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NILSON BERENCHTEIN NETTO SUICÍDIO: UMA ANÁLISE PSICOSSOCIAL A PARTIR DO MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social – PUC/SP São Paulo – 2007

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NILSON BERENCHTEIN NETTO

SUICÍDIO: UMA ANÁLISE PSICOSSOCIAL A PARTIR DO MATERIALISMO

HISTÓRICO DIALÉTICO

Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social – PUC/SP

São Paulo – 2007

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NILSON BERENCHTEIN NETTO

SUICÍDIO: UMA ANÁLISE PSICOSSOCIAL A PARTIR DO

MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo , como exigência

parcial para obtenção do título de

MESTRE em Psicologia Social sob

orientação da Professora Doutora Bader

Burihan Sawaia.

Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social – PUC/SP

São Paulo – 2007

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Dedico esse trabalho a todos aqueles que

denunciaram, com suas próprias vidas, as

injustiças cometidas em seus respectivos

momentos históricos.

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AGRADECIMENTOS

Ao contrário do que se costuma dizer sobre a solidão no processo de

desenvolvimento de uma dissertação (ou tese), a construção desse trabalho

contou com amplo apoio e contribuição de diversos amigos. Cabe lembra-los

nesse momento e agradecer-lhes pelo tempo, carinho e paciência despendidos.

Alguns desses amigos se dedicaram a esse trabalho como se fosse deles

próprios, principalmente Tuim Viotto, Margarida Barreto e Sandro Almeida, aos

quais não haveriam palavras suficientes para expressar minha gratidão!

Outros, se esforçaram para viabilizar a idéia inicial desse trabalho, Dionísia e

Aparecida Pimenta, a quem agradeço profundamente e lamento não ter sido

naquele momento, mas confio que possa ser em outro.

À Bader agradeço por ter bancado o desafio, pelo respeito, compreensão e acima

de tudo a paciência.

Aos amigos da UNESP-Bauru (Nilma, Osvaldo, Angelo, Ari, Lígia, Marisa, Celso e

Elenita) e do NEPPEM (Bergamo, Fernando, Terezinha, Juliana), por terem

contribuído com a minha formação desde a graduação, me aceitando como

agregado.

Aos colegas do NEXIN, que também sempre demonstraram sua preocupação com

esse trabalho e colaboraram dentro de suas possibilidades e especificidades.

À Sueli Terezinha e à Mimi, pelas contribuições, pelo apoio e pelo ânimo na

qualificação.

Aos amigos de Araçatuba (e os que não são de lá, mas é como se fossem),

Renan, Diego, Pedro, Fabíola, Marquinho, Caru, ‘Fabrícios’, Luisinho, Eric, André,

Gustavo, Juliana, ‘Brunos’, ‘Sérgios’, Fernanda, Vitória, Ana Paula, Ana Lúcia,

Hilda, Roberta, Heloísa, Cristiane, Marcelo, Caetano, Thaís, Jean, pelo incentivo,

curiosidade e interesse em meu trabalho, além de suportarem as longas idéias

sobre suicídio.

À Samanta, por ter acreditado, por tudo que representou e ainda representa.

Ao meu pai, por respeitar o tempo, à mina mãe, pela preocupação, ao meu irmão

pelo interesse e à minha irmã, além de tudo, pelo “porto seguro” na capital.

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Aos meus alunos e ex-alunos, por terem me ensinado tanto, e àqueles que têm o

poder da FAC-FEA nas mãos, por terem mostrado o quão vis e ideológicas podem

ser as pessoas.

Aos professores do programa de estudos pós-graduados em Psicologia Social da

PUC-SP e aos amigos que fiz nessa instituição, Dreyf, Thiago, Aluísio, Renato,

Nadir, Geison entre outras figuras.

À Marlene, que quebrou mil e um galhos durante todo esse tempo.

Aos amigos da UFMS-CPAR, pelo acolhimento.

À Juliane Fávero, Fernanda Balthazar, Adriana Eiko, Marcelo Dalla Vecchia,

Denise Combinato, Tiago Noel, Rosiane Ponce, Flávia Gonçalves, Terezinha

Baiana, Celinha, Brenda, Sonia Mora, Marlito Souza, Sandra Spósito, Armando

Marino, Éderson Ribeiro, que contribuíram de diferentes formas nesse processo e

na vida.

De uma maneira ou outra, todos aqueles que passaram por minha vida ao longo

desses anos contribuíram positiva ou negativamente no desenvolvimento dessa

dissertação!

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"Toda atividade imaginativa tem sempre

uma longa história atrás de si. O que

chamamos criação não costuma ser

mais que um catastrófico parto em

conseqüência de uma longa gestação".

(L. S. Vigotski)

“A morte é interpretada somente como

uma contraposição contraditória da vida,

como a ausência da vida, em suma,

como o não-ser. Mas a morte é um fato

que tem também seu significado

positivo, é um aspecto particular do ser

e não só do não-ser; é um certo algo e

não o completo nada”.

(L. S. Vigotski)

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BERENCHTEIN NETTO, N. – Suicídio: uma análise psicossocial a partir do materialismo histórico dialético. (Dissertação de Mestrado) Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia social. Pontifícia Universidade Católica – São Paulo, 2007. 168p.

RESUMO

Este trabalho consiste em uma pesquisa teórico-bibliográfica que se dispõe a analisar o suicídio como um fenômeno complexo, singular, porém construído a partir das bases materiais da história. Para tanto, tem como principal objetivo apresentar as mudanças históricas do significado do suicídio, apresentar as diversas propostas teóricas que acompanham e contribuem para tais transformações e estabelecer uma análise do fenômeno a partir das categorias epistemológicas do Materialismo Histórico Dialético, especialmente pelos trabalhos de alguns dos principais representantes da psicologia que se constitui sobre essa base, Vigotski, Leontiev e Luria além de outros autores que colaboraram no desenvolvimento dessa linha de pensamento na psicologia. O processo investigativo baseou-se no levantamento bibliográfico geral sobre o tema, focando a história social do suicídio, as diversas propostas teóricas para seu estudo e na elaboração do referencial de análise e interpretação dos dados. Esta investigação permite afirmar que suicídio é um ato exclusivamente humano, estreitamente relacionado com a atividade dos indivíduos e com sua base afetivo-volitiva, assim como com suas necessidades e do conhecimento que o sujeito possui das mesmas. Após essa pesquisa pode-se afirmar que o suicídio é um fenômeno construído a partir das relações históricas e sociais estabelecidas pelo sujeito ao longo de sua existência, considerando suas objetivações e apropriações materiais e simbólicas dos conhecimentos e experiências historicamente acumulados pelas gerações precedentes.

Palavras-chave: suicídio, psicologia sócio-histórica, ato volitivo, afetividade, sofrimento ético-político.

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BERENCHTEIN NETTO, N. - Suicide: a psicossocial analisys from the dialectical historical materialism (Dissertation of Master's degree) Program of Postgraduate Studies in Social Psychology. Pontifícia Universidade Católica – São Paulo, 2007. 168p.

ABSTRACT

This work comprises a theoretical and bibliographical research that aims to investigate suicide as a singular and complex phenomenon that nonetheless is built from the material basis of history. To do so, the main objectives of this study are to introduce the historical changes in the meaning of suicide, to present the theoretical propositions of the phenomenon and its transformations, and to analyze the phenomenon of suicide from the epistemological categories of dialectical historical materialism, especially in the works of Vigotski, Leontiev and Luria, as well as other authors that collaborated with the development of this line of thinking in psychology. The research was based on the general bibliography available about the subject, focusing on the social history of Suicide and the theoretical propositions to interpret and analyze the data. The investigation allows the statement that suicide is an exclusively human action, closely related to the activity of the individual and with their affective-volitive bases, as well as with their needs and their knowledge about them. From the results of this study suicide can be portrayed as a phenomenon that is built from the historical and social relationships established by individuals along their existence, considering the objectivation and material and symbolic appropriation of the knowledge and experience of preceding generations.

Key-words: Suicide, social-historical psychology, volitive-act, affectivity, ethical-political suffering.

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SUMÁRIO

I – Apresentação _________________________________________________01

II – Aspectos psicológicos da história social do suicídio 09

III - Discussões científicas e teorias acerca do suicídio 61

IV – Procedimentos metodológicos 101

V – Categorias do Materialismo Histórico Dialético para a análise do suicídio _1 3 0

1- Ato volitivo _______________________________ _________________103

2- Significado e sentido_____________________ ___________________ 108

3- Emoção, sentimento e afeto _ ________________________________115

4- Imaginação___________ _____________________________________121

5- Necessidade e motivo________ _______________________________129

VI – O suicídio como ato afetivo-volitivo: uma breve análise à luz das categorias do

Materialismo Histórico Dialético__________ ___ _______________________ 133

1- O suicídio como ato afetivo-volitivo___________ __________________133

2- Significado e sentido do suicídio_____________________ _________136

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3- Dimensão instrumental do suicídio_____________________________ 140

4- Suicídio e liberdade_________________________________________ 146

VII – Considerações Finais_______________________ _________________ 158

VIII – Referências bibliográficas 161

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I – APRESENTAÇÃO

O interesse por pesquisar o suicídio surgiu ainda na graduação,

quando, no terceiro ano, desenvolvíamos uma pequena pesquisa em psicologia

social e eu e um grupo de colegas optamos por pesquisar esse fenômeno. Devido

à dificuldade que tivemos em encontrar material, grande parte do grupo migrou

para outros temas mais “simples” e ficamos apenas eu e mais uma colega na luta

por conseguir material bibliográfico e familiares de pessoas que houvessem se

suicidado e estivessem dispostas a ser sujeitos de nossa pesquisa.

No ano seguinte, fui monitor de Psicologia Social e parte das

exigências era desenvolver uma pesquisa, e optei por continuar o trabalho sobre o

mesmo tema, já que naquele momento, já havia tido acesso a mais material e

estava mais e mais fascinado pelo assunto. Nessa segunda situação desenvolvi

uma pesquisa bibliográfica, justamente fazendo um levantamento de publicações

acerca do tema em português e que trabalhassem com referenciais psicossociais.

Foi nesse processo que tive acesso a uma dissertação orientada

pela professora Bader Sawaia que tratava a respeito do suicídio. A dissertação “As

Representações Sociais do Suicidado na Trama da Comunicação” feita por

Marcímedes Martins da Silva, contribuiu demais para minhas pesquisas e, como já

me interessava pelas categorias de análise defendidas pela professora Bader

Sawaia, acreditei que seria a pessoa ideal para orientar uma pesquisa sobre esse

tema em uma perspectiva psicossocial.

Essa pesquisa passou por diversos momentos, mudou diversas

vezes de direção, mas tudo isso acabou de certa forma contribuindo para seu

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desenvolvimento, até mesmo alguns atrasos foram importantes, pois casualmente

possibilitaram a publicação do livro de Marx sobre esse assunto, bem como minha

tomada de conhecimento sobre o livro de Gavin Fairbairn, que, apesar de ser uma

publicação de 1999, eu desconhecia.

Fairbairn, apesar de não compartilhar explícita e diretamente do

Materialismo Histórico Dialético, que é a teoria na qual busco embasar esse

trabalho, traz diversas contribuições muito importantes para um estudo do suicídio

nessa perspectiva.

Ao pensar em justificativa para este tipo de pesquisa, não posso

deixar de lado a manifestação de Sawaia (1995) sobre as pesquisas relativas aos

sofrimentos psicossociais, quando diz:

Cabe ao psicólogo social estudar as diferentes manifestações do sofrimento psicossocial, desvelando os vários níveis de opressão e exclusão aos quais o indivíduo está sujeito, e como ele agüenta submeter-se às condições humilhantes e resiste a cada ‘miseriasinha’. É preciso realizar pesquisas para conhecer a maneira como esse processo se objetiva no cotidiano e é vivido subjetivamente na forma de necessidade, motivação, emoção, pensamento, sonho, desejo, fantasia, representações, nos diferentes agentes sociais (SAWAIA, 1996, p. 165).

O problema aqui é que, nem sempre o indivíduo “agüenta submeter-

se às condições humilhantes e resiste a cada ‘miseriasinha’” (Sawaia, 1996, p.

165), ao menos, não calado, porém, o sistema o oprime a ponto deste não

conseguir falar, então, ele encontra outras maneiras de se expressar, uma

maneira crítica, mas pouco eficaz, no sentido de estar muito sujeita a ser

distorcida.

Desde 2004, ano em que a Organização Mundial da Saúde (OMS)

colocou o suicídio como um dos problemas prioritários da área de Saúde Mental e

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de lá para cá, cada vez mais se vem investindo esforços na prevenção do suicídio.

No mesmo ano de 2004, a prefeitura da cidade de São Paulo, através da área

temática de Saúde Mental, desenvolveu um “Plano de Prevenção ao

Comportamento Suicida” em parceria com o CRP-SP e as clínicas escola das

universidades da cidade, além de que, segundo Leon de Sousa Lobo Garcia, um

dos responsáveis pelo projeto, desde o referido ano estão em contato com o

Ministério da Saúde com a sinalização da possibilidade desse projeto se

fundamentar em diversas outras capitais. Isso indica o quão emergente e

relevante é o estudo desse fenômeno.

O suicídio não se encerra no ato, ele carrega uma série de questões

importantes como: o que levou o sujeito a se matar (?), tanto os problemas

sociais, quanto as questões pessoais do indivíduo, a família, que se desestrutura

social, emocional e economicamente, entre uma série de outras situações que,

simplesmente se perdem, por não se dar o devido valor ao estudo desse

fenômeno social.

Ao buscar uma solução para a demanda de suicídios, é necessário

que se aproprie do fenômeno de forma radical, para além da

pseudoconcreticidade (KOSIK, 2002) e se permita que a sociedade perceba e

compreenda o conteúdo crítico do ato desses sujeitos.

As pesquisas sobre suicídio que se encontram, além de serem

relativas a outros momentos históricos, analisam esse fenômeno geralmente

enquanto psicopatologia, ou sob o escopo de abordagens psicológicas

patologizantes e muitas vezes biologicistas que contribuem para que a trama

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social possa ideologizar as crises desse sistema, que são constituintes do ato

suicida enquanto fenômeno social. Leon de Sousa Lobo Garcia, ressalta que

"Para pensar o suicídio você precisa pensar não puramente do ponto de vista

médico, mas quais são as determinantes sociais" (CRP-SP, 2003 p.15)

Na mesma matéria publicada no Psi, o jornal do Conselho Regional

de Psicologia de São Paulo (CRP-SP, 2003 p.17), encontra-se a seguinte

observação “os fatores determinantes são múltiplos e de interação complexa.

Cerca de 90 % dos casos e 40% das tentativas de suicídio estão associados a

transtornos mentais, principalmente depressão e abuso de substâncias

psicoativas”, o que permite notar que apesar de conseguirem vislumbrar o fator

social do suicídio, não conseguem se libertar do biologicismo, negando as raízes

sociais de transtornos mentais e na influência no uso de substâncias psicoativas.

Algumas pesquisas se aproximam de criticar o modus vivendi dos

indivíduos e suas relações a partir desse, mas não se aprofundam na crítica

social, tampouco nas propostas de intervenção, outras, entendem o suicídio

enquanto manifestação, até mesmo comunicação crítica, mas não ultrapassam

isso, portanto, faz-se necessário unir esses conhecimentos a fim de superar tais

lacunas e desenvolver conteúdos substanciais a fim não só de entender o suicídio

de outra forma, mas de poder edificar uma intervenção junto a essas pessoas.

Segundo dados da O.M.S.1, no mundo, no ano de 2001, no mundo,

houve aproximadamente 849,000 mortes por suicídio (não se tem dados mundiais

1 Dados obtidos na palestra do Prof. Dr. José Manuel Bertolote, Coordenador de Equipe de Gerenciamento do Transtorno Mental e Cerebral da OMS – Genebra, no “1o Simpósio Internacional

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sobre tentativas por falta de levantamento e sistematização de dados, o único país

que o faz é a Irlanda); dessas mortes, a maioria é de indivíduos do sexo masculino

(poucos países têm a taxa de suicídios femininos maior que masculinos, o que se

destaca é a China).

Em São Paulo:

[...]considera-se que as estatísticas oficiais subestimem a ocorrência de suicídios. Mesmo assim, o suicídio foi a quarta causa de morte na população entre 10 e 24 anos em 2001, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde. No período de 1996 a 2002 foram registrados de 400 a 500 suicídios a cada ano em São Paulo, sendo que 80% deles na população com até 54 anos de idade. Atualmente 66% das mortes por suicídio no Município ocorrem entre pessoas com até 44 anos. Pode-se calcular que todo ano uma média de 10 mil pessoas tentam cometer suicídio no município de São Paulo. (CRP-SP, 2003 p.14)

Sobre o programa do CRP-SP, não consegui obter qualquer notícia,

apesar de haver tentado entrar em contato com eles diversas vezes, portanto, não

há como afirmar qualquer coisa sobre a atualidade desse trabalho, nem sequer

qualquer resultado obtido. Porém, como se poderá ver no capítulo seguinte desse

trabalho, a Organização Mundial de Saúde entende o suicídio como um problema

de saúde pública mundial e o Ministério da Saúde do Brasil está com um

programa de âmbito nacional para combater e prevenir as tentativas de suicídio.

Desde o início dessa dissertação, a idéia era trabalhar com grupos

de sobreviventes, porém, diversos obstáculos atrapalharam a concretização dessa

idéia. Logo no começo do processo, busquei contato com a Secretaria Municipal

de Saúde de São Paulo, a fim de tentar me envolver com alguns desses

programas que estavam começando a aparecer, também busquei apoio em

alguns professores da PUC-SP que estavam envolvidos com a proposta citada, da

Suicídio: Avanços e Atualizações”, São Paulo, 26 e 27 de março de 2004. Esses dados ainda não estão disponíveis na página da OMS.

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parceria entre Secretaria da Saúde e CRP-SP, mas a intenção era trabalhar com

os graduandos que faziam estágio na clínica escola e sequer me deram muita

atenção. Na Secretaria de Saúde, cada pessoa me mandava falar com outra e

nenhuma resolvia a situação, ninguém parecia ser ‘responsável’ pelos projetos

que envolvessem suicídio, além de ser um período conturbado politicamente, fase

de possível transição de prefeitos, o que significava insegurança dos funcionários

do órgão público.

Nesse período, a Dionísia do Amaral Dias, colega do NEXIN (Núcleo

de Estudos e Pesquisa da Dialética Exclusão/Inclusão) da PUC-SP disse que

havia comentado sobre minha pesquisa com a secretária da saúde de Amparo

(SP), a Dra. Aparecida Pimenta, que foi extremamente prestativa e abriu diversas

portas para pudesse realizar minha pesquisa naquele município, fui para lá

diversas vezes, várias pessoas colaboraram, mas houve dois problemas, o

primeiro, era que grande parte dos suicídios da cidade estavam atrelados a

transtornos psiquiátricos severos, o que fugia bastante da idéia dos sujeitos com

os quais pretendia trabalhar, o outro, era que o responsável pela equipe que a

Dra. Aparecida pediu que me apoiasse, talvez pelo excesso de trabalho, vivia

esquecendo quem eu era, o que estava indo fazer ali e mais ainda, as coisas que

precisavam da ajuda dele.

Mesmo depois de tentar diversas vezes, e inclusive mudar meus

contatos na cidade, as viagens estavam se tornando dispendiosas demais e o

resultado não aparecia. Por conta disso, a Margarida Barreto, outra colega do

NEXIN, conseguiu um sujeito para que eu entrevistasse e inclusive me

disponibilizou local em São Paulo, para que eu pudesse fazê-lo, e o fiz, porém,

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infelizmente as tentativas desse sujeito não eram efetivas e a própria entrevista

acabou dando outros rumos que não o suicídio, mas muito mais o assédio moral.

Nessa época, a idéia de grupos já estava descartada para o momento e passei a

buscar ao menos um sujeito para ser entrevistado.

Uma amiga de minha cidade (Araçatuba – SP), disse que tinha um

conhecido disposto a participar da pesquisa e que ele se propôs inclusive a

apresentar outras pessoas que poderiam se interessar em participar, porém, nas

três vezes que combinei com o sujeito, ele faltou e não entrou mais em contato

comigo, nem sequer retornou meus contatos.

Todas essas tentativas tinham uma preocupação ética e me coloquei

à disposição desses sujeitos inclusive para dar um suporte psicoterapêutico, caso

achassem necessário, exceto em Amparo, que a equipe de saúde mental se

responsabilizaria pelo acompanhamento dos participantes do grupo.

Tendo em vista todas essas dificuldades, a banca de qualificação

concordou que caberia, para o mestrado, um trabalho teórico, que é o que se

apresenta aqui.

Esse trabalho começa fazendo um resgate histórico do suicídio no

ocidente, desde a Antiguidade até o momento mais atual que o compartilhamento

de informações via internet me permitiu chegar. Seguido de uma apresentação

das diversas teorias que desenvolveram estudos sobre o suicídio.

No capítulo sobre método, discuto os procedimentos usados no

desenvolvimento desse trabalho e no seguinte, apresento as categorias do

Materialismo Histórico Dialético que embasam a análise que essa dissertação se

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propõe a fazer acerca do suicídio. Tal análise é feita no penúltimo capítulo, que

vem seguido das conclusões finais.

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II – ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA HISTÓRIA SOCIAL DO SUICÍDIO

A intenção deste capítulo é fazer uma trajetória histórica do suicídio

principalmente na sociedade ocidental para demonstrar a mudança histórico-

cultural do significado desse fenômeno, já que a proposta desta dissertação é

estudar o suicídio enquanto fenômeno psicossocial, mediado por significados que

se transformam nos diferentes contextos históricos.

Faz-se necessário, para uma melhor compreensão da proposta que

se desenvolverá, a distinção entre o suicídio e o ato de se matar, a qual é

desenvolvida por diversos autores, porém, é em Fairbairn (1999) que se encontra

essa noção da forma mais coerente com a proposta desse trabalho. Para o autor o

suicídio

O suicídio é um ato, tanto de cometimento como de omissão realizado pela própria pessoa ou por terceiros, por meio do qual um indivíduo autonomamente pretende e deseja concretizar a própria morte, porque quer ser morto ou quer morrer uma morte que ele mesmo concretiza. (FAIRBAIRN, 1999 p. 117)

Enquanto o ato de se matar envolve o fato de o indivíduo morrer

devido a um ato cometido por ele mesmo, porém, sem ter a clara intenção de

morrer. Ou seja, nem sempre que um sujeito morre pela suas próprias mãos, quer

dizer que ele esteja se suicidando.

Antes de começar a desenvolver o capítulo, cabe ressaltar três

aspectos a serem observados na construção histórica do suicídio, um é a estrita

relação que possui o significado do suicídio, com os significados atribuídos à vida

e à morte em cada momento histórico, sendo que esses significados estão

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relacionados com a concepção de homem e mundo vigentes em tais sociedades

desde a religião à política.

Outro dos aspectos é a relação entre o desenvolvimento material

(tecnológico) da sociedade e o suicídio. Quando a espécie humana deixa de

estabelecer uma relação imediata com a Natureza, passando a transformá-la e

criar instrumentos que lhe possibilite criar novos instrumentos para o trabalho;

passa-se a desenvolver técnicas mais avançadas de tirar a própria vida

intencionalmente, com maior eficácia e menor sofrimento.

Essa questão nos leva a duas outras fundamentais que são, o

acesso dos indivíduos tanto à produção material, quanto à produção intelectual

historicamente acumuladas pela humanidade, que lhes possibilitará ter acesso a

esses meios mais eficazes e que causam menos sofrimento e ao conhecimento de

como utilizá-los. Para A. N. Leontiev (1978), os seres humanos necessitam

apropriar-se de um mínimo de resultados da atividade social para viver e os

componentes sociais que farão parte desse mínimo necessário são decorrentes

da experiência concreta de vida do sujeito. Isso também fica claro nas palavras do

filósofo soviético E. V. Ilyenkov (1977)

A existência deste puramente social legado de formas de atividade vital, ou seja, um legado de formas que não são transmitidas por meio dos genes, por meio da morfologia do corpo orgânico, mas sim apenas através da educação, apenas através da apropriação da cultura disponível, apenas por meio de um processo no curso do qual o corpo orgânico individual transforma-se em um representante do gênero humano (isto é, o conjunto inteiro de pessoas conectadas pelos laços das relações sociais) – é somente a existência dessa específica relação que produz a consciência e a vontade com formas especificamente humanas de atividade mental. (ILYENKOV, 1977, p. 95 apud DUARTE, 2003, p.99)

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Um terceiro aspecto está relacionado com a consciência que o

sujeito possui de si e do outro. Segundo Minayo (1998, p. 423), o suicídio “[...]é um

fenômeno universal, registrado desde a alta Antigüidade”. A autora também

ressalta que segundo vários estudiosos,”[...] o ato de atentar contra a própria vida

acontece pari passu à emergência da consciência, sendo portanto, um fenômeno

que acompanha a própria história da humanidade”.

Também o psicólogo soviético, A. R. Luria (1979, p. 72), ao discutir a

atividade consciente do homem e suas raízes sócio-históricas, traz um exemplo

uma situação que nos remete a esse fato e ao fato de considerarmos o suicídio

um ato exclusivamente humano, pois entre os animais “não há formas de

comportamento ‘desinteressado’, que se baseiam em motivos não biológicos”. O

exemplo apresentado pelo autor diz:

Encontramos freqüentemente situações nas quais a atividade consciente do homem, além de não se sujeitar às influências e necessidades biológicas, ainda entra em conflito com elas e chega inclusive a reprimi-las. São amplamente conhecidos casos de heroísmo em que o homem, movido por elevados motivos de patriotismo, cobre com seu corpo bocas de fogo ou se lança à morte sob tanques; esses casos são apenas exemplos da independência do comportamento do homem em relação aos motivos biológicos (p.72).

Para Luria (1979), a atividade consciente do homem difere do

comportamento individualmente variável dos animais, isto porque tal atividade não

está obrigatoriamente ligada a motivos biológicos; não se determina diretamente

pelo meio ou por vestígios de experiências individuais imediatas e para além dos

programas hereditários e dos resultados das experiências individuais, o homem

também se apropria da experiência acumulada historicamente pela humanidade

para desenvolver conscientemente suas atividades.

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12

Essa discussão também se encontra no trabalho produzido

conjuntamente por Luria e Vigotski (1996), onde se baseiam em Engels (1960)2

para dizer que a diferença entre os comportamentos humanos e animais não

reside no fato de que aos animais carece a capacidade de planejar ações, já que

atividades planejadas existem em qualquer lugar onde existam albuminas vivas,

que realizem movimentos reativos frente a estímulos luminosos, porém, nem

mesmo as ações planejadas dos animais não conseguiram imprimir à terra a

marca de sua vontade. As transformações geradas na Natureza pelos animais se

dão por sua simples existência em meio a essa, enquanto as transformações

humanas implicam na dominação da Natureza pelo homem e isso se dá a partir do

trabalho.

Sendo assim, para uma compreensão histórico-social do suicídio,

devemos compreender tanto o indivíduo que o comete quanto o próprio fenômeno

enquanto construções históricas e sociais. Segundo Vigotski (1987), estudar

dialeticamente alguma coisa, significa estudá-la em seu processo histórico, na sua

gênese e nas suas transformações.

Para traçar um breve histórico do fenômeno suicídio, o relato mais

antigo encontrado data de 2.500 a.C., onde há registros de suicídios como ato

concreto na cidade de Ur, na Mesopotâmia, quando doze pessoas ingeriram uma

bebida envenenada e se deitaram para aguardar a morte3.

2 Essa é a data da Dialética da Natureza que consta na tradução brasileira do Livro de A. R. Luria e L. S. Vigotski, porém, a versão utilizada nesse trabalho é de 2000. 3 Enciclopédia Delta de História Geral. Rio de Janeiro : Delta, 1969, vol. 1, p.26. apud Silva, 1992 p. 09

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13

Na antiguidade, sistemas religiosos de diversos povos ocidentais

partilhavam um caráter comum; o fato de designarem uma morada repleta de

delícias aos idosos suicidas. Para esses povos era extremamente penoso ter que

suportar as limitações da velhice, além de que, o idoso não tinha o mesmo papel

comunitário que desempenhava anteriormente. Também era comum a

preconização da idéia de que uma morte violenta, preferivelmente em batalha, ou

através do suicídio, garantiria um lugar especial no pós-morte. Essas culturas

valorizavam a morte violenta como forma de manter ardente entre os membros da

sociedade o espírito guerreiro. Baseados nesses fatos, Kalina e Kovadloff (1983,

p. 30)4 indicam a existência nessas culturas de uma indução comunitária para a

morte de si mesmo “[...] legitimamente estimulada e normativamente legitimada. A

transgressão consiste em se deixar morrer , não em se dar a morte”, ou seja, o

suicídio nessas culturas se torna um dever, a indução comunitária ao suicídio era

extremamente poderosa e desatendê-la significava colocar-se em uma posição

marginalizada. (ALVAREZ, 1999).5

Para Kalina & Kovadlof (1983, p. 51), “Tanto nas sociedades

chamadas bárbaras pelos gregos, como na egípcia e na hindu, a indução franca

ao suicídio por parte da comunidade tinha um sentido cultural legítimo e

benfeitor, já que preservava a identidade do grupo” (grifos no original).

4 Eduardo Kalina é psicanalista; Santiago Kovadloff, filósofo e ensaísta, ambos argentinos e ativistas ecológicos, a edição original em castelhano data de 1980. 5 Alfred Alvarez é ensaísta e crítico literário inglês; o “Deus Selvagem” foi escrito principalmente para contar a história do suicídio de Sylvia Plath, porém, desenvolve uma contextualização histórica sobre o tema que é referência na maioria dos estudos sobre esse fenômeno, principalmente no Brasil. Escreve também um epílogo contando sua própria experiência em uma tentativa de suicídio. A edição original em inglês data de 1971.

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Na Grécia Antiga, apesar de haver uma grande diversidade de

opiniões acerca do suicídio, esse era um fenômeno comumente tolerado, desde

que seguisse determinados critérios políticos e éticos, que variavam conforme o

local e a época; houve um período em que os gregos tinham abominação por tal

ato, já que o comparavam com a atitude extrema do assassinato de familiares,

algo que os incomodava muito. Por conta disso, os cadáveres sofriam uma série

de penalidades e a mão do sujeito era geralmente enterrada separada de seu

corpo, como algo alheio ao indivíduo e que lhe causou mal. Posteriormente, os

gregos começaram a ter pelo suicídio extrema tolerância, inclusive tendo algumas

cidades (entre elas, Atenas, Marselha e Cea6 – onde se desenvolveu a cicuta) que

mantinham uma reserva de veneno para aqueles que defendessem seus motivos

perante o senado para obter permissão oficial para se suicidar. Isso pode ser

percebido no discurso de Libânio, citado por Durkheim (apud ALVAREZ, 1999,

p.73):

“Aquele que não desejar mais viver deverá declarar suas razões ao Senado e, após ter recebido permissão, poderá abandonar a vida. Se tua existência te é insuportável, morre; se o destino te oprime, bebe a cicuta. Se estás esmagado pela dor, abandona a vida. Que os infelizes narrem os seus infortúnios e que o magistrado lhes forneça o remédio para que sua aflição chegue ao fim.”

Pisithonata é um bom exemplo da tolerância grega ao suicídio. Ele

se auto-intitulava “professor da morte” (aquele que aconselha a morte) e

preconizava a seus pupilos a autoquiría.7 (TEIXEIRA, 1947)

6 Sobre o suicídio em Cea, vale a leitura do texto de MONTAIGNE, M. E. “A propósito de um costume da

ilha de Ceos”, in: MONTAIGNE, M. E. Ensaios. Tomo II, Brasília: UNB/Hucitec, 1987. 7 no Egito, existiu a Escola Sinapotumenos, que significa “matar juntos”. (SILVA, 1997, p. 10)

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Teixeira (1947) traz também a história de que se conta ter havido na

Grécia Antiga um filósofo que propagava entre os jovens gregos a filosofia do

suicídio; para tanto, teria fundado uma “escola do suicídio”, na qual se aceitava

apenas jovens, que eram sugestionados e ensinados a tirarem a própria vida.

Esse filósofo, ao ser indagado do porquê não cometia suicídio, teria respondido

que “fazia o sacrifício de viver para ensinar a outros as delícias da morte”.

(TEIXEIRA, 1947, p. 26)

Os filósofos clássicos, discutiam a questão do suicídio de forma

racional e equilibrada, tendo como preceitos “´[...] a moderação e a nobreza de

princípios”. Porém os pitagóricos, condenavam diversas formas de suicídio,

principalmente quando essas feriam de alguma maneira suas crenças, seus

valores éticos e políticos. Para esses, o suicídio era inadmissível, pois era uma

ofensa aos deuses; os únicos que tinham direitos sobre a vida e a morte dos

homens, esse pensamento é incorporado posteriormente pelos cristãos. (MINOIS,

1998, p. 61)8

Hegésias, um dos mestres cirenáicos, foi supostamente expulso de

Alexandria por ali provocar diversos suicídios. Dentre os cínicos, se professava um

profundo desapego à vida se essa não pudesse ser vivida de forma razoável. Para

Antístenes, “[...] aqueles que não possuem uma inteligência suficiente fariam

melhor se se enforcassem”; para Diógenes, seu discípulo, “[...] a morte, que se

não sente quando ela existe, não é de recear. Portanto, não se deve hesitar em

entregar-se a ela se se não puder viver de forma razoável”. (MINOIS, 1998, p. 61)

8 George Minois é historiador francês, o original em francês data de 1995.

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Alvarez (1999, p.71), indica que Platão, no Fédon, afirma a símile do

soldado sentinela que não pode abandonar seu posto, assim como a símile do

homem sendo propriedade dos deuses, que se zangam tanto com o suicídio

humano, quanto os homens se zangam com o suicídio de seus escravos.

Aristóteles9 , de maneira mais austera, afirma “[...] o suicídio era ‘uma ofensa

contra o Estado porque, do ponto de vista religioso, poluía a cidade e,

economicamente, enfraquecia o Estado ao destruir um cidadão útil. Era um ato,

portanto, de irresponsabilidade social”.

Platão vai dizer que, se o homem não encontra na vida a

moderação, o suicídio passa a ser uma opção, um ato racional e justificável.

Consideravam-se razões suficientes para morrer as doenças dolorosas ou

coibições intoleráveis. (ALVAREZ, 1999, p. 72).

Segundo Minois (1998), Platão possuía uma visão muito mais

matizada que a de Aristóteles, para ele, apesar do suicídio ser condenável, e nas

Leis declarar que o cadáver do suicida não merecia uma sepultura pública e devia

ser enterrado em lugar isolado e de maneira anônima, em algumas instâncias

esclarece que isso não seria aplicável. No caso daqueles que se matam por

ordem da cidade, por serem portadores de doença grave, aguda e incurável ou

pela “[...] sorte que o espera ser uma ignomia inviável e sem saída”; a esses, lhes

seria permitido acabar com a própria vida.

