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Taxas de Recuo da Praia do Gonzaguinha (São Vicente - SP) no Período de 1962 a 2001, baseadas em Fotografias Aéreas Shoreline Retrogradation Rate for the Gonzaguinha Beach (São Vicente - SP) between 1962 and 2001, based on Aerial Photographs Celia Regina de Gouveia Souza Instituto Geológico – SMA/SP ([email protected]) Fellipe de Oliveira Barbosa Geógrafo Autônomo ([email protected]) Introdução Na literatura internacional e nacional são encontrados inúmeros trabalhos a respeito de técnicas, erros envolvidos e aplicações do mapeamento da posição da linha de costa, com base em fotografias aéreas de vários períodos, visando ao estudo de processos erosivos e cálculo da taxa de retrogradação da linha de costa (e.g. Moore, 2000; Honeycutt et al., 2001; Byrnes et al., 2003; vários Congressos da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário - ABEQUA). O presente trabalho tem por objetivo mostrar as variações da posição da linha de costa na Praia do Gonzaguinha, em São Vicente (SP), por meio da análise de fotografias aéreas adquiridas nos anos de 1962, 1994 e 2001, e estabelecer o cálculo da taxa de recuo ou erosão dessa praia para esse período. Praia do Gozaguinha A Praia do Gonzaguinha localiza-se ao fundo da Baía de São Vicente (Figura 1); apresenta orientação E-W, 1 km de comprimento, areias finas e muito bem selecionadas e inclinação média no estirâncio de 3,5º (Souza, 1997, 2007). A largura dessa praia é bastante variável em função da presença de zonas de barlamar e sotamar de células de deriva litorânea, limitadas por 6 espigões de pedra distribuídos entre os trechos leste e central da praia (Figura 1), sendo que sua parte mais larga se encontra na extremidade oeste, com cerca de 70 m de largura no perfil de inverno de 2006 (Souza, 2007). Seu estado morfodinâmico atual é reflexivo de baixa energia, embora no passado fosse dissipativo de baixa energia (Figura 2a). Encontra-se sob risco muito alto de erosão (Figura 2b), cujas causas são devidas a uma série de intervenções antrópicas na região e a processos naturais, como a elevação do nível do mar, a dinâmica de circulação costeira e a ausência de rios (Souza, 2001, 2007; Souza & Suguio, 2003). Dentre as principais causas antrópicas estão a construção da avenida beira-mar sobre a pós-praia (década de 1930), a ligação artificial entre a Ilha de São Vicente e a Ilha Porchat (meados de 1946) interrompendo o mais importante afluxo de sedimentos para a Praia do Gonzaguinha (provenientes das praias ao fundo da Baía de Santos - Figura 1), a implantação de espigões de pedra para tentar conter a erosão costeira (meados da década de 1950) e a colocação de anteparos em pedra nas áreas de barlamar das células de deriva litorânea (década de 1970 até 2005). Figura 1. Localização da Praia do Gonzaguinha. Notar os espigões (groins) e a forte assimetria praial ao redor dos mesmos, indicando deriva litorânea de leste para oeste no interior da Baía de São Vicente.

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Taxas de Recuo da Praia do Gonzaguinha (São Vicente - SP) no Período de 1962 a 2001, baseadas em Fotografias Aéreas

Shoreline Retrogradation Rate for the Gonzaguinha Beach (São

Vicente - SP) between 1962 and 2001, based on Aerial Photographs

Celia Regina de Gouveia Souza Instituto Geológico – SMA/SP ([email protected])

Fellipe de Oliveira Barbosa Geógrafo Autônomo ([email protected])

