciar com intensidade faz perceber os acertos e os erros. Só o

conhecimento traz o novo conhecimento. Durante as apresentações das peças,

os educandos tiveram contato com mais de trinta peças, tendo um panorama

das varias possibilidades de elaboração e representação. Enquanto assiste as

peças, o educando naturalmente vai selecionando os atores, as personagens,

o texto, a iluminação, a sonoplastia, o cenário, o desempenho individual e

coletivo. Tudo isso porque ele já conhece tais elementos, comparando-os com

sua experiência. Tendo ou não já apresentado o seu trabalho, ele identifica a

qualidade das peças no todo e em suas particularidades, percebendo as

melhoras linguagens teatrais. Fica nítida no seu discurso a competência de sua

crítica elaborada com os termos da linguagem plástica do teatro. Em muitas

avaliações, observei o compromisso de salientarem os acertos e erros, em

função de um conhecimento apreendido e carente de fortalecimento, além de

se perceber com ser criador e concluir que se necessitasse fazer a mesma

peça, a modificaria até a perfeição.

I.5.a – A Vivência Constrói Crítica Teatral – A opinião dos Alunos.

“A iluminação, muitos grupos conseguiram fazer bem feita, e fizeram da

iluminação o charme da peça”.

(Mirela Costa)

“A que mais me agradou foi “A Alta fala mais Alto”. O texto falava bem a

realidade pais e filhos e o cenário conseguiu juntar quarto, sala de estar e

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jantar tudo de uma vez, evitando o abre e fecha das cortinas. Na iluminação e

na sonoplastia a falta de prática com o equipamento prejudicou o

desempenho”.

(Kleber Danielski)

“Em algumas peças alguns defeitos chamaram a atenção, como: não tem som

na campainha... uma cena de amor devia ter iluminação romântica adequada”.

(Renata de Luca Romancini)

“Nunca soube viver uma personagem. Preciso de aprimoramento”.

(Michel da Silva)

“Achamos que em alguns teatros houve demora de muitos atores ao entra no

palco e também muito abre e fecha de cortinas”.

(Cíntia, Mirela, Jane, Karla)

“Todos foram bons: cenários, iluminações, sonoplastia, texto, enredo,

interpretação mas as que mais marcaram foram...”.

(Adriana, Elisandra, Gabriela, Inez)

“A peça teatral que mais me chamou a atenção foi “Além da Imaginação”,

porque tinha um texto bem construído, com início bem criado, seu meio

diabólico e seu fim estupendo. O cenário da mesma peça não foi o melhor, mas

destacou-se”.

(Jânio Castro)

“Como platéia foi muito bom, pois sabendo que logo a seguir seríamos nós os

atores ficamos observando os erros dos atores para não comete-los e

aplaudindo os acertos seríamos aplaudidos... sentimo-nos como verdadeiros

atores, cheios de responsabilidades, querendo passar para a platéia o enredo

para ser aceito e compreendido pela platéia”.

(Cristiana, Érica, Magali)

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II – A MANIFESTAÇÃO CULTURAL, A PARTICIPAÇÃO EM GRUPO, O

PROFESSOR E SEU PAPEL, E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA.

II.1 – A Manifestação Cultural.

Não pode haver um processo de arte-dramática sem que este exerça

uma transformação na vida do educando. Transformação essa aparentemente

temporária, mas que lhe seguirá pelo resto da vida. O exercício da arte-

dramática é um falto vivenciado pelo educando, que transforma a sua vida

cotidiana e o faz elaborar, criar, ordenar, experimentar com toda a sua

potencialidade a arte de representar. Esse tópico será melhor esclarecido pelas

palavras dos alunos, ditas em vão ou não, eles as disseram.

II.1.a – A Importância do Teatro com Manifestação Cultural – A Opinião

dos Alunos.

“As lições que eu tiro em termos artísticos? A própria valorização da arte

e da cultura, que estavam um pouco esquecidas”.

(Ainda Kuri Souza)

“... a cultura no teatro que é uma distração para o público, que apesar de não

comparecer no teatro tem uma estima muito grande por ele”.

