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PERSONAGENS
GORGIBUS
CÉLIA
DAMA DE COMPANHIA
SGANARELLO
MULHER DE SGANARELLO
LÉLIO
CRIADO
UM PARENTE DE SGANARELLO
VILLEBREQUIM
A ação se passa em um praça pública.
Cena I
Gorgibus, Célia e a Dama de Companhia. Célia sai de
casa debulhada em lágrimas.
GORGIBUS - Que resmungas aí com esse ar rabugento /
Queres que eu volte atrás do que já
resolvi? / Acaso não terei mais poder
sobre ti? / E por tolas razões tua cabeça
tonta / Pretende regular questão de
tanta monta? / Qual de nós, afinal, deve
no outro mandar? / Em tua opinião,
quem deverá julgar, / Oh, bobinha! O que
mais convém ao teu futuro? / Com os
diabos! Ouve lá: se insistes, eu te juro /
Que poderás sentir, com verdadeira dor, /
Se meu braço perdeu seu antigo vigor. / O
mais simples será, discreta e conformada,
/ Aceitares, risonha, o noivo que me
agrada. / "Eu não sei!" - dizes tu - "quem é
esse sujeito / E nem ao menos fui
consultado a respeito". / Informado dos
bens que ele pode trazer, / Devia eu
procurar outras coisas saber? / Um noivo
que dispõe de tamanha bolada, / Para
adorado ser precisa de mais nada? /
Vamos! Seja quem for, com o dinheiro que
tem, / Posso-te garantir que é um homem
de bem...
CÉLIA - Ai! Meu Deus!...
GORGIBUS - Ai, meu Deus! A quem vem tal queixume? /
Vejam só de que modo ela as coisas
resume! / Se a cólera, outra vez, se apossa
de meu peito, / Eu te farei cantar: "ai,
meu Deus" de outro jeito. / É esse o
resultado, o fruto encantador / Da
leitura imbecil de romances de amor. / O
teu cérebro, agora a tolices votado, /
Pensa menos em Deus do que no
namorado. / Vamos! Atira ao fogo esses
livros insossos, / Que estragam dia a dia o
espírito dos moços. / Lê, como é
necessário, em vez de coisas tais, / Os
versos de Pibrac e as sentenças morais /
Do velho Mathieu. São obras de valor, /
Que se guardam de cor quando se é bom
leitor. / "Guia do Pecador", que é também
excelente, / Ensina a mocidade a viver
sabiamente. / Se não lesses senão essas
moralidades, / Seguirias melhor as
paternas vontades...
CÉLIA - Que, meu pai, o senhor pretende que eu renegue
/ Um noivo contra o qual nada há que se
alegue? / Eu andaria mal agindo só por
mim, / Mas foi o senhor quem me
mandou dizer "sim".
GORGIBUS - Dissemos mil "sins", vinte mil, um milhão, /
Um fato sobrevém que muda a situação.
/ O Lélio é um bom rapaz, mas isso é
quase nada, / Diante de quem possui uma
bolsa recheada. / O ouro faz belo o feio,
inteligente um beócio / E entre um
"pronto" e um ricaço, este é melhor
negócio. / O Valério talvez não seja o teu
querido, / Mas será, com certeza,
excelente marido. / O amor, podes crer, é
um belo sentimento / Que muitas vezes
vem depois do casamento... / Mas estou a
perder meu tempo e meu latim / Num
caso que afinal, só depende de mim... /
Poupa-me, pois, de ouvir tuas
impertinências, / De te ver com este ar
que inspira condolências. / Meu genro
virá hoje aqui para nos ver. / Falta um
pouco sequer a bem o receber... / Se eu te
vir de ar amuado ou se ouvir teus ais, /
Eu te... é o que te digo... eu já falei
demais...
Cena II
Célia e a Dama de Companhia.
A DAMA - Que! Recusar assim, com todo esse vigor, / O
que outras, podes crer, desejam com
fervor? / À ordem de casar responder
toda em prantos / E retirar um "sim" que
só nos traz encantos? / Quisesse ainda
alguém comigo se casar / E não seria eu
que o faria esperar. / E longe de tal "sim"
me deixar pesarosa, / Eu daria de "sins"
uma dúzia, uma grosa. / O velho
professor de que é aluno seu irmão /
Afirmava outro dia, e com toda a razão,
/ Que a mulher, neste mundo, é como a
parasita: / Ela se desenvolve e é sempre
mais bonita / Quando ao tronco que vive
está bem agarrada. / Enquanto que,
sozinha, ela não vale nada. / Posso-lhe
assegurar que a coisa é verdadeira, / Pois
que a esse respeito eu falo de cadeira. /
Que o bom Deus tenha em paz o meu
pobre Martim, / Mas eu tinha, ele vivo, a
cor de um querubim, / Um aspecto sadio,
a alma sempre contente... / Hoje, o meu
triste ar é de quem vive doente. /
Naquele belo tempo eu nunca senti frio, /
Mesmo durante o inverno estava em
pleno estio, / Puxar um cobertor era
coisa ridícula... / E agora, ai de mim!
