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SIGNIFICADOS, IDENTIDADES E NARRATIVAS : Uma Experiência
Cultural na Educação de Surdos
Autora: L i l ian Deife Vie ira de Miranda1
Or ientadora: Suel i Fát ima Fernandes2
Resumo
Este estudo apresenta os resultados do projeto de pesquisa desenvolvido no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná, que teve como objeto de estudo as relações entre Identidade, Língua e Cultura na constituição dos surdos como suje itos sociais. As mudanças sociais sol icitam dos meios educacionais o respeito às diferenças e, neste estudo, nos ocupamos da ref lexão -açãoresultante da consciência das especif icidades linguísticas e culturais da comunidade surda. Dentre as fases previstas do programa, a elaboração do Caderno Pedagógico sob o tema ʺCultura Surda em Foco ...ʺ subsidiou o Projeto de Intervenção realizado na Escola de Educação Especial da APÁS, envolvendo vinte e cinco alunos jovens e adultos surdos. Orientados pela perspectiva dos Estudos Surdos em Educação, procuramos analisar como os sujeitos surdos têm parti lhado suas impressões, experiências, angústias e medos num momento histórico e social em que as polít icas inclusivas provocam o ʺapagamentoʺ da Cultura Surda e das diferenças l inguíst icas e culturais do Povo Surdo. À medida que foram sendo discutidos temas relat ivos às identidades e signif icados dos artefatos representat ivos da Cultura Surda, percebeu-se a ruptura na postura identitária dos alunos, deslocando-os do lugar da submissão ao lugar da sua identif icação como sujeito com contribuições culturais em diversos contextos sociais .
Palavras-chave: Identidades Surdas; Língua de Sinais; Cultura; Comunidade Escolar.
1Educação Bilíngue para Surdos, Artes Visuais e Pedagogia,Escola de Educação Bilíngue para Surdos da APÁS.
2Doutora em Letras (UFPR), Mestre em Linguística (UFPR), Professora do Setor de Educação/DTFE da UFPR.
1 Introdução
Iniciar esta escrita acerca da Cultura Surda e de seus artefatos
Culturais tem sido um grande desafio. Ao propor determinada
abordagem para tratar as questões relat ivas ao tema da ʺsurdezʺ o
pesquisador acaba por ref letir sua própria concepção e a forma co mo
ele próprio a considera: Diferença? Alteridade? Deficiência? Porém,
nesta escrita, procuraremos abordar os temas a partir da fala e da
análise do próprio sujeito objeto de nossa ação. Mas, como os ʺSurdosʺ
se veem? Que formas encontram para se representar?
Nos últ imos anos, encontramos certa disputa, onde estudiosos
da área da linguagem procuram fornecer uma solução para o problema
de comunicação dos Surdos. De modo geral, estas se dividem em duas
concepções: uma respaldada pela Medicina/Audiologia, que vê o Surdo
como deficiente e procura normalizá-lo, oferecendo recursos
tecnológicos (aparelhos audit ivos, implantes cocleares, a f im de fazê-
loʺouvir e falarʺ), conhecida como ʺOralismoʺ , outra, nascida nas
Ciências Humanas e Sociais que vê o Surdo como um sujeito que se
constrói social e culturalmente, quando em contato com sua língua e
comunidade. Assim a ʺCultura Surdaʺ passa a dar voz e visibi l idade a
esta diferença: a diferença surda.
A sociedade tem discutido o papel das ʺnormas sociaisʺ na vida
dos indivíduos e até que ponto estas autorizam a segregação, uma vez
que são elas que normatizam a sociedade.O ʺSurdoʺ , desta forma, é
descrito nas normas desta sociedade como um elemento que foge as
suas regras, identif icado ao papel de excluído. O ra, se o sujeito não se
comunica através da fala, então ele foge às regras e automaticamente
é excluído dos padrões normais. Assim, fazer com que o sujeito Surdo
passe de ʺdeficienteʺaʺdiferenteʺ não é tão simples como pode parecer.
Implica estabelecer novas regras, novos padrões e mudanças sociais.
Aqui entra o papel do Surdo em ser protagonista e estar à frente
dessas mudanças. E é isto que tem se buscado nos últ imos anos,
através de pesquisas e trabalhos como este: que o fenômeno de não
ouvir deixe de ser concebido como patologia e se transforme em
fenômeno social. O ʺsurdoʺ passa a ser o ʺSurdoʺ como cita Moura
(2000) marcando ideologicamente o termo para sujeitos que integram
uma ʺCultura Surdaʺ própria que os identif ica através do uso da língua
de sinais.
