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Brasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000 21 Introdução Registrar expressa o lançamento em li- vro especial de determinadas ocorrências públicas ou particulares, com o objetivo de atingir publicidade, autenticidade, seguran- ça e eficácia nos atos jurídicos. Este estudo sobre Tabeliães e oficiais de re- gistros: da evolução histórica à responsabi- lidade civil e criminal resgata a evolução histórica dos registradores de serviços pú- blicos brasileiros. Define responsabilidade, diferenciando responsabilidade contratual, extracontratual, civil e criminal. Trata dos serviços delegados a particulares pelo Po- Tabeliães e oficiais de registros: da evolução histórica à responsabilidade civil e criminal Marli Aparecida da Silva Siqueira e Bruno Luiz Weiler Siqueira Marli Aparecida da Silva Siqueira é Profes- sora, Advogada e Mestranda em Direito pela UNIC/ENESP. Bruno Luiz Weiler Siqueira é Juiz do Traba- lho da Segunda Vara do Trabalho de Cuiabá/ MT – Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Re- gião, Pós-graduado e Mestrando em Direito pela Universidade de Cuiabá – UNIC, conveniada à UNESP/SP. Sumário Introdução. 1. Evolução histórica dos tabeli- ães e registradores públicos. 2. Registro Público e a publicidade de ato e fato. 3. Responsabilida- de. 3.1. Responsabilidade contratual e extracon- tratual. 3.2. Responsabilidade civil e penal. 3.3. Responsabilidade subjetiva e objetiva. 4. Servi- ços públicos delegados. 4.1. Serviços concedi- dos. 4.2. Serviços permitidos. 4.3. Serviços auto- rizados. 4.4. Agentes delegados. 5. Serviços no- tariais e registros em geral: características e prin- cípios. 5.1. A natureza jurídica da responsabili- dade dos serviços notariais e de registros. 5.2. Características quanto à obrigação. 5.3. Res- ponsabilidade dos executores dos serviços no- tariais e de registros. 6. Responsabilidade Civil dos tabeliães e registradores e prepostos. 6.1. Os executores dos serviços delegados. 6.2. Di- reito do usuário. 6.3. Estatuto notarial e regis- tral. 7. Conclusão.

Tabeliães e oficiais de registros: da evolução histórica à

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Brasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000 21

Introdução

Registrar expressa o lançamento em li-vro especial de determinadas ocorrênciaspúblicas ou particulares, com o objetivo deatingir publicidade, autenticidade, seguran-ça e eficácia nos atos jurídicos.

Este estudo sobre Tabeliães e oficiais de re-gistros: da evolução histórica à responsabi-lidade civil e criminal resgata a evoluçãohistórica dos registradores de serviços pú-blicos brasileiros. Define responsabilidade,diferenciando responsabilidade contratual,extracontratual, civil e criminal. Trata dosserviços delegados a particulares pelo Po-

Tabeliães e oficiais de registros: daevolução histórica à responsabilidade civile criminal

Marli Aparecida da Silva Siqueira eBruno Luiz Weiler Siqueira

Marli Aparecida da Silva Siqueira é Profes-sora, Advogada e Mestranda em Direito pelaUNIC/ENESP.

Bruno Luiz Weiler Siqueira é Juiz do Traba-lho da Segunda Vara do Trabalho de Cuiabá/MT – Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Re-gião, Pós-graduado e Mestrando em Direito pelaUniversidade de Cuiabá – UNIC, conveniada àUNESP/SP.

SumárioIntrodução. 1. Evolução histórica dos tabeli-

ães e registradores públicos. 2. Registro Públicoe a publicidade de ato e fato. 3. Responsabilida-de. 3.1. Responsabilidade contratual e extracon-tratual. 3.2. Responsabilidade civil e penal. 3.3.Responsabilidade subjetiva e objetiva. 4. Servi-ços públicos delegados. 4.1. Serviços concedi-dos. 4.2. Serviços permitidos. 4.3. Serviços auto-rizados. 4.4. Agentes delegados. 5. Serviços no-tariais e registros em geral: características e prin-cípios. 5.1. A natureza jurídica da responsabili-dade dos serviços notariais e de registros. 5.2.Características quanto à obrigação. 5.3. Res-ponsabilidade dos executores dos serviços no-tariais e de registros. 6. Responsabilidade Civildos tabeliães e registradores e prepostos. 6.1.Os executores dos serviços delegados. 6.2. Di-reito do usuário. 6.3. Estatuto notarial e regis-tral. 7. Conclusão.

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der Público, distinguindo os serviços con-cedidos, permitidos e autorizados, especifi-cando agentes delegados em face dos seusdireitos e deveres.

Analisa os serviços notariais e registraisem geral, em suas características e princípi-os. Destaca a natureza jurídica dos citadosserviços públicos, o liame da causalidade ea responsabilidade dos tabeliães, dos ofici-ais de registros e seus prepostos.

1. Evolução histórica dos tabeliães eregistradores públicos

Desde a Pré-História, tida como fase dosdocumentos não-escritos, arqueólogos eoutros cientistas descobriram registros nasparedes das cavernas (pintura rupestre),onde, numa representação da vida real, mis-turada com a arte e a religiosidade, os ho-mens expressavam sua vontade, atos e de-sejo nas atividades realizadas e principal-mente nas atividades a serem realizadascomo caça, pesca, coleta e defesa.

Para delimitar território, utilizavam-se demarcos naturais como rios, montanhas, de-pressão e outros, entretanto, deve-se ter emmente o número reduzido e muitas vezesescasso de habitantes em certas localidades.

Com o aparecimento da escrita, dá-se afase dos documentos denominados escritos,embora permaneçam também os não-escri-tos. A princípio, a escrita, diferenciada emcada nação, era restrita apenas às pessoasdas classes dominantes.

As primeiras sociedades tidas como ci-vilizadas foram os egípcios, mesopotâmi-cos, fenícios, cretenses, hebreus e outros, osquais utilizavam-se da escrita para regis-trar sua história e atos jurídicos, sejam nospergaminhos ou nas paredes dos paláciosreais; entretanto, como afirma Gordon Chil-de, um arqueólogo e historiador australia-no (1892-1957), “a História escrita constituium registro irregular e incompleto do que ahumanidade realizou, em certas partes domundo, nos últimos cinco mil anos”. Verifi-ca-se no Brasil, nesse sentido, que quem

consegue registrar a História são os vence-dores, em sua maioria, como foi o caso daescravidão. Nenhum escravo, consideradovencido, registrou sua História.

Na hipótese das primeiras sociedadeshumanas, por exemplo, no Egito as terraspertenciam ao Faraó, tido como Deus vivo,chefe militar, juiz supremo e comandanteúnico do Estado. O Estado egípcio controla-va todas as atividades econômicas: regula-mentava o comércio, recolhia impostos e ta-xas, organizava as obras públicas e o traba-lho coletivo.

Os escribas egípcios eram os verdadei-ros representantes do poder central, poispossuíam o conhecimento da escrita e dacontabilidade, registrando as arrecadações,os impostos e as determinações centrais.Eram pessoas de confiança ou parentes doFaraó, vivendo nos palácios reais, registran-do todos atos de conquistas, derrotas, co-lheitas, déficits públicos, número de escra-vos, compras e vendas externas ou acordospolíticos com povos vizinhos.

Na Mesopotâmia, o controle político eradesempenhado pelo chefe religioso deno-minado Patesi, o qual mantinha grupos desacerdotes para auxiliá-lo na administraçãoda cidade. A propriedade da maioria das ter-ras era dos templos e do Estado, que as alugaaos rendeiros, os quais pagavam em moedas;aos colonos, em mercadorias, e aos funcioná-rios públicos, que pagavam em serviços.

Surge posteriormente o Código de Ha-murabi, o primeiro código escrito para re-gular as relações sociais, econômicas e polí-ticas de acordo com as classes sociais. Até oadvento desse Código, existiam leis em cadacomunidade ou nação, porém eram orais ouescritas esparsamente e não agrupadas numcódigo.

Observa-se que os funcionários públicos,nesses períodos das primeiras civilizações,eram pessoas particulares (não existiam tes-tes ou concursos), que prestavam serviço aosEstados e seus Governantes, geralmenteeram parentes ou pessoas de confiança dosdirigentes, sendo nomeados para cargos e

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funções conforme os critérios de seus gover-nantes, e os registradores dos atos Executi-vos, Judiciários, Legislativos e Administra-tivos em gerais, não eram diferentes dos de-mais funcionários públicos.

Os tabeliães têm sua origem na sociedaderomana, exercendo suas funções em caráterprivado, encarregados de formular as escri-turas e outras atividades até a oficializaçãopelos imperadores Arcádio e Honório.

Na Roma Antiga, havia: a) o tabulariuns,que era o servidor público responsável pelaescrita e contabilidade nas administraçõesprovinciais e municipais, além de guardaros arquivos comunais, os quais serviam naconcretização de atos jurídicos, dando-lhesautenticidade; b) o notarius, de nota, encar-regado dos registros por escrito de todos osatos de um processo, com a meta de levá-loa julgamento, possibilitando conhecimentoaos interessados nas resoluções ou decisõestomadas.

Segundo Moacyr Amaral Santos, no di-reito brasileiro, de herança portuguesa e ca-nônica, serventuários públicos, investidosde fé pública, que têm por função precípualavrar atos e contratos em livros de notas,conferindo-lhes autenticidade, chamam-setambém notários, denominação de origemcanônica, usada por franceses e italianos1.

Para compreender a evolução históricados Registros Públicos e Tabeliães no Bra-sil, faz-se necessário reportarmo-nos ao iní-cio da posse das terras brasileiras pelos por-tugueses.

Com a queda dos lucros do grande co-mércio europeu com as Índias, no que se re-fere às especiarias, dá-se a expansão maríti-ma em busca de novos produtos, mercadosconsumidores e novas terras.

Conhece-se, pela História, o Tratado deTordesilhas, firmado em 1494 em Tordesilhas(Espanha) para registrar e publicar mundial-mente o ato jurídico e o acordo político entrePortugal e Espanha sobre as novas terras des-cobertas e as que viessem a descobrir.

Mais tarde, Pedro Álvares Cabral, encar-regado pelo Rei português, vem às novas

terras descobertas, segundo documento fir-mado anteriormente, tomar posse delas emnome do Rei lusitano e traz consigo Pero Vazde Caminha, o escrivão, a quem cabia todos osregistros diários de fatos ocorridos dentroou fora das caravelas.

Posteriormente, toda essa documenta-ção pública portuguesa, feita pelo escri-vão designado, é enviada ao soberano. Esserelato de Pero Vaz de Caminha, por ser oprimeiro documento sobre as terras brasi-leiras, é tido como “Certidão de Nascimentodo Brasil”.

Observa-se que Caminha foi o tabeliãooficial da Coroa Lusitana e registrador dosnomes da nova terra: Monte Pascoal; Terrade Vera Cruz; Ilha de Vera Cruz e Terra deSanta Cruz.

Verifica-se também, nessa época, os car-tógrafos, ou seja, pessoas particulares, quetinham habilidades para desenhos, respon-sáveis pelo esboço dos caminhos percorri-dos pelas caravelas, dos mares e dos con-tornos terrestres, os quais mais tarde origi-nariam os primeiros mapas, consideradoscomo documentos importantíssimos tantopara o comércio, como para a conquista,expansão e posse das terras além-mar.

Expedições foram enviadas mais tarde,pelo Rei português, à nova terra, para reco-nhecimento de possíveis riquezas, explora-ção, guarda-costa e com o objetivo da colo-nização. Todos traziam consigo registrado-res enviados especificamente pelo GovernoLuso para notificá-lo dos fatos e atos e paraque os registros servissem como garantia deposse e domínio da parte do Novo Mundo.

Martim Afonso de Souza, comandantedesignado para colonizar a nova terra por-tuguesa, é também responsável para admi-nistrar de forma geral as quinze grandes par-tes em que fora dividida a nova terra (Capita-nias Hereditárias). O administrador de cadaCapitania denominava-se donatário, sendoque a ligação jurídica entre ele e o Rei portu-guês era feita por dois documentos básicos:

• Carta de Doação conferindo ao dona-tário a posse hereditária da terra;

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• Carta Foral estabelecendo os direitose deveres dos donatários em relação à ex-ploração da terra.

Assim, a titularidade da terra e os me-lhores benefícios reservam-se ao Rei portu-guês, enquanto os gastos com a coloniza-ção, aos donatários, sendo esse um dosmotivos do insucesso do sistema das Capi-tanias Hereditárias.

Com o declínio das Capitanias, Portu-gal estabelece no Brasil um governo centra-lizado, por meio do Governo Geral, o qualprestaria ajuda e proteção às Capitanias emnome do Rei lusitano.

Pelo documento da criação do GovernoGeral, em 17 de dezembro de 1548, conside-rado por muitos historiadores como a pri-meira legislação (Constituição) brasileira,criaram-se muitos cargos públicos, entre eles,os de maiores destaques:

• Ouvidor-mor: encarregado dos negó-cios da Justiça;

• Provedor-mor: encarregado dos as-suntos de Fazenda;

• Capitão-mor: encarregado da defesado litoral.