Tremo em plena canícula... / Enfim, nada
há melhor, digo-o porque o senti, / Do que
ter-se um marido à noite ao pé de si. /
Não fosse senão para atento à nossa
saúde, / Quando damos um espirro,
exclamar: "Deus te ajude".
CÉLIA - Podes aconselhar-me o crime ignominioso / De
Lélio desprezar por esse desgracioso?
A DAMA - O tal Lélio, direi, não parece andar bem... /
Por que há tanto tempo essa viagem o
retém? / O seu afastamento induz à
desconfiança / De ter sua paixão já
sofrido mudança...
CÉLIA (Mostrando-lhe o retrato de Lélio) - Não queiras
aumentar o meu enorme desgosto! /
Examina este olhar, as linhas deste
rosto... / Tudo fala a favor de sua
lealdade / Onde vês, por acaso, um traço
de maldade? / E no entanto é preciso...
Ah! Socorre-me!... (Deixa cair o retrato).
A DAMA - Que houve? / Menina!... Santo Deus! Ela já
não me ouve! / Socorro! Venha alguém!
(Sganarello entra).
Cena III
Célia, A Dama e Sganarello.
SGANARELLO - Por que tal rebuliço?
A DAMA - Minha ama está morrendo!...
SGANARELLO - Ah! É apenas isso? (Segura Célia) /
Pensei tudo perdido ouvindo o
espalhafato. / Mas vamos lá, você morreu
mesmo de fato?... / Ela não diz palavra...
A DAMA - Ajude-me, senhor! / Vou chamar mais
alguém... É um minuto. Ai que horror!
(Sai).
SGANARELLO (Passando a mão pelo corpo de Célia) -
Ela está geladinha... e, no entanto, está
linda... / Procuremos saber se ela respira
ainda... / Francamente não sei. Mas todo
o meu desejo / É que ela viva... (A Mulher
de Sganarello aparece à janela).
Cena IV
Célia, Sganarello, a Mulher de Sganarello.
A MULHER - Céus! Será mesmo o que vejo? / Meu
marido abraçado à outra! Custa a crer...
/ Mas o fato ali está e eu vou já descer...
(Desaparece. Entra a Dama de
Companhia seguida de um homem).
SGANARELLO - Levá-la para casa é o socorro preciso... /
Morrer assim na rua é falta de juízo. /
Marchar para o outro mundo é loucura
insanável, / Quando no mundo aqui a
coisa é bem passável... (Sai com a Dama
de Companhia e o Homem levando Célia).
Cena V
A Mulher de Sganarello.
A MULHER - Ele se foi daqui com tal celeridade, / Que
afinal enganou minha curiosidade... /
Mas de sua traição tenho prova provada.
/ Pelo pouco que vi estou mais que
informada. / Já não me espanta mais a
frialdade do gelo, / Com que ele
corresponde ao fogo do meu zelo. / O
ingratalhão reserva as suas cortesias /
Para outras talvez que se mostrem mais
frias. / Eis dos maridos de hoje o proceder
comum: / Para as outras nutrir, fica a
esposa em jejum... / No começo, em geral
a vida é uma delícia, / E eles são para
nós só ternura e carícia. / Mas em breve
o prazer de nossa companhia / Cansa-os,
e eles lá vão em busca da folia. / Ah! Por
que nossa lei também não autoriza / A de
esposo mudar como de uma camisa? /
Seria bem melhor, e eu conheço várias /
Que são dessa doutrina ardentes
partidárias... / (Apanhando o retrato)
Mas que jóia é esta aqui? Parece de
valor... / O esmalte é precioso e a pintura
um primor... / Abramos... (Sganarello
entra falando a si mesmo).
Cena VI
Sganarello e a Mulher.
SGANARELLO - Eu pensei que ela estivesse a pique / De
morrer. E afinal era um simples
chilique... / Mas que! Minha mulher?
A MULHER (Crendo-se só) - Que bela miniatura! / É um
guapo rapaz numa linda pintura...
SGANARELLO - Mas que é que lhe desperta assim tanta
atenção? / Um retrato? Que tal? Será que
é uma traição? / Uma suspeita vil meu
espírito invade...
A MULHER (Crendo-se só) - Que beleza! Que amor! Que
preciosidade! / Nunca vi coisa igual... que
sorte a de encontrá-lo! / (Cheirando-o) E
como cheira bem!...
SGANARELLO - Ah! Peste! Ainda beijá-lo!... / Apanhei-
te!
A MULHER (Sempre crendo-se só) - A mulher deste
jovem querida / É que pode falar das
delícias da vida... / É preciso ser forte em
sua devoção / Para deste rapaz fugir à
tentação... / Ah! Que eu não tenha um de
igual desenvoltura, / Em vez desse
animal que me engana...
SGANARELLO (Arrancando-lhe o retrato) - Ah! Perjura!
/ Nós te apanhamos em flagrante
vergonhoso, / Arrastando na lama a
honra de um esposo... / Quer dizer que,
segundo a tua veleidade, / O marido não
vale a sua cara metade. / Pelo demo
infeliz que te queira levar, / Que partido
melhor podias desejar? / Quem pode
achar em mim razões de censura? / Este
talhe, este porte, esta linda figura. / Este
rosto gentil que a todos extasia, / Por
quem beldades mil suspiram noite e dia. /
Em resumo, o meu eu, minha bela pessoa
/ Não é para Madame, acaso, coisa boa?