Com o intuito de oferecer possibi l idades de reconhecimento dos
elementos que constituem a Cultura Surda, que por sua vez apoiam e
constituem a formação da identidade do sujeito, os Estudos Surdos em
Educação tem ocupado espaço nas discussões de grupos de Surdos e
de Ouvintes interessados em construir uma nova concepção acerca das
diferenças. Na educação, essa perspectiva epistemológica vem
desembocar nos discursos e nas investigações com vistas à proposição
de um currículo enquanto território de constru ção educacional e de
proposições polít icas, buscando-se a desconstrução das
representações clínicas da surdez, p rivi legiando e posicionando os
Surdos como membro de um grupo cultural e l inguístico diverso. Neste
sentido, é necessário discutir e problematizar nossas prát icas, tendo
como eixo curricular elementos presentes na Cultura Surda e que a
ilustram, a f im de provocar e despertar nos alunos Surdos, uma nova
possibil idade de se signif icar como sujeitos, compartilhando e
convivendo com sua comunidade como forma de realizar sua
identif icação com a cultura, os costumes, a l íngua e pri ncipalmente as
suas diferenças.
Em que pese esse reconhecimento identitário e cultural,
inúmeros equívocos vêm ocorrendo nas esferas polít icas e legislat ivas
em relação ao futuro da Educação dos Surdos no país, ref letindo na
forma de se pensar e praticar uma educação excludente. Defendemos
problematizar e comparti lhar teorias de contextos culturais que
apaguem a ideia hegemônica que reconhece e enquadra o sujeito
Surdo como deficiente e desprovido de cultura, no intuito de devolver o
poder e a escrita da sua história aos próprios Surdos. Assim, e apenas
assim, estaremos falando de inclusão no seu mais amplo signif icado. E,
para isto, ninguém melhor que os próprios sujeitos, os pr otagonistas,
propondo a construção de sua nova história.
2 A Escola de Surdos Enquanto Território de Cultura e Identidade
Foucault af irma que ʺo poder não é monopolizado por um centro.
O poder não está em um único ponto ou lugar, ele circula, sendo
disposto e exercido através de uma organização em redeʺ .
(FOUCAULT, 1986). Assim, o poder precisa ser pensado não apenas
como força negativa. Ele não apenas reprime, mas também impulsiona,
produz coisas, produz discursos. Isto também ocorre nos grupos
minoritários, como é o caso da Comunidade Surda, pois direta ou
indiretamente, mantém contato com a cultura da maioria que, portanto,
é a dominante. Estes lhes repassam modelos e comportamentos,
hábitos e costumes aos quais os Surdos reproduzem. Nesse contexto
elaboram-se verdades sobre os sujeitos Surdos e sua educação: ʺA
verdade não existe fora do poder. Cada sociedade tem o seu regime de
verdade, a sua polít ica geral de verdade; isto é, os t ipos de discurso
que acolhe e faz funcionar como verdadeirosʺ (FOUCAULT, 1986,
p.13).
Para que possamos compreender as identidades e as diferenças
mediante a ʺótica das relações de poder ʺ , é preciso compreender que
estas perpassam a ótica simplista de meramente respeito ou tolerância:
A diferença não é uma caracterís t ica natura l ; e la é d iscurs ivamente produzida. Além disso, a d i ferença é sempre uma re lação: não se pode ser d iferente de forma absoluta; é -se d iferente re lat ivamente a a lguma outra coisa, cons iderada prec isamente como não-diferente. Mas esta outra coisa não é nenhum referente absoluto, que ex ista fora do processo de s ignif icação (SILVA, 2002, p.87).
Desta forma, o outro que foge da regra do que está e stabelecido
como normal, passa a ser entendido como anormal por aquilo que
estáhistoricamente construído e pelo fato de não ʺfuncionarʺ como a
maioria.
Para Skliar (2004, p.17):
Trabalhar a par t i r da concepção das d iferenças impl ica uma contrapos ição ao conceito de ʹdi ferencia l ismo ʹ que s implesmente aceita esse ʹoutro d iferente ʹ , aproximando-o ao máximo dos padrões da normal idade e te ntando fazer a lgo que e le não é.
O autor destaca a opção em se pensar a educação de Surdos e
a educação em geral a part ir da discussão acerca das ʺdiferençasʺ ,
num sentido amplo de diversidade. E aqui se coloca a discussão na
língua de sinais, uma vez que só por meio dela, adquirida em qu alquer
idade, o sujeito Surdo constituirá uma identidade surda, já que ele não
é ouvinte (PERLIN,1998; MOURA, 2000). Usar a l íngua de sinais com
outro Surdo é o que define esta identidade. É na interação entre
Surdos que usam a língua de sinais, que ocorre às possibil idades de
compreensão, signif icação e diálogo, assim como ocorre entre os
ouvintes. À medida que estas trocas vão acontecendo entre os grupos
sociais, as identidades vão sendo formadas, pois identidade é uma
construção permanente.
Acrescidas as questões de identidade, elencamos categorias que
vêm i lustrar essas relações de troca e de interações ocorridas no
encontro das culturas e que produzem suas marcas como ʺapetrechosʺ
ou ʺartefatosʺ que enriquecem, signif icam e dão sentido às v ivências
Surdas. Assim, e apenas desta forma, devolvendo a ʺvozʺ aos seus
legítimos donos, no caso os Surdos, poderemos pensar em escreve r
novo capítulo desta história.