9 Apesar de Aristóteles ser contrário ao suicídio, quando percebeu que teria a mesma sorte de Sócrates, fugiu de Atenas para “poupar aos atenienses um segundo atentado contra a filosofia”, condenado pelo conselho do Areópago, “adiantou-se matando-se por conta própria, ingerindo cicuta.”(TOLEDO, 1999 p. 48)

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Para Cícero, por exemplo, o suicídio é uma atitude intermediária

entre o bem e o mal, estando seu valor sujeito aos motivos do ato, se depusermos

do suicídio de Catão para ilustrar, este “é o modelo da liberdade integral, porque

matando-se quando a sua vida não estava ameaçada, ele colocou-se acima do

destino.”, porém, a partir de sua interpretação do platonismo, condena outros

suicidas. Para mostrar isso, cita as obras platônicas “Fédon” e “República”; no

“Fédon” no qual entende que Platão “proíbe que alguém se mate enquanto os

deuses não impuserem essa necessidade” e a “República” no qual “não temos o

direito de fugir ao papel que os deuses destinaram. (MINOIS, 1998, p. 66-67)

Era comum entre os historiadores gregos essa atitude de condenar

alguns suicídios e glorificar outros, outro exemplo é Virgílio, que distribuía os

suicidas por “patriotismo, coragem e afirmação da própria liberdade” para os

Campos Elíseos e os por desgosto da vida ao inferno. (MINOIS, 1998)

Durante o período da prisão de Sócrates, Platão pediu que seus

discípulos, Críton e Fédon lhe fossem recitar palavras de conforto. Também os

preparou para argumentar na assembléia dos discípulos de Sócrates, pois estava

doente e não o poderia fazer pessoalmente. A relevância disso é que, em suas

obras “Apologia de Sócrates”, “Fédon” e “Críton”, Platão manipula o discurso de

seu mestre para dar relevância às suas próprias idéias (MOURA, 1967).

Segundo Moura10 (1967), a Apologia de Sócrates, de fato foi escrita

por Antístenes “o cão”, esse sim, o grande discípulo de Sócrates e aquele que

acompanhou o filósofo em todos seus últimos dias. Antístenes faz diversas

10 Tais restrições, segundo a autora, se baseiam no estudo da obra Les vèritables entrêtiens de Sócrates, de Han Ryner e na própria obra de Antístenes. Não foi possível acessar nenhuma dessas obras durante o processo de elaboração dessa dissertação.

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denúncias referentes à produção platônica, inclusive ao fato de ter elaborado a

versão da Apologia a partir dos discursos de terceiros, já que Platão não se

encontrava presente no momento da defesa pública de Sócrates. Antístenes, ao

criticar Platão também ressalta que “[...] ninguém o iguala em beleza, em doçura,

em talento, sonoridade, quando é sincero, quando é simples, justo, e quando faz

calar a sua personalidade” ( ANTÍSTENES apud MOURA, 1967, p. 123).

O suicídio de Sócrates é uma grande discussão, pelo fato do filósofo

ter sido julgado e condenado a se envenenar, ou seja, apesar dele próprio ter

cometido o ato contra si, questiona-se volição desse ato, porém, essa análise

pode ser feita a partir de outros dados. Alguns de seus discípulos articularam com

o carcereiro sua fuga, mas ele se recusou, pois fugindo, sacrificaria todas as suas

idéias, tudo aquilo pelo que viveu.

Como escreveu Lima (1967)11:

Sócrates não morreu por um regime político, mas por um princípio mais alto do que todos os regimes – o da dignidade humana. O que ele não tolerava era a opressão do pensamento, fosse da Multidão, fosse do Estado, fosse em nome dos Deuses, fosse em nome da onipotência da Razão, da Violência ou do Número.

Acerca da possibilidade de fuga de Sócrates, Platão escreve em sua

obra “Fédon” as palavras do Filósofo a seu discípulo Ésquines12:

Minha fuga seria a morte da minha palavra, a morte do meu pensamento. Conservando a vida, eu me tornaria indigno. Minha palavra, espalhada e amada, pode fazer algum bem. Não me peças que eu mate a minha palavra. Outros juízes poderão se precaver contra a injustiça e outros inocentes poderão ser poupados. Seria covardia e crueldade não procurar salvá-los (PLATÃO apud MOURA, 1967, p. 127-28).

11 Introdução, páginas não numeradas 12 Platão atribui esse diálogo à pessoa de Críton, por ser mais próximo a ele. (MOURA, 1967)

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Além disso, Sócrates tinha consciência de que, com sua morte, suas

palavras teriam um alcance muito maior. O sábio foi julgado por uma denúncia

feita por Meleto, Licon e Anito, nessa, era acusado de criar novos Deuses e

cultuar deuses que não eram os deuses oficiais da Polis. Também o acusavam de

subverter o pensamento dos jovens e corromper a mocidade.

Em seu discurso de defesa perante o povo ateniense e os 501 juízes

que o julgaram, Sócrates desbanca as duas acusações, deixa claro que algum dia,

seriam acusados de terem matado o homem mais sábio da Grécia e expressa sua

própria concepção acerca de sua morte, que acredito ser esclarecedora e valiosa,

por conta disso, transcreverei na seqüência algumas partes que melhor ilustram

suas idéias.

Ora, aconteceram-me estas coisas, que vós mesmos estais vendo e que, decerto, alguns julgariam e considerariam o extremo dos males [...]

Sócrates também indica que em momento algum de todo o processo,

o deus se manifestou contra qualquer coisa que estivesse ocorrendo e indica a

suposta causa:

[...] em verdade este meu caso arrisca ser um bem, e estamos longe de julgar retamente, quando pensamos que a morte é um mal (PLATÃO, 1967 p. 97)13.

Justifica sua posição com o seguinte discurso:

Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para um outro. Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte seria um maravilhoso presente. Creio que, se alguém escolhesse a noite na qual tivesse dormido sem ter nenhum sonho, e comparasse essa noite às outras noites e dias de sua vida e tivesse de dizer quantos dias e noites na sua vida havia vivido

13 PLATÃO, Apologia de Sócrates, XXIX.

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melhor, e mais docemente que naquela noite, creio que não somente qualquer indivíduo, mas até um grande rei acharia fácil escolher a esse respeito, lamentando todos os outros dias e noites. Assim, se a morte é isso, eu por mim a considero um presente, porquanto, desse modo, todo o tempo se resume em uma única noite (PLATÃO, 1967, p. 98-101)14.

Se ao contrário, a morte for concebida como uma passagem deste lugar para outro , o Filósofo afirma:

[...] se é verdade o que se diz que lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir, ó juízes, maior do que este? Porque, se chegarmos ao Hades, libertando-nos destes que se vangloriam de serem juízes, havemos de encontrar os verdadeiros juízes, os quais nos diriam que fazem justiça acolá[...] seria então essa viagem uma viagem de se fazer pouco caso?

Conclui suas reflexões dizendo:

Quero morrer muitas vezes, se isso é verdade, pois para mim, especialmente, a conversação acolá seria maravilhosa quando eu encontrasse Palamedes e Ájax Telamônio e qualquer um dos antigos mortos por injusto julgamento.

Com certeza aqueles de lá mandam a morte por isso, porque, além do mais, são mais felizes do que os de cá, mesmo porque são imortais, se é que o que dizem é verdade (PLATÃO, 1967, p. 98-101)15.

Sócrates termina sua defesa pedindo para que quando crescerem

seus filhos, que os tratem como ele tratou os atenienses, que os questionem e os

critiquem, que os eduquem e que não lhes permitam pensar ser aquilo que não

são, que dessa forma, estarão sendo justos com seus filhos e com ele próprio e

completa: “Mas, já é hora de irmos: eu para a morte, e vós para viverdes. Mas,

quem vai para melhor sorte, isso é segredo, exceto para Deus.” (PLATÃO, 1967, p.

102)16.

Sócrates, ao ser obrigado a se envenenar com a cicuta, a sorve com

tanto entusiasmo que passa a ser um modelo às gerações vindouras; apesar de

14 PLATÃO, Apologia de Sócrates, XXIX e XXX. 15 PLATÃO, Apologia de Sócrates, XXIX e XXX. 16 PLATÃO, Apologia de Sócrates, XXX.

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repudiar o suicídio, traz em seu discurso referências que fazem com que a morte

se torne algo desejável, dela que é “[...]a porta de entrada para o mundo das

presenças ideais, do qual a realidade terrena é apenas uma sombra” (ALVAREZ,

1999, p.72).

Muitos autores, como Lima (1967), comparam o suicídio de Sócrates

com a morte de Cristo, por muitos também considerada suicídio: “[...] Sócrates foi

uma prefiguração de Cristo. Sua morte, como a de Cristo, foi um protesto contra

todas as tiranias”. 17

De qualquer forma, as posições apresentadas não são definitivas e

outros autores questionam a morte de Sócrates ter sido suicídio.

Aproximadamente um século depois do auto-envenenamento de

Sócrates, o estoicismo considerou o suicídio a “[...] mais razoável e desejável de

todas as saídas”, como eles, os epicuristas18 também se diziam indiferentes à

vida, tanto quanto à morte, a estes, o que importava era o quão prazerosa era

uma situação; tudo que reproduzia prazer era positivo, aquilo que impingisse dor

era negativo. Aos estóicos o importante era viver de acordo com a natureza e caso

isso se tornasse inviável, o suicídio seria uma solução plausível, os escritos

estóicos gregos são repletos de exortações ao suicídio.

Para Heller (2002, p. 362), tanto aos estóicos, quanto aos

epicuristas, a liberdade possuía como condição fundamental a libertação dos

afetos particulares, mas, ao contrário do que era para seus antecessores (uma

17 Sobre esse tema, vale a leitura do livro “O suicídio de Cristo” de Pierre-Emmanuel Dauzat, que discute de maneira aprofundada essa questão. 18 O estoicismo é dependente da escola cínica; o epicurismo é um estoicismo também, mas, sem a agressividade ou o azedume da cínica.

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condição para fazer parte do Estado, para governar livre das paixões), para esses

dois grupos a liberdade servia para faze-los independentes “do mundo circundante

e de suas mudanças”. Por conta disso, a importância dada ao comportamento

conscientemente indiferente frente à morte. O que não quer dizer que essa

liberdade não esteja intimamente atrelada à política, já que, “[...] conquistar uma

atitude indiferente frente à morte era de primeira importância para o homem livre,

não a causa da inevitabilidade da morte natural, mas para melhor ter a

possibilidade de se opor ao tirano e para extirpar o temor da vingança dos tiranos”.

Pode-se perceber, como observa Alvarez (1999, p. 73), que houve

algumas mudanças na compreensão do suicídio entre os estóicos gregos e os

estóicos romanos. O estoicismo grego, segundo o autor, desenvolveu e

racionalizou o suicídio como um ideal de vida de acordo com a Natureza. Já o

estoicismo romano, o qual também teve Platão como ponto de partida,

argumentava que: “Quando a compulsão interna se tornava intolerável, a questão

que se apresentava não era mais se a pessoa devia ou não se matar, mas sim

como ela poderia fazê-lo com dignidade, bravura e estilo” .

Aos romanos o suicídio também não trazia medo ou repulsa, era “[...]

uma validação cuidadosamente considerada e escolhida do modo como haviam

vivido e dos princípios pelos quais haviam vivido”. Segundo o Código Justiniano,

qualquer cidadão podia se matar sem qualquer conseqüência de punição a seu

cadáver ou a seus familiares, desde que esse suicídio se justificasse com um

motivo, dor ou doença, fastio da vida, loucura ou desonra; só não se aceitava que

o indivíduo se matasse irracionalmente, sem deixar explícita sua causa, portanto,

os romanos não puniam o auto-assassinado como um crime, mas como uma

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irracionalidade. Porém, isso era válido apenas para os cidadãos (ALVAREZ, 1999,

p. 75-6).

Todo e qualquer cidadão podia dispor de sua vida sem penalidades

nas condições apontadas pelo Código Justiniano, porém, por óbvios interesses

econômicos e políticos, escravos e soldados não eram entendidos como cidadãos,

os primeiros eram propriedade particular e responsabilidade do vendedor, os

segundos, propriedade do Estado e sua morte por suas próprias mãos não era

justificável, seu suicídio era equivalente a uma deserção e caso fracassasse,

estava sujeito a penalidades.

Alvarez (1999, p. 76) esclarece acerca da situação do suicídio dos

escravos, que os mesmos tinham uma espécie de garantia atrelada à sua

comercialização, pois: “Caso se matasse, ou tentasse se matar, até seis meses

depois de ter sido comprado, o escravo podia ser devolvido – vivo ou morto – ao

seu antigo senhor, e a transação era declarada inválida”.

Na Lei das Doze Tábuas, nada consta acerca da proibição da morte

voluntária, e se legitima que os funerais dos suicidas ocorram normalmente, no

entanto, por razões obscuras o enforcamento é considerado particularmente

maléfico; essa conotação perdura até a época moderna (MINOIS, 1998).

Também se penalizavam os cidadãos considerados criminosos que

tentavam fugir da punição do confisco de seus bens através do suicídio; nesse

caso, como aponta Alvarez (1999, p. 76):

Os parentes, no entanto, tinham permissão para defender o acusado como se ele estivesse vivo; se ele fosse considerado inocente, os parentes ficavam com a herança; se não, os bens do morto ficavam com o Estado. Em suma, na lei romana o suicídio era um crime estritamente econômico. Não era uma ofensa nem contra a moral nem contra a religião, mas apenas

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contra os investimentos de capital da classe proprietária de escravos ou do tesouro do Estado.

Nas palavras de Alvarez (1999, p. 76), os cristãos se apropriaram da

serenidade estóica e das posturas romanas em relação ao suicídio e à morte, mas

subverteram-nas. Para todos os cidadãos romanos, não era a morte em si que

importava, mas como essa se dava, em qual contexto, de que forma. Devia-se

morrer com dignidade, de forma racional e no momento adequado, isso era a

“medida do valor derradeiro da vida de cada um”. Para os cristãos, o suicídio

passou a ser uma forma de martírio, “Da mesma forma que o batismo purgava o

pecado original, o martírio apagava todas as transgressões posteriores”. A igreja

cada vez mais incutia a idéia de que a vida, esse mundo, eram um vale de

lágrimas, um “lugar” do qual os cristãos desejavam ansiosamente se ver livres e

somente a morte podia trazer-lhes a liberdade e levar-lhes a um lugar melhor, dar-

lhes a glória eterna.

Além disso, a igreja oferecia outro incentivo, a glória póstuma, onde

os padres celebravam anualmente no calendário da igreja as mortes cristãs, que

eram oficialmente registradas e os mortos tinham suas relíquias adoradas. Além

de lhes proporcionar a redenção, ainda lhes garantia a adoração e o exemplo

entre os vivos (ALVAREZ, 1999, p. 78-9).

Com o declínio do estoicismo romano, no século II d.C., a partir da

dinastia dos Antoninos passa a haver uma maior rigidez em relação ao suicídio na

legislação romana. Nessa época há um grande desenvolvimento do direito e das

idéias filosóficas, porém, a condenação do suicídio se torna cada vez mais comum

em diversas esferas.

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Nesse período no Império Romano havia uma grande diversidade de

influências. Para os neoplatônicos bem como para os cultos orientais o suicídio

era condenável, já para os órficos e as religiões de mistério que se popularizaram

na época, a alma é aprisionada no corpo por decisão divina e apenas pela por

esta decisão, pode do corpo sair.

Nos primórdios da consolidação da Igreja Católica, a vida era

considerada intolerável em quaisquer circunstâncias e somente a redenção

possibilitaria a liberdade e a glória eterna da alma. “Por que, então, viver sem

redenção quando a felicidade celestial estava a apenas uma punhalada de

distância?” (ALVAREZ, 1999 p. 78-9).

Em seu início, até mesmo a morte de Cristo foi considerada por

Tertuliano – um padre considerado o mais feroz entre seus pares – uma forma de

suicídio.

O assassinato de si mesmo só passa a ser considerado crime19 pela

Igreja Católica a partir do século VI d.C. quando a instituição estabelece leis que

proíbem e condenam o suicídio. É Santo Agostinho quem desenvolve os

argumentos para a criação de tal lei, buscando uma solução contra a suicidomania

que assolava os primeiros cristãos e que até esse tempo, ainda tinha forte apelo

entre os seus fiéis, e o fez baseado no sexto mandamento; o “não matarás”, que

19 “Cabiam-lhe então diversos tipos de sanções: religiosas, em primeiro lugar, com a privação dos

ritos fúnebres e da sepultura em terreno consagrado, com todas as conseqüências que isso

acarretava numa época em que o enterramento ‘junto aos santos’ era a garantia de ressurreição

ao seu lado no dia do juízo. Além disso, conforme a região, a legislação secular também se

interessava pelo caso: a autoridade, fosse ela senhor local ou rei, considerava-se lesada pelo

desaparecimento de um de seus súditos, e a comunidade, poluída pela mancha do pecado

cometido” (VENEU, 1994 p. 15).

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passa a abranger o assassinato de si mesmo; a dificuldade de se encontrar

argumentos para isso estava no fato do livro sagrado não conter qualquer

desaprovação a esse ato. 20

“Essas expressões refletem também a dificuldade sentida pela Igreja para racionalizar sua condenação ao suicídio, já que nem o Antigo nem o Novo Testamento o proíbem diretamente. O Antigo Testamento registra quatro suicidas – Sansão, Saul, Abimelec e Aquitofel –, nenhum deles recebe comentários desfavoráveis” (ALVAREZ, 1999 p. 64).

O Médico cubano Sérgio Pérez Barrero (2002), faz uma análise das

sagradas escrituras e encontra um número de suicídios consideravelmente maior

que o indicado por Alvarez(1999). Segundo Barrero (2002), o primeiro suicídio

bíblico foi o de Abimelec (Juizes 9:54), que o autor indica como um caso de

suicídio assistido relatado na história, já que Abimelec, para que não dissessem

que havia sido morto por uma mulher, pede a seu escudeiro que lhe mate com sua

espada.

O segundo caso relatado é o de Sansão (Juizes 16:30), que para se

vingar daqueles que lhe fizeram perder a força e lhe tiraram os olhos, derruba as

colunas da casa, matando a si, aos que o prejudicaram e a uma série de

inocentes. Saul (Samuel 1:31-5), é o terceiro suicida relatado na Bíblia. Este

também pede a seu escudeiro que lhe assassine, mas como este não o faz, Saul

se atira sobre sua espada. Ao ver que seu chefe havia morrido, também tira a

própria vida, tornando-se o quarto caso das sagradas escrituras.

20 “O triunfo da oposição sistemática ao suicídio a partir de Santo Agostinho é mais como resultado

do contexto histórico do que conseqüência de um princípio claro e fundamental da doutrina

original” (MINOIS, 1998 p. 74).

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Aquitofel (Samuel 2:17-23), o quinto suicida bíblico, era um

conselheiro, que se acreditava proferir palavras divinas, ao ter um de seus

conselhos desprezado, chegando em sua casa, arrumou suas coisas e se

enforcou. O sexto é o suicídio de Zimri (Reis 1:16-18), um rei cruel que ateou fogo

em seu palácio e morreu carbonizado para impedir que fosse capturado.

Eleazar (Macabeus 1:6, 1:46), o sétimo suicídio apresentado nas

escrituras sagradas, morreu esmagado como Sansão, mas como indica Barrero

(2002), ao contrário do ato de vingança cometido por Sansão, Eleazar se sacrifica

para salvar seu povo. Com o intuito de matar o líder dos conquistadores, que

vinha montado em um elefante, jogou-se embaixo do animal e o atingiu no

abdômen, o animal, ao morrer, esmagou o sacerdote hebreu com seu peso.

A oitava é a morte de Ptolomeu Makron (Macabeus 2:10-13), que se

envenenou por não conseguir cumprir adequadamente com suas funções de

governante. Razis (Macabeus 2:14, 2:42-46), também conhecido, por sua

bondade, como “pai dos judeus”, era um dos anciãos de Jerusalém. Seu suicídio é

dos mais violentos dentre os descritos na história; ao se ver encurralado, atacou-

se com sua própria espada no ventre, mas não morreu, subiu em um monte com

seus soldados e se jogou sobre os soldados adversários, mas ainda assim não

morreu e apesar de todas as feridas, correu por entre todo o exército, jogando-

lhes suas vísceras. O suicídio de Razis fecha as aparições desse fenômeno no

antigo testamento, porém, ainda nesse livro, há a descrição das idéias suicidas de

Sara (Tobias, 3:10), que pensou em se enforcar, porém, para não entristecer a

velhice de seu pai, acaba desistindo.

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No novo testamento, o único relato se refere ao suicídio de Judas

Iscariote (Mateus 27:5), que, apesar de sempre ser dito que se enforcou, Barrero

(2000) indica que na verdade, ele se arremessou. Outro dado importante,

apresentado por Dauzat (2000) é que o grande pecado de Judas, não foi ter traído

Cristo, mas sim ter tirado a própria vida, porém, ou autor diz isso já baseado nas

discussões de Santo Agostinho e não nos próprios juízos Bíblicos.

A partir da proposta de Santo Agostinho, considerou-se que se um

indivíduo tirasse a própria vida com o intento de expiar seus pecados, ele estaria

usurpando a função que cabia ao Estado e à Igreja; se morresse inocente com o

intuito de escapar ao pecado, estaria sujando suas mãos com seu próprio sangue

inocente, o que tornava o suicídio um pecado pior do que qualquer outro, já que

morto não teria como se arrepender (ALVAREZ, 1999 p. 80-1).

Essa lei é aprovada em 533 d.C. pelo Concílio de Órleans21, que

proíbe que se preste honras fúnebres ao suicidado, porém, essa decisão se

restringia àquele que se matasse quando estivesse sob a acusação de ter

cometido um crime.

Em 56222 d.C. é a vez do Concílio de Praga proibir a prestação de

honras aos cadáveres de suicidas, passando a lei a abranger todo e qualquer

suicida, independentemente da posição social, motivo ou método. Por fim, em 693

d.C. o Concílio de Toledo alcança até mesmo aqueles que não foram bem

21 Segundo Kalina & Kovadloff, em 452, o “Consílio de Arlés declarou que o suicídio constituía um

crime e que só podia ser efeito de um furor diabólico”. Os autores também indicam que nessa

perspectiva, cabe ao suicida certo grau de inocência, devido à suposta possessão. 22 Em Kalina & Kovadloff consta como 563 d.C. (p. 52)

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sucedidos em sua tentativa, definindo que esses devem ser excomungados

(ALVAREZ, 1999, p. 81).

É Santo Tomás de Aquino quem encerra a questão com a seguinte

Suma: “O suicídio é um pecado mortal contra Deus, que nos deu a vida; é também

um pecado contra a justiça e contra a caridade” (ALVAREZ, 1999, p. 81).

Alvarez (1999) comenta que tanto Agostinho quanto Tomás de

Aquino baseiam-se na tese de Platão para defender seus argumentos no que

tange ao pecado contra Deus, e na tese de Aristóteles, naquilo que se refere ao

pecado contra a justiça (o filósofo grego falava em responsabilidade com a

comunidade). No que se refere ao pecado contra a caridade,

[...]o que Tomás de Aquino tem em mente é a caridade instintiva que todo homem tem para consigo mesmo – ou seja, instinto de autopreservação que o homem compartilha com os animais inferiores; ir contra isso configura um pecado mortal porque é ir contra a natureza (p. 82).

Essa postura da igreja católica, favorece a institucionalização do

repúdio ao suicídio. Um fenômeno que foi tolerado na Grécia, admirado em Roma

e se tornou a redenção dos primeiros cristãos, termina nessa condição, torna-se

objeto de extrema repulsa moral.

Tal significado acerca do suicídio espalha-se por toda Europa, os

corpos dos suicidas são publicamente humilhados, sua memória é praguejada,

seus familiares perseguidos e aquilo que “[...]começou como delicadeza moral e

esclarecimento, acabou se transformando nas atrocidades legalizadas e

consagradas” (ALVAREZ, 1999 p. 65).

Tais atrocidades, mesmo sendo estranhas à cultura judeu-helênica,

conseguem prevalecer porque “sua força advinha de superstições, preconceitos e

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medos primitivos que haviam sobrevivido a despeito do cristianismo, do judaísmo

e do helenismo” (ALVAREZ, 1999 p. 65).

Podemos perceber isso também no texto de Veneu23 (1994, p. 15),

quando discute as práticas medievais relacionadas ao suicídio e o papel da igreja

nesse contexto:

A atitude medieval perante a morte voluntária tem na igreja seu principal agente formulador, embora na sua condenação desse tipo de morte os prelados caminhassem junto com as crenças e reações folclóricas e, juntamente com os juízes seculares, muitas vezes lhes emprestassem o latim e as razões para expressarem os mesmos sentimentos de repulsa e justificarem práticas rituais de aspectos reminiscentemente pagãos.

É possível ainda complementarmos essa compreensão das

atrocidades cometidas contra os corpos dos suicidas com os comentários de

Minois (1998, p. 75) acerca desse fenômeno quando diz que:

Este fenômeno cultural deve muito à desconfiança dos pensadores cristãos medievais em relação ao paganismo antigo. A herança greco-romana, que em parte fora perdida, esquecida ou deformada, fornece sempre alguns modelos científicos e filosóficos, mas retira-lhe todo o valor de referência moral. A Idade Média adopta Aristóteles e Ptolomeu quando eles falam de astronomia, mas a partir da revelação cristológica não aceita senão uma autoridade moral – a das Escrituras –, desenvolvida pela Tradição(...). Por isso, parece acreditar-se mais na ciência da antiguidade, mas não na sua moral, que releva dos escolásticos e do direito canônico.

Outro fato interessante do período medieval em relação ao suicídio,

como ressalta Minois (1998, p. 19) é que, ao contrário da Antiguidade pagã,

poucos são os suicídios entre pessoas ilustres. Há também uma diversidade nos

motivos entre as categorias sociais e os objetivos que almejavam conquistar com

o ato, por exemplo, “[...] o camponês e o artesão enforcavam-se para escapar à

23 Marcus Guedes Veneu é historiador, seu livro é a publicação de sua dissertação de mestrado defendida no programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ em 1992.

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miséria e ao sofrimento; o cavaleiro e o clérigo deixavam-se morrer para escapar à

humilhação e frustrar o infiel com seu triunfo”.

Clarifica-se também que a forma de lidar com os cadáveres de cada

suicida estava ligado ao motivo e ao meio utilizado para concretizar o ato, mas

acima de tudo, à posição social que ocupava o auto-homicida.

Os suicídios considerados como fuga, suicídios vulgares, eram

severamente punidos, enquanto os considerados nobres, aqueles que

ressaltavam a “honra cavalheiresca e a fé inabalável até o martírio”, esses eram

admirados. (MINOIS, 1998, p. 19).

Minois (1998, p. 19) nos elucida que “a sociedade medieval, dirigida

por uma casta militar e sacerdotal, mostra-se assim de acordo consigo mesma e

ergue como norma moral o ideal cavalheiresco e a busca do sacrifício cristão”. Os

reflexos disso podem ser encontrados na literatura da época. O autor também

indica não ter encontrado qualquer menção de processo contra algum cadáver

nobre que tenha se matado nessa época, principalmente pelo fato desses terem à

sua disposição formas de escamotear as mortes voluntárias (acidentes de caça,

torneios), enquanto os outros dispõem principalmente das cordas, das quedas e

dos afogamentos.

Segundo Alvarez (1999) a envergadura da punição ao ato suicida é

diretamente proporcional ao medo que se tem deste em determinado momento

histórico.

Para Minois (1998) a relação com o suicido nessa época parte de

uma visão matizada, ou seja, apesar da rigidez da teoria, da religião e do direito

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em relação ao ato, a sua aplicação se fixava mais nos motivos do ato, na

personalidade do suicida e em sua origem social.

Um momento de transformação no trato com o suicídio se dá por

volta do século XII, quando se passa a valorizar uma nova forma de privacidade

“pessoal e não mais coletiva, realizando-se em várias dimensões da existência, ao

lado da persistência dos antigos valores”. Passa-se a reconhecer no indivíduo

singular, no interior de cada um, um valor pessoal, precioso, mas freqüentemente

mantido em segredo, como na confissão ou no amor cortês (VENEU, 1994, p. 19).

Conforme o “Eu” ia sendo valorizado, as atitudes coletivas perante a

morte transformavam-se:

Uma série de indícios dão conta da mudança nessa atitude, a partir do século XII e estendendo-se pelos seguintes. Um dos primeiros é o ressurgimento da individualização das sepulturas e dos monumentos funerários, distinguindo do anonimato dos pobres a memória dos mortos ilustres, santos ou grandes deste mundo. Inscrições funerárias e efígies dos defuntos multiplicam-se não só nos túmulos monumentais e capelas de família como também, de forma mais modesta, em placas afixadas às paredes das igrejas com os dizeres: ‘aqui jaz...’(VENEU, 1994, p. 22).

Na transição entre Idade Média e Modernidade, com a transformação

da forma de se compreender o homem e o mundo, há uma nova mudança na

forma de se compreender e lidar com o suicídio, como expõe Alvarez (1999, p.

159):

O que diferenciou, portanto, a atitude da renascença da atitude da Idade Média para com o suicídio não foi um súbito acesso de esclarecimento na prática, mas uma nova ênfase sobre o individualismo que fazia com que os grandes problemas morais da vida, da morte e da responsabilidade parecessem mais fluidos e complexos do que antes, e muito mais abertos a questionamentos.

Minois (1998, p. 79-80) ressalta que “[...] alguns homens do

Renascimento tiveram a impressão muito nítida de um aumento do número de

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suicídios na sua época”, segundo o autor, “alguns historiadores do século XIX

deixaram-se impressionar por estas declarações, mesmo raras e bastante vagas,

e contribuíram assim para alicerçar a idéia de algumas tendências suicidarias

próprias do Renascimento”.

Inclusive, pelo fato de a Inglaterra, ao contrário da maioria dos outros

países, ter dados estatísticos acerca dos suicídios no país causou uma falsa

impressão de que lá havia muito mais ocorrências do ato, o que “contribuiu para a

difusão do mito do ‘mal inglês’” (KURCGANT; WANG, 2004, p. 41).

No fim do século XVI e início do século XVII, a preocupação dos

europeus com o suicídio se manifesta na expressão de Hamlet; “ser, ou não ser –

eis a questão”. Entre os quarenta anos que vão de 1580 a 1620, o teatro inglês

expressa mais de duzentos suicídios em suas peças. Minois completa

interpretando que este fato revela um “fenômeno social” que promove no público

uma atração feita de curiosidade e inquietude. Para o autor, os espectadores

desse período “revelam-se partidários da morte voluntária”, indicando a

confirmação desse fato pela diversidade e quantidade de produções que

“[...]abordam pela primeira vez o suicídio como tema central de reflexão,

colocando em causa as interdições tradicionais a fim de estudar as motivações e o

valor desse ato à luz da razão e dos antigos exemplos” (MINOIS, 1998, p. 113).

Por exemplo, já no século XVII, mais especificamente 1608, John

Donne escreve a primeira obra Inglesa de defesa ao suicídio24, onde expõe que:

24 Seu livro se chamava Biathanatos. (A declaration of that paradoxe, or thesis, that self-homicide is

not so naturally sinne, that it may never be otherwise) – Biathanatos (Uma declaração Uma

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“[...] em todos os tempos, em todos os lugares, sob todas as circunstâncias,

homens de todas as condições desejaram-no e sentiram-se inclinados a praticá-

lo.” (DONNE apud ALVAREZ, 1999, p. 161-2). Donne, não chega a publicar seu

texto. Depois de entrar para a vida eclesiástica, se envergonha e critica sua

produção, este veio a ser publicado após sua morte em 1647.

Porém, Donne não estava disposto a arcar com o peso da

responsabilidade de suicídios provocados por sua obra, pois uma coisa é ressaltar

a admiração por suicidas históricos como Brutus e Catão, outra é um ato que deva

ser sancionado. Ele declara não fazer qualquer apologia ao suicídio e tampouco

pretende indicar em quais circunstâncias concretas o suicídio seria permissível.

Nas palavras do próprio Donne:

Abstive-me de forma voluntária em estender esse discurso a certos exemplos e regras particulares, ao mesmo tempo que não me atrevo a ser mestre numa ciência tão especial, mas porque os limites são obscuros, abruptos, deslizantes e estreitos, e aí o erro é mortal (DONNE apudMINOIS, 1998, p. 121).

Além disso, Donne se atreveu a propor uma reflexão dentro da

própria teologia cristã, usando sempre argumentos religiosos e racionais,

atacando-a frontalmente, como expõe Minois:

Consideramos como uma evidência que o suicídio é o pior dos pecados; mas, se examinarmos bem os argumentos que sustentam tal ‘evidência’ podemos verificar que o suicídio pode não ser de todo um pecado. De qualquer modo, não temos o direito de julgar que este ou aquele homem deve ser condenado porque se matou, quando muitas ações que hoje condenamos estavam autorizadas na Bíblia (MINOIS, 1998, p. 122).

declaração daquele paradoxo, ou tese, Segundo o qual o auto-homicídio não é tão naturalmente

um pecado que nunca possa vir a deixar de sê-lo)

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Seu livro é dividido em três partes que questionam respectivamente a

relação do suicídio com as leis da Natureza, as leis da razão e as leis divinas. Em

relação às leis da Natureza, ele indica a necessidade de condenar qualquer

mortificação, já que “[...] todas as práticas visam ‘iludir’ a nossa natureza”. Para

ele, a natureza humana é racional, é o que nos distingue dos animais, sendo

assim, é a partir da razão que devemos selecionar o que é bom e mau em nossas

vidas e muitas vezes, matar-se pode ser muito mais razoável que viver. Além

disso, considerando-se o fato de existirem suicídios entre homens de diversos

lugares e épocas, tal ato não é “[...]tão contrário à inclinação natural como se quer

fazer crer” (MINOIS, 1998, p. 122).

Quanto às leis da razão, considerando-se o já exposto, de que é esta

que rege as leis humanas e levando em conta que certas leis, particularmente as

romanas, não condenavam o suicídio, tampouco o direito canônico o fazia, apesar

de teólogos como São Tomás condenarem o suicídio por esse prejudicar o Estado

e a sociedade sacando-lhe indivíduos úteis; “[...] não se poderá dizer o mesmo de

um general que vira monge ou de um emigrado”? Também nesse aspecto as

mortificações excessivas “podem ser um verdadeiro suicídio disfarçado” ao qual

não se condena. “Nós podemos, pois, renunciar à vida por um bem superior”

(MINOIS, 1998, p. 122).

Referente às leis divinas, Donne não vacila em demonstrar que em

lugar algum da Bíblia, o suicídio é condenado; que o que há é o “Tu não matarás”.

Sendo assim, não seriam pecado “os milhares de homicídios na guerra e nas

execuções capitais”? Não seria suicídio o martírio voluntário, ou a morte de Cristo,

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não o seria por excelência? Rebate também a argumentação de Santo Agostinho

de que Sansão teria recebido apelo divino (MINOIS, 1998, p. 122).

Apesar do raciocínio “fraco, pesado e fastidioso”, sua obra possui

certo peso histórico e todavia “uma força indesmentível”. Donne (MINOIS, 1998,

p. 122)

Também o padre Robert Burton apresentou postura favorável ao

suicídio, porém, “[...] rejeita a justificativa estóica do suicídio como um ato de

refletida dignidade e auto-afirmação”, para ele, “[...] o suicídio não é um ato nem

racional, nem digno, nem ponderado; as pessoas se matam porque suas vidas se

tornaram intoleráveis” (ALVAREZ, 1999, p. 171). Nas palavras do próprio clérigo:

“Esses homens infelizes nasceram para a desdita, estão além de toda esperança

de recuperação, pois padecem de uma doença incurável; quanto mais tempo

vivem, pior se sentem; e só a morte pode aliviá-los” (BURTON apud ALVAREZ,

1999, p. 161-2).

Segundo Alvarez (1999):

O que é certo é que Donne e Burton, cada um ao seu modo, acrescentaram um novo elemento àquilo que antes era uma questão apriorística. Eles a trouxeram para a dimensão em que agora habitamos. Antes, o suicida era considerado sórdido, um condenado que devia ser rejeitado com o mais puro horror. Agora ele começava, pelo menos, a parecer humano: ‘É o caso dele; pode ser também o teu’25 (ALVAREZ, 1999, p. 173) .

