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Série Selena 7
Abra Seu Coração
Robin Jones Gunn
Título original: Open Your Heart Tradução de Myrian Talitha Lins
Editora Betânia, 2001 Digitalizado por deisemat Revisado por deisemat
Digitalizado por deisemat
http://www.semeadoresdapalavra.net/portal.htm
Nossos e-books são disponibilizados gratuitamente, com a única finalidade de oferecer leitura edificante a todos aqueles que não tem
condições econômicas para comprar. Se você é financeiramente privilegiado, então utilize nosso acervo apenas para avaliação, e, se gostar, abençoe autores, editoras e
livrarias, adquirindo os livros.
SEMEADORES DA PALAVRA e-books evangélicos
Aos meus amigos da editora Focus on the Family.
Muito obrigada a todos vocês que cooperaram para qu e “Selena” e “Cris”
passassem bons momentos na companhia uma da outra e de suas amigas da vida
real – as jovens de várias partes do mundo.
__________________________________________________________________________________________
Capítulo Um
Selena sentiu o coração bater forte no peito e percebeu um latejamento nos ouvidos.
Agarrou os braços da poltrona do avião e tentou gritar, mas não conseguiu.
Vamos cair! pensou. Este avião vai mergulhar de ponta nesse mar gelado! Vamos
morrer!
Entretanto, em vez de ver toda a sua vida “passando” como um filme em sua memória,
ela se recordou dos acontecimentos dos últimos dias. Estivera no casamento de seus amigos
Douglas e Trícia, na Caifórnia. Aliás, fora Tânia, sua irmã, quem pegara o buquê atirado pela
noiva. Instantes depois, vira a amiga Cris, ao lado de Marta, tia dela. Dali a pouco, as duas a
convidavam para esta viagem, para vir com elas à Suíça.
A cena que viu a seguir foi ainda na Califórnia. Estava telefonando para os pais, em
Portland, pedindo-lhes que procurassem seu passaporte, naquele seu quarto bagunçado.
- Olhem na escrivaninha, disse. Talvez esteja na última gaveta.
Em seguida, viu-se embarcando no avião, bem cedo de manhã, com o documento na
mão. Agora estava ali, dentro da aeronave que caia em direção ao mar. Soltou um grito, mas
apenas em pensamento. Ao longe, ouviu uma voz conhecida que a chamava.
- Selena! Algum problema?
Sentiu um toque de leve no braço tenso. A voz chegou mais perto. A garota abriu os
olhos ofegando.
- Já vamos aterrissar, disse Cris, que se achava ao lado. Está com algum problema?
Você estava falando enquanto dormia!
Selena piscou e deu uma olhada a sua volta. Espiou lá para fora e viu o céu azul-claro.
O avião não estava caindo; seguia seu curso firmemente. Nos assentos próximos ao seu, Cris e
Marta calmamente se preparavam para a descida.
- Tive um pesadelo horrível, explicou ela, aprumando-se na poltrona, passando a língua
pelos lábios e recobrando o fôlego. Pensei que o avião ia cair.
Seu tom era de quem achava tudo aquilo muito engraçado, mas ainda sentia o terror que
o sonho inspirara. Afinal de contas, o contexto todo era muito real.
Na verdade, porém, estava de viagem para a Alemanhã. Nesse país, ela, Cris e Marta
iriam pegar um trem para a Suíça. E realmente haviam se passado apenas poucos dias - aliás,
todos muito agitados - desde que assistira ao casamento de Douglas e Trícia, em Newport
Beach. Após a cerimônia, recebera um convite de última hora para fazer esta viagem. Então, o
sonho era real, a não ser a parte em que o avião estava caindo no mar.
- Quer um lencinho úmido? indagou Cris. Peguei um pra você quando as comissárias
passaram distribuindo. Agora ele já deve estar frio.
Selena rasgou o pacotinho e pegou o lenço que de fato havia esfriado. Desdobrou-o e
colocou-o sobre o rosto, aspirando o leve aroma de limão. Com uma das mãos, pegou o
cabelo louro e encaracolado e ergueu-o. Em seguida, passou o lencinho no pescoço. Abaixou
a cabeça e olhou para a calça jeans que usava. Perto do joelho direito, havia uma mancha de
mostarda, no fomato de uma folha. Ela deixara cair o condimento na roupa, no momento em
que sobrevoavam o Canadá. Estava comendo um sanduíche e, ao rasgar o invólucro de
mostarda com os dentes, uma gota respingara na calça. Passou o lencinho úmido naquele
ponto, mas não adiantou. Provávelmente, ela ficaria manchada até o fim da viagem.
Elas haviam partido da Caifórnia e, por isso, Selena não pudera ir em casa pegar roupas
mais adequadas para o clima da Suíça nessa época do ano. Também não pudera ajudar muito
os pais que, aflitos, procuravam seu passaporte. Felizmente, o Kevin, seu irmão mais novo,
conseguira encontrá-lo caído atrás da cômoda. Em seguida, os pais dela o haviam remetido
pelo correio pelo sistema de encomendas rápidas. Agora Selena pensou que deveria ter
aproveitado para pedir outras peças, como uma calça jeans, por exemplo.
Tudo se passara rápido demais. Ela ligara aos pais para falar-lhes do convite para a
viagem, e eles lhe haviam dado todo o apoio. O casal era muito flexível com os seis filhos e,
como Selena era a quarta filha, eles se sentiam muito tranquilos com as aventuras dela.
Contudo, a essa altura, nem a garota sabia direito em que ela fora se meter.
Cris remexeu-se no assento. Pegou o cabelo castanho-claro e prendeu-o com uma
“xuxinha”. Em seguida, cruzou as pernas longas e elegantes. Selena percebeu que a amiga
também se achava um pouco desinquieta. Talvez estivesse apenas com o corpo dolorido pela
longa viagem de doze horas. Ou, quem sabe, já estivesse começando a irritar-se com a Tia
Marta, como Selena estava.
- A que horas vamos aterrissar? indagou.
- Às 8:27h, replicou Marta. Lembre-se de que aqui agora já é de manhã. E teremos
apenas uma hora de prazo para passar na alfândega, recolher a bagagem e pegar o trem para
Basiléia. Vamos ter de andar rápido.
A tia de Cris era a eficiência em pessoa - o tempo todo. Selena não “morria de amores”
por aquela mulher baixinha, muito refinada e dominadora. Fora ela que ajudara a Tânia, irmã
de Selena, a arranjar um emprego como modelo, na Caifórnia. E, exatamente por isso, os pais
da garota não haviam tido nenhum temor de deixá-la fazer essa viagem repentina para a
Europa. Em qualquer outra pessoa, uma despesa desse tipo causaria estranheza. Não, porém, a
Tia Marta. Para esta, o dinheiro era apenas um “meio” pelo qual ela atingia seus objetivos. E
nesse momento, seu objetivo era levar Cris para a Suíça, onde a jovem iria visitar uma
faculdade para a qual ganhara uma bolsa de estudos.
- Olha aqui, disse Marta, pegando um bloquinho de gomas de mascar e dando a cada
uma das meninas. É para “desentupir” o ouvido. O avião ja começou a descer.
- Não precisa me dar um pacotinho inteiro, não, interveio Selena. Basta meio tablete.
Uma expressão de irritação estampou-se no rosto bem maquiado da mulher. Aliás, ela
estava totalmente impecável. Não se via um só fio de cabelo fora do lugar. Sua roupa elegante
não estava nem amarrotada. Como será que ela conseguia manter uma aparencia assim após
um vôo tão demorado? Cris fitou a amiga com seus olhos azul-esverdeados. Sua expressão
parecia querer dizer-lhe que pegasse o chiclete e ficasse calada.
- Ah, ‘ta bom, obrigada, replicou ela prontamente. Eu guardo o resto pra depois.
Enfiou na boca metade da goma de mascar, sabor hortelã, e se pôs a pensar na
misteriosa razão de ter sido chamada para aquela viagem. O que ela explicara aos pais fora
que Marta tinha três vouchers para passagens. Um seria para ela, outro para Cris e o terceiro
para Ted, o namorado desta. Contudo o rapaz não pudera tirar uma folga no serviço. Katie, a
melhor amiga de Cris, quebrara o pé alguns dias antes e estava impossibilitada de viajar.
Marta nem mencionara a possibilidade de chamar seu marido, o Bob, o que Selena achou
estranhíssimo. A mãe de Cris também não quis ir. Disse que não aguentaria uma viagem tão
longa. Só restava Selena. Entretanto a garota nem se importou de ter sido lembrada como um
“tapa-buraco”. Estava empolgada com a idéia de fazer aquela viagem.
- Deu pra descansar um pouco? quis saber Cris.
- Um pouquinho; e você?
- Acho que dormi umas duas horas. Você se lembra de como foi difícil superar esse
problema da “ressaca” de viagem quando viemos à Inglaterra em Janeiro?
- Lembro, replicou Selena. Ouvi dizer que o melhor a fazer é ficar o dia inteiro acordada
para poder dormir à noite.
- E é exatamente o que vamos fazer, interveio Marta, olhando para o cinto de segurança
das duas garotas para ver se estava tudo em ordem. Vamos pegar um trem no aeroporto que
vai direto para Basiléia. Assim que nos registrarmos no hotel, vamos à faculdade. Marquei
uma entrevista com o diretor para hoje às 2:30h da tarde, concluiu ela, mascando o chiclete
com ar pensativo.
- É, e assim não vai sobrar tempo pra nada, comentou Cris. Isto é, pra rodar por aí.
Marta ergueu um pouco as sobrancelhas e fitou a sobrinha demoradamente.
- Não temos nenhum plano de ficar “rodando por aí”, disse ela. E mastigue de boca
fechada, meu bem.
- O que estou querendo dizer, insistiu a jovem, é que já viajei de trem pela Europa e...
- ... e eu ainda não? indagou a tia.
- E quando é que vamos almoçar? interveio Selena, procurando quebrar um pouco a
tensao que se formava. Ainda não conversamos sobre isso.
- Vamos almoçar no trem, explicou Marta. Pelo menos, vamos viajar de primeira classe.
Selena compreendeu que a tia de Cris ainda estava chateada pelo fato de seus lugares no
avião não serem na primeira classe, como ela queria. Marta discutira com o atendente no
balcão da companhia no aeroporto, mas não conseguira nada. A única vantagem que lhe
haviam prometido era que na volta estariam nessa classe.
- Parece que o dia está muito bonito, comentou Cris, fazendo um aceno de cabeça para
os prédios, estradas e campos que já começavam a avistar da janelinha do avião. Daqui tudo
parece tão bonito, né? Tudo limpo e certinho.
- E você acha que não e assim, não? perguntou Selena, que nesse momento avistou a
pista de pouso.
- Bom, disse Cris, nunca estive na Alemanhã nem na Suíça, mas as paisagens que vi na
Espanha e na França não eram própriamente iguais as de um postal, não.
No momento em que ela terminou de dizer isso, as rodas do aparelho tocaram o chão, e
a gigantesca aeronave foi diminuindo a velocidade.
Selena agarrou no braço da poltrona e cerrou os dentes, à espera de que o avião parasse.
Ainda hem que não caiu, pensou. Chegamos! Foi só um terrível pesadelo. E
provávelmente foi por causa daquela correria pra arrumar tudo. Ou talvez por causa dos
picles que comi no sanduíche.
- Tudo pronto, meninas? indagou Marta. Não se esqueçam da bagagem de mão.
As duas jovens se entreolharam, enquanto soltavam o cinto de segurança e pegavam as
bolsas de viagem que se achavam embaixo do assento à frente delas. Selena logo imaginou se
Cris estaria pensando o mesmo que ela: passar uma semana ali em companhia da Marta
poderia ser mais dificil do que haviam imaginado.
Capítulo Dois
As viajantes passaram pela alfândega e recolheram a bagagem sem nenhum atraso, para
satisfação de Marta. Pouco depois, embarcavam no trem de ferro e iam para seus lugares, uma
cabine reservada na primeira classe. As garotas se deixaram cair na poltrona com suspiros de
alívio.
- Acho que batemos um novo recorde, comentou Cris.
- Isso demonstra que tenho razão, replicou Marta, com uma expressão de satisfação. Se
fizermos tudo certinho e agirmos de forma organizada, não vamos perder a hora para nada.
- Estou morrendo de fome! exclamou Selena, guardando a mochila no compartimento
de bagagem ao alto. Vou dar uma chegada no carro-restaurante. Alguém quer ir comigo?
Nesse momento, o trem começou a movimentar-se.
- Não precisa, interveio Marta, acomodando-se mais no assento e olhando pela janela.
Na primeira classe, eles vem servir a gente aqui.
A garota olhou para a amiga e em seguida para a tia.
- A senhora se importaria se eu fosse ao carro-restaurante pra comer algo? insistiu ela.
Estou mesmo com muita fome.
A verdade e que estava sentindo o estoômago vazio e começando a enjoar. Não sabia se
aquilo era consequêencia do vôo ou do terrível pesadelo que tivera. Contudo sabia que, se
tomasse um copo de leite, logo se sentiria melhor.
- Ah, vai! replicou Marta. Vão as duas. Mas fiquem juntas e não conversem com
desconhecidos. Aqui, levem este dinheiro!
- Quer que a gente traga algo pra você, tia? indagou Cris.
- Não, obrigada. Eu espero.
Selena abriu a porta deslizante da cabine, saindo para o corredor estreito. Cris seguia
logo atrás dela, as duas andando em fila. O trem ia ganhando mais velocidade e balançando
um pouco. Chegaram ao fim do seu carro e abriram a porta, passando ao vagão seguinte.
Continuaram caminhando até chegar ao setor de refeições. Selena foi a primeira a entrar no
restaurante e logo se acomodou no assento estofado da primeira mesa vazia que avistou. A
mesa estava recoberta com uma toalha branca. No canto, junto a janela, havia um pequeno
vaso com um botão de rosa amarela. A flor tinha a “cabecinha” inclinada, como que a
cumprimentá-las. Cris sentou-se do outro lado, à frente de Selena.
- Como e que você está? indagou Cris, aproximando-se um pouco da amiga.
- Estou sentindo um mal-estar no estômago, explicou Selena. Mas acho que, assim que
comer, vou melhorar. E você, como está?
- Estou bem. Minha tia está te deixando irritada, né?
- Não, não. Ainda não! respondeu ela erguendo os olhos.
Um rapaz alto, usando um blusão de moletom grosso, aproximava-se da mesa delas. A
princípio, Selena achou que era o garçom. Logo em seguida, porém, deu-se conta de que não.
Usava roupas comuns, e não o traje característico dos garçons. Para seu espanto, o jovem
parou junto a mesa delas, fez um educado aceno de cabeça e perguntou:
- Sprenchen SieDeutsch? (Falam alemão?)
Cria abanou a cabeça.
- Somos americanas, explicou.
- Ah! disse o moço, com os olhos fitos em Selena. Claro! São americanas! Que bom!
- Ele tinha, um sotaque engraçadinho, uma expressão muito agradável. De repente,
Selena sentiu que de fato estava do outro lado do mundo.
- Acho que esqueci um embrulho aí no seu banco, disse o rapaz.
Selena baixou os olhos para o assento que ocupava e, realmente, bem no cantinho, junto
a janela, havia um pacote, envolto em papel pardo e amarrado com um barbante. Pegou-o.
- Aqui, disse, estendendo o objeto para o recem-chegado.
O rapaz levou a mão ao peito.
- Graças a Deus! exclamou. É um presente que estou levando para uns amigos. Estou de
férias. E vocês?
As duas garotas se entreolharam, mas nenhuma respondeu imediatamente.
- Ah, desculpe! interveio o desconhecido. Interrompi a conversa de vocês. Querem que
eu vá embora?
- Oh, não! Tudo bem! falou Selena. Acabamos de chegar agorinha mesmo. Ainda não
estamos bem “sintonizadas” com o fuso horário e tudo o mais.
Nesse momento, sentiu que Cris lhe dava um chute na perna por baixo da mesa.
Contudo o rapaz lhe parecia completamente inofensivo. Era simpático, tinha o rosto
comprido, o queixo fino e as maçãs da face salientes. O cabelo era bem escuro, todo penteado
para trás, com exceção de uma mechinha em forma de quarto crescente, que lhe caíra na testa.
Tinha olhos castanho-escuros, mas um olhar luminoso, cheio de vitalidade. Parecia ter uma
personalidade muito interessante.
- Meu nome é Alexander, disse ele, apresentando-se e estendendo a mão para Selena.
A garota correspondeu ao cumprimento e recebeu um aperto de mão firme e decidido.
- Selena, disse ela.
- “Sa-le-na”? repetiu ele.
- Não. Selena, replicou a garota. É um nome bem comum na Caifórnia.
- Ah, você mora na Caifórnia? quis saber Alexander.
- Não, explicou ela. Já morei. Atualmente moro numa cidade chamada Portland, no
Oregon. Sabe onde fica?
- Claro, disse o rapaz. E você? continuou ele, virando-se para Cris.
A jovem hesitou por um instante, mas depois se apresentou.
- Meu nome é Cris.
- Cris! repetiu Alexander, pronunciando o “r” sem nenhum problema. Também mora na
chuvosa Portland?
- É, interveio Selena, já vi que sabe tudo sobre Portland.
A garota sorriu para o rapaz e em seguida para a amiga, tentando fazer com que ela se
descontraisse. Entretanto a jovem permaneceu com os lábios cerrados, olhando para as mãos.
Selena calculou que ela estava se lembrando da recomendação da Tia Marta, no sentido de
não conversarem com desconhecidos. Contudo agora estavam na Europa. E numa viagem de
trem, era normal os passageiros travarem contato uns com os outros. O que poderia
acontecer? Achava que Alexander não representava o menor perigo. Parecia totalmente
inofensivo e bastante interessante.
- Eu moro na Caifórnia, explicou Cris, após uma pausa meio constrangedora.
Nesse momento, o garçom aproximou-se da mesa delas e, falando em alemão, indagou
o que elas iam querer.
- Com licença, interveio Alexander.
Num tom de voz grave, ele se dirigiu primeiro ao garçom e depois às moças.
- Voçês vão pedir o café da manhã? indagou ele.
- Bom, a gente só queria um sanduíche, replicou Selena. E leite.
Alexander dirigiu-se ao garçom falando em alemão e, afmal, fez um aceno de cabeça e
concluiu:
- Danke! (Obrigado!)
Selena deslizou no banco, chegando mais para o canto, dando lugar para o rapaz.
- Quer se sentar conosco? indagou.
- Se as duas permitirem, quero, respondeu ele, sentando-se perto de Selena.
A garota notou que o blusão de moletom dele era de um tecido bem grosso. Não parecia
nada com os dos Estados Unidos.
- Você é daqui mesmo? indagou Selena, resolvendo que estava na hora de tomar a
iniciativa das perguntas.
- Não, estou a passeio. Vou visitar alguns amigos em Basiléia. Minha mãe é de lá, e
tenho muitos parentes nessa cidade. Meu pai é russo. Moro em Moscou há sete anos. Antes eu
morava em Basiléia.
Alexander recostou-se mais no banco e fitou Selena, dando um sorriso suave.
- Se uma mora num estado e a outra, no outro, como é que se tornaram amigas?
- Ficamos nos conhecendo em Janeiro, na Inglaterra, quando estavamos fazendo uma...
principiou Selena, mas aqui ela parou. Nós somos crentes, prosseguiu. Estavamos fazendo
uma viagem missionária.
Um sorriso cálido estampou-se no rosto forte do rapaz. Ele deu uma risadinha amistosa
e em seguida falou:
- Vocês nem vão acreditar, disse ele rindo. Também sou crente. Faz quatro anos.
Selena sentiu-se aliviada e ao mesmo tempo muito satisfeita. As duas logo se puseram a
acompanhar Alexander na risada.
- Ei! exclamou Cris. Eu diria que isso e uma “coisa de Deus”, Alexander!
- É mesmo! disse ele. Mas, por favor, pode me tratar por “Alex”. Que beleza! Sendo
crentes, a conversa fica bem melhor, não é?
- É sim, concordou Selena.
Ela percebeu, com satisfação, que Cris relaxara a tensão. Não precisavam ficar
preocupadas com relação ao rapaz. Ela já notara que, quando se achava longe de casa, fora do
contexto familiar, aprendia a confiar mais em Deus. Já vivera muitas situações, em ambientes
estranhos, em que o Senhor a protegera e cuidara dela. Agora Deus mandara ali um rapaz
crente, com quem ela e Cris partilhariam sua primeira refeição na Alemanha.
O garçom chegou à mesa deles e parou para servi-los. O homem “dançava” um pouco,
devido ao balanco do trem. Com gestos lentos, colocou no centro uma cesta com alguns
pãezinhos de casca crocante. Ao lado, pôs uma travessa com fatias finas de presunto e queijo,
e uma tigela com várias embalagens individuais de manteiga e geléia. Em seguida, à frente de
cada um deles, colocou um bulezinho de café e, para Selena, deu também uma vasilhinha com
leite.
- Foi isso que você pediu? indagou a garota a Alex.
- Foi, respondeu ele. Não era isso que queriam? Você disse que queria leite, mas não era
para por no café.
- Está muito bom, interveio Cris prontamente.
- É, está bom, sim, concordou Selena.
Pensou se seria falta de educação derramar o leite na xícara onde deveria tomar o café e
beber todo ele puro.
- Quero lhes dizer algo, principiou Alex, servindo-se de café e olhando longamente para
Selena. Você tem um ar de pureza que acho lindo, aliás, as duas tem. Tenho a sensação de que
estou vendo as primeiras tulipas que brotaram na primavera.
Selena tentou conter o riso, mas não conseguiu. Caiu na gargalhada. Teve a impressão
de que, em sua testa, devia haver um plaquinha com os dizeres: “Tenho dezesseis anos e ainda
não fui beijada”.
- Será que ofendi vocês? indagou o rapaz, olhando para Cris.
- Não, replicou a jovem. Foi muito legal o que você disse. Só que a gente não estava
esperando isso.
Selena procurou controlar-se.
- Você é sempre sincero assim? indagou. Até com quem conhece há pouco tempo?
- Sou, respondeu o rapaz em tom sério.
Selena reprimiu a vontade de rir.
- É, creio que é mesmo, disse. Desculpe por eu ter rido. É que não estou acostumada a
ver rapazes iguais a você.
- E eu também não estou acostumado a ver garotas como vocês. E isso é um elogio, viu?
Selena tomou um golinho de seu café, que na verdade era mais leite do que café.
- As duas devem ter uma porção de admiradores, que fazem uma fila comprida, cada um
aguardando sua vez. É assim? Eles fazem fila na porta da sua casa?
Quando Alex disse isso, Selena estava com a boca cheia de café e quase cuspiu tudo,
pela vontade de rir. Contudo engoliu rapidamente o liquido morno e replicou:
- Cris ja encontrou o amor da vida dela. Mas eu ainda estou entrevistando os candidatos
da minha fila.
O rapaz endireitou-se no banco e ergueu o queixo. Afastou a mecha de cabelo que lhe
caíra na testa e disse:
- Então vou entrar na fila. E já estou preparado para a entrevista. Qual é a primeira
pergunta?
Selena nunca se sentira tão encantada. Tapou a boca coma mão para não disparar a rir
de novo.
- Está bom, disse. A primeira pergunta e a seguinte: o que é isto? indagou, pegando um
dos pacotinhos que estavam perto da geléia.
- Ah, como é que chama isso? falou ele meio gaguejante. Ah, não sei o nome disso na
sua língua.
Selena abanou a cabeça, dando estalidos com a língua.
- Tsk, tsk! fez ela. Sinto muito. Terá de voltar para o fim da fila.
Alex soltou uma risada.
- Pra saber, tera de experimentar, explicou o rapaz. Passe um pouco no pão.
As duas garotas provaram um pouco.
- Parece queijo cremoso, comentou Cris.
- Creme de queijo, isso mesmo! exclamou o rapaz. Agora sou eu quem vai fazer uma
pergunta.
Selena lambeu um pouquinho do creme adocicado que lhe ficara no lábio.
- Claro, disse, pode perguntar.
- Como você faz para o seu cabelo ficar assim?
- Assim... como?
- Nunca vi um cabelo assim... tão bonito!
Novamente a garota abanou a cabeça. Em seguida olhou para Cris e comentou:
- Tem cara que faz qualquer coisa pra entrar na frente da fila!
Capítulo Três
Selena abriu a porta deslizante da cabine. As duas garotas entraram juntamente com
Alex, que teve de abaixar a cabeça para passar na porta.
- Marta! disse a garota. Este aqui e o Alex.
- Prazer em conhecê-la, disse o rapaz, estendendo a mão na direção dela.
Marta ignorou o gesto dele.
- Onde vocês conheceram este rapaz? indagou ela para as jovens.
- No carro-restaurante, explicou Selena, com ar tranquilo. Ele tomou café conosco.
A tia de Cris fez uma expressão de espanto. Alex abaixou a mão.
- Desculpe, interveio ele. Não queria incomodar. Vou embora. Tive muito prazer em
conhecê-la, “Salena!.
Ele pegou a mão da garota, mas, em vez de dar-lhe um cumprimento, ficou a segurá-la.
- E você também, Cris, continuou ele, fazendo um aceno de cabeça para a outra, sem
largar a mão de Selena. Talvez a gente possa se ver de novo muito breve.
- É pouco provável, replicou Marta friamente.
O rapaz sorriu. Lentamente foi soltando a mão da garota, fez um amistoso aceno de
cabeça para todas e em seguida saiu.
- A senhora não precisava “espantá-lo” desse jeito, comentou Selena, sentando-se na
poltrona logo a frente de Marta.
Ainda sentia na mão o calor da de Alex. A tia de Cris olhou-a com uma expressão de
irritação e de espanto ao mesmo tempo.
- Espere aí, replicou. Não entendi. Eu disse a vocês para não conversarem com
estranhos, e agora me aparecem aqui com um alemãozinho malvestido e ainda querem que eu
fique contente com o que fizeram?
- Ele não é alemão; é russo, apressou-se a explicar Selena, falando meio entre os dentes.
- Russo!? exclamou Marta, com expressão de choque rosto. Que é isso, gente? Vocês
foram conversar logo com um russo?
- Tia Marta, interveio Cris em tom calmo, pode até parecer que desobedecemos a
senhora, mas não. Nós ficamos conhecendo o Alex no carro-restaurante. Ele tinha esquecido
um embrulho no banco.
- Bem de propósito! comentou Marta.
- Não, tia, respondeu Cris. Não foi de propósito, não. Ele é um cara muito legal. E
crente também. Nós nos sentimos muito bem na companhia dele. Se a senhora tivesse
conversado um pouco com ele, também teria gostado. Na verdade, não fizemos nada que
fosse contra as suas ordens.
- Eu falei para não conversarem com desconhecidos. Vocês me desobedeceram
deliberadamente. Como é que vai ser nossa viagem se as duas não fizerem o que quero?
Selena mordeu o lábio para não responder. Cris estava sentada ao lado dela.
- Olhe aqui, Tia Marta, principiou a jovem, nós duas ficamos muito alegres por ter
vindo fazer esta viagem com a senhora. Mas a verdade é que já tenho dezenove anos e já
viajei pela Europa de trem, sozinha. Acho que a senhora sabe que pode confiar em mim. E se
não tratar a mim e a Selena como adultas, esta viagem vai ficar insuportável.
- Vou tratá-las como adultas assim que começarem a agir como tal. Quem age como
adulto não vai logo conversando com um desconhecido russo.
- Ele é russo só por parte de pai, afirmou Cris. A mãe dele é suíça. Aliás, ele foi criado
aqui em Basiléia.
- Ah, quer dizer que assim está tudo certo! disse Marta em tom de ironia. Não quero
vocês duas conversando com desconhecidos. Entenderam?
Cris e Selena se entreolharam e depois fizeram que sim.
- ‘Tá bom, tia, replicou Cris. Vamos obedecer.
A jovem recostou-se na poltrona, soltando um suspiro ruidoso e cruzando os braços.
Selena olhou para a amiga e viu que ela fechara os olhos. Parecia que esse era o único jeito de
se “desligar” das implicâncias de Marta. Selena seguiu o exemplo de Cris.
Alexander! pensou a garota sorrindo. Por que Marta teve de espantá-lo? Quero vê-lo
outra vez! Esse rapaz tem algo de muito especial. Certamente vamos vê-lo quando
desembarcarmos, já que ele também está indo para Basiléia. E já lhe dissemos onde vamos
ficar hospedadas, portanto ele pode vir me procurar. Tenho certeza de que virá.
- Quando será que vão trazer o café? indagou Marta. Estou morrendo de fome. O
serviço de bordo nestes países é péssimo, comparado com o nosso. Aliás, é horrível!
- Quer que a gente vá buscar algo para a senhora, tia? perguntou Cris.
- Não, Cristina. Sei muito bem o que estão querendo fazer, respondeu a tia. Não; não vai
sair para se encontrar com aquele amigo estrangeiro, não. Fiquem aqui na cabine, as duas.
Estão de castigo agora; e não vão sair.
Selena compreendeu que não saberia calcular o quanto Cris devia estar se sentindo
humilhada. Já era horrível a tia dizer, na presença da amiga, que elas estavam “de castigo”. E
ainda por cima, Marta o fizera justamente quando Cris estava querendo prestar um favor à tia.
O trem começou a diminuir a marcha. Selena olhou para fora e viu que estavam
chegando a uma estação. Avistou uma placa com o nome da cidade, mas não conseguiu lê-la
direito. De um lado e outro da estação, viam-se vários trilhos. Passageiros apressados corriam
pelas plataformas. Em diversos pontos, havia as costumeiras placas publicitárias, com
propaganda de refrigerantes, chocolates e cigarros - tudo em alemão, claro. Selena tentou
decifrar algumas palavras para ver se entendia algo. Pensou em como gostaria de saber outras
línguas. Estudara espanhol nos primeiros anos do segundo grau, mas não tinha certeza se
saberia conversar nesse idioma, caso precisasse. Ficara admirada com Alex, ao saber que ele
falava várias línguas. E se expressava muito bem em inglês, inclusive. Era um rapaz tão legal!
