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1 Do direito a memória histórica: o processo de desapropriação de terras para a instalação do CIMH- Campo de Instrução Marechal Hermes no planalto Norte catarinense. SOELI REGINA LIMA 1 Resumo: O trabalho analisa a questão litigiosa, decorrente do ato de desapropriação de terras, ocorrido em 1956, para implantação de um campo de instrução militar no planalto Norte catarinense. A área de 7.595 ha. pertencia a 89 propriedades distribuídas entre 68 proprietários rurais. As informações coletadas, através da história oral, foram contextualizadas com fontes documentais. De acordo com as memórias reveladas, constata-se que o ato desapropriatório criou entre as famílias a dificuldade de adaptação à nova situação de vida, bem como, a mudança de ordem econômica e social na região. A maioria dos desapropriados, não possuindo outras terras e nem condições para adquiri-las, acabaram desfazendo-se dos rebanhos, a preços irrisórios, em alguns casos, pagando pelo arrendamento de suas próprias terras ao exército. A migração de famílias desapropriadas foi outra realidade observada. Na década de 1980, os desapropriados realizaram movimentos sociais de protesto com apoio da Pastoral da Terra e do MST. No mês de outubro de 2014, no município de Papanduva-SC, a Comissão da Verdade ouviu em audiência publica desapropriados e/ou herdeiros de terras, sobre a questão. Palavras- chave: desapropriação; movimentos sociais; CIMH; historia oral. 1. Do processo de desapropriação de terras para implantação do campo de manobras do CIMH- Campo de Instrução Marechal Hermes Três Barras localiza-se na região Norte Catarinense. Neste município está localizado o CIMH-Campo de Instrução Marechal Hermes, pertencente ao Ministério do Exército. A base territorial, da área militar, se deu com a transferência do patrimônio da Southern Brasil Lumber and Colonization Company Lumber para o Ministério da Guerra, no ano de 1952. Com objetivo de implantar um campo de manobras militares houve a necessidade, por parte do Exército Nacional, de ampliar a área. A preocupação com a implantação deste campo de manobras, na região, foi alertada na imprensa escrita: O Campo de Manobras, embora traga para o município contingentes das fôrças armadas, talvez não compense, - quando se analiza os fatos sob o prisma do fator tempo, - a inutilização de vastíssima zona produtora de mate, em a qual existe 1 UnC, Mestre em Geografia, apoio FAPESC, com participação do acadêmico da UnC- Universidade do Contestado, Vinicius Correia Troyan Kelen, bolsista do programa PIBIC- 2015-2016.

Soeli Regina da Silva Lima

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Page 1: Soeli Regina da Silva Lima

1

Do direito a memória histórica: o processo de desapropriação de terras para a

instalação do CIMH- Campo de Instrução Marechal Hermes no planalto Norte

catarinense.

SOELI REGINA LIMA1

Resumo:

O trabalho analisa a questão litigiosa, decorrente do ato de desapropriação de terras, ocorrido em 1956, para

implantação de um campo de instrução militar no planalto Norte catarinense. A área de 7.595 ha. pertencia a 89

propriedades distribuídas entre 68 proprietários rurais. As informações coletadas, através da história oral, foram

contextualizadas com fontes documentais. De acordo com as memórias reveladas, constata-se que o ato

desapropriatório criou entre as famílias a dificuldade de adaptação à nova situação de vida, bem como, a

mudança de ordem econômica e social na região. A maioria dos desapropriados, não possuindo outras terras e

nem condições para adquiri-las, acabaram desfazendo-se dos rebanhos, a preços irrisórios, em alguns casos,

pagando pelo arrendamento de suas próprias terras ao exército. A migração de famílias desapropriadas foi outra

realidade observada. Na década de 1980, os desapropriados realizaram movimentos sociais de protesto com

apoio da Pastoral da Terra e do MST. No mês de outubro de 2014, no município de Papanduva-SC, a Comissão

da Verdade ouviu em audiência publica desapropriados e/ou herdeiros de terras, sobre a questão.

Palavras- chave: desapropriação; movimentos sociais; CIMH; historia oral.

1. Do processo de desapropriação de terras para implantação do campo de

manobras do CIMH- Campo de Instrução Marechal Hermes

Três Barras localiza-se na região Norte Catarinense. Neste município está localizado o

CIMH-Campo de Instrução Marechal Hermes, pertencente ao Ministério do Exército. A base

territorial, da área militar, se deu com a transferência do patrimônio da Southern Brasil

Lumber and Colonization Company Lumber para o Ministério da Guerra, no ano de 1952.

Com objetivo de implantar um campo de manobras militares houve a necessidade, por

parte do Exército Nacional, de ampliar a área. A preocupação com a implantação deste campo

de manobras, na região, foi alertada na imprensa escrita:

O Campo de Manobras, embora traga para o município contingentes das fôrças

armadas, talvez não compense, - quando se analiza os fatos sob o prisma do fator

tempo, - a inutilização de vastíssima zona produtora de mate, em a qual existe

1 UnC, Mestre em Geografia, apoio FAPESC, com participação do acadêmico da UnC- Universidade do

Contestado, Vinicius Correia Troyan Kelen, bolsista do programa PIBIC- 2015-2016.

Page 2: Soeli Regina da Silva Lima

2

apreciavel parcela aproveitada em extensas lavouras, além de vastas áreas de

pastagens, talvez as melhores para criação de gado, neste município e no de

Papanduva. Seja como fôr. Os responsáveis pelos desfenos nacionais, estaduais e

municipais, não têm o direito de cruzar os braços ante o drama que vivem os

servidores da ex-Lumber. Por outro lado, a grande vila-cidade que é Três Barras,

também tem seu direito a um lugar ao sól do progresso geral, e não póde ser

entregue ao sabor de um destino adverso. (BARRIGA VERDE, 1954)

Que nesta hora eminentemente política, quando governantes esquecem

promessas e até de governarem de fato para politicarem desesperadamente, aqui

fica o nosso alérta, este aviso de que é preciso agir, sem demora, em defesa dos

operários prejudicados, do futuro da vila de Três Barras, com reflexo na vida de

Canoinhas e de Papanduva.