Entendendo que não há uma cultura superior e sim que existem
ʺdiversidades culturaisʺ , o Surdo poderá ser compreendido como sujeito
que uti l iza estratégias de apreensão e expressão diferenciadas,
constituindo a sua própria cultura. Porém quando falamos em Cultura
Surda, percebemos muitas vezes que causamos uma sensação de
estranhamento dos sujeitos, frente a essa perspectiva. Será que existe
uma ʺCultura Surdaʺ? Será que esta ʺ l inguagem das mãosʺ é uma
língua? Estes questionamentos são comuns por grande parte das
pessoas, inclusive por muitos educadores que por desconhecerem a
cultura surda acabam por concluir que o Surdo é um ser desprovido de
língua, cultura e identidade, assim, incapaz de aprender, e não
pertencente ao grupo de pessoas capazes da sociedade.
Estas concepções remetem ao sentimento e a necessidade de
homogeneidade presentes na nossa cultura, onde se pr etende igualar,
normalizar ao máximo os sujeitos apagando suas diferenças para que,
num sentido mais amplo, possa se exercer o poder de forma velada.
Assim, seguimos ajustando, podando, extirpando tudo aquilo que pode
provocar estes estranhamentos, sempre numa busca de segurança as
nossas inseguranças frente ao diferente.
Segundo Hall (1999, p.76), ʺas identidades culturais surgem do
nosso pertencimento a culturas étnicas, raciais, l inguíst icas, religiosas
e acima de tudo, nacionaisʺ . Considerando-se a experiência de
pertencimento, o concei to de diferença numa concepção Surda de
cultura prevê a ideia na qual a comunidade Surda se posiciona como
grupo minoritário. Assim, Strobel, educadora Surda, professora
universitária mil itante pela causa surda, nos coloca:
Povo surdo é o conjunto de suje itos que não habitam no mesmo local, mas que estão l igados por uma or igem, ta is como a cul tura surda, costumes e interesses semelhantes, h istór ias e tradições comuns e qualquer outro laço. (STROBEL, 2006, p.8) .
Como vemos, surge a ideia do ʺSer Surdoʺ , caracterizando a
experiência do ser na diferença (PERLIN e MIRANDA, 2003, p.217).
ʺDelineando novos rumos diante destes conceitos àideia de bil inguismo
se f irmou como modelo e modalidade de ensino na educação de
surdosʺ . Depois de adotado na Europa e nos Estados Unidos, o
bil inguismo começou a ser difundido no Brasil em meados da década
de 90, tendo como pressuposto básico o uso da língua de sinais, l íngua
natural dos surdos, como primeira l íngua e a língua portugue sa como a
segunda língua. A partir de Fernandes (2011), é nadécada de 1960 que
os movimentos sociais organizados pelas comunidades surdas rogam
pelo reconhecimento de sua língua natural, o que os aproximou dos
grupos minoritários como o grupo de indígenas e quilombolas. Nas
décadas f inais de século XX, circunstanciada pelos movimentos sociais
de inclusão em nível mundial, os Surdos passam a lutar pelo
reconhecimento polít ico de sua condição de minoria l inguística.
Com a sistematização dos estudos linguíst icos das Línguas de
Sinais, a ideia de que estas eram apenas códigos e mímicas passa a
ser questionada, e demonstra-se que, além da sua complexidade
gramatical e funcional, existem aspectos culturais envolvidos em sua
organização. O l inguista pioneiro a estudar as l ínguas de sinais é
Will ian Stokoe e seus estudos sobre a American SignalLanguaje– ASL
(Língua de Sinais Americana). Seguindo seu exemplo ,linguistas do
mundo inteiro passam a dedicar seus estudos às línguas de sinais de
seus países.
No Brasil, os Surdos que convivem em suas comunidades têm a
possibil idade de interagir com seus pares ut il izando a Língua Brasileira
de Sinais – LIBRAS. Desta interação surge à possibi l idade de manter
viva a identidade cultural do Sujeito Surdo.
A part ir da década de 1990, começa a ser discutido no Brasil o
direito à educação bil íngue, isto é, a incorporação ao espaço escolar
da situação linguística que colocam a LIBRAS – como língua de acesso
ao conhecimento – complementarmente à língua portuguesa como
segunda língua no currículo escolar.
O Paraná tem se mostrado participante e reconhecedor das
causas dos movimentos Surdos em favor de sua língua, educação e
direitos, tendo sido pioneiro em oficializar a Libras, pela Lei Estadual
nº12095/98.
Desde então, temos visto no cenário educacional inúmeros
artigos, teses e documentos que defendem a maior participação dos
Surdos nas questões educacionais e sociais. Fernandes (2011), af irma
que isto ocorre devido à posição socioantropológica que muitos autores
surdos e ouvintes defendem e que posicionam o foco no sujeito e não
mais na deficiência. Assim, a palavra Surdo é ideologicamente
marcada. Assim, marca-se uma nova etapa na Educação de Surdos.
Para compreender a Cultura Surda é preciso se envolver com
ela, compart ilhar algumas das suas experiências, como pensar através
de imagens e traduzir tudo isto com o rápido movimento das mãos,
numa língua rica e repleta de signif icados e possibi l idades. Podemos
af irmar que part i lhar desses momentos é uma experiência única na vida
de um professor ouvinte.