Nesse momento, a porta da cabine se abriu. Por um instante, Selena teve esperanças de
que fosse Alex. Achou que talvez ele houvesse tido coragem de voltar, apesar da fria recepção
de Marta. Não. Era um senhor de cabelo grisalho, que carregava uma pasta preta. Ele pegou
sua passagem, para verificar o número da poltrona, e em seguida guardou-a novamente no
bolso do paletó. Ainda parado à entrada, cumprimentou-as em alemão.
Marta deu um sorriso meio tenso e ficou a olhá-lo. O homem correu os olhos pela
cabine, dando um educado aceno de cabeça para cada uma. Afinal, dirigiu-se a Marta, ainda
em alemão, apontando para o assento junto a janela. Ela não respondeu.
- Acho que a senhora está no lugar dele, disse Selena.
- Isso mesmo, interveio o recém-chegado, falando na língua delas. Essa poltrona é a
minha, mas não tem importância. Eu sento aqui.
A tia de Cris fez um aceno agradecendo.
- Acredito que as três são irmãs e estão viajando juntas, principiou o homem.
- Não! Não somos irmãs, não, explicou Marta com uma risada. Esta aqui é minha
sobrinha e a outra jovem é amiga dela.
- Pois as três parecem irmãs, insistiu ele.
O homem tinha uma voz melosa e um olhar insinuante. O aroma de sua loção após
barba era forte demais; chegava a ser enjoativo.
Oh, não pensou Selena, girando os olhos. Será que esse cara pensa que é um galã
irresistível? Não acredito que a Marta esteja praticamente entrando nojogo de galanteios
dele! Eu e a Cris pelo menos não ficamos de palavrinhas melosas com Alex. Nossa conversa
com ele foi até profunda. Como é que a Marta pode achar ruim conosco se ela própria está
agindo assim com um desconhecido?
- Vamos para Basiléia, disse a tia de Cris. Talvez você possa indicar-nos um bom
restaurante. Os comissarios ainda não trouxeram a refeição para nós até agora. E estamos
todas com fome.
- É; nesta parte do trajeto o serviço de bordo não e muito bom, explicou o homem.
Aliás, eu até já ia lá tomar um café. Quer que eu traga para todas vocês?
- Pra mim não precisa, não, disse Cris.
- Nem pra mim, ajuntou Selena.
- Seria muita bondade sua, Sr...., falou Marta, fazendo uma pausa e esperando que o
homem se apresentasse.
- Gernt, respondeu ele prontamente. E você é...?
- Marta, disse ela, falando devagar e com bastante clareza, acgando que, sendo ele
estrangeiro, talvez não conseguisse compreender seu nome.
Antes, porém, que Gemot se levantasse para ir buscar o café, apareceu um garçom a
porta, empurrando o carrinho de refeições. O desconhecido pegou um café e um pãozinho
para Marta, insistindo em pagar. Depois, comprou tabletes de chocolate para todas elas.
E a viagem prosseguiu. Durante algum tempo, cerca de uma hora, Selena ficou sentada
quieta, fingindo que dormia. Na realidade, chegou a cochilar, mas continuava ouvindo o
diálogo adocicado de Marta com Gernot e, por isso, não caiu no sono.
Isso é muito engraçado! pensou. Marta pôs a gente de castigo aqui, só porque
conversamos com Alex no restaurante. E foi um papo sem nenhuma maldade. Agora ficamos
fechadas aqui dentro desta cabine ouvindo essa mulher de meia-idade mantendo um diálogo
meloso com esse sujeito de “fala macia”, de loção malcheirosa!
Pensando no que poderia acontecer em seguida, a garota começou a ficar tensa. Não
tinha a menor idéia do que Cris estaria pensando e sentindo. Não via a hora de o trem parar
para as duas poderem conversar sobre aquilo tudo. Aliás, já deviam estar quase chegando a
Basiléia.
Olhando para fora, Selena via colinas verdejantes e, vez por outra, uma casinha em
estilo antigo, com detalhes de madeira na fachada. Para o sul, via-se uma imensa floresta de
pinheiros altos. Devia ser a Floresta Negra. Se fosse, isso significava que já se achavam bem
perto de seu destino, pois a cidade de Basiléia ficava nos limites dessa região.
Pensou se Alex também estaria olhando a paisagem nesse momento. Será que se achava
do mesmo lado do trem? Será que estava vendo aquelas serras maravilhosas e pensando nela,
assim como ela pensava nele?
Repassou toda a conversa que haviam tido no carro-restaurante, e o que falaram depois
que pararam com as piadinhas. Alex dissera que estudara inglês sozinho, para melhorar o
conhecimento da língua, e depois aprendera francês também. Além disso, falava russo,
alemão e um pouco de italiano. Ele ja concluíra o segundo grau e estava se preparando para
entrar numa faculdade. Pretendia fazer Economia. Selena suspirou. O rapaz parecia ser muito
inteligente e, ao mesmo tempo, muito legal.
A paisagem tranquila continuava passando diante de seus olhos. A garota ficou a
contemplar a relva verde, os animais pastando na encosta das colinas, os arbustos com
frutinhas silvestres. Todas as casas tinham telhados vermelhos. À frente delas, crianças
brincavam alegremente. Tudo parecia perfeito naquele mundo que lembrava um local
cenográfico. Se ela pudesse ver o Alex e conversar com ele mais uma vez, pensou, o seu
mundo particular também seria perfeito.
Capítulo Quatro
Quando já estavam entrando em Basiléia, Gernot com seu “maravilhoso” perfume,
ofereceu-se par levar Marta e as garotas de carro até o hotel, convidou-as também para
almoçarem com ele no seu restaurante preferido. A tia de Cris recusou explicando que já
tinham outros compromissos agendados. Até esse momento, ela havia conversado
animadamente com o estrangeiro. Contudo, ao ouvir a oferta dele, rejeitou-a imediatamente.
Depois que desembarcaram, Gernot ainda permaneceu uns minutos ao lado delas, ajudando-as
a recolher toda a bagagem e orientando-as sobre a direção que deveriam tomar.
Tudo resolvido, Marta agradeceu-lhe e logo saiu caminhando em passos firmes pela
plataforma superlotada. Selena fez o possível para se concentrar em acompanhá-la, mas de
tempos em tempos virava-se para trás à procura de Alex. Tinha a certeza de que, se o
encontrasse, seu coração iria dar um salto. Contudo ficaria contente se pudesse apenas vê-lo,
ainda que à distância, dando-lhe um sorriso e um aceno.
Entretanto não havia nem sinal de Alexander. Não o viu na plataforma, nem no interior
da estação, nem na fila da alfândega, nem na rua onde foram pegar um táxi. Gernot também
parecia ter evaporado.
Sentada no banco traseno, a garota ainda deu uma olhada para trás. Examinou o enxame
de gente que circulava nas proximidades da estação. Nada de Alex.
Talvez ele telefone para o hotel, cochichou-lhe Cris, inclinando-se para ela e
interrompendo sua linha de pensamento.
- Puxa! Estou dando tanto na vista assim? indagou Selena.
- Parece que ele gostou muito de você, não foi? perguntou a amiga.
Selena sorriu timidamente.
- Ele sabe em que hotel vamos ficar, continuou Cris, procurando consolá-la. Sabe o que
pretendemos fazer durante o resto da semana. Ele vai telefonar. Você vai ver.
A poucos quilômetros da estação, o táxi diminuiu a marcha e parou.
- Quanto é? indagou Marta assim que desembarcaram.
Enquanto ela contava o dinheiro, as duas garotas pegaram as malas. Alguns minutos
depois, já no quarto, a tia de Cris ainda reclamava do valor da corrida.
- Nunca em minha vida peguei um táxi tão caro! disse ela.
Consultou o relógio de pulso e fez um gesto para que as garotas fossem para o quarto
delas, que era contíguo ao seu.
- Meninas, daqui a quarenta e conco minutos temos a entrevista com o diretor da escola.
Rápido, vão se aprontar! Também vou me arrumar!
Selena jogou-se na cama larga, coberta com uma colcha branca muito macia.
- Arrumar! resmungou ela. Quero mais é dar uma boa dormida!
- Não! interveio Cris prontamente. Temos de ficar acordadas, lembra? Vá tomar um
banho que você desperta.
- Pode ir você, respondeu a garota. Vou tirar um cochilo!
Cris foi para o banheiro e Selena relaxou na cama sofá, sentindo-se como que flutuando.
Recordou a sensação que experimentara quando Alex a olhara com admiração e como fora
agradável o contato da mão quente do rapaz.
- Pronto! Agora é sua vez! falou Cris, dando um tapinha no pé de Selena e
interrompendo seus sonhos.
- Como você é cruel! Eu estava chegando na melhor parte do sonho, comentou a garota,
virando-se na cama.
Olhando a amiga com os olhos meio fechados, pegou uma almofada e atirou nela.
- Errou! disse Cris. Vamos lá! O banho foi ótimo, e quando você vestir uma roupa
fresquinha vai se sentir melhor.
Selena se levantou com gestos lentos e demorados e foi caminhando para o banheiro
meio tropegamente.
- Não vou conseguir ficar acordada, falou.
- Vai sim, insistiu Cris. E se você tiver juízo, estará pronta dentro de cinco minutos.
- ‘Ta bom!
Selena esforçou-se para sair daquele estado de sonolência em que se achava. A última
coisa que queria na vida era irritar Marta. Entrou no boxe, guarnecido de azulejos brancos e
azuis. E afinal conseguiu tomar uma chuveirada rápida, pois não lavou a cabeça. Segurou o
cabelo com uma das mãos para que não molhasse. Deu menos trabalho do que teria se o
lavasse e depois tentasse arrumá-lo. Sorriu consigo mesma ao se lembrar de que Alex dissera
que seu cabelo era lindo. Ele era um cara diferente de todo mundo. Selena virou-se de frente
para o jato d’agua, deixando-a escorrer pelo rosto. E, realmente, Cris tinha razão. Quando saiu
do banho, sentia-se bem melhor.
Vestiu um short e uma blusa de malha. Abriu a porta do banheiro e saiu soltando uma
exclamação:
- Pronto!
Cris estava no meio do quarto, enxugando o cabelo com uma toalha. E tinha posto um
vestido.
- Será que eu também tenho de por um vestido? Indagou Selena.
- Não; tudo bem. Você pode usar o que quiser, replicou Cris. Mas como já sei o que
minha tia quer que eu vista...
- É, desta vez acho que posso ir de short, continuou a garota, atirando as roupas usadas
na cadeira que se achava perto da mesa. Mas, se tivermos de ir a algum lugar onde eu precise
usar roupas mais elegantes, não vou ter o que vestir. Não trouxe nem minha saia “indiana”.
Ela rasgou, lembra? Foi por isso que tive de pegar seu vestido amarelo emprestado para o
casamento de Trícia.
- Não se preocupe. Você está ótima assim. Tenho certeza de que iremos fazer algumas
compras aqui em Basiléia.
Cris remexeu em sua sacola de viagem e retirou dela uma bolsa de couro com alça
tiracolo.
- Você está com seu passaporte aí, e tudo o mais? continuou a jovem. A escola fica
perto da fronteira, na Floresta Negra. Talvez precisemos apresentar os documentos.
- Vou pegar o meu, disse Selena.
Nesse instante, ouviram Marta batendo a porta com suas longas unhas. A garota calocou
o sapato baixo e pegou a mochila.
- Estão prontas, meninas? indagou a tia de Cris, abrindo a porta e entrando.
Uma onda de um perfume forte veio junto com ela.
- Selena, você ainda não se aprontou? continuou a tia.
- Eu falei com ela que pode ir assim, tia, explicou Cris prontamente. Ela não tem
nenhum vestido. Só shorts e jeans. A gente vai precisar fazer umas compras aqui.
Imediatamente os olhos de Marta brilharam.
- Excelente idéia! exclamou. Quando voltarmos da escola, podemos talvez passar em
algumas lojas.
Na mesma hora, Selena entendeu algo. Quando tivesse conflitos com Marta, era só
dizer-lhe que queria sair para fazer compras!
- Cris, disse Marta, concentrando a atenção na obediente sobrinha, você não vai sair
com esse cabelo molhado, vai?
- Ele acaba de secar no caminho, tia. Selena, esta com a chave do nosso quarto?
E a jovem foi caminhando em direção ao elevador. Marta e Selena a seguiram.
- É um hotel muito bom, comentou Cris, enquanto aguardavam que o elevador chegasse
ao andar delas.
- Não é ruim, não, concordou a tia. É simples, mas bem limpo. Tudo muito certo e
eficiente, como a maioria dos hoteis europeus. Mas, pelo preço, esperava que os quartos
fossem um pouco maiores.
- Pra mim, esta ótimo, insistiu Cris, jogando o cabelo para as costas.
Seu gesto irritou a tia.
- Você, com essa mania de ter cabelo comprido... Não sei como vai sair com esse cabelo
ensopado. Por que esse elevador está demorando tanto? indagou ela, batendo a ponta do pé
impacientemente.
Nesse instante, soou a campainha que havia no alto da porta e ela se abriu. Uma pessoa
saiu do elevador: Alex.
- Ola! disse ele. Eu já ia procurar vocês!
Selena sorriu para o rapaz e em seguida olhou para Marta. O rosto da tia de Cris ficara
vermelho. Ela parecia furiosa!
- Foi muita bondade sua, disse a tia, mas estamos de saída. E com pressa.
Com isso, ela passou pelo rapaz e entrou na cabine, logo apertando o botão do térreo.
- Vamos, meninas! ordenou ela.
Selena foi andando lentamente e passou ao lado de Alex.
- Oi! disse para ele.
O rapaz estendeu a mão e rapidamente tocou de leve nosdedos dela.
- Desculpe, Alex. Estamos de saída, explicou Cris, procurando amenizar a situação.
- É, eu sei, replicou o rapaz. Vocês vão a Schwarzwald Volkschule, quero dizer, a
Escola Popular da Floresta Negra. Meu primo me emprestou o carro dele. Pensei em levá-las
lá.
Ele permaneceu do lado de fora do elevador, e as três, dentro. Com um movimento
brusco, Marta apertou o botão de fechar a porta.
- Não é preciso, obrigada, falou ela no momento em que a porta se fechava.
Quase sem acreditar no que estava acontecendo, Selena desviou os olhos da tia de Cris e
fitou o rapaz.
- Sinto muito, falou ela no instante que a porta acabou de se fechar com um ruído surdo.
- Sente muito? interveio Marta, olhando para a garota com expressão de espanto. Sente
muito de quê? De ter dito a um desconhecido aonde vamos? É, você deve estar mesmo muito
sentida! Não entendo como vocês puderam ser tão insensatas! E você, continuou ela, olhando
para Cris e apontando-lhe o dedo, você sabe muito bem que não deveria ter uma atitude
dessas. Por que deixou que sua amiga contasse para ele o que vamos fazer?
- Fui eu que contei, respondeu a jovem em tom firme. Isso não é justo, Tia Marta. Alex
é um rapaz muito legal. Estava apenas querendo nos ajudar. A senhora mesmo já disse que os
táxis aqui são muito caros. De que outro jeito podemos ir à escola?
- É, mas nos vamos de táxi, claro. Pago qualquer preço pela nossa segurança. Seria
loucura aceitar a ajuda de um rapaz totalmente desconhecido, quando estamos tão longe de
casa. Olha, se o Alex estiver no saguão quando o elevador abrir, vocês duas façam o favor de
não conversar com ele. Se ele insistir, vou dar queixa à gerência do hotel, concluiu ela,
bufando.
Nesse momento, a porta do elevador se abriu. Alex não estava por ali. Selena ficou
alegre por isso. Receava que ele tivesse algum problema se Marta desse queixa dele. Ao
mesmo tempo, porém, sentiu tristeza. Certamente o rapaz não iria ter coragem de aparecer
mais uma vez, correndo o risco de irritar a tia de Cris de novo. Então, era bem provável que
Selena nunca mais o visse. A não ser que...
Não, fez Selena mentalmente para afastar o pensamento que lhe ocorrera. Não seria
certo sair escondido para se encontrar com ele. Entretanto o rapaz deixara claro que desejava
vê-la novamente. Tinha dado uns olhares significativos para ela. Passara a mão nos dedos
dela, e aquele contato fora maravilhoso!
Talvez eu possa descer hoje à noite para o saguão e dar um jeito de mandar um recado
pra ele vir se encontrar comigo aqui, pensou ela. Poderíamos conversar aqui mesmo. Assim
não estaria exatamente saindo escondida.
Antes, porém, que seu pensamento fosse mais longe, ela se recordou de que estava ali
sob a responsabilidade de Marta, como convidada desta. Os pais dela haviam dado muitas
recomendações pelo telefone, antes da viagem. Relembraram-lhe de que deveria sempre
respeitar Marta e falar a verdade com ela.
“Esperamos que, quando tiver de tomar alguma decisão, você aja com a Marta da
mesma forma como age conosco”, disseram eles. “Não pense, Selena, que nessa viagem você
já poderá agir com toda independencia. Não.”
É, mas se meus pais estivessem aqui, pensou ela, racionalizando, eles não se
importariam de eu me encontrar com Alex. Iriam gostar dele.
Marta fez sinal para um táxi que passava e elas o tomaram. As três ficaram em silêncio
durante todo o trajeto até a escola, que distava uns dezoito quilômetros dali. Entretanto o
coração e a cabeça de Selena não estavam calados. Por que ela deveria obedecer quando a
pessoa que tinha de respeitar não estava sendo justa?
Selena tinha certeza de que, se estivesse na companhia de sua mãe, e não na da tia de
Cris, aquela cena tão constrangedora não teria acontecido. A mãe dela teria gostado do Alex
imediatamente. A garota sabia que sua mãe compreenderia se ela tivesse de desobedecer a
Marta, já que esta se mostrava tão severa. Isto é, se ela conseguisse desobedecer.
A cabeça dela estava a mil, pensando no que poderia fazer. Ela e Cris ocupavam um
quarto separado. Talvez Alex tentasse ligar para elas. Tinha a impressão de que o rapaz não
iria desistir com facilidade. E Cris certamente ficaria do lado da amiga. Rapidamente Selena
arquitetou um plano. Era meio arriscado, mas tinha de correr certos riscos.
Queria ver Alex de novo a qualquer custo.
Capítulo Cinco
- E aqui é a sala dos computadores, disse o Sr. Pratt, o diretor da escola, ao final da
visita que faziam pelas dependências dela.
Era um homem grandalhão, de modos amistosos, e Selena gostou dele assim que o viu.
Tinha a sensação de que Cris também gostara, o que era muito bom. Como a jovem teria de
tomar uma decisão em pouco tempo, aquela primeira impressão iria pesar bastante. Pelo fato
de o diretor ser um homem tão agradável, Cris estaria mais inclinada a gostar da escola.
- Os alunos têm de entregar todas as tarefas em disquetes, continuou ele. Obviamente,
aqueles que possuem um laptop podem utilizá-lo. Mas nosso equipamento aqui se acha ao
dispor de todos.
- Excelente! exclamou Marta, admirando as fileiras de mesinhas com os aparelhos. Não
há dúvida de que se trata de uma ótima instituição. Tenho de confessar que não esperava que
fosse tão moderna.
- É, replicou o diretor, aqui na Europa noós demoramos um pouco para aceitar a idéia de
cada um ter o próprio computador. Mas nossa escola tem tido a bênção de contar com
diversos mantenedores generosos. E eles se empenham para que estejamos modernizados e
possamos atingir adequadamente nossos objetivos educacionais. Nossos cursos, todos de nível
superior, são reconhecidos, e precisamos ter situações de aplicação prática do aprendizado.
Nesse momento, o Sr. Pratt consultou o relogio.
- Por favor, me dêem licença um momentinho. Tenho de ir ao meu gabinete. Estou
esperando uma outra pessoa hoje, e ela deve estar me aguardando lá.
- Não vamos tomar mais do seu tempo, interveio Marta. Aliás, o senhor foi muito gentil
em nos conceder sua atenção até agora. Mas tenho certeza de que a Cris deve querer conhecer
os dormitórios. Será que podemos marcar uma outra hora para visitar os alojamentos?
- Não será preciso, não, respondeu o homem, podemos ir agora mesmo, se desejarem.
Só quero dar uma passadinha no meu gabinete enquanto estivermos indo para lá.
O diretor apagou a luz da sala e foi saindo com elas, conduzindo-as pelo longo corredor.
- Quantos alunos vocês têm este ano? quis saber Cris.
- No presente momento, estamos com cerca de oitocentos matriculados, explicou ele. É
o maior grupo que já tivemos. É claro que, para muitos deles, esta escola é apenas um órgão
central, onde mantêm seus registros.
- Como assim? indagou Marta.
Temos várias unidades, explicou ele, que chamamos de cursos “localizados”. Os alunos
se matriculam aqui, mas o ensino e o trabalho acadêmico se desenvolvem em diversos lugares
do mundo. Nós temos, por exemplo, cinquenta matrículados em nosso curso de Israel. Temos
outros cem na Austrália, que fazem Antropologia. Mais de um terço de nosso corpo estudantil
se encontra nesses centros.
- Eu não sabia disso, comentou Cris. O senhor pode me dizer algo sobre o orfanato de
Basiléia?
- Claro. Aliás, vocês pretendem ir lá amanhã, não é? Acho que eles as esperam por volta
de 10:00h.
Nesse instante, chegavam ao gabinete do diretor, e ele abriu a porta. Era um aposento
pintado de cores brilhantes. O Sr. Pratt fez sinal para que entrassem.
- Precisamos saber direitinho onde fica, interveio Marta, entrando na sala, para
orientarmos o motorista do táxi.
Com o canto do olho, Selena notou que havia alguém sentado num sofá, junto a parede.
Ele se levantou para cumprimentá-las.
- Eu posso levá-las, disse uma voz grave.
- Alexander! exclamou o Sr. Pratt.
O homem adiantou-se rápidamente para o rapaz e se pôs a conversar com ele em
alemão, falando bem depressa. Pareciam estar trocando cumprimentos calorosos.
Selena sentiu o coração bater forte. Imediatamente olhou para Marta e viu que a tia de
Cris tinha uma expressão de quem sofrera um forte abalo.
- Ah, me desculpem! pediu o Sr. Pratt. Fazia muitos anos que eu não via este rapaz. Ele
esta morando em Moscou agora. Alex, eu gostaria de lhe apresentar...
Antes, porém, que ele concluisse a apresentação, o rapaz o interrompeu.
- Já nos conhecemos, disse ele, os olhos fixos em Selena. Talvez o senhor possa
tranquilizar a tia de Cris. Diga para ela que não sou nenhum malfeitor.
- Ah, eu não... principiou Marta gaguejante. Quero dizer, era uma situação meio
estranha, era só isso. Hoje em dia, por mais cuidado que a gente tenha com a segurança, ainda
é pouco, não é?
O Sr. Pratt passou um braço pelo ombro do Alex e em seguida falou:
- Eu lhe garanto que este rapaz é uma pessoa correta e altamente confiável. Não precisa
ter o menor receio com relação a ele. Aliás, vamos fazer o seguinte. Iremos visitar o
dormitório e depois vocês virão tomar café conosco.
- Oh, não! Tudo bem! Não é preciso, replicou Marta imediatamente.
- Faço questão! insistiu o diretor. Gostaria muito que viessem à minha casa.
- Obrigada! respondeu Cris tranquilamente.
Ainda bem que uma delas estava com a cabeça no lugar para aceitar educadamente o
convite do Sr. Pratt. Selena não conseguia nem falar nada. Estava feliz demais. Não parava de
sorrir.
Alex também parecia muito satisfeito. Assim que eles foram para o corredor, ele deu um
jeito de se emparelhar com a garota. Saíram pela porta principal e se dirigiram para o
dormitório. O Sr. Pratt explicou que aquela era uma das cinco grandes construções
administradas pela escola. Havia um grande refeitório onde os alunos faziam as refeições
juntos. Aos sábados pela manhã, todos eles tinham tarefas no cuidado da casa.
Durante a visita ao prédio, Alex ficou o tempo todo ao lado de Selena, cheio de
perguntas, como que fazendo uma “visita” a vida dela. Os dois ficaram um pouquinho atrás
dos outros, e ele lhe indagou a respeito de sua familia, de seus estudos, de seu trabalho na
confeitaria Mother Bear e, por fim, dos seus hobbies, que ele pronunciou “hobbits”.
- Meus o que? indagou a garota, dando uma risadinha.
- Seus divertimentos. O que você faz para se divertir? explicou ele. Você sabe esquiar,
por exemplo?
- Sei, respondeu ela.
- Então esquiar é um divertimento pra você.
- Ah, sei. Um passatempo. É, gosto de esquiar, sim. Aliás, gosto de esportes em geral,
graças ao meu pai e a meus quatro irmãos.
- E quais sao os que você gosta mais? disse ele, abrindo a porta para Selena, pois nesse
momento estavam saindo do prédio.
A garota adorava ser tratada com cavalheirismo.
- Meus esportes prediletos? repetiu. Gosto de fazer caminhadas e de acampar.
- Ah, então você vai adorar a Suíça. Temos de programar uma caminhada aqui.
Selena ergueu os olhos para ele. Uma mecha rebelde do seu cabelo escuro estava se
soltando do restante e se enroscando.
Ele me lembra o Paul, pensou. Não na aparência, mas no jeito de ser. Ambos tinham
personalidade forte. E Alex a fitava do mesmo jeito que Paul a olhara no dia em que se
conheceram. Só que Paul era mais velho. Aliás, era muito velho para Selena. E se achava bem
longe dali, na Escócia. Selena se encontrava na Suíça, ao lado de Alex. Por que então ficava
pensando em Paul? E por que tinha de estar comparando Alex com alguém? Era um rapaz
maravilhoso, com um modo próprio de ser, e ela estava adorando receber as atenções dele.
O Sr. Pratt foi conduzindo-os estradinha abaixo. Andaram quatro quadras pequenas.
Passaram por uma horta muito bem cuidada, abarrotada de hortaliças como ervilhas, alfaces,
repolhos, etc. Havia até um pe de tomate-cereja amarrado a uma cerca baixa. Chegaram a uma
casa alta e estreita, com estrutura típica dos Alpes. Pararam à porta de entrada e ele disse:
- Por favor, fiquem a vontade. A casa é de vocês.
Em seguida, abriu a porta e gritou algo em alemão. Instantes depois, surgia uma senhora
gorda, de aspecto severo, usando uma roupa simples e um avental. O diretor continuou
conversando com ela em alemão, e Selena teve a impressão de que a mulher os fitava de
modo significativo.
- É a esposa dele? cochichou para Alex.
- Não, replicou o rapaz também cochichando. A mulher dele morreu uns anos atrás. Esta
deve ser a empregada. Ele está lhe pedindo que prepare um lanche para nós. Ela esta dizendo
que ele não avisou com antecedência. Ele vai ver o que tem aí para se comer.
A garota teve vontade de rir, mas se conteve. Era tão legal ter um tradutor só para ela! E
mais legal ainda era o fato de ele estar cochichando ao seu ouvido!
O Sr Pratt os conduziu para a sala de visitas, dizendo que voltaria daí a alguns instantes.
Os quatro se sentaram. Alex, Selena e Cris se acomodaram num sofá, enquanto Marta preferiu
uma poltrona de encosto alto. A sala era pequena, mas estava bem arrumadinha. Na parede,
acima da lareira, havia um quadro retratando um braço de mar sobre o qual se via uma ponte
muito bonita e elaborada. A moldura do quadro, em tom dourado, também era belíssima.
Selena se pôs a examinar a tela demoradamente, e Alex se inclinou para ela e disse:
- É a “Ponte dos Suspiros”, de Veneza. Você sabe, né? Já esteve lá?
- Não, respondeu.
- Eu já, interveio Marta. Eu e o Robert estivemos lá muitos anos atrás. É uma cidade
linda, não é, Alex? Tudo ali é muito caro, é óbvio. Mas a comida é muito boa, não acha?
Ninguém respondeu. Parecia que os três jovens se achavam abismados pela súbita
mudança no modo como a tia de Cris tratava o rapaz.
- É claro que gosto mais de Paris, continuou Marta. Não existe outra cidade na Europa
que se compare a ela. A comida, as lojas, os museus...
- Então a senhora iria gostar muito de Moscou, comentou Alex. A cidade é uma obra-
prima. E falando de museu, não existe nada igual ao Hermitage, de São Petersburgo. A
senhora precisa ir lá para ver.
Selena teve a impressão de que Marta ficou um pouco tensa. Sua expressão era clara.
Dava para perceber que a idéia de visitar a antiga União Soviética não lhe agradava nem um
pouco. Felizmente, nesse momento, o Sr. Pratt voltou trazendo um prato com biscoitos. Seu
rosto estava avermelhado. Ao que parecia, o comando de sua própria casa não estava em suas
mãos, como o da escola estava.
- Desculpem-me por tê-los deixado sozinhos aqui, disse ele. Frau Weber já vai trazer o
café. Todos aqui tomam café, não tomam?
Eles fizeram que sim, e Selena os acompanhou. A verdade era que não gostava muito de
café. No que dizia respeito a bebidas quentes, preferia chá, principalmente os de ervas com
sabor de frutas. Ao que parecia, todo mundo na Alemanha tomava café. O pai dela iria se dar
muito bem ali.
Afinal Frau Weber, ainda com expressão meio carrancuda, surgiu trazendo uma bandeja
com o café. Era um café forte e escuro, servido em xícaras de porcelana. A mulher colocou a
bandeja sobre a mesinha do centro e em seguida saiu, soltando um bufo de raiva.
- Por favor, pessoal, disse o Sr. Pratt, recuperando a calma, sirvam-se. E então, Alex,
como vai sua família?
Selena estava adorando ficar ali sentada ouvindo o rapaz falar. Com movimentos
cuidadosos, ela colocou a xícara no colo e em seguida tomou um golinho. Apesar de ter
misturado muito leite e de ter adoçado bem, ele ainda lhe pareceu muito forte.
O quente Sol de verão, entrando pela janela aberta, criava a sensação de que a sala era
minúscula. Selena se achava sentada entre Alex e Cris. Apesar de estar adorando ficar ali
escutando o rapaz falar sobre a familia dele, ela daria tudo por um copo de água gelada e um
lugar mais perto da janela.
E Alex continuava falando com muito carinho a respeito dos pais. Quando ele não sabia
uma palavra na língua das três visitas, ele introduzia um termo em alemão. Em seguida, o Sr.
Pratt o traduzia para que Marta, Cris e Selena não ficassem fora da conversa.