Também criou-se:• Bispado do Brasil: encarregado dos

assuntos religiosos, sob solicitação do Reiao Papa, em nome da Igreja Católica, tendocomo primeiro bispo D. Pero Fernando Sar-dinha.

Nota-se que a Igreja Católica e o Estadofazem aliança para colonizar e explorar onovo território por meio da catequese dosnativos (índios), da espada e leis portugue-sas. Existiam os registradores reais paraanotarem em livros especiais tudo o queacontecia na nova terra, como elo entre aColônia e a Metrópole, além dos fiscais tri-butários, nomeados exclusivamente paraimpedir que a parte real nas riquezas pro-duzidas ou extraídas fosse lesada.

• Sesmaria: eram terras consideradasincultas ou abandonadas, que o Rei portu-guês cedia a particulares em condições eco-nômicas para cultivá-las. Eram grandes lo-tes, correspondentes em geral a 3.000 bra-

ças ou 6.600 metros. O sesmeiro podia divi-dir e distribuir a sesmaria para o cultivo,entretanto, o lote era hereditário. Até hojeencontramos resquícios de sesmarias peloBrasil.

O direito de conceder sesmarias cabiaaos delegados designados pelo Rei, que fi-cavam na Colônia (Brasil). Em 1530, pormeio de Carta Régia, foi nomeado o primeirodelegado, Martim Afonso de Souza, comcompetência para distribuir terras que fos-se descobrindo.

Depois da implantação das CapitaniasHereditárias, como os lotes (15) eram enor-mes, coube a tarefa de delegado sesmeiroaos donatários e posteriormente aos Gover-nadores Gerais do Brasil.

Verifica-se que toda a documentação imo-biliária estava vinculada aos posseiros e aoRei português, por meio de seus funcionári-os (públicos) designados especificamentepara tais funções na Colônia.

Um outro aspecto importante a destacarrefere-se às atividades dos bandeirantes queadentravam nos sertões à caça de índiospara escravizar ou à procura de minérios.Nas comunidades onde residiam, existiamrepresentantes do Rei, seja na área executi-va, legislativa, judiciária ou na religiosa, e,antes de os bandeirantes saírem pelos ser-tões, convocava-se o tabelião da localidadepara que cada membro da Bandeira deixas-se registrado seus bens e posses e os herdei-ros designados, pois, na hipótese de alguémnão retornar, o ato jurídico já fora lavradooficialmente.

A concessão de terras por meio de sesmariasserá suspensa no regime latifundiário, me-diante uma resolução do governo real em17 de julho de 1822, antes da independên-cia política do Brasil, em relação a Portugal(7 de setembro de 1822). Constata-se nessaépoca a quase totalidade das terras distri-buídas, com exceção das não-aproveitáveise as ocupadas pelos nativos. Não se deveesquecer que a Família Real Portuguesa vempara o Brasil em 1808, em face do BloqueioContinental Europeu.

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Por meio da Lei nº 601, de 18 de setem-bro de 1850, regulam-se as terras brasilei-ras, criando a categoria de devolutas às ter-ras públicas e não comprometidas no domí-nio privado.

As terras com títulos legítimos; por con-cessão de sesmarias não caídas em comis-so; por concessão de sesmarias em comissorevalidado por lei e as posses legitimadasseriam reguladas, juntamente com suas ben-feitorias, como propriedade dos posseirosou detentores.

Nota-se que 1850 é um marco históricona questão do Direito Imobiliário Brasilei-ro, pois de 1530 (início da Colonização) até18 de setembro de 1850 as terras eram regu-lamentadas pelo sistema de Sesmarias e em1850, com a criação da Lei da Terra, passama ser regidas por esta.

Ressalta-se igualmente que nesse perío-do foi criada a Lei nº 556, de 25 de junho de1850, ou seja, o Código Comercial Brasilei-ro, regulando as relações comerciais da so-ciedade livre brasileira. Livre porque em1850 ainda existia a escravidão brasileira.

Com o fim das sesmarias e a criação daLei da Terra em 1850, originam-se os regis-tradores imobiliários, responsáveis pelos re-gistros de atos e vontades das partes inte-ressadas.

Para obter a publicidade do ato e fatodando-lhe autenticidade, segurança e eficá-cia jurídica, no caso do Registro de PessoasNaturais, como nascimento, casamento, le-gitimação de filhos e outros, a Igreja Católi-ca, aliada do Estado, era a responsável porfazê-lo.

A doutora Maria Adenir Peraro, do De-partamento de História da Universidade Fe-deral de Mato Grosso, apresentou na Uni-versidade Federal do Paraná, em 1997, a tesede Doutorado intitulada: Farda, Saias e Bati-na: a ilegitimidade na Paróquia Senhor BomJesus de Cuiabá, 1853-90, em que trata daquestão da fronteira oeste de Mato Grosso;dos homens de confiança do rei; dos cam-pos de Batalha; da ilegitimidade e dos re-gistros paroquiais, do sentido do matrimô-

nio e dos tratos ilícitos, das mulheres de Je-sus no universo dos ilegítimos; da popula-ção livre, escrava, produtiva e não produti-va; do recenseamento feito por paróquias;dos batismos de crianças naturais; da lim-peza do nome; da freqüência de batismosde crianças expostas nas paróquias e legiti-mação dos ilegítimos; das reincidências defilhos ilegítimos; dos batizados e dos com-padrios; da lista de clérigos padrinhos decrianças naturais (ilegítimas); dos proces-sos de justificação de estado de solteiro; dosprocessos de justificação de estado de viu-vez; dos processos judiciais para o divórcioe como o poder público interfere na vidaprivada das pessoas, durante o transcursodo processo de organização política e jurí-dica nacional.

Exemplos:1º - Petição endereçada ao Juiz Eclesiás-

tico (Bispo):Exmº e Revmº SenhorDizem os oradores José Silvério de Campos e

Maria Rodrigues do Prado, que desejando ellesse receber em santo matrimônio, por bem de suasalvação, para repararem a união ilícita em quevivem há muitos annos, e se legitimar assim aprole della resultante, obsta lhes a falta das certi-dões de baptismo do orador, e de óbito da orado-ra, as quais não foram encontradas, como se vêdos documentos juntos; pelo que, como sejão po-bres, vem recorrer à Caridade de V. Ilmª Revmªpedindo-lhe a Graça da Dispensa da apresenta-ção das ditas certidões para o fim mencionado.

Os oradores são naturais deste Bispado e fre-guezes da Paróchia de São Gonçalo de Pedro 2º.

Assim pois humildementeP.P. à V. Exmª Rvmª favorávelDeferimento à sua supplica, de que,S. Gonçalo de Pedro Segundo, 06 de setem-

bro de 1884.Pelos oradores:Cônego António Henriques de Carvalho

Ferro2.2º - Solicitação para o reconhecimento

do casamento e viuvez:Maria do Carmo Lima, paraguaia, viúva

do alferes reformado Belarmino Ferreira

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Lima, expressa, a nosso ver, a situação deuma mulher em estado de viuvez na buscado auxílio que o casamento com um militarpoderia auferir-lhe (Auto de Justificação doestado de casado, 1884. Arquivo da CúriaMetropolitana de Cuiabá, caixa nº 10).

Na petição datada de 18 de outubro de1884 ao vigário geral e juiz de Gênere e Ca-samentos, monsenhor Pina, Maria do Car-mo apresentou-se como mãe de cinco filhosmenores, o mais velho com 12 e o menor comum ano de idade. Pleiteava a requerente queas autoridades eclesiásticas reconhecessemseu casamento com o falecido mediante aalegação de que era pobre e sobrecarregada defilhos pequenos, precisa justificar (ao Exército)seu estado de casada a fim de que possa recebermeio soldo de seu finado marido.

(...) Ouvidas as testemunhas e pagas ascustas, o desfecho do processo culminou noassento do casamento de Maria do Carmocom Belarmino no livro dos justificados daCâmara e do Auditório Eclesiástico de Cui-abá, em janeiro de 1885, conforme revela-ram as Conclusões.

Maria do Carmo poderia, a partir de en-tão, requerer ao Exército o meio soldo a quetinha direito e desfrutar os benefícios ad-vindos da união conjugal (ou mesma da con-vivência) com um militar3.

3º - Solicitação de óbitoDona Guilhermina Maria Brandão, ao

encaminhar uma petição datada de 7 de ju-lho de 1868 à Câmara e Auditório Eclesiás-tico, solicitava o atestado de óbito do mari-do, Silvério Luis Brandão, sepultado emCampinas em 1867, pretendia mandar bus-car o espólio do cônjuge (auto de justifica-ção do estado de viuvez, 1868. Arquivo daCúria Metropolitana de Cuiabá, caixa nº 8).Para tanto, nomeou um procurador e teste-munha jurada, Antônio de Cerqueira Cal-das, de 49 anos, 2º tenente, que vivia de ne-gócios e também era viúvo. Assim dizia oreferido procurador:

Que sabe ter falecido Silvério Luiz porter ouvido de João Maritano de Souza e docomando da tropa do fallecido que virão ele

morto e assistirão seo enterramento naque-la cidade de Campinas. O juízo de Ausen-tes mandou-se arrecadar todo espólio dofallecido. Sabendo disso, a viúva mandousacar todo o espólio do fallecido nomeandopara seo depositário elle testemunha já re-cebeo o aviso de ter sido entregue pelo juízotodo o espólio do fallecido que se acha emmarcha para esta e assim não resta dúvidade que com effeito é fallecido o referido Sil-vério Luiz Brandão4.

Verifica-se que, desde o período colonial,a Igreja Católica era uma instituição submeti-da ao Estado, permanecendo dessa forma naMonarquia até a Constituição Brasileira de1891.

O regime político-jurídico do Padroadopossibilitava ao Imperador exercer poderessobre a Igreja, ao qual cabia a escolha dosclérigos que iriam ocupar os cargos mais ele-vados dentro da Igreja e aprovação da or-dem do Papa para vigorar dentro do Brasil.

Com a Proclamação da República e emespecial a Constituição de 1891, dá-se a se-paração entre a Igreja e o Estado, sendo apartir desta Carta Magna instituído o regis-tro de nascimento, o atestado de óbito e ocasamento civil e sob a responsabilidade es-tatal, ficando a Igreja Católica responsávelapenas pela parte espiritual dos cidadãos.

O professor de direito da UFRJ A. B. Co-trim Neto, em 1973, escreve um trabalho so-bre a situação jurídica do Notariado brasi-leiro, afirmando que o regime notarial im-plantado no Brasil permanece inalterado atéa independência do país e, mesmo depois,poucas modificações receberia, a ponto doDr. Zeferino Ribeiro (O Tabelionato. [s.l.] : F.Bastos, 1955. p. 8) ter escrito que “a institui-ção do tabelionato ainda é, atualmente, comoo era ao tempo de nosso Descobrimento,quanto à índole do ofício e as respectivasatribuições”.

(...) pouco se cuidava das condições demérito para a seleção dos funcionários daCoroa. Destarte, por vezes ocorria que atéaventureiros bem sucedidos poderiam ha-bilitar-se à obtenção de uma provisão tabe-

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lioa no Brasil, como aconteceu com Bernar-do da Fonseca Lobo, por volta de 1729, naslavras auríferas do Tijuco: como conta Joa-quim Felício, em seu livro “Memórias doDistrito Diamantífero de Serro Frio”.

(...) em 1827 através da lei de 11 de outu-bro, tentou-se aperfeiçoar, de algum modo“a forma que devem ser providos os ofícioda Justiça e Fazenda. (...) mas não produziuefeitos: em primeiro lugar, porque não con-dicionou o acesso às serventias à formaçãojurídica ou à comprovação de certo tempode prática notarial; em segundo lugar, por-que ignorou as vantagens de certa forma deorganização profissional corporativa, a exem-plo do que a lei francesa de 1803 instituiria5.

O movimento de 1964 representou umnovo marco fundamental (fase democráti-ca) para os cartórios do foro judicial e extra-judicial, pois, até o referido movimento, asfunções eram concedidas e designadas aosapadrinhados e cabos políticos, as quaispassavam de pais para filhos.

A EC 7/77 oficializou os serviços, esta-belecendo concurso público, dispondo so-bre o ingresso na atividade judicial e extra-judicial (EC 7/77, acréscimo ao art. 206, §1º, à EC/69).

Com a EC/22 em 1982, conforme arts.206 e 207 da CF/69, estabelece-se que as ser-ventias extrajudiciais seriam providas pelalegislação estadual, obedecida a classifica-ção do concurso de provas, além disso, per-maneceria a oficialização do foro judicial.

Com o advento da CF de 5 de outubro de1988, atribui às serventias extrajudiciais adenominação de serviços notariais e de re-gistro (nomem iuris), em que teria as ativida-des delegadas pelo poder público; em cará-ter privado; sob fiscalização e controle doPoder Delegante; o ingresso na atividadedepende de concurso público de provas etítulos; lei regulará as atividades, discipli-nando a responsabilidade civil e criminaldos agentes delegados e a lei federal estabe-lecerá normas gerais para fixação dos emo-lumentos dos serviços notariais e de regis-tros (CF/88, art. 236).