São muitas as formas de representação de uma cultura. Quando
falamos de uma cultura visual, como é o caso da Cultura Surda,
precisamos mergulhar no seu universo, nas suas conversas diárias, em
suas artes, seus mitos, sua forma de entender o mundo. Não é
suficiente conhecer a Libras para atuar efetivamente como educador de
alunos surdos. É preciso conhecer a Cultura Surda , através da vivência
e participação na comunidade Surda, aceitação da diferença e
paciência para inteirar-se nela (VILHALVA,2007).
Sujeitos ouvintes que, na maioria das vezes, constituem o grupo
familiar e social dos Surdos, devem ser convidados a parti lhar da sua
cultura, ref let indo numa prática intercultural, numa relação de troca,
respeitando e valorizando suas diferenças. Para Strobel (2009, p.123):
Os motivos para os suje i tos ouvintes dec id irem conhecer e promover a cul tura surda é que com isto podem fortalecer a imagem da marca surda na vida soc ia l , aumentar a credib i l idade com a relação ao povo surdo e exal tar o re lac ionamento com a comunidade Surda.
Assim sendo, apresenta algumas sugestões para que se possam
compreender suas peculiaridades:
Visitar e frequentar as comunidades surdas: associações, igrejas,
convenções, escola de Surdos, eventos esport ivos, teatros e
outros;
Conviver com os sujeitos Surdos em situações informais e
formais;
Pesquisar e estudar l ivros ou mater iais informativos do Povo
Surdo;
Conhecer e ler sobre todos os ar tefatos culturais do Povo Surdo;
Procurar respeitar e valorizar as diferenças culturais do Povo
Surdo tendo uma construção intercultural, isto é, uma troca,
comparti lhamento e uma aproximação harmoniosa entre as
culturas;
Respeitar os espaços conquistados pelos Sujeitos Surdos
enquanto estão em produção cultural.
3 Situando os Sujeitos e a Pesquisa
O grupo de estudantes atendidos pela escola é constituído por
alunos surdos com a faixa etária de 15 a 60 anos, de ambos os sexos,
porém com predominância do sexo masculino. Todos os estudantes
util izam a Libras com f luência, caracterizando-a como a língua principal
na comunicação entre os alunos da escola. Muitos Surdos fazem uso
também da língua oral, porém observa-se sua identif icação cultural com
a língua de sinais. Grande parte dos alunos da escola não está letrado
o que constitui uma grande barreira social, uma vez que não podem
exercer plenamente seus direitos de cidadania.
Cabe salientar que os alunos ingressam na escola da APÁS
após sucessivos fracassos escolares em outras escolas. Os alunos que
chegam à escola são oriundos de encaminhamentos efetuados por
diversas inst ituições como: a Fundação de Ação Social - FAS, Centros
Municipais de Atendimento Especializado, Secretarias de Educação:
Estadual, Municipal e Região Metropolitana e comunidade em geral.
Um percentual dos alunos já esteve internado por problemas
comportamentais, distúrbios de ordem afetiva, por apresentar
agressividade no núcleo familiar, resultado do pouco estímulo e da
falta de comunicação por parte das famíl ias.
Em síntese, o atendimento escolar a alunos Surdos jovens e
adultos não se refere somente a uma característ ica etária, mas à
diversidade sociocultural de seu público, que demandam uma educação
que considere o tempo, os espaços, sua cultura e a comunicação
através da Libras.
A ideia da formação de um Grupo de Cultura surge por questões
que emergiam durante conflitos vividos na escola, conflitos que na
grande maioria estavam relacionados à forma de compreender e de
parti lhar situações cotidianas que somente o surdo parti lha. As formas
de organização social e cultural parti lhadas, quando reunidos em
grupos apenas de surdos, em muito divergiam das regras, costumes e
maneiras de organização adotados por sujeitos que não parti lhavam da
mesma experiência visual: os ouvintes. Neste grupo, incluíam-se todos
os professores da escola. Observou -se, que residia justamente nesse
ponto do ʺEncontro da Culturaʺ , o primeiro passo para se construir a
tão sonhada Escola Bil íngue. Assim, a escola pensada também e pelo
próprio sujeito a que se destina a exi stência da escola: o próprio
Surdo.
A construção da identidade do sujeito Surdo esta relacionada às
praticas sociais e interações discursivas ao longo da vid a e dentro da
cultura: na escola na famíl ia, no trabalho, com os grupos de amigos.
Membros de uma cultura surda se comportam como as pessoas surdas,
usam a língua da sua comunidade e compartilham das crenças das
pessoas surdas entre si e com as outras pessoas que não são surdas.
Por esse motivo falar em Cultura Surda signif ica também evocar uma
questão de identidade; um Surdo estará mais ou menos próximo da
Cultura Surda a depender da identidade que assume dentro da própria
cultura. Os Surdos que assumem a identidade Surda são representados
por discursos que os veem capazes como sujeitos culturais, uma
formação de identidade que só ocorre entre os espaços culturais
Surdos.