Marta estava muito à vontade; voltara a ser a mulher agradável e educada de sempre.
Houve um momento em que ela até riu de um caso que o rapaz contou sobre sua irmãzinha de
seis anos. Selena se admirou tanto que deu uma cutucada em Cris, que, por sua vez, também
lhe deu outra. Pelo visto, a tia de Cris estava vendo o rapaz com outros olhos, e isso
significava que Selena poderia esperar o melhor.
Capítulo Seis
Nquela noite, porém, já de volta ao hotel, Marta derrubou todas as esperanças de Selena.
- Não precisa começar a achar, disse ela para a garota, que concordo com a idéia de
você ter um namorinho com esse russo, não, ouviu, Selena? O que os seus pais iriam pensar?
A garota sabia muito bem o que os pais iriam pensar. Tinha certeza de que eles a
consideravam uma garota madura e com idade suficiente para tomar decisões a respeito de
seus namoros. E eles sempre gostavam dos amigos dela. De todos eles. Gostariam do Alex
também.
Antes, porém, que abrisse a boca para se defender, Cris saiu do banheiro e aproximou-
se das duas. Estava de pijama e com a escova de dentes na mão.
- Tia Marta, interveio ela, a senhora mesma viu que o Alex é um cara sensacional. Ele
nos trouxe de volta ao hotel; levou-nos pra jantar e pagou tudo. Esse rapaz é legal demais!
Não tem problema nenhum a Selena fazer amizade com ele. Sou totalmente a favor, concluiu
a jovem.
- Vá escovar os dentes, Cristina, replicou Marta bruscamente. Essa conversa é entre
mim e Selena.
Em vez de obedecer, Cris adiantou-se e parou perto da amiga, que se achava sentada na
cama. A tia estava em pé, de frente para Selena. Assim Cris se posicionou entre as duas, como
um “amortecedor”.
- Na verdade, é entre nós três, insistiu ela. Selena é minha amiga e fui eu quem a
convidou para vir conosco. Eu também estou gostando muito do Alex, tanto quanto ela. E
amanhã, quando ele vier nos pegar para nos levar ao orfanato, essa questão toda vai envolver
nós quatro.
Selena teve a impressão de que a escova que a amiga segurava estava ligeiramente
trêmula. Será que Cris enfrentava a tia assim muitas vezes, ou não? Ou quem sabe, nesse
momento, ela estava apenas dando a impressão de ser firme e corajosa?
- Se a senhora concordar, tia, continuou Cris, eu gostaria que chegássemos a um acordo
a respeito do Alex agora, para que amanhã não tenhamos mais situações constrangedoras.
Esse rapaz é um crente firme. Parece que ele gostou da gente e não se importa nem um pouco
de nos servir de “guia turístico”. Eu gostaria muito que a senhora aprovasse nossa amizade
com ele. Por favor, confie em nós e trate bem o Alex.
- Eu o tenho tratado muito bem! exclamou Marta, caindo na defensiva.
- Só depois que a senhora ficou sabendo que o Sr. Pratt o conhecia e gostava dele,
interveio Selena, falando com certa cautela.
Contudo assim que ela acabou de falar, reconheceu que devia ter ficado calada,
deixando que só a Cris tentasse acalmar a tia.
- Você não entendeu nada! respondeu Marta, virando-se bruscamente para Selena.
Gente, por favor, entendam, vocês o conheceram no trem. Como é que poderiam saber que
não corriam perigo com ele?
Selena pensou um instante e depois respondeu tranquilamente:
- Ele é crente!
A tia de Cris ergueu os braços e olhou para o teto.
- Por que será que não consigo mostrar para essas duas sonhadoras inocentes como é
que os homens são? Gente, não se pode confiar nos homens, não, independentemente do que
eles disserem! E quanto mais depressa as duas “crescerem” e acreditarem no que estou
dizendo, melhor para nós todas! concluiu ela, abanando a cabeça e apertando os lábios com
raiva.
Parecia que ela estava querendo dizer mais alguma coisa, mas se conteve para não fazê-
lo.
- Vocês não sabem de nada! soltou ela afinal. Vocês duas simplesmente não entendem
nada!
Em seguida, ela se virou e foi para o seu quarto, fechando firmemente a porta de
comunicação que havia entre os dois aposentos. As duas garotas se entreolharam sem falar
nada.
- Que será que ela queria dizer? indagou Selena. Será que, quando ela era jovem, teve
uma decepção amorosa com um rapaz e agora acha que tem de proteger a você e suas amigas
para que não cometam o mesmo erro dela?
- Puxa! exclamou Cris devagar, jogando-se na cama com os olhos fitos na porta de
comunicação.
Ela ficou uns momentos em silêncio e depois continuou:
- É, talvez você tenha razão. Nunca tinha pensado nisso.
- Seu tio parece ser muito legal, comentou Selena. Não consigo imaginá-lo causando
sofrimento a sua tia. Deve ter sido algum outro namorado que ela teve antes dele. É, pode ter
sido um cara lindão da escola, que deu o fora nela.
- Que imaginação você tem! exclamou Cris.
- Isso pode ter acontecido, sim, insistiu Selena. Ela já lhe contou algo assim?
Cris encolheu as pernas, sentando-se sobre elas.
- Houve uma época em que achei que Tia Marta guardava algum segredo. Aí fiquei
sabendo que ela tinha tido uma filha, pouco antes de eu nascer.
- Está brincando! disse Selena, procurando uma posição mais confortável na cama
macia. E o que aconteceu?
- A criaça era prematura e teve paralisia cerebral, ou algo assim. Morreu um dia antes de
eu nascer.
- Que pena! comentou Selena em voz suave.
- É mesmo! concordou Cris. É por isso que minha tia me trata desse jeito. Um tempo
atrás, minha mãe disse que ela faz por mim o que gostaria de ter feito pela filha.
- E a Marta já conversou com você sobre isso? quis saber a garota.
- Nunca. Mamãe disse que ela não conversa sobre isso com ninguém. Ela me contou
algo, dizendo que eles não podem ter filhos, mas esqueci o que foi. Aliás, conversamos sobre
isso uma vez só, explicou Cris, jogando para trás o cabelo sedoso. Mas en nunca havia
pensado no que você disse agora a pouco. É, pode ser, sim, que ela tenha sofrido alguma
decepção com um cara, quando era jovem. E depois, ainda por cima, perdeu a única filha que
teve. Deve ser por isso que ela resiste tanto quando se fala de Deus.
- Isso mesmo, concordou Selena. Acho que seria muito difícil confiar num Deus que
deixa acontecer essas tragédias com a gente.
Cris acenou afirmativamente com ar pensativo.
- Mas também, principiou ela, muito do que acontece conosco é consequência de nossos
atos, e não de Deus deixar que nos sobrevenham tragédias.
- Você acha que foi isso que se passou com sua tia? indagou Selena, surpresa com o
comentário que a amiga acabara de fazer.
- Bom, replicou Cris, com uma expressão seria nos olhos verde-azulados, todos nós
erramos. Mesmo depois que entregamos a vida para Jesus, ainda continuamos com a
tendência de “seguir nosso próprio caminho”. E se Tia Marta cometeu muitos erros no
passado, grande parte do sofrimento e da raiva que ela carrega agora provávelmente é
consequência das decisões que tomou na vida, e não atos de Deus.
Selena apoiou o travesseiro na cabeceira da cama e encostou-se nele.
- Estou curiosa pra saber o que foi, disse.
- Não tenha muita esperança, replicou Cris, levantando-se ainda com a escova de dentes
na mão. Minha tia não se abre com ninguém. Nunca.
Enquanto a amiga escovava os dentes, Selena ficou a olhar para o teto, pensando. O que
Cris acabara de dizer era como um desafio para ela. Havia muitos jeitos de fazer com que
alguém se abrisse. Um deles era provocar. Se Selena tivesse oportunidade, iria exercitar em
Marta sua grande habilidade para discutir. Ninguém deveria passar a vida toda tão fechada
assim. A tia de Cris precisava desabafar.
Então ocorreu-lhe um pensamento um tanto presunçoso! E se Deus a tivesse trazido
nessa viagem justamente para fazer Marta se abrir e remover a couraça de proteção que usava
em torno dela mesma? E se ela, Selena, estivesse ali com a missão de ajudar Marta a conhecer
o amor divino? Agradava-lhe a idéia de que Deus a havia escolhido para realizar tarefa tão
importante.
- Sabe o que mais? indagou Cris, retomando ao quarto e deitando-se na cama. Gostei da
escola.
Selena interrompeu suas fantasias de “heroína” cristã e voltou a “pisar no chão”,
concentrando-se no que a amiga dizia. Afinal, a verdadeira razão por que estavam ali era que
Cris ficasse conhecendo a faculdade onde talvez fosse estudar. O mínimo que ela poderia
fazer era dar todo o apoio a amiga, que deveria tomar uma decisão de tamanha importância.
- Então me fale do que achou dela, enquanto vou me arrumando pra deitar, pediu
Selena, remexendo na mochila à procura da escova de dentes e da camisola.
Cris enumerou vários fatores que considerava muito positivos na instituição. Enquanto
Selena lavava o rosto e escovava os dentes, a jovem mencionou diversas razões pelas quais
achava que deveria vir estudar nela.
- É, interveio Selena, parece que você gostou muito da escola. Então, por que ainda está
com uma certa hesitação? continuou ela, voltando para a cama e afofando o travesseiro. Puxa,
que cama deliciosa!
- É, sei disso, concordou Cris. É como se estivessemos flutuando em uma nuvem. Bom,
ainda não tenho certeza se virei para cá porque...
- Não precisa dizer, interrompeu Selena. É por causa do Ted, não é?
- Claro!
- O que ele acha de você vir estudar aqui? Na semana passada, ele disse que você É
quem teria de decidir. Ele já lhe falou o que realmente pensa?
- É isso que ele realmente acha, explicou Cris, colocando o braço sob a cabeça. Um dia
antes de viajarmos, ele disse que, se for para continuarmos juntos - que eu entendi assim: “se
for para nos casarmos” - esse ano que vamos passar longe um do outro não vai mudar nada
entre nós. Falou que isso até vai ajudar pra que a gente dê mais valor um ao outro, como
aconteceu quando ele foi pra Espanha. Nós ficamos ainda mais apaixonados.
- Acho que vocês dois se gostam muito. Por que simplesmente não se casam? Já sabem
que foram feitos um para o outro. Bom, pelo menos é o que todos acham. Vocês não pensam
o mesmo?
No rosto de Cris, surgiu uma expressão contemplativa, mas ao mesmo tempo alegre.
Para Selena, era o retrato de uma jovem apaixonada.
- Sabe o que é? O Ted sempre foi meio devagar, explicou Cris. Ou talvez eu devesse
dizer “cauteloso”. Os pais dele são divorciados. Ele quer ter muito cuidado antes de assumir
um compromisso. Quer ter certeza de que pode cumprir o que promete. Sabe que nunca
conversamos sobre casamento? Até achei que, no casamento de Douglas e Trícia, ele iria
falar, mas nãofalou.
- Eu tinha vontade de ter tirado uma foto de vocês dois quando saíram da igreja de
braços dados, comentou Selena. Os dois pareciam intensamente apaixonados. Eram os
próprios “Romeu e Julieta”. Acho que o Ted a ama muito, só que ainda não quer admitir.
- É, eu sei, concordou Cris, sorrindo. E eu o amo também, tenho certeza. Mas não sei e
se nós dois estamos preparados pra nos casar. Creio que essa possibilidade de passar um ano
longe dele vai ser muito boa pra nós. É como você disse outro dia, a gente pode começar a se
corresponder o que seria uma grande novidade.
- E muito romântico também, comentou Selena. Sempre sonhei em manter uma
correspondência com um rapaz por quem estivesse loucamente apaixonada.
- Com o Alexander, por exemplo?
O comentário de Cris espantou Selena. Na verdade, ela estivera pensando em manter
uma correspondência com Paul. Alguns dias antes, o irmão dele, o Jeremy, lhe dissera que
achava que a garota deveria escrever para o Paul, que se encontrava na Escócia. Desde então,
Selena ficara estudando a idéia. Na hora, o que ela respondera para Jeremy fora: “Diga a ele
pra me escrever primeiro”. Sabia que ele daria o recado ao irmão exatamente como ela o
dissera. Sabia também que Paul era meio parecido com ela, e não deixaria passar um
“desafio” desses.
- É, respondeu ela afinal, com o Alexander.
- Espere aí, interveio Cris, você não parece ter ficado muito empolgada com a idéia.
Não era bem no Alexander que você estava pensando, era?
- Não, concordou Selena. Estranho, né? Depois de tudo que aconteceu hoje, era de se
esperar que eu só pensasse nele. Mas estava pensando no Paul.
Ela já havia contado a Cris a respeito do Paul, mas nunca tinha confessado, nem para
essa amiga, nem para ninguém, o quanto pensava nele.
Cris foi abrindo os lábios num sorriso lento.
- Eu não imaginava isso, disse a jovem com um ar de satisfação.
- Imaginava o quê?
- Que o Paul é o seu Filipenses 1.7, explicou Cris.
- Meu o quê?
- O seu Filipenses 1.7. Uma vez, o Ted me mandou um coco do Havaí, com esse verso
gravado nele. Diz assim: “Eu vos trago no coração”.
Cris ergueu-se um pouco na cama e se inclinou para Selena. Em seguida, num tom em
que parecia estar falando de um grande segredo, cochichou:
- Selena, você traz o Paul no coração, não traz?
Capítulo Sete
Na manhã do dia seguinte, Selena tinha a sensação de que não havia dormido nada.
Despertara várias vezes durante a noite, por causa do sonho que estava tendo. Sonhava com
Alex o tempo todo. Ouvindo o despertador tocar, teve de acordar, mas sua vontade era dormir
de novo.
- Quer que eu tome banho primeiro? indagou Cris.
- Por favor, replicou ela. E demore bastante. E quando terminar não precisa me chamar,
não, resmungou.
Em seguida, virou para o canto. Puxou a coberta sobre a cabeça para não ver a claridade
do Sol que entrava pela janela.
- Selena! disse Cris, sentando-se na cama dela e sacudindo-a de leve. Acorde! Estamos
na Suíça! O Alex vai vir nos buscar!
- Pode ir tomar o seu banho, Cris, replicou ela.
- Já tomei, explicou a amiga. Você dormiu de novo. Levante. Temos de sair daqui a
pouco. Minha tia quer que desçamos dentro de quinze minutos pra tomar café.
- ‘Ta bom, ‘ta bom, já vou, disse ela, sentando-se na cama e tentando abrir os olhos.
Será que o cansaço que estou sentindo está estampado em minha cara?
- Depois que tomar banho vai se sentir melhor, tenho certeza, falou Cris. Você vai ver.
O chuveiro é ótimo. Tem muita aguá e ela está quentinha. Vai ser um dia maravilhoso!
Cris levantou-se e se pôs a remexer na mala, cantando em voz baixa.
- Não aguento gente que já levanta toda animada, comentou Selena, caminhando para o
banheiro meio trôpega. Lembre-se bem disso, Cristina, se quiser continuar viva.
- O banho vai lhe fazer muito bem! respondeu a outra em voz alta para a amiga que saía.
Selena não queria acreditar, mas era obrigada a reconhecer que Cris tinha razão. Ao sair
do chuveiro, sentia-se com a cabeça bem mais no lugar, e muito melhor do que se sentira dez
minutos antes. Enrolou-se na toalha e entrou no quarto. Cris se achava junto à mesinha do
canto conversando ao telefone. Usava um vestidinho leve e amarrara o cabelo no alto da
cabeça, fazendo um coque gracioso. Tinham visto muitas garotas da Suíça com esse penteado.
A amiga estava com uma aparência bem elegante, mas que a fazia parecer cinco anos mais
velha.
Ela olhou para Selena e sorriu, ainda com o fone no ouvido.
- Até este momento, sim, disse ela. Agora de manhã vamos ao orfanato... ‘Ta; vou sim.
Você também... O.k. ... ‘Tá; eu te ligo amanhã neste mesmo horário... Também estou com
muita saudade de você. Tchau!
Recolocou o fone no gancho e ficou uns instantes a olhar para o aparelho.
- Era o Ted? indagou Selena.
Cris fez que sim.
- Ele me ligou. Eu ia pedir a Tia Marta pra dar um telefonema pra ele daqui a uns dias,
mas aí ele me ligou. Disse que está com muita saudade e que esta orando por mim. Eu lhe
falei sobre o Alex.
- Falou? E o que foi que ele disse?
- Disse que espera que você entre nessa.
- Entre em quê? indagou Selena, rindo e vestindo um short.
- Você sabe. O relacionamento com Alex. A aventura. A chance de fazer amizade com
esse rapaz que é muito legal, pois assim você poderá “crescer” um pouco.
Selena enfiou uma camiseta pela cabeça e enrolou a toalha no cabelo para enxugá-lo.
Uma mecha loura “escapou” da toalha e lhe caiu ao lado do rosto.
- Que é isso, menina? O Ted liga pra você lá da Caifórnia, e você “desperdiça” o
telefonema dele conversando sobre um suposto romance meu, que aliás, ainda nem existe!
- Mais ou menos, concordou Cris. Lembra-se do que você me contou que seu pai lhe
disse quando lhe deu o anel do compromisso de pureza?
A garota baixou o olhar para a mão direita, onde estava a aliancinha dourada.
- Que foi mesmo? Que ele estava muito alegre comigo por eu ter estabelecido um
padrão elevado ou algo assim?
- Não. Foi o que ele falou depois que vocês sairam do restaurante. Você me contou que
seu pai lhe disse que deveria procurar divertir-se enquanto era jovem. Pois é. Concordo com
ele. Aceite todos os relacionamentos que Deus colocar no seu caminho. Procure curtir bem as
amizades que puder ter. Não precisa ter relacionamentos sérios e profundos com os rapazes,
não. Você sabe disso.
Selena pos as mãos no quadril.
- Você e o Ted ficaram conversando sobre isso enquanto eu estava no chuveiro? Talvez
fosse melhor se eu tivesse uma linha lá no banheiro, pois assim iria ouvir esse recado da boca
do próprio “conselheiro-mor”.
- Não! replicou Cris, rindo. Não conversamos sobre isso tudo, não. Eu é que fiquei
pensando nessa questão, por causa do que seu pai disse. Acho que ele tem razão. Você tem de
aproveitar a oportunidade e abrir o coração para os outros, Selena.
- E você acha que eu não abro?
Antes que Cris respondesse, elas ouviram a voz de Marta gritando do outro lado da
porta:
- Já se arrumaram, meninas?
- Quase! gritou Cris em resposta.
A mulher abriu a porta. Parecia bem descansada e pronta para sair. Vestia uma saia
jeans e uma blusa branca, muito bem passada. Quando viu Selena com a toalha no cabelo
feito um turbante, ela franziu a testa.
- Você ainda não se aprontou, Selena!
- Estamos quase prontas, repetiu Cris. A gente pode se encontrar com a senhora lá
embaixo daqui a alguns minutos?
- Mas andem depressa, respondeu Marta com um suspiro forte. Vou esperá-las no
refeitório.
E no decorrer do dia, a tia de Cris teve de exercitar paciência por diversas vezes. Parecia
que estava sempre tendo de esperar pelas duas. Primeiro, as garotas haviam se atrasado para o
café. Depois, quando o Alex chegou, elas tiveram de voltar ao quarto para pegar as mochilas.
Afinal, quando foram se encontrar com o rapaz no carro, Marta já se sentara no banco da
frente, ao lado dele. O rapaz se levantou e foi abrir a porta de trás para Selena. No momento
em que ela entrava no veículo, ele se inclinou ligeiramente e lhe disse em voz baixa:
- Estou encantado de vê-la novamente, “Salena”.
Antes que a garota começasse a responder, ele passou as costas da mão de leve no rosto
dela. Foi o gesto mais terno e carinhoso que ela já recebera. Seu coração quase parou.
- Também estou muito feliz de vê-lo de novo, replicou ela afinal, com a voz
repentinamente meio rouca.
Quando chegaram ao orfanato, Alex lhe ofereceu a mão para descer do carro. Contudo
não ficou a segurá-la por muito tempo. Foi abrir a porta para Marta, estendendo-lhe também a
mão. A tia de Cris recusou educadamente o gesto do rapaz e saiu andando em direção a
entrada do prédio, à frente de todos.
- Estamos com dez minutos de atraso. Sabem disso, não é? falou ela. Talvez nem
possam receber-nos mais.
Contudo a funcionária que os recebeu tranquilizou Marta, explicando que não havia
nenhum problema no fato de terem se atrasado. Poderiam fazer a visita à instituição naquela
hora. A tia de Cris só conseguiu ir até ao final do corredor do primeiro andar. Ali, parou e
pediu desculpas, dizendo que ainda esitava muito cansada da viagem. Os outros que fossem
continuar a visita; e que o fizessem com calma. Ela iria sentar-se num banco que havia no
jardim e ali ficaria a esperá-los.
Selena e Cris se entreolharam. Selena deduziu que talvez fosse dificil para Marta ver
todas aquelas crianças, quando ela própria perdera a única filha que tivera. Podia ser também
que a tia houvesse ficado meio incomodada por causa da maneira como a “guia” falara sobre
a missão do orfanato e de suas linhas de pensamento. A mulher fizera muitas referências à fé
cristã.
Selena estava sentindo um forte impacto naquela casa. Ao mesmo tempo, via-se
bastante interessada. E sabia que Cris provavelmente experimentava a mesma sensação. A
presença do Alex também estava sendo fundamental. Volta e meia ele dava mais algumas
informações adicionais, ajudando-as a ter uma compreensão mais profunda do trabalho. Ali
havia muitas crianças da África, mas a maioria era da Bósnia; algumas sérvias, outras,
croatas. Naquele momento, as notícias que Selena ouvira sobre a guerra da Bósnia ganharam
corpo. As crianças que via ali não eram mais vítimas distantes. Agora testemunhava de perto
o sofrimento delas. Era tudo muito real.
Algo que perturbou a garota foi o grande número de pequenos abrigados ali - mais de
300, segundo a funcionária. E apenas três por cento deles seriam adotados. Era muita criança!
Selena sentiu o coração mover-se de compaixão.
Anteriormente, o prédio do orfanato fora uma fábrica. Tinha capacidade para receber
ainda mais órfãos. A mulher informou que, alguns anos antes, eles haviam abrigado ali 425
crianças. A casa fora remodelada recentemente, recebera uma pintura nova e também novos
conjuntos sanitários para os banheiros. Aliás, tudo era muito limpo e bem arrumado. Quando
a viram por fora, na chegada, não haviam tido a mesma impressão. E o corpo de funcionários,
todos suiços, parecia muito eficiente. Mostravam-se adequadamente uniformizados,
parecendo marinheiros num navio muito disciplinado.
Embora as crianças estivessem limpinhas e parecessem bem nutridas e cuidadas, Selena
teve a impressão de que lhes faltava algo. Todas elas tinham o olhar triste. Queriam o amor do
papai e da mamãe. A garota compreendeu que a imagem daqueles rostinhos iria ficar gravada
em sua mente pelo resto da vida.
Terminada a visita pelas dependências do orfanato, que durara cerca de uma hora e
meia, os três jovens foram se encontrar com Marta. A tia de Cris parecia estar com a paciência
quase esgotada. Alex ofereceu-se para levá-las a almoçar. Marta aceitou o convite, mas
acrescentou, em tom brusco, que dessa vez ela iria pagar.
- Sei de um lugar ótimo para irmos, disse o rapaz, abrindo a porta da frente para Marta.
Vocês vão gostar muito!
Em seguida, ele abriu a porta para Selena e pos a mão no ombro dela, dando-lhe um
aperto de leve. A garota pensou se ele não estaria sentindo o mesmo que ela. Tinham visto o
sofrimento causado pelas injusticas deste mundo. Qualquer prazer e satisfação pessoal que
pudessem ter naquele momento iria parecer egoísta. Na verdade, não sentia nem um pingo de
vontade de almoçar.
Alex arrancou o carro, misturando-se com o tráfego pesado da cidade. Era um
maravilhoso dia de verão. Selena abriu a janela do seu lado. O vidro só chegou até o meio,
mas isso foi suficiente para dar entrada aos cheiros e barulhos de Basiléia. Passaram por um
prédio velho, no alto do qual havia uma placa com os dizeres: “Exército de Salvação”. Parecia
ser uma loja na qual se vendiam roupas de segunda mão. Ali também deviam distribuir sopa
de graça para os pobres, como se fazia na Highland House, onde a garota trabalhava como
voluntária, uma vez por semana. É, havia pobres e necessitados em todas as partes do mundo.
Quase se desesperava ao pensar no quanto a humanidade precisava de socorro.
- Aquela ali é a estação ferroviária onde desembarcamos? indagou Cris, interrompendo
a linha de pensamento de Selena.
- É sim, replicou Alex, apontando para o prédio. É a Badisher Bahnhof.
À entrada, viam-se dois leões de concreto, como que de guarda. Selena não se recordava
de tê-los visto no dia anterior, quando chegaram. Vendo os leões, lembrou-se de “Aslam”,
personagem do livro O Leao, a Feiticeira e o Guarda-Roupas. E pensando em “Aslam”,
obviamente, Jesus lhe vinha à mente.
Senhor, todo esse sofrimento que há no mundo corta o teu coracão também? indagou.
Deve cortar.
Recordou-se da conversa que tivera com Cris na noite anterior. A amiga dissera que
alguns dos problemas que encontramos na vida são “atos de Deus”, circunstâncias que talvez
nunca possamos compreender. Outros, porém, sao consequênciaa de nossos pecados.
Entretanto Selena sabia que aquelas trezentas crianças não haviam feito nada para estarem
sem os pais hoje.
Alex passou por uma ponte sobre o rio Reno. Selena ficou a contemplar as águas que
corriam lentamente. Lágrimas lhe vieram aos olhos e ela piscou para afastá-las. As crianças
que vira naquela manhã haviam se tornado o seu “próximo”. Não eram mais uma simples
imagem na televisão. O sofrimento do mundo agora era real para ela.
Capítulo Oito
- Um McDonald! exclamou Marta, quase gritando, com um tom de irritação. Você nos
trouxe a um McDonald!
- É, respondeu Alex todo satisfeito, procurando um lugar para estacionar na rua já
superlotada. Os estudantes universitários vêm muito aqui. Achei que a Cris iria gostar de vê-
lo.
- Então, já vimos, comentou Marta. Cris, guarde bem onde ele fica. Agora vamos
procurar um restaurante mais tranquilo.
- Não querem almoçar aqui? indagou o rapaz, meio decepcionado. Restaurantes
tranquilos tem por toda parte, mas McDonald são poucos.
- Pois lá nos Estados Unidos são muitos, retorquiu a tia de Cris. E se não gosto de
almoçar nem nos de lá, é claro que não vou comer neste daqui.
- Então vamos seguir em frente, concordou Alex.
Selena ficou satisfeita com a atitude flexível do rapaz, embora tivesse gostado da idéia
dele. Seria interessante entrar nesse McDonald para ver a diferença entre ele e os de sua terra.
Afinal, chegaram a um restaurante pequeno, com mesinhas na calçada. Alex estacionou,
e todos saíram. Sentaram-se a uma mesa redonda, recoberta com um guarda-sol verde e
branco. O cardápio era bastante limitado, e Marta se mostrou muito frustrada. Pediu apenas
uma salada. Por sugestão do rapaz, Cris e Selena pediram um nurnberger. Tratava-se de um
cachorro-quente pequeno, feito com linguiça. Ele sugeriu também que, para beber, pedissem
um Schwip Schwap. O refrigerante foi servido em copos, mas sem gelo. Estava quase morno.
- Eu tinha me esquecido de que aqui na Europa é assim, comentou Cris, tomando um
gole. Eles não colocam gelo na bebida.
- Você gosta de Schwip Schwap? indagou Alex. Quando eu era pequeno, era o
refrigerante de que mais gostava.
Selena achou a bebida doce demais. Era apenas uma “infeliz” mistura de laranja, limão
e cola. E com a falta do gelo, o sabor estava muito sem graça.
- É bem diferente do nosso, comentou.
Ainda se sentia meio incomodada pelo que vira no orfanato. Na verdade, não tinha a
menor vontade de comer.
- Estou pensando na razão por que o pessoal do orfanato exige que os estagiários fiquem
um ano inteiro la, disse Cris. Acho que, se ficarem lá pouco tempo, deve ser muito duro para
aquelas crianças. É o único fator que está me desanimando de vir para cá.
- As crianças? quis saber Marta.
- Não; ficar com elas um ano e depois ter de ir embora, explicou a jovem.
- Puxa, Cristina, retorquiu a tia, você ainda nem decidiu se vem estudar aqui mesmo e já
está ficando toda triste de ter de ir embora! Você só vai saber com certeza se vier para cá.
Pode ser que, depois de passar um ano aqui, você fique alegre de ir embora.
- Você ja resolveu se vem mesmo? perguntou Alex.
O assento do rapaz era o único que não se achava à sombra, e o sol lhe batia direto no
rosto. Ele pusera óculos escuros, e estava recostado na cadeira. Selena sentiu que ele era
muito diferente dos seus colegas de escola, em Portland. Embora ele estivesse usando calça
jeans e camiseta, parecia um jovem experiente e vivido.
- Não sei ao certo, respondeu Cris. Há momentos em que minha vontade é de me
matricular imediatamente e já começar a estudar agora. Em outros, meu desejo é voltar pra
minha terra e fazer de conta que isto aqui não existe; é produto da minha imaginação.
- Mas não é, não. Isto aqui existe de verdade, comentou Alex, assim como sua vida lá na
Caifórnia. Mas sabe, acho que o que realmente importa não é o lugar onde a gente mora, e sim
que tudo em nossa vida gire em torno de Deus. Nosso tempo é muito curto.
Selena deu uma espiada rápida para Marta, a fim de ver qual seria a reação dela diante
das palavras do rapaz. A tia de Cris disfarçou bem o que sentia.
- Sabe, disse Cris, inclinando-se para diante ligeiramente e sem olhar para a tia, às vezes
penso assim também. Tenho ouvido falar muito que estamos vivendo os últimos dias e que a
volta de Cristo está próxima. E fico pensando o que eu deveria fazer. Quero dizer, se estamos
mesmo no final dos tempos, então eu tinha de ficar mais preocupada é em falar de Jesus para
os outros, e não em fazer faculdade, não é?