Introdução Na literatura internacional e nacional são encontrados inúmeros trabalhos a respeito de técnicas, erros envolvidos e aplicações do mapeamento da posição da linha de costa, com base em fotografias aéreas de vários períodos, visando ao estudo de processos erosivos e cálculo da taxa de retrogradação da linha de costa (e.g. Moore, 2000; Honeycutt et al., 2001; Byrnes et al., 2003; vários Congressos da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário - ABEQUA). O presente trabalho tem por objetivo mostrar as variações da posição da linha de costa na Praia do Gonzaguinha, em São Vicente (SP), por meio da análise de fotografias aéreas adquiridas nos anos de 1962, 1994 e 2001, e estabelecer o cálculo da taxa de recuo ou erosão dessa praia para esse período. Praia do Gozaguinha A Praia do Gonzaguinha localiza-se ao fundo da Baía de São Vicente (Figura 1); apresenta orientação E-W, 1 km de comprimento, areias finas e muito bem selecionadas e inclinação média no estirâncio de 3,5º (Souza, 1997, 2007). A largura dessa praia é bastante variável em função da presença de zonas de barlamar e sotamar de células de deriva litorânea, limitadas por 6 espigões de pedra distribuídos entre os trechos leste e central da praia (Figura 1), sendo que sua parte mais larga se encontra na extremidade oeste, com cerca de 70 m de largura no perfil de inverno de 2006 (Souza, 2007). Seu estado morfodinâmico atual é reflexivo de baixa energia, embora no passado fosse dissipativo de baixa energia (Figura 2a). Encontra-se sob risco muito alto de erosão (Figura 2b), cujas causas são devidas a uma série de intervenções antrópicas na região e a processos naturais, como a elevação do nível do mar, a dinâmica de circulação costeira e a ausência de rios (Souza, 2001, 2007; Souza & Suguio, 2003). Dentre as principais causas antrópicas estão a construção da avenida beira-mar sobre a pós-praia (década de 1930), a ligação artificial entre a Ilha de São Vicente e a Ilha Porchat (meados de 1946) interrompendo o mais importante afluxo de sedimentos para a Praia do Gonzaguinha (provenientes das praias ao fundo da Baía de Santos - Figura 1), a implantação de espigões de pedra para tentar conter a erosão costeira (meados da década de 1950) e a colocação de anteparos em pedra nas áreas de barlamar das células de deriva litorânea (década de 1970 até 2005). Figura 1. Localização da Praia do Gonzaguinha. Notar os espigões (groins) e a forte assimetria praial ao redor dos mesmos, indicando deriva litorânea de leste para oeste no interior da Baía de São Vicente.

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Figura 2. Porção central da Praia do Gonzaguinha em 1910 (a) (foto da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo) e 2007 (b) (foto de Celia R. de G. Souza). Ao fundo da foto (a) está a Ilha Porchat. Materiais e Métodos Para calcular a taxa de retrogradação ou erosão da linha de costa a partir de fotografias aéreas e mapas antigos em geral são utilizados dois tipos de procedimentos: pelo ponto de terminação (end-point) através do qual é medida a distância horizontal entre duas posições de linha de costa no tempo, preferencialmente ao longo de vários trechos da praia; e por regressão linear (linear regression), onde a melhor posição é dada pela soma dos quadrados das diferenças entre as várias posições da linha costa no tempo (Honeycutt et al., 2001). Na área de estudo foi aplicado o método do end-point. Para tanto foram utilizadas fotografias aéreas de 1962 (escala 1: 25.000), 1994 (escala 1:25.000) e 2001 (digitais e georreferenciadas, escala de 1:35.000), e um mapa topográfico de 1986/87 (escala de 1:10.000) importante para o georreferenciamento das fotografias aéreas mais antigas e a demarcação dos eixos de ruas. As fotografias aéreas de 1962 e 1994 e o mapa topográfico de 1986/87 foram transformados em arquivos raster (figuras digitais não georreferenciadas) e posteriormente georreferenciados com o auxílio dos programas de geoprocessamento Spring 4.1 e Mapinfo 5.5, das fotografias aéreas digitais e das informações do próprio mapa, tendo sido utilizados 25 pontos de controle em cada foto (cruzamentos de ruas e avenidas, estradas de ferro, pontes, campos de futebol etc.). Na etapa seguinte efetuou-se a edição topológica do objeto de estudo, ou seja, o mapeamento da linha de costa em cada período pesquisado (1962, 1994 e 2001), através da delimitação do polígono emerso da praia, definido entre a linha úmida (preamar) e o início da urbanização (Moore, 2000). A linha de costa de 1962 foi adotada como datum de referência. Em cada polígono de praia foram traçados 8 transectos perpendiculares à linha de costa e eqüidistantes entre si, cujas medidas dos comprimentos foram utilizadas nas comparações de largura da praia em cada trecho nos três anos, e nos cálculos das taxas de recuo da praia. As variações da posição da linha de costa somente foram efetuadas no segmento oeste da praia (entre o espigão e a terminação da praia), uma vez que a forte erosão da praia não permitiu a delimitação confiável da linha de costa nos demais segmentos, para essa escala de trabalho. Resultados e Discussão A Tabela 1 mostra os valores das diferenças entre os comprimentos (recuos da linha de costa) dos 8 transectos obtidos para os períodos de 1962-1994, 1994-2001 e 1962-2001. O transecto 1 localiza-se no extremo oeste desse segmento de praia e o transecto 8 no extremo leste do mesmo. O mapa da Figura 3 apresenta as posições da linha de costa mapeadas nos três anos. Tabela 1. Recuos (metros) da linha de costa medidos nos 8 transectos traçados no segmento oeste da Praia do Gonzaguinha, para os períodos de 1962-1994, 1994-2001 e 1962-2001.