Talvez seja melhor ficarmos sem o Campo de Manobras. (BARRIGA VERDE,

1954).

Visando dar operacionalidade ao campo militar, diante do tamanho da área, foi

desapropriado2 7.595 ha., pertencentes a 89 propriedades, distribuídas entre 68 proprietários

rurais pelo Decreto nº. 40.570 de 18.12.1956, retificado pelo Decreto nº. 44.458 de

03.09.1958, perante o Juízo de Direito dos Feitos da Fazenda Pública, localizadas no

município de Papanduva e Canoinhas3.

Cabe ressaltar que o ato desapropriatório, via utilidade publica, nem limita nem

extingui o direito de posse, ele apenas muda o titular, dando a propriedade uma função social

que satisfaça a ordem pública. Dito de outra forma:

A Desapropriação, segundo propomos, é o ato através do qual a autoridade pública

competente, nos casos prefigurados em lei e mediante indenização, determina a

transferência da propriedade particular a quem dela vá se utilizar em função da

necessidade pública, da utilidade púbica, do interesse social e da reforma agrária.

(ROCHA, 1992:50).

Os proprietários das terras tornadas de utilidade pública acabaram ficando a mercê dos

tramites burocráticos do poder judiciário, via de regra, muito moroso. Sendo a desapropriação

via ordem de utilidade pública, os valores pagos geralmente estão aquém das expectativas do

indenizado. Além da demora no pagamento, quando ocorre, não contenta o detentor do

domínio ou da posse da área desapropriada.

2 Termos como base de análise o conceito de desapropriação da Constituição de 1988, como “um instituto de

direito público consistente na retirada da propriedade privada pelo Poder Público ou seu delegado, por

necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, mediante o pagamento prévio da justa indenização em

dinheiro (Art. 5º, XXIV, da CF)...” (HARADA, 1999:82) 3 Três Barras não havia passado pelo processo emancipatório, sendo Distritos de Canoinhas-SC.

Page 3: Soeli Regina da Silva Lima

3

Sobre a relação propriedade rural e desapropriação por utilidade pública observamos

que:

Tanto nos países que adotam a civil law como naqueles em que o sistema jurídico é

o do common law existe já uma ampla bibliografia mostrando a origem, evolução e

posição atual da doutrina da função social da propriedade incluindo seu assento

nas Constituições. Quando voltadas para a propriedade rural, destacam o sentido

social que emana da mesma em razão de sua função produtiva ou criadora de

riqueza representada pela produção. (ROCHA, 1992: 26).

Os desapropriados, da área em questão, formavam um grupo, em sua grande maioria,

de pequenos e médios proprietários rurais, cujos meios de sobrevivência eram baseados

exclusivamente no trabalho agropastoril.4 Tinham como principais características: residência

rural; agricultura familiar, praticada em pequenas propriedades; a família como unidade

social, cultura simples, apego ao solo, à comunidade local e à tradição. Usavam da mão-de-

obra familiar, frequentemente completada pela ajuda comunitária, através do “pixirum”5. Os

68 proprietários desapropriados, possuíam propriedades com dimensões territoriais

representadas no gráfico -01.

Gráfico-01 Tamanho da área (em há.) das propriedades desapropriadas.

Fonte: Decreto nº. 40.570 de 18/12/1956.

4 De acordo com entrevista (LIMA, 2016) a produção baseava-se em dois tipos: a extrativa (madeira, erva-mate e

mel) e pelo cultivo da terra, basicamente de subsistência. Estocavam em paiol, no momento necessário

comercializavam. 5 O pixirum acontecia quando famílias vizinhas se organizavam para trabalhos específicos em conjunto e como

formas de pagamento recebiam um grande almoço, geralmente acompanhado com um baile à noite.

2; 2%2; 2% 1; 1%

2; 2%

1; 1%

3; 4%

7; 8%

11; 13%

33; 37%

27; 30%

A partir de 1.000.000

De 500.000 a 1.000.000

De 450.000 a 500.000

De 350.000 a 400.000

De 250.000 a 300.000

De 150.000 a 200.000

De 100.000 a 150.000

De 50.000 a 100.000

De 20.000 a 50.000

Até 20.000

Page 4: Soeli Regina da Silva Lima

4

A forma de distribuição de terras era basicamente a de heranças. Sendo que no

momento da desapropriação algumas propriedades já haviam passado pelo processo, o que

gerou grande número de herdeiros, reivindicando a indenização devida.

O panorama geral de 1956 a 1961 foi conturbado, cheio de dúvidas para os

proprietários desapropriados. Juntamente com a edição do Decreto de desapropriação, o órgão

expropriante realizou a avaliação, informando aos proprietários os montantes e exigindo que

os mesmos efetuassem a entrega da documentação dos terrenos juntamente com uma lista

discriminatória dos bens existentes na propriedade pertinente às suas áreas, o que foi atendido,

na maioria dos casos, como declarou Lima, (2016) em entrevista.

A princípio, na década de 1960, aconteceram reuniões entre representantes dos

proprietários envolvidos na questão, registradas na imprensa em matéria intitulada: “O caso

de terras para o campo de manobras do Campo Militar –Marechal Hermes:”

Já é do conhecimento público ter o govêrno federal instituído verba para a

aquisição de vasta área de terras destinadas à instalação do campo de manobras da

5.a Região Militar, anexa ao Campo Militar Marechal Hermes, sediado em Três

Barras, neste município.

O assunto vem preocupando os proprietários daquelas terras situadas no

Distrito de Três Barras e no vizinho município de Papanduva.

Afim de conversar longamente sôbre o caso com o sr. Dr. Haroldo Ferreira,

Prefeito de Canoinhas esteve nesta cidade o honrado prefeito de Papanduva, sr.

José Guimarães Ribas, que estava acompanhado pelo Vereador sr. Otávio

Pechebela, sr. José Silva Lima, sr. Jacó Schadeck e seu filho.