(Aislam de Sousa)

“Gostaria que essa idéia se repetisse mais vezes no colégio para a própria

formação de cada um. E pela cultura o povo prestar mais atenção onde estão

as verdadeiras riquezas...”.

(Elisângela Colombo Mezzari)

“Saber o que é um palco, a sonoplastia, a iluminação. Como sentir de perto a

platéia. O trabalho em grupo me faz refletir o quanto é importante expressar

sua cultura. Isto é, a arte no teatro”.

(Marcelo)

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“A lição que tirei é que o educando deveria investir mais na cultura, pois ela é

muito importante e bela. Me orgulho de ter ganhado uma oportunidade de subir

no palco e ser por alguns momentos um ator profissional. Cultura é vida”.

(Renata de Luca Romancini)

“Se fosse para começar tudo de novo, eu começava, porque foi uma coisa que

me ensinou muito a viver”.

(Wagner da Silva Albino)

“Pois deixamos de lado nossos problemas para nos dedicarmos aos nossos

personagens. Através dele poderemos também expressar nossos

pensamentos, atos e principalmente criatividade”.

(Anilde da Silva)

“Que as pessoas não devem medir sua inteligência, todas tem capacidade para

criar um personagem, representar. Que pode conseguir qualquer coisa que

queira”.

(Tatiana de Souza)

“Eu descobri também que tenho voz para cantar, isso eu já sabia, mas o que

eu demonstrei no palco, foi melhor do que eu já havia pensado. E realmente

este talento eu sempre trouxe em mim, e foi só agora a pouco tempo que

descobri”.

(Luciana Rocha Francelino)

“Que o teatro está envolvido com a nossa vida. A nossa vida já é um teatro,

pois traz a realidade de nossa vida”.

(Gabriela Dagostim)

“Através de trabalhos como este é que nós mesmos descobrimos que somos

capazes de nos valorizar e sermos valorizados. Descobrimos ações e reações

opostas ou semelhantes as das nossas”. (Erica)

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“Foi uma boa idéia o teatro ser trazido para as salas de aula. É uma cultura que

nosso país precisa adquirir... encerro meu trabalho com esperança de que um

dia todas as escolas divulguem o teatro”.

(Éber dos Santos)

“Foi uma experiência muito boa, a gente aprende muita coisa e passa a dar

valor para aquelas pessoas que sobrevivem fazendo isso, mostrando sua

cultura”.

(Jusciléia Spricigo)

II.2 – O Papel do Professor.

“... Nas poucas vezes que apresentávamos, tiramos histórias feitas do livro. Em

nosso Colégio anterior não tínhamos professor que se interessasse por isso”.

(Luciana Rocha Francelino)

O professor é um coordenador. Ele detém um conhecimento adquirido

ao longo do tempo e repassa esse conhecimento aos alunos. O professor arte-

educador não só passa um conhecimento aos educandos, como constrói novas

elaborações com este conhecimento. Aliás, convém salientar que nenhum

conhecimento se esgota nele mesmo. Todo conhecimento leva a outro e a

novas elaborações. O professor arte-educador tem um compromisso de

orientar o educando a imaginar, criar e sentir o seu poder criativo. Sendo um

orientador, a postura coerente é ouvir, incentivar e ajudar os educandos a

buscarem seus próprios caminhos, a luz do conhecimento base de seu

conteúdo. Esse conhecimento não deve ser passado de forma que o educando

consiga visualizar e sentir qual o seu objetivo. O professor arte-educador deve

vibrar com o que tem a dizer. Gostar realmente do que faz e propor-se a ser luz

ao educando. O conhecimento não deve ser um fardo pesado, mas uma forma

de libertação onde o educando possa expressar-se livremente. Cabe ao

professor arte-educador esclarecer que, mesmo o conhecimento mais tempo

ainda para elaborá-lo. Que a paciência e a disciplina devem ser mola mestra

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para que se construa coisas sólidas e duradouras ou momentos equilibrados.

Deve haver uma transparência leal entre professor e educando. Dizer onde não

está completo e orientar para o caminho.