Selena nunca havia pensado nisso.
- Temos de ir embora, gente, interveio Marta.
Alex fez que sim com um leve aceno de cabeça. Em seguida, tirou os óculos, inclinou-
se para a frente e fitou Cris intensa-mente.
- Seja qual for o trabalho que Deus lhe der, falou ele, nossa motivação sempre deve ser
um... como é que se diz mesmo?
Enfiou a mão no bolso traseiro da calça e pegou um pequeno Novo Testamento.
Folheou-o por uns instantes, até encontrar o que procurava.
- Ah, achei. É Um Pedro capítulo 4, continuou ele.
- Você quer dizer Primeira Pedro? indagou Selena.
- É, Primeira Pedro, concordou ele, com um ar sério. Sei isso em russo e alemão, mas
não na língua de vocês. Significa algo muito forte, que vem direto do coração.
- Espere aí, interrompeu Selena. Tem uma Bíblia aqui na minha mochila. Que verso que
é?
A garota pegou a Biblia e em seguida olhou para a de Alex. O rapaz estava apontando o
texto em seu Novo Testamento em alemão.
- Achei, disse ela. Primeira Pedro 4.7,8 diz assim: “Ora, o fim de todas as coisas esta
próximo; sede, portanto, criteriosos e sóbrios a bem das vossas orações. Acima de tudo,
porém, tende amor intenso uns para com os outros.”
- Isso! exclamou Alex. Era essa palavra que eu queria, intenso. Significa um amor forte
e firme, não é? É nisso que você tem de pensar, Cris. Tudo que fizer, faça com amor intenso.
- Tem mais aqui, interveio Selena, continuando a leitura até o verso 10, “porque o amor
cobre multidão de pecados. Sede, mutuamente, hospitaleiros, sem murmuração. Servi uns aos
outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça
de Deus”.
- Temos de voltar para o hotel, disse Marta abruptamente.
Os três jovens se viraram para ela e a fitaram.
- Por quê? quis saber Selena.
- Se quer mesmo saber, estou com uma forte dor de cabeça, respondeu a outra. Tentei
me controlar para não estragar a alegria de vocês, mas agora preciso me deitar um pouco.
- Então vamos, disse Alex, levantando-se e guardando seu Novo Testamento no bolso.
Em seguida, ele ajudou Marta a afastar a cadeira e lhe ofereceu o braço para que se
apoiasse nele.
- Não estou tão doente assim, replicou a tia de Cris bruscamente. Posso ir para o carro
sozinha.
Enquanto rodavam de volta para o hotel, Selena ia pensando nos versículos que haviam
lido. “Tende amor intenso uns para com os outros.” Será que sei o que isso significa? Sei que
amo os outros, mas será que meu amor é forte e firme?
Quando estavam quase chegando ao hotel, Alex, em tom bem calmo, perguntou a
Marta:
- A senhora permitiria que eu desse um passeio com Cris e “Salena” para elas
conhecerem a cidade?
- Ah, acho que não vai dar, não, respondeu ela. Aliás, creio que agora vamos nos
despedir de você. Foi muito gentil conosco, e lhe agradeço.
O rapaz parou o carro a entrada do hotel. Um porteiro uniformizado adiantou-se e abriu
a porta do veículo para Marta, oferecendo-lhe ajuda para sair dele. Alex abriu a de trás para
Cris e Selena. Pegou esta última pelo cotovelo e deu-lhe um aperto de leve.
Selena fitou o rapaz bem dentro dos olhos escuros e pensou que, se naquele momento
ele lhe pedisse para dar uma “escapada” à noite e se encontrar com ele, ela atenderia.
- Tenho certeza de que a Tia Marta vai mudar de idéia assim que melhorar, disse Cris,
em voz baixa, para o rapaz. Muito obrigada por tudo, Alex, muito obrigada mesmo. Não
tenho palavras pra lhe agradecer, não apenas por ter-nos levado lá, mas também pelo conselho
e pelas palavras de estímulo.
- Vamos, meninas! disse Marta, virando-se ligeiramente para trás. Vamos entrar. Tchau,
Alex! E muito obrigada!
O rapaz inclinou-se para Selena e encostou de leve o rosto dele no dela. Foi um gesto
tão repentino que a garota sentiu as faces se avermelharem.
- Depois eu telefono, cochichou ele.
Selena acenou que sim. Alex entrou no carro e arrancou. A garota ficou a olhá-lo até
desaparecer. Entrou em silêncio e permaneceu calada até chegarem ao quarto. Assim que a
porta de comunicação com o aposento de Marta se fechou, disse para Cris:
- Viu aquilo?
- Ele te deu um beijinho? quis saber a amiga.
- Não, só encostou o rosto dele no meu, bem de leve. Será que é um costume daqui?
- Sei lá, replicou Cris, sorrindo e tirando o sapato, mas é muito romântico. Espero que
ele ligue pra você.
- Você acha que a gente poderia dar uma fugidinha pra encontrar com ele?
- Por que pergunta?
Selena cruzou o quarto, foi até a janela e olhou para fora.
- Porque nós duas sabemos que ele é um rapaz maravilhoso e que é bom demais estar na
companhia dele. Além disso, ele tem uma atitude muito espiritual e edificante. Sua tia não
percebe isso porque não é crente.
- Acho que isso não significa que podemos desobedecer a ela, explicou Cris.
Selena suspirou.
- Tem de haver um jeito de justificar uma saidinha. Eu prefiro sair com Alex pra
conhecer a cidade do que ficar fechada neste hotel. Você não?
- Eu também, claro, replicou Cris, tirando os grampos do cabelo e abanando a cabeça
para que ele caísse solto sobre os ombros. Mas neste momento, o que quero mesmo é tirar um
cochilo
- Eu também, ajuntou Selena, concordando. Embora eu não queira confessar, a verdade
é que acho que sou capaz de dormir no minuto em que bater na cama.
A garota dirigiu-se para o leito, correu a mão sobre a colcha macia e em seguida deixou-
se cair nela.
- Mas será que a gente não vai ter dificuldade pra dormir à noite? concluiu ela.
- Eu não vou, disse Cris, já com os olhos fechados.
A jovem estava deitada e tinha uma expressão de felicidade no rosto.
- Se o Alex ligar, você me acorda, viu? pediu Selena, virando-se de lado e ajustando o
travesseiro.
- De jeito nenhum, respondeu Cris. Se o telefone tocar, você atende. Vai ser pra você
mesmo!
- ‘Ta bom, respondeu Selena.
Foi a última palavra que ela disse antes de mergulhar no mundo dos sonhos.
Capítulo Nove
As sombras do entardecer começavam a apareccer na parede do quarto, quando Selena
acordou e se esforçou para abrir os olhos.
- Cris! chamou baixinho.
Virou-se para olhar a amiga, mas esta continuava ressonando ainda na mesma posição
em que se deitara. Selena ergueu-se silenciosamente e foi andando pé ante pe até à janela.
Gostava da vista que se tinha dali. Do outro lado da rua, via-se um prédio grande, em cuja
fachada estava gravada a palavra Rathaus. A garota sabia que se tratava de um prédio da
municipalidade. Elas haviam visto um igual na Alemanhã, perto da escola Schwarzwald
Volkschule. Alex explicara que todas as cidadezinhas da Europa tinham um desses.
Aquele ali era pintado com uma cor vermelho-escura, lenmbrando o tom de tijolos.
Numa das paredes laterais, havia um mural retratando, com figuras enormes, o povo da Idade
Média. Em torno da parede, via-se uma brilhante moldura dourada. A área ao redor do prédio
era toda calçada de pedras de formato regular. Ao longo da rua, viam-se construções altas,
antigas, ocupadas por lojas. Deviam ter mais de cem anos. Contudo eram muito bem
cuidadas. Todas tinham caixas de flores nas janelas do segundo andar. Eram gerânios
vermelhos em profusão, que tombavam pelas beiradas das jardineiras. Selena achou a imagem
muito bonita, transmitindo uma sensação de calma.
No alto, acima das lojas e da Rathaus, o céu já começava a “desnrolar” seu tapete azul-
escuro. Selena recordou-se do que Vó May lhe falara quando era pequena. Deus estava lá no
alto, preparando-se para estender o carpete escuro da noite, que tinha inúmeros furinhos. Ela
dissera que Deus resolvera não remendar os orifícios porque assim a luz do céeu se refletiria
na terra, passando através deles.
Estou na Suíça, lembrou-se ela. Esta cidade deve ser linda à noite. Como seria bom se
pudesse caminhar com o Alex por estas ruas antigas! Ah, isso sim, seria muito romântico!
O telefone tocou. Selena deu um pulo. O barulho dele foi bastante estridente, parecendo
mais um ruído elétrico do que o toque normal. Ela agarrou o fone.
- Alô! Alex?
- Oh! Desculpe! Deve ter caído no quarto errado! disse uma voz masculina que ela
reconheceu. Desculpe!
- Espere aí! disse a garota antes que ele desligasse. Pai!
- Selena?
- É, sou eu! Oi, pai!
- Oi, filha! Como e que est passando? indagou ele.´
- Estou ótima! Esta tudo muito bom! Estou cansada, mas disso a gente já sabia. E aí?
Está tudo bem?
- Está. Tudo muito bem! Só estamos sentindo a sua falta. Então liguei para saber como
está indo.
Selena deu ao pai um relatório resumido da visita à escola e ao orfanato.
- Ah, bom, disse ele. E quem e Alex?
Selena deu um sorriso e fez uma pausa antes de responder. Seu pai nunca “perdia” nada
mesmo. Conhecia muito bem cada um dos seis filhos. Soubera conquistar o respeito de todos,
e eles não se importavam com as perguntas mais indiscretas que fazia, “intrometendo-se” na
vida deles.
Ela explicou ao pai que conhecera Alex no trem, e que depois tinham ficado sabendo
que ele era amigo do Sr. Pratt. E relatou que o rapaz rodara com elas pela cidade.
- Parece um rapaz muito legal, comentou o Sr. Jensen. Mas agora vou lhe dar uma
ordem paterna, viu? Posso falar?
- Pode.
- Sempre que você estiver com esse rapaz daqui para a frente, é bom estar com a Cris
junto.
- Por quê?
- É só uma precaução; só isso.
- Papai, se o senhor conhecesse o Alex iria gostar muito dele. Ele é crente, um ótimo
crente.
- Acredito, disse o pai. E espero que passe com ele momentos memoráveis e
maravilhosos. Mas sempre esteja na companhia de alguém. Cris sempre tem de estar junto
com vocês, o.k.?
- O senhor não confia em mim?
- Confio, sim. Plenamente.
- Então, qual e o problema? indagou Selena, sem entender o que se passava.
- A distância. Você esta a três mil quilômetros de distância de nós, explicou ele. E
passear com um rapaz numa cidade da Suíça não é o mesmo que convidar o Ronny para jantar
aqui em casa.
- O Ronny e só meu amigo.
- ‘Ta bom, o Drake, então.
- Eu saí com o Drake uma vez só.
- Seleeeena!
Pela firmeza do tom de voz do pai, a garota compreendeu que não adiantava ficar
discutindo com ele. Ele estava falando sério.
- Se você sair com o Alex, ou melhor, quando você sair com ele, a Cris ou a Marta tem
de ir junto. Essa é a nossa determinação para você, concluiu ele.
- Entendi! disse ela, procurando dar a voz um tom descontraído.
Não queria, de forma nenhuma, contrariar o pai nem dar a impressão de que estava
desobedecendo as ordens dele. Ele sempre tinha razão no que dizia. Ela não podia ficar
arranjando argumentos para rebater os dele.
- Dá um abraço na mãe e no pessoal aí pra mim, disse afinal.
- Eu dou. E você, divirta-se bastante aí, hein?
- ‘Tá bom. Obrigada pelo telefonema, pai. Um abração!
- Outro, querida. Tchau!
Ouviu o estalido na linha, indicando que ele desligara. Contudo continuou a
experimentar a sensação gostosa da voz do pai em seu ouvido. Seus pais eram maravilhosos, e
ela sabia disso.
- Era o Alex? indagou Cris, sentando-se na cama e espreguiçando, lutando contra a
sonolência que a dominava.
- Não, era meu pai. Dá pra entender uma coisa dessas? Eu estava aqui pensando em
como seria maravilhoso se pudesse dar uma fugidinha pra me encontrar com o Alex, e meu
pai liga e me faz prometer que só vou sair com ele se for na sua companhia ou na da Marta.
- É, meu pai também diria algo assim, comentou Cris.
- E você obedeceria?
- Provavelmente, respondeu Cris, bocejando e espreguiçando de novo. Teve uma vez
que viajei com meu tio e minha tia para Palm Springs e resolvi dar uma fugida.
- Você? indagou Selena espantada.
- É, eu e umas amigas. Como fui burra! Hoje, quando me lembro do caso, não entendo
como deixei que elas me convencessem a fazer aquilo.
- Vocês foram se encontrar com algum rapaz?
- Não, respondeu Cris, levantando-se e caminhando até a janela para ver a vista dali.
Demos uma saída para ir a uma loja. Acabou dando uma confusão tremenda. Fomos parar
numa delegacia. E durante um bom tempo todo mundo ficou com raiva de mim. É, não vale a
pena arriscar, não.
Selena creu quando Cris disse que não era muito bom dar uma fugidinha às escondidas.
A garota entendeu também que seu pai insistiu em que sempre saésse acompanhada porque a
amava. Mesmo assim, não podia negar que, se o Alex telefonasse e quisesse encontrar-se com
ela a noite, ficaria muito tentada a ir.
Entretanto o rapaz não ligou, Marta também se levantou pouco depois que a Cris
acordou e, num tom brusco, comunicou às duas que sua dor de cabeça melhorara. Queria que
as três fossem jantar no restaurante do hotel, embora já passasse de oito da noite.
Afinal, elas descobriram que estavam com mais fome do que pensavam. E o prato que
pediram - batatas com salsicha - estava muito gostoso. Com o ânimo renovado, resolveram
dar um passeio pelos arredores e olhar um pouco as vitrinas. O garçom do hotel dissera que
aquele setor de Basiléia era o alt stadt, ou “cidade velha”.
Uma brisa fresca soprou sobre o rio Reno e foi acompanhando as três, que iam
caminhando e conversando. Nesse momento, estavam descontraídas, sem nenhuma tensão.
Era a primeira vez que isso acontecia desde que haviam iniciado a viagem.
Selena pensou que, se Marta continuasse com aquele bom humor, talvez permitisse que
ela passasse alguns momentos em companhia de Alex. Quem sabe poderiam ir fazer uma
caminhada, como ele sugerira. Ou talvez até pudessem fazer um piquenique, ou dar uma volta
de bicicleta. Desde que haviam chegado à Europa, o rapaz estivera muito “presente” com elas.
Agora, seria horrível se tivessem de passear pela cidade sem a companhia dele.
- Cris, você gostaria de ir a escola de novo amanhã? indagou Marta quando pararam
junto à vitrina de uma loja para olhá-la. Há algum ponto que você ainda gostaria de conversar
com o Sr. Pratt?
- Não, replicou a jovem. Deu pra ter uma boa idéia de como é tudo lá. Só tenho de
decidir, antes de ir embora, se vou estudar aqui ou não.
- É, precisa mesmo, concordou a tia.
- O que eu gostaria era de ver mais alguns pontos da cidade, comentou Cris.
Em seguida, suavizando um pouco o tom de voz, concluiu:
- Seria ótimo se pudessemos fazer uma caminhada com o Alex.
Para surpresa de Selena, Marta não retrucou imediatamente. Já se achavam quase de
volta ao hotel.
- Marta, interveio Selena, meu pai me ligou agora de tardinha, e eu lhe falei sobre o
Alex. Não sei se isso a ajudará a decidir sobre essa questão, mas ele disse que esperava que eu
saísse outras vezes com Alex, que me divertisse e levasse boas recordações daqui.
- Seu pai disse isso? indagou Marta. Você não está inventando, não?
- Não; ele disse, sim. Falou também que sempre que eu saísse na companhia dele, era
para Cris ou você ir junto.
- Foi isso mesmo que ele falou?
- Foi, respondeu a garota com firmeza.
Selena estranhou a atitude da tia de Cris. Não estava acostumada a que duvidassem de
sua palavra.
- Olha, então quero lhe dar os parabens por ter me contado. A melhor atitude a se tomar
é sempre falar a verdade.
- É, concordou a garota, falando mais para si mesma do que para a mulher, creio que
sim.
Nesse momento, Marta parou, virou-se para as garotas e olhou-as de frente. Em seu
rosto, se estampara uma expressão de simpatia, a mais agradável que ela já demonstrara até
ali. Obviamente estava se sentindo bem melhor.
- É... tenho de confessar que admiro as duas pela maneira como seguem direitinho as
determinações dos pais. São bem diferentes de como eu era quando tinha a idade de vocês.
- Ouvi dizer que era bem “namoradeira”, comentou Selena, aproveitando aquela
oportunidade para tentar fazer com que Marta se abrisse um pouco.
Cris lhe deu um beliscão.
- Quero dizer, corrigiu-se a garota, percebendo o fora que dera, se você era diferente de
nós, devia ser bem irrequieta. Na verdade, pensando bem, acho que eu e a Cris é que devemos
ser meio sem graça.
- Fale só por você! interveio Cris em tom brincalhão.
Marta recomeçou a caminhar, andando ao lado das duas garotas. Depois de uns
instantes de silêncio, indagou:
- Cris, o que foi que sua mãe lhe falou sobre mim?
- Nada.
- Não, pode me dizer. O que foi que a Margaret contou a meu respeito?
- Ela só falou que as duas eram muito diferentes; uma, o oposto da outra. Sei que minha
mãe era superobediente. E não tinha uma vida muito agitada, não; até meio parada.
- Minha vida não era nada parada, comentou Marta. Isso posso dizer com certeza.
- Como era? indagou Selena, interferindo na conversa.
Compreendeu que era o momento certo para começar a “arrancar” a couraça de
proteção que Marta adotara.
- Sua pergunta é meio ousada, garota! replicou a tia de Cris, parecendo surpresa, mas
não ofendida com a indagação.
- Você teve muitos namorados? insistiu Selena. Eu a imagino namorando o capitão do
time de futebol, ou então o principal jogador de basquete da escola. Deviam formar um casal
e tanto - um cara bem alto e você, uma garota baixinha e feminina.
Marta riu.
- Não; na verdade, foi um jogador do time de hóquei. E não era muito alto, não, mas era
forte e musculoso. Ah, e bastante audacioso. Eu achava que, se eu pedisse, ele seria capaz de
fazer a Terra parar de girar. Não havia dúvida de que o Nelson era um cara que venceu na
vida. O que ele queria, conseguia.
- O nome dele era Nelson? indagou Selena.
De repente, Marta se sobressaltou, como se houvesse percebido que falara demais.
- Ah, não devia estar contando esses fatos para vocês. Esqueçam-se de que falei isso,
está bem? São acontecimentos ocorridos muitos anos atrás. Deveríamos estar conversando
agora era sobre o que vamos fazer amanhã. Para começar, vamos tomar o café às 8:00h. A
gente se encontra no refeitório. E, por favor, não se atrasem. O resto a gente combina depois.
Mas acho que seria bom fazermos umas compras, não acham?
Selena não estava muito a fim de pensar em fazer compras. Finalmente conseguira abrir
um “rombo” na “couraça” protetora de Marta; e vira que havia um nome gravado ali: Nelson.
Capítulo Dez
- Nelson! repetiu Selena para Cris, assim que as duas chegaram ao quarto. Você
conheceu algum homem com esse nome?
- Não.
- Que será que aconteceu com ele? continuou a garota. Ela quase contou, você viu?
Cris acenou que sim.
- Ela estava de bom humor, comentou. Foi ótimo!
- Tomara que ela fique assim por um bom tempo.
No dia seguinte, quando foram se encontrar com Marta para tomar o café, a tia de Cris
ainda continuava de bom humor. Selena poderia até ter tentado abrir outra “brecha” na
“couraça” dela. Só que, dessa vez, era ela que se achava mal-humorada.
A garota não havia dormido bem. O cochilo que tirara na tarde anterior acabara por
atrapalhar-lhe o sono. Não conseguira dormir imediatamente, como Cris dormira. Ficara um
bom tempo deitada ali, pensando e orando. Passara várias horas meio dormindo, meio
acordada. E o fato de Alex não ter ligado só servira para piorar sua disposição.
Por que será que os rapazes fazem isso? pensou, sentindo forte irritação. Prometem
telefonar. Tratam a gente com tanta gentileza e até encostam a mão no rosto da gente, dando
a impressão de que vão cumprir o que prometeram. Depois não se tem mais notícia deles. Eu
estava até pensando em dar uma fugidinha, e ele nem telefonou!
Contudo, quanto mais pensava na idéia de dar uma fugida, pior se sentia. Se estivesse
em casa, nem sonharia em fazer algo assim. Então, por que achava que não seria errado fazê-
lo ali? A única explicação que lhe ocorreu foi que, em casa, tinha muito respeito pelos pais e
pela autoridade deles. Entretanto não sentia o mesmo com relação a Marta.
Assim que terminaram de tomar café, Marta se pôs a falar das compras.
- Podemos começar indo àquelas lojinhas que vimos ontem à noite, disse ela. Quero
voltar naquela que fica à duas quadras daqui e comprar um lenço de cabeça que vi lá. E vocês,
já pensaram em algo que querem comprar?
- Não, respondeu Cris.
A jovem acordara com boa disposição. Quando Selena voltara do banho, vira a amiga
sentada à mesinha, lendo a Biblia, fazendo anotações em seu diário e cantarolando baixinho.
A garota atirara um travesseiro nela, mas não conseguira fazer com que parasse com sua
musiquinha alegre.
Assim que entraram na loja, Selena notou que Marta se transformou em outra pessoa.
Cumprimentou as balconistas, que aliás se mostravam bem amistosas, e logo se pôs a fazer
comentários elogiosos sobre os artigos expostos. As vendedoras se aproximaram mais dela e
responderam em tom cortês, mas com linguagem formal. Marta se achava no controle da
situação.
- Por que será que o Alex não ligou? indagou Selena para Cris. O que você acha?
As duas haviam ficado perto da entrada da loja, junto a uma estante com cartões de
felicitações.
- Provavelmente por alguma razão justa.
- É, eu sei a razão. Ele é rapaz e todos eles são iguais. Chegam cheios de interesse e
gentileza, mas depois vêem alguém que atrai mais a atenção deles e, de repente, a gente não
significa mais nada pra eles.
Cris deu uma risadinha suave.
- Ah, Cris, não ri de mim quando estou sofrendo, falou Selena, cruzando os braços e
olhando a amiga com uma exprressão exageradamente emburrada.
- É muito engraçado! replicou a outra. Não estou rindo do que você esta sentindo, não.
Mas o que você falou é exatamente o que eu costumava dizer sobre o Ted anos atrás.
- Não me diga! Então até o Ted, aquele sonho de pessoa, era um cara insensível
também? Não existe mesmo esperança neste mundo!
- Ah, eu poderia lhe contar um bocado de casos! Daria para escrever um livro,
comentou Cris, inclinando-se para ela. O Ted de vez em quando, ainda tem umas recaídas,
como nesta viagem, por exemplo. Essa decisão é muito importante pra mim, e acho que afeta
a ele também. No entanto, pelo jeito como ele age, dá a impressão de que pra ele não importa.
O que eu decidir está bom. Fico com tanta raiva quando me lembro disso!
- Ah, mas aí eu já acho que ele esta só querendo deixá-la livre pra decidir por si mesma.
- E você ainda o defende? retrucou Cris, cruzando os braços também.
- Alguém tem de defendê-lo, coitado! exclamou Selena.
Nesse momento, a garota se deu conta de que, se ela estivesse com cara de boba como a
Cris estava, as duas ali, com ar de emburradas, deviam estar muito engraçadas. E começou a
rir.
- Que foi? indagou Cris.
- Ah, esses rapazes! fez Selena com um brilho no olhar. Deixe eles pra lá!
- Isso mesmo! concordou a amiga. Deixe eles pra lá! Puxa vida, estamos aqui, na Suíça.
Precisamos começar a nos divertir e esquecer do Ted e do Alex.
- Estou com você, Cris! Temos um dia inteiro à nossa frente, sem nenhum rapaz no
programa. O que você gostaria de fazer?
- Obviamente a tia Marta vai querer fazer mais compras, mas ela sempre quer fazer
compras, disse a jovem, dando uma espiada para o lado da tia. Se você quiser comprar algo, é
só falar, viu? Ela compra pra você. Acho que o hobby predileto dela é ir comprar presentes
para os outros.
- Ah, o “hobbit” dela, brincou Selena.
- O quê?
- O “hobbit”. Foi assim que o Alex pronunciou hobby.
- Alex? indagou Cris, confrontando-a. Achei que tínhamos combinado de esquecer esses
caras em quem não dá pra confiar. Hoje só queremos saber de nós aqui.
- Tem razão, tem razão, concordou Selena, erguendo um braço e imitando a estátua da
Liberdade. Vamos partir para a liberdade e independência, rompendo os grilhões das nossas
cadeias emocionais! concluiu num tom de discurso.
Assim que disse as últimas palavras, moveu o braço e inadvertidamente bateu a mão na
estante cheia de cartões, que foi tombando para um lado.
- Cuidado! gritou Cris para uma senhora que ia saindo da loja.
A estante ia bater direto na cabeça dela. Com um reflexo rápido, Selena conseguiu
agarrá-la e puxá-la para si. Assim não atingiu a freguesa, mas, com o movimento brusco da
garota, os cartões caíram sobre a mulher, como uma chuva de meteoros. A estante tombou na
direção oposta e caiu em cima dos cartões, amassando vários deles. E foi deslizando pelo chão
paralelamente à parede. Bateu num fio elétrico e puxou-o, arrancando-o da tomada. Com isso,
algumas lâmpadas se apagaram, e ventiladores se desligaram.
Houve um silêncio total na loja. Todos se viraram e se puseram a olhar para as duas.
Uma vendedora veio caminhando rapidamente e ligou o fio de eletricidade. As luzes se
acenderam e os ventiladores voltaram a girar.
- Cris, disse Selena em voz baixa, como e que se diz “Desculpe-me!” em alemão?
- Sinto muito! replicou a outra de chofre. Pardon. Merci. Por favor.
- Nada disso é alemão, cochichou Selena, sorrindo com os dentes cerrados.
- É só do que consigo me lembrar, respondeu Cris.
Selena estava levantando a estante, e a amiga foi ajudá-la. Em seguida, elas cataram os
pacotes de cartões.
- A senhora se machucou? perguntou a garota para a freguesa atingida pelos cartões e
que ficara parada ainda meio assustada.
A mulher resmungou algo em francês e depois em alemão. Vendo que Selena não
entendera nada, ergueu a mão, dando um tapa no ar, e saiu. A essa altura, Marta vinha
correndo para onde elas se encontravam.
- O que aconteceu? indagou a tia de Cris.
- Foi um pequeno acidente, explicou a jovem, recolocando calmamente os cartões no
lugar. Oh, que bonitinho este aqui, Selena, com essas flores silvestres!
- Vamos comprar um deles? sugeriu a garota, acabando de por os objetos de volta no
lugar.
- Não dava para vocês verem que eles eram bonitinhos sem terem de derrubar a estante
toda? indagou Marta irritada. Eles ficaram amassados. Vamos ter de comprar todos eles.
- Estes aqui não estão amassados, não, retrucou Selena. Estão acondicionados em
invólucros de plástico muito firmes, Agora, os cartões soltos estão.
Ela se virou e olhou para o chão. Havia pelo menos uns vinte cartões estragados. Marta
deu dois passos, abaixou-se e começou a recolhê-los. Pegou inclusive alguns que não se
achavam amassados, mas que estavam caídos junto com esses.
- Vocês duas podem ir me esperar lá fora. E vejam se não derrubam mais nada aqui,
ouviram? disse ela, saindo rapidamente em direção ao caixa para pagar os cartões.
As duas garotas, silenciosamente, foram saindo da pequena loja e pararam perto de um
poste, para ficar esperando a tia de Cris. No alto dele, havia uma caixa de flores com
malmequeres amarelo-vivos, e uma florzinha azul miúda.
- Selena, disse Cris rindo, vê se não inventa mais nenhuma imitação de mulher
“emancipada”, senão aquela cesta de flor vai acabar caindo na sua cabeça.
- Será que sua tia ficou com tanta raiva que não vai querer mais nem me ver na frente
dela?
- Depois ela se acalma. Não se preocupe. Afinal, foi um acidente. E além do mais,
ficamos com um estoque de cartões em alemão que vai dar para o ano todo. Isso não teria
acontecido se a estante não tivesse ido atrás de você!
As duas caíram na risada.
- Quero aqueles cartões, comentou Selena. Acho que a gente deve mandá-los para os
amigos e deixar que eles descubram o que está escrito neles.
- Vamos sim, concordou Cris. Aposto que diz lá: “Espero que se recupere prontamente
da cirurgia de cálculos renais”. Ou então: “Parabéns pela aposentadoria!”
- É bem provável, disse Selena.
A garota colocou a mão na testa, fazendo uma “aba” para os olhos, e espiou para o outro
lado da rua. Avistara ali uma casinha de madeira toda pintada de branco com janelinhas
verdes. Parecia de brinquedo. Tinha até jardineiras cheias de flores amarelas, alaranjadas e
azuis.
- O que será aquilo? indagou. Eu não a vi ali ontem à noite quando passamos por aqui.
- Parece uma cabine de informações turísticas, respondeu Cris. Lá deve haver mapas de
graça. Vamos ver se arranjamos um?
- Vamos, respondeu Selena, saindo à frente da amiga e atravessando a rua calçada de
pedras.
Ali encontraram um senhor de meia-idade, que fumava um cachimbo e usava roupas
típicas da região e um chapéu de feltro verde.
- Guten tag! disse ele, cumprimentando-as.
- Fala inglês? indagou Cris.
- Claro! respondeu o homem.
- Aqui o senhor dá informações? quis saber a jovem.
O homem não respondeu, mas levantou os olhos e fitou uma placa enorme acima do
guichê, que indicava: “Informações”.
- Nós queríamos um mapa, disse Selena, adiantando-se e ficando junto da amiga. O
senhor tem aí um mapa que mostre os pontos turísticos de Basiléia?