/ E para bem saciar tua fome é preciso /
Ao marido juntar o "ragout" de um
Narciso?
A MULHER - Eu bem estou percebendo aonde vai a
ironia. / Por este meio crês...
SGANARELLO - Basta de hipocrisia! / A coisa está bem
clara e eu tenho em minha mão /
Documento capaz de provar a traição.
A MULHER - Minha exasperação já é bem vês, imensa,
/ Para a aumentares mais com outra
nova ofensa / Não queiras tu ficar com
esta jóia, que é minha, / E pensa um
pouco...
SGANARELLO - Eu penso em te quebrar a espinha. / Ah!
Que eu não tenha em mãos, com a cópia
encontrada. / Também o original...
A MULHER - Para quê?
SGANARELLO - Para nada... / Com certeza achas mal
que eu me ponha a gritar... / Meu crânio,
de teus dons, deve até se alegrar... /
(Examina o retrato) É este o malandrim
que me faz de pateta. / O maldito tição
de uma chama secreta. / O velhaco com o
qual...
A MULHER - Com o qual... Vamos, prossegue!
SGANARELLO - Com o qual... Que queres mais? Que o
diabo te carregue!
A MULHER - Que quererá dizer com isso este cachaça?
SGANARELLO - Tu sabes muito bem, grandíssima
devassa. / Sganarello é um nome a que
renunciarei, / Pois Cornélio, isto sim,
para todos serei. / Sem honra ficarei, mas
tu, que és a culpada, / Não ficarás
impune. Isto é coisa assentada.
A MULHER - E tu me ousas falar com tal desfaçatez?
SGANARELLO - E tu me ousas pregar peças de tal jaez?
A MULHER - Que peças? Dize logo o que queres dizer.
SGANARELLO - Que é que sobre o teu crime ainda
queres saber? / Enfeitado por ti, nada
mais é preciso / Para que me transforme
em sujeito de riso.
A MULHER - Assim, depois de ter, de maneira
infamante, / Burlado a boa fé de uma
esposa confiante, / Tomas de um falso
ódio o vão divertimento, / Procurando
evitar o meu ressentimento... / Um tal
procedimento é mesmo de pasmar. /
Quem cometeu a falta é que quer acusar!
/ Ah! Desavergonhada! Ao ver sua
atitude
SGANARELLO - Não se podia crer que ela é a própria
virtude?
A MULHER - Vai! Segue o teu caminho, atira-te à
gandaia, / Mostra do que és capaz por
um rabo de saia, / Mas dá-me este
retrato. Ele é meu, eu o achei... / (Toma o
retrato e foge).
SGANARELLO - Tu pensas me escapar, mas eu te
alcançarei. (Sai atrás da mulher).
Cena VII
Lélio e o Criado.
CRIADO - Enfim, hei-nos aqui! Não se zangue o senhor
com o que vai perguntar o seu fiel
servidor...
LÉLIO - Fala.
CRIADO - Estará o diabo em seu corpo? Eu pergunto, /
Por vê-lo resistir a tanto esforço junto. /
Há mais de uma semana, em louca
disparada, / Sem dormir, sem comer, sem
quase beber nada... / Vimos nós por aí em
mulas sacudidos... / Eu confesso que sinto
os membros doloridos, / Sem fazer alusão
a um maldito acidente / Em sítio que
nomear não seria decente... / Entretanto
o senhor parece não sentir / Que há tanto
tempo está sem comer nem dormir.
LÉLIO - Todo esse açodamento era mais que preciso, /
Pois do himeneu de Célia eu recebera
aviso. / Tu sabes que eu a adoro e quero
estar ao fato / Do sentido que encerra
esse estranho boato.
CRIADO - Sim, mas um bom jantar nos daria a
vantagem / Do caso investigar com mais
força e coragem. / Eu julgo por mim
mesmo. O menor desprazer / Deixa-me
sem ação, quando estou sem comer. / Mas
quando bem comi, minh'alma, resoluta, /
Enfrenta, sem temor, toda sorte de luta. /
Pode confiar em mim: entre bem no
"mastigo", / Se pretende vencer todo e
qualquer perigo. / E para combater com
mais animação, / Em alguns copos de
vinho afogue o coração.
LÉLIO - Eu não posso comer...
CRIADO (À parte) - Ele quer me matar... / (A Lélio)
Entretanto, ao que sei, já está pronto o
jantar...
LÉLIO - Cala-te!
CRIADO - Eu não insisto. Era um simples convite...
LÉLIO - Eu sinto inquietação e não sinto apetite.
CRIADO - Pois eu sinto apetite e grande inquietação, /
Por ver que um tolo amor nos priva da
ração.
LÉLIO - Deixa-me ver, primeiro, o que quero apurar / E,
sem me aborrecer, se queres vai jantar.
CRIADO - Eu não replicaria à ordem tão severa. (Sai).
Cena VIII
LÉLIO (Só) - Não tal não pode ser... Meu temor exagera...
/ O pai m'a prometeu e a filha com ardor,
/ Sempre me demonstrou um grande e
puro amor. (Sganarello entra
examinando o retrato).