Na minha experiência de professor arte-educador, sinto a apatia alojada

nos educandos, em função de uma educação bancária torturante e castradora

da iniciativa e criatividade. Que origina nos educandos as mais tolas

expressões modistas e cômodas oferecidas pela sociedade. Nesta situação o

professor arte-educador deve saber ler a formação cultural, educar para a

disciplina e construir uma formação do desenvolvimento potencial dos

educandos, fazendo-os acreditar em seu poder de criar. O papel do professor

arte-educador é de propiciar uma formação cultural em que o educando

identifique e se questione quanto ao seu papel na escola e no mundo, através

das várias linguagens artísticas e seus respectivos contextos e papéis que

exerceram ou exercem na sociedade, o professor arte-educador deve manter a

distancia necessária dos alunos a ponto de ouvi-los sem precisar perguntar “o

que foi?” Pois o professor arte-educador é um cidadão responsável que

convive com outros cidadãos num kapio contexto e deve entender que na sala

de aula estabelece-se uma relação que tem um objetivo claro – a formação

cultural.

O professor arte-educador tem que ter uma visão eclética das coisas,

pois precisa compreender as várias formações que têm seus companheiros de

trabalho, os educandos, e conseguir interpretar suas realidades para construir

teatros, quadros, desenhos, esculturas de forma que o educando as

compreenda no contexto histórico da arte e no seu contexto histórico.

O professor arte-educador deve participar e fazer junto com seus alunos,

viver com eles, as tarefas e estar a sua disposição. Participar, envolver-se e

mostrar que todos têm compromisso, é a melhor forma de educar.

O professor arte-educador é um educador por excelência, pois trabalha

as várias formas de elaboração de pensamento, propiciando um conjunto

complexo e abrangente da criação.

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II.2 – A Participação do Professor – A Opinião dos Alunos.

“... Ricardo (professor) muito obrigado pela oportunidade...!”.

(Denise Fontana Martinelo)

“... Lembramos com alegria daquelas briguinhas que ele fazia com a gente,

dizendo: - Falem mais alto... ponham vida nesse personagem não fiquem de

costas para o público. Mesmo quando na metade pensamos em desistir, as

palavras do professor Ricardo foram muito mais forte e companheiras naquelas

horas difíceis”.

(Mirela Costa)

“... E o apoio do professor Ricardo”.

(Anelize Silva)

“... muitas discordâncias entre professores e alunos, colegas com colegas... foi

muito importante viver esses momentos. Fazer esse trabalho sei que irá estar

dentro de nossas vidas, no currículo da vida para o futuro... mas nada terá

conseguido sem você Ricardo, ter nos dado essa chance de mostrar talentos e

aprender a dar valor a arte. Importante é saber que existe pessoas com você,

com tanta inteligência, capacidade e vontade de nos mostrar o que sabe e

mostrar a você o que somos, dando valor ao tempo, as pessoas, a vida”.

(Jane Padoim)

“Nas poucas vezes que representávamos, tiramos histórias feitas ao aluno. Em

nosso colégio não tínhamos professor que se interessasse por isso”.

(Luciana Rocha Francelino)

“... mas a sujeira no teatro, os alunos, professor e serventes limpando juntos”.

(Cristiana S. Guollo)

“... você ser um amigo que sempre pode, deixa um tempo seu para ouvir o que

eu tenho a dizer”. (Maurício Selau)

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II.3 – A Participação em Grupo e o Exercício da Cidadania.

Exercer a cidadania é participar das soluções dos problemas. É

envolver-se efetivamente com seu meio. Não pode haver cidadania sem que o

indivíduo se sinta completo a ponto de dedicar-se a algo. Hoje o cidadão é a

medida do que consome. A cidadania está intimamente ligada a ocupação do

tempo com o consumismo. Porém exercer a cidadania é a participação do

cidadão nas resoluções dos problemas que o circundam, de ordem individual,

não se adaptando ao mundo, mas buscando uma forma de contribuir

historicamente para fazê-lo avançar, e de ordem coletiva, contribuindo para as

soluções imediatas de seu meio.

