Sociolgia Pragmática - guia do usuário

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    Sociologias, Porto Alegre, ano 18,no41, jan/abr 2016, p. 84-129

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    DOSSI

    Sociologia pragmtica: guia do usurio

    Este artigo foi publicado originalmente em francs na Revue Politix [Barthe Yannick et al.,!Sociologie pragmatique: mode d'emploi", Politix, 2013/3 N 103, p. 175-204. DOI: 10.3917/pox.103.0173]. Com a permisso dos autores, Sociologias o apresenta em lngua portuguesa,na traduo da Professora Patrcia Reuillard (UFRGS).(a) Centre National de Recherche Scientifique (Frana) ; (b) Universit Paris 8 (Frana) ; (c)Universit de Strasbourg (Frana) ; (d) cole Normale Suprieure (Frana) ; (e) Universit Paris-

    -Dauphine (Frana) ; (f) cole des Hautes tudes en Sciences Sociales (Frana)

    YANNICK BARTHEa, CATHERINE RMYa, DANNY TROMa,

    DOMINIQUE LINHARDTa, DAMIEN DE BLICb,JEAN-PHILIPPE HEURTINc, RIC LAGNEAUd,

    CDRIC MOREAU DE BELLAINGe, CYRIL LEMIEUXf

    Resumo

    Em trinta anos, a !sociologia pragmtica" (tambm denominada !sociologia dasprovas") efetuou pesquisas empricas relativas a todas as reas da vida social. Emconformidade com os postulados tericos que defendiam, os pesquisadores quese reconhecem nessa corrente sociolgica criaram maneiras consideravelmentenovas de efetuar a pesquisa, coletar dados, explorar os campos, pensar cada casoe se servir das controvrsias e dos escndalos pblicos como pontos de entradana ordem social e na questo de sua problemtica reproduo. O objetivo desteartigo caracterizar em dez pontos o estilo pragmtico em sociologia e indicarseus requisitos metodolgicos e suas consequncias prticas para o trabalho deinvestigao.

    Palavras-chave: Estilo pragmtico. Anlise macrossociolgica. Polmicas pblicas.

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    Portanto, a inteno deste texto no absolutamente glosar o uso dotermo, nem refut-lo, mas delinear os contornos de uma prtica da socio-logia que denominaremos indiferentemente !sociologia pragmtica" ou!sociologia das provas2".

    Para os autores deste texto, duas abordagens, para alm de suas signi-ficativas diferenas, constituem seu arcabouo: a antropologia das cinciase das tcnicas, desenvolvida por Michel Callon e Bruno Latour, e a sociolo-

    gia dos regimes de ao, praticada por Luc Boltanski e Laurent Thvenot.Em trinta anos, elas promoveram pesquisas empricas referentes ao conjun-to das reas da vida social: da fbrica comunidade religiosa, da instituioescolar aos mundos da arte, das controvrsias cientficas aos escndalospoltico-financeiros, das instituies polticas aos movimentos de caridade,do universo da mdia s transformaes do mundo mdico, passando pelasnovas mobilizaes ligadas aos riscos sanitrios e ambientais, pelas transfor-maes da gesto, pelos efeitos polticos e sociais das medidas estatsticas,pelo funcionamento dos mercados financeiros ou pelas prticas de manu-teno da ordem e de vigilncia. Objetos sociolgicos !clssicos" foramrevisitados, enquanto outros fenmenos, at ento considerados ilegtimosou simplesmente ignorados, como as prticas dos amadores de msica, apresena de no-humanos em atividades sociais, ou certas crenas popu-lares tidas por irracionais (como aquelas ligadas s aparies de Nossa Se-nhora ou aos discos voadores) passaram a ser vistos como objetos legtimos.

    Com o desenvolvimento desses trabalhos, metodologias especficasforam criadas, discutidas e revisadas. Em conformidade com os postu-

    dio da tradio sociolgica interacionista e goffmaniana, assim como da etnometodologia),suas fontes de inspirao tambm so variadas # certos socilogos das provas buscam umaparcela considervel de sua reflexo na sociologia durkheimiana, na weberiana, na fenome-nologia ou nosscience studies.2 Em razo da importncia cardinal da noo de !prova" nesta abordagem: principalmenteLatour (2011); Boltanski e Thvenot (1991); Boltanski e Chiapello (1998). Para uma tentativade apresentao sinttica da noo, Lemieux (2011).

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    lados tericos que defendiam, os socilogos pragmticos criaram ma-neiras consideravelmente novas de pesquisar, coletar dados, explorar oscampos, pensar cada caso e se servir das controvrsias e dos escndalospblicos como pontos de entrada na ordem social e na questo de suaproblemtica reproduo. Embora esse savoir-faireamealhado compar-tilhe certas tcnicas e prticas utilizadas pela comunidade dos pesquisa-dores em Cincias Sociais, ele tambm se distingue delas. Os autores do

    presente artigo se reconhecem nesta sociologia das provas e tentam, emseu trabalho, aplicar e desenvolver seus mtodos. Para analisar o mun-do social, eles se baseiam em seus postulados tericos e mobilizam seusquadros conceituais. Em sua viso, o texto que segue visa, em particular,explicitar o que exige, em um sentido primeiramente tcnico, a prticada sociologia dita pragmtica. Trata-se, em suma, de caracterizar o estilopragmticoem Sociologia e indicar seus requisitos metodolgicos e suasconsequncias prticas para o desenvolvimento da pesquisa3.

    A noo de estilo importante. Intil precisar que ela remete a umestilo de pesquisa, de raciocnio e de apresentao, ou seja, a um estilode prtica. Um estilo implica fortes convergncias, mas no uma perfei-ta homogeneidade de todos os trabalhos que o reivindicam. Do mesmomodo, embora seja reconhecido por um conjunto de traos distintivos,bem identificveis, ele apresenta um grau evidente de variabilidade ou,s vezes, de desacordo ou de conflito. Nosso objetivo consiste em escla-

    recer, por meio da formulao de dez pontos, as exigncias que permitemproduzir uma pesquisa sociolgica de estilo pragmtico. O mtodo ,portanto, voluntariamente retrospectivo, destinado a avaliar o caminhopercorrido, a dar a conhecer melhor essa base comum, por ns concebi-da como dinmica e aberta s reformulaes e reorientaes. Desse pon-

    3 Para outros textos introdutrios sociologia pragmtica, cf. principalmente Breviglieri e Stavo-

    -Debauge (1999); Cantelli e Genard (2008); Dodier (2005); Nachi (2006); Lemieux (2011).

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    to de vista, o texto que segue destina-se sobretudo aos jovens socilogose cientistas polticos para que possam ter uma ideia mais completa do queimplica esse tipo de sociologia.

    Como a sociologia pragmticaune os nveis !micro" e !macro"

    O olhar que a sociologia pragmtica lana sobre os fatos de ordem ma-crossociolgica pode ser resumido em uma frase: ela nunca os dissocia dasoperaes e dos processos em e pelos quais esses fatos se tornam descritveis.Essa perspectiva implica que o socilogo orienta seu interesse para lugares ouatividades nos quais conjuntos se agregam e totalidades se renem, coletivosso institudos e estruturas se tornam tangveis. Poderamos dizer, desse pontode vista, que a sociologia pragmtica se esfora para nunca deixar o planodas situaes e, por conseguinte, o nvel !micro". Com o detalhe, todavia, deque o nvel !micro" no considerado em sua oposio ao nvel !macro",mas, ao contrrio, como o plano em que, de situao em situao, o prprionvel !macro" concretizado, realizado e objetivado atravs das prticas, dosdispositivos e das instituies, sem os quais ele conseguiria certamente existir,mas no poderia mais ser visto e descrito.

    Esse mtodo presidiu aos estudos consagrados, no incio dos anos1980, s categorias socioprofissionais4. Nos trabalhos dessa poca, o in-

    teresse pela constituio de agregados estatsticos buscava dar conta decertas modalidades de estruturao do espao social, mas com uma esco-lha metodolgica evidente: suspender a dualidade entre os processos deobjetivao, de um lado, e a estrutura objetivada, de outro, em proveitoda anlise de um duplo movimento de estabilizao e de extenso das

    4

    Para um balano dessa linha de pesquisa, cf. Desrosires e Thvenot (2002).

