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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS PROFLETRAS SÔNIA CRISTINA SANTOS SCAVELLO GUIMARÃES FILME “VIDA MARIA” COMO ESTÍMULO PARA NARRATIVAS ORAIS DE EXPERIÊNCIAS PESSOAIS Santo Antônio de Jesus - BA 2015

Sônia Cristina Santos Scavello Guimarães

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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CINCIAS HUMANAS CAMPUS V MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS PROFLETRAS

    SNIA CRISTINA SANTOS SCAVELLO GUIMARES

    FILME VIDA MARIA COMO ESTMULO PARA NARRATIVAS ORAIS DE

    EXPERINCIAS PESSOAIS

    Santo Antnio de Jesus - BA

    2015

  • SNIA CRISTINA SANTOS SCAVELLO GUIMARES

    FILME VIDA MARIA COMO ESTMULO PARA NARRATIVAS ORAIS DE

    EXPERINCIAS PESSOAIS

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Mestrado Profissional em Letras

    PROFLETRAS do Departamento de Cincias

    Humanas - Campus V da Universidade do

    Estado da Bahia UNEB, sob a orientao da

    Prof Dr Priscila Peixinho Fiorindo.

    Santo Antnio de Jesus - BA 2015

  • FICHA CATALOGRFICA

    Sistema de Bibliotecas da UNEB

    Guimares, Snia Cristina Santos Scavello

    Filme Vida Maria como estmulo para narrativas orais de experincias pessoais / Snia Cristina Santos Scavello Guimares .

    Santo Antnio de Jesus, 2015.

    100f.

    Orientador: Prof. Dr. Priscila Peixinho Fiorindo

    Dissertao (Mestrado Profissional em Letras - PROFLETRAS) Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Cincias

    Humanas. Campus V. 2015.

    Contm referncias.

    1.Leitura 2. Narrativa oral. 3. EJA Educao de Jovens e Adultos. I. Fiorindo, Priscila Peixinho. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Cincias Humanas.

    CDD: 808.3

    Contm referncias.

    1. Leitura 2. Narrativa oral. 3. EJA Educao de Jovens e Adultos. I. Fiorindo, Priscila Peixinho. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Cincias Humanas.

    CDD: 808.3

  • SNIA CRISTINA SANTOS SCAVELLO GUIMARES

    FILME VIDA MARIA COMO ESTMULO PARA NARRATIVAS ORAIS DE

    EXPERINCIAS PESSOAIS

    Dissertao apresentada Banca Examinadora, como requisito para obteno de

    Ttulo de Mestre em Letras, Mestrado Profissional PROFLETRAS.

    Aprovado(a) em 30/ 07 /2015

    BANCA EXAMINADORA

    _________________________________________________________

    Prof Dra. Palmira Virgnia Bahia Heine

    Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS

    _______________________________________________________

    Prof Dr. Paulo de Assis de Almeida Guerreiro

    Universidade do Estado da Bahia - UNEB

    _________________________________________________________

    Prof Dra. Priscila Peixinho Fiorindo - Orientadora

    Universidade do Estado da Bahia - UNEB

  • Dedico este trabalho minha famlia, especificamente minha me, Maria Bernadete Scavello, que tanto me estimulou nos estudos e no meu sucesso profissional. Ao meu esposo, Robson Guimares, maior incentivador dessa minha conquista; minha orientadora, Prof Dr Priscila Peixinho, pelo auxlio e disposio nessa rdua tarefa. A todos que direta e indiretamente me ajudaram nessa caminhada. Muito Obrigada!

  • AGRADECIMENTOS

    O caminho foi longo... mas a caminhada no foi solitria, pois, nesse

    percurso da minha vida, tive a ajuda de muita gente. Por isso no poderia deixar

    de agradecer a todos por esta conquista.

    Em primeiro lugar, quero agradecer de todo meu corao a DEUS por tudo

    que tem feito na minha vida. Essa grande conquista, com certeza, foi ELE que me

    proporcionou. Posso dizer que, at aqui, ELE me ajudou.

    minha orientadora, Prof Dr Priscila Peixinho Fiorindo, pela seriedade,

    comprometimento e disponibilidade neste trabalho. Obrigada por todos os

    ensinamentos e as valiosas contribuies durante a construo desta dissertao.

    Ao Coordenador do Profletras, Prof Dr Adelino Pereira dos Santos, por

    estar sempre disposio para atender as dvidas do grupo, bem como suas

    oportunas palavras de incentivo e estmulo durante suas aulas.

    Aos professores do Mestrado pela seriedade e competncia nas aulas

    ministradas, iluminando meus pensamentos pelos caminhos da teoria e cincia.

    banca examinadora, Prof Dr Palmira Bahia Virgnia Heine e Prof Dr

    Paulo de Assis de Almeida Guerreiro, pelos novos direcionamentos apresentados

    no Exame de Qualificao.

    Aos meus inesquecveis colegas do Mestrado pela agradvel companhia e

    cumplicidade. A alegria e a amizade de vocs tornaram mais leve este desafio.

    Direo, professores e alunos da Escola Municipal onde foi realizada a

    proposta de interveno. Muito obrigada pela disposio em ajudar, pelo apoio

    dispensado e, principalmente, pela seriedade que apresentaram no perodo de

    aplicao das atividades.

    minha me que sempre me estimulou na concluso dos meus estudos,

    incentivando-me para sempre galgar conquistas na minha vida acadmica e

    profissional.

    Ao meu esposo que, nesse desafio de estudar e, ao mesmo tempo,

    trabalhar, me encorajou tornando essa peleja mais suave. Sempre na torcida para

    que tudo ocorresse da melhor maneira possvel.

  • minha tia Eulina pelo carinho e zelo na afetividade maternal, contida em

    um corao cheio de amor que me acalenta.

    minha sobrinha amada, Ana Paula, com seus 3 aninhos, que me

    acalentava com seu afeto e carinho e transformava os momentos de tenso e

    cansao dessa caminhada em alegria e diverso.

    minha coordenadora, Nadja Amado, que com sua notria generosidade

    sempre se mostrou solcita quanto mudana de horrios no trabalho, facilitando

    a compatibilidade nos dias das aulas do Mestrado.

    minha colega de Mestrado, Gabriela Oliveira Vieira, a quem admiro pela

    vivacidade e pelos momentos em que sempre se mostrou disponvel na troca de

    informaes e experincias.

  • O narrador conta o que ele extrai da

    experincia sua prpria ou aquela

    contada por outros. E de volta, ele a

    torna experincia daqueles que ouvem

    sua histria.

    Walter Benjamin

  • RESUMO

    A fim de desenvolver a oralidade, bem como a capacidade de articulao das

    ideias por meio da narrao oral coerente e compreensvel dos alunos do 6 e 7

    anos de Educao de Jovens e Adultos (EJA), solicitamos aos referidos alunos a

    produo de histrias orais de experincias vividas, a partir da leitura de imagens

    do filme Vida Maria. A escolha desse filme ocorreu devido semelhana de

    acontecimentos vividos pelos alunos do turno noturno que relatam, muitas vezes,

    suas experincias da infncia sofrida e a dificuldade de no ter tido a

    oportunidade de continuar os estudos, na idade adequada, e que se assemelha

    histria da personagem principal do filme. Objetivamos com isso promover a

    oralidade, verificando se as imagens do filme, um curta-metragem em animao

    grfica 3D, Vida Maria, estimulam a produo de narrativa oral. Como respaldo

    terico nos apoiamos em autores como Labov (1972), que apresenta uma

    definio de narrativa de experincia pessoal, em que indispensvel o

    acontecimento singular e indito, digno de ser narrado; Marcuschi (2005), que

    defende a modalidade oral e escrita como duas prticas sociais, sendo

    trabalhadas conjuntamente. Alm de Adam (1997), Aumont (1995), Fiorindo

    (2005), Heine (2012), que tratam da narrativa e de prticas de oralidade, entre

    outros. A metodologia aplicada baseou-se na apresentao do filme Vida Maria

    para a turma do segmento EJA, e, a partir das imagens em movimento, esses

    alunos foram provocados a produzirem, individualmente, a narrativa oral de

    experincias vividas. As histrias produzidas foram gravadas em udio e

    transcritas com base nas normas do Projeto NURC/USP, propostas por Preti e

    Urbano (1990). Na anlise dos dados tratamos sobre alguns aspectos lingusticos

    e mais com intensidade os aspectos extralingusticos, prprios do fenmeno

    discursivo da linguagem oral, inerentes aos relatos de experincia pessoal.

    Podemos verificar, assim, que a apresentao do filme Vida Maria estimulou os

    alunos a produzirem suas narrativas orais de experincias pessoais. Outrossim,

    as imagens em movimento contriburam efetivamente para enriquecer as histrias

    narradas pelos alunos da EJA.

    Palavras-chave: EJA. Experincias pessoais. Narrativa oral. Imagens em

    movimento.

  • RESUMEN

    Con el fin de desarrollar la comunicacin oral y la capacidad de articular las ideas

    de una narracin oral, coherente y comprensible de los estudiantes de sexto y

    sptimo ao de la serie de sesiones de Educacin de Jvenes y Adultos (EJA), se

    requiere que estos estudiantes para producir historias orales de experiencias de

    lectura de imgenes de la pelcula "Mara la Vida." La eleccin de esta pelcula

    fue debido a la similitud de los eventos experimentados por los estudiantes de la

    presentacin de informes turno de la noche, a menudo sus experiencias de la

    infancia el sufrimiento y la dificultad de haber continuado sus estudios y que se

    asemeja a la historia del personaje en la pelcula. Nuestro objetivo es promover

    esta oralidad, asegurndose de que las imgenes de la pelcula "Mara Vida"

    estimulan la produccin de la narrativa oral. Como apoyo terico en apoyo de

    autores como Labov (1972) tienen una definicin conocida de la experiencia

    narrativa personal donde el evento singular y sin precedentes, digna de ser

    narrada es indispensable. Marcuschi (2005) sostiene que el mtodo oral y escrita

    como dos prcticas sociales se est trabajando en forma conjunta. En Adan

    (1997), Aumont (1995), Fiorindo (2005), Heine (2012), que trata de la narracin y

    las prcticas orales, entre otros. La metodologa utilizada se basa en la

    presentacin de la pelcula "Mara la Vida" a la clase de segmento de la

    educacin de adultos, y, a partir de las imgenes en movimiento, estos

    estudiantes fueron provocados para producir individualmente la narracin oral de

    experiencias. Las historias fueron producidas audio grabado y la grabacin se

    transcriben bajo las reglas de la NURC Proyecto / USP propuestas por Preti y

    Urbano (1990). En el anlisis de las grabaciones nos ocupamos de algunos

    aspectos lingsticos y ms intensamente aspectos extralingsticos poseemos

    fenmeno discursivo de la lengua oral y la inherente a los informes de la

    experiencia personal. Podemos ver, por tanto, que la presentacin de la pelcula

    "La vida de Mara", anim a los estudiantes a producir sus relatos orales de

    experiencias personales. Por otra parte, las imgenes en movimiento

    contribuyeron eficazmente a enriquecer las historias contadas por los alumnos de

    EJA.