Para que o Surdo possa reconhecer-se em sua identidade surda
é importante que ele estabeleça o contato com a sua comunidade,
como forma de realizar sua identif icação com a cultura, os costumes a
l íngua e principalmente sua diferença.
Dalcin (2006) entende que a interação com a comunidade surda
permite sair do lugar do diferente, do excluído, do estranho, do
estrangeiro, para o de ʺpertencimento ʺ , um lugar em que se encontram
como iguais, sentem-se entendidos e efetivamente conseguem
estabelecer uma relação de troca. Este encontro com a cultura coloca o
Surdo em contato com as coisas que para ele são signif icativas e o
constituem como sujeito: seus costumes, suas histórias, tradições
comuns e interesses semelhantes.
Padden e Humphries(1988), autores Surdos americanos, af irmam
que uma ʺComunidade Surdaʺ é um grupo de pessoas que vivem no
mesmo local, part i lham os objetivos comuns de seus membros e que,
por diversos meios, trabalham para alcançar seus objetivos. Uma
Comunidade Surda pode incluir pessoas que não são elas próprias
surdas, mas que apoiam ativamente os objetivos da comunidade e
trabalham em conjunto para alcançá-los. Uma cultura é um conjunto de
comportamentos apreendidos de um grupo de pessoas que possuem
sua própria l íngua, valores, regras de comportamento e tradições
culturais. É no grupo social que o sujeito exercita suas representações
e dá forma a suas subjet ividades, assim a comunidade desempenha
relevante papel de mediação da constituição das identidades .
Desta forma,as estratégias adotadas consist iam em trazer a
discussão todo o processo histórico e cultural percorrido pela
comunidade surda desde a antiguidade até os dias atuais e suas
consequências sobre a concepção da educação dos Surdos hoje, bem
como a discussões de temas referentes aos artefatos culturais do povo
Surdo, que representam a forma com que o Surdo se manifesta e seus
adereços de cultura com o próprio sujeito representante: o aluno Surdo,
já que não existiam educadores Surdos na escola nesta época.
Para viabilizar essa ação, este projeto contemplou a produção
de um material didático, sob a forma de Caderno Pedagógico, int itulado
ʺCultura Surda em Focoʺ , que abordaria, didática e dialogicamente,
conteúdos referentes à Cultura Surda e seus artef atos representativos,
com base em (STROBEL, 2009) e sob a ótica dos Estudos Surdos em
Educação.
Strobel, em seu livro ʺAs Imagens do Outro Sobre a Cultura
Surdaʺ(2009), narra alguns elementos importantes que ilustram a
cultura do Povo Surdo. Estes elementos que vêm a constituir a cultura
de um povo são chamados de ʺArtefatos Culturaisʺ .Para a autora:
A Exper iênc ia v isual s ignif ica a cultura surda representada pela ut i l ização da v isão, em subst i tu ição tota l à audição, como meio de comunicação. Desta exper iênc ia v isual surge a cultura surda representada pela l íngua de Sinais, pelo modo diferente de ser, de se expressar , de conhecer o mundo, de entrar nas ar tes , no conhec imento c ient í f ico e acadêmico. A cultura surda compor ta a l íngua de s inais, a pre sença de intérpretes, de tecnologia de le itura, entre outros aspectos. Os surdos percebem o mundo de maneira d iferente, a qual provoca ref lexões de sua subjet iv idade: De onde viemos? O que somos? E para onde queremos ir? Qual é a nossa ident idade? (Strobel , p. 57)
Toda cultura conta com elementos que a constituem. Assim, o
Surdo também possui suas manifestações culturais, os seus artefatos,
um pouco diferentes dos artefatos da cultura ouvinte. Isto acontece
devido à forma de perceber, entender e se manifestar visualmente que
é uma forma muito peculiar quando se fala em Cultura Surda.
4 Grupos de Cultura: Encontros e Desencontros na Visão do
Sujeito Surdo
Para dar início aos Encontros de Cultura, procuramos organiza r
o conteúdo através da produção de material didático que se
intitulouʺCultura Surda em Focoʺ . Assim, foram discutidos e abordados
sob a forma de of icinas pedagógicas e de criação alguns dos artefatos
culturais da Cultura Surda que são entendidos como i lus trações da
cultura, sendo eles:
O artefato da experiência visual, que constitui os Surdos como
indivíduos que percebem o mundo através dos olhos;
O artefatol inguístico, que se refere à criação, ut il ização e difusão
das línguas de sinais; vida social e fami liar;
O artefato das artes visuais, l iteratura e teatro Surdo, sendo que
as atividades dramáticas produzem uma série de eventos e falas
que constituem uma memória histórica.
As atividades propostas nas of icinas pretenderam discutir e
problematizar as produções de caráter social e cultural que são as
manifestações da Cultura Surda: pintura, escultura, poesia, narrativas
de histórias, teatro, piadas, humor, cinema, história em quadrinhos,
dança, artes visuais, vida social e esportiva. Nesse contexto, a l íngua
de sinais existe compreendida não apenas como uma das formas
possíveis de comunicação,mas também como linguagem performática
que extrapola o código l inguíst ico, assumindo novas formas, alterando
signif icados e transformando-se.