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    prticas e das formas estatsticas. Foi essa abordagem que os socilogospragmticos estenderam anlise de diferentes formatos de acrscimo, deampliao e de totalizao atravs dos quais realidades coletivas so cons-titudas como tais, enquanto alguns seres, por consequncia, so relegados insignificncia, invisibilidade ou excepcionalidade (Boltanski,1982;Thvenot, 1986). Procurando explicar como se estabelecem socialmenteprocedimentos e instrumentos que permitem aos atores avaliarem o ta-

    manho dos fenmenos sociais, restabelecerem cadeias de causalidade einstiturem entidades coletivas, esses trabalhos correlacionaram de modosistemtico a observao em situao concreta a consideraes relativas aoestado de configuraes macrossociais (por exemplo, de uma cidade ou deuma nao), e vice-versa (Hermant; Latour, 1998; Didier, 2009).

    A sociologia das provas no representa, portanto, uma abordagemestritamente centrada nas situaes de defrontao. Os trabalhos efetu-ados nos ltimos trinta anos tm demonstrado, ao contrrio, muito in-teresse por entidades de grandes dimenses ! sejam organizaes eco-nmicas (o capitalismo, os mercados, as empresas) (Callon,1998; Callonet al., 2007; Boltanski; Chiapello, 1998), instituies polticas (o Estado,suas administraes) (Linhardt, 2009; Linhardt; Muniesa, 2011; Lemoine,2011; Moreau de Bellaing, 2012; Cantelli et al., 2009; Normand, 2010),grupos socioprofissionais (executivos, mdicos, professores, jornalistas)(Boltanski, 2007; Normand, 2011; Lemieux, 2010), ou problemas pbli-

    cos (Charvolin, 2003; Barthe, 2012). Essa sociologia tampouco deixa delado a abordagem comparativa, desenvolvendo-a tanto por meio da com-parao de sociedades nacionais5quanto de "etnografias combinatrias#,que consistem em explicar determinadas operaes sociais (fazer cincia,avaliar, tratar, abater, etc.) observadas em contextos diferentes (Dodier;Baszanger, 1997; Rmy, 2009). Mas o modo como a sociologia pragmti-

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    Por exemplo, Lamont e Thvenot, 2000; Kovenova, 2011; Debourdeau, 2011.

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    ca !doma o grande Leviat" no leva absolutamente a uma relativizao #menos ainda a uma negao da existncia de realidades sociolgicas queultrapassem o presente das situaes observveis (Callon; Latour, 2006).Sem isso, essa sociologia renunciaria ao fundamento de todo procedi-mento sociolgico: considerar a sociedade como um fenmeno total quedeve ser captado como tal6.

    A sociologia pragmtica d provas de originalidade no modo como

    se distancia de outros mtodos que consideram que as situaes so de-terminadas por estruturas cuja realidade caberia apenas aos socilogosdemonstrar. De fato, para essa corrente, a recusa desse tipo de anlise es-trutural no significa que no considera os fenmenos estruturais e, aindamenos, que incapaz de levar em conta os fatos macrossociolgicos. Umdos principais aportes da sociologia das provas propor uma concepoalternativada articulao entre as realidades situacionais e estruturais e,consequentemente, entre os nveis !micro" e !macro".

    Como caracterizar essa concepo alternativa? Ela repousa na necessi-dade de abordar as realidades macrossociolgicas na medida em que estasse realizam na realidade social. O nvel !macro" ento considerado comoresultado deperformancesinteiramente sujeitas a observaes empricas.Essa postura vale para os prprios arrazoados sociolgicos que, desse pontode vista, no poderiam reivindicar nenhum privilgio: as Cincias Sociaismerecem ser compreendidas e analisadas como contribuio aos processos

    atravs dos quais as sociedades refletem e se confrontam consigo mesmas7.Tal afirmao no as condena a renunciar objetivao de realidades agre-gadas, mas estabelece a obrigao de conceberem os saberes objetivos queelas produzem ou que utilizam como realizaes prticas, rompendo, porisso mesmo, com certas formas ingnuas de objetivismo.

    6 Sobre essa necessidade tcnica da sociologia, cf. Kaufmann e Trom, 2010.7 Nessa perspectiva, Latour (2006).

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    Como a sociologia pragmtica inclui a temporalidade histrica dosfenmenos

    Como dissemos, a sociologia pragmtica se dedica a captar concre-tamente os fenmenos observveis. por isso que a situao ! a ao pre-sente em seu desenrolar ! constitui o material de base de suas investiga-es. indiferente para ela se as situaes so recentes ou se pertencema um passado longnquo. A tarefa assumida pela sociologia das provas no

    se limita, de fato, a estudar o presente de nossas sociedades. Ela consiste,antes, em estudar qualquer ao, presente ou passada, em seu presente.Desse modo, essa sociologia se aproxima da metodologia dos historiadores,que buscam restituir as aes do passado no horizonte efetivo das expec-tativas de seus autores8. Na esteira desses historiadores, ela se esfora parano projetar sobre os fatos passados o conhecimento que temos do que lhessucedeu. Assim como eles, ela busca explicar a indeterminao relativa quepresidiu s aes passadas, indeterminao que a prpria ocorrncia dessasaes frequentemente apagou9. Esse presentismo merece ser qualificadode metodolgico, pois no prejulga que os fenmenos presentes tenhamum interesse analtico superior aos do passado: ele reivindica apenas que osfenmenos do passado sejam examinados com a mesma metodologia queos do presente, isto ! para um pesquisador pragmtico !, respeitando suaindeterminao relativa e seu dinamismo interno.

    Isso no condena os socilogos das provas a ignorarem, em suas

    anlises, a existncia de temporalidades mais amplas, excedendo o pre-sente das aes em situao que eles estudam. Nesse sentido, duas pos-turas, no exclusivas, podem ser distinguidas na sociologia pragmtica. Aprimeira mais estritamente presentista e se atm ao interdito de inspi-

    8 Para uma discusso sobre essa aproximao: Cerrutti (1991); Boureau (1991); Lepetit (1995);Van Damme (2008); Offenstadt e Van Damme (2009).9 Sobre a importncia dessa posio, cf. Callon e Latour (1990); Latour (2011).

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    rao etnometodolgica de que nenhum elemento externo ordem quesurge da realizao da ao deve ser considerado pelo pesquisador naanlise dessa realizao. Segundo essa perspectiva, o passado histrico spode ser includo na investigao se os prprios participantes da situaoo convocarem explicitamente. Consequentemente se estudar em quaisocasies, quais os procedimentos prticos e com que apoios materiais eorganizacionais os prprios atores se referem ao passado, reinterpretam-

    -no e produzem o que diz respeito aos seus fatos10

    . Longe de constituiruma abordagem marginal, esse tema eminentemente pragmtico reen-contra, ainda que dele se diferencie, um campo de pesquisa atualmenteem pleno desenvolvimento entre os historiadores: o dos usos sociais e po-lticos do passado11. Ele permite introduzir no estudo dos fenmenos his-tricos uma reflexividade analtica que obriga o pesquisador no somentea reconhecer competncias para produzir a historicidade de seu presenteem seus contemporneos, mas tambm a esclarecer em que grau essascompetncias compartilhadas se distinguem das suas e como ambas par-ticipam dos mesmos processos de objetivao conflituosa do passado.

    Uma segunda maneira de a sociologia pragmtica incluir, em suasanlises, temporalidades que ultrapassem o presente pode ser qualificadade genealgica. Ela consiste em investigar o passado de uma sociedade,grupo ou dispositivo organizacional para explicar por que os atores con-temporneos se confrontam, em suas aes e julgamentos, com restries

    herdadas, mas tambm tm sua disposio um certo tipo de recursoslegados por seus predecessores (vias de ao j traadas, justificativas j

    10 Cf. dossi coordenado por Heurtin e Trom, 1997.11 Cf. Hartog e Revel (2001); Hartog (2002). O distanciamento introduzido pela sociologiapragmtica em relao a esses trabalhos se deve ao fato de no considerar o passado comofindo de uma vez por todas ! e disponvel para usos !, mas como se estivesse sempre se fazen-do, ao contrrio, com cada uma de suas novas mobilizaes levando necessariamente suareinterpretao e reconfigurao parciais.

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    Assim, a sociologia pragmtica se revelaria prxima da sociologiahistrica tradicional, por tambm tentar reconstituir dinmicas histricasque informem situaes presentes. Todavia, o que a diferencia dela ,sem dvida, o fato de procurar no apenas considerar como !o vivo her-da do morto"*, mas tambm examinar prioritariamente, de certo modo,como o vivo se apropria do morto # maneira de dar vantagem analtica aopresente da ao e de restituir sua relativa indeterminao. Nessa tica, o

    objetivo da investigao histrica no tanto reconstituir linhas de conti-nuidade histrica, mas alcanar uma melhor inteligibilidade das situaespresentes, sobretudo atentando para o fato de que os atores no reivindi-cam nem se apropriam de modo igual de todos os inmeros legados queessas situaes herdam # o que merece uma explicao. Consequente-mente, esse tipo de procedimento induz o pesquisador a partir mais daobservao do presente para se voltar ao passado do que o inverso15. Masele tambm o leva, em um segundo momento, a voltar do passado parao presente, munido de novas interrogaes e de um olhar diferentementeinformado para observar as situaes atuais (Trom, 2003).