Após a Reforma Protestante, o julgamento dos casos de suicídio

deixa de ser departamento canônico, todos os decretos referentes ao suicídio

passam a ser pertencentes à lei civil. Com esse processo, as punições contra os

25 “É o caso dele; pode ser também o teu. [...] Não devemos ser tão precipitados e rigorosos em nossas censuras, como alguns são: a misericórdia julgará melhor: que Deus tenha piedade de todos nós!” (BURTON apud ALVAREZ, 1999, p. 172)

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corpos de suicidas bem como as punições aplicadas às suas famílias, passam a

ser entendidos como gestos bárbaros e estúpidos. Apesar de os estatutos ainda

preverem punições que profanassem os corpos dos suicidas e de seus bens

serem confiscados em benefício da Coroa, "[...] os júris de inquéritos de morte

suspeita se esquivavam deles com uma freqüência cada vez maior, passando um

veredicto de ‘non compos mentis’” (ALVAREZ, 1999, p. 174 – grifo no original).

As leis de punição ao suicídio na França foram reforçadas por duas

vezes no século XVIII e continuaram vigorando até 1770, mas o confisco dos bens

e a difamação do nome do suicidado duram até a Revolução; no código penal que

passa a vigorar, não há qualquer menção ao suicídio como crime.

Na Inglaterra, o último registro que se tem notícia, de degradação a

um cadáver de suicidado é de 1823, mesmo assim, nos cinqüenta anos seguintes

os cadáveres de suicidas pobres que não fossem reclamados eram usados para o

estudo de anatomia; as leis que determinavam o confisco das propriedades do

suicida perduraram até 1870 e até 1961, uma pessoa que fracassasse em sua

tentativa, podia ir para a prisão.

A discussão que se inicia nesse período (séc. XIX) é se o suicidado

tem pleno controle de suas faculdades mentais naquele momento, o suicido passa

a ter uma conotação de traição de si mesmo (felo de se), caso se prove que o

sujeito estava consciente daquilo que estava fazendo; nesse caso, ele era privado

das honrarias fúnebres e seus herdeiros se viam privados da herança.

Como indica Veneu (1994, p. 16):

[...] sobretudo, é sobre a tarefa básica que se propõem esses tribunais que deve concentrar-se nossa atenção: distinguir, na morte voluntária, a parte

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da loucura e a parte da razão. Loucura e razão, irresponsabilidade/responsabilidade, determinação/vontade, essa oposição será o fundo sobre o qual ocorrerá o debate sobre a morte voluntária e seus principais deslocamentos nos séculos seguintes.

Veneu (1994) atenta também para não cairmos no equívoco de fazer

analogias entre as manifestações afetivas ou psicopatológicas modernas; ao

contrário do costume contemporâneo de associar o suicídio a estados

depressivos, na Idade Média, segundo amostra levantada e analisada por J.C.

Schmitt, uma minoria dos casos de suicídio por loucura era relacionados a estados

melancólicos, o mais comum era associarem-se a estados de furor ou frenesi.

Dentre as causas mais comuns atribuídas aos suicídios julgados

como “de caso deliberado”, os especialistas da época apontavam para um radical

comum; o desespero, ou desperatio26.

É nesse mesmo século que se emprega pela primeira vez o termo

suicídio, pelo Abade Desfontaines, porém, Alvarez (1999, p. 64 – grifos no original)

indica ter encontrado o termo em alguns dicionários:

O Oxford English dictionary data de 1651 a primeira utilização do termo; encontrei a palavra numa obra pouco anterior, a Religio Medici de Sir Thomas Browne, escrita em 1635 e publicada em 1642. Mas o termo ainda era raro o bastante para não aparecer na edição de 1755 do dicionário do dr. Jhonson. Em seu lugar, usavam-se expressões como self-murder(auto-assassinato), self-destruction (auto-destruição), self-killing, (auto-assassinato), self-homicide (auto-homicidio), self-slaughter(automassacre) – todas elas refletindo associação feita entre suicídio e assassinato.

Também Veneu (1994) indica que o suicídio é o nome dado pela

modernidade ao fenômeno da morte voluntária, “[...] neologismo que apareceu

pela primeira vez, ainda em latim, na Inglaterra de 1630”, segundo ele, são os

26 “A desperatio é ‘um vício, a dúvida sobre a misericórdia divina, a convicção de não poder ser

salvo’” (SCHMITT, 1976 p. 4-5 apud VENEU, 1994, p. 20).

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romances modernos e o ‘século das luzes’ que “[...] são responsáveis pela

popularização do termo, bem como sua entrada definitiva nos dicionários”. Porém,

essa mudança na forma de se referir ao fenômeno não se dá por acaso;

[...] ela reflete a mudança no entendimento coletivo do gesto, da mesma forma que na atitude diante da morte em geral e na construção da subjetividade. A criação do termo ‘suicídio’ corresponde a uma reorganização do seu significado, que entretanto não se apresenta como inovação absoluta, mas filia-se a uma tradição longamente elaborada da morte voluntária (VENEU, 1994, p. 14).

Sem Dúvida o século XVIII é divisor de águas em diversos aspectos

sociais, com o suicídio não foi diferente, como já foi indicado em parágrafo

anterior; é nesse século que o termo suicídio se consolida e no pós Revolução

Francesa que o fenômeno é significado de maneira mais próxima de como o

entendemos atualmente, como apresenta Coelho (1997, p. 49):

A partir da segunda metade do século XVIII, as punições em relação ao suicida e seus familiares começaram a ser suavizadas; não tanto pela compreensão em relação ao suicídio, mas devido ao fato de o indivíduo isolado perder a importância coletiva que tinha, tanto na antiguidade quanto na idade média.

O rompimento entre Igreja e Estado e a adoção por parte deste pelo

liberalismo têm papel fundamental nesse processo, como salienta Coelho (1997,

p. 50):

Essa liberalização em relação aos suicidas foi uma das conseqüências da desvinculação entre a Igreja e o Estado. Este último com a ascendência da ideologia liberal, que preservava os assuntos privados, sentia-se cada dia mais intimidado para tomar resoluções contra o indivíduo, à medida que sua ação fosse um ato isolado que não afetasse os poderes do Estado. A Igreja, no entanto, continuou a condenar o suicida, abrandando, entretanto, a condenação em relação aos familiares.

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Dois outros fenômenos importantes que ocorreram no século XVIII e

que tem grande relevância em relação ao suicídio são o movimento Racionalista e

o Movimento Romântico.

O debate em torno do que havia de certo e de errado no ato continuava tão inflamado como sempre, mas agora os tradicionalistas devotos tinham adversários mais difíceis contra os quais esbravejar. Montesquieu, Voltaire e Hume, bem como figuras menores como Alberto Radicati, o conde de Passerano, analisaram o assunto racionalmente e com comedida indignação, e um maior esclarecimento humanitário começou a se fazer sentir em todas as camadas (ALVAREZ, 1999, p. 174).

Quanto mais avançava o discurso Racionalista, mais seus opositores

se manifestavam contra, qualificando o suicídio como um crime hediondo que

devia ser punido das formas mais perversas possíveis e os corpos dos suicidas

deviam ser publicamente maltratados. Isso ocorria porque para os Racionalistas o

suicídio não passava de um ato banal e achavam um "absurdo" que tanta

importância fosse dada a isso, a algo que Hume sintetizou em sua célebre frase:

"A vida de um homem,tem tanta importância para o universo quanto a vida de uma

ostra" (HUME, 1977, p. 123).

A posição de Hume não era publicamente compartilhada por todos

os seus contemporâneos, porém, amiúde, o suicídio já havia mudado de status

nas esferas cotidianas, deixou de ser tabu para se tornar costume.

Uma passagem célebre desse momento histórico é a lenda de que

um francês convidado por um amigo para jantar, responde-lhe: "Com o maior

prazer. Se bem que, agora que parei para pensar, lembrei que tenho um

compromisso inadiável de me dar um tiro. Não se pode escapar de um

compromisso desse". Era de bom tom que a tal tipo de comentário, as pessoas

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manifestassem indiferença, chegando a bocejar como resposta, até mesmo

aquele que se mataria devia mostrar-se insensível. (ALVAREZ, 1999, p. 185)

Tal reação ao suicido aniquila as possibilidades de tratá-lo de forma criativa

na literatura; fazendo com que deixe de ser tema fecundo à poesia. É a frase

supracitada de Hume (1977) que define toda a postura frente ao suicídio daquele

momento histórico. Como iindica Alvarez (1999, p. 188).:

[...] a admirável, nova e, de certa forma, corajosa tolerância que a época tinha para com o suicídio como um ato ao qual todos tinham direito era contrabalançada por uma repugnância inata pelo drama e por um hábito do gosto, se não da mente, que fazia todo cavalheiro devidamente provido de estilo e inteligência reagir ao desespero com impaciência.

Entre os Românticos, a interpretação era muito distinta, nesse

movimento, a melancolia leva o nome 'spleen', que tinha como característica "[...]

uma tristeza mais circunscrita e controlada que encontrava a sua válvula de

escape não no desespero, mas no rancor e na mordacidade da grande idade da

sátira". Esse 'clima' que envolvia o Romantismo foi responsável pela

transformação da tradicional combinação "gênios melancólicos" para uma mais

apropriada ao movimento, que era "gênios suicidas", a morte prematura era muito

comum entre os românticos, fosse pelo estilo de vida e o 'mal do século' ou pelo

auto assassinato.

A sensibilidade extremada decorrente dessa linha de pensamento

não encontrava na vida um espaço suficientemente adequado para sua

manifestação, como indica Alvarez (1999, p. 203-4):

Era um dogma romântico a idéia de que a vida intensa e verdadeira dos sentimentos não sobrevivia e não podia sobreviver à meia-idade. Balzac delineou as alternativas em La Peau de chagrin (A pele de onagro): ‘Matar as emoções e viver até a velhice, ou aceitar o martírio de nossas paixões e morrer jovem, essa é a nossa sina’.

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Os Românticos trazem como um de seus ícones o poeta Thomas

Chatterton, que foi um dos suicidas mais famosos da esfera literária. O suicídio

desse autor não é uma grande manifestação do sentimentalismo excessivo dos

românticos, está muito mais enraizado no fato dele não conseguir sobreviver de

sua produção.

Chatterton pode ter sido símbolo para muitos românticos

(principalmente os Ingleses), porém, vai ser o jovem personagem Werther, de

Göethe, a figura emblemática do suicídio para a população da época, "[...] não era

mais um personagem de um romance, mas um modelo de vida que firmou todo

um estilo de hipersensibilidade e desespero” (ALVAREZ, 1999, p.208).

Tais movimentos contribuíram para a transformação na forma de se

compreender o suicídio, como transparece na citação de Alvarez (1999, p. 288) a

seguir:

Os racionalistas das gerações anteriores tinham inocentado o ato do suicídio, tinham ajudado a mudar as leis e a abrandar os tabus religiosos primitivos, mas foi Werther quem fez o ato parecer realmente desejável para os jovens românticos de toda a Europa. Chatterton fez basicamente o mesmo para os poetas ingleses, seu considerável renome devia-se não ao seu trabalho, mas à sua morte.

Fala-se no surgimento de uma moda de suicídio a lá Werther, porém,

creio ser mais prudente atentarmos para os acontecimentos da época, para as

situações sócio-culturais, históricas e econômicas, do que cair numa análise

superficial de um modismo. Cabe perguntar: "o que a leitura dos 'sofrimentos do

jovem Werther' despertava naquelas pessoas?" (principalmente nos jovens).

Em diversos momentos do século XX surgem discussões acerca do

direito do indivíduo tirar a própria vida; em 1901, Paris, uma pequena brochura de

quatro páginas é publicada como suplemento do quinto número da revista La

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Critique; o texto, intitulado Technique du Suicide, foi produzido por Paul Robin, 64

anos “e um passado nem um pouco banal”.27 O velho anarquista suicidou-se

indubitavelmente em primeiro de setembro de 1912 (GUILLON; LE BONNIEC,

1984, p. 131).

Foram publicados em inúmeros periódicos artigos, enquetes, cartas

e ensaios defendendo ou repugnando o suicídio como um direito. Em 1925, por

exemplo, a revista “La Révolution Surréaliste” publicou uma enquête feita com

diversos adeptos do “movimento artístico”, que respondiam à pergunta “Seria o

suicídio uma solução?”.

A referência mais antiga de associação pró-suicídio e eutanásia

encontrada foi da “EXIT – The society for the right to die with dignity”, fundada em

1930 em Londres. A idéia dessas associações era dividir com seus membros

técnicas eficazes de tirar a própria vida.

Guillon & Le Bonniec (1984) descrevem em seu livro “Suicídio -

Modo de usar” a construção de algumas dessas sociedades e algumas das

propostas nelas envolvidas. Um dos fatos importantes ressaltados por eles é o

fato dessas associações possuírem diferentes posturas frente ao ato suicida, à

produção e divulgação de material e às formas de associação dos membros.

Foi a partir da década de 1970 que houve um grande número de

associações desse tipo criadas em diversos países. Seus criadores defendiam,

em sua maioria, o direito do cidadão comum a ter acesso aos conhecimentos

27 Robin participou da Internacional em 1866, do congresso de Bruxelas em 1868, foi nomeado membro do conselho geral da Associação Internacional dos Trabalhadores por proposta de Marx e desenvolveu a teoria da “educação integral”; impedido de continuar suas pesquisas na educação, passa a publicar em 1896 o Régenération, um jornal de influência neomalthusiana. É nessa perspectiva que vai escrever o livreto.

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necessários para tirar suas vidas sem dor ou sofrimento, de forma eficaz e com o

menor risco de, caso fracassassem, sofrerem o menor número possível de danos

físicos. Para tanto, rogavam aos médicos e profissionais da saúde, que dividissem

seus conhecimentos com a população. Certamente, disso surgem diversos

questionamentos éticos, que vão criando as distinções entre as associações,

desde aquelas que defendiam a elaboração de manuais que ensinassem as

pessoas a se matar ‘com segurança’ e a divulgação indiscriminada desse material,

a qualquer um que demonstrasse interesse (independendo inclusive a idade), até

aquelas que se dispunham a fazer uma análise psicológica dos interessados.

O próprio livro de Guillon & Le Bonniec, ambos militantes da “morte

doce”, contem um manual, que se divide em meios eficazes, pouco eficazes e

“jamais tente isso, pois será fracasso certo seguido de dor e sofrimento”. Os

autores socializam verdadeiras receitas de como se matar, pensando inclusive em

detalhes como o local, datas de validade dos remédios e afins; tudo para evitar o

fracasso dos atos.

Com o advento da internet, pode-se encontrar diversos sites dessas

associações pró-suicídio e eutanásia, algumas inclusive tendo caráter misto em

relação ao apoio e à prevenção.

De qualquer maneira, no código penal brasileiro, criado em 1940 e

vigente desde 1942, consta sobre o suicídio o Art. 122 – Induzimento, instigação

ou auxílio a suicídio – “Induzir ou instigar alguém ao suicídio ou prestar-lhe auxílio

para que o faça. Pena – reclusão de 2 a 6 anos caso o suicídio venha a se

consumar, de 1 a 3 anos, caso resulte em lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único. A pena é duplicada: I – se o crime é praticado por motivo

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egoístico; II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a

capacidade de resistência” (JESUS, 2004, p. 357).

Essa determinação parte da idéia de que punir as tentativas de

suicídio apenas contribuiria para que estas fossem melhor elaboradas, evitando

que houvessem falhas e garantindo que os indivíduos alcançassem seu objetivo,

além de que, o indivíduo estando desgostoso com sua vida a ponto de tentar

dispô-la, torna-lo criminoso apenas aumentaria seus desgostos e seria um aliado

para uma próxima tentativa.

Desde sua fundação, em 1950, a Organização Mundial de Saúde

acompanha os dados relativos ao suicídio em todo o mundo, nesse ano de sua

criação apenas 21 países relataram as mortes por suicídio. Em 1998, a OMS

passou a desenvolver um trabalho de avaliação crítica da situação mundial do

suicídio, a partir dos dados de oficiais de 105 países, que foram agrupados por

sexo e idade em intervalos de cinco anos. (WANG et al., 2004, p.97)28

No Brasil até 1975, todas as informações referentes aos óbitos em

geral, entre eles o suicídio, era de responsabilidade do IBGE (Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística), mas desde essa data, o manejo desses dados

tornaram-se tarefa do Ministério da Saúde, através do SIM/MS (Sistema de

Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde), que é baseado em um “[...]

modelo padronizado de atestado de óbito, preenchido por médico ou perito-legista

e lavrado em cartório de registro civil” (WANG et al., 2004 p. 101).

28 As informações extraídas desse texto são creditadas à WHO – OMS (World Helth Organization – Organização Mundial de Saúde), porém, não são citações ipsis litteris que os autores fazem, por conta disso, opto por creditar os autores e citar a WHO apenas quando forem informações extraídas por mim do site da Organização ou quando forem citações literais dos autores.

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Apenas em 1980 o Brasil passa a fornecer informações acerca da

mortalidade por suicídio no país sendo que as últimas constam do ano 2000.

Dentro desse espaço de 20 anos, as taxas de suicídio do país foram

consideravelmente baixas em relação a muitos outros países. (WANG et al., 2004,

p.98)

“Em números absolutos de mortes por suicídio, Brasil ocupa a nona posição no ranking mundial. Entretanto, quando se consideram as taxas de suicídio (número de casos de suicídio/100.000 habitantes), o Brasil foi posicionado em 71º lugar na classificação mundial” (WANG et al., 2004, p.98).

Os países com as maiores taxas de suicídio encontram-se

particularmente no Leste Europeu, principalmente entre aqueles que “[...]

compartilham passado histórico similar e características sócio-econômicas

semelhantes: Estônia, Letônia e Lituânia”, também a Rússia, Hungria e Finlândia.

Dentre os países dos outros continentes, as taxas mais altas estão entre “[...]os

países insulares, tais como: Cuba, Japão e Ilhas Maurício”. Já as taxas mais

baixas “encontram-se em países circumediterrâneos e de tradição islâmica, bem

como em algumas repúblicas da Ásia Central”29 (WANG et al., 2004, p.98).

Em 1999, a OMS iniciou uma campanha mundial para a prevenção

ao suicídio, entre as propostas da Organização está um estudo multicêntrico de

intervenção sobre comportamentos suicidas, também designado como SUPRE-

MISS (Suicide Prevention – Multisite Intervention Study on Suicidal Behaviours).

29 Wang et al indicam que a tradição religiosa parece exercer influência nas taxas suicidógenas, já que entre os países onde a religião condena o suicido, a taxa é próxima a zero; 0,1/100.000, enquanto entre países católicos e budistas, por exemplo, essas taxas variam entre 1,2 e 17,9/100.000 habitantes. Em países “pouco oficialmente ateus”, como a Rússia e os países Bálticos, tais taxas variam entre 27 e 44/100.000 habitantes. (BERTOLOTE; FLEISHMAN, 2002 apud WANG et al 2004, p. 99).

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Tal estudo “está se realizando em 13 países e engloba a avaliação

de estratégias de tratamento para o suicídio, um inquérito populacional relativo à

ideação, ao comportamento suicida e a uma descrição de índices socioculturais da

comunidade pesquisada” (BOTEGA et al., 2004, p. 178).

As justificativas para o surgimento desse programa são: o

crescimento de 60% nas taxas de mortalidade por suicídio nos últimos 45 anos,

tantos nos países desenvolvidos, quanto nos em desenvolvimento, sendo que

nesse período os maiores coeficientes de suicídio que se encontravam entre os

idosos mudaram para as faixas etárias mais jovens, entre 35 e 45 anos e em

alguns países, até mesmo entre 15 e 25 anos, sendo que dentre esses, o suicídio

é uma das cinco maiores causas de morte em ambos os sexos e o fato de

algumas formas de intervenção dentre as propostas pelo programa serem

bastante eficazes na redução e prevenção dos suicídios e de poderem ser aliadas

a abordagens terapêuticas na atenção primária (BOTEGA, N. J. et al., 2004).

O SUPRE/MISS possui os seguintes objetivos: possibilitar a

ampliação da conscientização acerca dos problemas derivados do comportamento

suicida; identificar variáveis válidas e fidedignas da determinação dos fatores de

risco para o comportamento suicida fatal e não fatal, enfatizando principalmente os

fatores sociais; descrever os padrões comportamentais do suicídio, identificar as

variáveis determinantes do comparecimento a serviços de saúde por indivíduos

que tentaram o suicídio; identificar os tratamentos capazes de diminuir as

tentativas de suicídio; melhorar a eficácia dos serviços de saúde através de

intervenções específicas que reduzam a quantidade de tentativas de suicídio

(BOTEGA et al., 2004, p. 178)

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No Brasil, na UNICAMP são desenvolvidos dois subprojetos do

SUPRE/MISS, um em que todos os casos de tentativa de suicídio que chegam no

hospital da universidade são avaliados através de um instrumento padronizado e

os indivíduos são convidados a participar do estudo.

Objetiva-se atingir um total de 600 sujeitos que são aleatoriamente

divididos em duas modalidades de tratamento:

1) Tratamento usual, de acordo com normas usadas localmente (no caso do centro brasileiro – UNICAMP –, os pacientes são encaminhados para os ambulatórios do hospital ou para outros serviços da rede pública: postos de saúde, CAPS, internação); 2) Intervenção Breve. Esta última inclui: sessão de uma hora de informação e provisão de uma brochura, tão próxima da alta do pronto-socorro quanto possível, é uma série de telefonemas ou visitas domiciliares (1, 2, 4, 7, 11 semanas e 4, 6, 12, 18 meses após a tentativa de suicídio) (BOTEGA et al., 2004, p. 178).

O segundo projeto desenvolvido pela UNICAMP é um inquérito

populacional em que 500 pessoas residentes na área atendida pelo pronto-socorro

do subprojeto foram selecionadas aleatoriamente e entrevistados através de um

questionário específico. Tal inquérito visa identificar a ideação e o comportamento

suicidas nos indivíduos que, por vários motivos, não buscam um pronto-socorro

por conta desses problemas, o que chamam de “a parte submersa do iceberg”

(BOTEGA et al., 2004, p. 179).

No município de São Paulo (onde o suicídio foi a quarta maior causa

morte entre indivíduos entre 10 e 24 anos no ano 2001) a Secretaria da Saúde do

adotou um modelo de atuação baseado nos programas do SUPRE/MISS; “um

programa de seguimento, com busca ativa de pessoas que tentaram o suicídio”.

Junto a essa política assistencial, acoplou-se um protocolo de pesquisa que visa

levantar o perfil dos tentadores de suicídio do município. Na fase piloto do projeto

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participaram as sub-prefeituras da Sé e do Jabaquara. Esse projeto possui

financiamento da FAPESP e colaboração da UNICAMP no treinamento de

profissionais da rede de saúde (BOTEGA et al., 2004, p. 180).

No ano 2000, a Organização Mundial da Saúde (OMS)30 veiculou 8

manuais para prevenção do suicídio, voltados para profissionais da saúde em

atenção primária, profissionais da mídia, médicos clínicos gerais, professores e

outros profissionais da equipe escolar, profissionais que trabalham nos presídios,

além de um manual para a formação de grupos de sobreviventes, e dois livretos

de auxílio, um para “conselheiros” e outro sobre relações de trabalho.

Esses livretos, escritos em inglês, foram traduzidos para 11 línguas

(francês, chinês, russo, árabe, espanhol, estoniano, lituano, flamengo, polonês,

sérvio e português), porém, não em sua totalidade; no Brasil, por exemplo, foram

traduzidos apenas 4 desses manuais. A OMS incentiva a tradução, publicação e

disseminação desses manuais nos diversos países do globo como estratégia de

prevenção.31 Tais manuais e outros materiais publicados pela OMS podem ser

encontrados no página da internet da Organização Mundial de Saúde, no seguinte

endereço: www.who.int/mental_health/resources/suicide/en/.

Cabe uma breve apresentação do conteúdo desses manuais que

foram traduzidos para o português, o que permite ter uma noção das estratégias

propostas pela OMS no sentido de prevenir as tentativas de suicídio.

O manual para profissionais da saúde em atenção primária se inicia

com um dimensionamento do problema, indicando alguns dados acerca da morte

30 World Health Organization (WHO) 31 Em português pode-se encontrar os manuais voltados para os profissionais da saúde em atenção primária, profissionais da mídia, professores e educadores e médicos clínicos gerais.

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por suicídio em termos globais, indicando também a multi-determinação do

fenômeno e valorizando a possibilidade de prevenção de grande parte das

tentativas.

O manual indica que o “suicídio é agora uma grande questão de

Saúde Pública em todos os países. Capacitar a equipe de atenção primária à

saúde para identificar, abordar, manejar e encaminhar um suicida na comunidade

é um passo importante na prevenção do suicídio” (OMS, 2000a, p. 04).

Sendo assim, o enfoque na equipe de atenção primária à saúde se

dá pelo grande contato que esses profissionais possuem com os habitantes das

comunidades e por sua aceitação junto a elas, o que acaba estabelecendo um elo

entre os moradores e o sistema de saúde. No caso de países em

desenvolvimento, pela precariedade nos serviços de saúde mental, o profissional

da atenção primária acaba sendo o primeiro recurso de atenção à saúde. “Em

resumo, os profissionais de saúde da atenção primária são disponíveis,

acessíveis, detentores de conhecimento e comprometidos com a promoção de

saúde” (OMS, 2000a, p. 05).

O livreto apresenta algumas relações entre transtornos mentais, já

que os estudos de diversos pesquisadores indicam que a maioria dos indivíduos

que se suicidou era diagnosticável por algum transtorno mental e também por

indicarem que tanto os suicídios quanto os comportamentos suicidas são mais

freqüentes em pacientes psiquiátricos. Dessa forma, estabelece uma relação entre

o suicídio e a depressão (em suas diversas formas), os transtornos de

personalidade como o anti-social e o borderline quando possuem traços de

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impulsividade; a agressividade e alterações de humor freqüentes; o alcoolismo ou

abuso de substância alcoólica; a esquizofrenia e os transtornos mentais orgânicos.

Também doenças físicas como câncer e HIV/AIDS e doenças de

condições crônicas como diabetes, esclerose múltipla, doenças renais, hepáticas,

gastrointestinais, nos ossos, articulações, cerebrovasculares, neurovasculares e

sexuais são muitas vezes fatores contribuintes para o aumento das tentativas de

suicídio, principalmente quando estão associadas a fortes e constantes dores. As

deficiências físicas também são indicadas como fatores que contribuem para as

tentativas de suicídio (OMS, 2000a, p. 10).

Os fatores sócio-demográficos apresentados estão relacionados ao

gênero (apesar dos homens conseguirem se suicidar com mais freqüência, o

número de tentativas é maior entre as mulheres); à idade (as maiores taxas se

encontram entre 15 e 35 anos e entre aqueles com mais de 75 anos); ao estado

civil (entre as pessoas casadas possuem menos incidência de suicídios, também

as pessoas que moram acompanhadas); à profissão (médicos, veterinários,

farmacêuticos, químicos e agricultores são taxas acima da média); ao desemprego

(a perda de emprego está mais associada ao suicídio que o desemprego) e à

migração (aqueles que migram de áreas rurais para urbanas, bem como de

regiões e países são mais freqüentemente suscetíveis aos comportamentos

suicidas).

Entre os fatores ambientais estão os fatores estressores da vida

como problemas interpessoais, rejeições, problemas financeiros e empregatícios,

bruscas mudanças sociais e fatores como a vergonha e o medo de ser culpado

por algo; a facilidade de acesso a métodos e instrumentos que possibilitem tirar a

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própria vida e a exposição ao suicídio na vida real ou através dos meios de

comunicação, sendo que esse último caso ocorre mais comumente entre

adolescentes (OMS, 2000a, p. 11).

Três características são apresentadas como as mais comumente

associadas ao estado mental do suicida: a ambivalência, a impulsividade e a

rigidez.

Na seqüência, o manual oferece, de forma bastante simples e

didática (até mesmo superficial e pragmática) diversas formas de identificar,

abordar e lidar com os sujeitos em risco de suicídio, maneiras de encaminhamento

do sujeito e quais os recursos comunitários a serem utilizados e como fazê-lo.

O manual dedicado aos profissionais da mídia indica a importância

desse veículo na formação não só da opinião das pessoas, como de suas atitudes

e o quanto uma notícia mal veiculada pode ter conseqüências indesejadas. Por

conta disso, o manual se propõe a destacar qual “o impacto que a cobertura

midiática pode ter nos suicídios, indicar fontes de informação confiáveis, sugerir

como abordar suicídios tanto em circunstâncias gerais quanto especificas e

apontar as armadilhas a serem evitadas nas coberturas de suicídios” (OMS,

2000b, p. 02).

Como exemplo da influência dos meios de comunicação de massa

no cometimento de suicídio, o manual apresenta o ‘efeito Werther’, que é como se

tornou conhecido na literatura técnica o alto índice de suicídios associados à

leitura do livro de J. W. Goethe (1774) , ‘Os sofrimentos do jovem Werther’ por

conta do fenômeno chamado de imitação, que “é o processo pelo qual um suicida

exerce um efeito modelador em suicídios subseqüentes”. Outros dois conceitos

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técnicos são apresentados, sendo o primeiro denominado agrupamento (cluster),

que se refere “ao número de suicídios que ocorrem em estreita proximidade

temporal e/ou geográfica, com ou sem qualquer ligação direta”. O segundo é

chamado de contágio, que é o processo pelo qual um determinado suicídio facilita

a ocorrência de outros suicídios, a despeito do conhecimento direto ou indireto do

suicídio prévio (OMS, 2000b, p. 03).

O livreto atribui o aumento das taxas de suicídio na atualidade aos

manuais de suicídio publicados pelas associações pró-suicídio e eutanásia,

citando especificamente o livro de Derek Humphry “Solução Final – Praticabilidade

da Auto-eliminação (Final Exit)”, e o livro “Suicídio: Modo de usar”, de Claude

Guillon e Yves Le Bonniec.

Citando Philips e cols32 a OMS ressalta que “o grau de publicidade

dado a uma historia de suicídio correlaciona-se diretamente com o número de

suicídios subseqüentes. Casos de suicídio envolvendo celebridades têm tido

impacto particularmente forte” (OMS, 2000b, p. 04).

Apesar da influência do teatro e da música terem sido pouco

estudadas até o momento, a influência da televisão e dos meios impressos é

bastante grande, “histórias altamente veiculadas, que aparecem em múltiplos

programas e em múltiplos canais, parecem ser as de maior impacto – maior ainda

se elas envolvem celebridades”. Já entre os programas de ficção, há uma

diversidade de resultados, sendo que “alguns não mostraram nenhum efeito,

outros mostraram um aumento no comportamento suicida” (OMS, 2000b, p. 04).

32 Philips DP, Lesnya K, Paight DJ. Suicide and media. In: Maris RW, Berman AL, Maltsberger JT,eds. Assessment and prediction of suicide. New Yor, Guilford, 1992: 499-519.

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Apesar de admitir o fato de que o suicídio costuma possuir apelo

suficiente para ser noticiado e de que é um direito da mídia fazê-lo, tendo em vista

os fatos citados, apela-se que o façam com extrema responsabilidade, pois se

sabe que não é a cobertura jornalística em si que contribui para o aumento dos

suicídios, mas a forma que é feita. Uma cobertura responsável pode contribuir

para a prevenção e a desnaturalização do fenômeno. (OMS, 2000b, p. 05)

No sentido de contribuir para a produção de matérias responsáveis

acerca do suicídio, o livreto traz a indicação de diversas fontes fidedignas de

informação acerca do fenômeno para que possam ser pesquisadas pelos

profissionais da mídia, apresentam algumas precauções a serem tomadas frente

aos dados sobre o suicídio e as formas ideais de noticiá-las, além de sugerir que

sempre se indique informações sobre serviços de ajuda e prevenção (OMS,

2000b, p. 06-09).

O manual para professores e educadores se inicia apresentando o

suicídio como uma das cinco maiores causas de morte entre adolescentes na

faixa etária dos 15 aos 19 anos e, apesar de ser incomum o suicídio entre crianças

menores de 15 anos, esse índice tem aumentado em diversos lugares.

Os autores do manual justificam que como em grande parte dos

países, meninos e meninas dessas idades costumam freqüentar a escola, esse se

torna um lugar fecundo para a prevenção do suicídio e indicam que “Quando

possível, a melhor abordagem para a prevenção do suicídio na escola é a

elaboração de um trabalho em grupo que inclui professores, médicos, enfermeiros,

psicólogos e assistentes sociais da própria escola, trabalhando em conjunto com

agentes da comunidade” (OMS, 2000c, p.07).

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Indicam que pensamentos suicidas esporádicos na adolescência

fazem parte dessa fase, por conta das crises existenciais, mas que se tornam

periclitantes quando passam a parecer a única saída para o sujeito. Estudos a

partir da aplicação de questionários mostram que mais da metade dos estudantes

de segundo grau já pensaram em se matar.

A identificação do suicídio entre adolescentes passa desapercebida

muitas vezes, pois as mortes freqüentes por causas violentas como overdoses,

acidentes de carro e afins, nem sempre possibilitam identificar a intencionalidade

do ato.

Alguns fatores de proteção contra o comportamento suicida são

indicados, como: padrões familiares (bons relacionamentos com familiares e apoio

familiar); personalidade e estilo cognitivo (boas habilidades/relações sociais,

confiança em si mesmo e em suas conquistas, capacidade de procurar ajuda em

dificuldades, capacidade de buscar conselhos na tomada de decisões importantes,

estar aberto aos conselhos de pessoas mais experientes e ao conhecimento em

geral); fatores culturais e sócio-demográficos (bons relacionamentos com colegas

de escola, professores e outros adultos, integração social em igrejas, grupos

esportivos, clubes, etc. ).

Os fatores e situações de risco apresentados coincidem quase

plenamente com aqueles apresentados em outros manuais, porém, enfatizando a

questão da infância e da adolescência.

Dentre as formas de identificação de estudantes em risco de

suicídio, o manual destaca: falta de interesse nas atividades habituais; declínio

geral nas notas; diminuição no esforço/interesse; má conduta na sala de aula;

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faltas frequentes não explicadas; consumo excessivo de cigarros (tabaco), de

bebidas alcoólicas ou de drogas (incluindo maconha);incidentes envolvendo a

polícia; comportamento violento.

Caso qualquer desses fatores seja identificado por um professor ou

algum funcionário da escola, deve-se alertar a coordenação da escola “e medidas

devem ser tomadas para se obter uma avaliação abrangente do estudante, desde

que ele indique sofrimento severo em que o resultado, em alguns casos, pode ser

o comportamento suicida” (OMS, 2000c, p.17).

Alguns fatores como tentativas prévias, depressão e envolvimento

em situações que sejam consideradas ‘de risco’, demandam mais atenção. Sobre

o manejo com esses estudantes, o manual indica que algumas prevenções sejam

tomadas, por exemplo: trabalhar questões referentes à saúde mental de

professores e outros funcionários da escola, fortificar a auto-estima dos

estudantes, enfatizar a importância da expressão emocional, prevenir os

comportamentos desafiadores e violentos dentro e fora da escola. Enfatiza a

importância da comunicação e da confiança que deve ser transmitida nos casos

em que a ideação suicida é percebida, o que exige que professores e funcionários

da escola sejam treinados e sensibilizados para tais situações, além da busca de

auxílio especializado.