Figura 1 - Alunos durante as Reuniões do Grupo de Cultura Fonte: Escola APAS
Os sujeitos Surdos percebem o mundo através de suas
experiências visuais. Estas percepções caracterizam o sujeito e é a
centralidade das experiências de sua aprendizagem. Vão desde o
movimento si lencioso dos lábios do falante até as expressões faciais e
movimentos corporais l idos visualmente pelo Surdo durante uma
interlocução, como ilustram os relatos abaixo:
Nasci surdo . Não sabia que eu era surdo! Para mim, todo mundo era como eu! Para mim, era normal ser ass im! A famíl ia e ra ouv intes. No s ít io v ida d i f íc i l . Descob ri que eu era d i ferente, observando a boca das pessoas e seus movimentos . O Surdo é d i fe rente no movimento, no je ito ! Comece i a ter medo de ser d i fe rente . Lembro do medo. Muito medo. Fu i estudar na APAE , conhec i L IBRAS com professora ouvinte . Todo vocabulá r io . Ass im: Pessoa = S inal . Pensei : – Há! É isso . Tem nome co isas! L IBRAS mesmo de verdade aprendi mesmo na escola, aqui com amigos surdos. Antes não sab ia muito, agora converso L IBRAS profundo. Agora eu paz! ( s ic ) .
(ALUNO 1, 23 anos)3
Figura 2 - Alunos durante as Reuniões do Grupo de Cultura Fonte: Escola APAS
Antes de t raba lhar não saia de casa . Depois que fu i p ro t rabalho, fu i para a escola. Primeiro sa lário fu i soz inho. Ao entrar no banco, v ia que a porta g i ratória não abr ia para mim. Eu empurrava e a porta não se abr ia. O guarda começou a gr itar e fo i uma co nfusão, po is eu não ʺouvia ʺ o aviso e let rôn ico. Quase fu i p reso. ʺFiquei com tanto medo que só depois que o pro fessor expl icou e fo i ao banco comigo é que eu entend i o que havia acontec ido ʺ ( s ic ) .
(ALUNO 2, 28 anos)4
3Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na Escola para Surdos da APÁS, Curitiba, Setembro, 2011.
Situações como esta demonstram a situação de curiosidade,
desconhecimento e até isolamento que acometem as pessoas surdas
nas mais diversas situações de vida, quando sua condição e diferença
funcionam como barreira de part icipação social (Figura 3). As mãos têm
um valor adicional para os surdos, uma vez que ocupam
simbolicamente o lugar que a boca ocupa para um falante. A língua de
sinais é um dos aspectos fundamentais da Cultura Surda, incluem-se
aqui também os gestos denominados ʺsinais emergentes ou caseiros ʺ ,
que se referem à comunicação util izada por muitos surdos que
procuram entender o mundo através dos experimentos visuais e
comunica-se por gestos e sinais. Esta ainda é a realidade de muitos
Surdos isolados regionalmente pelo Brasil afora.
Para Strobel(2009, p.46)ʺo Sujeito Surdo ter acesso às
informações e conhecimentos e para construir sua identidade é
fundamental criar uma ligação com o Povo Surdo em que se usa a sua
língua em comum: a l íngua de sinais ʺ . Pressupõe que é a principal
marca da identidade da Comunidade Surda, sendo expressa através da
modalidade espacial-visual.
Figura 3 - Alunos durante as Atividades ʺArte Surdaʺ Fonte: Escola APAS
4Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na Escola para Surdos da APÁS, Curitiba, Setembro, 2011.
Podemos observar no exemplo abaixo, o quanto o uso e o
comparti lhamento da língua esta presente nas relações que identif icam
e situam o sujeito, ao depararmos com situações em que
todoscomparti lham a mesma experiência l inguíst ica e cultural (Figura
4).
Figura 4 - Rosani, Mauricio, Padre Wilson, Richard e Karin Strobel: todos surdos, comemorando o batismo de Richard. (2008)
Oi, amigos! Queria compart i lhar com vocês as fotos de bat izado de meu f i lho Richard. Foi l indo e o padre Wi lson também é surdo, a missa fo i fe i ta tudo em l íngua de s inais d i rec ionado para publ ico surdo , com interpretação de 'voz ' para os ouv intes presentes . Minha mãe emocionou. Só ocorreu uma s ituação engraçada. . . na ho ra de o padre benzer o bat izado doRickcom água benta, o Rick é tão forte res ist iu . . .que o padr inho Mauríc io não conseguia aba ixar a cabeça de le e então eu com um toque de dedinhos d is farçadamente eu empurrei a cabeça de le para ajudar. . .HeHe! Abraços,KarinS t robel ( s ic )
5
Todas estas experiências i lustram a vida colet iva das famílias
onde todos os membros são surdos. Assim, é habitual assist irem
televisão sem som, todos usarem a língua de sinais, lavarem a louça na
maior barulheira sem perceber. Assim, a criança Surda está incluída
neste universo cultural desde o inicio. As conversas s ão todas em
língua de sinais e todos visualmente se informam e formam categorias
de sentido.