Em 18 de novembro de 1994, com a Leinº 8.935, cria-se o Estatuto dos Notariais eOficiais de Registros. A citada lei vem regu-lamentar o art. 236 da CF/88, dispondo so-bre os serviços notariais e de registros, com-pondo-se de IX títulos e 55 capítulos, inclu-indo Das Disposições Gerais. Trata da na-tureza e fins; titulares; atribuições e compe-tência dos notários e dos oficiais de regis-tros; normas comuns para o ingresso na ati-vidade e dos prepostos; responsabilidadecivil e criminal; incompatibilidade e impe-dimentos; deveres e direitos; infrações dis-ciplinares e penalidades; fiscalização peloPoder Judiciário; extinção da Delegação;seguridade social e Das Disposições Geraise Transitórias.

2. Registro Público e a publicidade deato e fato

Registrar significa o ato de consignar porescrito, lançar em livro especial. RegistroPúblico representa instituição, repartição oucartório, onde se realiza a inscrição ou atranscrição de atos, fatos, títulos e documen-tos, para dar-lhes autenticidade e força deprevalecer contra terceiros. É o lançamentopor oficial, em livro especial, de determina-das ocorrências públicas ou particulares,conferindo publicidade ao ato ou fato a quese faz menção. É a busca pela autenticida-de, segurança, eficácia dos atos jurídicos,pela justiça e pelo resguardo das pessoasde boa fé.

A publicidade representa uma forma denotificação pública que, dependendo da suaforma, possui conseqüências diversas:

• Publicidade necessária: a) quando apa-rece como elemento integrador do ato jurí-dico ou como razão de sua oponibilidade aterceiros; b) relativa ao fato jurídico, quandoimposta para servir de prova do mesmo edeterminar os efeitos imediatos que possamoriginar;

• Publicidade não necessária: quando oobjetivo restringe-se apenas a levar a públi-co o conhecimento de fatos ou situações ju-rídicas de interesse comum.

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No tangível à publicidade necessária,ela subdivide-se em constitutiva e declarativa.

a) Constitutiva: quando indispensável àformação de um direito, como na circuns-tância da transcrição do ato de compra evenda para a aquisição da propriedade imo-biliária;

b) Declarativa: quando trata de atos oufatos jurídicos, já perfeito, como por exem-plo o registro das aquisições imobiliáriascausa-mortis, em que a transcrição tem efeitoapenas de publicidade e de disponibilida-de do imóvel.

Depara-se com diferentes tipos de Regis-tros Públicos:

• Registro civil das pessoas naturais: pro-porciona prova legítima do estado das pes-soas;

• Registro civil das pessoas jurídicas: ins-creve os contratos, atos constitutivos, esta-tutos ou compromissos das pessoas jurídi-cas de direito privado, oferecendo à entida-de inscrita existência diversa da de seuscomponentes;

• Registro de título e documentos: trans-crição de instrumentos particulares paraprovar as obrigações convencionais, inde-pendente de valor ou de cessão de créditocom valor contra terceiros. O registro de tí-tulo e documentos possibilita ainda a trans-crição de qualquer outro documento com afunção de conservação;

• Registro de imóveis: refere-se aos re-gistros e atos realizados pelo oficial, diantedo qual comprova a situação jurídica do imó-vel: titularidade e direitos reais gravados;

• Registro da propriedade literária, cien-tífica e artística: o objetivo desse tipo de regis-tro é assegurar o direito do titular da obra. Érealizado na Biblioteca Nacional, no Insti-tuto Nacional de Música ou na Escola deBelas Artes da Universidade Federal do Riode Janeiro, de acordo com a obra produzi-da. Atualmente, por meio de convênios fir-mados com algumas universidades, vemocorrendo extensão de escritórios/depar-tamentos para os registros de novas pro-duções.

Quanto aos objetos dos Registros Públi-cos, são: conservação de atos; autenticaçãoda data; publicidade; caráter probatório eintegral do ato jurídico.

3. ResponsabilidadePor responsabilidade entende-se a capa-

cidade adequada de entendimento ético-ju-rídico, que constitui pressuposto fundamen-tal da punibilidade, enquanto responder sig-nifica tornar-se responsável por seus atosou de outrem.

O Código Civil, no título II, Dos Atos Ilí-citos, art. 159, especifica que “aquele que,por ação ou omissão voluntária, negligên-cia, ou imprudência, violar direito, ou cau-sar prejuízo a outrem, fica obrigado a repa-rar o dano”.

No título VII, Das Obrigações por AtosIlícitos, do art. 1.518 a 1.532, afirma que osbens do responsável pela ofensa ou viola-ção do direito de outrem ficam sujeitos à re-paração do dano causado, sendo solidaria-mente responsáveis com os autores ou oscúmplices. Na hipótese de o dano da coisanão ser o culpado do dano causado, assis-tir-lhe-á direito à indenização pelo prejuízoque sofreu em ação regressiva.

A responsabilidade civil prevê a repara-ção do patrão, do amo, do comitente, porseus empregados, serviçais e prepostos, noexercício do trabalho que lhes competir oupor ocasião dele (Código Civil, art. 1.521,III). A responsabilidade civil, entretanto, éindependente da criminal; não poderá, po-rém, questionar mais sobre a existência dofato ou quem seja o seu autor, quando essasquestões se acharem decididas no crime (Có-digo Civil, art. 1.525). Cabe ressaltar que odireito de exigir reparação e a obrigação deprestá-la transmitem-se com a herança, ex-ceto em alguns casos.

A responsabilidade patrimonial é atri-buída ao Município, ao Estado ou à Uniãoquando esses possuem a obrigação de repa-rar um dano sofrido pelo administrado ouusuário dos serviços públicos, diante do

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prejuízo e do nexo de causalidade entre oato gerador da lesão e o próprio dano (CF/88, art. 37, § 6º).

3.1. Responsabilidade contratual eextracontratual

Observa-se que determinada pessoapode gerar danos a outra tanto pelo não-cumprimento de uma obrigação contratualcomo pela prática de ato ilícito; logo, exis-tem dois tipos de responsabilidade: a con-tratual e a extracontratual, também deno-minada de aquiliana.

A responsabilidade contratual possui umvínculo jurídico, originário de um acordoprévio entre as partes contratantes e surgin-do, posteriormente, a obrigação de indeni-zar. A manifestação da vontade, nos con-tratos, pode ser expressa ou tácita, quandoa lei não exigir que seja expressa (CC art.1.079), sendo que todo ato jurídico, para tervalidade, requer agente capaz, objeto lícitoe forma prescrita ou não defesa em lei (CCart. 82).

Na responsabilidade extracontratual ouaquiliana inexiste o vínculo firmado entre aspartes, ou seja, entre o agente causador doprejuízo e a vítima.

Sílvio Rodrigues traz um exemplo paraexplicar a responsabilidade extracontratu-al, dizendo que alguém atropela um homemque, no desastre, perde um braço. O agentecausador desse dano fica obrigado a repa-rá-lo e sua responsabilidade é extracontra-tual. A indenização consistirá no pagamen-to do correspondente às despesas de trata-mento da vítima, lucros cessantes até o fimda convalescença (Código Civil, art. 1.538)e, ainda, no dever de fornecer uma pensãocorrespondente à diminuição de sua capa-cidade laborativa6.

3.2. Responsabilidade civil e penal

Maria Helena Diniz afirma que a respon-sabilidade penal pressupõe lesão aos deveresde cidadãos para com a sociedade, acarre-tando um dano social determinado pela vi-olação de norma penal, exigindo, para res-

tabelecer o equilíbrio, a aplicação de umapena ao lesante. A responsabilidade civil re-quer prejuízo a terceiro, particular ou Esta-do, de modo que a vítima poderá pedir re-paração do dano, traduzida na recomposi-ção do status quo ante ou numa importânciaem dinheiro. Certos atos ilícitos têm reper-cussão tanto no cível como no crime, hipó-tese em que haverá dupla reação da ordemjurídica: a imposição da pena ao criminosoe a reparação do dano causado à vítima (CCart. 1.525)7.

Verifica-se que, enquanto a responsabi-lidade penal possui efeito repressivo e pre-ventivo de caráter público, a civil tem fun-ção sancionadora, objetivando reparar oprejuízo gerado por uma ação ou omissãolesiva, buscando restabelecer o equilíbriojurídico de outrora.

3.3. Responsabilidade subjetiva e objetiva

Ambas referem-se a formas diversas detratar a obrigação reparadora do prejuízo.Subjetiva: baseia-se na idéia da culpa, sen-do fundamental provar a culpa do agentecausador do dano para configurar a obriga-ção de indenizar, art. 15 do Código Civil ouculpa civil. Objetiva: fundamenta-se na exis-tência do nexo de causalidade entre o preju-ízo causado e o agente causador do prejuí-zo, surgindo a obrigação de indenizar, in-dependentemente de culpa ou não (CF/88,art. 37, § 6º).

4. Serviços Públicos Delegados

O Poder Público pode executar seus ser-viços de diferentes maneiras: a) por meio dosseus próprios órgãos, denominados Admi-nistração direta ou centralizada, como titu-lar dos serviços; b) por meio de entidadesautárquicas, fundacionais e paraestatais,chamadas de Administração indireta oudescentralizada, composta por autarquias,empresas públicas, sociedade de economiamista e fundações públicas; c) por entes pa-raestatais de cooperação que não constitu-em a Administração direta e indireta, re-

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presentando os serviços autônomos e ou-tros; d) por empresas particulares, como é ocaso das concessionárias, permissionáriase autorizados (CF/88, arts. 22, XXV, e 175).

A Administração Pública, apesar de sertitular dos serviços, pode designá-los a ou-tros pela:

• transferência de titularidade do serviço:outorgada por lei e só por meio dela podeser revogada ou alterada;

• transferência da execução do serviço:delegada por ato administrativo bilateral,podendo apenas ser retirada ou modifica-da por ato administrativo, com exigência,em alguns casos, de autorização legislativa.

Conforme Hely Lopes Meirelles, a outor-ga de serviço público ou de utilidade públicaé feita às autarquias, fundações públicas e àsentidades paraestatais, pois que a lei, quandoas cria, já lhes transfere a titularidade dosrespectivos serviços e a delegação é utilizadapara o traspasse da execução de serviços aparticulares, mediante regulamentação econtrole do Poder Público. Pela Constitui-ção vigente, os prestadores de serviços pú-blicos respondem diretamente pelos danosque vierem causar a terceiros (CF, art. 37, §6º). A delegação pode ser feita sob a modali-dade de: a) concessão; b) permissão ou c) auto-rização, resultando daí os serviços concedi-dos, permitidos e autorizados8.

Observa-se que, no caso, o prestador deserviços é o Estado, por meio dos seus de-legados: tabeliães e registradores públicos.

4.1. Serviços concedidos

A delegação contratual ou legal da exe-cução do serviço, disciplinando o modo e aforma da prestação do serviço. A delegaçãolegal é a denominada lei do serviço, sendoque a lei é modificável de forma unilateralpelo concedente, de acordo com as exigên-cias sociais da comunidade, enquanto adelegação contratual, ou cláusulas econô-micas e financeiras determinam as condi-ções da remuneração do concessionário. Ascláusulas contratuais são fixas, dependendode acordo das partes para serem alteradas.

A remuneração do particular executordo serviço concedido é por tarifa (preço pú-blico) e não por taxa (tributo)9.

O valor da tarifa deve possibilitar a justaremuneração do particular concessionário,o melhoramento e expansão do serviço. De-vido às alterações dos preços dos materiaisusados, à expansão do serviço ou custo ope-racional, faz-se necessária a revisão das ta-rifas periódicas, a qual é ato privativo do Po-der Público, em acordo com o concessioná-rio.

• Contrato administrativo de concessão:feito entre o particular e o Poder Público.Características: acordo administrativo; bila-teral, oneroso, cumulativo e intuitu personae.Possui vantagens e encargos recíprocos;possui imposições da Administração e deveobservar os termos da lei, sob pena de nuli-dade. É um documento escrito, estipulandoo objeto da concessão; delimitando a áreade atuação; forma e tempo de exploração,além dos direitos e deveres dos contratan-tes e dos usuários do serviço oferecido.

O contrato de concessão cria, portanto,direitos e obrigações individuais para aspartes acordadas.

Atualmente a outorga de concessão deserviço vem sendo realizada por lei ou de-cretos, para autarquias e parestatais, expres-sando uma inovação.

Pela concessão, o serviço continua sen-do público (União, Estado ou Município)com direito a explorá-lo direta e indireta-mente, delegando apenas sua execução,conforme as condições legais ou contratu-ais, respeitando a regulamentação e fiscali-zação do Poder Público, que é o concedente.