Ao apresentar aos alunos o projeto que os levariam ao teatro municipal,

foi lhes dado um problema que necessitaria de uma solução. Na divisão dos

grupos estabeleceu-se então um compromisso: trabalhar em função de tal

objetivo, tendo que vencer cada etapa. A organização é que faz os objetivos

serem alcançados. As sociedades se organizam, discutem seus problemas. Na

escola não se vai além de uma fórmula ou texto. Não há um problema com

várias soluções ou que o professor já não tenha a solução. Tudo aparece

premeditado, não há estímulo para a criação, não há como arregaçar as

mangas e fazer algo acontecer. No processo teatro em grupo, os educandos se

entreolham e perguntam o que fazer? Eles têm que inventar. Essa situação faz

com que eles se relacionem, faz com que tenham que se organizar. É aqui que

o educando sente a sua importância e a dos outros, enquanto colega,

companheiro, cidadão. Os conflitos individuais devem ser superados para não

comprometer o trabalho. Não pode haver individualismo.

No começo ficam perdidos, deixam a semana passar; só se encontram

na aula seguinte, mas com o tempo se organizam melhor. Existem prazos,

notas. Vão deixando as idéias fluírem. A medida que vão convivendo, se

identificam como grupo e percebem-se enquanto indivíduos com papéis

específicos a desenvolverem. Essa convivência faz com que eles se sintam

responsáveis por algo que tenham que tomar partido ou não. Há lugar para

todos contribuírem, portanto não há motivos para se ficar parado. Nem que

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seja uma sugestão num personagem ou no cenário. Todos têm algo a

contribuir.

A convivência com as diferenças faz com que o educando tenha que

refletir sobre suas convicções, tendo que por em votação essa ou aquela idéia,

abrindo mão do seu absolutismo, propiciando e fortalecendo a solidariedade e

a ética entre eles.

O educando exerce durante um período determinado a intensa

responsabilidade de se organizar. A sua vida antes da apresentação teatral

modifica-se, fazendo com que se sinta sujeito verdadeiro de uma idéia, de

colocá-la em prática. Nesse processo ele vive a educação plena, do conteúdo

(teoria) e prática (todas as ações). Trabalham função de uma atividade cultural,

que traz questões pertinentes ao seu cotidiano e necessidades a serem

representadas de diversas formas. Essa atividade exige um tempo extraclasse

proporcionando que eles organizem seu tempo, determinando horários para

solucionar a peça teatral. Aqui o tempo se divide em criar o texto teatral e

ensaiar o texto teatral. Essa experiência faz com que o educando utilize todas

as suas potencialidades para desenvolver bem o seu trabalho.

Para que todos contribuam, eles se auto-avaliam e avaliam a

participação dos colegas. O grupo tem uma relação de compromissos e exige

que cada uma faça sua parte. Assim estabelece-se “padrões” éticos entre eles.

Ele se auto-educam para a solidariedade em busca de uma solução equilibrada

para a participação de todos. Eles se constroem enquanto cidadãos, tendo que

resolver um problema, superando as próprias limitações pessoais em busca de

uma solução discutida, elaborada e apresentada por todos, dando a cada um

uma função dentro de suas limitações.

II.3 – A Participação em Grupo e o Exercício da Cidadania – A Opinião dos

Alunos

“... Estamos todos no mesmo barco. Eu coloquei o pessoal que estava

assistindo no meu lugar. Aí, foi só cumprir minha parte... aprendi a trabalhar e a

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conviver com várias pessoas, dos mais variados gêneros. Além de aprender a

ter mais responsabilidade”.

(Ainda Kuri Souza)

“Eu nunca tinha feito um teatro que tivesse que pensar tanto em horário de

ensaio, discussões e tudo mais. É legal o interesse que você cria sobre o

assunto, porque você tem um palco para enfrentar. E não pode brincar. Então

com isso você cria mais responsabilidade... foi legal o placo, a emoção, a

tensa, o grupo, as diferenças entre um e outro. Mas é super legal as

diferenças”.

