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Sessões Clínicas - Diabetes Tipo 2
Critérios para o diagnóstico, avaliação do
risco cardiovascular e recomendações para o acompanhamento.
SUMÁRIO
1. Conceito
2. Epidemiologia
3. O impacto econômico do Diabetes Mellitus
4. Classificação
5. Rastreamento
6. Critérios para o diagnóstico
7. Avaliação clínica inicial
8. Assistência ao paciente diabético
9. Avaliação e estratificação do risco cardiovascular:
9.1 Fatores de risco e estratificação do risco individual
9.2 Identificação das lesões em órgãos-alvo e complicações crônicas
10. Controle glicêmico
11. Educação para o auto cuidado
12. Recomendações para o acompanhamento
13. Pé diabético
14. Prevenção do diabetes
15. Conclusão
DIABETES MELLITUS
1. Conceito
O termo diabetes mellitus refere-se à condição metabólica de etiologia
heterogênea caracterizada por hiperglicemia crônica, com alterações no
metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas resultantes de defeitos na
secreção, ação da insulina ou ambas.1
Constitui-se em doença crônica que requer cuidado médico contínuo, educação
permanente do paciente para o autocuidado e apoio para prevenção das
complicações agudas e redução do risco de complicações tardias. A atenção ao
diabético é complexa e demanda estratégia de redução de risco multifatorial, além
da redução dos níveis glicêmicos.2
2. Epidemiologia
O Censo de 1988 demonstrou prevalência de 7,6 % na população urbana
brasileira entre 30 a 69 anos, e 7,8% de intolerância à glicose nesta mesma faixa
etária.3
Um estudo realizado na população de Ribeirão Preto e publicado em 2003, no
qual foi utilizada a mesma metodologia do censo de 1988, apontou prevalência de
12,1% e 7,7% de pré-diabetes, perfazendo um total de 19,8% destas duas
condições na faixa de 30 a 69 anos.4 A incidência do diabetes é crescente em
todo o mundo, em 1995 atingia 4,0% da população adulta mundial e a estimativa é
que alcançará a cifra de 5,4% em 2025, sendo que o aumento maior será em
países em desenvolvimento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimava 10
milhões de diabéticos para o Brasil para o ano de 2010.5
O VIGITEL- Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por
Inquérito Telefônico- de 2011 demonstrou que a prevalência de diabetes no Brasil
está aumentando. No estudo realizado nas 26 capitais e Distrito Federal 5,6% dos
entrevistados afirmou ter a doença, 5,2% homens e 6% mulheres, sendo que em
2006 os homens correspondiam a 4,4%. Houve aumento do diagnóstico da
doença na faixa etária acima de 65 anos, referida por 21,6% dos entrevistados.6
Em relação ao diabetes gestacional estima-se que 1% a 14% das gestações
complicam-se com esta condição, dependendo da população estudada e do
método diagnóstico utilizado.2
A OMS considera o diabetes uma epidemia fora de controle e inclui o Brasil entre
as nações com um dos maiores números de pessoas acometidas por esta
condição. O aumento da prevalência, nos países em desenvolvimento está
relacionado ao crescimento da população e seu envelhecimento, dietas pouco
saudáveis, obesidade e estilos de vida sedentários.7 Este agravo, junto com
hipertensão arterial, é responsável pela primeira causa de mortalidade e de
hospitalizações, de amputações de membros inferiores e representa 62,1% dos
diagnósticos primários em pacientes com insuficiência renal crônica submetidos à
diálise em nosso país.5
Há um nítido aumento das doenças crônicas e seus fatores de risco em todo o
mundo, em especial nos países com baixo e médio desenvolvimento econômico.
A estimativa do número de diabéticos para as Américas em 2000 era de 35
milhões e para 2025 é de 64 milhões.8
Em 2016 estima-se que 388 milhões pessoas morrerão em todo mundo devido às
doenças crônicas, nas fases mais produtivas de suas vidas e 80% das mortes vão
ocorrer nos países em desenvolvimento. A doença crônica priva as pessoas da
saúde e de sua capacidade produtiva, reduz a expectativa de vida e a
produtividade econômica, pois compromete a quantidade e a qualidade da força
do trabalho do país e resulta em baixos indicadores de desenvolvimento.7
3. O impacto econômico do Diabetes Mellitus
O diabetes é uma condição que resulta em grande ônus social e individual, além
dos custos financeiros decorrentes da perda de produtividade no trabalho,
aposentadoria precoce e mortalidade prematura.5
Os custos diretos em todo mundo para o atendimento ao diabetes variam de 2,5%
a 15% dos gastos nacionais em saúde, dependendo da prevalência local de
diabetes e da complexidade dos tratamentos disponíveis.5 Em março de 2008 a
ADA (American Diabetes Association) publicou um estudo no qual foram utilizados
dados demográficos americanos de 2007, taxas de prevalência da doença, dados
epidemiológicos além de informações econômicas incluindo custos da assistência
à saúde. Essas informações foram obtidas através da literatura, de fontes oficiais
do governo americano e dos provedores de saúde. O estudo fez comparações por
faixa de idade, sexo, tipo de condição clínica e o tipo de seguro saúde.9
Os resultados confirmaram o enorme peso financeiro que esta doença traz a todos
os setores da sociedade através dos seguros pagos por empregadores e
trabalhadores, diminuição da produtividade e comprometimento da qualidade de
vida dos pacientes diabéticos, seus familiares e amigos.
As conclusões do estudo são resumidas a seguir:
Os maiores gastos de assistência ao diabético estão relacionados às
internações hospitalares (50%), medicações e suprimentos (12%), prescrições
para tratar complicações do diabetes (11%) e consultas médicas ambulatoriais
(9%).
Os diabéticos têm em média despesas médicas 2,3 maiores que as pessoas
não diabéticas, ajustadas por idade e sexo, além de maior utilização de todos
os tipos de serviços hospitalares e ambulatoriais, nas diversas modalidades de
atendimento tais como urgências, visitas domiciliares, medicamentos e
serviços de outros profissionais na área de saúde.