Como vemos, os Prefeitos de Papanduva e canoinhas interessam-se pelo

momentoso assunto de tanto interesse para inúmeras famílias de ambos os

municípios. (BARRIGA VERDE, 1957).

As manobras aconteciam regularmente, mesmo antes da conclusão da desapropriação.

Sendo que, chamou a atenção a de 24 de setembro de 1959 divulgada pelo Correio do Norte:

“Manobra Militar de grande envergadura em Três Barras”. Sobre a questão da

desapropriação podemos observar em entrevista concedida ao jornal Correio do Norte (1959)

pelo Cel. Oromar Osório, Comandante da Divisão de Infantaria, a situação militar do processo

de desapropriação:

[...] É pena que as dimensões do campo não sejam ainda, as registradas na carta

levantada pelo Serviço Geográfico do Exército, com base nos limites estabelecidos

Page 5: Soeli Regina da Silva Lima

5

pela Comissão de 1952, que, a grosso modo, tem os seguintes pontos de referência:

da Campinha ao Monte Castelo e de Canoinhas ao São João. Terreno de forma

irregular, mas continuou. Sei que o Exército dispõe de 8 milhões de cruzeiros

depositados em Curitiba há 4 anos para o ônus de desapropriação de parte dessa

área, mas infelizmente, ainda não foi possível atingirmos esse objetivo. Em que pese

isso, podemos afirmar que o Campo atende perfeitamente às necessidades de

exercícios da envergadura deste. (JORNAL CORREIO DO NORTE, 1959).

Nas palavras do desapropriado Walfrido da Silva Lima proprietário de 16.964 ha., no

valor de Cr$24.826,50 pelo Decreto de 1956, sendo que pela avaliação de 1963 a área seria

de 169.640 há., no valor estimado de Cr$2.990.265,00. Ele é filho do desapropriado José da

Silva Lima com 495.601ha., no valor de Cr$677.796,80 pelo Decreto de 1956, sendo que pela

avaliação de 1963 sua área era de 486.526.000 ha., no valor estimado de Cr$16.185.416,00.

Eles vinham, avisavam todos os proprietários, o dia que eles iam fazer a manobra.

Então eles vieram, avisaram e pediram pra nós sair de manhã cedo. Deram um

horário. Pra nós sai às 6 da tarde, da manhã, e só retornar à propriedade, às 6 da

noite. Eu lembro, na época, que meu pai tinha uma carroça e já tinha um fordinho,

daqueles 29. O meu pai saiu com o forde [...] A família era grande nós era 10 filhos,

5 mulher 5 homem. Nós saímos. Pra onde que nós íamos? Nós procuramos os

vizinhos mais longe da área [...]. (LIMA, 2016).

Havia proprietários que não saiam das residências, quando solicitados pelos militares

para as manobras. Temos o seguinte relato, sobre a Sra. Boiko desapropriada pelo decreto de

1956 com área de 16.964 ha., no valor de Cr$45.026,40 e pela avaliação de 1963 com

169.640 ha., no valor estimado de Cr$2.161.674,00:

A Dona Boiko. Essa mulher não quis sair. Ela disse: - Eu não vou sair da minha

casa. E quando ela ficou dentro da casa começou a manobra, de 6 da manhã. E ali

começaram jogar bomba e as bombas ultrapassavam o alvo e caiam em cima da

casa dela. Eu lembro hoje, como jovem, ainda, que da minha casa enxergava a casa

da Ana Boiko, que era minha madrinha. E as bombas chegavam. Dava um estouro

que você escutava as bombas chiando, passando por cima da casa. [...] A velha

ficou dentro da casa. Não aconteceu nada. [...]. (LIMA, 2016).

Em outro relato, sobre as manobras realizadas nas proximidades das propriedades

desapropriadas, Antonio Simas, herdeiro da desapropriada Maria Rita Simas com área de

55.660 ha., no valor de Cr$ 67.216,50, pelo Decreto de 1956 e pela avaliação de 1963 com

área de 556.600 ha., no valor estimado de Cr$1.943.506,00, nos conta:

E daí um dia, antes de saírem, a aviação teve lá e tocou bomba até dentro da

mangueira da velha Boiko. Falecida Boiko, uma velhinha de oitenta e poucos anos,

Page 6: Soeli Regina da Silva Lima

6

que os filhos acharam que tinham matado. [...] Assim, ele foi lá na casa da mãe dele

que era a Dona Boiko. Chegou, a velhinha estava ajoelhada e rezando pros santos.

A mangueira destruída, que a bomba arrebentava tudo o que tinha por perto. Mas

graças a Deus a velhinha não estava lá por fora. E não atingiu ela, nem a casa. Se

atingiu, foi algum, mas nela não pegou, e daí o povo tratou de sair. (SIMAS, 2016).

As manobras realizadas, durante o período do ato desapropriatório, deixaram suas

marcas na memória dos desapropriados. Vejamos:

[...] Quando chegou às 6 horas nós retornamos. Da uns doze quilômetros quando

nós afastamos da nossa propriedade, do Jose da Silva Lima. Eu lembro que eu

estava na carroça. Meu pai estava num automóvel, num pé de bode; nós dizia, num

29. Quando nós tava chegando na casa, ali perto das 6 hora, que nós tava

retornando eles estouraram as bombas lá. Eu lembro até hoje que eu tava dentro de

uma carroça de cavalo e quando tava chegando na frente da casa, eles largaram

uma granada. A granada caiu mais ou manos da carroça, mais ou menos uns, eu

imagino hoje, uns, uns trinta, quarenta metro da carroça e os cavalos se

assustaram. Os cavalos quase derrubaram, nós da carroça, porque eles se

assustaram. E aquelas bombas nós só fomos ver no outro dia, os fiapos de caco de

bomba. E hoje não esqueço daquilo que a gente teve, parecia uma guerra. (LIMA,

2016).