5Depoimento de Karin Srobel sobre o batizado de seu filho Richard, 2008.
O ambiente visual e a língua, o enriquecimento das interações e
esta pequena acomodações, tudo resulta num grande gasto para o
desenvolvimento da criança Surda. A maioria das cr ianças Surdas
f i lhas de pais surdos funcionam melhor que as crianças Surdas f i lhas
de pais ouvintes nas áreas acadêmicas, sociais e linguísticas. Crianças
Surdas de pais Surdos desenvolvem um sentido de identidade que é
forte e autogovernável (LANE, HOFFMEISTER E BAHAN, 1992, p.53).
O artefato cultural da literatura e da arte Surda traduz a memória
das vivencias Surdas e se multipl ica em diversos gêneros e
manifestações culturais.
Grande parte deste acervo se encontra em CD-ROM, vídeos,
DVD ’s e galerias de arte, porém muitos art istas, escritores e poetas
surdos registram suas expressões em língua portuguesa, assim a
literatura Surda ganhou espaço l iterário com livros e art igos
publicados.
Um aspecto bem peculiar da literatura Surda envolve as piadas
Surdas que exploram a expressão facial e corporal, a l íngua de sinais e
a forma de contar com natural idade. Na grande maioria das vezes ,
essas piadas possuem temas ligados a situações engraçadas sobre a
incompreensão das comunidades ouvintes sobre a Cultura Surda e vice
e versa.
Durante as práticas de aplicação do projeto, pode -se observar
que quase todos os alunos do grupo não reconheciam a poesia
enquanto uma prática de cultura e tão pouco a reconheciam
culturalmente em seu valor e signif icado dentro da cultura surda.
Foram abordados diversos gêneros poéticos em língua de sinais,
uma vez que a literatura surda traduz a memória das vivencias Surdas
e se multiplica em diversos gêneros: poesia, história de Surdos, piadas,
l iteratura infantil, clássicos, fábulas, contos, romance, lendas e outras
manifestações culturais.
Um aspecto bem peculiar envolveu as piadas Surdas que
exploram a expressão facial e corporal, a l íngua de sinais e a forma de
contar com naturalidade, e observou -se que este gênero era o mais
apreciado pelos alunos, que conheciam e relatavam as mais diversas
histórias- piadas. Na grande maioria das vezes, estas piadas possuíam
temas ligados a situações engraçadas sobre a incompreensão das
comunidades ouvintes sobre a cultura surda e vice e versa.
Em relação ao Folclore Surdo, Carmel (1996) inventou o termo
Deaflore – Folclore Surdo – para se referir ao conhecimento coletivo da
comunidade surda. Observando que o folclore encontra -se int imamente
associado com a Antropologia Cultural, pois esta estuda os costumes e
tradições de povos vivos, observa-se que a sua apropriação provoca
um sentimento de ʺenraizamentoʺ nos sujeitos, que passam a descobrir
e desenvolver uma identidade como membro de uma comunidade
coletiva visual. Ao produzir o fo lclore Surdo (e ai inclui-se a poesia),
uti l izando a l íngua de sinais criativamente e como uma forma de arte, o
sujeito produz raízes Surdas, af irma sua identidade e apodera -se
cultural e socialmente.
Figura 5 - Professor Surdo Jeferson, em Aula de Cultura Surda Fonte: Escola APAS
Figura 6 - Surdo Sinalizando uma Poesia em Língua de Sinais Fonte: Escola APAS
No Artefato Cultural das Artes Visuais, observa -se a profusão da
util ização das mãos, enquanto imagem representativa das suas
ʺvozesʺ . O artista Surdo realiza suas criações, para comunicar sua
subjetividade, muitas vezes numa tentativa de represar todo o
sentimento de opressão que carrega.
Na aplicação do projeto, foi apresentada a produção artíst ica
mundial e brasi leira de artistas Surdos, pintores, escultores e atores
que expressam sua arte ut il izando a l íngua de sinais, as expressões, o
contorno das mãos e dos olhos para falar sobre a experiência de ser
Surdo.
Figura 7 - Mural Produzido em Comemoração ao Dia do Surdo Fonte: Escola APAS
5 Conclusão
Buscando i lustrar de que forma a sociedade define as
identidades consideradas ʺnormaisʺ e as ʺanormaisʺ destacou-se, aqui,
a Escola para Surdos - um grupo que tem sido definido socialmente,
como um grupo deficiente e inferior ʺ . Este trabalho procura reafirmar
que ʺSer Surdoʺ implica em definir traços culturais, ocupando a língua
de sinais central idade como elemento signif icante para esta definição.
Construindo prát icas, embasamo-nos em trabalhos que têm
contribuído para consolidar a área dos chamados Estudo s Surdos.