O tempo médio de permanência hospitalar para tratamento de condições
clínicas nos diabéticos é maior que o dos não diabéticos em pelo menos 50%,
e para homens com 70 anos ou mais este percentual sobe para 70%.
Grande montante de recursos é gasto com complicações crônicas da doença:
cardiovasculares, renais e neurológicas.
Os custos relacionados à perda de produtividade, absenteísmo no trabalho,
desemprego por incapacidade e morte prematura relacionadas ao diabetes
correspondem a um terço de todo o recurso gasto com esta condição.
Estudo da Organização Mundial de Saúde de 2006 analisou o impacto econômico
provocado pelas mortes causadas pelas doenças crônicas em alguns países,
incluindo o Brasil. Em 2005 a perda do Brasil em decorrência de mortes de causas
cardiovasculares, acidente vascular encefálico (AVE) e diabetes foi cerca de 2,7
bilhões de dólares. A estimativa para 2015 é que os custos atinjam 9,3 bilhões de
dólares.7
4. Classificação do diabetes mellitus2
O diabetes mellitus é classificado em quatro classes clínicas:
-Tipo 1- resultante da destruição das células beta usualmente levando à
deficiência total de insulina
-Tipo 2- resultante do defeito progressivo da secreção insulínica e da resistência
insulínica.
- Diabetes por outras causas- defeitos genéticos na ação insulínica e da função da
célula beta, doenças do pâncreas exócrino, diabetes induzido por drogas ou
substâncias químicas
- Diabetes mellitus gestacional- diagnosticado durante a gravidez.
O diagnóstico do diabetes tipo 1 habitualmente é realizado através de um episódio
agudo, precipitado por uma infecção, stress ou outros fatores, e normalmente não
traz dificuldades para o diagnóstico, o que não ocorre com o diabetes tipo 2.
Alguns pacientes não podem ser classificados claramente em tipo 1 ou tipo 2,
pois a apresentação clínica e a progressão da doença podem variar
consideravelmente em ambos os tipos e diagnóstico verdadeiro só será definido
após algum tempo.2
5- Rastreamento do diabetes tipo 2
Cerca de 50% da população com diabetes desconhece ser portadora da doença,
permanecendo sem diagnóstico até que sinais das complicações crônicas se
manifestem ou ocorra uma internação por problemas agudos.5 Dados do
NHANES (National Health and Nutrition Examination Survey) indicaram uma
prevalência de diabetes de 9,3% na população adulta dos Estados Unidos em
2002, sendo que um terço dos pacientes desconhecia o diagnóstico.10
Não há evidências na literatura que os benefícios do rastreamento populacional
por meio dos testes de glicemia, como realizados em campanhas, sejam efetivos
para identificar a população em risco.10,11 No entanto, a identificação dos grupos
de risco na população assintomática é fundamental para que se proceda ao
planejamento de ações na área das doenças crônicas.
O Ministério da Saúde recomenda o rastreamento de diabetes em adultos
assintomáticos com pressão arterial mantida acima de 135/80 mmHg e não
considera nas suas indicações critérios como obesidade, história familiar ou
faixa etária. A justificativa é a falta de evidências de que o tratamento precoce do
diabetes detectado pelo rastreamento resulte em benefícios, quando comparado
com início deste iniciado na fase clínica.12
Esta orientação é idêntica à preconizada pela US Preventive Services Task
Force, publicada em 2008.13
A Canadian Task Force em 2012 recomenda a utilização de intrumentos validados
como o FINDRISK (Finnish Diabetes Risk Score) e o CANRISK (Canadian
Diabetes Risk Assessment Questionnaire) com o objetivo de identificar pacientes
em risco para desenvolver diabetes e selecionar aqueles que devem submeter-se
aos exames de triagem. No entanto, não existem evidências que tal conduta
resulte em diminuição das taxas de infarto do miocárdio, complicações
microvasculares e morte naqueles grupos classificados como de risco alto e muito
alto. 14
A Canadian Task Force recomenda que a triagem seja realizada
preferencialmente pela dosagem da hemoglobina glicada, que deverá ser repetida
anualmente no grupo de risco muito elevado. Intervalos mais frequentes não
parecem resultar em benefícios, além de aumentar os custos e ser inconveniente
aos pacientes.14
A ADA (American Diabetes Association) em sua publicação de 2013 preconiza
que a triagem deve ser iniciada a partir dos 45 anos e leva em conta os fatores de
risco. Os exames devem ser repetidos a cada três anos na ocorrência de exames
normais e dependendo dos resultados e da estratificação do risco, a conduta
deverá ser individualizada. A seguir estão os critérios preconizados pela ADA para
realização de exames com a finalidade de diagnosticar pré-diabetes em adultos
assintomáticos.2
5-1 Recomendações para triagem do diabetes mellitus tipo 2 em indivíduos
adultos assintomáticos
Adultos de qualquer idade com sobrepeso ou obesidade, com índice de massa
corpórea ≥ 25 Kg/m² e com um ou mais dos seguintes fatores de risco:
- inatividade física
- parentes de primeiro grau com diabetes
- mulheres que tiveram filhos com peso maior ou igual a 4 Kg ou
diagnóstico prévio de diabetes gestacional
- mulheres portadoras de ovários policísticos
- portadores de hipertensão arterial
- HDL colesterol <35 mg/dL e/ou triglicérides >250 mg/dL
- História de intolerância à glicose em testes anteriores, glicemias de jejum
alteradas ou hemoglobina glicada ≥5,7%
- Outras condições clínicas associadas à resistência insulínica (ex:
obesidade grave, acanthosis nigricans)
-História de doença cardiovascular
5-2 Triagem para o diabetes mellitus tipo 2 na infância e adolescência2,15
A incidência de diabetes mellitus tipo 2 na adolescência tem aumentado nas
últimas décadas, embora continue sendo uma condição rara nesta faixa etária. Em
2013 a ADA incluiu nas suas recomendações a triagem de diabetes tipo 2 em
crianças e adolescentes que se encontram acima do peso e apresentam dois ou
mais fatores de risco.