    Portanto, os socilogos das provas do lugar ao passado histricoem suas anlises de modo diverso. Em certos trabalhos, esse passado s admitido no campo da pesquisa se os prprios atores o mobilizarem ex-plicitamente, seja para celebr-lo, seja para confront-lo. A investigaoanalisa ento como nossas sociedades produzem sua histria e historici-

    zam seu presente e como os prprios pesquisadores so parte integrantedesse processo. Em outros trabalhos, o pesquisador busca reconstituir,seguindo um procedimento genealgico (isto, !regressivo"), o passa-

    * N. de trad.: referncia ao artigo de Pierre Bourdieu, Le mort saisit le vif. Les relations entrel'histoire rifie et l'histoire incorpore, de 1980, que se serve da expresso jurdica !le mortsaisit le vif", que significa que a herana de uma pessoa morta imediatamente transferida aseus herdeiros vivos.15 O procedimento se aproxima ento do modelo de explicao que Philippe Descola denomi-

    na !histria regressiva", que ele ope ideia de !gnese mtica" (Descola, 1994).

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    do histrico das situaes que ele est estudando. A pesquisa estabeleceento como objeto no somente a explicao das limitaes que pesamsobre as situaes do presente ou, indissociavelmente, os recursos dis-posio dos atores, mas ainda a possibilidade de observar tais situaes demodo diverso, interrogando-se por que certas heranas do passado noso atualmente ativadas. Em todos os casos ! e podemos ver nisso umadas principais formas de unidade e de coerncia da abordagem pragm-

    tica !, prevalece um presentismo metodolgico, que se traduz principal-mente pela afirmao de que a ao no poderia ser deduzida simplesou mecanicamente do passado, na medida em que ela sempre introduz,em relao a este, uma indeterminao especfica. Semelhante posio,longe de ser uma recusa da perspectiva histrica ou uma rejeio in-vestigao genealgica, revela-se como uma outra maneira de pratic-las.

    Como a sociologia pragmticareinterroga a questo dos interesses

    O objetivo da sociologia das provas no revelar interesses parti-culares travestidos de argumentos mais gerais. No sua tarefa esquadri-nhar, por trs das afirmaes universalistas, altrustas ou desinteressadasde certos atores, a existncia de interesses ocultos ou de clculos mais oumenos inconscientes. Isso significa que a questo dos interesses lhe in-

    diferente? Ao contrrio, pode-se considerar que a formao dos interessesest no cerne de inmeros trabalhos que invocam essa corrente. O que osdistingue que no consideram os interesses como um fator explicativoda ao ou do discurso, mas como seu produto. Mais do constituir umrecurso conveniente, e inesgotvel, que permite ao socilogo explicar ocomportamento dos atores, o interesse se torna um objeto de pesquisaem si, do qual o pesquisador deve compreender a definio, a estabiliza-

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    o e a transformao nas controvrsias, polmicas e outras provas queele decide estudar (Callon, 1986; Bidet, 2008).

    por isso que a sociologia das provas se mostra quase sempre atentaao modo como a figura da revelao dos interesses ocultos se encontraimplicada nas polmicas pblicas (Boltanski, 1984). A revelao umrecurso bastante empregado pelos atores para definir e imputar interessesa seus adversrios: !o que apresentado como uma guerra justa cujos

    motivos seriam humanitrios , na realidade, motivado pelos interessespetrolferos do Estado, at mesmo de um lobbyno Estado"; !seu com-prometimento de artista a favor do Kosovo dissimula, na verdade, suaambio profissional e seu desejo de ser reconhecido por seus pares", etc.A revelao dos interesses ocultos representa, portanto, uma figura banalda denncia pblica cujas condies de eficcia merecem ser estudadas,relacionando-as principalmente a construes normativas compartilha-das cuja histria se possa resgatar16. A denncia do interesse dissimuladopode ser compreendida, assim, como uma das modalidades mais impor-tantes da desqualificao nas arenas pblicas17.

    Todavia, a figura da denncia est longe de ser a nica via utilizadapelos atores para produzir e expressar mutuamente os interesses. A refe-rncia aos interesses tambm se d de um modo que no mais denuncia,mas que reivindica, para construir alianas, modificar posies ou !re-crutar" outros atores para uma causa, levando-os a compreender que se

    trata, exatamente, de seus interesses (Callon; Law, 1982). Nesse tipo desituaes, a identificao dos interesses e, simultaneamente, sua reformu-lao so operaes que permitem aos atores se definirem mutuamente,criando distncia ou aproximao.

    16 Ver a seo anterior.17 Uma constatao que a sociologia corre o risco de perder de vista a todo momento, quando

    ela mesma recorre a esse tipo de operao crtica. Acerca disso, cf. Trom (1999).

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    A esse respeito, convm ter em mente que a referncia aos inte-resses no passa de um modo entre outros de distanciamento e de apro-ximao. isso que leva alguns socilogos pragmticos a se recusarema reduzir o conjunto das aes sociais a condutas estratgicas ligadas busca de interesses individuais ou coletivos18. Esses autores se esforampara distinguir vrios nveis de comprometimento, nos quais os atores sequalificam mutuamente e remetem um aos outros de modo sem dvida

    diferente19

    . Em alguns desses nveis, sua atividade consiste em afirmarou formular interesses explicitamente e considerar os dos outros numaperspectiva geralmente orientada para objetivos de eficcia, ao passoque, em outros, ela consiste sobretudo em denunciar os interesses dosoutros, revelando sua incompatibilidade com o interesse geral ou comcertas obrigaes de imparcialidade e de equidade; em outros ainda, aatividade leva a no indicar interesse enquanto tal, nem nos outros, nemem si prprio, pois o curso da ao no permite bem a identificao dessetipo de figura. Nessa perspectiva, desenvolvida especialmente na sociologiados regimes de engajamento, trata-se de observar mais de perto como osindivduos produzem coletivamente seus interesses ! o que requer levarem considerao as situaes da vida social onde tais interesses ainda noesto constitudos. Em certos aspectos, isso muito similar ao que fazemoutras correntes da sociologia pragmtica ! sobretudo a antropologia dascincias e das tcnicas !, que apelam para que se considere a importncia,

    na constituio dos interesses, da existncia ou da ausncia de "dispositivosde interesse#. Pode-se analisar o sucesso de uma inovao tcnica, porexemplo, por sua capacidade de permitir que grupos sociais se identifi-quem e se reconheam, suscitando novos interesses entre seus membros,ou deslocando aqueles previamente constitudos (Akrich et al., 1988).

    18 Ver, por exemplo, Corcuff e Sanier (2000).19

    Cf. sobretudo Thvenot (2006).

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    Como a sociologia pragmtica trata o discurso dos atoresUma das caractersticas importantes da sociologia das provas !le-

    var a srio" as justificativas e as crticas dos atores. Como isso se traduz?De um lado, por um esforo para justificar seu fundamento prtico; deoutro, pelo cuidado em analisar seus efeitos sociais. Em primeiro lugar,justificar seu fundamento prtico porque preciso compreender comocrticas e justificativas so geradas a partir de certo tipo de prtica social,

    isto , diante de certo tipo de contradies prticas que os atores devemadministrar. Isso explica que levar a srio as justificativas e as crticas, emsociologia pragmtica, induz a investigar prticas e, mais ainda, reconsti-tuir as lgicas contraditriasda prtica que originam a atividade crtica dosatores20. Em segundo lugar, investigar seus efeitos sociais, pois interessa ex-plicar o tipo de eficcia, ou de ineficcia relativa, relacionada s operaesde crtica e justificao dos atores nos mundos sociais que eles habitam

    ou em que operam. No so decerto os argumentos trocados, as justifi-cativas fornecidas e as crticas emitidas que, considerados em si mesmos,tm o poder de transformar o estado das relaes sociais. Mas as aesque consistem em argumentar, justificar e criticar tm esse poder, mesmomarginalmente (por exemplo, levar um dirigente, graas s crticas, a se jus-tificar deve ser considerado como uma alterao, por mnima que seja, dasrelaes sociais e polticas preexistentes). Desse ponto de vista, levar a srio

    as justificativas e as crticas acarreta, em sociologia pragmtica, uma explo-rao dos efeitos que a crtica pode ter sobre a remodelao dos coletivos, atransformao dos dispositivos sociotcnicos e a reforma das instituies21.