A qualquer momento, durante o trans-curso da concessão, o serviço concedido pode-rá ser retomado pelo Poder Público, diante deindenização, em face dos lucros cessantes edanos emergentes, a qual será prevista nopróprio Contrato Administrativo.

• Regulamentação do serviço concedido:compete ao Poder Público a regulamenta-ção, controle, organização; averiguação dasituação econômica e financeira, seus lucros,

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modos e técnicas de execução dos serviçosaté as tarifas. A concessão visa ao interessecoletivo, logo, a prestação do serviço preci-sa ter condições adequadas para o público.

Cabe à Administração concedente: a) opoder de fiscalização e b) o direito de interven-ção, na hipótese de prestação deficiente ouindevida paralisação, podendo ser realiza-da por órgão da própria concedente ou poruma comissão qualificada, que não seja vin-culada a concedente.

Ressalta-se que a execução do serviçoconcedido (delegado) será norteada pelosprincípios: generalidade: prestação do servi-ço indiscriminadamente para todos; perma-nência: continuidade ou constância do ser-viço; eficiência: serviço de qualidade, quan-tidade e satisfatório; modicidade: preçosrazoáveis ou acessíveis aos usuários; e cor-tesia: urbanidade, bom tratamento ao pú-blico.

• Extinção do contrato administrativo deconcessão: pode ocorrer nas seguintes formas:

a) Reversão: retorno da execução do ser-viço público pela Administração conceden-te, ao final do prazo do contrato de conces-são.

b) Encampação ou resgate: retomada coati-va do serviço público, sem oposição do con-cessionário, pelo Poder Público, no trans-curso da concessão, em face da conveniên-cia ou interesse da Administração conce-dente, obrigando-a à indenização dos pre-juízos gerados: lucros cessantes e danosemergentes.

A encampação pode ocorrer pela desa-propriação dos bens e direitos relativos aoserviço concedido ou ainda pela expropria-ção das ações da empresa. Após a decreta-ção da encampação, o concedente toma pos-se imediatamente e inicia a administraçãogeral do serviço e bens e só depois efetua aindenização.

c) Rescisão: é o término do contrato váli-do, durante sua vigência, por acordo (distra-to bilateral); por decisão judicial, na hipótesede não cumprimento do acordo por qual-quer das partes contratantes, condenando

o não-cumpridor a indenização; ou por atounilateral do Poder Público (rescisão unilate-ral), em que houver inadimplência (má exe-cução) do concessionário, gerando uma in-fração regulamentar ou contratual. O servi-ço é retomado e o concedente cobra indeni-zação (rescisão por caducidade). Em todasas formas da rescisão o efeito é ex nunc.

d) Anulação: invalidação do acordo emdecorrência da ilegalidade na concessão ouformalização do acordo. Representa um con-trato inválido, ilegal, não configurando in-denização, tem efeito ex tunc, retornando aoinício da concessão. Exemplo:

A lei da Ação Popular tem como nulo ocontrato de concessão de serviço públicoquando realizado sem concorrência, na hi-pótese de não ser dispensada por lei ou comconcorrência fraudada (Lei nº 4.717/65, art.4º, III, “a”, “b” e “c”).

A Lei nº 8.666/93, em seu artigo 71, pres-creve:

“O contratado é responsável pelosencargos trabalhistas, previdenciári-os, fiscais e comerciais resultantes daexecução do contrato. § 1º A inadim-plência do contrato com referência aos en-cargos trabalhistas, fiscais e comerciais nãotransfere à Administração Pública a res-ponsabilidade por seu pagamento, nempoderá operar o objeto do contrato ourestringir a regulamentação e o usodas obras e edificações, inclusive pe-rante o Registro de Imóveis. § 2º AAdministração Pública responde so-lidariamente com o contratado pelosencargos previdenciários resultantesda execução do contrato, nos termosdo art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 dejulho de 1991.” (grifo nosso)

4.2. Serviços permitidos

Serviços públicos estabelecidos pela Ad-ministração ao particular que preencher osrequisitos exigidos, por meio de ato unilate-ral (termo de permissão). A permissão tratatambém de atividades transitórias ou per-manentes; entretanto, em qualquer hipótese

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requer alterações constantes para acompa-nhar o avanço técnico ou para atender o in-teresse público.

Os atributos da permissão são: a unilatera-lidade, a discricionaridade e a precarieda-de, admitindo condições e prazos para a ex-ploração do serviço público, sendo que aqualquer momento o Poder Público podealterar as condições iniciais do ajuste e dotermo ou ainda revogar a permissão conce-dida, sem recurso do permissionário, salvoem três circunstâncias: a) abuso de poder; b)desvio da Administração permitente e c)permissão condicionada.

O serviço público permitido é executado emnome do permissionário, por sua conta e risco,respondendo civilmente e criminalmente por seusatos, sem atingir a Administração permitente. AAdministração só será responsabilizada naescolha ou fiscalização dos serviços execu-tados.

Cabe à Administração permitente defi-nir as condições e requisitos para o acordo,além do controle da execução do serviço,sendo que a intervenção ocorrerá em termosadequados e na circunstância da prestaçãoinadequada (má execução) aos usuários.

A permissão depende de controle doPoder Público, não gerando privilégio ouexclusividade ao permissionário, exceto seexistir cláusula expressa afirmando o con-trário. É intuitu personae e um serviço de uti-lidade pública, logo, sujeito às normas doDireito Público.

Hely Lopes Meirelles, ao tratar dos servi-ços permitidos, fala que “os atos dos permis-sionários praticados em decorrência da per-missão podem revestir-se de certa autorida-de pela delegação recebida do Poder Público,logo, tornam-se passíveis de mandado de se-gurança, desde que lesivos de direito líquidoe certo” (Lei 1.533/51, art. 1º, § 1º)10.

4.3. Serviços autorizados

Serviços que não carecem execução pelaAdministração ou requerem especializaçãona sua prestação ao público. Objetiva aten-der interesses coletivos instáveis ou de emer-

gência transitória. São delegados e contro-lados pela Administração autorizante, emgeral não precisam de regulamentação es-pecífica.

Características: é uma delegação discrici-onária; intuitu personae; intransferível a ter-ceiros; sem licitação; com escolha para o me-lhor autorizado e com freqüentes modifica-ções na forma da prestação do serviço aopúblico, sujeito, a qualquer momento, a su-pressão.

Os executores dos serviços autorizados res-pondem pessoalmente pelos seus atos praticados,como respondem os permissionários e concessio-nários, vez que não são agentes públicos e nemrealizam atos administrativos, além de possuí-rem a remuneração tarifada pela Administraçãodelegante.

4.4. Agentes delegados

Delegação vem do latim delegatio, de de-legare, significando confiar, atribuir ou en-viar. Exprime a concessão ou transferênciade poderes de uma pessoa ou órgão paraoutra, para que esta desempenhe a funçãoou execute os serviços delegados.

Os agentes delegados são particularesque recebem por delegação: contrato admi-nistrativo de concessão a incumbência derealizarem certa atividade ou serviço públi-co, sob as normas estatais e constante fisca-lização da administração delegante.

Diógenes Gasparini define servidorespúblicos: “os que se ligam, sob um regimede dependência, à Administração Públicadireta, às autarquias e às fundações públi-cas, mediante um vínculo de natureza insti-tucional para lhes prestar trabalho de natu-reza profissional e perene”11.

Os agentes delegados são colaboradoresdo Poder Público, em que realizam determi-nada atividade estatal ou serviço de inte-resse coletivo.

Hely Lopes Meirelles afirma que, embo-ra nossa legislação seja omissa a respeito,esses agentes, quando atuam no exercícioda delegação ou a pretexto de exercê-la elesam direitos alheios, devem responder

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civil e criminalmente sob as mesmas nor-mas da Administração Pública de que sãodelegados, ou seja, com responsabilidadeobjetiva pelo dano (CF, art. 37, § 6º) e porcrime funcional, se for o caso (CP, art. 327),pois não é justo e jurídico que só transferên-cia da execução de uma obra ou de um servi-ço originariamente público a particular des-caracterize sua intrínseca natureza estatale libere o executor privado das responsabi-lidades que teria o Poder Público se o execu-tasse diretamente. Por essa mesma razão éque a lei de mandado de segurança consi-dera “autoridade”, para fins de impetração,“as pessoas naturais ou jurídicas com fun-ções delegadas do Poder Público, somenteno que entende com essas funções” (Lei1.533/51, art. 1º, § 1º).

O autor alerta que não se deve confundirfunções delegadas com atividades meramen-te fiscalizadas pelo Estado: aquelas têm ori-gem e natureza públicas; estas são e conti-nuam sendo particulares, sem equiparaçãoaos atos estatais12.

A questão, no entanto, é que o notário éum funcionário público sui generis, possuifé pública, está vinculado ao Poder Público,já que este fiscaliza seus atos, exercendo adisciplina administrativa por meio do Juizresponsável pela jurisdição da Comarca.Além disso, exerce função pública, é remu-nerado diretamente pelo usuário do servi-ço, por meio de custas e emolumentos.

Verifica-se que preenchem cargos cria-dos por lei, com determinação própria eapós concurso público, são nomeados peloPoder Público, logo, o Estado responde pe-los atos realizados por seus agentes, mes-mo que por meio de função delegada, res-tando ao Estado o direito de regresso, nahipótese de culpa ou dolo destes.

5. Serviços notariais e registros emgeral: características e princípios

Verifica-se que a responsabilidade dostabeliães e dos oficiais de registro tem depa-rado-se com soluções divergentes, entretanto

a Constituição Federal de 5/outubro/1988,no seu art. 236, determina que os serviçosnotariais e de registros são exercidos emcaráter privado e por delegação do PoderPúblico, especifica que Lei regulará as ativi-dades e disciplinará responsabilidade civile criminal dos notários, dos oficiais de regis-tro e seus prepostos, além de definir a fiscali-zação de seus atos pelo Poder Judiciário.

Nos parágrafos segundo e terceiro do ci-tado artigo constitucional, diz que Lei Fede-ral estabelecerá normas gerais para fixaçãode emolumentos relativos aos atos pratica-dos pelos serviços notariais e de registros.Ao tratar do ingresso na atividade, afirmaque depende de concurso público de pro-vas e títulos, não se permitindo que qual-quer serventia fique vaga, sem abertura deconcurso de provimento ou de remoção, pormais de seis meses.

•• Características dos serviços notariais ede registros, segundo a CF/88, art. 236:

a) exercidos em caráter privado;b) delegados pelo Poder Público;c) sob fiscalização do Poder Judiciário;d) lei regulará as atividades e discipli-

nará a responsabilidade civil e criminal dosexecutores dos serviços delegados;

e) ingresso na atividade depende de con-curso público de provas e títulos;

f) lei federal estabelecerá para fixaçãoemolumentos relativos aos serviços notari-ais e de registros.

Dois aspectos devem ser destacados, re-ferentes às atividades dos tabeliães e ofici-ais de registros: a) a natureza jurídica daresponsabilidade, se é contratual ou extracon-tratual (aquiliana) e b) a característica da obri-gação quanto ao seu dever funcional.

5.1. A natureza jurídica da responsabilidadedos serviços notariais e de registros

É extracontratual, salvo raríssimas exce-ções, em face da função exercida pelos notá-rios e registradores, pois são ocupantes decargo público, criado por lei, providos pormeio de concurso público e submetidos àpermanente fiscalização e controle do

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Estado. São detentores de fé pública e exe-cutam atividades e atos previamente esta-belecidos pelo Poder Delegante.

Outro aspecto fundamental para a de-signação da obrigação extracontratual, ouaquiliana, refere-se ao usuário dos serviçospúblicos delegados, pois este não é consi-derado como parte de uma relação contra-tual, ficando apenas os registradores, notá-rios e seus empregados responsáveis pelopreenchimento ou elaboração de documen-tos exigidos, não existindo acordo prévioentre os serviços cartorários e o interessadona autenticidade, segurança e eficácia dosatos jurídicos; logo, só será contratual quan-do existir acordo de vontade.

O usuário dos serviços públicos delega-dos conserva-se alheio à estruturação for-mal-legal exigida, apenas solicitando-a parapreenchimento de formalidades legais-so-ciais que garantam no presente e no futuroseus direitos pessoais e reais. A exemplodisso, tem-se as escrituras de imóveis, osregistros de nascimento ou casamento, ostestamentos, nos quais o requerente, em re-gra, solicita-os não tomando conhecimentodos requisitos legais para fazê-lo, limitan-do-se a fornecer os documentos solicitados,recolher os valores devidos e apresentar,quando necessário, testemunhas, cabendoaos tabeliães observar e cumprir as formali-dades legais.