São eles sobrepeso, avaliado por IMC acima do percentil 85 para idade e sexo, a
relação peso a altura superior ao percentil 85 ou peso acima de 120% do peso
ideal de acordo com a altura, somados a pelo menos dois fatores de risco
descritos a seguir:
História familiar de diabetes tipo 2 em parentes de primeiro e segundo
graus
Sinais de resistência insulínica ou condições associadas com resistência
insulínica: acanthosis nigricans, hipertensão, dislipidemia, ovários
policísticos, PIG - pequeno para idade gestacional
História materna de diabetes ou diabetes gestacional
Recomenda-se que a realização dos exames seja iniciada aos 10 anos ou a partir
do início da puberdade e repetidos a cada três anos.
Os exames de hemoglobina glicada, glicemia de jejum ou a glicemia 2 horas após
a sobrecarga de glicose são apropriados para o diagnóstico em paciente
assintomáticos.
6- Critérios para o diagnóstico de diabetes mellitus
O Ministério da Saúde (MS) recomenda a realização de glicemia de jejum no
rastreamento de diabetes mellitus em adultos, utiliza o limite de 126 mg/dL, que
deverá ser confirmado por um segundo exame.12 A Organização Mundial da
Saúde, em sua publicação de 2006, também preconiza a glicemia de jejum como
método para o diagnóstico de diabetes, nos mesmos níveis glicêmicos do MS.
Nesta mesma publicação, este órgão internacional utiliza os mesmos parâmetros
e classificações da ADA em relação à categorização de glicemia de jejum alterada
e tolerância diminuída à glicose, diagnosticadas a partir da glicemia de jejum e
glicemia após o teste de sobrecarga oral de glicose, respectivamente.16,17 A partir
de 2010 a ADA adotou a hemoglobina glicada como um dos exames indicados
para o diagnóstico de diabetes mellitus, recomendação esta seguida no ano
seguinte pela OMS. Ambas preconizam o valor igual ou maior de 6,5% e a
utilização de testes que possuam garantia de qualidade, segurança e valores de
referência internacionais.
A OMS, ao contrário da ADA, não categoriza a condição de pré-diabetes, a partir
do exame hemoglobina glicada.2,16,17A hemoglobina glicada apresenta algumas
vantagens em relação à glicemia de jejum: não há necessidade de jejum, maior
estabilidade pré-analítica, menor variabilidade dia a dia em situações de stress e
vigência de doenças. As desvantagens seriam relacionadas ao maior custo, à falta
de correlação entre a A1C e a média das glicemias em alguns indivíduos, além
das variações que podem ocorrer em algumas condições clínicas como perdas
recentes de sangue, anemias, hemoglobinopatias e gravidez.2 Portanto, critérios
tradicionais para diagnóstico de diabetes, glicemia de jejum e glicemia 2 horas
após a sobrecarga de glicose continuam válidos. Nos quadros 1e 2 estão descritos
os critérios para o diagnóstico de diabetes e pré-diabetes.2
QUADRO 1 – Critérios para o diagnóstico de diabetes mellitus
- hemoglobina glicada A1C≥6,5%*
- glicemia plasmática de jejum ≥ 126 mg/dL em jejum**
- glicemia aleatória ≥ 200 mg/dL, na presença de sintomas (emagrecimento
poliúria, polidipsia)
- Glicemia 2 horas após TTG ≥ 200mg
* deverá ser utilizado método certificado e padronizado
** jejum de no mínimo 8 horas
*** teste realizado utilizando sobrecarga vo de 75 g de glicose anidro
QUADRO 2– Categorias de risco elevado para diabetes (pré-diabetes)
- glicemia de jejum alterada – glicemia plasmática > 100 mg/dL ≤125 mg/dL
OU
- glicemia 2 horas após o TTG – glicemia plasmática > 140 mg/dL < 199 mg/dL
OU
- A1C 5,7-6,4%
7- Avaliação clínica inicial
A avaliação médica inicial deverá ser feita com objetivo de conhecer o paciente,
sua história, confirmar o diagnóstico, se for o caso, e classificar o diabetes.
Constatar a presença ou ausência de complicações da doença, planejar o cuidado
individualizado e estabelecer as bases para um acompanhamento adequado.2,5
Rever tratamentos já realizados, controle glicêmico anterior e atual. Detalhar as
intercorrências passadas tais como internações por descompensação metabólica,
lesões nos pés e a capacidade para o autocuidado. Rever hábitos de vida
relacionados à alimentação e atividade física.
No QUADRO 3 estão descritos os componentes da avaliação clínica e exames
iniciais recomendados.
QUADRO 3- Avaliação dos pacientes portadores de diabetes mellitus 2,5
1- Identificação
Nome, data de nascimento, estado civil, profissão, endereço completo, contatos
residência e trabalho, responsáveis pelo paciente em caso de pessoas sem autonomia.