    Palabras clave: Educacin para adultos. Experincias personales. La narracin

    oral. Las imgenes en movimento.

  • LISTA DE IMAGENS

    Imagem 1: Imagem em movimento ..................................................................... 33

    Imagem 2: Imagem em movimento...................................................................... 33

    Imagem 3: Imagem em movimento...................................................................... 34

    Imagem 4: Fotograma ......................................................................................... 37

    Imagem 5: Fotograma.......................................................................................... 37

    Imagem 6: Fotografia do Colgio Municipal Santo Incio.................................... 42

    Imagem 7: Desenhando letras ............................................................................ 48

    Imagem 8: Desenhando letras ............................................................................ 49

    Imagem 9: A repreenso ..................................................................................... 49

    Imagem 10: A infncia perdida ............................................................................ 50

    Imagem 11: Trabalho domstico ......................................................................... 50

    Imagem 12: O encontro ....................................................................................... 51

    Imagem 13: O namoro ......................................................................................... 51

    Imagem 14: A gravidez ........................................................................................ 52

    Imagem 15: O ciclo .............................................................................................. 52

    Imagem 16: Escrevendo o nome ......................................................................... 54

  • SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................................... 11 1 REFLEXES SOBRE ORALIDADE E NARRATIVA ....................................... 19

    1.1 Oralidade ......................................................................................... 19

    1.2 A narrativa oral ................................................................................ 25

    1.3 Imagem ........................................................................................... 31

    1.4 A narrativa flmica ........................................................................... 35

    2 PROPOSTA DE INTERVENO..................................................................... 40

    2.1 Conhecendo o espao .................................................................. 41

    2.2 Seleo dos sujeitos ..................................................................... 42

    2.3 Escolha do material ...................................................................... 48

    2.4 Etapas da proposta de interveno .............................................. 54

    3 ANLISE DAS NARRATIVAS DOS ALUNOS ............................................... 58

    3.1 Produes de narrativas orais ...................................................... 59

    3.2 Caractersticas das narrativas produzidas ................................... 74 4 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................ 78 REFERNCIAS .................................................................................................. 80

    APNDICES ................................................................................. ..................... 83

    APNDICE A TERMO DE AUTORIZAO ................................................... 84

    APNDICE B TERMO DE CONFIDENCIALIDADE........................................ 85

    APNDICE C TRANSCRIO DOS DADOS................................................. 86

    ANEXOS ............................................................................................................ 92

    ANEXO A NORMAS PARA TRANSCRIO .............................................. 93

    ANEXO B IMAGENS DO FILME VIDA MARIA .......................................... 95

  • 11

    INTRODUO

    A escolha do presente trabalho, Filme Vida Maria como estmulo para

    narrativas orais de experincias pessoais, surgiu da dificuldade e necessidade

    desde o perodo escolar, especificamente, na fase da adolescncia, de expressar

    oralmente meus pensamentos diante dos colegas e professores.

    Essa situao se agravava nos momentos de apresentao em grupo em

    que abalava meu sistema nervoso e muitas vezes prejudicava o grupo de colegas

    pela recusa em apresentar a minha parte no trabalho. A referida dificuldade

    causada pela insegurana, me acompanhou na fase adulta e me impulsionou a

    trabalhar sempre com o tema da oralidade em minha vida profissional.

    Diante do contexto apresentado resolvi fazer o magistrio e a graduao

    em Letras e, mais tarde, especializao em Metodologia do Ensino da Lngua

    Portuguesa. A partir de ento, foi evidente a necessidade de adentrar nesse

    campo da oralidade para entender o processo de aquisio e desenvolvimento

    dessa modalidade da lngua, principalmente no trabalho com os alunos que

    apresentavam essas dificuldades. Com a carga horria de 40 horas na Rede

    Estadual de Ensino, trabalhando com implantao e implementao de projetos e

    programas, observei a necessidade de desenvolver a oralidade em pblico devido

    as demandas do meu trabalho.

    A outra carga horria de 20 horas de trabalho destinadaa rede

    municipal de ensino em que trabalho com as turmas da EJA Educao de

    Jovens e Adultos. Estes alunos, embora sejam falantes proficientes da nossa

    lngua materna, apresentam dificuldade para organizar a fala e para se expressar

    de maneira formal em certas situaes. Neste sentido, cabe ao professor auxiliar

    esses jovens e adultos no aprimoramento dessa habilidade discursiva.

    Com dezesseis anos trabalhando nesse segmento, j ouvi aluno contar de

    sua dificuldade para falar em vrias situaes, como fazer perguntas quando est

    em grupo; falar em pblico; solicitar algo ao patro ou explicar seus sintomas a

    um mdico, entre outros exemplos. Portanto, a busca em trabalhar e desenvolver

  • 12

    a oralidade, na sala de aula, pode ajudar esses alunos a enfrentar muitas

    situaes cotidianas, alm de contribuir na aprendizagem.

    Ento surgiu a possibilidade de cursar o Mestrado Profissional em

    Letras/Profletras e a oportunidade de enveredar nessa linha de pesquisa da qual

    a minha orientadora, Prof Dr Priscila Peixinho Fiorindo, na rea da

    Psicolingustica, tambm considera relevante as prticas de oralidade, em sala de

    aula, a fim de oportunizar aos educandos o desenvolvimento do intelecto e da

    criticidade por meio da manifestao verbal.

    Com base nas conversas com a orientadora, levando em conta a minha

    experincia como professora de Lngua Portuguesa no Ensino Fundamental no

    segmento da EJA, surgiram novas perspectivas em relao compreenso e

    produo de narrativas orais por esses estudantes. Nesta perspectiva, aumentou

    o interesse em investigar de maneira mais profunda as peculiaridades no

    desenrolar narrativo, segundo o modelo laboviano de narrativa oral enquanto uma

    proposta de interveno didtica.

    A importncia desta proposta de interveno, utilizando-se do filme de

    curta-metragem Vida Maria como estmulo para narrativas orais de experincias

    pessoais, foi bastante significativo, tendo em vista a relevncia que o domnio da

    palavra pblica tem no exerccio da cidadania. Nesta perspectiva, salientamos, na

    turma da Educao de Jovens e Adultos, a prtica da oralidade, com o objetivo de

    contribuir para identificao das histrias de vida dos referidos alunos.

    Esta experincia de pesquisa me fez refletir sobre a importncia de dar voz

    a esses alunos que fazem parte e que so muitas vezes ignorados pela

    sociedade. Ouvindo suas narrativas de vida me supreendi com a riqueza de suas

    experincias, pois mostram a potica social do cotidiano, que mesmo estando to

    prxima de ns, passa, geralmente, despercebida do nosso olhar.

    Neste sentido, busquei contribuir com o direcionamento de novos estudos e

    pesquisas que visem abordar a modalidade oral, provocando nos estudantes da

    EJA uma maior reflexo em relao ao desenvolvimento tpico da habilidade de

    narrar

  • 15

    Nesta perspectiva a modalidade oral como contedo a ser trabalhado na

    escola j vem sendo enfatizada por diversos estudiosos da linguagem, como

    Marcuschi (2001; 2005), Neves (2004), Fiorindo (2005; 2012), Heine (2012), entre

    outros. Os prprios Parmetros Curriculares Nacionais - PCNs pem oralidade ao

    lado da modalidade escrita, ressaltando a importncia desse estudo no

    desenvolvimento discursivo dos alunos. As reflexes sobre o lugar da linguagem

    oral no ensino de lngua intensificam-se, cada vez mais, apontando para uma

    grande mudana no tratamento dado a esta modalidade, conforme obervamos a

    seguir:

    As reformas educacionais investem na discusso do fazer pedaggico no sentido de mudar a ideia de que o papel central da escola ensinar o aluno a escrever. A formao de eficientes produtores de textos orais necessita do redimensionamento, reorganizao das aes e objetivos pedaggicos priorizados pela escola (CASTILHO, 2000, p. 13).

    Em vista disso, acreditamos que para desenvolver este tipo de

    abordagem no ensino de lngua materna, o professor precisa preocupar-se em

    prever e avaliar suas concepes, objetivos, procedimentos e resultados de seu

    trabalho com o intuito de conseguir ampliar a comunicao dos alunos.

    A proposta de interveno, utilizando-se do curta-metragem Vida Maria,

    animao grfica em 3D, se faz relevante devido necessidade do aluno de

    responder a diferentes exigncias de fala e de adequao s caractersticas

    prprias de diversos gneros do oral tais como: conversas espontneas,

    seminrios, debates, entrevistas, exposio em pblico e outros. Nesta

    perspectiva, no podemos deixar de considerar que foi com a oralidade que a

    linguagem humana, tal como a conhecemos hoje, teve a sua origem.

    O trabalho de pesquisa, no Ensino Fundamental II da Educao de Jovens e

    Adultos (EJA) pretendeu ampliar a capacidade de articulao das ideias, na

    produo da narrativa oral coerente e compreensvel, considerando o

    desenvolvimento lingustico e discursivo dos referidos sujeitos.

    A proposta de interveno, enquanto prtica da oralidade, em sala de aula,

    foi trabalhar com a produo de narrativas orais de experincias vividas, com os

    alunos do turno noturno, a partir da leitura de imagens do curta-metragem Vida

    Maria. O referido filme mostra uma histria observada no interior do nordeste,

  • 16

    onde as crianas tm sua infncia interrompida, muitas vezes, para ajudar a

    famlia a sobreviver; infncia essa resumida a poucos recursos e a ms condies

    de vida. A escolha desse filme ocorreu devido semelhana de acontecimentos

    vividos pelos alunos da EJA que relatam muitas vezes, nas aulas, as experincias

    da infncia sofrida pela labuta dos pais e da dificuldade de ter continuado seus

    estudos. Esses indivduos que retornam para a escola, ou que demoram um

    tempo dentro dela, so sujeitos de direito, de voz, de ao e que devem ser assim

    considerados. Parte desses alunos dizem que, no perodo da infncia e da

    adolescncia, estavam atrelados a alguma forma de trabalho para ajudar nas

    despesas de casa. Isso na verdade corroborava para o atraso escolar dos

    referidos alunos.