Cena IX
Lélio e Sganarello.
SGANARELLO - Tenho outra vez comigo a horrível
carantonha... / Do tipo sem pudor que fez
minha vergonha... / Tal cara jamais vi...
LÉLIO (Observando Sganarello) - Será mesmo de fato? / O
que ele tem na mão parece meu retrato...
SGANARELLO (Sem ver Lélio) - Ah! Pobre Sganarello, a
que sorte malvada / Tua reputação foi
por fim condenada!...
LÉLIO - Este retrato pode em outra mão ter caído, / Sem
que me deixe ver que está tudo perdido?
SGANARELLO - Deves daqui por diante a tolos ser
mostrado? / Ser posto em cançoneta e
caricaturado? / Suportar tristemente, até
que o mundo a esqueça, / A afronta que
te faz abaixar a cabeça?
LÉLIO - Será possível isto? (Procura ver o retrato).
SGANARELLO (Sem ver Lélio) - Ah! Monstro de
maldade! / Ter-me feito "cocu" na flor de
minha idade! / E mulher de um marido
ainda em pleno brilho, / Foi bastante que
um parvo, um pulha, um peralvilho...
LÉLIO - Eu não me engano, é mesmo o meu retrato. É
boa! / Este moço é curioso... / (Sganarello
observa Lélio) Isso até me atordoa...
SGANARELLO (À parte) - Que é que ele quer comigo?
(Afasta-se).
LÉLIO (À parte) - Eu preciso abordá-lo. / (Alto) Poderei;
por favor... /
SGANARELLO (Sempre se afastando) - Eu preciso
afastá-lo...
LÉLIO - Poderei conhecer, desculpe-me a razão / Que fez
este retrato ir parar em sua mão?
SGANARELLO (À parte) - A quem vem tal desejo?... Ah!
Está tudo explicado! / Bastava, para
tanto o seu ar perturbado... / Coisa tão
clara assim só não vê quem não quer: / É
o meu homem! Melhor, é o de minha
mulher...
LÉLIO - Livre-me desta angústia, e diga com franqueza...
SGANARELLO - Nós sabemos de tudo e não temos
surpresa. / O retrato que o faz tremer
neste momento / Foi apanhado em mãos
de seu conhecimento. / E já não é segredo
o criminoso ardor / Que estão
alimentando a tal dama e o senhor. / Eu
já não sei se já sou em tal galanteria /
Conhecido, afinal de Sua Senhoria. / Mas
faça-me o favor de cessar, desde já, /
Uma paixão que, creia, o marido acha
má. / E lembre-se que o nó do
matrimônio...
LÉLIO - É exato? / Aquela, o senhor diz, a quem dei meu
retrato...
SGANARELLO - É minha esposa e eu sou seu esposo.
LÉLIO - Seu esposo?
SGANARELLO - Seu esposo, repito, e esposo desgostoso...
/ Nós sabemos por que... E só me resta ir /
Entender-me com os seus... (Sai).
Cena X
LÉLIO (Só) - O que venho de ouvir!... / Bem me foram
dizer que ela tinha casado / Com um tipo
sem valor ridículo e sovado... / Ah!
Quando as juras mil de uma boca tão
terna / Não me fizessem crer numa
paixão eterna, / A escolha de um vilão
tão reles, tão chinfrim, / Devia sustentar
o interesse por mim... / Ingrata! E todo o
bem... Mas toda essa embrulhada. / Junto
ao esforço que fiz nessa longa jornada, /
Causa-me um mal-estar, um choque tão
violento, / Que sinto que vou ter um
desfalecimento... (A Mulher de Sganarello
entra falando sozinha).
Cena XI
Lélio e a mulher de Sganarello.
A MULHER - Ah! Perverso! Ah! Bandido! (A Lélio) O
senhor está doente? / Vejo que vai cair ao
chão redondamente...
LÉLIO - É um súbito mal de que fui atacado.
A MULHER - Mais um pouco e o senhor cairá
desmaiado. (Saem, Sganarello entra com
um parente de sua Mulher).
Cena XII
Sganarello e o Parente.
O PARENTE - De um marido em tal ponto eu aprovo o
cuidado / Mas não está você indo uma
tanto apressado? / De tudo que, contra
ela, eu acabo de ouvir, / Que haja mesmo
traição não se pode concluir, / É um
ponto delicado e sempre em casos tais, /
Sem tudo investigar, não se acusa
jamais...
SGANARELLO - Quer dizer que é preciso a coisa apalpar
bem...
O PARENTE - Muita serenidade em tais casos convém, /
Para tudo aclarar. Esse homem do
retrato / Será dela, afinal, conhecido de
fato? / Procure investigar, e se for o que
pensa, / Eu serei o primeiro a puni-la da
ofensa. (Sai).
Cena XIII
SGANARELLO (Só) - A que ele diz, enfim, não deixa de
ser justo. / Sinto que me deixei dominar
pelo susto... / Eu meti na cabeça essas
visões macabras. / E estou vendo em
redor só maridos de cabras. / Por um
simples retrato em suas mãos encontrado
/ Eu não posso concluir que já estou
desonrado. / Tratemos de apurar... (A
Mulher entra reconduzindo Lélio).