- Tenho, replicou o homem e entregou-lhe um mapa impresso em cores vistosas, com
orientações em quatro línguas. Onde vocês querem ir?
- Eu queria fazer um piquenique numa montanha dos Alpes, replicou Selena
prontamente, como naquele filme A Noviça Rebelde.
- Mas aquela era na Áustria, explicou Cris.
- Eu sei, disse a garota. Mas os Alpes não ficam na Suíça e na Áustria? Um piquenique
seria tão legal! A gente podia ir de ônibus, não podia? De táxi fica muito caro.
- É, vocês podem ir de ônibus ou de trem. Qual a montanha que querem ver?
Selena deu de ombros.
- Sei lá. Qualquer uma. Gosto de qualquer montanha. O pico Matterhom não fica na
Suíça?
- É, respondeu o guia, abrindo um mapa do país. Vocês poderiam viajar até Zermatt.
- Não, interveio Selena. Não queremos uma viagem longa, não. É pra ir e voltar no
mesmo dia. Estava pensando em fazer o piquenique hoje mesmo.
O homem fechou o mapa.
- Ah, então, gostaria de dar-lhes uma sugestão.
Ele abriu um mapa menor e marcou com um lápis vermelho o nome do ônibus que elas
teriam de tomar. Em seguida, apontou para um prédio amarelo que ficava do outro lado da
rua. Era ali que deveríam pegar o coletivo. As duas se viraram para ver o ponto que ele estava
indicando. No mesmo instante, avistaram Marta. A tia de Cris estava andando de um lado
para outro em frente da loja onde haviam estado. Em seu rosto, estampava-se uma expressão
de desespero.
- Essa é boa! exclamou Cris. Obrigada! gritou para o guia.
Pegando o mapa, as duas atravessaram a rua correndo.
- Danke! gritou Selena, virando-se ligeiramente no meio da correria.
Marta devia estar simplesmente furiosa com elas por não haverem avisado aonde iam.
Elas não tinham pensado em fazer nada errado. Foram só dar uma chegadinha do outro lado
da rua, enquanto a tia de Cris se encontrava na loja.
E agora ela estava ali, parecendo fortemente irada, com uma das mãos na cintura e
batendo a ponta do pé, com impaciência. Na outra mão, tinha uma sacola de compras. Eram
os cartões de saudações amassados.
Capítulo Onze
- Não, disse Marta, não estou aborrecida, não.
E com passos firmes, foi descendo a rua, conduzindo as duas garotas em direção à loja
de lenços de cabeça.
- Vocês ja explicaram tudo, e, como eu já disse, só quero que, da próxima vez me digam
aonde vão. Vocês podem imaginar o que senti quando saí da loja, depois de ter pago as
despesas daquele acidente que provocaram, e não as vi em nenhuma parte? O que vocês
pensariam? Fiquei aterrorizada! Afinal, sou responsável pelas duas, e se tivesse acontecido
algo, ficaria arrasada pelo resto da vida.
- Desculpe, tia, falou Cris, adiantando-se e pondo-se a caminhar ao lado dela.
- Está bem. Eu já aceitei seu pedido de desculpas na primeira vez que pediu. Agora, é só
ficarmos sempre juntas que tudo vai acabar bem.
Selena achou que teria sido melhor se Marta houvesse extravasado a raiva e berrado
com elas. Era melhor do que ter de aguentá-la falando, falando e repetindo sempre as mesmas
orientações.
Afinal, chegaram à loja de lenços, e as duas jovens assumiram seu papel de sobrinhas
muito interessadas e cuidadosas, ajudando a tia a escolher os artigos que queria.
- Bom, acho que nossa próxima parada deve ser numa loja para comprar umas roupas
para você, não é Selena? Você disse que queria um vestido ou uma saia. Quero comprar algo
para você. Nesta caminhada até aqui, viu alguma loja que lhe pareceu interessante? Ou vamos
em frente?
- Precisa não... principiou a garota.
Naquele instante, porém, Cris pôs a mão nas costas dela e lhe deu um leve aperto. Era
um sinal para não contrariar Tia Marta.
- É, fez ela, na verdade, passamos por uma loja ali atrás onde vi umas saias longas, tipo
“indiana”.
- Saia “indiana”? indagou Marta com uma ponta de crítica. Daquelas do tipo hippie?
Selena ficou um instante em silêncio, mas depois fez que aim.
- É, disse. Podemos dar uma espiada lá.
- Se é isso que você quer...
Marta virou-se e saiu caminhando, dirigindo-se para a loja. Assim que entraram,
sentiram um forte odor de incenso. Sobre a porta, havia uma série de sininhos que tilintaram.
A música ambiente era estranha e exótica. Nas paredes, viam-se pôsteres com símbolos
satânicos. Serpentes feitas de material plástico pendiam do teto. Imediatamente Selena virou-
se e saiu à rua.
- Não gosto desse tipo de loja, falou.
- Ótimo, comentou Marta, espero que não mesmo.
- Gosto muito de roupas simples, como as que estão nas vitrinas dela. Mas é sé. As
peças de vestuário aí são muito legais, mas os outros artigos que eles vendem, não.
- Então vamos continuar rua abaixo, propôs Cris. Tem muita loja por aqui.
O Sol esquentou e as ruas agora estavam bem mais movimentadas. As três diminuíram
um pouco o passo. Selena teve a sensação de que estava em sua terra e que se achava num
centro comercial luxuoso, daqueles propositalmente construídos para imitar um velho
mercado europeu. Só que não estava lá. Encontrava-se no verdadeiro comércio europeu. Volta
e meia passavam por pessoas falando uma língua diferente. Um forte aroma de café pairava
no ar, proveniente das pequenas confeitarias ali existentes. Todas as lojas tinham vitrinas com
artigos expostos, procurando atrair os clientes para dentro delas.
Afinal, pararam perto de uma que vendia apenas chá e entraram. Logo à frente, via-se
um balcão de mogno. A parede dos fundos era coberta de alto a baixo por uma estante com
dezenas de divisórias, nas quais se encontravam as caixas de folhas de chá. O aroma delas
enchia o ambiente. Cada vez que Selena sentia o cheiro de um deles, fosse um cha de frutas,
ou o chá preto, ou o chá do Ceilao, tinha a sensação de que acabara de beber algo delicioso.
- Ah, tenho de comprar um desses, disse para Marta e Cris. Vocês se importam de
esperar um pouquinho? Vou entrar nessa fila e comprar um chá desses pra mim.
- Então vou lhe dar dinheiro, falou Marta.
- Obrigada. Não precisa, não. Vou comprar pouca quantidade. Meu dinheiro dá.
Ela entrou na fila e, à medida que ia caminhando, ia lendo o nome dos diversos tipos de
chá de cada caixa. Havia duas balconistas, muito bem arrumadas, vestidas com um guarda-pó
branco. Quando um cliente pedia um determinado chá, uma delas pegava a caixa, abria-a e
media a quantidade pedida - cem gramas, meio quilo, um quilo - com uma concha de metal.
Selena decidiu que iria levar meio quilo. Assim que chegou sua vez, ela teve de explicar por
meio de gestos e acenos, tentando dialogar com a vendedora, que tinha um sotaque muito
pesado. Afinal, conseguiu exatamente o que queria: jasmim com canela e cravo. O cheiro era
maravilhoso. Sentiu-se bastante chique e sofisticada. E em seguida, as três saíram da loja.
Assim que a porta se fechou, os aromas exóticos ficaram para trás.
- Que legal! exclamou a garota. Obrigada por terem esperado, gente!
- De nada, replicou Marta, pegando um batom e aplicando-o aos lábios. Estou com
vontade de beber algo, e talvez até de comer também. E vocês, garotas?
- Será que a gente encontra água em algum lugar deste país? quis saber Selena. Já que
existe tanta neve nos Alpes, era para haver um bebedouro em cada esquina por aqui.
- Vamos entrar aqui, disse Marta, dirigindo-se para uma confeitaria. Selena, nesta loja
deve haver água mineral. O que você quer, Cris?
- Aquilo ali, respondeu a jovem, apontando para um pastel folhado, sobre o qual havia
um enfeite de chocolate. Assim que Selena olhou para o doce, também o quis.
- Um pra mim também, falou.
Marta adiantou-se e pediu dois pastéis para as garotas. Selena mais uma vez observou
que ela elevou o tom de voz. Teve a impressão de que ela achava que as vendedoras só a
entenderiam se falasse alto e expressasse cada palavra com muita clareza.
Elas pegaram o saquinho com a deliciosa guloseima e foram para fora. Num dos cantos,
viram um homem acompanhado do filho, que estavam se levantando do lugar, um banco junto
à janela. Ele disse algo em alemão e fez um gesto para que elas se sentassem ali. As três
fizeram um aceno de cabeça agradecendo e se acomodaram no banco, que era pintado de um
vermelho vivo.
- Hummm! Que maravilha! exclamou Selena, dando a primeira dentada no pastel e
erguendo o rosto para cima, sentindo o calor do Sol do meio-dia. Que será que é este recheio?
A D. Amélia iria gostar de saber a receita pra fazer este doce no Mother Bear.
- Provavelmente é marzipã,* replicou Marta. Quase todo esses tipos de folhados tem
marzipã.
___________________
*Marzipã - um creme feito com pasta de amêndoas e açúcar. (N. da T.)
- De qual você pegou? indagou Selena para a tia de Cris.
- Nenhum, respondeu ela. Só peguei uma Coca diet.
- Como é que você pode entrar numa confeitaria dessas, em plena Suíça, e não comer
nada? indagou Selena.
Dessa vez, Cris não tentou reprimi-la.
- Imagine só o tanto de açúcar e manteiga que há nesses doces! exclamou Marta.
- Eu não imagino, respondeu logo Cris. Estou só “curtindo”!
- Pois vai tudo formar “pneuzinho” na barriga, alertou a tia.
- Olhe aqui, dá uma mordida no meu, ofereceu Selena.
- Não, obrigada!
- Ah, que e isso? Come só um pedacinho! insistiu a garota. É delicioso! Quando é que
você vai ter outra chance de comer um pastel folhado desses? E ainda mais um pastel da
Suíça...
Usando a ponta do saquinho como se fosse um guardanapo, Selena partiu a ponta do
pastel e estendeu-o para a tia de Cris.
- Por favor, disse, experimente só um pedaço.
- Não sei por que faz tanta questão disso, retrucou Marta meio impaciente.
Cris inclinou-se para a tia e falou:
- Ah, Tia Marta, coma! Depois nós vamos andar e a senhora queima essas calorias todas
rapidinho. Goze a vida um pouquinho!
Abanando a cabeça para demonstrar que cedia contrariada, Marta estendeu a mão e
pegou a pontinha do doce que Selena lhe oferecia. As duas garotas ficaram aguardando para
ver a reação dela.
Relutantemente, a tia de Cris levou a guloseima à boca e deu uma mordida.
- Hmmm! Que delicia! exclamou, saboreando o pastel.
Cris e Selena deram risadinhas de satisfação.
- Ah, eu não disse? Agora compre um folhado pra senhora, tia.
- Será que devo? indagou Marta, com a expressão de uma garotinha.
Selena ficou admirada com a mudança que se operara nela. Em vez da “ditadora” de
sempre, ela agora parecia uma criança indecisa.
- É claro que sim! respondeu Cris. Se a senhora não for, eu e a Selena iremos lá comprar
um. E a senhora ja sabe o que eu e ela aprontamos quando entramos numa loja dessas.
- Sei! Não precisa falar mais nada, replicou Marta, erguendo uma das mãos. Já vou.
Ela se levantou prontamente e, dando um sorriso meio tímido, caminhou em direção à
confeitaria.
- Sabe o que mais? principiou Selena, dando outra mordida no seu pastel. Sua tia
melhora de humor depois que come um doce.
Cris deu risada.
- Ela é muito complicada, não é? disse, levando lentamente à boca mais um pedaço do
doce.
- Ela esta e supercansada, comentou Selena.
- Mas ela disse que dormiu bem a noite passada.
- Não, replicou a garota, eu quero dizer que ela esta cansada de guardar algo bem no
fundo do coração durante tanto tempo. E esse segredo parece que fica só querendo “sair” de
dentro dela, e ela tem de se vigiar constantemente pra não se descuidar e deixar o sofrimento
vir à tona.
- Em que livro de psicologia você viu isso? indagou Cris, virando-se para a amiga e
analisando-a atentamente.
- Em nenhum. Isso é apenas a minha opinião. Você não precisa concordar comigo.
- Aí é que está o problema, retrucou Cris. Tudo que você disse faz muito sentido. Acho
que vou concordar com você.
- Pois é. Então só temos de esperar o momento adequado e saber fazer a pergunta certa,
que ela vai soltar tudo, explicou a garota.
- É, contrapôs Cris, não fique contando muito com isso, não, viu?
O sininho da porta da confeitaria tiniu, e Marta surgiu trazendo um saquinho branco
com seu próprio pastel folhado. No rosto, estampava um sorriso diferente, que lembrava uma
criança que fizera uma travessura. Chegou junto das duas e sentou-se no banco.
- Comprei umas trufas para nós também, disse. Vocês viram os bombons deles? Da
mais alta qualidade! São absolutamente maravilhosos! Aqui, um para você, um para você, e
outro para mim. Gente, bon appetit!
Selena dirigiu à amiga um olhar em que parecia dizer: “Não falei? Estamos destruindo
aquela couraça de proteção dela!”
Cris deu uma mordida na sua trufa e se pôs a mastigá-la.
- Não, não, não! interveio Marta. Trufa a gente não mastiga, não. Deixe-a parada na
língua, dissolvendo sozinha. Saboreie devagar, curtindo o doce.
Selena deu uma dentada na sua e deixou-a dissolver na boca. Era deliciosa, muito
saborosa mesmo!
- É, você tem razão, comentou ela. A gente tem de prolongar esse momento o máximo
possível.
- Comer chocolate tem de ser uma experiência agradável, comentou a tia de Cris,
fechando os olhos e respirando fundo. Faz muito tempo que não como um chocolate tão
delicioso como este!
- O Nelson lhe dava bombons? indagou Selena.
A mulher abriu os olhos devagar, olhando para o seu saquinho e em seguida para a
garota. Havia muitas pessoas caminhando pela rua, entrando nas lojas e saindo. Naquele
instante, Selena teve a sensação de que tudo girava em câmara lenta. E Marta respondeu:
- Nelson me dava o que eu quisesse, inclusive bombons.
- E o que aconteceu com ele, afinal? arriscou Cris.
Selena admirou a coragem da amiga. É, mas agora não era preciso ter muita coragem
para fazer esse tipo de pergunta, já que ela, Selena, havia começado a “arrancar” a couraça de
proteção da tia.
Por um momento, a garota teve a impressão de que a resposta veio aos lábios de Marta,
e que ela ia revelar o segredo. Entretanto, logo em seguida, ela fechou a boca e engoliu seu
último pedacinho de trufa. Junto com ele foi também a esperada resposta.
- Talvez algum dia eu lhe conte, disse Marta afinal em tom grave.
Ela enfiou a mão no saquinho e partiu um pedaço do pastel com as casquinhas
esmigalhadas. Mastigou-o lentamente, com ar distraído. Selena não saberia dizer se a tia de
Cris estava curtindo o doce ou se, de repente, perdera o gosto por ele e comia-o
mecanicamente. Para a garota, aquilo representava bem o que era a vida dela. Agia sempre
certinho, com gestos mecânicos, sem apreciar nada.
E as três ficaram ali sentadas, debaixo do Sol quente, cada uma comendo seu pastel
folhado, e cada uma imersa nos próprios pensamentos.
Capítulo Doze
Selena mastigou o folhado bem devagar, sentindo o sol bater-lhe no rosto e ouvindo o
vozerio da rua. No alto, um passaro soltou um trinado, chamando a companheira. A brisa do
verão passou por elas, soprando em suas pernas. Era bem leve, quase imperceptível.
Havia muitos anos já que Selena sabia que o Espírito Santo era comparado ao vento.
Sabia que ele estava sempre presente com o cristão, mesmo que fosse apenas como uma brisa
leve. O vento soprava onde ele quisesse. E era fácil perceber por onde ele estava passando,
pois movia os objetos e as pessoas. Contudo ninguém o via.
Naquele momento, sentada naquele banco de rua na Basiléia, a garota sentiu algo agitar-
se em seu interior. Seria um desejo? uma paixão? o açúcar circulando em seu organismo?
Não; era uma mistura de algo emocional e espiritual. A agitação interior estava bastante
forte e vibrante. Selena compreendeu que queria gozar ao máximo a vida que Deus lhe dera.
Desejava ter uma consciência mais nítida do mover da “brisa” do Espírito em seu ser. Queria
que a presença e os efeitos dele fossem mais evidentes nela.
Naquele instante, entendeu que não tinha vontade de terminar como Marta, regida por
metas e horários, sem apreciar as belezas que havia ao seu redor. Enxergou ainda que
ultimamente tinha andado “organizando” sua vida como fazia a tia de Cris. Estabelecera
regulamentos, padrões de conduta e metas para seu curso na faculdade. Passara as férias todas
trabalhando, ajudando no abrigo para desabrigados e indo a igreja quase todos os dias. Agora,
pela primeira vez, percebia que perdera muito da espontaneidade e da alegria de viver.
Aí lembrou-se também de outro fato. No dia em que seu pai lhe dera a aliança de ouro,
ele lhe dissera que curtisse a vida. Agora compreendia o que ele quisera dizer. Nesse
momento, dava-se conta de que estava com suas metas bem estabelecidas, mas não estava
curtindo a vida. E ela sabia que poderia fazê-lo, desde que fosse com divertimentos sadios.
Essa viagem de última hora despertara nela essa vontade, e estava gostando muito disso.
Aquela vitalidade interior que experimentava era maravilhosa, libertadora. E não havia nada
de errado com ela. Finalmente, estava sendo fiel aos próprios impulsos, para ser como Deus a
criara.
- Cris, como era mesmo aquele versículo?
A jovem passou a língua pelos lábios e amassou o saquinho vazio, fazendo uma bolinha.
- Que versiculo? 1 Pedro 4.8? Aquele que o Alex citou ontem?
- É; o que ele falava sobre amor?
- Ah, eu o li hoje de manhã e até o sublinhei na minha Biblia. Diz assim: “Acima de
tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de
pecados.”
- É isso ai, concordou Selena. “Tende amor intenso uns para com os outros.” Como foi
mesmo que o Alex disse? Ah, ele disse “muito forte”.
A garota parou, pensou uns instantes e depois continuou:
- Você é assim, Cris. Você ama os outros com um amor forte. Gosto dessa sua
qualidade e quero ser assim também.
A jovem ficou com o rosto vermelho.
- Sabe o que não entendo? interveio Marta. Como é que vocês se tornaram grandes
amigas, sendo que há uma diferença de idade entre as duas? Quando eu era da sua idade, Cris,
nunca pensaria em ter amizade com uma garota três anos mais nova que eu. Poderia até ter
um leve relacionamento com ela, mas nunca a consideraria uma amiga de verdade.
- Na realidade, retrucou Cris, a diferença entre nés é de dois anos. Mas parece que
somos quase da mesma idade.
- É porque sou muito madura pra minha idade, disse Selena em tom de brincadeira e
engrossando a voz.
- É, já percebi isso, concordou Marta.
- Eu estava brincando, explicou Selena.
- Mas eu não. Vocês duas são mais conscientes de si mes mas e da vida do que eu era
quando jovem. É, mas tenho uma ressalva. Não concordo muito com esse fervor religioso de
vocês. Sou obrigada a reconhecer, porém, que, de algum modo, isso tem suas vantagens.
- Mas isso não é pra termos vantagens, tia, replicou Cris, é pra ser a nossa vida.
- Ah, Cristina, será que você não pode simplesmente aceitar um elogio sem tentar me
corrigir? Eu não estou censurando, não.
- Eu percebi isso, comentou Selena.
Marta e Cris olharam para a garota.
- É, repetiu ela. Percebi que você estava querendo era nos elogiar. Obrigada!
- De nada. Está vendo, Cristina? Essa é a maneira certa do receber uma palavra positiva.
- Eu também gostei do seu elogio, tia, disse Cris.
- Ótimo! exclamou Marta.
Aqui ela fez uma pausa e depois continuou:
- Bom, acho melhor a gente ir andando. Vamos a uma loja de roupas?
- Que tal a gente fazer um piquenique? propôs Selena.
- Ué! fez Marta. Foi o que acabamos de fazer!
- Nós pegamos um mapa naquela cabine de informações, explicou Cris. Eu e a Selena
estávamos pensando que seria muito legal se a gente pudesse fazer uma caminhada numa
montanha dessas e levar um lanche pra comer lá.
- Mas nós já estamos caminhando, retrucou Marta.
Ao que parecia, ela não entendia por que uma caminhada num morro era mais
interessante do que andar por aquelas ruas cheias de lojas.
- Então amanhã? indagou Cris com um tom esperançoso.
- Você vai ter muito tempo para fazer caminhadas nessas montanhas se vier estudar
aqui, retrucou a tia, levantando-se e abrindo caminho entre a multidão que lotava a rua.
Cris atirou seu saquinho amassado numa lata de lixo próxima.
- Mas a Selena, não, insistiu ela.
- A Selena agora precisa é de um vestido, disse Marta em tom firme. Ainda não fomos
jantar num bom restaurante, e ela não vai poder entrar em um com esses shorts que tem.
As três passaram o resto da tarde realizando o desejo da tia de Cris - procurando boas
roupas para Selena. Como acabaram se afastando muito do hotel, resolveram retornar de táxi.
Ademais, estavam carregadas de sacolas de compras.
- Vou fazer uma reserva no restaurante para nós, para as 7:00h, anunciou Marta logo
que entraram no saguão. Assim vocês têm duas horas para descansar, tomar banho e se
aprontr. Selena, não vista a saia de “cigana”, não, viu? Ponha a preta!
- ‘Tá bom, tia, replicou a garota numa voz fanhosa, meio brincalhona.
Marta virou-se bruscamente e lhe dirigiu um olhar de reprovação. A garota
compreendeu que nunca mais deveria fazer esse tipo de brincadeira com ela.
As duas entraram no quarto e jogaram as compras sobre a cama.
- Você vai tomar banho agora? indagou Selena para a amiga.
- Estou querendo, respondeu Cris. Sabe o que aconteceu? Acho que meus braços
ficaram queimados de Sol. Dá pra acreditar numa coisa dessas?
- É, disse Selena. O Sol estava muito quente quando nos sentamos na frente da
confeitaria. Também estou sentindo que meu rosto queimou.
- É, queimou um pouquinho mesmo, comentou Cris, examinando o rosto da amiga.
Como e que você consegue isso?
- Isso, o quê?
- Parece que está sempre limpa e arrumada. Nem precisa tomar banho. Seu cabelo esta
ótimo, e seu rosto, também.
- Oh, Cris, meu cabelo nunca esta ótimo, retrucou Selena, pegando algumas de suas
mechas “rebeldes”. Ele parece que tem vontade própria. Nunca fica do jeito que eu quero.
- É, mas o Alex bem que gostou dele, falou a jovem meio na gozação. Ah, dá uma
olhada pra ver se tem algum recado pra gente na secretária eletrônica.
- Parece até que você leu meu pensamento.
Cris entrou no banheiro e Selena foi tentar descobrir como funcionava o aparelho de
recepção de mensagens. Na gaveta da escrivaninha, havia uma folha de papel com instruções
em alemão, inglês, francês e italiano. Não conseguiu entender nem as esritas em inglês, pois
continha muitas palavras técnicas. Contudo resolveu tentar assim mesmo, e ficou apertando os
botões que viu ali. Afinal, apertou a tecla certa e ouviu a voz grave de Alex.
“Aqui é o Alexander, e quero deixar uma mensagem para ‘Salena’. Hoje vou ficar o dia
todo na casa de meu primo, ajudando-o a consertar o automóvel dele. Se vocês ainda não
fizeram nenhum plano para amanhã, gostaria de convidá-las para fazermos um piquenique.
Hoje à noite ligo de novo, e aí podemos combinar melhor. Tchau.”
Selena ouviu o clique do aparelho desligando e na mesma hora seu coração começou a
bater forte. Alex não se esquecera dela. Queria fazer um piquenique com ela no dia seguinte,
ou melhor, queria sair com ela e com Cris. Marta tinha de deixar. Sua esperança era que a tia
de Cris estivesse de bom humor na hora do jantar, no momento em que fosse pedir sua
permissão.
Entretanto, à noite, quando saíram para jantar, Selena não conseguiu definir como
estava o humor de Marta. As duas haviam se aprontado de acordo com as instruções da
mulher. Ambas estavam com roupas escuras, próprias para a noite. Elas tinham se arrumado
com muito cuidado, esmerando na maquiagem. Ao mesmo tempo, haviam conversado sobre o
convite de Alex. Cris convenceu Selena de que era melhor deixar tudo com ela. Saberia
levantar o assunto com a tia da maneira mais adequada.
Marta estava com um belíssimo vestido preto. Usava um colar de pérolas e calçara um
sapato de saltos altos. Quando as três caminhavam pelo saguão para sair, a tia de Cris mais
parecia uma estrela de Hollywood participando da entrega do “Oscar”. À porta, um táxi já as
aguardava e conduziu-as a um restaurante muito bom; o melhor que Selena já vira. Era um
lugar pequeno com um ambiente aconchegante. A iluminação era toda em tons dourados.
Havia música ao vivo, com um trio de cordas. Os sons pareciam vibrar no teto pintado em
cores delicadas.
A garota notou que os clientes estavam muito bem vestidos, todos com roupas escuras.
Assim que se sentaram, ela se inclinou para Marta e, em voz suave, agradeceu-lhe pelas
roupas que lhe comprara. Em seguida, pediu-lhe que escolhesse os pratos por ela, já que, num
restaurante como aquele, confiava mais na tia de Cris do que na própria capacidade de
decisão. Marta ficou encantada.
O jantar constou de uma sopa de pepino fria, seguida de vitela assada, acompanhada de
cenouras anãs, que estavam dispostas no prato como um buquê, e um purê de batatas
fortemente temperado com alho. Ao final, vieram o café e a sobremesa. Selena achou que a
hora da sobremesa fosse o momento ideal para levantar o assunto do convite de Alex. As duas
garotas se deliciaram com uma maravilhosa torta de chocolate. Marta se limitou a tomar um
café expresso, servido numa xícara pequena que, pelo que ela explicou, chamava-se
demitasse.
Cris não disse nada sobre Alex. Então Selena teve de se controlar e esperar que a amiga
encontrasse o momento mais oportuno.
Afinal, terminaram o jantar e pegaram o táxi de volta para o hotel. A alt stadt achava-se
profusamente iluminada naquela noite, e havia muita gente caminhando em frente das lojas ou
atravessando a ponte sobre o rio Reno. Marta pagou o taxista e subiu com as duas garotas.
Chegando ao andar, ainda no corredor, ela deu boa-noite para as duas.
- Ah, tia, disse Cris de repente, ainda não resolvemos o que vamos fazer amanhã.
Vamos lá para o nosso quarto pra conversarmos sobre isso.
- Estou pensando em irmos a escola de novo e conversarmos mais com o Sr. Pratt.
Amanhã é nosso último dia, replicou Marta. E no dia seguinte iremos embora.
- Ah! fez Cris novamente.
- Parece que nosso telefone esta tocando, interveio Selena, encostando o ouvido a porta.
Depressa, Cris, abre!
- Quem será que esta ligando pra vocês? quis saber Marta.
Selena entrou correndo e pegou o fone.
- Alô!
- É “Salena”?
Ouvindo Alex dizer o nome dela com aquele sotaque tão característico a garota se pôs a
sorrir.
- É ela, replicou.
- Aqui é o Alex.
- Sim, respondeu a garota, tentando reprimir o riso, já sei.
- Recebeu meu recado?
- Ahn, han!
Cris olhava para a amiga com uma expressão de indagação.
- Quem é? perguntou Marta.
- Você gostaria de sair comigo para fazer uma caminhada amanhã? perguntou o rapaz.
A garota fez uma pausa antes de responder.
- Gostaria, disse afinal, mas tenho de conversar com a Marta sobre isso.
- Que tal eu falar com ela? Será que ajudaria?
- Ótima idéia!
Selena estendeu o fone para a tia de Cris.
- Para a senhora, disse, mordendo o lábio e dando um olhar meio de lado para Cris.
- Alô! Quem ée? indagou Marta. Ah, sei, Alex... O que é?... Amanhã? Sinto muito, mas
já temos outros planos.
Selena sentiu o coração apertado.
- É, sim. Vamos à escola de novo amanhã... Não, de manhã.
Marta ficou uns momentos em silêncio. Selena teve a sensação de que era o silêncio
mais longo do mundo todo.
- O.k., então... Obrigada. Boa-noite!
Ao ver a tia de Cris desligar, Selena teve vontade de dar um pulo e agarrar o fone. Logo
em seguida, porém, ouviu o clique do aparelho se desconectando, e sentiu um aperto na boca
do estômago. As duas garotas ficaram esperando de olhos fitos na tia.
- E então? indagaram juntas.
Capítulo Treze
Marta olhou para as duas com as mãos na cintura.
- Vocês combinaram isso? indagou ela.
- Não, responderam em uníssono.
- Quer dizer que foi o Alex que decidiu ligar e convidar as duas para fazerem um
piquenique?
- Foi.
- A bem da verdade, ele já havia ligado antes, explicou Selena. Ele telefonou à tarde,
quando estávamos na rua. E deixou um recado dizendo que ligaria à noite. Então, de certa
forma, nós sabíamos que ele iria nos convidar, mas ainda não tínhamos conversado com ele
hoje.
- Por que não me contaram que ele já havia telefonado antes? quis saber Marta.
- Porque estávamos com medo de você, soltou Selena.
A tia de Cris deixou escapar uma gargalhada.
- Com medo de mim? Por quê?
- Nós estávamos com vontade de passear com ele, explicou Cris. Mas achamos que você
não iria deixar, a não ser que estivesse de muito bom humor.
Marta sentou-se na cadeira da escrivaninha.
- É essa a idéia que fazem de mim?
- É, principiou Selena, a gente percebe que você não morre de amores peloAlex.