    Paralelamente labuta da vida desses alunos e falta de oportunidade de

    engajamento nos estudos na idade apropriada, pretendemos, com as imagens do

    filme, verificar o desenvolvimento interacional, lingustico e discursivo peculiares

    dos sujeitos, a partir da narrao produzida por eles. Esse carter interacional da

    linguagem nos coloca diante da colaborao entre os interlocutores como

    condio para a efetivao dos atos de fala, que estabelecem compromissos

    entre os participantes em torno dos objetivos dessas atividades de comunicao.

    Diante do exposto, temos como respaldo terico o modelo laboviano de

    narrativa oral, que nos conduzir anlise dos dados, ressaltando o momento

    indito do discurso narrativo, que o autor denomina de avaliao, Labov (1972).

    No entanto, vale lembrar que procedemos de forma diferente do referido autor,

    pois o mesmo coletou narrativas de risco de morte com sujeitos moradores dos

    guetos nos EUA, aqui adaptamos o modelo proposto pelo sociolinguista s

    narrativas produzidas pelos estudantes da pesquisa. Alm de Labov (1972), nos

    apoiamos em Marcuschi (2005), Heine (2012) e outros que nos do subsdios

    para anlise das produes.

    Nesta vertente, consideramos as narrativas orais como objeto privilegiado

    de anlise, a fim de observarmos as sensibilidades, as percepes, as leituras de

    mundo e os sentimentos daqueles que narram. Afinal, estas narrativas so

    contadas combinando-se gestos, expresses, repeties, rimas, entonao,

    olhares, musicalidade e outros dispositivos mnemnicos.

  • 17

    Neste sentido, abordar a narrativa oral enquanto prtica pedaggica, na

    perspectiva do interacionismo sociodiscursivo, provocar nos estudantes uma

    maior reflexo em relao ao desenvolvimento tpico da habilidade de narrar.

    Desse modo, procuraremos contribuir com o direcionamento de novos estudos e

    pesquisas que visem reformulao de atividades, proporcionando uma

    conscincia dos papis interacionais que permeiam a modalidade da fala.

    Assim, levantamos as seguintes hipteses, que procuraremos confirmar na

    presente pesquisa:

    1) O apoio visual das imagens, em movimento, pode auxiliar na construo de

    narrativas orais de experincias vividas;

    2) O envolvimento dos alunos com o filme selecionado possibilita a produo de

    histrias orais.

    Partindo dessas suposies, surgiram duas questes:

    1) As imagens do filme contribuem para o desenvolvimento da narrativa oral?

    2) O que sustenta a narrativa dos alunos que elemento(s) o narrador utiliza para

    torn-la digna de ser narrada?

    Tendo em vista essas questes, o objetivo desta pesquisa verificar se as

    imagens do filme Vida Maria estimulam a produo da narrativa oral. E, para

    tanto, delineamos trs objetivos especficos:

    a) Contar fatos e experincias cotidianas, a partir de leitura de imagens;

    b) Elaborar histrias orais a partir da leitura de imagens do filme Vida Maria;

    c) Estimular prticas de oralidade por meio da narrativa em sala de aula.

    Para se conseguir trazer uma discusso envolvendo a temtica da

    oralidade e da narrativa, partindo do estmulo de imagens para a produo da

    narrao, selecionamos autores como Ong (1998), Aumont (1993,1995), Adam

    (1997), Labov (1972) Marcuschi (2003, 2005) Fiorindo (2005, 2012) e outros, que

    abordam sobre conceitos de oralidade, de imagem e de narrativa.

  • 18

    Assim, no Captulo 1, Reflexes sobre Oralidade e Narrativa, abordamos a

    importncia da oralidade na estrutura da narrativa luz de Labov, Marcuschi,

    Adam, Barthes e outros, considerando o sentido da imagem e do filme como

    estmulo para produo de narrativas orais.

    No Captulo 2, apresentamos a Proposta de interveno, com a definio

    do espao, sujeitos e material alm dos aspectos metodolgicos que

    possibilitaram a coleta das narrativas orais e os passos da proposta de

    interveno.

    No terceiro Captulo descrevemos e discutimos sobre as Produes das

    narrativas orais, considerando as caractersticas da oralidade nas narrativas,

    ressaltando a avaliao como elemento principal para que a narrativa seja digna

    de ser contada.

    Por fim, nas Consideraes Finais, retomamos os principais pontos da

    anlise das produes das narrativas dos alunos com base no modelo laboviano

    de narrativa oral.

  • 19

    1 REFLEXES SOBRE ORALIDADE E NARRATIVA

    Neste captulo daremos enfoque a uma abordagem terica que permitir

    uma compreenso sobre a presente dissertao. Inicialmente, apresentamos a

    oralidade e suas definies luz de vrios tericos da rea, bem como as

    estratgias de processamento do texto oral. Em seguida, tratamos da narrativa

    oral como instrumento de significado e transmisso de saberes, ressaltando o

    modelo laboviano de narrativa oral, com suas etapas de compreenso das

    narrativas. Abordamos, tambm, a leitura de imagens em movimento e da

    narrao numa perspectiva de representao e narratividade, e por fim,

    apresentamos o filme e seus efeitos narrativos e dramatrgicos na construo da

    narrativa.

    1.1 Oralidade

    A oralidade um fenmeno peculiar ao homem, sendo o discurso oral

    dinmico para adaptar-se aos diferentes momentos da enunciao como

    determinante na transmisso de aspectos culturais e de valores, segundo Ong

    (1988).

    Conforme o autor, h a distino entre oralidade primria e oralidade

    secundria. A primeira refere-se cultura que nunca reconheceu a escrita, ou

    seja, uma cultura transmitida apenas por meio da fala, tendo o som como fonte de

    evento manifestado e como forma fsica da palavra. Esse tipo de oralidade,

    segundo o autor, tinha ainda um grande poder sobre as coisas, um poder

    relacionado magia. Quanto oralidade secundria, o estudioso refere-se

    cultura da tecnologia que depende da escrita e da imprensa, sendo essa

    modalidade hoje, no entanto, privilegiada pela sociedade e valorizada pela escola.

    Podemos dizer que a oralidade uma das mais expressivas formas de

    interao social manifestada pela lngua. Diariamente, comunicamo-nos por meio

    da fala, expondo pensamentos, ideias, argumentando, contando piadas, casos de

    famlias, biografias. Continuamos sempre como povos orais, mesmo

  • 20

    considerando a enorme e inegvel importncia que a escrita tem nas sociedades

    de civilizaes letradas.

    Segundo Marcuschi (2005), a oralidade jamais desaparecer e sempre

    estar ao lado da escrita como meio de expresso e de atividade comunicativa.

    Enfim, a comunicao oral faz parte do nosso cotidiano de forma muito peculiar.

    Neste sentido,

    a oralidade como prtica social inerente ao ser humano e no ser substituda por nenhuma outra tecnologia. Ela ser sempre a porta de iniciao racionalidade e fator de identidade social, regional, grupal dos indivduos (MARCUSCHI, 2005, p. 36).

    Heine (2012), refletindo sobre a oralidade, enfatiza que no Brasil, os

    estudos sobre a linguagem oral, pautada na produo lingustica efetiva teve

    incio no sculo XX, conforme verificamos a seguir:

    [...] na histria da Lingustica, a lngua falada s veio a se constituir objeto de reflexo, principalmente no Brasil, a partir dos anos 70 do sculo XX, por ocasio da instaurao do Projeto da Norma Lingustica Urbana NURC. Contudo, a sua implementao, nos cursos de Letras no Brasil, s se efetivou a partir dos meados da dcada de 80 do sculo XX (HEINE, 2012, p. 196-197).

    Segundo Heine (2012), foi a partir dos PCNs que a modalidade oral no

    ensino da lngua ganhou especial ateno e destaque dados por um documento

    oficial. O que se busca ento, na verdade, que o aluno seja um usurio

    competente da linguagem. Neste sentido, cabe escola ensinar ao aluno a utilizar

    a linguagem oral no planejamento e realizao de apresentaes pblicas. As

    propostas de situaes didticas nesse espao devem fazer sentido de fato. Em

    vista disso, ensinar a produzir textos orais significa organizar situaes que

    possibilitem o desenvolvimento de procedimentos de preparao prvia e

    monitoramento.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) tm no seu bojo o propsito

    de criar condies, na escola, que permitam aos jovens terem acesso ao conjunto

    de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos, como necessrios ao

    exerccio da cidadania. No tocante oralidade, o documento afirma a grande

    necessidade do desenvolvimento da modalidade oral, na medida em que os

  • 21

    alunos sero avaliados na hora de responder s diferentes exigncias da fala. O

    referido parmetro, na pgina 20, tambm deixa claro que no se trata de

    ensinar a falar ou a fala correta, mas sim as falas adequadas ao contexto de

    uso.

    Assim,

    [...] ensinar lngua oral deve significar para escola possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntrio da enunciao, tendo em vista a importncia que o domnio da palavra pblica tem no exerccio da cidadania. Ensinar lngua oral no significa a capacidade de falar em geral. Significa desenvolver os gneros que apoiam a aprendizagem escolar de Lngua Portuguesa e de outras reas e, tambm, os gneros da vida pblica no sentido mais amplo do termo (BRASIL, 1998, p. 67).

    Podemos afirmar que a partir das orientaes feitas pelos Parmetros

    Curriculares Nacionais, possvel perceber o aumento das pesquisas sobre a

    lngua oral, em uma sociedade em que a modalidade oral da lngua vem

    ganhando um espao importantssimo.

    no contexto escolar, no entanto, que se torna necessrio abordar a

    questo da referida modalidade da lngua, cujo objetivo propiciar ao aluno a

    possibilidade de conviver na sociedade na qual est inserido, sendo capaz de

    utilizar a lngua, de acordo com os diferentes usos sociais. Ao se comunicar

    oralmente, j tendo na escola algumas orientaes do seu funcionamento, o aluno

    comea a se apropriar das estruturas e funes dos gneros orais que fazem

    parte da sociedade.