    Estimulando uma anlise sistemtica dos fundamentos prticos edos efeitos sociais das operaes de crtica e de justificao, a sociolo-

    20 Nessa perspectiva e acerca de objetos muito diferentes, cf. Chateauraynaud (1991); Doidy(2005); Lagneau (2009).21

    Nessa perspectiva, Chiapello (1998); Boltanski e Chiapello (2005); Fillion (2009).

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    gia das provas privilegia, em relao ao discurso dos atores, uma rup-tura epistemolgica bem diferente daquela preconizada pela sociologiacrtica da dominao. No se trata de revelar as estratgias subjacentesaos argumentos gerais, nem, como j dissemos, os interesses particulares:na medida em que essa tarefa , na maioria das vezes, assumida pelosprprios atores ! como pde perceber todo pesquisador que j estudoucontrovrsias ou escndalos pblicos !, o socilogo pragmtico se consa-

    grar a examinar como os atores o fazem, com que tipo de prova e deauxlios materiais e com que xito desigual. Agindo assim, o socilogo nose situa totalmente no plano em que os prprios atores tendem esponta-neamente a explicar suas aes e a julg-las, mas faz um esforo reflexivosuplementar: no somente porque busca, diferentemente deles, captar atotalidade dos pontos de vista envolvidos na luta (tratando-os, alm disso,de modo simtrico), mas tambm porque assume a tarefa de investigaros fundamentos prticos das operaes de crtica e justificao realizadase/ou seus efeitos sociais. Isso equivale a tentar identificar elementos deque os atores (e o pesquisador) no esto imediatamente conscientes: ascontradies prticas que geram o processo crtico estudado, ou ainda,os mecanismos sociais ou institucionais que limitam o desdobramentopblico e os efeitos sociais da crtica22.

    "Levar a srio# o trabalho feito pelos atores para justificar suas prti-cas e condutas no significa, portanto, que basta registrar pontos de vista

    ou traduzi-los em um vocabulrio cientfico. Tampouco se trata de consi-derar que os atores tm razo em suas afirmaes: o objeto considerarque eles tm razespara afirm-lo ! razes ligadas s contradies reaisde suas prticas (Callon; Rabeharisoa, 1999). Do mesmo modo, no setrata de considerar que as afirmaes dos atores descrevem adequada-mente o que eles fazem: o objeto considerar que o que dizem deve

    22

    Nessa perspectiva, Stavo-Debauge (2011).

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    fazer totalmente parte da descrio do que fazem ! j que suas prticasdiscursivas so dotadas de uma forma de eficcia, desigual conforme osindivduos e as situaes.

    Como a sociologia pragmticareconhece a reflexividade dos atores

    A sociologia das provas se recusa a apreender a anlise da ao apartir de uma posio que ope atividades prticas e atividades reflexivas.Ela postula que impossvel isolar, na anlise da ao, um plano em queas retomadas reflexivas do ator sobre sua ao e as dos outros estejamtotalmente ausentes. Essa recusa em dissociar anlise das prticas e anli-se das formas de reflexividade que as acompanham procede da seguinteconstatao: uma ao, seja qual for, nunca desprovida de razes. Asrazes se tornam descritveis no decorrer das aes, adquirindo assimuma forma de materialidade e de observabilidade23. Elas so, indissocia-velmente, aquilo em que a descrio sociolgica deve se apoiar se quisertorn-la inteligvel. Essas duas afirmaes merecem explicao.

    Os socilogos pragmticos no postulam que os atores tm sempreplena conscincia das razes de sua ao e esto prontos, se for preciso, aenunci-las claramente para si mesmos e para os outros. Eles consideram,sobretudo, que a relao reflexiva que os atores mantm com sua ao

    ou com a dos outros deve ser considerada em graus. Na extremidadesuperior dessa gradao, situam-se as formas de reflexividade mxima,caractersticas das situaes pblicas em que elas assumem a forma de

    23 O procedimento pragmtico rompe, nesse ponto, com o mentalismo. O pesquisador sededica a descrever as razes de agir dos atores e o faz unicamente atravs do que as tornaobservveis em situao concreta, ou seja: a prpria interao, atravs da mobilizao decertos apoios materiais pelos atores, sua reao atitude dos parceiros e suas eventuais trocaslingusticas. Cf. Dodier (1993); Lemieux (2000).

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    justificativas que se opem a terceiros. inegvel que a sociologia prag-mtica se debruou inicialmente sobre esse tipo de situao, pelo interes-se que demonstrou em seus primrdios pelas contendas, durante as quaisas razes de agir dos participantes se tornam objeto de uma explicitaocoletiva que exige um nvel elevado de distanciamento24.

    No entanto, a sociologia pragmtica no pretende extrair da anlisedas formas de ao caractersticas dessas configuraes mais pblicas um

    modelo geral da ao. Seria um erro considerar que os atores agem emtodas as circunstncias como se estivessem submetidos a fortes imposi-es de publicidade. A sociologia das provas foi levada, ao contrrio, aconsiderar formatos de ao que se situam aqum do formato de aopblica. Estes no apelam para regras de justificativa pblica ou de dis-tanciamento, mas para regras similares ao que envolvem comumente asnoes de !prtica" ou de !rotinas"25. As situaes que as caracterizamno padecem, todavia, de reflexo, no sentido de serem desprovidas derazes. Mas a relao reflexiva assume ento formas mnimas que nose opem, que so frequentemente no verbais e, s vezes, observveissomente pelos detalhes # uma hesitao, um reajuste do corpo, um olharfurtivo, etc. #, que indicam um desalinhamento, por mais tnue e efme-ro que seja, da ao em relao a si mesma26.

    A sociologia das provas no ignora, portanto, que a ao, em in-meras situaes sociais, pode ser pouqussima reflexiva. Alguns de seus

    defensores tentaram at mesmo reinvestir, de um ponto de vista pragm-tico, a noo de inconsciente ou, mais exatamente, explorar a ideia deque toda ao, como todo julgamento, comporta necessariamente uma

    24 Para a anlise de inmeros casos empricos desse tipo de !generalizaes", cf. Boltanski eThvenot (1989).25 Cf. principalmente Thvenot (1994; 2006); Breviglieri (1999).26 Observar tais desajustes dinmicos da ao individual ou coletiva requer um grau elevado de

    preciso e de fineza descritivas. Sobre isso, cf. Piette (1992); Rmy (2003); Datchary (2011).

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    parte inconsciente (Boltanski, 2004; Rmy, 2005; Lemieux, 2009b). Po-rm, essa sociologia no deixa de contestar a ideia de que uma prtica,seja qual for, possa ser desprovida de qualquer reflexividade. Consequen-temente, ela se distancia da concepo de que nossas prticas mais !em-pricas" procederiam de um ajuste mecnico aos outros e ao ambiente# relao da qual estaria excluda de sada qualquer mediao reflexiva. Defato, tal concepo da prtica, que situa a ao apenas na regularidade do

    hbito, impossibilita a compreenso das dinmicas interacionais que tornampossvel e acionam nos atores um aumento de reflexividade. Ao contrrio,a considerao das razes em que se apoiam os atores quando agem, e doprprio fato de que agem, permite ao socilogo preencher o hiato entre ascategorias de !prtica" e de !reflexividade", substituindo-o pela hiptesecontinusta segundo a qual as situaes so caracterizadas por graus variveisde intensidade reflexiva27. somente considerando que as aes mais !in-tuitivas" e menos reflexivas ainda tm (ou, mais exatamente, j tm) razesque possvel analisar o fato de que elas podem, em certas circunstncias(inclusive na situao de entrevista sociolgica), passar por um processo deaumento de reflexividade28. Inversamente, essa perspectiva reduz toda formade reflexividade, inclusive a sociolgica, a seus fundamentos prticos29.

    Por meio desse mtodo, a sociologia das provas no superestimaa reflexividade dos atores e evita lhes atribuir uma conscincia dema-siado grande do que eles fazem ou dizem. De fato, essa sociologia evita

    prejulgar o nvel de reflexividade dos atores j que faz da determinaodesse nvel e de suas variantes temporais em uma mesma pessoa o objeto

    27 Nessa perspectiva, cf. Breviglieri e Trom (2003); Breviglieri (2009). Para uma teorizao dahiptese continusta aqui apresentada, cf. Lemieux (2009b).28 Ver a anlise das intuies e dos julgamentos prticos dos recrutadores em empresas pro-posto por Eymard-Duvemay e Marchal (1996). Para o caso dos mdicos, Dodier (1993). Parao dos jornalistas, cf. Lagneau (2010).29 Cf. as anlises de Bruno Latour referentes produo das reflexividades cientfica e jurdica:

    Latour e Woolgar (1988); Latour (2007; 2002).