Contudo, no final do ano de 1961, a União partiu para a via judicial, ajuizando as

ações de desapropriação, necessárias para a concretização das suas pretensões. A partir de

março de 1962, portanto mais de cinco anos após a edição do Decreto nº. 40.570 de

18.12.1956 é que os expropriados começaram a ser citados6, para que no prazo legal,

oferecessem sua contestação.

Mas, ao lado disso, os valores oferecidos em depósito, a título de indenização foram

aqueles levantados por ocasião da edição do Decreto e causaram o descontentamento geral.

Encontravam-se defasados e não mais possibilitavam a aquisição de novas terras nas mesmas

proporções.

Do ponto de vista dos processos judiciais, estes prosseguiram em tramitação judicial e

a partir de 1963 foram feitas novas reavaliações7:

6 Citação, é um conceito jurídico que significa chamamento judicial para que alguém, em prazo fixado,

compareça perante uma autoridade judiciária a fim de se pronunciar a respeito de algo que lhe é indicado. 7 No ano de 1965 o Jornal Correio do Norte noticiava sobre o processo de reavaliação da área desapropriadas,

com a matéria intitulada: “Novos rumos no caso da Reavaliação”.

Page 7: Soeli Regina da Silva Lima

7

[...] Dai nessa época, quando houve o Decreto de desapropriação, algumas famílias

tinha autorização pra arranca as propriedades, outros não. Outros já eram

avaliados com casa, sem casa. E o meu pai, como, deixou a casa pra ser

desapropriada pela avaliação. Foi feita a avaliação, as autoridades da avaliação, a

gente observou. (LIMA, 2016).

As avaliações mostraram-se contraditórias, do Decreto nº. 40.570 de 18.12.1956, do

Decreto nº. 44.458 de 03.09.1958 com o laudo pericial do ano de 1963/1964 realizado pelo

perito Reynaldo Rodrigues Alves, nomeado pelo Juiz de Direito da Comarca de Canoinhas

Antonio Nicolazzi.

O jornal Correio do Norte destacou: “A morosidade da justiça, nesse caso, tem

proporcionado seríssimo desequilíbrios sociais, considerando serem os impetrantes lavradores

que desconhecendo os efeitos da Lei, tudo tem que pagar para obterem seus direitos”.

(CORREIO DO NORTE, 1965).

Lembrando de que o ano de 1963 ficou marcado na memória de todos aqueles que

direta ou indiretamente achavam-se envolvidos na desapropriação, como fato traumatizante

do processo.

Tivemos 48 horas para sair das terras. É um pesadelo do qual não acordamos até

hoje. Nossas casas foram demolidas, nossos porcos ficaram perdidos no mato, a

lavoura o que pudemos, colhemos, o resto ficou tudo lá, e hoje não tem mais nada.

Algumas famílias foram despejadas na Praça Lauro Miller no centro de Canoinhas.

(BOLETIM INFORMATIVO, 1985).

Os desapropriados confirmam a situação:

[...] porque quando o Exército chegou, na época lá, quando o exército se apossou

mesmo, que aviso todo mundo era pra todo mundo sai daí as autoridades deram um

prazo de 48 horas pra nós desocupar as casas. Nesse prazo todo mundo saiu, cada

um tirou sua mudança. Um ia pra casa de um parente, outro pra lá. (LIMA, 2016).

Nas memórias a cena é assim descrita: “[...] Eles quando iam tirar o pessoal lá, milico

e oficial de justiça, prometiam pra todo mundo que com 30, 60 dias, no máximo, o governo

pagava todo mundo. [...] A velha (referindo-se a Sra. Boiko) eles jogaram em praça pública

[...].” (SIMAS, 2016).

A decisão de abandonar a propriedade desapropriada do Senhor José da Silva Lima foi

assim relatada:

Page 8: Soeli Regina da Silva Lima

8

[...] E daí quando nós estava chegando, na frente da casa, estouro as bombas, do

lado trinta, quarenta, cinquenta, metro da carruagem e os cavalo se assustaram.

Daí a gente voltou pra trás, tinha outra propriedade do lado, que era uns parentes

da minha falecida esposa, uns Pacheco, que morava. Nós corremos. Ali era mais

perto. Nós saímos da casa pra não, pras bomba não pegar nós. Nós corremos pra

casa do Norato Pacheco. Foi assim, foi abaixo de bomba. Então depois daquela

tragédia que aconteceu daí eles começaram avisar e começaram a se preocupar.

Então eles começaram a querer apressar com o Decreto de desapropriação. Só que

tinha a burocracia da desapropriação conforme a lei manda. Hoje a gente observa,

hoje eu estou com 77 anos. Praticamente perdemos tudo. Então quando começou

aquele conflito de bomba, de reserva de exército treinamento, com aquelas família a

gente começou correr atrás dos direito de propriedade, mas até hoje não se

encontrou. (LIMA, 2016.)

Quanto ao destino dos proprietários desapropriados após a saída de suas propriedades,

temos os seguintes relatos:

[...] Mas nós passamos fome, menina. E não só nós, muita gente. Nós passamos

fome, chegamos em Canoinhas em 50. Já depois que casou minha irmã, já mudou,

55 parece, mudou, ou 57. Ela (mãe, viúva, desapropriada) veio, parece, meu pai já

tinha morrido em 54, e ela já encaminhou o inventario, daí mudou. O meu tio fez ela

compra um terreno dos Bora ainda, que eu acho que não existe nenhum mas vivo, e

mudou a casa de Três Barras lá em Canoinha. [...] O meu tio pegou um homem lá,

um conhecido parente do Valentim Costa, era meio parente nosso. Ele veio e

desmanchou a casa, aqui, e veio ajudar a carregar pro Tulio levar pra nós lá em

Canoinhas. Daí o Tulio levou, daí ele e um filho, tal de Bastião, Sebastião, fizeram a

casa pra nós. A casa desmanchada, de madeira velha, cheio de prego. E aquele

tempo era tão difícil que nem prego novo não pudemos comprar pra fazer a casa. Já

pensou a misériá? Aquilo que é miséria! [...]. (SIMAS, 2016).