Materiais que possam ser utilizados para tirar a própria vida ou a

vida alheia também nunca devem estar ao alcance das crianças e adolescentes

dentro da escola e sempre que houver alguma tentativa ou concretização de um

suicídio, as escolas

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[...] precisam ter um plano de emergência sobre como informar os funcionários, especialmente os professores, e também os colegas mais próximos e pais, quando a tentativa de suicídio ou o suicídio ocorre na escola, o objetivo é prevenir uma leva de suicídios. O efeito contagioso resultante de uma criança ou adolescente suicida é a tendência que eles têm em se identificar com soluções destrutivas adotadas por pessoas que tentaram ou cometeram suicídio (OMS, 2000c, p.17).

O manual feito para médicos clínicos gerais se aproxima muito

daquele produzido para os profissionais da atenção primária em saúde, exceto

pelas especificidades da profissão e alguns acréscimos de conteúdo, um pouco

menos superficiais (OMS, 2000d).

Retomando a discussão acerca do suicídio no Brasil, após essa

breve apresentação dos conteúdos presentes nos manuais em português

produzidos OMS, pode-se afirmar que nos países com altas taxas suicidógenas, é

comum o hábito de se fazer os atestados de óbito com certa seriedade, porém, no

Brasil, Wang et al. (2004, p.101) denunciam, tais informações “apresentam

deficiências e limitações” e possuem diversos “fatores que afetam a sua precisão

e qualidade”.

No sistema brasileiro, os casos de suicídio são registrados na sessão de Causas Externas da Classificação Internacional de Doenças – décima edição (CID-10). As informações de mortalidade por causas externas registram eventos letais não decorrentes de doenças biológicas, monitorando, sobretudo, as mortes resultantes de violência, acidentes fatais e suicídio (WANG et al., 2004, p.101).

A dificuldade apresentada por esse sistema advém da dificuldade ou

até da impossibilidade de se identificar determinados suicídios e de distingui-los

de outros eventos como acidentes de trânsito, overdoses, homicídios entre outros.

Além disso, com freqüência “[...] os médicos legistas não esclarecem a causa

básica da morte no atestado de óbito, especificam somente a natureza da lesão,

dificultando a obtenção de dados conclusivos sobre a natureza da morte

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registrada” (LAURENTI; MELLO JORGE, 1987, MELLO JORGE; COLS., 1997

apud WANG et al., 2004, p. 101).

Em 2004, dos cento e noventa e quatro países participantes da OMS,

cento e quinze têm “[...] condições de notificar os óbitos que ocorrem na maioria

da população”, vinte conseguem notificar os óbitos que ocorrem nos hospitais e o

restante, devido às limitações sócio-econômicas e tecnológicas, sequer consegue

notificar óbitos com exceção daqueles causados por doenças de notificação

internacional obrigatória e em casos de epidemias, para tanto, recebem apoio

internacional no período determinado (WANG et al., 2004 p.101).

Wang et al. (2004 p.103-104) fazem uma análise descritiva dos

dados epidemiológicos sobre suicídio levantados no Brasil entre 1980 e 2000; tais

dados foram captados no banco de dados da OMS e SIM/MS33. Fazem também

uma comparação das taxas nacionais com as de 105 países pertencentes à OMS.

Apresentarei aqui apenas o aspecto mais geral referente às taxas suicidógenas do

país, onde os autores indicam ter ocorrido um aumento de 21% na taxa de suicídio

nesses 20 anos, passando de 3,3 a 4 mortes /100.000 habitantes34. Com essa

proporção de suicídios por cem mil habitantes, o Brasil, como já foi dito, é

considerado um país de baixa taxa de suicídio se comparado aos já citados países

europeus que chegam alguns a estar acima de 40/100.000.

Porém, os autores ressaltam a importância de saber:

33 Os dados de 1996 e 2000 foram captados no banco de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). 34 Para a análise detalhada consultar WANG, Yuan P.; Mello-Santos, Carolina de. e Bertolote, José M. Epidemiologia do suicídio. In: MELEIRO, Alexandrina M. A. da S.; TENG, Chei Tung; WANG, Yuan Pang. (coords) Suicídio: estudos fundamentais. São Paulo: Segmento Farma, 2004.

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[...]se houve um aumento real das taxas de suicídio no Brasil ou se nossos achados representam apenas um artefato metodológico, resultante da melhoria da colheita de dados em nível nacional. A tendência observada de subnotificação dos óbitos em nosso meio também é comum em outros países latino-americanos, fruto das dificuldades metodológicas de registro obituário por suicídio, mas também do descaso das autoridades em relação a esse problema (WANG et al., 2004, p.104).

Também na década de 50 surgem diversos centros de prevenção ao

suicídio. Tais centros possuem em suas equipes técnicos e leigos, geralmente

voluntários, que se dispõe por diversas razões a oferecer assistência aos

indivíduos com intenções suicidas. Essa assistência é prestada geralmente via

telefone, porém, excepcionalmente, centros se dispõem a atendimentos

presenciais e a internet vem se tornando um outro veículo que possibilita a

comunicação entre essas pessoas dispostas a colaborar e as que buscam esses

serviços.

As primeiras instituições que se prestaram a tais serviços por meio

do telefone foram o “Centro de Prevenção do Suicídio de Los Angeles” e o “Centro

de Controle de Envenenamento” (Poison Control Center), existente em diversos

locais dos Estados Unidos. Ambos, desde a década de 1950 possuem plantão de

vinte e quatro horas (DIAS, 1991, p.64).

Para integrar e promover a troca de experiências entre as diversas

instituições que prestam essa forma de serviço, foi criada a Associação

Internacional para a Prevenção do Suicídio, sediada em Viena. Essa entidade

promove encontros e conferências bienais (DIAS, 1991, p.64).

No Brasil, em 1962 surgiu em São Paulo o Centro de Valorização da

Vida (CVV), essa instituição é criada nos moldes e filiada à associação inglesa “Os

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Samaritanos”, criada em 1953 pelo pastor anglicano Chad Varah (DIAS, 1991,

p.64).

Expedido pela Organização Mundial de Saúde, o documento

intitulado “Saúde para todos no ano 2000” traz o suicídio como uma de suas

preocupações, denotando assim esse fenômeno como um evidente problema de

saúde pública. Ficou estabelecido pela OMS o dia 10 de setembro, como dia

internacional da prevenção do suicídio.

O Ministério da Saúde do Brasil, através da Coordenação de Saúde

Mental, vem buscando estratégias de prevenção e combate ao suicídio,

culminando, no final do ano 2006 na criação da “Estratégia Nacional para

Prevenção do Suicídio”.

A história social do suicídio continua sendo escrita a cada dia, não

apenas por aqueles que atentam contra suas próprias vidas, obtendo ou não

sucesso em suas tentativas, tampouco por aqueles que em sua intimidade,

pensam nessa possibilidade, ainda que remota, nem pelos seus familiares, ou

pelos pesquisadores que estudam esse fenômeno ou pelos profissionais que

trabalham diretamente com as ‘vítimas’, mas por todos os homens, por todos que

são atingidos ou fazem parte da construção de um ou muitos suicídios, ou seja,

por cada um e por todos.

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III – DISCUSSÕES CIENTÍFICAS E TEORIAS ACERCA DO SUICÍDIO

Como citado na introdução histórica, até o século XIX, o suicídio se

encontrava mais especificamente nos âmbitos jurídico, filosófico, religioso e

médico, nos quais se tinha sobre ele, desde o século XIII, concepções moralistas

e/ou ligadas a questões individuais (psicológicas e orgânicas). É a partir do século

XIX que o suicídio passa a representar um "crescente problema social a exigir

explicação". É então que o estudo estatístico do suicídio passou a ser incluído na

categoria geral das estatísticas morais, ao lado de eventos como assassinato e

outros crimes. Segundo Douglas (1970, apud NUNES 1998, p. 8) “Assumia-se que

o suicídio era um problema moral e implicitamente que qualquer teoria sobre o

suicídio deveria incluir os aspectos morais do suicídio como um dos fatores

básicos”.

Com o acúmulo de informações estatísticas, estabeleceram-se

inúmeras correlações, levantaram-se hipóteses que relacionavam taxas

diferenciais de suicídio a fatores sociais como: ocupação, urbanização, religião,

mudança social, e também a fatores naturais como: hereditariedade, raça, clima e

a questão não resolvida, se o suicídio relacionava-se ou não à desordem mental.

Segundo Lukes (1977), havia uma concordância geral de que o aumento das

taxas globais de suicídios devia-se à passagem da ordem tradicional a uma nova

ordem e ao crescimento do industrialismo (NUNES, 1998).

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Nesse contexto, um dos pioneiros35 nos estudos sobre suicídio e no

deslocamento desse tema para ser estudado pelas ciências sociais foi o sociólogo

francês Émile Durkheim, que trouxe em seu livro, “le suicide”36 diversas

contribuições para o estudo desse fenômeno.

As principais propostas do estudo eram: aplicar empiricamente os

princípios metodológicos de seu tratado “Regras do Método Sociológico”;

constatar o aumento nas taxas de suicídio durante o século XIX, “[...] um século de

profundas transformações no modo de produção e nas relações sociais de

trabalho em toda a Europa” (MINAYO, 1998, p. 423); conhecer “a disposição

social para o suicídio” e a “[...] tendência dos grupos sociais para o suicídio,

isolada de suas manifestações individuais [...] (por abstração certamente, porque a

ciência não isola seu objeto de nenhuma outra maneira)”37 (LUKES, 1977 apud

NUNES, 1998, p.9 ).

Segundo Nunes (1998, p.9), Durkheim, propositadamente

desconsidera qualquer fator individual em seu estudo, voltando toda sua atenção

para as questões sociais, na intenção de desenvolver uma explicação sociológica

para um evento individual que supostamente dependia “quase exclusivamente de

fatores pessoais, psicológicos, mas que expressava uma forma de dissolução dos

laços que unem os homens, possibilitava entender quais os laços que os levam a

se associarem“. Com isso, Durkheim teria exemplos significativos para

35 Diversos autores (Guerry, 1835; Etoc-De-Mazy, 1844; Marx, 1846; Lisle, 1856; Morselli, 1879 e Mazaryk, 1881) já haviam tratado sobre o tema dentro do pensamento sociológico, porém, nenhum deles atingiu a visibilidade conquistada por Durkheim no estudo desse fenômeno. (DIAS, 1991) 36 Mesmo antes da publicação do referido livro, Durkheim já havia dedicado outros estudos, menos complexos, ao tema; dentre eles um artigo de 1888 e o terceiro curso que ministrou sobre sociologia, também abordou o suicídio (NUNES, 1998). O original data de 1897, essa data é da edição usada no presente trabalho. 37 Durkheim em carta para Bouglé, datada de 16 de maio de 1896

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“estabelecer a compreensão científica da sociologia como uma disciplina

independente”. Ele desenvolveu esse trabalho embasado em uma longa tradição

européia de pensamento acerca do suicídio; enfatizando o caráter imoral desse

fenômeno, utilizando dados estatísticos como instrumento básico e estimando os

fatos extra-individuais na regularidade das taxas de suicídio (DOUGLAS, 1970

apud NUNES, 1998 p. 9).

Para Durkheim (2000), o primeiro passo é demarcar o que entende

por suicido, ou seja, delimitar seu objeto de estudo, para tanto, busca entre os

diversos tipos de morte o que tem em comum naquelas que se convém denominar

suicídio e o que aproxima ou afasta outros tipos dessa denominação. Nesse

processo, questiona diversos tipos de morte que comumente seriam chamados de

suicídio e abarca tantos outros que assim não seriam classificados sem prévia

reflexão.

Dessa maneira, chega a uma definição ‘universal’ que descreve da

seguinte maneira: “Chama-se suicídio todo o caso de morte que resulta direta ou

indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima e que

ela sabia que produziria esse resultado” (DURKHEIM, 2000, p. 14 – grifo meu).

A diferença do suicídio para a mera tentativa é que a segunda é o

ato assim definido mas interrompido antes que se conclua em morte. O autor faz

uma distinção entre esse suicídio indubitável e aquilo que chama de suicídio

embrionário, que abrange situações ligadas “[...] sem solução de continuidade aos

atos de coragem e devoção, por um lado, e, por outro, aos atos de imprudência e

de simples negligência” (DURKHEIM, 2000, p. 14 -16).

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Nesse estudo, surge também o conceito de taxa de mortalidade-

suicídio próprio à sociedade considerada (ou apenas taxa de suicídios), que se

desenvolve pelo fato do autor acreditar que em cada momento histórico,

determinada sociedade possui uma “disposição definida para o suicídio”. A

intensidade dessa taxa se mede tomando a razão entre o número total global de

mortes voluntárias e a população de todas as idades e sexos; geralmente, é

calculado em relação a cada cem mil ou um milhão de habitantes (DURKHEIM,

2000, p. 20).

Certamente, a taxa de suicídios é um dos pontos altos do referido

trabalho, já que, para o autor, é a partir dela que se poderá destacar os fatores

suicidógenos que atingem todo o conjunto de uma determinada sociedade e que

possibilitarão a ação do cientista social sobre o grupo.

Durkheim (2000), fala em quatro diferentes formas de manifestação

do suicídio, categorizando-as como; egoísta, altruísta, anômico e fatalista.

A forma denominada de suicídio egoísta afirma uma relação

diretamente inversa ao grau de integração social do grupo ao qual o indivíduo

pertence, ou seja, em uma sociedade pouco integrada, o “eu individual se afirma

excessivamente diante do eu social e às expensas deste último, podemos dar o

nome de egoísta ao tipo de suicídio que resulta de uma individuação

descomedida” (DURKHEIM, 2000, p.258).

Na forma denominada de suicídio altruísta, que é o oposto ao

suicídio egoísta, nas palavras do próprio autor, se “[...] uma individuação

excessiva leva ao suicídio, uma individuação insuficiente produz os mesmos

efeitos. Quando é desligado da sociedade, o homem se mata facilmente, e

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também se mata quando é integrado nela demasiado fortemente”. O autor indica

que esse suicídio é muito freqüente entre indivíduos inseridos nas chamadas

sociedades inferiores e também entre aqueles que possuem laços grupais muito

fortes, como militares e militantes revolucionários. Sempre há algo que o indivíduo

considere superior à sua própria existência, uma causa, divindades, tradições,

hierarquias, entre outras possíveis causas, cabendo-lhe honrosamente, a tarefa

de se matar, como herói ou como mártir (DURKHEIM, 2000, p. 269).

Outra forma é denominada suicídio anômico, se dá por uma

desestabilização na vida do indivíduo a partir da qual ele perde a noção de como

agir, essa mudança muito drástica exige uma adaptação rápida que muitas vezes

o indivíduo não consegue acompanhar em decorrência da falta de regras e de

saber como agir.

Durkheim (2000) faz um paralelo entre o suicídio anômico e o

egoísta, indicando que ambos vêm de uma ausência da sociedade na vida do

indivíduo; no egoísta, a sociedade está ausente na “[...] atividade propriamente

coletiva”, enquanto no anômico, ela “falta às paixões propriamente individuais,

deixando-as assim sem freio que as domine”. A anomia não é exclusivamente

econômica, e pode se dar em outras áreas da vida do indivíduo. A maneira

destacada pelo autor é a doméstica, na viuvez ou principalmente no casamento

(DURKHEIM, 2000, p. 329).

Ao suicídio anômico, existe uma categoria inversa, que seria o

suicídio fatalista, citado por Dias da seguinte maneira: “Durkheim contrapõe a esta

modalidade, uma quarta, que seria um tipo considerado por ele como muito raro: o

suicídio fatalista.” Este tipo ocorre em virtude do excesso de regulamentação da

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sociedade sobre o indivíduo, que tem suas ‘paixões’ reprimidas violentamente

pela disciplina opressiva, exemplificada pelo autor através do suicídio de

escravos” (DIAS, 1991, p. 28).

Além dessas categorias elementares, Durkheim (2000) via a

possibilidade de categorias mistas, que cita passageiramente e com pouca

descrição, na verdade, uma descrição meramente sintomática, que seriam: o

suicídio ego-anômico (mistura de agitação e apatia, de ação e devaneio), suicídio

anômico-altruísta (efervescência exasperada), suicídio ego-altruísta (melancolia

moderada por uma certa firmeza moral).

Minayo (1998, p.425) ressalta que havia duas, dentre diversas, que

eram as principais formas de oposição às idéias e teorias Durkheimnianas Uma

mais fechada, que se defronta “com seu peremptório alijamento a segundo plano,

dos fatores individuais (que a seus olhos são pretextos, ocasiões e não causas)” e

com a invocação de correntes suicidógenas para explicar o aumento das taxas de

suicídio. A outra, vem do próprio campo das ciências sociais de visão

compreensivista. Segundo a autora, vários dos estudiosos dessa corrente

discutem “o papel do sujeito, dos significados e das intencionalidades como parte

integrante do fato e do ato social”. Sendo assim, recusam a posição

Durkheimniana de retirar do âmbito sociológico “toda a gama de relações sociais e

de reações que compõem a complexa dinâmica da autoviolência humana, para

encerrá-la em variáveis e regularidades sociais”.

A autora clarifica o embasamento da posição de Durkheim em “sua

premissa básica de coerção da sociedade sobre o indivíduo, e é a partir daí que

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explica (para usar uma de suas categorias) esse fato social” (MINAYO, 1998, p.

425).

Cinqüenta e um anos antes da publicação da obra de Durkheim, Karl

Marx, já discute o suicídio em seu artigo de janeiro de 1846, “Peuchet: vom

selbstmord” 38, no Gesellschaftsspiegel39. Nesse texto, o autor lança mão de

passagens do capítulo “Du Suicide et dês sés causes” do livro de memórias40 de

Jaques Peuchet41 traduzidas para o alemão (JINKINGS, 2006, p. 11).42

Esse artigo de Marx é bem pouco conhecido e foi publicado no Brasil

apenas no ano de 2006. Ao prefaciar essa edição do citado artigo de Marx, Michel

Löwy43 ressalta a distinção desse artigo e o restante da produção marxiana

elencando os seguintes aspectos:

1) Não se trata de uma peça escrita pelo próprio Marx, mas composta, em grande parte, de excertos, traduzidos ao alemão, de outro autor. Marx tinha o hábito de preencher seus cadernos de notas com excertos desse tipo, mas jamais os publicou, e menos ainda sob sua própria assinatura

2) O autor escolhido, Jaques Peuchet, não era economista, historiador, filósofo, nem socialista, e sim um antigo diretor dos arquivos da polícia sob a Restauração!

38 O título deste artigo na publicação em português é “Sobre o suicídio”. 39 “Espelho da Sociedade - Órgão de Representação das Classes Populares Despossuídas e de Análise da Situação Social Atual (ano II, número VII, Elfberfeldt, janeiro de 1846).” (JINKINGS, 2006 p. 11) 40 Mémoires tires des archives de la police de Paris, 1838 41 Jaques Peuchet (1758-1830) – “ex-arquivista policial com uma trajetória de vida peculiar. Além de se dedicar aos trabalhos nos arquivos da polícia, exerceu outros cargos públicos e foi membro do partido monarquista. [...] Suas estatísticas na França são as mais conhecidas dentre suas muitas obras, na maioria sobre economia. Sua contribuição também se estende ao que se pode chamar de uma bem-estruturada crítica social.Em sua longa experiência nos departamentos de administração e de polícia, chamaram-lhe a atenção os inúmeros casos de suicídio. Seu interesse crescente pelas causas desse mal levara-no a traçar uma breve, mas profunda, análise das relações e comportamentos humanos degradantes enraizados na sociedade da época.”(JINKINGS, 2006 p. 09) 42 JINKINGS, Ivana. Apresentação In: MARX, Karl. Sobre o suicídio. São Paulo:Boitempo, 2006. 43 LÖWY, Michel. Um Marx insólito In: MARX, Karl. Sobre o suicídio. São Paulo:Boitempo, 2006.

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3) O texto do qual foram selecionados os excertos não é uma obra científica, mas uma coleção informal de incidentes e episódios, seguidos de alguns comentários.

4) O tema do artigo não concerne ao que habitualmente se considera esfera econômica ou política, mas à vida privada: o suicídio.

5) A principal questão social discutida em relação ao suicídio é a opressão das mulheres nas sociedades modernas44 (LÖWY, 2006, p. 13-14).

O que leva Marx a lançar mão dos excertos do texto de Peuchet,

segundo Löwy, “[...] recaiu muito menos sobre a questão do suicídio como tal e

mais sobre sua crítica radical da sociedade burguesa como forma de vida

‘antinatural’“. Porém, para ambos o suicídio é significativo enquanto “sintoma de

uma sociedade doente, que necessita de uma transformação radical” (LÖWY,

2006, p. 16).

Marx, em sua introdução explica que a partir das citações de

Peuchet dará um exemplo a partir da crítica social francesa45, que muito contribui

para a compreensão do sentido desse artigo e que poderá elucidar:

[...]até que ponto a pretensão dos cidadãos filantropos está fundamentada na idéia de dar aos proletários um pouco de pão e de educação, como se somente os trabalhadores definhassem sob as atuais condições sociais, ao passo que, para o restante da sociedade, o mundo tal como existe fosse o melhor dos mundos (MARX, 2006, p. 21-22).

44 Acerca desses aspectos e da possível pergunta sobre a pertinência desse artigo à obra Marxiana, o autor esclarece que “além de havê-lo assinado, Marx imprimiu sua marca ao documento de várias maneiras: a introdução escrita por ele, na seleção dos excertos, nas modificações introduzidas pela tradução e nos comentários com que temperou o documento.” E ressalta que a principal razão para se considerar o artigo “expressão das idéias de Marx é que ele não introduz qualquer distinção entre seus próprios comentários e os excertos de Peuchet, de modo que o conjunto dos documento aparece como um escrito homogêneo, assinado por Karl Marx.” (LÖWY, 2006 p. 14) 45 Segundo o autor, a crítica social francesa tem a vantagem de “ter apontado as contradições e os contra-sensos da vida moderna, não apenas nas relações de classe específicas, mas também em todos os círculos e configurações da hodierna convivência e, sobretudo, por suas descrições dotadas de um calor vital imediato, de uma visão rica, de uma acuidade mundana e de uma ousada originalidade”.

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Para indicar a abrangência do suicídio enquanto fenômeno social,

que, apesar de atingir em cheio pessoas em condições miseráveis, perpassa

todas as classes sociais. Como aponta Löwy (2006 p. 17-18), para os autores, a

crítica à sociedade burguesa não é limitável à questão econômica, ela deve

assumir um “[...] amplo caráter social e ético” que dê conta de denunciar “[...] seus

profundos e múltiplos aspectos opressivos”. Marx (2006) inicia seu texto a partir

dos escritos de Peuchet46, com a seguinte referência:

O número anual dos suicídios, aquele que entre nós é tido como uma média normal e periódica, deve ser considerado um sintoma da organização deficiente de nossa sociedade; pois, na época da paralisação e das crises da indústria, em temporadas de encarecimento dos meios de vida e de invernos rigorosos, esse sintoma é sempre mais evidente e assume um caráter epidêmico. A prostituição e o latrocínio aumentam, então, na mesma proporção. Embora a miséria seja a maior causa do suicídio, encontramo-lo em todas as classes, tanto entre os ricos ociosos como entre os artistas e os políticos. A diversidade das suas causas parece escapar à censura uniforme e insensível dos moralistas (MARX/PEUCHET, 2006, p. 23-24).

Löwy (2006, p. 18) indica neste texto único de Marx outro aspecto

importante, quando o autor se refere ao caráter de abrangência do suicídio para

além da questão das classes sociais ao denunciar “[...] quem são as vítimas não

proletárias levadas ao desespero e ao suicídio pela sociedade burguesa”. Nesse

aspecto, as mulheres tomam lugar central nesta obra, já que, dos quatro casos

apresentados e discutidos no texto, três são relativos a suicídios femininos.

O tratamento dado a esses três casos, o ensaio de Marx/Peuchet – seja dos excertos selecionados, seja dos comentários do tradutor, inseparavelmente (pois não são separados por Marx) – constitui um protesto apaixonado contra o patriarcado, a sujeição das mulheres –

46 Doravante, as citações desse texto serão indicadas como MARX/PEUCHET, salvo quando houver indicação no próprio texto de ser uma inserção específica de Marx ou quando for alguma citação de Peuchet omitida por Marx. Essa decisão é tomada a partir da indicação tanto Jinkings quanto de Löwy acerca da unidade ideológica dos dois autores nesse texto, chegando citar “co-autoria” de Peuchet.

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incluídas as “burguesas” – e a natureza opressiva da família burguesa. Com raras exceções, não há nada comparável nos escritos posteriores de Marx (LÖWY, 2006, p. 19).

Outra posição dos autores que se faz muito clara é contrária a uma

compreensão do suicídio enquanto um fenômeno antinatural, mencionando como

absurda tal compreensão, já que na sociedade burguesa, é trivial esse tipo de

manifestação entre as pessoas. Nas palavras deles, “o que é contrário à natureza

não acontece”, sendo assim, o suicídio deve ser entendido, ao contrário da “anti-

naturalidade”, como um fenômeno que está incutido na “natureza de nossa

sociedade”, pois não são, historicamente, todas as sociedades que produzem o

suicídio dessa forma; “as sociedades não geram todas, portanto, os mesmos

produtos”. Esse é um dado fundamental “para trabalharmos na reforma de nossa

sociedade” (MARX/PEUCHET 2006, p. 25).

A qualificação de covarde ou corajoso e questões morais

relacionadas aos suicídios também são abordadas, como se pode verificar no

seguinte parágrafo:

Tudo o que se disse contra o suicídio gira em torno do mesmo círculo de idéias. A ele são contrapostos os desígnios da Providência, mas a própria existência do suicídio é um notório protesto contra esses desígnios ininteligíveis. Falam-nos de nossos deveres para com a sociedade, sem que, no entanto, nossos direitos em relação a essa sociedade sejam esclarecidos e efetivados, e termina-se por exaltar a façanha mil vezes maior de dominar a dor ao invés de sucumbir a ela, uma façanha tão lúgubre quanto a perspectiva que ela inaugura. Em poucas palavras, faz-se do suicídio um ato de covardia, um crime contra as leis a sociedade e a honra (MARX/PEUCHET, 2006, p. 26 – grifos no original).

As formas com que a sociedade tenta conter os suicídios, punindo

cadáveres e injuriando suas almas, são rechaçadas pelos autores, que lhes

classificam como “medidas infantis e atrozes”, já que em verdade, elas punem

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aqueles que ficam, familiares e pessoas próximas ao morto, sendo que nenhum

desses indivíduos sequer foi merecedor “de que se permanecesse vivo por ele”.

Questionam MARX/PEUCHET (2006, p. 28) “Que importa à criatura que

deseja escapar do mundo as injúrias que o mundo promete a seu cadáver? Ela vê

nisso apenas uma covardia a mais da parte dos vivos”.

Das causas do suicídio, indicam os maus tratos como fator

dominante, mas também as injustiças, os castigos secretos impelidos pelos pais e

“superiores impiedosos” àqueles que são seus dependentes, já que a revolução

não deu conta de todas as tiranias e despotismos, que subsistem nas famílias

(MARX/PEUCHET, 2006, p. 28-29).

Antes de relatar os quatro casos contidos no livro, algumas

denúncias incisivas a esse sistema que é parte da constituição desse sujeito

suicida são apresentadas:

Que tipo de sociedade é esta, em que se encontra a mais profunda solidão no seio de tantos milhões; em que se pode ser tomado por um desejo implacável de matar a si mesmo, sem que ninguém possa prevê-lo? Tal sociedade não é uma sociedade; ela é, como diz Rousseau, uma selva, habitada por feras selvagens47

(MARX/PEUCHET, 2006, p. 28 – grifos no original).

47 Segundo Löwy( 2006 p. 16-17): “Essa forma de crítica ética e social da modernidade é de inspiração evidentemente romântica. A simpatia de Peuchet pelo romantismo está comprovada não somente por sua referência a Rousseau , mas também por sua feroz acusação ao filisteu burguês – cuja alma é o negócio, e seu comércio é seu deus –, que tem apenas desprezo pelas vítimas que se suicidam e pelos poemas românticos de desespero que elas deixam como herança. É preciso ter em conta que o romantismo não é somente uma escola literária, mas – como o próprio Marx sugere freqüentemente – um protesto cultural contra a civilização capitalista moderna, em nome de um passado idealizado. Ainda que estivesse longe de ser um romântico, Marx admirava os críticos românticos da sociedade burguesa [...] muitas vezes integrando intuições deles aos seus próprios escritos. [...] Tropismos românticos como esses apresentados nos excertos de Peuchet – o caráter desumano e bestial da sociedade burguesa, o egoísmo e a ambição do espírito burguês – são recorrentes nos escritos de juventude de Marx, mas, nesta peça, eles assumem um caráter insólito”.

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Três passagens refletem bem a necessidade de uma transformação

radical da sociedade burguesa para que se possa controlar a produção de

suicídios e a impossibilidade disso ocorrer no bojo dessa sociedade dada; delas,

uma específica de Marx, “Descobri que, sem uma reforma total da ordem

social de nosso tempo, todas as tentativas de mudança seriam inúteis”48

(MARX, 2006, p. 28 – grifos no original).

Uma segunda seria quando escrevem que:

As relações entre os interesses e os ânimos, as verdadeiras relações entre os indivíduos ainda estão para ser criadas entre nós inteiramente, e osuicídio não é mais do que um entre mil e um sintomas da luta social geral, sempre percebida em fatos recentes, da qual tantos combatentes se retiram porque estão cansados de serem contados entre as vítimas ou porque se insurgem contra a idéia de assumir um lugar honroso entre os carrascos (MARX/PEUCHET 2006, p. 29 – grifos no original).

E:

O suicídio elimina a pior parte da dificuldade, o cadafalso ocupa-se do resto. Somente com uma reforma de nosso sistema geral de agricultura e indústria pode-se esperar por fontes de recursos e por uma verdadeira riqueza. Nos pergaminhos, podemos facilmente proclamar constituições, o direito de todo cidadão à educação, ao trabalho e, sobretudo, a um mínimo de meios de subsistência. Mas, com isso, não se fez tudo; ao se escreverem esses desejos generosos sobre o papel, persiste a verdadeira tarefa de fazer frutificar essas idéias liberais por meio de instituições materiais e inteligentes, por meio de instituições sociais (MARX/PEUCHET, 2006, p. 50 – grifos no original).

O primeiro dos casos exposto por Peuchet e utilizado por Marx em seu texto conta

a história de uma jovem que, na época de seu casamento, tendo ido jantar com o

noivo e sua família, acaba dormindo na casa com o noivo (com o qual desde antes

já tinha intimidades e todos sempre fizeram vistas grossas para isso). Porém, a

48 No original de Peuchet, o autor escreve ao invés disso “Sem me basear em teorias, tentarei apresentar fatos.” (esse crédito deve ser dado aos editores da publicação inglesa dessa obra Kevin Anderson e Eric Plaut, que acrescentaram as partes omitidas ou alteradas por Marx do texto original de Peuchet.)

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moça não avisara sua família e ao chegar em sua casa, seus pais, ao perceberem

sua chegada “cobriram-na com os mais vergonhosos nomes e impropérios” e todo

o encanto da noite anterior foi “quebrado a golpes de xingamentos”. A dimensão

da situação abrange os vizinhos e os padrinhos do casamento. A jovem é exposta

a uma vergonha imensurável; anda a passos largos pelo meio da multidão e se

joga do rio Senna adornada com suas jóias nupciais. Alguns dias após o ocorrido,

seus pais foram à delegacia prestar queixa de algumas das jóias que haviam sido

possivelmente usurpadas do cadáver (MARX/PEUCHET, 2006, p. 29 - 33).

Relativo a esse caso e à postura dos pais, Marx/Peuchet dizem:

As pessoas mais covardes, as mais incapazes de se contrapor, tornam-se intolerantes assim que podem lançar mão de sua autoridade absoluta de pessoas mais velhas. O mau uso dessa autoridade é igualmente uma compensação grosseira para o servilismo e asubordinação aos quais essas pessoas estão submetidas, de bom ou de mau grado, na sociedade burguesa (MARX/PEUCHET 2006, p. 32 – grifos no original)49.

O segundo caso refere-se à história de uma bela jovem que fora

casada com um também belo e rico rapaz, que por conta de uma doença

sanguínea começa a ficar cada dia com a aparência mais monstruosa. Esse rapaz

a princípio nega sua aparência e continua levando sua vida esbanjadora e festiva,

porém, começa a perceber as chacotas e manifestações negativas sobre sua

aparência. Devido a isso, por ciúmes de sua esposa, passa a encarcerá-la em sua

residência e a ter, dia após dia, desconfianças acerca de sua fidelidade. A mulher

ficava dia após dia mais solitária e triste (MARX/PEUCHET, 2006, p. 33 - 42).

A infeliz mulher fora condenada à mais insuportável escravidão, e o senhor Von M... podia praticá-la apenas por estar amparado pelo Código Civil e pelo direito de propriedade, protegido por uma situação social que torna o

49 Os sublinhados estão duplamente destacados no original, em negrito e itálico.

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amor independente dos livres sentimentos dos amantes e autoriza o marido ciumento a andar por aí com sua mulher acorrentada como o avarento com seu cofre, pois ela representa apenas uma parte de seu inventário (MARX/PEUCHET, 2006, p.37).

Seu cunhado (que por ela nutria uma paixão secreta) pensa em

ajudá-la, inclusive internando o irmão, por suas manifestações agressivas em

relação à moça, porém, seus medos se concretizam no suicídio da moça.

Certamente, para todos aqueles que não reduzem o espírito pleno das palavras às letras que as formam, esse suicídio foi um assassinato, praticado pelo esposo; mas foi também o resultado de uma extraordinária vertigem de ciúme. O ciumento necessita de um escravo; o ciumento pode amar, mas o amor é para ele apenas um sentimento extravagante; o ciumento é antes de tudo um proprietário privado (MARX/PEUCHET, 2006, p. 41 – grifos no original).

O terceiro relato é sobre uma moça, que grávida, na calada da noite

aborda um médico na rua e lhe pede socorro, pois pretendia tirar sua vida para

evitar os constrangimentos da gravidez indesejada. Ao explicar ao médico sua

história, conta que não há o que se fazer, não pode fugir para o exterior, tampouco

ter a criança, sua única solução seria o aborto, colocando para o médico a decisão

de quantas vidas se perderiam, a do bebê ou a dos dois, pois já estava decidida a

se matar, porém, fora convencida pelo amante a tentar essa possibilidade. O

médico conta a Peuchet que ao perceber que a moça era bem criada e vaidosa,

imaginou que ela não cometeria suicídio como dizia, também a possibilidade de se

ver seduzido pelo “ouro” lhe afastava da idéia. Disse então à moça que não iria

ajudar-lhe. Quinze dias depois, os jornais desvendam o caso, morre a jovem

sobrinha de um banqueiro parisiense, pupila querida da tia. Morrera como a moça

descreveu o suicídio ao doutor. Seu tutor estava inconsolável; “em sua qualidade

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de tio, o covarde sedutor podia expor a sua dor diante do mundo”

(MARX/PEUCHET, 2006, p. 45-48).

O último caso trata da história do senhor Tarnau, que foi afastado do

exército real; devido à sua idade e sua falta de proteção, não lhe foi possível ser

reincorporado. Quando se matou, foi encontrado em seu bolso uma carta, falando

de suas relações pessoais. “Não podendo mais ser útil à sua família, sendo

forçado a viver à custa de sua mulher e seus filhos, achava que era sua obrigação

privar-se da vida para aliviá-los dessa sobrecarga” (MARX/PEUCHET, 2006, p.

45-48).

Tanto Marx quanto Durkheim, em perspectivas claramente

diferentes, ressaltam a questão social num fenômeno comumente atribuído única

e exclusivamente ao indivíduo, porém, no caso de Durkheim, como já foi dito, há o

completo abandono, mesmo que por motivos justificados, da questão individual

relacionada ao suicídio.