Estes por sua vez, surgem com força nos Movimentos Surdos
organizados e tem sido fonte de investigação entre pesquisadores,
tendo a perspectiva teór ica dos Estudos Culturais como leme. Os
Estudos Surdos podem ser considerados como uma das ramif ic ações
dos Estudos Culturais, pois destacam e enfatizam as questões das
culturas, das diferenças e das lutas por poderes e saberes. Para Skliar:
Os Estudos Surdos se const i tuem enquanto um programa de pesquisa em educação, onde as ident idades, as l ínguas, os projetos educac ionais, a h istór ia, a ar te, as comunidades e as culturas surdas são focal izadas e entendidas a part ir da d iferença, a par t ir de seu reconhec imento pol í t ico ʺ (1998, p.5).
Assim,na redefinição de concepções e práticas os Estudos
Surdos enfrentam uma forte luta contra a interpretação da surdez como
deficiência e ʺ faltaʺ , contra a visão da Pessoa Surda enquanto
indivíduo doente, deficiente e sofredor. Assim, os Surdos que se
organizamculturalmente preferem não se definir como ʺdeficientes
auditivosʺ . O próprio conceito de surdez vem alterando -se
historicamente e através das diferentes gerações de surdos. Hoje,
atravessamos um momento de redefinição deste conceito (BEHARES,
2000, p.3).
Historicamente a concepção médica-terapêutica inf luenciou a
Educação dos Surdos que a define a partir do déficit auditivo e da sua
classif icação (leve, moderada, severa, pré-linguística ou pós-
linguística, etc.), porém esqueceu-se em incluir a experiência fruída
pelo sujeito Surdo, e em considerar os contextossocioculturais, nos
quais a pessoa surda se desenvolve. É exatamente a partir destes
contextos que surge a ideia deste projeto que previua formação de
Grupos de Cultura desenvolvidos com estudantessurdos jovens e
adultos.
Nos Estudos Surdos não se util iza a expressão ʺdeficiente
auditivoʺ numa tentativa de re-situar o conceito de surdez, visto que
esta expressão é a util izada, com preferência, no contexto médico -
clínico, enquanto que o termo ʺSurdoʺ está mais afeito ao marco
sociocultural da surdez. Nestes estudos se enfatiza a diferença, e não
a deficiência, porque ʺcremos que é nela que se baseia a essência
psicossocial da surdez: ele (o Surdo) não é diferente apenas
linguist icamenteʺ . Ele é diferente e singular, porque usufrui de uma
experiência visual e l inguíst ica diferenciada, e isto o inclui emoutras
formas de inserções e interações culturais e sociais.
Os alunos participantes da pesquisa são oriundos de escolas
cujos pilares fundavam-se numa concepção clínica da surdez. Apesar
da grande maioria destes alunos serem usuários da Libras em sua
forma f luente e original, persistia entre a comunidade um
distanciamento das questões polít icas e culturais da surdez enquanto
experiência cultural. Assim, ao discutir as diversas lutas travadas pela
comunidade surda ao longo do tempo, busca -se conquistar o respeito e
o reconhecimento de sua língua, a conquista de seus direitos e o
empoderamento em suas representações culturais e polít icas.
Diante da abordagem acerca da história cultural do Povo
Surdo(e, para isto, tomou-se o cuidado de trazer como protagonista o
próprio Surdo), assegura-se que é na posse da língua que se constrói a
identidade, já que ele não é sujeito ouvinte.
É no encontro do Surdo com o outro, também Surdo que brota a
possibil idade de se resignif icar, comparti lhar e adquirir conhecimentos
que não são possíveis por meio da língua oral e tão pouco pelo sujeito
ouvinte. Discutindo o papel das associações e federações, ref letindo e
levantado desafios que contribuam para mudanças signif icativas nas
representações sociais referentes ao povo surdo provoca-se um
movimento gerador de mudanças pela consciência e transformação. Um
dos pontos mais importantes na aplicação do projeto esteve em trazer a
tona, provocar e contextualizar com o grupo de estudantes surdos a
discussão dos artefatos cul turais e a sua relação no desenvolvimento
dos aspectos sociais, afetivos e cultura .
Como pudemos observar todos estes artefatos tem o papel de
signif icar e representar a Cultura Surda e o Sujeito S urdo. Porém,
permanece uma grande dif iculdade em entender a representação social
da Cultura Surda, pois a grande maioria das pessoas ainda busca um
ʺuniversalismoʺ ,que assegure e reforce as relações de força e de poder
que pretensamente pensa-se ter sobre tudo e todos que fogem as
regras de ʺnormalidadeʺ que regulam a sociedade. Observamos que o
mais importante é que o Surdo passe a olhar a sua causa, a causa
Surda, com um novo olhar. Um olhar que apenas sujeitos que
experenciam, são capazes de ter, ser e signif icar.Pensar em uma
Escola de Surdos é remeter-se ao direito do Surdo em pensar a sua
escola. Colocar ai suas marcas, suas necessidades e diferenças, sua
língua.
Ao encerrar este trabalho, daremos início a outro capítulo:
legit imar a Escola para Surdos a part ir do próprio Surdo. E, f ica aqui
este desafio!
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