Muitos dos prósperos lavradores, não conseguiram reabilitar-se. As famílias foram

vendendo seus bens, gados para obter capital e adquirir novas propriedades de terras, como

foi o caso do Sr. José da Silva Lima:

Meu pai tinha na fazenda umas 220 cabeças de gado. E a orientação da autoridade

era que nós tinha que vender tudo, pra sair dali. Então, eu lembro, quando meu pai

começou se preocupar em vender o gado. Eu lembro, meu pai tinha umas 220, 230,

240 cabeças de gado. [...] Porque assim como nós corria risco de vida nossos

animais: gado e galinha, porco, também. A gente começo se desfazer. Na época eu

lembro que os matadores de gado tinha um matador em Itaiopolis;. [...] Eu lembro,

que meu pai, com aquela preocupação, ele apressou-se em vender o gado. Ele

vendeu 75 vacas tudo enxertada com terneiro na barriga [...]. Vendeu tudo por

preço mais baixo, pra pode diminui o rebanho. (LIMA, 2016).

Os que tinham parentes nas regiões próximas foram migrando para outras localidades.

Page 9: Soeli Regina da Silva Lima

9

Segundo João Schadeck:

Diversos agricultores perderam tudo após a desapropriação sem indenização

ocorrida em 1956. Franco o que lhe é peculiar, Schadeck assinala ainda que nossa

família, além das terras do campo Marechal Hermes tinha outras posses em 1963,

quando os agricultores tiveram que deixar a área. Tivemos por isso condições de

prosseguir sem maiores dificuldades. O mesmo não aconteceu com diversas famílias

desapropriadas. Como não houve indenização ficaram no olho da rua. (A NOTÍCIA,

1986).

Uma solução encontrada, para aqueles que permaneceram na região, foi o

arrendamento de terras, do próprio exército, para a criação do gado. A expansão do

arrendamento era aplicada como amenizadora da situação pelas quais os desapropriados

estavam passando. O arrendamento aconteceu, ainda, para fins de produção agrícola. O fato é

confirmado através de documentação8 e nos relatos da história oral:

É, então, eu sei quando meu pai antes dele falecer, ele tinha contrato com o

comandante de Três Barras. Ele arrendava o terreno pagando X pra eles pela área

pra poder ter o gado. Então foi em 70 que meu pai morreu. E ele tinha contrato mas

quando ele faleceu daí eu que era filho mais velho, eu fiquei tomando conta da

fazenda lá, então. A gente continuou arrendando. Daí no meu nome tinha contrato

de arrendamento dos comandantes. (LIMA, 2016).

Com o passar dos anos, e, na falta de solução para o ato desapropriatório, inicia-se a

fase do movimento organizado pelos direitos da propriedade.

2. Do processo de reivindicação das terras desapropriadas

8Contrato de arrendamento, celebrado entre o Ministério do Exército/Campo de Instrução Marechal Hermes e o

Sr. José da Silva Lima, firmado em 27 de junho de 1969. Contrato de arrendamento no. 10/FA/70, celebrado

entre o Ministério do Exército e o Sr. João Gonçalves de Lima Filho, firmado em 14/02/ 70. Contrato de

arrendamento no. 11/FA/70, celebrado entre o Ministério do Exército e o Sr. Argemiro Gonçalves de Lima, em

14/02/ 70. Recibo de Cr$ 67,20 passado em 22.11.71 pelo tesoureiro do Quartel em Três Barras, em favor de

Argemiro Gonçalves de Lima, quitando o arrendamento de pastagem para criação de 8 reses pelo prazo de 1 ano.

Recibo de Cr$ 84,00, passado em 16/11/71 pelo tesoureiro do Quartel em Três Barras, em favor de Victor

Gonçalves de Lima, quitando o arrendamento de terra para criação de 10 cabeças de gado vacum.

Contrato de arrendamento no. 2-FA/73, celebrado entre o Ministério do Exército e o Victor Gonçalves de Lima,

firmado em 15/05/ 73. Carta de autorização expedida pelo diretor do CIMH em Três Barras, em 02/04/74, para

Victor Gonçalves de Lima usar a título precário a pastagem da área de manobras para gado, mediante pagamento

com trabalhos de roçadas nas margens das estradas das áreas de manobra.

Page 10: Soeli Regina da Silva Lima

10

Schiochet (1993) esclarece que a questão de pagamento, das terras desapropriadas, foi

complexa, devido à atuação dos advogados, onde apenas dez desapropriados receberam

formalmente. Houve casos de advogados receberem via procuração e não repassaram aos

clientes, diante do fato dos mesmos ignorar o que estava acontecendo; em outros casos os

desapropriados optarem por não retirar os valores depositados aguardando o pagamento justo

e em algumas situações de não receberem qualquer indenização.

Sobre a busca por solução do ato desapropriatório, Simas (2016) relata: “[...] Então só

que tem um detalhe, cada família dessas, discutia, discutia e cada um pegou um advogado

diferente, e dai complicou de uma vez.”

No ano de 1973, mais precisamente no dia 31 de março, foi encaminhada uma

correspondência ao Presidente da República, expondo a situação dos desapropriados e

solicitando uma audiência, para uma comissão de seis representantes. Vejamos parte da

correspondência:

Permita V. Exa., que uns humildes patrícios tomem a liberdade de dirigirem-se ao

Ilustre Chefe da Nação, a fim de fazerem um pedido que representa muito para uma

classe de antigos lavradores, de bons brasileiros que só almejavam trabalhar e

produzir para o progresso de nossa Pátria e que de uma hora para outra, foram

injustiçados pelo Governo Federal e pelo Exército Nacional, despojados de suas

propriedades e muitos dos quais acham-se atirados na mais completa miséria,

chegando ao cúmulo mendigar pelas ruas, outros, trabalham em setores diversos,

mal aproveitados, como na coleta de lixo, abertura de valas, ou sujeitando-se a

trabalhar em fábricas ou pelo sistema de meação em lavouras de proprietários não

atingidos pelo Decreto de Desapropriação nº 40.570 de 18 de dezembro de 1956.

(CORRESPONDÊNCIA, 1973).