Cena XIV
Sganarello, a Mulher e Lélio.
SGANARELO - Ah! Que vejo! Esta agora!... / Já não se
trata mais de retrato nesta hora. / Tenho
aos olhos a coisa em seu original!
A MULHER (A Lélio) - Não se apresse. O senhor pode
sentir-se mal / Novamente. O melhor
seria repousar...
LÉLIO - Obrigado. Não sei como lhe hei de pagar. / O
socorro gentil que me prestou agora...
SGANARELLO (À parte) - A velhaca não quer que o
malandro vá embora! (A Mulher torna a
entrar em casa).
Cena XV
Sganarello e Lélio.
LÉLIO (À parte) - Ele viu que eu já vi o que dantes não
vira... / Minha alma se comove e este tipo
me inspira... / Mas preciso evitar
qualquer gesto plebeu / E ao destino
imputar tudo que aconteceu... /
Invejemos somente a sua estranha sorte...
/ (Indo a Sganarello) Parabéns... O senhor
tem uma bela consorte... (Vai a sair e é
visto por Célia que aparece à janela).
Cena XVI
Sganarello e Célia.
SGANARELLO (Só) - Isto sim é que é ir ao cúmulo do
abuso!... / Um cumprimento tal deixa-me
tão confuso, / Como se me crescesse uma
matagal na testa. / (Olhando para o lado
por onde Lélio saiu) Esse teu proceder não
é de gente honesta!
CÉLIA (Entrando) - Será Lélio? É ele mesmo... Eu da
janela o vi... / Mas por que me esconder
sua presença aqui?
SGANARELLO (Sem a ver) - "Parabéns... O senhor tem
uma bela consorte"... / Seria bem melhor
ter uma bela morte. / Dessa horrível
mulher o fogo desbragado / Vai deixar-
me, é fatal, todo carbonizado... / Mas eu
deixo partir o herói desta vergonha / E
fico a me queixar aqui como um
pamonha! / Era de meu dever, fosse
embora à socapa. / Atirar-lhe uma pedra
ou lambuzar-lhe a capa. / E sobre ele,
feroz, para minha vingança, / Instigar e
fazer correr a vizinhança... (Durante a
fala de Sganarello, Célia aproxima-se e
espera, que lhe passe o transporte para
tomar a palavra).
CÉLIA - Aquele que ainda há pouco estava aqui parado.
/ Sabe o senhor quem é, por ter com ele
falado?
SGANARELLO - Quem o conhece bem, acredite a
menina, / É minha esposa... Ui!... (Põe a
mão no peito).
CÉLIA - Que desgosto o domina?
SGANARELLO - Não julgue o meu pesar, um sentimento
fútil / E deixe-me gemer, embora seja
inútil...
CÉLIA - Mas de onde podem vir as suas agonias?
SGANARELLO - Se eu me sinto em aflição, não é por
ninharias. / Eu poderia dar a qualquer
outro o ensejo / De se ver, sem pesar, no
estado em que me vejo, / Do marido
infeliz, eis o exemplar mais belo! / Passa
a viver sem honra o pobre Sganarello... /
Mas não vem só daí minha grande
aflição; / Com a honra foi também minha
reputação...
CÉLIA - Como?
SGANARELLO - Pois este malandrim, falo com
reverência, / Fez-me agora "cocu", com a
maior imprudência... / Eu mesmo
constatei o comércio secreto / Entre
minha mulher e esse tipo abjeto.
CÉLIA - Aquele que inda há pouco...
SGANARELLO - Aquele, sim, senhora, / Adora minha
esposa e minha esposa o adora.
CÉLIA - Bem me quis parecer que esta volta imprevista,
/ Envolvia a traição de um coração
egoísta. / Não tremi sem razão ao vê-lo
aparecer... / Pressenti, desde logo, o que
podia ser...
SGANARELLO - Eu devo agradecer tão bondosa defesa,
/ Nem todo o mundo tem igual
delicadeza. / A maioria, ao saber de
minha desventura, / Só pensará em rir e
aumentar-se a tortura...
CÉLIA - Há nada de mais vil que esta covarde ação? / E
deve ela ficar sem sofrer punição? /
(Como falando a Lélio) Não te julgas,
infame, indigno de viver, / Depois dessa
traição que vens de cometer? / Será
incrível, meu Deus!
SGANARELLO - É apenas verdade...
CÉLIA - Ah! Traidor! Celerado! Homem sem probidade!
SGANARELLO - Que grande coração!...
CÉLIA - Nem mesmo na gehena / O teu crime teria a
merecida pena.
SGANARELLO - Isto é que é falar bem...
CÉLIA - Tratar com tal fereza / A inocência, a bondade,
a própria gentileza...
SGANARELLO (Lisonjeado) - Meu Deus!
CÉLIA - Um coração, que isento de maldade, / Jamais
quisera crer na desonestidade...
SGANARELLO - Muito bem!
CÉLIA - Que julgava... É demais! Tal horror / É de fazer
um peito arrebentar de dor.
SGANARELLO - Não se incomode tanto, excelente
menina, / Tudo isso, afinal, já estava em
minha sina...