    Segundo Marcuschi (2005), oralidade e escrita so duas prticas sociais e

    no duas propriedades de sociedades diversas. O cerne das confuses, na

    identificao e avaliao das semelhanas e diferenas entre fala e escrita,

    conforme o autor, encontra-se, em parte, no enfoque preconceituoso em que a

    questo foi geralmente submetida e na metodologia inadequada que resultou em

    vises bastante contraditrias. Ainda segundo o autor, postular algum tipo de

    supremacia ou superioridade de algumas das duas modalidades uma viso

    equivocada (op. cit., p. 134).

    Sendo assim, ao tratarmos da fala e da escrita, no devemos levar em

    conta que uma superior a outra ou que a escrita derivada e a fala primria.

  • 22

    Consideramos que so duas formas de realizao de um mesmo sistema

    lingustico. Dizer que a escrita formal, complexa, enquanto a fala informal e

    simples no o suficiente, pois, como afirma Koch (1995, p. 68-9), h uma

    escrita informal que se aproxima da fala e uma fala formal que se aproxima da

    escrita, dependendo da situao comunicativa. Exemplo disso so as cartas

    informais, bilhetes, letra de msicas, os chats na internet, que so textos escritos,

    mas apresentam repeties, grias, marcadores conversacionais/discursivos, ou

    seja, elementos da lngua falada. Tambm h debates, programas de TV que

    apresentam uma fala prxima da linguagem formal. Como afirma Marcuschi

    (2005, p. 62-63), a informalidade, a repetio e a fragmentao [...] no so

    exclusivos da fala, mas nela se evidenciam com mais nfase.

    Segundo Heine (2012), a relao fala-escrita, na perspectiva dos gneros

    textuais, determina alguns posicionamentos, um deles se refere contestao da

    abordagem dicotmica da linguagem, cujas pesquisas confinam-se apenas nos

    gneros textuais prototpicos de cada modalidade. Como exemplo, temos o texto

    cientfico para a lngua escrita, e a conversao em sua verso face a face, para

    lngua falada. Nesse caso, proposto pela autora que a fala-escrita sejam

    tratadas a partir do continuum tipolgico de gneros textuais em que considera

    esses gneros no seio social, ou seja, nas suas efetivas prticas sociais.

    Vale ressaltar que a fala e a escrita, como j foi dito, so duas modalidades

    da lngua que pertencem a um mesmo sistema lingustico e esto colocadas no

    mbito das prticas sociais, de acordo com Marcuschi (2005). No entanto, para

    Heine (2012), essa posio defendida pelo autor determinada apenas pelas

    efetivas prticas sociais e so essas que determinam o lugar e a funo das

    referidas modalidades. A preferncia de uma ou outra modalidade da lngua tem a

    ver com aspectos funcionais, determinados dentro de uma dada sociedade.

    Conforme a autora, as definies de Marcuschi (2005) se apoiam na

    perspectiva baktiniana da lngustica textual no que diz respeito s reflexes sobre

    a lngua falada como produo lingustica. Entretanto, a autora, sugere a

    substituio da expresso produo lingustica pelo termo produo lingustico-

    semitica, pois, segundo ela, essa sugesto objetiva evitar a dicotomia entre

    elementos paralingusticos em que predomina os elementos no verbais de

  • 23

    comunicao, como, por exemplo, os meneios da cabea, os gestos e as

    variaes prosdicas; e os elementos lingusticos denominados cdigo lingustico,

    na medida em que os seus mentores e princpios contemplem apenas o referido

    cdigo, prprio da lingustica formal.

    Conforme Marcuschi (2003, p.17), sob o ponto de vista mais central da

    realidade humana, seria possvel definir o homem como um ser que fala e no

    como um ser que escreve. Porm, no podemos considerar a fala como superior,

    pois tanto escrita como oralidade so prticas importantes da lngua, cada uma

    com suas prprias caractersticas. A oralidade adquirida nas relaes sociais do

    nosso dia a dia, desde o nosso nascimento. O contexto que determina o tipo de

    linguagem que devemos utilizar. Por isso, a prtica da oralidade uma forma de

    incluso cultural e de socializao.

    No contexto da oralidade, observamos a gestualidade, bem como

    movimento do corpo e dos olhos. Nesta perspectiva, Fvero (2005, p. 21) afirma

    que o texto conversacional criao coletiva e se produz no s

    interacionalmente, mas tambm de forma organizada. necessrio que o texto

    tenha uma organizao para que possa existir uma compreenso dos

    participantes para que, assim, o ato seja concretizado. J a escrita fruto de um

    aprendizado escolar, num contexto mais formal da lngua, por isso que ela

    considerada, pela sociedade, um bem cultural de prestgio.

    tambm na modalidade oral que os falantes esto em presena e o

    enunciado se constri ao mesmo tempo em que h interao dos interlocutores e

    pode haver negociaes entre os interlocutores do processo de produo,

    planejamento e execuo do que est sendo dito. O falante monitora a prpria

    fala, utilizando-se de entonao, gestos, expresses para acrescentar sentido ao

    que est sendo dito.

    Na sintaxe da lngua falada, ao contrrio da escrita, o interlocutor se

    preocupa sempre em preencher vazios, o que resulta na presena de correes,

    parfrases, truncamentos, repeties, elipses, pausas, anacolutos, marcadores

    conversacionais, digresses, hesitaes, parnteses, interrupes. Segundo

    Marcuschi (2005), esses traos no devem ser avaliados negativamente, como

    por exemplo, defeitos, disfluncia, disfuno do falante ou perda do fio condutor,

  • 24

    mas sim, como estratgias inerentes ao texto oral que monitora a fala dando

    qualidade ao processo de interatividade.

    Ainda segundo o autor, a correo, a parfrase, a repetio so

    mecanismos de reativao, ou seja, aqueles que nos permitem voltar atrs,

    retomando e repetindo o que foi dito. A repetio um trao caracterstico da

    lngua falada e assume funes diferenciadas. Na fala, onde nada se apaga, a

    repetio faz parte da construo do texto falado, sendo, tambm, uma forma de

    evidenciar, enfatizar o que se disse, no anulando o que foi dito. A parfrase a

    retomada do contedo com algumas alteraes na forma, por outro lado, a

    correo uma reformulao que, ao contrrio da repetio e parfrase, anula o

    contedo falado e indica a busca por uma melhor formulao do enunciado.

    Os outros traos da fala, como as digresses, inseres, elipses,

    anacolutos, as pausas, parnteses, hesitaes, interrupes so chamados pelo

    mesmo autor de processo de desativao, os quais resultam no abandono,

    rompimento, do que est sendo dito. As digresses, por exemplo, ocorrem

    quando o falante abandona o tpico conversacional, em andamento, e passa a

    falar de outra coisa.

    As pausas normalmente indicam um apagamento da fala que facilita o

    incio de um novo assunto. A insero surge no ato da fala com comentrios e

    observaes mais longas, acontecendo, por um tempo, uma

    suspenso/interrupo do que est sendo dito. J a hesitao, anacolutos levam

    a compreender que h um esgotamento do tpico conversacional em andamento.

    Ressaltamos que todos esses traos da fala atuam como estratgias no

    planejamento do texto falado.

    Quanto aos marcadores conversacionais ou discursivos so chamados

    elementos de constituio bastante diversificada, envolvendo, no plano verbal,

    sons no lexicalizados, palavras e locues verbais. Esses marcadores atuam

    como conectivos textuais para que o falante possa verificar se est sendo

    entendido ou para simplesmente tornar a interlocuo mais participativa. Segundo

    Marcuschi (2005), os marcadores conversacionais podem ser divididos em trs

    tipos: verbais, no verbais e suprassegmentais.

  • 25

    Os chamados marcadores verbais formam uma classe de palavras ou

    expresses bastante estereotipadas, de grande ocorrncia e recorrncia, eles

    situam-se no contexto sem contribuir com novas informaes, por exemplo,

    ento, n, a, entende. Os marcadores no verbais referem-se expresso

    facial, gesticulao, meneios da cabea, ou seja, posturas fsicas imprescindveis

    em todo e qualquer ato comunicativo, em tempo real. Quanto aos recursos

    suprassegmentais so aqueles relativos s pausas (registradas atravs de

    reticncias), entonaes e ao tom de voz.

    O estudo da lngua portuguesa em sua modalidade oral requer srias

    reflexes por parte dos professores de lngua materna e educadores em geral, e

    tambm uma nova viso do trabalho com a lngua na modalidade escrita e oral no

    dia a dia escolar. Partindo desta reflexo, o professor conseguir mostrar que

    entre a fala e a escrita no h superioridade ou inferioridade, mas uma adaptao

    s prticas sociais.

    Diante das prticas escolares vigentes, podemos afirmar que elas

    privilegiam o discurso escrito, pois, afinal, vivemos numa cultura letrada e a

    escola esteve associada escrita desde sua origem. Contudo, observamos que

    as atividades de contao de histrias devem estar presentes no dia a dia

    escolar, uma vez que a oralidade faz parte da experincia humana. Assim, a

    referida modalidade da lngua contribui para documentar o mundo, suas

    mensagens, suas experincias de vivncias, por exemplo, atravs de narrativas

    repetidas e mnemonicamente apreendidas.

    1.2 Narrativa oral

    A narrativa est presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa comea com a prpria histria da humanidade; no h em parte alguma povo algum sem narrativa; todas as classes todos os grupos humanos tm suas narrativas e frequentemente estas narrativas so apreciadas em comum por homens de culturas diferentes e mesmo opostas (BARTHES, 2011, p. 19).

  • 26

    Mas, afinal, o que narrativa? Mais do que a simples imitao ou cpia de

    aes preexistentes, trata-se de uma transposio da ao humana no e pelo

    texto narrativo. Neste sentido, todo texto narrativo deve ser considerado o

    produto de uma atividade criativa que opera uma redescrio da ao humana.

    Conforme Adam (1997), a narrativa que organiza a estrutura da experincia

    humana.