Caio Mário da Silva Pereira defende anatureza extracontratual dos serviços pres-tados pelos notários e registradores lecio-nando que,

“além de se inserir no enfoque da ati-vidade funcional do notário, ofereceainda a vantagem de abranger os doisângulos de relacionamento: com o cli-ente e em relação a terceiros. Com efei-to para a corrente contratualista, se osatos praticados para o cliente seriamde natureza contratual, não caberiadentro desta o dano suportado porterceiros, que nem remotamente poder-se-iam qualificar como partes em re-lação aos atos tabelionais. Classifi-

cada pois, a responsabilidade notarialcomo de cunho aquiliano, o problemaencontra solução nos parâmetros doconceito contido no art. 159 do CódigoCivil. Tudo se resume na determinaçãodo nexo de causalidade entre a ação ouomissão voluntária, negligência ouimprudência do servidor ou de seu pre-posto, e o dano causado. O Tribunal deJustiça de São Paulo decidiu que o ta-belião responde por negligência em la-vratura de escritura, na qual compare-ce mandatário sem poderes” (Revistados Tribunais. [s.l.: s.n.], vol. 497, p. 82)13.

Por contrato compreende-se o ajuste,pacto, convenção ou acordo entre pessoaspara qualquer fim, em que alguém assume aobrigação de dar, fazer ou não fazer deter-minado ato lesivo, enquanto a outra pessoaassume a obrigação de receber o ajustado,seja verbalmente ou por escrito.

A prestação representa o objeto da obri-gação, exprimindo a ação de dar, de satisfa-zer ou de cumprir alguma coisa. Em outraspalavras, expressa a satisfação do que é de-vido. É a entrega de uma coisa ou a práticaou execução de um ato.

Na hipótese dos serviços delegados, a pres-tação de serviços com os usuários é o adequa-do e eficaz cumprimento dos atos notariaise de registros, os quais objetivam a seguran-ça jurídica, oponível erga omnes, em que o re-querente dos serviços delegados não sejasurpreendido por ações prejudiciais aosseus direitos.

Os executores dos serviços delegados sãoresponsáveis pela inexatidão, descumprimen-to dos deveres, omissões profissionais, falhascometidas ou lacunas dos atos realizados nosserviços públicos concedidos que causem da-nos a outrem. A inobservância das normasjurídicas e da formação dos atos notariais e deregistros ocasiona desequilíbrio jurídico, de-vendo os responsáveis por tais danos respon-der pelos prejuízos gerados.

Décio Antônio Erpen, desembargador doTribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,afirma que os registros são expressão de

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confiança nas transações; merecem credibi-lidade pública, anteparo contra os negóciosescusos e clandestinos; abrigo dos espíritosdesarmados; tutela dos portadores de boa-fé; fortaleza contra as surpresas (p. 10), ca-bendo, ao interessado, o dever de dar a co-nhecer, para opor seu direito erga omnes (p.19). Disserta ainda que, se a atividade juris-dicional dentro do processo, mesmo fazen-do coisa julgada, gerasse, por si só, a publi-cidade, não haveria a necessidade de umnovo registro (p. 17)14.

Aguiar Dias proclama a natureza con-tratual da responsabilidade do tabelião ale-gando que “as partes fazem com o tabeliãoum contrato cujo objeto é precisamente oexato exercício de suas funções” (Da respon-sabilidade civil. [s.l.: s.n.], vol. 1, n. 136)15,porém é uma corrente minoritária.

5.2. Características quanto à obrigação

Os notários e registradores, em conse-qüência do desempenho de função públicadelegada, da obrigatoriedade da submissãoa concurso público, da fiscalização pelo Es-tado e da fé pública, devem ser considera-dos como funcionários públicos, embora suigeneris, logo, é o Estado quem responderáobjetiva e diretamente pelos danos eventu-almente causados por aqueles. Diante, ain-da, da natureza jurídica extracontratual dosserviços notariais e de registros, caracteri-zam-se os mesmos como obrigação de re-sultado, pois, ao serem realizados os atossolicitados, os quais exigem extrema forma-lidade, devem produzir o resultado legal-mente esperado pelo Estado e pelo usuário.

O registrador e o notário passam por di-versas fases de um concurso público, noqual as provas escritas versam sobre a Leide Registros Públicos, Direito Civil, Consti-tucional, Rural, Processual Civil, Adminis-trativo, o Estatuto dos Notários e Oficiaisdos Registros Públicos (Lei nº 8.935, de 18de novembro de 1994), língua portuguesa,além da prova prática envolvendo algumato cartorário (escritura, testamento e ou-tros), e devem ser bacharéis em Direito.

Portanto, é inadmissível que os delega-dos dos serviços de cartórios não possuamconhecimento do seu ofício. É indispensá-vel o domínio da arte do seu serviço, preci-sam conhecer os requisitos fundamentais narealização de uma procuração pública, deum testamento, de uma escritura de comprae venda ou mesmo de uma simples autenti-cação ou reconhecimento de firma, pois sereferem a atos que requerem a observânciade formalidades legais para terem existên-cia no mundo jurídico.

5.3. Responsabilidade dos executores dosserviços notariais e de registros

Nota-se que o tabelião é responsável pelaguarda e conservação de documentos; rece-ber e registrar em livro especial a vontadedeclarada pelas partes; averiguar a identi-dade da declaração; anotar os elementos es-senciais, entre outros; entretanto, não temcompetência para verificar a veracidade ounão da declaração.

Responde o delegado dos serviços públi-cos, por afirmar a presença das partes, peladata posta em documentos, pelo descum-primento legal ou má execução das funçõesa ele atribuídas; entretanto, não respondequando alguém apresenta-se como procura-dor de alguém, portando documento de pro-curação que preenche as formalidades legaise mais tarde descobre-se que o mandato esta-va invalidado pela morte do mandatário.

Caio Mário da Silva Pereira destaca a res-ponsabilidade do cartório perante terceiro, ci-tando Aguiar Dias, “pelas inexatidões e lacu-nas dos atos lavrados por ele ou sob sua dire-ção, que dêem oportunidade a prejuízos paraaqueles” (Da responsabilidade civil, [S. l. : s.n.], vol. 1, n. 136); seja o reconhecimento defirma falsa; a autenticação xerocópia que nãocoincide com o original; o reconhecimento desinal de outro tabelião se o espécime tiver sidoentregue pela parte sem que o notário tenha ocuidado de indagar de sua autenticidade ouprocedência; a aceitação de instrumento demandato formalmente imperfeito16. Ressalta-se que a responsabilidade é do delegado do

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cartório, bastando para isso constar os pres-supostos da responsabilidade civil:

•• ação ou omissão do agente causadordo dano;

• relação de causalidade entre o danocausado e o agente causador;

• prejuízo causado.José Cretella Júnior afirma que não há

responsabilidade sem prejuízo. A respon-sabilidade pressupõe: a) aquele que infrin-ge a norma; b) a vítima da quebra; c) o nexocausal entre o agente e a irregularidade e d)o prejuízo ocasionado – o dano – a fim deque se proceda à reparação, ou seja, tantoquanto possível, ao reingresso do prejudi-cado no status econômico anterior da pro-dução do desequilíbrio patrimonial17.

5.3.1. Liame da causalidade

A imputabilidade a alguém da obriga-ção de indenizar determinado prejuízo cau-sado só configurará caso exista o nexo decausalidade entre o ato danoso praticadopelo agente e o prejuízo sofrido pela vítima,sendo que o dano pode ser gerado pela açãoou omissão do agente. É indispensável o lia-me de causalidade para conceber a obriga-ção de indenizar.

Entende-se por nexo ou liame, o elo en-tre o ato do agente ou do seu preposto e oprejuízo causado, sem ele não há obriga-ção, conseqüentemente, a responsabilida-de de indenizar. É a relação de causa e efei-to entre os serviços notariais e de registros eo prejuízo gerado. A jurisprudência afirma :“a responsabilidade civil não pode existirsem a relação de causalidade entre o dano ea ação que o provocou” (RT 224/155).

5.3.2. Excludentes ou atenuantes daresponsabilidade

São as causas que geram o afastamentoda responsabilidade, total ou parcial, porum prejuízo imputado: força maior; caso for-tuito; culpa exclusiva da vítima ou de ter-ceiro e estado de necessidade.

Por força maior compreende o aconteci-mento imprevisível, inevitável e estranho à

vontade humana; é a causa externa, porémpode existir hipótese de força maior que podeensejar responsabilidade civil. Caso fortuitorepresenta o acidente imprevisível, sem aparticipação do homem. É um evento inter-no; acidente decorrente do próprio serviço.Culpa exclusiva da vítima ou de terceiro ocorrequando a causa do prejuízo tem unicamen-te como responsável a vítima ou terceiro.Estado de necessidade significa uma necessi-dade urgente, perigo atual e iminente. Sãosituações de graves perturbações sociais,necessitando de providências urgentes paraestabelecer o status quo anterior.

5.3.3. Registros Públicos e seus princípios

Compreende-se por princípios as normaselementares ou requisitos fundamentaispara a formação de alguma coisa. Expressao conjunto de regras e preceitos que condu-zirão qualquer operação jurídica.

Os princípios jurídicos significam ospontos básicos que estruturam o próprio di-reito. Servem como ponto de partida, elemen-tos vitais e alicerce do direito, utilizados tan-to para a prática do direito como para a pro-teção aos direitos.

Os Registros Públicos também funda-mentam-se em princípios. Décio AntônioErpen, em Registros Públicos, elenca osprincípios do sistema registral:

a) Princípio da inscrição: inscrição no Re-gistro de atos inter vivos, referentes a consti-tuição, transmissão e extinção de direitosreais. Seria a trasladação para os livros se-gundo a sistemática vigente, fugindo-se àfunção meramente arquivada.

b) Princípio da presunção e fé pública: o querelata ou consta se constitui verdade, até quese prove o contrário. No caso dos registrospúblicos, a fé pública é administrativa.

c) Princípio da não-convalidação ou do não-saneamento: o registro traz em sua origem apresunção da verdade e, na hipótese de ví-cios de origem, não será saneado, sendo can-celado o ato.

d) Princípio da legalidade: parte do pres-suposto que o registro é um negócio jurídico

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existente e válido.e) Princípio da prioridade: estipula que o

primeiro a registrar o ato, obedecendo as for-malidades, será o portador/titular do direito.

f) Princípio da especialidade: o registro serásobre um bem ou situação jurídica indivi-dual e não situações genéricas e vagas.

g) Princípio da rogação da instância: cabe àparte interessada a iniciativa de requerer ainscrição do ato e aos executores dos servi-ços delegados promoverem, de ofício, os re-gistros.

h) Princípio da continuidade: os atos sãoregistrados interligando, por exemplo, umdado referente a certo imóvel aos interessa-dos no mesmo. Atualmente em face da ma-trícula, os atos são sucessivos e concentra-dos.

i) Princípio da ficção de conhecimento: a nin-guém é dado alegar a ignorância da lei, emoutras palavras, do registro, seus prazos ouefeitos. É uma ficção, imaginação, pois par-te da premissa que todos conheçam a lei.

j) Princípio da sucessividade: os registrospúblicos não existem isoladamente, carecemda solicitação das partes interessadas paraformalizar o ato registral; logo, primeiramen-te deve existir o ato notarial ou o fato e poste-riormente o ato registral. O ato notarial,como receptor de vontade das partes, embo-ra público, só trará publicidade com o atoregistral.

l) Princípio da concentração: todos os atosou fatos vinculados a determinado objetodeveriam ser dados a conhecimento no mes-mo órgão, evitando, assim, deslocamentodas partes para diversos órgãos publicitári-os, quando tudo deveria convergir para umaúnica repartição.

m) Princípio da exatidão registral: consistena circunstância da correção do registro edo direito que a parte possui de retificá-lo,via administrativa ou jurisdicional, ouvi-dos, se for o caso, terceiros interessados. Esseprincípio afina-se com o da fé pública e dapresunção, mas enriquecido com os precei-tos contidos nos arts. 860 do CC e 212, 213 e216 da Lei 6.015/73.

n) Princípio da não-sucedaneidade dos mei-os: expressa a orientação elementar dos mei-os de se outorgar a publicidade. Quando alei dispõe que determinado ato deve ser pas-sível de registro em órgão específico, nãopode ser utilizado meio precário. O legisla-dor deve especificar os meios adequados aatingir o fim desejado.

A não-obediência do princípio citadoimporta ineficiência absoluta do ato, inde-pendentemente de declaração judicial, issopara os efeitos de gerar a publicidade.

o) Princípio da não-sucedaneidade dos ór-gãos: embora os meios sejam os mesmos, háuma subdivisão dos respectivos órgãos,cada um com uma gama de atribuições, as-sim que vedado à parte utilizar-se de outro.

A utilização equivocada do órgão espe-cífico importa a ineficácia total do ato, semnecessidade de declaração judicial, pois oato nem nasceu, conforme o art. 252 da Lei6.015, que pressupõe o órgão adequadocomo condição essencial.

p) Princípio da eficácia predeterminada: alei dispõe a carga de eficácia que cada regis-tro outorga.

q) Princípio da utilidade: de regra, todo atolevado a inscrição objetiva algum efeito. Seum registro ou averbação for manifestamen-te inócuo, uma demasia, uma inoperância,não deve ter acesso a qualquer órgão regis-tral, porque se trata de uma inutilidade. Enão é essa a função do sistema18.