No século seguinte à produção com maior ênfase na sociedade,

Sigmund Freud trata do assunto em alguns de seus textos; refletindo sobre

tentativas de suicídios de seus pacientes, nos relatos de casos clínicos, mas

também em alguns outros textos onde explana melhor sobre o assunto, um deles

é o “Luto e Melancolia”50, onde fará a relação entre o segundo estado e o suicídio,

para tanto, explicarei brevemente as características desses dois estados,

culminando na relação do segundo com o objeto desse estudo.

Para Freud (1996, p. 249), o luto se caracteriza pela “[...]reação à

perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de

50 O texto original data de 1917.

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um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém”, porém, alguns

indivíduos tem nesses mesmos fatores a causa de suas melancolias, a esses

indivíduos, o autor acresce a suspeita de uma “disposição patológica”.

Tanto luto quanto melancolia se definem a partir de alguns traços

como: desânimo profundamente penoso, cessação de interesse pelo mundo

externo, a perda da capacidade de amar, inibição de toda e qualquer atividade.

Porém, na melancolia se encontra uma característica exclusiva, que é a

diminuição dos sentimentos de auto-estima e “[...] a ponto de encontrar expressão

em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa

delirante de punição” e no empobrecimento do ego em grande escala; “[...] no luto,

é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego“ (FREUD,

1996, p. 250).

Essas características se aclaram na seguinte descrição clínica, onde

o paciente aponta, segundo o autor, “para uma perda relativa a seu ego” :

O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível; ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. Degrada-se perante todos, e sente comiseração por seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. Não acha que uma mudança se tenha processado nele, mas estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor. Esse quadro de um delírio de inferioridade (principalmente moral) é completado pela insônia e pela recusa a se alimentar, e — o que é psicologicamente notável — por uma superação do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida (FREUD, 1996, p. 251-252).

Quando se atenta para as “auto-acusações de um melancólico”,

pode-se perceber que freqüentemente, com ligeiras modificações, são acusações

a terceiros pelos quais o indivíduo cultivou, cultiva ou deveria ter cultivado um

sentimento de amor; sendo assim, pode-se perceber que as “auto-recriminações

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são recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse objeto

para o ego do próprio paciente” (FREUD, 1996, p. 253-254).

Para entender e reconstruir a dinâmica que leva o indivíduo à

condição melancólica, Freud (1996) atenta para a existência, num dado momento

da vida desse indivíduo de uma escolha objetal e uma ligação da libido a uma

determinada pessoa. Por conta de uma desconsideração ou desapontamento em

relação à pessoa amada, há um destroçamento da relação objetal. Explica o autor:

O resultado não foi o normal — uma retirada da libido desse objeto e um deslocamento da mesma para um novo —, mas algo diferente, para cuja ocorrência várias condições parecem ser necessárias. A catexia objetal provou ter pouco poder de resistência e foi liquidada. Mas a libido livre não foi deslocada para outro objeto; foi retirada para o ego. Ali, contudo, não foi empregada de maneira não especificada, mas serviu para estabelecer uma identificação do ego com o objeto abandonado. Assim a sombra do objeto caiu sobre o ego, e este pôde, daí por diante, ser julgado por um agente especial, como se fosse um objeto, o objeto abandonado. Dessa forma, uma perda objetal se transformou numa perda do ego, e o conflito entre o ego e a pessoa amada, numa separação entre a atividade crítica do ego e o ego enquanto alterado pela identificação (FREUD, 1996, p. 254-5).

O autor esclarece ainda que a melancolia lança mão, na construção

de suas características específicas, de traços tanto do luto, como já foi exposto,

quanto “do processo de regressão, desde a escolha objetal narcisista para o

narcisismo” (FREUD, 1996, p. 256).

Apesar de conseguir renunciar ao objeto, o sujeito é incapaz de

renunciar a seu amor por ele, por conta disso esse amor se refugia na

identificação narcisista, onde o ódio se voltará contra um objeto substitutivo do

qual abusará, degradará e fará sofrer adquirindo com isso uma satisfação sádica.

Na melancolia a autotortura é uma situação prazerosa que significa, como na

neurose obsessiva, a satisfação de tendências sádicas e do ódio relacionado a

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determinado objeto “[...] que retornaram ao próprio eu do indivíduo nas formas que

vimos examinando“. Dessa forma, através do “[...] caminho indireto da

autopunição”, o indivíduo consegue “[...] vingar-se do objeto original e torturar o

ente amado através de sua doença” da qual se utiliza para não ter que manifestar

abertamente sua hostilidade para com a pessoa amada, porém, geralmente “[...] a

pessoa que ocasionou a desordem emocional do paciente, e na qual na doença se

centraliza, em geral se encontra em seu ambiente imediato“(FREUD, 1996, p.

256-7).

É exclusivamente esse sadismo que soluciona o enigma da tendência ao suicídio, que torna a melancolia tão interessante — e tão perigosa. Tão imenso é o amor de si mesmo do ego (self-love), que chegamos a reconhecer como sendo o estado primevo do qual provém a vida instintual, e tão vasta é a quantidade de libido narcisista que vemos liberada no medo surgido de uma ameaça à vida, que não podemos conceber como esse ego consente em sua própria destruição (FREUD,1996, p.256-7).

Freud afirma que nenhum neurótico “abriga pensamentos suicidas

que não sejam impulsos assassinos contra outros” que o indivíduo está voltando

contra si próprio, porém, se indica incapaz até aquele momento de explicar a

interação de forças que lhe possibilita levar a idéia a cabo. Porém, na melancolia,

afirma que o ego pode se matar apenas “devido ao retorno da catexia objetal”, que

possibilita que trate a si mesmo como objeto externo. “Nas duas situações

opostas, de paixão intensa e de suicídio, o ego é dominado pelo objeto, embora

de maneiras totalmente diferentes” (FREUD,1996, p.257).

Na melancolia, “[...] a consciência está cônscia de uma parte que

não é essencial, e nem sequer é uma parte à qual possamos atribuir o mérito de

ter contribuído para o término da doença”. Pode-se perceber que “[...] o ego se

degrada e se enfurece contra si mesmo” (FREUD,1996, p.259).

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Da mesma maneira que o luto compele o ego a desistir do objeto, ao

declará-lo como morto “[...] oferecendo ao ego o incentivo de continuar a viver,

assim também cada luta isolada da ambivalência distende a fixação da libido ao

objeto, depreciando-o, denegrindo-o e mesmo, por assim dizer, matando-o”

(FREUD,1996, p.259).

Freud indica a possibilidade de que esse processo possa se finalizar

no ego depois que a fúria chegue ao fim ou se dissipe ou se o objeto, então

destituído de valor, seja abandonado.

Gostaria de acrescer ainda, nas contribuições de Freud, duas

importantes denúncias apresentadas pelo autor, acerca do suicídio e suas causas,

a primeira, trazida por Dias (1991) se refere à denúncia que Freud traz ao criticar o

tratamento elétrico utilizado com os pacientes neuróticos de guerra no próprio

período de guerra. Segundo a autora, Freud explicita que por conta de tal

tratamento, muitas mortes e suicídios foram causados, “[...] devido à severidade

que foram dando à corrente elétrica com o intuito de privar os neuróticos de guerra

da vantagem que obtinham com a doença” (DIAS, 1991, p. 20-21).

A segunda é acerca de uma fala de Freud, de 1910 chamada

“Contribuições para uma discussão acerca do Suicídio”, onde o autor faz uma

crítica à escola secundária, que “[...] toma o lugar dos traumas com que outros

adolescentes se defrontam em outras condições de vida”. Esse deveria ser um

espaço que despertasse nos estudantes o desejo pela vida e o interesse pelo

mundo externo, além disso, deveria dar acolhimento ao estudante neste momento

em que está se desvinculando dos laços familiares, porém, tal instituição não se

presta a isso (FREUD, 1996, p. 243-4).

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A partir das perspectivas sugeridas por Freud, alguns autores se

destacam na discussão do suicídio a partir de uma perspectiva psicanalítica,

dentre elas, os argentinos Eduardo Kalina e Santiago Kovadloff (1983, p.17), em

seu livro “As Cerimônias da destruição” trazem uma proposta de descrever e

caracterizar o que chamam de “condutas sociais autodestrutivas” e interpretar o

“suicídio como um comportamento coletivo”, em outras palavras, os autores

indicam que no mundo contemporâneo, o modus vivendi “[...] parece responder a

uma definida intenção de auto-extermínio progressivo da humanidade”.

Para eles, a forma de estruturação desse suicídio nem sempre é

clara, porém, “[...] sua teleologia é inequívoca e a partir dela pode-se perceber o

enlace existente entre suas muitas e às vezes descontínuas formas de

expressão”. Para explicar essas duas propostas e especificar a “modalidade

suicida contemporânea”, se propõe a “[...] determinar com a maior transparência

os perfis histórico-sociais da conduta suicida atual” (KALINA; KOVADLOFF, 1983

p.18).

Nesse caminho de desvendar as questões histórico-sociais do

suicídio, os autores expõem sua compreensão do suicídio como um ato onde

prefigura uma responsabilidade “multipessoal ou social”:

Nós consideramos que esta reação psicótica chamada suicídio é o resultado de uma indução e não de uma livre determinação individual. A macrossociedade e as microexpressões da mesma (família) ensinam – de forma manifesta ou subliminar – os modelos de conduta que cada pessoa adota. Se o suicida é um condenado à morte que executa a sentença fatal com suas próprias mãos, então é evidente que seus juízes e verdugos indiretos só podem estar “por trás” do gesto aparentemente autônomo que lhe tira a vida (KALINA; KOVADLOFF, 1983 p.18).

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Esclarecem também que não estão definindo o suicida como alguém

“programado como autômata pela sociedade”, mas sim alguém que “[...] articula à

sua maneira os recursos dos quais a sociedade o dotou”, ou como sugerem na

paráfrase de Sartre; “o suicida faz algo com o que fizeram dele” (KALINA;

KOVADLOFF, 1983, p. 19-20).

Deixam claro no texto, a cada momento, a intenção tanto de

denunciar certa indução à prática suicida, quanto de “[...] mostrar até onde

colocamos essa indução só pode se tornar efetiva quando é exercida sobre um

potencial suicida já existente e, precisamente por isso, permeável a ela”. O suicida

não é completamente passivo nesse ato, não é “mero executor servil”, ele é “co-

produtor” ativo (KALINA; KOVADLOFF, 1983, p. 20).

Para Kalina & Kovadloff (1983): “Matar-se é uma forma, a sua forma

de rebelião e submissão. Através do suicídio agride enquanto produz remorso e

culpa: O suicídio, em suma, é a resolução psicótica de uma interação

criminosa” (p.20 – grifo do autor).

Um dos conceitos que desenvolvem nesse livro é o de culturas

suicidas, um comportamento “autodestrutivo típico de nosso tempo” (KALINA;

KOVADLOFF, 1983, p. 22 – grifo do autor).

Ao desenvolver tal conceito, ressaltam a importância da

interdisciplinaridade, por considerarem que as dimensões de complexidade

alcançadas pelo fenômeno na atualidade impossibilitam considerá-lo um “fato

puramente psicológico e unipessoal”, ou seja, o suicídio deve ser compreendido a

partir de sua totalidade. Para tanto, trazem contribuições da psicopatologia e da

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psicologia social, com o auxílio da historiografia e da filosofia51 (KALINA;

KOVADLOFF, 1983, p. 23).

Nesse sentido, indicam a consciência histórica como “parte

imprescindível da idoneidade científica que impõe a compreensão da problemática

do comportamento autodestrutivo em nosso tempo”, já que “pertencemos a uma

época que já legitimou culturalmente as condutas autodestrutivas”52, essa cultura

suicida subentende um acordo; “a única coisa que podemos fazer juntos é nos

destruírmos”53, o que implica no fato de “não há menos dose de autodestruição

naqueles que ensinam a se matar do que naqueles que aprendem a morrer”

(KALINA; KOVADLOFF, 1983, 23-4).

O conceito de cultura suicida acaba por culminar em um outro

conceito defendido pelos autores, que nomearão como existência tóxica, que, ao

contrário a concepção clássica do suicídio, a questão central não se encontra no

desfecho do processo, mas no drama que é processo em si.

A existência tóxica é uma maneira de viver, uma práxis [...] não o arremate da mesma. A existência, quando é tóxica, implica um projeto de morte, ou seja, viver suicidando-se. O sujeito não termina por se matar, mas termina por morrer. A existência tóxica, obviamente, só pode reger, por paradoxal que possa parecer, um mundo onde a autodestruição é

51 “Ao falarmos de interdisciplinaridade, falamos de complementação, mas não somente complementação metodológica. O espírito interdisciplinar só pode frutificar as relações das partes com o todo, totalizar. Se é certo que na atualidade a patologia suicida é uma patologia social, então a terapêutica não pode ser senão comunitária. Sua prática ultrapassará o campo do consultório individual para impor como necessários o contato do médico com a família do paciente, as autoridades políticas, educacionais e, de modo geral, com todas as áreas responsáveis e representativas da vida institucional de uma nação. Por quê? Porque a doença – como a saúde – é sempre produto de uma interação, e essa interação, nas suas formas fundamentais, é a do indivíduocom a sociedade.” (KALINA; KOVADLOFF, 1983 p. 23) 52 Por exemplo “os vícios socializados, a exploração irracional da natureza, a crescente objetalização do próximo e de si mesmo e o risco atômico” demonstram que na atualidade, o suicídio não mais apresenta características de excepcionalidade que figuraram em outros momentos históricos. (KALINA; KOVADLOFF, 1983 p. 23) 53 o papel do espírito interdisciplinar, nesse caso, é romper com esse acordo e propondo justamente o inverso, “compartilhar um projeto de vida” (KALINA; KOVADLOFF, 1983 p. 23)

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homologada ao triunfo sobre a adversidade e à vida. Esse mundo paradoxal é nosso (KALINA; KOVADLOFF, 1983 p. 30).

Os autores opõem a existência tóxica, onde o “suicida é

explicitamente plural” e o que há é uma destruição coletiva, ao suicídio

“francamente psicótico” que tem vítimas sempre individuais (p. 35).

Indicam também a necessidade de se aceitar o suicídio algumas

vezes como uma opção adotada conscientemente pelo indivíduo, negar tal

realidade seria errôneo, porém, na maioria das vezes os suicídios são condutas

psicóticas, que podem ser entendidas como uma forma de imposição, são “[...] um

gesto alienado que absorve, por assim dizer, a personalidade inteira de quem o

realiza. Sua execução, para o protagonista, dramatiza um crime” (KALINA;

KOVADLOFF, 1983, p. 36).

Entendido dessa forma, “[...] o desejo suicida invade o Eu

consciente. Assalta-o e dobra-o, submetendo-o a uma ordem tanática”, a

debilidade do Eu o impede de deter “a invasão dos impulsos destrutivos”. Sendo

assim, “o suicida dramatiza relações objetivas ou interações que assumem em sua

vivência características opressoras [...] que terminam aniquilando o Eu” (KALINA;

KOVADLOFF, 1983, p. 37).

Veremos que o indivíduo propenso a esse tipo de dramatizações suicidas chega a elas já preparado. Ao se exterminar, o suicida representa uma cena que expressa a conjuntura dramática das relações interacionais nas quais está aprisionado. Ou seja, ele é suscetível à auto-aniquilação, porque já o era antes dela irromper em sua forma final e irremediável. O Eu do suicida inicia muito cedo sua luta contra as fantasias tanáticas. À medida em que transcorre o tempo, suas forças se vão atenuando e a influencia da área psicótica da personalidade – na qual se nutre o impulso suicida – é cada vez maior (KALINA; KOVADLOFF, 1983, p. 37).

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Os autores afirmam que o Eu começa a ser suscetível a essas

dramatizações no decorrer da vida dos indivíduos com propensão autodestrutiva,

sendo que a princípio, essas fantasias se apresentam de maneira distônica e

posteriormente, de forma gradual “o Eu começa a incorporá-la de maneira

sintônica até perder o juízo crítico com relação à sua verdadeira significação”, a

morte deixa de significar autodestruição, esses indivíduos não vêem nela “o que é,

mas o que representa” (KALINA; KOVADLOFF, 1983, p. 38-9).

Para que esse indivíduo possa se matar, é importante que perca a

consciência de si mesmo.

Existe um instante – aquele em que se dispara sobre o próprio corpo ou se o envenena ou se o joga no vazio – em que estamos fora de nós e graças a isso podemos atacar a nós mesmos da forma que o fazemos. A capacidade autodefensiva do Eu, nesse instante, transbordou. Este rebaixamento assinala a irrupção da psicose. Por isso, porque aquele que se mata age sob o jugo dos componentes extremos da personalidade, postulamos o suicídio como uma solução psicótica.

Aqui, pode se dizer que o Eu é ‘assassinado’ pela carga desorganizadora dos conteúdos tanáticos dos níveis psicóticos do funcionamento mental. Vemos, então, que este ‘assassinato’ exige, para se consumar, a anulação da autoconsciência, a abolição do Eu capas de apreender-se como tal a si mesmo. Não pode haver, por conseqüência, uma escolha da morte, posto que não entra em jogo uma vontade seletiva, uma consciência operante” (KALINA; KOVADLOFF, 1983, p. 39-40).

Já a existência tóxica, em primeira instância, é uma forma insalubre

de vida; “quem a põe em prática se arrisca a ser envenenado”. Os elementos da

vida das pessoas que intoxicam suas existências são todos aqueles que

conjuntamente “impõe uma práxis psicossocial alienada”. Essa existência tem que

se nutrir daquilo que a destrói para poder prosperar, e exatamente por esse motivo

que “a existência tóxica – ao ser tóxica – é suicida” (KALINA; KOVADLOFF, 1983,

p. 41).

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Uma cultura tóxica se suicida ao viver como vive; é vivendo como vive que diariamente se mata uma sociedade onde predominam as formas tóxicas da existência. A existência tóxica, em suma, vive daquilo que a aniquila. Em nosso caso ocidental, como já foi tantas vezes repetido, nos matamos ao promover e perpetuar a alienação que necessitamos para nos organizar em conformidade com nossas premissas ideológicas. Nos termos de Hebert Marcuse54, isso ocorre ‘quando as instituições fundamentais (de uma sociedade) e as relações (estabelecidas nela) – ou seja, sua estrutura – são de tal índole que não permitem a utilização dos meios materiais e intelectuais existentes para o desenvolvimento ótimo da humanidade’. Quer dizer que nossa sociedade se suicida ao fomentar o apoio às contradições que a destroem, em lugar de estimular sua erradicação. A manifesta defasagem entre a realidade política das nações ocidentais e os princípios éticos aos quais teoricamente corresponde sua estrutura (KALINA; KOVADLOFF, 1983 p. 42-3)

Numa linha um tanto distinta da proposta dos autores argentinos,

Karl Menninger (1970) também discute brevemente uma autodestruição coletiva,

como se pode perceber na seguinte passagem:

Seria de esperar que diante desses esmagadores golpes do Destino ou da Natureza, o homem se opusesse firmemente à morte e à destruição em uma fraternidade universal de humanidade sitiada. Mas não é o que acontece. Quem quer que estude o comportamento de seres humanos não pode fugir à conclusão de que precisamos levar em conta um inimigo dentro das linhas. Torna-se cada vez mais evidente que parte da destruição que flagela a humanidade é autodestruição; a extraordinária propensão do ser humano a aliar-se às forças externas no ataque contra sua própria existência é um dos mais notáveis fenômenos biológicos (MENNINGER, 1970, p. 20 – grifos no original)

Porém, é no âmbito individual que o autor desenvolve sua teoria

sobre o suicídio, que indica ser, antes de tudo, um homicídio de si mesmo. Com

base em Freud, na teoria das pulsões e forte influência de Ferenczi, o autor

enxerga o suicídio como um fenômeno composto por três desejos; o desejo de

matar, o desejo de ser morto e o desejo de morrer.

O desejo de matar consiste no retorno, ao próprio indivíduo, dos

impulsos agressivos que estariam direcionados a outra pessoa, porém, por

54 Os autores não colocam a referência da seguinte citação.

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questões morais, o sujeito não consegue direcionar essa agressividade ao objeto

e acaba se identificando com o próprio objeto da agressão.

O desejo de ser morto é está relacionado à submissão, pois, “ser

morto é a forma extrema de submissão, assim como matar é a forma extrema de

agressão”, portanto, esse elemento está relacionado ao masoquismo, que se

manifesta na procura do sujeito por uma forma de suicídio que não o

responsabilize. (MENNINGER, 1970, p. 58 – grifos no original).

Já o desejo de morrer figura de forma mais passiva dentre os

elementos, já que desejar morrer não significa querer tirar a própria vida, portanto,

sem os outros dois elementos, não passa de um desejo que não se concretizará.

Outra pesquisadora do fenômeno suicídio que também trabalha na

perspectiva psicanalítica é Maria Luísa Dias, que utiliza a categoria narcisismo55

para fundamentar suas análises dos “testemunhos de adeus” deixados pelos

suicidas. Segundo a autora, o indivíduo quando se encontra numa fase de

embotamento narcísico, como no mito grego, “vê e exige um mundo à sua

semelhança”. O narcisista ama no outro seu próprio ego refletido, ele se reflete no

mundo e essa fuga do mundo real em busca de realizar seu próprio “mundo dos

desejos”, ele acredita que isso possa ocorrer após a sua morte; “o suicida recusa

um mundo que não lhe parece bom” (DIAS, 1983 p. 137).

Nessas análises, Dias (1983 p. 142) destaca que esses indivíduos

depositam no outro a necessidade de que esses correspondam àquilo que

55 Segundo Dias, “a designação narcisismo foi criada por Freud para denominar o processo de deslocamento do objeto amoroso para o próprio indivíduo. A psicanálise passou, a partir daí, a estabelecer uma distinção entre narcisismo primário, que seria um período normal de auto-investimento da libido vivido pelo bebê, e o secundário, que constitui uma regressão patológica do adulto àquela fase” (DIAS, 1983 p. 137)

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necessitam, como um “par perfeito idealizado, interno ao próprio protagonista”, ele

acredita que ao se matar, impõe sua visão de mundo, apesar de sentir-se

derrotado em alguns aspectos, se sente poderoso ao achar que o mundo passa a

ser como ele pretende após sua morte. “Seu estilo de vida começa quando ele

morre, pelo menos no seu imaginário”.

A autora constata nas mensagens (cartas, bilhetes, gravações) dos

suicidas que seus pedidos inseridos nessas são feitos de maneira imperativa e

também a forma com que o indivíduo “prevê” (na verdade, ele acredita que

determinará) o futuro.

Na proposta de base psicanalítica, muitas vezes a influência social

se perde em uma perspectiva individualista e patologizante, no caso dos

argentinos Kalina e Kovadloff, apesar de se remeterem aos aspectos sociais e até

mesmo históricos, continuam trazendo o dado da psico-patologia como algo

fundamental para a ocorrência do suicídio.

A abordagem existencialista, segundo o psiquiatra Zacaria Ramadam

(2004) explica que a proposta dessa corrente de pensamento é refletir sobre a

condição humana envolvendo seu existir e sua essência. Para os existencialistas,

“a existência humana precede sua essência” e também o homem é um ser

totalmente livre e completamente responsável por seus atos. Essa escola possui

forte influência da tradição fenomenológica alemã e o termo existencialismo foi

cunhado pelo filósofo Jean-Paul Sartre por volta de 1950 (p. 87).

As duas principais escolas desse pensamento são a francesa e a

inglesa e seus principais representantes, segundo Ramadam (2004), entre os

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alemães, Soren Kiekegaard, Frederich W. Nietzsche56 e Martin Heidegger; esses

foram os primeiros a se preocupar com a questão acerca do que limita a ação

humana, tendo em vista o fato de a vida ser “inerentemente miserável e irracional”.

Dentre eles, o que discutiu mais especificamente o suicídio foi

Nietzsche, que em seu livro “Para além do bem e do mal” diz que “a idéia do

suicídio é um potente meio de conforto: com ela superamos muitas noites más”

(s/d, p.92). Já em “Assim falava Zaratustra”, dedica uma pequena parcela do livro

‘a discussão da morte livre, onde diz que esta é aquela que vem “porque eu

quero”. ‘Zaratustra’ ensina que se deve “morrer a tempo”, mas questiona aqueles

que nunca vivem tempo suficiente, esses para ele nunca deveriam ter nascido.

(NIETZSCHE, s/d, p.55)

Para Nietzsche (s/d, p. 56), nas palavras de seu ‘Zaratustra’, o

homem adulto é aquele que possui mais infância que o jovem, é menos triste e

compreende melhor a vida e a morte; é “livre para morrer e livre na morte; divino

negador quando, já não é tempo de afirmar: assim compreende a vida e a morte”.

Em outro trecho, sobre a pregação da morte, o autor destaca, ainda

através do ‘Zaratustra’, alguns tipos dos que pregam a morte, os que consideram

a vida uma condenação, puro sofrimento e lástima, os que desejam evita-la,

propagando a não geração de novas crianças e aqueles que por quererem

abandonar a vida, apregoam a morte para “libertar” também aos outros. Nietzsche

(s/d, p. 35) aprova a pregação da morte ressaltando que “por toda parte ressoa a

voz dos que apregoam a morte, e a terra está repleta de seres a quem é

necessário pregar a morte”.

56 Certamente considerar Nietzsche um existencialista é algo que nem todos os seus estudiosos concordariam.

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Já dentre os franceses, os principais representantes da corrente

filosófica existencialista foram, o já citado Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e

Albert Camus, que defendem em suas idéias uma atuação política libertária (p.

88).

No caso dos franceses, é Camus (2005) quem consagra suas

páginas à discussão do suicídio em sua obra “O Mito de Sísifo”57, um ensaio todo

dedicado à discussão sobre o absurdo (sentimento que o autor compara à náusea

sartreana) e o suicídio.58

Camus (2005, p. 17-18) abre o livro com a seguinte discussão: “Só

existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou

não a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia. O resto [...]

vem depois”. Eis, para o autor, um tema de grande importância, o sentido da vida,

se é que esta o possui e se sim, essa “razão de viver” concomitantemente é “uma

excelente razão de morrer”.

Sua proposta nessa obra é discutir, ao contrário do que se vinha

fazendo até então, o suicídio a partir exclusivamente do pensamento individual,

como indica na seguinte passagem: Sempre se tratou o suicídio apenas como um

fenômeno social. Aqui, pelo contrário, trata-se, para começar, da relação entre o

pensamento individual e o suicídio. Um gesto desses se prepara no silêncio do

coração, da mesma maneira que uma grande obra” (CAMUS, 2005, p. 18).

57 A obra data originalmente de 1942. 58 Nessa obra, Camus cita os existencialistas alemães justamente na intenção de contrapô-los e valoriza o

pensamento sartreano, alguns autores indicam isso como a impressão digital de seu rompimento com o

existencialismo. (Schafman, in: Camus, 2005)

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Para esse autor, o tormento de viver surge do pensamento do

indivíduo; “o verme se encontra no coração do homem”, é ali “que se deve

procura-lo”. Certamente, dentre as diversas causas para se morrer , costuma-se

buscar pelas mais aparentes, mas não se busca pelo cerne da questão, o fato da

vida definitivamente não valer a pena, já que viver, certamente nunca é fácil,

porém, continuamos reproduzindo, por muitos motivos “os gestos que a existência

nos impõe”, sendo que o primeiro destes motivos é justamente o

costume;”cultivamos o hábito de viver antes de adquirir o de pensar”. Nesse

sentido, “morrer por vontade própria supõe que se reconheceu, mesmo

instintivamente, o caráter ridículo desse costume, a ausência de qualquer motivo

profundo para viver, o caráter insensato da agitação cotidiana e a inutilidade do

sofrimento” (CAMUS, 2005, p. 19).

Há uma identificação, na visão de Camus (2005) entre o sentimento

de absurdo, que é aquele sentimento no homem da incapacidade de reconhecer o

mundo como familiar, de compreende-lo mesmo que erroneamente, mesmo que

sob o véu das ilusões e das luzes. Quando se vê privado disso, o indivíduo se

sente um estrangeiro, já que não é capaz de reconhecer seu próprio espaço, sua

própria terra, o que o leva a aspirar o nada, o que o aproxima do suicídio.

A resposta à primeira situação colocada por Camus (2005) não é tão

simples, tampouco a superação do sentimento de absurdo, sendo assim, não

existem apenas duas situações, matar-se ou não; comumente, diversos indivíduos

não conseguem chegar a uma conclusão e ficam pendendo entre o matar-se ou

não, já os que optam especificamente pelo matar-se, costumam estar bem certos

do sentido da vida.

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Segundo Ramadam (2004), os filósofos existencialistas defendem a

possibilidade do livre arbítrio nos homens desde que esses tomem uma decisão,

remetendo à ”unicidade e o isolamento da experiência individual em um universo

hostil e indiferente”. O autor enfatiza que os existencialistas consideram “a

existência humana como inexplicável, mas as liberdades de escolha e de

responsabilidade pelas conseqüências de nossos atos constituem as

características intrínsecas ao ser humano”. Sendo assim, todo ser humano livre

percebe-se num mundo absurdo e aparentemente sem sentido, cada um de nós

constrói seu sentido de mundo durante sua vida, opondo-se constantemente à

realidade.

Na visão defendida por Camus (2005, p. 122-23), esse dilema se

perpetua numa questão onde “ou não somos livres e o responsável pelo mal é

Deus todo-poderoso, ou somos livres e responsáveis, mas Deus não é todo-

poderoso”, já que “o homem limitou-se a inventar Deus para não se matar” ().

Especificamente na psicologia um dos expoentes do existencialismo

é o psicólogo alemão Ludwig Binswanger, que denominou sua proposta como

análise existencial empírico-fenomenológica, situando seu trabalho no plano

antropológico factual, procurando por “pólos significativos e projetos de mundo

particularizados da condição humana; diferentemente da analítica heideggeriana,

que se propõe a compreender o ser em seu nível ontológico (RAMADAM, 2004, p.

88).

Binswanger (1967) tornou-se bastante conhecido no meio dos

estudos suicidológicos por conta do caso Ellen West, apresentado no livro

compilado pelo próprio autor, chamado Existência. A grande polêmica que envolve

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esse caso é o fato do autor haver considerado o suicídio de Ellen West, dentro das

circunstâncias apresentadas, um sucesso terapêutico.

Ramadam (2004, p.88) explica que a aplicação da perspectiva

existencial na prática clínica “circunscreve-se a estabelecer significados no todo

do campo existencial”. Sendo assim, pensando os significados da morte voluntária

o autor cria três categorias fenomenológicas; o estreitamento, a ampliação e a

contradição.

O estreitamento, é o suicídio de essencialidade, ele se constitui

como “o último ato do processo mortal que se iniciou pelo estreitamento súbito ou

gradual do campo existencial – da atuação, da participação, do relacionamento do

indivíduo; reduzem-se os significados que ele dá e que lhe são dados”.

(RAMADAM, 2004, p. 89).

Nessa forma de suicídio, devido a uma restrição espaço-temporal, a

ideação torna-se menos flexível, os pensamentos limitam-se ao horizonte visual,

há uma fixação da imaginação em evocações do passado e a atuação do

indivíduo torna-se pesada e morosa. Há um completo comprometimento da

essencialidade do ser e o próprio indivíduo percebe estar ‘deixando de ser’. Nas

palavras específicas de Ramadam (2004, p. 89), o indivíduo “já ‘não é’ segundo

um projeto de vida em contínuo para o futuro. Só tem passado, sua faixa

existencial diminuiu a ponto de extinguir-se; o gesto suicida apenas complementa

o processo”.

Quando são consumados os suicídios dessa espécie, o mundo já

não significa nada para o indivíduo e por extensão, tampouco sua vida possui

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qualquer significado. “A morte é um fim em si mesma, o não-ser absoluto”

(RAMADAM, 2004, p.90).

A ampliação é o suicídio de virtualidade, que é a forma oposta à

essencialidade, pois nesse caso, o suicídio é integrado num projeto existencial,

conforme as vivências do próprio indivíduo. O que o suicida busca, nessa espécie

de morte voluntária não é a morte em si mesma, mas na morte, um meio de

ampliar seu campo existencial; tem como propósito re-significar seu próprio ser e

os seres que coabitam seu mundo (RAMADAM, 2004, p.92).

Nessa modalidade, a morte serve como meio de atuação, de

perseverar na própria existência. Apesar da morte física, sua essencialidade

permanece íntegra. Esse é um tipo de morte virtual, onde o suicida amplia sua

atuação no mundo (RAMADAM, 2004, p.92).

A contradição é o suicídio de absurdidade, um suicídio comumente

considerado sem motivo, por não trazer significados aparentes ou qualquer

‘ressonância emocional’. Conduz-se por elaboração filosófica a partir da certeza

de que a vida culmina sempre na morte e da angústia que a existência frente a

esse fato causa nos sujeitos. Essa forma de suicídio remete-se à proposta de

Camus (2005) brevemente apresentada anteriormente nesse texto.

Outra produção bastante conhecida no Brasil é a de Valdemar

Angerami-Camon59. Começarei comentando um pequeno capítulo sobre “solidão

e suicídio”. Em seus textos, o autor sempre busca trazer relatos de casos e/ou

relacionar suas reflexões à psicoterapia; que indica ser o espaço onde “[...]

59 Valdemar Augusto Angerami-Camon é psicólogo, e referência nacional na produção bibliográfica sobre o suicídio numa perspectiva existencialista.

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repousam as esperanças da vanguarda da superação e até da própria

compreensão do ato do suicídio”, e prossegue dizendo que o avanço na

psicoterapia, como em outras ciências humanas e sociais, mas principalmente

nessa que é o “[...] ’encontro existencial’ onde a alma humana é compreendida em

toda a sua essência”, possibilitaram um avanço na análise do suicídio, “[...] onde o

sofrimento humano é abarcado num significado peculiar à própria condição

humana”. O autor assinala inclusive que o indivíduo em processo psicoterápico é

considerado “não sendo passível de suicídio” (ANGERAMI-CAMON, 1999, p. 47-

48).

Acerca do ato suicida em si, Angerami-Camon indica ser sempre

“revestido de muita violência”, mesmo nos casos onde aparentemente não há dor

física ou sofrimento, “[...] a violência é eminente transcendendo toda e qualquer

conceituação”. Essa violência e o sofrimento vivido pelo suicida e provocado por

seu ato, atinge não só o próprio sujeito do ato, mas também aqueles que o

cercam, que sofrerão “[...] além da dor inerente à morte desse paciente, todo um

julgo ético e moral de quase todos os segmentos da sociedade” (ANGERAMI-

CAMON, 1999, p. 49).

Para o autor, a eficácia de um processo psicoterápico com vítimas de

tentativas de suicídio deve abranger desde “[...] implicações sócio-políticas até

ocorrências abstratas da condição humana como solidão, angústia, tédio, etc” e

alerta para um fator importante ao ressaltar que “[...] a questão do suicídio é uma

das mais suscetíveis de interpretações ideológicas” e conforme a saúde mental

“[...] é medida em termos de reprodução, e a enfermidade como sendo uma

diminuição nas ‘curvas de rendimento profissional’“, tanto a reabilitação quanto a

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cura são medidas “[...] exatamente pelo êxito em fazer com que o paciente

produza como anteriormente”. Continua sua crítica dizendo:

O suicida em seu gesto pode estar manifestando total falta de adaptação às próprias condições sociais e um profundo inconformismo diante da condição humana. E até mesmo o conceito de ‘sadio’ será questionado de modo drástico; conceituar de ‘sadia’ uma pessoa que simplesmente se adapta ao sistema estrutural da sociedade é, no mínimo, discutível. (ANGERAMI-CAMON, 1999, p. 50)

Da relação entre o suicídio e a morte e o suicídio e a vida, o autor

afirma que ao fazer parte da vida dos indivíduos, tal fenômeno torna real “[...] a

destruição dos anseios que permeiam não apenas a morte como a totalidade das

possibilidades existenciais”; é a manifestação da condição de sofrimento para

além da possibilidade exclusiva de morrer.