    De acordo com Bruner (1997), por meio da histria possvel analisar a

    capacidade que as pessoas tm de transmitir experincia atravs da narrativa; ele

    defende a ideia de que para a produo do sentido, que domina grande parte da

    vida do homem, a narrativa funciona como um poderoso instrumento. Segundo o

    autor, sem a habilidade de narrar, os indivduos jamais poderiam suportar os

    conflitos e contradies da vida social. Para o estudioso, a narrativa um veculo

    natural, pois ela pode ser lida desde a primeira fala da criana e ser vista como

    um material da ao e intencionalidade humana.

    Ainda se tratando da definio sobre narrativa, conforme Bruner (1997), ela

    um veculo natural para a psicologia popular, pois assimilada juntamente com

    as aes e intenes humanas, tendo desse modo o poder de ensinar, conservar

    a memria ou alterar o passado.

    Nesta perspectiva, o referido autor definiu a narrativa como uma forma

    convencional, transmitida culturalmente, que trata das intenes humanas, e,

    mais tarde, como um instrumento mental e discursivo de construo da realidade.

    As convenes narrativas, segundo o estudioso, so padres aos quais as

    histrias devem ajustar-se, a fim de serem reconhecidas em uma cultura. Bruner

    ainda acredita que existe uma predisposio para organizar as experincias em

    forma narrativa, e que no h outra maneira de descrever o tempo vivido (op. cit,

    1997b).

    Segundo Ferreira e Amado (2001), as narrativas, especificamente orais,

    revelam a capacidade dos seres humanos de pensar simbolicamente seus

    problemas complexos. Estes autores ainda entendem que o mundo est repleto

    de contradies e os mitos oferecem uma forma de lidar com tais questes.

    Ainda nesse vis, Costa e Botelho (2001) definem a narrativa como modos de

    traduzir o social, em que os registros orais ou escritos so caraterizados pelo

  • 27

    movimento prprio arte de contar, de traduzir em palavras ou registros da

    memria e da conscincia a partir das narrativas.

    Diante do exposto, vale mencionar, de maneira potica e delicada a

    relevncia do processo de contar algo: O que eu quero contar to delicado

    quanto a prpria vida. E eu queria poder usar a delicadeza que tambm tenho em

    mim, ao longo da grossura de camponesa que o que me salva (LISPECTOR,

    1999. p. 115).

    A narrativa contm em si fora mpar, visto ser tambm instrumento de

    reteno do passado e, por consequncia, suporte do poder do olhar e das vozes

    da memria. Podemos inferir que os melhores narradores so aqueles que

    deixam fluir as palavras na tessitura de um enredo que inclui lembranas,

    registros, observaes, silncios, anlises, emoes, reflexes, testemunhos. So

    esses narradores sujeitos de viso nica, singular e integrada s referncias

    sociais da memria e da complexa trama da vida.

    O discurso narrativo, por conseguinte, constitui-se em processo

    compartilhado, que inclui em si as seguintes dimenses: estmulo ao narrar, ato

    de contar e relembrar e disponibilidade para escutar. Fala, escuta e troca de

    olhares compem a dinmica desse processo nico e essencial vida humana, j

    que no se vive em plenitude sem a possibilidade de escutar, de contar histrias e

    de se apreender sob a forma de conhecimento, ou melhor, de sabedoria, o

    contedo narrado. Nas palavras do seguinte autor:

    Vivemos no mar de histrias, e como peixes que (que de acordo com o provrbio) so os ltimos a enxergar a gua, temos nossas prprias dificuldades em compreender o que significa nadar em histrias. No que no tenhamos competncia em criar nossos relatos narrativos da realidade - longe disso - somos, isso sim, demasiadamente versados. Nosso problema, ao contrrio, atingir uma conscincia do que fazemos facilmente e de forma to automtica [... BRUNER, 2001, p. 140].

    Nesta vertente, as mensagens so divulgadas por aqueles que detm os

    fatos da memria e os propagaram, recorrendo voz e ao corpo, numa

    performance que exige do pblico leitor da cena uma atenta audio e viso. A

    mensagem apreendida, gerando novos saberes. dessa forma que a narrao

    transforma a memria em experincia.

  • 28

    Bosi (2003), destacado no meio acadmico pela relevncia em que

    teorizou sobre a memria e sociedade, especificamente sobre a populao adulta

    de baixa renda, afirma que a memria oral um instrumento valioso para

    constituir a crnica do cotidiano. A autora comenta que Os velhos, as mulheres,

    os negros, os trabalhadores manuais, camadas da populao excludas da

    histria ensinada na escola, tomam a palavra (BOSI, 2003, p.15). Ainda segundo

    a autora, as hesitaes, silncios e rupturas dos discursos desses sujeitos no

    so vazios, mas podem representar fatos que o narrador prefere esquecer ou que

    so considerados difceis de ser entendidos, pois podem ainda no ser

    compreendidos pelas prprias pessoas que vivenciaram a situao.

    Assim, a forma como encaramos certas situaes e objetos est

    impregnada por nossas experincias passadas. Segundo Bosi (2003), atravs da

    memria, no s o passado emerge, misturando-se com as percepes sobre o

    presente, como tambm desloca esse conjunto de impresses construdas pela

    interao do presente com o passado que passam a ocupar todo o espao da

    conscincia. A estudiosa enfatiza tambm, que no existe presente sem passado,

    ou seja, nossas vises e comportamentos esto marcados pela memria, por

    eventos e situaes vividas. De acordo ainda com essa autora, o passado atua no

    presente de diversas formas. Uma delas, chamada de mmoria-hbito est

    relacionada com o fato de construirmos e guardarmos esquemas de

    comportamento dos quais nos valemos muitas vezes da nossa ao cotidiana.

    Nesta perspectiva, a memria pode-se traduzir como as reminiscncias do

    passado, que afloram no pensamento de cada um, no momento presente; ou

    ainda, como a capacidade de armazenar dados ou informaes referentes a fatos

    vividos no passado. As memrias individuais alimentam-se da memria coletiva e

    histrica e incluem elementos mais amplos do que a memria construda pelo

    indivduo e seu grupo. Um dos elementos mais importantes, que afirma o carter

    social da memria, a linguagem. As trocas entre os membros de um grupo se

    fazem por meio de linguagem. Lembrar e narrar se constituem da linguagem.

    Como afirma Bosi (2003), a linguagem o instrumento socializador da memria,

    pois reduz, unifica e aproxima no mesmo espao histrico e cultural vivncias to

    diversas como os sonhos, as lembranas e as experincias recentes.

  • 29

    A narrao oral sobre o passado faz parte de um contexto maior, que a

    representao coletiva da memria. Pois, para fazer parte da tradio oral

    preciso antes fazer parte das memrias, das lembranas. E a memria coletiva

    fundamental para compor a identidade e a historicidade de algum. Falamos,

    assim, das narrativas envolvidas por sentimentos de angstia, medo, nostalgia e

    esperana que conferem sentido s experincias vividas e por meio dos quais as

    pessoas elaboram significados sobre si.

    Labov (1972) destacado como um dos primeiros tericos a se interessar

    pela narrativa oral. Seus estudos lingusticos, baseados nas narrativas orais de

    experincia pessoal, ganharam importncia, especialmente, pela narrativa

    conversacional. No desenrolar de suas pesquisas, o autor enveredou-se pelas

    narrativas coletadas em entrevistas sociolingusticas, que posteriormente

    denominou de narrativas orais de experincia pessoal. O sociolinguista salienta

    que para existir a narrativa indispensvel o acontecimento, singular e indito,

    digno de ser narrado. Para ele, a avaliao um dos elementos estruturais da

    narrativa, que tem por finalidade comunicar ao ouvinte o ponto de vista do

    narrador em relao histria narrada. Este estudo torna-se bastante relevante,

    ou seja, por meio dele possvel caracterizar a importncia da oralidade e da

    imagem na estrutura narrativa.

    Nesta perspectiva, Labov (1972) apresenta uma definio de narrativa de

    experincia pessoal como uma tcnica de construo de fatos que ocorreram na

    mesma ordem que os eventos originais. A partir da observao de um corpus

    homogneo de narrativas de experincia de perigo/risco de morte, o estudioso

    concluiu que a narrao completa apresenta seis elementos recorrentes ou partes

    da narrao: 1) Resumo: uma sntese do que se trata a narrativa, a natureza do

    seu contedo; 2) Orientao: apresenta referncias ao local, tempo e pessoas

    envolvidas; 3) Complicao: sequncia de acontecimentos e aes que formam o

    corpo da narrao, ou seja o evento inesperado; 4) Avaliao: o narrador

    apresenta suas emoes, indica o propsito de sua histria, sua razo de ser; 5)

    Resoluo: uma soluo, o resultado; como isso acabou; 6) Coda: uma

    sentena final que retorna a narrativa ao tempo do falante, em que o narrador

    informa que sua narrativa acabou.

  • 30

    Assim, quando uma narrativa apresenta a avaliao, segundo o terico, o

    interlocutor se prende mais a sua histria, pois o narrador utiliza certos

    mecanismos que vo identificar a subjetividade e o seu posicionamento diante do

    fato narrado.

    De acordo com Fiorindo (2005), ainda se tratando da avaliao, Labov

    distingue quatro tipos: avaliao externa; avaliao encaixada; ao avaliativa e

    avaliao por suspenso da ao. Esta ltima no vamos levar em conta, uma

    vez que o autor afirma que todos os procedimentos de avaliao tem como fim

    suspender a ao. A seguir descrevemos os trs primeiros tipos:

    a) Avaliao externa: esse procedimento consiste em interromper a narrativa a fim

    de explicar ao ouvinte onde est precisamente o interesse;

    b) Avaliao encaixada: ela se encontra no prprio desenvolvimento da narrativa

    e corresponde utilizao dos discursos reportados diretos, sobretudo, ou

    indiretos, marcados ou no na narrativa;

    c) Ao avaliativa: nesse procedimento, a avaliao nos informa o que os

    personagens disseram. Do mesmo modo o narrador se revela capaz de encaixar

    seu comentrio inesperado.

    Assim,

    Se um ator de uma narrativa estiver disposto a falar, no importa qual o assunto ou para que tipo de destinatrio; isso por si s o capacita para a avaliao e o uso que fizer de negativas, comparativas, modais ou futuros devem ser entendidos como uma forma de avaliao (LABOV, 1972, p.07).