A garota havia perdido totalmente as esperanças de rever o rapaz. A tia de Cris
conversara com ele de forma tão fria que prevavelmente destruíra todas as possibilidades de
se encontrar de novo com ele.
- Pois a imagem que fazem de mim vai mudar, disse Marta, batendo a palma da mão
sobre o tampo da mesa. Amanhã, às 8:00h vamos tomar o café lá embaixo. Às 9:00h, o Alex
virá nos pegar para nos levar à escola. Depois que terminarmos a conversa lá, ele vai me
deixar numa cidadezinha próxima da escola, onde está havendo um festival de arte. Em
seguida, irá levar as duas para um passeio, onde farão um piquenique.
Selena sentiu o coração dançar de alegria.
- Maravilhoso! exclamou. Muito obrigada, Marta!
- Estão vendo? Eu não sou essa velha “desmancha-prazeres” que vocês pensavam.
Agora vão deitar. Amanhã vamos ter um dia muito agitado.
A mulher se levantou e, com um rápido giro do corpo, saiu. Selena se pôs a dançar pelo
quarto.
- Não acredito! dizia empolgada. Afinal, sua tia ainda tem um pouco de bondade na
alma. Vai ser maravilhoso! Vamos fazer um piquenique na colina! Vai ser super-romântico!
- Comigo por perto, interveio Cris, não sei não... Mas que bom que deu tudo certo!
- Ah, é... disse Selena em tom irônico e pegando um travesseiro para jogar na amiga.
Mas não foi graças a você, não, viu? Quando é que você iria mencionar a questão para ela,
hein? Na hora em que já estivéssemos no avião de volta?
- Claro que não! replicou a jovem, abaixando a cabeça para fugir da almofada que vinha
em sua direção. Eu estava com medo, como você falou. Nunca confessei isso antes, mas
minha tia às vezes me dá medo. Gosto do seu jeito. Você vai direto ao ponto e fala tudo com
muita sinceridade. Pra mim, é muito difícil agir assim.
- É, mas por causa disso estou sempre criando problemas pra mim.
- Pode ser, mas hoje não criou.
- Cris, disse Selena, deitando-se de bruços na cama, você acha certo eu ficar tão
empolgada só porque vou ver o Alex?
- Claro, respondeu Cris. Você ainda pergunta?
- É porque normalmente eu não fico assim tão entusiasmada quando vou me encontrar
com um cara. Isso é estranho pra mim. Quero dizer, esse meu relacionamento com ele não vai
dar em nada. Vamos nos encontrar amanhã, mas depois disso, nunca mais.
- Espere aí um pouquinho. Volto já.
Cris tirou os sapatos, pegou o pijama e foi para o banheiro. Enquanto ela estava lá,
Selena deixou o pensamento voar livremente. Quando a amiga retornou, Selena indagou:
- Alguma vez você ja saiu com um rapaz, e depois nunca mais? Quero dizer, você teve
algum “Alex” na sua vida?
- Mais ou menos, respondeu Cris, ajeitando o travesseiro e acomodando-se na cama.
Certa vez, trabalhei como conselheira num acampamento e ali conheci um rapaz chamado
Jason. Ele me convidou pra sair com ele uma noite. Ele não me disse exatamente aonde
iríamos, só falou que era pra irmos ao cinema. Eu fui. Mas assim que saimos do
acampamento, ele pegou minha mão e disse que ia me ensinar a remar.
Selena soltou um assobio.
- Essa cantada é bem original! exclamou. E você gostou dele?
- Gostei, mais ou menos, acho. Hoje não entendo como posso ter gostado dele, mas
tenho certeza de que fiquei muito empolgada. Mas, pensando bem, não sei se eu gostava do
Jason ou das atenções que ele me dava.
Selena sentiu sua empolgação esfriar subitamente. E se ela também estivesse interessada
apenas nas atenções de Alex? No início das férias, ela ja passara por uma experiência
semelhante com Drake, um colega da escola. Eles tiveram apenas um encontro, e depois
disso, Selena chegara a conclusão de que o que ela apreciava mesmo era ofato de um rapaz
pedir para sair com ela, e não as saídas com ele. Além disso, era muito complicado definir
com exatidão o que era aquele relacionamento, principalmente quando tinha de explicá-lo
para as amigas. Entretanto Cris não parecia ter nenhum problema com relação à amizade de
Selena com Alex. Quando Drake entrara na vida da garota, acontecera algo estranho. Todas as
suas amizades ficaram meio abaladas. Agora, porém, sua amizade com Cris não ficara nem
um pouco prejudicada por causa da presença de Alex.
- Não estou dizendo que me arrependi de ter ido passear no lago com Jason, prosseguiu
Cris. Foi muito lindo quando a lua saiu e o luar brilhou na água. Jason havia arrumado a
canoa. Trouxera umas flores e uma vela. E tinha trazido também alguns biscoitos que
guardara do lanche no acampamento. Ele foi até muito gentil.
- Vocês tinham pedido permissão pra sair do alojamento? quis saber Selena.
- Não, respondeu a jovem. E sempre senti um pouco de remorso por isso. Não foi certo
a gente sair às escondidas. Ninguém ficou sabendo, mas mesmo assim foi errado. Perder o
culto principal era contra o regulamento, e a gente poderia ter tido muito problema por isso.
Durante um bom tempo, fiquei bem incomodada com o que fizemos. Afinal, um dia, pedi
perdão a Deus e depois escrevi uma carta para o diretor do acampamento e confessei tudo. Ele
me mandou uma carta muito legal, mas até hoje fico um pouco incomodada por ter quebrado
o regulamento.
Nesse momento, Selena ficou satisfeita de não ter saído às escondidas para se encontrar
com Alex. E ela nem precisara fazer isso, pois tudo estava se arranjando direitinho. Contudo
entendeu bem o que Cris sentia. Ela também teria ficado incomodada por muito tempo, se o
tivesse feito.
- Agora vou fazer uma pergunta muito importante; posso?
- Quer saber se ele me ensinou a remar? É, pra falar a verdade, ensinou sim.
- Não, replicou Selena rindo, você sabe muito bem que não era isso que eu ia perguntar!
Cris também se pôs a sorrir.
- Se ele me beijou?
- Beijou?
- Não, respondeu Cris, olhando para o teto e pondo os dois braços embaixo da cabeça.
Eu me lembro do meu nervosismo. Achei que ele iria me beijar, mas aí ele estendeu o braço e
passou a mão de leve em meu rosto. Mas o fez porque eu estava com umas migalhas de
biscoito na pele. Ele deve ter me achado uma boba!
- Não! exclamou Selena. Tenho certeza de que não foi isso que ele pensou.
Cris virou-se de lado, apoiou o cotovelo na cama e encostou a cabeça na mão.
- Sabe o que eu acho? continuou ela. Muitos dos acontecimentos da vida não são nada
daquilo que a gente pensa deles. Esse passeio de canoa, por exemplo. O mais importante nele
não foi o Jason, nem o nosso relacionamento, nem se nos beijamos ou não. Do que mais me
lembro daquela noite - além da lua cheia, enorme, maravilhosa, e do jelto como ela surgiu por
trás do morro - foi que ele me perguntou qual era meu grande sonho. Pra mim, aquela noite
foi apenas isso.
A jovem sentou-se na cama e encarou fixamente a amiga.
- Jason me perguntou: “Qual é o seu grande sonho?” e eu lhe disse algo que nunca havia
dito pra ninguém.
Selena também se levantou e esperou que a amiga continuasse, sentindo-se muito
honrada de ela lhe contar seu grande segredo.
- Puxa! exclamou Cris empolgada, subitamente se dando conta de outro fato: Fazia
tempo que eu não pensava nisso. Eu lhe disse que meu sonho era ir à Europa. Expliquei que
gostaria de visitar um castelo antigo de verdade e dar um passeio de gôndola em Veneza.
- Foi isso que você falou?
Cris fez que sim.
- Não é sensacional?! Eu nem imaginava que viria à Europa duas vezes, no mesmo ano,
e que até iria me hospedar num castelo, como aconteceu quando fomos à Inglaterra.
- É, comentou Selena, então acho que só falta o passeio de gôndola.
Em seguida, ela pensou algo e deu um amplo sorriso para a amiga, sentindo a pele
queimada de sol esticar-se um pouco.
- Interessante que você tenha se lembrado desse seu sonho de vir à Europa justamente
hoje, quando tem de decidir se vai ou não estudar nessa escola. Parece coisa de Deus!
A jovem acenou afirmativamente com uma atitude séria.
- É mesmo. Talvez Deus já venha me preparando há muito tempo pra estudar nessa
escola, e afinal não é apenas um capricho meu.
As duas permaneceram uns instantes em silêncio, sentindo-se bem na companhia uma
da outra. Afinal, Selena indagou:
- Você acha que seu relacionamento com Jason teve mais a ver com seu sonho do que
com a probabilidade de começarem uma amizade ali?
- É. Mais ou menos isso, replicou Cris, falando devagar. O que era para ter acontecido
naquele dia era isso mesmo: eu ter coragem de abrir o coração e falar-lhe de meu sonho. Pra
ser sincera, agora não me importaria muito se nós nos tivéssemos beijado. Desde que fosse
um beijo leve. Se houvéssemos ido mais longe, você sabe, aí sim, teria tido importância. É
que aí eu teria dado a ele um pouco de minha paixão. E quero reservar toda ela para um
homem só.
- O Ted, interveio Selena.
- Para o homem com quem vou me casar, seja ele quem for. Eu não dei minha paixão,
nem nada do meu ser mais íntimo para o Ted, nem pra qualquer outro rapaz. É verdade que já
beijei alguns caras, mas pra mim, um beijinho leve e rápido é muito diferente de um abraço
apaixonado, prolongado, de um beijo dado com toda a alma. Sabe do que estou falando?
- Por experiência própria, não. Mas tenho uma idéia do que quer dizer. É, mas eu nunca
pensei nisso dessa maneira. Sempre achei que o ideal é não dar nenhum beijo antes do dia do
casamento, como o Douglas e a Trícia.
- Aquilo foi certo pra eles, disse Cris. O Douglas é um rapaz muito carinhoso e
afetuoso. Você sabe como ele gosta de abraçar todo mundo, né? Acho que pra ele seria muito
difícil dar um beijinho leve e rápido na namorada. Creio que ele também sabia disso. Então
estabeleceu um padrão bem elevado para o namoro, e conseguiu cumprí-lo. Eu o admiro
muito por isso.
- Ah, você esta querendo dizer então que o padrão que você e o Ted estabeleceram é
diferente, mas pra vocês ele é o mais certo? indagou Selena, tentando compreender bem a
questão.
- É, replicou Cris. É isso. Eu e o Ted estabelecemos um limite pra nós: só beijinhos
leves. E nós nos abraçamos e andamos de mãos dadas também. Mas é só isso. E pra mim vai
ser só isso até eu me casar, seja com quem for que eu me case. Certa vez o Ted me disse que
quer me dedicar sua afeição, mas não sua paixão. Pra mim está certo, e esse é o meu limite
também. Agora, afeição pra noós pode ser beijos rápidos. Pra outra pessoa, isso aí já pode ser
uma tentação.
Selena estava bebendo as palavras da amiga. Sabia que o que ela estava dizendo era
muito sensato. Naquele momento, lembrou-se de Amy, sua amiga e colega de escola. Amy
havia dito a ela que saíra pela primeira vez com um rapaz que conhecera no trabalho. Ela lhe
contara, toda orgulhosa, que os dois tinham ficado um tempão no carro dele se beijando e
trocando carícias. Quando retomasse da viagem, ela iria ter uma longa conversa com Amy.
Queria compartilhar com ela algumas das idéias que Cris acabara de lhe passar. Era bem
melhor conversar com a colega do que se por a condená-la, que fora sua primeira reação.
Aliás, quando fizera isso, Amy ficara muito irritada e caíra na defensiva. E parecia que essa
sua atitude havia afetado profundamente a amizade delas. Agora Selena estava decidida a
acertar tudo com a amiga.
- Agradeço muito você ter comentado tudo isso comigo, disse ela sorrindo para Cris. É
bom conversar com alguém que já passou por essas experiências e já está com tudo bem
definido na cabeça.
Cris riu.
- E eu gostaria de estar com os outros aspectos da minha vida também definidos na
cabeça. Também estou achando muito bom falar-lhe sobre essas questões. É que você me
ajuda muito com algumas coisas que diz, principalmente com relação a minha tia. Vou ser
sincera. Eu achava que íamos ter muitos problemas nesta viagem.
- Eu também tinha minhas dúvidas, comentou Selena, começando a preparar-se para se
deitar.
- Mas está indo bem melhor do que eu pensava, disse Cris, entrando debaixo das
cobertas.
- É, mas ainda tem amanhã, interveio Selena, brincando.
A garota apagou a luz.
- Vai ser mais um dia e, de repente, pode haver alguma estante de cartões bem no meu
caminho pra eu derrubar.
Cris se pôs a rir.
- Puxa, parece mentira que aquilo aconteceu!
Selena também deu risada.
- É; mas, na Floresta Negra, os espaços são bem amplos. Não vamos ter nenhum
acidente desse tipo. Pensando bem, sei lá. Acho que posso “atropelar” uma vaca ou algo
assim.
Cris continuou a rir. E as duas ficaram cochichando e rindo como garotinhas de dez
anos, até ficarem sonolentas. Afinal Selena caiu no sono. E nunca dormiu tão bem quanto
naquela noite.
Capítulo Quatorze
No dia seguinte, quando se dirigiam para a Escola Popular da Floresta Negra, viram
gotas de chuva no pára-brisa do carro de Alex. À frente, no alto das colinas verdes, via-se
uma neblina leve. Selena teve de se esforçar para não começar a ter medo de que tivessem de
cancelar o passeio.
E parece que Alex “leu” seu pensamento.
- Isso é só o orvalho, explicou ele, ligando o limpador. Esse chuvisco vai parar antes de
sairmos para caminhar.
- Se não parar, interveio Marta, vocês devem ir ao festival de arte comigo. Alex disse
que é o mais importante desta região.
- Mas vai parar, insistiu o rapaz.
Chegaram à escola Á hora marcada. Cris e Marta foram conversar com o Sr. Pratt no
gabinete dele. Selena e Alex se sentaram num sofazinho que havia em um canto do saguão de
entrada. Imediatamente a garota gostou do ambiente, que lhe pareceu bastante romântico. O
assoalho era de tábua corrida e estava muito bem encerado. Nele, se refletia um enorme
candelabro suspenso no teto arredondado. A luminária lembrava uma rvore seca que alguém
tivesse cortado pelo meio, pintado comm tinta bronze e afixado ali de cabeça para baixo. Na
ponta dos seus “galhos”, tremeluziam dezenas de velas. À esquerda, havia uma porta de folha
dupla. No centro de cada folha, havia um recorte em forma oval, onde estava um mosaico de
vidro biselado. A claridade penetrava por ele, indo formar desenhos rendados no chão.
Tudo que eles falavam ecoava pelo aposento. Então os dais abaixaram a voz, pondo-se a
conversar em cochichos.
- Temos muitos assuntos para conversar, disse Alex com sua voz grave retumbando no
salão.
- Você vai me perguntar sobre meu sonho? indagou Selena sorrindo.
O rapaz franziu a testa.
- Seu sonho? perguntou ele.
- Deixa pra lá, replicou a garota. Sobre o quê você desaja conversar?
Selena notou que nesse dia o cabelo do rapaz estava ainda mais rebelde do que de
costume. Em vez de estar todo penteado para trás com apenas uma mecha caindo na testa,
todo ele estava caindo para a frente. Lembrava-lhe um esquiador que houvesse acabado de
descer a rampa de neve e tirado o gorro na chegada. Gostava daquela aparência esportiva dele.
- O que vai fazer quando voltar desta viagem? indagou o rapaz.
- Sei lá, respondeu ela.
Tinha muitas idéias na cabeça, mas voltar para casa era algo em que não estava
pensando naquele momento.
- Acho que vou fazer umas horas extras e começar a me preparar para o início das aulas,
falou afinal.
- Esta no último ano?
Ela fez que sim.
- Este ano eu me formo.
- E o que vai fazer depois? quis saber ele.
- Depois que me formar? É isso que perguntou?
- É. O que vai fazer depois?
Selena deu de ombros.
- Fazer faculdade em algum lugar. Ainda não sei onde vou estudar.
- Um americano conhecido meu me disse, continuou Alex, que vocês têm de começar a
cuidar dessas questões bem cedo porque, dependendo do caso, é muito difícil entrar para a
universidade.
- É mesmo. Em algumas, é sim. Mas eu ainda preciso pensar mais nesse assunto.
O rapaz acenou concordando.
- Pensar mais e orar mais, né? É isso?
Ele estava a alguns centímetros de distância da garota. Pusera o braço atrás, sobre o
encosto do assento. Não estava tocando nela, mas era quase como se estivesse, pois se achava
muito perto e com a atenção toda concentrada nela. Nesse momento, ele se remexeu
ligeiramente para se ajeitar e esbarrou a mão no ombro de Selena.
Passe o braço em meu ombro e me puxe pra mais perto de você, Alex, pensou ela.
Gostaria muito que você fizesse isso.
A própria Selena se espantou com seu pensamento, mas era muito natural que isso lhe
ocorresse. Lembrou-se do que Cris lhe dissera na noite anterior e perguntou a si mesma se o
que estava sentindo era paixão ou afeição. Ou quem sabe a afeição já é o começo da paixão?
indagou a si mesma. Em seguida, sobreveio-lhe outra idéia complicada. E se eu for uma
daquelas pessoas que não conseguem se controlar e expressar apenas afeição? E se eu, de
repente, ficar dominada pela paixão? Será que foi o que aconteceu com Amy no dia em que
saiu com o Nathan?
Fez um esforço consciente para voltar a concentrar-se na conversa.
- Ah, é, tenho de orar muito a respeito do meu futuro, disse. Você tem razão. Preciso
orar bastante e começar logo a fazer meus planos. Estas férias passaram muito depressa... Mas
e você? Quando ficará sabendo se vai entrar pra universidade?
- Bem, vou embora dentro de quinze dias e, quando chegar em casa, é possível que a
resposta já esteja me esperando.
O rapaz sorriu de leve, fazendo realçar as “maças” do rosto.
- Você não imagina como eu me sentia seis meses atrás, prosseguiu ele. Não estava
comendo nem dormindo direito de preocupação, com medo de não ser aceito na universidade.
Agora, porém, mudei por completo.
Selena não entendeu perfeitamente o que ele quisera dizer.
- Quer dizer que não está mais preocupado se vai ou não entrar na faculdade?
- É...replicou Alex em tom pensativo, a preocupação... Mudei totalmente de idéia sobre
a preocupação. Sabia que a palavra “preocupação” em alemão tem o mesmo sentido que
“estrangular”?
- É mesmo?
O rapaz ergueu as duas mãos e colocou-as em volta do pescoço, fazendo o gesto do
estrangulamento. Selena deu uma risadinha. O som do seu riso retumbou no teto do saguão.
- Sua gargalhada parece ter uma melodia própria. Estou começando a conhecer essa
música e sinto que ela me transmite uma sensação agradável, comentou ele, estendendo o
braço e pegando a mão de Selena.
A garota teve a impressão de que seu coração ia parar.
- Sabe que existem muitos sons musicais à nossa volta? comentou ele, acariciando de
leve o dorso da mão dela. Até mesmo no toque de duas pessoas amigas. Sssssiu! Escute! Está
ouvindo a musica que “brota” de nossas mãos?
Selena teve de reconhecer que de fato ouvira algo, mas era mais um som de tambor
ressoando em seus ouvidos. Acreditava que fosse o seu coração, mas talvez fosse uma música
mesmo, uma melodia com a qual ela ainda não estava familiarizada. Sorriu para o rapaz e
disse:
- O que você está ouvindo?
Alex fechou os olhos e inclinou a cabeça para trás, encostando-a na parede, que era
recoberta de lambris. Parecia que aquele cantinho do aposento era só deles. O rapaz respirou
fundo e deu um aperto de leve na mão de Selena.
- Estou ouvindo o borbulhar das águas de um rio correndo entre pedregulhos e descendo
para o mar, respondeu, acrescentando em voz bem suave: “Salena”, existe um rio dentro de
você. É uma garota típica das montanhas, e não do deserto!
Selena sentiu-se calma e relaxada. Experimentava uma agradável sensação de conforto
segurando a mão dele e ouvindo aquelas palavras poéticas. Abaixou a cabeça e olhou para as
mãos unidas e apoiadas no colo dela. Um pouco acima delas, avistou a mancha de mostarda
na calça.
Acho que nunca mais vou lavar esta calça, pensou.
- O que você esta escutando? indagou Alex, abrindo os olhos.
A garota cerrou os olhos e inclinou a cabeça para trás. Por uns instantes, o aposento
ficou em completo silêncio.
- Não sei, respondeu.
Jamais saberia dizer algo poético como o que o rapaz dissera.
- Escute bem, insistiu ele, sussurrando baixinho.
O toque da mão dele na dela era levíssimo. A garota esforçou-se para escutar, mas não
ouviu nada poético.
- Estou me sentindo muito feliz! disse ela afinal.
- Feliz, repetiu Alex. Não é sempre que a gente se sente assim, principalmente no lugar
onde moro. Mas você não está sufocada de preocupação, e isso é ótimo.
Naquele instante, ouviram vozes no fim do corredor. Obviamente Marta, Cris e o Sr.
Pratt estavam voltando. Selena queria que aqueles momentos a sós com Alex não acabassem
nunca. Pensou se deveria soltar a mão dele, ou se ele soltaria a dela. O rapaz se levantou,
puxando-a também para se erguer. Contudo não o fez com movimentos rápidos, como se
quisesse evitar que os outros os vissem. Foi largando a mão dela devagar.
- E ai? perguntou Selena a Cris. O que resolveu sobre a esccola?
A jovem olhou para o diretor e em seguida para a tia. Como nenhum dos dois disse
nada, ela falou:
- Liguei para meus pais e conversei com eles sobre tudo.
- E...?
Com um lento aceno de cabeça, Cris fez que sim.
- Vou vir estudar aqui, disse. Assumi o compromisso de fazer o curso de um ano.
- Não é sensacional? indagou Marta. Estudar na Europa vai ser ótimo para Cris.
Concorda, Selena?
A garota olhou para a amiga, procurando ver a expressão de seu rosto. Ela parecia feliz
e em paz com a decisão tomada.
- Maravilhoso! exclamou Selena. Acho que você vai ter experi rncias incríveis aqui.
A jovem fez que sim.
- Só estou preocupada com alguns detalhes, comentou, mas creio que tudo vai se
resolver.
- Não se preocupe! interveio Alex, fazendo novamente o gesto de estrangulamento. A
preocupação mata!
Cris fitou Selena como que pedindo uma explanação.
- Lá no piquenique a gente explica.
Uma hora depois, os três estavam subindo por uma estradinha de terra, na encosta de
um morro, tendo Alex à frente. Marta parecera estar satisfeita com a idéia de passar a tarde no
festival de arte. Despedira-se deles com boa disposição e pedira que voltassem no máximo daí
a duas horas.
- Está vendo como eu tinha razão sobre o tempo? indagou Alex, fazendo uma parada
para contemplarem a paisagem.
O céu estava muito azul, mas cedia espaço também a algumas nuvens volumosas que se
moviam sonolentamente. Ao redor deles, um imenso tapete de grama verdinha cobria o
terreno acidentado. Em um lado da estrada, via-se um emaranhado de arbustos, com uma
frutinha silvestre, muito bem protegida por galhos cheios de espinhos.
No caminho, eles haviam passado por algumas vacas que pastavam. Todas elas traziam
ao pescoço um enorme cincerro que, ao movimento dos animais, “tocavam” uma música
diferente. Cris comentou que achava aquelas vacas mais “engraçadinhas” do que as que havia
em sua terra. Alex achou graça. Então ela explicou que tinha muita autoridade para falar sobre
gado, pois era originária de Wisconsin, um estado com um grande rebanho leiteiro. Disse
ainda que seu pai fora pecuarista e que, até aos 15 anos, ela morara no interior e vira muita
vaca.
Selena respirou fundo.
- O ar aqui é tão gostoso! Adoro esta vista! exclamou. Que bom que deu pra gente vir,
né? Fazer caminhada é meu passatempo predileto. Acho que subir um morro assim e ficar
acima do resto do mundo faz bem ao meu espírito, concluiu com um ar de felicidade.
- Também acho aqui maravilhoso, disse Cris. E fica tão perto da escola. Nem acredito
que vou poder vir neste lugar sempre que quiser. Isto aqui e lindíssimo!
- Onde é que vamos fazer o piquenique? quis saber Alex.
- Aqui mesmo, sugeriu Selena. A vista é belíssima!
- Então vamos parar.
Alex deu alguns passos pelo gramado adentro, seguido das duas garotas. Os três
pegaram cada um a sua mochila e as abriram, mostrando sua contribuição para o lanche.
- Espero que não estejam com muita fome, comentou Alex. Eu não trouxe muita coisa,
nem é nada especial.
- Não se preocupe, não, interveio Selena. Estamos mais interessadas é no passeio, e não
na comida. O lanche é apenas um “bônus”.
- Um “bônus”? repetiu o rapaz.
- É, um brinde extra, explicou ela, procurando definir a palavra que aparentemente ele
não conhecia. Além disso, eu e a Cris também trouxemos algo.
- Dois tabletes de chocolate, disse a jovem, tirando-os da bolsa e colocando-os a frente
deles.
- E eu trouxe uma laranja que sobrou do café da manhã, falou Selena.
- Então aqui temos algo para beber, principiou Alex, e eu trouxe um pão e um queijo.
Em seguida, o rapaz pegou um canivete, cortou um pedaço do queijo redondo que tinha
na mão e estendeu-o para Selena na própria lamina. Depois, ele tirou outra fatia para Cris e a
ofereceu à jovem.
- Humm! É quase um banquete! exclamou ela, pegando o pedaço do queijo. Agora me
contem que negócio era aquele de estrangular, que vocês mencionaram lá na escola? Comecei
até a ficar com medo.
- O Alex fez aquele gesto quando você falou que estava preocupada, explicou Selena.
Ela partiu um pedaço do pão que Alex deixara sobre a mochila e contou que o rapaz
estivera tenso com a questão de entrar para a universidade. Então concluiu:
- Mas depois ele entendeu que a gente não deve ficar apreensivo com nada, pois a
preocupação nos “estrangula”.
- ‘Tá certo. E é claro que não quero passar o resto da vida “estrangulada”, comentou
Cris, pegando a outra ponta do pão.
Como estava com uma das mãos ocupadas, não conseguiu tirar um pedaço dele. Então
Alex segurou-o e, com a ajuda dele, Cris pôde quebrar a ponta. Selena correu os olhos ao
redor. O dia estava maravilhoso.
- Gente, não parece que estamos dentro de um quadro pintado? disse.
A brisa soprava em seu cabelo, erguendo algumas mechas mais leves, e tocou em seu
rosto como que a brincar com ela.
- Cris, quando você estiver estudando nessa escola e quiser um lugar pra meditar, deve
vir aqui. É tão lindo!
- É mesmo, concordou a jovem, também correndo os olhos pela paisagem. Já estou até
me sentindo empolgada de vir estudar aqui. Jaá imaginou como isso deve ficar lindo no
inverno? Depois que mudei de Wisconsin para a Caifórnia, quase não vi neve. Agora, este
ano, vou passar um Natal com neve.
- Alex deitou-se de lado, apoiando o cotovelo no chão. E ali, estirado na grama, parecia
perfeitamente tranquilo, sem nenhuma preocupação na vida.
- E eu não sei o que é Natal sem neve, disse. Mas prefiro muuio mais esse Sol quente.
Ele estendeu o braço e tocou no rosto de Selena com a ponta dos dedos.
- Gosto muito do jeito como o Sol aquece sua pele.
Em seguida, o rapaz partiu outro pedaço de pão. Selena fechou os olhos e procurou
escutar atentamente. O que fora aquilo? Ouvira algo. Talvez fosse o tinido distante dos
cincerros das vacas ou, quem sabe, o trinado dos pássaros nas árvores. Fosse o que fosse, o
certo é que no momento em que Alex tocara seu rosto, sem dúvida nenhuma, escutara uma
melodia.
Capítulo Quinze
- Não foi só um piquenique gostoso, explicou Selena para Marta quando voltavam para
o hotel. Pra mim, foi uma experiência espiritual.
A tia de Cris soltou uma gargalhada zombeteira.
- Sabe o que mais, Selena, replicou a mulher, acho que, se você e minha sobrinha forem
lavar a cabeça, vão dizer que é uma experiência religiosa. Gente, vocês não podem ficar tão
enfronhadas assim em meditações celestes. Assim não serão de nenhuma valia aqui na Terra.
Selena deu uma olhada para Cris, que lhe fez um sinal silencioso de que não
respondesse nada. No momento em que buscaram Marta no festival de arte, a garota
percebera que ela estava com os movimentos um pouco incertos. Ao que parecia, naquele
festival havia uma mesa para degustação de vinhos, e a mulher fizera bom proveito dela. E
pelo jeito como pronunciara a palavra “experiência”, arrastando um pouco na fala, Selena teve
certeza de que ela abusara mesmo da bebida.
- O que vão fazer hoje à noite? indagou Alex.
- Temos de arrumar as malas, interpôs Marta. A Cris e a Selena não vão poder sair para
jantar, porque já temos outros planos.
- Entãao posso vir pegá-las para levá-las a estação amanhã?
- Claro, pode, replicou Marta. Temos de sair do hotel às 7:00h. Você virá nos buscar?
- Virei, disse o rapaz. Estarei aqui às 7:00h.
Instantes depois, paravam em frente do hotel. Nesse momento, grossas gotas de chuva
começaram a bater no pára-brisa.
- Humm, na hora certa, disse Marta. E agora vocês vão dizer que o fato de a chuva
descer depois de terem voltado do piquenique também foi algo espiritual.
Nenhum deles disse nada. Alex saiu do veículo, deu a volta e abriu a porta para Marta.
Selena e Cris também saíram e correram para debaixo do toldo. A chuva era tão pesada, que o
barulho lembrava uma saraivada de balas.
- Está chovendo pra valer! exclamou Selena.
- Alex, disse Cris, mais uma vez, obrigada por tudo. Então amanhã cedo a gente se vê
de novo.
- Isso, replicou o rapaz. Às sete. Eu virei.