Esta correspondência continha 83 assinaturas de desapropriados e herdeiros, registrada

no 2º Tabelião de Notas “Agenor Vieira Corte”, de Canoinhas-SC.

O grupo organizou-se de forma mais sistematizada, fundando no município de

Papanduva em 09/09/1978, a Sociedade Núcleo Rural Papuã (SNRP). De acordo com o

Estatuto da SNRP, foram 128 os sócios fundadores. A entidade tinha como objetivo

primordial implantar o “Projeto Papuã”. Vejamos a I das VI finalidades:

I- Empenhar-se, em todos os sentidos e por todos os meios pacíficos e lícitos,

para promover a desativação e consequente extinção do CAMPO DE INSTRUÇÃO

MARECHAL HERMES-CIMH- na posse do Ministério do Exército, com o fim

exclusivo, de utilizar toda a sua área em NÚCLEO RURAL PAPUÃ-NRP- dedicado

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11

inteiramente à produção agro-pecuária, especialmente de produtos nobres, como

trigo e soja, exploração e exportação da erva-mate, as nativas, escolas rurais,

instituições de pesquisa agrária, indústrias afins, armazéns e silos, mecanização

rural, irrigação, formação de profissionais, centros de saúde, seleção de sementes,

inseminação artificial e outras atividades similares. (ESTATUTO, 1978:03).

Sobre a organização desta associação, o Sr. Valfrido (2016) esclarece: “[...] Nós

fizemos, resolvemos, de criar uma associação só pra essa finalidade: de correr atrás dos

direitos de propriedade. Daí, que foi formado uma associação no município de Papanduva

[...]”.

A decisão, dos desapropriados de organizar acampamentos em áreas estratégicas foi

uma das medidas adotadas. Para Schiochet (1993) atribuída aos seguintes fatores: mudança na

concepção política dos desapropriados e herdeiros (cansados de viagens e tentativas de

diálogo com representantes da União) e o uso das terras por parte dos militares para outros

fins.9

Quando nós criamos a associação, daí nós começamos a buscar os direitos sociais.

Onde existia a Pastoral da Terra- CPT e outros, como o partido político dos

trabalhadores. Essas coisas. Então a gente buscou recurso de todo lado da

sociedade. E lá houve orientação, pra valer, da CPT, que era Pastoral da Terra de

nós fazer a ocupação, lá nas nossas terras. (LIMA, 2016).

A manifestação em prol da terra aconteceu de forma mais explícita, através de um

acampamento realizado nas proximidades do campo de manobras do CIMH- Campo de

Instrução Marechal Hermes, no ano de 1985. O objetivo estava definido, não se reivindicaria

mais a indenização das terras desapropriadas, mas sim a devolução da área.

Eu fiz um curso da Pastoral da Terra- CPT, então lá que a gente foi conhecer

profundamente a Lei Constitucional, o que era de direito de propriedade. [...]

Quando nós não achava recurso das autoridades, nas cidades como Canoinhas,

9 Denúncia do Capitão Heitor Freire de Albuquerque Filho. O Capitão Heitor Freire de Albuquerque Filho,

formulou denúncia das irregularidades que ocorriam no interior da Unidade Campo de Instrução Marechal

Hermes, contra os denunciados Cabo Honário, e o Comandante João Carlos Amaro Neto. A denúncia referia-se

a venda de pinheiros, imbuia, erva mate, aluguel de terras aos proprietários já desapropriados, além da

exploração agrícola da terra pelos próprios militares. (RELATÓRIO COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE

DO PARANÁ-TERESA URBAN, 2015:35). Jornal Correio do Norte – Canoinhas – de 13/04/2012 – Manchete

– Campo de Instrução Marechal Hermes – “Exército e prefeitura contestam áreas arrendadas pelos

militares” – Para o prefeito as terras poderiam ser utilizadas pelo município; exército alega que o arrendamento

é legal e que as áreas pertencem a União.

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12

Três Barras, a gente começou a procurar outros tipos de autoridades. Daí quando

foi em 79, como nós não recebia, nós resolvemos de fazer ocupação da área de Três

Barras. (LIMA, 2016).

Percebe-se o envolvimento místico-religioso10 na organização do movimento em

inúmeros momentos, como através do nome designado ao acampamento de “São João Maria”.

O Sr. Walfrido esclarece: “Então, lá, eu, através da Igreja Católica, fui convidado e fiz o curso

pra aprender como agente CPT- Comissão Pastoral da Terra. A gente começou procurar

recurso de todos os tipos sociais [...].”

Sobre o acampamento realizado nas proximidades da área militar desapropriada é

relatado:

[...] Dia 15, reuniram de noitinha. Começaram reunir e foram na Campinha e foram

em Canoinhas e reuniram. Levaram tudo e espicharam umas loninhas e posaram

por lá. Dai começaram melhorar, as coisas, devagar. Mas foi sofrido ali. Dai o

exercito descobriu. Encheu de tanque de guerra, no morro, ali que dá no Poço

Grande. Você conhece o poço grande? É um chapadão. Passou o rio Poço Grande,

e dai tem uma subida, onde vai pra dentro da área. O exército encheu de tanque de

guerra e milico, lá em cima do morro, pra amedrontar o povo. E sai, não sai.

Aquela briga foi pra televisão. A pastoral teve a sua vantagem, jogou mesmo com

tudo, porque a pastoral, nada mais é que gente da política, de esquerda, na

verdade. Na época, unido com padre descontente, também, com igreja. E a igreja

tem força. (SIMAS, 2016).

Sobre as ações empreendidas pelo exército junto aos acampados, na visão dos

desapropriados, temos o seguinte relato: “O Edilson foi preso [...]. O Hamilton, mas foi preso

lá no rio. Estava tomando banho e passou pra beirada deles. E eles cataram, ele. E dai

judiaram bastante. Ficaram uma semana com o rapaz preso em Rio Negro. Era o ‘diabo´. Eles

são maldosos mesmo.” (SIMAS, 2016). Continuando o relato, sobre outra prisão:

A tia Nena agarrou o Walfrido pela camisa, achando que iam matar ele, com o

tanque de guerra e tudo. E foi e discutiram. O Walfrido, também, era bom de papo,

dai meteu-lhe a boca no major, no coronel. E o major disse:- "prenda esse homem!"