    Alm dessas estruturas narrativas de Labov (1972), nos apoiamos tambm

    nas estratgias de formulao especficas do texto oral, a partir da definio de

    Marcuschi (2005). Esses elementos da estutura narrativa se referem aos traos

    da oralidade: elementos no verbais de comunicao a exemplos de marcadores

    discursivos, repetio, hesitaes, elementos suprassegmentais, os meneios da

    cabea, e gestos.

  • 31

    Nas histrias dos sujeitos desta pesquisa, nos ocupamos das narrativas de

    experincias pessoais, em que os narradores se preocupam em reconstruir, at

    em reviver, fatos do seu passado. Mas procedemos, conforme mencionado,

    diferentemente de Labov (1972), ou seja, adaptamos o modelo s narrativas de

    experincias produzidas pelos sujeitos da pesquisa em questo.

    Neste contexto, trazemos a discusso a respeito da construo do

    conhecimento por meio de relatos orais de experincias vividas dos estudantes, a

    partir da leitura de imagens do filme Vida Maria. Alm disso, acreditamos que tal

    interveno pedaggica possa contribuir para a partilha de saberes e

    conhecimentos sociais dos sujeitos da pesquisa.

    1.3 Imagem

    O que imagem? A fim de conceituarmos a referida expresso,

    inicialmente, nos apoiamos em Aumont (1993), o qual afirma que banal falar de

    civilizao da imagem, mas essa expresso revela bem o sentimento

    generalizado de se viver em um mundo onde as imagens so cada vez mais

    numerosas e tambm diversificadas. Sobre os aspectos relativos s imagens,

    percepo do movimento, h vrias teorias que visam explicar a percepo em

    dois fenmenos: o primeiro a presena no sistema visual de detectores de

    movimento capazes de codificar os sinais, que afetam pontos vizinhos na retina; o

    segundo uma informao sobre nossos prprios movimentos, que permite no

    atribuir, aos objetos percebidos, um movimento aparente, decorrente de nossos

    deslocamentos ou de nossos movimentos oculares.

    No que se refere ao visual e ao imaginrio, numa perspectiva psicanaltica,

    o olhar o que define a intencionalidade e a finalidade da viso. Assim,

    Quanto ateno visual, distingue-se a ateno central e a ateno perifrica. Esta, considerada mais vaga, refere-se em especial ateno aos fenmenos novos na periferia do campo e aquela, concebida como uma espcie de focalizao sobre os aspectos importantes do campo visual (AUMONT, 1993, p.85).

  • 32

    clara a posio que a imagem se encontra, entre o espectador e a

    realidade. nessa situao de mediao que o autor traz a ao da imagem

    sobre o espectador, apresentando abordagens cognitivas e pragmticas. Ele

    aborda a recepo da imagem pelo espectador, o que pressupe um processo

    construtivista da percepo, levando em conta fatores sociolgicos ou

    semiolgicos, que influenciam sua compreenso, interpretao e aceitao. A

    constituio do sentido individual, original, feita com base em diferentes

    indicadores e contextos, por isso varia para um mesmo sujeito-leitor e de um

    sujeito-leitor para outro.

    Segundo Bitar (2002), na comunicao por imagens encontramos,

    portanto, dois nveis de leitura, que compreendem o que mostrado, no sentido

    literal e estrito, e o que significa, ou evoca, no sentido largo e implcito. A

    imagem no apenas reflexo do mundo, mas ela remete tambm histria

    individual e social de cada leitor, libera discursos diferentes tantos quantos so os

    leitores (BITAR, 2002, p. 26).

    Por exemplo, a mesma imagem pode conter elementos que a caracterizam

    de forma simblica e tambm de elementos informativos e estticos,

    principalmente com o avano da tecnologia na publicidade, que mescla

    informao e visual esttico para conquistar seus consumidores. Assim, segundo

    a autora, uma mensagem visual para ser correta e completamente recebida,

    supe uma aprendizagem social e cultural, alm de aquisies intelectuais.

    A complexidade da imagem ainda maior por sua relao com a palavra, o

    que pe em jogo no somente o saber, mas tambm a personalidade do

    observador. Sendo assim, devemos ter em mente que a imagem s tem

    dimenso simblica to importante porque capaz de significar - sempre em

    relao com a linguagem verbal. Entende-se que o problema do sentido da

    imagem , pois, o da relao entre imagens e palavras, entre imagem e

    linguagem. Se a imagem contm sentido, este tem de ser lido por seu

    destinatrio, por seu espectador.

    O processo de reconhecer na imagem algo que existe, seja de forma

    concreta ou idealizada, um trabalho que se apoia na memria coletiva e

    individual. na memria que est a base de nossa apreenso visual, bem como

  • 33

    a percepo de imagens. a partir da memria que podemos atribuir qualidades

    constantes aos objetos e ao espao utilizando a noo de constncia perceptiva

    que nos permite comparar o que vemos e o que j vimos (AUMONT, 1993, p.

    82).

    Dentro do contexto do estudo das narrativas orais, a partir do trabalho com

    imagens, reforamos a importncia do papel da representao icnica na

    aprendizagem e no interesse dos alunos. Somos indivduos imersos em um

    mundo de imagens. A cena visual passa pelo olhar do observador que busca

    explor-la em detalhes, por meio de fixaes sucessivas, as quais so mais

    demoradas nos locais onde h maior informao visual. Conforme Aumont (1993),

    nesta perspectiva, a imagem estudada tanto como esttica como em

    movimento, delineando casos como o cinema e o estmulo que as imagens

    luminosas descontnuas exercem nos espectadores.

    A ttulo de ilustrao, visualizamos algumas imagens para tecermos breves

    comentrios:

    Imagem 1

    Fonte: https://www.google.com.br/search?q=foto+de+imagens+em+movimento

    Imagem 2

    Fonte: https://www.google.com.br/search?q=foto+de+imagens+em+movimento

    https://www.google.com.br/search?q=foto+de+imagens+em+movimentohttps://www.google.com.br/search?q=foto+de+imagens+em+movimento

  • 34

    Imagem 3

    Fonte: https://www.google.com.br/search?q=foto+de+imagens+em+movimento

    As imagens apresentadas esto paradas ou em movimento? Para

    responder questo, temos que seguir a seguinte afirmao: depende do ponto

    de vista do observador. Da mesma forma, as interpretaes que cada uma delas

    carregam tambm, iro depender do leitor-observador. Portanto os smbolos

    presentes em cada uma transmitem sentidos e sensaes diferentes. Nesta

    perspectiva, as interpretaes so mltiplas.

    Para Bresson (2000, p. 200), ler ou compreender uma imagem implica

    utilizar diversas operaes, as quais determinaro diferentes nveis de

    compreenso. De acordo com o autor, falar sobre leitura de imagens, segundo

    uma concepo de leitura de mundo, no o bastante. H que considerar a

    acepo mais ampla de leitura, que envolve o seu carter polissmico e que, de

    acordo com uma perspectiva discursiva, aponta para alguns aspectos de suma

    importncia.

    Observamos, no entanto, que a prtica pedaggica docente ainda est

    muito longe de considerar a utilizao de imagens de diferentes tipos, enquanto

    estratgia de leitura de mundo dos educandos. muito forte, ainda, a viso de

    que podemos ler apenas o cdigo escrito, desconsiderando o texto icnico. Assim

    sendo, a escola deixa de possibilitar ao aluno o aprendizado da leitura da

    imagem, desenvolvendo uma postura crtica em meio ao turbilho de imagens

    que os rodeia. De acordo com Rossi (2003, p. 34), hoje vivemos na chamada

    civilizao da imagem. Portanto, faz-se necessrio, que estejamos sensveis e

    atentos para sermos capazes de analis-la. Desse modo, ao se refletir a respeito

    https://www.google.com.br/search?q=foto+de+imagens+em+movimento

  • 35

    das implicaes do aprendizado da modalidade oral, por meio da narrao

    verbalizada, a partir da leitura de imagens em movimento, podemos dizer que a

    escola, enquanto instituio responsvel na formao do sujeito falante, capaz de

    compreender e estabelecer relaes entre texto e contexto, deve ter como desafio

    criar um ambiente propcio para o trabalho com as diferentes linguagens,

    valorizando todas as formas de expresses, inclusive, a imagtica e a oral.

    1.4 A narrativa flmica

    O cinema um meio de extensos alcances, atingindo a todos os povos,

    dialogando com todas as raas, encantando todas as idades. Desde sua inveno

    o cinema diverte, entretm, instiga, provoca, questiona, infere, comove, envolve e

    estende o olhar do homem para muitas realidades a seu redor, assim sendo, ele

    tambm educa.

    Inserido no campo educacional, ele ocupa um espao de grandes

    oportunidades para o ensino, assumindo uma funo bem mais abrangente do

    que a sua costumeira qualificao como entretenimento, ao propor reflexes

    sobre situaes extradas da realidade e enriquecidas pela fora da imagem.

    Como mdia, possui certa tendncia a sugerir comportamentos e, por isso,

    influencia na forma como as pessoas concebem certos valores e os internalizam

    como referncia, discutveis no campo da tica e da moral.

    Neste processo, a narrativa cinematogrfica torna-se um meio motivador

    de reflexo, torna-se um elemento novo a ser considerado no universo

    educacional e prope novos olhares e possibilidades para o ensino. A partir da,

    perceptvel a consistncia da fora dos argumentos legitimadores do cinema

    como recurso de aprendizagem, na medida em que estes integram a proposta

    pedaggica no respaldo ao trabalho com a oralidade.

    Assistir a um filme uma oportunidade para que outros filmes passem pela

    cabea dos alunos, por exemplo, o filme de sua prpria vida, ou da vida de

    algum conhecido, que lhe traz uma certa experincia j vivida. Por isso, deixar o

    aluno livre para fazer comentrios, perguntas, reflexes uma parte tocante

  • 36

    desse trabalho que deve ser cultivada sempre. Por isso, ao se propor o filme

    como apoio didtico, deve-se enxerg-lo como tal e, por isso, um meio de

    aprendizagem, passvel de organizao, sistematizao de contedos e

    verificao avaliativa. Pensar, pois, em alternativas pedaggicas, significa pensar,

    ordenadamente, em um encaminhamento metodolgico que respalde o trabalho

    do docente.