2- História Clínica
- Data de início do diabetes e forma de diagnóstico (internação, alteração laboratorial)
- Hábitos alimentares: nível de adesão e dificuldades
- história ponderal e de crescimento no caso de crianças e adolescentes
- prática de exercícios: tipo, regularidade e problemas relacionados
-tabagismo atual ou passado
-tipos de tratamento realizados, adesão e os resultados: medicações, dieta, atividade
física
- monitorização glicêmica
- auto-aplicação de insulina: avaliar nível de autonomia
- processo de educação e o nível de conhecimento dos aspectos da doença
- ocorrência de hipoglicemias, frequência, causas e gravidade dos episódios
- internações por descompensação glicêmica ou outras complicações:
microvasculares: retinopatia, nefropatia, neuropatia (história de lesões nos pés, sinais de
disautonomia: gastroparesia, disfunção sexual).
macrovasculares: doença cardiovascular, cerebrovascular, arterial periférica
- aspectos psicológicos
- problemas odontológicos
2-Exame Físico
- peso, altura e Índice de Massa Corporal (IMC), medida da circunferência abdominal
- pressão arterial nas posições: ortostatismo, sentado e deitado
- exame da pele: presença de acanthose nigricans e alterações da gordura subcutânea
devido à aplicação de insulina
- palpação da tireoide
- exame dos pés: inspeção, palpação dos pulsos artérias pediosas e tibiais posteriores;
presença de reflexos de Achiles e patelares-testes de propiocepção, vibração e
sensibilidade aos monofilamentos
- exame da cavidade oral: estado dos dentes e lesões gengivais
3- Avaliação laboratorial
- últimas glicemias realizadas
- hemoglobina glicada – A1C
- HDL e LDL colesterol
- triglicérides
- testes de função hepática
- TSH
- Urina rotina e relação proteína/creatinina
- creatinina e cálculo do RFG
4- Referenciamento para outras especialidades quando indicado
8- Assistência ao paciente diabético
As pessoas que sofrem de diabetes necessitam muito mais que tratamentos
unicamente médicos, mas de suporte para manterem-se estimulados para o
autocuidado, dentro do processo complexo que envolve conviver com uma doença
crônica.18
O diabetes mellitus é uma doença que requer cuidados médicos contínuos e
abordagem educacional do paciente para o autocuidado, com o objetivo de
prevenir as complicações agudas e reduzir as complicações crônicas.2 SAYDADH
SH and cols (2004) descrevem que apenas 37% dos adultos diabéticos avaliados
possuíam hemoglobina glicada abaixo de 7%, 36% apresentava pressão arterial
inferior a 130/80 mmHg e níveis de colesterol total abaixo de 200 mg/dL foram
encontrados em 48% dos indivíduos. Somente 7,3% dos diabéticos atingia as três
principais metas do tratamento A organização de uma assistência adequada ao
paciente diabético deve ser pautada na evidência cientifica, centrada nas
necessidades dos usuários e com as vantagens que a tecnologia da informação
proporciona na melhora progressiva da qualidade da assistência.11
Uma dos maiores desafios é a escolha da estratégia a ser utilizada para alcançar
a adesão ao projeto de atenção ao diabético por parte dos profissionais de saúde.
A prática clínica nem sempre reflete a melhor evidência, pois há uma alta
proporção de cuidados inadequados independentemente do sistema de saúde
analisado.19
Sabe-se que a incorporação da evidência na prática cotidiana dos profissionais é
difícil.
Em uma revisão sistemática de 102 publicações Oxman et al avaliaram diversas
modalidades de intervenções utilizadas visando à melhor prática dos profissionais
de saúde. Foram analisados serviços preventivos, práticas de prescrição,
tratamento de doenças como hipertensão e diabetes mellitus, serviço de
diagnóstico e utilização da atenção hospitalar. A conclusão foi que as intervenções
são complexas e os resultados bastante discordantes na sua efetividade. Os
melhores resultados foram obtidos quando foram associadas mais de uma
estratégia, sendo as mais efetivas as visitas aos profissionais ou opinião de
lideranças locais, que conseguiram reduzir entre 20% a 50%, a incidência de
desempenhos inadequados.20
As intervenções que levam à melhora contínua da qualidade são definidas
como aquelas nas quais os profissionais de saúde estão inseridos em um
processo dinâmico de revisão e mudança do modelo das práticas de trabalho,
resultando em melhor desempenho, redução de custos e melhor qualidade no
cuidado dispensado aos pacientes.21 Existem evidências demonstrando que
intervenções relacionadas ao gerenciamento da doença são efetivas para
melhorar o controle glicêmico nos diabéticos, aumentar o monitoramento pela
hemoglobina glicada, a triagem para retinopatia diabética e lesões dos pés.22
9- Fatores de risco cardiovascular
A identificação precoce e a intervenção adequada no controle dos fatores de risco
para doenças cardiovasculares podem alterar o curso natural da doença, tanto na
prevenção primária, quanto na secundária, com redução da morbimortalidade.
Os fatores de risco convencionais para doenças cardiovasculares (QUADRO 1)
devem ser identificados com o objetivo de estratificar os pacientes em diferentes
perfis, para que ações possam ser direcionadas de acordo com o grau de risco
apresentado pelo diabético.
QUADRO 4– Fatores de risco cardiovascular2,5
-História familiar de doença cardiovascular prematura (familiares de 1º grau –
sexo masculino <55anos e sexo feminino < 45 anos)
-Idade: sexo masculino > 45 anos e sexo feminino > 55 anos
-Tabagismo
-Hipercolesterolemia (LDL-C elevado)
-HDL colesterol < 35 mg/dL
-Triglicérides > 250 mg/dL
-Hipertensão arterial sistêmica
-Diabetes mellitus
-Obesidade (IMC ≥ 30 Kg/m2)
-Gordura abdominal
-Sedentarismo
-Dieta pobre em frutas e vegetais
-Stress psico-social
9-1 Avaliação e estratificação do risco cardiovascular
Para planejamento do cuidado ao paciente diabético, há necessidade de avaliação
sistemática para identificação dos fatores de risco e comorbidades.
9.1.1 Identificação dos fatores de risco e estratificação do risco individual
para doenças cardiovasculares no pré-diabetes e no diabetes
Mais importante do que simplesmente taxar um indivíduo como portador de
diabetes, hipertensão ou dislipidemia, é caracterizá-lo em termos do seu risco
cardiovascular global. A prevenção baseada no conceito de risco cardiovascular
global significa orientar esforços preventivos para abordagem global dos fatores
de risco múltiplos; quanto maior o risco, maior o benefício potencial das
intervenções preventivas e terapêuticas. Para maximizar os benefícios e minimizar
os riscos e custos, é necessário organizar estratégias específicas para diferentes
perfis de risco, levando-se em conta a complexidade e a disponibilidade das
intervenções.23
A intensidade das ações preventivas deve ser determinada pelo grau de risco
cardiovascular estimado para cada paciente. A classificação inicial baseia-se na
história clínica e no exame físico. Posteriormente serão necessários exames
laboratoriais e de imagem para aplicação de escores de risco.