CÉLIA - Mas não leves tua crença ao ponto de pensar /
Que só a queixas vãs eu me vou limitar. /
Para bem me vingar eu sei o que fazer. /
E é isso que vou já daqui a correr. (Sai).
Cena XVII
SGANARELLO (Só) - Que a preserve o bom Deus do mais
leve perigo! / Vejam com que interesse ela
sofre comigo!... / Com efeito, este furor
contra quem me desgraça, / Mostra-me o
que, afinal, é preciso que eu faça. / Não
se deve jamais sofrer silencioso / Tal
afronta... a não ser que se seja medroso. /
Vamos, pois, procurar esse grande
bandido / Que não quer respeitar a honra
de um marido. / Ah! Eu te ensinarei a rir
da gente honesta / E sem respeito algum
pôr-lhe enfeites na testa. / (Recuando
depois de alguns passos) Mas vamos com
mais calma. Este homem tem o aspeito /
De ser de ânimo forte e mais forte de
peito. / E poderia bem, que tal não me
aconteça, / Fazer no meu costado o que
fez na cabeça. / Eu sempre detestei
atitudes veementes / E tenho grande
amor aos homens pacientes. / De em
desordens meter-me as vantagens não
vejo, / Pois viver calmamente é o meu
grande desejo... / Mas a honra me diz que
semelhante afronta / Exige desde já
represália de monta... / Pois diga o que
quiser, se lhe agrada falar... / Ao diabo
quem, portanto, a quisesse escutar. /
Quando eu fizesse o bravo e uma espada
ou uma lança, / Por um golpe de azar me
entrasse pela pança, / E corresse o rumor
de minha desventura, / Minha honra,
alguém crê, ficaria mais pura? / A vida
numa cova é sempre melancólica / E
muito inconveniente aos que sofrem de
cólica. / E acho, quanto a mim, bem
estudado o assunto, / Que vale muito
mais ser "cocu" que defunto. / Que mal
isto nos faz? A perna torna-se, ela, / Mais
forte e ficará a expressão menos bela? /
Que o demônio carregue o autor dessa
invenção / Que nos vem afligir com uma
errada visão / E quer do homem de bem
a honra submeter / Ao que a sua mulher
se disponha a fazer. / Se, de acordo com a
lei, todo crime é pessoal, / Quando o
crime é de um só como ser do casal? / Dos
erros da mulher fazem-nos responsáveis,
/ Como se tais ações nos fossem
favoráveis, / É preciso que o mal fique só
com o culpado: / Quem da honra zombou
que seja o desonrado. / Basta de
confusões! Um tribunal perfeito / Bem
podia acabar com esse preconceito. / Já
não temos na vida inúmeros tormentos, /
Que nos vêm perturbar a todos os
momentos? / As demandas, questões,
sede, fome, doença / E outras coisas mais
que formam lista imensa? / Como, pois, ir
buscar uma nova maçada / Num fato
que, a rigor, quase não vale nada? /
Demos ao que se passa o tom de uma
pilhéria / E calquemos aos pés nossa
própria miséria. / Minha mulher pecou?
Pois que chore sozinha / Por que devo eu
chorar, se a culpa não foi minha? / E
depois, uma coisa um tanto me alivia: / É
que não estou sozinho em minha
confraria. / Ver cortejar a esposa e achar
que é coisa à toa, / Acontece, hoje em dia,
há muita gente boa. / Evitemos, portanto,
alimentar querelas, / Provocar
dissensões, por simples bagatelas. /
Chamar-me-ão talvez de
desavergonhado... / Que importa? O que
interessa é salvar meu costado / (Pondo a
mão no peito) Mas eu ouço uma voz que
me chama de vil / E me incita a tomar
um desforço viril. / Sim, a consciência
fala. É feio ser poltrão! / Quero, sem mais
demora, atirar-me ao vilão. / E para
começar, neste ardor que me inflama /
Vou dizer que o apanhei metido em
minha cama! (Sai).
Cena XVIII
Gorgibus, Célia e a Dama de Companhia.
CÉLIA - Sim, eu me dobrarei à tua decisão. / Pode,
quando entender, dispor de minha mão /
E marcar, desde logo, a data desejada... /
A seguir meu dever estou determinada.
GORGIBUS - Ah! Como me faz bem ouvir falar assim! /
Uma alegria tal se apodera de mim, /
Que eu me poria aqui francamente a
dançar, / Se não fosse com isso ao riso me
prestar. / Vem a meus braços, filha! É
justo que eu te abrace / Que te faça um
carinho e te beije na face... / Pode um pai,
muito bem, beijar a filha amada, / Sem
escândalo dar ou provocar risada. / A
alegria de ver que voltaste ao bom senso,
/ Enche-me o coração de um bem-estar
imenso. (Sai).
Cena XIX
Célia e a Dama de Companhia.
A DAMA - Tal mudança me espanta!
CÉLIA - E quando tu souberes / Porque motivo agi, verás
como as mulheres / Sofrem...
A DAMA - É sempre assim...
CÉLIA - Lélio, parece incrível! / Feriu-me o coração de
modo inconcebível... / Sem nada me
dizer...
A DAMA (Reparando) - Calma! Ele vem aí! (Entra
Lélio).
Cena XX
Célia, Lélio e a Dama de Companhia.