6. Responsabilidade civil dos tabeliães,registradores e prepostos

Os registros de pessoas naturais, de pes-soas jurídicas, de documentos e de imóveisficam a cargo dos serventuários privativosnomeados de acordo com o estabelecido naLei de Organização Administrativa e Judi-ciária do Distrito Federal e dos Territórios enas Resoluções sobre a Divisão e Organiza-ção Judiciária dos Estados, por meio de ofí-cios privativos e cartórios de registros.

As anotações e averbações obrigatórias,os atos do registro serão praticados por or-

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dem judicial, a requerimento verbal ou es-crito dos interessados e a requerimento doMinistério Público, quando autorizado legal-mente.

Segundo a Lei nº 6.015, de 31 de dezem-bro de 1973, os oficiais de registros, em facedos atos praticados legalmente, terão direi-to, a título de remuneração, aos emolumen-tos fixados nos Regimentos de Custas doDistrito Federal, dos Estados e dos Territó-rios, os quais serão pagos, pelo interessado nosserviços que os requerer, no ato de requerimen-to ou no da apresentação do título (art. 14).

Na hipótese de ser o interessado no re-gistro o oficial encarregado de fazê-lo, oualgum parente seu, em grau que determineimpedimento, o ato incumbe ao substitutolegal do oficial (art. 15) para evitar que o atoseja nulo.

Nulo também será o registro lavrado queexceda as horas regulamentares ou nos diassem expediente, respondendo civil e criminal-mente o oficial gerador da causa da nulidade.Os títulos não registrados até o momento doencerramento do expediente aguardarão odia útil seguinte para o respectivo registro,exceto o registro civil de pessoas naturais, oqual não poderá ser adiado.

Os oficiais respondem pela ordem, se-gurança e conservação permanente dos livrose documentos, estabelece a Lei 6.015/73, res-pondendo igualmente por qualquer alteraçãoposterior ao ato, devendo mencioná-la obri-gatoriamente, não obstante as especificaçõesdo pedido, sob pena de responsabilidade ci-vil e penal (art. 21), e por todos os prejuízos,pessoalmente ou pelos prepostos ou substi-tutos que indicarem, causados por culpa oudolo aos interessados no registro (art. 28).

Cabe evidenciar que a responsabilidadecivil independe da criminal pelos delitos quecometerem; entretanto, a falsidade da declara-ção ensejará a responsabilidade civil e penaldo interessado (Lei nº 6.015/73, art. 30, § 2º).

Embora existam correntes que eximamos tabeliães e serventuários da responsabi-lidade pelos danos causados aos interessa-dos na prestação dos serviços públicos de-

legados ou a terceiros, alegando fé pública(CPC, art. 364), entende-se que ambos pos-suem obrigação de resultado diante dos soli-citantes dos serviços cartorários e dos regis-tros, pois suas funções decorrem de lei; emconseqüência, os deveres são legais, peloque, na hipótese de não realizá-los, assu-mem responsabilidade civil por meio deação regressiva a favor do Estado ou em açãodireta proposta pelo usuário dos serviçospúblicos delegados, desde que este prove aculpa (Código Civil, art. 159), sem prejuízoda responsabilidade penal.

Maria Helena Diniz, em Curso de Direi-to Civil Brasileiro, leciona que

“A circunstância de ser o notárioum oficial público não atingirá o ca-ráter contratual de sua responsabili-dade (RF 42:37, 45:510). Além do mais,os tabeliães responderão perante ter-ceiros: a - pelos erros graves que co-meterem no desempenho de sua fun-ção, prejudicando-os, dando lugar,por exemplo, a anulação de testamen-to por falta de formalidades essenci-ais (RT, 67:339, 47:723, 546:60; CC, art.1.634, parágrafo único), pois deve tercerto conhecimento de direito; e b -pelas inexatidões e lacunas dos atosque lavrou, desde que causem danosa outrem. Nestes casos, principalmen-te no último, ter-se-á responsabilida-de extracontratual, visto que terceirosnão são partes no contrato, nem su-cessores daquele que contratou com otabelião. Se terceiros forem partes nocontrato, poderão invocar os princípi-os da responsabilidade contratual”19.

Alerta-se, contudo, que efetivamente sãoraras as hipóteses em que os serviços pres-tados possuam natureza contratual.

6.1 Os executores dos serviços delegados

São funcionários públicos, agentes de-legados, os quais prestam um serviço de inte-resse comum, delegado pelo Poder Público.

Os agentes delegados, conforme HelyLopes Meirelles, “são particulares que rece-

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bem a incumbência da execução de deter-minada atividade, obra ou serviço e o reali-zam em nome próprio, por conta e risco, massegundo as normas do Estado e sob a per-manente fiscalização do delegante”20.

Os serviços públicos delegados nadamais são do que serviços públicos que fo-ram terceirizados, logo, denominados servi-ços públicos terceirizados, com regulamenta-ção, controle e fiscalização da Administra-ção delegante, enquanto é de responsabili-dade do delegado o gerenciamento admi-nistrativo e financeiro dos serviços.

Na hipótese de irregularidades, a Admi-nistração delegante deve ser avisada paratomar ciência do fato e aplicar a sanção ca-bível, seja de penalidade ou de cassação dadelegação, cabendo à Administração dele-gante a responsabilidade de controle e fis-calização, ficando os atos dos executores dosserviços delegados, no caso específico dosnotários e registradores, sob a responsabi-lidade do Estado. A Constituição Federal de1988, por meio do seu artigo 37, § 6º, atri-buiu a responsabilidade objetiva e direta doEstado pelos atos dos seus agentes, reser-vando a este o direito de regresso contra osexecutores dos serviços públicos delegadosnos casos de culpa ou dolo.

Conforme Walter Ceneviva, o serviço no-tarial é a atividade de servidor autorizadoem lei com a finalidade de praticar, com fépública, atos jurídicos extrajudiciais, dando-lhes autenticidade e presunção de verdade.

Em regra, o serviço notarial é de compe-tência de tabeliães (ou notáveis) e seus au-xiliares, sendo também permitido a autori-dades consulares brasileiras, na forma delei especial.

Walter Ceneviva leciona que o serviçode registro consiste em atividade de assentaratos da vida civil ou comercial em serventiascriadas por lei para lhes assegurar publici-dade, autenticidade, segurança e eficácia.

As Juntas Comerciais, oriundas dos Tri-bunais do Comércio do Império, aos quaisalude o Código Comercial de 1850, tambémsão registros públicos, mas seus servidores

não são submetidos à Lei 8.935/94. As Jun-tas Comerciais são responsáveis pelos re-gistros públicos de empresas mercantis, porcadastrar as empresas nacionais e estran-geiras em funcionamento no País e matricu-lar os agentes auxiliares do comércio21.

O texto constitucional, ao determinar adelegação do Poder Público aos registrado-res e notários, determina igualmente a rela-ção de trabalho dos mesmos, ou seja, do re-gime único, diferente dos empregados docartório, que são celetistas; logo, a respon-sabilidade é direta, de acordo com a teoriaobjetiva, por meio da qual o Estado respon-de pelos danos causados por seus agentes,tendo este direito de regresso contra os titu-lares dos serviços públicos delegados.

Verifica-se, portanto, que os serviços no-tariais e de registro possuem natureza públi-ca, como estipula o art. 22, XXV, da CF/88,no tangível à competência privativa daUnião para legislar sobre os mesmos, embo-ra sejam exercidos em caráter privado e pordelegação do Poder Público, possuindo otitular da serventia extrajudicial a denomi-nação de servidor público.

O magistrado de São Paulo Rui Estoco afir-ma que a expressão agente (CF/88, art. 37, 6º)

“abarca não só aqueles que prestamserviços com caráter de efetividade àAdministração Direta, como à Indire-ta, às empresas privadas concessio-nárias ou permissionárias de serviçospúblicos e àqueles que prestam servi-ços, a qualquer delas, em caráter pre-cário ou transeunte”22.

Assim, qualquer pessoa que desempenhefunção pública, durante seu transcurso, éum agente público; logo, os titulares dos ser-viços notariais e de registro, embora parti-culares, exercem função pública delegada,sendo que os emolumentos e custas fixadospelo Poder Judiciário não retiram sua natu-reza pública, já que ocupam, por meio deconcurso público, cargo público, criado porlei, com denominação própria, no qual a ati-vidade é regulada por lei e sujeita à hierar-quia administrativa e à fiscalização cons-

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tante do Poder Judiciário, portanto, equipa-rados aos servidores públicos típicos: Leinº 8.935/94.

Com o advento da Constituição Federalde 1988, os serviços notariais continuaramsendo públicos, prova disso é que são vin-culados à delegação prévia.

O Poder Público só pode delegar o quepossui, logo, delega a execução dos servi-ços públicos. O notarial, por sua vez, exercefunção pública e, se não fosse pública, nãonecessitaria de delegação (men legis); entre-tanto, o Estado permanece com o direito e aobrigação de controle, fiscalização e ediçãode normas, objetivando a prevalência do in-teresse público sobre o privado. O Estadoresponde quanto aos atos realizados pelosseus agentes, ainda que executores de ativi-dades delegadas em face da longa manus doPoder do Estado.

Dessa forma, distingue-se a delegação dainiciativa privada, “cujo nascimento decor-re da affectio societatis e é comandada porobrigações contratuais firmadas pelo acor-do de vontades individuais. O Estado, nes-se caso, apenas observa se os objetivos e ascláusulas dos estatutos constitutivos obe-deceram aos conceitos de moralidade e le-galidade”23.

O notário e o registrador fazem parte doquadro de servidores do foro extrajudicialdo Poder Judiciário. São colaboradores daJustiça por meio do desempenho correto eeficaz de suas funções, e, na hipótese deocorrerem erros ou não-cumprimento des-ses serviços, gerando prejuízos a terceiros,configurará a responsabilidade estatal, con-sistindo numa obrigação de indenizar odano.

Carlos Roberto Gonçalves, Juiz do Pri-meiro Tribunal de Alçada Civil-SP e mestreem Direito Civil pela PUC/SP, afirma que

“justifica plenamente a inserção dosserventuários da Justiça no rol dosservidores públicos, dos funcionári-os públicos em sentido lato, a despei-to do ‘caráter privado’ como são exer-cidos os serviços que lhes são perti-

nentes, pois ocupam cargos criadospor lei, com denominação própria eem número certo, são nomeados peloPoder Público, mediante concursopúblico, gozam do direito a férias elicenças; estão sujeitos a regime disci-plinar, contribuem para o Instituto dePrevidência do Estado; fazem jus àaposentadoria nos termos do Estatu-to dos Funcionários Públicos. E, em-bora não remunerados diretamentepelos cofres públicos, o preço de seusserviços, pagos pelos usuários, decor-re de tabelas também aprovadas peloPoder Público”24.

Compreende-se, assim, que a ação de res-ponsabilidade civil pode ser direcionadade duas formas distintas, no caso: a) direta-mente contra o Estado, conforme responsabi-lidade objetiva consagrada pelo artigo 37, §6º, da Constituição Federal de 1988, portan-to, independentemente de culpa (lato sensu),bastando apenas o dano e o nexo de causa-lidade entre o ato danoso e o serviço presta-do; cabendo ao Estado o direito de ação re-gressiva contra o agente causador do danonos casos de culpa ou dolo do mesmo ou, b)diretamente contra o notário ou registrador, des-de que o autor da ação prove a culpa oudolo deste, logo será responsabilidade sub-jetiva (Código Civil, art. 159).

Registre-se que existem aspectos negati-vos e positivos quanto ao ajuizamento daação contra o Estado ou contra o notário ouregistrador, uma vez que, ajuizada a açãodiretamente contra o Estado, o autor possuia vantagem de a responsabilidade ser obje-tiva, no caso, não há necessidade de provara culpa, trazendo como desvantagem o as-pecto de que as ações ajuizadas contra a Fa-zenda Pública gozam de prazos diferencia-dos (quádruplo para contestar e dobro pararecorrer – art. 188, do CPC), bem como estãosujeitas ao duplo grau de jurisdição obriga-tório (art. 475, II, do CPC) e, ainda, deverãoser executadas nos termos e limites do arti-go 730 do Código de Processo Civil, ou seja,execução por meio de precatório. Tratando-

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se, contudo, de ação ajuizada diretamentecontra o tabelião, a parte possui como des-vantagem o aspecto de que deverá provar aculpa (responsabilidade subjetiva) e comovantagem a inexistência de prazos diferen-ciados, ou de remessa de ofício, além de sera execução normal. Caberá à parte, em cadacaso concreto, consultar um profissionalpara que analise as provas que possui, bemcomo a solvência do notário ou registradore, diante de tais fatos e considerações, optarpelo procedimento que lhe pareça mais favo-rável.

Os empregados contratados pelos regis-tradores e notários para prestarem serviçosnos Cartórios, regidos pela Consolidaçãodas Leis do Trabalho, responderão, peranteo titular deste, pelo dano causado, em ca-sos de culpa ou dolo, em ação ordinária.