A estratificação do risco deve basear-se na história familiar e pessoal de
antecedentes cardiovasculares, exame clínico e exames laboratoriais.
Vários modelos de predição de risco são disponíveis, mas sistema algum inclui
todas as variáveis desejáveis para avaliação do risco no diabetes.
Muitos autores empregam regras de predição clínica baseada na presença de
fatores de risco, de forma semelhante à estratificação para não diabéticos,
utilizando-se o escore de risco de Framinghan (QUADRO 5).24
QUADRO 5. Escore de Framinghan
Categoria Evento cardiovascular maior
Baixo <10% em 10 anos
Moderado 10 a 20% em 10 anos
Alto >20% em 10 anos
A equação preditiva do “UKPDS Risk Engine” tem alguma evidência de validade
em diabéticos do tipo 2, pois avalia não só os fatores de risco convencionais,
como também a duração do diabetes, o valor da hemoglobina glicada e a
presença de fibrilação atrial, podendo ser acessada gratuitamente via internet.
Esta equação não é válida para pacientes que já apresentaram infarto do
miocárdio. Utilizando-se tal aplicativo, os pacientes são estratificados em 03
categorias (QUADRO 6).25
QUADRO 6. UKPDS Risk Engine
Categoria Eventos: DAC, IAM FATAL, AVE
Baixo <15% em 10 anos
Moderado 15 a 30% em 10 anos
Alto >30% em 10 anos
Os portadores de diabetes mellitus tipo 2 são considerados pacientes de alto risco
cardiovascular; no entanto nem todos os pacientes encontram-se nesta categoria,
ocorrendo uma ampla variedade de apresentações clínicas, que necessitam de
cuidado e abordagem diferenciados. Os diabéticos que não apresentam fatores
de risco cardiovascular associados não são categorizados no grupo de alto risco.26
Tais pacientes necessitam ser reavaliados anualmente quanto ao risco
cardiovascular, aplicando-se a fórmula do UKPDS risk engine.25
Estratificação de acordo com o risco cardiovascular
Risco Baixo- probabilidade de desenvolvimento de eventos vasculares <
15% em 10 anos
Pacientes jovens, com pouco tempo de diagnóstico do diabetes, sem outros
fatores de risco para doença vascular e sem complicações do diabetes. Devem
ser encorajados a manter a sua saúde cardiovascular, tomando-se o cuidado de
não expô-los a potencial iatrogenia, decorrente de rótulos pré-definidos.
Risco Intermediário- probabilidade de desenvolvimento de eventos
cardiovasculares entre 15-30% em 10 anos.
São pacientes que apresentam tempo prolongado de doença e ainda não foram
vítimas de eventos cardiovasculares. Necessitam de intervenções de média
intensidade.
Alto risco- probabilidade de desenvolvimento de eventos cardiovasculares >
30% em 10 anos
Pertencem a esta categoria todos os pacientes que apresentam lesões em órgãos
alvo, eventos vasculares prévios e múltiplos fatores de risco cardiovascular e
encontram-se no grupo de prevenção terciário e devem ser submetidos a
intervenções de alta intensidade.
A estratificação do risco de acordo com a avaliação clínica encontra-se descrita no
QUADRO 7.
QUADRO 7: Dados da história clínica e do exame físico indicadores de risco
alto23
Indicadores do alto risco
-Infarto agudo do miocárdio prévio
-Cirurgia de revascularização miocárdica
-Angioplastia coronariana ou de outros vasos periféricos
-Acidente vascular encefálico ou Ataque Isquêmico Transitório
-Doença aneurismática da aorta
-Claudicação intermitente
-Doença vascular periférica
-Insuficiência cardíaca congestiva de origem isquêmica
-Angina pectoris
-Neuropatia autonômica
-Doença renal crônica
QUADRO 8- Alterações ao exame físico indicativos de risco alto e
necessidade de propedêutica
-Sopros carotídeos
-Diminuição ou ausência de pulsos periféricos
-Hipertensão arterial
-Sinais clínicos de disautonomia (hipotensão ortostática, taquicardia persistente)
-Sinais clínicos de neuropatia sensitiva e motora
-Pé diabético
-Sinais de retinopatia diabética
-Dermatite ocre
9.1.2 Identificação de lesões em órgãos-alvo e detecção de complicações
crônicas
Os mecanismos do aparecimento das complicações ainda não estão
completamente esclarecidos, mas a duração do diabetes e seu controle interagem
com outros fatores de risco, como hipertensão arterial, tabagismo e dislipidemia,
determinando a evolução da micro e da macroangiopatia.5 A doença
cardiovascular é responsável por 80% dos óbitos nos diabéticos, sendo 75%
destes devido à doença cardíaca isquêmica.27 As complicações vasculares
ocorrem prematuramente e com progressão acelerada da doença aterotrombótica.
Muitas vezes, no momento do reconhecimento clínico-laboratorial do diagnóstico
do diabetes, o paciente já apresenta complicações micro e macrovasculares da
doença.28
A história clínica de angina pectoris, infarto do miocárdio, cirurgias para
revascularização do miocárdio, episódio isquêmico ou acidente vascular encefálico
prévio e claudicação intermitente evidenciam a presença de lesões
macrovasculares, que traduzem um comprometimento arterial sistêmico.
Avaliação sistemática deve ser feita para identificação precoce de lesões
microvasculares:
- retinopatia- por meio da avaliação oftalmológica
- nefropatia- avaliação da função renal com realização de sedimento urinário,
creatinina sérica, clearence de creatinina e microalbuminúria.