Períodos e Recuos da Linha de Costa (m) Transecto 1962-1994 1994-2001 1962-2001

1 10,41 6,83 17,24 2 17,02 6,75 23,37 3 19,46 10,78 30,24 4 17,74 12,04 29,78 5 14,39 13,58 27,97 6 9,95 10,98 20,93 7 11,43 11,84 23,27 8 11,15 15,72 26,87

Média 12,68 metros 11,05 metros 24,95 metros

a b

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Figura 3. Posição da linha de costa na Praia do Gonzaguinha nos anos de 1962, 1994 e 2001 (base: fotografia aérea de 1962). Esses resultados mostram claramente a diminuição progressiva da largura da praia nesses 39 anos. No período de 1962-1994 nota-se que os transectos 1 (extremidade oeste do segmento praial e, portanto, zona de sotamar das correntes de deriva litorânea que atuam na praia), 2, 3, 4 e 5 (centro desse segmento praial) sofreram recuos bem maiores do que no período de 1994-2001. Nos transectos 6 e 8 (zona de barlamar da célula de deriva litorânea desse segmento praial) as taxas de recuo foram menores no primeiro período, enquanto que no transecto 7 elas se mantiveram iguais nos dois períodos. Entre 1962 e 1994 registrou-se um recuo médio da praia de 12,68 m, e entre 1994 e 2001 a praia diminuiu em média mais 11,05 m. Portanto, entre 1962 e 2001 a largura total suprimida foi equivalente a 24,95 m, correspondendo a uma taxa média de erosão da ordem de 0,64 m/ano. Os erros calculados para esses valores são da ordem de 3%. Como as principais intervenções antrópicas registradas nessa praia já haviam ocorrido antes de 1962, tendo a principal delas ocorrido 18 anos antes, então as diferenças de taxas de recuo observadas entre os dois períodos (1962-1994 e 1994-2001) podem significar que a praia conseguiu começar a se estabilizar (atingir um novo equilíbrio dinâmico) somente a partir da última década. Não se pode esquecer, entretanto, que interagindo com esse processo esteve a elevação do nível do mar (NM), que no último século foi da ordem de 0,30 m/ano para essa área (Mesquita, 1994 apud Souza, 2001). Então, se essa taxa de elevação do NM continuar, no mínimo, a mesma (embora as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas-2007 sejam de aumento das taxas em todo o planeta para o próximo século), e nenhuma medida de recuperação dessa praia for tomada, prevê-se que o último remanescente praial (segmento oeste) da Praia do Gonzaguinha possa desaparecer nos próximos 109 anos (cálculo feito com base nas últimas medições desse segmento praial e na taxa média de 0,64 m/ano). Referências Bibliográficas Byrnes, M.R., Crowell, M. & Fowler, C. 2003. Shoreline Mapping and Change Analysis: Technical

Considerations and Management Implications. Journal of Coastal Research, Special Issue 38. Honeycutt, M.G., Crowell, M. & Douglas, B.C. 2001. Shoreline-position forecasting: impact of storms, rate-

calculation methodologies, and temporal scales. Journal of Coastal Research, 17, p. 721-730. Moore, L.J. 2000. Shoreline mapping techniques. Journal of Coastal Research, 16, p. 116-124. Souza, C.R. de G. 1997. As Células de Deriva Litorânea e a Erosão nas Praias do Estado de São Paulo. Tese de

Doutoramento. Instituto de Geociências-USP. Volume I – Texto (184 p.) e Volume II – Anexos (174 p.). Souza, C.R. de G. 2001. Coastal erosion risk assessment, shoreline retreat rates and causes of coastal erosion

along the State of São Paulo coast, Brazil. Revista Pesquisas em Geociências, 28 (2): 459-474. Souza, C.R. de G. 2007. Determination of net shore-drift cells based on textural and morphological gradations

along foreshore of sandy beaches. Journal of Coastal Research, Special Issue 50 (in press). Souza, C.R. de G. & Suguio, K. 2003. The coastal erosion risk zoning and the São Paulo State Plan for Coastal

Management. Journal of Coastal Research, Special Issue 35, p. 530-592.