A morte é buscada como fim, o ato de destruição geralmente traz manifestações de desespero que nos remetem a situações diversas onde os indícios de desesperança podem estar precedidos do próprio afastamento das coisas e das atividades triviais. (ANGERAMI-CAMON, 1999, p. 50)

O ato do suicídio significa morte aos objetivos existenciais e a morte de si próprio num processo que pode implicar a tentativa de reparação de situações ou sentimentos. O significado do ato do suicídio pode, inclusive, implicar acontecimentos novos para um estágio de ajustamento vivido pela pessoa. É um projeto de vida onde a morte é o objetivo final.” (ANGERAMI-CAMON, 1999, p. 52)

Na especificidade da proposta do artigo, o autor relaciona o suicídio

e a solidão, esses dois “fenômenos eminentemente humanos”, que carregam

estampadas em si “o próprio sofrimento humano” e a “condição de desespero do

homem contemporâneo”. Para o autor, esses dois fenômenos são inseparáveis

quando a ocorrência do suicídio conduz ao “[...] aniquilamento existencial,

determinado pelo isolamento da pessoa de suas possibilidades existenciais. É a

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corrosão da vida implicando num suicídio com a vida tornando-se possibilidade de

solidão, desespero e dor” (p. 58-61)

O suicídio traz na solidão uma das principais causas de sua ocorrência; é atribuir a um dos muitos aspectos da condição humana a própria inextricabilidade da existência. É até mesmo difícil decodificar se a principal causa do suicídio é a solidão, ou se a principal condição da solidão é o suicídio. (ANGERAMI-CAMON, 1999, p.62)

Numa proposta formulada dentro da perspectiva da gestal-terapia,

Karina Okajima Fukumitsu traz em sua obra algumas idéias sobre o suicídio

relacionadas principalmente ao espaço clínico e à psicoterapia. Suas reflexões

propõe que se compreenda “[...] o cliente como o responsável por suas

possibilidades, a psicoterapia como o campo para o cliente experienciar seu ser

saudável e doente e a apresentação de propostas clínicas” (FUKUMITSU, 2005,

p. 84).

Para a autora, o suicida é aquele que não reconhece mais o sentido

de sua vida, o que significa, como toda perda de sentido, uma perda da relação

figura-fundo; passa a desconhecer o porquê, para que e o que é viver, perde sua

espontaneidade encontrando na morte a única maneira de “vivenciar sua vida”.

Por ter tido “sua vivência esfacelada” o suicida “[...] parece negar a relação e as

coisas da vida e as perspectivas de se estar vivo” (FUKUMITSU, 2005, p. 89-90).

A Gestalt-terapia busca compreender não o ato suicida em si, mas

“[...] a maneira como a pessoa atua e qual a mensagem existencial encontrada na

busca da significação do ato” construindo “[...] uma compreensão do modo como a

pessoa foi construindo sua idéia suicida e sua crença de que uma vez morta,

conseguiria coisas que em vida não conseguiu” (FUKUMITSU, 2005, p. 106).

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Tomando como referência o conceito de “parte e todo”, Fukumitsu

indica que o suicida expressa em seu ato a vontade de “[...] matar uma parte

daquilo que não está organizado, mas confunde a parte com sua totalidade”

(FUKUMITSU, 2005, p. 109).

O psiquiatra social estadunidense Gavin Fairbairn (1999) sugere que

se compreenda o suicídio, bem como outras formas de dano pessoal que possam

ser confundidas com o mesmo, de maneira que se valorizem as intenções, os

desejos e as expectativas dos indivíduos. Segundo o autor, “um exame da

intenção é útil para a análise da Natureza moral dos atos pessoalmente danosos;

é também essencial para determinar se a pessoa foi realmente suicida” (p. 83).

Nesse sentido, afirma:

O suicídio geralmente é definido retrospectivamente, concentrando a atenção na prova a respeito do estado do indivíduo após ter feito o aquilo que realiza, ao suicidar-se, e não enquanto está no processo de agir. Em contraste, a definição de suicídio que espero estabelecer é prospectiva, porque põe o acento naquilo que o suicida pretendia com o seu ato; ela não se concentra naquilo que ele concretizou, mas naquilo que esperava concretizar, com seu ato (FAIRBAIRN, 1999, p. 100).

Geralmente se analisa o suicídio a partir do fenômeno em si, “de

onde o indivíduo acaba chegando”, sem se dar muita atenção para os objetivos

que esse indivíduo almejava alcançar com seu ato.

É importante termos a clareza de que nem todo gesto de tirar a vida

de um indivíduo por ele próprio pode ser considerado suicídio; primeiro, porque

nem sempre que um indivíduo morre por suas próprias mãos, isso significa que

era essa sua intenção, ou seja, o indivíduo pode ser o responsável por um

acidente consigo próprio; segundo que, mesmo que o indivíduo tivesse a intenção

de fazer algo que tivesse a probabilidade de lhe tirar a vida, tampouco garantiria o

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suicídio, já que existem casos onde indivíduos sacrificam suas vidas para salvar a

de outros, por exemplo; uma terceira implicação é o grau de compreensão,

entendimento, conhecimento e consciência acerca daquilo que o indivíduo está

fazendo. Isso indica que nem todo ato de matar-se significa suicidar-se, pois, para

suicidar-se, o sujeito necessita ter capacidade de significar a morte e o estar

morto, bem como ter entendimento suficiente da vida, por exemplo crianças ou

indivíduos com comprometimentos de compreensão, seja físico ou psíquico, ou

pessoas com sofrimentos psíquicos que lhes “proporcionem percepções incorretas

ou falsas do mundo”, pois dessa maneira seu ato seria não-autônomo. Sem essas

capacidades e fora desses contextos, dificilmente podemos chamar uma atitude

de dano pessoal como suicídio.

Buscando a construção de um conceito de suicídio, Fairbairn (1999)

busca em Windt (1981 apud FAIRBAIRN, 1999) a proposta de se estudar o

suicídio como uma tessitura aberta. Segundo Windt, para qualquer característica

que nos permitisse chamar determinados eventos de suicídio, haveria situações

que mesmo com tal característica presente, não poderiam ser consideradas

suicídio e outras que não possuindo determinada característica, deveriam ser

consideradas suicídio. Porém acredita na existência de características

definicionais, em virtude das quais, determinado evento é suicídio.

Para definir os critérios que permitam definir o suicídio como tessitura

aberta, adotando a idéia de Wittgenstein (1974) da “similaridade familiar”, com o

intuito de descrever a maneira que os diversos casos de suicídio se relacionam

entre si. “Embora os diversos critérios possam estar envolvidos em casos

diferentes, podemos esperar encontrar similaridades entre toda a família de casos

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que justifiquem a sua assimilação sob um único conceito” (WITTGENSTEIN, 1974

p. 40 apud FAIRBAIRN, 1999 p. 106).

Windt (1981 apud FAIRBAIRN, 1999 p. 106-107) apresenta duas

condições que vê como imprescindíveis para se considerar um ato como suicida; a

primeira é a morte tanto da pessoa, quanto do organismo e a segunda, é a

necessidade de se aplicar à morte certa “descrição reflexiva”. Apresentando

situações em que pessoas “se matam”, “provocam a própria morte” ou “deixam-se

matar”, ou seja, nessas situações, “o indivíduo é o instigador ou o autor da própria

morte, quer a concretize ou não fisicamente”.

Apesar das diversas contribuições de Windt (1981) para a

conceituação do que é suicídio, Fairbairn (1999) considera que são insuficientes e

equivocadas muitas vezes.

Para Fairbairn, portanto, é necessário uma série de características

em um ato de dano pessoal para que possamos qualifica-lo; nas palavras do

autor:

O suicídio é um ato, tanto de cometimento como de omissão realizado pela própria pessoa ou por terceiros, por meio do qual um indivíduo autonomamente pretende e deseja concretizar a própria morte, porque quer ser morto ou quer morrer uma morte que ele mesmo concretiza (FAIRBAIRN, 1999 p. 117).

Já o suicida é definido como:

Uma pessoa é suicida se inicia um ato, tanto de cometimento como de omissão executado pessoalmente ou por terceiros, por meio do qual, autonomamente, pretende e deseja perpretar a própria morte, porque quer ser morta ou quer morrer uma morte que ela mesmo concretiza, contanto que alimente este desejo e esta intenção (FAIRBAIRN, 1999 p. 106-7).

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O autor considera, dessa forma, que tais definições dão conta de

abranger todos os casos de suicídio, pois se concentram na intenção e desejo

com os quais o indivíduo age para e consente com o suicídio.

Se o indivíduo “deseja intensamente concretizar a própria morte e

toma a iniciativa para concretizá-la, uma pessoa é suicida, não importa se acaba

ou não morrendo, contanto que não rescinda o seu desejo de morrer”

(FAIRBAIRN, 1999, p.119).

Tais definições admitem a concretização da morte tanto por omissão

quanto por cometimento, pelo suicida ou por terceiros, “admite que a pessoa pode

agir de forma que prevê ou pretende que irá concretizar a sua morte, sem ser um

suicida, porque ela pode fazer isso sem desejar morrer” (FAIRBAIRN, 1999, p.

120).

Levam em consideração a existência de uma “área nebulosa”

envolvendo o suicídio, na qual há atos realizados por indivíduos que não

“refletiram suficientemente bem naquilo que estão fazendo para ser verdadeiro

afirmar que aquilo que tencionavam era pra ser feito em relação à vida”

(FAIRBAIRN, 1999, p.120).

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IV – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para o desenvolvimento dessa dissertação, foram levantados

materiais bibliográficos em português e castelhano sobre o suicídio, tendo em

vista dois aspectos: a história social desse fenômeno e estudos científicos dentro

da psicologia, sociologia e filosofia, tendo sido incorporadas no levantamento

histórico parte das discussões filosóficas e o restante, assim como as discussões

dentro da psicologia e sociologia foram incorporadas no capítulo sobre as teorias

que discutem o suicídio. Além disso, foram pesquisados textos dentro da

perspectiva Materialista Histórica Dialética tendo como ênfase as produções

dentro da psicologia sócio-histórica soviética e brasileira.

Também foram feitas pesquisas freqüentes durante todo o período

de elaboração desse trabalho na base de dados do o Scielo (Scientific Library on-

line), página da internet que acessa diversos periódicos científicos. Os descritores

utilizadas para essas pesquisas foram ‘suicídio’ e ‘suicida’. Os artigos encontrados

permitiram acesso a questões atuais nas discussões sobre suicídio, apesar dos

dados utilizados, em sua maioria terem sido retirados de publicações recentes em

livros.

Optou-se por uma pesquisa teórico-bibliográfica devido à dificuldade

em encontrar sujeitos dispostos a conceder entrevistas e também sujeitos que

estivessem dentro do perfil desejado para essa pesquisa.

Ao falar em ato suicida e em suicídio propriamente dito, me refiro ao

fato de que, se o sujeito fracassou em sua tentativa, ele não se suicidou e a

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partir da teoria utilizada nesse trabalho, permite-se entender haverem sentidos

e significados diferentes das duas faces desse fenômeno.

O objetivo geral dessa dissertação é pesquisar o suicídio enquanto

fenômeno psicossocial, sem descartar seus aspectos biológicos, porém,

enfatizando as mudanças históricas em seu significado e a especificidade que

o fenômeno possui para cada sujeito particularmente.

Os objetivos específicos são:

Fazer um levantamento da história social do suicídio,

valorizando suas alterações de significado;

Apresentar as diversas teorias científicas que propuseram

discussões sobre o suicídio;

Apresentar as principais categorias do Materialismo Histórico

Dialético que contribuem para o estudo do Suicídio, tendo

como principal enfoque a Psicologia Sócio-histórica;

Analisar o suicídio na atualidade, a partir do referencial

proposto, a fim de demonstrar alguns limites das

compreensões acerca do fenômeno que existem na ciência

psicológica tradicional e oferecer novas possibilidades para

uma compreensão diferenciada do fenômeno, tendo o

materialismo histórico dialético como referência central.

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V – CATEGORIAS DO MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO PARA A

ANÁLISE DO SUICÍDIO

Neste capítulo se pretende apresentar uma síntese das categorias

que a psicologia da escola soviética oferece para a análise do suicídio: ato volitivo;

significado e sentido; emoção, sentimento e afeto; motivo e necessidade e

imaginação, além de temas transversais a esses e tão fundamentais quanto eles

como: atividade, linguagem, pensamento, consciência e personalidade.

1- ATO VOLITIVO

Para se compreender o suicídio numa perspectiva sócio-histórica é

necessário entende-lo como um ato volitivo (ou voluntário), que segundo o

psicólogo soviético K. M. Gurevich (1960), são aqueles atos “que têm por objeto

alcançar um fim determinado” e que numa primeira impressão podem parecer

estar única e exclusivamente submetidos à vontade e à livre escolha do indivíduo.

O autor ressalta que “considerar a livre vontade do homem a causa

inicial e independente de seus atos voluntários significa colocar tais atos fora das

dependências causais do mundo material e reconhecer que se encontram à

margem das leis objetivas da realidade”. Todo ato volitivo, como qualquer outro

processo psíquico, encontra-se sempre condicionado por causas objetivas e

“surge no processo em que se reflete o mundo objetivo e tem uma base material”

(GUREVICH, 1960, p. 385).

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Essa base é explicitada por Karl Marx (1997, p. 21) n’O Dezoito

Brumário de Luís Bonaparte ao escrever que “os homens fazem sua própria

história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua

escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e

transmitidas pelo passado”. Assim sendo o ato voluntário não acontece de

maneira isolada e independente da realidade em que os indivíduos estão

inseridos, idealisticamente. Eles devem sim ser compreendidos em sua

objetividade e materialidade. “O trabalho foi a base sobre a qual apareceram e

vêm se desenvolvendo os atos voluntários“ (GUREVICH, 1960, p. 388 – Grifos no

original).

Outra característica basilar do ato volitivo é de ser sempre um ato

consciente, pois tem início na tomada de consciência do fim que se deseja, que é

quando surge o pensamento acerca daquilo que se alcançará através desse ato. É

esse fim que determinará o caráter do ato e as maneiras com as quais o sujeito o

realiza. Se esse fim se configurar de maneira abstrata, ou seja, se não há uma

representação sua na consciência do indivíduo, os atos não possuem um fim

determinado e assim, deixam de se caracterizar como atos.

Segundo Gurevich (1960), para se conseguir alcançar atos dirigidos

a atingir um fim proposto, faz-se necessário um trabalho generalizador do

pensamento, ou seja, estes atos não seriam possíveis sem um tipo de

pensamento que permita ao indivíduo prever de maneira generalizada seu

resultado, o que implica na necessidade de se reconhecer conscientemente o fim

que o indivíduo se dispõe a alcançar e os meios existentes e possíveis de

alcançá-lo, isso estabelece uma relação direta com os processos imaginativos.

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A linguagem possui um papel fundamental na constituição do ato

volitivo. Sobre esse tema, Vigotski (2000, p. 290) esclarece que:

[...] nosso domínio sobre os processos próprios do comportamento se constrói em essencial, da mesma maneira que nosso domínio sobre os processos da natureza, já que o homem que vive em sociedade está sempre sujeito à influência de outras pessoas. A linguagem, por exemplo é um desses poderosos meios de influência sobre a conduta alheia e, como é natural, o próprio homem no processo de seu desenvolvimento chega a dominar os mesmos meios que utilizavam outros para orientar seu comportamento.

Na proposição vigotskiana, toda função psicológica superior

(especificamente humana), ocorre em duas etapas, primeiramente de forma

externa, por ser uma função social “[...] a função psíquica propriamente dita era

antes uma relação social de duas pessoas. O meio de influência sobre si mesmo é

inicialmente o meio de influência sobre os outros [...] o meio de influência dos

outros é o meio de influência sobre o indivíduo” que, ao ser apropriada pelo

indivíduo é internalizada, passando a ser um instrumento interno de controle da

própria conduta, o que não é diferente com o ato volitivo e com o papel da

linguagem em relação a ele. Da mesma forma que a princípio a conduta do

indivíduo é determinada pelos outros num primeiro momento, ela passa a ser

determinada pelo próprio sujeito num segundo momento (VIGOTSKI, 2000, p.

150).

Dessa maneira, Vigotski (2000) afirma a lei genética geral do

desenvolvimento cultural humano, esclarecendo que toda função no

desenvolvimento dos indivíduos passa pelo processo indicado no parágrafo

anterior, ou seja, inicialmente é uma categoria interpsíquica e, posteriormente uma

categoria intrapsíquica; o autor afirma ainda que as características

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especificamente humanas (funções psicológicas superiores) como a atenção

voluntária, a memória lógica, a capacidade para a formação de conceitos e o

desenvolvimento da vontade respeitam essa lei do desenvolvimento (Vigotski,

2001).

Um dado importante é que nem sempre o indivíduo executa de

imediato aquilo a que havia se proposto, tampouco leva sempre até o fim os

processos iniciados. No entanto, é precisamente a execução do proposto que dá o

tom volitivo ao ato. Isso pode ser verificado na seguinte proposição de Vigotski

(2000) apresentada a seguir:

[...] processo executivo lhe corresponde o funcionamento do aparato originado, a ação que segue a instrução, o cumprimento da decisão tomada e se manifestam nele todas as características já estudadas por nós na reação eletiva (p. 294).

A eleição da maneira de atuar, como a eleição dos fins da ação,

pode acompanhar-se de um conflito entre os interesses particulares do indivíduo e

seu dever social.

Os processos que precedem a tomada de decisão não se limitam à

aquisição imediata de consciência do fim desejado, mas estabelecem relações

conscientes com as diversas maneiras de se alcançar esse fim, ou seja, há uma

tomada de consciência dos meios a serem utilizados para se atingir um objetivo.

Em grande parte das vezes, existe mais de uma maneira com a qual

se pode alcançar o fim desejado e por conta disso, o indivíduo precisa eleger

dentre elas aquela que lhe pareça mais adequada, que lhe possibilite alcançar seu

objetivo da forma mais eficaz.

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Por conta disso, faz-se necessário, embora de uma maneira

hipotética, analisar as vantagens e desvantagens de cada um desses meios. Se,

em decorrência da falta de conhecimento e/ou experiência o indivíduo não atingir

o fim desejado ele começa a ter dúvidas entre um meio ou outro.

Aqueles que possuem pouca experiência e que pouco conhecem da

vida e de si mesmos, também pouco conhecem das dificuldades que se lhes

apresentarão na execução de uma ação com fim determinado. Comumente estes

indivíduos decidem precipitadamente as coisas, escolhem facilmente as maneiras

de conquistar o fim desejado; mas ao iniciar a execução, percebem que não

haviam considerado uma gama de detalhes e que não haviam calculado

corretamente suas forças e disto acabam ocorrendo durante a execução dos atos

uma série de dificuldades e conseqüências. Dessa forma, à medida que o

indivíduo ampliasse suas experiências e seus conhecimentos acerca da realidade,

diminuiria consideravelmente o número de dificuldades relacionadas aos

equívocos na tomada de decisão da realização dos atos (GUREVICH, 1960), 0

que nem sempre ocorre devido as mediações sociais alienantes.

Como indica Lênin (apud GUREVICH, 1960, p. 384):

Quando o determinismo estabelece que os atos humanos são constantes e rechaça o mito vergonhoso do livre arbítrio, não destitui a razão, nem a consciência do indivíduo, nem a valorização de seus atos. Pelo contrário, somente desde o ponto de vista do determinismo se pode fazer uma valorização severa e exata e não culpar de todo a vontade livre.

Outra qualidade importante do ato volitivo é a de que, na teoria

vigotskiana a ação humana não é desvinculada dos motivos, afetos e emoções

vivenciados pelo indivíduo. Não existe uma separação entre os afetos e os

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pensamentos, ao contrário, motivação e emoção constituem sua gênese, como se

pode ver na seguinte passagem:

O pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, pelos desejos e necessidades humanos e por seus interesses e emoções. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva, que traz em si a resposta ao último ‘por que’ da análise do pensamento. Uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando se entende sua base afetivo-volitiva. (VIGOTSKI apud LANE & SAWAIA, 1995, p. 118)

2- SIGNIFICADO E SENTIDO

Vigotski (2001b) apresenta grande contribuição à psicologia social ao

destacar a mediação semiótica do psiquismo, a atividade e ao enfatizar o papel da

linguagem nesse processo.

No processo de desenvolvimento da consciência identifica-se uma

forma de emancipação da atividade externa quando ocorre a construção da

linguagem, que é a pré-condição para que se construam ações e operações

internas no plano da consciência, passando o sujeito a controlar sua própria

atividade.

Portanto, a linguagem no processo de desenvolvimento da

consciência humana assume o papel de veículo de significação, pois, como afirma

Vigotski (2001) a palavra desprovida de significado esvazia-se, transformando-se

em ‘apenas som’; privada de seu significado a palavra deixa de pertencer ao reino

da linguagem.

Assim, afirma Vigotski (2001):

O significado da palavra é, ao mesmo tempo, um fenômeno de discurso e intelectual, mas isto não significa a sua filiação puramente externa a dois

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diferentes campos da vida psíquica. O significado da palavra só é um fenômeno do pensamento na medida em que o pensamento está relacionado à palavra e nela materializado, e vice-versa: é um fenômeno de discurso apenas na medida em que o discurso está vinculado ao pensamento e focalizado por sua luz. É um fenômeno do pensamento discursivo ou da palavra consciente, é a unidade da palavra com o pensamento (p.398).

Nessa concepção, cabe ressaltar que o significado das palavras se

desenvolve e ao assumir esse desenvolvimento, supera-se definitivamente o

postulado de sua constância e imutabilidade, embora tenha longa duração.

Segundo LEONTIEV (1978b, p. 111):

Embora a linguagem seja a portadora dos significados, ela não é o demiurgo dos significados. Atrás dos significados lingüísticos se ocultam os modos de ação socialmente elaborados (operações), em cujo processo os homens modificam e conhecem a realidade objetiva. Dito de outra maneira, nos significados está representada – transformada e comprimida na matéria da linguagem – a forma ideal de existência do mundo objetivo, de suas propriedades, vínculos e relações, descobertos pela prática social conjunta. Por isso os significados por si mesmos, ou seja, abstraídos de seu funcionamento na consciência individual são tão “não psicológicos” como a realidade socialmente conhecida que está por trás deles.

Pode se compreender então que os significados trazem em si os

modos, condições objetivas e resultados das ações, independente da motivação

subjetiva que possua a atividade humana em que se formam formando

(LEONTIEV, 1978b).

Segundo Leontiev (1978b), por conta do exposto, os significados

socialmente elaborados mudam sua forma de existir na consciência dos indivíduos

passando a ter uma espécie de vida dupla. Essa vida dupla se dá pelo surgimento

de outra relação interna, que possibilita um outro movimento dos significados no

sistema da consciência individual, que se manifesta nos fatos psicológicos mais

corriqueiros. É dessa nova relação, segundo o autor, que surge a necessidade de

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distinguir o significado objetivo compreensível do significado que as coisas

possuem para o sujeito, o sentido (pessoal).

Como observa Luria (1986), por muito tempo os lingüistas trataram

os termos sentido e significado como sinônimos até que, posteriormente, a

psicologia passou a fazer distinção entre ambos, apresentando-lhes qualidades

diferenciadas.

Leontiev (1978b), a partir de um artigo de Karl Marx, considera que

as condições objetivas que diferenciam o significado do sentido na consciência

individual são o fato de que os objetos do mundo exterior apropriados pelos

homens são inicialmente designados por estes como meios para a satisfação de

suas necessidades, como o que se lhes constitui como “bens”. Nas palavras de

Marx; “Atribuem ao objeto o caráter de utilidade como se fosse inerente ao objeto

mesmo” 60.

Essa dualidade da existência dos significados para o sujeito consiste

no fato dos significados surgirem para o indivíduo de duas maneiras diferentes; de

sua forma independente, como objetos de sua consciência, mas também como

maneiras e “mecanismos” da apreensão, fazendo parte de procedimentos que

apresentam a realidade objetiva. Neste processo, os significados necessariamente

estabelecem relações internas com outros “geradores” da consciência individual e

é nessas relações que se lhes atribui o caráter propriamente psicológico. Isso quer

dizer que, quando o reflexo psíquico do mundo é apropriado pelo indivíduo

60 Apud LEONTEV, 1978b, p. 114

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transforma-se em produto da prática histórico-social idealizado em significados,

que são imbuídos de novas qualidades sistêmicas (LEONTIEV, 1978b, p. 115-16).

Outra forma de existência dos significados, indicada por Leontiev

(1978), é “seu funcionamento nos processos da atividade e a consciência dos

indivíduos concretos” embora seja apenas na participação desses processos que

eles possam existir. Porém, nessa sua outra “existência”, ocorre a individualização

e a “subjetivação” desses significados, fazendo com que seu movimento no

sistema das relações sociais não esteja mais contido neles, o que, de maneira

alguma faz com que percam sua natureza histórico-social (LEONTIEV, 1978b, p.

116).

Também Vigotski (2001), mestre e companheiro de trabalho de Luria

e Leontiev, discute a questão do significado, principalmente no que se refere ao

significado na linguagem, ou seja, o significado da palavra, assim, afirma que a

palavra nunca se refere a um objeto de forma isolada, mas a uma classe de

objetos e por tal razão, cada palavra se constitui, em termos psicológicos, numa

generalização.

A generalização assume, portanto, a forma de um ato verbal do

pensamento, ato esse que reflete a realidade de maneira diversa daquela posta

nas sensações e percepções. Isso implica afirmar “que o pensamento reflete a

realidade na consciência de modo qualitativamente diverso do que o faz a

sensação imediata” (VIGOTSKI, 2001, p.10).

Pode-se afirmar, portanto, que o significado da palavra possui em

sua generalização um ato de pensamento, e, ao mesmo tempo, o significado é

parte integrante da palavra, ou seja, pertence tanto ao reino da linguagem quanto

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ao reino do pensamento. Decorrente disto pode-se afirmar que o significado pode

ser reconhecido como fenômeno da linguagem por sua natureza assim como

fenômeno do pensamento.

O significado é, portanto, uma unidade do pensamento verbalizado,

pois se apresenta como pensamento e linguagem simultaneamente. Para Vigotski

(2001) “as formas superiores de comunicação psicológica, inerentes ao homem,

só são possíveis porque, no pensamento o homem reflete a realidade de modo

generalizado”, no entanto, salienta o autor, no campo da consciência instintiva,

onde dominam a percepção e o afeto “só é possível o contágio e não a

compreensão e a comunicação na acepção propriamente dita do termo” (p. 10).

Além do significado, Vigotski (2001) afirma que toda palavra é dotada

de um sentido na linguagem interior e ainda é possível afirmar que nessa forma de

linguagem há um predomínio do sentido da palavra sobre o seu significado.

O autor utiliza as análises do psicólogo francês Serge Paulham para

afirmar que “o sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos

que ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação

dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O

significado é apenas uma dessas zonas do sentido que a palavra adquire no

contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável, uniforme e exata”

(VIGOTSKI, 2001, p. 465)

Para Vigotski (2001) o significado da palavra é estável e

compartilhado coletivamente. Já o sentido é fluído e particular. Pode-se

compreender, portanto, que o sentido real de uma palavra apresenta-se

inconstante e decorrente desse dinamismo do sentido e da estabilidade dos

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significados das palavras há que se pensar sobre o problema da correlação entre

estas duas categorias. Para o autor, tomada isoladamente no léxico, a palavra

possui apenas um significado, que se apresenta como uma potência que se

realiza no discurso vivo, onde “o significado é apenas uma pedra no edifício do

sentido” (p. 465). O sentido de uma palavra apresenta grande variação de

individuo a individuo, em conformidade com as experiências singulares, quer dizer,

o sentido da palavra é inesgotável:

A palavra só adquire sentido na frase, e a própria frase só adquire sentido no contexto do parágrafo, o parágrafo no contexto do livro, o livro no contexto de toda obra de um autor. O sentido real de cada palavra é determinado, no fim das contas, por toda a riqueza dos momentos existentes na consciência e relacionados àquilo que está expresso por uma determinada palavra (p. 466).

Segundo Paulham (apud VIGOTSKI, 2001, p. 466):

[...] nunca sabemos o sentido completo seja lá do que for e, conseqüentemente, o sentido pleno de nenhuma palavra. A palavra é a fonte inesgotável de novos problemas. O sentido de uma palavra nunca é completo. Baseia-se, em suma, na compreensão do mundo e no conjunto da estrutura interior do indivíduo.

O fato de não haver coincidência entre sentido e significado, é o que

permite e corrobora para o surgimento da consciência individual, Conforme explica

Leontiev (1978b), embora na formação da consciência em suas etapas mais

primitivas, sentidos e significados aparecessem unidos, esta união continha

explicitamente a não coincidência entre eles, que posteriormente se manifestam

explicitamente de maneira iniludível.

Ao contrário dos significados, os sentidos, como a trama sensorial da

consciência, não possuem existência “supra-individual”, “não psicológica”.

Enquanto os significados são vinculados à realidade do mundo objetivo na

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consciência dos indivíduos pela sensorialidade externa, é com o sentido da própria

vida dos indivíduos no mundo objetivo, com seus motivos, que se vincula o

sentido. “O sentido pessoal é o que cria a parcialidade da consciência humana”

(LEONTIEV, 1978, p. 120).

Vigotski (2001) afirma que “toda frase viva, dita por um homem vivo,

sempre tem o seu subtexto, um pensamento por trás [...] assim como uma frase

pode expressar vários pensamentos, um pensamento pode ser expresso por meio

de várias frases” (p. 477). Pode-se alegar também que o pensamento humano não

coincide diretamente com sua expressão verbal ou verbalizada, pois o

pensamento não consiste em unidades isoladas como a linguagem, para o autor,

o pensamento é sempre integral, consideravelmente maior em extensão e volume

se comparado a uma palavra isolada, portanto, o pensamento está na mente do

ser humano como um todo, nunca surgindo gradualmente por unidades isoladas

como a linguagem através da qual se exprime. Para se explicar, o autor alude ao

exemplo de uma chuva, “um pensamento pode ser comparado a uma nuvem

parada que descarrega uma chuva de palavras” (p. 478).

O autor salienta o quanto o pensamento é um dos elementos do

processo do desenvolvimento humano, o pensamento mesmo, não nasce de outro

pensamento, mas do campo da consciência humana que o motiva, que “[...]

abrange os nossos pendores e necessidades, os nossos interesses e motivações,

os nossos afetos e emoções” (p. 479). Pode-se afirmar, por tanto, que por trás do

pensamento existe uma tendência afetiva e volitiva;

Se antes comparamos o pensamento a uma nuvem parada que

derrama uma chuva de palavras, a continuar essa comparação figurada teríamos

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de assemelhar a motivação do pensamento nuvens. A compreensão efetiva e

plena do pensamento alheio só se torna possível quando descobrimos a sua

eficaz causa profunda afetivo-volitiva (p. 480).

Faz-se possível compreender a partir disso que as questões afetivo-

volitivas na verdade se configuram como os motivos que originam os

pensamentos e orientam sua trajetória na vida do ser humano. Segundo o autor,

um pensamento não se transforma a partir de outro pensamento, mas sim da

afetividade. Porém, como alertam os autores, eles podem ser alienantes, pois

todo o processo está inserido no contexto de luta ideológica.

Cabe nesse ponto retomar a proposta durkheimniana, já que para o

sociólogo francês, os ‘sentidos’ eram meros detalhes no estudo do suicídio. Esse

autor se deteve apenas nos significados do fenômeno, pois acreditava que a

variação dos sentidos era exclusivamente social, determinado por questões como

gênero, local de moradia, religião,etc.

3- EMOÇÕES, SENTIMENTOS E AFETOS

Blagonadezhina (1960), psicóloga soviética explica que ao conhecer

e transformar a realidade por meio de sua atividade, os homens (re)agem de

diversas formas frente aos objetos e fenômenos da realidade objetiva, frente às

coisas e acontecimentos, às outras pessoas ou a seus próprios atos e

personalidade, o que significa que os homens são afetados pelo trabalho de

diferentes formas, e que existem distintos tipos de atitudes subjetivas na relação

com a realidade, mas apesar disso, é relevante ressaltar que a origem de todas

as emoções e sentimentos é sempre a realidade objetiva. Sendo assim, todo

sujeito possui uma atitude emocional relacionada aos objetos e fenômenos do

mundo real e os sente de maneiras distintas dependendo das relações objetivas

particulares estabelecidas em seu encontro com eles.

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No entanto, as emoções e sentimentos não são o reflexo em si dos

objetos e fenômenos reais, mas são o reflexo das relações entre eles e os motivos

e necessidades da atividade dos sujeitos. Não são todos os objetos e fenômenos

da realidade que causam uma reação emocional, pelo contrário, muito do que é

percebido é indiferente. Aquilo que causa reações emocionais é o que de alguma

maneira serve para que o indivíduo satisfaça suas necessidades e está ligado às

exigências sociais. “As emoções e os sentimentos são a vivência de que os

objetos e fenômenos reais correspondem, ou não, às necessidades do homem e

às exigências da sociedade” (BLAGONADEZHINA, 1960, p. 355 – Grifos no

original).

A positividade ou negatividade das vivências emocionais estão

estreitamente ligadas com a relação entre a causa que as produz, com a

satisfação das necessidades do homem, seus sentidos pessoais e com as

exigências que a sociedade apresenta.

Os componentes das necessidades reais se encontram com as

necessidades humanas em distintas relações: podem satisfazer algumas delas e

não satisfazer outras. As emoções são de grande importância na atividade prática

para lograr os fins desejados.

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Também pode ser distinta a atitude do sujeito frente às exigências da

sociedade. Por isto há muitas coisas e fenômenos que podem motivar vivências

emocionais complexas, formadas de emoções e sentimentos contrapostos. “[...] A

supremacia de uma vivência emocional ou outra depende do que seja mais

importante para o sujeito” (BLAGONADEZHINA, 1960, p. 356 – Grifos no original).

Existe uma estreita ligação entre as vivências emocionais e a

atividade, como também com a conduta dos sujeitos o que permite que tais

vivências desempenhem um papel regulador fundamental entre as duas outras

categorias. Tudo que possibilita o êxito ou contribui para que se alcancem os fins

planejados motiva emoções e sentimentos positivos, como, ao contrário, tudo

relacionado ao fracasso suscita emoções e sentimentos negativos.

(BLAGONADEZHINA, 1960).

Tanto as emoções quanto os sentimentos possuem, além das

diferenças qualitativas, diferenças de intensidade. A intensidade dos fenômenos

psíquicos está atrelada primeiramente ao significado que os objetos e fenômenos

que os motivam possuem para os indivíduos.

Tal significado, por sua vez, submete-se à organização da vida dos

indivíduos e à importância dada por eles a uns e outros fenômenos e atividades

em tal organização, o qual também está submetido à hierarquia de necessidades,

à sua atitude relativa, às exigências sociais, aos motivos que impulsionam e aos

fins que a atividade possui por objetivo (BLAGONADEZHINA, 1960).

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A intensidade das emoções e dos sentimentos não depende

exclusivamente das necessidades, dos motivos gerais e dos fins da atividade do

indivíduo, “mas também do estado em que se encontra uma ou outra necessidade

em um momento dado” (BLAGONADEZHINA, 1960, p. 358 – Grifos no original).