Ele se voltou para Selena e lhe dirigiu um sorriso carinhoso. Os dois se olharam por
alguns instantes em silêncio. Em seguida, Alex se aproximou da garota, passou os braços em
torno dela e envolveu-a num abraço. Como ela não estava esperando aquele gesto, ficou
parada alguns segundos, mas afinal correspondeu e o abraçou também. A seguir, ele se
afastou, mas ao fazê-lo passou o queixo pelo cabelo dela.
- Tschuss! disse ele.
Selena não entendeu a palavra, mas achou que ele devia estar dizendo “Tchau” em
alemão ou em francês, ou talvez fazendo uma mistura das duas línguas.
- Tchau! respondeu. Amanhã então a gente se vê.
O rapaz se virou e correu para o carro. A chuva estava grossa e fazia tanto barulho que
parecia que o toldo iria desabar. De repente, um relâmpago iluminou o céu, seguido
imediatamente de uma trovoada forte.
- Depressa, gente! gritou Marta para as duas garotas. Vamos entrar.
A tia de Cris parecia estar em pânico. No momento em que Selena destrancava a porta
do quarto, houve outro relâmpago. As luzes do corredor piscaram. Três segundos depois, veio
o trovão.
- Isso é péssimo! exclamou Marta, entrando no quarto das garotas junto com elas. Não
liguem a televisao nem se aproximem da janela.
- Onde eu morava, na região montanhosa, comentou Selena, era comum haver
tempestades fortes assim. Esta deve ser mais estrondosa do que as chuvas da região praiana
onde vocês moram, não é?
Marta parecia bastante inquieta. Tirou o sapato e se acomodou na cama de Selena.
- Pois é, disse ela, abanando acabeça, agora eu queria que o Robert estivesse aqui.
Selena se deu conta de que era a primeira vez, durante a viagem, que a mulher
mencionava o marido.
- Por que ele não veio? indagou a garota.
- Ora, por causa do rosto dele, explicou Marta de forma áspera.
Imediatamente, porém, ela percebeu que fora meio indelicada e acrescentou:
- Quero dizer, a cicatriz ainda não se secou completamente, e acho que ele não deve
viajar enquanto não fizer a cirurgia plástica. Ele esta com uma aparência horrível. Você sabe,
já que o viu. Vocês duas o viram. Acham que ele deveria viajar?
Selena compreendeu que Marta estava meio alterada por causa do vinho. Em seu estado
normal, ela não iria falar do marido de forma tão insensível. Será que a tia de Cris era tão
obcecada com a aparência a ponto de sentir vergonha de Bob? Fazia apenas cinco meses que
ele sofrera o acidente, ficando com o rosto, o pescoço e a orelha queimados. A garota não
entendia muito de queimaduras, mas tinha a impressão de que ainda iria demorar um bocado
para o Bob estar com uma aparência apresentável, aos olhos de Marta.
- E aí gente? Vocês acham que ele deveria viajar? repetiu Marta, querendo uma
resposta.
- Acho que vai depender do que os médicos disserem, respondeu Cris afinal.
- Ah! fez Marta. Os médicos não sabem nada! Disseram que iam salvar minha filha; e
não salvaram. Disseram que iam me curar; e não curaram. Como é que posso acreditar que
vão corrigir o problema facial do meu marido?
Selena dirigiu um olhar cauteloso para a amiga, que se achava sentada na beirada da
cama. Cris, como Selena, parecia admirda de a tia haver mencionado a filhinha dela com tanta
tranquilidade. O grande segredo viera à tona!
Outro relâmpago brilhou no céu, seguido do ribombar do trovão. As três tiveram um
sobressalto. Selena sentou-se na beirada de sua cama, de frente para Marta. Compreendeu
que, se quisesse bancar a detetive e desvendar o mistério da tia de Cris, a hora era agora.
- O que foi que aconteceu com sua filha? indagou, procurando dar à voz um tom bem
natural.
Marta piscou várias vezes seguidas.
- Você já sabe sobre a Johanna?
- Eu sei, respondeu Cris, sentando-se na cama da amiga.
Agora as três formavam um pequeno círculo.
- Mamãe me contou, uns anos atrás. Fiquei muito sentida de ela ter morrido, tia. Mas eu
gostaria que a senhora tivesse me contado.
- De que adiantaria?
- Isso me ajudaria a conhecê-la melhor, disse a jovem.
- Ah! exclamou Marta, dando uma risada. Tem um bocado de fatos que você não sabe a
meu respeito. Nunca fui igual a você, toda doce e de coração aberto. Tinha uma porção de
segredos, que quase ninguém sabia.
- Se não quiser, não precisa nos contar nada, interpôs Cris, num tom de voz cheio de
compaixão.
Marta respirou fundo.
- Não; acho que você já tem idade para saber. Eu tinha resolvido mesmo que um dia iria
lhe contar. Acho que hoje está bom. A sua mãe sabe, mas pedi a ela para não lhe dizer nada,
porque achei que eu própria devia lhe revelar tudo.
Selena se sentiu um pouco incomodada. Antes tivera a impressão de que estava
encarregada da importante missão de fazer com que Marta se abrisse com elas. Agora, porém,
que ela estava prestes a fazer exatamente isso, parecia que ela deveria conversar apenas com
Cris. Sentia que estava sobrando ali.
- Quer que eu vá para o seu quarto pra você conversar mais à vontade com Cris?
perguntou.
Outro relampago clareou o ambiente, e o trovão ecoou justamente no momento em que
a garota terminava a frase.
- Ah, é melhor você também ouvir o que tenho a dizer. Provavelmente já “adivinhou” o
que se passou, replicou a mulher, virando-se para ela.
Selena notou que a pálpebra do olho direito de Marta estava um pouco caída. Naquele
momento, a tia de Cris perdera toda a sofisticação.
- Você “pega” as coisas no ar, não é, Selena? Uma menina tão jovem como você não
deveria ter essa percepção tão aguçada!
A garota não saberia dizer se Marta a elogiara ou a agredira. Recostou-se na cama e
achou que era melhor não responder nada.
- Vamos lá! continuou a mulher. Conte pra minha sobrinha. Ela ainda não entendeu.
- Não entendeu o quê? indagou Selena. Não sei mesmo do que você esta falando.
- De Johanna. Diga pra ela que a Johanna era filha do Nelson.
A garota sentiu uma náusea forte. Nesse momento, percebia que havia se enganado
quando pensara que seria legal “entrar” na alma de Marta.
- Quando começamos a namorar, estávamos muito apaixonados um pelo outro, disse a
mulher, contando sua história. Eu tinha quinze anos. Foi por isso, Cris, que eu a convidei para
vir à minha casa naquele ano em que fez quinze anos. Queria muito lhe falar sobre o que pode
acontecer com garotas bonitas que não sabemnada acerca dos homens e da vida. Quando eu
tinha aquela idade, não sabia nada.
Aqui ela fez uma pausa, abanou a cabeça e olhou fixamente para a sobrinha.
- Mas aí, quando você chegou, percebi que era muito diferente de mim. Fiquei sem
saber como iria contar-lhe. Achei que, se contasse, você iria amadurecer depressa demais,
como ocorreu comigo. E eu não queria isso. Então resolvi não revelar nada.
Houve um silêncio meio incômodo. Era como se elas estivessem esperando que
houvesse um relâmpago e um trovão, para romper a tensão.
- E o que aconteceu? indagou Cris finalmente, em voz baixa e tensa.
- Aos dezessete eu engravidei. Contei para o Nelson e, sinceramente, esperava que ele
se casasse comigo. Mas ele foi embora, e nunca mais o vi.
- Deve ter sido horrível pra você, comentou a jovem.
- Aí fui morar com seus pais. Eu disse pra todo mundo que fora para lá porque minha
irmã estava grávida e eu iria ajudá-la. Ninguém sabia que eu também ia ter um bebê. Minha
filha nasceu prematura e era muito fraquinha. Achei que Deus estava me castigando. Mas não
entendi por que ele tinha de punir também uma criancinha inocente. Pouco depois que ela
morreu, sua mãe entrou em trabalho de parto. Achei que eu também era culpada disso, porque
causara problemas para Margaret. Aí, no dia seguinte, você nasceu - e era perfeita.
As luzes do quarto piscaram de novo e em seguida se apagaram. Estava começando o
entardecer, mas, por causa da tempestade, o ambiente se achava bem escuro.
- Tenho uma lanterna, disse Selena, pegando a mochila no chão.
- Vocês provavelmente vão dizer que isso é uma “coisa de Deus”, não é? comentou
Marta em voz fraca e com um tom de amargura. Esta escuridão súbita dá um toque especial a
este momento, não dá? Pois foi isso que senti no dia em que você nasceu, Cristina - uma
escuridão na alma. Minha irmã era abençoada por Deus, enquanto eu, a terrível pecadora, era
amaldiçoada. Mudei-me para a Caifórnia e fiz o curso de secretária. Mas tive de trabalhar
muito para pagar os estudos. No primeiro emprego que arranjei, conheci o Bob. Ele se
apaixonou por mim e me aceitou como eu era. Mas eu só estava procurando alguém que me
amasse. E queria muito ter uma filha com ele.
Quando Marta concluiu sua história, parecia estar perdendo as energias.
- Mas o seu Deus não se esquece de nada, não é? Afinal, fiz uns exames e os médicos
constataram que eu estava estéril. Depois falaram que eu poderia me tratar e ficar curada. Mas
isso não aconteceu. Ninguém pode brigar com Deus, pode?
- Claro que pode, interveio Selena. Pode brigar com ele, pôr a culpa de tudo nele e ficar
com raiva dele o quanto quiser. Mas ele continua sendo Deus. Continua no controle de tudo
que acontece neste mundo. E ainda a ama.
Marta soltou um grunhido.
- É, disse, mas ele demonstra esse amor de uma forma muito estranha.
Selena olhou para Cris, mas na semi-escuridão do aposento não conseguiu identificar a
expressão dela. A luz da lantema estava voltada para o banheiro, formando longas sombras na
parede.
- Mas ele a ama, sim, falou Cris, confirmando as palavras de Selena.
- Amor! interpôs Marta, abanando acabeça. Vocês duas não têm a mínima idéia do que
seja amor! Não sabem nem um pouco do que estou falando! Se Deus realmente me ama e me
protege, ele terá de provar isso.
Ela se inclinou para a frente, tentando erguer-se, mas teve dificuldade. Afinal, abaixou-
se, pegou o sapato e se levantou. Suas pernas não pareciam muito firmes.
- Agora você já sabe de tudo, Cristina. Sua tia é uma terrível pecadora e Deus já desistiu
dela. Acho que devo me dar por satisfeita de ver que você é uma garota muito boa, e que ele a
abençoa.
- Deus nunca desiste de ninguém, tia, disse Cris.
A jovem se levantou, caminhou rapidamente para perto de tia e se postou ao lado dela.
Passou o braço em torn do ombro da tia e continuou:
- Eu tenho muito amor por você, tia Marta. Estou muito triste de saber que passou por
tanto sofrimento. Mas o amor que sinto por você não vai mudar. E acho que, bem lá no fundo,
você sabe que Deus também não largou mão de você, não. Ele está só esperando que se volte
para ele.
Marta não aceitou bem o abraço de Cris. Com um arranco, afastou-se dela e resmungou:
- Pois então ele vai ter de esperar um bom tempo, porque tenho de ir arrumar minha
mala e pegar o trem amanhã.
Em seguida, com passos vacilantes, foi saindo em direção ao seu quarto. No momento
em que ela cruzou a porta, e esta bateu de volta, ouviu-se outra forte trovoada.
Capítulo Dezesseis
- Cris, disse Selena, cochichando em meio à escuridão do quarto, você está dormindo?
Fazia várias horas que elas haviam se deitado. Depois que Marta saíra, elas tinham
pedido o jantar pelo telefone, pondo-se então a arrumar as malas. Ao mesmo tempo,
comentavam a respeito da conversa tão profunda que haviam tido com a mulher. Lá fora, a
tempestade continuava. Nesse momento, porém, o tamborilar da chuva na janela despertara
Selena. Cris não respondeu.
Ora! Está dormindo. E eu não consigo dormir de novo.
Começou a desejar que Marta houvesse demonstrado um pouco mais de interesse,
quando a amiga dissera que ela precisava se voltar para Deus. Fora isso que acontecera com
Bob, quando ele sofrera o acidente na churrasqueira. Antes, ele sempre dizia para Cris que
não precisava de Deus. Após o acidente, porém, mudara completamente. Quando ainda estava
no hospital, ele entregara a vida a Cristo. Com ele, ocorrera uma transformação instantânea, o
que era visível a todos.
Selena estava convencida de que além de Marta não querer nada com Deus, ela também
passara a tratar o marido com frieza, depois que ele se convertera. Então a garota se pôs a
orar. E orou durante um bom tempo, naquela noite tempestuosa. Nessses últimos dias, haviam
acontecido vários fatos, todos eles muito importantes.
A chuva batia forte na janela. O vento soprava com um assobio agudo, estridente, que
parecia encher todo o quarto. O barulho da tempestade lembrou-a do texto que Alex lera em 1
Pedro 4.7,8. “Ora, o fim de todas as coisas esta próximo; sede portanto, criteriosos e sóbrios a
bem das vossas orações. Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros,
porque o amor cobre multidão de pecados.” Selena estremeceu.
Agora que compreendia melhor os problemas de Marta, arrependeu-se de ter feito um
julgamento negativo sobre ela. A Cris agira da maneira certa. Ela amava a tia
incondicionalmente. Selena fechou os olhos e orou a Deus, pedindo-lhe que a ensinasse a ter
esse tipo de amor.
Entretanto, de manhã cedo, seu propósito de amar incondicionalmente foi logo
submetido a uma prova. Marta não levantara com boa disposição. Logo de início, gritou com
as duas garotas por haverem se atrasado para descer ao saguão. Alex já as esperava embaixo.
Contudo, assim que ele as cumprimentou, a tia de Cris se pôs a agir como se não tivesse
aceitado o oferecimento do rapaz para levá-las a estação. Ele pegara as malas delas, mas a
mulher ordenou-lhe que as pusesse de volta no chão. Iriam tomar um táxi. Ele podia ir
embora.
O mau humor dela estava começando a dar nos nervos de Selena. A garota tentou
manter-se calma diante daquela mudança da tia de Cris. Contudo, quando Marta se pôs a
destratar Alex, ela não aguentou mais e partiu em defesa dele.
- Ontem você disse que Alex poderia nos levar a estação, falou ela, dando um olhar
irado para a outra. Ele teve o trabalho de vir aqui nos pegar. Não acha que temos de ir com
ele?
Marta também fitou a garota com raiva.
- Ah! Que seja, então! disse. Façam o que acharem melhor. Estou vendo que minha
opinião não tem nenhum valor.
- Vou ajudá-lo a levar as malas para o carro, disse a garota ao rapaz. Onde foi que você
estacionou?
Alex foi caminhando na frente, seguido de Selena, Cris e Marta, por último.
- Por favor, Alex, disse a garota. Não deixe isso perturbá-lo. Desculpe-a por havê-lo
tratado daquela maneira.
- Isso não é sua responsabilidade, Selena, replicou ele. Você não precisa pedir
desculpas. Parece que dentro do coração dela esta se travando uma grande batalha.
Selena fez que sim. O rapaz entendera o que estava acontecendo. Talvez compreendesse
até melhor do que ela e Cris.
O carro foi rodando pelas ruas alagadas até a estação, a Badisher Bahnhof. O céu estava
carregado de nuvens cinzentas, e uma chuva fina caía sem parar. A fraca luminosidade do
ambiente tirava um pouco da beleza das cores vivas que elas haviam visto naquela mesma rua
no dia anterior. Na parte interna da confeitaria, onde tinham estado, havia uma luz amarela
viva e alegre, mas todas as outras lojas se mostravam sombrias, como o próprio dia.
- Já estão com as passagens ou ainda vão comprar? indagon Alex.
- É claro que já estamos com elas, respondeu Marta asperamente. Assim que chegarmos
à estação, quero a bagagem no trem, e as duas imediatamente seguindo para suas poltronas.
- ‘Tá bom, disse Cris.
Selena estava tentando imaginar um jeito de se despedir de Alex. O rapaz certamente
deixara uma marca profunda nela, apesar de terem passado tão pouco tempo juntos.
Reconhecia que havia mudado nesses poucos dias que passara ali; e sabia que, em parte, fora
por causa da influência dele. Precisava contar-lhe isso; e queria dizer-lhe em particular, de
pertinho, para que pudesse uma vez mais fitar aqueles olhos escuros.
Elas haviam se atrasado para descer para o saguão exatamente porque Selena voltara ao
quarto para escrever seu endereço numa folha de papel timbrado do hotel. Sua intenção era
aguardar o momento mais adequado para lhe entregar. Por isso, não poderia concordar com o
que Marta dissera, isto é, que embarcassem assim que chegassem. Então ficou em silêncio.
Afnal, Alex parou o carro junto ao prédio da estação. Selena alegrou-se ao ver os leões
de concreto guardando a entrada do prédio. Eles lhe lembravam a história de “Aslam”, e, por
conseguinte, de Cristo. Orou em silêncio, pedindo a Deus que lhe arranjasse uma
oportunidade para se despedir do rapaz da maneira que queria, do jeito que achava que
precisava.
Alex entrou na plataforma com elas, pegou um carrinho e foi empurrando a bagagem
delas até a linha de número 7, onde o trem delas estava estacionado. Alguns passageiros já
estavam embarcando.
Marta remexeu em sua bolsa e depois examinou os papéis que trazia nas mãos.
- Minha passagem! exclamou com voz estridente. Perdi minha passagem! A da Cris e a
de Selena estão aqui, mas a minha, não.
- Olhou nas malas? indagou Alex.
- Não está nelas, não.
- Acho que devemos procurar, disse Cris, abaixando-se para abrir o zíper da mala da tia.
- Está trancada, interveio Marta em tom áspero. Espere, deixe que eu abro.
- Vou procurar no carro, ofereceu Alex.
- Vou com ele, disse Selena.
A garota estava começando a entrar em pânico, não por causa da passagem, mas por
pensar que nunca mais veria o rapaz. E se não conseguisse dizer-lhe tudo que estava em seu
coração?
Antes que Marta pudesse fazer alguma objeção, Selena e Alex já estavam correndo pela
plataforma em direção ao ponto onde ele deixara o carro. Alex destrancou-o rapidamente e se
pôs a procurar debaixo dos bancos. Selena deu busca no assento de trás e depois no porta-
luvas.
- Não achei, disse ela.
- Nem eu. Talvez a passagem esteja na mala e a essa altura elas já a tenham encontrado.
Vamos voltar, senão você perde o trem.
O rapaz trancou o veículo e os dois se puseram a correr de volta à linha número 7.
Quando chegaram junto ao longo comboio, ambos ofegavam de cansaço. Havia dezenas de
pessoas na plataforma, mas nem Cris nem Marta se achavam por ali. Perto deles, um casal
jovem estava dando um prolongado abraço de despedida. Era assim que Selena queria se
despedir de Alex. Agora, porém, seria dificil. Tudo estava muito agitado.
- Onde será que elas foram? indagou Selena arfando.
- Talvez tenham encontrado a passagem e entrado no trem, disse Alex.
- Ah, mas elas não iriam sem mim!
- Devem ter pensado que você naturalmente iria embarcar se não as visse aqui.
A garota olhou para um lado e para outro. Não se via nem sinal delas.
- O que é que eu faço, Alex?
- Acho que deve entrar no trem. Se o perder, não conseguirá chegar ao aeroporto a
tempo de pegar o vôo de volta.
Desistindo de seu intento de ter uma despedida romântica e colocar despistadamente na
mão dele o papel com seu endereço, Selena pôs o pé no primeiro degrau da escadinha do
vagão e segurou no corrimão, mas parou. Havia algo errado. Seu coração começou a bater
forte, como acontecera no avião quando tivera o pesadelo e sonhara que ele ia cair. Virou-se e
deu mais uma olhada pela plataforma.
- Tchau, Selena, disse Alex, erguendo o braço como se a estivesse abençoando. Que
Deus esteja sempre com você!
Uma campainha soou alto, e o comboio arrancou. A garota compreendeu que tinha de
acabar de entrar, mas ainda tinha a sensação de que não deveria. De repente, ouviu alguém
chamando seu nome, no meio do pessoal que se achava na plataforma. Com um barulho
semelhante a um assobio, o trem se pôs a rodar lentamente, partindo da estação.
- Alex, gritou ela, tive a impressão de que ouvi a voz de Cris me chamando. Aí na
plataforma!
O rapaz se pôs a caminhar rapidamente acompanhando o trem. Correu os olhos pela
estação e em seguida fitou Selena.
- É ela! Está aqui! Pule, Selena, eu a pego!
O sentimento de pavor que começara no coração agora dominava seu estômago e sua
garganta, deixando-a imobilizada.
- Pule! repetiu Alex. Você tem de pular! Eu a pego! Agora!
Selena prendeu a respiração e saltou do trem, em direção a Alex que a esperava com os
braços abertos.
Capítulo Dezessete
Selena bateu em cheio contra o peito do rapaz. O impacto foi tão forte que ele não
conseguiu se manter de pé. E como ele passara os braços firmemente em torno da garota, os
dois tombaram no chão.
- Aaaai! exclamou Selena.
- Ufff! fez Alex.
- Você se machucou? indagou a garota enquanto se levantava.
O rapaz estava com os olhos arregalados. Movia a boca, mas dela não saía nenhum som.
- Ah, não! disse ela, inclinando-se e pegando a mão dele. Eu o machuquei!
Alex fez força para dizer algo, mas só conseguiu tossir. Teve um longo acesso de tosse.
Às suas costas, os últimos carros do trem passavam pela plataforma, saindo da estação.
Afinal, acabou o barulho.
- Selena! gritou Cris, chegando onde eles se encontravam e se ajoelhando junto dos
amigos. Vocês se machucaram? Vi quando você pulou. Pensei que ia morrer!
- Parece que o Alex quase morreu, disse Selena.
As duas garotas ajudaram o rapaz a se sentar no chão. O cabelo dele estava todo caído
nos olhos. Ele abanou a cabeça e respirou fundo.
- Já passou! disse afinal. Perdi o fôlego!
Ah, me desculpe! pediu Selena. Não devia ter pulado com tanta força. Não pretendia
derrubá-lo. Desculpe, Alex!
- Tudo bem! replicou o rapaz com voz trêmula e levantando-se.
- Cris, onde é que vocês estavam? Não vimos você nem a Marta em lugar nenhum.
Achei que tinham embarcado.
- Estávamos bem ali, respondeu Cris. Marta esta sentada num banco, e nossa bagagem
está perto dela, no carrinho. Pode ser que as malas estivessem nos tapando e por isso vocês
não nos viram. Estamos no mesmo lugar onde vocês nos deixaram. Devem ter entrado por
outra porta, pois saíram em outro ponto da plataforma.
Os três se puseram a caminhar para onde se achava a tia de Cris.
- Encontraram a passagem? quis saber a garota.
- Não, disse a jovem. Procuramos em tudo e não encontramos. Parece que minha tia vai
“explodir”, como diz meu pai. Então achei melhor ela sentar um pouco.
- Sinto muito ter causado esse problema pra vocês, Cris, falou Selena com voz tensa.
- Não se preocupe, replicou a jovem. Não é culpa sua. Já disse pra Tia Marta que Deus
está no controle de tudo e que não precisamos nos preocupar. Você sabe, né, a preocupação
estrangula a gente, concluiu ela, imitando o gesto que Alex fizera no dia anterior.
- E o que foi que ela disse?
- Quase me estrangulou, então não falei mais nada.
- Bem pensado!
- Aí, aconteceu algo muito estranho. Eu estava sentada no banco ao lado dela e, de
repente, olhei pra cá, pra esse lado, e avistei sua mochila e seu cabelo louro. Então percebi
que era você que estava aqui.
- Que bom que você me viu! exclamou Selena.
- É! Que bom mesmo!
Nesse momento, chegaram ao lugar onde Marta se encontrava sentada, com os braços
cruzados, muito tensa. Tinha no rosto uma expressão carrancuda, cheia de amargura. E o pior
de tudo foi que ela não disse nada. Selena estava na expectativa de ter uma longa discussão
com a mulher, para se defender. Contudo a tia de Cris não deu o primeiro “soco”. Limitou-se
a ficar ali parada, olhando para os três, como se eles fossem os culpados de tudo. Afinal,
Alex, que havia recuperado o fôlego, quebrou o silêncio.
- Posso dar uma sugestão? disse ele em tom calmo. Que tal irmos ao guichê e ver se eles
tem tudo registrado no computador? Assim eles podem emitir uma nova passagem, e vocês
poderão pegar o próximo trem.
Ao que parecia, a idéia não agradou a Marta, que permaneceu calada e quieta.
- Ó gente, temos de tomar alguma providência, interveio Cris. Quem sabe eu posso ir ao
guichê pra verificar isso? Vocês ficam aqui me esperando.
- Não! retorquiu Marta em tom firme. Não vou deixar ninguém arredar o pé daqui nem
um segundo. Vamos todos juntos. Alex, pegue a bagagem!
Selena sentiu uma forte irritação. Marta tivera muitas atitudes negativas, e a garota não
se incomodara. Contudo, no instante em que deu a ordem ríspida para o rapaz, isso a
perturbou. A tia de Cris poderia dizer o que quisesse a Selena, que esta não se importaria.
Sabia que não era a culpada da confusão que se criara. Afinal, o tempo todo estavam apenas
tentando procurar a passagem de Marta. Simplesmente não havia razão para ela tratar Alex
daquele modo. E como ela ja havia sido tao simpática com ele algumas vezes, a descortesia
que demonstrara agora parecia ainda mais gritante. Não dava para se saber com antecedência
quando ela iria tratá-lo bem e quando não iria.
- Pode me dar uma bolsa pra carregar, ofereceu Selena para o rapaz.
- Pra mim também, interpôs Cris.
Marta saiu caminhando à frente dos outros, com passos rápidos e firmes, como quem
está com raiva. Chegando ao guichê, tiveram de entrar na fila. Havia seis pessoas antes deles.
A tia de Cris começou a reclamar da lentidão e da incompetência dos funcionários. As garotas
ficaram meio sem graça de estar ao lado dela. Afinal, depois de uns dez minutos, chegou a
vez deles.
- Deixe-me explicar a situação para ele, esta bem? pediu Alex, assim que se
aproximaram do guichê. Quer dizer, se você achar melhor, acrescentou o rapaz prontamente.
Marta estava por demais irritada e novamente optou pelo silêncio. Alex não esperou
mais e logo se pôs a explicar rapidamente a situação delas para o homem, falando em alemão.
O atendente replicou também nessa língua, com palavras que pareciam ter um tom áspero. O
rapaz respondeu, evidentemente, contra-argumentando e procurando uma saída para o
problema. Nesse momento, porém, no alto-falante da estação, alguém começou a dar um
aviso, falando em alemão. Dessa vez não era um anúncio de partida e chegada de trens.
Tratava-se de algo diferente. Todos os que estavam por ali pararam e se puseram a escutar
atentamente. Selena notou que alguns dos presentes tinham uma expressão de espanto no
rosto; outros, de irritação.
- O que foi que disseram? indagou ela para Alex, cochichando ao ouvido dele.
- Todas as viagens para o Norte foram canceladas, explicou ele, erguendo um dedo para
pedir silêncio, pois ainda estavam falando.
- Mas é justamente para o Norte que temos de ir, disse Marta. É o nosso destino. Como
é que eles vão cancelando assim todas as partidas para lá? Que país é este?
Selena ficou com os olhos fixos no rosto de Alex. Sentia uma forte agitação dentro de
si. Mordeu o lábio inferior e continuou observando a expressão do rapaz. Este ergueu
levemente as sobrancelhas e em seguida abaixou-as rápido. Viu que os lábios dele formavam
uma interjeição de espanto.
- Oh! fez ele, soltando o ar lentamente.
Todos que se achavam na estação passaram a resmungar, mas, afinal, ouvindo o
comunicado que prosseguia, ficaram em silêncio. Alex fechou os olhos com força, e abanou a
cabeça.
- Houve um acidente com o trem de vocês, explicou ele.
Olhou para cada uma das três mulheres e depois tocou o dedo no rosto de Selena.
- Aquele trem em que você quase embarcou, continuou o rapaz, descarrilou a dois
quilômetros daqui. Ao que parece, a chuva deixou o terreno muito alagado e os trilhos
cederam ao peso do trem. Eles acham que há muitos mortos.
- Não! exclamou Selena.
Alex passou um braço em torno da garota e o outro em torno de Cris, procurando
confortá-las. Depois aproximou-se de Marta para abracá-la, mas a mulher não aceitou o
abraço. Deu um passo, afastando-se dos outros. Fitou-os com os olhos arregalados de terror.
- Nós poderíamos ter morrido! disse afinal.
Todos permaneceram em silêncio por alguns instantes, tentando absorver a idéia. O
atendente do guichê disse algo a Alex em tom brusco. O rapaz ergueu uma das mãos e
respondeu:
- Ah, agora pode deixar. Danke.
Ele conduziu as três mulheres para um banco em um lugar aberto. Elas pareciam ainda
meio “passadas” com a notícia. Fez com que se sentassem e colocou a bagagem ao lado delas.
- Esperem um pouco, disse, vou dar um telefonema. Esperem aqui, está bem?
- Nós vamos ficar quietas aqui, respondeu Marta, ainda meio entorpecida.
Assim que o rapaz se afastou, Selena começou a dar sugestões.
- Podemos pegar um ônibus, não é? Ou, quem sabe, seria melhor alugar um carro? O
que vocês acham?
- Eu estou pensando é que poderia ter morrido, comentou Marta.
- Acho que você não vai gostar muito do que vou dizer, Tia Marta, principiou Cris, mas
já entendeu o que aconteceu? Deus nos protegeu. O fato de você ter perdido a passagem, na
verdade, não foi uma tragédia. Foi um ato de Deus. Por causa disso, não tomamos aquele
trem. Lembra que ontem você disse que, se é verdade que Deus a ama e a protege, terá de
provar? Pois bem, ele acaba de provar.