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    mesmo de suas investigaes. Por conseguinte, ela no poderia consi-derar que os atores atingem permanentemente o nvel mximo de suascapacidades reflexivas coletivas, mas tampouco poderia admitir que per-manecem sempre no nvel mnimo, ou, com mais razo ainda, que essenvel mnimo corresponda a um grau zero de reflexividade.

    Como a sociologia pragmtica

    renova a questo da socializao

    Nos ltimos vinte anos, uma das principais renovaes ocorridas nosestudos consagrados socializao, na Frana, foi sem dvida a redesco-berta da pluralidade do ego. O argumento, como se sabe, bem antigo,visto que deita razes principalmente no pragmatismo do incio do sculoXX30. No incio dos anos 1990, Luc Boltanski e Laurent Thvenot o resgata-ram: ao postular a ideia de que no se devia mais prejulgar sistematicamen-te os agentes sociais coerentes a si mesmos, a obra que escreveram ! De lajustification! defendia o princpio de que se deve, ao contrrio, analis-lossob o ngulo da pluralidade das lgicas, s vezes contraditrias, nas quaiseles se inserem (Boltanski; Thvenot, 1991). Tal abordagem impe umaviso da identidade e da socializao que se distancia da nfase que a inter-pretao bourdieusiana do conceito de habitus! muito mais, alis, do queaquela de Norbert Elias ! d coerncia do ego. Assim, na perspectiva da

    sociologia pragmtica, a partir de suas tenses, at mesmo de suas con-tradies internas e daquilo que as manifesta (distrbios, hesitaes, inca-pacidades de ao, dilemas morais e tambm, s vezes, inventividade) quedevem ser apreendidos os indivduos em ao, assim como os julgamentosfeitos sobre eles por seus parceiros e, finalmente, a construo de seu ego31.

    30Cf. particularmente Mead (2006). Para uma perspectiva sinttica sobre essa tradio, Elster (1985).31Acerca de objetos muito diversos, cf. Prilleux (2001); Barbot e Dodier (2009); Cefai e Gar-

    della (2011); Breviglieri e Cichelli, (2007); Sourp (2009).

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    Esse tipo de abordagem pluralista do ego leva a uma renovao pro-funda da anlise dos processos de socializao. Desse ponto de vista,convm observar que os conceitos disposicionais abundam na filosofiapragmtica onde, dos !hbitos" (Peirce, Dewey) s !tendncias a ao"(Mead), eles ocupam um lugar central (Bourdieu, 1998; Chauvir; Ogien,2002). Em contrapartida, para permanecerem na rbita da sociologiapragmtica, tais conceitos exigem um certo ajuste que, no contexto fran-

    cs, pode no ser familiar. Em suma, em uma tica pragmtica, trata-sede negar ostatusde conceito descritivo disposio. Com efeito, as dis-posies no descrevem a ao, mas podem ser descritas por meio dela(!Ele tem um habitusburgus" no a descrio de uma ao. a ao desseagente que permite descrev-lo como algum que tem um !habitus bur-gus"). Portanto, para comear, descreve-se da melhor maneira a ao emsituao concreta, o que possibilitar a identificao das disposies que nelase manifestam # procedimento que se ope quele que consiste em deduzira ao das disposies atribudas ao agente. Nessa perspectiva, o pesquisadorque admite, porque regularmente levado a descrev-lo, o carter plural epotencialmente contraditrio da ao, igualmente levado a admitir o quedecorre disso: o carter plural e potencialmente contraditrio das disposi-es e, portanto, do que habitualmente se designa por !aprendizagem" ou!educao". Ele precisa renunciar, por conseguinte, a considerar evidentea coerncia do ego dos atores e reconhecer nisso, bem pelo contrrio, um

    problema prtico que esses mesmos atores se esforam para gerir32.Mais do que isso, partir novamente da descrio da ao permi-

    te tomar a medida exata dos mecanismos prticos atravs dos quais seoperam aprendizagens. Isso no um problema para a abordagem que

    32 Esse caminho foi aberto por um dos fundadores do Grupo de Sociologia Poltica e Moral,Michal Pollak, em seu livroL!exprience concentrationnaire. Essai sur le maintien de l!identit

    sociale(1990). Cf. Lemieux (2007).

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    consiste em deduzir a ao dos agentes das disposies que lhes so atri-budas: para ela, bastam enunciados como a instituio inculcou nosagentes ou os atores interiorizaram. Para uma abordagem pragmtica,ao contrrio, esses atalhos sempre se revelam insuficientes. Eles no nosdizem nada das situaes prticas em que ocorre a aprendizagem, nem,consequentemente, do tipo deprovasao longo dessa aprendizagem. Nose sabe grande coisa dos lugares, dos objetos e dos meios pelos quais se

    opera efetivamente a socializao. Nesse sentido, a sociologia das pro-vas demonstrou interesse em acompanhar mais de perto como os atoresse envolvem corporalmente nos dispositivos materiais que eles conside-ram, ou que precisam dominar. A esse respeito, poder-se-ia at falar deuma verdadeira sociologia pragmtica do corpo, que se apresenta fun-damentalmente como uma sociologia do envolvimento corporal (Bessy;Chateauraynaud, 1995; Hennion, 2010; Rmy, 2009). Os autores quea desenvolvem dialogaram com as abordagens ecolgicas em termos decognio situada33. Eles se esforaram especialmente para explicar o fatode que affordancesso oferecidas ou retiradas dos atores pelos dispositi-vos sociotcnicos nos quais eles se envolvem ! o que incide diretamentetanto sobre suas capacidades diferenciais de aprendizagem quanto sobrea forma dos saberes que eles adquirem34.

    Desse modo, esses autores renovaram a compreenso do vnculoque une, de um lado, as demonstraes de competncia ou de virtuo-

    sidade em situao (Dodier, 1995)e, de outro, os processos de integra-o e de excluso (social, profissional, institucional, etc.). Esses processos,longe de intervirem antecipadamente, resultam de sries de provascujoresultado, embora parcialmente previsvel, sempre incerto, durante asquais os desempenhos ou contradesempenhos dos atores passam por um

    33 Cf. principalmente Conein, Dodier e Thvenot (1993).34 Cf., em reas muito diferentes: Hennion (1988); Conein (1990); Winance (2010); Moreau

    de Bellaing (2009).

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    julgamento ! dos pares, dos superiores, etc., at mesmo deles mesmos! sobre suas capacidades ou incapacidades e sobre sua normalidade ouanormalidade. A existncia dessas provas e das sanes que elas acarre-tam, positivas ou negativas, obriga o pesquisador a conceber a questodo pertencimento dos indivduos a um coletivo de modo eminentementedinmico e renova de maneira efetiva a abordagem do que se designa"socializao# em Cincias Sociais: ao contrrio dos mtodos que atribuem

    aos atores um dadostatus(em funo dostatusque j tinham), a sociologiapragmtica se obriga a rever, por princpio de mtodo, a questo do queso ou do que sero as pessoas em determinada situao e dostatusquelhes ser atribudo, recusando-se a prejulgar "do que as pessoas so capa-zes# (Boltanski, 1990). Esta criana poder caminhar, trabalhar ou nadar? exatamente porque pairam incertezas sobre esse ponto que os pedagogosdo sculo XVIII, assim como os de hoje, tm tanta dificuldade em entrar emacordo sobre o que racional e justo pedir a uma criana e o que fazer comela (Gamier, 1995).Insistimos: o princpio que consiste em no prejulgarcompetncias dos atores metodolgico. Ainda que se deva respeit-lo,isso no significa ! longe disso ! que todos os agentes sociais dispem dasmesmas capacidades, mas que suas competncias (e, portanto, suas dis-posies, hbitos, tendncias ao, etc.) formam um sistema dinmicoe adaptativo cujos limites o pesquisador no poderia estabelecera priori.

    Desse ponto de vista, vale observar que os conceitos disposicionais

    no descrevem a ao, mas contribuem para torn-la parcialmente pre-visvel e explicvel. Este , em resumo, o interesse que eles tm para asCincias Sociais. Por exemplo, permitem que o pesquisador relacione ocomportamento observvel de um ator a seus comportamentos passa-dos, para destacar como ! isto , atravs de que sries de provas e dequais dispositivos ! suas tendncias ou hbitos atuais se desenvolveramanteriormente. esse uso explicativo do disposicionalismo que predomi-

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    na em sociologia pragmtica35

    . Tambm nesse nvel de um uso preditivodos conceitos disposicionais, pode-se retomar a questo da distribuiodesigual das chances de agir ou de vencer uma prova. A sociologia dasprovas nada mais faz, nesse ponto, do que enfatizar a importncia, parao pesquisador, de descrever a ao em situao, na medida em que esta,mesmo sendo em parte previsvel, nunca o totalmente. De fato, elajamais pode ser deduzida pura e simplesmente das disposies do ator.