Cataram o Walfrido. A tia Nena saiu de quatro, ao pé agarrada na camisa, dai tirou

a metade da camisa do Walfrido. Não queria deixar eles levarem ele. Mas não tem

né, 2, 3 não leva, tem 50 pra empurrar, lá pra dentro. E afinal foi aquele sururu

desgraçado. Dai o povo saiu de lá. (SIMAS, 2016.)

10 No ano de 1987 aconteceu a 2ª Romaria da Terra de Santa Catarina na localidade denominada de Poço

Grande, em Papanduva, divisa com a área militar em litígio. No evento participaram em torno de 15 mil pessoas.

O objetivo do encontro foi claro: protestar contra o descaso do governo no que se refere à luta de posse da terra,

não dando ouvidos às mais de 136 mil famílias sem terra do Estado.

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13

Foram encaminhadas correspondências para os mais diversos órgãos públicos através

de ofícios, cartas, bem como, agendada audiências,11 com autoridades competentes, em busca

de solução.

Dai o Chiquinho arrumou a audiência em Brasília. Dai foram, foi uma comitiva lá.

Estava a Gloria, foi a Tia Nena, foi o Chico, foi o Ibraim, parece que também foram

uns seis ou sete. Chegaram lá com o ministro do Exercito, não puderam nem falar.

Chegaram na salinha, tiveram que levar os deputados junto pra acompanhar. Aí o

falecido Luiz Henrique, foi governador e morreu, ele era deputado federal. Levaram

o Luiz Henrique, mais dois deputado. O ministro mandou entrar os deputados, e

mandou o resto esperar ali. De certo deu uma “mijada” nesses deputados. (SIMAS,

2016).

Outro acampamento foi organizado em Florianópolis, na esquina da Avenida Osmar

Cunha com a Rua Gerônimo Coelho, próximo ao prédio onde estava instalado o Incra. Na

época o protesto, que durou em torno de nove meses.

Como membro dos desapropriados, eu era como tesoureiro da associação. E a

gente fazia reunião e buscava alternativa pra resolver nosso problema. Só que a

gente correu tanto ali, que daí surgiu gente fazer uma ocupação também no INCRA

de Florianópolis. Daí nós partimos. (LIMA, 2016).

Ainda sobre o acampamento em Florianópolis:

[...] E dai foram pra Florianópolis, porque daqui os homens não davam atenção.

Dai virou e mexeu atrás de deputado e coisa. O Chiquinho não quis lidar com isso,

arrumou audiência com o povo lá e arrumou com o ministro do exército e com

Sarney, o Presidente e com ministro da justiça. Mas esses cara estudam, e são

político pra isso mesmo, pra ir “escanteando” todo mundo. (SIMAS, 2016).

Sobre o final do acampamento de Florianópolis:

[...] É dai desistiram do acampamento porque o sofrimento tava demais. A tia Nena

é da nossa família. As que mais sofreram foram a tia Nena e a tia Hilda, iam pra

Florianópolis direto. Ficavam lá dez dias, quinze dias, dai vinham. Lembro uma vez

pegou, uma, um resfriado lá, mal dormia ali. E tinha dia que comiam mais o menos,

outro dia não, não comiam quase nada. Aquela tristeza! E ai ela, coitadinha, ficou

11 No ano de 2006, o Deputado Carlito Mers, com os herdeiros Zeca Costa e Sr. Ibraim Gonçalves de Oliveira

estiveram em audiência no Gabinete do Ministro da Defesa, conforme divulgado no Jornal A Gazeta

Tresbarrense, 2006.

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14

muito doente. Eu disse pra ela: - largue mão Hilda! Pare com isso! Nem vá mais.

Estava demorando demais mesmo [...] (SIMAS, 2016).

No que concerne ao apoio formal de políticos, este aconteceu via correspondências12

aos órgãos competentes solicitando agilidade na solução do impasse.

Uma solução apresentada para o impasse foi a transferência do campo militar para

outra área e a devolução das terras desapropriadas, como notificado na reportagem13 a seguir:

O Ministro do exército, Leônidas Pires Gonçalves, recebeu, sexta-feira, um

levantamento cadastral, de áreas passíveis de desapropriação, no município de

Lajes, Santa Catarina, para implantação do Campo Marechal Hermes. O

documento foi entregue pelo diretor regional do Incra de Santa Catarina, Ademar

Paulo Simon, que a pedido do ministro da Reforma e Desenvolvimento Agrário,

Nélson Ribeiro, está auxiliando no impasse que envolve o Ministério do Exército e

agricultores que foram expropriados das terras do Campo Marechal Hermes.

(JORNAL ZERO HORA, 1986).

De acordo com o advogado Dr. Francisco Pereira14 o litígio estava em vias de uma

solução durante a fase de acampamentos organizados. A partir do momento em que o PT -

Partido Trabalhista e o MST – Movimento Sem Terra, passaram a ter atuação mais direta na

coordenação do movimento social, incitando os militantes a ocupar as terras da área militar,

com a justificativa de que o processo estava transcorrendo de forma lenta, as negociações

seguiram outro rumo. O exército silenciou as negociações de permuta com outras áreas para a

transferência do campo militar, “concluindo-se que não seria viável a permuta por não

solucionar a questão, podendo inclusive, agravar a situação já formada pela desapropriação

através dos Decretos nº. 40.570 de 18/12/1956, e Decreto nº 44.458 de 03/09/1958, sendo

mais prudente, proceder a uma reavaliação das áreas do CIMH”. (CHEREM, 2006).