Transcrevem-se alguns julgados:“Independentemente de se consi-

derar o ato praticado pelo serventuá-rio, jure imperi ou jure gestions, desdeque o reconhecimento das firmas nãoautenticadas como legítimas tenhaacarretado prejuízo a terceiros, semque para isso tenha este concorrido –impõe-se a proclamação da respon-sabilidade civil do Estado”. (TJPR, EI85/87, da 3ª Vara da Fazenda Pública,Ac. 1.234, Relator Desembargador OtoLuiz Sponholz, julgado em 15.12.1988).

“TABELIÃO. RECONHECIMEN-TO DE FIRMA FALSA. NEGÓCIO JU-RÍDICO FUNDADO NESTE ATO.Responsabilidade objetiva do Estadoque decorre do dano causado ao de-nunciante. Direito de regresso, no en-tanto, que depende de prova de culpado serventuário”. (RJTJSP, 120:290).

“INDENIZAÇÃO – Fazenda Pú-blica – Responsabilidade Civil – Atode tabelião – Agente público compre-endido na generalidade da expressãofuncionários – Responsabilidade ob-jetiva do estado – Embargos rejeita-dos” (TJSP, EI n. 182.261-1, 3ª Câma-ra Civil, Relator Desembargador J.

Roberto Bedran, julgado em 28 de se-tembro de 1993, in: Revista Oficial LEX,JTJ. [S. l. : s. n.], v. 151, s.d. p. 117).

“SERVENTIAS EXTRAJUDICI-AIS. A atividade notarial e registral,ainda que executada no âmbito de ser-ventias extrajudiciais não oficializa-das, constitui, em decorrência de suaprópria natureza, função revestida deestatalidade, sujeitando-se, por issomesmo, a um regime estrito de direitopúblico. A possibilidade constitucio-nal de a execução dos serviços notari-ais e de registro ser efetivada ‘em ca-ráter privado, por delegação do poderpúblico’ (CF, art, 236), não descarac-teriza a natureza essencialmente es-tatal dessas atividades de índole ad-ministrativa. As serventias extrajudi-ciais, instituídas pelo Poder Públicopara o desempenho de funções técni-co-administrativas destinadas ‘a ga-rantir a publicidade, a autenticidade,a segurança e a eficácia dos atos jurí-dicos’ (Lei nº 8.935/94, art. 1º), cons-tituem órgãos públicos titularizadospor agentes que se qualificam, na pers-pectiva das relações que mantêm como Estado, como típicos servidores pú-blicos”. (Ementa, ADIMC – 1378, DJ30/05/97, in: Revista de Direito Admi-nistrativo. [S. l. : s. n.], v. 218, RJ, outu-bro/dezembro 1999, p. 210).

“SERVIDOR PÚBLICO. SERVEN-TUÁRIO DE REGISTRO DE IMÓ-VEIS. RESPONSABILIDADE DO ES-TADO. Esta Corte, quando em vigor aordem constitucional anterior, firma-ra entendimento no sentido de que oserventuário de serventia não oficia-lizado era servidor público e por atoseu respondia o Estado, com base noart. 107 da EC 1/69. Posteriormente,já sob a égide da Carta vigente, no jul-gamento do RE 178.236, Relator Mi-nistro Octávio Gallotti, o STF mante-ve o entendimento de que os titularesdas serventias de notas e registros são

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‘ocupantes de cargo público criadopor lei, submetido à permanente fis-calização do Estado e diretamente re-munerado à conta da receita pública(custas e emolumentos fixados porlei), bem como provido por concursopúblico (...)’. O acórdão recorrido, aoreconhecer estar plenamente eviden-ciado o nexo de causalidade entre aconsumação do dano e a negligênciaadministrativa por parte do prestadorde serviço público, fazendo aplicaçãoda regra prevista no art. 37, § 6º, daConstituição Federal, não discrepa daorientação firmada pelo Supremo Tri-bunal Federal no tocante à responsa-bilidade civil do Estado por dano cau-sado por tabeliães”. (STF – RE n.187.753, Relator Sr. Ministro IlmarGalvão, julgado em 26 de março de1999, in: Revista de Direito Administra-tivo. [S. l. : s.n.], v. 218, RJ, outubro/dezembro 1999, p. 208-211).

6.2. Direito do usuário

Fundamentando-se no princípio da ge-neralidade e sendo inadmissível a discri-minação, o privilégio, o favoritismo ou inte-resses escusos entre os usuários do serviçopúblico prestado pelo agente delegado, qual-quer usuário terá direito a ação contra o exe-cutor do serviço que deixar de observar ospreceitos legais.

Segundo Hely Lopes Meirelles, o usuá-rio, desatendido na obtenção de qualquerserviço concedido, tem pedido cominatório(CPC, art. 287) para haver judicialmente aprestação que lhe é assegurada, com todosos consectários da condenação. Firmadaestá, hoje, a jurisprudência no sentido deque o pretendente à utilização de serviçoconcedido pode demandar diretamente oconcessionário para constrangê-lo a pres-tar o serviço, sob pena de lhe pagar perdas edanos ou a multa correspondente, comina-da na sentença25.

• Lei nº 8.078, de 11/setembro/1990: de-fesa do consumidor:

....................................................................Art. 2. Consumidor é toda pessoa

física ou jurídica que adquire ou utili-za produto ou serviço como destina-tário final.

Art. 3. Fornecedor é toda pessoa fí-sica ou jurídica, pública ou privada,nacional ou estrangeira, bem como osentes despersonalizados, que desen-volvem atividades de produção, mon-tagem, criação, construção, transfor-mação, importação, exportação, dis-tribuição ou comercialização de pro-dutos ou prestação de serviços.

....................................................................§ 2º Serviço é qualquer atividade

fornecida no mercado de consumo,mediante remuneração, inclusive asde natureza bancária, financeira, decrédito e securitária, salvo as decor-rentes das relações de caráter traba-lhista.

....................................................................Art. 14. O fornecedor de serviços

responde, independentemente da exis-tência de culpa, pela reparação dosdanos causados aos consumidorespor defeitos relativos à prestação dosserviços, bem como por informaçõesinsuficientes ou inadequadas sobresua fruição e riscos.

....................................................................Art. 22. Os órgãos públicos, por si

ou suas empresas, concessionárias,permissionárias ou sob qualquer ou-tra forma de empreendimento, sãoobrigados a fornecer serviços adequa-dos, eficientes, seguros e, quanto aosessenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos dedescumprimento, total ou parcial, dasobrigações referidas neste artigo, se-rão as pessoas jurídicas compelidas acumpri-las e a reparar os danos cau-sados, na forma prevista neste Código.

....................................................................Art. 54. Contrato de adesão é aque-

le cujas cláusulas tenham sido apro-

Brasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000 43

vadas pela autoridade competente ouestabelecidas unilateralmente pelofornecedor de produtos ou serviços,sem que o consumidor possa discutirou modificar substancialmente seuconteúdo.

Art. 55. A União, os Estados e o Dis-trito Federal, em caráter concorrente enas suas respectivas áreas de atuaçãoadministrativa, baixarão normas re-lativas à produção, industrialização,distribuição e consumo de produtos eserviços.

§ 1º A União, os Estados, o Distri-to Federal e os Municípios fiscaliza-rão e controlarão a produção, indus-trialização, distribuição, a publicida-de de produtos e serviços e o mercadode consumo, no interesse da preser-vação da vida, da saúde, da seguran-ça, da informação e do bem-estar doconsumidor, baixando as normas quese fizerem necessárias.

Observa-se que serviço público é aqueleprestado pela Administração ou pelos seusagentes diretos ou indiretos, sob normas econtroles estatais, objetivando atender asnecessidades básicas e secundárias de inte-resses da coletividade ou do Estado. É direi-to do usuário a prestação dos serviços pú-blicos adequados, eficientes, seguros e per-manentes, sob pena de reparação dos prejuízoscausados aos interessados em face de tais serviços.

6.3. Estatuto notarial e registral

No tocante à responsabilidade civil e cri-minal, a recente Lei nº 8.935, de 18 de novem-bro de 1994, que dispõe sobre os serviços notari-ais e de registro, dispõe que os notários e ofici-ais de registro responderão pelos danos queeles e seus prepostos causarem a terceiros, naprática de atos próprios da serventia, assegu-rando aos primeiros direito de regresso nocaso de dolo ou culpa dos prepostos (art. 22).

Estabelece ainda a citada lei que a res-ponsabilidade civil independe da criminal(art. 23), enquanto a responsabilidade cri-minal será individualizada, aplicando-se,

no que couber, a legislação relativa aos cri-mes contra a administração pública (art. 24),estipulando, ainda, que a individualizaçãoprevista não exime os notários e os oficiaisde registro de sua responsabilidade civil(parágrafo único do art. 24).

Clayton Reis, Magistrado do Paraná, le-ciona que o ato lesivo decorre da ação anti-jurídica do agente. É preciso que a lesão sejareal e não fictícia, já que a ação dos notáriose dos registradores é uma atividade de re-sultado. A não-execução do serviço enco-mendado e que resulte em lesão ao contra-tado, presentes os pressupostos da respon-sabilidade civil, acarretará inevitavelmenteo dever de indenizar.

Para Clayton Reis, a lesão poderá ocor-rer quando o ato registral ou notarial não serevestir dos elementos necessários à confi-guração do ato jurídico, no caso, quando oregistrador ou o notário não se utilizar dasdiligências e prudências necessárias no sen-tido de concorrer para a efetiva e segura re-alização do ato. Nesse particular, deverãocontribuir com cautela e perícia, já que setratam de profissionais em que o conheci-mento das regras técnicas da atividade é umdever de ofício.

A lesividade será um resultado inevitá-vel sempre que notário ou registrador negli-genciar no uso das regras necessárias ao de-sempenho do seu desiderato, ou quando onotário ou o registrador deixar de lavrar ouproceder a lavratura de ato em desacordocom a lei dos registros públicos ou normasde serviços editadas pela Corregedoria daJustiça de seu Estado26.

Existe, por isso, uma preocupação com omau vezo de alguns titulares de registros ede tabelionatos, que deixam nas mãos desubstitutos a administração e execução dosserviços, ao invés de gerenciarem seus car-tórios, o que efetivamente representa faltagravíssima que deveria ser punida com aexoneração do registrador ou notário.

A responsabilidade pelos serviços no-tariais e registrais, para Eurico MontenegroJúnior, é pessoal de quem praticou o ato ti-

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pificado como crime, aplicando-se aos titu-lares e prepostos a legislação referente aoscrimes contra a administração pública, equi-parando-se aos servidores públicos (confor-me o art. 327 do CP). Tais crimes estão tipifi-cados nos arts. 312 a 359 do CP, ou sejam,crime de peculato (art. 312), extravio, sone-gação ou inutilização de documento (art.314), corrupção passiva (art. 317), prevari-cação (art. 319), advocacia administrativa(art. 321), abandono de função (art. 323) eviolação de sigilo funcional (art. 325)27.

O notário ou tabelião e o oficial de regis-tro, ou registrador, são profissionais do direi-to, dotados de fé pública, a quem é delegado oexercício do serviço público. São classifica-dos em: tabeliães de notas; tabeliães de pro-testo de títulos; tabeliães e oficiais de regis-tro de contratos marítimos; oficiais de regis-tro de imóveis; oficiais de registro de títulose documentos e civis das pessoas jurídicas;oficiais de registro civis das pessoas naturaise de interdições e tutelas e oficiais de registrode distribuição (art. 5º da Lei 8.935/94).

O ingresso na atividade notarial e de regis-tro depende de habilitação em concurso pú-blico de provas e títulos; nacionalidade bra-sileira; capacidade civil, quitação com asobrigações eleitorais e militares, diploma debacharel em direito e conduta condignapara o exercício da profissão.

O Estatuto dos Tabeliães e Oficiais deRegistros especifica que os concursos serãorealizados pelo Poder Judiciário, com a par-ticipação, em todas as fases, da Ordem dosAdvogados do Brasil, do Ministério Públi-co, de um notário e de um registrador.

Do concurso, publicado em edital, cons-tarão os critérios, podendo concorrer candi-datos não bacharéis em direito que tenhamcompletado, até a data da primeira publica-ção do edital, dez anos de exercício na ativi-dade notarial ou de registro.

Verifica-se que a formação acadêmicaexigida objetiva garantir a autenticidade, se-gurança e eficácia dos atos jurídicos. Outranovidade é o concurso de remoção, permiti-da aos titulares que exerçam a atividade por

mais de dois anos, desde que seja entre ser-viços, por exemplo, tabeliães de notas x ta-beliães de notas.

• Prepostos: serão contratados, com re-muneração livremente ajustada e sob o regi-me da legislação do trabalho, sem interfe-rência nenhuma do Poder Judiciário, ape-nas a atividade notarial e registral está liga-da aos princípios do serviço público da le-galidade, moralidade, impessoalidade epublicidade (CF/88, art. 37).