(Gerusa Cunha Nornennmacher)

“... me senti livre, pois naquela hora eu estava mostrando o meu trabalho que

eu vinha tentando aperfeiçoar para não fazer fiasco no palco. E graças aos

meus esforços isto não aconteceu...em grupo me senti muito bem, pois meu

grupo era muito unido. Muito respeitador e muito respeitado...as lições que eu

tiro desta experiência é que nós precisamos viver em grupo e cultivar a cultura

do teatro...”

(Aislam de Souza)

“Só aprendi uma coisa. Nunca vou ser ator. Brincadeira e a dificuldade de

promover uma peça num país sem cultura, com a população pobre sem

dinheiro para ir ao teatro”.

(Ricardo Garcia da Silva)

“... Mas esse trabalho em grupo é muito bom. O principal é que pelo menos eu

aprendi que na vida tudo tem que ser feito com auxílio, nada se faz sozinho.

Aprendemos a achar um ponto comum no pensamento de cada pessoa”.

(Patrick da Silva Cardoso)

“... gostaria que essa idéia se repetisse mais vezes no colégio para a própria

formação de cada um”.

(Elisangela Onorio Mezzari)

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“A lição que tirei é que o governo deveria investir mais na cultura, pois ela é

muito importante e bela”.

(Renata de Luca Romancini)

“Lutemos agora para libertar o mundo, por fim a ganância, ao ódio e a

prepotência. Lutemos por um mundo de razão onde a ciência e o progresso

conduzem a ventura de todos nós”.

(Adriana, Averene, Andressa, Anilde e Wagner)

“... bom conversar em grupo e criar idéias novas”.

(Rodrigo)

“... eu me senti necessária ao grupo e a prendi muitas coisas no grupo, ao

mesmo tempo que há contradições no grupo há também coisas boas...e o mais

importante, aprendi que temos sempre que aperfeiçoar o nosso trabalho para

formá-lo melhor, não importa quantas vezes terá que refazê-lo”.

(Cíntia Helena D´Estefani)

“... destaco também o aspecto de solidariedade do grupo, onde um ajudava o

outro quando era preciso”.

(Alessandro Rocha)

“Concordei também com a frase: “A união faz a força”, porque se não fossemos

unidos não teríamos feito um bom trabalho...para ser certo tem que ter tempo e

organização”.

(Inez de Oliveira)

“Tudo muito bom. Mas a sujeira no teatro. Os alunos, professor e serventes

limpando juntos. Isso foi bonito”.

(Cristiana S. Guollo)

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“A cooperação na limpeza do teatro me fez sentir a união e ver o quanto a

comida exagerada nos estraga e faz muita sujeira”.

(Magli Lezza)

“É um grupo que se descobre que ninguém é mais ou menos que o outro.

Todos precisam de alguém para serem o que são”.

(Érica)

“Apesar de todo o trabalho que deu (texto, cenário, iluminação) foi bom

aprender com ser artista de verdade, participar. Ter que assumir eu mesmo”.

(Simone Viana Coelho)

“Devo me dedicar mais aos trabalhos que faço, acordar mais cedo para não

chegar atrasado aos compromissos e devo falar sério em certos momentos”.

(Fabiano dos Santos da Silva)

“E que o companheirismo e disciplina são fundamentos não só do dia-a-dia,

mas também nas pequenas e grandes coisas que fizemos”.

(Mônica Pavei)

II.4 – Avaliação.

Enquanto processo vinculado a uma instituição formal, é exigida uma

avaliação. A famosa nota. Esse processo se dá ao longo de três meses, e

precisa ter uma avaliação. A avaliação forma propriamente dita começa com a

criação da personagem, sendo determinante nela a caracterização externa,

figurino, coerência nos traquejos, forma de falar, habilidade com que

argumenta segundo a formação de ser da personagem. A partir da criação do

texto, elabora-se uma ficha de “controle” identificando o nome de cada aluno e

uma série de classificações caracterizando o tipo de postura que apresenta nas

reuniões de elaboração de texto. Os educandos identificam o tipo de

contribuição dada por cada um. Após o texto discutido com o professor e

aprovado, as mesmas fichas utilizam-se para os ensaios, observando presença

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e tipo de contribuição do educando. São dez ensaios extraclasse, de

responsabilidade por educandos. Por final, a apresentação, que é uma

avaliação sobre o conjunto de todas as partes, feita pelo professor. É levado

em consideração todo o trabalho do grupo, e analisando cada atividade,

separando os recursos técnicos e sua aplicação.