Apesar de se encontrar entre os animais algumas emoções mais

simples, relacionadas estritamente às necessidades orgânicas, se diferem das

emoções especificamente humanas por estas serem essencialmente emoções de

um ser social, ou seja, o homem satisfaz até mesmo suas necessidades orgânicas

de acordo com as exigências sociais e culturais.

Já os sentimentos, ao contrário, são fenômenos psíquicos

especificamente humanos; possuem caráter histórico, tendo em vista o fato de

terem surgido no desenvolvimento histórico da humanidade e o fato de se

modificarem no decorrer dessa história. As alterações das condições sociais de

vida transformam as atitudes dos indivíduos perante o mundo circundante e

conseqüentemente transformam seus sentimentos.

Aquilo que suscitava certos sentimentos nos homens de uma

determinada época pode causar sentimentos completamente opostos numa outra

época, sendo assim entendê-los em sua gênese social e historicamente.

As emoções possuem sempre um caráter circunstancial, motivadas

por situações momentâneas, se debilitam rapidamente e desaparecem totalmente

ou mudam suas características ao término da situação, enquanto os sentimentos

podem ter caráter circunstancial ou constante e prolongado e podem ou não estar

submetidos a uma situação determinada.

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Uma estreita ligação se estabelece entre as emoções e sentimentos

humanos e a linguagem. Esta, bem como a palavra, são meios pelos quais se

influi amplamente nas emoções e regulam a conduta afetiva dos indivíduos. Por

meio da palavra motivam-se emoções e sentimentos nos outros.

Dentre os sentimentos, como apontam Blagonadezhina (1960) e

Petrovski (1980) existem aqueles que são considerados sentimentos superiores,

dentre eles, os autores classificam os sentimentos morais, os estéticos e os

intelectuais61. Cabe aqui observar um pouco mais atentamente os sentimentos

morais, que nas palavras de Blagonadezhina (1960, p. 366), “são distintas

vivências do valor que têm, ou pelo contrário do intolerável que são, uns ou outros

atos, pensamentos e intenções do indivíduo, em sua relação com a sociedade,

com os interesses e normas de condutas sociais”. Essas vivências existem

somente quando se contrapõem os atos e a conduta individuais às normas sociais

que expressam a exigência da conduta individual.

A autora complementa da seguinte maneira:

Nos sentimentos morais o fundamental é a vivência do valor social que têm determinados atos das pessoas. O valor social destes atos nem sempre corresponde ao que é agradável ao indivíduo; algumas vezes está contraposto, mas, apesar disto motiva um sentimento positivo e uma grande satisfação moral. As pessoas lutam por afiançar alguns princípios morais, embora isto suponha renunciar a um bem estar pessoal imediato. O indivíduo pode ter uma grande satisfação moral em situações que lhe produzem sofrimento imediato, pode inclusive arriscar a vida para cumprir um dever moral. (BLAGONADEZHINA, 1960, p. 368).

Os sentimentos morais demonstram claramente que os sentimentos

humanos são determinados pelo modo como a sociedade se organiza, afinal é nas

61 Petrovski (1980, p. 356) cita como sentimentos superiores aqueles que chama de sentimentos práxicos, que são definidos como aqueles sentimentos que surgem na relação do homem com suas atividades conscientes e dirigidas a um fim, tendo como pólos os sentimentos de êxito e frustração frente ao objetivo da atividade.

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condições matérias de vida de dada sociedade que são baseadas suas normas

morais; nas relações interpessoais que se desenvolvem no curso histórico daquela

sociedade. (BLAGONADEZHINA, 1968, p. 368 – Grifos no original).

Blagonadezhina (1960) e Petrovski (1980) também tratam sobre os estados

afetivos, dentre os quais destacam o estado de ânimo, os afetos e a paixão.

Os estados emocionais conhecidos como estados de ânimo se

caracterizam por possuírem uma duração mais ou menos prolongada que dão

uma coloração determinada a todas as demais vivências dos indivíduos. Distintos

acontecimentos podem motivar os estados de ânimo, dependendo do sentido que

um ou outro acontecimento possui para o indivíduo; também estão submetidos à

maneira que o indivíduo se encontra fisicamente, seu estado de saúde, de fadiga,

de stress. Esses estados dependem das vivências afetivas predominantes nas

vivências passadas do sujeito, porém, não são insuperáveis, ou seja, é possível se

lutar contra um estado de ânimo indesejável.

Às vivências emocionais mais curtas, que se desenvolvem de

maneira tempestuosa se costuma chamar afetos. A aparição dessas vivências

emocionais sempre está atrelada a circunstâncias extremamente significativas

para a vida dos indivíduos. Um fato que ocorre junto aos afetos é o que se

costuma chamar de ‘contração da consciência’, que ocorre quando a consciência

se fixa exclusivamente naquilo que gerou o estado afetivo, o que debilita

consideravelmente o controle da conduta daquele que se encontra sob a influência

do afeto, podendo fazer com que tenha comportamentos que não fazem parte dos

hábitos da pessoa. É costumeiro se perceber esse tipo de estado emocional como

algo externo, independente da vontade e que vem de fora de si.

Já aos sentimentos profundos, constantes e fortes que influenciam

os indivíduos por completo, submetendo a si todos os seus pensamentos e ações,

se dá o nome de paixão. Esse estado sentimental tem um valor social que varia

conforme o significado daquilo para o que se dirige.

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4- IMAGINAÇÃO

Vigotski (2001b) salienta a imaginação como base do sentido e

esses dois como base da liberdade humana:

Gostaria de dizer que a conexão interna existente entre a imaginação e o pensamento realista se complementa com um novo problema, estreitamente ligado ao da vontade ou da liberdade na atividade do homem, na atividade da consciência humana. As possibilidades de agir com liberdade, que surgem na consciência do homem, estão estreitíssimamente ligadas à imaginação, ou seja, a tão peculiar disposição da consciência acerca da realidade, que surge graças à atividade da imaginação (p. 438).

Vigotski (2003) indica que para a melhor compreensão dos

mecanismos psicológicos da imaginação e da atividade criadora com ela

relacionada, faz-se necessário compreender a “vinculação existente entre a

fantasia e a realidade na conduta humana”. O autor atenta para o absurdo que

seria separá-las com ”uma fronteira impenetrável”, já que toda elucubração é

sempre composta de elementos assimilados da realidade objetiva a partir da

experiência prévia do indivíduo com essa realidade. Sendo assim, a fantasia, por

mais irreal que possa parecer é sempre constituída de materiais apropriados do

mundo real. (p. 15-17).

A imaginação possui um papel fundamental na construção do ato

suicida, desde sua concepção enquanto possibilidade, à construção do ideário, do

planejamento do ato, previsão das ocorrências e à objetivação do ato suicida.

O autor apresenta quatro formas básicas de vinculação entre a

função imaginativa e a realidade, que coexistem nos indivíduos adultos. .

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A primeira forma apresentada por Vigotski (2003, p. 17 – grifos

meus) de vinculação entre a função imaginativa e a realidade e indicada pelo autor

como a principal delas é formulada da seguinte maneira: “a atividade criadora da

imaginação se encontra em relação direta com a riqueza e a variedade da

experiência acumulada pelo homem, porque esta experiência é o material com o

qual a fantasia ergue seus edifícios”. Com isso, o autor quer dizer que quanto mais

rica é a experiência do indivíduo, maior será o material que dispõe sua

imaginação.

Esse fator traz a memória como função de apoio da fantasia, já que

a esta dispõe dos dados da memória e a partir deles cria diversas combinações.

Organicamente isso se dá a partir da atividade combinadora do cérebro, já que

este deixa “pegadas” (resquícios) das excitações anteriores e a partir dessas

pegadas, “o cérebro as combina em posições distintas às que se encontravam na

realidade” (VIGOTSKI, 2003, p. 18-19).

A partir das experiências concretas do indivíduo com a realidade,

esse é capaz de imaginar os objetos da realidade dos quais ele tem contato em

sua cotidianidade em funções que não são aquelas necessariamente para as

quais costumam ser usadas; assim sendo, é capaz de estabelecer relações entre

esses objetos e pensar, de forma limitada, no uso destes como instrumentos

auxiliares no suicídio.

A segunda forma de vinculação entre a função imaginativa e a

realidade, exposta por Vigotski (2003, p. 19), é indicada como mais complexa e

distinta da anterior, pois “não se realiza entre elementos de constituição fantástica

e a realidade, mas entre produtos preparados da fantasia e determinados

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fenômenos complexos da realidade”. Nesse caso, a função criadora da

imaginação não se limita a reproduzir aquilo que foi extraído pelo indivíduo de

suas experiências passadas concretas, mas partindo das vivências ulteriores da

pessoa, cria novas combinações. Sendo assim, essa segunda lei subordina a ela

a anterior. Nessa segunda lei, “os frutos da imaginação se integram de elementos

elaborados e modificados da realidade, sendo necessário dispor de enormes

reservas de experiência acumulada para poder construir com esses elementos tais

imagens62”.

Portanto, na primeira forma, há uma recombinação “fantasiosa” a

partir de vivências reais do indivíduo, na segunda, esta recombinação tem como

produto um fenômeno que corresponde com a realidade. Para Vigotski (2003), é

justamente esta relação entre produto final da imaginação e os fenômenos reais

que constitui esta segunda lei uma forma mais elevada de enlace entre fantasia e

realidade, e isso só é possível devido à experiência social alheia. Se ninguém

houvesse visto ou descrito um fenômeno anteriormente, não seria possível a

qualquer um, em absoluto, construir uma idéia clara de tal fenômeno, ou seja, a

imaginação, nesse caso, é dirigida pelas experiências de terceiros que foram

transmitidas através da linguagem (oral, escrita, gestual ou iconográfica) para os

outros.

Vigotski (2003) indica que ao contrário da primeira forma, onde a

imaginação se apóia na experiência, aqui, ela a origina:

62 Imagens que não estão diretamente subordinadas à experiência do indivíduo, imagens de lugares que ele não conhece

pessoalmente, mas, por ter dados de como é o lugar (ou a cena), é capaz de construir sua representação mental.

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Em tal sentido a imaginação adquire uma função de suma importância na conduta e no desenvolvimento humano, convertendo-se em meio de ampliar a experiência do homem que, ao ser capaz de imaginar o que não viu, ao poder conceber baseando-se em relatos e descrições alheias, ou que não experimentou pessoal e diretamente, não está fechado no estreito círculo de sua própria experiência, mas pode distanciar-se muito de seus limites assimilando, com ajuda da imaginação, experiências históricas ou sociais alheias. Nesta forma, a imaginação constitui uma condição absolutamente necessária para quase toda função cerebral do ser humano.(p. 20 – Grifos meus)

A partir dessa forma apresentada pelo autor, é possível ao indivíduo

elaborar toda uma situação de suicídio, mesmo sem conhecer empiricamente

todos os dados constituintes da mesma, por meio de informações que lhe tenham

sido apresentadas por terceiros (ou um livro, por exemplo). Sendo assim, é

possível ao indivíduo criar idealmente toda a cena de seu suicídio, testar em sua

imaginação cada uma das maneiras das quais dispõe para tirar sua vida e eleger

dentre elas a que considera mais eficaz, pensar em si mesmo morto e imaginar o

comportamento daqueles que sofreram o impacto de seu ato, ou em outras

palavras, elabora idealmente uma cena ainda não realizada, vivenciando-a como

se o fosse.

Cabe ressaltar a importância desse ato imaginativo, visto que ele

pode tanto garantir o sucesso na tentativa de suicídio, como possibilitar ao

indivíduo refletir os desdobramentos de seu ato, possibilitando-o desistir de

cometê-lo, ou ainda, incentivando-o mais, dependendo do motivo e das finalidades

relacionadas a seu ato.

A terceira forma de vinculação entre a função imaginativa e a

realidade, apresentada por Vigotski (2003) é o enlace emocional, que possui duas

maneiras de se manifestar: “por uma parte, todo sentimento, toda emoção tende a

manifestar-se em determinadas imagens concordantes com ela, como se a

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emoção pudesse eleger impressões, idéias, imagens congruentes com o estado

de ânimo que nos dominasse naquele instante”; isso quer dizer que o indivíduo

enxerga o mundo de acordo com o estado de ânimo predominante nele em

determinado momento, pois “todos os sentimentos possuem além da

manifestação externa, corpórea, uma expressão interna, manifestada na seleção

de pensamentos, imagens e impressões”, a esse fenômeno se dá o nome de lei

da dupla expressão dos sentimentos, já que “as imagens da fantasia prestam

também linguagem interior a nossos sentimentos selecionando determinados

elementos da realidade e combinando-os de tal maneira que respondam a nosso

estado interior de ânimo e não à lógica externa dessas próprias imagens”

(VIGOTSKI, 2003, p. 21 – Grifos meus).

Vigotski (2003) apresenta também a lei do signo emocional comum

que se deve ao fato de todos os efeitos emocionais coincidentes causados nos

indivíduos tenderem a unir-se, mesmo que aparentemente não possuam nenhum

traço em comum. Lançando mão das palavras de Ribot63, complementa; “as

representações acompanhadas de uma mesma reação afetiva se associam

ulteriormente entre si, a semelhança afetiva une e cimenta entre si representações

divergentes” (RIBOT apud VIGOTSKI, 2003, p. 22).

Nessa proposição, é possível perceber que a própria apreensão da

realidade se dá de maneira mediada sofrendo grande influência dos sentimentos e

emoções e estados de ânimo vivenciados pelo sujeito. Desta forma, um indivíduo

que está elucubrando seu suicídio, se torna mais ‘sensível’ às imagens

63 Apesar de constar no livro a referência a RIBAUD, Th., refere-se ao psicólogo francês Theodule Ribot.

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relacionadas ao ato e os sentimentos que o envolvem, bem como degrada as

próprias imagens externas, contribuindo para a manutenção de um estado de

ânimo negativo, podendo se tornar um agravante na decisão de se suicidar.

A segunda maneira pela qual se manifesta o enlace emocional

anteriormente anunciada por Vigotski (2003 p. 23-24), que se convém chamar de

lei da representação emocional da realidade e nas palavras de Ribot “Todas as

formas de representação criadora encerram em si elementos afetivos”, ou seja,

“tudo que edifique a fantasia influi reciprocamente em nossos sentimentos, e

embora esse edifício não concorde, por si, com a realidade, todos os sentimentos

que provoca são reais, efetivamente vividos pelo homem que os experimenta”. É

esse fenômeno que permite, por exemplo, que as pessoas se comovam com as

situações vividas por personagens fictícios, mesmo sabendo que o são, ou se

sensibilizem com as diversas manifestações artísticas.

E isto se deve ao fato de as emoções que nos contagiam das páginas de um livro ou da cena de um teatro através de imagens artísticas filhas da fantasia, essas emoções são por completo reais e as sofremos de verdade, séria e profundamente. Com freqüência, uma simples combinação de impressões externas como, por exemplo, uma obra musical, desperta naquele que a escuta todo um complexo universo de sentimentos e emoções (VIGOTSKI, 2003, p. 24).

Em sua obra Psicologia da Arte, Vigotski (1999) afirma que tanto a

imaginação quanto a fantasia servem à esfera emocional, mesmo que diversas

vezes sua expressão se manifeste aparentemente como pensamento lógico, sua

finalidade e direção se submetem à determinação das emoções. A atividade

imaginativa demonstra uma descarga de afetos da mesma forma que os

sentimentos se resolvem em movimentos expressivos.

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Esses fatos apresentados por Vigotski (1999; 2003) remetem, na

história do suicídio, ao papel atribuído a algumas obras de arte como propulsoras

de atos suicidas. Os maiores exemplos disso são a obra literária de J. W. Göethe

“Os Sofrimentos do Jovem Werther” (1774) e a música húngara “Gloomy Sunday”

(1933) de Rezsõ Seress, com letra do poeta László Jávor às quais foram

atribuídas a responsabilidade por diversos suicídios, o que levou até mesmo a

serem proibidas em diversos lugares. Porém, cabe lembrar que a obra de arte

possui a capacidade de sintetizar em si o espírito de sua época (Zeitgeist),

portanto, mais que incitar os atos, elas os denunciam, ou melhor, denunciam as

condições objetivas que contribuem para sua edificação.

A quarta forma de vinculação entre a função imaginativa e a

realidade exposta por Vigotski (2003). é estreitamente ligada à anterior, por um

lado, mas se diferencia substancialmente dela por outro. Nas palavras do autor:

Consiste sua essência em que o edifício erguido pela fantasia pode representar algo completamente novo, não existente na experiência do homem nem semelhante a nenhum outro objeto real; mas ao receber nova forma, ao tomar nova encarnação material, esta imagem “cristalizada”, convertida em objeto começa a existir realmente no mundo e a influir sobre os demais objetos (p. 24).

Segundo Vigotski (2003), essas imagens exigem objetivação, ou

seja, materialidade. São exemplo dessa objetivação os instrumentos, ferramentas

e adiantamentos técnicos, que surgem da imaginação combinadora dos

indivíduos, pois não possuem nada diretamente igual na natureza ou na própria

sociedade.

Quando se materializam, essas imagens (idéias) passam a ser a

mais pura realidade, por estabelecerem um vínculo prático com a realidade e

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exercerem sua influência sobre o universo objetivo que as rodeia. Essas imagens

são compostas de elementos tomados da realidade pelos indivíduos que em seu

pensamento, passam por uma complexa re-elaboração, transformando-os em

produtos imaginários. Quando retornam à materialidade, em forma de objetos,

trazem consigo uma força ativa, capaz de transformar a realidade criando o círculo

apropriação-objetivação.

Outro psicólogo soviético, E. I. Ignatiev (1960) discute a imaginação

tendo como principal foco essa última proposta de vinculação entre a função

imaginativa e a realidade através da seguinte fala: “[...] a imaginação é a criação

de imagens com forma nova, é a representação de idéias que depois se

transformam em coisas materiais ou em atos práticos do homem” (p. 308).

O autor explica que a imaginação, como já indicado por Vigotski

(2003), tem como ponto de partida, sempre, a realidade objetiva e essa é uma das

formas de seu reflexo. Em sua concepção, “a imaginação é a criação de algo

novo, a princípio unicamente em forma ideal”, porém, seus produtos “as imagens,

representações e idéias, que são produto imediato e próximo da imaginação, se

transformam na criação de produtos finais, ou seja, de coisas e fenômenos

materiais” (IGNATIEV, 1960, p. 309).

Vigotski (2003) expõe que, de maneira alguma essa forma se

restringe à esfera da técnica ou ao campo de influência prática direta à natureza;

também ocorre nas representações emocionais e subjetivas, implicando em um

maior distanciamento do homem de suas limitações naturais, e assim sendo,

daquilo que impede o desenvolvimento de sua liberdade.

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5- NECESSIDADE E MOTIVO

Leontiev (1978b) estabelece uma distinção entre as categorias

necessidade e motivo. Segundo o autor a necessidade real é sempre necessidade

de algo, porém, o objeto capaz de satisfazê-la não se apresenta de forma clara até

que seja satisfeita uma primeira vez certa necessidade, quando o objeto percebido

(representado, imaginado) adquire sua função de atividade provocativa e diretiva,

ou seja, torna-se um motivo.

Essa reflexão pode indicar que a necessidade é o inicio da atividade

e que por isso a totalidade do processo se expressa no ciclo:

necessidade>atividade>necessidade. O que não é correto na concepção do

materialismo-histórico-dialético, nessa perspectiva, o esquema cíclico, contradiz o

primeiro e se apresenta na forma: atividade>necessidade>atividade. Leontiev

(1978b), utilizando as palavras do filósofos Lucien Sève ressalta a importância

desse esquema na compreensão psicológica, já que "nenhuma concepção

baseada na idéia de um ‘motor’, que precede em princípio à própria atividade,

pode cumprir o papel de idéia inicial nem servir de suficiente fundamento para a

teoria científica da personalidade humana" (SÈVE apud LEONTIEV, 1978b,

p.150).

Outro fator indicado por Leontiev (1978b, p. 150-51) para a

importância dessa concepção para a psicologia é o fato dessa ciência

costumeiramente abordar os problemas a partir das necessidades em si, “dito com

mais precisão, das vivências emocionais que provocam, as quais seriam a única

explicação possível do porque o homem se propõe fins e cria novos objetos”.

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Segundo o autor, apesar de parecer convincente essa idéia, o deixa de ser se

considerarmos que “[...] como índices da atividade concreta, só podem agir as

necessidades com conteúdo objetivo, mas este conteúdo não está posto

diretamente nelas, e conseqüentemente não pode ser deduzido delas”.

O autor aceita que o curso geral do desenvolvimento das

necessidades humanas se inicia na ação humana que visa à satisfação de suas

necessidades vitais mais primitivas; porém, entende que com o decorrer do tempo

e da história, a satisfação das necessidades vitais passa a ser pré-requisito da

ação. Sendo esta a principal direção do desenvolvimento das necessidades

humanas, mas que não pode se deduzir diretamente a partir do movimento das

próprias necessidades, já que esse movimento esconde o desenvolvimento de seu

conteúdo objetivo, ou seja, os motivos concretos que levam à atividade humana.

Por conta disso, Leontiev (1978b) indica que a análise dos motivos é

a essência da análise psicológica das necessidades. Mas esclarece a

necessidade de se superar o entendimento subjetivo tradicional dos motivos que

acaba confundindo fenômenos absolutamente díspares e de níveis

completamente diferentes da regulação da atividade.

A gênese da atividade humana, portanto, se encontra na não-

coincidência entre motivos e objetivos. Segundo o autor, em sua coincidência

encontra-se um fenômeno secundário: “seja um resultado de que o fim adquire

uma força impulsora independente, seja o resultado da tomada de consciência dos

motivos que os transforma em motivos-fins”. Ao contrário dos objetivos, os motivos

não são reconhecidos pelo sujeito: quando se executa uma ou outra ação,

costumeiramente não nos damos conta dos motivos que a evocam naquele

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momento, apesar de não ser difícil lhes atribuir uma motivação, porém, esta nem

sempre contém em si uma indicação de seu motivo verdadeiro (LEONTIEV,

1978b, p. 156 – grifos no original).

Contudo, na concepção de Leontiev (1978b, p. 159), os motivos, não

se encontram isolados da consciência. Mesmo quando os motivos não são

reconhecidos, quando o ser humano não se dá conta do que o faz realizar uma ou

outra ação, eles ainda encontram seu reflexo psíquico, mas de uma forma

especial - na forma da ‘coloração emocional’ da ação. Esta ‘tonalidade emocional’

(sua intensidade, sua marca e seu caráter qualitativo) possui uma função

específica, que também requer que se distingam os conceitos emoção e sentido

pessoal. Mesmo a existência de motivos realmente inconscientes, em si, não

promulga um início peculiar oculto nas profundezas da psique. “Os motivos não

conscientes possuem a mesma determinação de qualquer reflexo psíquico: a

existência real, a atividade do homem no mundo objetivo”.

Leontiev, (1978b) exemplifica que em um dia repleto de ações,

aparentemente bem sucedidas em sua integralidade, pode, apesar de tudo, ter um

efeito negativo no humor do indivíduo, deixando-lhe um resquício emocional

desagradável. Na heterogeneidade cotidiana, esse resíduo quase não é

percebido. Porém, num dado momento em que a pessoa reflita sobre as

ocorrências passadas e mentalmente as avalie, lhe vêm à memória um fato

experienciado e seu humor adquire a referência objetiva: surge um sinal afetivo,

que indica que particularmente essa experiência a deixou com o resíduo

emocional.

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Pode ocorrer de ser sua reação negativa ao sucesso de outrem, que

tenha alcançado um objetivo em comum, pelo simples fato de lhe parecer que

aquilo lhe pertencia; nesse ponto, parece não ter sido exatamente o ocorrido,

sendo que o principal motivo para ele era alcançar o sucesso exclusivamente para

si. Esse é um "problema de sentido pessoal" que não se resolve por si só, por ter

se tornado um problema da correlação entre os motivos que o caracterizam como

uma personalidade (LEONTIEV, 1978b).

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V – O SUICIDIO COMO ATO AFETIVO-VOLITIVO: UMA BREVE ANALISE À LUZ

DAS CATEGORIAS DO MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO

Considerando as categorias acima apresentadas, pode-se refletir sobre o suicídio

em 4 dimensões distintas; como ato-volitivo, como significado e sentido, na

dimensão instrumental, finalizando com o debate sobre sua relação com a

liberdade.

1- O suicídio como ato volitivo: a idéia de suicídio se materializa no

ato suicida, com o planejamento se configurando em prática, tendo uma série de

mediações afetivo-volitivas.

Esse ato, no caso, um ato que pode ser consciente ou alienado,

visando interesses particulares ou coletivos, submetido à própria vontade do

indivíduo, ou à vontade alheia. No que se refere à questão da vontade, Fairbairn

(1999) classifica o ato de tirar a própria vida de duas maneiras, no caso do ato

estar submetido consciente e intencionalmente à própria vontade do indivíduo, é

efetivamente um ato suicida, porém, nas situações em que o indivíduo morre por

um ato cometido por si mesmo, mas sem a intenção de morrer ou submetido à

vontade alheia, é um ato de matar-se. Apenas uma análise do contexto em que o

ato foi cometido e de fatores que possam indicar o real desejo de morrer do

indivíduo permitem ter clareza da especificidade de cada morte.

Primeiro, portanto, é preciso compreender o sentido do ato suicida;

se este se configura em um ato volitivo, isto é, se o indivíduo tira a própria vida por

seu próprio ato, mas não tem a intenção de se suicidar, o que pode se dar por

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meio de um parasuicídio (um suicídio simulado, em que o indivíduo não possui a

real intenção de levar a cabo seu ato) ou por uma morte coagida, na qual, apesar

do sujeito tirar sua própria vida, de longe não era essa sua vontade.

O ato volitivo não é um ato de livre arbítrio. Segundo Vigotski (2000),

o livre arbítrio não quer dizer que os indivíduos estão livres dos motivos, mas sim

que tomam consciência da situação, da necessidade de eleger imposta pelo

motivo e que sua liberdade nesse caso, é uma necessidade gnosiológica.

Nem sempre o indivíduo se dá conta dos reais motivos de seu ato,

pois não há coincidência entre estes e os objetivos da ação, tampouco se

encontrará os motivos do suicídio apenas se analisando o ato, apesar de

facilmente se encontrar diversos motivos que lhe caberiam, geralmente, nenhum

deles é o real motivo propulsor do ato. Pelo fato dos motivos não se encontrarem

isolados da consciência, apesar do indivíduo não os reconhecer de imediato, a

partir da coloração emocional que permeia a situação é possível aproximar-se

mais efetivamente dos reais motivos do ato do indivíduo.

Para melhor compreender, portanto, a construção subjetiva do

indivíduo suicida e a construção do próprio ato suicida, faz-se necessário

compreender a forma com que se estrutura a consciência humana e sua relação

com a atividade dos homens e com a própria realidade, mediados pelas emoções

e pela vontade.

Mészáros (2006) indica que na concepção ontológica do humano no

homem proposta por Marx, a natureza humana, ao contrário do que pregavam os

filósofos morais, não é nem boa nem má, nem sublime, nem bestial, tampouco

egoísta ou altruísta; portanto, o homem é um ser natural (parte da natureza) que

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tem como atributo a automediação, ou seja, “ele pode fazer com que ele mesmo

se torne o que é em qualquer momento dado – de acordo com as circunstâncias

predominantes – seja isso egoísta ou o contrário” (p. 151 – grifo no original).

Portanto os adjetivos supracitados não são meras abstrações dualistas, pois não

existem um sem o outro, sem sua partícula negativa, seu par oposto. O autor

complementa manifestando que:

[...] se o ser ‘automediador’ pode transformar-se naquilo que é, sob determinadas circunstâncias e de acordo com elas, e se vemos que o egoísmo é, tanto quanto a benevolência, um fato da vida humana, então a tarefa é descobrir quais são as razões pelas quais o homem se transformou num ser de comportamento egoísta (p.152).

O suicídio como atividade humana sempre está atrelada ao sistema

social no qual se desenvolve seu processo, justamente por não ser uma atividade

abstrata. Sendo assim, é determinada sempre pela forma e meios de

comunicação material e espiritual que têm sua gênese no próprio processo de

desenvolvimento da produção, realizado pelos indivíduos que vivem em

determinada objetividade social.

É necessário compreender que a formação dos processos mentais

internos é possibilitada pela atividade externa ao homem. À medida que se tornam

processos internos, os processos externos originais transformam-se,

generalizando-se. O que implica na compreensão de que a atividade interna é

uma atividade genuína e traz consigo a estrutura geral da atividade humana,

independente de qual forma que venha a assumir (LEONTIEV, 1978b).

Há que se considerar também que as atividades concretas de todo

ser humano tem como objetivo a satisfação de determinadas necessidades do

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sujeito e está orientada para o objeto dessa necessidade, desaparecendo após a

satisfação da citada necessidade.

A principal distinção das atividades entre si se dá pela diferença

entre seus objetos, o que indica ser o objeto da atividade o que a orienta. Nesse

sentido, o objeto da atividade é seu motivo, que pode ser tanto material quanto

ideal, sendo assim, o conceito atividade está necessariamente ligado ao motivo,

da mesma forma que a ação está ligada ao fim. Isso só foi possível a partir do

momento em que os homens se organizaram em torno do trabalho social

(LEONTIEV, 1978b). A constituição dos motivos do suicídio, portanto, se dá a

partir da forma como nossas necessidades são satisfeitas.

2- Significado e sentido do suicídio: considerando-se, portanto, o

suicídio como um ato volitivo, o sentido se torna fundamental para compreensão

do ato, sentido este, que se constrói a partir do significado socialmente construído

e da relação particular que cada indivíduo possui com o fenômeno que é

significado, tanto enquanto ato, como enquanto palavra. Em cada contexto

histórico social distinto, esse fenômeno possui um significado diferente, que está

estreitamente relacionado com a forma como se compreende o ser humano

naquele momento, que por sua vez, está submetida a como tal sociedade se

organiza nesse momento histórico, que deriva das relações de produção material

dadas. Dentro de cada uma dessas unidades espaço-temporais, o suicídio possui

um significado que pouco varia no coletivo, mas que tem, para cada indivíduo

singular, uma representação diferente, relativa à forma com a qual cada um deles

vive sua vida e a história que tiveram com esse fenômeno. Existiriam diversos

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outros exemplos possíveis e cabíveis nesse espaço, mas a título de ilustração,

serão citados apenas alguns.

Retomando alguns aspectos do capítulo histórico desse trabalho,

pode-se pensar, por exemplo, nos suicídios da ilha de Céa, onde, se fosse

autorizado pela comunidade, o indivíduo recebia o veneno dos próprios

governantes e podia se matar publicamente, em qualquer espaço, que ninguém o

tentaria impedir, ao contrário do que aconteceu na idade média e de certa forma

se perpetua até hoje, mesmo que por motivos distintos, que é o suicídio solitário e

escondido.

Outro exemplo válido que demonstra a diferença de significados

historicamente construídos em distintos momentos histórico-culturais é a distinção

entre o momento em que se hiper-valorizava o status médico e a década de

setenta, quando a ordem médica era questionada (inclusive por alguns médicos),

ou melhor, questionava-se a restrição do conhecimento médico a apenas algumas

pessoas. Esse fato fica patente na seguinte passagem do doutor Jean

Carpentier64:

[...] o suicídio tem que ser considerado uma doença para que o médico se ocupe dele: aliás, ao médico, só é pedido que o proíba conforme sua ‘missão’. Por delegação da ‘sociedade’, que é a proprietária, o médico é o gerente dos corpos dos trabalhadores ou futuros trabalhadores (ou desempregados). [...] Pois bem, nós não temos nada a ver com a sobrevivência, única possibilidade que nos é oferecida; as proporções inquietadoras que o suicídio atinge atualmente não nos inquietam: afirmando o direito ao suicídio, afirmamos que nossa vida nos pertence, que nós nos pertencemos. [...] O absenteísmo nas fábricas é uma epidemia social, a doença é um mal social, mas destruiremos esse social. E só então guardaremos nossas armas. O absenteísmo, o suicídio, a doença: são

64 O doutor Carpentier criou em 1972 a revista Tankonala Santé, que possuía como objetivo a socialização dos

conhecimentos médicos para a toda a população de forma compreensível e desmistificada.

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essas nossas armas contra esse social (CARPENTIER, 1974, apud GUILLON; LE BONNIEC, 1984, p. 149)

Esses questionamentos de Carpentier remetem a outra questão,

mais especificamente relacionada ao mundo do trabalho; ao se considerar que,

nas sociedades escravistas, o escravo era uma propriedade e seu dono zelava por

sua vida, pois perder um escravo significava perder um bem que tinha um custo

elevado, era perda de patrimônio. Já aquele que vende sua força de trabalho ao

detentor dos meios de produção, não é em si sua propriedade (mas sim sua força

de trabalho), e pode ser facilmente substituído, podendo até representar uma

perda na produtividade num primeiro momento, porém facilmente controlável,

inclusive por conta do excedente de pessoas (exército de reserva) sobressalentes

no mercado de trabalho. Portanto, o suicídio do escravo era muito mais

desinteressante para o dono que o suicídio de um funcionário a um patrão, ao

contrário, muitas organizações criam condições tão terríveis que até induzem e

incentivam, mesmo que de maneira não manifesta e talvez, não intencional

também, seus funcionários a tirar suas próprias vidas.

Os significados, ao afetarem as pessoas são mediados pelas

experiências singulares delas, de forma a gerar sentidos diferentes, o que explica

o fato de, em um mesmo contexto alguns realizarem o ato e outros não. Portanto,

pode-se considerar que aquilo que motiva o suicídio é da ordem do sentido.

Tanto o significado, quanto o sentido do suicídio estão

complexamente relacionados com a totalidade da vida de determinada sociedade

em um dado momento histórico. O significado, especificamente, se constrói na

totalidade das relações sociais, enquanto o sentido se edifica a partir da totalidade

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da vida do sujeito, inserida na totalidade anteriormente indicada, vivida de forma

particular na intersubjetividade e experiência.

Tendo isso em vista, ao se pensar o suicídio na sociedade

contemporânea, ou seja, na sociedade capitalista e (neo)liberal, pode-se deduzir

que o seu sentido é mediado pelos significados dominantes, sendo o mais

importante deles a idéia de individuo, que possui um corpo que é entendido como

propriedade privada, como indicado por Marx, e com isso, cada indivíduo ser o

único e exclusivo responsável pelo seu corpo, ou seja, pela sua vida. Isso leva as

pessoas a um individualismo excessivo materializando a falsa idéia de livre

arbítrio, que aliena o homem.

Ao contrário de outros momentos históricos onde o indivíduo

pertencia a Deus, ou ao escravista, à família ou à própria comunidade, como se

pôde observar na discussão histórica anteriormente apresentada, na

contemporaneidade cada um pode e ‘deve’ lançar mão de sua vida (e de seu

corpo) da forma que melhor lhe convir. Porém, não se deve esquecer que, cada

momento histórico traz em si a síntese dos momentos históricos anteriores, que

estão nela subsumidos. Dessa forma, ainda hoje se carrega na construção dos

significados do suicídio contaminações de momentos históricos anteriores.

Outra característica importante da sociedade (neo)liberal que muito

influencia na construção de outros significados do suicídio é a competição acirrada

entre os indivíduos pelo acúmulo do capital, que lhes ‘garantirá’ sucesso e bem

estar. Nessa competição, cada corpo que fica para trás, é um sujeito a menos pela

disputa por um lugar à sombra. Certamente, singularmente, pouquíssimos ou

nenhum sujeito assumiria desejar a morte (ou o suicídio) de outro, mas o próprio

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sistema social, ou seja, a configuração da organização dessas singularidades,

acaba corroborando para um alto índice de suicídios, o que remete à proposta do

dramaturgo francês Antonin Artaud do ‘suicidado’ da sociedade.