    Como a sociologia pragmtica desloca a questo do poder

    A abordagem pragmtica supe que, para estudar um conflito ouuma controvrsia, o socilogo suspenda os conhecimentos de que dispesobre a distribuio inicial dos papeis de dominante e dominado, ou so-bre a relao de foras que resulta da situao de confronto examinada.Um dos princpios que subentende essa escolha o seguinte: as assime-triasdo mundo social podem ser mais bem descritas quando observadasa partir de uma epistemologia da simetria (Latour, 2011). Isso no significaque os socilogos das provas pensem que o mundo social seja simtricopor definio, mas apenas que consideram que, para serem corretamen-te descritas, as assimetrias no devem ser prejulgadas, do mesmo que apossibilidade de sua reversibilidade, at mesmo nos casos em que parecermenos provvel, no deve ser descartada a priori.

    Desse modo, considerando que as situaes em que se exerce umadominao no so, na maioria das vezes, totalmente fechadas, essa so-ciologia enfatiza particularmente o fato de que cada um dos polos da re-lao desempenha, na evoluo dessa relao, uma parte ativa ! emborasua eficcia seja bem diferente. Em sua tica, nenhum poder unilateral,visto que seu exerccio implica necessariamente a reao daquele que

    35 Cf., por exemplo, Dodier (2003).

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    obedece ou, se for o caso, resiste. Nesse sentido, os socilogos pragm-ticos partem do princpio metodolgico da reversibilidade potencial dasrelaes de poder que eles estudam, inclusive quando elas parecem es-tveis e estabelecidas. Para eles, faz parte da natureza desse tipo de rela-es, mesmo quando do certo, a possibilidade do fracasso. Isso tem pelomenos duas implicaes. A primeira velar para nunca apagar, na anlisede uma relao de dependncia, de poder e de dominao, a indetermi-

    nao relativa que lhe constitutiva. A segunda no omitir que o poderno existe fora das provas s quais ele d lugar, de modo que essas provasconstituem indubitavelmente a primeira coisa que o pesquisador dessarea deve descrever e analisar36.

    Esses pressupostos metodolgicos explicam por que a sociologia prag-mtica d tanta ateno s competncias crticas dos atores. Somente assim,de fato, o pesquisador pode avaliar a influncia real dos dispositivos de po-der: levando a srio a perspectiva de um questionamento da relao de do-minao, ele pode observar melhor os limites efetivos dos gestos, atitudes efalas que desencadeiam esse questionamento. Prejulgar a eficcia inevitvelda dominao , ao contrrio, inutilizar e, ao mesmo tempo, impossibilitara observao das dinmicas atravs das quais essa dominao , ora contra-riada, ora reforada. Tambm nessa situao, a sociologia pragmtica exigeum nvel de descrio das situaes suficientemente sutil e preciso para queas mnimas veleidades crticas dos atores e os mais imediatos processos que

    as freiam sejam observados pelo pesquisador e analisados.Embora a sociologia pragmtica no se satisfaa em reduzir uma situ-

    ao, seja qual for, a uma distribuio preestabelecida dos papeis de domi-nante e dominado, isso no significa que ela desconhea a existncia dosfenmenos de poder, mas que busca um nvel de descrio desses fenme-nos em que possam ser vistos e analisados enquanto realizaes prticas.

    36

    Cf. Linhardt (2004); tambm o dossi coordenado por Linhardt e Vitale (2012).

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    Mais do que tentar explicar as aes observveis, mobilizando a caixa pretadas !relaes de poder", essa sociologia se interessa pelas prprias aesobservveis na medida em que elasproduzemrelaes de poder37. A caixapreta se encontra ento aberta: as estruturas de poder no so mais consi-deradas como as causas, mas como as resultantes do que observado. Maisdo que pretender esgotar a descrio e a explicao dos comportamentosgraas a uma palavra emblemtica (!poder", !dominao", etc.), o pesqui-

    sador estuda os efeitos de podere os ajustes que os tornam possveis38

    .A sociologia pragmtica assume, portanto, a tarefa de descrever ede compreender como funcionam concretamenteos dispositivos de po-der. Ela se esfora para identificar os apoios concretos empregados, emsituao real, por aqueles que conseguem levar os outros a agir. Ela buscaanalisar como agem aqueles que tentam questionar o vnculo de depen-dncia ou de dominao em que se encontram, assim como os limitesque enfrentam nessa empreitada. Finalmente, ela tenta explicar o traba-lho social atravs do qual o poder se estabelece e se atualiza.

    Como a sociologia pragmticaanalisa as desigualdades sociais

    Como acabamos de lembrar, a sociologia das provas valoriza, emseus princpios metodolgicos, a simetria e a igualdade de tratamento en-

    tre as partes em conflito. Contudo, isso no quer dizer que negue, nas re-alidades que ela estuda, a existncia de assimetrias e desigualdades, mas

    37 Sobre esse ponto, cf. Chateauraynaud (1999); Linhardt (2005).38 Como indica Bruno Latour: !as filosofias e as sociologias do poder incensam, na maioria dasvezes, os mestres que elas pretendem criticar. Elas explicam pela fora do poder o que fazemos mestres, ao passo que esse poder s eficaz pelas cumplicidades, conivncias, acordos emisturas [#] que a noo de poder no explica justamente. Esse !poder" a virtude dormitivada papoula, que faz dormir as crticas at o momento em que os prncipes impotentes se aliam

    com outros, to frgeis quanto eles, para se tornarem fortes." Latour (2011).

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    ela busca investigar o modo como tais simetrias e desigualdades se repro-duzem e tambm, s vezes, se desfazem. Nessa questo, distancia-se cla-ramente da sociologia crtica da dominao, para a qual as desigualdadesconstituem, de certo modo, o ponto de partida da anlise e so utilizadascomo recurso para explicar a ao. Na tica da sociologia pragmtica, asdesigualdades devem, ao contrrio, ser consideradas como um produtoda ao (Derouet, 1992; Normand, 2011; Auray, 2002). No so um re-

    curso explicativo, mas o que deve ser explicado. As consequncias dessapostura so significativas: no nvel analtico, as desigualdades produzidasem provas anteriores podem, com certeza, ter reconhecido seu papelpreditivo (em termos de chances de agir desigualmente distribudas, deque dispem agora os atores), mas no permitem deduzir mecanicamen-te a ao coletiva, tampouco o estado das desigualdades que resultar danova prova; no nvel poltico, reconhecer na desigualdade o resultado daao coletiva e evidenciar que sua reproduo, embora previsvel, nadatem de mecnico um modo de enfatizar nossa capacidade coletiva paracriar mais igualdade real em nossas relaes sociais.

    Este ltimo ponto lembra que simetria e igualdade no so apenasprincpios metodolgicos, mas, muitas vezes, tambm uma reivindicaodos atores. Em De la justification, Boltanski e Thvenot haviam tentadoexplicar essa questo ! ou seja, fazer do ideal de igualdade, tal comomobilizado nas prticas sociais, um objeto de estudo (Boltanski; Thve-

    not, 1991). Entretanto, sua tentativa suscitou incompreenses. Por vezes,considerou-se a descrio que fizeram de um ideal de igualdade caro aosatores como uma afirmao do carter igualitrio das relaes entre essesatores; em outras, eles foram recriminados por pretender que a ao dospoderes pblicos deve forosamente ser igualitarista para poder ter umachance de se impor. Mas eles no fizeram essas pressuposies. certoque perfeitamente exato que a axiomtica dos "mundos# que eles des-

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    crevem repousa em princpios igualitrios, tais como os que denominamhumanidade comum (ou seja, uma igualdade fundamental entre mem-bros) e dignidade comum (um direito que os membros compartilhamigualmente a poder almejar umstatussuperior). Os !mundos", entretan-to, no descrevem o mundo !tal como ele ". exatamente o contrrio,j que, atravs desse conceito, os autores quiseram designar construesideais de que os atores de servem como pontos de apoio externos para

    criticar o estado atual de suas relaes sociais. Desse ponto de vista, se os!mundos" devem desempenhar algum papel na ao coletiva, com certezano porque o mundo social igualitrio, mas justamente o contrrio.O fato de uma ao pblica desigual se impor socialmente no poderiaconsequentemente constituir um desmentido do modelo dos !mundos".O que esse modelo prediz somente que, em nossas sociedades, quantomenos uma ao pblica respeitar os princpios de humanidade comum ede dignidade comum, mais ser passvel de crtica. Isso no quer dizer quetal ao ser unnime ou maciamente criticada, na medida em que, pre-cisamente, mecanismos desiguais podero limitar de um lado, a visibilidadede seu carter desigual e, de outro, a expresso pblica de sua crtica.