- neuropatia periférica sensitivo motora e autonômica- exame físico, com
realização dos testes de sensibilidade (propriocepção, vibração e testes com o uso
de monofilamentos)
10-Controle glicêmico
Os resultados do Diabetes Control and Complications Trial Research (DCCT) e do
United Kingdon Prospective Diabetes Study (UKPDS) demonstraram que o
controle rigoroso da glicemia e a manutenção AIC < 7% reduziu o risco de
complicações microvasculares, mas não de eventos cardiovasculares, embora o
UKPDS tenha mostrado uma redução relativa de 16% na incidência de infarto do
miocárdio. Baseados na análise epidemiológica os investigadores concluíram que
ocorre redução significativa de 14% no risco de doença cardiovascular para cada
1% de redução na taxa da A1C.29,30,31
10.1 Avaliação do risco individual para complicações agudas: hiperglicemia
e hipoglicemia
As evidências atuais demonstram que o controle estrito da glicemia está
relacionado à maior sobrevida e diminuição de complicações, que por outro lado
aumenta a ocorrência da hipoglicemia, mesmo naqueles pacientes tratados com
fármacos orais. Muitos pacientes apresentam controle metabólico lábil, com
grandes flutuações na glicose plasmática, a despeito de medidas preventivas, com
episódios graves de hipoglicemia, hiperglicemia e episódios de cetoacidose
diabética.
Os pacientes em risco são aqueles que apresentam irregularidade na ingestão
alimentar, exercitam-se sem os cuidados adequados, consomem álcool e
administram incorretamente a insulina. Os idosos constituem-se em um grupo de
maior vulnerabilidade.5,26
Em pacientes com expectativa de vida limitada, dependência funcional alta,
portadores de doença coronariana extensa com alto risco para eventos
isquêmicos, comorbidades múltiplas, história de hipoglicemias graves e
recorrentes, hipoglicemias não percebidas e diabetes de difícil controle, deve-se
considerar metas menos rígidas de controle glicêmico, A1c entre 7,1 a 8,5%. Nos
pacientes recém diagnosticados e com estabilidade metabólica recomendam-se a
manutenção de níveis mais baixos (6 - 6,5%).32,33
Existe na literatura atual uma discussão sobre a relação do controle intensivo da
glicemia e o aumento de mortalidade por causas cardiovasculares. A metanálise
que utilizou três grandes estudos prospectivos, VADT, ACCORD e ADVANCE,
concluiu que a redução de 1% da A1C foi associada à diminuição de 15% do risco
relativo da ocorrência de infarto do miocárdio não fatal, não demonstrando, no
entanto, impacto no acidente vascular encefálico e na mortalidade por outras
causas.33
10.2 Auto monitoramento do controle glicêmico (AMCG)
Há evidências que a realização das glicemias capilares como parte do tratamento
do diabetes constitui-se em um componente efetivo no tratamento, uma vez que
permite ao paciente avaliar seu controle glicêmico, ajustar sua terapia
medicamentosa e prevenir a hipoglicemia.2,26 A periodicidade e os horários do
AMCG para o diabético tipo 2 em uso de medicação oral não são bem
estabelecidos, mas devem ser ajustados o suficiente para se alcançar as metas
programadas das glicemias. Nos pacientes que estão em uso de insulina, as
glicemias devem ser realizadas com mais freqüência; naqueles em uso de
múltiplas doses de insulina, recomendam-se pelo menos três testes por dia, antes
da prática de exercícios e na suspeita de hipoglicemia.2 O auto monitoramento é
um componente essencial do plano do auto cuidado, e os pacientes devem
receber orientações com o objetivo de capacitá-los a interpretar os dados, utilizá-
los para ajustar a medicação, dieta e a prática dos exercícios. Uma metanálise
publicada em 2006 que estudou o impacto do auto monitoramento glicêmico no
diabetes tipo 2, concluiu que a redução da hemoglobina glicada foi 0,4%. Não foi
possível, no entanto, separar a contribuição do monitoramento glicêmico das
outras intervenções concomitantes como dieta, exercícios e medicações.34
10.3 Hemoglobina glicada
Constitui-se em um exame que permite estimar a média das glicemias nos últimos
2 a 3 meses, sendo uma ferramenta fundamental para avaliar a eficácia das
medidas terapêuticas instituídas. O controle glicêmico deve ser avaliado pela
combinação das glicemias obtidas pelo monitoramento diário da glicemia e da
hemoglobina glicada. Os níveis baixos de A1C estão associados à redução das
complicações microvasculares e neuropáticas e possivelmente macrovasculares,
sendo a meta para a maioria dos pacientes um nível de 7%.32 No quadro 9 está a
correlação entre os níveis de A1C e as médias das glicemias plasmáticas.
QUADRO 9 - Correlação entre os níveis de A1C e a média das glicemias
plasmáticas2
A1C % Glicemia média plasmática- mg/dL
6 126
7 154
8 183
9 212
10 240
11 269
12 298
11. Educação para o autocuidado
Existem evidências consistentes na literatura que comprovam a importância da
educação do paciente como parte da atenção ao diabético e para promover o
autocuidado.
O conhecimento e a habilidade para o auto cuidado são fundamentais para
obtenção do bom controle metabólico, na prevenção e manejo das complicações e
melhora da qualidade de vida.2 Estudos clínicos randomizados controlados e
ensaios clínicos compararam a educação de diabetes tipo 2 realizada através de
grupos com outras modalidades de tratamento rotineiro e nenhuma intervenção.