    O conceito de significado do filme apenas faz sentido se tivermos em

    considerao a interao existente entre o prprio filme e as interpretaes

    individuais dos espectadores que o veem. Para Bresson (2000), no existe um

    significado do filme, mas sim aquilo que cada espectador interpreta aps ter

    estado sujeito s imagens e aos sons na composio da cena, criando-se assim

    inmeros significados. Ver ao mesmo filme, em ocasies diferentes, pode ter

    tambm efeitos diferentes no espectador. As pessoas podem mudar de opinio a

    respeito de um filme com o passar do tempo, porque a interpretao dos filmes

    depende sempre da circunstncia e do contexto apresentado e, se este se altera,

    as opinies tambm podem ser modificadas.

    Ainda de acordo com o terico, as imagens e os sons do cinema apenas

    adquirem valor pelo uso que lhes dado. O autor sublinha que o significado de

    um filme no est dependente das intenes de quem o faz, mas depende do

    enquadramento do espectador. Este enquadramento engloba as crenas,

    conhecimentos, cultura e valores do espectador, bem como o momento de

    visionamento do filme.

    As intenes dos realizadores ao fazerem um filme no passam disso

    mesmo, intenes; pois a interpretao apenas um dos muitos elementos que o

    espectador tem ao seu dispor para criar o sentido. Assim,

    a imagem de um ator a sorrir pode ser considerada ternurenta se surgir aps ter feito um carinho a uma criana e pode ser considerada irnica e maliciosa se ocorrer aps ter sido cometida alguma maldade (RODRIGUES, 2008, p. 51).

    Deste modo, e embora a imagem do ator seja sempre a mesma, a

    interpretao vai depender da relao causa/efeito que o espectador estabelecer

    entre as imagens antecedentes, a atual e as imagens futuras e aquilo que as

    pessoas pensam e sentem, perante situaes semelhantes quelas que

  • 37

    visualizam. As imagens so muito importantes para a interpretao, mas sozinhas

    no tm qualquer valor interpretativo. A interpretao existe porque as imagens

    so integradas num processo interpretativo, em que procuram conhecimentos

    anteriores que permitam a descodificao das mensagens transmitidas.

    Apesar de cada espectador poder interpretar o filme, de acordo com os

    seus conhecimentos, como j foi referido, o significado do filme no dota de

    arbitrariedade. Ainda conforme a autora, as crenas comuns e os valores

    partilhados pelos indivduos de uma mesma sociedade apresentam, muitas vezes,

    opinies semelhantes sobre um dado assunto. Sendo assim, o significado

    atingido por um grupo de pessoas que vivem em sociedade ser relativamente

    similar.

    Um fator importante, segundo a estudiosa, reside no fato de o cinema ter

    criado um sentimento de pertena para com o mundo. Ao assistir ao filme, o

    homem deixa de ser um indivduo isolado e passa a ser parte integrante de uma

    comunidade com quem partilha algo. Sendo assim, consideramos que o pblico

    que o cinema prefere composto por pessoas que leem, que pensam e que

    desejam ver, na grande tela, representaes da vida real.

    Conforme Aumont (1995), todo filme constitudo de fotogramas e a

    imagem de tela, tais caractersticas materiais da imagem esto entre laos

    fundamentais dos quais decorre nossa apreenso da representao flmica.

    Logo, o fotograma so imagens fixas, dispostas em sequncia em uma

    pelcula transparente, que se origina em uma imagem aumentada e que se move.

    A narrativa flmica reside na formao dessa imagem, na criao e na

    composio de seus planos, cenas e sequncias. A ttulo de ilustrao seguem

    dois exemplos de fotogramas:

    Imagem 4 Imagem 5

    https://www.google.com.br/fotogramas https://www.google.com.br/fotogramas

  • 38

    Os planos so todas as tomadas estabelecidas por enquadramentos e

    cortes especficos que possuem uma unidade de tempo predeterminado e uma

    ao contnua sem interrupo. Sempre que a cmera interrompe sua atividade

    para captar outro plano, haver um corte, determinando, assim, que um plano

    est sempre compreendido entre dois cortes. As cenas so determinadas por um

    conjunto de planos dentro de uma ao especfica, segundo Rodrigues (2008), e

    as sequncias constituem-se em uma srie de cenas que acontecem em um

    mesmo ambiente (local) e perfazem uma unidade de ao completa.

    A impresso de analogia com espao real produzido pela cena do filme ,

    portanto, poderosa o suficiente para chegar normalmente a fazer esquecer no

    apenas o achatamento da imagem, mas a ausncia de cores quando se tratar de

    um filme preto e branco, ou da falta de som se o filme for mudo. No chamado

    espao flmico ou cena flmica, considera-se que o campo e fora de campo

    pertencem ambos, de direito, a um imaginrio perfeitamente homogneo. As

    consideraes sobre o espao flmico, conforme o autor, s tm sentido na

    medida em que est diante daquilo que chamamos cinema narrativo

    representativo (AUMONT, 1995, p. 24).

    Esse movimento cria uma iluso de continuidade que se apodera de uma

    das caractersticas inatas ao nosso sistema tico. Se olharmos fixamente para

    uma imagem e, depois, fecharmos nossos olhos, tal imagem ainda nos

    permanecer visvel, e essa a noo de persistncia retiniana utilizada para

    transmitir o movimento no cinema em pelcula, a ideia de que um fotograma

    anterior fixa-se em nossa retina por um tempo a mais alm de sua projeo, se

    encontrando com o fotograma seguinte e assim por diante, transmitindo a ideia

    de continuidade na ao.

    Definidas as bases das tomadas cinematogrficas, uma obra composta

    pelas montagens desses planos, cenas e sequncias, efetuando recortes do

    tempo. Assim sendo, o cinema explora no somente a imagem em movimento,

    mas principalmente o tempo dessa imagem ou o que poderamos chamar imagem

    tempo. Esse tempo no o tempo de exibio de um filme. o seu tempo

    narrativo - o passado, o presente e o futuro que compem qualquer narrativa

    cinematogrfica.

  • 39

    Segundo Aumont (1995), fundamental para o espectador, de uma

    narrativa cinematogrfica perceber, que a estria contada e a sucesso de suas

    imagens suprimem o tempo real atravs de suas cenas e sequncias. Que a

    proposta bsica de um filme passar o seu recado em um determinado perodo

    de tempo, com linearidade, continuidade e agilidade que permitam a

    compreenso total de seu enredo, mesmo com todas as compresses feitas em

    seu tempo flmico quando da montagem de suas cenas e sequncias.

    O filme selecionado para pesquisa, Vida Maria, apresenta recursos

    oferecidos pela computao grfica, em que efeitos de luz e de movimentos de

    cmera, riqueza de detalhes na composio visual de personagens e cenrios

    so algumas das estratgias utilizadas para criar o mundo ficcional do cinema de

    animao, em diferentes formatos e gneros. Diante disso, podemos caracterizar

    o cinema de animao como um procedimento ldico, devido possibilidade de

    criao decorrente das diferentes tcnicas empregadas e das possibilidades de

    realizao infinitas das histrias narradas.

    Como se trata de um curta-metragem, h uma concentrao de efeitos

    narrativos e dramatrgicos resultantes da visualizao das imagens, composio

    dos cenrios, modelagem de personagens e da trilha sonora, alm de efeitos

    sonoros, sendo que tudo converge para a criao de um efeito nico, com a

    finalidade de provocar a reao imediata do espectador. A vantagem de se

    trabalhar com o filme de curta durao, consiste na sua autenticidade, dada a sua

    natureza de obra cinematogrfica que pretende motivar e envolver o espectador.

    Em vista disso, o aspecto da construo da narrativa prontamente identificado,

    no entanto, os modos de contar aps assistir ao filme, so especficos, a cada

    sujeito.

  • 40

    2 PROPOSTA DE INTERVENO

    Aqui, apresentamos a metodologia aplicada leitura de imagens em

    movimento, por meio do filme, Vida Maria, a fim de estimular a produo da

    narrativa oral de experincias vividas, pelos estudantes do 6 e 7 anos EJA

    Segmento de Educao de Jovens e Adultos.

    Essa prtica pedaggica com a oralidade, a partir de narrativas, foi

    realizada no segundo semestre do ano de 2014. Para o desenvolvimento dessa

    atividade foram necessrias quatro aulas de 50 minutos em cada turma da EJA.

    Salientamos, no entanto, que antes dessa proposta de interveno, foram

    realizadas atividades de sensibilizao sobre a modalidade oral e sobre as

    caractersticas de alguns gneros, que abordam a oralidade, bem como os

    elementos que constituem a narrativa.

    Para aplicao da referida atividade foram feitos, inicialmente, alguns

    questionamentos aos alunos a respeito do que sabem sobre narrativas e do que

    conhecem sobre a leitura de imagens.

    Ento, levantamos questes relativas a leituras de textos narrativos; quais

    os elementos que os constituem; se gostam de ler textos imagticos e quais as

    impresses sobre esses textos; alm de levantar perguntas sobre filmes e

    imagens interessantes que j assistiram. Foi preciso tambm explorar a noo de

    oralidade e estabelecer, logo no incio, que o trabalho era sobre a produo de

    uma narrativa oral e que a turma iria contar fatos da sua vida pessoal: como foi a

    infncia; por que deixaram de estudar na fase regular de escolarizao; o que os

    motivaram a voltar a estudar, entre outros relatos. Essa mobilizao inicial

    objetivou o entendimento pelos alunos das especificidades que envolvem a

    narrativa oral e a multiplicidade de formas que a oralidade assume.

    Em seguida, foi apresentado o filme Vida Maria para uma das turmas e

    nos dias subsequentes s outras duas. Cada turma era composta por 25 alunos

    do 6 e 7 anos EJA do Segmento de Educao de Jovens e Adultos. Com base

    nas imagens do filme, esses alunos foram solicitados a produzirem,

    individualmente, a narrativa oral de experincias vividas, ressaltando as vivncias

    de cada um. O trabalho foi realizado, inicialmente, com todos os alunos de cada

  • 41

    turma; posteriormente, para gravao e anlise com vistas ao trabalho de

    concluso, selecionamos seis alunos que narraram suas histrias.

    2.1. Conhecendo o espao

    A Escola Municipal Jardim Santo Incio est localizada na Praa e no

    Bairro com o mesmo nome da instituio de ensino, situada na periferia de

    Salvador-BA. A escola tem apenas cinco anos de criao e conta com o nmero

    de vinte e cinco salas de aulas, distribudas nos turnos matutino, vespertino e

    noturno. Nos referidos turnos so atendidos seiscentos e setenta e oito alunos,

    sendo duzentos e quatro no turno matutino, que conta com o quadro de dez

    professores; duzentos e vinte e sete no turno vespertino, com onze professores e

    duzentos e quarenta e sete no noturno, com doze professores.