Dessa vez, Marta não berrou com a sobrinha por estar espiritualizando uma situação da
vida. Não disse nada, e uma lágrima escorreu de seus olhos. Em seguida, veio outra, e mais
outra. Ela abriu a bolsa e pegou um lenço de papel. Selena sentiu-se toda trêmula
interiormente. Parecia que ela se encontrava ali para assiatir a um milagre: Marta
quebrantando o coração para Deus.
- Onde fica o toalete? indagou a tia de Cris, com o rosto muito pálido, erguendo-se
rapidamente.
- Ah, é lá atrás, disse Cris. Vi quando passamos por ele. Quer que eu vá com você?
- Se quiser, retrucou a mulher, já se virando na direção que a jovem apontara.
Selena ficou sozinha, vigiando a bagagem e aguardando que Alex retornasse. Quando o
rapaz voltou, tinha um largo sorriso no rosto.
- Meu primo disse que tudo bem, falou ele.
- Tudo bem, o quê?
- Eu posso ir com o carro dele. Vou levá-las ao aeroporto.
- Que ótimo, Alex! exclamou Selena, feliz com a possibilidade de passar mais algum
tempo em companhia dele. Você sabe que leva várias horas, né? Ah, você sabe. Oh, Alex,
isso É muito legal de sua parte! A Marta e a Cris foram ao toalete. Devem voltar já.
- Então vou colocar as malas no carro. Ou você acha melhor esperar que elas voltem?
- Sei lá. Talvez seja bom esperar, para a Marta não ficar mais irritada.
- Está bem, concordou o rapaz. “Salena”, eu estaa querendo muito uma oportunidade de
lhe dizer como foi bom passar esses momentos com você. Creio que me lembrarei de você
pelo resto da vida.
Pronto! Chegara o instante que Selena tanto desejara - poder despedir-se de Alex de
forma carinhosa. Agora, porém, pega de surpresa, não sabia o que dizer. Não fora assim que
planejara tudo.
- Eu também queria lhe dizer o mesmo, replicou ela.
Enfiou a mão no bolso para verificar se o papel com seu endereço estava ali. Agora que
chegara a hora de sugerir-lhe que os dois se correspondessem, ficou acanhada. E o mais
estranho era que essa emoção era novidade para ela.
Contudo fez um esforcço, estendeu a mão e tocou no braço do rapaz. Seu plano, antes,
era pegar na mão dele, como ele pegara na dela, quando estavam no saguão da escola. E
assim, de mãos dadas, iria lhe falar de seus sentimentos. Ela até pensara que, a essa altura, ele
já poderia ter pegado na mão dela novamente e lhe falado do que sentia a seu respeito.
Entretanto ele acabara falando sem tocar nela. Então sentia-se sem jeito de segurar a mão
dele. Selena deu um aperto de leve no braço de Alex e em seguida soltou-o.
- Alexander, disse ela, nesses dias, você dedicou muito do seu tempo a nós. Quero lhe
dizer que seu amor intenso despertou minhas paixões.
O rapaz ergueu uma sobrancelha.
- Espere aí. Não era isso que eu queria dizer. Faça de conta que não falei nada disso. O
que eu quis dizer... você sabe... aquele versículo, aquele que fala sobre ter amor intenso.
Alex ia replicar, mas nesse momento uma voz masculina começou a dar outro aviso
pelo alto-falante. O rapaz se pôs a ouvir atentamente e depois deu a interpretação.
- Eles estão tomando providências para que os passageiros que já tinham comprado
passagem possam pegar um ônibus. Vocês vão preferir ir de ônibus então, em vez de ir de
carro comigo?
- Nós não temos os três bilhetes para trocar pelas passagens de ônibus, explicou Selena.
Acho que Marta se sentiria mais confortável indo no carro.
- É, tem razão. Dá licença, “Salena”. Vou lá verificar o parquímetro, para ver se o
tempo não expirou.
O rapaz virou-se e saiu apressadamente, deixando a garota sozinha.
- É... acho que fiz tudo errado, resmungou consigo.
Talvez ele esteja pensando que sou biruta, por ter dito que ele despertara minhas
paixões. Puxa, não estou sabendo agir direito. Primeiro caio em cima dele e o derrubo no
chão. Depois, digo algo que o deixa assustado e ele sai correndo. Pai celeste, por favor,
intervenha nessa situação!
Assim que Selena pensou isso, sentiu-se incomodada. Deus já interviera. Fora ele que a
tirara daquele trem. Centenas de passageiros tinham permanecido nele e agora alguns haviam
morrido. De repente, teve um choque. Nesse momento, compreedia que poderia estar morta.
Enxergou claramente os contrastes que a vida podia apresentar. A vida era simplesmente
maravilhosa e, ao mesmo tempo, podia ser horrível. Havia esses dois lados, e ela vivenciara
ambos nesses últimos dias.
E no entanto a vida era também um presente de Deus. Era ele quem dava a vida a todos
e, obviamente, poderia tirá-la na hora que quisesse.
Ele é Deus, pensou Selena. Pode fazer o que bem quiser.
Capítulo Dezoito
Quando as outras duas voltaram do toalete, Selena notou que Marta não estava passando
nada bem. Após uma breve pausa, Alex ofereceu-se para levá-las ao aeroporto, e ela aceitou
sem pestanejar.
Selena acomodou-se no assento traseiro do carro, lembrando-se de que estava viva por
um milagre. Agora precisava aproveitar da melhor maneira possível cada minuto de sua vida.
Deus havia decidido deixá-la na Terra um pouco mais, e ela queria tirar o máximo proveito
desse presente divino. Lembrou-se do jovem casal que estava se despedindo na plataforma e
sentiu um nó na garganta. Será que aquela jovem fora uma das vítimas do acidente, ou ainda
estava viva?
Começou a chorar em silêncio e virou o rosto para um lado Alex, Marta e Cris também
viajavam calados. E as lágrimas escorriam copiosamente pelo rosto de Selena. A paisagem lá
fora transmitia uma sensação de paz e calma. Ora viam-se colinas verdejantes; ora, extensas
plantações de milho. Como é que tudo ali poderia continuar assim tão belo e tranquilo,
quando alga tão horrível havia sucedido? Ela sabia, porém, que nunca havia respostas prontas
para as grandes indagações da vida. A existência humana era maravilhosa, mas ao mesmo
tempo, horrível. Assim era a vida.
Entretanto o fato de ter consciência dessa dura realidade não lhe trouxe nenhum
conforto. E o carro ia rodando velozmente, passando por um povoado atrás do outro. Todos
eles pareciam aldeiazinhas de conto de fadas. A maioria das residências que avistavam tinha
um jardim e uma horta, com seus pes de verdura e flores de cores vivas. Aquele cenário
colorido serviu para acalmar um pouco a garota. Contudo o céu ainda continuava
“carrancudo”, ameaçando derramar suas “lágrimas” de novo.
Marta reclinara um pouco o banco da frente e estava com a mão na testa. Cris indicou,
com gestos, que ela passara mal no toalete, na estação ferroviária, e chegara a vomitar. Selena
logo começou a imaginar que talvez tivessem de parar no meio da estrada para ela. Sabia que
viajar daquele jeito era muitíssimo desagradável. Possivelmente ela estava se sentindo mal por
haver consumido muito vinho no dia anterior, aliado ao fato de que tinha ficado bastante
nervosa por terem sido obrigadas a perder o trem. A despeito disso, Selena sentiu muita pena
dela.
A estrada era estreita, mas estava em excelentes condições. Agora passavam por uma
campina longa, onde se viam ovelhas pastando.
- Elas parecem pedaços de marshmallow em cima de um bolo com um glacê verde, não
parecem? comentou Selena.
- O que é marshmallow? quis saber Alex.
Estavam conversando em voz baixa para não incomodar Marta, mas mesmo assim a voz
do rapaz pareceu retumbar.
Selena explicou o que era marshmallow, e Alex se pês a falar de um doce que eles
tinham na Rússia. Explicou que era branco e tinha a forma de um cubo. Pela sua explicação,
Selena imaginou algo como um tablete de margarina, do tamanho de um pão de forma.
- Vocês comem essa margarina pura?
- Não; não é margarina, não; é um doce fino. Eu sei o que é margarina.
Novamente ele descreveu a iguaria e contou como era preparada, procurando fazer com
que as duas garotas a “enxergasem”.
- Parece com algo que nos chamamos de “banha”, felou Cris, torcendo o nariz. Mas nós
nunca comeríamos banha, nunca mesmo!
- Pare aí! gritou Marta.
Alex parou o carro perto de um arvoredo. Marta abriu a porta e saiu meio trôpega.
Inclinou-se sobre a valeta lateral e vomitou ali mesmo.
- Será que devo ir lá? indagou Cris.
- Quando ela passou mal na estação, pediu que você a ajudasse? perguntou Selena.
- Não.
- Então provavelmente não quer que você va lá agora também, não, concluiu. Tem lenço
de papel aí?
A jovem pegou a bolsa da tia no assento da frente e tirou dela um pacotinho de lenço de
papel.
- Melhorou, tia? disse ela para Marta, entregando-lhe o pacote.
- Já, já eu melhoro, respondeu a tia. Se vocês fizerem o favor de mudar o assunto da
conversa.
- Desculpe, murmurou Cris.
- Vamos embora, Alex, disse a mulher, erguendo o banco e abaixando a vidraça do
carro. Não podemos perder aquele avião.
- Vou ter de parar para abastecer no primeiro posto que encontrarmos, avisou o rapaz.
- Tudo bem, replicou Marta. E é claro que vou pagar, viu? Mas vá o mais depressa
possível.
Pararam num posto que ficava no entroncamento da estrada com a rodovia principal, ou
autobahn, como disse Alex. Cris e Selena foram à lojinha de conveniência e compraram água
mineral e balinhas de hortelã para Marta. Pegaram também refrigerantes para elas e o Alex, e
ainda alguns pacotes de biscoitos e barinhas de cereais.
- É igual aos postos de gasolina dos Estados Unidos, comentou Selena quando voltavam
para o carro. A única diferença é o nome dos refrigerantes e dos biscoitos.
- E o preço também, interveio Cris. Deu pra você ver o preço da gasolina? É o dobro do
nosso.
- É, na próxima vez que for encher o tanque lá, vou me lembrar disso, disse Selena.
Acho que a gente não aprecia devidamente o lado bom da vida em nossa terra.
- Isso é verdade, concordou Cris, no momento em que as duas se acomodavam no carro.
Eu estava pensando como é que vou me arranjar aqui sem carro. Mas acho que acabo me
acostumando a andar de ônibus e de trem. Terei de aprender a me virar aqui. Vai ser uma vida
nova pra mim.
- Alex, interpôs Selena, batendo de leve no ombro dele, muito obrigada por estar nos
levando ao aeroporto, viu?
Ele estava entrando na autobahn e acelerando mais o carro para acompanhar o tráfego
rápido da rodovia.
- A que velocidade estamos indo? indagou Selena.
- Sei lá, replicou Cris, mas a Alissa, uma amiga minha, me falou sobre o jeito como o
povo dirige aqui nessas autobahns. Disse que eles andam a 160km por hora. E eu não
acreditei.
Naquele momento, Alex fez uma manobra rápida para mudar de pista, e Cris pôs a mão
na perna da amiga, dando-lhe um aperto de leve.
- Agora eu acredito! concluiu.
Pouco depois, chegavam ao aeroporto. Não havia dúvida de que a viagem de carro foi
bem mais rápida do que a de trem. Entraram, foram ao balcão da companhia despachar a
bagagem e depois se sentaram para aguardar a hora do embarque. A essa altura, Marta já
parecia ter melhorado.
- Está melhor, Marta? indagou Selena.
- Estou, obrigada, respondeu a tia de Cris, remexendo na bolsa. Alex, muito obrigada a
você também. Você nos ajudou demais. Aqui. Tome isto para pagar as despesas.
- Não precisa, não, replicou ele, erguendo uma das mãos e recusando o dinheiro. Eu
queria muito trazê-las aqui.
- Foi muita gentileza sua. Muito obrigada mesmo, retorquiu a mulher, guardando as
notas e dando uma espiada para o relógio. Acho que agora temos de nos despedir de você.
Vamos embarcar daqui a alguns minutos.
Selena estivera pensando no que iria acontecer quando chegasse esse momento. Será
que iria ficar meio sem jeito de se despedir do rapaz na frente de Marta e Cris? Deveria tentar
explicar para ele o que quisera dizer quando falara que ele despertara suas paixões?
- Alexander, disse Cris, aproximando-se dele e dando-lhe um afetuoso aperto de mão,
estou muito feliz de tê-lo conhecido no trem, no dia em que chegamos. Muito obrigada por
tudo.
- Se eu vier passar as férias aqui de novo, disse ele, talvez vá visitá-la na escola.
- Eu gostaria muito de revê-lo, replicou a jovem.
Alex deu-lhe um abraço leve e beijinhos no rosto - primeiro na face direita, depois na
esquerda. Selena já havia observado que os europeus se cumprimentavam assim. Lembrou-se
do Antonio, seu amigo italiano, que também a cumprimentava desse jeito. Contudo ele fazia o
mesmo com todas as mulheres que conhecia. Por isso, Selena não considerava aquilo um
beijo de verdade. Entretanto, agora, havendo a possibilidade de Alex também se despedir dela
assim, de repente, nesse caso seria um verdadeiro beijo.
O rapaz dirigiu-se a Marta e repetiu o mesmo gesto. A mulher permaneceu imóvel, mas
a expressão de seu rosto suavizou-se um pouco.
Chegou a vez de Selena. O coração da garota começou a bater fortemente, como um
tambor. Sentiu a pulsação na garganta.
- Alex, disse ela em voz baixa e aproximando-se mais dele para que ninguém escutasse,
eu queria explicar o que falei lá na estação ferroviária. Você sabe, quando citei aquele
versículo sobre ter amor intenso uns para com os outros. Eu acho que ainda não sei amar os
outros. Mas você sabe; e demonstrou esse amor pelo seu exemplo. Nunca me esquecerei
disso. Nunca mais me esquecerei de você. Estou tão feliz de ter tido o privilégio de conhecê-
lo!
Selena fez uma pausa e repassou mentalmente o que acabara de dizer, para verificar se
conseguira expressar tudo que queria. Falara de forma meio desordenada, mas basicamente
dissera ao rapaz tudo que pretendia. Sorriu satisfeita.
Alex fitou-a com ternura, o que lhe deu a certeza de que ele “enxergara” tudo o que
estava no coração dela e compreendera bem o que ela havia dito. O rapaz se inclinou para ela.
Com um gesto firme, mas carinhoso, afastou uma mecha do cabelo de Selena que lhe caíra na
testa.
Será que ele vai me beijar? pensou a garota. Devo fechar os olhos? Não; talvez seja
melhor ficar de olhos abertos. Eu poderia fechar um e deixar o outro aberto. Que bobagem
estou pensando! Estou meio atarantada! Mas o que devo fazer?
- Meine Freunde, principiou o rapaz com sua voz grave, em meu coração há os mesmos
pensamentos para com você. Vamos nos encontrar de novo no céu. E vai ser um dia muito
feliz para mim.
Selena engoliu em seco.
- No céu, repetiu.
Entendeu que ele havia dito “minha amiga”, em alemão. De repente, compreendeu que
o rapaz não iria beijá-la nos lábios. Enxergou ainda que Alex nunca iria se corresponder com
ela. Então deixou ficar no bolso o papel com seu endereço. Contudo o rapaz continuaria “com
ela”, guardado num cantinho de seu coração. E, graças a Deus, ela conseguira dizer-lhe isso.
- Que a paz de Cristo esteja com você! disse Alex.
- E com você também, retrucou a garota.
Ele se inclinou para ela, pôs ambas as mãos nos ombros dela, tocando-a bem de leve, e
encostou o rosto em sua face direita. Selena achou a pele dele fria e se deu conta de que suas
faces estavam “em fogo”, devido a emoção do momento. Em seguida, ela escutou o beijinho
que ele deu no ar, perto do ouvido dela. Depois, ele colocou o rosto em sua face esquerda e
deu outro beijinho.
Afinal, Alex soltou os ombros dela e, para surpresa da garota, pôs a mão sobre o próprio
coração. Por fim, fez uma ligeira inclinação diante das três.
- Vão com Deus! disse ele num tom emocionado.
Nesse momento, uma voz feminina no alto-falante deu uma comunicação em alemão.
- Deve ser o nosso vôo, disse Marta. Vamos, meninas!
Selena e Cris seguiram a mulher, que entregou ao funcionário da companhia aérea os
três cartões de embarque. Selena virou a cabeça ligeiramente para dar um último olhar para
Alex. O dia em que se reencontrariam no céu talvez ainda estivesse muito longe; mas também
era possível que não. De todo modo, queria guardar aquele rosto na memória.
Capítulo Dezenove
A viagem de volta foi tranquila, sem nenhum acontecimento marcante. Por si só, isso já
foi um alívio. Quando as três desembarcaram em Los Angeles, Selena se despediu de Cris e
de Marta, para ir pegar o avião para Portland. Estavam todas tão cansadas que a despedida
acabou sendo pontilhada de emoções.
- Marta, disse Selena, muito obrigada por ter me convidado para ir com vocês. Sei que
disse algumas coisas que a irritaram, mas peço que me perdoe. Aprendi muitas lições nessa
viagem e sou muito agradecida por sua generosidade e bondade por ter me levado junto.
Obrigada, e... aqui ela fez uma pausa e depois concluiu: Gosto muito de você.
A tia de Cris não se mostrou espantada, como Selena pensara. A própria garota, porém,
se admirou de essas palavras lhe terem vindo à mente.
- Sua companhia serviu para me dar um novo ânimo, Selena, replicou a mulher, fitando
a garota com um jeito carinhoso que era novo para esta. Aprecio muito sua amizade pela Cris.
A princípio, não compreendi como vocês duas podiam ser tão amigas. Mas depois entendi que
você é uma excelente companhia para minha sobrinha. Talvez seja um pouco exagerada nas
questões de religião, mas parece que a Cris também gosta disso. Ah, e não pensem que não
percebi as tentativas das duas para me converterem, continuou ela, dirigindo um olhar
também para Cris. Devo confessar que naquele momento em que anunciaram que nosso trem
havia descarrilado, quase decidi inclinar-me perante o seu Deus. Mas deve ter sido por causa
das emoções do momento e do mal-estar que senti. Agora, já me recuperei e voltei a ser a
mesma.
Embora a atitude de Marta fosse de autoconfiança, Selena teve a impressão de que
detectou uma ponta de ternura em seu olhar. As duas garotas se entreolharam.
Oh, Marta, pensou Selena, você está tão perto de se converter! Pare de lutar contra
Deus e entregue sua vida a ele!
Percebeu que Cris estava pensando o mesmo.
- Vou sentir muito a sua falta, disse Cris, abraçando-a.
- E eu a sua, replicou Selena. Depois você me manda o sen endereço na Suíça, que eu
escrevo pra você.
Elas se afastaram uma da outra, com lágrimas escorrendo pelo rosto.
- Pode escrever que eu respondo, ajuntou Cris. Prometo.
- E se você quiser uma sugestão de um presente de aniversário pra mim, mande um
pastel folhado com recheio de marzipã, daquela confeitaria de Basiléia.
- ‘Tá bom, respondeu Cris rindo. E você quer que eu lhe mande trufas, Tia Marta?
- Não; claro que não! E você também não deve comer muito chocolate enquanto estiver
lá, não, viu?
As duas garotas deram risada. E mais uma vez se entreolharam em silêncio, com
promessas de uma amizade eterna.
- Tenho por você um amor intenso, disse Selena.
Cris sorriu.
- Eu também, disse. Um amor intenso. Tchau, Selena!
Abraçaram-se de novo, e em seguida Selena entrou na fila para pegar o avião para
Portland.
Uma hora e meia depois, desembarcou em sua cidade. Seus pais a esperavam no
aeroporto. Mais abraços e beijos. Imediatamente a garota se pôs a falar sem parar, contando
tudo de uma vez só.
Pararam junto à esteira rolante do setor de recolhimento da bagagem, esperando que a
mala de Selena fosse liberada. De repente, ela se recordou de algo. Em Janeiro, alguns meses
atrás, quando regressara da viagem à Inglaterra, ela estivera ali mesmo. E Paul estivera perto
dela, quase naquele mesmo lugar. O rapaz achara que Selena havia pegado a mala dele, mas
assim que examinaram a etiqueta de identificação viram que ela de fato pertencia à garota.
Selena recordou-se de que tivera uma atitude de crítica em relação a ele durante toda a
viagem de volta. Sua intenção fora passar a imagem de uma jovem madura e inteligente. E ao
despedir-se dele dissera:
“Passe bem!”
A garota fechou os olhos, envergonhada do que fizera. O que estava tentando ser? Com
tal atitude, não havia demonstrado “amor intenso”. Recordou-se de que naquele momento se
sentira muito “madura”. Afinal, tinha viajado sozinha à Inglaterra. Agora, porém, isso não lhe
parecia assim um feito tao extraordinário. Aliás, não era nada comparado ao fato de ter
suportado fazer essa viagem à Europa com Marta.
Ouviu-se uma sineta estridente, e a esteira começou a mover-se. Selena se recordou das
últimas palavras de Paul para ela:
“Não mude nunca, Selena!”
Pois eu mudei, Paul, pensou. Meu coração passou por uma grande mudança. Agora sei
que não adianta ter respostas pra tudo nem obedecer direitinho ao regulamento. Se não tiver
amor, nada serei.
Teve vontade de poder dizer tudo isso para o Paul. Resolveu que, se tivesse
oportunidade de falar com ele, iria pedir desculpas pelas palavras insolentes que lhe dissera e
pelas cartas arrogantes que lhe enviara. Contudo era pouco provável que tivesse essa chance.
O melhor a fazer agora era aprender com essas experiências e tomar a decisão de demonstrar
amor.
Afinal, pensou, o amor cobre uma multidão de pecados. Será que isso inclui também
esses erros que a gente comete por falta de maturidade?
- Aquela ali é a sua, não é? indagou seu pai, estendendo o braço para pegar a bagagem
dela.
- É, respondeu Selena, voltando ao presente. É a minha, sim.
Chegando em casa, Selena abraçou os irmãozinhos, beijou a VÓ May e ficou a
conversar com seus familiares durante quase uma hora.
- Você trouxe um presente pra mim? quis saber Kevin.
A garota ficou chateada. No dia em que saíra para fazer compras com Marta, não se
lembrara de comprar lembrancinhas para os parentes.
- Acho que só tenho uns cartões de felicitações escritos em alemão, disse. Estão um
pouco amassados, mas acho que são engraçados. Não comprei presentes pra ninguém. Só
comprei foi um pouco de chá. Da próxima vez, trarei.
- Vai viajar de novo? quis saber Dilton.
- Talvez. Alguém quer chá de jasmim com canela?
Ninguém quis, então ela fez uma xícara de chá quentinho só para ela. Depois, deu boa-
noite para todos e subiu para o quarto com a intenção de “bater na cama”, embora lá fora
ainda estivesse claro.
- Tem uma surpresa para você em seu quarto, disse a mãe no momento em que ela subia
a escada. Acho que vai gostar.
Contudo Selena não estava muito interessada em surpresas. Só pensava em botar a
cabeça no seu travesseiro macio. Abriu a porta. O quarto estava arrumadinho. Sua mãe
provavelmente se cansara daquela bagunça e ajeitara tudo, enquanto a garota estivera
viajando. A janela estava aberta, deixando entrar uma brisa cálida de verão. Como o aposento
se achava todo em ordem, ela logo avistou um papel em cima da cama, também muito bem
arrumada. Dava para perceber que fora amassado e depois alisado. Era uma carta para ela,
sem envelope. Já conhecia bem aquela letra, ora manuscrita, ora em letra de forma, escrita em
tinta preta.
- Paul! murmurou para si mesma.
Com um gesto rápido, pegou a folha e começou a ler:
“Minha cara princesa dos lirios...”
Espere aí, pensou Selena. Correu os olhos pela carta e verificou a assinatura. Era de
Paul, sim. Era a carta que ele lhe escrevera meses atrás. Ela havia ficado tão irritada com ele,
que amassara o papel e o jogara no lixo. E, evidentemente, ele não tinha ido parar no aterro
sanitário da cidade. Provavelmente havia caído atrás da cômoda, ou algo assim, e sua mãe
encontrara ao arrumar o quarto. Na certa, ela a lera, mas Selena não se importava com isso.
Na realidade, era uma carta brincalhona. Aliás, fora até bom que a mãe a tivesse encontrado.
Selena ainda conservava uma outra carta de Paul, a que ele havia lhe escrito pouco depois de
se conhecerem. Essa ela havia guardado na primeira gaveta da cômoda.
Alisando o papel da mensagem perdida que fora achada, foi até ao movel para guardá-la
junto com a outra. Deu uma espiada à sua imagem refletida no espelho oval, para ver se
estava muito abatida após aquela longa viagem de volta. Contudo, em vez de se concentrar
no seu reflexo, o que viu foi um envelope enfiado entre o vidro e a moldura, num canto do
espelho. Era dirigido a ela. No alto, à esquerda, vinha a indicação do remetente - apenas um
endereço na Escócia. O mais importante, porém, era que estava escrita em tinta preta, e a letra
era sua velha conhecida.
Estendeu o braço para pegá-la e percebeu que sua mão tremia. Naquele momento,
compreendeu que sua mãe fizera com ela uma “caça ao tesouro”. Quando criança, essa era sua
brincadeira predileta. No Natal, ou em seus aniversários, a mãe deixava pequenas mensagens,
dando dicas sobre onde estaria o presente. Às vezes, a garota tinha de procurar pela casa toda
e sair no quintal, para conseguir encontrá-lo. Sorriu ao pensar que a mãe tivera de arrumar o
quarto só para colocar aquela primeira carta - a “dica” - sobre a cama. Pegando-a, Selena fora
a cômoda para guardá-la na gaveta. Aí ela se olhara no espelho e vira a outra carta. Se não
fosse assim, talvez ela nem a tivesse avistado.
Com a nova correspondência na mão, a garota se dirigiu para a poltrona estofada que
ficava junto à janela e sentou-se. “Sentiu falta” da pilha de roupas que sempre estavam
amontoadas na cadeira. Abriu o envelope com a unha do polegar e lentamente tirou a carta de
dentro. Era uma folha tipo pergaminho cor de marfim. Dizia:
Cara Selena,
Talvez você fique muito surpresa pelo fato de eu estar lhe escrevendo. Tenho de
confessar que eu próprio estou um pouco surpreso. Desde que vim embora de Portland, em
junho, uma imagem tem estado sempre em minha mente: você.
Na véspera de minha viagem, fui à sua casa para jantar, apenas para fazer um favor a
Jeremy. Desde que ele começou a namorar a Tânia, ele vinha me pedindo para fazer uma
visita a vocês e procurar me relacionar com a família. Pois bem; naquele dia, cumpri a
promessa que havia feito a ele e até saí com você para tomarmos um café. Para mim, aquilo
foi um simples favor que fiz a meu irmão.
Contudo aconteceu algo que eu nunca havia imaginado: você ficou para sempre em
minha lembrança! Pensando nisso agora, percebo que estou sentindo algo que jamais tinha
sentido antes. Você disse uma frase que me impressionou. Falou que Deus colocou a mão em
mim e vai realizar algo de extraordinário em minha vida. Estou achando que ele já realizou.
Ele me trouxe aqui, à terra de meus antepassados. Espiritualmente falando, este lugar é
muito sombrio; muita gente aqui vive sem esperança. Mas nos poucos meses que estou neste
país, algo aconteceu comigo - sinto-me mais vivo.
Hoje conheço Deus, Selena. Isso é diferente de saber algo a respeito de Deus. Converso
com ele o tempo todo. Gosto de fazer longas caminhadas nos morros das redondezas e
aproveito para cantor louvores a Deus em voz alta. Não sei por que estou dizendo isso para
você. Talvez seja porque tenho a impressão de que, de todas as pessoas que conheço, você é a
que melhor compreende o que se passa comigo.
Como foi que ficou sabendo que Deus tinha colocado a mão em mim? Por que orou por
mim durante vários meses, como você mesma disse? De onde vem esse seu “cuidado” por
mim, Selena? Pela primeira vez na vida, estou começando a desejar ter esse mesmo tipo de
atitude.
Não sei se tudo isso está fazendo muito sentido para você. E se não quiser responder,
não precisa. Eu compreendo, pode crer. Mas gostaria de pedir-lhe que se correspondesse
comigo. Acho que, quando nos conhecemos, na Inglaterra, nosso relacionamento não teve um
começo muito promissor. Creio que naquela ocasião eu era muito diferente de como sou hoje.
Você crê que as pessoas merecem uma segunda chance? Pois eu gostaria de ter uma segunda
chance no relacionamento com você.
E é com muita satisfação que lhe digo isto: estou orando por você, Selena. E pretendo
continuar, mesmo que decida não me escrever.
Sinceramente,
Paul
Selena leu a carta outra vez, agora mais devagar e movendo os lábios. Dessa vez, ela lhe
pareceu ainda mais agradável. E quando a leu pela quarta vez, lágrimas lhe escorriam pelo
rosto. Piscou para afastá-las e leu-a pela quinta vez.
Paul está orando por mim, pensou. Tenho de lhe contar o que aconteceu no trem; e vou
lhe falar sobre Alex. Será que Jeremy lhe falou do casamento de Douglas e Trícia? Ah, e
posso comentar também sobre a Highland House. Ele vai querer saber o que está
acontecendo de diferente no abrigo dirigido pelo tio dele. Puxa, tenho muito que lhe contar!
Sua cabeça logo ficou “a mil”, pensando em tudo que poderia relatar ao rapaz. As frases
iam se formando, uma atrás da outra, e se multiplicando incessantemente. Afinal, porém, teve
de parar. Sua mente estava esgotada com a “ressaca” da viagem.
Agora não vai dar pra escrever. Tenho de dormir.
Encaminhou-se para a cama, dobrou a preciosa carta e colocou-a debaixo do travesseiro.
Tirou o sapato e deitou-se toda encolhida na cama gostosa. O cansaço caiu sobre ela como um
cobertor invisível, e seus olhos pesados se fecharam. Um sorriso de satisfação apareceu em
seus lábios.
Talvez Selena não soubesse exatamente como iria desenvolver esse novo e maravilhoso
relacionamento com Paul. Contudo, de um fato tinha certeza; estava disposta a abrir o coração
para ele.
Fim.