LÉLIO (A Célia) - Antes de, para sempre, afastar-me
daqui, / Quero deixar patente a tua
felonia...
CÉLIA - Que! Inda me falar com tamanha ousadia!
LÉLIO - Ela, realmente, é grande. A tua escolha é tal, /
Que só posso dizer que eu é que andava
mal. / Vive, vive feliz, ri de minha
memória / Com o marido ideal que fará
tua glória...
CÉLIA - Sim, traidor, viverei, e meu contentamento / É
ver que provoquei o teu ressentimento...
LÉLIO - O culpado sou eu e a razão está comigo!
CÉLIA - O criminoso é outro e eu mereço o castigo!...
Cena XXI
Os mesmos e Sganarello.
SGANARELLO (Armado da cabeça aos pés) - Guerra!
Guerra mortal ao ladrão audacioso, / Que
pretende roubar nossa honra de esposo.
CÉLIO (Mostrando-o a Lélio) - Volve, volve teu olhar,
antes de me argüir!
LÉLIO (Irônico) - Estou vendo...
CÉLIA - Não é para te confundir?
LÉLIO - É mais para fazer com que cores da escolha.
SGANARELLO - Felizmente ainda pude encontrar esse
trolha. / Agora é que vão ver se me falta
coragem, / Para fazer aqui uma horrível
carnagem. / Eu jurei sua morte! É coisa
decidida / Que só o deixarei, quando o
sentir sem vida. / Vou justo ao coração...
Devo calcular bem... (Tira meia espada).
LÉLIO (Voltando-se) - Contra quem tal furor?
SGANARELLO (Tornando a embainhar) - Não é contra
ninguém...
LÉLIO - Para que este arsenal?
SGANARELLO - É simples precaução / Por causa do
mau tempo... (À parte) Ah! Que
satisfação. / Matá-lo agora mesmo.
Amanhã será tarde...
LÉLIO (Voltando-se) - Hein?
SGANARELLO - Eu não disse nada... (A si mesmo) Ah!
Poltrão! Ah! Covarde! / Defende o teu
direito!
CÉLIA (A Lélio) - Ele fala em meu nome. / Este honrado
senhor que o despeito consome.
LÉLIO - Sim, estou vendo bem que sempre andei errado /
E que fui, sobretudo, um cretino chapado,
/ Quando tomei a sério, um certo
juramento...
SGANARELLO (À parte) - Minha audácia fugiu?...
CÉLIA (A Lélio) - Chega de fingimento! / À tua
farsalhada é bom dar uma pausa.
SGANARELLO (À parte) - Sganarello, vê que ela esposa
tua causa! / Coragem, meu rapaz,
mostra-te vigoroso! / Vamos! Faze por ti
um esforço generoso! / Aproveita o
momento em que ele está de costas...
(Lélio dá dois passos e Sganarello recua).
LÉLIO (À Célia) - Já que de me escutar percebo que não
gostas, / Devo apenas dizer que estou
bem satisfeito, / Pois escolha melhor
ninguém teria feito.
CÉLIA - É uma escolha feliz a que me sinto presa...
LÉLIO - Pois andas muito bem tomando-lhe a defesa...
SGANARELLO - Decerto que anda bem defendendo uma
vítima. / Sua ação, meu senhor, não é
nada legítima. / Tenho razões até, se não
fosse pacato, / De cometer aqui talvez
um assassinato...
LÉLIO - De onde vem sua queixa a esse pensar brutal?
SGANARELLO - Deve o senhor saber onde me aflige o
mal. / Se o senhor não tivesse uma alma
tão mesquinha, / Deveria pensar que a
minha esposa é minha. / Querer, no meu
nariz, passar-lhe assim a mão, / Não é
modo de agir de quem se diz cristão.
LÉLIO - Semelhante suspeita é quase uma torpeza. /
Neste ponto, o senhor pode ter certeza /
De que nenhum de nós poderia pensar...
CÉLIA - Ah! Como sabes bem, traidor, dissimular! / Pode-
se acreditar que eu tivesse a ousadia.
LÉLIO - De tentar praticar, uma tal vilania? / Minha
reputação será assim tão má?
CÉLIA - Fala ao próprio, é melhor, ele te explicará.
SGANARELLO - Não, não cedo a palavra a quem com
tanto ardor / Defende a minha causa e
confunde o impostor.
Cena XXII
Os mesmos e a Mulher de Sganarello.
A MULHER (A Célia) - Eu não quero mostrar um
rancor desmedido / Contra quem se
apossou de meu ente querido; / Há por aí
paixões que não têm nenhuma graça. / E
seu peito devia extinguir uma chama /
Mas, enfim, não sou tola e vejo o que se
passa. / Que só lhe pode dar uma bem
triste fama...
LÉLIO - Esta declaração não tem senso comum.
SGANARELLO (À Mulher) - Quem te mandou aqui fazer
esse zunzum? / Pretendes censurar quem
defende o marido / E tremes de pavor
vendo o galã perdido?
CÉLIA (À Mulher de Sganarello) - A senhora enganou-se
ao julgar-se enganada. / (A Lélio) Dize
agora que minto. Estou mais que
vingada...
LÉLIO - Que quer isso dizer?