    No turno matutino so atendidos os alunos da Educao Infantil e do

    Ensino Fundamental I. No vespertino a escola atende tambm a Educao Infantil

    e Ensino Fundamental I. O corpo docente formado por alguns professores que

    tm o ttulo de mestre e a maioria tem especializao nas suas respectivas reas

    de ensino. No turno noturno, so atendidos os alunos da EJA I e da EJA II, que

    constituem o Segmento de Educao de Jovens e Adultos. Neste turno funcionam

    oito salas, sendo uma turma do 1TAP II (2 e 3 anos); duas turmas do TAP III (4

    e 5 anos); trs turmas do TAP IV (6 e 7 anos) e duas turmas do TAP V (8 e 9

    anos).

    A unidade escolar conta com uma gestora, que atende todos os turnos de

    ensino e trs vice-diretoras, sendo uma para cada turno. So quatro

    coordenadoras pedaggicas que trabalham, respectivamente, uma no turno

    matutino, uma no turno vespertino e duas no turno noturno, sendo uma para a

    EJA I e outra para a EJA II. A instituio de ensino tem no total vinte funcionrios,

    entre secretrias, merendeiras, pessoal de limpeza, agente de portaria, sendo que

    trs fazem parte do quadro efetivo da rede e os demais so da categoria de

    terceirizados. Quanto ao espao fsico, h uma secretaria, uma sala dos

    professores, uma cantina com trs profissionais responsveis pela merenda, nos 1 TAP I, TAP II, TAP III, TAP IV, TAP V Tempos de Aprendizagem (Cdigo utilizado pela

    Secretaria Municipal de Educao - SMED).

  • 42

    trs turnos, respectivamente. Existe, tambm, uma sala de informtica com seis

    computadores para atender todo alunado.

    Imagem 6

    Fotografia do Colgio Municipal Jardim Santo Incio

    2.2 Seleo dos sujeitos

    Os sujeitos selecionados para este trabalho esto matriculados na

    modalidade educacional da Educao de Jovens e Adultos que abrange,

    especificamente, a Educao Bsica do Ensino Fundamental.

    A EJA a modalidade de educao nas etapas dos Ensinos Fundamental

    e Mdio da rede escolar pblica brasileira e adotada, tambm, pela rede

    particular, que recebe os jovens e adultos que no completaram os anos da

    Educao Bsica, em idade apropriada, por qualquer motivo, entre os quais

    frequente a meno da necessidade de trabalho e participao na renda familiar

    na infncia.

    Esse segmento tem uma proposta diferenciada do ensino regular

    tradicional, tanto pela trajetria pessoal e profissional quanto pelas demandas

  • 43

    pessoais e sociais dos sujeitos. Nesta perspectiva, a EJA deve ser assegurada

    como direito educao escolar aos jovens e adultos que, pelas razes mais

    diversas, no tiveram a oportunidade de frequentar ou concluir a Educao

    Bsica.

    Falar dos sujeitos da EJA falar sobre diferentes sonhos, ideais e utopias.

    No caso dos sujeitos do Seja-Salvador temos educandos com trajetrias

    individuais construdas em diferentes tempos.

    Os referidos educandos so caracterizados como sujeitos que falam pouco,

    so tmidos e relatam, muitas vezes, a dificuldade de falar em pblico. Por conta

    disso, como professora de Lngua Portuguesa, percebo a grande

    responsabilidade de apresentar a esses alunos atividades e situaes didticas

    que venham desenvolver e estimular a produo verbal, pois poucos so os que

    possuem desenvoltura no momento de expresso da fala.

    Ento, selecionamos para pesquisa seis alunos dessas respectivas turmas,

    sendo dois da turma A um do sexo masculino e um do sexo feminino; dois

    alunos da turma B um do sexo masculino e um do sexo feminino; e dois alunos

    da turma C, tambm um homem e uma mulher, para o trabalho de anlise das

    produes orais. Esses sujeitos esto na faixa etria de 38 a 58 anos de idade,

    cursando a EJA II (6 ao 7 ano), pertencentes ao nvel socioeconmico e cultural

    baixo, residentes, prximo da escola, localizada na periferia da cidade de

    Salvador, todos eles vivem na labuta de trabalhar nos dois turnos e estudar

    noite. Poucos so aqueles que desejam continuar os estudos, concluir o terceiro

    ano e ingressar na faculdade.

    Com base nas caractersticas desses sujeitos, o segmento da EJA precisa

    ter presena e voz nas polticas pblicas de ensino. A incluso das suas vozes

    torna-se necessria para se instalar um modelo equitativo de educao popular.

    Portanto, a oralidade representa, para esses alunos adultos, a possibilidade de

    falar e a garantia de que suas opinies sero ouvidas pelo outro, na perspectiva

    de promover um dilogo de natureza democrtica entre os sujeitos

    frequentadores dessa modalidade de ensino, estimulando-os ao exerccio de

    cidadania.

  • 44

    Contexto de ensino da EJA

    Na rede municipal de ensino de Salvador so destacados os saberes da EJA

    que constituem a base para o planejamento e a avaliao do processo formativo.

    Eles esto organizados de acordo com os seguintes componentes curriculares:

    EJA I: Lngua Portuguesa, Matemtica e Estudos da Sociedade e da

    Natureza (Histria, Geografia e Cincias).

    EJA II: Lngua Portuguesa, Lngua Estrangeira, Histria, Geografia,

    Educao Fsica, Arte, Cincias e Matemtica.

    Ressaltamos que esses saberes so indicadores da avaliao e referncia

    pedaggica para o planejamento do professor; esto distribudos por reas do

    conhecimento onde o educador poder articular na construo do planejamento:

    objetivos, contedos, estratgias e situaes didticas; foram construdos

    considerando uma sequncia lgica e gradativa de expectativas de

    aprendizagens.

    Segundo as orientaes da Secretaria Municipal de Educao - SMED, o

    professor dever definir o quantitativo de saberes para a construo do

    planejamento do bimestre e, consequentemente, do processo avaliativo dos

    educandos.

    Os professores da EJA II trabalham, especificamente, com os saberes de

    Lngua Portuguesa que envolvem os indicadores do processo de aprendizagem,

    conforme quadro abaixo:

  • 45

    Quadro 1

    INDICADORES DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM TEMPO DE APRENDIZAGEM IV

    SABERES LNGUA PORTUGUESA

    CDIGO SABERES LNGUA

    PORTUGUESA

    1 BIMESTRE 2 BIMESTRE 3 BIMESTRE 4 BIMESTRE

    2AC 0,0 a

    2,5

    EP 2,5 a

    5,0

    C 5,0 a

    10

    AC 0,0 a

    2,5

    EP 2,5 a

    5,0

    C 5,0 a

    10

    AC 0,0 a

    2,5

    EP 2,5 a

    5,0

    C

    5,0 a

    10

    AC 0,0 a

    2,5

    EP 2,5 a

    5,0

    C

    5,0 a

    10

    TAP4-

    LP1

    Expe suas ideias oralmente de modo a atender as mltiplas demandas sociais e diferentes propsitos comunicativos.

    TAP4-LP2

    Relaciona a presena de uma variedade lingustica em um texto de acordo com o contexto de interlocuo.

    TAP4-LP 3

    Emprega diferentes estratgias de leitura reconhecendo forma e contedo do texto, em funo das caractersticas do gnero, do suporte, do autor etc.

    TAP4-LP 4

    Reconhece em textos os procedimentos de persuaso utilizados pelo autor, defendendo com argumentos coerentes seus pontos de vista.

    TAP4-LP 5

    Produz textos do gnero oral amparado-se em registros escritos.

    TAP4-LP 6

    Compara e interpreta informaes de um mesmo fato em diferentes gneros textuais, identificando semelhanas e diferenas.

    2 AC - A Construir /EP Em Processo/ C Construdo

  • 46

    TAP4-LP 7

    Relaciona textos com outros textos e/ou recursos de natureza suplementar que o acompanham (grficos, tabelas, desenhos, fotos, boxes) no processo de compreenso e interpretao do texto.

    TAP4-LP 8

    Seleciona marcas de segmentao em funo do texto: ttulo e subttulo; paragrafao; periodizao; pontuao (ponto, vrgula, ponto e vrgula, dois-pontos, ponto de exclamao, ponto de interrogao, reticncias) e outros sinais grficos (aspas, travesso, parnteses).

    TAP4-LP 9

    Estrutura textos, em funo das marcas: mudana de captulo ou de pargrafo, ttulos e subttulos, para textos em prosa; colocao em estrofes e versos, para textos em versos.

    TAP4-LP10

    Articula conhecimentos da ortografia e morfologia na produo de textos, empregando os elementos gramaticais prprios da linguagem escrita.

    NDICE PARCIAL

    NDICE TOTAL

    Quadro 2

    Parecer Escala

    AC A CONSTRUIR 0 a 2,5

    EP EM

    PROCESSO 2,5 a 5,0

    C CONSTRUDO 5,0 a 10

    Fonte:3

    3 Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedaggico CENAP (Salvador BA)

  • 47

    Assim, o clculo da mdia bimestral ocorre com base na soma dos valores

    atribudos ao saberes por rea de conhecimento, assinalados pelo professor de

    acordo com o desempenho do educando, dividido pela quantidade de saberes

    trabalhados ao longo do bimestre. Nesta perspectiva, os saberes assinalados, Em

    Processo em um bimestre, podero ser retomados no planejamento da avaliao

    do bimestre posterior.

    Dentro desse vis, a escola que trabalha com jovens e adultos deve atentar

    para a superao da escola fragmentada, dividida em disciplinas e grades

    curriculares, distante da vida dos educandos. A cidade de Salvador considerada a

    cidade mais negra fora da frica, se constitui num municpio que se destaca pela

    identidade plural do seu povo. O reconhecimento dos saberes intrnsecos

    diversidade cultural e social dos sujeitos da EJA constitui os fundamentos terico-

    metodolgicos, postos para Educao de Jovens e Adultos na Rede Municipal de

    Ensino que esto respaldados pelos documentos oficiais do MEC, no que tange a

    esse segmento de ensino.

    O desafio da escola que atende o Segmento de Jovens e Adultos

    reco