O art. 48 das Disposições Transitóriasda Lei nº 8.935/94 estipula que os notáriose os oficiais de registro poderão contratar,segundo a legislação trabalhista, seus atu-ais escreventes e auxiliares de investiduraestatutária ou em regime especial desdeque estes aceitem a transformação de seuregime jurídico em opção expressa, no pra-zo improrrogável de trinta dias, contadosda publicação dessa lei.

Determina ainda o mesmo artigo, no seuparágrafo 2º, que, não ocorrendo opção, osescreventes e auxiliares de investidura es-tatutária ou em regime especial continua-rão regidos pelas normas aplicáveis aos fun-cionários públicos ou pelas editadas peloTribunal de Justiça respectivo, vedadas no-vas admissões por quaisquer desses regi-mes a partir da publicação dessa lei.

No capítulo IV, Das Incompatibilidades edos Impedimentos, o Estatuto estabelece queo exercício da atividade notarial e de regis-tro é incompatível com o da advocacia, o daintermediação de seus serviços ou de qual-quer cargo, emprego ou função públicos,ainda que em comissão (art. 25), não sendoacumuláveis as funções do art. 5º, exceto nosMunicípios que não comportarem, em ra-zão do volume dos serviços ou da receita, ainstalação de mais de um dos serviços.

Diante da democracia, transparência,justiça e legalidade, acrescenta-se ainda queo notário e o registrador não poderão prati-car pessoalmente qualquer ato de seu inte-resse, ou de interesse de seu cônjuge ou deparentes, na linha reta ou na colateral, con-sangüíneos ou afins, até o terceiro grau.

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São tidas como infrações disciplinares ainobservância das prescrições legais e nor-mativas; a conduta atentatória às institui-ções notariais e de registro; a cobrança in-devida ou excessiva de emolumentos, ain-da que sob a alegação de urgência; a viola-ção do sigilo profissional e o não-cumpri-mento de quaisquer dos seus deveres.

Pelas infrações praticadas, os notários eos oficiais de registro estão sujeitos às penasde repreensão no caso de falta grave; multana reincidência ou infração que não confi-gure falta mais grave; suspensão por noven-ta dias, prorrogáveis por mais trinta em casode reiterado descumprimento dos deveresou de falta grave e perda da delegação. Aperda da delegação dependerá: a) de senten-ça judicial transitada em julgado; ou, b) dedecisão decorrente de processo administra-tivo instaurado pelo juízo competente, as-segurado amplo direito de defesa.

A extinção da delegação ocorrerá pela mor-te do titular delegado, aposentadoria facul-tativa, invalidez, renúncia e perda. Na hi-pótese da aposentadoria, fica assegurado odireito de percepção de proventos de acor-do com a legislação que anteriormente osregia, desde que tenham mantido as contri-buições nela estipuladas até a data do defe-rimento do pedido ou da concessão (legis-lação previdenciária).

O Estatuto Notarial e Registral, ao tratarda Fiscalização pelo Poder Judiciário, diz queserá exercida pelo juízo competente, assimdefinido na órbita estadual e do Distrito Fe-deral, sempre que necessário, ou medianterepresentação de qualquer interessado,quando da inobservância de obrigação le-gal por parte de notário ou de oficial de re-gistro, ou de seus prepostos (art. 37).

Na circunstância de o Juiz verificar aexistência de crime de ação pública, remete-rá ao Ministério Público as cópias e os do-cumentos necessários ao oferecimento dadenúncia.

O Juiz competente zelará para que os ser-viços notariais e de registro sejam presta-dos com rapidez, qualidade satisfatória e

de modo eficiente, podendo sugerir à auto-ridade competente a elaboração de planosde adequação e melhor prestação desses ser-viços, observados, também, os critérios po-pulacionais e sócio-econômicos, publicadosregularmente pela Fundação Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (art. 38).

Na circunstância de apuração de faltas im-putadas a notários ou a oficiais de registro,em que for necessário o afastamento do titu-lar do serviço, poderá ele ser suspenso,preventivamente, pelo prazo de noventadias, prorrogáveis por trinta dias. O juízocompetente designará interventor para res-ponder pela serventia, quando o substitutotambém for acusado das faltas ou quando amedida se revelar conveniente para os ser-viços (Lei nº 8.935/94, art. 36).

No transcurso do período de afastamen-to, o titular perceberá metade da renda lí-quida da serventia; a outra metade será de-positada em conta bancária especial, comcorreção monetária. Absolvido o titular, re-ceberá o montante dessa conta; condenado,caberá esse montante ao interventor (art. 36,§ 2º e 3º).

7. Conclusão

O Poder Público transfere administrati-vamente a execução dos serviços públicosdos cartórios aos tabeliães e registradoresoficiais, nos quais os serviços públicos sãorealizados por meio de uma delegação legal.

O contrato de concessão cria, portanto,direitos e obrigações individuais para aspartes acordadas. Pela concessão, o serviçopúblico continua sendo público (União, Es-tado ou Município) com direito de explorá-lo diretamente ou indiretamente, delegan-do apenas sua execução, conforme as con-dições legais ou contratuais, respeitando aregulamentação e fiscalização do PoderPúblico que é concedente.

É um Acordo Administrativo, bilateral,oneroso, cumulativo e intuitu personae, comvantagens e encargos recíprocos, sendo quea qualquer momento, durante a vigência do

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pactuado, o serviço delegado poderá ser re-tomado pelo Poder Delegante, mediante in-denização, conforme previsão contratual.

Pela Constituição Federal/88, art. 236:“Os serviços notariais e de registros são

exercidos em caráter privado, por delega-ção do Poder Público.

§ 1º Lei regulará as atividades, discipli-nará a responsabilidade civil e criminal dosnotários, dos oficiais de registro e de seusprepostos, e definirá a fiscalização de seusatos pelo Poder Judiciário.

§ 2º Lei Federal estabelecerá normas ge-rais para fixação de emolumentos relativosaos atos praticados pelos serviços notariaise de registro.

§ 3º O ingresso na atividade notarial ede registro depende de concurso público deprovas e títulos, não se permitindo que qual-quer serventia fique vaga, sem abertura deconcurso de provimento ou de remoção, pormais de seis meses.”

Os serviços públicos delegados a particula-res são: concessionários, permissionários eautorizados.

CF/88, art. 175: “Incumbe ao Poder Pú-blico, na forma da lei, diretamente ou sobregime de concussão ou permissão, sempreatravés de licitação, a prestação de serviçospúblicos”. E no parágrafo único consta quea lei disporá sobre: “I - o regime das empre-sas concessionárias e permissionárias deserviços públicos, o caráter especial de seucontrato e de sua prorrogação, bem como ascondições de caducidade, fiscalização daconcessão ou permissão; II - os direitos dosusuários; III - política tarifária; IV - a obriga-ção de manter serviço adequado”.

A Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994:vem regulamentar o art. 236 da CF/88, dispon-do sobre os serviços notariais e de registro, esta-belecendo, para tanto, que os notários e ofi-ciais de registro responderão pelos danosque eles e seus prepostos causem a tercei-ros, na prática de atos próprios da serven-tia, assegurado aos primeiros direito de re-gresso no caso de dolo ou culpa dos prepos-tos (art. 22); a responsabilidade civil inde-

pende da criminal (art. 23); sendo que a res-ponsabilidade criminal será individualiza-da, aplicando-se, no que couber, a legisla-ção relativa aos crimes contra a administra-ção pública (art. 24), especificando, no seuparágrafo único, que a individualizaçãoprevista no caput não exime os notários e osoficiais de registro de sua responsabilidadecivil.

Os tabeliães e registradores públicos queexercem atribuições delegadas pelo PoderPúblico, apesar de serem particulares, sãoconsiderados servidores públicos sui gene-ris, em face da função pública que exercem,da fé pública dos atos praticados pelos mes-mos, da exigência e obrigatoriedade da sub-missão a concurso público, da criação docargo por lei, da remuneração por meio decustas e emolumentos fixados pelo Poder Ju-diciário de cada Estado, além do controle efiscalização permanente do Poder Judiciário.

A obrigação é de resultado, pois requer aobservância rigorosa dos dispositivos legaisvigentes quando da realização dos atos car-torários, estabelecidos pelo Estado, deven-do produzir o resultado desejado para quetenham existência, validade e eficácia nomundo jurídico.

Quanto aos empregados dos cartórios,são celetistas, escolhidos e contratados con-forme critérios dos tabeliães e oficiais dosregistros, ficando estes responsáveis pelosatos de seus empregados, em face da reali-zação dos serviços públicos delegados; en-tretanto, os patrões poderão ajuizar açãocontra os seus empregados quando agiremde forma dolosa ou culposa.

A natureza jurídica da responsabilida-de dos serviços notariais e de registros é ex-tracontratual, com raríssimas exceções, umavez que o tabelião e o registrador públicodevem-se limitar a cumprir os dispositivoslegais em vigência, observando todas as for-malidades legais para a validade e eficáciados atos praticados, sendo que o interessa-do na prestação dos serviços deverá apre-sentar todos os documentos, testemunhas erecolher os valores necessários para a efeti-

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vação dos atos pretendidos; portanto, nãohá de se falar em acordo de vontades paralavratura de escritura pública, de testamen-to, de registros de nascimento ou casamen-to, para autenticação ou reconhecimento defirmas, mas, sim, de estrita observância dosrequisitos legais necessários para efetivaçãodos atos requeridos e legalmente previstospara que tenham existência, validade e efi-cácia no mundo jurídico.

Os notários e registradores, pelo fato deserem considerados servidores públicos,trazem como conseqüência o fato de que oPoder Público responderá direta e objetiva-mente (responsabilidade objetiva) por even-tuais danos causados (art. 37, § 6º, da CF/88), porém, responderão estes, perante oEstado, em ação regressiva, quando demons-trada a existência de culpa ou dolo no pre-juízo causado a terceiros (responsabilidadesubjetiva).

O prejudicado poderá ingressar comação de Responsabilidade Civil de duas for-mas distintas, no caso: a) diretamente contrao Estado, conforme responsabilidade objeti-va consagrada pelo artigo 37, § 6º, da Cons-tituição Federal de 1988, portanto, indepen-dentemente de culpa (lato sensu), bastandoapenas o dano e o nexo de causalidade en-tre o ato danoso e o serviço prestado, caben-do ao Estado o direito de ação regressivacontra o agente causador do dano nos ca-sos de culpa ou dolo do mesmo ou, b) direta-mente contra o notário ou registrador, desde queo autor da ação prove a culpa ou dolo deste,logo será responsabilidade subjetiva (Códi-go Civil, art. 159).

Reitere-se, por relevante, que existem as-pectos negativos e positivos quanto ao ajui-zamento da ação contra o Estado ou contrao notário ou registrador, uma vez que, ajui-zada a ação diretamente contra o Estado, oautor possui a vantagem de a responsabili-dade ser objetiva; no caso, não há necessi-dade de provar a culpa, trazendo como des-vantagem o aspecto de que as ações ajuiza-das contra a Fazenda Pública gozam de pra-zos diferenciados (quádruplo para contes-

tar e dobro para recorrer – art. 188 do CPC),bem como estão sujeitas ao duplo grau dejurisdição obrigatório (art. 475, II, do CPC)e, ainda, deverão ser executadas nos termose limites do artigo 730 do Código de Proces-so Civil, ou seja, execução por meio de pre-catório. Tratando-se, contudo, de ação ajui-zada diretamente contra o tabelião, a partepossui como desvantagem o aspecto de quedeverá provar a culpa (responsabilidadesubjetiva) e como vantagem a inexistênciade prazos diferenciados, ou de remessa deofício, além de ser a execução normal. Cabe-rá à parte, em cada caso concreto, consultarum profissional para que analise as provasque possui, bem como a solvência do notá-rio ou registrador e, diante de tais fatos econsiderações, optar pelo procedimento quelhe pareça mais favorável.

Notas1 Santos, 1987-1988, p. 140.2 Peraro, 1997, p. 212.3 Peraro, p. 221-222.4 Peraro, p. 230.5 Cotrim Neto, 1973, p. 118-9.6 Rodrigues, 1995, v. 4, p. 7.7 Diniz, 1987, v. 7, p. 22.8 Meirelles, 1995, p. 337.9 Tarifa: custo fixado; lista de preços; registro

de valor especial de um gênero.10 Meirelles, op. cit., p. 352.11 Diogenes, 1993, p. 123.12 Meirelles, op. cit., p. 76.13 Pereira, 1990, p. 180-181.14 Erpen, 1986, p. 10, 17 e 19.15 Citado por Pereira, 1996, p. 168.16 Pereira, op. cit., p. 171.17 Cretella Júnior, 1980, p. 5.18 Erpen, op. cit., p. 12-15.19 Diniz, op. cit., p. 210.20 Meirelles, op. cit., p. 76.21 Ceneviva, 1995, p. 7.22 Stoco, 1995, p. 46.23 Reis, 1994, p. 18-19.24 Gonçalves, 1995, p. 340.25 Meirelles, op. cit., p. 347.26 Reis, op. cit., p. 17.27 Monteiro Júnior, 1997, p. 100.

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