Os programas educacionais baseados em grupos conseguiram reduzir a pressão
sanguínea, a glicemia de jejum e o peso; além disso, houve melhora na habilidade
para o autocuidado e a qualidade de vida.19
A educação do diabético constitui-se em processo contínuo que tem como objetivo
promover o conhecimento e habilidades necessárias para o autocuidado. Este
deve centrado nas necessidades e experiências do paciente com metas e
objetivos pré- estabelecidos para serem alcançados através da intervenção
educativa e avaliações individualizadas.35
A medida do resultado de um programa educativo deve traduzir-se na mudança do
comportamento em relação ao autocuidado, embora este não seja o único fator na
obtenção de bons resultados no tratamento do diabetes. Outras variáveis também
contribuirão ao longo do tempo: controle da glicemia, pressão arterial, nível de
colesterol e avaliação subjetiva da qualidade de vida.
Todos os pré-diabéticos e diabéticos, independente do grupo de risco a que
pertençam, devem receber orientações gerais abordando aspectos educativos,
prática de atividade física, planejamento alimentar, controle glicêmico, orientações
para interrupção do tabagismo e controle dos fatores de risco cardiovascular.2,35,36
12. Recomendações para o acompanhamento
Considerando-se a abordagem global dos fatores de risco cardiovasculares, as
complicações crônicas existentes, o risco para complicações agudas e as
características individuais do pacientes, sumarizamos no quadro 10 as
recomendações para o acompanhamento dos pacientes diabéticos tipo 2.2,33
QUADRO 10 - Sumário das recomendações para o acompanhamento do paciente
diabético tipo 2
Recomendações
Controle glicêmico:
A1C <7,0%
Glicose plasmática pré-prandial 90–130mg/dL
Pico de glicemia plasmática capilar pós prandial <180mg/dL
Controle da pressão arterial:
Pressão arterial <130/80mmHg
Lípides:
Colesterol LDL (na ausência de doença CV) <100mg/dL
Colesterol LDL (na presença de doença CV) <70 mg/dL
Alvo do C-LDL não alcançado com dose máxima de estatinas ↓40% C-LDL inicial
Colesterol não HDL – risco muito alto ˂100 mg/dL
Colesterol não HDL – risco alto ˂130 mg/dL
Triglicérides < 150mg/dL
Uso do ácido acetilsalicílico * 75-162 mg/dia
Interrupção do tabagismo
Alimentação saudável e redução do peso nos pacientes
com sobrepeso e obesidade
Atividade Física aeróbica moderada a intensa 150 minutos/semana
Avaliação anual para detecção de complicações crônicas
Imunização Influenza anualmente
Pneumococo cada 5 anos
Hepatite B
*Indicada na prevenção secundária e na primária de acordo com o risco cardiovascular e a idade
13- Pé diabético
O risco de desenvolvimento de úlceras nos pés dos diabéticos é de cerca de 25%
durante a vida.2 O diabetes encontra-se associado à maior frequência de
amputação de extremidades, sendo muitas delas potencialmente preveníveis.37 As
lesões que frequentemente resultam em ulceração crônica e amputação são
denominadas “pé diabético”. Podem ser definidas como infecção, ulceração e
destruição de tecidos profundos, associados a anormalidades neurológicas e
vários graus de doença vascular periférica.37
A avaliação do pé dos diabéticos faz parte da rotina da consulta e tem como
objetivo a estratificação do risco e detecção precoce de lesões. O paciente deverá
receber instruções para o autoexame, com ênfase nos aspectos preventivos, na
detecção precoce das alterações e na busca do cuidado apropriado.
No planejamento de ações que envolvem o cuidado do pé diabético é fundamental
a existência de equipe multidisciplinar habilitada para intervenções preventivas,
terapêuticas e de reabilitação e atuar de forma integrada, com o objetivo de
prevenir, detectar e tratar precocemente as complicações.37
Na avaliação clínica devem ser identificados os fatores de risco para lesões nos
pés, pesquisa de sintomas neuropáticos, vasculares e associação de
complicações renais e retinianas (QUADRO 11).38
QUADRO 11 - Componentes da avaliação do pé diabético
História
Ulceração
Amputação
Articulação de Charcot
Cirurgia vascular
Angioplastia
Tabagismo
Neuropatia periférica
Deformidades nos pés
Doença vascular periférica
Comprometimento visual
Nefropatia diabética (especialmente na presença de diálise)
Controle glicêmico inadequado
Tabagismo
Sintomas neuropáticos
positivos (queimação, sensação elétrica)
negativos (dormência, sensação de pé “morto”)
Sintomas vasculares
claudicação
dor em repouso
úlcera que não cicatriza
Outras complicações associadas: renais e retinianas
O exame cuidadoso dos pés é o componente fundamental neste processo e
deverá ser realizado em uma sala bem iluminada. É imprescindível a observação
dos aspectos listados no QUADRO 12.38
QUADRO 12 - Componentes do exame dos pés no paciente diabético
INSPEÇÃO
-Dermatológica
estado da pele: calor, espessura, hidratação
sudorese
fissuras
infecção: avaliar entre os dedos para pesquisa de infecção fúngica
-Músculo-esquelético
deformidades: dedos em garra, cabeça dos metatarsos proeminente, articulações de
Charcot
fraqueza e atrofia muscular
-Avaliação neurológica*
testes com monofilamentos de 10 g e mais teste dos listados abaixo:
sensibilidade vibratória com uso do diapasão (128 Hz)
sensibilidade com objeto pontiagudo
pesquisa de reflexos
reflexo de percepção de vibração com uso do Biothesiometer
-Avaliação vascular
pulsos dos pés
razão da pressão sistólica tornozelo braquial por Doppler < 0,9 (se indicado)
* Idealmente dois testes devem ser realizados, sendo um deles utilizando o monofilamento; um ou
mais testes alterados sugere a presença de perda da sensação de proteção dos pés (PSPP).