    V-se, de passagem, que levar a srio as restries argumentativase de administrao da prova que pesam sobre a ao coletiva nas situ-aes mais pblicas leva a voltar o olhar analtico para a questo dosdispositivos sociotcnicos que limitam ou, ao contrrio, tornam possvel

    o debate sobre certas polticas, iniciativas ou comportamentos e, junta-mente, a visibilidade de seus efeitos (Callon et al., 2001; Linhardt, 2001;Stavo-Debauge, 2011; Cardon, 2013; Benvegnu, 2011). Desse ponto devista, o programa da sociologia das provas no consiste em presumir umaincapacidade crtica naqueles que parecem no se revoltar contra a in-justia ou a desigualdade sofrida, mas em investigar os apoios materiais eorganizacionais que lhes faltam # e que lhes permitiriam dar mais visibili-

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    dade ao carter desigual de certas relaes sociais ou de certas polticas,caso os tivessem. uma sociologia da mobilizao que se produz atravsdo exame do que limita (em inmeros casos) a visibilidade e o debatepblico de situaes problemticas e de desigualdades, mas tambm doque (em certos casos) os torna possvel e os concretiza (Barbot, 2002;Gramaglia, 2008; Lemieux, 2008; Jobin, 2010; Barthe, 2010).

    Como a sociologia pragmtica escapa ao relativismo

    Toda corrente sociolgica e, de modo mais geral, todo mtodo deCincias Sociais pode ser questionado em relao a seu relativismo. Oque seria, de fato, um trabalho de Cincias Sociais que no tivesse ne-nhum momento relativista? Para compreender como a sociologia dasprovas enfrenta essa questo, um teste frequentemente utilizado consisteem perguntar como essa sociologia reagiria se tivesse de tratar um objetoque suscite na maioria das pessoas uma condenao moral espontnea (aquesto do nazismo permanece a mais usual, mas tambm se pode pen-sar no terrorismo da Al-Qaeda, no genocdio de Ruanda, na tortura militarna Guerra da Arglia, nas mutilaes genitais femininas, etc.). Diante deobjetos desse tipo, a atitude de um socilogo pragmtico se obrigara !acompanhar os atores", sejam nazistas, terroristas ou mutiladores, erespeitar o princpio de simetria. Ele se esforaria, portanto, para analisar

    o que fazem esses atores e o que fazem aqueles que os condenam e oscombatem, no prejulgando, a priori, falta de racionalidade dos primeirosem relao aos segundos e atentando para tratar com a mesma !indife-rena metodolgica" os argumentos e pontos de vista dos dois campos.Acrescentemos, por fim, o respeito ao postulado de pluralismo, em vir-tude do qual o socilogo pragmtico deveria admitir que esses atores(nazistas, terroristas, mutiladores, etc.), apesar das aparncias, no so

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    todos iguais, mas que, como cada indivduo, esto sujeitos a contradiesinternas. Essa atitude poderia com certeza ser descrita como relativista.

    Todavia, os socilogos pragmticos lembraro que se trata deprinc-pios metodolgicos, que no os impedem, evidentemente, de fazer seusprprios julgamentos de valor acerca dos fenmenos estudados. Pode-seat mesmo ir mais longe: existem, na sociologia pragmtica, dois ele-mentos tericos que permitem v-la como uma postura antirrelativista.

    O primeiro, extrado dos trabalhos iniciados por Boltanski e Thvenot,est ligado ideia de !senso de justia" e ao princpio de que certos ar-gumentos, quando expressos em situaes pblicas, so de fatomais cri-ticveis do que outros. O que se reconhece, nesse caso, a existncia derestries argumentativas e de administrao da prova, tanto mais fortesquanto mais pblicas as situaes, que fazem com que, na viso dos ato-res, nem todas as aes podem se equivaler, nem todas as condutas soigualmente aceitveis e que algumas devem ser julgadas unanimementeescandalosas ou degradantes e no devem serem toleradas. O que estem jogo aqui !acompanhar os atores" at o fim, em particular, at o mo-mento em que se mostrem resolutamente antirrelativistas e se autorizema produzir julgamentos de valor e a hierarquizar as condutas. Ora, essesmomentos de reflexividade moral obedecem a regras compartilhadas eremetem a expectativas (mais ou menos) comuns: o que faz com que osjulgamentos aqui produzidos no sejam totalmente subjetivos ou arbitr-

    rios. V-se, de passagem, que talvez certos autores no hesitem em quali-ficar de !relativista" o modelo desenvolvido em De la justification (Pharo,2004)porque se focam demais no postulado de pluralismo estabelecidopelos autores # que defendem principalmente a ideia de que os diferen-tes !mundos" que eles descrevem no podem ser hierarquizados entresi. Ao faz-lo, eles no atentam suficientemente para o fato de que, paraalm de sua diversidade, todos os !mundos" obedecem a uma mesma

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    axiomtica igualitria, testemunhada, em cada um deles, pelos princpiosde humanidade comum e de dignidade comum39.

    O segundo obstculo ao relativismo est mais estritamente ligado noo de prova tal como trabalhada pela antropologia das cincias e dastcnicas. Ele consiste em considerar que o mundo oferece aos seres hu-manos resistncias e desmentidos prticos s suas definies da realidade. o que faz, por exemplo, com que a vitria da teoria de Pasteur sobre a

    da !gerao espontnea", defendida por seu adversrio Pouchet, no sejaarbitrria: Pasteur consegue provas # por exemplo, quando as esterilizaesque ele efetua se revelam eficazes # nas quais seu colega fracassa40. Desseponto de vista, nem todas as definies da realidade se equivalem # umvalor desigual que, entretanto, no deve ser reificado ou prejulgado a prioripelo pesquisador, mas compreendido, ao contrrio, como o resultado deprovas, podendo ser novamente posto prova. Em outras palavras, h rea-lidades que se revelam mais !reais" do que outras, porque resistem melhors provas de todo tipo a que so submetidas. Por exemplo, se a sociologiapragmtica se esforasse para propor uma anlise simtrica da controvrsiagalileana entre geo e heliocentrismo, tudo leva a crer que demonstraria,pelo vis dessa anlise, que o dispositivo de provas dos geocentristas nopodia resistir(de fato, mas no de direito) s provas de realidade a que foisubmetido sistematicamente a partir do sculo XVI.

    A considerao, de um lado, da falta de aceitabilidade (que pode in-

    duzir ilegitimidade) de certos argumentos em pblico e, de outro lado,da existncia de provas de realidade delineia definitivamente a orientaonormativa da sociologia pragmtica. Essa sociologia enfatiza a importn-cia, para produzir coletivamente a verdade, dasprovasnas quais as verda-des mais institudas so verificadas # isto , confirmadas ou desmentidas.

    39 essa posio no relativista que autoriza, por exemplo, Boltanski e Thvenot (1991) a ca-racterizarem o valor eugnico como intrinsecamente ilegtimo.40

    Latour (1989). Nessa mesma perspectiva, cf. Lagrange (1990); Rmy (1993).

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    Ela destaca igualmente a necessidade, para produzir coletivamente maisjustia, de desenvolver espaos pblicos onde cada indivduo possa, comprocedimentos contraditrios, testar a aceitabilidade dos argumentos queele defende em relao a ideais igualitrios. Assim, finalmente na pr-tica, atravs de sua prpria maneira de conduzir a pesquisa sociolgica(acompanhamento dos atores, princpio de simetria, etc.) que o socilogopragmtico demonstra preferncia por relanar a crtica e pr novamente

    as certezas prova de sua verificao coletiva.

    Como a sociologia pragmtica critica o mundo social

    A sociologia das provas tem um olhar crtico sobre o mundo social,embora se apoie em uma concepo muito diferente daquelas que, porsua vez, a sociologia dita !crtica" defende no que diz respeito tanto sociologia quanto crtica social e a suas relaes mtuas (Barthe; Le-mieux, 2002; Trom, 2012; Dodier, 2012). Mais do que isso, os socilogospragmticos se propem a experimentar um novo tipo de envolvimentocrtico em sociologia, partindo precisamente dos limites e dos impassesda sociologia crtica.