O trabalho não é uma mera apresentação, ele tem que ser preciso, e

não pode ser “o que vier está bom”. Há compromisso até o final e deve ser

cumprido.

Alguns educandos não aparecem e são avaliados nulos na

apresentação. Porém a avaliação verdadeira é aquela em que os educandos

fazem, a cada passo de si e dos colegas. O convite constante à

responsabilidade que se instala neles. É essa avaliação que considero a

clareza do educando de ser avaliado em função de suas ações e não ações e

entender que poderia ter oferecido mais.

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CONCLUSÃO

O trabalho com arte-dramática, determinando uma atividade cultural na

escola não me deixa a vontade de ter uma única conclusão, mas algumas.

A primeira de todas é que o relacionamento com a comunidade escolar é

a grande escola. Que se dedicando com o todo do meio escolar é que nos

tornamos verdadeiros educadores. O contato com os educandos transcende as

paredes da sala de aula e espalha-se pelo espaço da escola e das

comunidades, nos pondo em contato com o mundo do aluno. Permite com que

sejamos um norte a estes educandos, numa sociedade tão desprovida de ética

e solidariedade, reflexo de uma classe dominante ausente das questões

prioritárias de nossa sociedade. Quando o professor relaciona-se com o aluno,

ele rompe a distância autoritária de superioridade, dando lugar a autoridade de

argumentação e do seu papel educador.

A segunda forma de repassar o conhecimento, mesmo tendo o peso da

responsabilidade, o educando conclui no final de tudo, que mesmo não tendo

gostado não pode negar que aprendeu um novo conhecimento, agora em suas

entranhas. Essa forma dinamiza o pensar e o fazer, impulsionados por uma

tensão que os arrebata da comodidade e apatia do estudar para a prova. Faz

do estudar uma vivência concreta e possível de ser apalpada, concretizada em

várias ações, determinando um processo educacional descentralizado,

equilibrado entre conteúdo, professor e educando.

Terceira é o exercício de cidadania implícito nesta atividade. Tantas

vezes debatemos um problema social em função de uma personagem. Tantas

vezes mediei discussões entre educandos em busca do seu espaço

conversando e analisando juntos. As reuniões marcadas para discutirem

cenários, onde busca-los? Quem poderia ajudar? Ir conhecer o teatro

municipal. Presenciar a disciplina deles nos ensaios na escola. Orientá-los em

sala de aula ajudando-os a representarem melhor. Enfim, observar a situação

como um todo e conseguir sentir que as conclusões deles partiam sempre de

uma análise de grupo frente a uma argumentação. Que todos sempre

buscavam uma razão para agir.

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A quarta é identificar as falhas e suas soluções. Neste processo não

inclui história do teatro e sinto que é uma solução muito rica, pois possibilitará

ao educando ver o teatro em cada contexto, desmistificando sua solução

mágica, a história desprovida de influencia sociais. O papel do teatro enquanto

expressão de libertação ou alienação. Que quem conduz são os seres

humanos e suas inúmeras concepções de mundo.

E a quinta está inclusa na primeira, com uma ressalva ao papel do

professor: ser aberto, brincar, tocar, sorrir, brigar, exigir disciplina. Estar

presente sempre faz da relação professor/educando uma experiência de vida

enriquecedora. Ser uma possibilidade de ter alguém por confiar e ser caminho

faz o trabalho com arte-educação uma relação de amizade. Abraçar, beijar,

conversar nos intervalos, questionar, dar carinho é o papel de todo o ser que

tem consciência que a vida existe e para que ela seja plena deve ser uma vida

de amor.

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BIBLIOGRAFIA

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