Tais significados acabam sustentando dois outros: a

responsabilização exclusiva do indivíduo pelos seus sucessos e fracassos, ou

seja, por seu suicídio e a ‘desresponsabilização’ da sociedade e de seu papel na

construção do ato. É nesse contexto que os sujeitos constroem o sentido do

fenômeno suicídio.

Faz-se necessário imaginar a contradição produzida pela

discrepância entre significado e sentido, pois, ao contrário do ser social, o ser

individual “não possui linguagem própria, nem significados elaborados por ele

mesmo”; só lhe é possível tomar consciência dos fenômenos do mundo objetivo a

partir da apropriação dos significados “acabados” que assimila do exterior, que

são os conceitos, conhecimentos, opiniões transmitidos na comunicação

(LEONTIEV, 1978, p. 121).

3- Dimensão instrumental do suicídio: para se compreender

especificamente o fenômeno suicídio, é preciso compreendê-lo enquanto

construto histórico, ou seja, um fenômeno que se construiu a partir da apropriação

da natureza pelo homem, que ao compreender a existência da morte como um

fenômeno natural e perceber que poderia reproduzi-la em relação ao outro e a si

mesmo supera a naturalização e, sendo assim, podemos considerar a morte

através do ato suicida uma objetivação humana, que foi criada, transmitida e

desenvolvida pelo gênero humano ao longo do tempo. Parafraseando Engels

(1979), o domínio dos homens sobre a natureza consiste na vantagem que este

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possui frente aos outros seres de poder conhecer suas leis e aplicá-las como lhes

convém. Nas exatas palavras do autor: “[...] todo nosso domínio sobre ela

[Natureza] consiste na vantagem que temos sobre os outros seres de poder

chegar a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente”.

O capitulo dessa dissertação responsável pelo panorama histórico do

suicídio procura mostrar isso, porém, creio que alguns trechos que apresentarei

abaixo podem ilustrar mais claramente a relação entre as produções materiais e

culturais de diferentes momentos históricos e sua interferência na forma de

execução do ato, o primeiro trecho é do filósofo grego da escola estóica, Sêneca,

que apresenta algumas das formas de se matar disponíveis em sua época:

Homem tolo, de que te lamentas e de que tens medo? Para onde quer que olhes existe um fim para os males. Vês aquele precipício escancarado? Ele leva à liberdade. Vês aquele oceano, aquele rio, aquele poço? A liberdade mora dentro deles. Vês aquela pobre árvore mirrada e seca? De cada galho seu pende a liberdade. Teu pescoço, tua garganta, teu coração, todos oferecem tantos meios para fugir da escravidão. [...] Indagas o caminho para a liberdade? Tu o encontrarás em cada veia do teu corpo (SENECA apud ALVAREZ, 1999, p. XX).

O segundo trecho e os demais vêm do livro de Gillon & Le Bonniec

(1984), das discussões acerca da criação de associações pró-eutanásia e suicídio

e na publicação e difusão dos manuais para colaborar com a eficácia e o não

sofrimento dos suicidas.

O psiquiatra Bernard de Fréminville evoca em uma revista francesa

que se propõe ao questionamento da ordem médica (Tankonala Santé), os meios

práticos para se ter uma morte sem sofrimento, porém, apesar de possuí-los, não

se dispõe a divulgar ali. Em resposta a essa carta de Fréminville, uma mulher

escreve uma outra, dizendo querer se matar e pede o auxílio do autor da carta

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anterior e dos membros da revista, dizendo “Peço-lhes para pôr em prática aquilo

que vocês teorizam tanto. Vocês defendem o direito ao suicídio, permitam que eu

me beneficie de seu conhecimento para morrer de maneira limpa, segura e sem

sofrimento” (GUILLON; LE BONNIEC, 1984, p. 151).

Guillon (1975 apud GUILLON; LE BONNIEC, 1984, p. 150), ao

propor a criação do ‘Comitê Morte Doce’ indica como dever desse comitê:

[...] tentar redistribuir às pessoas os conhecimentos que os especialistas detêm. Qualquer um que quisesse matar-se não deveria mais ter que se perguntar se terá a coragem de pular na frente do metrô, se sentirá dores, se morrerá imediatamente, etc. Cada um deveria conhecer a dose exata do medicamento necessário.

Baseados nos índices oferecidos pela Dra. Chantal Bismuth, médica

do serviço de reanimação do hospital Fernand-Widal, Guillon & Le Bonniec (1984,

p. 184) afirmam que as tentativas de suicídio:

[...] oferece um índice de mortalidade com os psicotrópicos de apenas 0,7%, ora, esses medicamentos são utilizados por 57% dos que tentam o suicídio. A mortalidade sobe para 4% com os produtos domésticos e até 12% com os produtos industriais e agrícolas. Mas afastaremos estas duas últimas categorias do nosso estudo, em razão dos sofrimentos que a ingestão deles pode causar e das seqüelas em caso de fracasso. Pelas mesmas razões, não trataremos aqui dos métodos violentos, cuja reputação de eficiência é forjada. Acontecem frequentemente casos de insucesso com revólver, lâminas, metrô ou óxido de carbono. Todos podem imaginar as conseqüências para sobreviventes.

Outro trecho é tirado da metodologia apresentada por Guillon & Le

Bonniec (1984, p. 186-7) na construção de seu manual para suicidas, para evitar

uma transcrição muito longa, já informo de antemão que o manual contou como

fontes principais de informação nove outros manuais, publicados por diversas

associações pró-eutanásia e suicídio além da colaboração de especialistas da

área da saúde como médicos, enfermeiros e farmacêuticos:

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O trabalho de síntese que nos propomos fazer se divide em duas grandes partes; de um lado, os medicamentos; de outro, diversas substâncias tóxicas com exclusão – repetimos – dos produtos domésticos e industriais do tipo solventes, inseticidas, detergentes. Eliminamos os produtos cujos efeitos são muito imprevisíveis ou suscetíveis de provocar dores e seqüelas graves. Algumas substâncias ou especialidades farmacêuticas consideradas perigosas por essas razões, mas amplamente utilizadas pelos suicidas, foram citadas e seus inconvenientes explicados.

Como se pode perceber, o avanço do modo de produção e das

relações de trabalho, bem como das formas sociais de comunicação possibilitaram

também o desenvolvimento das técnicas de suicídio, que inicialmente estavam

imediatamente atreladas à utilização dos recursos naturais e posteriormente,

paulatinamente vão se desenvolvendo em decorrência da apropriação e do uso de

instrumentos historicamente construídos para o trabalho, ou seja, a transformação

da natureza para suprir as necessidades dos indivíduos e garantir sua existência,

a produção e reprodução do gênero humano, passa contraditoriamente, a ser

utilizada pelos indivíduos também para interromper sua existência.

Leontiev (1978a, p. 82) explica que só é possível a fabricação de um

instrumento caso este esteja conscientemente ligado ao fim de uma determinada

ação, porém, a utilização dos instrumentos já materializados, ou seja, previamente

desenvolvidos pelas gerações anteriores, acarreta a necessidade que se tenha

“consciência do objeto da ação em suas propriedades objetivas”. A utilização de

um determinado instrumento não responde exclusivamente àquilo para que foi

criado a princípio, já que não é apenas um objeto com formas e propriedades

particulares, mas também um objeto social, que pode ser empregado em

diferentes atividades, mas que reflete objetivamente as propriedades daquilo para

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que a ação se orienta. Portanto, o instrumento deve dar conta daquilo para que foi

feito, ou daquilo a que se submete.

Segundo o autor, nas relações sociais são atribuídos aos

instrumentos e neles se cristalizam diferentes maneiras de atuar, por conta disso,

dispor de um instrumento não se restringe à sua obtenção, mas abrange a

dominação do “[...] meio de ação de que ele é o objeto material de realização”.

Sendo assim, o homem (diferentemente dos animais) “vê no instrumento uma

coisa que encerra em si um meio de ação determinado, elaborado socialmente”,

mesmo os objetos naturais, nas mãos do homem possuem um caráter

instrumental (1978a, p. 82-3). Isso fica bastante claro na seguinte passagem:

[...] o instrumento é um objeto social, o produto de uma prática social, de uma experiência social de trabalho. Por conseqüência, o reflexo generalizado das propriedades objetivas dos objetos de trabalho, que ele cristaliza em si, é igualmente o produto de uma prática individual. Por este fato, o conhecimento humano mais simples, que se realiza diretamente numa ação concreta de trabalho com a ajuda de um instrumento, não se limita à experiência pessoal de um indivíduo, antes se realiza na base da aquisição por ele da experiência da prática social (LEONTIEV, 1978a, p. 83).

Tendo isso em vista, para que seja possível aos indivíduos de cada

momento histórico se suicidar, ou seja, tirar suas próprias vidas de maneira

intencional e planejada, consciente dos motivos e com uma finalidade específica,

é necessário que estes tenham se apropriado dos conhecimentos historicamente

acumulados sobre esse fenômeno. Segundo Heller (1980), no indivíduo se

sintetiza tanto a particularidade (as mediações sociais) quanto a universalidade (a

genericidade) que lhe foi possível apropriar-se, é a partir da relação dialética entre

o singular, o particular e o universal (OLIVEIRA, 2005), que o ser da espécie

humana se humaniza; a partir do contato com os bens materiais e culturais

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historicamente acumulados pelo gênero humano, sendo que essa relação é

mediada pela sociedade em que esse indivíduo está inserido.

Nas palavras de Oliveira (2005, p. 26), o indivíduo é uma síntese

complexa de múltiplas determinações em que:

[...] a universalidade se concretiza histórica e socialmente, através da atividade humana, que é uma atividade social – o trabalho – nas diversas singularidades, formando aquela essência [humana]. Sendo assim, tal essência humana é um produto histórico e social e, portanto, não biológico[...].

Cabe ressaltar que, mesmo atualmente existindo, como indicam

Guillon & Le Bonniec (1984) tecnologias bastante eficazes e indolores para o

suicídio, a grande maioria das pessoas, por falta de conhecimento ou de acesso

aos bens materiais e intelectuais da produção historicamente acumulada pela

humanidade ainda acabam lançando mão dos métodos ‘tradicionais’ de se matar,

sofrendo dores e dilacerações e correndo o risco de graves lesões em caso de

sobrevivência, Tal fato pode ser constatado no Brasil a partir dos dados

estatísticos da publicação do Ministério da Saúde (D’OLIVEIRA, 2003, p. 13-14).

Os suicídios mais comuns, tanto entre homens quanto entre mulheres no país

entre 2996 e 2002 utilizam enforcamentos, armas de fogo e pesticidas e outros

produtos químicos, já em 2003 os instrumentos mais comuns entre homens são os

“outros meios especificados”, seguidos de remédios e outras substâncias

biológicas, já entre as mulheres isso se inverte.

Esses dados e a discussão até aqui apresentada, permitem observar

que a eficácia e a ausência de sofrimento no suicídio estão também atreladas à

desigualdade social, principalmente a questões de gênero, classe, pois o acesso

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aos instrumentos e ao conhecimento necessário para atingir os resultados

desejados, da forma desejada não estão acessíveis a todos da mesma maneira.

Vigotski (2001), assim como Leontiev (1978a e 1978b) e Luria (1979)

enfatizam o quanto é necessário, para se compreender o pensamento humano,

que se compreenda seus motivos, assim como os fins de suas atividades, em

cada momento histórico-social. Nas palavras de Leontiev (1978b, p. 153 – grifos

no original)

Aqui tropeçamos com uma verdadeira resistência: não é evidente, está claro – nos dizem – que o homem age porque quer? Mas as vivências subjetivas, o querer, os desejar, etc., não são motivos, porque não são capazes de gerar por si mesmos uma atividade orientada e, conseqüentemente, a questão psicológico fundamental reside em compreender em que consiste o objeto desse querer, desejo ou paixão.

No caso do suicídio, este pode se constituir como uma ação

específica a partir de diversos ‘objetos’ (fatos) que o motivem, ou seja, ele se

estabelece como parte constituinte de uma atividade mais ampla, que possui outra

finalidade que não seja a morte em si, mas que dependa dela, ou da

sensibilização que uma tentativa de suicídio cause (o que desqualificaria o ato

como um suicídio legítimo). Em outras situações, em que o suicídio seja

determinado por sua finalidade, ou seja, tirar a própria vida, passa a ser

constituído por diversas ações e operações que contribuem para que se alcance a

finalidade desejada. Portanto só o motivo não é suficiente para caracterizar o

suicídio, esse motivo requer sua concretização, para isso é preciso que se

transforme em ação.

4- Suicídio e Liberdade: Para finalizar esta análise que configura o

suicídio como ato afetivo-volitivo, cabe discutir a tese polêmica do suicídio como

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ato de liberdade, mesmo porque , Vigotski (2000, p. 298), um dos autores de base

desta dissertação, cita o suicídio ao discutir o domínio da conduta humana. Para

o autor:

[...]o suicídio que desde antigamente se considerava paradóxico para a teoria do livre arbítrio, um fato que não tem comparação no mundo animal, é acertadamente considerado por muitos filósofos, como um indício da liberdade humana. [...] a liberdade não é estar livre da necessidade, mas a liberdade compreendida como necessidade gnosiológica.

Nesse sentido, Vigotski (2000) lança mão de duas passagens de

Engels onde este explica o conceito de livre arbítrio como fenômeno surgido e

desenvolvido no processo construção histórica da humanidade. Nas palavras de

Engels:

A liberdade não consiste em uma independência imaginária frente às leis da natureza, mas no conhecimento dessas leis e na possibilidade, baseada em tal conhecimento, e obrigar sistematicamente a que essas leis da natureza, atuem para determinados fins. Isto se refere tanto às leis da natureza exterior como às que regem a existência física e espiritual do próprio homem. São duas classes de leis que apenas mentalmente podemos dissociar, mas não na realidade. O livre-arbítrio, por tanto, não significa mais que a capacidade de tomar decisões com conhecimento do assunto (ENGELS, apud VIGOTSKI, 2000, p. 300).

Esta afirmação deve ser entendida no contexto da ontologia

vigotskiana que é baseada no Materialismo Histórico Dialético. Vigotski (2000)

equipara nesse parágrafo, o domínio da natureza com o autodomínio. Citando um

segundo parágrafo de Engels:

Por conseguinte, a liberdade consiste fundamentalmente em conhecer as necessidades da natureza (Naturnotwendigkeiten), em saber dominar tanto nossa própria natureza como a exterior; por isso é um produto imprescindível do desenvolvimento histórico. Os primeiros homens surgidos do mundo animal não tinham essencialmente uma liberdade diferente à dos próprios animais; mas cada passo dado pelo caminho da cultura era um passo para a liberdade. (ENGELS, apud VIGOTSKI, 2000, p. 300).

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148

No entanto, é necessário complementar esta concepção de

liberdade, que podemos chamar de técnica-instrumetal, com as reflexões sobre

liberdade humana dos filósofos que orientaram a construção ontológica de

Vigotski e dos os autores que lhe servem de base. De acordo com o filósofo

mexicano Adolfo Sanchez-Vazquez (2003), Marx e Engels se baseiam nos

conceitos de liberdade desenvolvidos por Espinosa e por Hegel. Para Espinosa,

sendo o homem parte da natureza, este se encontra sujeito a suas leis de

necessidade universal, sendo que as ações exteriores do mundo provocam-lhe

paixões (ou afetos) que regem sua existência, determinando-o de fora, tornando-o

passivo.

Como não há a possibilidade do homem se encontrar fora do julgo

das necessidades universais, a liberdade não poderia se constituir na subtração

do sujeito desse julgo, independente da necessidade, portanto, ser livre é ter

consciência da necessidade ou compreender que tudo o que sucede – por

conseguinte, também o que acontece ao indivíduo – é necessário. Nisto se

diferenciam o homem livre e o escravo, o qual, por não compreender a

necessidade, está cegamente sujeito a ela.

O autor complementa “ser livre, portanto, é elevar-se da sujeição

cega e espontânea à necessidade – própria do escravo – para a consciência

desta; e, nesta base, para uma sujeição consciente”. A liberdade humana reside,

então, no “conhecimento da necessidade objetiva”, mas também indica os limites

da liberdade espinosana, apesar de seus avanços fundamentais aos conceitos

anteriores, para o autor, “a liberdade não é somente sujeição consciente à

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natureza, mas domínio ou afirmação do homem diante dela” (SANCHEZ-

VAZQUEZ, 2003, p. 127-28).

Hegel segue os passos de Espinosa no que tange ao conceito de

liberdade e como o filósofo holandês, não opõe os conceitos de liberdade e

necessidade, concordando com o fato da liberdade ser o conhecimento das

necessidades, porém, Hegel traz um dado importante para sua definição, que é a

historicidade da liberdade; “o conhecimento das necessidades depende em cada

época, do nível em que se encontra o espírito no seu desenvolvimento, e este se

manifesta na história da humanidade”. Ao trazer a história para sua discussão de

liberdade, Hegel demonstra que há diferentes níveis de liberdade e submete a

conquista ao progresso ascensional histórico, ou seja, a história é o “progresso da

liberdade” (SANCHEZ-VAZQUEZ, 2003, p. 129).

Marx e Engels concordam com conceitos defendidos por Espinosa

que relaciona liberdade ao conhecimento das necessidades e Hegel que introduz

a historicidade, porém, para eles:

[...] a liberdade não se reduz a isto; – a consciência histórica da necessidade – ou seja, um conhecimento da necessidade que deixa intacto o mundo sujeito a essa necessidade. A liberdade do homem com relação à necessidade – e particularmente com relação à que vigora no mundo social – não se reduz a transformar a escravidão espontânea e cega numa escravidão consciente. A liberdade não é apenas assunto teórico, porque o conhecimento, por si só, não impede que o homem esteja sujeito passivamente à necessidade natural e social. A liberdade acarreta um poder, um domínio do homem sobre a sua própria natureza. Esta dupla afirmação do homem – que está na própria essência da liberdade – traz consigo uma transformação do mundo sobre a base de sua interpretação; ou seja, sobre a base do conhecimento de seus nexos causais, da necessidade que o rege (SANCHEZ-VAZQUEZ, 2003, p. 129).

Também é importante ressaltar que Espinosa atrela a liberdade à

felicidade e potência de vida. Liberdade não é só ter controle da natureza, é não

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submeter-se às suas imposições e ter potencia de criação para expandir além das

leis naturais, o que é a base da alegria e da felicidade. Assim como não há

felicidade sem liberdade, o inverso é verdadeiro. Ela não decompõe o corpo e a

mente, só potencializa para a vida (SAWAIA, 2004).

Outro neo marxista que discute a liberdade é a filósofa húngara

Agnes Heller, que traz importante contribuição ao distinguir a liberdade cotidiana

da humano-genérica. Heller (2002, p.363), busca ainda mais longe outras

influências históricas para a concepção marxiana de liberdade. Nos filósofos

clássicos da Antiguidade, tanto em sua velha forma da polis, quanto entre os

estóico-epicuristas, indica a captação de um dos aspectos que considera mais

importantes da liberdade do gênero humano, que é a possibilidade, para o homem

genérico, de participar nos assuntos comunitários e a “capacidade de conservar,

depreciando qualquer constrição externa, a autonomia moral de sua própria

personalidade”.

A concepção cristã foi aquela que buscou para além da concepção

político-moral, as raízes ontológico-antropológicas da liberdade, apesar de sofrer

determinação transcendental e de colocar o livre arbítrio como base da liberdade.

Segundo a autora, esta concepção, “liberta de sua carga teológica” adentrou à

universalidade filosófica laica e nela passou a expressar um importante momento

da ‘liberdade genérica’, Kant pode ser usado como exemplo, pois para ele, “[...] o

livre arbítrio é o postulado da razão prática”. Outro fato importante que surge

nesse momento é a correlação entre liberdade e responsabilidade (HELLER,

2002, p. 364).

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151

As concepções burguesas posteriores à concepção cristã, mesmo

tecendo críticas ao livre arbítrio, trazem consigo a base ontológico-antropológica

da liberdade. Nesse novo momento, a grande relação estabelecida é a da

liberdade com a necessidade humana, onde se encontram Espinosa e Hegel.

Segundo Heller (2002, p. 365), a concepção espinosana de liberdade

é uma “[...] tentativa de interpretar em termos ontológico-antropológicos o conceito

estóico-epicúreo de liberdade”.

Na concepção da autora:

Marx não elaborou um conceito filosófico de liberdade unitário, mas analisou a tendência do gênero humano (e portanto de todo indivíduo) a alcançar a liberdade: a revogação da alienação, a superação da discrepância entre o desenvolvimento do gênero humano e o do particular. A humanidade será livre quando todo homem particular poça participar conscientemente na realização da essência do gênero humano e realizar os valores genéricos em sua própria vida, em todos os aspectos desta. [...] O conceito marxiano de liberdade possui um caráter histórico-filosófico, expressa a perspectiva histórica na qual as liberdades heterogêneas das esferas heterogêneas alcançam sua própria realização (HELLER, 2002, p. 366).

Heller (2002) busca subsídios para sua discussão na proposta de

liberdade defendida por Marx em seu texto sobre a liberdade de imprensa. Para

Marx (apud HELLER 2002, p. 355) “toda esfera determinada da liberdade é a

liberdade daquela determinada esfera”, dessa maneira, não é possível falar em

uma única liberdade, mas em liberdades, pertencentes a esferas heterogêneas e a

relações heterogêneas da realidade social.

Para Heller (2002, p. 355), “toda liberdade que se manifesta nas

esferas heterogêneas possui sua consciência: esta consciência forma parte da

liberdade do mesmo modo que o conhecimento do bem forma parte da ação boa”,

em cada esfera, tal consciência se apresenta de maneira clara. Dentre os distintos

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conceitos de liberdade apresentados pela autora, os principais são: o econômico,

o político, o moral, o filosófico e o cotidiano. Sendo que os dois últimos formam os

dois pólos que interferem em todos os outros; nas palavras da autora:

[...] os conceitos econômico, político e moral podem estar construídos desde o ângulo da consciência cotidiana, se se quer vê-los desde o ponto de vista do particular ou da integração particular, ou então, os mesmos conceitos de liberdade podem ser construídos desde o ângulo do desenvolvimento genérico, em cujo caso seu conteúdo é fixado desde o ponto de vista dos valores genéricos. Quando se fala do conceito de liberdade econômico, moral e político, o objeto é diferente, mas o ponto de vista e a perspectiva são sempre dados ou pela cotidianidade ou pela filosofia. Mas pode suceder também, como sucede efetivamente a maioria das vezes, que os conceitos de liberdade construídos sobre a base destas duas perspectivas existam paralelamente um junto ao outro (HELLER, 2002, p.356 – grifos no original).

Cotidianamente, o conceito de liberdade costuma ser entendido

como ‘o indivíduo fazer o que quiser’ ou inversamente, ‘ninguém poder obriga-lo a

fazer aquilo que não queira’. Heller (2002) indica que ao se examinar essas

características do conceito cotidiano de liberdade, se abstrai o objeto da ação da

mesma forma que os conteúdos valorativos tanto do agente quanto da própria

ação. Porém, devido à sua própria natureza, o conceito cotidiano de liberdade traz

em si tanto a particularidade quanto a genericidade, essa concepção apresentada,

apesar de legitimar toda ação particular, ao mesmo tempo “expressa o fato

fundamental da genericidade em si: expressa a presença da posição teleológica.

‘Faço o que quero’ significa que estão dadas as condições para levar a cabo meus

fins; e este é um fato netamente genérico-humano” (HELLER, 2002, p. 360).

Já na filosofia, desde que essa teve a liberdade como objeto de sua

alçada, se questionou o conceito cotidiano de liberdade como um conceito

inadequado. A filósofa húngara apresenta dois conceitos que se consolidaram

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153

após o renascimento. Um deles questiona o problema da liberdade não a partir do

poder, ou, não o indivíduo fazer o que bem entende, mas a partir do surgimento da

vontade humana. Sendo assim, “um importante fator da liberdade humana

consiste em que é o que o homem pode querer, para o qual pode dirigir sua

vontade capaz de atuar e que é, pelo contrário, o que o homem só pode desejar, e

no entanto será sempre inalcançável” (HELLER, 2002, p. 358).

O outro conceito filosófico de liberdade apresentado pela autora

sustenta que esse conceito deve contemplar toda a personalidade, ou seja, a

possibilidade de atuação em direção a um desejo não faz do homem um ser livre,

pelo contrário, pode inclusive aumentar sua servidão, tornando-o ‘prisioneiro de

suas próprias paixões’ caso os efeitos prejudiquem a totalidade de sua

personalidade. Além do que, complementa a autora, a liberdade não depende

apenas do indivíduo, mas também da liberdade dos outros, ou seja, os atos

humanos são realmente livres apenas quando por meio deles “se realiza ou ao

menos não fica obstaculizada a liberdade de outros” (HELLER, 2002, p. 358).

Heller (2002) toma esses conceitos apenas para demonstrar que os

conceitos filosóficos consideram falso ou errado o conceito cotidiano de liberdade,

contudo, argumenta a autora, o conceito cotidiano de liberdade não é falso nem

tampouco sua liberdade é apenas aparente. “O conceito de liberdade da vida

cotidiana expressa adequadamente a liberdade da vida cotidiana” (HELLER, 2002,

p. 358 – grifos no original).

As características da vida cotidiana determinam as características da

liberdade nessa esfera, submetidas sempre às circunstâncias determinadas da

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realidade social de um dado momento histórico. Heller (2002, p. 358-9)

exemplifica:

Vimos, com efeito, que o homem que nasce na vida cotidiana encontra este mundo ‘acabado’. Se alguém pode se reproduzir no mundo determinado de acordo com sua própria vontade (com suas representações), na sua vida cotidiana é efetivamente livre. Se pelo contrário não está em condições de se reproduzir ou não lhe é possível faze-lo ao nível desejado, se sente não livre e na realidade não é livre no plano da vida cotidiana.

Cabe ressaltar que nenhuma liberdade é ou pode ser absoluta, já

que toda liberdade possui como característica própria o movimento. É impossível

fazer sempre o que se quer, pois os limites da liberdade cotidiana alcançam até

onde alcançam os limites da personalidade, portanto, essa forma de liberdade “é

um movimento entre o mais e o menos”. De qualquer forma, “quanto mais

genérica é a liberdade, tanto mais esse movimento se converte em um processo

de tendência unitária, o processo de vir a ser livres” (HELLER, 2002, p. 359).

Heller (2002, p. 358) atenta para o fato de que o conceito de

liberdade “não nos informa nunca sobre o movimento ou sobre o processo, mas

sobre o tipo ideal de liberdade”.

Os conceitos filosóficos de liberdade, apesar de desde o princípio

expressarem o nível de desenvolvimento genérico alcançado pela humanidade até

então, sempre auxiliados pelo aparato conceitual e material de pensamento

disponível em um determinado grau do saber genérico, o que não significa que

tais conceitos tenham sempre se ocupado da liberdade do gênero humano, pelo

contrário, “se há tratado sempre – e também aqui – da liberdade do particular, mas

constituída a partir do nível de desenvolvimento genérico” (HELLER, 2002, p.

359).

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Defendeu-se nessa dissertação que o suicídio é um ato volitivo, o

que não significa ser um ato de liberdade. Para que se entenda então, de maneira

adequada o ato suicida enquanto ato da liberdade humana, faz-se necessário

também compreender qual o papel das necessidades na vida dos homens e qual

sua relação com os motivos e finalidades de seus atos. Mesmo que o suicídio

possa se configurar como um ato livre, ou seja, um ato cometido por um indivíduo

consciente de suas necessidades, ciente de seus determinantes, não se configura

enquanto um ato de libertação, já que, concordando com a proposição marxiana

de que “não é possível levar a cabo uma libertação real sem ser no mundo real e

através de meios reais”, pois:

[...] não é possível abolir [aufheben] a escravatura sem a máquina a vapor e a mule-jenny, nem a servidão sem aperfeiçoar a agricultura; que mais genericamente, não é possível libertar os homens enquanto eles não estiverem completamente aptos a fornecerem-se comida e bebida, a satisfazerem as suas necessidades de alojamento e vestuário em qualidade e quantidade perfeitas. A "libertação" é um facto histórico e não um facto intelectual, e é provocado por condições históricas, pelo [progresso] da indústria, do comércio, da agricultura...(MARX & ENGELS, 1980, p. 28).

Além disso, como indica Heller (2002), muitas vezes a liberdade da

vida cotidiana se opõe e chega a conflitar com a liberdade do gênero humano

quando o “faço o que quero” possui uma representação particularista, ou seja, se

esse querer é movido por interesses exclusivamente individuais.

Seria, portanto, o suicídio que visa o bem da coletividade um ato de

liberdade? Um exemplo que se aproximaria da proposta durkheimniana do suicídio

altruísta como a personagem do filme ‘Balada de Narayama’, que, ao se ver senil

e impossibilitada de contribuir com eficácia nas atividades da comunidade, utiliza

artifícios para se encaixar nas características necessárias às pessoas para que

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fossem levadas ao monte Narayama e abandonadas à morte. Essa mulher,

pensando no bem-estar de sua comunidade e percebendo a impossibilidade de

produzir, opta por abandonar a vida.

Para essa análise foi preciso recorrer às reflexões marxianas de que

não basta ter consciência da necessidade e das suas limitações impostas pela

sociedade. O ato livre precisa promover transformações intencionais na vida

cotidiana.

Motivada pela racionalidade do trabalho que define a utilidade das

pessoas pela sua capacidade de produção e não vê as demais qualidades

humanas necessárias à expansão da vida. Pode-se analisar que essa dimensão

do suicídio não é um ato livre, mas ideológico.

Outra situação, em que o suicídio envolve questões altruísticas, e

pode ser analisada da mesma forma que a anterior é a morte de Jan Pallach, que

em 1969, ateou fogo em seu próprio corpo para protestar contra a invasão da

Tchecoslováquia. Certamente seu suicídio deu um determinado tom ao acontecido

(como se esse já não se bastasse por si) e gerou certa repercussão acerca do

fato. Porém, como militante e ativista político, o estudante Pallach poderia

continuar protestando contra diversas outras invasões que houveram desde então

em diversos lugares do mundo.

Uma terceira situação, completamente distinta das anteriores, é a

dos fundamentalistas religiosos ou políticos que utilizam do suicídio como parcela

do terrorismo (homens-bomba, entre outros tipos de atentado que envolvam a

perda da vida do sujeito) para lutar por causas particularistas, que também não

vão de encontro com o desenvolvimento humano-genérico.

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Vale lembrar aqui a reflexão espinosana, de que as causas de um

movimento permanecem nas suas conseqüências, no efeito que se quer produzir.

Portanto, não se atinge a democracia com a guerra, pois os atos violentos se

incorporam no futuro regime político. O mesmo vale para o suicídio, que destrói o

corpo e retira a pessoa do convívio com os outros. Também vale lembrar que

felicidade e liberdade não se desvinculam. Ato livre é o que compõe com a força

de vida individual e social.

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VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou apresentar uma visão psicossocial do suicídio

como um fenômeno socialmente construído, que se transforma histórica e

culturalmente e possui significados que lhe são atribuídos, que também são

construtos sociais que medeiam as relações dos indivíduos em geral com o

fenômeno ao mesmo tempo que é ação singular com base afetivo-volitiva,

portanto, de caráter particular, que se relaciona com toda a história individual

daquele sujeito com aquele fenômeno e seu significado, que é o sentido que o

fenômeno tem para cada um.

Ao se compreender o suicídio dessa forma, se torna possível romper

com uma série de tabus relacionados com o tema e procurar entendê-lo de

maneira mais ampla. Ao apresentar as diversas teorias que discutem o suicido,

intencionei demonstrar o quanto, primeiro, as teorias também sofrem influência de

sua época; segundo, que elas possuem um posicionamento ideológico, que visa

manter ou combater a sociedade hegemônica; terceiro, cada uma delas possui

uma base epistemológica que determina a forma como compreenderá o homem e

a sociedade em que este vive.

Na busca de superar as diversas teorias apresentadas, inclusive a

de Karl Marx e os comentários de Vigotski sobre o suicídio, já que nenhum dos

dois se aprofunda nessa discussão, apesar de trazerem boas críticas à sociedade

de suas épocas e de não se limitarem à compreensão individualista, ou à

concepção estritamente sociológica. Busquei, portanto, nos psicólogos soviéticos

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com base no materialismo histórico dialético a compreensão de como se forma o

psiquismo do indivíduo na sua relação com a realidade concreta, no sentido de

incorporar esses dois pólos na análise e seus aspectos mediadores, como a

linguagem, a atividade, os instrumentos, os afetos, etc. Trazendo todos esses

elementos, procurei fazer uma análise do suicídio que contemplasse minimamente

os critérios para uma análise da realidade a partir da teoria marxista, na sua

apropriação pela psicologia social.

Infelizmente, como foi indicado na apresentação desta dissertação,

não foi possível desenvolver um trabalho que fosse para além da teoria, a idéia e

a intenção a principio era trabalhar com grupos de sobreviventes, o que continua

sendo uma questão importante e que se pode perceber pelas diversas estratégias

de intervenção que vêm sendo propostas, desde a nível global, pela Organização

Mundial de Saúde, a nível nacional pelo Ministério da Saúde, a nível estadual pela

Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e a nível municipal pela Secretaria

Municipal de Saúde de São Paulo (entre outras). Obviamente esse é um problema

que vem sendo discutido e vem sofrendo intervenções em outros países e em

outros estados e cidades do Brasil. Substitui, portanto, os dados primários por

dados secundários da literatura e história, mas não abandonei a idéia de trabalhar

com grupos de sobreviventes no futuro.

Mesmo tendo crescido o número de pesquisas e publicações na área

nos últimos anos, ainda se fazem necessárias, além da relação dessas pesquisas

com estratégias de intervenção (o que vem acontecendo, mesmo que a passos

curtos), caminho que pretendo continuar trilhando com trabalhos futuros, a fim de

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poder contribuir com resultados de pesquisas concretas, que propiciem

intervenções efetivas.

Termino este trabalho ressaltando que o suicídio e as tentativas de

suicídio além de outros comportamentos que levem à morte de si mesmo, devem

ser compreendidos como uma questão de saúde pública e as intervenções junto

aos sujeitos, para além dos trabalhos preventivos devem ter maior penetração nas

políticas públicas de saúde do país, entendendo saúde na sua dimensão mais

ampla, como propõe Sawaia (1995, p. 157):

Saúde é um fenômeno complexo e não basta a ampliação do enfoque biológico, no sentido de abranger o psicológico e o social, como variáveis, para superar a dicotomia mente-corpo instalada por Descartes. Saúde é uma questão eminentemente sócio-histórica e, portanto, ética, pois é um processo da ordem da convivência social e da vivência pessoal.

Por isso, também não se deve perder de vista a necessidade dessas

intervenções abrangerem profissionais de diversas áreas das ciências sociais,

humanas e biológicas, pois compreende-se aqui que “promover a saúde equivale

a condenar todas as formas de conduta que violentam o corpo, o sentimento e a

razão humana gerando, conseqüentemente, a servidão e a heteronímia”

(SAWAIA, 1995, p. 157).

É certo, portanto, que não se combate o suicídio apenas na área da

saúde, mas também na política, na economia, na educação, ou seja, na luta

cotidiana por melhores condições de existência para todos, na luta pela liberdade.

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VII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVAREZ, Alfred. O Deus selvagem: Um estudo do suicídio. Tradução de Sônia Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

ANGERAMI-CAMON, Valdemar A. Solidão: a ausencia do outro. São Paulo: Pioneira, 1999.

ANGERAMI-CAMON, Valdemar A. Suicídio: Uma alternativa à vida uma visão clínica existencial. São Paulo:Traço, 1986.

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