A DAMA - Parece coisa feita. / Quando esta confusão
será, for fim, desfeita? / (À parte)
Responda-me o senhor. De que vem sua
queixa?
LÉLIO - Vem de ver que a infiel por um outro me deixa.
/ Quando, ouvindo o rumor deste
himeneu fatal, / Embarquei para aqui,
pronto a evitar o mal, / Por supor que
ainda fosse o noivo pretendido, / Era
tarde demais: ela tinha um marido...
A DAMA - Um marido? Quem é?
LÉLIO (Mostrando a Sganarello) - Este Zinho.
A DAMA - Este Zinho?
LÉLIO - Pois não...
A DAMA - Quem foi que disse?
LÉLIO - Ele próprio, há pouquinho.
SGANARELLO - Qual nada! Eu disse ser casado, / Mas
com minha mulher.
LÉLIO (Bastante perturbado) - Meu retrato o senhor em
seu poder tem...
SGANARELLO - É verdade. Ei-lo aqui.
LÉLIO - E me disse também / Que aquela em cujas mãos
se achava o meu retrato / Estava presa
ao senhor por sagrado contrato.
SGANARELLO - Sem dúvida. E das mãos eu lho havia
arrancado. / Foi como descobri o seu
negro pecado...
A MULHER - Quem me vens tu contar, com ares
petulantes? / O retrato eu o achara, a
meus pés, pouco antes... / E mesmo
quando, após tua grande insolência, / Eu
fiz entrar o moço em nossa residência. /
Não o reconheci como o tal da pintura...
CÉLIA - Do retrato fui eu que dei causa à aventura. /
Caíra-me das mãos quando desfaleci...
SGANARELLO - E pressurosamente a salvá-la corri...
A DAMA - Essa história, sem mim, não acabava mais. /
Todos precisam cá de um pouco de meus
sais.
SGANARELLO (À parte) - Tomemos tudo aqui como
moeda corrente, / Apesar de eu sentir a
cabeça ainda quente...
A MULHER - Minha aflição não foi ainda dissipada... /
E doce, embora, o mal, temo ser
enganada...
SGANARELLO (À Mulher) - Voltemos novamente ao
calor do himeneu. / Arrisco mais do meu,
do que arriscas do teu... / Sobre o meu
coração repousa confiante...
A MULHER - Seja! Mas teme o pau, se te apanho em
flagrante.
CÉLIA (Depois de falar baixo a Lélio) - Desfeitas, muito
embora, as nossas divergências / Devo do
meu furor sofrer as conseqüências. /
Julgando-te perjuro, eu para me vingar, /
Prometi a meu pai com o Valério me
casar. / Essa fatal promessa é que tudo
complica... / Lá vem meu pai!
LÉLIO - Falando é que a gente se explica...
Cena XXII
LÉLIO - Senhor, aqui me vê depois de longa viagem! /
Sem jamais esquecer sua camaradagem, /
Espero merecer a mesma simpatia / Com
que fui recebido em sua casa um dia...
GORGIBUS - Senhor, que vejo aqui depois de longa
viagem... / Se, sem nunca esquecer minha
camaradagem, / Espera merecer a
mesma simpatia / Com que foi recebido
em minha casa um dia, / Creia-me servo
fiel de Vossa Senhoria...
LÉLIO - Que, Senhor, é assim que me quer receber?
GORGIBUS - Sim, senhor, é assim que cumpro o meu
dever... / Minha filha também...
CÉLIA - Meu dever me interessa / A cumprir junto a
Lélio uma antiga promessa.
GORGIBUS - Pretendes desfazer os meus entendimentos?
/ Tu não vais desmentir os teus bons
sentimentos! / Por Valério ainda há
pouco... Ah! Mas vejo o meu sócio! / Ele
vem, certamente, ultimar o negócio...
(Villebrequim entra).
Cena XXIII
Os mesmos e Villebrequim.
GORGIBUS - A que devo o prazer de vê-lo tão cedo?
VILLEBREQUIM - A uma história infeliz, a um terrível
segredo, / Que rompe de uma vez nossa
combinação. / Valério, com quem Célia
aceitava a união, / Há quatro meses já,
num lugar escondido, / Vive com uma
mulher de quem se diz marido, / Não
sendo mais meu filho uma simples
criança, / Eu não posso, está claro,
anular essa aliança, / E venho...
GORGIBUS - Não precisa. Isso não vale nada. / Se seu
filho já está com sua vida arranjada, /
Não lhe devo esconder que minha filha
está / Ao Lélio prometida, há muito
tempo já. / E estando aqui presente esse
rapaz virtuoso, / Com certeza será o seu
futuro esposo.
VILLEBREQUIM - Essa escolha me agrada...
LÉLIO - E esse honesto desejo, / De uma vida feliz vai
fornecer-me o ensejo.
GORGIBUS - Vamos determinar, o dia do himeneu...
(Saem todos, menos Sganarello).
SGANARELLO (Só) - Alguém já se julgou mais "cocu" do
que eu? / Vede que, em casos tais, a mais
forte aparência / Nem sempre
corresponde à verdade em essência /
Sobre o exemplo que aí fica é bom que
mediteis. / E embora vejais tudo, em
nada acrediteis...
FIM