Após a análise cuidadosa dos pés, o paciente deve ser estratificado por categorias
de risco, que irão determinar a frequência das avaliações e a necessidade de
especialistas no acompanhamento das lesões. As categorias 2 e 3 estão
associadas a riscos maiores de ulceração, hospitalização e amputação.38
QUADRO 13 - Classificação de risco baseada no exame completo dos pés
Categoria
de risco
Definição Tratamento Seguimento
0 Sem PSPP, DAP e
deformidades
Educação do paciente,
com aconselhamento para
o uso de calçados
apropriados
Anualmente (pelo
clínico ou
especialista)
1 PSPP com ou sem
deformidades
Considerar uso de calçado
apropriado, cirurgia
profilática em casos
indicados
Dar continuidade a
educação do paciente
A cada 3-6 meses
(pelo especialista ou
clínico)
2 DAP com ou sem PSPP Utilizar calçados
apropriados
Avaliação vascular para
acompanhamento
combinado
A cada 2-3 meses
pelo especialista
3 História de úlcera ou
amputação e presença
de ulceração
Igual a categoria 1
Avaliação vascular para
acompanhamento
combinado se DAP
presente
A cada 1-2 meses
pelo especialista
PSPP – perda da sensação de proteção dos pés
DAP - doença arterial periférica
14- Níveis de prevenção
A adoção de medidas preventivas em seus diversos níveis gera impacto na
redução da necessidade do cuidado e no tratamento das complicações. As ações
quando efetivadas precocemente na evolução do diabetes têm maior impacto na
qualidade de vida, sendo mais custo efetivas especialmente se forem capazes de
prevenir as internações.
Todo programa de atenção ao diabético deve conter ações nos três níveis de
prevenção que serão planejadas de acordo com a situação clínica, complicações e
sequelas já existentes e a estratificação do risco cardiovascular.
14.1- Prevenção primária
Conjunto de ações para prevenir ou retardar o início do diabetes mellitus nos
intolerantes à glicose e nos portadores de obesidade, hipertensão e dislipidemia.
Os pacientes com intolerância à glicose seriam os que mais se beneficiariam com
medidas preventivas. As recomendações para este grupo, relativas às mudanças
no estilo de vida, não devem diferir daquelas preconizadas para os
diabéticos.37,39,40,41
Ações:
- adoção de programas de incentivo à prática regular de atividade física;
- orientações gerais sobre dieta saudável;
- redução do peso corporal; manutenção de peso saudável;
- abandono do tabagismo;
- tratamento adequado da hipertensão arterial;
- tratamento da dislipidemia;
- identificação precoce de pacientes em risco de desenvolvimento do diabetes
mellitus tipo 2;
- introdução de programas de estilo de vida saudável em escolares;
- vacinação contra infuenza em adultos com mais de 60 anos;
14.2- Prevenção secundária
A proposta da prevenção secundária é a identificação de pacientes assintomáticos
e que já são portadores diabetes, apresentando alto risco de desenvolvimento de
complicações. Esta prevenção é fundamental na redução de complicações agudas
e crônicas da doença. As intervenções adotadas precocemente na evolução do
diabetes são mais benéficas em termos de qualidade de vida e custo-efetividade,
especialmente se tais ações evitam a internação hospitalar. O tratamento da
hipertensão arterial e da dislipidemia encontra-se no mesmo patamar de
importância.40,41
Ações:
- controle glicêmico rigoroso: automonitoramento da glicemia e redução da
A1C;
- educação para o autocuidado;
- intensificação de hábitos de vida saudáveis com adoção de programas de
incentivo à prática de atividade física;
- terapia nutricional; dieta com características cardioprotetoras;
- considerar farmacoterapia contra tabagismo;
- aspirina em baixa dose;
- redução do peso corporal; manutenção da cintura em faixa saudável;
- tratamento adequado da hipertensão arterial;
- tratamento da dislipidemia;
- medidas preventivas de complicações agudas e crônicas;
14.3 - Prevenção terciária
Inclui toda ação tomada para prevenir ou retardar as consequências das
complicações diabéticas, tais como cegueira, amputação dos pés, doença arterial
coronária, doença renal e resultados adversos da gravidez.37
Ações:
- controle metabólico e pressórico intensivo;
- educação e tratamento efetivo;
- metas mais rigorosas para tratamento e acompanhamento das complicações;
- rastreamento para detecção e tratamento precoce das complicações;
- medidas de reabilitação para prevenção e tratamento das sequelas,
incapacidades e morte prematura;
- prescrição de ácido acetilsalicílico ou clopidogrel nos pacientes com contra-
indicações para seu uso;
- beta bloqueador em pacientes pós-infarto e ICC;
- bloqueadores receptores da angiotensina e/ou inibidores da enzima conversora
de angiotensina nos pacientes com proteinúria e/ou perda da função renal;
A prevenção terciária apresenta grande potencial na redução das complicações,
em especial as relacionadas à cegueira, amputação de membros e desfecho
negativos na gravidez.37
Estudos têm demonstrado a importância das intervenções nos diversos níveis e
seu impacto na prevenção, evolução e redução da morbi-mortalidade. O estudo
EDIC demonstrou, após 17 anos de seguimento dos pacientes, uma redução de
42% do risco relativo da ocorrência de qualquer evento cardiovascular com
controle estrito da glicemia. Uma redução de 2% da A1C foi associada à
diminuição do risco em desenvolver retinopatia e doença renal crônica nos
estudos DCCT e UKPDS.27,29,30,31,33
15 . Conclusão
O planejamento da atenção ao paciente diabético é complexo, envolve uma série
de ações, pressupõe estrutura mínima de atendimento, profissionais capacitados,
acompanhamento sistematizado de resultados e possibilidade de intervenções
adequadas. Um dos grandes desafios é a adesão por parte do paciente às
mudanças dos hábitos de vida, relacionadas à alimentação e prática de exercícios
físicos. Todo programa destinado aos diabéticos deve garantir uma atenção
médica dentro de padrões mínimos de qualidade, direcionada por evidências,
adaptada às necessidades individuais e que propicie melhor qualidade de vida aos
pacientes que convivem com doenças crônicas.
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