Na atualidade o ato desapropriatório fez parte de análise da Comissão da Verdade, que no mês

de outubro de 2014, realizou audiência pública no Município de Papanduva-SC, ouvindo

12 Da Câmara Municipal de Três Barras: menção a situação e da necessidade de uma solução para os

desapropriados da região. (ATA 184. 25/09/1985). Do ofício do Governador Esperidião Amin Helou Filho,

encaminhado ao General da Divisão Waldir Eduardo Martins. (Ofício 918/CC, 1984). Do Comandante da 5ª.

RM/5ª, onde solicita a especial consideração ao assunto, em face do seu significado cunho socioeconômico,

tanto para o Governo do Estado, como para inúmeros agricultores catarinenses. (Ofício 918/CC, 1984). 13 No Jornal de Santa Catarina, 1986, a matéria foi intitulada: “O Exército garante que já tem área para

escolher.” 14 Advogado da questão representando os desapropriados no período de 1984 a 2005. Atuou, ainda, orientação

ações do movimento social, na fase dos acampamentos, com objetivo de sensibilizar as autoridades civis.

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15

Edilson Schadeck e Maria da Glória Vojciechovski, produzindo relatório 15que denuncia atos

de violência contra os direitos dos proprietários no decorrer do movimento reivindicatório das

terras desapropriadas. (RELATÓRIO, 2015). Alguns desapropriados mantêm a esperança de

solução16 para a questão.

3. Considerações finais

A análise demonstrou que os desapropriados foram obrigados a criar novas

alternativas econômicas de sobrevivência. A linguagem do silêncio foi praticada na época,

devido a situação política vigente, a confiança de que o governo traria uma solução.

Os desapropriados sofreram o impacto do estranho, que além de invadir seu espaço

territorial, quebrou linhagens de famílias, alterando as relações sociais, incluindo novos

valores, novas concepções culturais.

Ficaram evidentes as adaptações nas formas de reivindicação dos desapropriados de

acordo com o contexto histórico em que estavam inseridos. Organizando-se em movimentos

sociais, tentando negociar diretamente com representantes do Exército e da União.

As memórias trazem as marcas de uma vida usurpada, dos direitos aniquilados e da

esperança de uma solução para a recuperação de suas terras.

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CONTRATO DE ARRENDAMENTO, 10/FA/70. Celebrado entre o Ministério do

Exército e o Sr. João Gonçalves de Lima Filho. 14/02/70.

15 RELATÓRIO COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE DO PARANÁ-TERESA URBAN. Ivete Maria

Caribé da; BERTONI. Jaqueline. (Org.) Graves violações no apossamento realizado pela 5ª Região Militar

do Exército em áreas rurais de Papanduva e Três Barras–SC: Campo de Instrução “MARECHAL

HERMES”. Curitiba, 09/2014. 16 No Jornal Correio do Contestado (2007) é divulgado “Desapropriados do campo de manobras exigem

providências do Governo Federal.” O Jornal Correio do Norte (2010) apresenta a manchete: “Herança da

Ditadura, ´Fomos atropelados a custa de fuzil’: herdeiros contam que ainda têm esperanças de receber

indenização das terras tomadas pelo Exército”.

Page 16: Soeli Regina da Silva Lima

16

CONTRATO DE ARRENDAMENTO, 11FA/70. Celebrado entre o Ministério do Exército

e o Sr. Argemiro Gonçalves de Lima. 14/02/70.

CONTRATO DE ARRENDAMENTO. 2-FA/73. Celebrado entre o Ministério do Exército

e o Victor Gonçalves de Lima. 15/05/73.

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http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=111378> Acesso em:

12/05/2015.

________Decreto nº. 44.458 de 03.09.1958. Dá nova redação aos itens que cita do art. 1º de

Decreto nº 40.570, de 18 de dezembro do ano de 1956. Disponível em:<

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JORNAL BARRIGA VERDE. Providenciando o pagamento dos salários em atraso, até

dezembro de 1953. De janeiro para cá, Deus sabe o que sucederá! Ano XVII, nº 843,

07/04/1954.

JORNAL CORREIO DO CONTESTADO. Desapropriados do campo de manobras exigem

providências do Governo Federal, 2007.

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JORNAL CORREIO DO NORTE. Ainda o caso da reavaliação: o início de uma solução.

08/05/1965.

Page 17: Soeli Regina da Silva Lima

17

JORNAL CORREIO DO NORTE. Herança da ditadura: fomos atropelados a CUSTA DE

FUZIL. Herdeiros contam que ainda têm esperanças de receber indenização, das terras

tomadas pelo Exército. 23/07/2010.

JORNAL CORREIO DO NORTE. Manobra militar de grande envergadura em Três

Barras. Ano 14, nº 566, 24/10/1959.

JORNAL CORREIO DO NORTE. Novos rumos no caso da Reavaliação. 01/05/1965

JORNAL CORREIO DO NORTE. Campo de Instrução Marechal Hermes – “Exército e

prefeitura contestam áreas arrendadas pelos militares.” 13/04/2012.

JORNAL DE SANTA CATARINA. O Exército garante que já tem área para escolher.

06/02/1987

JORNAL ESTADO DE SANTA CATARINA. Exército prende e tortura colono de

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JORNAL O ESTADO DE SANTA CATARINA Líder dos sem-terra de Papanduva

continua preso. 07/03/1987.

JORNAL O ESTADO DO PARANA. Absolvidos os Agricultores de Papanduva,1988.

JORNAL ZERO HORA. Exército analisa troca de terra com colonos: levantamento

cadastral já está com o ministro Pires Gonçalves. Brasília, 27/04/1986.

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RECIBO. Do tesoureiro do Quartel de Três Barras, em favor de Argemiro Gonçalves de

Lima. 22/11/71

RECIBO. Do tesoureiro do Quartel de Três Barras, em favor de Victor Gonçalves de

Lima. 16/11/71

RELATÓRIO COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE DO PARANÁ-TERESA URBAN.

Ivete Maria Caribé da; BERTONI. Jaqueline. (Org.) Graves violações no apossamento

realizado pela 5ª Região Militar do Exército em áreas rurais de Papanduva e Três

Barras–SC: Campo de Instrução “MARECHAL HERMES”. Curitiba, 09/2014.

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