    Quais so esses limites ou impasses? Com frequncia se pensa queos socilogos das provas discordam dos socilogos crticos sobre o con-tedo das crticas que estes fazem ao mundo social, ou ento por causa

    da veemncia e do carter peremptrio de tais crticas. Esse modo deinterpretar a oposio das duas sociologias tranquilizador porque per-mite posicion-las em um eixo poltico # uns representam o polo radical,os outros, o do acordo. Entretanto, vale sublinhar que o que a sociologiapragmtica recrimina na sociologia crtica, em primeiro lugar, no tantosua radicalidade poltica, mas sua falta de radicalidade sociolgica. Emoutros termos, o fato de no conseguir mais propor um ponto de vista

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    analtico que permita ao socilogo fazer uma crtica diferentedaquela dosatores que ele estuda ! no poder mais, em suma, acrescentar valor aotrabalho crtico que seus contemporneos efetuam.

    Se a sociologia crtica perdeu sua radicalidade sociolgica e, ao faz--lo, sua originalidade crtica, foi, sem dvida, porque vivemos em socie-dades cada vez mais "sociologizadas# (retomando uma expresso de An-thony Giddens) e mais crticas, como revela a banalizao do vocabulrio

    dos interesses, das estratgias, da dominao simblica ou das desigual-dades, de que tratamos nas pginas anteriores. Por essa razo, o poder derevelao que conferia outrora sociologia crtica um lugar eminente noexerccio da crtica social diminuiu consideravelmente41.

    A sociologia pragmtica parte dessa constatao para propor um es-foro analtico e reflexivo extra, capaz de alar a anlise sociolgica aonvel em que possa novamente dizer algo diferente dos outros atores. Esseesforo pode ser decomposto em trs etapas: 1) comea por uma inves-tigao para descrever, precisamente, o que dizem e fazem os atores, afim de explicitar suas competncias crticas e acompanhar seu desenvol-vimento em situao concreta. preciso esclarecer que, nesse trabalhode investigao, importa acompanhar a totalidade dos "campos# ou, pelomenos, no atribuir a um deles, a priori, competncias que o outro notenha (princpio de simetria); alm disso, trata-se de descrever os apoiosmateriais de cada um para provar o que ele afirma ou justifica publica-

    mente (princpio de racionalidade). 2) Ele prossegue com uma anlise

    41 Esse diagnstico no deixa de repercutir o que certos socilogos pragmticos, investigandoas competncias crticas na Frana em meados dos anos 1990, identificaram pelo nome de"crise da crtica# (Cardon; Heurtin, 1999; Boltanski; Chiapello, 1998; Parasie, 2008). Por meiodesse termo, eles buscavam mostrar que uma radicalidade poltica que no repousa mais emarcabouos empiricamente sustentados est condenada impotncia crtica ou a uma radica-lidade cada vez mais dissociada da prpria prova sociolgica (Trom, 2008). A visada crtica dasociologia pragmtica pode ser compreendida nesse sentido como um esforo para fazer com

    que a crtica se exera sobre o monde social.

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    de como tais competncias so estimuladas ou obstrudas nos atores es-tudados pelos dispositivos nos quais eles operam ou que os confrontam:que tipos de provas esses dispositivos permitem? Quais no permitem?Que tipos de contradies surgem? Cabe investigao, nesse caso, re-velar eventuais assimetrias no desenvolvimento das competncias entreos atores e em sua capacidade para dispor de certos apoios materiais eorganizacionais para agir, julgar e provar. 3) Ele se termina ! oupodese

    terminar ! pelo levantamento dos pontos que, se fossem modificados nosdispositivos estudados, diminuiriam a chance de os atores subestimarem,como pode ocorrer atualmente, certas contradies, ou de escaparem acertas provas, e/ou ampliariam suas capacidades crticas ou seu acesso acertos apoios materiais e organizacionais42.

    Essas trs etapas, aqui distinguidas por razes de comodidade, acar-retam uma tripla definio do alcance crtico da sociologia: 1) Crtica aocentrismo intelectual e s pretenses indevidas do poder intelectual. Trata--se, primeiramente, de mostrar o trabalho da crtica tal como j operasemprenos atores, descrevendo suas operaes e "compreendendo-o#no sentido sociolgico do termo (isto , no o criticando imediatamentecomo defeituoso, infundado, ilusrio, etc.). Esta uma maneira de o so-cilogo criticar a pretenso injustificada dos socilogos (mais geralmente,dos intelectuais) que imaginam deter o monoplio da crtica legtima so-bre o mundo social. 2) Crtica ao conservadorismo e recusa ao confronto

    pblico.Trata-se, em seguida, de mostrar que o trabalho da crticasempreencontra limites nos atores, porque os dispositivos materiais e organiza-cionais em que eles operam, ou atravs dos quais eles se opem, nolhes permitem desenvolver completamente suas competncias crticas,

    42 Cf. por exemplo, as concluses de obras tais como Callon et al. (2001); Boltanski e Chiapello(1998); Latour (1999); Lemieux (2000), ou ainda o artigo de J. Stavo-Debauge (2003; 2004)intitulado Les vices d!une inconsquence conduisant l!impuissance de la politique franaise delutte contre les discriminations, publicado em duas partes.

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    revelar plenamente certas contradies e/ou ter acesso a certos apoios dojulgamento e da ao ou aos meios de produzi-los. Esta uma maneirade o socilogo demonstrar seu desacordo com os atores que pretendemque, no que tange ao objeto que os interessa, a crtica j est feita e noprecisa mais ser refeita, que no (ou no mais) til; e/ou que aquelesque continuam querendo criticar no tm bons motivos para faz-lo (so!irracionais", no !compreenderam" as garantias que receberam, etc.).

    Em suma, como dissemos anteriormente, o socilogo mostra aqui suapreferncia por relanar a crtica e por colocar as certezas prova de suaverificao coletiva. 3) Crtica recusa da sociedade em assumir suasconsequncias prticas.Por fim, considerando as anlises feitas sobre umobjeto, trata-se de sugerir # ou, pelo menos, poder faz-lo # mudanasmateriais e organizacionais que tornem os dispositivos mais aptos a auxi-liar os atores a desenvolverem eles mesmossua crtica e a manifestarem ascontradies que precisam administrar na prtica43. Essa tripla redefiniodo alcance crtico da sociologia evidencia que a verdadeira radicalidadepoltica determinada pela radicalidade sociolgica, e no o contrrio.

    Ao final deste percurso, sabemos mais sobre a especificidade doestilo pragmtico em sociologia? Esperamos ter ao menos dissipado al-guns mal-entendidos. Considerada de perto, a sociologia das provas ao mesmo tempo muito mais banal, em certos aspectos, e muito maisoriginal em outros. Mais banal, porque grande nmero de seus postula-

    dos, de suas metodologias de investigao e de suas ambies se baseiana tradio sociolgica mais clssica # sobretudo de obedincia america-na, mas incorporando, com bastante frequncia, influncias europeias,durkheimiana e weberiana em primeiro lugar. Mais original tambm por-43 O efeito poltico da Sociologia se traduz ento em termos de empowermentdos atores e, aomesmo tempo, de autoesclarecimento dos processos crticos nos quais eles esto envolvidos.Esse efeito passa pela figura privilegiada da crtica interna, isto , de uma crtica que se apoiamais no prprio senso moral dos atores do que lhes opor, como faz a crtica externa, ideais

    normativos alheios a eles. Cf. Lemieux (2000).

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    pode dizer onde ela termina, talvez se devesse insistir na dupla inversode perspectiva que ela defende ao relanaro projeto sociolgico: de umlado, recusa-se a ver na ao ou na atividade social !o produto necessriode um determinismo ou de uma racionalidade44, enquanto v a concreti-zao de obrigaes sociais ou de expectativas compartilhadas; de outro,deixa de fazer das noes clssicas " como poder, interesse ou dominao" recursos explicativos, concebendo-as, acima de tudo, como os efeitos

    observveis e, portanto, descritveis, das situaes e das prticas nas quais,e em relao s quais, cada um de ns est envolvido.

    Yannick Barthe, Damien de Blic, Jean-Philippe Heurtin, Eric Lagneau, CyrilLemieux, Dominique Linhardt, Cdric Moreau de Bellaing, Catherine Rmy,Danny Trom so pesquisadores ou professores, nas reas de sociologia ou cinciapoltica, associados cole des Hautes tudes en Sciences Sociales, Paris, Frana.Seus trabalhos abrangem uma ampla gama de objetos e temas. Mas todos se re-conhecem nas opes metodolgicas defendidas neste artigo.

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    de !nova sociologia da ao$.

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